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"Dos Ratos e Homens"

Livre adaptação, inspirada na obra de: John Steinbeck

De: Luis Antonio Pereira

(c)copyright: Registrado no Ministério da Cultura do Rio de Janeiro


Contato: Luis Antonio Pereira
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Revisão(5): 23/04/2012
EXT. RIACHO -- NOITE 1

Uma fogueira e dois homens comem feijão da lata. JORGE, 43,


magro, jeans velho, botas, camisa de botão, chapeú preto
surrado, esperto, controlador. LEO, 40, alto, anda e come
como um urso, camisa velha, calça pescando siri, botas sem
cadarço, age e pensa de forma errada. Leo bebe água de uma
caneca velha. Eles estão em viagem com as suas bolsas
surradas.

JORGE
Não bebe água dessa maneira, Leo!

LEO
Por quê não?

JORGE
Parece um porco...

Leo dá de ombros.

LEO
Não tem nenhuma dama aqui...
(só para irritar)
Eu gosto de porcos...

Leo imita um porco para irritar Jorge. Ele balança a cabeça


negativamente. Leo ri com a boca cheia de comida, babando a
água que acabou de beber.

LEO (CONT'D)
Nunca reparei no modo de um porco
comer...Como é que eles comem, Jorge?

JORGE
Igual a você.

Leo ri como um porco e volta a comer. Eles comem em silêncio.


Jorge abana a cabeça, Leo bebe água, babando e sorri.

LEO (provoca)
Quer um pouco da minha água? Eu deixo
você dar um gole.

Jorge sorri e balança a cabeça negativamente. Leo sorri.

LEO (CONT'D)
Você tem Ketchup?

JORGE
Pra quê ketchup?

LEO
Pra botar no feijão.
2.

JORGE
Você tem que por ketchup em tudo o
que come?

LEO
Eu gosto de ketchup...

Jorge balança a cabeça, como se Leo fosse um caso perdido.

LEO (CONT'D)
Com Ketchup isso seria muito melhor...

Jorge já não o escuta; seu pensamento está longe.

JORGE
O motorista do ônibus nos deixou
muito longe da fazenda...Safado...

LEO
Ele falou que era perto...

JORGE
Perto nada; andamos mais de duas
horas até chegar aqui.

LEO
Eu não me incomodo em andar...

JORGE
O velho na estrada disse que falta
menos de um kilomêtro, mas não acho
bom se apresentar pro trabalho no
meio da noite; melhor chegar de manhã.

Jorge volta a comer. Leo termina o seu e dá um belo arroto.


O amigo, dessa vez, achou engraçado. Eles dividem a risada
em silêncio.

LEO
Jorge?

JORGE
O que você quer, diabo?

LEO
Será que eles tem ketchup na fazenda?
É bravo comer feijão sem ketchup!

JORGE
Vai pro inferno! Maluco...

Leo dá um leve sorriso. Jorge termina o seu, e também dá um


arroto. Os dois dividem uma bela gargalhada.

LEO
Será que eles tem criação de coelhos?
3.

JORGE
Pro inferno os coelhos! Presta
atenção: não se mete em encrenca
dessa vez; não quero fugir no meio
da noite de novo.

LEO
Não vou me meter em encrenca...

Jorge não acredita em Leo.

LEO (CONT'D)
Por quê você leva a vida tão a sério?

JORGE
Por quê você sempre se mete em
confusão?

A discussão fica séria.

LEO
Talvez eu tenha que sair da confusão
sozinho, sem você se intrometer.

JORGE
Tenho pensado muito nisso. Estou
cansado de fugir por sua causa.

LEO
E eu estou cansado de você me dizer
o que tenho ou que não tenho que
fazer.

Leo se levanta e vai para longe. Jorge fica olhando, pensando


no que eles acabaram de falar. Leo mete a mão no bolso.

JORGE
O que é isso no seu bolso?

LEO
Não tenho nada no meu bolso.

JORGE
Não tem nada no bolso, porque agora
está na sua mão. O que é isso?

LEO
Não é nada...Me deixa em paz; vai
cuidar da sua vida.

JORGE
Deixa eu ver, me dá aqui.

Jorge se levanta e vai até Leo.

LEO
É só um rato, Jorge.
4.

Jorge fica espantado e dá um passo atrás. Leo exibe um rato


morto. Ele fica rindo de Jorge.

JORGE
Um rato?!

LEO
Ele está morto, mas eu não o matei.
Juro por Deus, que não o matei. Eu o
achei assim.

JORGE
Me dá isso aqui!!!

Jorge tenta pegar o rato, mas Leo não deixa.

LEO (provocando)
Deixa eu ficar com ele, Jorge.

JORGE
Me dá isso aqui!!!

Jorge pega o rato e joga longe.

JORGE (CONT'D)
O que você quer com um rato morto?

LEO
Eu ainda estava pensando no que fazer
com ele...

JORGE
Ele está morto, seu animal! E você
estava andando com ele no bolso?!

LEO
Vou achar um vivo da próxima vez...

JORGE
Pra quê?

LEO
Pra criar...

JORGE
Enquanto você estiver comigo, você
não vai criar nenhum rato!

LEO
Por quê?

JORGE
Vai dormir, temos que acordar cedo...

LEO
Pra quê?!
5.

JORGE
Pra ir pra fazenda catar pêssegos.

LEO
Pêssegos de novo...

JORGE
É a oportunidade que temos...Olha,
quando chegarmos lá, não fala uma
palavra. Deixa que eu falo por você.

LEO
Por quê? Eu sei falar por mim mesmo.

JORGE
Se o patrão não for com a sua cara,
ele não vai nos dar o emprego.

LEO
É sempre tudo ao seu jeito; faça
como quiser...

JORGE
Quando ele perceber o modo como você
trabalha, não vai se importar com o
seu modo de ser.

LEO
Não tem nada de errado comigo...

JORGE
Promete?

LEO
O quê?

JORGE
Que não vai falar nada.

Leo não fala nada.

JORGE (CONT'D)
Promete?! Precisamos desse dinheiro!!!

LEO
Não estou falando nada.

JORGE
Não quero correr no meio da noite
com as balas zunindo no meu ouvido...

Jorge senta.

JORGE (CONT'D)
Eu poderia me dar muito bem na vida,
se não tivesse que andar com você
(MORE)
6.

JORGE (CONT'D)
por aí. Poderia arrumar uma garota
descente, ter um rancho, filhos...

Jorge deita-se sonhando acordado.

LEO
Por quê você não faz isso?

JORGE
Prometi pra sua tia que cuidaria de
você. Promessa em leito de morte tem
que ser cumprida...

LEO
Isso já tem mais de vinte. Eu não
sou criança, Jorge, sei me virar
muito bem sozinho.

JORGE
Não é o que parece...

Eles se deitam, e ficam refletindo.

LEO
Se tivéssemos uma fazenda, nós
poderíamos trabalhar juntos...

JORGE
É verdade...

Leo deita-se e o fogo vai se apagando.

LEO
Você tem saudade da tia Clara?

JORGE
Bastante. Ela me criou como um filho.

Leo fica calado.

LEO
Vou fazer de tudo para não arrumar
encrenca. Vamos juntar dinheiro, e
você pode ter o seu canto e se livrar
de mim de uma vez por todas.

JORGE
Já não é a primeira vez que você me
promete isso...

LEO
Dessa vez, é sério. Pela memória da
tia Clara. Estou cansado de ser um
fardo pra você...

Jorge se levanta.
7.

JORGE
É sério?

LEO
Sério.

Eles apertam as mãos e sorriem.

JORGE
Agora, vamos dormir, amanhã temos um
dia cheio pela frente.

O fogo vai se apagando.

LEO (troçando)
Mas eu gostaria tanto de ter um rato
pra criar...

Leo cai na gargalhada.

JORGE
Cala a boca e dorme!

Eles refletem por alguns segundos.

LEO
A tia Clara sempre me dava bichinhos
pra criar...

JORGE
Lembra porque ela parou de te dar os
bichinhos?

LEO
Não, eu era muito pequeno.

JORGE
Porque você os estrangulava!

LEO (descobrindo)
Por isso, que ela me deu um rato de
borracha...

JORGE
E você o jogou no rio.

LEO
Rato de borracha não é bom pra
criar...

Eles ficam reflexivos por um minuto.

JORGE
Não entendo por que você os matava...

Leo tenta se lembrar.


8.

LEO
Gosto de ouvir o barulho que faz
quando torço o pescoço deles.

Jorge meio que se levanta.

JORGE
Você matou esse rato, não foi?

Leo não responde com um sorriso matreiro no rosto. Jorge se


irrita e levanta de vez.

JORGE (CONT'D)
Você é ruim, Leo, e não é só com os
animais!

Leo fica na primeira vez na defensiva.

LEO
Do quê você está falando?

JORGE
Você sabe muito bem!

Jorge fica olhando, e Leo fica sem graça, com certo desespero.

LEO
Não sei o que acontece comigo! É uma
força maior...

JORGE
Se estivesse sozinho, poderia viver
tão facilmente. Ter o meu rancho,
comprar coisas na cidade, comer o
que quisesse, comprar uma garrafa de
whisky, jogar pôquer, sinuca. E o
que eu tenho? Você que me faz correr
de cidade em cidade, sem poder manter
um emprego. Você só se mete em
confusão, seu maluco filho-da-puta!

Jorge imita Leo.

JORGE (CONT'D)
"Ah, eu só queria sentir o vestido
daquela menina, Jorge." Ela gritou e
você tinha que apertar o pescoço
dela até quebrar, não é?!
(lembrando)
Puta merda, eu corri tanto...E o
barulho das balas zunindo...

Jorge deita-se tentando esquecer aquilo tudo. Silêncio. Leo


olha para o fogo.

LEO
Jorge?
9.

Jorge não responde.

LEO (CONT'D)
Jorge?!

JORGE
O que você quer?

LEO
Não queria matar aquela menina em
Louveira...

Jorge não responde. Leo se levanta em desespero.

LEO (CONT'D)
Mas por quê a idiota tinha que gritar?

Jorge levanta e encara Leo.

JORGE
Não foi o fato dela gritar, que te
fez estalar o pescoço dela.

LEO
Não foi?

JORGE
Você gosta de ouvir o barulho do
pescoço estalando!!!

LEO
Não!!!

Leo chora em desespero. Jorge fica em silêncio.

LEO (CONT'D)
Eu não queria fazer isso! Não queria!
Mas é mais forte do que eu!!!

Ele cai de joelhos e se auto-flagela.

LEO (CONT'D)
Idiota! Idiota! Eu não queria, Jorge.
Juro que não queria...

Leo fica chorando. Jorge, sombriamente, se distancia de Leo


e se deita de vez.

JORGE
Vai dormir, Leo.

Leo se senta, e olha o fogo quase extinto. Ele fica chorando


baixinho, se lembrando da cena.
10.

LEO
Eu não queria ketchup pra botar no
meu feijão; era pra você botar no
seu.

Jorge senta-se novamente.

JORGE
Quando penso em como poderia me
divertir sem você, fico quase louco.
Quando é que vou ter paz, meu Deus?!

LEO
Se você quiser, Jorge, eu posso ir
embora e deixar você sozinho.

JORGE
Nós somos o tipo de pessoa que só
tem um ao outro. Sem família; não
temos nada. Temos que nos unir, e
construir algo do nada: um lar pra
que nossos filhos tenham uma terra.

LEO
É verdade...

JORGE
Um dia, tudo isso vai mudar. Vamos
ter uma casinha, uma vaca, uns porcos,
uma bela plantação, uma horta pro
sustento, galinhas, um fogão...E nos
dias de chuva, nem sairíamos pra
trabalhar. Ficaríamos sentados na
varanda, vendo a chuva cair, e...

Jorge para e fica sonhando em silêncio.

JORGE (CONT'D)
Leo, presta atenção no que vou te
dizer: dá uma boa olhada nesse lugar,
e lembra dele. Se você se meter em
encrenca, corre como um louco, se
esconde aqui e espera por mim.

LEO
Tá bem, mas não vou me meter encrenca;
não vou te decepcionar dessa vez.

Jorge fica olhando para Leo como se não acreditasse muito.

JORGE
Agora, deita, cala a boca e dorme.

Os dois se deitam. A LUZ VAI SE APAGANDO.

LEO
Jorge?
11.

JORGE
Que foi agora?

LEO
Posso criar um rato no nosso rancho?

Leo começa a rir.

JORGE
Vai pro inferno.

FADE TO BLACK:

INT. DORMITÓRIO -- DIA 2

Jorge e Leo chegam. O velho barraco dos empregados tem cinco


camas com cabeceiras, onde ficam os pertences dos moradores.
Uma mesa central com cadeiras. À esquerda do palco, separado,
um pequeno quarto, com uma cama e uma mesinha com livros.
Leo e Jorge entram. VALTER, faxineiro, 70, sem um braço,
macacão, chapeú, limpa o chão com a vassoura. Ele pára e
analisa os dois recém chegados.

VALTER
O patrão esperou por vocês ontem...

Os dois encaram o velho sem responder. Ele fica sem graça.

VALTER (CONT'D)
Fiquem com aquelas duas camas...

Jorge e Leo se dirigem para as camas e põem suas coisas sobre


elas. Ao lado da cama de Leo, há uma lata de inseticida.

LEO
Que isso?!

Jorge o olha com reprovação. Leo não liga.

VALTER
É do último rapaz que esteve aqui.
Provavelmente, ele esqueceu.

LEO
Aqui diz que isso serve pra matar
piolhos. Que merda de cama é essa
que você está me dando? Que porcaria
de chiqueiro é esse?

VALTER
Me desculpa, mas é o que tem.

Jorge chega perto de Leo e o fuzila com o olhar. Leo não se


controla e joga a lata de inseticida na parede.
12.

VALTER (CONT'D)
O rapaz tinha mania de limpeza,
limpava as mãos até depois de comer.

JORGE (tentando disfarçar)


E por quê ele se mandou?

Valter pega a lata de inseticida do chão e põe sobre a mesa.

VALTER
Não sei, mas acho que foi por causa
da comida.

LEO
É ruim?

VALTER
Eu gosto...

LEO
Você não tem cara de quem gosta de
coisa boa.

VALTER
A comida é boa sim! O cara é que era
esquisito!

Leo sai de lado.

JORGE
Como é o patrão?

VALTER
Ele é boa pessoa. Às vezes, fica
meio chateado, e desconta na gente.
Mas no natal, eles nos deu um galão
cheio de cachaça.

Leo se anima.

LEO
Eu gosto de uma cachacinha...

JORGE (de forma reprovadora)


Não, você não gosta...

Fica um clima estranho entre os dois.

VALTER
Nós até deixamos o negro participar
da festa naquela noite...

Jorge não gosta.

JORGE
Que negro?!
13.

VALTER
O Cosme mora num quarto separado ai
do lado. Ele toma conta do estábulo.

Entra CELSO, 30, capataz, forte, sem camisa, jeans surrado,


chapeú. Ele tira o chapeú e joga em cima da mesa.

VALTER (se explicando) (CONT'D)


Eles acabaram de chegar, Celso. Eu
já ia te avisar...

CELSO (não dá importância ao velho)


Vocês não deveriam estar aqui ontem?!

JORGE
O motorista do ônibus nos deixou
muito longe. Tivemos que andar um
bocado e passar a noite no meio do
mato.

CELSO
Maldito motorista...Eu já mandei os
catadores pro trabalho. Vocês podem
se juntar a eles depois do almoço.
Qual é o seu nome?

JORGE
Jorge.

CELSO
E o seu?

LEO
Leo.

Eles apertam as mãos, contentes pela boa receptividade do


capataz.

CELSO
Meu nome é Celso, sou o capataz da
fazenda, trabalho pro Doutor Charles.
Vocês devem tratá-lo somente por
Doutor.

Eles fazem que sim.

CELSO (CONT'D)
Ele não gosta de encrenqueiros. Vocês
não são encrenqueiros, são?

JORGE
De forma alguma.

Jorge olha para Leo. Leo não entende, como que falando "Eu
não fiz nada".
14.

CELSO
Onde é que vocês trabalhavam antes?

JORGE
Em Louveira.

CELSO
Você também?

JORGE
Ele também.

CELSO
Qual é o problema dele? Não sabe
falar?

JORGE
Ele não gosta muito de falar, mas te
garanto, que é forte como um touro e
muito bom trabalhador.

Leo sorri.

LEO (sarcástico)
Forte como um touro...

Jorge olha para Leo com olhar reprovador.

CELSO
O que você pode fazer, Leo?

Leo olha em pânico para Jorge.

JORGE
Ele pode fazer qualquer coisa:
carregar fardos, caixas, catar frutas.

CELSO
Então, por quê você não o deixa falar?
Você está armando pra cima de mim?

JORGE
Não estou dizendo que ele é
inteligente, porque ele é burro mesmo.
Mas é muito bom trabalhador; te
garanto isso.

Leo não gostou de ser chamado de "burro".

CELSO (encarando)
O que você está me vendendo aqui?

JORGE
Como assim?
15.

CELSO
Você está querendo me enfiar esse
tipo goela abaixo?

JORGE
Claro que não!

CELSO
Me diz uma coisa: você faz isso pra
ficar com o pagamento dele?

JORGE
Não!

Leo se diverte de ver Jorge contra a parede.

CELSO
Nunca vi alguém protegendo outra
pessoa assim dessa forma.

Celso cresce para cima de Jorge, e põe o dedo na cara.

CELSO (CONT'D)
Eu tenho o controle do que se passa
na fazenda, tá me entendendo?! É o
meu trabalho aqui!

JORGE
Prometi pra tia dele quando ela
morreu, que tomaria conta do Leo.
Ele tomou um coice dum cavalo na
cabeça quando era criança, e ficou
assim. Mas ele pode trabalhar duro;
só não é muito inteligente.

Leo não gosta da história inventada por Jorge.

CELSO
Bom, não é preciso miolos pra carregar
caixas de um lado pro outro. Se ele
é bom mesmo; pode ficar. Mas vou
ficar de olho em vocês dois. Por quê
vocês largaram o trabalho anterior?

JORGE
O trabalho acabou.

CELSO
E o que faziam lá?

JORGE
Catávamos pêssegos.

CELSO
É o que vocês vão fazer aqui. Podem
ficar, mas não tentem dar uma de
espertos. Falo com vocês mais tarde.
16.

Celso sai de cena. Valter o segue. Jorge e Leo observam os


dois sairem.

JORGE
Você tinha que abrir a sua boca grande
e nos meter em encrenca. Quase
perdemos o trabalho.

LEO
Eu só falei meu nome...

JORGE
Você não pode cumprir uma promessa?!
Agora, ele está desconfiado...Nós
temos que ser cuidadosos, entendeu?!

LEO (sem paciência)


Tá bom!

Jorge volta para as suas coisas.

LEO (CONT'D)
Jorge?

JORGE
O que você quer?

LEO (sacana)
Quando é que tomei um coice de cavalo?

JORGE
Foi a primeira coisa que me veio na
cabeça; mas seria ótimo se tivesse
mesmo tomado.

Valter entra e fica expiando.

JORGE (CONT'D)
O que você está expiando ai, velhote?

VALTER
Eu não estava escutando nada.

JORGE
Não se meta nos assuntos dos outros.
Não gosto de fuxiqueiros.

VALTER
Eu não escutei nada.

JORGE
É bom que não tenha escutado mesmo...

Valter fica sem saber o que fazer.

JORGE (CONT'D)
Senta aqui, velhote.
17.

Valter senta-se com Jorge a mesa.

JORGE (CONT'D)
Você tá acabado, velho. Desde quando
está aqui?

VALTER
Desde sempre; fui criado aqui pelo
meu pai.

JORGE
Que lástima...Me fala do nosso patrão.
Ele é médico?

VALTER
Não.

JORGE
Então, porque temos que chamar ele
de doutor?

VALTER
Porque ele é o patrão...

Jorge e Leo riem.

VALTER (CONT'D)
Se vocês fizerem as coisas certas,
ele os tratará bem...

Os dois dão de ombros.

VALTER (CONT'D)
Ele era um lutador profissional;
meio médio dos bons. Eu o vi lutar
uma vez; ele era muito bom, mas por
causa, de um problema no joelho teve
que parar. Ele tinha um bom dinheiro
guardado, comprou essa fazenda, e
mora aqui com a mulher. De vez em
quando, perde o controle por causa
dela. Principalmente, quando ela
desaparece...

CHARLES, 30, forte, boas roupas, uma luva na mão esquerda,


belo chapeú, entra.

CHARLES
Vocês viram minha mulher?

VALTER
Não, doutor, ela não esteve por aqui.

CHARLES
Onde ela se meteu?

Charles analisa os recém chegados.


18.

CHARLES (CONT'D)
E vocês? Quem são?

VALTER
São os novos contratados.

CHARLES
Como se chamam?

JORGE
Me chamo Jorge, e ele é o Leo.

Charles se aproxima de Leo e o encara. Leo sorri com ar de


sacana para ele. Jorge toma a frente de Leo.

CHARLES
Você não viu minha mulher, viu Leo?

JORGE
Como poderíamos saber quem é a sua
mulher se acabamos de chegar, Doutor?

Charles empurra Jorge e encara Leo.

CHARLES
Não perguntei pra você! Fiz a pergunta
pro Leo e quero ouvir a resposta da
boca dele! Me incomoda fazer uma
pergunta pra uma pessoa e outra
responder.

Leo continua sorrindo para Charles.

JORGE
Vamos supôr que não queira falar,
que seja desejo dele que eu fale por
ele.

Charles encara Leo.

CHARLES
Que tipo de idiota é esse que não
quer falar?
(para Jorge)
E por quê você toma as dores dele?

JORGE
Nós viajamos juntos.

CHARLES
Entendo...É dessa forma?

JORGE
Sim, doutor; é dessa forma.

CHARLES
Então, você não quer falar, Leo?
19.

JORGE
Bom, ele pode falar, se ele quiser.

Jorge faz sinal com a cabeça para Leo falar. O sorriso de


Leo agora tem uma pitada fúria.

LEO (se controlando)


Acabamos de chegar, Doutor...

Jorge fica feliz com a resposta de Leo.

CHARLES
Bom, então, entenda, Leo: da próxima
vez que eu lhe fizer uma pergunta,
quero que você me responda.

Charles vai para cima de Jorge e Leo gosta.

CHARLES (CONT'D)
E você, Jorge, não gosto da sua
atitude. É bom mudá-la antes que nós
tenhamos um problema. Certo?

Jorge afirma com a cabeça, sem falar nada. Charles sai. Leo
vai até a porta e o observa se distanciando.

LEO
Qual é o problema dele, Valter?

VALTER
Ele gosta de provar pros outros que
ainda é o tal...Geralmente, ele
escolhe os mais fracos...

LEO (com aquele olhar sombrio nos olhos)


Não sou do time dos mais fracos...

JORGE
Não fizemos nada pra que ele nos
trate dessa forma.

VALTER
O Charles gosta de tirar vantagem de
caras indefesos pra mostrar que ainda
é bom com as mãos.

JORGE
Covarde! Se ele se meter com o Leo;
vai se machucar.

Leo ainda olha para fora e só escuta a última palavra.

VALTER
Sei que ele não é certo, mas, no
fundo, é um bom patrão. Me deixa
ficar aqui apesar do meu problema.
20.

JORGE
O Leo não é boxeador, mas é bom o
patrão tomar cuidado. Ele é forte
como um touro; e é rápido também. E
tem mais, o Leo não sabe as regras
do jogo, principalmente, quando está
machucando alguém, ele continua até...

Leo reprova o que Jorge esteve quase por dizer. Valter não
entende bem.

JORGE (CONT'D)
De qualquer forma, é melhor que o
Charles não se meta com o Leo.

Jorge dá um tapa nas costa do amigo.

JORGE (CONT'D)
Esse Charles parece um bom filho da
puta; não gosto de caras assim.

Leo volta a olhar para fora.

VALTER
O Doutor tem ficado cada vez pior.
Principalmente, quando se trata da
mulher dele. Ele gosta de se mostrar
pra ela. Você viu aquela luva?

JORGE
É, que merda é aquela?

VALTER
Aquela luva está cheia de vaselina...

JORGE
Vaselina?! Pra que ele quer uma luva
cheia de vaselina?

VALTER
Ele diz que é pra manter a mão leve
pra mulher dele, entende?

JORGE
Isso é uma coisa suja pra se dizer
da própria mulher.

VALTER
Os rapazes dizem que ele usa a mão,
porque não dá mais conta do recado
lá embaixo; se é que você me entende?

Valter e Jorge riem. Leo está distante, observando as coisas


lá fora.

VALTER (CONT'D)
Espera só pra ver a mulher dele.
21.

Jorge tira um baralho velho de cartas do bolso, e joga


paciência sobre a mesa.

JORGE
Ela é bonita?

VALTER
Ihhh...Põe bonita nisso!!!

Valter fica nervoso só de pensar no seu próprio desejo.

VALTER (CONT'D)
É bem novinha, cheia de fogo; parece
até que ele a tirou do berço...Mas,
você sabe como é...

JORGE
Não, não sei, como é?

VALTER
Ela tem o olho; se é que me entende?

JORGE
Olho? Que olho?

VALTER
O olho pra tudo o que se move e veste
calças. É por isso, que ele a procura
o tempo todo.

JORGE
Eu não o culpo. A cabeça dele deve
estar cheia de minhocas.

VALTER
Acho que ela está cheia é de outra
coisa, se é que me entende?

Valter faz o sinal do chifre e ri. Jorge também. Leo está


muito longe dali. Seus olhos brilham olhando para fora.

VALTER (CONT'D)
Ela dá aquele olhar pro Celso.

JORGE
O Celso?

VALTER
Esse sim é um cara legal.

JORGE
Parece que vamos nos divertir aqui.

VALTER
Sabe o que penso? Que ele se casou
com uma puta.
22.

JORGE
Ele não é o primeiro que conheço...

Valter está nervoso com a sua própria revelação.

VALTER
Não diga nada ao Doutor sobre isso;
ele me mandaria embora.

JORGE
Pode deixar, velhote, eu sei manter
a boca fechada.

VALTER
Bom, tenho que preparar o almoço.

JORGE (risonho)
Ah, por isso é que a comida é boa?

Valter ri com o "mea culpa" estampado na cara.

VALTER
Quando você encontrar com a mulher
dele vai ver que tenho razão. Ela é
uma putinha sem-vergonha.

Valter sai. Jorge chega por trás de Leo e olha para fora.

JORGE
Leo, tem cuidado com esse Charles.
Ele vai te pegar na primeira chance
que tiver...

LEO
Fiz uma promessa, mas estou achando
difícil de manter a minha palavra...

Jorge concorda silenciosamente.

JORGE
Odeio o tipo do cara metido a valente.
E o pior é que eles sempre dão um
jeito de ganhar, porque jogam sujo.
Se ele vier aqui, vai pro outro lado
do quarto, entendeu?

LEO (sombrio)
Eu não quero problemas, Jorge...

Jorge concorda.

LEO (CONT'D)
Você está chateado comigo?

JORGE
Por que estaria? Você se portou bem.
23.

Jorge o segura nos ombros com camaradagem.

LEO
Deus sabe como me segurei pra não
quebrar a cara dele.

JORGE
Não é culpa sua, Leo. Ele bem que
merece; bastardo!

Jorge vai para a sua cama com certa revolta.

JORGE (CONT'D)
Fica longe dele! Ouviu? Longe dele!

Eles ficam em silêncio já prevendo o que vem pela frente. A


mulher de Charles aparece. CANDICE, 25, bonita, vestido curto
com um belo decote, mostrando bem as pernas. Ela está
descalça. Candice, ainda da porta, percebe Leo que recua com
medo dela. Ela gosta.

CANDICE
Olá! Estou procurando o Charles.
Vocês o viram por aqui?

JORGE
Ele estava aqui agora a pouco, mas
já foi.

CANDICE
Ah...

Candice entra no dormitório e examina os dois.

CANDICE (CONT'D)
Vocês são os caras novos?

JORGE
Isso mesmo.

Ela continua analisando-os. Ela fica de costas para o Leo,


que examina o corpo dela. Jorge olha para Leo com desaprovo.

CANDICE
Às vezes, o Charles está aqui, e, às
vezes não. Nunca sei onde ele está.

JORGE
Te digo que ele não está aqui agora.

Candice dá uma risada nervosa, tentando esconder a extrema


ansiedade sexual que a toma.

CANDICE
Pois é, não está mesmo, não é? Então,
é melhor olhar noutro lugar. Ninguém
pode culpar uma pessoa por procurar.
24.

JORGE
Se o vir, digo que você estava
procurando por ele.

Celso entra.

CANDICE
Oi, Celso.

CELSO
Oi, gostosura.

CANDICE
Estou procurando o Charles...

CELSO (brincando com ela)


Você não está procurando do jeito
que deveria.

Eles ficam trocando risinhos e olhares.

CELSO (brincando com ela) (CONT'D)


Ele acabou de ir pra casa, e também
está te procurando.

CANDICE
Bom, então, acho que vou pra casa.

CELSO
Eu te acompanho.

CANDICE
Tchauzinho, rapazes. Foi uma prazer...

Candice e Celso saem. Leo, petrificado, olha Candice sair.

JORGE
Que vagabunda. Então, foi essa mulher
que o Charles pegou pra esposa? Que
desastre!

LEO
Ela é linda!

JORGE
Realmente, ela não esconde isso.
Acho que ela faz um bom serviço por
vinte pratas.

LEO
Eu não tenho vinte pratas! Mas como
eu gostaria de ter...

JORGE
Fica longe dela; ela não é pro teu
bico.
25.

LEO (desafiando)
Mas, e se ela me bicar?!

JORGE
Olha aqui, seu maluco, não se mete
com essa vagabunda. Não quero saber
se ela é bonita ou feia; fica longe
dela. Ela tem veneno naqueles olhos.

LEO
Mas eu nem fiz nada...

Leo olha para fora e avista Candice.

LEO (CONT'D)
...ainda...

Leo vira para Jorge como que implorando o consentimento dele.

LEO (CONT'D)
Não tenho culpa, Jorge. Você viu o
modo como ela olhou pra gente?

JORGE
É, vi ela mostrando aquele rabo
gostoso...

Leo surpreende Jorge.

JORGE (tenta disfarçar) (CONT'D)


...E você que não parava de olhar...

LEO
Coisas bonitas são para ser olhadas.
Não vou machucá-la. Só vou ficar
olhando, e olhando, e olhando...

Ele volta para a porta.

LEO (CONT'D)
...por enquanto...

Leo parece perseguido pelos seus pensamentos, e começa a


surtar sem que Jorge repare.

JORGE
Não olhe mais. Deixa que o Charles
faça o serviço sujo com aquela luva
cheia de vaselina...Acho que esse
Celso anda fazendo a sua parte ali.

LEO
Eu não gosto desse lugar, Jorge!
Não é bom aqui. Tenho um mal
pressentimento...Acho que vou...

Jorge sacode Leo para que ele volte ao juizo.


26.

JORGE
Não! Não vai agir de forma errada!
Você vai controlar os seus impulsos.

LEO
Vai ser muito difícil, Jorge. Eu não
sei se posso confiar em mim mesmo...

JORGE
Nós precisamos do dinheiro. Não temos
outra alternativa no momento.

Leo se dá conta.

JORGE (CONT'D)
Assim, que tivermos uma oportunidade,
a gente se manda daqui. Também não
gosto desse lugar, mas nós temos que
nos contentar com ele por enquanto.

Jorge volta a jogar paciência na mesa. Celso entra com um


sorriso nos lábios. Leo está em pânico, e Jorge joga
angustiado. Celso sente o clima.

CELSO
Depois do almoço, você vai catar
pêssegos, Jorge, e o Leo, vai carregar
as caixas pra caminhonete.

Os dois concordam. Entra MARLON, 25, todo sujo sem camisa,


suado, sapatos velhos, calças sujas, suspensório. Valter vem
logo atrás.

CELSO (CONT'D)
Esses são os caras novos, Marlon.

MARLON
Prazer, sou Marlon.

Marlon aperta a mão de Jorge, que nem se levanta.

JORGE
Eu sou Jorge Milton, e aquele é o
Leo Carlos.

Marlon se deita na sua cama.

MARLON
Celso, como é que vai a sua putinha?
Agora a pouco, te vi saindo do
estábulo com ela.

CELSO
Se mete na sua vida, Marlon.

Marlon ri.
27.

MARLON
Eu não entendi porque ela estava
toda suja de palha.

Marlon ri.

CELSO
Minha cachorra deu cria ontem a noite,
e eu estava mostrando pra ela os
filhotinhos.

MARLON
Claro, claro...A sua cachorra...

Marlon ri junto com os outros. Ao ouvir a palavra mágica


"filhotinhos", Leo se interessa pela conversa.

LEO
Quantos filhotinhos?

CELSO
São cinco, mas vou ficar com apenas
um.

MARLON
Toma cuidado, senão, logo logo alguém
também vai dar cria além da sua
cachorra.

Todos riem, inclusive o Celso, finalmente, concordando.

MARLON (CONT'D)
Por falar em cachorro, Valter: o seu
é muito velho, não tem dentes,
encherga mal e é fedido. Ele está lá
fora todo estirado; não consegue
mais se mover. Por que você não pega
um dos filhotes do Celso? Depois
aproveita, e mete uma bala na cabeça
do teu.

VALTER
Você fala muita besteira, Marlon.
Vamos comer, que o almoço está pronto.

Valter, Marlon e Celso saem. Leo e Jorge se levantam para


segui-los.

LEO
Vou perguntar ao Celso, se ele me
deixa ficar com um dos filhotinhos.

JORGE
Tanto que você não os machuque...

Leo faz que sim, abraça Jorge pela cintura e o levanta.


28.

JORGE (CONT'D)
Me põe no chão, Leo!

Leo solta Jorge.

JORGE (CONT'D)
Vamos comer, senão não sobra nada.

Leo e Jorge saem.

FADE TO BLACK:

INT. DORMITÓRIO -- MAIS TARDE 3

Jorge, Celso e Marlon jogam cartas. Valter está sentado, e


assiste ao jogo.

JORGE
Obrigado por deixar o Leo ficar com
um dos filhotes.

CELSO
Eu teria mesmo que me desfazer deles.

JORGE
Significa muito pra ele...Tenho
certeza de que ele vai dormir no
estábulo.

Marlon não está tendo sorte no jogo, e durante todo o tempo


ele resmunga sozinho. Ele faz comentários como se estivesse
em uma conversa com ele mesmo.

MARLON
Nunca vi um cara que gosta tanto de
bicho...

CELSO
Ele pode ficar lá, tanto que não
faça besteira.

JORGE
Ele não vai fazer nada.

CELSO
Você estava certo sobre ele. Ele não
é inteligente, mas é um ótimo
trabalhador. Um dos melhores que já
tive por aqui. Ele quase matou o
Marlon.

MARLON
Não sei pra que encaixotar tão
depressa. A quantidade de caixas vai
ser a mesma no final?
29.

JORGE
Vocês só precisam dizer a ele o que
fazer, e ele faz.

CELSO
Estranho como vocês dois se dão bem...

JORGE
O que tem de estranho nisso?

CELSO
Nunca vi dois caras se darem tão bem
assim. As pessoas, geralmente,
aparecem por aqui sozinhas, e não
ficam muito tempo. É engraçado como
um cara esperto como você se dá tão
bem com um cara como ele.

JORGE
Se eu fosse esperto do jeito que
você fala, já teria o meu próprio
rancho.

Celso concorda.

JORGE (CONT'D)
Eu e ele já nos divertimos bastante.
Confesso que quando eu era mais novo,
pregava peças e fazia piada dele.
Mas ele é tão burro que não entende
nada. Eu costumava bater nele, mas
ele não se importava com isso também,
e nunca levantou um dedo contra mim.
Mas se alguém chegar perto de mim...

CELSO
Ele parece ser um bom rapaz. Ninguém
precisa de miolos pra ser boa pessoa.

JORGE
Ele é boa gente, mas sempre se mete
em confusão. Como em Louveira...

Jorge põe as cartas na mesa.

JORGE (CONT'D)
Acho que posso confiar em vocês.
Vocês não contariam pro Charles sobre
o acontecido em Louveira, contariam?

Marlon sai do seu mundo e dá de ombros como que lavando as


mãos.

CELSO
Só trabalho pra ele, Jorge; eu não
gosto do Charles.
30.

VALTER
O que aconteceu em Louveira?

Jorge se levanta e anda pelo dormitório.

JORGE
O Leo viu essa garota com um vestido
vermelho...E tarado do jeito que ele
é, foi atrás dela. Ela estava dando
bola, mas só queria brincar com ele.
Então, o negócio ficou sério, a garota
se apavorou e começou a gritar. Ele
tentou detê-la. Eu ouvi a gritaria,
e corri para ver. Eu sabia que o Leo
estava se metendo em encrenca. Quando
cheguei, vi que, na tentativa de
calar a garota, ele, sem querer,
quebrou o pescoço dela. Foi um
acidente, mas ninguém iria acreditar
na gente. Então, corremos sem parar.
Vocês entendem, não é? Foi só um
acidente. Ele é muito forte, e não
tem noção da própria força...

Leo entra. Todos olham ele de forma diferente, e ficam mudos


por alguns segundos.

CELSO
Como estão os filhotes?

LEO
Eles são lindos e muito pequeninos.

CELSO
Não os traga aqui. Eles precisam
ficar com a mãe pra serem amamentados.

LEO
Eu vou dormir no estábulo, se você
não se importa.

CELSO
Tudo bem, Leo, pode ir.

Leo sai.

CELSO (CONT'D)
Ele é igual a uma criança...

O cachorro do Valter começa a uivar de dor do lado de fora.


Marlon vai até a porta.

MARLON
Valter, o cheiro do cão tá empestiando
tudo aqui. Ele fede cada vez mais.
31.

VALTER
Já me acostumei com o cheiro dele...

MARLON
Se você não sente o cheiro; eu sinto.
Por quê você não mete uma bala na
cabeça do animal? Olha como ele tá
sofrendo.

Valter vai até a porta.

VALTER
Eu não poderia, ele está comigo há
muitos anos. Não posso fazer isso.

MARLON
Esse cachorro está velho e sofrendo;
e eu odeio ver alguém sofrer. Você
tem que dar um belo tiro na cabeça
do fedido.

VALTER
Não, não posso fazer isso com ele!

MARLON
Então, deixa que eu faço por você.

Celso se aproxima.

CELSO
Por quê você não cria um dos meus
filhotes, Valter? O Marlon tem razão.
O cão está sofrendo muito.

Eles olham para o cachorro, imaginando o que deve ser feito.

VALTER
Não me importo em tomar conta dele,
mesmo que ele não possa mais andar.
Ele é única coisa que tenho.

MARLON
Deixa eu botar um fim nesse miserável?
Ele vai parar de sofrer.

Valter olha em volta como se procurasse ajuda, mas todos


parecem concordar com Marlon. E finalmente, consente. Marlon
abre a gaveta da sua mesinha de cabeceira e tira um revólver.
32.

Ele põe a arma na cintura e sai. Sem sair, Valter vai se


sentar, com os olhos cheios de lágrimas, sem dizer uma
palavra. Ele olha em volta como se pedisse ajuda, mas os
outros não conseguem olhar para ele. Celso fica da porta
observando. Jorge se omite da decisão e fica brincando com
as cartas. UM TIRO SECO. Valter abaixa a cabeça, vai até a
sua cama, senta-se e fica parado sem emoção. Marlon volta e
põe a arma dentro da gaveta. Ele está com um enorme sorriso
pela sua conquista. Celso pára na frente de Valter, que não
o olha. Celso dá um tapinha no ombro dele e vai até Marlon.

CELSO
Você sabe o que fazer. Marlon?

MARLON
Como assim?

CELSO
Pega uma pá, e vai enterrar o animal.

MARLON
Enterrar um cão velho daqueles? Que
serviço sujo...Deixa ele apodrecer!

CELSO
O cheiro vai empestiar a fazenda. Se
é pra fazer o serviço, faz completo.

MARLON
Manda o velho enterrar o animal. O
fedido era dele.

Valter está inconsolável.

CELSO
Não, Marlon! Vai você!

Marlon sai contrariado.

CELSO (CONT'D)
Valter, você pode pegar um dos meus
filhotes pra criar assim que eles
pararem de amamentar.

Valter olha, com os olhos cheios de lágrimas, e não responde.


Ele se deita. COSME, 50, cabelo grisalho, negro, com roupas
terrivelmente pobres, descalço, entra.

COSME
Com licença, senhor Celso.

CELSO
O que é, Cosme?

COSME
O senhor precisa de mais alguma coisa?
33.

CELSO
Não, pode-se retirar.

COSME
Senhor Celso, o rapaz novo está
tirando os filhotinhos do caixote.

JORGE
Se aquele doido estiver fazendo
besteira...

CELSO
Acho melhor eu dar uma olhada, antes
que ele faça algo errado.

Celso sai junto com Cosme. Entra Marlon.

JORGE
Já enterrou o cão?!

MARLON
Depois, o preto enterra. Ele fede
mais do que o vira-lata; eles que se
entendam. Aliás, seria uma boa idéia
se eu botasse uma bala na cabeça
dele também.

Marlon ri sozinho.

JORGE
Você tem um senso de humor muito
esquisito, Marlon.

Marlon concorda, mas Jorge não acha graça.

MARLON (mudando de assunto)


O que você achou da mulher do patrão?

JORGE
Nada diferente do que eu já não tenha
visto antes.

MARLON
Não vem com essa. Aposto que na
primeira oportunidade que tiver,
você pega ela de jeito. Eu ainda não
tive a minha oportunidade, mas é só
esperar ela se cansar do Celso. Daí,
eu aproveito.

VALTER (sem levantar)


Essa mulher tem pacto com o capeta.
Se ela puder, ela dá conta de todos
nós juntos.

Os dois ficam surpresos com a intervenção de Valter.


34.

JORGE
Ela vai fazer uma bagunça aqui, assim
que tiver a oportunidade.

MARLON
Esse rancho não é lugar pra ela. Uma
mulher como aquela não pode ficar
andando por aí dessa forma. Alguém
pode ter uma idéia errada das coisas
e fazer uma besteira.

Eles ficam em silêncio pensando nas possibilidades.

JORGE
O que vocês fazem aqui pra se
divertir?

MARLON
Além da Candice?

Jorge e Marlon riem.

JORGE
Além dela.

MARLON
Nos sábados, eu e o Celso vamos até
a cidade ver o movimento.

VALTER
Movimento?!

Valter se levanta com um tom amargo e sarcástico.

VALTER (CONT'D)
Vocês vão direto pro prostíbulo gastar
o salário da semana.

MARLON
Qual o problema? Tá com inveja porque
o teu não funciona mais, velhote?

Marlon e Jorge riem.

JORGE
Que lugar é esse onde vocês vão?

MARLON
A casa da Susy. Ela toma conta de
cinco garotas. Não são tão bonitas
como a Candice, mas são limpinhas e
bem educadas; não falam nem palavrão.
E se você não quiser brincar com
elas, pode simplesmente sentar,
conversar com a Susy e tomar umas
doses de cachaça em copos limpos.
35.

JORGE
E essa tal de Suzy?

MARLON
É uma velha com duzentos kilos de
maquiagem. Aquela perereca já está
aposentada e cheia de teia de aranha.

Os dois riem para valer, inclusive Valter.

JORGE
Parece um bom lugar pra passar a
noite.

MARLON
Vem com a gente no sábado. Sempre
damos boas gargalhadas. Precisamos
de diversão; a vida aqui é muito
dura.

Celso volta trazendo Leo.

CELSO
É melhor você deixar os filhotes
descansarem um pouco. Amanhã, você
brinca com eles.

JORGE
Ele fez algo errado?

LEO
Para de encher o saco, Jorge! Sempre
insinuando que eu faço besteira!

Todos ficam em silêncio com a atitude de Leo.

LEO (CONT'D)
Estou de saco cheio disso!

Leo vai para a cama. Valter compartilha o sentimento dele.

CELSO
Vou dar uma última olhada neles antes
de dormir.

Celso sai.

MARLON
Aposto que ele vai se meter com a
Candice.

JORGE
Como é que você sabe?

Jorge e Marlon correm até a porta para olhar.


36.

MARLON
Uma pessoa não precisa ser brilhante
pra deduzir isso. Se você acha que
estou mentindo; pergunta ao velhote.

Jorge olha para Valter.

VALTER
Eu não sei de nada.

Valter se enterra na cama como Leo. Marlon vai com raiva até
o velho.

MARLON
Não sabe?! Por quê você acha que ele
trouxe o Leo de volta pra cá?

Leo levanta a cabeça. Charles entra e surpreende Jorge.

CHARLES
Vocês viram a minha mulher?

MARLON
Eu não disse...

CHARLES
Disse o quê?

MARLON
Nada não, Senhor.

VALTER
Ela não esteve por aqui, Doutor.

CHARLES
Onde está o Celso?

MARLON
Ele saiu faz uns dois minutos.
(com malícia)
Acho que foi pro celeiro.

Charles sai correndo.

JORGE
Por quê você fez isso? Ele vai pegar
o Celso com a mão na massa.

MARLON
É tudo o que eu quero. Assim, ele se
livra do Celso, e eu fico com o
caminho livre pra me aproveitar dela.
Fico louco só de pensar que posso
tocar nela em cima da palha do
celeiro.

Jorge volta a olhar da porta.


37.

JORGE
Vai ter briga, com certeza.

Marlon corre para a porta.

MARLON
Não quero perder isso por nada no
mundo. Sempre quis saber quem venceria
na briga entre os dois.

Marlon sai. Jorge fica tentado a ir com ele. Ele pensa bem,
e volta para dentro, mas com o pensamento lá fora.

JORGE
É melhor não me meter nisso...

Jorge chega perto de Leo, e senta na cama dele.

JORGE (CONT'D)
Você estava com o Celso no celeiro?

LEO
Estava...

JORGE
A garota estava lá?

LEO
Não vi nenhuma garota.

JORGE
Espero que ela não esteja com ele,
senão vai haver briga.

LEO
Não quero briga dessa vez, Jorge.
Não quero mais machucar ninguém...

Valter se interessa pela conversa deles.

JORGE
Ninguém vai brigar com você. Dessa
vez, você não está em encrenca...Gosto
desse Celso; é boa pessoa. Não
gostaria de vê-lo envolvido em nenhum
tipo de confusão.

LEO
Também gosto dele. Ele me deu um
filhote.

Entra Marlon.

JORGE
O que houve?
38.

MARLON
Não tinha ninguém lá. Não sei onde
eles se esconderam dessa vez.

Marlon pega um cigarro na sua gaveta e vai fumar lá fora.

LEO
Jorge, quanto tempo vai demorar pra
que a gente junte o dinheiro pra
comprar aquele rancho?

JORGE
Talvez, uns seis meses.

VALTER
Vocês, realmente, conhecem um lugar
bom assim pra comprar?

JORGE
Sim, mas não é da sua conta.

VALTER
Você não precisa me contar onde é.

JORGE
Você não encontraria mesmo que eu
falasse.

VALTER
Quanto eles querem pelo lugar?

JORGE
Uns seis mil réis...Mas por quê você
quer saber?

VALTER
Sei que não sou bom pra muita coisa,
por causa do meu problema. Mas o meu
antigo patrão me deu dois mil e
quinhentos réis, quando perdi o braço.
Nunca toquei no dinheiro. Consegui
juntar oitocentos trabalhando aqui;
são três mil e trezentos. Terei mais
quinhentos em seis meses. E se eu
fosse com vocês pro rancho? São três
mil e oitocentos, mais do que a metade
do que você precisa. Não posso
trabalhar na terra, mas posso
cozinhar, fazer o serviço de casa,
tomar contas das galinhas, dos porcos,
e da horta; o que me diz disso?

JORGE
Eu tenho que pensar...Nós sempre
fizemos as coisas do nosso jeito.
39.

VALTER
Quando eu morrer, deixo minha parte
pra vocês. Não quero mais trabalhar
pra ninguém. Quero ter a minha própria
terra pra ser enterrado dignamente.

JORGE
Só temos dez réis. Mas se eu e o Leo
trabalharmos duro, em seis meses,
poderíamos chegar perto dos seis mil
pra comprar o rancho.

Jorge e Valter apertam as mãos.

JORGE (CONT'D)
Temos um acordo. Em seis meses, nos
mandamos daqui.

VALTER
Não aguento mais esse lugar. Eles
mataram o meu cão como se fosse sem
importância. Preferia que tivessem
me matado no lugar dele. Entendo bem
a relação que vocês tem um com o
outro. Quando amamos alguém, não
podemos deixar esse alguém pra trás.
Eles não entendem isso, porque eles
nunca foram amados.

JORGE
Não se preocupa, você vai com a gente.
Só não conta pra mais ninguém.

Valter concorda. Eles ficam sonhando em silêncio.

VALTER
Você acha que eu tinha que ter matado
o cão? Em vez de deixar um estranho
fazê-lo por mim?

JORGE
Se tivesse que matar alguém que eu
amasse; o faria eu mesmo.

Valter fica pensando desolado. Entram Celso e Charles


discutindo. Marlon entra atrás.

CELSO
Não quero que me pergunte mais isso!

CHARLES
Só foi uma pergunta inocente, Celso.

CELSO
Você me pergunta sobre a sua mulher
o tempo todo. E a minha paciência já
está esgotando.
40.

CHARLES
Só queria saber se você a tinha visto.

CELSO
Por que você não diz pra ela ficar
em casa que é o lugar dela, em vez
de ficar importunando as pessoas?

MARLON
Isso mesmo, você tem que manter essa
sua mulher dentro de casa.

CHARLES
Você, cala a boca! Não te perguntei
nada!

Charles encara Marlon.

MARLON
Eu não tenho medo de você!

CHARLES
Estou perdendo a paciência contigo,
Marlon. Acho melhor você se calar,
antes que eu te encha de pancada.

MARLON
Não se vira pro meu lado, porque
você vai se dar mal. Te acho um
lutador de merda. Você tem medo do
Celso, não tem coragem de enfrentá-
lo.

CHARLES
Por que eu o enfrentaria?

CELSO
Fica quieto, Marlon.

CHARLES
O que ele está falando, Celso?

MARLON
Ele sabe muito bem, onde estava a
Candice...

CELSO
Eu juro, Marlon, que você vai se
arrepender disso...

CHARLES
O que ele está insinuando, Celso?

CELSO
Não é nada, Charles.

Charles encara Marlon.


41.

CHARLES
Conta!

Marlon sorri.

MARLON
...Mão de vaselina...

Jorge olha com um sorriso no rosto. Charles empurra Marlon,


que cai no chão. Celso entra na frente de Charles. Charles
amarela. Jorge, de pé, está animado com a movimentação.
Valter apenas assiste. E Leo olha a tudo sentado com um
sorriso no rosto.

CHARLES (para Leo)


Por quê você está rindo? Vem, que eu
te quebro todo. Vou tirar esse sorriso
da sua cara.

Charles começa a suingar na frente de Leo. Ele continua


sentado, e se segura para não dar uma surra em Charles. Leo
olha para Jorge. Charles começa a esbofetear a cara de Leo.

LEO
Jorge, fala pra ele me deixar em
paz.

Charles bate em Leo.

JORGE
Pega ele, Leo. Não deixa ele te bater.

Leo não se defende dos tapas de Charles. Ele vai ficando


muito nervoso a ponto de explodir.

LEO
Você disse para eu não fazer, Jorge!
Faz ele parar!

Charles atinge o estomâgo de Leo. Celso salta na frente da


briga.

CELSO
Seu rato! Eu te ensino a não bater
num cara indefeso.

Jorge segura Celso.

JORGE
Espera. Deixa que o Leo sabe se
defender. Vai, Leo, pega ele.

Celso olha para Jorge com surpresa. Leo está com muita raiva.
Jorge chega perto de Leo, e sussura no ouvido.
42.

JORGE (CONT'D)
Pega ele, Leo, eu tô mandando. Pega
esse rato!

Charles joga um soco. Os outros começam a atiçar Leo também,


menos Celso, que observa a atitude de Jorge.

JORGE (CONT'D)
Pega ele, Leo.

Leo tem a cara cheia de sangue. Charles começa a brincar com


ele. Leo agarra a mão direita de Charles e a aperta. Charles
chora de dor. Leo quebra a mão de Charles. Ele joga o patrão
no chão. Todos ficam sérios, quando veem que Leo não vai
parar. Celso segura Leo por trás. Jorge está super excitado
e empolgado com atitude do amigo, e fica desolado quando
Celso interrompe a briga.

CELSO
Solta, Leo, solta!

Celso puxa Leo.

CELSO (CONT'D)
Ele já teve o que merece.

Leo solta Charles, que fica estirado no chão, cheio de dor.

LEO
Você me disse pra fazer, Jorge. Não
queria arrumar confusão, mas você me
disse pra pegar ele. Por quê você
fez isso de novo?

Todos olham para Jorge, entendendo o passado dos dois.

CHARLES
Chamem um médico, ele quebrou a minha
mão!!!

Leo chora.

LEO
Eu não queria, Jorge, eu não queria...

CHARLES
O que vocês estão esperando? Chamem
um médico!

CELSO
Só chamo se você não disser nada pro
Delegado. Diga que você se machucou
numa das máquinas.

Todos ficam em silêncio, e Charles, finalmente, concorda


vendo que os empregados não o apoiam.
43.

CHARLES
Está bem, mas, por Deus, chamem um
médico!!!

CELSO
Marlon, leva o Charles pra cidade.

Marlon ajuda Charles a sair.

LEO
Eu não gosto de brigar...Mas você me
obriga; estou cheio disso, Jorge!

Celso encara Jorge.

JORGE
Não sei do que ele está falando. Só
o ajudei a se defender; vocês são
testemunhas.

CELSO (acusador)
Com certeza, somos testemunhas. Foi
exatamente o que aconteceu; ele só
se defendeu. Não se preocupa, somos
prova de que nada aconteceu aqui.

Jorge está sem graça e é questionado por Celso e Valter.

VALTER
Vem no banheiro comigo, Leo, passar
uma água nessa cara.

Leo vai saindo com Valter.

LEO
Acho que perdemos o nosso rancho,
não é, Jorge?

JORGE
Vai com o Valter, Leo, depois a gente
conversa sobre isso.

LEO
Eu não queria machucar ninguém...

Leo e Valter saem.

CELSO
Que história é essa de rancho?

JORGE
Não é da sua conta.

Jorge volta a brincar com as cartas. Celso chega perto.


44.

CELSO
Você deveria ter vergonha. Você faz
que ele faça o serviço sujo.

Jorge não olha para Celso. Celso sai. Jorge está estático;
aconteceu novamente!

FADE TO BLACK:

INT. DORMITÓRIO -- NOITE (ALGUNS MESES DEPOIS) 4

Somente a luz no quarto de Cosme está acesa. Ele está deitado,


e lê um livro velho. Leo aparece na porta. Cosme o percebe.
Leo sorri.

COSME
Você não tem o direito de vir no meu
quarto. Ninguém tem o direito de vir
aqui!

LEO
Só vi a luz acesa, e...

COSME
Eu tenho o direito de ter a luz acesa.
Você tem que sair daqui. Não sou bem
vindo no seu dormitório, e você não
é bem vindo no meu!

LEO
Por quê?

COSME
Porque eu sou preto. Vocês jogam
cartas, e não posso jogar, porque
sou preto. Vocês dizem que sou fedido,
mas vocês é que são fedorentos.

LEO
Todos foram pra cidade. Estou sozinho
e o Jorge disse pra eu não ir pra
não arrumar confusão.

COSME
O que você quer?

LEO
Eu vi a sua luz acesa e pensei que
podoreíamos conversar.

COSME
Você não pode aparecer num lugar,
onde não é bem vindo.

Leo sorri. Cosme parece se convencer.


45.

COSME (CONT'D)
Senta aí, um pouco...

Leo senta-se na ponta da cama. Cosme senta-se do lado oposto.

COSME (CONT'D)
Afinal, é melhor ter companhia do
que ficar sozinho. Os rapazes foram
pra cidade?

LEO
O velho Valter também ficou.

COSME
Você tem um parafuso a menos, não é
verdade? Arrumando briga com o patrão
daquele jeito...Não culpo o seu
companheiro de deixar você aqui.

LEO
Nós vamos comprar um rancho.

COSME
Quem vai comprar um rancho?

LEO
Eu, Jorge e o velho Valter.

COSME
Você é louco. Que rancho é esse?

LEO
É verdade, pergunta pro velho Valter.

COSME
Por quê você está me contando isso?

Leo dá de ombros.

COSME (CONT'D)
Você não é como os outros. Eles logo
falam: "Não dá atenção pra esse
crioulo".

Leo sorri, tentando conquistar a simpatia de Cosme.

COSME (CONT'D)
Suponha que o Jorge não volte mais,
e te deixe sozinho aqui; o que você
faria? Suponha que essa história de
rancho é titica de galinha; o que
você faria?

LEO
Como assim?
46.

COSME
Suponha que você nunca mais volte a
ver o Jorge? Que ele suma pra sempre;
o que você faria?

LEO
O Jorge não faria isso comigo; nós
estamos juntos há muito tempo...

Leo entra em desespero, e fica pensando na possibilidade.

LEO (CONT'D)
Porque ele não iria voltar?

COSME
Não dá pra afirmar o que uma pessoa
tem na cabeça. Suponha que ele te
abandone, ou que seja morto ou preso?

LEO
O Jorge é muito cuidadoso. Ele nunca
se mete em confusão.

COSME
Mas só suponha; imagine...

LEO
Isso não é verdade. O Jorge não está
machucado. Por quê você está falando
essas coisas?

COSME
Sou apenas um crioulo sem
importância...Mas tenho razão do que
vai acontecer com você. Eles estão
na cidade planejando o futuro deles,
e vão te deixar pra trás, assim como
te deixaram agora.

Leo levanta com fúria.

LEO
Isso não é verdade! Você escutou
alguma coisa?

Cosme levanta com calma e vai até Leo.

COSME
Só estou imaginando. Mas pensa bem:
O Jorge, nesse momento, está bem
acompanhado de um monte de
prostitutas. E você está aqui ouvindo
as baboseiras de um preto maluco.

LEO
Por quê você imagina coisas assim?
47.

COSME
Porque as coisas são assim...

LEO
Não é bom imaginar que algo de mal
aconteça a mim ou ao Jorge.

COSME
Não se preocupa, ele está bem. Só
queria te fazer imaginar um pouco
como é ficar sozinho no mundo. Como
eu, que só tenho os meus livros
velhos. Não sou bem vindo nem na
casa das putas. Uma pessoa pode ir a
loucura ficando sozinho assim. Não
interessa quem você tem por companhia.
O que interessa é ter alguém por
perto. Por isso, que o Jorge tem
você, por ter medo de ficar sozinho.

LEO
O Jorge vai voltar logo, não vai?

COSME
Claro que vai. Não queria te assustar.
Estava falando de mim...Uma pessoa
fica a vida inteira, sozinha, sem
falar com ninguém, e quando vê algo
acontecer, não pode nem se manifestar,
porque ninguém te leva a sério. Não
é questão do certo ou errado, é pelo
fato de eu ser negro.

LEO
Jorge vai voltar, e teremos o nosso
rancho; você vai ver.

COSME
Você é maluco. Já vi centenas de
homens passarem por aqui, e todos
com esse sonho na cabeça de ter uma
terra, uma casinha e uma plantação;
mas isso é tudo titica de galinha.
Nunca vi ninguém realizar esse sonho.

Valter põe a cabeça na porta.

VALTER
Ah, você está aí, Leo. Te procurei
por todo lado.

Valter fica olhando para Cosme com receio de entrar, ele


quer se juntar a conversa.

COSME
Você pode entrar se quiser, Valter.
48.

Valter acha aquilo estranho. Cosme volta a se sentar com um


tom de amizade jamais visto.

COSME (CONT'D)
Porque não? Hoje é dia de visitas.

Valter entra e olha em volta. Cosme pega uma garrafa de


cachaça e serve no copo.

VALTER
Eu nunca tinha entrando aqui, Cosme.
É bem aconchegante.

Valter senta-se numa cadeira.

COSME (sarcástico)
É um luxo...

Cosme bebe a cachaça. Valter fica babando.

VALTER
O que é isso? Cachaça?

COSME
É...

Valter está com receio de pedir.

LEO
Eu gosto de cachaça...

Cosme pega um copo e serve Leo, e fica observando a atitude


de Valter, que continua babando.

VALTER
Você não vai me oferecer?

COSME
Não.

Cosme guarda a garrafa.

LEO
Pode tomar um gole da minha se quiser.

Leo dá um pequeno gole, e faz uma cara de muito gosto. Ele


passa o copo para o velho, que olha para a cachaça sem beber.

VALTER
Estive pensando sobre o rancho, Leo.
Nós poderíamos ter uma criação de
coelhos e fazer dinheiro com eles.

COSME
Vocês estão enganados com essa
história de rancho. É tudo coisa da
cabeça de vocês. É tudo titica!
49.

VALTER
Você pode apostar, que nós vamos
comprar aquele rancho! O Jorge já
escreveu pra dona, e mandou até um
sinal pra garantir a compra. Em dois
meses, estaremos fora daqui.

COSME
É? E onde é que o Jorge está agora?
Na casa das putas gastando o dinheiro
do seu rancho.

Valter e Leo se dão conta disso, e são tomados por um pavor


de perder o seu sonho.

VALTER
Não, eu vi ele mandar o dinheiro, e
a carta para a dona, e...

COSME
Ah sim, e você confia no Jorge porque?

Valter fica sem resposta.

COSME (CONT'D)
Já ouvi mil histórias como essa; e
ninguém consegue terra nenhuma.

VALTER (desolado)
Jorge, não está com o nosso dinheiro
na cidade...

COSME
Você tem certeza disso?

Eles ficam pensando.

COSME (CONT'D)
O Jorge está gastando a parte dele
com as putas...

Valter e Leo ficam estarrecidos.

COSME (CONT'D)
Aposto que ele está pagando rodada
de cachaça pros outros, enquanto
vocês estão aqui na companhia de um
crioulo sem graça.

Valter e Leo se dão conta do que Cosme está falando.

COSME (CONT'D)
Nunca vi ninguém comprar terra
assim...

Eles ficam desolados. Valter pega a cachaça da mão de Leo e


bebe. Cosme fica com pena deles, pega a garrafa e serve outra
50.

dose para si mesmo, e outra para eles. Cosme bebe de uma


golada só.

COSME (CONT'D)
Olha, pode ser que eu esteja errado,
mas se vocês quiserem uma mão no
rancho; uma mão que não cobra nada
pra trabalhar, eu poderia ir com
vocês. Eu tenho algumas economias...

Cosme se arrepende do que disse. Valter parece ter esperanças.

VALTER
Quanto?

COSME
Uns oitocentos réis...

VALTER
É quase o que precisamos pra finalizar
a compra! Vou falar com o Jorge.

Candice põe a cabeça na porta.

CANDICE
Vocês viram o Charles?

Eles olham para ela petrificados. Leo toma o copo da mão de


Valter e bebe tudo em um gole.

VALTER
Ele não esteve por aqui.

Candice sorri.

CANDICE
Quer dizer que eles deixaram as
assumidades para trás? Eu sei o que
eles e o meu marido foram fazer...

VALTER
Se sabe que o Charles está com eles,
porque você está procurando por ele
aqui?

COSME
Talvez seja melhor a senhora ir pra
sua casa; não queremos problemas.

CANDICE
Não sou nenhum problema; só me senti
sozinha naquela casa enorme. Eu só
quero falar com alguém; só isso.

Cosme entende o lado dela.


51.

VALTER
A senhora tem um marido, e não deve
ficar andando por aí desse jeito.

CANDICE
Ah, sim, tenho um marido, e que grande
marido...Vocês o conhecem bem, não
é? Ele passa o tempo contando
vantagens sobre o modo como luta, e
que bate em todo mundo; uma lenga-
lenga sem fim! Ele sempre fica
suingando na minha frente como se eu
fosse um boxeador.

Candice imita os movimentos de Charles.

CANDICE (CONT'D)
"Um dois, um dois..."

Eles riem e concordam com ela.

CANDICE (muda com malícia) (CONT'D)


O que houve com a mão dele?

Cosme e Valter olham para Leo.

VALTER
Ele prendeu a mão numa das máquinas...

CANDICE
Que grande mentira!

Ela ri.

CANDICE (CONT'D)
Desde que ele prendeu a mão na
máquina, nunca mais brincou de "um
dois, um dois..." Quem bateu nele?

VALTER
Ninguém. Ele prendeu a mão numa das
máquinas...

CANDICE
Claro, o acoberte se você quiser.
Pensa que sou imbecil ou criança?
Sei o que se passa aqui. Vocês são
uns pobres coitados. Sábado a noite,
todos na cidade brincando pra valer,
e vocês aqui sem fazer nada; nessa
festinha particular ridícula. Um
negro estúpido, um pau mandado e um
bode velho maneta.

LEO
Não sou pau mandado...
52.

COSME
Já escutei demais! Você não é bem
vinda aqui!

Candice encara Cosme.

CANDICE
Não?! Essa é a minha fazenda!

VALTER
Você não tem nada nessa cabeça. Pensa
que me importo se perder o meu
trabalho? Vou ter o meu próprio
rancho, com a minha própria casa.

Candice ri.

CANDICE
Acha que vou acreditar nessa história?
Vocês não tem aonde cair mortos.

Candice anda pelo quarto, pega a garrafa da mão de Cosme,


serve uma dose para si mesma, devolve a garrafa para ele e
pára atrás de Leo.

CANDICE (CONT'D)
Como você conseguiu essas marcas na
cara?

LEO
Quem? Eu?

CANDICE
É, você.

Leo olha em volta como se pedisse ajuda. Ela vai bebendo em


pequenos goles.

LEO
O seu marido prendeu a mão numa das
máquinas...

Candice ri, abaixa-se e fala ao ouvido de Leo.

CANDICE
Claro. Máquinas...Eu adoro máquinas...

Ela alisa os braços de Leo. Ele fica tentado. Ela põe o copo
na frente dele.

CANDICE (CONT'D)
Quer um pouquinho?

Leo toma o copo da mão dela e bebe tudo.

CANDICE (CONT'D)
Falo com você mais tarde...
53.

VALTER
Deixe-o em paz, sua vagabunda, ou
vou falar com o seu marido!

CANDICE
Você não teria coragem, seu velho
cagão.

Cosme levanta-se.

COSME
Isso é demais! Você não tem o direito
de vir ao quarto de um homem de cor,
e falar essas coisas. Você não tem o
direito de mexer com as pessoas. Eu
quero que você saia daqui, e rápido!

Candice encara Cosme.

CANDICE
Escuta aqui, seu macaco insolente,
você sabe o que posso fazer com você
se você não fechar essa latrina?
Nossa, você, realmente, fede muito.
Fica longe de mim, está entendendo?!

Ela o toca com um dedo e ele senta desolado na cama.

COSME
Sim, senhora.

CANDICE
Fica no seu lugar, ou você pode
aparecer de um dia para o outro
pendurado de cabeça pra baixo numa
árvore.

COSME
Sim, senhora.

VALTER
Se fizerem isso com ele, eu contarei
pro Delegado.

CANDICE
Ninguém acredita num velho bêbado! E
se me encher a paciência, também
posso fazer com que lhe aconteça um
acidente; pior do que aconteceu com
o seu braço! Portanto, cala a boca,
e fica no seu lugar.

Leo está excitado com todo o barulho.


54.

VALTER
É melhor a senhora ir pra casa, eles
vão chegar a qualquer minuto. Se o
Charles a vir aqui, vai haver muito
barulho. Por favor...

CANDICE
Eu não sei. Talvez eu vá, talvez eu
fique.
(Brincando com criança)
Talvez eu vá, talvez eu fique...O
que me importa.
(Para Leo)
Estou feliz que você tenha dado uma
lição no Charles, Leo. Nós
conversaremos mais tarde.

Candice sai. Leo vai até a porta e olha Candice com gosto.

VALTER
Ela é terrível; pior do que o marido.

COSME
Eles se merecem...Talvez, seja melhor
vocês irem embora também. Não sei se
quero vocês por aqui; vocês só trazem
confusão. Sozinho eu não tenho
problemas como este.

VALTER
Aquela vagabunda não tem o direito
de dizer essas coisas.

COSME
O que ela disse sobre mim é verdade;
já estou acostumado. Agora, é melhor
vocês irem.

Jorge aparece na porta.

JORGE
O que vocês estão fazendo aqui no
quarto do Cosme?

COSME
É o que estou me perguntando também.

LEO
Nós falamos pra ele sobre o rancho...

JORGE
Eu disse pra vocês não abrirem a
boca, mas isso parece ser impossível!

VALTER
Ele pode nos ajudar a completar o
que falta e ir com a gente.
55.

COSME (alterado)
Não, não vou morar em lugar nenhum!
Vou ficar aqui em paz; sem a presença
de vocês!!! Saiam fora daqui!!! Quero
ficar em paz!

Cosme enxota eles para fora. Ele senta sozinho na cama. A


luz vai dimunuindo, e ele chora miudinho.

FADE TO BLACK:

INT. DORMITÓRIO -- NAQUELA NOITE 5

Leo está sozinho e tira de dentro da camisa UM CACHORRINHO


MORTO.

LEO
Por que você me mordeu, rapaz? Eu só
te apertei um pouquinho pra ver se
você aprendia a não me morder...

Leo larga o cachorrinho no chão.

LEO (CONT'D)
Vou falar pro Jorge, que você já
estava morto quando te encontrei...

Leo anda de um lado para o outro em desespero.

LEO (CONT'D)
Mas o Jorge sabe; ele sempre sabe.
Por que você foi morrer logo agora?

Candice entra sorrateiramente. Ela fala ao ouvido de Leo.

CANDICE
O que você tem aí, gostosão?

Leo fica tentado por ela. Ele ainda está sob efeito do álcool.

CANDICE (CONT'D)
Queria mesmo falar com você...

LEO
É melhor a senhora ficar longe de
mim, não quero problema. Se o Jorge
me vir falando com você...

CANDICE
Por que você deixa que o Jorge te dê
ordens? Você é maior do que ele.

LEO
Por favor...
56.

CANDICE
Você tem medo que o meu marido
descubra sobre a gente? Se ele
descobrir, eu sei que você dá conta.
E se você quebrar a outra mão dele,
ele só vai ter um lugar pra botar
toda aquela vaselina.

Candice e Leo riem. Ela passa a mão no braço dele.

CANDICE (CONT'D)
Fala comigo.

LEO
Não, senhora, é melhor eu não falar
com a senhora.

CANDICE
Você já está falando e nada aconteceu.

Ele olha para trás como se alguém estivesse expiando.

CANDICE (CONT'D)
Não há nada de mal em conversarmos.
Eu fico terrivelmente sozinha.

LEO
Quero falar com você, mas não devo.

CANDICE
Fico tão sozinha naquela casa. Já
você, pode falar com seus amigos, e
eu só tenho o Charles, e ele não
sabe conversar. O que você tem
escondido aí?

LEO
Meu cachorrinho...

Leo mostra o cachorrinho morto.

CANDICE
Nossa! Ele está morto!

LEO
Tão pequenino. Eu estava brincando
com ele, quando me mordeu. Eu o
apertei um pouco pra que ele parasse,
e quando percebi ele já estava morto.

CANDICE
Ele era só um filhote de vira-lata.
O Celso tem mais; é só pedir que ele
te dá outro.

LEO
Ele não vai me dar outro...
57.

CANDICE
Por quê não?!

LEO
O Jorge disse que se eu matasse esse,
que não poderia mais criar animais.

Leo põe o cachorrinho em cima da cama. Candice vai até ele e


o acaricia. Eles dividem o carinho no cão, e se olham
instigados.

LEO (CONT'D)
Não posso...

CANDICE
O que pensa que eu sou?

LEO
Você é confusão...

CANDICE
Isso que estamos fazendo agora é
algum tipo de confusão?

Leo balança a cabeça negativamente e sorri.

CANDICE (CONT'D)
Eu poderia ter uma vida melhor, sabia?
Ir para o Rio de Janeiro e me tornar
uma atriz; eu sei do meu potencial.
Uma vez, encontrei um cara, que estava
de passagem na cidade, que queria me
botar nos filmes. Ele disse que eu
era natural, e me deixou o endereço
dele no Rio. Só tenho que me livrar
da porcaria do Charles.

Leo está encantado com ela.

LEO
Você quer que eu me livre dele?

CANDICE
Você faria isso?

Ele diz que sim.

LEO
Você ficaria muito bem nos filmes...

CANDICE
Você acha?

Leo faz que sim.

CANDICE (CONT'D)
Você poderia me ajudar?
58.

Leo não escuta. Ele está distante.

CANDICE (CONT'D)
Você está me ouvindo?

LEO
Eu?

CANDICE
Eu não gosto do Charles, sabia? Nunca
contei isso pra ninguém. Achei que
poderia ter um futuro melhor sendo
mulher de um fazendeiro. Meu marido
não é flor que se cheire. Eu poderia
estar na tela grande, com roupas
lindas, e ficar em hotéis de luxo...E
em vez disso, estou aqui nesse fim
de mundo com vocês. Eu daria
entrevistas nas rádios, como as
estrelas fazem, e dizer que sou muito
natural na tela, porque aquele homem
falou que sou natural.

Jorge chega e olha da porta, sem que eles o vejam.

LEO
Se eu esconder o cachorrinho, o Jorge
não descobrirá o que aconteceu. Assim,
ele vai achar que o pequeno fugiu...

CANDICE
Você não tem nada melhor pra pensar?!
Você pode me ajudar, e fica só
preocupado com o Jorge.

Leo demora a responder.

CANDICE (CONT'D)
Você é um cara grande e burro.

LEO
Eu não sou burro...

Leo fica tentado pela maciez do vestido dela, e ela se


aproveita disso.

CANDICE
Gosto de caras burros...Você gosta
de sentir o tecido do meu vestido?

Ele faz que sim.

CANDICE (CONT'D)
Não é seda, mas é gostoso de tocar.

Leo toca o vestido de Candice. Ela se excita.


59.

LEO
Seu vestido é bem macio, assim como
a sua pele.

Ele, agora, vai tocando as pernas dela.

CANDICE (o atiça)
Meus cabelos são mais macios ainda.

Candice leva as mãos de Leo até os seus cabelos.

LEO
São sim...

Jorge se aproxima e fica atrás dela, sem que ela o veja. Leo
o nota, e fica em desespero. Candice tenta virar a cabeça
para ver quem é, mas Leo não a deixa. Jorge, com um olhar
sinistro, faz sinal de positivo para Leo, que começa a agarrar
Candice descontroladamente.

LEO (CONT'D)
Isso é muito bom, muito bom.

CANDICE
Calma, vai com calma.

Leo olha para Jorge. Ele está sombrio. Leo não deixa que ela
veja quem está ali. Jorge faz um sinal positivo com a cabeça,
como se consentisse. Ele começa a agir em descontrole. Candice
tenta se desvencilhar de Leo, mas não consegue.

CANDICE (CONT'D)
Pára com isso, você está me
machucando.

Leo entra em desespero aperta Candice contra o seu peito.

CANDICE (CONT'D)
Me larga, me larga...

Leo entra em pânico.

LEO
Cala a boca, piranha. Não grita.

JORGE (fala ao ouvido de Leo)


Acaba com a raça dessa vagabunda....

Candice nota Jorge e fica em pavor. Ela empurra Leo, e ele a


joga na cama. Ela grita. Leo olha para Jorge.

JORGE (CONT'D)
Vai, Leo, acaba logo com isso.

Leo se torna uma pessoa ruim, se dirige para Candice, e a


estrangula. Ela estrebucha, resistindo em vão. Candice está
morta. Leo pára e dá conta do que fez.
60.

LEO
Eu fiz de novo...

Jorge olha para o cachorrinho morto.

JORGE
Você não tem jeito, Leo.

LEO
Não fica bravo, eu fiz o que você
mandou.

Jorge olha com reprovação para Leo.

LEO (CONT'D)
Não queria fazer mal pra ela. Eu fiz
algo muito mal; muito mal. Porque
você me mandou fazer isso, Jorge?

Leo põe o cachorrinho morto ao lado do corpo de Candice.


Jorge se aproxima e sussurra ao ouvido dele.

JORGE
Corre e se esconde, como eu te disse.
Você lembra do local?

Leo faz que sim.

JORGE (CONT'D)
Então, vai! Voa daqui!!!

Leo sai correndo. Jorge se aproxima de Candice, acaricia o


corpo dela e lhe dá uma espécie de beijo de boa noite. Ele
cerra os olhos dela, acaricia as pernas e ajeita o vestido.
Valter entra.

VALTER
O que é isso?!

Jorge olha para Valter como se já soubesse.

VALTER (CONT'D)
Ele fez de novo?!

Jorge faz que sim.

JORGE
Avisa os rapazes...

VALTER
O Charles vai querer linchá-lo.

JORGE
Ele tem uma boa razão pra isso...Sabia
desde o começo que isso iria
acontecer...
61.

VALTER
Nunca pensei que ele fosse, realmente,
capaz de fazer algo assim.

JORGE
Chama os rapazes. Vou atrás do Leo.

VALTER
Ela não era boa coisa; vagabunda!
Finalmente, conseguiu o que queria.

Valter sai. Jorge olha para ela e dá um último beijo de


despedida. Ele vai até a gaveta de Marlon, pega o revólver,
põe na cintura e sai. Valter entra seguido por Celso, Marlon,
Cosme e Charles.

CHARLES
Cadê aquele filho-da-puta?

Ninguém sabe responder.

CHARLES (CONT'D)
Vou matar aquele safado...

MARLON
Vou pegar minha arma.

Marlon vai até a sua mesinha e não acha a arma.

MARLON (CONT'D)
Ela não está aqui. Maldito Leo! Roubou
a minha arma.

CHARLES
Vou pegar o meu rifle.

Eles saem atrás de Charles, menos Celso. Ele olha para ela e
o cachorro. Parece chegar a uma conclusão e sai.

FADE TO BLACK:

EXT. RIACHO -- MAIS TARDE 6

Leo está sentado olhando para a fogueira. Ele está


completamente surtado.

LEO
Eu só faço coisas más, só faço coisas
más. Eu tentei, tentei, tentei...

Leo ouve vozes.

COSME (off)
"Suponha que ele vá embora, e que
você fique só..."
62.

JORGE (off)
"Não arruma problema, Leo, não esquece
isso...Fica longe dela."

CANDICE (off)
"Por quê você deixa ele falar assim?
Você é mais forte do que ele..."

Leo põe as mãos nos ouvidos.

LEO
Me deixem em paz!!!

Jorge aparece, sombrio, por trás de Leo, e fica assim por


alguns segundos.

JORGE
Por que está gritando desse jeito?

Leo se agarra as pernas de Jorge.

LEO
Você não vai me deixar sozinho, vai?

JORGE
Claro que não.

LEO
Eu sabia, eu sabia...

Jorge o afasta, fica em silêncio e senta-se olhando o fogo.

LEO (CONT'D)
Jorge?

JORGE
O quê?

LEO
Eu fiz outra coisa ruim...

JORGE
Não faz mal...

Silêncio.

LEO
Jorge?

JORGE
O quê?

LEO
Você vai brigar comigo?

JORGE
Hoje não...
63.

Eles ficam em silêncio. Jorge também começa a surtar.

JORGE (CONT'D)
Se eu estivesse só, poderia viver
melhor...poderia arrumar um bom
emprego, e nunca mais teria problemas.

LEO
Eu posso ir embora...

JORGE
Não é uma boa idéia.

LEO
E o rancho?

JORGE
Esquece o rancho...

Jorge se levanta e fica, sombriamente, atrás de Leo.

LEO
Então, é verdade que não teremos o
rancho?

JORGE
Acho muito difícil...

LEO
Você gastou o dinheiro, Jorge?

Jorge não responde.

LEO (CONT'D)
Eu te perdoo se você gastou...

Jorge se levanta sombriamente, e anda de forma vaga, como se


já soubesse o que está por acontecer. Ele tira a arma da
cintura e aponta para a cabeça do amigo. Jorge atrás dele, e
Leo fala sem olhar para Jorge.

LEO (CONT'D)
Quando nós vamos comprar o rancho?

JORGE
Não vai demorar muito agora.

LEO
Você e eu, como sempre foi, não é?

JORGE
Como sempre foi...

LEO
Pensava que você estava zangado.
64.

JORGE
Não, não estou. Não se preocupa,
nunca ficarei zangado contigo.

A LUZ VAI SE APAGANDO. Jorge dispara UM TIRO SECO na nuca de


Leo, que cai morto. Jorge põe, cuidadosamente, a arma ao
lado do corpo dele e vai embora.

FADE TO BLACK:

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