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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS GRADUAÇÃO “LATO SENSU”


PROJETO A VEZ DO MESTRE

MARKETING RELIGIOSO

POR FERNANDA CARNEIRO

Orientador: Profª Fabiane Muniz

RIO DE JANEIRO
2004
2
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PÓS GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE

MARKETING RELIGIOSO

Apresentação de monografia a Universidade


Cândido Mendes como condição para conclusão
do curso de Pós Graduação “Lato Sensu” em
Marketing.

Por Fernanda Carneiro


3
AGRADECIMENTOS

À todos que, direta e indiretamente, contribuíram


para a realização deste projeto.
4
DEDICATÓRIA

Àqueles que buscam conhecimento sobre


o tema, e um pouco de espírito reflexivo.
5
METODOLOGIA

Este trabalho foi desenvolvido com base em pesquisa de bibliografias


diversas, inclusive de autores estrangeiros (obras traduzidas). Adotou-se os seguintes
procedimentos: leitura de textos sobre o assunto; seleção dos tópicos mais relevantes;
entrevista via Internet com pesquisador da USP; formatação e impressão da monografia
elaborada.
6
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 7

CAPÍTULO I 10
DISCÍPULOS OU CONSUMIDORES?

CAPÍTULO II 13

A MENTALIDADE CONSUMISTA

CAPÍTULO III 16

LIÇÕES DA HISTÓRIA

CAPÍTULO IV 19

TÉCNICAS DO MARKETING RELIGIOSO

CAPÍTULO V 22

A IGREJA CATÓLICA COMO EMPRESA

CAPÍTULO VI 25

O INSTITUTO BRASILEIRO DE MARKETING CATÓLICO

CAPÍTULO VII 27

A IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS

CAPÍTULO VIII 32

AVALIANDO AS POLÍTICAS DE CRESCIMENTO DA IGREJA

CAPÍTULO IX 35

A MÍDIA RELIGIOSA

CAPÍTULO X 38

A RELIGIÃO ORIENTADA PARA RESULTADOS

CAPÍTULO XI 41

O DESMANCHE DO CAMPO RELIGIOSO TRADICIONAL

CONCLUSÃO 44

BIBLIOGRAFIA 47

ANEXO – TEXTO DO JORNALISTA ARNALDO JABOR 48


7
INTRODUÇÃO
A década de 80, para as igrejas evangélicas em geral, foi marcada pelo
crescimento vertiginoso do movimento pentecostal no Brasil. O pentecostalismo em
crescimento é caracterizado pelo surgimento de um sem-número de igrejas autônomas,
organizadas em torno de líderes e se opõe ao pentecostalismo clássico ou histórico,
como o das Assembléias de Deus, por exemplo. Enquanto o clássico é
institucionalizado, baseado em um corpo de doutrinas calcadas no batismo do Espírito
Santo, na busca da santificação e na ética restritiva de costumes, o autônomo se baseia
nas propostas de cura, de exorcismo e de prosperidade sem enfatizar a necessidade de
restrições de cunho moral e cultural para se alcançar a bênção divina. A igreja que mais
simboliza este movimento é a Igreja Universal do Reino de Deus que cresce em número
de fiéis e em acumulação de capital e propriedades, tendo chegado a comprar, no final
dos anos 80, uma Rede de Televisão.

A grande adesão da população empobrecida, e pouco esclarecida, às igrejas


pentecostais autônomas é muito analisada do ponto de vista da manipulação a que esta
população está sujeita. Mas o fato é que a adesão é voluntária e representa a busca de
alívio às dores desta parcela da população, bem como uma resposta positiva aos grupos
que ousaram oferecer uma proposta religiosa alternativa aos sofrimentos.

Esta forte presença pentecostal é sentida na vida do país principalmente de


duas formas: um alto investimento em espaços na mídia (compra de rádios, jornais e
redes de TV); e presença no Poder Público, destacando-se, por exemplo, a contribuição
para o estabelecimento de uma “bancada evangélica” no Congresso Nacional,
fornecendo o maior número de deputados. O confronto da Igreja Universal do Reino de
Deus com a Igreja Católica e os cultos afro-brasileiros e os escândalos envolvendo
acúmulo de patrimônio do Bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal, tiveram uma
cobertura bastante ampla da imprensa secular, o que popularizou a discussão do
crescimento pentecostal.

O crescimento pentecostal tem exercido uma influência decisiva sobre as


igrejas históricas, inicialmente perplexas diante do fenômeno. Em primeiro lugar, ele toca
na ferida que tem marcado o protestantismo histórico brasileiro – a estagnação e o não
crescimento numérico significativo -, provocando como que uma “inveja santa” e uma
espécie de motivação para se voltar a perseguir um aumento de fiéis. A influência se
8
concretiza de maneira especial no reforço aos grupos avivalistas, de tendência
carismática, que, a partir da similaridade de propostas e posturas com o
pentecostalismo, passa a conquistar espaços significativos na vida das igrejas históricas
e abre espaço para que elas alcancem algum crescimento numérico.

Paralelamente, surgem no Brasil com toda a força duas correntes religiosas


denominadas “Teologia da Prosperidade” e “Guerra Espiritual”, que conquistam o
coração e mente das igrejas históricas. O sucesso destas formas religiosas estaria
garantido pela perfeita integração com a conjuntura da sociedade neoliberal. Numa
lógica de exclusão, prega-se que os que almejam ser incluídos poderiam abraçar as
promessas de prosperidade material sendo fiéis a Deus material e espiritualmente. Na
mesma direção, prega-se que é necessário varrer o mal que impede que a sociedade
alcance as bênçãos da prosperidade, por isso, “os filhos do Rei” devem invocar todo o
poder que lhes é de direito.

Esta pregação sobre o direito a reinar com Deus e desfrutar das suas riquezas
e do seu poder parece responder à necessidade de aumento da auto-estima dos
membros das igrejas tradicionais, inferiorizados pelo crescimento pentecostal e
vitimados pelas políticas neoliberais excludentes implantadas no país.

A crise experimentada pelas esquerdas perante os novos paradigmas no


campo político, é refletida nos grupos minoritários evangélicos defensores da
responsabilidade social das igrejas, com participação política e comunitária, e do
ecumenismo. As propostas mundiais que ajudavam a dar referências a estes grupos
enfrentam o fracasso e torna-se difícil apresentar propostas pastorais alternativas ao
novo quadro hegemônico que se configura.

Desta forma, aspectos da ideologia neoliberal encontram-se presentes nas


igrejas evangélicas por meio das novas correntes religiosas e provoca fortes mudanças,
com reflexos diretos na prática de comunicação dos variados grupos. O mesmo
movimento do mercado globalizado de reconhecer os meios de comunicação de massa
como espaços estratégicos na nova ordem econômica mundial pode ser percebido no
campo dos grupos religiosos. No entanto, muitos dos investimentos partiram de grupos
seculares que, no início dos anos 90, detectaram um campo quase virgem para sua
atuação mas muito promissor diante da conjuntura religiosa: os consumidores
evangélicos. É a partir daí que surge o “mercado gospel”, que explode principalmente no
9
mercado fonográfico, mas também com grande força no editorial.
Se já era grande o número de cantores evangélicos, com o incentivo do
mercado tem início uma verdadeira proliferação de artistas, agora com uma nova
característica: passam a ser profissionais da música com a realização de shows par
promover seu trabalho (inclusive em casas de espetáculos populares) e cobrança direta
ou indireta de cachês para apresentação em igrejas e eventos vários. Com isso ganham
força as rádios evangélicas, em especial as FM’s, que buscam público jovem.

Os grandes magazines também descobriram os consumidores evangélicos.


Se, no passado, para um fiel ou simpatizante buscar artigos específicos, como
camisetas ou livros, deveria procurar as tradicionais “livrarias evangélicas”, hoje pode ir a
qualquer grande magazine ou rede de supermercados que vai encontrar facilmente o
que procura. Importa também destacar que o mercado gospel passa a também
representar uma fonte alternativa de renda e de trabalho para o crescente número de
desempregados vinculados as igrejas.

Calcula-se que o rebanho de evangélicos no Brasil já supere 35 milhões de


pessoas com necessidades de consumo iguais às que têm qualquer outro simples
mortal. A cada ano, cerca de 2,5 milhões de pessoas se tornam evangélicas no país.

A polarização nas últimas eleições presidenciais no Brasil em 1989 (Collor x


Lula), 1994 e 1998 (FHC x Lula), encarnava nitidamente o espírito neoliberal que invadia
o país: era a “modernidade” versus o “atraso”. Ou seja, a proposta de introdução do
Brasil na era da globalização, com o custo social que tivesse, era apresentada como
superior ao discurso da esquerda que falava em justiça social, igualdade, distribuição de
riquezas. Na Igreja, um mesmo tipo de polarização é introduzida: a modernidade é
representada pela apresentação dos resultados por meio de cifras, do patrimônio, do
número de fiéis, da absorção da “cultura gospel”. Este princípio tem gerado o surgimento
de empresas especializadas em marketing cristão, tendo os grupos evangélicos como
público privilegiado.
10

CAPÍTULO I
Discípulos ou Consumidores?
11
1 - Discípulos ou Consumidores?

Em determinada ocasião, o Senhor Jesus teve de fazer uma escolha entre ter
cinco mil pessoas que o seguiam por causa dos benefícios que poderiam obter dele, ou
ter doze seguidores leais, que o seguiam pelo motivo certo. Uma decisão entre muitos
consumidores e poucos fiéis discípulos (fazendo referência à multiplicação dos pães
narrada em João 6). Lê-se que a multidão, extasiada com o milagre, quis proclamar
Jesus como rei, mas Ele recusou-se (João 6.15). No dia seguinte, Jesus também se
recusa a fazer mais milagres diante da multidão pois percebe que o estão seguindo por
causa dos pães que comeram. Sua palavra acerca do pão da vida afugenta quase todos
da multidão, à exceção dos doze discípulos, que afirmam segui-lo por saber que ele é o
Salvador, o que tem as palavras de vida eterna.

Jesus poderia ter satisfeito as necessidades da multidão e saciado o desejo


dela de ter mais milagres, sinais e pão. Teria sido feito rei e teria o povo ao seu lado.
Mas o Senhor preferiu ter um punhado de pessoas que o seguiam pelos motivos certos
a ter uma vasta multidão que o seguia pelos motivos errados. Preferiu discípulos a
consumidores.

Infelizmente, parece prevalecer entre os evangélicos em nossos dias uma


mentalidade bem semelhante à da multidão nos dias de Jesus. Muitos, influenciados
pela febre de consumir que vem crescendo nas sociedades capitalistas, têm assumido
uma postura de consumidores quando se trata das coisas do Reino de Deus. O
consumismo encontrou a porta da igreja evangélica. Por consumismo entende-se o
impulso de satisfazer as necessidades, reais ou não, pelo uso de bens ou serviços
prestados por outrem. As coisas ganham importância, validade e relevância à medida
em que são capazes de atender estas necessidades.

Esta mentalidade tem permeado, em grande medida, as programações das


igrejas, a forma e o conteúdo das pregações, o tipo de liturgia, e as estratégias para
crescimento de comunidades locais. Tudo é feito com o objetivo de satisfazer as
necessidades emocionais, físicas e materiais das pessoas. E, neste afã, prevalece o fim
sobre os meios. Métodos são justificados à medida em que se prestam para atrair mais
freqüentadores, e torná-los mais felizes e dispostos a continuar freqüentando as igrejas.
12

Cada vez cresce mais o Marketing nas igrejas na área de aconselhamento,


com um número alarmante de profissionais cristãos oferecendo ajuda psicológica
através de métodos seculares. A indústria de música cristã tem crescido
assustadoramente, abandonando por vez seu propósito inicial de difundir o Evangelho e
tornando-se cada vez mais um mercado rentável como outro qualquer. A maioria das
gravadoras evangélicas nos Estados Unidos pertence a corporações seculares de
entretenimento.

Um efeito da mentalidade consumista das igrejas é o que tem sido chamado


de “a síndrome da porta giratória”. As igrejas estão repletas de pessoas buscando
sentido para a vida, alívio para suas ansiedades e preocupações, ou simplesmente
diversão e entretenimento evangélicos. Muitas delas estão simplesmente passeando
pelas igrejas, como quem se passeia por um shopping center. Assim, elas escolhem
igrejas como escolhem refrigerantes. Tão logo a igreja que freqüentam deixa de
satisfazer as suas necessidades, elas saem pela porta tão facilmente quanto entraram.
As pessoas escolhem igrejas onde se sintam confortáveis, e se esquecem de que
precisam na verdade de uma igreja que as faça crescer em Cristo e no amor para com
os outros.
13

CAPÍTULO II
A Mentalidade Consumista
14
2 - Charles Finney e a mentalidade consumista
Um dos mais decisivos fatores para o surgimento da mentalidade consumista
na igreja evangélica é a influência da teologia e dos métodos de Charles Finney. Houve
uma profunda mudança no conceito de evangelização devido ao seu trabalho. Na obra
Sistematic Teology (1976), escrita no final de seu ministério, Finney abraça ensinos
estranhos ao Cristianismo histórico. Ele ensina que a perfeição moral é condição para
justificação e que ninguém poderá ser justificado de seus pecados enquanto tiver
pecado em si; afirma que o verdadeiro cristão perde sua justificação (e
conseqüentemente a salvação) toda vez que peca; afirma que o homem é perfeitamente
capaz de aceitar por si mesmo, sem a ajuda do Espírito Santo, a oferta do Evangelho.
Mais surpreendente ainda, Finney nega que Cristo morreu para pagar os pecados de
alguém; ele havia morrido com um propósito, o de afirmar o governo moral de Deus.
Quanto à aplicação da redenção, ainda nega a idéia de que o novo nascimento é um
milagre operado sobrenaturalmente por Deus na alma humana. Para ele, “regeneração
consiste em o pecador mudar sua escolha última, sua intenção e suas preferências; ou
ainda, mudar do egoísmo para o amor e a benevolência”, e tudo isto movido pela
influência moral do exemplo de Cristo ao morrer na cruz.

Finney, reagindo contra a influência calvinista que predominava no Grande


Avivamento ocorrido na Nova Inglaterra do século passado, trocou a ênfase que havia à
pregação doutrinária pela ênfase em fazer com que as pessoas “tomassem uma
decisão”, ou que fizessem uma escolha. No prefácio da sua obra, ele declara a base da
sua metodologia: “Um reavivamento não é um milagre ou não depende de um milagre,
em qualquer sentido. É meramente o resultado filosófico da aplicação correta dos
métodos”.

Na teologia de Finney, Deus não é soberano, o homem não é pecador por


natureza, o novo nascimento é produzido simplesmente por técnicas bem sucedidas,
e o avivamento é resultado de campanhas bem planejadas.

Antes de Finney, os evangelistas reformados aguardavam sinais ou


evidências da operação do Espírito Santo nos pecadores, trazendo-os debaixo de
convicção de pecado, para então guiá-los a Cristo. Não colocavam pressão sobre a
vontade dos pecadores por meios psicológicos, com receio de produzir falsas
conversões. Ele, porém, seguiu caminho oposto, e seu caminho prevaleceu. Já que
15
acreditava na capacidade inerente da vontade humana de tomar decisões espirituais
quando o desejasse, suas campanhas de evangelismo e de reavivamento passaram a
girar em torno de um simples propósito: levar os pecadores a fazer uma escolha
imediata de seguir Cristo. Com isso, introduziu novos métodos nos seus cultos, como
o “banco dos ansiosos” (de onde veio a prática moderna de se fazer apelos por uma
decisão imediata ao final da mensagem), o uso de quaisquer medidas que
provocassem um estado emocional propício ao pecador para escolher a Deus, o que
incluía apelos emocionais e denúncias terríveis de pecado e do juízo.

O impacto dos métodos reavivalistas de Finney no evangelicalismo moderno


são tremendos. Seus sucessores têm perpetuado esses métodos e mantido as
características do fundador: o apelo por decisões imediatas, baseadas na vontade
humana; o estímulo das emoções como alvo do culto; o desprezo pela doutrina; e a
ênfase que se dá na pregação a se fazer uma escolha, em vez da ênfase às grandes
doutrinas da graça. As igrejas evangélicas de hoje, influenciadas pela teologia e pelos
métodos de Finney, têm adotado táticas e práticas em que as pessoas são vistas
como clientes, promovendo a mentalidade consumista.

O Senhor Jesus preferiu doze seguidores genuínos a uma multidão de


consumidores. É preciso reconhecer que as tendências modernas em alguns quartéis
evangélicos é a de produzir consumidores, muito mais que reais discípulos de Cristo.
16

CAPÍTULO III
Lições da História
17
3 – Lições da História

O cristianismo chamado evangélico pode ser dividido em três movimentos


respectivamente chamados de: liberalismo teológico, e está na extrema esquerda;
fundamentalismo bíblico, que está na extrema direita e que representa a posição clara e
fiel em relação a toda a santa doutrina bíblica; e o neo-evangelicalismo que em seu
espírito conveniente, tenta ilusioriamente ficar no meio, mas sempre acaba caindo para
o lado do liberalismo, isso, porque crê nas doutrinas fundamentalistas bíblicas, mas não
milita em favor das mesmas, nem se separa dos que não crêem nestas doutrinas,
especialmente dos pentecostais carismáticos.

A história do fundamentalismo bíblico é dividida em quatro fases: na primeira


fase o grande inimigo era o liberalismo teológico que ameaçava destruir as Igrejas
conservadoras através de um “ataque a inspiração bíblica”, a própria divindade de
Cristo. Os fundamentalistas bíblicos se reuniram para defender a fé bíblica, e criaram 14
fundamentos dos quais não podiam arredar. Muitos quiseram participar do movimento
fundamentalista, por isso, houve pressão para que fosse reduzida a declaração da fé
original, composta de 14 itens.

Depois de muita negociação foram cortados nove pontos e a declaração da fé


ficou reduzida a simples cinco pontos. Esse erro de afrouxar a declaração doutrinária,
para que houvesse mais adesões, custou caro ao movimento fundamentalista. Com uma
declaração de fé geral demais, onde até os pentecostais podiam concordar, muitas
pessoas aderiram ao movimento fundamentalista sem ter o verdadeiro espírito do
fundamentalismo bíblico, que é defender a doutrina bíblica sem se importar com o preço
a ser pago, ou seja, o fundamentalismo genuíno não age baseado em conveniências,
mas em fidelidade aos princípios eternos da palavra de Deus.

Após ter passado o entusiasmo com a primeira fase do movimento, começou


a acontecer sérias discordâncias entre aqueles que eram realmente fundamentalistas
bíblicos e aqueles que entraram no movimento apenas por conveniências pessoais. Os
verdadeiros fundamentalistas queriam fortalecer cada vez mais as posições
fundamentalistas, especialmente a separação Eclesiástica. Os pseudo-fundamentalistas
ou fundamentalistas de conveniência, queriam adotar a fé fundamentalista mas ao
mesmo tempo continuar dialogando e trabalhando com os liberais e pentecostais, com a
finalidade de tirar suas dúvidas e convencê-los a se tornarem fundamentalistas e
18
aproveitar algumas vantagens e conveniências que eles tinham a oferecer, tais como:
congressos para pastores e líderes, seminários, cursos de pós-graduação, prática
litúrgica liberal ou pentecostalizada, etc. Os pseudo-fundamentalistas, dentro do
movimento fundamentalista, queriam a todo custo, fazer uma diferenciação de valores
entre o que era “doutrina” e o que era a “prática” numa clara contradição com o princípio
histórico dos genuínos fundamentalistas. Para o neo-evangélico, o uso de bateria e
palmas, por exemplo, é uma questão de prática, e não de doutrina. Esquecendo que o
uso de bateria viola o princípio bíblico de culto racional e de não imitação do mundo.

A briga interna no meio do fundamentalismo acabou por rachar o movimento


em dois grupos: um lado continuou se chamando “fundamentalista” e o outro, adotou o
nome “neo-evangélico”. A partir da divisão o fundamentalismo passou a ter dois
adversários: o que estava fora, o liberalismo teológico, e o que tinha saído de dentro do
próprio fundamentalismo, o neo-evangelicalismo.

O neo-evangélico pode se passar por muito tempo como um fundamentalista


sem que seja facilmente detectado, isso porque em geral, os neo-evangélicos dizem crer
em tudo que o fundamentalista crê, porém a sua declaração de fé fica só no discurso; na
primeira oportunidade que sua fé é testada ele cederá lugar a conveniência.
19

CAPÍTULO IV
Técnicas do Marketing Religioso
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4 - As técnicas de Marketing Religioso

Dezenas de milhares de pessoas reunidas em estádios ou em antigos


galpões de fábricas transformados em templos. Cerimônias celebradas com muita
música e dança, o que estimula o clímax dos presentes, transmitidas por canais da TV
aberta. Até há alguns anos, o cenário seria típico de um culto evangélico. Entretanto,
hoje, encontramos cenas muito parecidas nas missas católicas celebradas pelo padre
Marcelo Rossi e outros sacerdotes apostólicos romanos. Esse fenômeno adotado pela
igreja, de técnicas marketeiras utilizadas originalmente pelas igrejas neopentecostais, foi
analisado pelo sociólogo e pesquisador da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da USP, André Ricardo de Souza, em sua dissertação de mestrado intitulada
Padres Cantores, Misas Dançantes: a opção da Igreja Católica pelo Espetáculo com
Mídia e Marketing. “O estudo tem suas origens em um projeto de Iniciação Científica,
feito durante a graduação, quando comecei a estudar Renovação Carismática da Igreja
Católica, enfocando suas organizações de marketing”, explica o pesquisador.

O padre Marcelo Rossi aparece como ator central da dissertação, que enfoca
o interesse da mídia pelo mercado religioso. “Sentindo-se ameaçada pela concorrência
com outras igrejas, a Igreja Católica passou a copiar as técnicas do neopentecostalismo,
principalmente da Igreja Universal do Reino de Deus, como a benção para públicos
segmentados – como jovens universitários e mulheres solteiras – criando um movimento
que chamo de Renovação Popularizadora. Isso inclui a adoção dessas práticas
massivas, a ênfase não mais nos pequenos grupos de oração, mas em técnicas de
marketing, como venda de CD’s e propagandas”, diz ele. “O episódio transmitido por
diversos canais, do chute dado por um pastor na estátua de uma santa, acendeu esse
movimento de reação com a união da Igreja e de alguns setores da mídia que
repudiaram o ato”.

Segundo André, o padre começou a ficar famoso quando essa afinidade de


interesses passou a permitir a transmissão de suas missas pela televisão (a primeira em
1998), muitas vezes ao vivo. “Existem dois pólos da Renovação Popularizadora, que é
diferente da Renovação Carismática, movimento mais voltado para a classe média que
concentra a Diocese de Santo Amaro, onde Rossi atua, e a Arquidiocese do Rio de
Janeiro, com o padre Zeca, que além de cantor é surfista”, conta. “A Renovação
Popularizadora é voltada às pessoas de baixa renda, que se encontravam distantes da
Igreja, mas que não querem ou não podem ter muitas obrigações após o término da
21
missa pelo fato de terem uma vida muito corrida, tipicamente urbana”.

O estudo foi baseado em entrevistas com padres, artigos de jornais, revistas e


livros. De acordo com André, apesar das críticas de alguns setores da Igreja, o fato dele
ficar em evidência por meio da Renovação Popularizadora é interpretada como fator
positivo. “As críticas se referem à necessidade dessas missas terem mais conteúdo
social, com espaços reservados para questões relacionadas às injustiças sociais, o que
quase não acontece”, afirma.
22

CAPÍTULO V
A Igreja Católica como Empresa
23
5 – A Igreja Católica como Empresa

5.1) Os 4 P's
A Igreja Católica possui em todo o mundo, um total de aproximadamente um
bilhão de fiéis; um número maior do que todos os consumidores de Coca-Cola ou dos
fumantes dos cigarros Malboro, ou ainda dos degustadores dos sanduíches do Mc
Donald's e de tantas outras “marcas” líderes.

Qual o produto oferecido pela religião, e que diferencial ele apresenta para
conseguir atrair um público-alvo tão fiel? Seria a fé, a paz e harmonia, os ensinamentos
de Jesus Cristo, a misericórdia divina? Não, na verdade, o principal produto da Igreja
Católica é a Salvação ou a Vida Eterna; os demais itens apresentados seriam apenas
meios práticos e concretos para se chegar à Salvação.

Um produto como este deveria possuir um elevadíssimo preço de custo, já


que precisa adaptar-se às diversas especificidades do imenso target. E no entanto, é
nesse ponto, no Preço, que o produto Salvação possui uma de suas características mais
invejáveis: o custo para o consumidor é zero. Além disso, a Praça onde esse produto é
encontrado é mais do que suficiente. No Brasil, a Igreja conta com mais de sete mil
paróquias e catorze mil sacerdotes.

Mas o que pode-se perceber é que a Igreja Católica vem perdendo cada vez
mais espaço em terrenos que dominava anteriormente. Com o melhor produto, melhor
preço e bastante disponível aos seus consumidores, identificamos o principal problema,
ou o calcanhar de Aquiles, na Promoção; sobretudo porque não sabe se comunicar. Por
exemplo, a Igreja Católica tem uma rede de cerca de 140 rádios, mas a audiência é
baixíssima. As rádios não dão ibope pelo amadorismo com que são conduzidas. Para
alavancar a audiência não basta delegar a comunicação a uma pessoa evangelizada e
cheia de boa vontade. O resultado é uma programação muito piegas. Um resultado
desastroso. Quando os bispos tentam evitar esse problema, caem em outro: contratam
profissionais que não conhecem os valores católicos, fazendo com que a comunicação
fique truncada e vire ruído. O que falta à igreja católica não é dinheiro, mas sim visão de
investimento e de marketing.
24
5.2) O Processo de Administração
A Igreja, vista como um organismo composto de membros com funções
(dons) e necessidades diversas, requer uma organização e administração voltadas para
maneiras criativas que possibilitem a expressão destas funções, bem como criar
mecanismos onde cada necessidade daquele corpo de crentes possa ser suprida por
eles mesmos e almas perdidas possam ter uma oportunidade válida de conhecer o
plano de salvação.
Nenhum dinheiro é designado às paróquias além do sustento do pároco. Nem
existem esquemas de administração em conjunto criados pela diocese. Só as paróquias
mais ricas conseguem pagar um administrador paroquial.

O processamento das atividades da igreja deve ser organizado pela paróquia,


o que muitas vezes coloca o peso de administração nas costas do clero.

A idéia do sistema de quotas é a de redistribuir os recursos das paróquias


ricas para aqueles que não podem se sustentar. A crise financeira em algumas dioceses
obriga a igreja a aceitar ajuda ecumênica em novas áreas porque ela não pode cobrir os
custos da expansão do seu ministério sozinha. O dinheiro não é designado de acordo
com a miséria da área, ou pensando em apoiar um investimento de curto prazo que
devolverá o dinheiro no futuro através de uma doação maior, uma congregação maior ou
com a colocação de clérigos de várias classes sociais.

O papel da independência nestas situações pode criar igrejas sem nenhum


compromisso com a expansão, ou até com sua própria viabilidade financeira a longo
prazo. Esta política também tem os seguintes efeitos nas atividades de marketing das
igrejas:
a) os recursos não seriam designados em termos de necessidade e, então, os novos
mercados como aqueles representados por “Áreas de Prioridade Urbana” pode
não receber fundos suficientes para o trabalho necessário para abrir um “novo
mercado”.
b) as igrejas que crescem podem ser punidas por causa do seu crescimento,
enquanto aqueles que não crescem podem ser recompensados por não crescer.
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CAPÍTULO VI
O Instituto Brasileiro de Marketing Católico
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6 - O Instituto Brasileiro de Marketing Católico

O Instituto, idealizado pelo consultor de Marketing Católico, Antonio Miguel


Kater Filho, que há mais de quinze anos vinha prestando esse serviço à diversas
instituições religiosas, foi oficialmente fundado em 1998, com o apoio imprescindível de
D. Fernando Figueiredo, Bispo de Santo Amaro. Nasceu com o objetivo de promover,
difundir e incentivar a utilização das modernas técnicas de Marketing e Comunicação
entre as instituições católicas.

O Instituto de Marketing Católico, por seus estatutos, tem como finalidade:


I. prestar assessoria especializada à Igreja Católica nas Dioceses, Paróquias,
Instituições Religiosas e Sociais, assim como a movimentos eclesiais, Pastorais,
organismos, associações e outros;
II. promover encontros de Marketing a nível regional, nacional e internacional;
III. assessorar Dioceses, Paróquias, Instituições Religiosas, Pastorais e Organismos
católicos em projetos de evangelização;
IV. desenvolver iniciativas na área de Marketing católico destinadas a difundir a
mensagem do Evangelho numa visão ecumênica;
V. colaborar com entidades nacionais ou internacionais com ideais e finalidades
idênticas em projetos voltados para a divulgação e Marketing católico;
VI. congregar profissionais das diversas áreas em estudos, planejamento, intercâmbio,
debates, seminários, congressos, cursos e eventos com o objetivo de aprimorar
a capacitação dos agentes que atuam na missão evangelizadora da Igreja
Católica no Brasil;
VII. propagar os ideais e objetivos da entidade entre os poderes constituídos e
organismos da iniciativa privada;
VIII. manter convênios com pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou internacionais,
para atuação em projetos que atendam a objetivos comuns;
IX. prestar à comunidade serviços na forma de congressos, cursos, seminários,
exposições, espetáculos, filmes, mostras, publicações e concessão de bolsas de
estudo.
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CAPÍTULO VII
A Igreja Universal do Reino de Deus
28
7 – A Igreja Universal do Reino de Deus

A Igreja Universal do Reino de Deus é um empreendimento de constituição


recente, organizada no Rio de Janeiro em 1977 por um pequeno grupo de pentecostais
oriundos da Igreja de Nova Vida. Participaram de sua fundação Edir Macedo de Bezerra
(ex-católico e ex-protestante), seu cunhado Romildo Ribeiro Soares e Roberto Augusto
Lopes.

Poucos anos depois, o grupo original que fundou a IURD se dissolveu e Edir
Macedo se tornou o líder absoluto. Em 1980, R. R. Soares fundou o seu próprio
movimento, a Igreja Internacional da Graça de Deus.

O sucesso da Igreja Universal pode ser medido pelo número de templos


abertos até 1995: 2.014 no Brasil e 236 em 65 países. A média de inaugurações naquele
período foi de 9,32 novos templos por mês no país. A expansão da IURD no exterior
começou em 1985 quando abriu um templo no Paraguai. Porém, o crescimento externo
somente ganhou corpo após sua chegada aos Estados Unidos em 1987.

Diante disso, uma retórica triunfalista invadiu todos os meios de comunicação


social. Um bom exemplo foi o documentário televisivo preparado para comemorar o 20º
aniversário da Igreja de Edir Macedo, no qual afirmava-se: “Este documentário foi
preparado sob a responsabilidade do Espírito Santo”, e seguia: “Enquanto estava sendo
preparado nossa igreja não parou de crescer em todo o mundo”. O bispo Macedo assim
explica: “Atribuo à ação do Espírito Santo o crescimento da Igreja. Não se trata de
marketing bem feito, boa administração, nem qualquer razão humana. É a ação do
Espírito Santo mesmo!”

Freqüentemente, essa rápida expansão procura-se legitimar pela lógica


capitalista de que os resultados obtidos justificam os meios empregados. Tamanho
sucesso provocou uma crescente visibilidade do empreendimento na mídia,
especialmente após a aquisição, no final de 1989, de uma rede de televisão, o que
permitiu que inimigos e adversários de todas as espécies também formassem uma
colisão anti-iurdiana. Hoje eles estão na mídia, nos grupos intermediários que
monopolizavam o campo cultural, religioso e simbólico do país, tais como a Igreja
Católica, as várias denominações pertencentes ao protestantismo histórico, ao
pentecostalismo clássico, as religiões afro-brasileiras e kardecistas, assim como em
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instâncias do campo político.
Como resultado disso, a Igreja Universal tem sido apresentada como exemplo
de chantagem e de exploração comercial da fé ingênua das pessoas mais simples,
resultando tais denúncias em processos parlamentares, investigações policiais e
judiciais em várias partes do mundo.

“Edir Macedo é uma águia. Montou uma Igreja baseada no sincretismo para
saquear o bolso das pessoas, (...) não pode se associar o pentecostalismo à
picaretagem, à esse saqueamento psicológico e espiritual feito ao bolso das pessoas” -
Pastor Caio Fábio à Revista Isto É (Jan/95).

7.1) A identidade da IURD


Quem é a IURD? Que forças sociais e religiosas estão na sua retaguarda, e
que técnicas empregam seus dirigentes para transformá-la em uma organização tão
rica e próspera? Que peculiaridades organiza-cionais e teológicas se fazem presentes
nesse empreendimento? Seria apenas uma empresa comercial, que ávida de lucro
assumiu uma linguagem religiosa para “vender” ilusões e esperanças? Ou seria uma
nova maneira de ser Igreja, sintonizada com os desejos de pessoas pertencentes às
camadas sociais mais sujeitas à pobreza, que vivem sob o risco da exclusão social em
tempos de globalização econômica?

No Brasil, diante desse crescimento, o clero católico romano, o maior


perdedor de fiéis para a Igreja Universal não cessa de acusá-la de belicosidade e
intolerância. Denuncia-se também a capacidade iurdiana de expropriação deliberada dos
símbolos tradicionais da religiosidade popular católica ou desprezo de outros, tal como o
famoso “chute na santa”, em outubro de 1995.

Para uma compreensão mais ampla desse fenômeno precisa-ríamos refletir


sobre as seguintes questões: como pensam e se comportam seus líderes e seguidores?
O que alavancou essa Igreja e fez com que ela ultrapassasse rapidamente, inclusive, as
demais denominações protestantes estabelecidas no Brasil desde o século XIX?

A essas perguntas podemos acrescentar: o que a IURD traz de novo para o


campo religioso? Que conjunto de representações coletivas o seu sucesso exterioriza?
Trata-se de um fenômeno religioso sintonizado com o imaginário social já existente
quando da chegada de portugueses e espanhóis ao continente, de matriz mágica e
30
pagã, ou é um movimento de ruptura com essa cultura?
Vamos trabalhar com o seguinte pressuposto: a IURD é um movimento
neopentecostal, que se propaga numa sociedade pluralista cujo campo religioso
concorrencial e turbulento facilita o surgimento de entidades ágeis, sintonizadas com as
necessidades e desejos de um público devidamente segmentado, formando assim seu
próprio mercado, empregando para isso estratégias de marketing e de propaganda, que
tomam corpo em uma retórica e teologia adaptáveis aos interesses de uma sociedade
capitalista em processo de globalização.

O ponto de partida da Igreja Universal é o pentecostalismo de alguns


televangelistas norte-americanos, porém a sua flexibilidade é própria de uma entidade
que se posiciona bem num ambiente pluralista e concorrencial. A sua identidade é
construída por meio das referências aos concorrentes (católicos, afro-brasileiros e
kardecistas), com os quais ela se envolve em renhidas lutas simbólicas.

A Igreja Universal concebe o mundo como um campo de batalha. Isso é


perceptível em sua retórica militarista, que emprega como armas de guerra slogans
como “Igreja Universal, onde um milagre espera por você”; “eis o endereço da
felicidade”; etc. Emprega-se também, até o cansaço, a imagem de perseguição, isto é, a
IURD é perseguida pelos adversários, o que comprovaria a sua ligação com Jesus,
também perseguido em sua época.

A IURD, ao contrário do que alguns pensam, possui uma teologia e tem


mecanismos apropriados para inculcar essa teologia nas novas gerações de fiéis e
pastores. Porém, não se trata de uma teologia sistematizada, tal como aquelas
elaboradas por grupos religiosos já secularmente institucionalizados. Por outro lado ela
possui, como toda reflexão pentecostal, um ranço anti-intelectualista muito forte. A
teologia da IURD se articula ao redor de quatro pontos fundamentais: centralidade do
corpo, pois ela prega a recuperação do corpo e não o seu desprezo platônico; exorcismo
de maus espíritos e libertação de suas influências negativas; cura como sinônimo de
salvação e prosperidade na vida; e sucesso material como comprovação da presença de
Deus na vida do crente.

Obviamente é uma teologia muito apropriada para excluídos e inseguros, pois


mobiliza pessoas, as quais se sentem desenganadas e estão revoltadas com a vida,
mais ainda com vagas esperanças. Assim, pode-se considerar a “Teologia da
31
Prosperidade” uma acomodação da mensagem pentecostal a um novo estágio sócio-
econômico da sociedade ocidental, e que gera não mais uma ética de poupança e
investimento, mas uma ética de consumo; e desta forma, a IURD consegue conciliar as
duas pontas em que as pessoas se encontram nos grandes centros urbanos:
racionalidade capitalista de um lado, e redescoberta pós-moderna do misticismo de
outro, mas isso não significa, contudo, a inexistência de dificuldades de adaptação de
seu discurso em determinadas regiões.
32

CAPÍTULO VIII
Avaliando as Políticas de Crescimento da Igreja
33
8 - Avaliando as Políticas de Crescimento da Igreja

8.1) A Década de evangelização


A Conferência de Lambeth de 1988, na Inglaterra, deu início ao processo que
eventualmente levou à Década de Evangelização, quando os bispos do Terceiro Mundo
conseguiram a aprovação da seguinte moção:

“Esta conferência, reconhecendo que a evangelização é a tarefa primária


da Igreja, pede que cada província e diocese da comunhão anglicana,
cooperando com outros cristãos, transformem os últimos anos do milênio
numa “Década de Evangelização”, com ênfase renovada e unida em
tornar Cristo conhecido ao Seu povo deste mundo”.

A missão, eles disseram, consiste de ensinar, batizar e nutrir novos crentes,


responder à necessidade humana através do serviço de amor, e procurar transformar as
estruturas injustas da sociedade. A conferência também resolveu que “cada igreja deve
ser sensível ao contexto local de missão” e definiu evangelização como sendo
“necessária onde as pessoas ainda não foram tocadas pelo Evangelho, incluindo
pessoas de outras religiões ou sem religião”.

O método recomendado é proclamar a salvação através de Cristo com a


intenção de criar novos cristãos e contando a história de Cristo “novamente”.

As políticas da Década sugerem que as igrejas locais inovem políticas com o


objetivo de fazer novos cristãos. A Câmara dos Bispos e as respostas das dioceses têm
produzido recomendações para estratégias, métodos e objetivos. Estas políticas
diocesanas enfatizam alguns elementos do processo de fazer novos cristãos, isto é,
capacitar os leigos em aspectos de missão; mudar de “apenas nutrir” para “fazer
missão”; atravessar barreiras sociais. Porém, cada diocese parece ter produzido ênfases
em aspectos pequenos do “pacote de marketing” em vez de usá-la integralmente,
deixando de lado a implementação da Década, tendo passado por uma certa mudança e
redefinição estratégica, principalmente devido à falta de um sentido de urgência da
Evangelização, e uma incapacidade de chegar a um acordo sobre o que é
evangelização.
34
8.2) O Pacote de Marketing
Alvos e objetivos estratégicos devem ser relacionados em termos de
mudanças no pacote de marketing. Então, se a organização vai mudar a sua filosofia de
manutenção para missionária, teria também que fazer algumas mudanças naquilo que
oferece e nas estruturas que facilitam a produção destas ofertas.

Administração na igreja é, em muitas maneiras, parecida com a prática


moderna de administração. A responsabilidade pela administração, produção e
marketing é investida nos níveis básicos da produção para ter uma organização
realmente baseada no mercado, que tem a capacidade de variar seus serviços segundo
as necessidades e desejos das suas pequenas comunidades.

A natureza associativa de uma comunidade trabalhando segundo um padrão


paroquial pode criar uma confusão básica entre a identidade simbólica de uma pessoa,
ou grupo de pessoas, e a sua afiliação cristã, o que pode limitar o seu mercado de
pessoal. Pouca mobilidade da população é essencial para o sucesso de longo prazo do
modelo paroquial de testemunho; porém muitos grupos da sociedade são extremamente
móveis. Muita mobilidade dá a impressão que as comunidades são organizadas
segundo um estilo de vida em comum e não por causa da localização geográfica.

O consumidor da igreja a usa como um símbolo da sua identidade comunitária


e das suas afiliações tribais. Ela marca a sua individualidade tão efetivamente quanto o
estilo ou marca de roupa que ele usa. Então, para a igreja poder ter uma orientação de
marketing forte e correto todos têm que representar bem os grupos, ou devem ter uma
compreensão bem clara das suas identidades tribais. Todavia, a natureza do consumo
pós-moderno é de fragmentação cultural e por isso a paróquia se torna mais associativa,
enquanto se separa cada vez mais das culturas tribais na área e acaba usando o seu
próprio estilo de vida e os seus próprios sistemas de valores como sendo
representativos do consumo da comunidade da igreja.

Quando a comunidade da igreja confunde o Evangelho cristão com a sua


própria identificação do valor simbólico de “igreja”, inevitavelmente, ela vai definir como
deve ser o produto final – o novo cristão – em termos da aceitação dos identificadores
simbólicos da sua igreja. Uma teoria assim é responsável pela “diferença cultural” entre
os que freqüentam a igreja e os que não a freqüentam.
35

CAPÍTULO IX
A Mídia Religiosa
36
9 - A Mídia Religiosa
Um dos elementos mais importantes no impressionante crescimento das
igrejas é sem dúvida a sua estratégia de comunicação, que visa mudar idéias,
comportamentos, atitudes e sentimentos.

O pentecostalismo chegou ao Brasil em 1910, com a Congregação Cristã do


Brasil, em São Paulo, e ao contrário do que aconteceu com outras igrejas, ela não tem
jornal e nem ocupa espaço em TV e rádio. Até meados dos anos 50, a divulgação e a
propagação do pentecostalismo eram feitas, fundamentalmente, com base na oralidade.
Em 1955 sim, seguindo uma prática do padre Donizete, da cidade de Tambau, que fazia
orações pelo rádio, Manuel de Melo iniciou suas pregações pentecostais com o
programa A Voz do Brasil com Cristo. Em 1960, foi Davi Martins de Miranda que,
também pelo rádio, buscava adeptos para a Igreja Pentecostal Deus é Amor. No caso
desta igreja, desperta atenção o fato de ela, posteriormente, não ter utilizado a televisão
e, mais ainda, ter proibido seus fiéis de possuir aparelhos de TV.

Em sociedades de massa é impossível um grupo subsistir sem construir seus


próprios mecanismos de divulgação. A propaganda é, em sue sentido mais amplo, a
técnica de influenciar a ação humana; a Igreja Universal por exemplo, por meio da
propaganda, atribui aos seus “produtos” valores adicionais, imagens que os diferenciam
dos que são ofertados pelos concorrentes.

Da necessidade de controlar e construir o seu mercado surge o desafio na


IURD de montar uma editora própria. A sua mais antiga revista publicada é a Plenitude,
que em 1990 tinha uma tiragem bimestral de 200 mil exemplares. Há também a revista
Mão Amiga, destinada a divulgar o trabalho de assistência social da Igreja realizado pela
ABC (Associação Beneficente Cristã). Porém o maior trunfo é o seu jornal semanal,
Folha Universal, cuja tiragem se aproxima de um milhão de exemplares.

Foi, entretanto, no rádio e na televisão que a Igreja Universal encontrou o


caminho para construir o seu público, aproveitando para isso a prática pentecostal norte-
americana que, desde 1920, emprega com sucesso o rádio e, a partir dos anos 50 deu
origem aos televangelistas e à “Igreja Eletrônica”. Edir Macedo adquiriu em 1984 a sua
primeira estação de rádio (Rádio Copacabana), ultrapassando, com a compra em 1995
da freqüência 99.3 FM, em São Paulo, a quantia de três dezenas de emissoras. A sua
37
chegada na televisão se deu com a aquisição da Rede Record (1989), por 45 milhões de
dólares, rede hoje formada por cerca de 30 emissoras, aperfeiçoada com a compra em
1995 da sede e equipamentos da TV Jovem Pan, operação que ultrapassou os 50
milhões de dólares.

Em meados de 1996, a presença da IURD na programação religiosa na TV


Record, em São Paulo, era de 60 horas semanais, contra: 19 horas na Gazeta, cerca de
11 horas na Bandeirantes e cerca de 18 na Manchete, uma hora na Globo e Cultura e 12
minutos no SBT. A Igreja Católica responde a tamanha invasão montando a sua própria
mídia televisiva, a Rede Vida.
38

CAPÍTULO X
A Religião Orientada para Resultados
39
10 - A Religião Orientada para Resultados

A maior preocupação de grande parte das igrejas nessas últimas duas


décadas tem sido somente o crescimento numérico, como se Deus estivesse
preocupado com o número de pessoas que dizem O adorar, e não com o coração de
cada uma delas.

Entre 1970 e 1980 o crescimento evangélico no Brasil foi de 155%, e muitos


se envaidecem com esses números; não são raras as vezes que pastores viajam pelo
mundo ministrando palestras sobre o crescimento evangélico no país. Mas o que
realmente mudou no coração dessas pessoas que aceitaram Cristo? As pessoas se
converteram de quê para quê?

É só ligarmos a TV para nos depararmos com as conseqüências desse


crescimento numérico mal fundamentado; mulheres seminuas vendem produtos
pornográficos ao mesmo tempo em que dizem que Jesus é seu salvador, atletas
famosos vestem a camisa de Jesus durante o dia e à noite levam uma vida promíscua e
distante da Palavra de Deus. Pode da mesma fonte jorrar água doce e água salgada?

A grande “arma” das igrejas para o crescimento foi a seguinte: “venha para
Jesus como você é, e se mesmo depois de aceitar Jesus como seu salvador você não
mudar de vida, nós fecharemos nossos olhos...“. Hoje se tornou muito cômodo ser
cristão, aceita-se Jesus, vai-se aos cultos dominicais, faz-se umas boas ações, e acima
de tudo pode-se continuar pecando, pois sabe-se que Ele é quem perdoa. Será esse
relacionamento que Deus quer que tenham com Ele? Será essa a mudança proposta
por Cristo?

Podemos perceber mais reflexos do crescimento numérico da Igreja


Evangélica: a Palavra de Deus perdeu seu propósito e foi substituída por frases feitas
de livros de auto-ajuda, pessoas que insistem em pregar a respeito da cruz vêem seus
cultos serem literalmente esvaziados. O que o povo quer é pão e circo.

Não interessa mais a pregação a respeito do pecado; quem somos nós para
falar de pecado? Essa pregação parece estar fora de moda. E não importa se quem está
ali falando possui coração, eles querem bons intérpretes. Se continuar assim veremos
as igrejas não mais buscarem seus pastores em seminários, e sim em escolas de teatro.
40
A religião orientada para resultados proclama a filosofia que o fim justifica os
meios. O fim é o crescimento da igreja e os padrões das Escrituras são subordinados ou
ignorados quando observa-se que prejudicam esse crescimento. Os métodos para o
crescimento da igreja não são especificamente definidos e dependem principalmente
dos aspectos demográficos e mercadológicos de uma determinada comunidade. Usar
uma diretriz específica “preto-e-branco”, como as Escrituras, é um empecilho a esses
esforços de marketing e, portanto, as percepções do pastor e da agência de consultoria
precisam ser utilizadas para obter o resultado adequado. O ensino dogmático das
doutrinas e da teologia também pode ser um empecilho ao crescimento da igreja,
simplesmente por que a “doutrina divide”.

Os católicos caíram para 73,8% da população do país, sendo hoje 125


milhões, enquanto os evangélicos subiram de 13 milhões para 26 milhões na década de
90, passando a ser 15% da população (Censo / IBGE – ano 2000).

Prosseguindo-se no atual ritmo, em 30 anos o Brasil estará dividido em dois


grandes blocos: o católico e o protestante, com a previsão de um relacionamento
agressivo porque enquanto diminuem os evangélicos “históricos”, expandem-se os
“pentecostais” reconhecidamente anti-ecumênicos, como os radicais da Igreja Universal
do Reino de Deus, de Edir Macedo.
E tanto os evangélicos colheram os frutos dos altos investimentos feitos na
mídia, do seu empenho missionário de casa em casa, quanto a Igreja Católica perdeu
terreno por estarem, desde 1970, mais empenhados no social e no político do que em
evangelização.

Um elemento fundamental na expansão da Igreja Universal por exemplo, é a


retórica, meio empregado para se conseguir persuasão dos destinatários. Emprega
relatos de milagres, que fazem parte da capacidade humana de fabulação.
41

CAPÍTULO XI
O Desmanche do Campo Religioso Tradicional
42
11 – O Desmanche do Campo Religioso Tradicional

A América Latina experimenta atualmente uma recomposição mais ou menos


violenta de seu campo religioso. Contudo, situações semelhantes já aconteceram várias
vezes, desde que no século XIX se instaurou um amplo processo de modernidade.
Desde então, particular-mente no Brasil, processos sazonais de mutação religiosa tem
acontecido, dos quais o pentecostalismo clássico (1910), o neopentecostalismo (década
de 70), o crescimento das religiões de origem africana (décadas de 50 e 60), e o
movimento carismático católico (anos 90) são umas das principais evidências. A
emergência desse pluralismo cultural no país fez com que os grupos religiosos se
tornassem mais competitivos, regendo as suas estratégias e planejamento conforme a
lógica do mercado.

Uma outra conseqüência dessa reconfiguração é a aceleração do trânsito


religioso. No Brasil, atualmente, muitas pessoas estão abandonando a tradição católica,
as religiões de origem afro-kardecistas, o protestantismo tradicional, optando por novos
movimentos religiosos, dos quais o neopentecostalismo é apenas um.

Para isso, esse movimento e estilo de vida passou a monopolizar o campo


religioso protestante, também se fazendo presente dentro das então seguras fronteiras
do catolicismo romano. Esse crescimento do pentecostalismo, clássico ou reformulado
sob o molde de neopentecosta-lismo, estimula-nos a reelaborar a pergunta instigante:
“Está a América Latina se tornando pentecostal?”

A força social e cultural desses novos movimentos religiosos traçam novos


desenhos organizacionais, dentro de um processo denomi-nado “pentecostalismo de
terceira onda”. Todavia não mais se trata de uma religião de pobres, pois essa nova
forma de ser pentecostal é um fenômeno típico de classe média.

Mas, como todo fenômeno religioso, o neopentecostalismo não nasce em um


vazio, até porque para a sua expansão e sucesso é preciso haver certas condições
sócio-culturais específicas, que permitam o desenvolvimento deste ou daquele tipo de
interação social. Em outras palavras, quem desenha um campo religioso o faz enquanto
membro de seu respectivo grupo social, refletindo em suas ações tendências e forças
históricas e hegemônicas na sociedade naquele momento.
43
O crescimento do movimento pentecostal, das seitas fundamentalistas e dos
cultos animistas no continente mostraram a fragilidade do paradigma da secularização,
fruto da modernidade. Hoje, vivemos em uma era de muita credulidade, em que houve
um aumento da oferta de produtos religiosos e uma espécie de revanche do sagrado no
interior de uma cultura que já se julgava definitivamente profana.

O pentecostalismo também foi visto sob o prisma dos ajustes e desajustes de


uma sociedade em processo de rápidas transformações sociais. Dentro dessa situação,
tida como pré-revolucionária, o pentecostalismo seria o exemplo mais claro do controle
das massas pobres pelas oligarquias capitalistas. Em última análise, o pentecostalismo
era uma forma de religiosidade alienante, empregada ideologicamente para legitimar a
dominação dos pobres e deserdados pelos ricos opressores. Porém, os pentecostais, à
semelhança do proletariado, preferiram a sociedade de consumo e as tentações do
mercado, optando pela religiosidade mágica, utilitária e sincretista, até como arma de
ascensão social, dentro de um crescente quadro de estagnação econômica e de
exclusão social.

Há também uma tendência atual de se explicar o neopentecos-talismo a partir


de um quadro de nostalgia do mágico, de uma retomada sincrética do religioso, até
como forma de convivência com a pobreza e a miséria. Assim, a proximidade entre a
incerteza do mundo urbano e a magia é percebida em várias práticas rituais da IURD
tais como na apresentação de objetos impregnados de poder: “areia abençoada”, “mesa
branca energizada”, “óleo orado” e tantos outros.

Há uma possibilidade de se analisar o neopentecostalismo iurdiano a partir da


teoria da pós-modernidade, situação cultural na qual os indivíduos se apresentam
desprovidos de historicidade, voltados para si mesmos, atomizados, hedonistas e
individualistas. Eles buscam uma espiritualidade dentro de si mesmos e não mais
através da mediação das instituições religiosas tradicionais. Esse clima cultural teria
facilitado o aparecimento de uma religiosidade centrada nas necessidades e desejos de
massas segmentadas, situação pluralista na qual torna-se plausível o emprego do
marketing religioso.
44
CONCLUSÃO

A Igreja é chamada de “Igreja de Deus” pelo menos oito vezes no Novo


Testamento, dando claramente a entender, que Ele, é quem é o dono da Igreja e
também quem determina os propósitos e tudo o mais que se refere à Sua Igreja. É como
se Deus advertisse solenemente: “Embora eu queira que minha igreja cresça, não
autorizo a ninguém a fazer a coisa do seu jeito. Portanto, muito cuidado líder de Igreja!
Sua criatividade, impulsividade e desejo de fazer “minha” Igreja crescer não lhe dá o
direito de redefinir o que eu já defini na minha Palavra e já determinei no meu Conselho
Eterno”.

Deus não é contra a organização e planejamento, pois Ele mesmo é quem diz
que tudo deve ser feito com decência e ordem, e que aquele que vai construir uma torre
ou mesmo vai a guerra, deve ter mínimo de planejamento e previdência quanto a
recursos e capacidades para levar a bom cabo o que vier iniciar.

Saber quem você está tentando alcançar faz com que o evangelismo seja
bem mais fácil – e é exatamente isso que as igrejas modernas querem oferecer, tudo
mais fácil, desde um evangelismo mais fácil, passando a uma fé mais fácil até uma vida
cristã mais fácil, ou bem conciliada com o mundo. Isso revela pragmatismo e hedonismo.
Nenhuma igreja pode alcançar a todos; vários tipos de Igreja são necessários, Deus
ama a variedade. Ele criou uma infinidade de pessoas com interesses, preferências,
histórias e personalidades diferentes.

O que chamo de evangelismo mais fácil é aquele adaptado ao gosto musical


da região onde moram os freqüentadores do templo. Isso é marketing mundano puro e
simples. Dá certo em grande parte dos casos.

Vivemos em tempo da banalização de Deus; a religião que antes era um


instrumento de formação de valores, está se tornando um produto de consumo imediato
e passível de rejeição. Pode-se comparar a gama religiosa que existe ao leque de
canais presentes hoje numa TV a cabo, porém nem todas as religiões podem ser
transformadas em “campeões de audiência”. Há rituais como os do espiritismo
kardecista, da umbanda e do candomblé, por exemplo, que têm dificuldade de entrar na
mídia pois não priorizam a palavra, o discurso; são religiões nas quais os espetáculos
45
têm mais força quando presenciados ao vivo. Contudo, quanto mais escolhas, maior a
liberdade. Nos países democráticos cada indivíduo pode compor sua própria religião,
como um mosaico de fé. Enfim, ganha a que melhor conseguir atingir as necessidades
do seu público, num futuro competitivo, como é competitiva a relação entre as grandes
empresas.

O mercado se expande e como em qualquer outro ramo, o cliente é quem


manda. A tendência foi lançada pelas igrejas neopentecostais e rapidamente seguido
por outras religiões. Até os católicos, os mais resistentes à nova onda, estão se
adaptando à demanda mercadológica. Todos apostam na segmentação para obter
sucesso na caça aos fiéis, e algumas até abrem mão de certas exigências morais. Os
líderes religiosos colocam Deus dentro da embalagem que julgam apropriada.

Para não continuar perdendo terreno para os evangélicos, os católicos


investem no segmento carismático, um movimento polêmico dentro da própria igreja,
mas um sucesso de público, vide as missas do Padre Marcelo Rossi. Ele é o símbolo
dessa tendência. Pode ser considerado um excelente produto porque reúne as
características de um padre ideal; seus pontos fortes são a simplicidade e o grande
apelo emocional e um diferencial é o carisma. Esse componente é como o talento do
Pelé, algo que não se pode inventar. E tornou-se fenômeno midiático; os meios de
comunicação fizeram com que o produto que estava nascendo numa paróquia da
Diocese de Santo Amaro, em São Paulo, se multiplicasse por todo o mundo.

Em termos neoliberais, os governos e as empresas têm programas para


amenizar os efeitos da exclusão social que não combatem consistentemente as causas.
Da mesma forma, as igrejas evangélicas históricas e pentecostais investem nos
trabalhos sociais, com base na Teologia Avivalista, difundida em especial pelo
movimento evangelical. No entanto, estes projetos se revelam desprovidos de análise
crítica em relação ao funcionamento da sociedade e de atuação frente às causas dos
efeitos que eles visam atingir. Como conseqüência, utilizam-se da ação social como
mera fonte de evangelismo ou como marketing institucional.

Como resultado deste processo, os evangélicos ganham confiança, e passam


a sentir que podem ser uma presença expressiva na sociedade. A prova disso é
apresentada por meio de estatísticas de crescimento de algumas igrejas, da presença
cada vez maior na mídia, da atuação dos políticos evangélicos cada vez em maior
46
número.
Em contrapartida às igrejas que são sociedades de benefício mútuo,
atualmente há igrejas que têm donos, proprietários. Isso é uma subversão de valores,
pois elas tem fins lucrativos e representam a mercantilização da fé. Como nesse caso
está envolvido muito dinheiro, o marketing é executado sem ética. E mesmo numa igreja
sem fins lucrativos pode-se haver a prática de marketing porque o que importa é que
suas palavras atinjam os adeptos, que façam realmente efeito. O marketing, nesse
sentido, cuida das pessoas, é relacionamento. Trata-se de um processo para
estabelecer o diálogo e a fidelidade.

Conclui-se que, para melhor atuação da igreja sem fins lucrativos devem ser
superados alguns desafios, a saber: o desenvolvimento das lideranças locais;
transparência na aplicação dos recursos arrecadados; a utilização de uma linguagem
adequada aos seus fiéis; a organização dos dados da igreja, colocando-os à disposição
de seus adeptos e a focalização em objetivos, evitando a dispersão de esforços.

A Igreja Universal do Reino de Deus se apresenta como uma denominação


religiosa que conseguiu ser mais flexível, a despeito do centralismo de Edir Macedo,
muito mais centrada no cliente do que os demais grupos religiosos que atuam no Brasil.
Ela consegue combinar bem coisas arcaicas (magia, por exemplo) com desejos e
necessidades que brotam de um mundo em processo de globalização e de pós-
modernidade. Tudo isso acontece dentro de uma estrutura administrativa que concentra
recursos financeiros em sua sede em São Paulo, inclusive através de seu
estabelecimento bancário, Banco Metropolitano de Crédito, de onde saem recursos e os
planos para a sua expansão mundial.

Essas características permitem que a Igreja Universal trabalhe com os meios


de comunicação de massa, principal lugar onde se geram hoje os sentidos da vida do
homem urbano. Porém, na medida em que ela atua nesse contexto, acaba atraindo para
si um enorme quantidade de pessoas socialmente consideradas hedonistas, calculistas
e narcisistas.

Mas cabe ressaltar que se a IURD vencer satisfatoriamente seus desafios, se


não houver um envelhecimento da fórmula “corpo-cura-exorcismo-prosperi-dade”, um
dos segredos do seu atual sucesso, e houver reformulações contínuas em sua linha de
“produtos” e se forem resolvidas as tensões administrativas-organizacionais, certamente
47
essa Igreja chegará a ser a maior denominação religiosa no mundo de fala portuguesa.

BIBLIOGRAFIA

[1]ANTONIAZZI, A. Nem anjos, nem demônios - interpretações sociológicas do


pentecos-talismo. Petrópolis: Vozes, 1994.

ASSMANN, H. A Igreja Eletrônica e seu impacto na América Latina. Petrópolis: Vozes


1986.

CAMPOS, L. Teatro, Templo e Mercado. Petrópolis: Vozes, 1997.

CAROSO, C. Faces da Tradição Afro-brasileira. Rio de Janeiro: Pallas, 1999.

FONSECA, A. B. Os Evangélicos e a Mídia, dissertação de mestrado em Sociologia, Rio


de Janeiro, UFRJ, 1997.

HALLIDAY, T.R. Atos Retóricos, mensagens estratégicas de políticos e Igrejas. São


Pau-lo: Summus, 1988.

KOTLER, P. Marketing para organizações não lucrativas. São Paulo: Pioneira, 1995.

MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: os pentecostais estão mudando, dissertação de


mestrado em Sociologia, São Paulo, USP, 1995.

URKHEIM, E.D. As formas elementares de vida religiosa. São Paulo: Paulinas, 1989.
48

ANEXO
Texto do Jornalista Arnaldo Jabor
49
“Quanto faturam as igrejas evangélicas com a miséria, quantos milhões de
dízimos pingam nos bolsos daqueles oportunistas de terno e gravata que não acreditam
em Deus?”

Se você é pastor e não se encaixa no grupo daqueles que se preocupam


somente com a quantidade deve ter sentido um aperto no coração ao ser chamado de
“oportunista de terno e gravata” e mais, afirmarem ser falsa sua crença em Deus. Sei
que muitos de vocês sobrevivem heroicamente no ofício de pastor, mas essa, que é a
opinião da maioria da população sobre os pastores, não é sem propósito. Vou contar-
lhes alguns fatos que presenciei em minha vida cristã que certamente me fariam – se
ainda não tivesse aceitado a Cristo – nunca pisar em uma igreja.

Em 1999, uma noite em minha casa ao ligar a TV me deparei com um


conhecido pregador evangélico vendendo palmilhas, isso mesmo, palmilhas de sapato,
para pisar na cabeça do demônio. Segundo o pastor, com aquelas palmilhas você teria o
poder de pisar no demônio se esse tentasse entrar em sua vida. Absurdo não? Agora
imagine para quem ainda não aceitou Jesus.

No ano seguinte fui assistir ao culto dominical de uma famosa igreja em sua
sede em São Paulo, ao chegar à poltrona encontrei uma grande quantidade de
envelopes nos quais deveria eu depositar uma quantia que Deus colocasse em meu
coração para alcançar bênçãos em minha vida, tornando assim as bênçãos de Deus
condicionais. Se isso não bastasse, durante o culto a pregadora pediu para quem não
tivesse dinheiro colocasse seu anel de ouro no envelope, ela foi enfática; “anéis de
ouro”. Fico pensando na tristeza das pessoas não possuíam tais anéis, estando apenas
com “míseros” anéis de prata nos dedos, creio que teriam que esperar um pouco mais
pelas suas bênçãos.

Em junho de 2001 o programa de TV Fantástico exibiu uma matéria com


cenas reais de uma igreja que após o culto promovia verdadeiras orgias homossexuais
entre seus pastores e alguns membros, e ainda afirmavam que só aos gays era
reservada a salvação. Você deixaria sei filho ir à igreja com seu vizinho depois de tomar
conhecimento disso? O mesmo programa também já mostrou pastores dançando sobre
o dinheiro dos fiéis e debochando dos mesmos, entre outras coisas, vou parar por aqui
para não deixá-lo constrangido. Agora responda: Se você ainda não tivesse aceitado
Jesus e não conhecesse bons pastores, qual seria sua opinião a respeito da categoria?
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É triste viver em um país onde a palavra evangélico é sinônimo de chato,
pobre, fanático e pilantra. Será essa a vantagem do crescimento numérico? Não, é claro
que não, essa é uma das conseqüências, a vantagem é unicamente financeira, quanto
mais fiéis mais dinheiro é arrecadado. Será que não devemos nos preocupar quando as
pessoas passam a ver os pastores como aproveitadores da boa índole do povo? Será
que não notamos a luta dos formadores de opinião contra esse cristianismo barato,
baseado em promessas mesquinhas de riqueza e prosperidade? Tenho pena dos
cristãos que sobrarem daqui a 50 anos, terão que lidar com uma nação totalmente
antipática à simples menção do nome de Cristo e isso já está acontecendo.

Isso também se deve a cultura barata formada pela igreja que insiste em dizer
que “Se é evangélico é bom”. Não importa se a música é desafinada e fora de tom, se o
livro é sem assunto e mal escrito, se o filme é chato e sem propósito, é evangélico,
então devemos consumir. Confesso que temos ótimas bandas e excelentes escritores,
mas qualquer um hoje aparece com um disco ou um livro e diz “foi inspirado por Deus” e
todos os crentes gritam aleluia. Quem são os evangelizadores dos professores
universitários? Quantos escritores cristãos são respeitados pela crítica literária nacional?
Já vi diversos livros sobre todas as religiões entre os mais vendidos nacionais, mas
nunca um livro cristão. Infelizmente a produção cultural evangélica só empolga os
evangélicos, quando empolga.

Não foram raras as vezes em que vi pastores vendendo em igrejas livros,


CD’s, anéis, abotoaduras e camisetas evangélicas. Será que se Jesus estivesse aqui
hoje não iria virar as barracas como fez no templo? Estes pastores dizem ouvir a voz de
Deus, sem levar em conta que Deus não terá por inocente aquele que tomar seu nome
em vão.

Uma das marcas mais patéticas do cristianismo que vivemos é a repetição


maçante de jargões nos cultos, na maioria das vezes não passam de repetições de
palavras decoradas que criam êxtase sem nenhum desdobramento, manipulam
auditórios, elevam a temperatura dos cultos, mas não se cria um enraizamento de
princípios. Qual será o futuro dessa gente que só se contenta com frases que prometem
prosperidade?

Vi muitas igrejas começarem com um bom propósito, mas depois de algum


tempo, preocupadas muito mais com o crescimento físico que o espiritual se tornaram
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verdadeiros “Jesus Shows” de se arrecadar dinheiro. Não se sabe mais se a igreja existe
para levantar dinheiro ou se o dinheiro existe para dar continuidade à igreja, acredito que
ambos.

Essas igrejas evitam alguns aspectos da palavra de Deus porque poderiam


ser impopulares ou difíceis das pessoas aceitarem, acarretando assim um contínuo
esfriamento dos cultos. Se vamos pregar a verdade precisamos pregar toda a verdade.
O que adianta continuar com toda aquela “papagaiada” sabendo que grande parte do
auditório sairá dali sem qualquer mudança de vida? Pode ser que a mensagem da cruz
esteja fora de moda, mas ainda é o poder de Deus para salvar todo aquele que crer.

Os pastores se esquecem que Deus não busca desempenho, apenas


fidelidade, ele jamais irá comparar nenhum de nós. “Seja tão somente fiel ao que lhe foi
confiado”. Será que não notaram quão vaidosa é essa moda dos pastores darem títulos
a si mesmos? 1º Pastor Fulano, Bispo Sicrano, Apóstolo Beltrano.... isso não passa de
uma insegura auto-afirmação para se promoverem.

Uma constatação disso pode ser obtida através da carta que li recentemente,
publicada por um pastor que não quis se identificar. Nessa carta o pastor fala sobre
como a Igreja mudou e como os pastores tem se tornado cada vez mais empresários e
marketeiros, tornando-se secundária sua principal função, que é transmitir de todo
coração a mensagem a respeito de Cristo. É triste mas essa é a realidade da igreja
evangélica no Brasil.

Foi por isso que o Senhor disse: “Pois que este povo se aproxima de mim, e
com sua boca e seus lábios me honra, mas tem afastado pra longe de mim seu coração,
e o seu temor para comigo consiste em mandamentos de homens, aprendidos de cor”.
Os evangélicos vivem numa constante busca pela felicidade, mas não estão buscando
na fonte certa.

Jesus contou uma parábola que expressa bem o espírito da vida de uma
verdadeiro cristão: “O reino dos céus é semelhante a um tesouro oculto no campo, o
qual certo homem, tendo-o achado, escondeu. E transbordando de alegria, vai, vende
tudo o que tem, e compra aquele campo (Mt 13.44). Alguém descobre um tesouro e,
impelido pela alegria, sai vendendo tudo o que tem para se tornar seu proprietário. A
mensagem dessa parábola não nos induz a pensar que o reino de Deus é imobiliário, ela
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implica um relacionamento com o Rei. O tesouro aqui é intimidade com Deus. “Porque o
reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo”
(Rm 14.17).

Lendo tudo o que foi escrito aqui você deve ter lembrado de alguns colegas e
pastores, já posso até imaginar você pensando “O pastor tal é bem assim”, mas essa
mensagem não é só pra eles, é pra você também, é também sua a responsabilidade de
mudar o quadro em que o cristianismo no Brasil se encontra, se você está muito feliz do
jeito que está, eu começaria a ficar preocupado se fosse você. Cabe também a você
passar a mensagem sobre o amor de Cristo, ensinar aos brasileiros que os evangélicos
são muito mais que gente fanática com a Bíblia na mão e contar que você também
desaprova os oportunistas de terno e gravata. É fato que a igreja evangélica precisa de
uma reforma, mas não devemos esperar por um outro Lutero para que isso aconteça.
Cabe a mim e a você mudar a visão do povo a nosso respeito e quem sabe assim as
pessoas um dia tenham o ouvido mais aberto para escutar suas palavras a respeito da
Bíblia e o coração pronto para receber o amor de Cristo.

Publicação da Folha de São Paulo (28/03/2000)


Arnaldo Jabor

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