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A INDÚSTRIA DO DISCO NO BRASIL: um breve relato

Eduardo Vicente
ECA/USP

Resumo: O texto busca oferecer uma visão panorâmica do atual cenário da indústria
fonográfica brasileira. A partir de uma descrição do desenvolvimento tecnológico e da
organização econômica dessa indústria é apresentado um quadro onde, se por um lado
a crescente concentração do mercado na mão de umas poucas gravadoras
transnacionais (as chamadas majors) cria novas instâncias para a padronização da
produção e a massificação consumo musical, por outro o maior acesso aos meios de
produção e distribuição possibilitados pelas tecnologias digitais oferece novas
perspectivas de atuação para selos e produtores independentes, bem como para a
constituição e sobrevivência de cenas locais. Palavras-chave: indústria fonográfica;
música popular; produção independente.

Introdução

A intenção deste texto é a de oferecer elementos para uma reflexão acerca


do cenário atual da indústria fonográfica brasileira. Procuro, para a elaboração deste
cenário, considerar tanto o patamar tecnológico atual da indústria quanto as estratégias
de atuação das grandes gravadoras (majors) e dos produtores e selos independentes
(indies). Acredito não haverem mais dúvidas de que a produção independente e, através
dela, a expressão de novas identidades – freqüentemente com fortes especificidades
étnicas, religiosas, culturais e/ou geográficas – tornou-se uma possibilidade real dentro
do âmbito da indústria. Tentarei explicar as razões disso e apontar também para a
tendência oposta, mostrando em que instâncias uma indústria fonográfica
crescentemente concentrada e transnacionalizada busca manter seu controle sobre o
mercado.

A cena musical brasileira

1
Ao longo dos últimos anos a indústria fonográfica brasileira atingiu um
desenvolvimento econômico sem paralelo em sua história, chegando a alcançar em 1997
a posição de 6° mercado fonográfico mundial. Paralelamente, o consumo de música
doméstica apresentou um expressivo crescimento, chegando naquele mesmo ano a
73%1. Este crescimento da produção doméstica e do consumo em geral deveu-se,
seguramente, à integração ao mercado tanto de grupos etários mais jovens quanto de
camadas sociais e regiões de menor poder aquisitivo. No primeiro caso tivemos, ainda
na década de 80, a afirmação do BRock e da música infantil – de onde saíram
fenômenos de vendas como Ritchie, RPM e as apresentadoras de TV Xuxa e Angélica.
No segundo, tivemos o crescimento e consolidação nacional de segmentos como o do
pagode (de SP, BA e RJ), do sertanejo urbano e de cenas locais como a da música
baiana (através da axé music e de bandas afro como Olodum e Timbalada, por
exemplo), do forró cearense, da música do Boi de Parintins, etc. Esta ampla
diversificação e segmentação envolveu, ainda, a música religiosa – fartamente
representada em praticamente todo país – e vários segmentos vinculados a tradições
musicais mundializadas como o reggae de São Luís, o Mangue Beat recifense, o rap da
periferia de grandes centros urbanos, o funk carioca, etc.

Além do aquecimento do consumo propiciado pelos primeiros anos do


Plano Real, outra razão para tão grande crescimento e diversificação da cena musical do
país está no advento das tecnologias digitais de produção, que desde o final dos anos 80,
começaram a modificar dramaticamente a constituição do cenário em todo o mundo. A
criação de equipamentos como o sampler – que permite a digitalização e manipulação
de amostras de áudio – e do protocolo de comunicação MIDI2, que permite a
interconexão de diferentes equipamentos, levou a uma ampla modificação no fazer
musical, bem como a uma dramática pulverização e barateamento da produção. A partir
destes desenvolvimentos, centenas de estúdios pequeno e médio porte, mas alta
qualidade de gravação, foram criados em praticamente todo o país. Esta disseminação
tecnológica foi fundamental não só para a criação de novos gêneros – como o rap, o
techno e o rock industrial, por exemplo – como também para um expressivo
crescimento do número de selos e da produção independente, que se tornaram a via de
acesso ao mercado para um amplo leque de novos artistas e tendências.

2
Um terceiro fator pode ser situado na atuação estratégica das grandes
gravadoras – as chamadas majors – que detém, atualmente, o controle sobre mais de
80% da música produzida no mundo3. E aqui é necessário um maior cuidado para a
discussão do cenário pois, se é razoável considerar que este representa efetivamente a
diversidade cultural do país, entendo que isto não nos permite, por si só, concluir que
esteja havendo uma efetiva democratização da produção musical ou da atuação da
indústria. Constatar que diferentes atores sociais estão representados em nossa produção
musical não equivale a dizer que exista igualdade nesta representação pois, “se a
ideologia do pós-industrialismo aponta para a autonomia local, para a individualidade
do consumidor, a dinâmica econômica revela outros aspectos. (...) No lugar da
fragmentação, observa-se uma crescente concentração das firmas”, e “concentração
significa controle”4. Esta concentração, muito significativa no âmbito da indústria do
disco, envolve as majors não apenas enquanto grandes gravadoras transnacionais, mas
como apêndices de “conglomerados globais de entretenimento integrado que incluem a
televisão, o cinema, as redes de lojas de discos, produtoras de espetáculos e, mais
recentemente, a Internet e os sistemas de difusão por cabo e por satélite”5. É necessário,
por isso, um olhar mais demorado sobre essas empresas e sobre os modos pelos quais
suas estratégias de atuação influenciam na constituição atual do mercado.

A atuação das majors

Ao discutir a atuação da indústria fonográfica durante a década de 70, Rita


Morelli aponta que, se as vendas iniciais das indústrias multinacionais instaladas no país
foram realizadas a partir de um repertório internacional – através, principalmente, de
compactos e trilhas de novela – sua efetiva consolidação só se deu, a partir do final da
década, com a “formação de um grupo de artistas nativos, capaz de se constituir numa
alternativa permanente aos grandes astros da música jovem internacional”6. Caso nos
voltemos para o cenário internacional, verificaremos que foi exatamente neste período
que as grandes gravadoras passaram a adotar “a sistemática exploração do mercado
externo como condição intrínseca de crescimento”7. Foram duas as razões para isso. Por
um lado, o mercado se mostrava mais permeável a novas tradições musicais já que a
música disco – o segmento dominante – tinha por padrão incorporar influências das

3
mais diversas fontes e regiões. Por outro, a indústria veio a sofrer uma grave crise no
início dos anos 80, com uma expressiva queda em seu faturamento global. A
recuperação só se deu, ao longo da década, a partir de dois fronts: vendas concentradas
em uns poucos artistas com grande penetração internacional (como Michael Jackson,
Madonna, U2, Prince, Whitney Houston, Diana Ross, Lionel Ritchie, Tina Turner, etc)
e vendas de artistas domésticos nos países onde estavam implantadas subsidiárias das
majors (sendo Julio Iglesias o caso mais significativos)8.

Entendo que este padrão de atuação da indústria continue perfeitamente


válido para o momento atual. Os repertórios locais continuam a crescer em importância.
Simultaneamente, a concentração das vendas em poucos segmentos e artistas tornou-se
uma característica praticamente definidora da grande indústria pois “a nova
configuração das gravadoras em conglomerados de entretenimento a partir dos anos 80
tem sido acompanhada, como no cinema, por uma crescente lógica do blockbuster. Em
lugar de aspirar a múltiplos álbuns que vendam bem, ou seja, recuperem seus
investimentos e produzam um ganho regular, as majors preferem acertar com alguns
poucos hits que vendam mais de US$ 100 milhões, como ‘Jagged Little Pill’ de Alanis
Morissette ou ‘Let’s Talk About Love’, de Celine Dion... Para que um álbum venda
nestas proporções é requerido um enorme investimento para promovê-lo e integrá-lo a
uma variedade de formatos – como películas, programas de televisão, videoclips, sites
na Internet, etc”9. A razão para isso me parece clara: se o barateamento dos custos de
produção tende a colocar majors e indies em posições menos desiguais em relação ao
mercado, é nesta promoção maciça e integrada de seus produtos que a grande indústria
obtém sua decisiva vantagem competitiva.

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Entendo que foi a partir dos anos 80, com o surgimento do BRock, que o
mercado fonográfico brasileiro adequou-se de forma plena a esse cenário. Com o
BRock, o consumo passou a basear-se majoritariamente em um público jovem, em
álbuns ao invés de compactos e na promoção e consumo maciço de uns poucos artistas.
De qualquer forma, este cenário ainda não nos oferece explicações para o amplo

4
processo de diversificação musical que se seguiu. Para tanto, é preciso discutir outro
aspecto da política de atuação das majors, este ligado à inovação tecnológica.

Terceirização e segmentação

Caso analisemos o relato de Arthur Dapieve sobre a emergência do rock


brasileiro dos anos 80, poderemos inferir que o movimento foi alavancado, entre outros
fatores, por um eficiente circuito exibidor formado por projetos culturais e casas
noturnas ociosas com o final da febre disco. Em São Paulo este cenário era formado
pelo Teatro Lira Paulistana e por danceterias como “Madame Satã, Carbono 14, Rose
Bom-Bom, Napalm e Rádio Clube. No Rio, fora os bares, o point do rock era o lendário
Circo Voador”10. Produzir um disco, no entanto, era bastante difícil para os artistas.
Seus trabalhos iniciais limitavam-se a fitas-demo gravadas em pequenos estúdios ou
mesmo em equipamentos domésticos. Praticamente não ocorreram lançamentos de
discos independentes e todas as bandas realmente bem sucedidas do cenário acabaram
por assinar com grandes selos desde o seu início: Ritchie gravou pela CBS e pela
PolyGram; Lulu Santos pela Warner e pela RCA; a Blitz, o Legião Urbana e os
Paralamas do Sucesso pela EMI-Odeon; e assim por diante11. Os grupos e artistas
tinham, via de regra, de ser descobertos por produtores das majors – como Pena
Schmidt, Liminha e Guto Graça Mello, por exemplo – que passavam a cuidar das
gravações em todos os seus detalhes. Este processo implicava, para a gravadora, em
assumir riscos e compromissos com a formação do artista, objetivando prepará-lo (às
vezes ao longo de anos) para seu relacionamento eficiente com o mercado.

Mas esta é uma situação que, a partir dos anos 90, mudará radicalmente. As
tecnologias digitais abrirão, como vimos, espaço para a criação de novos estúdios, para
a produção doméstica com qualidade e para uma ampla pulverização e redução dos
custos de gravação e impressão de CDs: fatores que permitirão o ingresso no mercado
de uma ampla gama de novos artistas, bandas e selos independentes. A resposta
estratégica das majors a este cenário virá na forma de uma intensa terceirização de suas
atividades de produção. Produtores musicais e diretores artísticos desligam-se das
grandes gravadoras passando, em muitos casos, a criar seus próprios selos, empenhados

5
na descoberta e posterior repasse de artistas para as majors. Os próprios estúdios são
terceirizados. A Warner Music, que chegara ao país no final dos anos 70 “não chegou
nem a ter o próprio estúdio... A EMI brasileira já teve 3 estúdios de primeira qualidade,
mas optou pela terceirização. ...A BMG-Ariola encontrou uma solução diferente para
seus 3 estúdios: eles foram repassados aos técnicos, que fazem prestação de serviços
para a BMG quando necessário...Restaram apenas os grandes estúdios das gravadoras
em Londres, Los Angeles e Nova York (...que) dividem o mercado com diversos
estúdios particulares e caseiros”12.

Embora a terceirização só tenha se tornado possível a partir de um novo


patamar tecnológico, ela se liga também a outros dois fatores cruciais: a capacidade das
majors em manter sob seu controle as atividades de divulgação e distribuição, de modo
a não permitir o crescimento da participação dos selos independentes nestas áreas
estratégicas, e a existência efetiva de um conjunto de produtores, selos e circuitos de
exibição e distribuição que, substituindo as majors, pudessem se encarregar da
descoberta e formação de novos artistas. Por essa estratégia, as majors conseguiram não
apenas reduzir seus custos de produção e riscos na contratação de artistas, mas também
manter condições para uma atuação muito mais diversificada e flexível ante o mercado
(embora mantendo suas ações de marketing sempre concentradas em uns poucos
artistas).

A partir de seu controle sobre os meios de divulgação e distribuição, as


majors tendem a estabelecer limites bastante claros para a atuação de artistas e selos
independentes. Os padrões de mercado que elas priorizaram tendem a assumir uma
enorme relevância, estruturando hierarquicamente todo o campo de produção. Isso se dá
tanto em relação aos segmentos estabelecidos como dominantes quanto aos seus artistas
de maior destaque. Uma major só se interessará pela contratação ou distribuição dos
artistas das indies que se situem dentro desses padrões. O mesmo vale para artistas
isolados, que terão grandes dificuldades para ingressar no mercado se não se
encaixarem dentro dos limites bastante definidos de determinado segmento. Assim,
decisões relativas à escolha do visual, ao modo de interpretação, à temática e aos
arranjos das canções tendem a balizar-se por parâmetros estabelecidos pelos artistas

6
“dominantes” do segmento e que estão, necessariamente, vinculados às grandes
gravadoras. Novos grupos de pagode, cantores de axé, de música sertaneja ou infantil
devem, portanto, reportar-se a estes parâmetros, demonstrar conhecê-los, definir-se em
relação a eles para obter sucesso.

De um modo geral, as indies também não tem, a princípio, a possibilidade


de atuar de forma independente e contínua em segmentos visados pelas majors. Caso
sua atuação seja excepcionalmente bem sucedida, a tendência é de que a gravadora
perca seus artistas ou mesmo seja adquirida por uma delas. Isso tende a limitar a atuação
das indies aos mercados marginais, de consumo restrito. Porém, num mercado movido
pela novidade, é justamente dessas “margens” – menos sujeitas à hierarquização e à
padronização – que tendem a aflorar os novos artistas e tendências que, amanhã,
poderão estar sendo assimilados pela grande indústria e difundidos nacional ou até
internacionalmente. Neste sentido, embora as majors sejam responsáveis por uma
parcela esmagadora das vendas de suportes musicais legais no país, elas seguramente
não possuem uma representatividade correspondente em relação à sua diversidade
musical. Por isso, o estudo da cena musical independente assume uma importância
fundamental.

A produção independente

Como já foi apontado, uma das possibilidades para a produção musical


independente é a de estar trabalhando em associação com as majors, produzindo artistas
para serem repassados a estas. O selo MZA exemplifica perfeitamente esta tendência.
Criado pelo produtor Marcos Mazzola, ele é uma espécie de joint venture com a
Universal Music – que cuida da divulgação e distribuição de suas produções. Entre os
artistas lançados pelo selo estão Chico César, Rita Ribeiro e Zeca Baleiro.

Outro caminho também já assinalado é o de explorar nichos de mercado que


não interessem aos grandes selos. Temos, por exemplo, selos independentes como o
Visom (RJ) e o Núcleo Contemporâneo (SP) atuando no mercado de música
instrumental, e como o MCD e o Azul Records (ambos de SP) atuando no de New Age e

7
World Music. Há selos vinculados a identidades étnicas como o JWS, o Zimbabwe e o
Kaskata’s Records (ligados ao rap e à música negra) e a identidades religiosas como o
católico Paulinas Comep ou os evangélicos Bom Pastor, Gospell Records e Line
Records.

Selos de atuação mais ampla e diversificada – como Trama (SP), Indie


Records (RJ) e Natasha Records (RJ) são, sintomaticamente, distribuídos por majors (a
Universal nos dois primeiros casos e a BMG no terceiro). Os complexos problemas de
distribuição e os altos custos de divulgação fazem com que os selos que não tenham este
caráter mais identitário ou de nicho de consumo, sejam ligados a tradições musicais
geograficamente delimitadas. Este é o caso do Outros Brasis (que trabalha com música
do Pará) e do Sonhos & Sons (que trabalha quase exclusivamente com artistas de Minas
Gerais). A Atração Fonográfica (SP) – talvez a maior gravadora independente do país –
exemplifica bem esta estratégia de ação. O selo trabalha basicamente com música
regional do país inteiro que promove e distribui localmente. Artistas que acabam
ultrapassando os limites de sua região – como foi o caso da banda Carrapicho, do norte
do país, um dos primeiros contratados da Atração – são repassados para majors. Já que
suas vendas não se concentram em blockbusters, as gravadoras independentes tendem,
também, a trabalhar com casts e catálogos as vezes muito mais amplos do que os das
próprias majors13.

Em função de sua presença crescente no mercado, os selos independentes


tendem a assumir uma importância e organização cada vez maiores. Na busca de sua
maior articulação vários selos criaram, em 1999, a AMI – Associação dos Músicos
Independentes. Com isso, buscam estimular as ações de divulgação conjunta, obter
melhores condições de negociação junto a seus fornecedores e maior representatividade
perante a Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD), que reúne as
principais gravadoras no país14.

Distribuição e divulgação

8
Como já sublinhei, o controle dos espaços de distribuição e divulgação é
uma necessidade estratégica das majors. No Brasil, a cena independente tem buscado
uma maior articulação também para a realização destas atividades. A tradicional
gravadora paulistana Eldorado passou a atuar nos últimos anos exclusivamente na área
de distribuição fonográfica. De alcance nacional, a Eldorado atende mercados regionais
e lojistas especializados hoje praticamente ignorados pelas majors e parece estar
abrindo novas e importantes perspectivas para diversos selos independentes. A
Eldorado distribui aproximadamente 40 selos, entre os quais podemos destacar
Albatroz, Big Posse, Dabliú, Cogumelo, CPC-Umes, Pau-Brasil, Velas e Runaway.

Possibilidades alternativas de distribuição e divulgação são oferecidas


também pela Internet, onde praticamente todos os selos independentes possuem sites
para a divulgação de artistas e vendas de CDs. A própria Eldorado está em vias de
lançar sua loja virtual, onde estarão disponíveis todos os produtos dos selos que
distribui. Bancas de jornais também tem sido buscadas por independentes como espaço
alternativo de distribuição. O selo Panela Records, do músico e produtor Pierre
Aderne, trabalha exclusivamente com esse espaço de distribuição, onde tem lançado
trabalhos de bandas como a Blitz e de artistas como Oswaldo Montenegro, Baby do
Brasil, Léo Jaime e Geraldo Azevedo. Também o cantor e compositor Lobão utilizou-se
das bancas para a distribuição de seu último álbum – o independente “A Vida é Doce”,
de 99.

Outro elemento que tende a assumir grande importância no âmbito da


distribuição musical é o MP3. Uma consequência do desenvolvimento do DVD15, o
Mp3 é um formato de compressão de áudio que permite a digitalização de músicas em
arquivos muito menores do que os gerados no formato anterior (o WAV). Arquivos
menores viabilizaram a circulação de música gravada através da Internet, atividade que
passou a envolver em poucos anos a criação de novos softwares, sites especializados e
aparelhos reprodutores, bem como a circulação de centenas de milhões de cópias de
músicas - não autorizadas em sua quase totalidade - pela rede. Além das amplas
possibilidades que abre para essa difusão ilegal, o formato cria novas vias de
distribuição para indies e artistas independentes. Nos EUA, pesquisas apontam que os

9
negócios envolvendo o download de música digitalizada poderão adicionar US$ 1,1
bilhões ao faturamento da indústria musical em 200316. No Brasil, o formato se tornou
uma possibilidade atraente tanto para gravadoras quanto para artistas independentes. Em
1999 a BMGV Software “criou a primeira gravadora virtual do país, a Música Online,
que oferece músicas de Ná Ozzetti, Belô Velloso, Língua de Trapo e Jorge Mautner,
entre outros, por meio do endereço http://www. uol.com.br/bmgv. Pouco antes do Natal
foi lançada a gravadora virtual de música eletrônica FiberOnline
(http://www.fiberonline.com.br)... Com o mesmo sistema, o Clube do MP3
(http://www.mp3clube.com) abriga trabalhos de músicos desconhecidos e informações
gerais sobre música”17.

Diversos confrontos legais relacionados com o MP3 tem oposto as majors a


artistas, provedores e fabricantes de hardwares e softwares18. As gravadoras buscam,
para evitar a quebra de seu controle sobre a distribuição, a criação de softwares
equivalentes ao MP3 que não permitam a livre cópia e reprodução das músicas,
mudanças na legislação que favoreçam seu controle sobre direitos autorais e, ainda,
fusões e associações com outras empresas que lhes dêem vantagem competitiva na
exploração deste novo mercado19. É certo que este continuará a ser pelos próximos anos
um importante foco de tensões para a indústria, não estando ainda totalmente claros
quais os rumos que essa nova variável dará ao mercado.

Embora toda a polêmica em torno do MP3 ocupe um grande espaço na mídia,


uma questão ainda mais fundamental para a indústria fonográfica no país é, sem dúvida,
a da pirataria em CDs. Calcula-se que 40% dos CDs vendidos atualmente no país sejam
cópias piratas20. A pirataria tende a afetar tanto majors como indies, e tem atingido
duramente os comerciantes especializados em discos no país – já bastante fragilizados
diante da crise econômica e da concorrência dos grandes magazines.

Conclusão

A configuração atual da indústria fonográfica brasileira, tanto no que se


refere a seu patamar tecnológico quanto às suas estratégias de atuação e nível de

10
organização econômica, é bastante similar a dos países centrais. Neste sentido, podemos
falar numa efetiva globalização desta indústria. É possível concluir também que, em
relação ao cenário mais geral da globalização econômica, a particularidade da indústria
fonográfica é a de que a associação entre concentração econômica e segmentação da
produção – uma característica geral do processo – ocorre mais através de uma divisão
de funções entre as majors e as indies do que propriamente no âmbito de cada indústria.

Embora uma análise da configuração atual da indústria e mesmo de seu


desenvolvimento histórico tenda a mostrar uma clara associação de seu sucesso à
incorporação de novas tecnologias, é forçoso reconhecer que os meios digitais de
produção e distribuição – principalmente os vinculados à Internet – estão provocando
uma certa desorganização da indústria e levando a decisões estratégicas cujas
consequências ainda não estão totalmente claras.

Além disso, a emergência de mercados e circuitos de produção, exibição e


distribuição baseados em identidade e consumo local, com razoável independência das
grandes redes de mídia, oferecem um cenário alentador para o surgimento de novas
vozes, bem como novas possibilidades estratégicas para a atuação de agentes antes
estranhos ao campo. Embora as sinalizações para o ingresso no “grande mercado” sejam
bastante claras e possuam um grande poder de coerção, este conjunto de “ruídos de
fundo”, de aparentes brechas no modelo claramente monopolista e cartelizado das
majors, nos dá ao menos o vislumbre de novas possibilidades realmente comunicativas
e interativas no âmbito da música, principalmente num país de cena musical tão
diversificada como o nosso.

Bibliografia

BOURDIEU, Pierre, As Regras da Arte. São Paulo, Cia das Letras, 1996.

GAROFALO, R. “Whose world, what beat: The Transnational Music Industry, Identity
and Cultural Imperialism”. In: Music of the world - Journal of the International Institute
for the Traditional Music (IITM), nº35(2), Berlin, 1993.

11
IFPI, The Recording Industry in Numbers 99: the definitive source of global music
market information, London, 1999

MORELLI, R. C. L., Indústria Fonográfica: Um Estudo Antropológico, Campinas, Ed.


UNICAMP, Série Teses, 1991

NATALE, Edson, Guia Brasileiro de Produção Musical 1994/1995, São Paulo, NPA
Editora, 1994

ORTIZ, Renato, Mundialização e Cultura, São Paulo, Brasiliense, 1994

YÚDICE, G. La Industria de la Musica en el Marco de la Integración América Latina –


Estados Unidos: Conferência apresentada no seminário “Integración Económica e
Industrias Culturales en América Latina y el Caribe”, Buenos Aires, jul/98. Texto
fornecido pelo autor

Notas

1
IFPI, The Recording Industry in Numbers 99: the definitive source of global music market information,
London, IFPI, 1999. O índice de consumo de repertório doméstico brasileiro só é superado no continente
pelo norte-americano (91%). Logo abaixo do Brasil estão Venezuela (69%) e México (57%).
2
MIDI é a sigla para a expressão Musical Instruments Digital Interface. As tecnologias de produção
musical foram tema de minha dissertação de mestrado “A Música Popular e as Novas Tecnologias de
Produção Musical”, defendida em 1996 no IFCH da Unicamp.
3
São consideradas majors as gravadoras: Universal, BMG, , Sony, Warner e EMI. No caso brasileiro,
incluo nesta relação a Abril Music, do Grupo Abril, e a Som Livre, pertencente às Organizações Globo.
4
ORTIZ, R. Mundialização e Cultura: São Paulo, Brasiliense, 1994, p. 163.
5
YÚDICE, G, La Industria de la Musica en el Marco de la Integración América Latina – Estados
Unidos: Conferência apresentada no seminário “Integración Económica e Industrias Culturales en
América Latina y el Caribe”, Buenos Aires, jul/98. Texto fornecido pelo autor
6
MORELLI, R. C. L., Indústria Fonográfica: Um Estudo Antropológico, Campinas, Ed. UNICAMP,
Série Teses, 1991, p. 69. Morelli aponta Belchior e Fagner como os dois nomes emblemáticos da atuação
desenvolvida pela indústria no período.

12
7
GAROFALO, R. “Whose world, what beat: The Transnational Music Industry, Identity and Cultural
Imperialism”. In: Music of the world - Journal of the International Institute for the Traditional Music
(IITM), nº35(2), Berlin, 1993, p. 28.
8
Idem, ibidem, p.29
9
YÚDICE, G. op. cit.
10
DAPIEVE, Arthur, BRock: O Rock Brasileiro dos Anos 80, SP, Editora 34, 1995, p. 31
11
Exceções, como o selo independente paulistano “Baratos Afins”, de Luis Carlos Calanca, praticamente
confirmam a regra uma vez que estão frequentemente vinculados a segmentos mais específicos do rock
nacional – como o punk e o heavy metal – e menos passíveis, portanto, de alcançar a grande penetração
obtida pelos grupos e artistas aqui citados.
12
Revista Backstage n. 1, 1994, pág. 39
13
O catálogo da Atração Fonográfica, por exemplo, tem aproximadamente 400 títulos.
14
Entre os envolvidos no projeto da AMI estão os selos Visom, MCD, Núcleo Contemporâneo e Pau
Brasil, além dos produtores Edson Natale e Pena Schmidt.
15
A redução do tamanho dos arquivos de áudio facilita sua leitura e reprodução conjunta com os arquivos
de imagem pelo aparelho de DVD.
16
Conf. Sites + Sounds, informativo da Billboard online, 13/04/1999
17
Idem, ibidem.
18
Consultar a esse respeito “Música na Internet acirra disputas judiciais” Folha de S. Paulo, 26/04/2000;
“Novos softwares podem inviabilizar direito autoral”, New York Times, 10/05/2000 “Pirataria na Net
ameaça indústria fonográfica”, Reuters, 03/03/2000 e “MP3.com é considerada culpada por violação de
copyright”, IDG Now, 28/04/2000
19
Como foi o caso da fusão entre o grupo Time-Warner e a America On Line, ocorrida em 1999 e que
visa, entre outras coisa, a viabilização do comércio on-line de música e vídeo.
20
“Brasil pode ser rebaixado por pirataria”, Gazeta Mercanti, SP, 12/04/2000

13

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