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Eduardo Vicente
ECA/USP
Resumo: O texto busca oferecer uma visão panorâmica do atual cenário da indústria
fonográfica brasileira. A partir de uma descrição do desenvolvimento tecnológico e da
organização econômica dessa indústria é apresentado um quadro onde, se por um lado
a crescente concentração do mercado na mão de umas poucas gravadoras
transnacionais (as chamadas majors) cria novas instâncias para a padronização da
produção e a massificação consumo musical, por outro o maior acesso aos meios de
produção e distribuição possibilitados pelas tecnologias digitais oferece novas
perspectivas de atuação para selos e produtores independentes, bem como para a
constituição e sobrevivência de cenas locais. Palavras-chave: indústria fonográfica;
música popular; produção independente.
Introdução
1
Ao longo dos últimos anos a indústria fonográfica brasileira atingiu um
desenvolvimento econômico sem paralelo em sua história, chegando a alcançar em 1997
a posição de 6° mercado fonográfico mundial. Paralelamente, o consumo de música
doméstica apresentou um expressivo crescimento, chegando naquele mesmo ano a
73%1. Este crescimento da produção doméstica e do consumo em geral deveu-se,
seguramente, à integração ao mercado tanto de grupos etários mais jovens quanto de
camadas sociais e regiões de menor poder aquisitivo. No primeiro caso tivemos, ainda
na década de 80, a afirmação do BRock e da música infantil – de onde saíram
fenômenos de vendas como Ritchie, RPM e as apresentadoras de TV Xuxa e Angélica.
No segundo, tivemos o crescimento e consolidação nacional de segmentos como o do
pagode (de SP, BA e RJ), do sertanejo urbano e de cenas locais como a da música
baiana (através da axé music e de bandas afro como Olodum e Timbalada, por
exemplo), do forró cearense, da música do Boi de Parintins, etc. Esta ampla
diversificação e segmentação envolveu, ainda, a música religiosa – fartamente
representada em praticamente todo país – e vários segmentos vinculados a tradições
musicais mundializadas como o reggae de São Luís, o Mangue Beat recifense, o rap da
periferia de grandes centros urbanos, o funk carioca, etc.
2
Um terceiro fator pode ser situado na atuação estratégica das grandes
gravadoras – as chamadas majors – que detém, atualmente, o controle sobre mais de
80% da música produzida no mundo3. E aqui é necessário um maior cuidado para a
discussão do cenário pois, se é razoável considerar que este representa efetivamente a
diversidade cultural do país, entendo que isto não nos permite, por si só, concluir que
esteja havendo uma efetiva democratização da produção musical ou da atuação da
indústria. Constatar que diferentes atores sociais estão representados em nossa produção
musical não equivale a dizer que exista igualdade nesta representação pois, “se a
ideologia do pós-industrialismo aponta para a autonomia local, para a individualidade
do consumidor, a dinâmica econômica revela outros aspectos. (...) No lugar da
fragmentação, observa-se uma crescente concentração das firmas”, e “concentração
significa controle”4. Esta concentração, muito significativa no âmbito da indústria do
disco, envolve as majors não apenas enquanto grandes gravadoras transnacionais, mas
como apêndices de “conglomerados globais de entretenimento integrado que incluem a
televisão, o cinema, as redes de lojas de discos, produtoras de espetáculos e, mais
recentemente, a Internet e os sistemas de difusão por cabo e por satélite”5. É necessário,
por isso, um olhar mais demorado sobre essas empresas e sobre os modos pelos quais
suas estratégias de atuação influenciam na constituição atual do mercado.
3
mais diversas fontes e regiões. Por outro, a indústria veio a sofrer uma grave crise no
início dos anos 80, com uma expressiva queda em seu faturamento global. A
recuperação só se deu, ao longo da década, a partir de dois fronts: vendas concentradas
em uns poucos artistas com grande penetração internacional (como Michael Jackson,
Madonna, U2, Prince, Whitney Houston, Diana Ross, Lionel Ritchie, Tina Turner, etc)
e vendas de artistas domésticos nos países onde estavam implantadas subsidiárias das
majors (sendo Julio Iglesias o caso mais significativos)8.
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Entendo que foi a partir dos anos 80, com o surgimento do BRock, que o
mercado fonográfico brasileiro adequou-se de forma plena a esse cenário. Com o
BRock, o consumo passou a basear-se majoritariamente em um público jovem, em
álbuns ao invés de compactos e na promoção e consumo maciço de uns poucos artistas.
De qualquer forma, este cenário ainda não nos oferece explicações para o amplo
4
processo de diversificação musical que se seguiu. Para tanto, é preciso discutir outro
aspecto da política de atuação das majors, este ligado à inovação tecnológica.
Terceirização e segmentação
Mas esta é uma situação que, a partir dos anos 90, mudará radicalmente. As
tecnologias digitais abrirão, como vimos, espaço para a criação de novos estúdios, para
a produção doméstica com qualidade e para uma ampla pulverização e redução dos
custos de gravação e impressão de CDs: fatores que permitirão o ingresso no mercado
de uma ampla gama de novos artistas, bandas e selos independentes. A resposta
estratégica das majors a este cenário virá na forma de uma intensa terceirização de suas
atividades de produção. Produtores musicais e diretores artísticos desligam-se das
grandes gravadoras passando, em muitos casos, a criar seus próprios selos, empenhados
5
na descoberta e posterior repasse de artistas para as majors. Os próprios estúdios são
terceirizados. A Warner Music, que chegara ao país no final dos anos 70 “não chegou
nem a ter o próprio estúdio... A EMI brasileira já teve 3 estúdios de primeira qualidade,
mas optou pela terceirização. ...A BMG-Ariola encontrou uma solução diferente para
seus 3 estúdios: eles foram repassados aos técnicos, que fazem prestação de serviços
para a BMG quando necessário...Restaram apenas os grandes estúdios das gravadoras
em Londres, Los Angeles e Nova York (...que) dividem o mercado com diversos
estúdios particulares e caseiros”12.
6
“dominantes” do segmento e que estão, necessariamente, vinculados às grandes
gravadoras. Novos grupos de pagode, cantores de axé, de música sertaneja ou infantil
devem, portanto, reportar-se a estes parâmetros, demonstrar conhecê-los, definir-se em
relação a eles para obter sucesso.
A produção independente
7
World Music. Há selos vinculados a identidades étnicas como o JWS, o Zimbabwe e o
Kaskata’s Records (ligados ao rap e à música negra) e a identidades religiosas como o
católico Paulinas Comep ou os evangélicos Bom Pastor, Gospell Records e Line
Records.
Distribuição e divulgação
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Como já sublinhei, o controle dos espaços de distribuição e divulgação é
uma necessidade estratégica das majors. No Brasil, a cena independente tem buscado
uma maior articulação também para a realização destas atividades. A tradicional
gravadora paulistana Eldorado passou a atuar nos últimos anos exclusivamente na área
de distribuição fonográfica. De alcance nacional, a Eldorado atende mercados regionais
e lojistas especializados hoje praticamente ignorados pelas majors e parece estar
abrindo novas e importantes perspectivas para diversos selos independentes. A
Eldorado distribui aproximadamente 40 selos, entre os quais podemos destacar
Albatroz, Big Posse, Dabliú, Cogumelo, CPC-Umes, Pau-Brasil, Velas e Runaway.
9
negócios envolvendo o download de música digitalizada poderão adicionar US$ 1,1
bilhões ao faturamento da indústria musical em 200316. No Brasil, o formato se tornou
uma possibilidade atraente tanto para gravadoras quanto para artistas independentes. Em
1999 a BMGV Software “criou a primeira gravadora virtual do país, a Música Online,
que oferece músicas de Ná Ozzetti, Belô Velloso, Língua de Trapo e Jorge Mautner,
entre outros, por meio do endereço http://www. uol.com.br/bmgv. Pouco antes do Natal
foi lançada a gravadora virtual de música eletrônica FiberOnline
(http://www.fiberonline.com.br)... Com o mesmo sistema, o Clube do MP3
(http://www.mp3clube.com) abriga trabalhos de músicos desconhecidos e informações
gerais sobre música”17.
Conclusão
10
organização econômica, é bastante similar a dos países centrais. Neste sentido, podemos
falar numa efetiva globalização desta indústria. É possível concluir também que, em
relação ao cenário mais geral da globalização econômica, a particularidade da indústria
fonográfica é a de que a associação entre concentração econômica e segmentação da
produção – uma característica geral do processo – ocorre mais através de uma divisão
de funções entre as majors e as indies do que propriamente no âmbito de cada indústria.
Bibliografia
BOURDIEU, Pierre, As Regras da Arte. São Paulo, Cia das Letras, 1996.
GAROFALO, R. “Whose world, what beat: The Transnational Music Industry, Identity
and Cultural Imperialism”. In: Music of the world - Journal of the International Institute
for the Traditional Music (IITM), nº35(2), Berlin, 1993.
11
IFPI, The Recording Industry in Numbers 99: the definitive source of global music
market information, London, 1999
NATALE, Edson, Guia Brasileiro de Produção Musical 1994/1995, São Paulo, NPA
Editora, 1994
Notas
1
IFPI, The Recording Industry in Numbers 99: the definitive source of global music market information,
London, IFPI, 1999. O índice de consumo de repertório doméstico brasileiro só é superado no continente
pelo norte-americano (91%). Logo abaixo do Brasil estão Venezuela (69%) e México (57%).
2
MIDI é a sigla para a expressão Musical Instruments Digital Interface. As tecnologias de produção
musical foram tema de minha dissertação de mestrado “A Música Popular e as Novas Tecnologias de
Produção Musical”, defendida em 1996 no IFCH da Unicamp.
3
São consideradas majors as gravadoras: Universal, BMG, , Sony, Warner e EMI. No caso brasileiro,
incluo nesta relação a Abril Music, do Grupo Abril, e a Som Livre, pertencente às Organizações Globo.
4
ORTIZ, R. Mundialização e Cultura: São Paulo, Brasiliense, 1994, p. 163.
5
YÚDICE, G, La Industria de la Musica en el Marco de la Integración América Latina – Estados
Unidos: Conferência apresentada no seminário “Integración Económica e Industrias Culturales en
América Latina y el Caribe”, Buenos Aires, jul/98. Texto fornecido pelo autor
6
MORELLI, R. C. L., Indústria Fonográfica: Um Estudo Antropológico, Campinas, Ed. UNICAMP,
Série Teses, 1991, p. 69. Morelli aponta Belchior e Fagner como os dois nomes emblemáticos da atuação
desenvolvida pela indústria no período.
12
7
GAROFALO, R. “Whose world, what beat: The Transnational Music Industry, Identity and Cultural
Imperialism”. In: Music of the world - Journal of the International Institute for the Traditional Music
(IITM), nº35(2), Berlin, 1993, p. 28.
8
Idem, ibidem, p.29
9
YÚDICE, G. op. cit.
10
DAPIEVE, Arthur, BRock: O Rock Brasileiro dos Anos 80, SP, Editora 34, 1995, p. 31
11
Exceções, como o selo independente paulistano “Baratos Afins”, de Luis Carlos Calanca, praticamente
confirmam a regra uma vez que estão frequentemente vinculados a segmentos mais específicos do rock
nacional – como o punk e o heavy metal – e menos passíveis, portanto, de alcançar a grande penetração
obtida pelos grupos e artistas aqui citados.
12
Revista Backstage n. 1, 1994, pág. 39
13
O catálogo da Atração Fonográfica, por exemplo, tem aproximadamente 400 títulos.
14
Entre os envolvidos no projeto da AMI estão os selos Visom, MCD, Núcleo Contemporâneo e Pau
Brasil, além dos produtores Edson Natale e Pena Schmidt.
15
A redução do tamanho dos arquivos de áudio facilita sua leitura e reprodução conjunta com os arquivos
de imagem pelo aparelho de DVD.
16
Conf. Sites + Sounds, informativo da Billboard online, 13/04/1999
17
Idem, ibidem.
18
Consultar a esse respeito “Música na Internet acirra disputas judiciais” Folha de S. Paulo, 26/04/2000;
“Novos softwares podem inviabilizar direito autoral”, New York Times, 10/05/2000 “Pirataria na Net
ameaça indústria fonográfica”, Reuters, 03/03/2000 e “MP3.com é considerada culpada por violação de
copyright”, IDG Now, 28/04/2000
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Como foi o caso da fusão entre o grupo Time-Warner e a America On Line, ocorrida em 1999 e que
visa, entre outras coisa, a viabilização do comércio on-line de música e vídeo.
20
“Brasil pode ser rebaixado por pirataria”, Gazeta Mercanti, SP, 12/04/2000
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