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CONTEXTURAS

o ensino das artes em diferentes espaços


Vanildo Mousinho Marinho
Copyright © 2005, os autores (Grupo integrado de Pesquisa em Ensino das Luis Ricardo Silva Queiroz
Artes / UFPB)
(Organizadores)
Maura Penna
Lívia Marques Carvalho
Rosemary Alves de Melo
Maria das Graças Vital de Melo
Grupo Integrado de Pesquisa em Ensino das Artes / UFPB

Contexturas
o ensino das artes
em diferentes espaços
Diagramação e editoração eletrônica
Vanildo Mousinho Marinho

GRUPO INTEGRADO DE PESQUISA


EM ENSINO DAS ARTES / UFPB
http://www.cchla.ufpb.br/pesquisarte
e-mail: pesquisarte@yahoo.com.br
Editora Universitária/UFPB
Coordenador: Prof. Vanildo Mousinho Marinho João Pessoa
2005
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
reitor
RÔMULO SOARES POLARI
vice-reitora
MARIA YARA CAMPOS MATOS

EDITORA UNIVERSITÁRIA
diretora
NADJA DE MOURA CARVALHO
vice-diretor
JOSÉ LUIZ DA SILVA
divisão de produção
JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS FILHO
divisão de editoração
CLEMENTE RICARDO SILVA

C761 Contexturas: o ensino das artes em diferentes espaços / Vanildo Mousinho


Marinho e Luis Ricardo Silva Queiroz (Organizadores). - João Pessoa:
Editora Universitária / UFPB, 2005.
181 p. Ora, o conhecimento pertinente é o que é
1. Artes - estudo e ensino I. Marinho, Vanildo Mousinho capaz de situar qualquer informação em
II. Queiroz, Luis Ricardo Silva seu contexto e, se possível, no conjunto em
que está inscrita. Podemos dizer até que o
UFPB/BC CDU: 7
conhecimento progride não tanto por so-
Projeto de Capa: Mônica Câmara fisticação, formalização e abstração, mas,
Direitos desta edição reservados à: principalmente, pela capacidade de con-
EDITORA UNIVERSITÁRIA/UFPB
Caixa Postal 5081 - Cidade Universitária - João Pessoa - Paraíba - Brasil - CEP 58051-970 textualizar e englobar.
www.editora-ufpb.com.br
Impresso no Brasil Edgar Morin
Printed in Brazil
Foi feito o depósito legal
SUMÁRIO

PREFÁCIO ................................................................................. 9

1 - PINTANDO O SETE? as artes visuais na educação


infantil .................................................................................. 13
Maura Penna
Rosemary Alves de Melo

2 - A MÚSICA COMO FENÔMENO SOCIOCULTURAL:


perspectivas para uma educação musical abrangente.......... 49
Luis Ricardo Silva Queiroz

3 - QUEM ENSINA ARTE NAS ONGS? ................................ 67


Lívia Marques Carvalho

4 - A CRIAÇÃO DE ESPAÇOS/TEMPOS POSSÍVEIS NA


EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: reinventando
práticas educativas .............................................................. 95
Maria das Graças Vital de Melo

5 - RESSIGNIFICANDO E RECRIANDO MÚSICAS:


a proposta do re-arranjo .................................................... 123
Disponível em versão revista e atualizada em:
PENNA, Maura. Música(s) e seu ensino. Porto
Alegre:Sulina, 2008. p. 161-194

OS AUTORES.................................................................... 179
PREFÁCIO

A diversidade do ensino das artes, em suas múltiplas ex-


pressões metodológicas e espaços de atuação, tem caracterizado
um campo educacional complexo, e em constante processo de
(re)definição e (re)estruturação de seus objetivos, diretrizes e
direcionamentos pedagógicos.
O Grupo Integrado de Pesquisa em Ensino das Artes, da
Universidade Federal da Paraíba (UFPB), ligado aos Departamen-
tos de Educação Musical e deArtes Visuais1, tem contribuído sig-
nificativamente para as discussões da área, realizando, desde 1990,
quando iniciou seus trabalhos, debates e publicações importantes
para as reflexões sobre os processos de ensino e aprendizagem das
artes, tanto nas suas dimensões didático-pedagógicas quanto nas
perspectivas da legislação educacional vigente no Brasil.
Em sua formação atual o grupo ganhou uma dimensão
diferenciada de sua estruturação inicial, passando a ser constituí-
do, também, por professores/pesquisadores da Universidade Esta-
dual da Paraíba (UEPB) e da Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE), o que conferiu ao Grupo um caráter interinstitucional.
Dos membros fundadores, permanecem a professora Maura Penna
(hoje da UEPB) e o professor Vanildo Mousinho Marinho (da
UFPB, Coordenador do Grupo), ambos da área de música. Inte-

1
Anteriormente o Grupo estava ligado ao Departamento de Artes, que foi
extinto em 2004.

9
gram também o Grupo os professores da UFPB Lívia Marques e possibilidades de atuação em contextos emergentes e potenciais
Carvalho (desde 1997), da área de artes visuais, e Luis Ricardo de educação, os artigos trazem, na perspectiva de cada autor , vi-
Silva Queiroz (desde 2004), da área de música. Completam o Gru- sões que contemplam um amplo campo de buscas e inquietações
po as Professoras Rosemary Alves de Melo, da área de artes visu- para a estruturação metodológica de um ensino de arte
ais (da UEPB), e Maria das GraçasVital de Melo, da área de teatro contextualizado com as necessidades e as especificidades dos es-
(da UFPE), que ingressaram neste ano de 2005. paços educativos em que acontece.
Vivendo um novo momento em sua dinâmica de trabalho, Cada artigo apresenta, em separado, uma discussão
o Grupo Integrado de Pesquisa em Ensino das Artes experiencia construída a partir da área de atuação e da vivência do autor, cons-
uma dimensão mais abrangente. O processo de discussão e cons- tituindo na totalidade da coletânea abordagens que interagem pelo
trução dos textos, publicações e demais trabalhos do Grupo, antes objetivo comum da proposta, mas que preservam as características
compartilhado de forma presencial, ganhou outra característica a próprias de cada trabalho.
partir da interinstitucionalidade. As produções passaram a ser ela- No primeiro artigo, Pintando o sete? as artes visuais na
boradas de maneira mais individualizada, e buscou-se novas possi- educação infantil, é discutida a proposta das artes visuais, para a
bilidades de articulação, à distância, para apreciação coletiva e faixa etária de zero a seis anos, presente nas orientações do
finalização dos trabalhos. Referencial Curricular Nacional de Educação Infantil(RCNEI). O
Para comemorar essa trajetória de quinze anos de exis- texto enfoca atividades desenvolvidas em turmas de pré-escolar de
tência e produção, estamos lançando mais um trabalho em que o instituições de educação infantil (creches) públicas municipais da
Grupo apresenta visões diversificadas sobre o ensino das artes em cidade de Campina Grande-PB, analisando a prática pedagógica
diferentes espaços, constituindo, nessa convergência de perspecti- de professoras atuantes nesse universo, com base nas diretrizes
vas, contexturas em que o Grupo discute e analisa temas emer - apresentadas no RCNEI.
gentes da realidade contemporânea das práticas educativas em artes O segundo artigo, A música como fenômeno sociocultural:
visuais, música e teatro. perspectivas para uma educação musical abrangente , apresenta
Conscientes da diversidade de universos existentes no uma abordagem dessa temática a partir de perspectivas da
âmbito do ensino das artes e, conseqüentemente, das particularida- etnomusicologia, da antropologia e da educação em geral, consi-
des que caracterizam cada contexto educacional desse campo, esta derando a necessidade de pensarmos em propostas amplas de ensi-
coletânea enfoca aspectos importantes para o pensamento no que possam lidar como o fenômeno musical de forma
crítico-reflexivo e para a ação criadora necessária na realidade atu- contextualizada com os diferentes espaços em que é concebido e
al das instituições e dos profissionais que lidam com o ensino nessa praticado.
área em suas distintas expressões, contextos e situações. Em Quem ensina arte nas ongs?, o terceiro artigo, discu-
Abrangendo caminhos que percorrem temáticas relacio- te-se o ensino não-formal de arte a partir de pesquisa realizada nas
nadas ao universo sociocultural do ensino das artes, alternativas ONGs Casa Pequeno Davi, na cidade de João Pessoa-PB, Casa
criativas de (re)estruturação e exploração dos materiais artísticos, Renascer, em Natal-RN, e Daruê Malungo, em Recife-PE. São abor -
10 11
dados na discussão o contexto educativo das ONGs e o perfil dos
educadores responsáveis pelas oficinas de arte nessas instituições.
A criação de espaços/tempos possíveis na educação de
jovens e adultos: reinventando práticas educativas, o quarto arti-
go, traz uma discussão centrada no ensino e aprendizagem da arte
teatral nos projetos de Educação de Jovens e Adultos (EJA) de-
senvolvidos pelo Centro de Educação da UFPE, enfatizando os 1
seus conteúdos escolares básicos, e, ao mesmo tempo, consideran-
do a função social da arte em sua relação com a educação e com a
política. PINTANDO O SETE?
No quinto artigo, Ressignificando e recriando músicas: as artes visuais na educação infantil
a proposta do re-arranjo, é enfocado, do ponto de vista pedagógi-
co, o trabalho criativo que promove a reapropriação ativa de músi- Maura Penna
cas brasileiras, populares, da vivência do aluno, através da explo- Rosemary Alves de Melo
ração de diferentes materiais e recursos. O artigo apresenta ainda
uma discussão em que relaciona re-arranjo e releitura, abordando
suas similaridades e suas diferenças, enquanto propostas pedagó- Segundo a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação
gicas. Nacional (LDB) – Lei nº 9.394/96,Artigo 21 –, a educação infantil
Com base nas discussões apresentadas em cada artigo, constitui a etapa inicial da educação básica, que abrange ainda o
deixamos aqui registrada mais uma contribuição do Grupo Inte- ensino fundamental e o ensino médio. No entanto, o dever do Es-
grado de Pesquisa em Ensino das Artes para as discussões e as tado com a educação escolar pública e gratuita limita-se, com ca-
reflexões da nossa área, reafirmando o compromisso desse Grupo ráter de obrigatoriedade, apenas ao ensino fundamental (cf.Art. 4o
com os rumos do ensino das artes no Brasil, considerando as reali- e 5 o). Assim, a educação infantil continua a ser um privilégio: a
dades diversificadas, os distintos problemas e necessidades e, fun- demanda não é atendida, na medida em que a maioria das crianças
damentalmente, as perspectivas e objetivos da área na atualidade. de zero a seis anos não tem acesso a este nível escolar , que em
parte está a car go de escolas particulares 1. Dados do IBGE indi -
Vanildo Mousinho Marinho
Luis Ricardo Silva Queiroz
1
Segundo os resultados preliminares do Censo Escolar de 2004, de um total
de 6.901.258 matrículas iniciais na creche e na pré-escola em todo o país,
Organizadores 1.986.195 são na rede privada – as demais se distribuem nas redes federal,
estaduais e municipais, com maior concentração neste último nível (BRA-
SIL, 2004a). Deve-se considerar que, provavelmente, pequenas creches e
escolas não regulamentadas não foram incluídas no censo.

12 13
cam que, em 2002, da população de zero a três anos, apenas 6,1% infantil, embora não tenha caráter obrigatório, do ponto de vista
freqüentava uma instituição pública de educação infantil; já na fai- formal3. Como o próprio documento indica, em sua introdução
xa de quatro a seis anos, esse índice chegava a 48,5% – incluindo a (vol. 1), antecedeu a sua elaboração um estudo amplo sobre as
possibilidade de matrícula antecipada no ensino fundamental (BRA- propostas existentes para a educação de crianças (de até seis anos)
SIL, 2004b, p. 5). no país, empreendido em 1996, no qual se constatou a enorme
Mesmo com esta limitação histórica e estrutural de nosso diversidade de propostas e a freqüente distância entre os referenciais
sistema público de ensino, é importante a indicação que a LDB teóricos adotados (sobre o desenvolvimento infantil, etc.) e as prá-
sinaliza, incluindo esse nível de ensino como parte da educação ticas pedagógicas propostas.
básica, que “tem por finalidades desenvolver o educando, assegu- Neste quadro, o RCNEI apresenta uma orientação básica
rar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cida- para a educação de crianças de zero a seis anos, fundada sobre
dania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos uma visão do desenvolvimento infantil em todas suas esferas
posteriores” (Lei nº 9.394/96, Art. 22). A educação da criança pe- (cognitiva, afetiva, física, etc.), configurando-se num documento
quena, de zero a seis anos, ganha maior significação, como parte de referência para a discussão, revisão ou elaboração de propostas
da formação do indivíduo. pedagógicas, seja no âmbito institucional ou na formação continu-
ada de educadores. A proposta educativa do RCNEI distancia-se
Propostas curriculares e práticas pedagógicas para a edu- da “tradição assistencialista das creches” e da “antecipação da es-
cação infantil envolvem, em maior ou menor grau, as linguagens colaridade das pré-escolas” 4, buscando o pleno desenvolvimento
artísticas, dentre elas as artes visuais, tradicionalmente as mais da criança, de acordo com as características e potencialidades de
exploradas na prática escolar das séries iniciais. Este artigo abor
- cada faixa etária.
da as artes visuais na educação infantil sob este duplo aspecto,
O RCNEI é composto por três volumes, sendo o primeiro
analisando, por um lado, como é tratada na proposta governa-
uma introdução. Os demais correspondem aos dois âmbitos (ou
mental, e, por outro, como é trabalhada na prática concreta e
campos) de experiências propostos para o processo de educação
cotidiana de instituições municipais de Campina Grande, a se- infantil: (a) Formação Pessoal e Social (vol. 2); (b) Conhecimento
gunda maior cidade da Paraíba. de Mundo (vol. 3). Este último âmbito é constituído pelos seguin-
tes eixos de trabalho: Movimento; Música;Artes Visuais; Lingua-
A proposta oficial para a educação infantil
O Referencial Curricular Nacional de Educação Infantil 3
Nem o RCNEI, nem os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o
(RCNEI)2, elaborado pelo Ministério da Educação (MEC), consti- ensino fundamental (BRASIL, 1997; 1998b) e para o ensino médio (BRA-
tui uma orientação oficial para a prática pedagógica na educação SIL, 1999) são obrigatórios, embora sejam usados pelo MEC como referên-
cias para as suas ações. Obrigatórias são as Diretrizes Curriculares Nacio-
nais para os diversos níveis de ensino.
2
Para facilitar as remissões, trataremos este documento (BRASIL, 1998a) 4
Nos termos da “Carta do Ministro” – dirigida “ao professor de educação
como RCNEI, se necessário especificando o volume, de forma resumida. infantil” – que abre cada volume do RCNEI.

14 15
gem Oral e Escrita; Natureza e Sociedade; Matemática. Note-se o - “brincar, expressando emoções, sentimentos, pensamentos, de-
grande peso dado às artes, como linguagens não-verbais a serviço sejos e necessidades”;
da expressão e comunicação das crianças, presentes em 3 dos 6 - “observar e explorar o ambiente com atitude de curiosidade [...]”;
eixos de trabalho do campo de Conhecimento de Mundo5. Ao âm- - “descobrir e conhecer progressivamente seu próprio corpo, suas
bito Formação Pessoal e Social, corresponde um eixo de trabalho,
potencialidades e seus limites [...]” (RCNEI, v. 1, p. 63).
designado como Identidade e Autonomia.
Desta forma, fica claro o papel que as artes podem de-
Para cada eixo de trabalho (incluindo Artes Visuais), são
apresentados objetivos, conteúdos e orientações didáticas, de sempenhar na formação da criança.
acordo com cada faixa etária: (a) de zero a três anos; (b) de quatro
A proposta do RCNEI para as Artes Visuais
a seis anos. Esta é a divisão adotada pelo RCNEI, arbitrária, como
qualquer outra – até porque não é a idade cronológica que indica Quanto às sugestões para Artes Visuais, a proposta do
um desenvolvimento uniforme de todas as crianças, qualquer que RCNEI expressa os novos direcionamentos para o ensino de arte,
seja o aspecto considerado (cognitivo, motor , etc). Assim, essas que se consolidaram ao longo da década de 1990, e que também se
duas faixas etárias constituem um outro princípio de organização evidenciam nas propostas dos Parâmetros Curriculares Nacionais
do documento do RCNEI. para o ensino fundamental (BRASIL, 1997; 1998b) e médio (BRA-
Um outro dado que revela a importância das artes na pro- SIL, 1999)6. Em primeiro lugar, ressalte-se que não mais se usa a
posta pedagógica do RCNEI é a relação das linguagens artísticas designação Artes Plásticas, substituída porArtes Visuais, com maior
com os objetivos gerais para a educação infantil, apresentados no amplitude, abarcando – além do desenho, pintura e escultura – pro-
volume introdutório (RCNEI, v. 1, p. 63). Dos oito objetivos ge- duções como histórias em quadrinhos, artes gráficas, novas
rais, pelo menos cinco podem ser diretamente contemplados pelo tecnologias, etc. (o mesmo acontece nos demais Parâmetros).
trabalho na área de arte (Artes Visuais, Música, Movimento): Por outro lado, a discussão inicial do texto sobre Artes
- “utilizar as diferentes linguagens (corporal, musical, plástica, oral Visuais, acerca da prática pedagógica na área, aponta três eixos
e escrita) ajustadas às diferentes intenções e situações de comu- de atuação: (1) o fazer artístico, a criação; (2) a fruição, que
nicação, de forma a compreender e ser compreendido, expressar corresponde à apreciação das distintas manifestações artísticas;
suas idéias, sentimentos, necessidades e desejos e avançar no seu (3) a reflexão sobre as produções artísticas (RCNEI, v. 3, p. 89).
processo de construção de significados, enriquecendo cada vez O forte diferencial deste direcionamento, com relação às práticas
mais sua capacidade expressiva”; por muito tempo dominantes no campo do ensino de arte, é que o
- “conhecer algumas manifestações culturais, demonstrando atitu- fazer artístico deixa de ser exclusivo, resgatando-se a importân-
des de interesse, respeito e participação frente a elas e valorizan- cia da apreciação, essencial para a familiarização com as lingua-
do a diversidade”;
6
Para uma análise da proposta dos Parâmetros para Arte, ver Penna (2001,
5
O eixo Movimento abarca a expressão corporal e a dança. 2003).

16 17
gens artísticas e para a ampliação do universo cultural (cf. PENNA, modalidades, como desenho, pintura, modelagem, colagem, cons-
1995). Referimo-nos à “apreciação”, apesar de o RCNEI utilizar trução (com objetos, sucata), etc. No entanto, dá-se especial impor-
prioritariamente o termo “fruição” – como também acontece nos tância ao desenho como procedimentoessencial de expressão gráfi-
Parâmetros Curriculares Nacionais de Arte para a 1ª a 4ª séries ca e visual, servindo de base para outras formas de trabalho.
do ensino fundamental (BRASIL, 1997, v . 6). Consideramos o Considerando-se as distintas faixas etárias, a produção grá-
termo “fruição” mais inusual, mais difícil para a professora de fica e visual da criança de zero a três anos é, basicamente, decor-
educação infantil7 (ou ensino fundamental) sem formação especí- rente de sua movimentação. Neste sentido, enfatiza-se a produção
fica na área de arte, além de ser mais comprometido com uma de rabiscos ou de garatujas, como marcas decorrentes de uma ação
visão romântica de arte, que desconsidera o seu caráter cultural, motora. Aos poucos, o resultado visual vai ganhando importância
como uma linguagem historicamente constituída8. O termo apre- e vai sendo progressivamente controlado. Entre quatro e seis anos,
ciação, por sua vez, já tem uso tradicional no campo da arte, a produção da criança ganha mais intencionalidade, em termos de
referindo-se ao âmbito da recepção da obra, da interpretação (sig- expressão e comunicação.
nificativa) das manifestações artísticas, que sempre é ativa. Quanto à apreciação (fruição), na fase de zero a três anos
Apesar de apresentar esta concepção da prática na área o foco principal é constituído pelas formas do meio ambiente, cujas
com base nestas 3 linhas de ação, os objetivos e conteúdos de qualidades visuais podem ser exploradas perceptivamente, incluin-
Artes Visuais são estruturados sobre os eixos do fazer artístico do diferentes objetos e a natureza. Progressivamente, estende-se
e da apreciação, procurando respeitar as potencialidades da cri- essa apreciação a diversificadas manifestações artísticas. Neste
ança, de acordo com a faixa etária. Passamos a caracterizar , em ponto, vale salientar a importância do contato com uma variedade
termos gerais, as sugestões para a prática pedagógica na área de produções artísticas visuais, particularmente aquelas presentes
(cf. RCNEI, v. 3, p. 97-105). no dia-a-dia, através da indústria cultural ou da produção popular,
Com relação ao fazer artístico – ou seja, à criação ou pro- não se restringindo o campo de ação às chamadas “obras de arte”,
dução –, a ênfase é a exploração de diferentes instrumentos, materi- à arte de museu, embora esta também possa (ou mesmo deva) ser
ais e suportes para a expressão plástica da criança.Assim, podem ser incluída, sempre que possível.
usados, por exemplo, diversos tipos e tamanhos de pincéis, de tintas, Fica claro, portanto, que, através de ações pedagógicas
massas de modelar , aplicados sobre dife rentes suportes – papéis, que exploram o fazer artístico e a apreciação em Artes Visuais, a
parede, o próprio corpo, etc. A produção pode se dar em diferentes criança pode desenvolver sua relação significativa com o mundo e
também seus processos de simbolização, aspectos fundamentais
7
Aqui, adotamos os termos as professoras de educação infantil e as profis- para o seu desenvolvimento global como pessoa.
sionais da educação infantil, por se tratarem de categorias profissionais
que, na sua grande maioria, são compostas por mulheres. As orientações gerais para a professora, por sua vez,
8
Não cabe aqui estender esta questão, pelos limites deste trabalho.A respeito, enfatizam a questão da organização do tempo e do espaço (RCNEI,
ver Penna e Alves (2001). v. 3, p. 107-113). Sugere-se a organização de um ateliê, como um
18 19
espaço adequado para o trabalho de Artes Visuais, onde os dife- contemplando as Artes Visuais, pode ser considerada um avanço.
rentes materiais possam estar à disposição da criança. Isto não quer Dentre seus objetivos, o RCNEI pode servir de orientação para
dizer que sejam necessárias dispendiosas instalações especiais, pois novas práticas de Artes Visuais para crianças de zero a seis anos,
este ateliê pode ser um cantinho da sala de aula, onde os materiais subsidiando o trabalho docente nesse nível de ensino. No entanto,
estejam em caixas e haja varais para secar os trabalhos, etc. Desta o RCNEI não é uma proposta de aplicabilidade automática e ga-
forma, as crianças disporiam de um espaço para desenhar ou pintar rantida, pois, na prática, ainda são encontradas diversas dificulda-
livremente, todo dia, se quisessem, independentemente do contro- des na utilização desse referencial, pelas instituições de educação
le da professora. Com respeito à or ganização do tempo, são infantil brasileiras. Para que as suas propostas possam ser implan-
sugeridas as atividades permanentes – que acontecem com regu- tadas de modo mais amplo, são necessárias não apenas ações de
laridade na rotina das crianças –, as seqüências de atividades – formação (inicial e continuada) das professoras, mas também
como, por exemplo, uma série de atividades planejadas sobre o melhorias das condições de trabalho (relação entre o número de
conhecimento do corpo, desde a apreciação de figuras do corpo crianças e de educadores, disponibilidade de espaço e recursos ma-
em movimento ao desenho do contorno do próprio corpo – e os teriais), para que o ensino de arte possa realmente se iniciar de
projetos, desenvolvidos em torno de uma finalidade determinada. modo efetivo na educação infantil e se desenvolver, com continui-
Considerando-se as faixas etárias, são ainda pertinentes e dade e consistência, ao longo de toda a educação básica9.
merecem destaque as recomendações acerca da necessidade de ava- Neste quadro, portanto, questionamos de que maneira,
liar a segurança dos materiais, quando da sua escolha, e ainda a em situações concretas, são trabalhadas as Artes Visuais em insti-
necessidade de adequar as atividades planejadas ao nível de concen- tuições de educação infantil públicas municipais.
tração da criança, conforme a sua idade e, também, seu interesse.
Pelo exposto, fica claro que a proposta para as Artes Vi- Investigando a prática pedagógica
suais do RCNEI enfatiza a atividade exploratória, a criação (fazer A fim de contribuir com essa discussão, enfocamos as práti-
artístico) como prazer lúdico, asArtes Visuais como linguagem de cas em Artes Visuais, desenvolvidas em turmas de Pré-escola II de
expressão e comunicação. Nesta medida, sua abordagem pedagó- instituições de educação infantil públicas municipaisda cidade de Cam-
gica opõe-se radicalmente a práticas tradicionais, ainda vigentes pina Grande-PB, com base em pesquisa de campo realizada em 2004 10
.
na educação infantil, como o trabalho com reproduções de mode-
los (desenhos mimeografados para colorir , por exemplo), ou ou-
tras práticas que enfatizam o resultado, o produto. Na educação
9
Afinal, de acordo com a LDB: “[...] o ensino de arte constituirá componente
curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de forma a
infantil, ao contrário, as Artes Visuais devem estar em função do promover o desenvolvimento cultural dos alunos” (Lei nº 9.394/96, Art. 26,
desenvolvimento global da criança, tendo seu valor pedagógico no parágrafo 2º).
processo percorrido. 10
Essa pesquisa foi objeto da dissertação de Rosemary Alves de Melo
(MELO, 2005), sob a orientação da professora Maura Penna, desenvol-
Por um lado, a criação de um documento que estabelece vida no Mestrado em Ciências da Sociedade, da Universidade Estadual
uma orientação curricular específica para a educação infantil, da Paraíba (UEPB).

20 21
Num primeiro levantamento junto à Secretária de Educa- dúvida, os fatos analisados não representam ou esgotam a totali-
ção, Esporte e Cultura de Campina Grande (SEDUC-CG), foi de- dade e a diversidade dessas práticas – principalmente se conside-
senhado o cenário da educação infantil na cidade: em agosto de rarmos a multiplicidade de contextos educacionais desse imenso
2004, a rede municipal contava com 21 creches11 (com 68 turmas país –, mas são exemplos de situações reais e possíveis. Certa-
de Pré-escola I e II, foco de nosso interesse) e 68 escolas de ensino mente, há situações similares em outras instituições e cidades bra-
fundamental onde funcionavam turmas de educação infantil (den- sileiras, e nossos dados, relativos à rede municipal da segunda
tre estas, 98 turmas de Pré-escola I e II). Foram, então, selecionadas maior cidade da Paraíba, constituem um material significativo,
quatro turmas de Pré-escola II de quatro creches públicas munici- pois permitem ampliar a discussão sobre a educação brasileira,
pais localizadas em diferentes regiões da cidade: um bairro perifé-
sem restringi-la aos grandes centros.
rico, um bairro de renda média, um bairro nobre e um distrito afas-
tado da cidade. Essas turmas de Pré-escola II atendem crianças de As quatro creches selecionadas encontram-se razoavel-
quatro a cinco anos, sendo esta a faixa etária para qual o RCNEI mente apropriadas para o atendimento às crianças de zero a seis
indica um elenco de conteúdos e práticas emArtes Visuais maior e anos, no que tange a aparência física, o espaço arquitetônico, os
mais avançado do que o recomendado para as faixas etárias meno- mobiliários e os equipamentos. No entanto, aspectos da organiza-
res12. Os dados foram coletados através de observações sistemáti- ção da rotina de trabalho revelam a adoção de um modelo educaci-
cas13 das atividades em sala, além de entrevistas semi-estruturadas onal que caberia mais nas escolas municipais de ensino fundamen-
com as professoras, como fonte complementar. tal, do que em instituições de educação infantil. Com efeito, obser-
Desta forma, foram registradas as práticas pedagógicas vando a dinâmica das práticas docentes nas salas de Pré-escola,
em Artes Visuais desenvolvidas, permitindo discutir como essa constatamos propostas típicas de um modelo de educação escolar.
linguagem artística tem sido trabalhada na educação infantil. Sem Exemplificando, percebemos, na configuração do planejamento das
professoras, o predomínio de práticas nas áreas de matemática e
11
A organização das turmas das instituições de educação infantil (denomina- linguagem oral e escrita, não constando, pelo menos explicitamen-
das Creches), da Rede Municipal de Campina Grande, segue um modelo te, os espaços/horários para as artes, os jogos e as brincadeiras,
seriado e utiliza os seguintes termos: Berçário, para crianças de até 1 ano;
Maternal I e Maternal II, para crianças de 2 a 3 anos; Pré-Escola I e Pré- que na educação infantil são tão importantes quanto os trabalhos
Escola II, para crianças de quatro a cinco anos. das áreas de conhecimentos citadas.
12
Sobre os conteúdos indicados para essa faixa etária, ver RCNEI (v. 3, p. 99)
e ainda, comparativamente, Szpigel (1995, p. 34). Pelas características da educação de crianças de zero a
13
Foram programadas 15 observações sistemáticas de 3 horas ininterruptas seis anos, essa pedagogia escolar não é compatível com as
cada uma, com continuidade, em cada sala de Pré-escola II. No entanto, em especificidades das instituições infantis, pois se entende que:
virtude dos dias de interrupções no atendimento nas creches e outros impe-
dimentos, foram realizadas 49 visitas às turmas, num total de 145h de ob- [...] o conhecimento didático (resultante de uma ação pe-
servações. As observações foram realizadas nos meses de agosto, setembro, dagógica escolar geral e do processo ensino-aprendizagem
outubro e novembro, com início em 30 de agosto e término em 30 de no-
vembro de 2004. em particular), não é adequado para analisar os espaços

22 23
pedagógicos não-escolares. [...] a dimensão que os conhe- Vamos pintar e bordar...
cimentos assumem na educação das crianças pequenas
A proposta do RCNEI aponta que a aprendizagem em
coloca-se numa relação extremamente vinculada aos pro-
Artes Visuais acontece através da articulação do fazer artístico, da
cessos gerais de constituição da criança: a expressão, o
apreciação e da reflexão, como já visto. Porém, na or ganização
afeto, a sexualidade, a socialização, o brincar , a lingua-
dos conteúdos indicados para as práticas das Artes Visuais com
gem, o movimento, a fantasia, o imaginário, [...]. Não é,
portanto, o objetivo final da educação da criança peque-
crianças de quatro a seis anos, a reflexão fica subordinada aofazer
na, muito menos em sua ‘versão escolar ’ [...] (ROCHA, artístico e à apreciação em Artes Visuais (RCNEI, v. 3, p. 97).
1999, p. 60-61). Entre as orientações didáticas para a prática de apreciação com
crianças de quatro a seis anos, encontramos: “Conhecimento da
No cotidiano das turmas investigadas, contudo, os esforços diversidade de produções artísticas, como desenhos, pinturas,
das professoras mostram-se centrados nos trabalhos com objetivos de esculturas, construções, fotografias, colagens, ilustrações, cinema,
promoção da formação de hábitos, da alfabetização e da aquisição de etc.” (RCNEI, v. 3, p. 103, grifos nossos).
noções matemáticas. Neste contexto, as diversas linguagens das artes Apesar disso, durante o período das observações nas tur-
são submetidas a um tratamento secundário, de suporte (com menor mas, não presenciamos situações de contato das crianças com ma-
valor) para conhecimentos de outras áreas, o que o próprio RCNEI terial visual/artístico trazido pelas professoras, nem experiências
reconhece como corrente na educação infantil: “AsArtes Visuais têm de apreciação das produções das crianças da turma ou de outras
sido [...] bastante utilizadas como reforço para a aprendizagem dos crianças. Também não ocorreram visitas a locais onde acontecem
mais variados conteúdos” (RCNEI, v.3, p. 87).
eventos artísticos, como museus, galerias, cinema, teatro, etc. As
A importância dasArtes Visuais nas turmas de Pré-escola atividades pedagógicas propostas às crianças foram centradas no
passa, também, pela ampliação do sentido da alfabetização, que fazer artístico, através de desenho, pintura, colagem e modelagem.
não deve ser apenas um processo de domínio cognitivo das lingua-
Com relação à diversidade das atividades emArtes Visu-
gens verbais:
ais desenvolvidas nas turmas pesquisadas, constatamos que elas
Não se alfabetiza fazendo apenas as crianças juntarem foram do tipo:
as letras. Há uma alfabetização cultural, sem a qual a a) Desenho livre (desenho sem interferências, mas proposto como
letra pouco significa. A leitura social, cultural e estética
atividade pela professora).As atividades de desenho livre foram
do meio ambiente vai dar sentido ao mundo da leitura
feitas com papel tamanho ofício branco, ou papel jornal, com
verbal (BARBOSA, 2001, p. 27-28).
lápis grafite comum e lápis de cor (ver fig. 1). Nas poucas vari-
Entretanto, entendemos que as práticas em Artes Visuais não de- ações presenciadas14, foram usados lápis hidrocor e giz de cera.
vem se restringir à atividades de subordinação ao processode alfa-
betização, por mais amplo que ele seja, ou mesmo aos outros âm- 14
Numa única ocasião, presenciamos uma atividade de desenho livre, feita cole-
bitos de conhecimento. tivamente, com o uso de 4 folhas grandes de papel jornal e com cola colorida.

24 25
Esses mesmos materiais foram utilizados nas modalidades de e) Pintura15 livre (pintura sem interferências, mas proposta como
desenho relacionadas a seguir. atividade pela professora). Nas atividades de pintura livre, foram
utilizados lápis de cor, giz de cera e tinta guache. Nas poucas
variações presenciadas, foram usados lápis hidrocor e pincel
atômico. Esses mesmos materiais foram usados nas demais
modalidades de pintura, citadas abaixo.
f) Pintura direcionada (pintura com tema determinado pela pro-
fessora).
g) Pintura livre espontânea (pinturas que as crianças fazem sem
solicitação da professora).
h) Pintura de desenho mimeografado (pintura de desenho fei-
to pela professora, e reproduzido através de mimeografo. Ver
fig. 2, à pág. 28).
i) Colagem direcionada (colagem com tema determinado pela
professora). Nas atividades de colagem foram utilizados: folhas
de papel branco ou papel jornal, cola branca, retalhos de papel
crepom em cores, folhas de árvores (naturais) e palitos de pico-
lé (ver fig. 3, à pág. 29).
j) Colagem modelar (colagem sobre figura pronta, desenhada pela
professora e reproduzida através de mimeografo).
Figura 1 - Trabalho de criança, cinco anos, 2004. k) Modelagem livre (modelagem tridimensional feita sem interfe-
(Desenho livre) rências, mas proposta como atividade pela professora). Nas ati-
vidades de modelagem foram usadas massinhas do tipo escolar .
b) Desenho direcionado (desenho com tema determinado pela
professora). Nas atividades de desenho direcionado, havia l) Vídeo (exibição para diversão). Para exibição dos vídeos foram
situações em que o desenho estava subordinado a uma atividade utilizados: TV tamanho 20 polegadas, aparelho de videocassete
de matemática ou de linguagem oral e escrita. e fitas de desenhos animados, com histórias infantis e religiosas
(Vida de Jesus, por exemplo).
c) Desenho livre espontâneo (desenhos que as crianças fazem sem
solicitação da professora). 15
Aqui, as atividades de pintura são aquelas que foram assim nomeadas pelas
d) Desenho copiado (desenho com a presença de modelo professoras. Algumas delas eram, na realidade, desenhos feitos com materi-
determinado pela professora). ais coloridos.

26 27
Figura 3 - Trabalho de criança, cinco anos, 2004.
(Colagem direcionada)

m) Construção tridimensional (lembrancinhas para eventos co-


memorativos). Para a confecção das lembrancinhas foram usa-
dos: garrafas plásticas de refrigerantes, cartolinas coloridas, cola
branca, emborrachado colorido, palitos de picolé e cordões. No
entanto, embora visassem as crianças, que receberiam essas
lembrancinhas, esta atividade era desenvolvidaexclusivamente
pelas professoras, em horários em que as crianças estavam en-
volvidas com outras atividades.
A freqüência de cada modalidade artística e de cada tipo
de atividade realizada, durante as observações, está indicada no
Figura 2 - Trabalho de criança, cinco anos, 2004. Quadro 1.
(Pintura sobre desenho mimeografado)
28 29
Quadro 1 - Diversidade das práticas em artes visuais. Sobre a freqüência de cada tipo de modalidade artística,
MODALIDADE as evidências mostram-nos que, entre as práticas escolhidas e de-
TIPO DE ATIVIDADE FREQ. TOTAL
ARTÍSTICA senvolvidas nas turmas 17, houve um predomínio do desenho, que
Desenho livre 6 aparece com 60 ocorrências, e da pintura, trabalhada em 24 ocasi-
Desenho direcionado 24 ões (cf. Quadro 1).As modalidades do desenho e da pintura foram,
DESENHO 60
Desenho livre espontâneo 17
portando, as mais freqüentes: juntas somaram 84 ocorrências, ou
Desenho copiado 13
Pintura livre 8
seja, representaram cerca de 70% das atividades desenvolvidas.
Pintura direcionada 6 Em seguida vem a colagem, com 10 atividades, e a modelagem
PINTURA 24 com 8 ocorrências.
Pintura livre espontânea 6
Pintura de desenho mimeografado 4
Colagem livre 2 Cenas exemplares
COLAGEM Colagem direcionada 6 10 As professoras incluíam os desenhos e as pinturas nas ati-
Colagem sobre figura pronta 2
vidades de rotina das crianças, quase que diariamente. Uma das
MODELAGEM Modelagem livre 8 8
CONSTRUÇÃO Lembrancinhas para
professoras, numa conversa na sala, afirmou que, durante as expe-
6 6 riências docentes com as crianças, descobriu que o desenho “acaba
TRIDIMENSIONAL datas comemorativas
VÍDEO Exibição para diversão 4 4 tendo uma finalidade pedagógica”, por causa do gosto que as cri-
TOTAL: 102 anças têm com esse tipo de produção.
Fonte: Melo (2005). Essa afirmação ocorreu durante a seguinte cena:

Como pode ser constatado no Quadro 1, nas 102 ocor -


rências de atividades emArtes Visuais observadas16, houve peque- CENA 1
na diversidade, se levarmos em consideração que, das seis modali- Após uma atividade mimeografada, de escrita e de-
dades artísticas listadas, as crianças tiveram uma ação efetiva em senho ilustrativo, a professora avisa às crianças:
apenas quatro delas. Nas atividades de construção tridimensional, – Quem já pintou pode fazer um desenho livr e no
somente as professoras atuaram e, na exibição de fitas de vídeo, as outro lado da folha. Agora é hora do desenho livre, certo?
crianças foram apenas espectadoras passivas. Assim, as crianças Um dos meninos está olhando uma revista em qua-
das salas observadas participaram ativamente apenas das práticas drinhos do Sesinho e começa a copiar o desenho de um dos
desenvolvidas em desenho, pintura, colagem e modelagem. personagens da história.

16
As modalidades construção tridimensional e vídeo foram observadas em 17
No período observado, não presenciamos o desenvolvimento de nenhuma
apenas duas turmas. Todas as demais modalidades foram realizadas em atividade de dobradura nas turmas, mas vimos algumas dobraduras pendu-
todas as turmas. radas nos varais e coladas nas paredes das salas de 3 turmas.

30 31
A professora se aproxima e me explica: Nesse quadro, as práticas espontâneas, à maneira do de-
– Todo dia tem a hora do desenho livr e. Esse mo- senho livre, em nada contribuem para a ampliação das experiências
mento acaba tendo uma finalidade pedagógica também. visuais, tão necessárias ao desenvolvimento artístico das produ-
Eu, no começo, nem planejei, mas eles foram gostando tanto ções e percepções infantis. De acordo com Lanier (1999, p. 47),
que foi ficando... por causa deles, eles adoram! “[...] apenas o indivíduo que está adequadamente informado sobre
Às 15:00h, a professora começa a recolher as ativi- a natureza da experiência estética pode ampliar com certa facilida-
dades e pede para as crianças fazerem grupos de três para de o âmbito e a qualidade dessa experiência”. Portanto, essa medi-
irem lavar as mãos.Agora, é hora do lanche (MELO, 2005). ação entre as crianças e os conhecimentos presentes nas práticas
com o desenho é fundamental para “[...] um processo progressivo
de domínio dos padrões (culturais) de representação visual, indis-
Desta maneira, cotidianamente, a professora propunha às pensável para a evolução das capacidades expressivas e pictóricas
crianças a produção de desenhos livres, no verso das atividades [...]” (PENNA, 2003, p. 74).
“pedagógicas”, durante o intervalo entre a atividade de escrita e/
ou de matemática e o momento do lanche. Os preparativos dessa Entendemos que a postura de “deixar fazer” revela uma
proposta de desenho tinham uma tônica de improviso, pois a pro- prática típica das propostas com enfoques na expressão espontâ-
fessora elaborava essas atividades nos momentos da sua aplicação, nea. Tecendo comentário a esse respeito, o RCNEI considera que
de diferentes formas: ora ela apenas escrevia o título “Desenho essa tendência já foi superada, mas continua a influenciar algumas
Livre”, ora não fazia nenhuma indicação na folha e, em algumas práticas cotidianas na educação infantil:
ocasiões, fazia bordas decorativas nas folhas, com giz de cera. A presença das Artes Visuais na educação infantil, ao
Se a professora reconhece que o desenhar é um processo longo da história, tem demonstrado um descompasso entre
pedagógico, então ela admite que é possível uma intervenção vi- os caminhos apontados pela produção teórica e a prática
sando o ensino/aprendizagem, ou seja, ela pode desenvolver uma pedagógica existente. Em muitas propostas as práticas
ação educativa com o conhecimento em desenho, nesse tipo de de Artes Visuais são entendidas apenas como meros pas-
atividade. satempos em que atividades de desenhar, colar, pintar e
modelar com argila ou massinha são destituídas de sig-
No entanto, a forma de encaminhamento escolhida pela nificado (RCNEI, v.3, p. 87).
docente - que adota o “deixar fazer” desenhos espontâneos, assim
como a restrição e o uso convencional dos materiais (utilizando Nesse sentido, registramos que, nas turmas observadas,
apenas papel tamanho padrão, lápis grafite e giz de cera) e o tempo desenhar se tornou uma prática aligeirada, sem objetivos de pro-
disponível reduzido a cerca de quinze a trinta minutos – empobre- mover conhecimento a respeito de seus aspectos artísticos, resul-
ce a atividade do desenho. Nas outras turmas, os encaminhamen- tando numa banalização dos processos e dos produtos feitos pelos
tos das atividades de desenho livre aconteciam da mesma maneira, meninos e meninas, ou seja, num fazer pelo fazer, sem significado
com poucas variações. para as crianças.
32 33
Por outro lado, a atividade do desenho copiado foi pre- A atividade prolonga-se e só termina às 10:20h,
senciada em todas as turmas. Numa ocasião em que observa- quando chega a hora do almoço.As professoras recolhem
mos esta atividade, a cena aconteceu da seguinte maneira: as atividades das crianças, sem olhar para os desenhos que
elas fizeram, e os colocam nos envelopes plásticos pendu-
rados nos varais. A professora guarda o desenho feito por
CENA 2 Arthur numa pasta, junto com o desenho dela e o livro
Às 8:20h, a professora e as crianças encerram uma (MELO, 2005).
atividade de simulação de eleição para prefeito. Em segui-
da, a professora diz:
A professora me explicou que esse trabalho era para con-
– Pessoal! Agora eu vou dar uma folha para cada
feccionar um livro, feito pelas crianças, para expor na “II Feira de
um e vocês vão fazer os desenhos que quiserem, viu?
Ciências de Educação Infantil e I Mostra Cultural do Ensino Fun-
Ela distribui folhas de papel entre todos e a professo- damental: Vida em Movimento – Arte, Cultura e Conhecimento”,
ra auxiliar distribui os lápis. As crianças começam a dese- promovida pela SEDUC-CG. Ao todo, ela pretendia confeccionar
nhar. Então, a professora chama Arthur, senta junto a ele
quatro livros, sendo um deles de pano. Esses desenhos copiados se
numa mesa, mostra um livro18 e um desenho grande de um
seguiram por vários dias, sempre com a professora exigindo que as
gato, feito por ela, e diz:
crianças copiassem o que viam, de acordo com o padrão estético
– Olhe a capa do livro, veja o desenho do gato que a dela. Muitas vezes, a professora apagava os traços feitos pela cri-
tia fez e faça agora o desenho do sapo, bem grande, do ança e mandava que fizesse do jeito que ela queria.
tamanho do gato que eu fiz.
Segundo Almeida (2001), esse tipo de prática, com base
Arthur começa a desenhar e a professora vai dizendo
na reprodução de modelos, é corrente nas aulas de arte:
como ele deve fazer , mostrando os detalhes do persona-
gem, apontando o que o menino ainda não fez e pedindo [...] nas aulas de arte [...] as práticas docentes estão cal-
para ele fazer igual ao do livro. Às vezes, a professora pede cadas em uma concepçãomodelar e padronizada de en-
para ele apagar alguns traços que ficaram pequenos e fazer sino: os professores sempre determinam o que e como
novamente, maior. Mostra, passando o dedo na folha, os fazer, cabendo aos alunos realizar a tarefa proposta [...]
lugares onde ele deve fazer os traços do desenho. Quando (ALMEIDA, 2001, p. 22, grifos nossos).
o menino consegue fazer como a professora pediu, ela diz: Consideramos que, nesse encaminhamento da atividade
– Isso! de cópia do desenho, a criança não tem a oportunidade de criar,
E balança a cabeça afirmativamente. pois a professora não leva em conta a sua autonomia e a sua ca-
pacidade de experimentar novas possibilidades com os recursos
18
Trata-se do livro infantil O rabo do gato , de Mary França (1997). disponíveis.

34 35
Para que as crianças possam criar suas produções, é sos de especialização, aperfeiçoamento e/ou outros. Do mesmo
preciso que o professor ofereça oportunidades diversas modo, no quadro de profissionais das instituições de educação
para que elas se familiarizem com alguns procedimen- infantil do município de Campina Grande, também não encontra-
tos ligados aos materiais utilizados, aos diversos tipos mos professoras com formação nessa área. Ressaltamos que as
de suporte e para que possam refletir sobre os resulta-
instituições de ensino superior dessa cidade não oferecem cursos
dos (RCNEI, v.3, p. 100).
no campo das artes20, quer de licenciaturas, quer de especializa-
Nesse tipo de atividade, deve haver um espaço para que a ção.
criança possa ressignificar as imagens19 que lhes são mostradas como No Quadro 2, apresentamos uma descrição da formação,
referência, e não apenas para treinar a sua capacidade de reprodu- da experiência docente em educação infantil e da quantidade de
zir desenhos, sem exercitar a criatividade infantil. turnos de trabalho dessas professoras.Através dele, é possível cons-
Essas práticas de caráter modelar impedem que as ativi- tatar a falta de uma formação consistente para o ensino no campo
dades pedagógicas com as linguagens artísticas cumpram plena- das artes em geral e das Artes Visuais na educação infantil, em
mente seu potencial educativo, como desenvolver a autonomia da particular.
criança e a flexibilidade de pensamento e atitudes, o que só seria
possível se houvesse realmente espaço para um processo de explo- Quadro 2 - Formação e experiência docente.
ração de materiais e de criação. PROFA. FORMAÇÃO*
TEMPO DE
SERVIÇO
TURNOS DE
TRABALHO
(em E. I.)**
Sem dúvida, um dos mais importantes objetivos da edu-
Curso Normal; aluna da Licenciatura
cação é contribuir para o desenvolvimento da autono- A 8 anos 1
em Pedagogia (Habilitação em E. I.)
mia, ajudar os alunos a se tornarem moral e intelectual- Licenciatura em Pedagogia
B 18 anos 2
mente livres, aptos a pensar e agir de forma independen- (Habilitação em E. I.)
te. Nesse campo, a contribuição das artes poderia ser C
Licenciatura em Pedagogia
14 anos 2
grande, já que elas, mais do que qualquer outro compo- (Habilitação em E. I.)
Curso Normal e Licenciatura em
nente curricular, deveriam incentivar os alunos a uma D
Ciências (Habilitação em Biologia)
15 anos 1
produção que não dependesse de modelos (ALMEIDA, Fonte: Entrevistas concedidas entre agosto e dezembro de 2004.
2001, p. 22). * A formação de nível superior das docentes citadas foi realizada nos cursos da Uni-
versidade Estadual da Paraíba (UEPB).
** Usamos a sigla E. I. para indicar Educação Infantil.
A formação das professoras
Nenhuma das quatro professoras envolvidas na pesqui-
sa tem formação na área de arte, seja em nível superior, em cur-
20
Na Paraíba, o único curso de Licenciatura Plena em Educação Artística é
oferecido pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), no Campus de João
Pessoa. A Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) oferece um
19
Sobre o processo de ressignificação na criação de imagens, ver Pillar (2003). curso de graduação emArte e Mídia, que não enfoca a formação do professor.

36 37
Mesmo as duas professoras que já concluíram a Licencia- Nesse sentido, cabe às professoras – formadas noCurso
tura em Pedagogia, com Habilitação em Educação Infantil, não Normal ou na graduação em Pedagogia – desenvolver práticas
demonstram desempenhos muito diferentes das demais. No cotidi- docentes com os conhecimentos de diferentes áreas do saber , tanto
ano escolar, todas as professoras adotam os mesmos tipos de prá- na educação infantil quanto nas séries iniciais do ensino funda-
ticas e atitudes semelhantes. Quando muito, observamos algumas mental. Nessas instâncias de formação profissional, portanto, de-
variações, pouco significativas e causadas pelas inclinações de cada veriam alcançar o domínio das metodologias e fundamentos teóri-
uma delas para determinadas atividades. cos básicos, necessários para trabalhar asArtes Visuais com crian-
A atual LDB, em seu Artigo 62, normatiza a formação ças, inclusive na faixa etária de zero a seis anos.
dos profissionais da educação, estabelecendo a formação exigida No entanto, a formação emArtes Visuais no Curso Normal
para o exercício da docência nas instituições de educação básica, e não tem sido reconhecida como capaz de formar adequadamente as
a mínima exigida nas instituições de educação infantil: professoras, no campo das artes (cf. PENNA, 2001, p. 53).Assim, a
exigência de competência também no campo das artes passa a ser
A formação de docentes para atuar na educação básica
colocada para o profissional de Pedagogia.
far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura,
de graduação plena, em universidades e institutos su- A discussão sobre a quem cabe a responsabilidade do
periores de educação, admitida, comoformação míni- ensino das artes na educação infantil e séries iniciais
ma para o exercício do magistério na educação in- do ensino fundamental é oportuna. [...] reiteramos que
fantil e nas quatro primeiras séries do ensino funda- o ensino de Arte nesse nível de educação básica é uma
mental, a oferecida em nível médio, na modalidade prerrogativa do pedagogo, ou seja, do profissional da
Normal (Lei 9.394/96, Art. 62, grifos nossos). educação, (in)formado e licenciado para exercer ali o
magistério (JAPIASSU, 2004, p. 68).
Por sua vez, o RCNEI estabelece um perfil profissional
para as professoras da educação infantil e sinaliza uma definição Todavia, também na formação dos cursos de licenciatura
para o caráter polivalente dessa profissão: em Pedagogia, as artes têm sido descuidadas (cf.JAPIASSU, 2004;
PILLAR, 1988; PENNA, 2003). Geralmente, nesses cursos, não
O trabalho direto com crianças pequenas exige que
o professor tenha uma competência polivalente. Ser existem disciplinas que dêem conta das metodologias ou dos fun-
polivalente significa que ao professor cabe traba- damentos das linguagens artísticas, nem mesmo das Artes Visu-
lhar com conteúdos de naturezas diversas que ais, que predominam nas práticas das professoras de educação
abrangem desde cuidados básicos essenciais até co- infantil. Decorre daí, portanto, o desconhecimento sobre o seu
nhecimentos específicos provenientes das diversas valor e significado para a formação das crianças de zero a seis
áreas do conhecimento (RCNEI, v . 1, p. 41, grifos anos, como é possível constatar na resposta de uma professora,
nossos). durante entrevista:

38 39
novos direcionamentos já estão incorporados na proposta oficial
P. Qual a importância das Artes Visuais na para as Artes Visuais na educação da criança de zero a seis anos,
pré-escola? como vimos em relação ao RCNEI. No entanto, não há influência,
R. Eu acho de suma impor tância porque faz com sobre as práticas pedagógicas observadas, dessa proposta ou das
que a criança... Ela transmita... Ela fique assim... com ... produções acadêmicas e teóricas.
tanto a oralidade mais desenvolvida, como também a per- Analisando as vivências cotidianas das quatro professo-
cepção, que ajuda... assim, ela perceber o que está ao seu ras envolvidas na pesquisa, constatamos que as suas práticas em
redor, e, também saber ... Aprender... Vai aprendendo aos Artes Visuais são estritamente tradicionais, desatualizadas, ora
poucos, a distinguir uma coisa da outra... E desenvolve voltadas para o ensino de arte modelar – calcado na reprodução de
diversas formas de habilidades da criança, a inteligência... modelos –, ora para o espontaneísmo – na medida em que as práti-
(Entrevista em 13 nov. 2004). cas correntes de desenho ou pintura livres expressam uma crença
na expressão artística como espontânea. Desta maneira, oscilam
entre concepções e tendências pedagógicas de bases conflitantes.
Aqui, a professora associou a possibilidade de aprendiza-
gem proporcionada pelas Artes Visuais em primeiro lugar com a As professoras recorrem cotidianamente a práticas tradi-
linguagem oral, em segundo com a percepção espacial, e em ter - cionais, como os desenhos “livres”, as atividades mimeografadas
ceiro com a inteligência, não fazendo referência aos conhecimen- para colorir – com desenhos estereotipados – e as “lembrancinhas”
tos artísticos e culturais que são proporcionados nos processos de para as datas comemorativas. Com efeito, podemos dizer que as
ensino dessa área. professoras não conseguiram evoluir nas suas práticas, reprodu-
Desse modo, nem sempre a professora com formação zindo o que conhecem pela tradição.
numa graduação em Pedagogia tem clareza do papel das Artes Um veículo de reprodução da tradição é o caderno ou
Visuais no seu trabalho docente, junto às crianças. Esse fato é álbum de “atividades pedagógicas”, onde são colecionados os mo-
preocupante, pois é necessário que as professoras saibam defi- delos de lembrancinhas e de desenhos “infantis” – ou seja, “para
nir, adequadamente, qual o objetivo das práticas que propõem crianças”. As professoras recorrem a esses cadernos/álbuns para
às crianças e o que essas práticas podem favorecer, em termos elaborar as atividades, em busca de aprimoramento da sua prática
de conhecimentos nas Artes Visuais e de desenvolvimento de docente. Eles são usados de modo semelhante aos livros de recei-
habilidades. tas de culinária ou de crochê, que eram bastante valorizados na
época em que atuavam, na educação infantil, mulheres sem forma-
Considerações finais ção21. Não se limitando apenas a atividades artísticas, mas abran-
Nas últimas três décadas, as produções acadêmicas e teó-
ricas no campo das artes trouxeram contribuições relevantes e ino- 21
Tradicionalmente, a educação infantil é delegada às mulheres, por suas
vadoras, apontando novas propostas para a atuação na área. Esses características “maternais” (cf. CERISARA, 1996, p.49).

40 41
gendo modelos de encaminhamentos didáticos, tornaram-se de uso do, algumas páginas dedicadas à “vida e obra dos grandes mes-
comum nos cursos de formação para o magistério em nível de 2 o tres”, onde, numa abordagem simplista e rudimentar, podemos en-
grau/ensino médio – ou seja, nas Escolas Normais –, ou mesmo em contrar os termos “apreciação” e “releitura” – usados sem maiores
graduações em Pedagogia. explicações.
Nos cursos de Magistério, a proposta metodológica de Deve-se levar em conta que as professoras recorrem a
educação pré-escolar se apresenta, geralmente, centrali- esses materiais com a melhor das intenções e com esforço, pois
zada na confecção de recursos de ensino: materiais con- muitas vezes pagam em prestações coleções desse tipo, conside-
cretos, cartazes com ilustração de conceitos matemáti- rando-as de boa qualidade 22. Certamente, sua formação não lhe
cos e os tradicionais álbuns com modelos de exercícios fornece condições de crítica ou de elaboração pessoal de alternati-
de coordenação motora fina e técnicas de arte (BORGES, vas, o que exigiria o conhecimento de fundamentos para o ensino
1994, p. 12). da arte e de diversas propostas pedagógicas, de modo a embasar
Tal prática persiste em muitos contextos, inclusive nos uma prática reflexiva. No currículo do curso de Licenciatura em
investigados, pois, em ações de formação continuada e no material Pedagogia da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), por exem-
que várias editoras publicam para a área (e que as professoras cha- plo, o único componente curricular que contempla as artes éCor-
mam de “livro didático”), ainda persiste o recurso a essas po e Criatividade23, cuja ementa é voltada para “as relações entre
“receitinhas”, que circulam entre as professoras, que trocam esses corpo, criação e individualidade”, as “diferentes linguagens corpo-
materiais entre si. Como um exemplo de material deste tipo, des- rais e artísticas” e as “oficinas de artes”. Ou seja, trata de conteú-
tacamos a coleção, Arte no cotidiano escolar (VALADARES; dos múltiplos, sem focalizar as didáticas, metodologias e os funda-
DINIZ, [s.d.]), que traz a seguinte “chamada” na capa de cada um mentos das linguagens artísticas inseridas na proposta curricular
de seus quatro volumes: “A mais completa e abrangente obra no oficial para a educação infantil: Movimento, Música eArtes Visu-
gênero, contendo Oficina de Sucatas, Técnicas de Desenho e Pin- ais (cf. RCNEI, 1998, v. 1).
tura, Desenhos Pedagógicos, Caixas e Embalagens, Recorte e Assim, é importante melhorar as condições de trabalho e
Colagem, Origamis, Teatro, Enfeites, Vida e Obra dos Grandes de formação das professoras de educação infantil e, também, ga-
Mestres da Pintura e mais de 1000 Ilustrações”. Evidenciando seu rantir orientação para os trabalhos docentes, a partir de um projeto
caráter prescritivo e modelar, que negligencia qualquer fundamen- pedagógico específico para esse nível de ensino. A partir de uma
tação, o volume 4 traz “80 belíssimas ilustrações para serem utili-
zadas em atividades de recorte, colagem, painéis e datas comemo-
rativas”, que reproduzem modelos estereotipados de desenhos “in- 22
Todas as professoras envolvidas na pesquisa revelaram, nas entrevistas, que
recorrem rotineiramente a publicações desse tipo, para elaborar as “ativida-
fantis”. Esta prática tradicional mescla-se, em certos momentos,
des” para as crianças.
com o discurso dos documentos oficiais (como o RCNEI e os PCN 23
O currículo do curso de Pedagogia da UEPB está em fase de revisão, e
para o ensino fundamental), pois o volume 3 traz, como anuncia- pretende-se contemplar de forma mais adequada os conteúdos das artes.

42 43
reflexão sobre as suas práticas docentes, as professoras poderiam truir pontes e intensificar o intercâmbio, para que as disparidades
buscar soluções para as lacunas existentes nas suas formações. deste imenso país possam aos poucos ser superadas, e não ape-
Refletir sobre as repetições das práticas tradicionais é condição nas escondidas sob propostas idealizadas, concebidas em níveis
para a compreensão, a avaliação e a transformação dessas ações. superiores.
Assim, a atuação docente baseada na tradição pode ser modificada
através de pesquisas e estudos sobre as novas tendências do ensino
das Artes Visuais: “Cabe destacar que mesmo na Educação Infantil REFERÊNCIAS
espera-se que este profissional saiba gerar conhecimentos novos,
ALMEIDA, Célia Maria de Castro. Concepções e práticas
isto é, que seja um docente-pesquisador” (WITTER, 1999, p.25).
artísticas na escola. In: FERREIRA, Sueli (Org.). O ensino
Uma alternativa possível é a utilização dos encontros de das artes: construindo caminhos. Campinas: Papirus, 2001.
formação continuada para dar início a um processo de reflexão, p. 11-38.
debate e compreensão das propostas pedagógicas mais relevantes,
oficiais e não oficiais, em grupos.A perspectiva prático-reflexiva, BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino da arte. 4. ed. São
partindo da própria prática pedagógica da professora, é uma solu- Paulo: Perspectiva, 2001.
ção indicada por vários estudiosos como um caminho para a
melhoria do desempenho docente, tendo sido confirmada em estu- BORGES, Teresa Maria Machado. A criança em idade pré-
dos acadêmicos relevantes (cf. FREIRE, 1999, p. 42; PENNA, escolar. São Paulo: Ática, 1994.
2001, p. 54; JAPIASSU, 2004, p. 69).
Acreditamos que não bastam decretos das instâncias go- BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Estabelece
vernamentais para provocar a efetiva aplicabilidade das propostas as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. In: SAVIANI,
curriculares, por mais inovadoras que sejam.A disparidade entre o Dermeval. A nova lei da educação: trajetória, limites e
“ideal” das propostas e as reais condições das instituições de edu- perspectivas. 6. ed. Campinas: Autores Associados, 2000.
cação infantil pode resultar na inviabilidade de aplicação das mes-
mas (PALHARES; MARTINEZ, 2000, p. 15).Afinal, declarações ______. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e
de intenção não bastam para que se consiga a melhoria na qualida- Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP. Censo Escolar
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48 49
caracterizam, social e culturalmente, essa manifestação.A música A música como cultura e suas inter-relações sociais
transcende os aspectos estruturais e estéticos se configurando como A música, importante meio de expressão e de comunica-
um sistema estabelecido a partir do que a própria sociedade que a ção humanas, destaca-se como fator determinante para a constitui-
realiza elege como essencial e significativo para o seu uso e a sua ção de singularidades que dão forma e sentido a práticas culturais
função no contexto que ocupa. dos mais variados contextos. As performances musicais, em suas
Essa perspectiva tem conduzido importantes reflexões no múltiplas expressões, representam fenômenos significativos nas
campo da educação musical, levando-nos a compreender que um configurações de distintos grupos e/ou contextos étnicos, estando
ensino significativo de música deve entender esse fenômeno não só presente em manifestações diversas dos indivíduos em sua vida
como expressão artística, mas, principalmente, como manifesta- cotidiana.
ção representativa de sistemas culturais determinantes do que o Compreender a cultura, como aspecto fundamental para o
homem percebe, pensa, gosta, ouve, sente e faz. entendimento do próprio homem, tem sido nos últimos dois séculos
A educação musical tem passado por momentos de um dos principais anseios dos antropólogos e de estudiosos de di-
(re)definição, compreendendo a necessidade de incorporar às suas versos campos do conhecimento que buscam entender o ser humano
propostas e ações pedagógicas dimensões dinâmicas de um fazer em suas diversificadas relações sociais. Segundo autores que vêm se
musical que possa conviver de forma inter-relacionada com a pro- dedicando à análise e compreensão dessa temática, a busca de uma
dução da música enquanto expressão artística e cultural nas suas definição do termo cultura vem desde Tylor (1832-1917), que a ca-
diferenciadas expressões e manifestações. Essa atitude nos tem con- racterizou como um todo complexo que inclui conhecimentos, cren-
duzido a caminhos diversificados de práticas educativas estruturadas ças, artes, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade e há-
a partir de propostas que pensam o fenômeno musical e os espaços bitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade
e contextos de atuação do professor de música como mundos em (LANGNESS, 1987; LARAYA, 2002; MELLO, 2001). O conceito
constante processo de (re)construção e (re)elaboração. sofreu, e vem sofrendo, ao longo do tempo, diferentes conotações
Neste estudo, analisamos o papel da música como cultura adaptadas às distintas correntes antropológicas que foram se consti-
refletindo sobre a importância dessa concepção para definições tuindo no decorrer da história, demonstrando a problemática que
metodológicas no campo da educação musical na atualidade. Com ainda permeia os estudos que lidam diretamente com abordagens
base num estudo bibliográfico que explora a música e suas dimen- culturais.
sões performáticas, como expressão cultural diversificada e inter- Pensando numa definição mínima de cultura como con-
relacionada às particularidades de cada sociedade, refletimos so- ceitos e comportamentos aprendidos, e entendendo-a como um sis-
bre perspectivas relevantes para a concepção e a elaboração de tema comum a determinado grupo e/ou contexto, é possível afir -
processos de ensino e aprendizagem da música que nos leve a ações mar que ela é fator determinante para a caracterização de todo
educativas abrangentes e contextualizadas com a complexidade e a processo que envolva relações sociais, dentre os quais os proces-
variedade do fenômeno musical. sos de ensino, aprendizagem, configuração e consolidação da mú-

50 51
sica. Na definição de Geertz (1989, p. 15), a cultura é uma “teia de do que não se tem registro de qualquer grupo humano que não
significados” tecida pelo homem a partir de suas “interações soci- realize experiências musicais como meio de transmissão, expres-
ais”, configurando fenômenos que se estabelecem pelas escolhas são e representação de aspectos simbólicos característicos de sua
dos humanos, realizadas com base nos significados que eles própri- cultura (NETTL, 1983). No entanto, o fato de ser utilizada univer-
os determinam ao lidarem com a natureza, com o meio social e salmente não faz da prática musical uma “linguagem universal”,
consigo mesmo (GEERTZ, 1989; NETTL, 1983). tendo em vista que cada cultura tem formas particulares de elabo-
A música como fenômeno cultural constitui uma das mais rar, transmitir e compreender a sua própria música,
ricas e significativas expressões do homem, sendo produto das (des)organizando, idiossincraticamente, os aspectos que a consti-
vivências, das crenças, dos valores e dos significados que tuem (QUEIROZ, 2004, p. 101).
permeiam sua vida.A etnomusicologia tem ampliado as perspec- Dessa forma, a música como cultura cria mundos diver-
tivas do estudo da música, apontando para a necessidade de com- sificados, mundos musicais que se estabelecem não como univer -
preendermos essa expressão na cultura e, também, como cultura sos e territórios diferenciados pelas linhas geográficas, mas como
(MERRIAM, 1964). mundos distintos dentro de um mesmo território, de uma mesma
Na concepção de John Blacking “fazer música é um tipo sociedade e/ou até dentro de um mesmo grupo. Compartilhando
especial de ação social que pode ter conseqüências importantes do pensamento de Finnegan entendemos os vários universos da
para outros tipos de ações sociais” (BLACKING, 1995b, p. 223, música como:
tradução nossa). Essa ótica deixa evidente que uma prática mu- [mundos] distintos não apenas por seus estilos diferen-
sical tem, em sua constituição, aspectos que transcendem a mú- tes, mas também por outras convenções sociais: as pes-
sica em suas dimensões estruturais, fazendo dela, sobretudo, um soas que tomam parte deles, seus valores, suas compre-
corpo sonoro que congrega aspectos compartilhados pelos seus ensões e práticas compartilhadas, modos de produção e
praticantes nas distintas experiências culturais que compartilham distribuição, e a or ganização social de suas atividades
em seus sistemas sociais. A forte e determinante relação com a musicais (FINNEGAN, 1989, p. 31, tradução nossa).
cultura estabelece para a música, dentro de cada contexto que Inter-relacionada à sociedade e, conseqüentemente, às
ela ocupa, um importante espaço com características simbólicas, escalas de valores e significados por ela estabelecidas, a música
usos e funções que a particularizam de acordo com as incorpora, não só nos seus usos e funções, mas também em suas
especificidades do universo sociocultural que a rodeia dimensões estéticas e estruturais, especificidades do contexto so-
(BLACKING, 1995a; HOOD, 1971; NETTL, 1983; 1997; cial que a produz. De acordo com Merriam, os sistemas musicais
MERRIAM, 1964; MYERS, 1992). estão baseados “numa série de conceitos que integram a música às
A amplitude de manifestações musicais, que diversificam atividades da sociedade como um todo, definindo-a e colocando-a
as formas de caracterização dessa “arte”, faz com que a música como um fenômeno da vida entre outros fenômenos” (MERRIAM,
possa ser considerada veículo universal de comunicação, no senti- 1964, p. 63, tradução nossa).
52 53
A configuração social e os valores estabelecidos pela so- do em vista que cada meio determina aquilo que é ou não impor-
ciedade criam para as expressões musicais bases importantes que tante e o que pode ou não ser entendido e aceito como música.
vão determinar os seus espaços e a suas inserções em situações Esse fato atribui importância fundamental ao universo sobre o qual
específicas da vida social. Para John Blacking: se caracteriza uma expressão musical, considerando que o fenô-
meno sonoro só se tornará musica se o contexto que o pratica
As funções da música na sociedade podem ser fatores
decisivos para promover ou inibir habilidades musicais aceitá-lo como tal (MERRIAM, 1964, p. 66).
latentes, bem como afetar as escolhas de conceitos cul- Dessa forma, fica evidente que a música como cultura é
turais e materiais com os quais se cria música definida a partir de suas inter -relações sociais, sendo também
(BLACKING, 1995a, p. 35, tradução nossa). definidora de aspectos importantes para a caracterização identitária
Ainda segundo o autor, o contexto social é gerador de de uma determinada sociedade. Um estudo significativo da música
aspectos motivadores para a experiência musical, sendo uma ca- como fenômeno sociocultural precisa considerar essa expressão
racterística intrínseca à música dentro do seu sistema cultural. como algo temporal e espacialmente estabelecido, que assume es-
Blacking acredita que “[...] o interesse das pessoas podem estar calas de valores variáveis de acordo com a época, o pensamento e
mais nas atividades sociais associadas à música do que nela em si a visão da sociedade e do meio cultural que a constitui.
mesma.” O autor enfatiza, também, que “[...] habilidades musi-
Dimensões socioculturais da performance musical e suas
cais nunca podem ser desenvolvidas sem alguma motivação
implicações no ensino e aprendizagem da música
extramusical” (BLACKING, 1995a, p. 43, tradução nossa).
Essa visão demonstra a necessidade de incorporarmos às Toda atividade de ensino da música requer o desenvolvi-
praticas educativas da música sentidos que inter-relacionam o fa- mento de práticas que devem se caracterizar como expressões
zer musical a aspectos mais abrangentes da cultura dos alunos, musicais significativas e não simplesmente como um conjunto de
fazendo das atividades educativo-musicais algo relevante e signifi- exercícios para a assimilação de aspectos técnicos e estruturais.
cativo socialmente. Assim, estaremos fugindo da cultura musical Entendemos então que para estabelecermos propostas de ensino e
frágil e superficial consolidada, muitas vezes, dentro das aulas de aprendizagem que possam não só desenvolver habilidades, mas,
música em instituições formalizadas. Cultura que cria “musiqui- sobretudo, concretizar um ensino musical da música, precisamos
nhas” e “brincadeirinhas musicais” sem qualquer significado real caracterizar performances que tenham sentido, significado e ex-
para os seus praticantes, gerando, conseqüentemente, desinteresse pressão, pensadas como produtos oriundos de experiências reais
e descaso dessas pessoas para com as aulas de música. de vivência da música, que possam estabelecer processos significa-
Pensar a música como expressão humana contextualizada tivos e fundamentais para a educação musical.
social e culturalmente é fator fundamental para estabelecermos ações Necessitamos encontrar alternativas para um ensino que
educativas que possam ter conseqüências relevantes na sociedade utilize tanto construções performáticas estabelecidas para fins didá-
e na vida das pessoas que constituem o universo educacional, ten- ticos, quanto manifestações de performance concretizadas como fe-

54 55
nômenos culturais, entendendo que a inter-relação entre essas duas seqüentemente, à sua cultura. Essa idéia não concebe a educação
vertentes cria experiências educativo-musicais de intrínseco valor musical como simples processo de perpetuação de valores cultu-
para a assimilação e a vivência da música enquanto expressão artís- rais de uma sociedade, mas sim a estabelece como alternativa de
tica, social e cultural. (re)conhecimento, (re)integração, e transformação dos materiais,
Manifestações diversas estabelecidas pelas diferenciadas das formas estético-estruturais e dos valores que caracterizam a
experiências humanas configuram práticas que reúnem, em deter- prática musical como expressão representativa da vida humana.
minados eventos, estruturas e significados que constituem fenô- Para Victor Turner (1988, p. 21) o gênero performático “reflete”
menos representativos da expressão do homem em seu meio ou “expressa” o sistema social ou a configuração cultural, fazendo
sociocultural, conforme discutido anteriormente. O termo da performance, freqüentemente, uma crítica direta ou indireta à
performance, usado num sentido amplo, como perspectiva para os vida social, em sua origem e evolução.
estudos culturais, designa uma prática cultural constituída por um Na mesma direção das múltiplas facetas performáticas que
conjunto de elementos (simbólicos e estruturais) que dão forma e se estabelecem socialmente, a música é praticada e vivenciada pe-
sentido à sua existência. los seus executantes e ouvintes como um sistema cultural que ab-
A performance é, então, um intensificado e estilizado sorve, assimila e se adéqua às convenções sociais dos distintos meios
sistema comportamental que reúne em uma manifestação aspec- em que é realizada, desde os informais até os mais formalizados.
tos relacionados e determinados pelo tempo, ocasião, lugares e Dunsby (2003) afirma que a performance musical é uma
padrões de expectativa, diretamente associados ao universo so- propriedade pública, no sentido de que todo e qualquer grupo so-
cial em que esse fenômeno ocorre (ABRAHAMS, 1975, p. 25). cial pode participar em situações performático-musicais variadas,
Numa visão abrangente do conceito, Messner (1992, p. 15; 1993, atribuindo-lhes características e adaptações (estruturais e sociais)
p. 82-88) acredita que toda atividade humana concebida social- idiossincráticas.
mente torna-se performática, no sentido que o homem atribui, a Assim, todo individuo pratica, vive e percebe música de
cada situação vivida por ele, características e funções específi- alguma forma. Quando pensamos no ensino formal precisamos re-
cas, exigindo dos indivíduos comportamentos adequados à oca- conhecer as diferentes vivências musicais como algo relevante para
sião, ao momento e ao lugar. Considerada fenômeno sociocultural, a experiência educativa que se concretizará dentro do processo de
a performance pode ser entendida como um modo de expressão e educação musical. É preciso compreender que não só o domínio
comunicação que faz de um evento social um veículo carregado de habilidades especificas, facilmente desenvolvidas por um pro-
de sentidos e de estruturas determinantes de situações diferenci- fessor experiente de música, são aspectos importantes para a apren-
adas das experiências e vivências cotidianas da sociedade. dizagem, mas também outros fatores que fazem da experiência mu-
Assim deve ser a experiência musical numa prática sical algo de intrínseco valor para quem a vive.
educativa. Uma experiência que seja concebida como resultado da De acordo com S tillman (1996, p. 6), um estudo que
assimilação de aspectos relacionados à vida do individuo e, con- busca ter uma visão ampla da música não pode abranger somente
56 57
aspectos estruturais como afinação, ritmo, melodia e etc. é preci- comunidade para um contexto ou ocasião específicos
so considerar também a relação desses elementos com dimensões (BÉHAGUE, 1984, p. 7).
conceituais, comportamentais, emotivas e cognitivas do individuo. Essas concepções nos fazem entender a performance
Essa idéia evidencia a necessidade de entender o fenômeno a par - musical como um acontecimento que reúne na música característi-
tir de uma perspectiva mais acurada dos diversos fatores que in- cas múltiplas da cultura, inserindo esse fenômeno em um contexto
serem a produção e a vivência musical num contexto amplo da específico (temporal e espacial) e atribuindo a ele dimensões sim-
cultura. bólicas que se juntam aos materiais e às estruturas formais consti-
A ótica da etnomusicologia sobre os estudos musicais tem tuindo, assim, as bases seu do produto final.
contribuído significativamente para ampliar às nossas visões acer- Para a educação musical considerar a performance como
ca da música e da sua relação com o homem. A educação musical processo é fundamental, pois nos caminhos de construção de uma
tem se beneficiado das perspectivas etnomusicológicas enrique- prática se estabelecem momentos e vivências que dão forma a situ-
cendo e ampliando às suas abordagens educacionais e compreen- ações específicas de aprendizagem. Como evento, a performance
dendo aspectos importantes da música enquanto expressão social. torna-se algo significativo, inserindo o aprender musical numa ex-
Tal fato tem trazido novos (re)direcionamentos para o ensino mu- periência real de vida.
sical levando-nos a compreender as práticas da música como ma-
nifestações complexas de saberes que transcendem a estética es- Perspectivas para uma educação musical abrangente
trutural e o desenvolvimento de habilidades para a execução. A partir das questões apresentadas anteriormente, fica
A compreensão da performance musical, segundo Béhague evidente que nas múltiplas dimensões da transmissão musical, con-
(1984, p. 4), ganhou a partir da década de 1970 perspectivas mais solidadas e vividas socialmente e culturalmente, a música enquan-
abrangentes, sendo entendida não só como evento e/ou produto, to expressão humana é integrada a um sistema maior de valores
mas também como processo. Processo que reúne aspectos musi- que a torna contextualizada com o universo dos seus praticantes.
cais e extramusicais, dando ao ato de fazer música um sentido que Esse princípio é importante referência para pensarmos na educa-
transcende a atividade musical restrita às suas estruturas formais. ção musical praticada e sistematizada em instituições que se dedi-
Nas palavras de Béhague: cam ao ensino e aprendizagem da música.
“Deselitizar” concepções, espaços, repertórios, deman-
O estudo da performance musical como um evento,
como um processo e como o resultado ou produto das
das e experiências acerca do ensino musical é na atualidade nosso
práticas de performance, deveria se concentrar no com- maior desafio. Desafio que precisa ser vencido para que possamos
portamento musical e extramusical dos participantes ir ao encontro do que se espera de uma educação que lide com a
(executantes e ouvintes), na interação social resultante, diferença e com a inclusão social.
no significado desta interação para os participantes, e Entendemos que para concretizar ações educativas
nas regras ou códigos de performance definidos pela abrangentes que contemplem a música em suas distintas facetas
58 59
estéticas, sociais, psicológicas e culturais é precisoconquistar mais amplo, mas principalmente como perspectiva que traz no seu
que uma inclusão de repertórios e de atividades relacionadas à di- âmago a idéia de utilizar esses aspectos como ponto de partida
versidade musical. Precisamos buscar de fato uma mudança antro- para algo concebido como uma “formação musical adequada ”.
pológica em nossas instituições. Mudança essa que traga novos Uma formação pensada, na maioria das vezes, de forma restritiva,
valores, novos significados e novas atitudes para os profissionais objetivando o desenvolvimento e o conhecimento de uma única
que definem e atuam no ensino da música formalizado. vertente da música. Essa perspectiva tende a conduzir a prática
Mais que uma perspectiva teórica, essa visão deve nos de ensino a direções que buscam a capacitação de pessoas com
levar a uma (re)definição de princípios e ações que possam condu- competências únicas e específicas, eleitas como essenciais para
zir a educação musical a caminhos democráticos que dêem a essa todo processo de aprendizagem. Propostas que enfatizam essa
área a dimensão social, cultural e humana que ela necessita. idéia levam, mais uma vez, ao erro de considerar o fenômeno
Em qualquer processo educativo-musical é preciso ex- musical, com toda a sua complexidade e variedade, como uma
pandir os conhecimentos do alunado, mas fundamentalmente é linguagem universal.
necessário reconhecer as suas vivências, os seus anseios e as suas A inserção da música popular, ou de práticas musicais que
(inter)relações com a música.Assim, poderemos pensar num en- têm como base expressões musicais de tradição oral, em grande
sino da música de forma democrática e inclusiva, que respeita a parte das propostas que temos assistido nos sistemas de ensino
diferença não para utilizá-la como base para a formação de iguais, institucionalizados se dão por processos semelhantes aos de trans-
mas principalmente para, através dela, construir saberes missão da música “erudita”. Assim, mascaram-se músicas que exi-
contextualizados com o universo particular de cada indivíduo e gem entendimentos, percepções, referenciais de interpretação e
de cada grupo social. assimilação, e técnicas de execução diferenciadas, com um padrão
O reconhecimento da diversidade nos fez perceber que único de competências e habilidades. Precisamos evidenciar na
não existe uma única música e/ou sistema musical, e que, portan- educação musical que, de fato, o que importa não é o transplante
to, não podemos ter uma educação musical restritiva e unilateral. musical de estruturas desprovidas de significados, mas sim uma
Ao longo desses últimos anos temos assistido um avanço educa- verdadeira contextualização das propostas de ensino com músicas
cional em diferentes níveis, valendo destacar a incorporação de diversificadas, em que sejam considerados os valores e as relações
elementos populares aos processos e conteúdos sistematizados mais amplas de cada manifestação, inserindo a prática
de ensino. educativo-musical no universo global das diferenciadas realidades.
No entanto, ainda prevalece a idéia de utilizarmos mani- Propostas como esta não objetivam restringir o universo
festações da cultura popular no ensino da música, de considera- do aluno unicamente ao conhecimento e aprimoramento de
mos o contexto cultural do aluno e de valorizarmos as músicas especificidades musicais do seu cotidiano e do seu contexto cultu-
do seu cotidiano, dentre outras diretrizes que apontam nessa di- ral. Dessa forma, estaríamos dando com uma mão e tirando com a
reção, não como alternativas para o desenvolvimento musical outra. O que é necessário é pensar numa educação musical
60 61
abrangente que reconheça e desenvolva diferentes competências, mas, principalmente, nas propostas e ações educativas que promo-
não entendendo e concretizando a idéia de que uma é melhor que vemos nos variados contextos de ensino e aprendizagem da músi-
outra, mas sim enfatizando as suas dimensões distintas e variadas. ca neste país.
Nessa concepção, a seleção de conteúdos e de competên-
cias no ensino da música deve seguir padrões mais amplos, onde se
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ca música e valorizam as distintas e variadas manifestações musi-
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64 65
3
QUEM ENSINA ARTE NAS ONGS?

Lívia Marques Carvalho

Os estudos que investigam a trajetória das ONGs – Or ga-


nizações Não-Governamentais no Brasil1, enfatizam sempre o gran-
de crescimento que essas instituições tiveram a partir dos anos de
1990. Em um artigo publicado no Jornal O Globo, intitulado O
país vive “boon” do ter ceiro setor, Rodrigues (2004) menciona
que na primeira pesquisa realizada no Brasil sobre essas organiza-
ções, o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística cons-
tatou que, entre 1996 e 2002, o número de ONGs cresceu 157 %.
Baseada nesses dados, a autora afirma que o terceiro setor2 vem se
desenvolvendo em uma velocidade superior à dos tradicionais se-
tores público e privado.

1
Sobre essa questão ver Scherer-Warren (1995); Landim (1993); Gohn (1997),
entre outros.
2
A expressão terceiro setor tem sido aplicada para designar um conjunto
complexo e abrangente de intervenções da sociedade civil. Inclui as ONGs,
os movimentos sociais, as or ganizações voluntárias e a participação da
filantropia empresarial.

66 67
O crescimento dessas organizações no Brasil é um fenô- têm sido pouco discutido nos meios acadêmicos, o que contrasta
meno relativamente recente e decorre da combinação de uma série com a quantidade admirável de publicações, pesquisas e debates
de fatores que se entrelaçam, tais como, o aprofundamento no Brasil produzidos nas últimas décadas sobre o ensino de arte na educa-
de uma crise econômica e social que tornou mais agudo o quadro ção formal3.
das desigualdades sociais e elevou o número das reivindicações Em uma pesquisa que realizei, sob a orientação da pro-
populares; o enfraquecimento das ações administrativas do poder fessora Ana Mae Barbosa, para a elaboração de minha tese de dou-
público que não consegue prover satisfatoriamente a população torado4, examinei alguns aspectos relativos ao ensino de arte, em
com serviços básicos como saúde e educação; o padrão produtivo três ONGs da Região Nordeste que desenvolvem atividades
do mundo globalizado que intensificou e revigorou ainda mais a direcionadas a crianças e adolescentes em situação de risco social
5
.
exclusão social e a construção de uma nova postura da sociedade As ONGs que fizeram parte desse estudo foram: a Casa Pequeno
civil, que vem se mobilizando para trabalhar em favor dos direitos Davi na cidade de João Pessoa-PB, a Casa Renascer em Natal-RN
de determinados grupos sociais. e a Daruê Malungo em Recife-PE. Neste texto, com base na inves-
As ações dessas organizações têm sido bastante destaca- tigação realizada, teço algumas considerações sobre o contexto
das pela a mídia, principalmente a televisiva. Esse meio de comuni- educativo das ONGs e descrevo o perfil do educador responsável
cação tem divulgado, com muita freqüência, matérias ressaltando, pelo ensino de arte nessas instituições.
de maneira especial, o trabalho daquelas voltadas para a promoção As informações sobre o perfil dos educadores foram obti-
dos direitos das crianças e dos adolescentes. O trabalho dessas ins-
das por meio de questionários e entrevistas. Dados complementa-
tituições adquiriu, nos últimos anos no Brasil, uma visibilidade nunca
res foram conseguidos por intermédio de consulta a documentos,
dantes obtida. Em grande parte das reportagens, o que sobressai
conversas informais e pela observação das práticas realizadas pe-
são as cenas focalizando meninos e ou meninas sorridentes, desen-
los educadores entrevistados.
voltos, realizando alguma atividade artística.
De um modo geral, as atividades artísticas nas ONGs são
A repetição amiúde dessas cenas não apenas propicia à
organizadas em forma de oficinas. No decorrer da pesquisa obser-
sociedade reconhecer que o número dessas instituições vem se
vei a prática habitual de todas as oficinas de arte das três ONGs
ampliando e ocupando um espaço significativo no cenário nacio-
nal, quanto põe em evidência que o ensino de artes é componente
fundamental em seus programas educativos. Donde se pode presu-
3
Referências sobre o aumento de publicações sobre esse tema são citadas por
alguns autore; entre esses, Barbosa (1997).
mir que há um campo “novo” em expansão, fora do ensino formal, 4
O doutorado em Artes foi realizado na Escola de Comunicações e Artes da
para a atuação do professor de arte. Universidade de São Paulo(USP). Data da defesa de tese: 18/04/2005 (CAR-
Apesar do crescimento significativo dessas instituições e VALHO, 2005).
5
A expressão, situação de risco social , tem sido empregada para referir -se
das práticas educativas comumente integrarem atividades artísti- aos meninos ou meninas, em geral de baixo poder aquisitivo, que corre o
cas, os aspectos relacionados ao ensino de arte, nesses espaços, risco de ceder aos chamativos da rua. Sobre o assunto ver,Fernandes (2001).

68 69
selecionadas e entrevistei seus respectivos educadores. Foram en- camente sistematizados e transmitidos em uma determinada seqüên-
trevistados um total de quinze educadores, sendo oito da Casa cia, estabelecida pela escola, na educação não-formal o compro-
Pequeno Davi, quatro da Daruê Malungo e três da Casa Renascer. misso principal é com questões pontuais, consideradas importan-
A pesquisa de campo foi realizada entre os meses de julho de 2003 tes para determinados grupos que se formaram em função de de-
a março de 2004. mandas comuns. É esse compromisso que rege todo o processo
educativo. Uma das diferenças mais marcantes em relação ao ensi-
Cenário do ensino não-formal no formal, mencionada pelas autoras, diz respeito à adaptação dos
De acordo com o que está assentado na missão das três conteúdos de ensino/aprendizagem em conformidade com as de-
ONGs, o propósito principal dessas instituições é trabalhar no sen- mandas específicas de cada grupo, bem como a não-existência de
tido de promover os direitos fundamentais de crianças e adoles- mecanismos de repressão no caso de não-aprendizagem.
centes que se encontram em situação de risco social, desprovidos Em Educação não-formal e cultura política,Gohn (1999)
de seus direitos, ou pelo menos de alguns destes, em conseqüência situa o grande destaque que essa modalidade de educação passou
das desigualdades que caracterizam a sociedade brasileira, em seus a ter no panorama mundial, a partir dos anos 1990.A autora consi-
fundamentos essenciais. Assim sendo, as instituições procuram dera que esse fato foi motivado pelas mudanças econômicas e so-
empregar um conjunto de ações educativas que proporcionem con- ciais próprias dos tempos de globalização, pela participação de al-
teúdos teóricos e práticos para desenvolver as potencialidades e, guns estudiosos com suas pesquisas e reflexões teóricas sobre o
ao mesmo tempo, estimular a conscientização dos indivíduos so- assunto e ainda pela contribuição de agências e organismos inter-
bre seus direitos como cidadão ou cidadã. nacionais como a ONU – Or ganização das Nações Unidas e a
A educação nesses espaços é abordada de uma maneira UNESCO – Or ganização das Nações Unidas para a Educação,
diferente da educação formal, proporcionada pelas escolas pública Ciência e a Cultura.A autora destaca, como uma das contribuições
ou privada. A intenção não é ser um modelo alternativo à escola, mais significativas para a expansão do ensino não-formal, os docu-
mas agir paralelamente a esta, estendendo as ações educativas a mentos elaborados na conferência realizada em Jomtien,Tailândia,
dimensões que vão além das oferecidas nos sistemas escolares. em 1990, denominados, “Declaração mundial sobre educação para
A transmissão de conhecimentos, a fixação de tempos, todos” e “Plano de ação para satisfazer necessidades básicas da
seqüencialidades e outras etapas referentes à funcionalidade do sis- aprendizagem”.
tema de ensino acontecem com uma organização própria, indepen- Os estudos baseados em tais documentos, no que diz res-
dentemente dos direcionamentos oficiais. Os estudos de von Simson, peito à América Latina, indicaram a necessidade de se ampliar a
Park e Fernandes (2001) apontam algumas distinções entre os cam- visão de educação e de inovar os canais existentes, fazendo-se ali-
pos da educação formal e da não-formal. Observam que, enquanto anças, de modo a contribuir para universalizar o acesso à educação
na educação formal o ponto central é a formação do aluno, princi- e fomentar a eqüidade. Recomendam, ainda, o trabalho de ONGs
palmente no que se refere ao acesso aos conhecimentos histori- no âmbito educativo junto a grupos específicos e destacaram a

70 71
importância dessas como agências detentoras de know-how em visto que o sistema educacional oficial do Estado é formal em
metodologias e estratégias adequadas para revalorizar as culturas quase todas as suas estruturas e essas formas tomam como base
e conhecimentos existentes nas comunidades atendidas. sociedades universais, homogêneas, excluem, por conseguinte,
aqueles que se encontram fora da forma prescrita por critérios,
Raízes culturais são acionadas e tradições têm sido res-
sejam estes de idade, herança cultural, padrão econômico, local
gatadas, não para cultuar a memória de um passado já
morto, mas para amalgamar novas práticas, para fincar de nascimento ou residência. Desconhecem os efeitos do contex-
raízes nas novidades que a criatividade e a invenção, fruto to sócio-econômico e cultural do aluno sobre sua capacidade,
da imaginação e das representações coletivas, estão ge- estado de espírito e até mesmo de saúde para aprender, não abar-
rando (GOHN, 1999, p. 16). cando, assim, o uno e o verso.
Em vista disso, grande parte das ONGs brasileiras tem
A autora observa ainda que, em conseqüência da
endereçado suas atuações às camadas mais pobres de nossa popu-
desestabilização da estrutura de mercado de trabalho, as demandas
lação. Como já mencionado, as que foram analisadas nessa pesqui-
sobre a educação são múltiplas:
sa são voltadas para beneficiar crianças e jovens considerados “em
“Cobra-se” um perfil de trabalhador criativo, que saiba situação de risco”.
compreender processos e incorporar novas idéias, tenha Como é característico do âmbito da educação não-for -
velocidade mental, saiba trabalhar em equipe, tome de- mal, as três ONGs têm diante de si a liberdade, a flexibilidade e a
cisões, incorpore e assuma responsabilidades, tenha auto-
possibilidade de construir os conteúdos de aprendizagem que se-
estima, sociabilidade e atue como cidadão. [...] Temos
observado que o resultado prático da nova ordem mun- jam mais significativos para cada grupo.Assim, a Daruê Malungo,
dial tem sido uma sociedade cada vez mais competitiva, cuja maioria do público-alvo é negra, elegeu empregar elementos
individualista e violenta. Os indivíduos estão cada vez da cultura afro-brasileira e temas da identidade étnico/racial, com
mais isolados e estressados. São pessoas desenraizadas, a intenção de transmitir uma herança e reconstruir significados de
sem pertencimentos. Uma sociedade onde incluídos com- vida. Enquanto a Casa Renascer, que trabalha com meninas explo-
petem em grupos seletos e muitos excluídos vagam e radas sexualmente ou em risco de seguir esse caminho, destaca o
migram em diferentes áreas e espaços porque são ensino de teatro e da dança porque são linguagens que, no dizer da
“sobrantes”, não há mais vagas ou lugar para eles no coordenadora:
mercado de trabalho. Não são sequer explorados porque
não têm salários (GOHN, 1999, p. 95, 97). [...] possibilitam que as temáticas discutidas e siste-
matizadas durante as oficinas sejam levadas pelas pró-
Diante das condições aflitivas do Brasil como detentor prias meninas ao público, ampliando as discussões e
de um exército de excluídos vivendo nas periferias da maioria de ainda enfatizam o trabalho com o corpo, que fala, que
nossas cidades, as demandas de educação são múltiplas, e muitas sente e que pr ecisa ser respeitado (Coordenadora da
delas não podem ser resolvidas apenas com a educação formal, Casa Renascer).

72 73
Ao passo que, na Casa Pequeno Davi, o público-alvo é técnico-profissionais, embora as duas sejam fundamen-
mais diversificado, são crianças e adolescentes de ambos os sexos tais. As primeiras referem-se principalmente à dimensão
que vivem no Baixo Roger um dos bairros da periferia de João relacional, isto é, a qualidades e habilidades pessoais na
Pessoa. As atividades artísticas oferecidas são também diversifica- relação com o outro, e as segundas, por sua vez, às habi-
das, sem focos específicos. lidades e conhecimentos (competência) sobre determina-
das áreas, pessoas ou processos específicos e globais,
Cada ONG, de acordo com seus objetivos, condicionada tanto na reflexão quanto na ação e desempenho com os
por seus limites e disponibilidade de recursos, tem a liberdade de grupos de rua. É no corpo a corpo, no olho a olho cotidi-
escolher o propósito do ato de educar, de escolher o que ensinar, a anos com esses meninos(as) que se pode revelar o aco-
metodologia a ser aplicada, os temas e os conhecimentos que de- lhimento, o compromisso, a paciência e a competência,
vem ser transmitidos. Essa liberdade se estende, também, à possi- assim como os preconceitos, impaciências, rejeições ou
bilidade de escolher todos os elementos que julgar necessários para rigidez comportamental ou perceptiva que o inabilitam
efetivação de suas propostas. Um dos elementos cruciais é a esco- para participar de uma pedagogia desse tipo. Nesta, é
lha do educador. considerada como fundamental a adesão efetiva ao ár -
duo processo educativo da proposta pedagógica, a au-
Base pedagógica e prática diferenciada: a competência para sência de preconceito e discriminação racial e social em
o ensino relação a criança e adolescentes degradados, a crença
autêntica e comprometida na emancipabilidade, a empatia
Um dos requisitos para ensinar arte em escolas da rede
real com menino(as) de rua e um potencial de afetividade
pública é ter o curso de Licenciatura Plena em EducaçãoArtística.
equilibrado, sem dependência, gerando respeito, confi-
Mas, para ensinar arte em setores não-formais como ONGs o que ança e segurança na criança e no adolescentes, a percep-
é requerido? ção aguçada das diferentes circunstâncias do processo
O ensino nesse campo abrange um contexto bastante com- pessoal e grupal em relação à emancipação, a abertura e
plexo. As ONGs estudadas, como descrito, lidam com meninos e a flexibilidade sincera e permanente à escrita do
ou meninas socialmente marginalizados que sofrem uma série de menino(a), a capacidade de agir com autoridade, dife-
privações e necessidades desmedidas, recaindo sobre o educador rente de autoritarismo, a compreensão e o espírito de
múltiplas exigências. Implica que este tenha posicionamentos polí- justiça, o espírito democrático, diferente de democratismo
ticos, éticos e estéticos alinhados aos da instituição e que possua e permissividade, a criatividade, a crítica e o espírito
qualidades e aptidões pessoais que vão além das habilidades técni- participativo para lidar com situações emergentes, origi-
co-profissionais. Graciani, que examinou o papel do educador so- nais e individualizadas, saber administrar e lidar com
conflitos individuais ou coletivos, a disponibilidade e a
cial de rua, uma situação análoga, portanto, afirma:
disposição permanentes ao aprendizado, à retificação, à
O Educador Social de Rua precisa de algumas caracte- revisão e à releitura do processo educativo como proces-
rísticas essenciais, muito mais de personalidade do que so avaliativo (GRACIANI, 1997, p. 199-200).

74 75
No que se refere ao grau de escolaridade dos educado- Na Casa Pequeno Davi, nos três últimos anos, a oficina
res que trabalham nas instituições estudadas os dados revela- de artes visuais teve um educador e uma educadora substituídos.
ram que, dentre os 15 educadores, 8 (53%) têm o 3 o grau Apesar de os dois terem licenciatura em Educação Artística, não
completo, 4 (27 %) têm o segundo grau completo, 1 (7%) o possuíam as qualidades e aptidões exigidas para o trabalho ali rea-
segundo grau incompleto e 2 (13%/) têm o 1o grau incompleto, lizado. Durante o período em que estes estiveram ministrando essa
conforme ilustrado no Gráfico 1. oficina, verificou-se uma elevada taxa de evasão de educandos. O
trabalho realizado por ambos não conseguiu estimular nos
educandos e educandas o “desejo” de permanecer nessa oficina,
nem os trabalhos desses meninos e meninas apresentaram qualida-
de estética satisfatória. Nas avaliações que são realizadas sistema-
ticamente, as falhas que comprometiam o trabalho pedagógico fo-
ram apontadas e discutidas, mas os educadores, apesar de possuí-
rem uma formação profissional razoavelmente sólida, não demons-
traram capacidade pedagógica para promover uma reorientação
em seus programas, de modo a garantir uma prática mais apropri-
ada, nem apresentaram, tampouco, habilidade para lidar com o pú-
Gráfico 1 - Escolaridade dos educadores. blico-alvo. Faltaram-lhes as qualidades pessoais que esse tipo de
Fonte: Carvalho (2005). trabalho exige.
Enquanto isso, a oficina de dança de rua, por exemplo,
Os números demonstram que ter formação acadêmica não é
entusiasma a “galera”, é uma das oficinas mais procuradas, e os
um requisito essencial, mas, entre os graduados, 7, a maioria, têm
casos de desistência são mínimos. O educador dessa oficina tem o
Licenciatura em Educação Artística, enquanto apenas 1 é pedagogo.
2o grau completo, mas vem de uma vasta experiência com traba-
A seguir, descreverei situações que foram observadas nas lhos educativos não-formais.Aprendeu dança de rua em São Paulo
ONGs pesquisadas em relação á atuação dos educadores. Elas de- – onde residiu e exerceu diversas atividades no setor industrial.
monstram que a maior competência do educador social é utilizar Posteriormente, mudou-se para a Suíça, onde ganhava a vida ensi-
uma gama de conhecimentos técnicos somados a habilidades pes- nando capoeira. De volta a João Pessoa, trabalhou em pastorais e
soais para intervir, de maneira apropriada, em determinadas cir - em outras ONGs ensinando dança de rua e teatro. Possuí, portan-
cunstâncias. O entendimento das condições reais em que os to, experiência em trabalhos socioculturais.
educandos vivem suas necessidades e aspirações é a premissa fun-
damental para propiciar a realização de um trabalho transforma- Na Daruê Malungo, há quatro oficinas de arte; seus edu-
dor. Portadores de títulos acadêmicos desacompanhados desse cadores apresentam a seguinte formação: uma (a única educado-
entendimento e habilidades são de pouca valia. ra do sexo feminino) é graduada em Educação Artística, tem

76 77
mestrado em Teatro, e é também professora da Universidade Fe- criar um campo que fornecesse subsídios para as dis-
deral de Pernambuco (UFPE); um é artista plástico, com o 2o grau ciplinas que leciono na UFPE, Prática de Ensino em
completo, e dois tem o 1 o grau incompleto. Os dois últimos são Teatro e Metodologia do Ensino em Teatro. Acho su-
artistas populares, um músico ensina percussão; e o outro, dan- mamente importante estabelecer um diálogo entre a
çarino, ensina dança. É provável que esses educadores sejam pro- formação e a realidade, ou formação e mercado. Par-
ticipando desse projeto, os alunos têm a oportunida-
ficientes em seus ofícios e que tenham, também, os atributos pes-
de de ter uma experiência maior, mais ampla ou uma
soais necessários para originar ações transformadoras, pois, de convivência maior com a r ealidade (Educadora da
acordo com o relato da coordenadora dessa ONG, é possível per- UFPE na Daruê Malungo).
ceber o impacto positivo do trabalho da ONG na melhoria das
condições de vida da comunidade. Ela cita como exemplo o inte- Por sua vez, na Casa Renascer, um dos educadores mais
resse e a participação dos educandos e a redução do índice de antigos e prestigiados, tanto por parte dos dirigentes quanto das
analfabetismo e da violência. educandas, é o da oficina de teatro. Ele trabalha há 10 anos na
Além de ter produzido essa diferença na comunidade, a Casa e, à época da entrevista, havia concluído o curso de Pedago-
Daruê Malugo se tornou uma referência, em Recife, principalmen- gia. O educador tem uma longa experiência em trabalhos de cará-
te pela excelência da qualidade dos trabalhos de dança e percus- ter social. Aos 12 anos de idade, começou a trabalhar em movi-
são. Essas são, precisamente, as oficinas cujos educadores não mentos sociais com teatro popular . Apresentava-se em escolas e
completaram o 1 o grau, entretanto os dois artistas moram na co- em comunidades, freqüentou também vários cursos de extensão de
munidade de Chão de Estrela e também são egressos da institui- teatro oferecidos pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte
ção. Conhecem e têm traços em comum com os educandos e suas (UFRN) e, posteriormente, começou a trabalhar como ator, tanto
realidades. Os grupos de dança e percussão da Daruê Malungo na linha de teatro do oprimido quanto na de teatro clássico.
têm recebido inúmeros convites para apresentações em festivais e Nos anos 1980 os movimentos sociais estavam numa
outros espaços do gênero. Foi após assistir a uma apresentação de grande efervescência, e eu preferia estar participando
um desses grupos de dança acompanhado por instrumentos de per - deles, do que dentro de uma universidade. Este tipo de
cussão no Festival de Inverno de Garanhuns-PE que a professora trabalho me absorvia muito mais. Iniciei na Casa Re-
da UFPE conheceu o trabalho da Daruê Malungo. Encantada com nascer em 1993, vindo dessa chuva de experiência.
o trabalho do grupo, encaminhou um projeto aos dirigentes da ONG , Depois, como eu era muito solicitado para dar cursos
visando implantar uma oficina de teatro como projeto de extensão de teatro em projetos sociais, eu r esolvi fazer o curso
universitária. de Pedagogia. Aliás, acabei de me formar (Educador
da Casa Renascer).
Eu fiquei fascinada com a força do trabalho da
Daruê. Como trabalho com a questão da formação Seria um equívoco supor, baseado apenas nesses exem-
do Arte-Educador, com áreas de estágios, pensei em plos, que a formação acadêmica seja desnecessária. O que os exem
-

78 79
plos sugerem é que a habilitação acadêmica, por si só, não é sufici- com qualidade se sentirem capazes de criação e, através
ente para preparar o educador para realizar um trabalho de quali- disso, se constituírem como seres capazes.
dade nesse campo de ensino. Em alguns casos, os profissionais Esses educadores que têm uma prática diferenciada e com
com formação acadêmica trazem, para os espaços educacionais possibilidade de operacionalização, acabam concretizan-
informais, vivência e atitudes próprias da escola formal que muitas do no ‘produto’ de seu ensino a relação com os adoles-
vezes não se adaptam a essa esfera pedagógica, dificultando a sua centes, promovendo uma relação diferente daquela habi-
atuação. tualmente encontrada nos ambientes escolares (GARCIA,
2001, p. 155).
Descrevendo um projeto sociocultural em Paulínia-SP ,
Garcia (2001) discute os avanços e os limites da educação não- Na condição de professora de arte exercendo atividade
formal. A autora julga que a inclusão, nesse projeto, de educadores tanto na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) quanto na Casa
com formação acadêmica – considerando-se as áreas de Educação Pequeno Davi, também pude perceber algumas dificuldades de
Artística, Educação Física e Pedagogia – traz, ao mesmo tempo, adaptação experimentadas pelos educadores provenientes dos cur-
conquistas e perdas. Se por um lado garante acesso e permanência sos de Licenciatura em EducaçãoArtística nesse campo de ensino.
na esfera da educação legitimada socialmente, por outro traz difi- Um dos impasses mais recorrentes diz respeito à questão de traba-
culdades, uma vez que a formação desses não prepara para esse lhar em função de resultados. Para as ONGs, é importante “se
tipo de prática e postura educacional. Segundo a autora, esses pro- mostrar”, apresentar, expor o que foi produzido nas oficinas. Por
fissionais carregam para os projetos educativos não-formais uma isso, esforçam-se para organizar eventos em intervalos regulares.
vivência de docência em escola formal e, junto com isso, alguns Para as instituições, a apresentação de resultados é uma das manei-
vícios e hábitos que dificultam sua atuação nesse campo. ras de prestarem contas, de serem avaliadas pelas agências
financiadoras, pelos familiares dos educandos e pela comunidade
[...] os modelos escolares difundidos pelos educadores- em geral. No entanto, para alguns professores de arte, trabalhar
professores, assim como a prática proposta por eles, não nessa perspectiva representa romper com conceitos que se cristali-
satisfazem mais aqueles adolescentes, em sua maioria zaram nos cursos de formação. Seria como se eles estivessem acei-
excluídos das escolas e marginalizados socialmente. Os
tando ser o “festeiro ou a festeira da escola” – postura tão comba-
adolescentes não querem brincar de fazer coisas, experi-
tida no âmbito dos cursos de formação de Educação Artística; e,
mentar, mas querem construir e se constituir como sujei-
tos históricos. Não querem brincar de ouvir música, que- por isso, oferecem resistência em aceitar ou relutam em se enqua-
rem compor, tocar, cantar, constituir uma banda; não drar a esses procedimentos. Eles parecem se prender ao princípio
querem apreciar e desejar a capoeira, querem gingar; não básico de que, em educação, o importante não é o produto, mas o
querem construir cinzeiros de ar gila que trincam e se processo, sem fazer as devidas transposições entre as situações.
quebram, querem esculpir; e assim, não querem apenas Visando melhorar a prática educativa e torná-la mais ade-
consumir modelos, querem produzir e, nessa produção quada a essa situação específica de ensino, a Casa Pequeno Davi

80 81
solicitou à professora Maura Penna, que á época era professora sessoria específica de arte, estamos conseguindo um
do Departamento de Artes da UFPB6, para prestar assessoria pe- ambiente propício para discutir , em gr upo, questões
dagógica. Sobre esse assunto, os educadores fizeram alguns co- específicas de nossa ár ea, para discutir sobr e nossos
mentários: conflitos e para fazermos avaliações(Educador da Casa
Pequeno Davi).
O curso de Educação Artística me tornou apto para
ensinar. Não me pr eparou especificamente para esta A realidade observada aponta para a necessidade de os
situação que estou ensinando, que é ensinar em uma cursos de Licenciatura em Arte elaborarem currículos mais ade-
ONG e ensinar vários instrumentos. Eu adquiri isso com quados à realidade do mercado de trabalho e que ofereçam conhe-
a minha vivência musical, tocando em bandas, estu- cimentos e treinamentos que habilitem os alunos a atuar adequada-
dando, refletindo sobre a minha experiência (Educador mente em espaços especiais, e não apenas nas escolas regulares.
da Casa Pequeno Davi). Como discutido, os cursos de Licenciatura em Arte, de uma ma-
Na Universidade somos pr eparados para atuar den- neira geral, não estão reconhecendo um campo de trabalho em fran-
tro de uma sala de aula. Para trabalhar em uma ONG , ca expansão para o professor de arte.
a gente tem que fazer adaptações porque as coisas que
a gente apr endeu não se aplicam aqui. A assessoria Quem ensina arte nas ONGs?
pedagógica está nos ajudando a r efletir sobre nossa Ao longo da pesquisa, verifiquei a existência de diversas
prática, e isso abre caminhos (Educador da Casa Pe- designações para o profissional que ensina arte nas ONGs. Eles
queno Davi).
podem ser tratados indiscriminadamente como educador, profes-
Apesar de não ser arte-educador, participo das reuni- sor, instrutor, técnico e até mesmo “oficineiro”. Cada ONG em-
ões da assessoria pedagógica e tive noções sobr e a prega a terminologia preferida. Não existe uma padronização, e,
Proposta Triangular, e outras abor dagens, e fui fa- em alguns casos, a ausência de unificação é tão grande que, em um
zendo adaptações, melhorando. Li muitos livr os que mesmo documento, constam duas ou mais terminologias para a
me foram emprestados. Nas livrarias não encontro li- mesma atividade. Por exemplo, encontrei em um mesmo documento
vro sobre serigrafia; esses livros melhoraram muito a
oficial: educador de artes plásticas e instrutor de música. O que
qualidade do trabalho da oficina (Educador da Casa
Pequeno Davi). esse fato reflete? É necessário construir uma concepção coesa a
respeito desse profissional? Barbosa (1997, p. 33) afirma: “Em arte
Vejo a assessoria como um ponto positivo por que e em educação, problemas semânticos nunca são apenas semânti-
estamos conseguindo sanar dificuldades e lacunas que cos, mas envolvem conceituações”. Julgo que a falta de unificação
não conseguiríamos de outra forma. Como é uma as-
para nomear aquele que ensina arte nas ONGs é reflexo da escas-
6
Atualmente, a professora Maura Penna leciona na Universidade Estadual da
sez de análises e reflexões acerca das questões que envolvem o
Paraíba (UEPB). ensino de arte no terceiro setor; da fragmentação do próprio setor

82 83
e até mesmo do desconhecimento de alguns dirigentes sobre a pro- escolas regulares, onde, comumente, verifica-se a predominância
fissão (oficial) do educador. de educadoras, dado ao maior número de mulheres nos cursos de
O Dicionário Aurélio estabelece significados diferentes licenciatura de um modo geral, inclusive nas de artes.
para os termos, a saber: educador é aquele que educa; professor , Quanto à situação conjugal, dez são solteiros, sendo oito
quem ensina; instrutor, quem instrui ou adestra; técnico, quem aplica homens e duas mulheres. Três são casados, todos do sexo mascu-
técnica; enquanto oficineiro não consta, nem no Dicionário Auré- lino, e, dois, divorciados, um do sexo masculino e um do sexo
lio nem em outros de uso corrente (FERREIRA, 1999). feminino. Entre os quinze educadores, apenas cinco possuem ou-
O termo oficineiro vem sendo usado, no terceiro setor , tra fonte de renda. Aspectos como a questão de gênero, situação
para designar o ministrante de oficinas, independentemente de sua conjugal ou regime de trabalho são tópicos que merecem ser in-
formação, que foi convidado ou contratado, temporariamente, para vestigados e analisados em outros estudos de maneira mais com-
ensinar determinado assunto ou técnica. pleta, porque, aparentemente, o perfil dos educadores nas ONGs
Intrigada com o termo, consultei na internet o buscador tem características diversas dos educadores dos setores formais.
Google. Inúmeras referências foram encontradas, o que denota que O trabalho nas ONGs exige dedicação e disponibilidade
o termo já faz parte do léxico desse setor
. Curiosamente encontrei, muito grande por parte dos educadores. Freqüentemente eles são
ainda, uma menção a um Projeto de Lei (706/2003) que institui o solicitados a realizar trabalhos extras; participar de reuniões in-
dia 27 de novembro como o “Dia do Oficineiro”, no âmbito do ternas; aplicar questionários; realizar avaliações; participar de reu-
Distrito Federal (BRASIL, 2003). niões em instâncias como conselhos, redes e fóruns; sem mencio-
As ONGs, por pertencer a um setor informal, não se pau- nar as horas-extras que se acumulam por ocasião da realização
tam pelas terminologias institucionais. Elas são um campo em de- de eventos, apresentações artísticas e coisas do gênero. O educa-
senvolvimento que, inclusive, criam novas terminologias. dor em geral se envolve muito com as atividades da instituição. É
Um fato que me chamou a atenção na pesquisa é a quanti- um trabalho que exige compromisso e uma abnegação tão gran-
dade de educadores do sexo masculino, em relação ao número de de, que às vezes beira uma militância.A implantação e/ou a con-
mulheres, trabalhando nas três ONGs. Entre os oito educadores da tinuação de uma oficina fica, quase sempre, na dependência de
Casa Pequeno Davi, há apenas uma mulher. A mesma coisa acon- aprovação de projetos para obtenção de financiamento. A falta
tece na Daruê Malungo, entre os quatro educadores há somente de estabilidade e a dedicação que este tipo de trabalho requer ,
uma mulher, apenas na Casa Renascer, as mulheres são maioria: provavelmente, são um empecilho para que muitos profissionais
das três oficinas, duas são orientadas por educadoras. Em resumo, venham se adequar ou possam se dedicar a trabalhos dessa natu-
dos quinze educadores atuando nas ONGs, onze são do sexo mas- reza, principalmente aqueles que são responsáveis pelo sustento
culino e quatro do sexo feminino. da família. É possível que essas particularidades sejam um dos
Embora o universo pesquisado seja insuficiente para fa- motivos para reunir o elevado número de solteiros entre os edu-
zer generalizações, essa situação difere muito do que ocorre nas cadores. Como argumentou um educador:

84 85
Eu só me dou ao luxo de trabalhar aqui, fazer este tipo A despeito das exigências, dificuldades e incertezas, to-
de trabalho que eu adoro, porque eu não tenho família dos educadores se declararam satisfeitos com o trabalho. Nas en-
para sustentar (Educador da Casa Pequeno Davi). trevistas, muitos aspectos foram citados para justificar os motivos
As exigências e a falta de estabilidade financeira foram dessa satisfação. Foram mencionadas a liberdade, a autonomia para
mencionadas por alguns educadores como um dos pontos negati- gerenciar suas atividades, bem como a convivência em ambiente
vos do trabalho. sem feições burocráticas.

Um dos pontos que menos gosto no meu trabalho é a Gosto da liber dade que a gente tem para fazer novas
instabilidade financeira. Sei que até mesmo as empr e- propostas. Se não tiver dando cer to, podemos mudar
sas grandes passam por isso, só o emprego público ofe- no meio do caminho. Não precisamos ficar presas a um
rece uma estabilidade razoável. Mas aqui ficamos de- programa que foi preestabelecido. Gosto de pesquisar,
pendendo da instituição atingir cer tos resultados, de propor algo novo (Educador da Casa Pequeno Davi).
obter aprovação de financiamentos e os pr ojetos têm
Gosto de trabalhar em um ambiente de solidariedade,
duração definida. Fica difícil fazer planos a longo pra-
em vez de um birô separando os dirigentes do restante
zo (Educador da Casa Pequeno Davi).
dos funcionários, temos uma mesa r edonda para con-
Não gosto da insegurança, um projeto pode acabar, não versas, o que r eflete que há uma diluição de poder es,
receber mais financiamento. Existe uma pr eocupação um estímulo para auto-organização e pela luta por uma
constante com a descontinuidade. Este perigo é a doen- igualdade social (Educador da Casa Pequeno Davi).
ça das ONGs (Educador da Casa Renascer).
Gosto de ver o cr escimento da pessoa. Gosto da
A única coisa que não gosto é de trabalhar visando um desburocratização, da r elação mais humana com as
produto. Acho que o processo é mais importante. O pro- meninas, colegas ou dirigente. T udo é conversado, é
duto deve ser uma conseqüência. Quando se trabalha discutido. É um trabalho coletivo, mas sem uma forma
em uma ONG, muitas vezes a gente tem que mostrar um de poder acentuado. Por outro lado, a ONG exige mui-
produto, os financiadores colocam data. Acho ruim tra- to dos profissionais (Educador da Casa Renascer).
balhar com essa pressão (Educador da Casa Renascer).
Alguns alegaram que se sentem bem ao se perceberem
O que menos gosto é ser cobrado de coisas que tenho úteis, em poder realizar um trabalho de alcance social e contribuir
dificuldade para fazer, como escr ever relatórios, pla-
para o desenvolvimento pessoal e social dos educandos.
nejamentos, porque não tive formação para isso. Os
que não passaram por universidades r eclamam disso. Gosto de trabalhar numa instituição que tem o encami-
Mas os cursos de formação e as assessorias estão me nhamento educacional voltado para a formação do ser
ajudando. Estou aprendendo mais e estou até tomando humano (Educador da Casa Pequeno Davi).
gosto pela coisa (Educador da Casa Pequeno Davi).

86 87
Acho que ganharia até mais se fosse fazer móveis de tem sempre um espaço, um ginásio de espor te para as
forma autônoma, mas, me r ealizo mais com este tipo aulas de educação física. Para as aulas de arte, tudo
de trabalho. É mais atraente, por que sei que estou que nos oferecem é apenas uma sala de aula tradicio-
construindo um mundo melhor (Educador da Casa Pe- nal. Não levam em conta que pr ecisamos de espaços
queno Davi). diferentes para o bom desenvolvimento das aulas. Na
Casa Pequeno Davi, através do convênio com a Uni-
É bom ver eles crescerem ficando na comunidade, sem versidade, eu trago os alunos para o próprio teatr o,
ir para a rua, sem cheirar cola, trabalhando na comu- trago para o NTU (Núcleo de T eatro Universitário) e,
nidade (Educador da Daruê Malungo). aqui, tenho um horário de aula mais amplo, e eles têm
aula vendo como funciona a iluminação, o som, ficam
O que mais gosto é realizar um trabalho criativo e con-
sabendo o que é coxia, o que é rotunda, pano de fundo.
tribuir para a formação dos meninos e das meninas
Mas o que me deixa mais aliviado é poder dar aula
como ser humano e como cidadão (Educador da Casa
apenas de teatro (Educador da Casa Pequeno Davi).
Pequeno Davi).
Gosto de acompanhar o desenvolvimento deles, per-
Alguns educadores destacaram, ainda, que as ONGs possi-
ceber que eles têm um traço pessoal. Essa ONG é
bilitam melhores condições para a realização do trabalho do educa- pobre, cheia de carências, mas, se eu precisar ama-
dor, em ternos de carga horária, de condições físicas e materiais. Foi nhã de 60 pincéis e tinta, eu tenho. Já dei aulas em
mencionada, ainda, a vantagem que representa exercer atividade na escola particular, em bair ro bacana, mas não tinha
sua habilitação específica e poder observar a influência de seu traba- material para eu desenvolver minhas aulas.As aulas
lho na trajetória dos meninos e meninas. Para os educadores que de ar te são r elegadas ao segundo plano (Educador
tiveram experiência de ensino em escolas institucionais, a compara- da Daruê Malungo).
ção entre as duas situações de ensino surgiu espontaneamente. A escola regular não combina comigo. Fiz prática de
Fiz minha prática de ensino na escola pública e ficava ensino em um bom colégio, mas, tinha apenas 50 mi-
pedindo a Deus que o período terminasse logo. Depois nutos de aula. Quando eu tirava as carteiras do lugar
houve uma oportunidade de trabalhar em um colégio e ia pensando em or ganizar um gr upo, já estava na
particular, mas desisti, não me agradou.Aqui, eu posso hora de r ecolocar as car teiras de volta. Não conse-
fazer um trabalho melhor. Qualquer coisa que eu faça, guia nem fazer a chamada pelo nome dos alunos. Não
eu preciso ver o resultado para que eu possa estar bem. conhecia eles nem pelo nome. Aqui, não, tenho mais
Aqui eu vejo isto, nas escolas regulares eu não consigo tempo e também mais autonomia. É claro que sou ob-
ver (Educador da Casa Pequeno Davi). servada, mas decido sobr e o conteúdo e a forma de
dar aula. Além disso, trabalho apenas com música,
Nas escolas da r ede pública, não há espaço especial que é o que eu sei. Não é como meus colegas relatam,
para as aulas de arte, enquanto a maioria das escolas que apesar de ter em a habilitação em ar tes cênicas,

88 89
são obrigados nas escolas a dar também artes plásti- múltiplos que os educadores têm que desempenhar. Ora eles se co-
cas. Se eles não fizerem isso podem perder o emprego. locam em um degrau acima dos educandos, quando transmitem os
Minha realização profissional é aqui que consigo(Edu- conhecimentos técnicos e teóricos e ensinam os valores socialmente
cador da Casa Renascer).
aceitos, ora se colocam no mesmo degrau, quando ficam lado a lado,
Os educadores relataram que têm liberdade de ação, no quando são o esteio, aqueles que ouvem e compartilham os proble-
entanto não significa que estes estejam isentos de cumprir certas mas dos educandos. Ora lidam com as linguagens artísticas em uma
condições. Mesmo não havendo a necessidade ou a preocupação ação recíproca, entre a sua própria maneira de ver e entender o mun-
em medir conhecimentos ou aprovar os educandos para as séries do e a de seus educandos, ora lidam dialeticamente com o seu saber
seguintes, as práticas educativas são sistematicamente avaliadas e querer e o saber e querer de seus educandos, ao mesmo tempo em
e observadas pela direção. Cobra-se dos educadores capacidade que ocupam a posição de pesquisador , lendo, refletindo, questio-
intelectual para transmitir conteúdos práticos e teóricos; habili- nando e questionando-se, reprogramando, alterando sua postura, suas
dades, criatividade e aptidões específicas para manter os concepções, buscando soluções para os impasses entre a prática e o
educandos atraídos e interessados em permanecer nas oficinas, anseio de acertar.
bem como que os trabalhos produzidos apresentem elevada qua-
lidade estética. Os educadores devem, ainda, possuir capacidade Considerações finais
de liderança e estimular o desencadear das transformações pes- O número de ONGs no Brasil tem se expandido de ma-
soais e sociais desejadas.Assim sendo, recai sobre os educadores neira extraordinária. Essas instituições têm avançado na área de
elevada cota de responsabilidade. desenvolvimento local e de lutas populares. O avanço das ONGs
Por sua vez, as agências que custeiam projetos para as ONGs resulta, principalmente, do desenvolvimento e da utilização de
precisam de avaliações periódicas para se certificar que as institui- metodologias e estratégias eficientes para atuar ao lado de grupos
ções estão, realmente, alcançando os resultados propostos. As ava- com interesses e demandas específicas, nos quais as ações do Esta-
liações podem influenciar na supressão ou na renovação dos financi- do têm dificuldade para alcançar, e não é do interesse dos setores
amentos, de modo que a permanência de determinadas oficinas fica privados. Um dos méritos das ONGs é ter, na esfera da educação,
sujeita à sua efetividade. “Mesmo relacionado a processos educaci- um dos seus eixos principais. Salientei que comumente o ensino
onais, o capital desses financiadores acaba sendo utilizado numa ló- artístico faz parte das diretrizes pedagógicas dessas instituições.
gica que relaciona custos e benefícios” (SOUZA, 2001 p. 303). Nos casos estudados a formação dos educadores apre-
Em decorrência desses aspectos, é comum os educadores sentou um quadro bastante variado, abrangendo desde dos que
lidarem com constantes inquietações decorrentes de uma miríade de têm graduação aos que não concluíram o 1o grau. Por conseguin-
motivos, muitos dos quais já foram discutidos neste trabalho, como te, há os que receberam formação acadêmica específica para ensi-
a pressão por trabalhar em função de resultados, a complexidade nar e os que se tornaram educadores sem passar pela formalização
que é própria dessa esfera educativa e, ainda, a alternância de papéis necessária.

90 91
A pesquisa deu a conhecer que, nesse campo de ensino, REFERÊNCIAS
apesar das exigências, da falta de estabilidade no trabalho e das
BARBOSA, Ana Mae. Tópicos utópicos. Belo Horizonte:
responsabilidades que recai sobre os educadores, o nível de satis-
C/Arte, 1997.
fação no trabalho é bastante elevado. Os educadores mostraram
que valorizam muito o fato de poder contar com condições ade-
BRASIL. Câmara Legislativa do Distrito Federal. Projeto
quadas, em termos de cargo horária, espaço físico e equipamentos.
de Lei Nº. 706/2003, Institui o “Dia do Oficineiro” no
A realidade observada denota que a qualificação acadêmi- âmbito do Distrito Federal. Disponível em: <http://www.
ca não é requisito fundamental. A qualidade do ensino de arte nas izalci.com.br/proposicoes/pl_706_2003.htm>. Acesso em:
ONGs não está, necessariamente, relacionada à titulação. Ao lado 14 jul. 2005.
das habilidades técnicas profissionais, o saber, aptidões e caracte-
rísticas pessoais são muito importantes para a realização de um CARVALHO, Lívia, M. O ensino de artes em ONGs: tecendo a
trabalho apropriado. Ficou claro que os métodos utilizados na edu- reconstrução pessoal e social. 2005. 143 f. Tese (Doutorado em
cação formal, muitas vezes, não satisfazem às crianças e nem aos Artes) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São
adolescentes matriculados nos projetos educativos alternativos. Paulo, São Paulo, 2005.
O nosso sistema educacional atual é convencional não está
montado para atender ao novo cenário que se forma, tendo como FERNANDES, Renata, S. Em cena o sol: pesquisando o Projeto
elemento importante as demandas por profissionais para o terceiro Sol – Paulínia (SP). In: VON SIMSON, Olga; PARK, Margareth;
setor, o qual vem se expandido em uma velocidade superior ao FERNANDES, Renata (Org.). Educação não-formal: cenário da
público e privado. Ou seja, de um modo geral as universidades não criação. Campinas: Editora da UNICAMP, Centro de Memória,
estão levando em conta a realidade do mercado de trabalho exis- 2001. p. 109-118.
tente no momento. No entanto, as ONGs necessitam de competên-
cias específicas para as suas atividades. Sem essa competência, elas FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio
não poderão desempenhar bem as transformações almejadas. Eletrônico - Século XXI. Versão 3.0. Programa de Márcio Girão
Os resultados indicam que os cursos de Licenciatura em Barroso. Rio de Janeiro: Lexikon Informática Ltda., Nova
Artes necessitam reformular seus currículos, de modo a oferecer Fronteira, 1999. 1 CD-ROM.
treinamento e habilitação a seus alunos de maneira que estes pos-
sam atuar, apropriadamente, em espaços não-formais e não apenas GARCIA, Valéria A. A educação no âmbito do poder público:
nas escolas regulares. avanços e limites. In: VON SIMSON, Olga; PARK, Margareth;
FERNANDES, Renata (Org.). Educação não-formal: cenário
da criação. Campinas: Editora da UNICAMP, Centro de
Memória, 2001, p. 147-164.

92 93
GOHN, Maria da Glória. Educação não-formal e cultura
política: impactos sobre o associativismo do terceiro setor. São
Paulo: Cortez, 1999.

______. Os sem-terras, ONGs e cidadania: a sociedade


brasileira na era da globalização. São Paulo: Cortez, 1997.

GRACIANI, Maria Stela S. Pedagogia social de rua: análise e


4
sistematização de uma experiência vivida. São Paulo: Cortez, 1997.
A CRIAÇÃO DE ESPAÇOS/TEMPOS POSSÍVEIS
LANDIM, Leilah. Para além do mercado e do estado?: NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
filantropia e cidadania no Brasil. Cadernos do ISER, Rio de reinventando práticas educativas
Janeiro, p. 163-176, 1993.
Maria das Graças Vital de Melo
RODRIGUES, Luciana. País vive “boon” do terceiro setor. O
globo, Rio de Janeiro, 12 dez. 2004. Caderno Economia, p. 33.
A arte é uma práxis humana essencialmente política, pois
SHERER-WARREN, Ilse. ONGs na América Latina: trajetória e
ela mantém um vínculo or gânico com determinado período
perfil. In: ______. Meio ambiente, desenvolvimento e cidadania.
sociohistórico, expressando, intencionalmente ou não, as contra-
São Paulo: Cortez, 1995. p 163-175.
dições inerentes a cada realidade concreta.
SOUZA, Eduardo C. Reflexões sobre a atuação de educação Desde os primórdios da produção de conhecimento acer-
musical na educação não formal. In: VON SIMSON, Olga; PARK, ca da arte, discute-se sobre suas relações com a educação e com a
Margareth; FERNANDES, Renata (Org.). Educação não-formal: política. De um lado, afirma-se a neutralidade da arte, negando-se
cenário da criação. Campinas: Editora da UNICAMP, Centro de sua inserção no contexto cultural e sua função educativa; de outro,
Memória, 2001. p. 303-313. defende-se seu caráter cultural, isto é, toda arte representa visões
de mundo, pertencentes às condições particulares de um povo, sendo
VON SIMSON, Olga; PARK, Margareth; FERNANDES, Renata. necessariamente educativa e, portanto, política.
Introdução. In: VON SIMSON, Olga; PARK, Margareth; Embora a arte seja considerada, historicamente, de na-
FERNANDES, Renata (Org.). Educação não-formal: cenário da tureza transformadora – pois implica criação, invenção, trans-
criação. Campinas: Editora da UNICAMP, Centro de Memória, gressão – ela, muitas vezes, é utilizada no sentido de conserva-
2001. p. 9-19. ção de uma estrutura social, de uma ideologia, tornando-se um

94 95
mecanismo de coerção e dominação.Além disso, a falta de aces- surgindo durante o processo de trabalho vivido no Núcleo motiva-
so – de grande parte da população – a essa forma de conhecimen- ram-me a desenvolver uma investigação sobre o ensino e a apren-
to, fortalece a política de dominação e exclusão social, própria dizagem da linguagem teatral na EJA, resultando na elaboração de
da atual conjuntura nacional e internacional. minha dissertação de mestrado2 (MELO, 2003).
É preciso constantemente reivindicar a função social da Portanto, este artigo tem como objetivo abordar, de for-
arte e lutar para que todos tenham acesso a esse bem cultural, de ma sucinta, saberes relativos ao ensino e à aprendizagem da arte
forma crítica e reflexiva.Assim sendo, faz-se necessário provocar teatral, buscando explicitar os conteúdos escolares básicos, es-
a discussão sobre o papel da arte na educação de crianças, adoles- pecíficos dessa linguagem, a fim de subsidiar o trabalho dos pro-
centes, jovens e adultos, e construir propostas educativas que con- fessores das séries iniciais do ensino fundamental que trabalham
cebam as diferentes modalidades artísticas como linguagens, cuja na EJA, pois esses, em geral, não têm acesso aos conhecimentos
aquisição é de fundamental importância para a constituição de pes- próprios da área de arte durante a sua formação acadêmica e pro-
soas autônomas e conscientes de si em relação com os outros e fissional.
com o mundo, enquanto protagonistas de sua história individual e
É importante destacar que o ensino e a aprendizagem das
sociocultural.
linguagens artísticas – no nosso caso, do teatro – na EJA visam,
Nesse sentido, o Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão prioritariamente, ampliar as possibilidades de compreensão, signi-
em Educação de Jovens eAdultos e em Educação Popular (NUPEP) ficação, explicação, interação e intervenção da/na realidade pesso-
do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco al e social dos alunos que demandam essa modalidade de ensino.
(UFPE), implementou alguns projetos na área de Educação de Jo- Assim sendo, os conteúdos essenciais a serem vivenciados na sala
vens e Adultos (EJA), que introduzem as linguagens artísticas no de aula dizem respeito à realidade natural e cultural em que eles
currículo dessa modalidade de ensino, reinventando práticas estão inseridos. Porém, por se tratar do ensino e da aprendizagem
educativas condizentes com a proposta de democratização1 do aces- da linguagem teatral, esses conteúdos são abordados via os con-
so ao conhecimento, à cultura e à arte.
teúdos específicos desta área de conhecimento, os quais assumem
Como membro da equipe de Arte-Cultura do NUPEP papel mediador no processo educativo.
– na área de Teatro –, desde 1997, atuo em atividades de pesquisa
Este escrito se justifica, portanto, pela constatação da fal-
articulada às práticas de capacitação docente e produção de mate-
ta de material bibliográfico específico que aborde os conteúdos
rial didático para EJA. Os inúmeros questionamentos que foram
escolares básicos da linguagem teatral. Não podemos negar que
atualmente existe um número razoável de títulos sobre o teatro na
1
Democratizar o acesso à arte implica que a pessoa possa vivenciar , no seu
cotidiano, situações de familiarização com os processos de criação e apreci-
ação de objetos artísticos, além do contato com o saber que foi produzido 2
Mestrado em Educação (área de Educação Popular) realizado na Universi-
sobre a arte ao longo da história da humanidade, através de ações de dife- dade Federal da Paraíba, sob a orientação e co-orientação dos professores
rentes instituições e do acesso a novas tecnologias. Timothy Ireland e Maura Penna, respectivamente.

96 97
educação, porém, em sua maioria, os autores limitam-se a apre- No entanto, para a postura essencialista, a função da arte
sentar o como ensinar teatro – lista de jogos e improvisações –, na escola é justificada por ela mesma. A preocupação dessa pers-
não levando em conta a relevância de se sabero quê ensinar e para pectiva é com a essência da própria arte, sua especificidade: a esté-
quê. Essa compreensão por parte dos educadores possibilitará que tica. A arte existe independente de qualquer aspecto educativo,
participem conscientemente de uma proposta político-pedagógica embora eduque.
comprometida com a maioria da população, na perspectiva de de-
[...] a abordagem “essencialista” da educação artística,
mocratização do saber/poder.
[...] considera que a arte tem uma contribuição única a
A linguagem teatral no contexto do ensino de arte dar para a experiência e a cultura humanas, diferencian-
do-a de outros campos de estudo. Segundo os essencia-
Segundo Koudela (1990), o ensino de arte na escola de listas, a arte não necessita de argumentos que justifiquem
educação básica tem se localizado dentro de duas orientações da a sua presença no currículo escolar, nem de métodos de
prática pedagógica que se distinguem segundo a função educacio- ensino estranhos à sua natureza intrínseca (KOUDELA,
nal que atribuem a esse ensino: orientação contextualista e orienta- 1990, p. 18).
ção essencialista.
Historicamente, o ensino da linguagem teatral no sistema
Para a postura contextualista, a função do ensino de arte escolar brasileiro encontra-se situado predominantemente dentro da
na escola está fora da própria área de conhecimento; encontra-se a orientação contextualista, pois, quando nos atemos às propostas
serviço de outros aspectos da realidade do aluno: psicológicos, curriculares, ao material bibliográfico, aos relatórios de pesquisa sobre
sociais, escolares. A arte é um mero instrumento para se alcançar o ensino de teatro e aos relatos de experiências pedagógicas nessa
objetivos mais gerais de educação. Nessa perspectiva, o mais im- área, observamos que quase toda a produção escrita pertence à pers-
portante é o processo de trabalho vivido pelo aluno. pectiva instrumental. A esse respeito, Japiassu escreve:
A respeito dessa postura, Ingrid Koudela, referindo-se ao
posicionamento de Elliot Eisner quanto ao assunto, escreve: O teatro na educação, ainda hoje, é pensado exclusiva-
mente como um meio eficaz para alcançar conteúdos dis-
A abordagem mais difundida na história da arte-educa- ciplinares extrateatrais ou objetivos pedagógicos muito
ção é designada pelo autor como “contextualista”, que amplos, como, por exemplo, o desenvolvimento da
enfatiza as conseqüências instrumentais da arte na edu- “criatividade” (JAPIASSU, 2001, p. 23).
cação e utiliza as necessidades particulares dos estudan-
tes ou da sociedade para formular seus objetivos. Dentro Como exemplo do caráter instrumental do ensino de tea-
da orientação contextualista, alguns programas ressal- tro, temos algumas situações que são corriqueiras no interior das
tam as necessidades psicológicas da criança na articula- nossas escolas de educação básica, especialmente nas séries inici-
ção de seus objetivos e outros, as necessidades sociais ais do ensino fundamental. Em primeiro lugar , temos a postura
(KOUDELA, 1990, p. 17-18). daquele professor que entende o teatro como um mero recurso

98 99
didático para facilitar a aprendizagem de conteúdos de outras disci- volvimento do indivíduo como um todo e valoriza, especialmente,
plinas do currículo, como Língua Portuguesa, Literatura, História, a espontaneidade, a expressão, a criatividade, a sensibilidade, a
dentre outras. Essa prática educativa foi influenciada pelas idéias partir do estímulo à imaginação, da prática de jogos dramáticos.
de Caldwell Cook , no livroThe Play Way, de 1917, o qual, segun- Essa tendência foi influenciada, principalmente, pelas idéias do in-
do Courtney (1980, p. 44), foi o primeiro a formular um método glês Herbert Read, embora a vulgarização de sua doutrina de edu-
dramático capaz de promover a aprendizagem dos alunos. “Cook cação através da arte tenha levado os professores a aplicarem téc-
[...] dizia que atuar era um caminho seguro para aprender”. Para nicas teatrais e a utilizarem jogos sem a fundamentação necessária,
Japiassu (2001, p. 18), essa tendência sofreu influência do pensa- gerando, muitas vezes, uma redução ou deformidade das idéias
mento pedagógico de Rousseau que “[...] enfatizava a atividade da originais.
criança no processo educativo e defendia a importância do jogo
Para ilustrar o pensamento que subjaz a essa postura pe-
como fonte de aprendizado”.
dagógica, podemos citar os objetivos do ensino de teatro, segundo
Uma outra situação comum nas nossas escolas e, talvez, alguns autores que escreveram durante o período de 1970 a 1990.
a mais trivial é aquela em que o teatro é visto como um instru- Observamos, entretanto, que esses objetivos geralmente são váli-
mento utilizado para o desenvolvimento da criatividade do edu- dos para qualquer área de conhecimento.
cando, dos processos psicológicos criativos, na qual os jogos dra-
Edília Coelho Garcia, na apresentação do livro de Hilton
máticos assumem um papel fundamental. Luiz Ferreira, referin-
Carlos Araújo, Educação Através do Teatro, explicitou o objetivo
do-se aos processos teatrais na ação educativa nos cursos de 1º e
do ensino de teatro, segundo a visão predominante na época:
2º graus, escreve:
[...] Educação através do teatro – ensina como pode o
Esta ação educativa objetiva o desabrochar psico-afetivo
teatro ser posto a serviço da educação. Mostra como o
e intelectual da pessoa, pela aquisição de valores, pela
capacidade de transformar a discordância ou a oposição Teatro na escola é capaz de oferecer ao aluno a oportu-
entre o mundo interior, ‘subjetivo’, dos desejos, e o mun- nidade de se exprimir livremente, de criar, de extravasar
do exterior, ‘objetivo’, que resiste a estes desejos. Uma o manancial de riquezas que tem dentro si, indica como a
ação educativa que possibilite a aquisição de uma lin- atividade teatral bem orientada apresenta o jovem como
guagem pessoal (e por isso mesmo acessível a todos). ele é, o que pensa do mundo e das pessoas, a que aspira,
Certamente uma ação educativa centrada em processos o que receia (GARCIA, 1974, p. 9).
criativos e no desenvolvimento do potencial do indiví-
Reverbel (1979, p. 9) escreve que o objetivo do teatro
duo (FERREIRA, 1982, p. 48).
na educação “[...] é o de favorecer a auto-expressão, oferecendo
Essa tendência, de natureza psicológica, característica da meios para que, gradativamente, se desenvolvam a espontaneidade,
arte-educação, busca dar à arte funções educacionais mais amplas, a imaginação, a percepção, a observação e, conseqüentemente, a
advogando que o teatro na educação tem como objetivo o desen- criatividade”.

100 101
Coelho (1986), adepto da idéia de se elaborar uma gem teórico-metodológica característica da arte-educação dão uma
metodologia baseada na arte dramática objetivando o desenvolvi- direção a seu trabalho de sala de aula, seguem uma programação à
mento da criatividade na EducaçãoArtística, apresenta uma siste- base de jogos dramáticos 3, cujos objetivos estão, na maioria das
matização do “processo de Teatro Criativo”, que tem o jogo dra- vezes, bem definidos. Embora seu planejamento seja elaborado com
mático como uma das aplicações desse processo. um discurso centrado no aluno, a prática pedagógica é diretiva,
No Prefácio escrito por Kühner, no livro Persona: o tea- apesar do aspecto lúdico que lhe é pertinente.
tro na educação, o teatro na vida, encontramos o seguinte texto a Por outro lado, temos também, mais raramente, a partir
respeito da necessidade de se ter uma mudança de enfoque na Edu- da década de 1960, uma outra situação que caracteriza a prática
cação Artística, para torná-la um elemento desequilibrador/criador pedagógica dos professores de arte nas escolas: os professores que
no processo de desenvolvimento humano: orientam sua prática segundo a concepção de teatro como instru-
mento de conscientização, de libertação da opressão na qual se
Por isso torna-se de saída essencial uma mudança de
encontram as camadas populares. Ligada ao ideário de “educação
enfoque ou princípio, que coloque a ênfase do processo
de aprendizagem sobre a pessoa do aluno e sobre o pro-
como prática de liberdade”, esta visão, ainda hoje, é bastante di-
cesso em si e não mais sobre o resultado ou produto fundida nos espaços educativos fora da instituição escolar, como:
final a ser obtido: sobre a pessoa, a realidade viva e ONGs, associações de moradores, sindicatos, movimentos sociais,
mutante; sobre o processo, ação permanente e viva, ato igreja. Originária dos princípios do teatro épico e dialético de Brecht
de gestação, de criação. Ênfase que é por si mesma – sobretudo das peças didáticas por ele concebidas com a finalida-
definidora de todo o trabalho de Educação Artística, de de instrumentalizar o povo no processo de luta política através
que se basta como exercício motivador de criatividade, da veiculação de uma estética convencional e antiilusionista –, essa
isto é, de uma espontânea e livre atividade de criar abordagem tem como principal representante Augusto Boal, com
(KÜHNER, 1975, p. 6). sua pedagogia do teatro do oprimido.
Na prática, entretanto, as atividades pedagógicas propos- Augusto Boal (1931- ), dramaturgo, diretor teatral e po-
tas para as aulas de teatro nessa perspectiva – mesmo nos livros lítico brasileiro [...] criou durante a década de 1960, à
cuja fundamentação é baseada nos princípios da Escola Nova – frente do Teatro de Arena de São Paulo, uma poética
são diretivas, não atingem o nível de espontaneísmo a que chega-
ram, muitas vezes, as artes plásticas. Os autores sempre propõem 3
O jogo dramático, proposta metodológica básica da abordagem instrumen-
uma série de exercícios e jogos que obedecem a uma programação tal, está baseado na improvisação teatral. Peter Slade foi o responsável pela
e se relacionam com alguns objetivos propostos (mesmo que esses sistematização e divulgação dos princípios básicos do jogo dramático no seu
objetivos sejam na perspectiva de formação global e desenvolvi- livro O jogo dramático infantil (1978). Tanto os estudos de Piaget sobre o
desenvolvimento do jogo simbólico como alguns estudos psicanalíticos con-
mento da personalidade do educando). Isto é, mesmo os professo- tribuíram para fundamentar a importância do jogo dramático no processo de
res que representam, consciente ou inconscientemente, a aborda- desenvolvimento cognitivo e afetivo do ser humano.

102 103
teatral inspirada na estética brechtiana e na pedagogia um teatro político capaz de contribuir para a revolução cultural e
libertadora formulada pelo educador pernambucano conseqüente construção de uma nova sociedade brasileira4.
Paulo Freire (JAPIASSU, 2001, p. 37).
A insatisfação com o modelo das relações de produção
Brecht se fundamentou no pensamento marxista e defen- que caracterizavam as práticas brasileiras associadas
dia um teatro que, contrapondo-se aos princípios da poética aos estudos em busca de uma nova função social para
aristotélica, fosse um instrumento de educação/conscientização do o teatro e, além disso, o engajamento político na luta
povo no processo de luta de classes sociais característico das soci- pela construção de uma sociedade socialista no país,
edades capitalistas do século XX. Brecht concebia a arte como levaram o Teatro de Arena de São Paulo, a partir da
linguagem. Os textos de suas peças didáticas se constituíam em década de 1960, sob a liderança de Augusto Boal, a
perseguir a formulação de uma poética teatral genuina-
modelos de ação.
mente brasileira: nascia o teatro do oprimido
O objetivo das peças didáticas brechtianas não é a ence- (JAPIASSU, 2001, p. 37).
nação ou a montagem espetacular perseguida através de
Apesar de ter surgido com base no teatro político-peda-
ensaios. Sua meta é propor uma apropriação do texto
dramático por grupos de pessoas preocupadas em apre- gógico criado por Brecth, o Teatro do Oprimido, na figura de
ender pelos exemplos de comportamento “associal” apre- Augusto Boal, procurou construir uma identidade própria que fos-
sentados em seus escritos.Trata-se de uma ação pedagó- se adequada à realidade vigente no Brasil daquela época.
gica na qual uma das principais intenções do dramatur-
O teatro do oprimido consiste, basicamente, num con-
go alemão é subverter um suposto significado, único das
junto de procedimentos deatuação teatral improvisada,
palavras e ações, investigando seus múltiplos sentidos.
com o objetivo de, em suas origens, transformar as tra-
A idéia principal de Brecht com suas peças didáticas é
dicionais relações de produção material nas sociedades
conscientizar os jogadores das suas possibilidades de ação
capitalistas pela conscientização política do público
para transformação da realidade estabelecida
(JAPIASSU, 2001, p. 37).
(JAPIASSU, 2001, p. 32).
O principal contraponto entre a poética brechtiana e a
Foi no contexto de grandes transformações políticas, eco- poética do oprimido diz respeito ao objetivo básico do teatro: para
nômicas e sociais no Brasil da década de 1960, de efervescência Brecht, o objetivo do teatro é a conscientização; para Boal, é a
intelectual e cultural, que as idéias sobre o binômio teatro-educa- ação do espectador, um “ensaio” à revolução.
ção sofreram grande influência de Bertolt Brecht: os Centros Po-
pulares de Cultura (CPCs) espalhados por todo o Brasil, o Movi- 4
Experiências artísticas e culturais que sur giram de Norte a Sul do país, na
mento de Cultura Popular (MCP) (especialmente em Pernambuco,
década de 1960, as quais visavam ao processo de alfabetização,
sob a liderança de Paulo Freire), o Teatro Oficina, o Teatro Opi- conscientização e politização das classes populares, para a efetivação da
nião e, em especial, oTeatro de Arena, todos pretendiam realizar revolução cultural e transformação estrutural da sociedade brasileira.

104 105
[...] Brecht propõe uma Poética em que o espectador segundo uma marcação de cena rígida e mecânica, de acordo com
delega poderes ao personagem para que este atue e pense o que lhes é ditado pelo professor (diretor), detentor do conheci-
em seu lugar, mas se reserve o direito de pensar por si mento. Porém, esse tipo de professor representa uma visão tradici-
mesmo, muitas vezes em oposição ao personagem. [...] onal do ensino de arte, cujo objetivo é apenas técnico-profissional,
O que a Poética do oprimido propõe é a própria ação!
logo, uma visão excludente e limitada do ensino de teatro na esco-
O espectador não delega poderes ao personagem para
que atue nem para que pense em seu lugar; ao contrá-
la de educação básica.
rio, ele assume um papel protagônico, transforma a ação A partir das décadas de 1960-70, tivemos acesso à siste-
dramática inicialmente proposta, ensaia soluções pos- matização de uma proposta metodológica elaborada por Viola
síveis, debate projetos modificadores; em resumo, o Spolin para o ensino de teatro por meio de jogos teatrais, resultado
espectador ensaia, preparando-se para a ação real de uma pesquisa ao longo de quase três décadas com crianças, pré-
(BOAL, 1988, p. 138). adolescentes, adolescentes, jovens, adultos e idosos nos Estados
Temos, portanto, um contingente bem pequeno de pro- Unidos da América. Essa publicação, intituladaImprovisação para
fessores, dentro da escola de educação fundamental, a trabalhar o teatro, chegou até nós por intermédio da tradução feita por Ingrid
com o teatro nessa perspectiva5. Mas, como o “Teatro do Oprimi- Koudela e Eduardo Amos (SPOLIN, 1987). Os jogos teatrais são
do” é um tanto conhecido pelos professores advindos da área de baseados na improvisação e não definem os papéis a priori, mas
arte e por alguns professores de outras áreas de conhecimento que estes vão se constituindo durante o processo de interação que ocorre
têm um engajamento político, muitas de suas técnicas teatrais são entre os “jogadores”.
empregadas em salas de aula, em geral juntamente com técnicas
oriundas de outras orientações pedagógicas bastante diferentes, A finalidade do jogo teatral na educação escolar é ocres-
cimento pessoal e o desenvolvimento cultural dos joga-
inclusive antagônicas.
dores por meio do domínio, da comunicação e do uso
Com relação à orientação essencialista, temos a postura interativo da linguagem teatral, numa perspectiva
daquele professor que utiliza o teatro para preparar espetáculos e improvisacional ou lúdica. O princípio dojogo teatral é
apresentá-los nas festas de final de ano ou em datas comemorati- o mesmo da improvisação teatral, ou seja, a comunica-
vas. Esses professores valorizam tão somente o produto; para tan- ção que emerge da espontaneidade das interações entre
to, eles selecionam os melhores alunos ou os mais “dotados” para sujeitos engajados na solução cênica de um problema de
que memorizem os textos, de preferência clássicos, e os encenem atuação (JAPIASSU, 2001, p. 20).

Embora a proposta metodológica de Viola Spolin per-


5
A prática educativa em teatro promovida por instituições extra-escolares, tença à abordagem essencialista da prática pedagógica, pois “per
-
como ONGs, associações de moradores de bairro, igreja, sindicatos, movi-
mentos populares, caracteriza-se, muitas vezes, como uma prática própria mite sobretudo reivindicar o espaço do teatro como conteúdo
dessa tendência do ensino de arte, denominada, por muitos, como corrente relevante em si na formação do educando”, considera possível a
progressista de educação. utilização do teatro como instrumento em outras áreas de conhe-
106 107
cimento. Essa metodologia é bastante divulgada hoje em dia, es- documento oficial que serve de referência em todo o território
pecialmente pelas professoras Ingrid Koudela e Maria Lúcia Pupo nacional, o ensino de arte constitui o ensino de Artes Visuais,
(JAPIASSU, 2001, p. 20). Música, Teatro e Dança. Essa nova direção para o ensino de arte,
Atualmente, convivem, portanto, na realidade escolar brasi- dada pelos PCNs – Arte, encontra-se em conformidade com a
leira, a exemplo do ensino de outras linguagens artísticas, as tendênci- concepção de arte como linguagem. Existe todo um movimento
as: técnico-profissionalizante, de formação global do ser humano e no sentido de efetivar uma práxis pedagógica do ensino de arte –
desenvolvimento de sua personalidade, de conscientização política do no caso, da arte teatral – dentro de uma orientação de resgate
sujeito histórico, e de resgate do teatro como contribuição importante dos conteúdos específicos de cada modalidade artística.Assim, a
por si mesm a (proposta que se estrutura a partir dos elementos aquisição dos conteúdos próprios da linguagem teatral faz-se
constitutivos da linguagem teatral: ator – corpo –, público, texto e condição essencial ao processo de ensino-aprendizagem desen-
espaço cênico). No entanto, na prática das escolas de ensino funda- volvido nas escolas brasileiras.
mental, em todas essas posturas, a ênfase é no fazer artístico, ficando a Apesar de alguns limites dos PCNs –Arte – 1º e 2º ciclos,
apreciação, questão essencial para a ampliação do universo cultural do observamos avanços significativos que apontam em direção à con-
aluno, desconsiderada, apesar de ser apresentada como um dos eixos solidação de uma proposta para o ensino de arte/teatro voltada
da proposta do ensino de arte nos Parâmetros Curriculares Nacionais para a democratização do acesso ao conhecimento humano, espe-
– PCN/Arte: 1o e 2o ciclos (BRASIL, 1997). cialmente à linguagem teatral. Em princípio, temos a disjunção do
Teatro da Dança – antes, constituíam as Artes Cênicas –, pois são
Desde a promulgação da lei 5.692/71, a qual instituiu a
linguagens distintas com suas especificidades.Além disso, a abor-
presença obrigatória da Educação Artística no currículo de 1º e 2º
dagem metodológica, mesmo oriunda de outra modalidade artísti-
graus (BRASIL, 1971), o ensino do teatro vem se efetivando tímida
ca, contempla as três dimensões indissociáveis, próprias do conhe-
e precariamente nas escolas de educação fundamental. Isto se deve, cimento artístico, quando elege como eixos norteadores do traba-
dentre outros fatores, ao caráter polivalente da EducaçãoArtística e lho pedagógico em sala de aula a produção, a apreciação e a
à predominância do ensino das artes plásticas na instituição escolar. contextualização. Um outro aspecto de extrema importância, des-
A atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional tacado por Peregrino e Santana (2001, p. 102), é que a proposta
– LDB –, Lei 9.394/96, estabelece a obrigatoriedade do ensino do ensino de teatro na escola fundamental aponta “[...] para uma
de arte no artigo 26, parágrafo 2º : “o ensino da arte constituirá prática em sala de aula que tem como ponto de partida a vivência
componente curricular obrigatório, nos diversos níveis de educa- do aluno e sua participação crítica no universo cultural”. Isso por-
ção básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos que “[...] os conteúdos só adquirem significação na medida em que
alunos” (BRASIL, 1996). Nos PCNs – Arte – 1º e 2º ciclos 6, tenham relação com aquilo que o aluno já conhece, sua realidade,
seu ambiente sociocultural”.
6
Nossa pesquisa limitou-se ao ensino das linguagens artísticas nas séries Na perspectiva de considerar tanto a dimensão instrumen-
iniciais do Ensino Fundamental. tal da linguagem teatral quanto à epistemológica, defendemos que
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a aquisição dos conteúdos específicos de teatro seja condição es- sonalidade, sua subjetividade, mas, também, pertencentes a uma re-
sencial para o processo de ensino-aprendizagem desenvolvido na alidade objetiva, sociocultural que, dialeticamente, é constituinte de
escola. Isso se deve, principalmente, por acreditarmos que o aces- sua individualidade.
so aos conhecimentos próprios dessa linguagem artística – assim O ator é, pois, um ser humano que tem o corpo – com sua
como das demais áreas de conhecimento – ampliará as possibilida- memória e sua imaginação – como seu principal instrumento de
des de compreensão e significação de si e do mundo dos alunos da trabalho e, ao mesmo tempo, sua matéria-prima. Ele interpreta
educação fundamental, especialmente aos das séries iniciais que personagens; não reproduz personalidades de ficção, mas cria sua
demandam a EJA. personagem a partir de sua visão, da maneira como concebe aque-
Assim, elegemos os elementos constitutivos e os princípi- le ser de ficção em determinada situação, a partir de sua própria
os de organização da linguagem teatral como conteúdos básicos a subjetividade. A personagem oferecida pelo texto é a origem da
serem trabalhados na área de conhecimento Arte/Teatro, no senti- elaboração do ator, porém ele a cria da forma como a vê.
do de possibilitar o acesso e a familiarização dos alunos com o A corporeidade do ator, além de definir a especificidade
sistema simbólico e com os conteúdos específicos da área que do teatro, possibilita a contribuição de elementos de outras artes:
ampliarão suas capacidades de percepção, compreensão, interpre- diálogo das personagens oriundo do texto dramático, gestualidade,
tação, explicação, interação e transformação da/na realidade pes- indumentária, maquiagem, dentre outros. Portanto, o teatro é o
soal e social, natural e cultural. lugar do ator, do intérprete.
Por sua vez, o texto se faz presente na figura da persona-
Elementos constitutivos da linguagem teatral
gem interpretada pelo ator: “o verbo se faz carne”. Pode até não
Existem necessariamente quatro elementos que determi- haver um texto literário como pré-condição para a interpretação
nam a natureza da arte do teatro: o ator , o texto, o público e o do ator, contudo, no momento mesmo em que o ator interpreta a
espaço teatral (palco e platéia). É essencial a inter-relação orgâni- personagem em ação, está produzindo um texto dramático, uma
ca desses elementos: um ator que interpreta um texto para um pú- peça de teatro. O texto, a idéia da ação dramática constitui o ponto
blico num espaço cênico determinado. de partida para a realização teatral. É no texto que vão estar as
Para Boal (1996), o mais essencial dos elementos expressi- paixões humanas em conflito, é no texto que vai estar a ação dra-
vos da arte teatral é o ator, o ser humano. Sem a presença física do mática, nele vai se delinear o perfil das personagens. Contudo, é a
intérprete, não pode haver o espetáculo. Mas, o ator, o que é? O ator fala das personagens juntamente com sua movimentação e sua ca-
é antes de tudo um corpo. Um corpo que sente, se emociona, vê, racterização que concretizam a peça teatral.
pensa, fala, ouve, age, deseja, significa, conhece, escolhe, decide, Dentre os elementos expressivos do teatro, é o texto que
interage, representa personagens. Personagens que são, por sua vez, representa mais significativamente as ideologias existentes no con-
imitações – recriações, reinvenções – de seres humanos em situação texto social em que ele é produzido.As diferentes visões de mundo
(ou de seres humanizados), com suas paixões, seus desejos, sua per - existentes em determinada cultura, a forma como uma dada soci-
110 111
edade está estruturada/organizada, as relações de poder existentes considerar que todos os significados veiculados têm um destinatá-
estarão presentes, de alguma forma, na rede de relações tecida no rio: a platéia.
texto teatral, seja ele uma produção literária ou um simples roteiro Outro elemento expressivo fundamental da arte da repre-
para servir de base à representação. O texto teatral é, portanto, um sentação é o espaço teatral. Espaço tridimensional, pois se consti-
meio que veicula significados; visto que ele é polissêmico, encerra tui num espaço real dividido em dois espaços organicamente liga-
distintos sentidos, conforme a ideologia própria de cada ator , de dos: a cena e a platéia – um entre, onde se realiza a interação com
cada espectador , enfim, de cada leitor , de cada intérprete. O base na ficção –; o lugar onde se colocam os atores a interpretar
encenador cria um novo texto quando realiza o espetáculo; por sua suas personagens e o lugar onde se situam os espectadores para
vez, o ator cria uma personagem, elabora um texto intra-subjetivo, interagir com o dramaturgo, com o encenador, com o ator, através
quando atua partindo do texto criado pelo autor dramático. da materialização das personagens – sua fala, sua gestualidade, sua
Além desses elementos – ator e texto –, a presença do expressão corporal e facial, sua mobilidade e plasticidade.
público é fundamental para a realização da produção teatral; afi- O espaço teatral pode ser qualquer lugar onde ocorra uma
nal, todo o trabalho do ator é dirigido à platéia. Se não houver representação: uma praça, uma rua, um edifício teatral, uma esco-
espectador, também não haverá teatro. “Ela dá significado ao es- la, dentre as inúmeras possibilidades. O importante é que tenha-
petáculo” (SPOLIN, 1987, p. 11). mos um lugar onde possa se estabelecer a relação palco-platéia, o
Podem existir diferentes tipos de relação estabelecida en- espaço do ator e o espaço do espectador . O espaço cênico é o
tre palco e platéia, porém tem que haver o encontro, essa interação, lugar onde a ação dramática é desenvolvida, realizada; onde tudo
esse diálogo entre seres humanos, esse processo de construção de acontece no aqui e no agora, onde a ficção se faz realidade. No
intersubjetividades. A forma como a platéia está or ganizada em espaço cênico tudo é movimento, plasticidade, relação.
relação à cena reflete também a estrutura social vigente, a ideolo-
gia do grupo hegemônico, as relações de poder estabelecidas em Princípios de organização da linguagem teatral
uma dada sociedade, a posição política do grupo que está à frente Quando os participantes de um grupo compõem um es-
da produção artística. petáculo precisam ter clareza do princípio fundamental da repre-
Os espectadores geralmente se reconhecem no trabalho sentação teatral: a existência do ser humano (ou humanizado) em
dos atores, nas personagens apresentadas, na situação da ação dra- ação, em situação, na figura da personagem. O que isso quer di-
mática que está se desenvolvendo no palco; reconhecem seu con- zer? Isso implica que a base da representação teatral se encontra
texto sociocultural, seus conteúdos de natureza interna e externa. na constituição e na dinâmica das personagens dramáticas em rela-
Isso possibilita a ampliação do seu campo de visão, a fim de toma- ção; ou melhor, sendo teatro a representação de uma ação, temos
rem consciência de si enquanto sujeitos de interação. Por outro que toda ação, para ser representada, necessita de personagens ou
lado, todos os sujeitos envolvidos no processo de produção do personas – são elas que agem, atuam; elas existem em razão de
espetáculo teatral devem considerar a presença do público, devem uma ação. É a partir dos contrastes – entre vontades, desejos, pai-

112 113
xões, modalidades de ação, condições existenciais – de cada ser jos e paixões do outro ou pela luta interna decorrente de desejos
em situação apresentado – fictício – que se inicia o processo de contrastantes dentro de si, geram os conflitos das personagens dra-
construção do espetáculo teatral. máticas. Assim, a personagem pode viver uma situação de luta
Assim, para realizarmos uma produção teatral, dispomos consigo mesma, com as outras personagens, individualmente ou
dos seguintes princípios de organização dessa linguagem: conflito em grupo, e com forças naturais e/ou sobrenaturais.
ou contradição, tensão, ação dramática e encenação. Os três pri- Há inter-relações entre as forças motivas interiores das
meiros princípios dizem respeito, mais especificamente, à dimen- personagens dramáticas e as forças motivas exteriores – fatores
são dramática do teatro, enquanto o último, à dimensão espetacu- econômicos, políticos, religiosos, filosóficos, socioeconômicos. Os
lar. Os contrastes formais e expressivos constituintes das persona- desejos, as idéias, as paixões são constituídos nas relações; além
gens dramáticas e/ou das circunstâncias vividas por elas, quando disso, representam metáforas de questões humanas – representam,
desenvolvidos, de forma dialética, geram tensão. A ação dramáti- portanto, um grupo –, embora sejam apresentados como motiva-
ca, por sua vez, é decorrente das tensões; e a encenação consiste ções pessoais. Assim, Pavis (1980, apud VASCONCELOS, 1987,
em por em cena a ação dramática, em concretizar a ação através da p. 55) afirma que “[...] todo conflito dramático descansa [...] sobre
materialização das personagens pelo ator. uma contradição entre dois grupos, duas classes sociais ou duas
ideologias que se encontram em conflito em um determinado mo-
A vontade humana, os desejos, as paixões, enfim, os mo-
mento histórico”.
tivos interiores constituem a fonte geradora dos conflitos vividos
pelas personagens, seja num nível intra-subjetivo e/ou O conflito, a contradição é, pois, a origem da ação dra-
intersubjetivo. Da mesma forma, as contradições de forças eco- mática. Assim,
nômicas, políticas, religiosas, socioculturais – os motivos exteri- [...] duas posições antagônicas, uma vez colocadas den-
ores – geram também os conflitos vividos pelas personagens, seja tro de uma peça, onde serão defendidas, pelas palavras,
individual ou coletivamente, quando limitam a liberdade de esco- sentimentos, emoções, atos dos personagens, que toma-
lha da pessoa. Ou melhor, os desejos, as paixões humanas consis- rão atitudes definidas em conseqüência de suas posições,
tem em formas morais, ideológicas, motores da ação dramática, acabarão fatalmente por produzir uma ação dramática
porém esses motivos interiores são constituídos, de forma (PALLOTINI, 1989, p. 11).
dialética, a partir da realidade objetiva, pela influência das forças Para Vasconcellos (1987, p. 112), a ação dramática “[...]
motivas exteriores. As forças exteriores às personagens tornam- é o movimento dos acontecimentos determinados pela vontade hu-
se obstáculos à realização de seus desejos, à satisfação de suas mana em conflito”. Dessa forma, é o desenvolvimento do conflito,
necessidades/vontades pessoais. sua intensificação que gerará uma mudança qualitativa no conteú-
Nesse sentido, os conflitos podem ser de natureza intra do expressivo da situação dramática.
ou intersubjetiva. As forças motivas interiores de cada sujeito da Destarte, é a tensão que dará unidade à ação dramática,
ação, obstaculizadas pelas suas circunstâncias de vida, pelos dese- além de determinar o clima geral da produção teatral. “A tensão
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dramática é um fenômeno estrutural que liga, entre si, os episódios A encenação se constitui, pois, na síntese da realização
da fábula e, principalmente, cada um deles ao final da peça” (P
AVIS, teatral. A maneira de se colocar em cena a ação dramática, de for-
1999, p. 403). A tensão tem a ver, portanto, com o movimento de ma harmônica e coerente – numa determinada perspectiva, com o
concentração de forças em prol do alcance dos objetivos das per- auxílio de elementos das diferentes linguagens artísticas – diz res-
sonagens, visando à modificação de uma situação.Assim sendo, a peito à realização cênica, à encenação. Ela tem a ver com a unida-
tensão é essencial ao desenvolvimento da ação, visto que ela se de advinda da plasticidade e do movimento corporal e cênico; com
constitui na condensação de ener gia para a superação de forças a síntese do espacial e temporal, ou seja, concretiza-se no conjunto
antagônicas – conflitos e contradições – existentes na situação dra- coerente dos diversos elementos espaciais/temporais: a palavra, os
mática; ela promove o salto qualitativo dentro da rede de relações sons, o silêncio, o gesto, a expressão fisionômica, o corpo em
estabelecida numa peca teatral. movimento, a cenografia, a iluminação. Enfim, ela se constitui na
A ação dramática é movimento, tensão, mudança qualita- visualização da ação dramática em desenvolvimento.
tiva. Ela não é simplesmente uma atividade, um movimento qual- Considerações finais
quer, mas um ato consciente, que tem um sentido, que tem o pro-
pósito de transformar uma situação. Para Hegel (1964, apud Atualmente a instituição escolar ainda se mostra inefi-
PALLOTTINI, 1989, p. 27), a ação dramática “[...] é a vontade caz quanto à democratização do acesso ao conhecimento, à cul-
consciente, movendo-se para diante através dos conflitos”. Ela é, tura e à arte, sobretudo quando se trata da educação oferecida
por assim dizer, o equilíbrio entre o movimento interior e o movi- pela rede pública de ensino e, em especial, a educação de pessoas
mento exterior, a relação orgânica das diversas partes entre si e de jovens e adultas.
cada uma com a totalidade da peça. Para os alunos de EJA que, com freqüência, têm uma
Essa ação, porém, necessita ser encenada, colocada em vivência sociocultural muito limitada, a escola constitui sua princi-
cena, para poder se caracterizar como teatro.A encenação, segun- pal via de acesso aos bens simbólicos da humanidade, o que propi-
do Veinstein, possui duas significações: cia múltiplas possibilidade de diálogos intra e interculturais. Mas,
freqüentemente, a própria escola dificulta ou inviabiliza esse aces-
Numa ampla acepção, o termo encenação designa o so, contribuindo para legitimar a situação de exclusão vivida por
conjunto dos meios de interpretação cênica: cenário, essas pessoas. Para promover a democratização do saber, a escola
iluminação, música e atuação [...]. Numa acepção es- tem que, dentre outras ações, propiciar o contato cotidiano dos
treita, o termo encenação designa a atividade que con- alunos com as diferentes manifestações artísticas e culturais, com
siste no arranjo, num certo tempo e num certo espaço
as distintas linguagens, com os diversos conhecimentos produzi-
de atuação, dos diferentes elementos de interpretação
dos historicamente.
cênica de uma obra dramática (VEINSTEIN, 1955
apud PAVIS, 1999, p. 122). Esse é o nosso grande desafio: possibilitar a familiarização
dos alunos de EJA com as diferentes linguagens artísticas, tal como
116 117
acontece com as linguagens verbais (oral e escrita) e a linguagem ais são precárias, espaço físico impróprio, poucos – ou nenhum –
matemática. recursos disponíveis etc.
Para tanto, pretendemos que o ensino e a aprendiza- Por sua vez, a escola – ancorada no discurso da
gem da linguagem teatral se torne uma prática a exemplo das racionalidade cientificista-tecnocrata que caracteriza o mundo oci-
demais linguagens. Isto é, faz-se necessário que sua inserção no dental, em que o ser humano é valorizado prioritariamente pelo
currículo de EJA seja de forma semelhante ao modo como os desenvolvimento intelectual e pelas “competências” adquiridas em
alunos são introduzidos no conhecimento da língua materna, ou razão de uma mentalidade competitiva e individualista, marca da
seja, sendo expostos a situações de fala e escrita de maneira globalização neoliberal – constrói seus currículos priorizando, quase
espontânea e natural, sem serem cobrados conceitos e que exclusivamente, o ensino da língua materna, da matemática,
normatizações, mas experienciando no processo de interação. das disciplinas científicas e das novas tecnologias; desconsiderando
Dessa feita, eles aprendem a estrutura da língua sem necessida- as múltiplas possibilidades das aprendizagens artísticas e estéticas,
de de regras, ampliando seu repertório lingüístico e se próprias da área de arte.
estruturando enquanto ser humano, a partir de atividades que Em se tratando dos currículos de EJA, essa situação é
propiciem a produção e significação de textos, a fim de possibi- agravada, visto que são centrados na aprendizagem da leitura e da
litar a compreensão, interpretação, explicação dos fenômenos escrita – domínio do sistema alfabético – e da linguagem matemá-
naturais e culturais e das situações humanas – de si e do outro – tica, o que reproduz uma situação de desigualdade em relação ao
e a intervenção na realidade. tratamento que recebem os alunos do ensino regular da educação
Enfrentamos, pois, grandes dificuldades ao propormos fundamental.
trabalhar a linguagem teatral na EJA, visto que os professores que Desafio maior ainda consiste em trabalhar a linguagem
atuam nessa modalidade de ensino – nas séries iniciais – têm, com teatral tentando dar conta das dimensões instrumental e
freqüência, uma formação acadêmica proveniente de cursos de epistemológica ao mesmo tempo, sem risco de tendermos para um
Magistério e/ou Pedagogia, carentes dos conteúdos específicos das dos extremos.
linguagens artísticas, principalmente a teatral – em geral, não têm
Logo, faz-se necessário que os conteúdos básicos da lin-
nenhuma experiência/conhecimento nessa área, resultando em pre-
guagem teatral sejam vivenciados pelos alunos de EJA, de forma
conceitos e/ou práticas inadequadas.
a contribuírem para a estruturação e fortalecimento de suas ca-
Além disso, o profissional de EJA se depara com dificul- pacidades – sejam na dimensão corporal, cognitiva, artística/es-
dades de diferentes naturezas, tais como: inicialmente os alunos tética, ética, dentre outras –, e criarem condições para as pessoas
demonstram uma resistência grande em trabalhar com o teatro, ampliarem suas possibilidades de leitura de mundo além da leitu-
principalmente os de idades mais avançadas; a jornada de aula diá- ra das palavras.
ria é em torno de duas horas e meia, no turno da noite – muitas
vezes, “depois de um dia duro de trabalho” –; as condições materi-
118 119
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Pessoa: Editora Universitária/UFPB, CCHLA, PPGE, 2001.
FERREIRA, Luiz A. C. Processos teatrais na ação educativa. In:
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VASCONCELLOS, Luiz P. Dicionário de teatro. 3. ed. São
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Maura Penna
Vanildo Mousinho Marinho

Não disponível on line. Disponível em versão revista e


atualizada em:

PENNA, Maura. Música(s) e seu ensino. Porto Alegre:


Sulina, 2008. p. 161-194

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OS AUTORES

GRUPO INTEGRADO DE PESQUISA


EM ENSINO DAS ARTES / UFPB

Maura Penna - Doutora em Lingüística pela Universidade Federal


de Pernambuco (UFPE), Mestre em Ciências Sociais pela Univer -
sidade Federal da Paraíba (UFPB) e Graduada em Música (Bacha-
relado e Licenciatura) e Educação Artística pela Universidade de
Brasília (UNB). Professora Titular do Departamento de Educação
da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) – campus de Campi-
na Grande –, lecionando na graduação em Pedagogia e no Mestra-
do Interdisciplinar em Ciências da Sociedade, desde 2004. Foi
Professora do Departamento de Artes da UFPB, de 1984 a 2003.
Autora dos livros Reavaliações e Buscas em Musicalização(Loyo-
la) e O Que Faz Ser Nordestino (Cortez), além de diversos artigos
nas áreas de educação artística, educação musical, ciências sociais
e lingüística, publicados em coletâneas, revistas especializadas e
anais de congressos.

Vanildo Mousinho Marinho - Doutorando em Etnomusicologia pela


Universidade Federal da Bahia (UFBA), Mestre em Bibliotecono-
mia pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Especialista
em Pesquisa Educacional pela UFPB e Graduado em Percussão
pela UFPB e em Composição pela UFBA. ProfessorAssistente do
Departamento de Educação Musical da UFPB, foi Coordenador

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do Curso de Licenciatura em EducaçãoArtística desta Univesida- nandez, em Montes Claros-MG, de 1995 a 2002. Participou, como
de, de 1998 a 2002. Foi professor da Escola de Música Anthenor violonista, do Grupo Instrumental Marina Silva e do Grupo Instru-
Navarro, em João Pessoa-PB, de 1980 a 1990. Como timpanista e mental Trem Brasil, tendo gravado dois CDs com este último.Au-
percussionista, integrou as Orquestras Sinfônicas da Paraíba e da tor de artigos nas áreas de etnomusicologia e educação musical,
Bahia, os Grupos de Percussão do Nordeste, da UFPB e da UFBA, publicados em revistas especializadas e anais de congressos.
e o Grupo de Música Nova da Bahia.Autor de artigos nas áreas de
Educação Musical, Etnomusicologia, EducaçãoArtística e Ciência Rosemary Alves de Melo - Mestre em Ciências da Sociedade pela
da Informação, publicados em coletâneas, revistas especializadas e Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Especialista em
anais de congressos. Arte-Educação pela Universidade Regional do Cariri (URCA) e
Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual da Paraíba
Lívia Marques Carvalho - Doutora emArtes pela Escola de Comu- (UEPB). Professora Adjunta do Departamento de Educação da
nicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP), Mestre em UEPB – campus de Campina Grande –, lecionando nas gradua-
Biblioteconomia pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e ções em Pedagogia, História e Letras, desde 2004. Foi professora
Graduada em Educação Artística, Habilitação em Artes Plásticas, substituta do Departamento de Educação da URCA, na cidade do
pela UFPB. ProfessoraAdjunta do Departamento deArtes Visuais Crato-CE, de 2001 a 2003.
da UFPB. Coordenadora da Pinacoteca da UFPB. Foi Coordena-
dora do Núcleo deArte Contemporânea da UFPB, de 1999 a 2001. Maria das Graças Vital de Melo - Mestre em Educação pela Uni-
Assessora das Oficinas de Artes da Or ganização Não-Governa- versidade Federal da Paraíba (UFPB), Especialista em Filosofia
mental Casa Pequeno Davi, atividade de extensão universitária, pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Graduada em
desde 1989. Autora de diversos artigos sobre de ensino de arte no Pedagogia, habilitações em Supervisão e Administração Escolar,
terceiro setor em coletâneas e revistas especializadas. pela UFPE. Técnica em Assuntos Educacionais, exercendo a fun-
ção de pesquisadora e formadora de professores de Educação de
Luis Ricardo Silva Queiroz - Doutor em Etnomusicologia pela Uni- Jovens e Adultos (EJA) – na área de Arte-Cultura – no Núcleo de
versidade Federal da Bahia (UFBA), Mestre em Educação Musi- Ensino, Pesquisa e Extensão em Educação de Jovens e Adultos e
cal pelo Conservatório Brasileiro de Música (CBM) do Rio de em Educação Popular (NUPEP) do Centro de Educação da UFPE.
Janeiro e Graduado em EducaçãoArtística, Habilitação em Músi- Assessora na equipe de elaboração de livro didático do NUPEP
, na
ca, pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES). área de Arte-Cultura/Teatro, desde 1997.
Professor Adjunto do Departamento de Educação Musical e do
Programa de Pós-Graduação em Música (PPGM) da Universida-
de Federal da Paraíba (UFPB), é Coordenador do Curso de Licen-
ciatura em Música desta Universidade, e foi Chefe do Departamento
de Educação Musical, de 2004 a 2005. Foi professor da UNIMON-
TES, de 1998 a 2004, e do Conservatório de Música Lorenzo Fer -

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