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Universidade Federal da Bahia

BIOA66 – Bioética
Docente: Lilia Maria Azevedo Moreira
Discente: Mellamy Santos

DISCUSSÃO DE CASO: Casal de pessoas surdas procura fertilização in vitro


para ter uma criança surda

1) Questão a ser tratada: Pais selecionando as características biológicas de


suas proles.

2) Problema explorado: É aceitável que pais surdos deliberadamente gestem


uma criança surda?

3) Fatos do caso: Os pais são surdos e decidiram buscar fertilização in vitro


para conceber uma criança surda. Considerando que os pais estão buscando
fertilização, assume-se que, sem sua realização, existe a possibilidade de a
criança nascer ouvinte, se depender apenas do cruzamento de características
dos pais. A procura por esse método demonstra a determinação dos pais em
ter uma criança surda. A fertilização in vitro está associada à tecnologia de
diagnóstico genético pré-implantacional (DGPI), na qual é possível identificar
possíveis doenças e condições genéticas antes de utilizar o embrião.

4) Decisões possíveis:
1) Pais recorrerem a fertilização para ter criança surda – ação que
poderia estar em desacordo com os princípios da autonomia, pois os pais estão
determinando as características genéticas de sua prole antes mesmo dela
nascer, e da não-maleficiência, pois estariam submetendo sua criança a um
ambiente capacitista, discriminatório e preconceituoso que é nossa sociedade.
Contudo, esta decisão seria condizente com o princípio da beneficiência, se
considerarmos que escolher ter uma criança com surdez é contribuir para
valorização de uma condição menosprezada atrelada a uma cultura
subestimada.
2) Pais não recorrerem a esse método e terem uma criança surda ou
ouvinte, dependendo apenas do fator probabilidade – ação que estaria alinhada
ao princípio da autonomia (não violar a liberdade individual).

5) Informações adicionais: A surdez é vista como uma anormalidade,


uma deficiência; uma característica que reduz a amplitude de experiências e
vivências que uma pessoa pode ter. Desse modo, a atitude dos pais seria o
equivalente a condená-la a uma vida limitada, onde seu potencial de
participação e sucesso na sociedade é restrito. Contudo, o que se
desconsidera nesse tipo de posicionamento é que a condição física em si não é
limitante, mas seu tratamento e percepção pela sociedade, o que lhe garante
um lugar de marginalização e depreciação. A partir de um referencial ouvinte
capacitista, julgamos que a surdez é uma experiência desagradável, que
deveria ser evitada a qualquer custo, em vez de analisá-la como uma “uma
identidade distintiva” (FRIAS & BIRCHAL, 2017), a qual está atrelada vivências,
experiências e percepções diferenciadas do que é estabelecido como norma
(vivência ouvinte).
Uma criança ouvinte, filha de pais surdos, denominada de CODA
(Children of Deaf Adults, em português, Filhos de Adultos Surdos), possui uma
ambientação intercultural, estando em contato tanto com a cultura surda quanto
com a ouvinte – uma vivência enriquecedora para o desenvolvimento desta
pessoa. CODAs poderiam integrar seus pais ao mundo ouvinte, contudo
poderiam ter alguma dificuldade de se inserir nele, por seus pais não
conseguirem familiarizar adequadamente sua prole àquele mundo.
Os pais poderiam enfrentar dificuldades para integrar uma criança
ouvinte, estando imersos na cultura surda, o que poderia ocasionar alguns
desajustes psicológicos e emocionais para esta criança em seu
desenvolvimento, além do enfrentamento de dificuldades para se adaptar à
cultura ouvinte. Os pais não teriam que se preocupar em se “submeter” a uma
cultura ouvinte a fim de garantir que sua criança conseguisse viver nela, mas
viveriam juntamente com ela sua própria cultura.
Frias & Birchal (2017), neste sentido, argumentam que crianças surdas,
devido à comunicação em comum, têm condições mais favoráveis para
construir vínculos mais estreitos com seus pais do que crianças ouvintes. Além
disso, o papel de servir como uma ponte para os pais entre o mundo ouvinte e
surdo poderia gerar uma sobrecarga devido à imensa responsabilidade
depositada.
No entanto, é importante destacar que pais surdos terem crianças
ouvintes não é um problema em si, apenas exigirá um pouco mais de esforço e
adaptação de todas as partes envolvidas. Esse intercâmbio cultural que existe
é, de fato, vantajoso para toda a família e possibilita uma melhor vivência e
participação na sociedade, já que a criança CODA estaria ambientada com a
cultura surda, da qual ela mesma faz parte, e seus pais contatariam a cultura
ouvinte através de sua criança.
A opção de ter uma criança surda alinha-se ao desejo de compartilhar
com ela sua condição física, juntamente com sua identidade e comunidade
cultural, o que permitiria uma imersão e integração de forma genuína e intensa,
não apenas a partir da observação, mas também da vivência. Para Frias &
Birchal (2017), a surdez possibilita a união de pessoas, sob uma mesma
identidade, através do compartilhamento de dificuldades e capacidades
similares. Essa comunhão identitária é extremamente importante não só para a
exigência e conquista de direitos, mas também pelo apoio e suporte cultivado
nesta comunidade que possibilita que o enfrentamento à discriminação seja
mais potente.

6) Decisão defendida: Pais escolherem que sua criança seja surda.

7) Princípio ético: Princípio da Beneficiência.

8) Autoridades que reforçam decisão: Desconhecidas.

9) Circunstâncias associadas a abandono da alegação: Nenhuma.

10) Nível de confiança na decisão: 100%.

11) Resumo do caso: Casal de pessoas surdas procura fertilização in vitro,


associada a tecnologia de identificações de marcadores genéticos do embrião,
para ter uma criança surda, possivelmente para com ela compartilhar o mesmo
“background” cultural.

12) Descrição do caso e da decisão: Casal de pessoas surdas procura


fertilização in vitro, associada a tecnologia de identificações de marcadores
genéticos do embrião, para ter uma criança surda, possivelmente para com ela
compartilhar o mesmo “background” cultural. Baseando-se na perspectiva de
que pais surdos ao terem crianças surdas estariam contribuindo para o
fortalecimento da cultura e comunidade surda, socialmente marginalizada, a
decisão condiz com o princípio da beneficiência.

Referências

FRIAS, Lincoln; BIRCHAL, Telma. Pais surdos têm o direito de tentar ter
filhos surdos?. Revista Opinião Filosófica, [S.l.], v. 3, n. 1, fev. 2017. ISSN
2178-1176. Disponível em:
<http://periodico.abavaresco.com.br/index.php/opiniaofilosofica/article/view/430
>. Acesso em: 26 set. 2018.

MARTINS, Fernanda. MEDIUM – Surdo para surdo. A luta silenciosa:


Como é crescer com pais surdos. Disponível em:
<https://blog.surdoparasurdo.com.br/a-luta-silenciosa-como-%C3%A9-crescer-
com-pais-surdos-68ccc91ed59b>

WORDSWORTH, Rich. Por que Alguns Casais Escolhem Ter Filhos


Surdos. MOTHERBOARD, 2015. Disponível em:
<https://motherboard.vice.com/pt_br/article/wnze89/por-que-alguns-casais-
escolhem-ter-filhos-surdos>

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