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07/12/2018 A guerra dos metais raros

A guerra dos metais raros


– A face oculta da transição energética e da digitalização

por José Ferrer [*]

O livro La guerre des


métaux rares: La face
cachée de la transition
énergétique et numérique
[1] , de Guillaume Pitron,
jornalista francês
colaborador de Le Monde
Diplomatique, é de leitura
fácil e revela uma grande
contradição dos nossos
dias:

a) Proclama-se, com o aval


de numerosos Chefes de
Estado e de Governo que,
por causa do chamado
aquecimento global, temos
de abandonar rapidamente
os combustíveis fósseis, substituindo-os por tecnologias
energéticas verdes, também ditas renováveis ou limpas.

Estas hão-de ser crescentemente conseguidas e bem


aproveitadas com o aprofundamento da digitalização nos
mais variados campos da economia, mas isto só se
consegue actualmente com o indispensável concurso dos
chamados metais raros. "A cada aplicação verde o seu metal
raro" (p. 36).

b) A contradição reside em que os metais raros são


relativamente escassos na crosta terrestre, dando-se a triste
circunstância adicional de a sua extracção e refinação serem
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processos duplamente problemáticos do ponto de vista


energético e ambiental.

A inferência é inevitável e G. Pitron não se inibe de a expor:


a mutação tecnológica que se pretende impor não resolve a
questão ambiental em causa. Esta passa sobretudo pela
alteração dos locais de ocorrência da poluição.

Compreender-se-á assim o apelo que o autor insere no


epílogo do livro: paremos para pensar, uma vez que a
revolução industrial, técnica e social que é preciso realizar
há-de passar pela revolução das consciências.

Ou seja, digamos que, para o autor, o ambientalismo ainda


não se livrou do seu estádio infantil, já que proclama
objectivos, vias e políticas nem sempre coerentes entre si e,
portanto, não sustentáveis a vários títulos.

É interessante notar que esta tese fundamental do livro é


formulada por um autor que
i) Aparentemente, aceitou (e parece continuar a aceitar a
maioria de) os mandamentos da cartilha ambientalista,
ii) Em particular, não mostra qualquer dúvida acerca da
teoria do alegado aquecimento global gerado pela emissão
antropogénica dos gases com efeito de estufa,
iii) Parece acreditar em que a questão ambiental irá ter
solução no quadro do capitalismo (chega a usar a expressão
"capitalisme vert", (p. 17),
iv) A sua França há-de recuperar posições perdidas no
cotejo internacional, incluindo na segurança militar.

Assim se perceberá porque sequer tem uma palavra de


questionamento sobre a legitimidade de se impor a países
economicamente atrasados caminhos diferentes dos
seguidos pelos países desenvolvidos, como manda a
Agenda Ambiental dominante, vide o Acordo de Paris, de
2015.
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G. Pitron foi
construindo a sua
tese a partir do que
se foi apercebendo
acerca das
limitações na
disponibilidade de
metais raros [2] e,
em particular, dos
metais chamados terras raras (sobretudo lantanídeos).

A exemplo de milhões de pessoas, Pitron não terá estudado


a ciência química senão a nível muito elementar [3] . Em
particular, jamais terá tido, antes de trabalhar para este livro,
a possibilidade de se aproximar da série de problemas que a
extracção mineira e as metalurgias colocam do ponto de
vista de economia da produção industrial, da poluição [4] e
da demanda energética [5] .

Tópicos que, manifestamente, lhe criaram um certo espanto


à medida que foi viajando pelo mundo, visitando minas e
outras instalações industriais, tendo pesquisado durante
"seis anos" sobre o assunto "em doze países" (p. 23). Assim
foi descobrindo que, diversamente do que teria antes
pensado, aquelas agudas questões são descuradas no
discurso ambientalista bem como por parte de dirigentes
políticos os mais variados, incluindo da sua aparentemente
venerada União Europeia.

Não se pense que G. Pitron se tornou num engenheiro, mas


seria injusto não enfatizar o esforço que empreendeu, em
relato que pode ser muito útil a quem também tenha a
curiosidade sobre muitas das especificidades técnicas e
económicas em causa na obtenção, refinação e aplicação
dos metais, e suas reciclagens.

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O autor não enjeita a utilidade dos metais há muito usados –


ferro, ouro, prata, cobre, chumbo, alumínio – mas,
justamente, chama a atenção para as "fabulosas
propriedades magnéticas e químicas" (p.15) dos metais
raros, crescentemente usados desde a década de 70 do
século passado. Procura que tenderá ainda a crescer, a
verificar-se a intensificação das suas aplicações.

As torres eólicas, os painéis solares, as novas baterias


eléctricas, os telemóveis, os computadores (cada vez mais
usados em crescentes aplicações), etc, dependem da
utilização de metais raros. A lista das afectações é enorme:
"Robótica, inteligência artificial, hospital digital, segurança
cibernética, biotecnologias médicas, objectos conectados,
nanoelectrónica, viaturas sem condutor..." (p. 26). Ou seja, o
"mundo novo" de que se tem falado afunda-nos numa "nova
dependência, ainda mais forte" do que a de energias fósseis
(p.26).

Há razões para lhes chamar raros: enquanto tem sido fácil


encontrar minérios de ferro com teores metálicos da ordem
de 60% (ou seja, 1,67kg de minério contém 1kg de ferro), o
autor sublinha, por exemplo, serem precisas "oito toneladas
e meia (cerca de 8500kg) de minério para produzir um
quilograma de vanádio ... e mil e duzentas toneladas (cerca
de 1 200 000 kg) por um infeliz quilograma dum metal ainda
mais raro, o lutécio (terra rara)" (p.16).

O autor debruça-se sobre o balanço ecológico de vários


sectores (painéis solares, veículos eléctricos, redes
eléctricas "inteligentes"), sobre as tremendas dificuldades
ainda existentes na reciclagem de metais raros, para concluir
que as tecnologias verdes, em geral, não são mais
vantajosas do que as tradicionais em termos ambientais e
energéticos. Até o são menos em certos aspectos (pp. 57-
85), embora nesse balanço inclua a emissão de dióxido de
carbono, como se este não fosse o gás da vida.
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Mas G. Pitron não se interessa apenas por esse tipo de


questões. Pelo contrário, não esconde o seu grande
incómodo quando observa o papel ímpar que cabe à
República Popular da China (que recorrentemente trata por
"Império do Meio") na questão dos metais raros, em
particular quanto às terras raras. Cinco capítulos do livro
são, em especial, dedicados a esta problemática, incluindo
uma particular atenção à questão dos mísseis inteligentes,
área em que "o Ocidente" se encontra vulnerável.

Observação que contrasta com a perspectiva que terá antes


partilhado de que a adopção das energias renováveis e da
digitalização permitiria reforçar a "soberania energética" dos
Estados membros da União Europeia ao tornar esta "menos
dependente dos hidrocarbonetos russos, qatares e sauditas"
(p.20).

Pitron enfatiza o facto de a China estar a tirar crescente


partido de dispor da maior parte das reservas e de vir
subindo na cadeia de valor da utilização das terras raras.
Para a mesma potência, os ímanes de terras raras são muito
mais pequenos que os ímanes de ferrite, lembra (p. 144).

Alarma-o facto, confronta-o com os correlativos erros


estratégicos que tanto a França como os EUA cometeram
quando permitiram o encerramento de unidades industriais
do sector, em alerta que lhe parecerá importante para apelar
a um repensar da guerra pelos metais raros que se desenha
no mundo.

O autor enfatiza as questões económica e industrial, a


ecológica, mas também a de segurança militar e geopolítica
com este afunilamento que as chamadas novas tecnologias
verdes encerram com a dependência da China.

Os "... equipamentos mais sofisticados dos exércitos


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ocidentais (robôs, armas cibernéticas, aviões de combate,


como o caça americano... F35)" também dependem , "em
parte, da boa vontade da China". Daí a previsão de "uma
guerra entre os EUA e a China no mar da China meridional"
(p.25).

Aqui chegado, o autor, sem se afastar da confusão corrente


entre ambiente e clima, distancia-se não obstante do
ambientalismo no que respeita a esta produção material.
Lembra que em França se passou já do lamentável "NIMBY"
[6] ao incrível "BANANA" [7] , propondo, por isso, a abertura
de minas e a produção em França e no Ocidente.

Nesta linha, embora em nota de rodapé (p. 23), o autor


comenta que o Acordo de Paris sobre as alterações
climáticas não contém uma única vez as palavras "metais",
"minérios" e "matérias-primas". Eloquente, sem dúvida.

A obra de G. Pitron, como já se terá entendido, não esgota


todas as questões fulcrais dos problemas, e das suas
diversas facetas, que se colocam – em particular, quanto à
energia. Não esquecer que já se esgotaram muitas reservas
dos combustíveis fósseis (a UE não se esquece disso,
embora passe o tempo a falar do dióxido de carbono).
Entretanto, o livro ilustra muitos dos problemas que o
ambientalismo em voga desconhece ou minimiza.
[1] Guillaume Pitron, La guerre des métaux rares: La face cachée de la transition
energétique et numérique , Éditions Les Liens Qui Libèrent, 2018, 295 p., ISBN
9791020905741.
[2] Além das terras raras, como metais raros o autor cita os metais pesados (ou
de densidade muito superior à densidade da água): vanádio, germânio, grupo da
platina – ruténio, ródio, paládio, ósmio, irídio e platina –, tungsténio, antimónio,
rénio e, como metal leve, o berílio (p.16). Inclui erradamente também o espato-
flúor, que é um mineral de flúor, um não metal, importante para a separação de
isótopos de urânio.
[3] Ver nota de rodapé anterior.
[4] Inerente, por exemplo, à utilização de reagentes ácidos indispensáveis em
certos processos metalúrgicos, mas venenosos para os humanos e muitas outras
formas de vida.
[5] Não se pense que estas actividades se têm mantido indiferentes à inovação
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tecnológica, pelo contrário. A natureza das ligações químicas, por exemplo,


impõe limites inultrapassáveis no consumo energético. Isso se verifica quando
destruímos certas ligações químicas a fim de isolarmos um dado metal presente
na natureza sob a forma de um composto químico.
[6] NIMBY: Not In My BackYard.
[7] BANANA: Build Absolutely Nothing Anywhere Near Anything.

Ver também:
pt.wikipedia.org/wiki/Terra-rara

[*] Engenheiro químico.

Esta resenha encontra-se em http://resistir.info/ .


24/Nov/18

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