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Resumo: A crítica do “capitalismo como religião” pode ser encontrada em filósofos como Walter
Benjamin ou em teólogos da libertação. A possibilidade de articular capitalismo e religião supõe
uma profunda revisão do quadro teórico da Modernidade e de sua autocompreensão secular,
onde o processo de racionalização da vida suporia a redução e eliminação das análises
teológica e metafísicas na interpretação da vida. Apenas na crítica do paradigma iluminista-
positivista poderemos entender como legítima algum tipo de associação entre capitalismo e
religião. A questão central que se coloca é quais seriam os fundamentos epistemológicos que
permitem um instrumental analítico que recupera a plausibilidade da dimensão teológica e
religiosa na compreensão (e transformação) da realidade humana. Em nossa hipótese, existe
um setor do pensamento crítico europeu que, marginal e com pouco impacto histórico, formulou
na virada do século XIX para o século XX uma crítica anticapitalista da Modernidade que rompe
deliberadamente com as categorias modernas de análise da sociedade a partir da indistinção
de esferas da vida “moderna”, em especial das dimensões religiosa e política. Nessa opção,
faz-se dura crítica à Modernidade e ao Capitalismo considerando para tal a dimensão teológica
e religiosa. Tal pensamento crítico, no âmbito marxismo heterodoxo, repensa a concepção de
história e temporalidade, em ruptura com o evolucionismo e a filosofia do progresso. Da mesma
forma podemos identificar semelhanças epistemológicas em um setor da Teologia da
Libertação que considera seriamente a relação entre teologia e marxismo. Compreender a
similaridade dessas duas concepções teóricas é possível não apenas pela busca de
convergências na formulação da crítica do capitalismo como religião, mas especialmente na
ruptura com as bases epistemológicas da Modernidade, compreendendo o universo cultural
em sua unidade pluridimensional, indissociando religião e modo de vida econômico. Esta
perspectiva não é nova, apesar de ser pouco estudada. A pesquisa bibliográfica permite
elaborar um quadro conceitual de análise que situe historicamente a construção de um
pressuposto que exclui da racionalidade qualquer dimensão religiosa e que deslegitima como
pré-racionais ou anticientíficos qualquer abordagem divergente. A conclusão da pesquisa indica
que a partir de determinados lugares hermenêuticos, é possível recuperar criticamente a
plausibilidade da dimensão religiosa no processo de compreensão do real.
1
Grupo de teólogos referenciados nos membros do Departamento Ecumênico de Investigações (DEI), que inclui
Franz Hinkelammert, Hugo Assmann (1989), Pablo Richard e Jung Mo Sung (1998).
a) A compreensão da Modernidade
De um lado, temos majoritariamente consagrada a formulação de Habermas na
qual a Modernidade pode ser compreendida na obra de autores como Weber,
Durkheim, Hegel e tendo como filósofo emblemático Kant (HABERMAS, 2000, 25). Por
outro, gesta-se uma compreensão divergente, por teóricos como Boaventura, Dussel,
Löwy e Benjamin, que propõem ampliar a perspectiva analítica a partir da constituição
do sistema-mundo capitalista e colonial, na perspectiva de suas vítimas, desvelando um
conjunto de ambiguidades presentes que, em geral, são ocultas. Inclui a noção de
missão civilizadora, derivada de sua noção de progresso, de superioridade e a violência
para concretizá-la, que é o que constitui uma sociedade civil dividida em raças
(SANTOS, 2010, 52). Incluiria também a ambiguidade entre ratio emancipadora e como
“mítica cultura da violência”, onde a luz da razão associa-se a sombra da violência
irracional, e o processo civilizatório é percebido também em sua dimensão de barbárie.
O aspecto irracional, violento, bárbaro da Modernidade não é acidente, mas parte
estruturante e consequência de sua lógica, um traço estrutural da face civilizatória da
racionalidade moderna (DUSSEL, 2005).
Para Löwy, a história do capitalismo demonstra esta relação aparentemente
contraditória: a “barbárie civilizada”. Na Modernidade “o lado sinistro do processo
civilizador e da monopolização estatal da violência se manifestou em toda sua terrível
potência” (LÖWY; BENSAÏD, 2000, p.47), com muitos exemplos de uso desproporcional
da força bruta no lugar da razão, mas como resultado desta racionalidade. Combatendo
a barbárie, a Modernidade “civiliza” barbaramente desde suas origens. Não se trata da
mesma barbárie que o projeto moderno combate. É, enquanto racional, integrante da
civilização, “especificamente moderna, do ponto de vista de seu ethos, de sua
3. A título de conclusão
Indicando brevemente a necessidade de rever o próprio conceito fundante da
Modernidade e a crítica da razão moderna e de seu paradigma de ciência, queremos
apontar a possibilidade latente já presente na própria formulação “capitalismo como
religião”. Tanto Benjamin como a Escola do DEI partem desta perspectiva na força de
sua análise. Se toda epistemologia partilha as premissas culturais do seu tempo, uma
Referenciais
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BENJAMIN, W. “Teses sobre o Conceito de História”, in LÖWY, M. Walter Benjamin:
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BOBINEAU, O.; TANK-STORPER, S. Sociologia das Religiões. São Paulo: Ed. Loyola,
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COELHO, A. S. “Capitalismo como religião: uma crítica a seus fundamentos mítico-
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