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Iohannes ludens

Por Francisco Vitoriano

E, na realidade, a poiesis é uma função lúdica.


(Johan Huizinga)

Aproveito-me da definição huizinguiana para falar do livro Por sobre as cabeças de


João Andrade, que soube brincar nos seus poemas na medida da exigência do jogo poético.
Essa obra consegue trazer em si não só a pura poesia, mas também um jogo cujos
jogadores são as palavras, que se entrelaçam para a feitura de poemas sintéticos, exatos e,
portanto, perfeitos. Esclareça-se que o jogo aqui é o da ruptura paziana, no qual se cria a
estética pela quebra de expectativa, pelo abandono de pré-conceitos e pelas construções
ambíguas inerentes à (pós-)modernidade. Ou seja, faz-se um convite a um jogo original e
divertido ao leitor.
O encantamento da mente é resultado de poemas inéditos, estruturados a partir da
economicidade no uso do material linguístico, e cuja eficiência na produção de efeitos de
sentido, na maioria das vezes, premia o expediente eleito.
Assim, no poema 14, a surpresa surge quando se substitui a gravidade característica da
Ilíada e da Odisseia por um equívoco “porre homérico”:

Assim como quem


não quer nada,
fiz a Ilíada.

No impulso
da mesma idéia,
fiz a Odisséia.

Alguns agora vão dizer


que sou histérico
depois daquele porre homérico.

E seguem as palavras em liberdade, criando um paradoxo digno da poesia concreta,


quando, no poema 56, a própria estrutura do poema comunica e é complementada pelo
sentido desenvolvido no texto:
O
pior
da
solidão
é
a
multidão.

Essa inclinação para o lúdico, característica indelével dos poemas andradianos, leva o
autor a reler a conclusão cartesiana e frase central do racionalismo moderno, o cogito, ergo
sum, à sua maneira, pela qual torna patente a própria criação poética:

Cogito, ergo-me, sou


o que deixo escrito.
Deixo marcas, deixo lágrimas,
deixo adeuses, deixo poemas,
deixo mitos.

Deixo rastros e vôo,


deixo versos e sou
meu alfabeto mudo
de gritos.

Outro tema caro ao escritor é a história de Ícaro, que, ao não escutar o conselho de seu
pai de não voar muito alto, termina por morrer afogado. Embora finja, que é peculiar ao poeta,
a própria queda, os setenta poemas que nos apresenta dão a ideia de voos formidáveis por
sobre o solo do lírico. Leiamos o poema de n.º 22, forte em aliterações:

Todo ícaro é um arremedo


do próprio erro
que arremeda.

Por mais que caia


nunca aprende
a usar um pára-quedas.

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