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ESCÓRIA DE PAISAGEM
REVISITANDO LUGARES, MATERIAIS E RELAÇÕES
Rio de Janeiro
2014
Ranny Vidal da Silva
DRE 107376607
ESCÓRIA DE PAISAGEM
REVISITANDO LUGARES, MATERIAIS E RELAÇÕES
Rio de Janeiro
2014
Ranny Vidal da Silva
ESCÓRIA DE PAISAGEM
REVISITANDO LUGARES, MATERIAIS E RELAÇÕES
Aprovado em:
_____________________________________________________
Doutora Martha Werneck - Universidade Federal do Rio de Janeiro
___________________________________________________________
Mestra Maria de Lourdes Barreto Santos Filha – EBA/UFRJ
____________________________________________________________
Doutor Wladimir Machado – Universidade Federal do Rio de Janeiro
Para Luiz e Marina, minha força, meu porto seguro.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a cada amigo que entrou na minha vida durante o curso. Aos que me
chamavam pra beber quando eu não tinha dinheiro, aos que me deram lugar pra morar,
que dividiram suas suas vidas comigo, que me emprestavam os ouvidos quando eu
precisava. Agradeço inclusive os que chamavam de “maluca” a opção que eu fizera: eles
me ajudaram a manter meus pés no chão e não esquecer do quanto aquele caminho não
era fácil. Agradeço imensamente aos que me deram trabalho quando o peso financeiro de
viver no Rio foi demais e eu precisei me revezar entre a faculdade e o aluguel: o trabalho
na obra me fez resistente, atento e me manteve buscando meu objetivo.
A todos cujas contribuições eu nunca poderei retribuir. A todos, cujo apoio eu nunca
serei suficientemente grato.
“Cada grão dessa pedra, cada fragmento mineral
dessa montanha cheia de noite forma
por si só um mundo.”
Albert Camus
RESUMO
ABSTRACT
This series aims to investigate and combine the textures of the slag with landscape
painting from the view of my my hometown's antipostcards. On the one hand the research
for the use of slag and construction materials, on the other hand the use of various
techniques such as photography, digital manipulation, projection and painting materials, all
using wooden doors, that would be dropped, as support. Observing the behavior of people
who looked at the works, supported by texts from Nelson Brissac, come to some
conclusions about this relationship, and based on the notion of territories and boundaries,
a map of the influence zone of the work.
SUMÁRIO
1. Introdução.......................................................................................................................................10
2. Nota inicial......................................................................................................................................11
3. Tema e Influências..........................................................................................................................12
7. Conclusão.......................................................................................................................................35
Referências bibliográficas..................................................................................................................36
1. Introdução
10
2. Nota inicial
11
3. Tema e Influências
Meu primeiro contato artístico com a escória se deu em 2009, na aula de Pintura III.
A princípio ela surpreendeu por sua maleabilidade, possibilidade estética em conjungar
uma variedade enorme de granulações e sua interessante coloração própria. O trabalho
consistia numa imagem de silhueta da CSN vomitando fumaça por suas chaminés - a
escória crua colada representando a indústria e a fumaça - contra um pôr-do-sol pictórico,
construída dentro de uma gaveta do meu armário de infância.
Aí já estavam alguns elementos principais dessa série apresentada aqui: a ligação
com minha terra natal, a nostalgia; os elementos pictóricos e cromáticos; a escória
trabalhada formando uma imagem volumétrica; e o desenvolvimento intuitivo de uma
forma de aplicação possível. Infelizmente, o trabalho se perdeu.
Só após alguns meses de reflexão consegui me dar conta do campo fértil que uma
exploração artística encontraria. Desde seu emprego enquanto matéria para própria
pintura; até sua relação com a produção metalúrgica, que é a base da economia da minha
terra natal e a razão pela qual minha família se mudou pra lá; passando pelas lembranças
que essas pedrinhas me remetem; até a aparência final bruta, volumétrica, suja que
acabariam, senão como um contraponto, como uma rima à minha pintura, que é também
bruta, carregada, enérgica e sintética. Essa relação matéria-pintura se tornou o principal
ponto de interesse e norteou toda a pesquisa desde então.
O complemento da pintura figurativa, a qual jamais quis abrir mão, adicionou não
somente um elemento, mas toda um hemisfério de questões e aspectos estéticos e
pessoais. O processo pessoal que já vinha se desenvolvendo desde Pintura I estava já
bastante amadurecido e pronto para estabelecer esse diálogo.
12
Avenida principal do meu bairro natal, 2014
13
campo, plano e extenso (...)” e declara “A paisagem é um muro” 1. Apesar de sua fala se
referir à paisagem dos muros e prédios das grandes cidades, ela se encaixa
perfeitamente numa descrição da paisagem natural de Barra Mansa. Por se tratar de um
vale, não existe horizonte longínquo à altura da vista; os morros que circundam o rio lá
embaixo, por onde a cidade precisa escalar para poder crescer, elevam o horizonte muito
acima da visão em linha reta e diminuem a profundidade de qualquer panorama que se
pretenda extrair dali. Nem mesmo do alto dos morros é possível tal profundidade. Assim,
a própria natureza impõe a visualidade chapada típica das grandes cidades.
Por outro lado, tampouco existem monumentos arquitetônicos dignos de grande
atenção. A arquitetura que merece notoriedade por sua beleza se resume a alguns
poucos prédios e monumentos construídos à época de Getúlio em Volta Redonda. São
todos tão restritos e exclusivos que jamais poderiam saber o que é o verdadeiro espírito
da cidade. O que causa então a sensação de estar ali? “O lugar não depende de
monumentos. O que lá se apreende é a força do lugar” (PEIXOTO, 1996 p.259). Foi em
busca dessa força que a procura pelas imagens se baseou.
Admitir que a força estética da cidade não se encontra nos pretensos cartões-
postais oficiais, nem na procura por paisagens naturais grandiosas que não estão lá, mas
sim na periferia, nos lugares proibidos, nos equipamentos industriais, na perspectiva
formada pela linha do trem, na silhueta das fábricas, nas linhas das chaminés, na
coloração alaranjada do céu poluído, enfim. Procurar a beleza naquelas coisas que não
foram projetadas para isso, e que, por isso mesmo, demandam um olhar mais antento,
buscar os sítios abandonados, os anticartões-postais, conseguir imagens fortes e belas
desses modelos, nisso consistiu a ideia principal do aspecto imagético da pesquisa.
1
PEIXOTO, Nelson Brissac . Paisagens Urbanas. São Paulo: Ed. SENAC, 1996. p.10
14
3.1.1 Anticartão-postal
“(car.tão-pos.tal) sm.
1. Cartão para correspondência aberta, com ilustração numa das faces
P.us. ; BILHETE POSTAL. [Tb. se diz apenas postal.]
2. Ponto turístico ou símbolo visual representativo de um lugar:
Copacabana é um belo cartão-postal do Brasil.
3. Paisagem ou qualquer coisa muito bonita, digna de figurar num
cartão-postal (1): Essa ilha é um cartão-postal.
[Pl.: cartões-postais.]”. 2
Dois terços das definições falam de beleza. O dicionário somente reforça a noção
do senso comum de que cartões-postais e belas paisagens estão irremediavelmente
relacionados: “Nunca vi cartão postal que se destaque uma favela / Só vejo paisagem
muito linda e muito bela” de Julinho Rasta e Katia 3. Souza fala ainda sobre os postais
oficiais: “esses cartões postais jamais ofereciam imagens-sintoma do feio e do
desagradável. Referem-se sempre a um ideal de belo consagrado pelas artes plásticas
greco-romanas e renascentistas.” (SOUZA & ANGELO, 2008. p.163).
Precisei então trabalhar com locações que não eram “dignas de figurar num cartão-
postal”. Tendo isso em mente, procurei desenvolver uma noção de anticartão-postal. A
visualidade dos, ou a partir dos lugares periféricos, marginais e esquecidos, mal vistos ou
temidos. Lugares de passagem somente, lugares de trabalho, em suma, lugares
esquecidos, invisíveis.
2
Segundo o Dicionário online Caldas Aulete. Disponível em <http://www.aulete.com.br/cart%C3%A3o-postal>,
acessado em 20/05/2014
3
Segundo a Revista da União Brasileira de Compositores # 19, de fevereiro de 2014, disponível em
<http://www.ubc.org.br/arquivos/download/revistas/revista_ubc19.pdf> acessado em 21/05/2014.
15
Passagem de nível em Saudade, Barra Mansa
16
Vista da “Caixa d'água” em Volta Redonda
Essa parte da pesquisa buscou dar voz aos materiais não-artísticos mais brutos e
crus, evitando o emprego de materiais artísticos mais refinados, buscando assim manter
sua aparência natural rústica e explorar as possibilidades, recursos e resultados estéticos
por eles proporcionados. Dessa forma, mantive a procura por materiais menos nobres e
menos estimados do ponto de vista da arte. Utilizei desde materiais e ferramentas da
construção civil, até elementos sem aparente registro de utilização artística anterior.
“Com frequência, é a matéria mesma que impõe ou sugere ao artista uma ideia de
uma obra.” (PAREYSSON, 2001. p. 162)
17
Escória misturada à Cascorez úmida
18
3.3 Aspecto de Objeto - Suporte
19
4. Influências
4
Frame capturado do youtube.com. Filme integralmente disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=vSb-
nV8l2QY>. Acessado em 20/05/2014.
5
Segundo o site Wikipedia.org. Disponível em <http://en.wikipedia.org/wiki/Rejected#cite_note-Huffington-4>
acessado em 18/05/2014.
20
animação começa a se deformar junto. Numa alegoria à própria ruína da mente do diretor,
o papel se amassa, se rasga afetando diretamente os personagens desenhados,
atingindo-os e matando um por um. O papel se deformando e se rompendo foi animado
em técnica de stop-motion enquanto toda a animação desenhada foi planejada para
interagir com esse comportamento.
O rasgo no papel escancara a natureza do suporte da animação e rompe com a
ilusão criada de um mundo atemporal e imaterial criada pelos desenhos. Ao mesmo
tempo quebra esse truque e cria um outro muito mais poderoso, nascido da interação
entre mundo desenhado imaginário e papel físico. Cria uma fenda que diminui a distância
entre o mundo do papel e o mundo dos desenhos e aumenta drasticamente o apelo
dramático e o efeito psicológico do filme, tornando-o muito mais aterrador. Enquanto eles
se desesperam para fugir do apocalipse nós assistimos impotentes sabendo que os
desenhos jamais poderiam fugir do papel. Essa relação leva o filme a um outro patamar
além do de comédia surreal, e o torna único e genial.
Essa interação foi tão impressionante para mim, que acabou plantando as
primeiras sementes desse trabalho, mesmo anos antes de eu entrar para a faculdade.
21
4.2 Anselm Kiefer
Kiefer é, sem dúvida, a referência maior de todo esse trabalho. Tanto pelos seus
motivos, quanto seu processo, até a aprência das peças acabadas, todos esses aspectos
são de interesse e se aproximam de alguma forma da intenção geral da série. A forma
como ele toma partido dos materiais, dá lugar de destaque nas composições, sem deixar
de lado a figuração, que também é extremamente poderosa e eloquente, são as aspectos
que mais visivelmente inspiraram esse trabalho.
22
4.3 Jenny Savile
Fulcrum, 1997-99
Óleo sobre tela 261 x 487 cm
Jenny Saville é uma pintora inglesa da geração 90. Em seus retratos costumam
figurar personagens muito distantes do ideal de beleza consolidado em nossa sociedade
atual, historicamente machista. Eis alguns trechos de uma entevista sua.
6
Entrevista concedida a David Sylvester, originalmente publicada em “The Independent”, em 20/01/1994. Trad. livre.
Disponível em http://employees.oneonta.edu/farberas/arth/arth200/Body/saville.html. Acessado em 22/05/2014.
23
maioria da população. “(...) e todas essas coisas que você poderia fazer pra deixar suas
pernas pernas melhores. Vê, se a maioria das mulheres tem as pernas de uma certa
maneira, então esse é o jeito que as pernas são. Mas nesse caso é como se fosse uma
minoria de pessoas dizendo para a maioria que eles estão errados”
“Que estas imagens devem, então, ser positivamente ultrajantes - gorda, inchada,
nus femininos distorcidas, riscado e rabiscado com slogans e pichações, alegremente
desprezando todos os cânones do bom gosto e decência - só agrava o choque visual” 7.
Trata-se de buscar a beleza de outros padrões, ou, antes, criar boas imagens, e
trabalhos imensamente interessantes a partir desses padrões diversos. Mais que buscar o
belo, Saville está produzindo imagens fortes, impactantes, que falam alto, e não toleram
ser ignoradas.
7
William Packer, Financial Times, de 28/01/1994.
24
5. Processo e Desenvolvimento
25
5.1 Domínio Matérico
A investigação visando o emprego da escória nas obras foi o gatilho inicial de todo
esse projeto. Ela atua como pivô dessa série: ela é a protagonista dos elementos
volumétricos nas composições, e ao se misturar com o elemento adesivo forma uma
espécie de “têmpera” criando a ponte entre o aspecto matérico e o aspecto pictórico dos
trabalhos. Ela também é produto da manufatura metalúrgica, sendo assim registro físico
dessa produção, formando um complemento ao registro fotográfico, a testemunha ocular
dessa fatura.
26
O material de cobertura auxiliar utilizado foi a massa-corrida. Sua escolha se deveu
a sua alta maleabilidade, a capacidade de guardar os indícios das passagens das
ferramentas, preparar e clarear o suporte de cor escura e formar volumes mais densos ou
mais líquidos dependendo da ocasião. Atua então como registro matérico intermediário
entre a pedra e o verniz.
O material adesivo utilizado foi o Verniz Acrílico. Acaba servindo como o veículo
dessa “têmpera” inusitada se somando à escória e aos restos de madeira lixada. Por ser
bastante espesso, sua secagem formou seus próprios indícios, por sua vez mais líquidos,
como escorridos, gotas e desníveis mais suaves.
Serviu ao mesmo tempo para unir as pedras, colorir sem dar aspecto de tinta,
enfim, enriquecer a coleção de registros matéricos. E ao formar essa têmpera, faz uma
ponte entre as tintas e o material bruto, destruindo mais ainda os muros que separam
esses dois domínios.
5.1.1 Escória
O ferro, assim como a maioria dos metais, “não é encontrado na crosta terrestre
em seu estado elementar, e sim na forma de minério, combinado com o oxigênio ou com
o enxofre” (BATISTA & MENDES, 2009. p. 85). A escória é um dos subprodutos
resultantes da produção do ferro-gusa (ferro em estado líquido) nos alto fornos e se forma
“com a ligação das impurezas (oxigênio ou enxofre) com o carbono, assim o ferro fica em
estado líquido e as impurezas se acumulam numa espécie de espuma (escória)”
(BATISTA & MENDES, 2009. p. 86)8. Não se pode dizer que ela seja um resíduo ou um
produto de descarte, já que é empregada desde o assentamento de vias férreas,
produção de asfalto, fertilizantes, até a construção civil, e só raramente é desprezada.
Entretanto, não seria errado dizer que a escória é um produto menos nobre dessa
produção.
8
João Batista e Luiz Rinaldo Mendes “Metalurgia: Conceitos e Práticas”, pg 86, Coleção Artes & Ofícios, Ed.
Fiocruz
27
Quatro granulações usadas nos trabalhos
9
Segundo a apostila “Identificação e Combate à Poluição Luminosa” do Laboratório Nacional de Astrofísica, 2012,
28
da maior parte das estrelas sejam uma tragédia, isso em nada interfere na beleza visual
desse efeito, nem nas possibilidades estéticas por ele criadas.
Formalmente, a pintura se apresenta bastante carregada de empastamentos e
escorridos, tendo poucas velaturas. Enquanto se instala nas áreas delimitadas pelo alto
contraste, a pintura ajuda a contar a imagem, age num sentido altamente semântico.
Porém, quando os escorridos descem pelo suporte, vão se moldando à volumetria da
escória, criando seu próprio leito, como um rio, e dessa forma, vão evidenciando e
sublinhando ainda mais as texturas do trabalho, trabalham dessa forma próximas ao
domínio matérico. Já os empastamentos trabalham de forma bem mais ambígua: eles
saturam mais a pigmentação das tintas, de forma que a cor fala mais alto e se liberta da
coloração do verniz misturado à escória que insiste em respirar, e criam seus próprios
volumes baseados na cor, sendo tanto um elemento pictórico e cromático quanto um
elemento volumétrico e de textura. Assim, ao agir de maneira tão bivalente, a pintura
estabelece uma nova ponte entre os dois domínios através da cor. Completa-se o círculo
que a escória inicia ao se portar de forma análoga a uma têmpera e criar suas próprias
imagens.
A escória, ao se juntar com verniz e formar a têmpera, constói uma ponte partindo
da matéria para a imagem. Quando a pintura se empasta e forma sua própria volumetria,
faz a ponte partindo da imagem para a matéria. Já não se sabe mais onde um domínio
termina e o outro começa.
29
6. Reflexões Posteriores
30
Primeiro trabalho finalizado em meio aos outros trabalhos no ateliê
Por outro lado, a aproximação favorece a visão dos menores detalhes. Vê-se
melhor a rugosidade da escória, as marcas dos dentes da desempenadeira, os
empastamentos da tinta, os caminhos que os escorridos das tintas e do verniz acrílico
percorrem, a madeira superficial da porta descascada, as texturas todas.
31
Enquanto a distância é curta, o observador se movimenta mais: ele abaixa, se
estica, anda em volta e em frente da porta, fica com as mãos mais inquietas. A visão de
curta distância favorece o olhar mais ativo, mais palpável: o olhar tateante. “Mas a
percepção da complexidade das coisas, por trás da sua aperente unidade, exclui a visão
panorâmica. O enfrentamento do pormenor impõe uma atenção ao material.” (PEIXOTO,
1996, p.160).
32
Então ocorreu-me uma nova constatação: a volumetria dos materiais, da pintura e
da porta, se não criam, acentuam a tridimensionalidade dos trabalhos. Agem no sentido
de alongar a dimensão da profundidade, além da altura e da largura, aproximar um pouco
o trabalho da escultura e conferir um caráter maior de objeto, de coisa.
Mas, para além dessa terceira dimensão física que o objeto acabado ganhou, é
possível dizer que existe uma terceira dimensão virtual, que não está clara no trabalho,
mas se evidencia ao perceber a interação das pessoas com as obras. É na verdade uma
bolha, uma zona de interferência na qual, uma vez dentro, o vidente está sob sua
influência e passa a interagir com ela: aí começa o trabalho. Ele existe não só da sua
materialidade e do lugar que ocupa no espaço, mas através da interação com quem vê.
Dessa forma, essa dimensão virtual se alonga muito à frente do quadro, onde
predomina a visão contemplativa e instala-se o domínio imagético da obra. É onde falam
mais alto o motivo e a paisagem. Conforme essa dimensão se aproxima do trabalho, nota-
se uma interferência, uma mudança de degrau na forma de percepção. O trabalho passa
a apresentar-se de forma gradualmente diversa daquela que se apresentava ao
contemplar a distância. E quanto mais perto o vidente chega, mais ele adentra o domínio
da matéria.
Aí predominam a volumetria, o caráter físico bruto das coisas, a construção da
composição volumétrica, os discursos simultâneos de cada material que podem ser
ouvidos individualmente quanto mais próximo se chega ou inseridos nesse burburinho
artístico quanto mais distante se vai. Aí prevalecem a postura mais ativa, os pés que
guiam o olho, a movimentação dentro do espaço virtual criado pela influência do trabalho,
prevalece a visão tátil e a sinestesia. Para a percepção é um trabalho inteiramente novo.
E por último, essa bolha estende-se não só à frente do objeto, onde estão os temas
pictóricos e volumétricos, mas também envolve-o, incluindo em seu interesse também as
“costas” do trabalho: é a força da porta como objeto em si. Também foi com espanto que
constatei o interesse das pessoas na parte de trás do trabalho, que tradicionalmente é
esquecida, fadada a ser virada e encostada na parede, para privilegiar somente um lado
33
das obras. Ao circundar o objeto, é possível ver escancarada a natureza da porta,
enquanto objeto utilitário, sem a interferência de nenhuma tinta e nenhuma escória. É aí
que o trabalho como um todo também ganha seu caráter de objeto, aproximando-se mais
ainda da escultura. O fato das pessoas procurarem esse lado do trabalho sem nenhuma
orientação de texto preexistente algum, mesmo se demorando menos nessa parte, mas
nem por isso com menos interesse, justifica a constatação e legitima essa afirmação.
34
7. Conclusão
35
Referências bibliográficas
PAREYSON, Luigi. Os Problemas da Estética. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2005.
PEIXOTO, Nelson Brissac. Paisagens urbanas. São Paulo: Ed. SENAC, 1996.
RILKE, Rainer Maria. Cartas a um jovem poeta. Tradução Pedro Süssekind. Porto
Alegre: L&PM, 2009.
CAMUS, Albert. O mito de Sísifo. Trad. Ari Roitman e Paulina Watch. Rio de Janeiro:
Best Bolso, 2010.
36
ANEXOS
37
ANEXO 1
Laboratório:
38
-Pesquisa de Pigmentação: Pó xadrez, tinta acrílica, tinta a óleo.
39
Experimento com massa corrida como adesivo e
verniz acrílico sobre a escória
40
41
ANEXO 2
ESQUEMA DO PROCESSO
Suporte
Domínio Matérico
Por indicação da orientadora, o verniz acrílico foi eleito como veículo. Por vezes
aplicando mais de uma demão e criando volumetrias mais “líquidas”.
Em dois dos trabalhos, a massa acrílica foi escolhida para clarear a cor
42
naturalmente escura da madeira, sem ter de se recorrer à aplicação de nenhuma tinta,
formando áreas mais, menos ou não cobertas além de escorridos e impressões da própria
desempenadeira dentada usada na aplicação.
43
Domínio Imagético
Apropriação de Imagens
44
Manipulação Digital
45
Projeção
Pintura
Por fim a aplicação da camada imagética definitiva, que formará a identidade final
da obra. Os pormenores dessa etapa já foram explanados e analisados
anteriormente.
46
47
ANEXO 3
48