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Antonio Candido

Sobre o autor

Sociólogo frustrado? Antropólogo camuflado?

Há alguns anos Antonio Candido sugeriu que o caminho para a independência intelectual de
um país passa pela construção de linhas de pensamento reconhecidas socialmente, as quais
permitem que as importações do exterior sejam assimiladas sem que se transformem,
necessariamente, em puro mimetismo (Candido, 1972)

Antonio Candido de Mello e Souza. Nascido em 1918 no Rio de Janeiro, ele teve seu período
principal de formação no entre-guerras, cresceu nos tempos sufocantes do Estado Novo de
Getúlio Vargas e amadureceu no contato com escritores modernistas como Mário de Andrade
e na amizade com meio mundo intelectual brasileiro.

Cursou direito (mas abandonou para se formar em sociologia) e escrevia críticas literárias para
jornais. Uma vez formado, começou a se dedicar a pesquisas nas áreas de literatura e
sociologia – uma mistura de assuntos que influenciou toda a sua obra. Já nesses primeiros
anos, conseguiu mostrar que era craque: percebeu o valor de escritores como João Cabral de
Melo Neto e Clarice Lispector quando estes ainda eram desconhecidos e não tinham uma
vírgula do sucesso que têm hoje.

Na década de 40, Antonio Candido era um crítico em busca de “causas”, de


“condicionamentos”, entre a história e as obras literárias.

Mais tarde, a antropologia social inglesa e as idéias do new criticism (“nova crítica”) americano
(um tipo de crítica que pregava a leitura de cada detalhe – estilo, linguagem, personagens,
sintaxe, influências – de um determinado texto) falaram mais alto na carreira de Antonio
Candido.

UMA IDÉIA DE BRASIL

Antonio Candido só iria realmente pôr à prova seu método crítico uma década mais tarde, com
a publicação de Formação da Literatura Brasileira. Assim como as obras de Gilberto Freyre
(personagem da série “Grandes Mentes” na edição de outubro de 2003), de Sérgio Buarque de
Holanda (autor de Raízes do Brasil) e de Caio Prado Júnior (que escreveu Formação do Brasil
Contemporâneo), o livro de Antonio Candido fornece algumas chaves para a explicação do
nosso país. Ao utilizar as lentes da literatura, o crítico apresenta os vários momentos em que,
nos primeiros séculos depois da descoberta do Brasil, os brasileiros tentaram se desvencilhar
da herança portuguesa, buscando a autoafirmação e uma identidade nacional singular.

Teve uma atuação política, ajudando a fundar em 1945 a União Democrática Socialista,
dirigindo a Folha Socialista (por igualdade). Durante a ditadura, denunciava a repressão policial
e defendia o socialismo, em pleno governo Geisel.
Com os ventos da abertura política soprando mais forte, Antonio Candido seria um dos
notáveis que ajudariam a fundar o Partido dos Trabalhadores (PT) em 1980.

É considerado um intelectual que dedicou sua vida a “traduzir o Brasil”.

Crítico Literário, ensaísta, sociólogo, professor, são as características profissionais que definem
Antônio Cândido de Mello e Souza, que partiu do interior de Minas Gerais, embora houvesse
nascido no Rio de Janeiro em 1918, para ser reconhecido e premiado no Brasil e no mundo.

A imaginação popular pode identificar, preconceituosamente, um crítico da arte como alguém


que não foi capaz de produzir uma grande obra, portanto se ateve a analisá-las e emitir seu
parecer. O próprio Antônio Cândido, que se dizia muito tímido, chegou a imaginar que as
coisas que sabia, não eram do interesse de ninguém, em suas próprias palavras. Estava
enganado.

Ele, profissional da crítica literária, ou seja, um crítico de arte especializado na arte da


linguagem. Ele analisa o argumento (enredo), o contexto, o discurso, as ideologias, as
ferramentas retóricas utilizadas, o efeito proposto, o efeito obtido, a importância política, a
forma, o conteúdo; o valor sócio-cultural, filosófico, pedagógico, histórico, além do valor
estético.

O crítico literário é, portanto, um filósofo da arte verbal. E mas especificamente no caso de


Cândido, que era formado em Sociologia e mantinha uma relação estrita e apaixonada com a
Antropologia, serviu para influenciar milhares de mentes, gerando comportamentos,
remoldando o país. Fato comprovado, tendo em vista que o crítico, que era também professor,
teve como um de seus alunos Fernando Henrique Cardoso, que depois foi eleito Presidente do
Brasil.

De tal forma, Antônio Cândido era um pesquisador incansável, leitor ávido, grande intérprete
de metáforas, lendas, símbolos, arquétipos e investigador. Observador da sociedade e um
estudante da psique humana.

A essa personalidade, soma-se o fato de possuir uma escrita agradável, que é facilmente
digerida e portanto suas observações se tornaram definitivamente relevantes para a literatura.

Antônio promovia diálogos entre a literatura brasileira e a universal, sobretudo europeia. Por
vezes identificando a debilidade, fraqueza e retraso da então literatura brasileira. Porém
jamais deixou de amá-la. Era habilidoso em seu labor, tanto que já nos primórdios da sua
caminhada, foi perspicaz e inovador, reconhecendo talentos então desconhecidos como
Clarice Lispector em suas primeiras letras.

Para Antônio, não basta compreender o país através da literatura, pois essa compreensão gera
uma responsabilidade e consequentemente o professor se envolveu com aspectos da política e
encontrava-se em desacordo. A discrepância de um país assolado pelo analfabetismo não lhe
caía bem. Ativista, anti-fascismo, foi um dos fundadores da União Democrática Socialista, que
mais tarde passou a ser conhecida como Partido Socialista Brasileiro.
De extrema lucidez, Antônio Cândido parte do discurso para a prática, atuando como defensor
de causas humanitárias, denunciava a repressão que o país enfrentava no período do regime
militar (1964-1985). Foi ousado e extremo. Esse caminho o levou à fundação do Partido dos
Trabalhadores nos primeiros momentos pós ditadura

Na bagagem, aos 98 anos, Antônio Cândido de Mello, leva dezenas de prêmios, obras escritas,
além de obras de outrem escritas sobre ele.

Antonio Candido
Os parceiros do Rio Bonito
Estudos sobre o caipira paulista e a transformação de seus meios de vida

O livro tem como origem uma análise das relações entre literatura e sociedade. É fruto de uma
pesquisa sobre poesia popular, como o Cururu (dança cantada do caipira paulista).

A pesquisa foi mostrando que as modalidades observadas em diversos lugares eram estratos
superpostos (???), em graus variados de mistura, mas podendo ser reduzidos a alguns
padrões, que correspondiam a diferentes momentos da sociedade caipira paulista no tempo.

Modalidades antigas – estrutura mãos simples, rusticidade, cunho coletivo, obediência a


normas religiosas.

Modalidades atuais – individualismo, secularização crescentes, desaparecimento do elemento


coreográfico socializador, desafio no confronto pessoal.

Introdução

Os problemas dos meios de vida

Pesquisa - Município de Bofete, entre 1948 e 1954

Objetivo da pesquisa: conhecer os meios de vida num agrupamento de caipiras – compreender


diversos aspectos da cultura caipira

O autor fala que mescla algo do “sociólogo” e algo do “antropólogo”, o primeiro tende a casos
individuais e o segundo a estatísticas. Candido tentou combinar esses dois aspectos em seu
livro.

Agrupamento rural, ligado a uma cultura conhecida. O autor tentou esboçar um panorama
retrospectivo dessa cultura, recurso à História, dando uma terceira dimensão.

Segundo ele, foi difícil recorrer à História oficial quando buscava informações sobre o caipira,
pois a História se ocupa apenas das classes dominantes. Ele utilizou então, dois recursos:
analisar documentos de viajantes e longas conversas com os mais velhos.
O trabalho se valeu muito desses casos individuais, de detalhes significativos.

O autor apresenta uma localização de um aspecto da vida social considerado não só como
tema sociológico, mas como problema social.

“não significa repúdio da objetividade científica e confusão de ciência e arte; mas a convicção
de que fatos se tornam problemas conforme a perspectiva do pesquisador, e que não é
possível desconhecer a implicação prática das investigações metodicamente conduzidas”

Ele buscou “determinar quais as unidades mínimas de vida econômica e social em que as
relações encontram um primeiro ponto de referência; para isso tomei um agrupamento de
parceiros (...)”

Sem perder de vista os demais aspectos da vida do município

O autor situa o grupo estudado, tanto historicamente, como no quadro de problemas sociais
que caracterizavam na época a vida cultural de São Paulo.

A cultura rústica –

Duas expressões usadas no texto:

Cultura (e sociedade) rústica – exprime um tipo social e cultural. Universo das culturas
tradicionais do homem do campo no Brasil. Ajustamento do colonizador português do Novo
Mundo, seja por transferência ou modificação dos traços da cultura original, seja pelo contato
com o aborígene.

“Implicando, não obstante o isolamento, em constante incorporação e reinterpretação de


traços, que vão-se alterando ao longo do contínuo rural-urbano (....) ”

Rústico teria a ver com culturas camponesas (Redfield), inclusive o de pertencer ao mesmo
sistema fundamental de valores que os da gente da cidade, o que faz que ela seja, na
expressão de Alfred Kroeber, “sociedade parcial dotada de cultura parcial”.

Rústico equivale a caboclo no contexto brasileiro. O Autor usa o termo se referindo à mistura
de branco com índio, que forma a maioria da população tradicional de São Paulo.

Para designar os aspectos culturais o autor usa o termo caipira, que tem a vantagem de não
ser ambíguo (exprimindo desde sempre um modo de ser, um tipo de vida, nunca um tipo
racial).

Os níveis de vida e de sociabilidade

“A existência de todo grupo social pressupõe a obtenção de um equilíbrio relativo entre as


suas necessidades e os recursos do meio físico, requerendo, da parte do grupo, soluções mais
ou menos adequadas e completas, das quais depende a eficácia e a própria natureza daquele
equilíbrio. As soluções, por sua vez, dependem da quantidade” e qualidade das necessidades a
serem satisfeitas.”
“As necessidades têm um duplo caráter natural e social, pois se a sua manifestação primária
são impulsos orgânicos, a satisfação se dá por meio de iniciativas humanas, que vão-se
complicando cada vez mais, e dependem do grupo para se configurar. Daí as próprias
necessidades se complicarem e perderem em parte o caráter estritamente natural, para se
tornarem produtos da sociedade.”

As sociedades se caracterizam pela natureza das necessidades de seus grupos, e os recursos de


que dispõem para satisfazê-las (seria um tipo de determinismo ambiental?? Não entendi bem.)

O equilibro social depende em grande parte da correlação entre as necessidades e sua


satisfação. E sob este ponto de vista, as situações de crise aparecem como dificuldade, ou
impossibilidade de correlacioná-las.

“Daí a evolução das sociedades parecer um vasto processo de emergência de necessidades


sempre renovadas e multiplicadas, a que correspondem recursos também renovados e
multiplicados para satisfazê-las, dando lugar a permanente alteração dos vínculos entre
homem e meio natural. Resulta uma solidariedade estreita em que o homem e o meio se
obliteram, de tal forma vai o meio se tornando, cada vez mais, reflexo da ação do homem na
dimensão do tempo. De fato, o desenvolvimento do tempo como duração social incorpora o
espaço à história dos grupos e evidencia os diferentes aspectos da solidariedade de ambos. O
espaço se incorpora à sociedade por meio do trabalho e da técnica, que o transformam sem
cessar e o definem, por assim dizer, a cada etapa da evolução, fazendo com que “o mundo
sensível (possa ser concebido) como a atividade sensível total e viva dos indivíduos” (p. 29)

O autor cita Marx, sobre a impossibilidade de separar a dimensão humana da natural, abrindo
horizontes mais largos para se compreender a solidariedade profunda do mundo físico e da
cultura humana, encarados por ele, à luz do desenvolvimento histórico, como elementos do
mesmo processo dialético.

Determinando assim uma posição fecunda para compreender a vida social a partir da
satisfação das necessidades, mostrando, de um lado, que a obtenção dos meios de
subsistência é cumulativa e relativa ao equipamento técnico; de outro, que ela não pode ser
considerada apenas do ângulo natural, como operação para satisfazer o organismo, mas deve
ser também encarada do ângulo social, como forma organizada de atividade.

“A maneira pela qual os homens produzem os seus meios de subsistência depende, antes de
mais nada, da natureza dos meios de subsistência que encontram prontos e que necessitam
reproduzir. Este modo de produção não deve ser considerado apenas como reprodução da
existência física dos indivíduos; ele jé é uma espécie determinada da atividade destes
indivíduos, uma determinada maneira de manifestar a sua vida, uma determinada maneira de
viver destes indivíduos” (Marx)

A importância deste ponto de vista, para o autor, consiste em colocar o fato social da
organização no âmago da discussão dos problemas de subsistência.

Dois ajustamentos necessários ao equilíbrio:


1 – a descoberta de soluções que permitam explorar o meio físico para obter recursos de
subsistência

2 – o estabelecimento de uma organização social compatível com elas.

Para cada sociedade existe uma adequação necessária entre o ajuste ao meio e a organização
social.

Estas equações exprimem, no tocante à subsistência, as fórmulas de equilíbrio grupal – que


pode ser estável ou instável; satisfatório ou insatisfatório, com referência ao equilíbrio ótimo
permitido pelas condições gerais da cultura.

O autor dá alguns exemplos que passam perto de um determinismo biológico (não sei se
entendi bem). (páginas 31 e 32)

“Assim, mesmo sem querer avaliar o funcionamento de uma cultura, parece possível falar, em
relação a cada uma, de certos níveis sociais e vitais – noções aproximativas e apresentadas
aqui num sentido mais de imagem que de conceito. ”

“um grupo ou camada vive segundo mínimos vitais e sociais quando se pode, verossimilmente,
supor que com menos recursos de subsistência a vida orgânica não seria possível, e com
menor organização das relações não seria viável a vida social: teríamos fome no primeiro caso,
anomia no segundo”

Sociologia dos meios de subsistência

Assim, “os meios de subsistência de um grupo não podem ser compreendidos separadamente
do conjunto das “reações culturais”, desenvolvidas sob o estímulo das “necessidades básicas”.
Em nenhuma outra parte vemos isto melhor que na alimentação, que é o recurso vital por
excelência.”

A fome se caracteriza por exigir satisfação constante e requerer organização social adequada.

A alimentação ilustra o caráter de sequência ininterrupta, de continuidade, que há nas


relações do grupo com o meio. Ela é de certo modo um vínculo entre ambos, um dos fatores
da sua solidariedade profunda, e, na medida em que consiste numa incorporação ao homem
de elementos extraídos da natureza, é o seu primeiro e mais constante mediador

A alimentação é condição de vida, é pressuposto de toda vida social, qie já tem sido
interpretada como decorrência direta da satisfação de necessidades, entre as quais ela se
destaca. – atitude parcial e simplista.

À dependência do grupo em relação aos recursos naturais corresponde uma ação por ele
exercida de maneira a configurar a mencionada continuidade, onde homem e meio aparecem
numa solidariedade indissolúvel.

Do ponto de vista social, a alimentação só se torna inteligível como necessidade na medida em


que está ligada a uma organização para obtê-la e distribuí-la

O meio natural será utilizado conforme as possibilidades de operação do grupo.


“pois os animais e plantas não constituem em si, alimentos do ponto de vista da cultura e da
sociedade. É o homem quem os cria como tais, na medida em que os reconhece, seleciona e
define. O meio se torna deste modo um projeto humano nos dois sentidos da palavra:
projeção do homem com as suas necessidades e planejamento em função destas –
aparecendo plenamente, segundo Marx, como uma construção da cultura.”

“A alimentação se torna um dos mais vastos complexos culturais, abrangendo atos, normas,
símbolos, representações. A obtenção da comida percorre, do esforço físico ao rito, uma gama
vastíssima em que alguns têm querido buscar a gênese de quase todas as instituições sociais.”

“Hoje, quando oferecemos café às visitas ou damos um almoço de aniversário, prolongamos


de certa forma práticas imemoriais, em que a ingestão de alimentos obtidos com esforço, e
irregularmente, trazia uma poderosa carga afetiva, facilmente transformada em manifestações
simbólicas. À medida que a civilização assegura a regularidade do abastecimento, esta carga
diminui, para manifestar-se quase apenas nas ocasiões importantes da vida.”

“Neste livro, autor busca combinar, no estudo da alimentação, os pontos de vista estatístico
(como parte do nível de vida), biológico (como qualidade nutritiva, exprimindo uma certa
forma de exploração do meio), econômico (como tipo de participação nos recursos totais do
grupo) e propriamente sociocultural (como fator de sociabilidade).”

Capítulo 1

A vida caipira tradicional

1 – Rusticidade e economia fechada

Expansão geográfica dos paulistas – sécs XVI, XVII e XVIII

Incorporação de terras à Coroa portuguesa na América

E definição de certos tipos de cultura e vida social, condicionados em grande parte por esta
mobilidade.

Em certas porções do grande território devassado pelas bandeiras e enradas –a Paulistânia –


as características iniciais do vicentino se desdobraram numa variedade subcultural do tronco
português, que se pode chamar de “cultura caipira”.

Na primeira parte do livro o autor buscar descrever e interpretar alguns aspectos da vida
social e cultural do passado, que se referem ao tema deste estudo – o caipira no presente (na
época em que o autor escreveu )

Ponto de partida do estudo – a própria natureza do povoamento paulista, condicionado pela


vida nômade e predatória das bandeiras.

O bandeirismo pode ser compreendido, por um lado, como um vasto processo de invasão
ecológica; por outro lado, como determinado tipo de sociabilidade, com suas formas próprias
de ocupação do solo e determinação de relações intergrupais e intragrupais.
Tipos de ajustamento do grupo ao meio, com a fusão entre a herança portuguesa e a do
primitivo habitante da terra – branco e índio; a compreensão desse processo pode dar
elementos para compreender e definir a economia seminômade, que tanto marcou a dieta e o
caráter do paulista.

“A combinação dos traços culturais indígenas e portugueses obedeceu ao ritmo nômade do


bandeirante e do povoador, conservando as características de uma economia largamente
permeada pelas práticas de presa e coleta, cuja estrutura instável dependia da mobilidade dos
indivíduos e dos grupos. Por isso, na habitação, na dieta, no caráter do caipira, gravou-se para
sempre o provisório da aventura” (p. 45)

Casas – ranchos (ver pág 45 e 46)

Rusticidade na moradia

Técnicas e usos rudimentares

Roupas, utensílios – simplicidade

O povoado mais próximo dos informantes (de Bofete) era Tatuí (de sete a doze léguas)
De vez em quando formava-se cargueiros de galinhas para vender em Capinas ou Itu

Mistura do índio com branco – atividade agrícola seminômade e povoamento esparso. Falta de
amenidade no trato. Manieras esquivas, pouco desenvolvimento mental e social do segregado.

Vida solitária – cabana

Condições de vida determinadas por uma economia fechada, com base no trabalho isolado ou
na cooperação ocasional, exprimindo uma forma retrógrada de ajustamento ao meio.

O habitante do sul e do oeste de Minas Gerais, vida rústica e pouca educação, como o paulista
(aproximação étnica e histórica com o caipira paulista, de quem se originaram muitas vezes e
com o qual mantém contato incessante, pelas migrações que os vêm trazendo a São Paulo há
mais de um século), diferente do mineiro das áreas centrais – mais urbanizadas

O povoamento disperso favoreceu uma economia de subsistência, constituída de elementos


sumários e rústicos próprios do seminomadismo.

“o deslocamento incessante do bandeirismo prolongou-se de certo modo na agricultura


itinerante, nas atividades de coleta, caça e pesca, do descendente caipira, a partir do séc XVIII.
As técnicas rudimentares, a cultura improvisada do nômade encontraram condições para
sobreviver.” (p. 54)

Saint-Hilaire (um dos viajantes, conhecedores do Brasil, estudou diversos “tipos culturais”,
como o caipira paulista, o mineiro do sul e oeste e o mineiro – mulato das Minas)
O autor a visão desolada de Saint-Hilaire sobre a prática das queimadas pelo caboclo brasileiro
para a prática da agricultura extensiva

Ele ainda fala da dificuldade de governar as populações que vivem a grandes distâncias uns dos
outros – “os lavradores perdem pouco a pouco as ideias que inspiram a civilização”

“E acentua que a “reforma do sistema da agricultura”, com uso do arado e dos adubos, fixaria
o homem na terra, suprimindo a necessidade de buscar chão sempre novo: “os filhos morrerão
perto dos lugares em que repousam as cinzas de seus progenitores, e a população não mais se
estenderá senão à medida que for aumentando”.

Candido fala que a queimada do solo é uma técnica usada em quase todo o mundo, na
impossibilidade de usar de outra forma. Cinzas como fertilizador (embora cause danos a longo
prazo)

“Para o caipira, a agricultura extensiva, itinerante, foi um recurso para estabelecer o equilíbrio
ecológico: recurso para ajustar as necessidades de sobrevivência à falta de técnicas capazes de
proporcionar rendimento maior de terra. Por outro lado, condicionava uma economia
naturalmente fechada, fator de preservação duma sociabilidade estável e pouco dinâmica. Daí
a regressão assinalada por Saint-Hilaire no trecho citado: na cultura e na sociedade caipira há
não apenas permanência de traços – dos traços que desde logo se estabeleceram como
“mínimo social” – mas retorno, perda de formas mais ricas de sociabilidade e cultura, por
parte dos que se iam incorporando nela, a partir de grupos mais civilizados.”

Sistema de sesmarias e posses – “abriam para o caipira a possibilidade constante de renovar o


seu chão de plantio, sem qualquer ônus de compra ou locação. A posse, mais ou menos
formal, ou a ocupação, pura e simples, vêm juntar-se aos tipos de exploração e ao
equipamento cultural, a fim de configurar uma vida social marcada pelo isolamento, a
independência, o alheamento às mudanças sociais. Vida de bandeirante atrofiado, sem
miragens, concentrada em torno dos problemas de manutenção dum equilíbrio mínimo entre
o grupo social e o meio.” (p. 56)

2 – Alimentação e recursos alimentares

O aspecto principal deste equilíbrio se encontra no problema da alimentação, na busca de uma


dieta.

Alfredo Ellis Jr. Parecia superestimar a nutrição do paulista – enumera os alimentos


mencionados nos Inventários e testamentos, concluindo pela existência, no São Paulo colonial,
duma ração variada e equilibrada.

Proteínas dos rebanhos bovinos, gorduras das carnes de porco, ecerais (trigo, mandioca,
milho, feijão) – elevada porcentagem de hidrocarbonatos, muito ricos em calorias.

Esse autor, segundo Candido considerava o paulista mais bem nutrido que o escocês, irlandês,
escandinavo, indiano, egípcio, italiano, inglês, indiano, janponês, africano do norte, mantendo-
se eugênico o seu tipo através dos séculos.
Candido ciritica essa opinião como estática e idealizada, não levando em conta as alterações
eventuais até os nossos dias, e considera integrantes normais da dieta alimentos de que
apenas poderia se garantir a ocorrência, de modo algum a generalidade e a continuidade.

Otoniel Mota faz uma análise mais justa, num estudo cuidadoso da documentação e sensível
às variações da agricultura e da dieta. Segundo ele, comia-se bastante no primeiro século, mas
pouca variedade (mandioca, algum feijão, em alguns poucos lugares e por algum tempo arroz,
carne de vaca e de porco)

Havia diferenças na alimentação do paulista da vila de São Paulo e dos povoados do interior.
Diferenças entre o fazendeiro, a gente de prol, o sertanista, o povoador e o caipira. O caipira
se nutria ao modo dos sertanistas, com um mínimo para não demorar as interrupções da
jornada. Este mínimo alimentar corresponde a um mínimo vital e a um mínimo social:
alimentação apenas suficiente para sustentar a vida; organização social limitada à
sobrevivência do grupo. (p 60)

Herança dos bandeirantes de estabelecer plantações ao longo dos caminhos de bandeira –


esta se consagrou e fixou a dieta básica do paulista

(...) “ao estabelecer esta medida oportuna e de grande alcance, a autoridade como que definia
a própria dieta mínima do caipira, fundando-se exclusivamente em produtos autóctones, e que
não apenas seriam os básicos, como, ainda, os de cultivo mais fácil, e raízes mais fundas no
passado ameríndio.” (p 61)

“(...) paulista se ajustou às técnicas do índio, que lhe permitiram estreitar os laços com a terra,
favorecendo a mobilidade, penetrando nas formas de equilíbrio ecológico já desenvolvidas
pelas tribos. Daí, nesse mameluco de corpo ou alma, um certo apego aos alimentos da terra
(...)” (p 64)

O feijão, o milho e a mandioca, plantas indígenas, constituem, pois, o que se poderia chamar
triângulo básico da alimentação caipira, alterado mais tarde com a substituição da última pelo
arroz.

No entanto, a maioria dos modos de prepará-los não veio do índio: constituem-se adaptação
de técnicas culinárias portuguesas, ou desenvolvimentos próprios do país. Sob esse ponto de
vista, apenas a mandioca se transmitiu integralmente, tanto a doce (o aipim dos nortistas),
ingerida sem maior transformação, quanto a amarga, de que se extraía farinha, pelos mesmos
processos com que a obtinham os naturais do país, embora com técnicas frequentemente
aperfeiçoadas.

O feijão foi incorporado à culinária dos similares portugueses, fervendo-se com sal e banha de
porco e adicionando-se quando possível, pedaços de carne de porco. Indígena quanto à
origem, foi lusitanizado pelo modo de preparar.

O caso mais interessante é todavia o do milho, que foi cereal básico do aborígene e ainda é do
caipira, mas sob formas múltiplas e variadas, mostrando que sobre ele operou mais
intensamente o trabalho cultural de invenção e adaptação.
Outros alimentos ordenavam-se em torno destes básicos, frequentes, embora não constantes,
como abóboras, batat doce, cará, magarito (autóctones), couve e chicória, seralha
(naturalizadas aqui)

Temperos e condimentos – influência portuguesa – pimenta, sal, gordura, toucinho (podia ser
obtido sem relações fora do grupo)

O sal foi um dos fatores principais de sociabilidade grupal, levando indivíduos e agrupamentos
mais arredios a contatos periódicos com os centros de população.

O leite, o trigo, a carne de vaca eram e são excepcionais na dieta do caipira, constituindo
índice de urbanização ou situação social acima da média.

Não, porém o doce (açúcar) que todos procuraram sempre obter nas engenhocas de casa, se
não pronto, ao menos sob as formas de garapa e rapadura. E também a aguardente de cana,
estimulante que o caipira parece nunca ter dispensado

Complemento da dieta: coleta, caça, pesca

Coleta: frutas do mato e do campo, palmitos

Frutas, jabuticaba a preferida. Outras como goiabas, bananas, pitangas, maracujás, araticuns,
jaracatiás, juá-manso, gravatá, mamões...

Extradordinária capacidade de ajustamento ao meio, herdada do índio. Conhecimento


minucioso dos hábitos dos animais, técnicas precisas de captura e morte. (macucos, nhambus,
inhambus, pacas, quatis, porcos-do-mato, caititu, queixada etc.) Capivara

Perdiz, codorna, saracuras, frango d´dágua, marrecas e patos

Veados, galheiro, campeiro, catingueiro..

Lagarto, teiú, tatu-galinha...

Existia uma discriminação acentuada entre animais comestíveis ou não, e entre aqueles uma
hierarquia de gosto.

“Paca, porco-do-mato, tatuetê, teiú, macuco, nhambu constituem de modo geral as iguarias
mais prezadas. Nota-se uma dificuldade que a preferência do paladar se norteia pela afinidade
das suas carnes com as dos animais domésticos: porco, leitão, galinha, frango. – indicando
nitidamente o caráter substitutivo da caça-alimento”

3 – Os tipos de povoamento

Estas condições de vida gerais no território paulista, próprias de uma economia fechada ou
semifechada, ligada a um povoamento disperso, compreende-se no plano demográfico e
econômico, a autossuficiência que as caracteriza.
Porem existem formas de sociabilidade que a elas se prendem e que esclarecem para o
sociólogo, o arcabouço das relações próprias à vida caipira.

Tipos de povoamento, a partir da primeira ocupação de terra:

As bandeiras de apresamento despovoaram São Paulo e não povoaram o sertão. A fixação


principia com os descobridores das minas, interessados em explorar a terra.

Multiplicam-se vilas, povoados, que Rubens Borba de Moraes filia a seis fontes principais:

1 – povoador anônimo

2 – aldeias de índios

3 – sesmarias (fazendas)

4 – capela

5 – pouso

6 – fundação deliberada

Este ultimo é o tipo de povoamento concentrado, queestabelece os pontos de apoio da


civilização; são centros de dominância em regiões mais ou menos amplas e de povoamento
mais ou menos disperso. São o comércio, o lugar geralmente pouco habitado, a que vêm ter os
moradores da cercania quando precisam de sal, religião ou justiça. Neles se esboçam uma
estrutura administrativa e um mínimo de intercâmbio com o mundo exterior; por isso, deixam
sinal e são as que geralmente se consideram ao estudar o problema, como é compreensível.

Núcleos de população – se formam, tem uma história, permitem um conhecimento


sistemático.

Baseados neles, compreendemos organicamente, pois a possibilidade de conhecer a vida


social depende da concentração das relações humanas em estruturas, que servem de
fundamento à classificação e à análise, e quanto mais intensa esta concentração, mais
favorável às operações da inteligência em busca das causas de sua formação e funcionamento.

Os povoadores isolados não tem História, senão na medida em que penetram na órbita do
povoamento condensado. Por isso é mais difícil analisar sua vida social, mas frequentemente,
são tratados como se não a tivessem, sem se averiguar se ela não assume outras formas
menos aparentes que as dos núcleos densos.

Este capítulo do livro busca sugerir as condições de vida as condições de vida no tipo disperso
de povoamento, indicando as formas de sociabilidade desenvolvidas em função dele, e não
dos núcleos concentrados, de que dependem num outro plano de relações.

As características da vida caipira se prendem à coexistência e interferência dos dois tipos no


comportamento dos homens, devendo sempre nos reportarmos a ambos para compreendê-lo.
Há solidariedade entre um tipo e outro

Esquemas de formas de povoamento disperso, como aparece em quase toda a história de São
Paulo:

Tipos de morador Natureza da Designação corrente Unidade de


ocupação de moradia agrupamento
I . Morador
transitório
1 – Cultivador Precária capuava Bairro
nômade

2 – agregado Consentida Capuava Bairro


3 – posseiro De fato Capuava Bairro
II Morador
permanente
1 – sitiante Propriedade ou sítio Bairro
arrendamento
2 – fazendeiro propriedade Fazenda, sítio, Bairro
sesmaria

Morador transitório – não tem os títulos legais da terra, pode perder a terra onde mora a
qualquer momento. As origens de sua fixação podem ser muitas. Destaca-se o foragido das
autoridades, por infrações quaisquer, e interessado em se isolar.

Agregado – tem permissão do proprietário para morar e lavrar a terra, sem qualquer paga

Posseiro não tem permissão e ignora a situação legal da terra

Dono de terra é o sitiante ou fazendeiro (ocupa mão de obra estranha à família)

A estrutura fundamental da sociabilidade caipira consistia no agrupamento de algumas ou


muitas famílias, mais ou menos vinculadas pelo sentimento de localidade, pela convivência,
pelas práticas de auxílio mútuo e pelas atividades lúdico-religiosas.

As habitações podem estar próximas umas das outras e podem estar de tal modo afastadas
que o observador muitas vezes não discerne, nas casas isoladas que topa a certos intervalos, a
unidade que as congrega.

Ideia de bairro – presente no território paulista

Sentimento de localidade – dependende do intercâmbio entre as famílias e as pessoas – uma


porção de terra a que os moradores tem consciência de pertencer, formando uma certa
unidade diferente das outras.

A convivência entre eles decorre da proximidade física e da necessidade de cooperação

Autossuficiência relativa, que caracteriza-se dentro de um mínimo de sociabilidade, que é a


autossuficiência do bairro
4 – As formas de solidariedade

Bairro, trabalho coletivo, ajuda mútua

É membro do bairro quem convoca e é convocado para tais atividades

A obrigação bilateral é aí elemento integrante da sociabilidade do grupo, que desta forma


adquire consciência de unidade e funcionamento

Na sociedade caipira a sua manifestação mais importante é o mutirão, uma prática tradicional.

As várias da lavoura e da história e da indústria doméstica constituem oportunidades de


mutirão, que soluciona o problema da mão de obra nos grupos de vizinhança, suprimindo as
limitações da atividade individual ou familiar.

Reveste-se de um aspecto festivo, que constitui um dos pontos importantes da vida cultural do
caipira.

“Consiste essencialmente na reunião de vizinhos, convocados por um deles, a fim de ajuda-lo a


efetuar determinado trabalho: derrubada, roçada, plantio, limpa, colheita, malhação,
construção de casa, fiação, etc. Geralmente os vizinhos são convocados e o beneficiário lhes
oferece uma festa, que encerra o trabalho. Mas não há remuneração direta de espécie
alguma, a não ser a obrigação moral em que fica o beneficiário de corresponder aos chamados
eventuais dos que o auxiliaram. Este chamado não falta, porque é praticamente impossível a
um lavrador, que só dispõe de mão de obra doméstica, dar conta do ano agrícola sem
cooperação vicinal.” (p. 82)

Havia algo de solidariedade, ajuda ao próximo obrigação para com Deus de atender aos
chamados.

“A necessidade de ajuda, imposta pela técnica agrícola e a sua retribuição automática,


determinava a formação duma rede ampla de relações, ligando uns aos outros os habitantes
do grupo de vizinhança e contribuindo para a sua unidade estrutural e funcional. ” (p 82 e 83)

Outro tipo de ajuda – auxílio vicinal (surpresa, sem aviso prévio, combinado pelos vizinhos),
chamado “traição” no sudoeste de Minas.

Luta contra incêndios – ajuda vicinal de urgência máxima.

Outro elemento de definição da sociabilidade vicinal é a vida lúdic-religiosa – complexo de


atividades que transcendem o âmbito familiar, encontrando no bairro a sua unidade básica de
manifestação. A religião atua preservando a sociabilidade, em áreas pouco povoadas, como
observa Saint-Hilaire.

O bairro poderia ser definido então como o agrupamento mais ou menos denso de vizinhança,
cujos limites se definem pela participação dos moradores nos festejos religiosos locais. Desde
os mais amplos e organizados, na capela consagrada a determinado santo, até os menos
formais, promovidos em caráter doméstico.

Cooperação vicinal, divisão do trabalho, consciência de grupo, coordenação de atividades.


Pode haver mais dum sistema de relações vicinais dentro do mesmo bairro, sobretudo quando
este é grande, criando nele certas subdivisões, principalmente no que tange à convivência
diária.

O bairro não é uma unidade rígida e exclusiva. Situa-se em determinado plano ecológico e
social, definido pela interdependência das famílias, como estas se definem pela
interdependência das pessoas. Em plano mais largo, temos o povoado e seu território – antes
freguesia ou vila, hoje distrito ou município, que determinam um terceiro nível de
interdependência, a dos bairros uns com os outros num sistema mais largo. Mas enquanto a
solidariedade familiar e a vicinal pressupõem o contato direto dos participantes, a da unidade
administrativa é sobretudo virtual, não o implicando necessariamente. (p 90)

Os bairros podem ser de unidade frouxa, centrífugos.

Mas não se pode conceber sem eles o estabelecimento de uma sociabilidade normal na vida
caipira. Já os povoados são de certo modo menos necessários, se encararmos as formas
rudimentares de vida social mas de modo algum são inoperantes. O grupo, por mais afastado,
coeso e suficiente a si mesmo, ligava-se, ainda que esporadicamente ao centro provedor de
sal, administração e ministério religioso. E por meio dele, conservava sempre vivos, mesmo
quando tênues, os ligamentos com a civilização. O isolamento da sociedade rústica é relativo, e
devemos ter isso em mente para evitar falácias no conceito usual de folk-culture.

Evolução histórica de muitas cidades paulistas – primeiro, moradores segregados – depois,


ereção de capela em patrimônio doado, que atraía loja e depois algumas casas - daí, passava
a freguesia, já com o núcleo de população esboçado. – o povoado subia a vila, chegando afinal
a cidade.

O povoamento vai motivando a organização do território segundo as necessidades da vida


grupal.

O município de Bofete, noutros tempos, foi um conjunto de bairros esparsos, dependentes da


freguesia de tatuí.

De acordo com o aumento da densidade demográfica, há, portanto, não só o aparecimento e


desenvolvimento de bairros, mas um deslocamento dos seus limites e perda de suas funções. É
uma estrutura lábil, capaz de flutuação, ajustada às necessidades do povoamento disperso e
da ocupação do território.

Sob essa estrutura, percebemos muitas vezes a origem familiar – o bairro, podia ser iniciado
por determinada família, que ocupava a terra e estabelecia as bases da sua exploração e
povoamento. Conforme tendência visível em todo o povoamento de São Paulo antes da
imigração estrangeira. (p 91)

Ao fundamento territorial, juntava-se o vínculo da solidariedade de parentesco, fortalecendo a


unidade do bairro e desenvolvendo a sua consciência própria. (p 92)
A cultura caipira se desenvolveu e conservou na base dos agrupamentos rurais mais ou menos
autárquicos, onde aparecem, em toda a sua rusticidade equilibrada, aqueles mínimos de vida e
sociabilidade... (p 92)

O caipira e sua cultura

Fixação generalizada do paulista ao solo, em seguida ao fim dos ciclos bandeirantes, no século
XVIII, fez com que se espraiasse pela capitania, até os limites do povoamento, uma população
geralmente marcada pelas características acima definidas. Um lençol de cultura caipira, com
variações locais, que abrangia partes das capitanias de Minas, Goiás e mesmo Mato Grosso.
Cultura ligada a formas de sociabilidade e de subsistência que se apoiavam, por assim dizer,
em soluções mínimas, apenas suficientes para manter a vida dos indivíduos e a coesão dos
bairros.

Rompendo este estado de coisas, superando o nível de tais mínimos, surgiam as vilas e as
fazendas abastadas, que desde logo se erigiram em núcleos de melhor alimentação, melhor
equipamento material, relações econômicas e espirituais mais intensas – quebrando o círculo
da economia fechada, ou criando novas formas de ajuste ao meio, em nível cultural mais alto.

A fim de entender os graus de autossuficiência social e econômica, na área paulista, é preciso


ter em conta a estratificação.

Os proprietários de fazendas de cana, gado ou depois, café, formavam uma camada permeável
às atividades de troca – vendendo, comprando produtos e, deste modo, se ligando ao
mercado, cujas alterações sofriam com mais sensibilidade.

Os proprietários do tipo sitiante, ora seguiam este ritmo, ora se ligavam ao dos cultivadores
instáveis, não vendendo, como eles, o produto da sua lavoura senão em escala reduzida e de
modo excepcional. Estes (sitiantes, posseiros, agregados) é que definem plenamente a
economia caipira de subsistência e a vida caracterizada pela sociabilidade dos bairros.

Os costumes da primeira categoria, bem como sua fala ou grau de rusticidade, fazem dela,
frequentemente, participante, mas nem sempre integrante da cultura caipira.

Essa diferenciação de camadas, pelo nível econômico e as formas de participação cultural, não
decorreu necessariamente de uma diferença social na origem dos grupos.

O fazendeiro abastado, o pequeno agricultor, o posseiro provêm as mais das vezes dos
mesmos troncos familiares, e seus antepassados compartilharam, originariamente, das
mesmas condições de vida.

A possiblidade de empregar mão de obra servil criou, desde as fases iniciais do apresamento,
um fermento de diferenciação que se iria acentuando, não apenas pela superioridade
econômica dos donos de escravos, como pela formação, na estrutura demográfica, de um
elemento relativamente desqualificado socialmente – antigo escravo ou descendente de
escravo.
A presença do escravo, depois do colono estrangeiro, levou a uma recomposição na
organização dos bairros, onde os mais ricos abandonaram o sistema de cooperação vicinal,
marcando assim a diferença crescente entre sítio e fazenda.

O latifúndio se formava à custa de proprietários menores, por compra ou espoliação

No latifúndio produtivo, o trabalho escravo criou condições dificilmente aceitáveis para o


homem livre, que refugou também, posteriormente, a dependência social do colonato. Não se
tendo preparado a sua incorporação a este, agia sempre como fator negativo a comparação
com o cativeiro. Em consequência, a cultura tradicional sofreria impactos sérios, tendentes a
marginalizá-la, isto é, torna-la um sistema de vida dos que não eram incorporados às formas
mais desenvolvidas de produção.

Do seu lado, ela apresentou faculdade apreciável de resistência, enquistando-se em vários


casos, quando as condições permitiam conservar o caráter autárquico.

Indiferenciação do começo substituída pela estrutura mais complexa que lhe sucedeu,
sobrepondo o fazendeiro ao seu parente sitiante (muitas vezes senhor de tantas terras quanto
ele, mas trabalhando-as pessoalmente), que por sua vez se sobrepunha a agregados sem
estabilidade.

Nas três camadas encontramos presente a cultura caipira, mas na intermediária se localiza as
suas manifestações mais típicas

O caipira típico foi o que formou essa vasta camada inferior de cultivadores fechados em sua
vida cultural, embora muitas vezes à mercê dos bruscos deslocamentos devidos à posse
irregular da terra, e dependendo do bel-prazer dos latifundiários para prosseguir na sua faina.

O sentido sociológico de autarquia econômico-social não deve, porém, ser buscado, no


latifúndio, largamente aberto às influências externas, graças à sua própria situação de
estrutura-líder, e sim no bairro caipira, nas unidades fundamentais do povoamento, da cultura
e da sociabilidade, inteiramente voltadas sobre si mesmas.

Nelas se desenvolveu uma população dispersa, móvel, livre, branca ou mestiça (geralmente
branco e índio, com pouco sangue negro).

Bairro – unidade de sitiantes, caracterizando a vida econômica e social do proprietário estável,


mas dependente dos vizinhos

Tendo conseguido elaborar formas de equilíbrio ecológico e social, o caipira se apegou a elas
como expressão da sua própria razão de ser, enquanto tipo de cultura e sociabilidade. (daí o
atraso que feriu a atenção de Saint-Hilaire e criou tantos estereótipos, fixados sinteticamente
de maneira injusta, brilhante e caricatural, já no século XX, no Jeca Tatu de Monteiro Lobato)

Esse mecanismo de sobrevivência, pelo apego às forças mínimas de ajustamento, provocou


certa anquilose de sua cultura. Como já se tinha visto no seu antepassado índio, verificou-se
nele certa incapacidade de adaptação rápida às formas mais produtivas e exaustivas de
trabalho, no latifúndio e da cana do café.
A precariedade dos seus direitos à ocupação de terra contribuiu para manter os níveis de
sobrevivência biossocial. As formas culturais, condicionadas por ela, favoreceram sua
permanência naqueles níveis. A cultura do caipira, como a do primitivo, não foi feita para o
progresso: a sua mudança é o seu fim, porque está baseada em tipos tão precários de
ajustamento ecológico e social, que a alteração destes provoca a derrocada das formas de
cultura por eles condicionada.

Daí o fato de encontrarmos nela uma continuidade impressionante, uma sobrevivência das
formas essenciais, sob transformações de superfície, que não atingem o cerne senão quando a
árvore já foi derrubada – e o caipira deixou de o ser. (pág 97)

Recapitulação geral das características da cultura caipira:

1 - Isolamento

2 - Posse de terras

3 - Trabalho doméstico

4 - Auxílio vicinal

5 - Disponibilidade de terras

6 - Margem de lazer

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