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Rubem Alves
Diz Alberto Caeiro que... Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as
flores.
Daí a dificuldade:
A gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor...
Sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer.
Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração.. .
E precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito
melhor.
1
Contou-me de sua experiência com os índios: Reunidos os participantes, ninguém
fala.
Vejam a semelhança...
Falar logo em seguida seria um grande desrespeito, pois o outro falou os seus
pensamentos. ..
Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que iria falar quando você
terminasse sua (tola) fala.
Segunda: Ouvi o que você falou. Mas, isso que você falou como novidade eu já
pensei há muito tempo.
É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou.
Em ambos os casos, estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma
bofetada.
O longo silêncio quer dizer: Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que
você falou.
2
Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos.
E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não
ouvia.
Eu comecei a ouvir.
E, se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras... No lugar onde não
há palavras.
No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada. Somos todos
olhos e ouvidos.
Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que
não havia...