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A DEFINIÇÃO DA POSSIBILIDADE DE PARTICIPAÇÃO DE CONSÓRCIOS EM LICITAÇÕES: O
ENTENDIMENTO RECENTE DO TCU
 
André Guskow Cardoso
Mestre em Direito do Estado pela UFPR
Advogado de Justen, Pereira, Oliveira & Talamini
 
1. Introdução
No recente acórdão 2.831/2012, o Plenário do Tribunal de Contas da União confirmou o dever
de  a  Administração  motivar  adequadamente  (e  de  modo  objetivo)  a  eventual  opção  pela  não
permissão de participação de consórcios em licitações.
Trata­se de entendimento de manifesta relevância, eis que confirma que, ainda que se repute
que  a  definição  a  respeito  da  participação  de  consórcios  constitui  competência  discricionária,  a
Administração  não  está  absolutamente  livre  para  optar  por  permitir  ou  não  a  participação  de
consórcios em licitações públicas.
 
2. O teor do acórdão 2.831/2012 ­ Plenário
            O acórdão 2.831/2012 recebeu a seguinte ementa:
"REPRESENTAÇÃO  COM  PEDIDO  DE  CAUTELAR.  POSSÍVEIS  IRREGULARIDADES  EM
LICITAÇÃO  PARA  CONSTRUÇÃO,  RECUPERAÇÃO  E  ALARGAMENTO  DE  PONTES
RODOVIÁRIAS  NA  BR  429/RO.  ACATAMENTO  DAS  JUSTIFICATIVAS  APRESENTADAS
PELO  DNIT.  INDEFERIMENTO  DA  CAUTELAR.  NECESSIDADE  DE  APRESENTAÇÃO  DE
JUSTIFICATIVAS  TÉCNICAS  E  ECONÔMICAS  MAIS  ROBUSTAS  QUANDO  DA
INADMISSÃO  DE  CONSÓRCIO  DE  EMPRESA.  PROCEDÊNCIA  PARCIAL.  CIÊNCIA  À
AUTARQUIA" (Plenário, rel. Min. ANA ARRAES, DOU 17.10.2012).
Consoante  o  voto  da  Ministra  Relatora,  "A  jurisprudência  deste  Tribunal  já  se  firmou  no
sentido  de  que  a  admissão  ou  não  de  consórcio  de  empresas  em  licitações  e  contratações  é
competência  discricionária  do  administrador,  devendo  este  exercê­la  sempre  mediante  justificativa
fundamentada". Indicou­se, ainda, que "Não obstante a participação de consórcio seja recomendada
sempre que o objeto seja considerado de alta complexidade ou vulto, tal alternativa também não é
obrigatória".
Nos termos do voto condutor do referido acórdão, "Devem ser consideradas as circunstâncias
concretas que indiquem se o objeto apresenta vulto ou complexidade que torne restrito o universo
de  possíveis  licitantes.  Somente  nessa  hipótese,  fica  o  administrador  obrigado  a  autorizar  a
participação  de  consórcio  de  empresas  no  certame,  com  o  intuito  precípuo  de  ampliar  a
competitividade e proporcionar a obtenção da proposta mais vantajosa".
Ao  examinar  a  questão  concreta,  o  TCU  ponderou  que  "Mesmo  que  se  pondere  que  a
competitividade poderia ter sido aumentada com a inclusão de consórcio de empresas não há nos
autos evidências de que tal fato tenha ocorrido no caso concreto, em virtude das peculiaridades da
obra em questão".
De qualquer modo, houve acolhimento da instrução técnica realizada, reconhecendo­se "que
o  Dnit  não  apresentou  justificativas  técnicas  e  econômicas  robustas  para  a  inadmissão  de
consórcios,  de  forma  a  afastar  quaisquer  questionamentos  acerca  da  decisão  adotada".  Desse
modo, foi dado parcial provimento à representação, para que fosse promovido o "encaminhamento
de  ciência  da  impropriedade  àquela  autarquia  federal,  a  fim  de  que,  nos  futuros  procedimentos
licitatórios, a entidade evite as deficiências apresentadas neste processo".
A determinação que constou do acórdão foi a seguinte:
"9.3.  dar  ciência  ao  Departamento  Nacional  de  Infraestrutura  de  Transportes  ­  Dnit  da
necessidade  de,  em  futuros  procedimentos  licitatórios,  apresentar  justificativas  técnicas  e
econômicas  robustas  para  a  inadmissão  de  consórcio  de  empresas,  de  forma  a  afastar
quaisquer questionamentos acerca da decisão adotada".
Enfim,  a  despeito  de  não  promover  a  invalidação  da  licitação  objeto  da  representação
examinada,  o  TCU  reafirmou  os  critérios  utilizados  por  aquela  Corte  de  Contas  para  o  exame  da
validade da não admissão de participação de consórcios pela Administração.
 
3.  Os  limites  à  discricionariedade  da  Administração  na  permissão  da  participação  de
consórcios
                        O  aspecto  mais  relevante  que  se  pode  extrair  do  acórdão  2.831/2012  consiste  no
reconhecimento da existência de limites à competência discricionária da Administração para definir
a possibilidade ou não da participação de consórcios em determinada licitação.
            Para tanto, foram reiterados alguns aspectos específicos a serem examinados com relação a
determinado certame licitatório.
            Primeiro, reputa­se que é recomendável admitir­se a participação de consórcios "sempre que
o objeto seja considerado de alta complexidade ou vulto".
            Depois, ressaltou­se que, confirmadas "as circunstâncias concretas que indiquem se o objeto
apresenta  vulto  ou  complexidade  que  torne  restrito  o  universo  de  possíveis  licitantes",  "fica  o
administrador  obrigado  a  autorizar  a  participação  de  consórcio  de  empresas  no  certame,  com  o
intuito  precípuo  de  ampliar  a  competitividade  e  proporcionar  a  obtenção  da  proposta  mais
vantajosa".  A  necessidade  de  exame  concreto  das  circunstâncias  peculiares  a  cada  licitação  foi
reafirmada  pelo  acórdão  quando  se  reputou  que  o  reconhecimento  da  invalidade  da  vedação  à
participação  de  consórcios  depende  de  evidências  concretas  que  demonstrem  que  a
"competitividade poderia ter sido aumentada com a inclusão de consórcio de empresas".
                        Por  último  ­  e  o  que  é  o  ponto  mais  relevante  do  acórdão  ora  examinado  ­  consiste  no
reconhecimento  do  dever  de  a  Administração  motivar  adequadamente  a  opção  pela  admissão  ou
não da participação de consórcios, por meio de "justificativas técnicas e econômicas robustas para a
inadmissão  de  consórcio  de  empresas,  de  forma  a  afastar  quaisquer  questionamentos  acerca  da
decisão adotada".
            Essa conclusão do acórdão, além de denotar a existência de limites evidentes à competência
discricionária para a Administração decidir ou não pela admissão da participação de empresas em
consórcio,  confirma  que  constitui  dever  da Administração  apresentar  as  justificativas  concretas  (de
cunho técnico e econômico) para eventual vedação à participação de consórcios.
                        Isso  deriva  da  própria  finalidade  da  participação  de  consórcios  em  licitações,  que  reside
justamente  na  possibilidade  de  permitir  a  participação  de  empresas  que,  isoladamente,  não
atenderiam  a  todos  os  requisitos  de  qualificação  técnica  exigidos  pelo  instrumento  convocatório,
com o objetivo de ampliar a competitividade.
            Conforme ressalta MARÇAL JUSTEN FILHO, "Há hipóteses em que as circunstâncias do
mercado e (ou) a complexidade do objeto tornam problemática a competição. Isso se passa quando
grande  quantidade  de  empresas,  isoladamente,  não  dispuserem  de  condições  para  participar  da
licitação. Nesse caso, o instituto do consórcio é a via adequada para propiciar ampliação do universo
de licitantes" (Comentários à lei de Licitações e Contratos Administrativos, 15ª ed., Dialética, 2012,
p. 565).
            Nessa mesma linha, LUCAS ROCHA FURTADO destaca que "A Lei nº 8.666/93 admite a
participação  de  empresas  consorciadas  em  contratos  administrativos,  sendo  essa  uma  forma  de
suprir  algum  requisito  ­  sobretudo  aqueles  relacionados  à  qualificação  técnica  ­  que  faltaria  a
alguma,  algumas  ou  eventualmente  a  todas  as  empresas.  A  possibilidade  de  formação  de
consórcios  permite  que  as  empresas  somem  suas  experiências  e  possam  atender  às  exigências
editalícias ampliando a competitividade de licitações para as contratações de grande vulto"  (Curso
de Licitações e Contratos Administrativos, 4ª ed., Fórum, 2012, p. 207). CARLOS ARI SUNDFELD
defende  o  mesmo  entendimento.  Segundo  o  doutrinador,  "Na  licitação,  deve­se  sempre  buscar  a
máxima competitividade, através de condições  que  permitam  a  máxima  afluência  de  licitantes.  Por
isso, sobretudo quando a contratação é de porte elevado ou envolve múltiplas especialidades, deve­
se admitir o consórcio, viabilizando a participação de pessoas que, isoladas, não teriam capacitação
suficiente para concorrer" (Licitação e Contrato Administrativo, 2ª ed., Malheiros, 1995, p. 131).
            Ou seja, na medida em que a participação de consórcios em determinada licitação relaciona­
se  diretamente  com  a  ampliação  da  competitividade,  que  é  um  dos  objetivos  primordiais  do
regime legal das licitações públicas, não cabe à Administração simplesmente negar a possibilidade
de tal participação em licitações cujo objeto seja de vulto e apresente complexidade técnica.
                        Logo,  ainda  que  se  entenda  que  tal  definição  se  encontre  no  campo  das  competências
discricionárias da Administração, cabe a plena motivação da vedação à participação de consórcios ­
até  mesmo  para  que  haja  a  possibilidade  do  controle  dessa  decisão  administrativa  por  parte  dos
órgãos de controle e do Poder Judiciário.
            Por se tratar de ato discricionário, impõe­se motivação explícita e objetiva das razões pelas
quais  a  Administração  pretende  impedir  a  participação  de  consórcios.  Nesse  sentido,  CELSO
ANTÔNIO  BANDEIRA  DE  MELLO  ressalta,  em  estudo  específico  a  respeito  do  tema,  que  "a
motivação deve ensejar que se confira, nos casos em que o agente disponha de alguma discrição
(seja sobre que aspecto for), se a decisão foi adequada, proporcional ao demandado para cumprir a
finalidade pública específica que deveria atender ante o escopo legal" (Discricionariedade e Controle
Jurisdicional, 2ª ed., 1996, p. 101).
            Examinando essa mesma questão, MARÇAL JUSTEN FILHO reafirma que o fato de se tratar
de  escolha  discricionária  "evidentemente  não  significa  autorização  para  decisões  arbitrárias  ou
imotivadas.  Admitir  ou  negar  a  participação  de  consórcios  é  o  resultado  de  um  processo  de
avaliação  da  realidade  do  mercado  em  face  do  objeto  a  ser  licitado  e  da  ponderação  dos  riscos
inerentes à atuação de uma pluralidade de sujeitos associados para a execução do objeto" (Ob. Cit.,
p. 568).
            Foi justamente o que determinou o acórdão 2.831/2012­Plenário.
 
4. Considerações finais
                        Assim,  tal  como  reafirmado  pelo  acórdão  2.831/2012­Plenário,  do  TCU,  sempre  que  se
esteja  diante  de  licitação  cujo  vulto  ou  complexidade  do  objeto  recomende  a  participação  de
consórcios  como  modo  de  ampliar  a  competitividade,  a  Administração  deverá  proferir  decisão
motivada  a  esse  respeito,  ponderando  todos  os  fatores  (técnicos  e  econômicos)  relevantes  para
tanto  e  considerando  as  circunstâncias  concretas  relacionadas  ao  certame.  Não  é  admissível  a
simples  vedação  à  participação  de  consórcios,  sem  a  plena  e  efetiva  justificativa,  sob  os  ângulos
técnico e econômico.
  
Informação bibliográfica do texto:
CARDOSO,  André  Guskow.  A  definição  da  possibilidade  de  participação  de  consórcios  em
licitações: o entendimento recente do TCU. Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba,
n.º  68,  outubro  de  2012,  disponível  em  http://www.justen.com.br//informativo.php?
l=pt&informativo=68&artigo=701, acesso em 21/05/2018.
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