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LATINO AMERICANO1
Uma constituição geralmente é fruto de uma crise social. Na Colômbia, após o
fracasso da reforma constituinte via emendas parlamentares, uma nova constituição foi
promulgada a partir da conjugação do decreto do estado de sítio pela presidência da
república à chancela do Supremo Tribunal de Justiça, responsável, à época, pelo controle
de constitucionalidade.
Em princípio, as intenções do estado de sítio decretado pelo executivo e chancelado
pelo judiciário eram reformistas, entretanto, a partir da contingência da ação, os ânimos de
uma reforma controlada foram substituídos pela ação de uma reforma integral,
promulgando-se uma nova constituição.
A nova constituição colombiana substituía, então, o contrato social de 1886,
pretendendo extinguir os espólios do processo formal de separação entre Religião e Estado.
Ao mesmo tempo em que a tradição religiosa legava ao povo colombiano ferramentas de
compreensão dogmáticas para interpretação das relações estabelecidas com o Estado, a
baixa densidade da democracia representativa formava cidadãos passivos que não
entregavam legitimidade às regras trazidas pelo novo pacto normativo. A deslegitimidade
normativa da Colômbia construída sobre a Constituição de 1886 apontava para uma espécie
de anomia, isto é, ausência de norma.
A constituinte de 1991 tenta restabelecer a qualidade de cidadãos aos estratos
vulneráveis da sociedade colombiana, criando mecanismos fundamentais de participação
direta do povo nas ações e decisões do Estado, amplificando a expressão democrática na
medida em que reconhece a existência de direitos econômicos, sociais e culturais.
A nova constituição contribuiu para troca do imaginário social colombiano, o qual, a
partir do apego aos dogmas sacro-religiosos, atribuía a falta de hierarquia e disciplina
responsabilidade pelo escasso desenvolvimento social.
A história das últimas décadas do século XX colombiano conjugada a herança
dogmático-religiosa ajuda a compreender a positivação da Paz enquanto objetivo da carta
magna da Colômbia. Enquanto o Brasil se consolida sobre a idéia da dignidade, noção de
difícil alcance em uma sociedade construída com base na colonização genocida através da
exploração do trabalho escravo, a Colômbia busca um estado de paz através de uma
descontinuidade um tanto contínua.
Como ferramenta de concreção da Paz Social, a Colômbia reconheceu, na
Constituição de 1991, que os descendentes da população autóctone colombiana
compunham o tecido social em igualdade com os demais cidadãos, elevando a pluralidade
2 Eu realmente gostaria de ler um estudo com bases empíricas que mostrasse o quão
sensíveis são os juízes na aplicação dos princípios e regras constitucionais a partir de eventuais
crises econômicas da Colômbia. Sabe-se que em momentos de crise as taxas desemprego
aumentam, expandindo os índices de criminalidade e de violência. O quão sensíveis são os juízes em
matéria de criminalização dos negros, descendentes de autóctones e/ou pobres? O quão sensíveis
ou autônomos são os juízes em relação às pressões econômicas que impactam a aplicação do
Direito?
MUTAÇÕES CONSTITUCIONAIS: O NOVO PAPEL DA INTERPRETAÇÃO
CONSTITUCIONAL3
1. Supremacia da constituição (o limite da interpretação via hermenêutica é a constituição)
2. Força normativa da constituição
3. Rigidez constitucional
O ponto de partida para compreender as transformações da interpretação
constitucional nasce nas distinções operadas entre hermenêutica e interpretação,
constituindo-se a primeira – hermenêutica – nas regras que permitem a extração do sentido
das normas constitucionais a partir da interpretação. A hermenêutica, dentro do referido
sentido, entrega as bases e os métodos para interpretação dos princípios e regras
constitucionais.
Tem-se, assim, que o significado é extraído das regras constitucionais via
interpretação a partir do uso da hermenêutica. A regra base que guiará a interpretação
através da hermenêutica é que o limite da extração do sentido da norma constitucional está
na Constituição, ou seja, não há interpretação hermenêutica quando resultado da operação
reflexiva encontrar resposta que contrarie a constituição ou conclua fora dos seus princípios
e regras.
O segundo ponto reside na Força Normativa da Constituição ou Força Normativa dos
Direitos, apontando que certas normas constitucionais válidas e vigentes não possuem
eficácia por falta de lei que a regulamente ou por ausência de condições econômicas do
Estado.
A Rigidez Constitucional aponta que as normas constitucionais encontram limites de
alteração nos processos estabelecidos da própria constituição, de forma que não cabe a
interpretação hermenêutica suprimir princípio ou regra constitucional, ou seja, extrapolar os
limites positivados no pacto social.
Mesmo que a atividade de interpretação da norma constitucional imponha regras
através da hermenêutica, a atividade jurisdicional tem ignorado os limites colocados na
constituição para alcançar verdadeiras reformas constitucionais ou, até mesmo, espécies de
promulgação de novas constituições dentro de casos específicos ou ao tratar de
determinados grupos sociais.
O caráter aberto das normas constitucionais – mesmo algumas regras possuem
certo grau de abstração – desafia a atividade jurisdicional legatária dos grandes códigos que
construíam a realidade através das narrativas do bem e do mal. A constituição, sintaxe da
tese conservadora e antítese progressista, aloca ao longo de suas disposições um sem fim