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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO

AS QUESTÕES DE GÊNERO SOB AS LENTES DO CINEMA:


UMA ANÁLISE A PARTIR DO FILME “HOJE EU QUERO VOLTAR SOZINHO”

MONARA SANTOS SILVA

SÃO CRISTÓVÃO (SE)


2017
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO

AS QUESTÕES DE GÊNERO SOB AS LENTES DO CINEMA:


UMA ANÁLISE A PARTIR DO FILME “HOJE EU QUERO VOLTAR SOZINHO”

MONARA SANTOS SILVA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Educação da Universidade Federal
de Sergipe como requisito parcial para obtenção
do título de Mestre em Educação.

Orientador: Prof. Dr. Fabio Zoboli

SÃO CRISTÓVÃO (SE)


2017
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E
PESQUISA
NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO

MONARA SANTOS SILVA

AS QUESTÕES DE GÊNERO SOB AS LENTES DO CINEMA:


UMA ANÁLISE A PARTIR DO FILME “HOJE EU QUERO VOLTAR SOZINHO”

APROVADA EM: __________/_______/__________

Dissertação apresentada ao Programa de Pós – Graduação


em Educação da Universidade Federal de Sergipe como
requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em
Educação.

________________________________________________________________
Prof. Dr. Fábio Zoboli (Orientador)
Programa de Pós-Graduação em Educação /UFS

________________________________________________________________

________________________________________________________________

________________________________________________________________

________________________________________________________________

SÃO CRISTÓVÃO (SE)


2017
AGRADECIMENTOS

Mais um caminho percorrido e mais uma etapa concretizada. Durante toda essa
caminhada não posso deixar de agradecer às pessoas especiais que sempre me deram força,
me encorajaram e que, de alguma forma, contribuíram para que este sonho se realizasse.
Agradeço a DEUS, primeiramente, por ter me dado sabedoria, força para não desistir
e superar cada obstáculo, e por me ajudar nos momentos mais críticos desta jornada
acadêmica.
Agradeço aos meus pais, em especial a minha MÃE, que AMO mais que tudo nessa
vida e que sempre me proporcionou o suficiente para eu chegar onde cheguei. Mãe, devo tudo
que tenho e que sou a você, e essa vitória dedico-lhe. Te amo!
A minha irmã Mayra, que amo muito e sempre foi meu exemplo para continuar firme
nesta jornada acadêmica. Enfim, a toda minha família que me auxiliou em cada etapa da
minha formação e sempre torceu por mim.
Ao meu marido Ricardo, por todo amor, carinho, por sempre me apoiar, me
aconselhar quando pensei em desistir, estando sempre disposto a me ajudar nos momentos
mais difíceis da minha vida, ou seja, por tudo que você é. Te amo!
Agradeço aos meus amigos do PPGED/UFS, que dividiram comigo esses dois anos
de estudo, sempre lutando pelo mesmo ideal e conquistando cada degrau em mais uma etapa
da nossa formação profissional.
Em especial, também agradeço imensamente ao meu orientador, professor Zoboli,
primeiro por aceitar me orientar, por ter paciência comigo, por me auxiliar na construção e
finalização dessa pesquisa. Sem dúvidas, você foi uma das contribuições mais valiosa nesse
processo.
Por fim, agradeço a todos coadjuvantes e protagonistas desta história, que fizeram
parte não apenas deste momento, mas de minha vida, aos que já saíram de cena, mas fizeram
parte do enredo e deram sentido à narrativa. Por participarem, inevitavelmente, dos dramas e
acrescentarem suas particularidades, suas vidas. Que essas se tornem histórias contadas,
biografias de cinema. Diante de tudo, que esta totalidade seja conquista e saibamos perceber
as entrelinhas de nossa dramaturgia para acrescentar às nossas percepções de mundo e de
vida.
O cinema não deve ser nem exaltado como um
meio de fantasia coletiva nem condenado
como um mecanismo de mistificação
ideológica. Ele deve ser louvado como uma
tecnologia que intensifica e renova as
experiências de passividade e abjeção.

Steven Shaviro

Não há pensamento que não comece pelo


corpo, tal como não há sentido que não
comece pelo corpo, mas, igualmente, não há
corpo que não seja pensado, tal como não há
corpo que não seja sentido. Interrogarmos os
modelos do sentir e do pensar que fazem o
corpo é uma forma de esclarecer o que do
corpo é capturado e o que do corpo é
incapturável em cada exercício de poder que
sobre ele se exerce.

José Bártolo
RESUMO

A presente dissertação objetivou problematizar e compreender as relações de gênero através


do filme “Hoje eu quero voltar sozinho” (2014), ficção dirigida pelo cineasta Daniel Ribeiro,
como ferramenta de educação sob o viés da análise fílmica. O filme narra a história do
adolescente cego, Leonardo (Guilherme Lobo), que, passando pelas descobertas e
curiosidades típicas da sua idade e em busca de sua própria identidade, se descobre
apaixonado por um novo aluno de classe. Porém, ser cego e homossexual não o define. São
somente características de um jovem que tem medos e dúvidas como qualquer outro da sua
idade. Como método de pesquisa, foi utilizada a análise fílmica, respeitando as fases de
decomposição e reconstrução. Os dados foram organizados a partir de dois eixos temáticos -
homossexualidade e normatividade de gênero - com o intuito de se pensar como as produções
cinematográficas contemporâneas estão significando alguns temas que giram em torno da
problemática do corpo e suas manifestações identitárias, ético-morais e políticas, no sentido
de projetar práticas sociais de gênero. Os resultados das análises apontam que a proposta do
filme segue apresentando a criação de novos arquétipos, no momento em que exibe uma
radical redefinição e redistribuição de gênero na medida em que sinaliza que o corpo
masculino pode sentir desejo/afeto por outro corpo do mesmo sexo sem apresentar
características femininas, transformando a ação de gênero machista presente na sociedade.

Palavras-chave: Análise Fílmica; Corpo; Gênero; Homossexualidade; Normatividade de


Gênero; Educação.
ABSTRACT

The present dissertation aimed to problematize and understand the gender relations through
the film "Today I want to return alone" (2014), fiction directed by the filmmaker Daniel
Ribeiro, as a tool of education under the bias of the filmic analysis. The film tells the story of
the blind teenager, Leonardo (Guilherme Lobo), who, through the discoveries and curiosities
typical of his age and in search of his own identity, finds himself in love with a new class
student. However, being blind and homosexual does not define it. They are only
characteristics of a young man who has fears and doubts like any other of his age. As a
research method, the film analysis was used, respecting the phases of decomposition and
reconstruction. The data were organized from two thematic axes - homosexuality and gender
normativity - with the intention of thinking about how the contemporary cinematographic
productions are meaning some themes that revolve around the problematic of the body and its
manifestations of identity, ethical-moral and political , In the sense of designing social
practices of gender. The results of the analyzes indicate that the film's proposal continues to
present the creation of new archetypes, at the moment when it exhibits a radical redefinition
and redistribution of gender in that it indicates that the male body can feel desire / affection
for another body of the same sex Without presenting feminine characteristics, transforming
the action of macho gender present in society.

Keywords: Film Analysis; Body; Gender; Homosexuality; Gender Normative.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro 1 - Os componentes do plano 26


Quadro 2 - Para a descrição e análise das relações entre sons e imagens 27
Quadro 3 - Prêmios do filme Hoje eu quero voltar sozinho 60

Figura 1 - Capa do filme Hoje eu quero voltar sozinho 59


Figura 2 - Cena do filme Hoje eu quero voltar sozinho: dançando juntos 69
Figura 3 - Cena do filme Hoje eu quero voltar sozinho: ensinando braile 70
Figura 4 - Cena do filme Hoje eu quero voltar sozinho: sentimentos de Léo 70
Figura 5 - Cena do filme Hoje eu quero voltar sozinho: Gabriel leva Léo para casa 71
Figura 6 - Cena do filme Hoje eu quero voltar sozinho: o primeiro beijo 72
Figura 7 - Cena do filme Hoje eu quero voltar sozinho: tomando banho juntos 72
Figura 8 - Cena do filme Hoje eu quero voltar sozinho: beijo final 73
Figura 9 - Cena do filme Hoje eu quero voltar sozinho: Léo e Gabriel caminhando de mãos
dadas 76
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 10
1.1 APRESENTAÇÃO DO TEMA E PROBLEMÁTICA ...................................................... 10
1.3 OBJETIVOS ....................................................................................................................... 23
1.3.1 Objetivo Geral ............................................................................................................... 23
1.3.2 Objetivos Específicos ..................................................................................................... 23
1.4 METODOLOGIA ............................................................................................................... 23

2 CINEMA, CORPO E EDUCAÇÃO .................................................................................. 28


2.1 CINEMA E EDUCAÇÃO .................................................................................................. 28
2.2 O CINEMA NA ESCOLA: OLHARES SOBRE O CORPO E GÊNERO ........................ 36
2.3 CINEMA: TENSÕES ENTRE CULTURA E ARTE ........................................................ 43

3 GÊNERO E SEXUALIDADE ............................................................................................ 46


3.1 ENTENDENDO GÊNERO E SEXUALIDADE ............................................................... 46
3.1.1 Homossexualidade ......................................................................................................... 50
3.1.2 Normatividade de Gênero ............................................................................................. 54

4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS.......................................................................... 58


4.1 O FILME HOJE EU QUERO VOLTAR SOZINHO ........................................................... 58
4.2 HOJE EU QUERO VOLTAR SOZINHO: ANÁLISE FÍLMICA ....................................... 62
4.2.1 1ª Fase: Descrição do filme Hoje eu quero voltar sozinho........................................... 62
4.2.2 2ª Fase: Reconstrução do filme (Interpretação) ......................................................... 68

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 83

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 86
10

1INTRODUÇÃO

1.1 APRESENTAÇÃO DO TEMA E PROBLEMÁTICA

O corpo é central no contexto das mais variadas ciências e campos epistemológicos,


pois o existir humano se dá através do corpo – o corpo é o meio pelo qual nos utilizamos para
experimentar o mundo, para existir no mundo. O ser humano é presença no tempo e no espaço
como corpo, desde o corpo, através do corpo, sendo corpo. Somente existimos pelo e com o
corpo, pelo e com o corpo o humano estabelece suas relações consigo mesmo, com o outro e
com o mundo/natureza. “O corpo é o primeiro e o mais natural instrumento do homem” (LE
BRETON, 2009, p. 39).

Em sua espacialidade própria, descontínua, o corpo disponibiliza desde


componentes físico-químicos a signos que definem a condição humana e as
possibilidades de comunicação, que tem conformado o interesse de diversas
disciplinas científicas, filosofias e modelos de educação (NÓBREGA, 2006
p. 65).

Considerando o corpo trazer em si um campo de saberes polimorfos, faz-se necessário


a costura de saberes advindos de várias áreas. O conceito de corpo é transdisciplinar e esta
perspectiva de conhecimento analisa o corpo a partir de um conjunto de disciplinas
perpassando o mesmo entre, através e além das mesmas. Mais do que um conhecimento
integrado, a interdisciplinaridade nos remete a pensar o corpo de forma complexa. Porém, ao
estabelecermos essas redes de conexões entre as várias áreas que tratam do corpo faz-se
necessário tomar cuidado, pois:

Os conceitos não podem, sem perda ou risco de incoerência ou de colagem,


passar de uma disciplina para a outra sem o tratamento apropriado. Os
procedimentos de análise não são os mesmos conforme as disciplinas, nem
os métodos para a coleta de dados. Sem controle rigoroso, a análise pode
parecer uma colcha de retalhos, uma colagem teórica que perde a pertinência
epistemológica (LE BRETON, 2009, p. 37).

Como descrito acima, o corpo é um campo plural, dotado de vários sentidos, o qual
pode ser analisado sob o viés das mais variadas ciências ou áreas do conhecimento. Sob a
óptica pós-estruturalista do gênero, não há divisão natural nem essencial de sexo e gênero.
Para Butler (1998, p.25) “talvez o sexo sempre tenha sido gênero, de tal forma que a distinção
entre sexo e gênero revela-se absolutamente nenhuma”. Sendo assim, para a autora, pensar
sexo como algo natural e gênero como algo cultural perde o sentido na medida em que
11

não há reflexividade ontologicamente inata para o sujeito que é então


colocado dentro de um contexto cultural; é como se esse contexto já
estivesse aí como o processo desarticulado da produção desse sujeito,
escondido pelo enquadramento que situaria um sujeito ready-made
numa teia externa de relações culturais (BUTLER, 2003, p.21).

Para Butler (1998, p. 26), o gênero seria um fenômeno inconsciente e contextual, que
não denotaria um ser substantivo, aquele que é idêntico, “mas um ponto relativo de
convergência entre conjuntos específicos de relações, cultural e historicamente convergentes”.
No entanto, pensar essa convergência inconsciente e histórica não seria negar a dimensão
biológica do corpo, pois, como já mencionava Canguilhem (2005), a sociedade regulariza o
organismo e a normatividade social se funde com a normatividade social, essa é uma
característica – norma – do ser enquanto vida.
O corpo, como vetor de gênero, é um agenciamento em constante construção e o
sujeito se constrói, enquanto gênero, através de um acoplamento de fluxos assimétricos. Em
suma, o sujeito é o contexto em que ele é produzido. Este sujeito e este contexto, na menção
de Deleuze e Guattari (1996, p. 7), são máquinas que se retroalimentam: “o que há por toda a
parte são máquinas e sem qualquer metáfora: máquinas de máquinas, com suas ligações e
conexões. Uma máquina-órgão está ligada a uma máquina-origem: uma emite o fluxo que a
outra corta”. Nesse sentido, “nenhum sujeito é seu próprio ponto de partida; e a fantasia de
que o seja só pode desconhecer suas relações constitutivas refundindo-se com o domínio de
uma externalidade contrabalançadora” (BUTLER, 2003 p.18).
Pensar as questões ligadas ao gênero através das imagens e narrativas, seja visual ou
audiovisual, como objeto de discussão e análise é propor uma abordagem aprofundada, que
leve em conta aspectos diferenciados. Para Gardies (2008), na contemporaneidade, o cinema
continua sendo particularmente precioso para a análise de questões que envolvem as
identidades culturais. Nesse sentido, trazer o corpo e sua relação com o gênero como cerne de
discussão através de produções cinematográficas, é pensar nas possibilidades de suas
articulações políticas numa sociedade que está constantemente a inscrever no corpo os seus
mais variados enredos.
Duarte (2002, p.13), amparada no sociólogo francês Pierre Bourdieu, menciona que:

A experiência das pessoas com o cinema contribui para desenvolver o que se


pode chamar de “competência para ver”, isto é, uma certa disposição,
valorizada socialmente, para analisar, compreender e apreciar qualquer
história contada em linguagem cinematográfica. Entretanto, essa
“competência” não é adquirida apenas vendo filmes; a atmosfera cultural em
que as pessoas estão imersas – o que inclui, além da experiência escolar, o
12

grau de afinidade que elas mantêm com as artes e a mídia – é o que lhes
permite desenvolver maneiras de lidar com os produtos culturais, incluindo o
cinema (DUARTE, 2002, p.13).

A estrutura simbólica da comunicação visual, no caso específico desta dissertação o


cinema, constitui sistemas arbitrários de sentidos e significados. O filme/cinema, como
ferramenta pedagógica, permite o contato reflexivo com os códigos e símbolos que estão em
uso com o intuito de ressignificar as representações convencionadas e padronizadas. “Ver
filmes, é uma prática social tão importante, do ponto de vista de formação cultural e
educacional das pessoas, quanto à leitura de obras literárias, filosóficas, sociológicas e tantas
mais” (DUARTE, 2002, p. 17).

As linguagens audiovisuais definem formas específicas de apreensão do


mundo e proporcionam estilos cognitivos e modos de compreensão e
interpretação próprios. Elas oferecem alternativas para a construção de
modos de ver, elaborar e construir conhecimentos (BARBOSA; CUNHA,
2006, p.53).

Na menção de Dantas Junior (2012, p. 67), “o cinema é uma atividade educativa por
excelência. Sua capacidade narrativa se transmuta em uma didática inebriante para formar
percepções do mundo”, motivo pelo qual acreditamos que ele possa contribuir na formação
dos estudantes. Ainda, a fim de justificar nossa pesquisa trazemos novamente a voz de Dantas
Junior (2012), quando este se refere à arte/cinema como possibilidade de educação:

Entendo que uma educação por meio da arte pode proporcionar o


desenvolvimento do ato de julgar pelo estímulo aos novos olhares acerca da
vida e da realidade. A arte pode e deve ampliar a diversidade cultural, posto
que a redução da percepção do outro limita meus horizontes de contato e
alimenta práticas e ideias intolerantes, assim como a redução da capacidade
de pensar está diretamente vinculada à redução da capacidade de sentir
(DANTAS JUNIOR, 2012, p.77).

Na perspectiva do cinema, podemos pensar a análise fílmica como uma ferramenta


pedagógica. Analisar um filme é uma tarefa aparentemente comum, que pode ser realizada
por qualquer espectador que deseje comentar e discutir um filme, isto pode se dar a partir de
um texto discursivo, sem necessidade de procedimento metodológico. Porém, não se
restringindo a discursos sobre filmes, por vezes críticas de cinema, a análise fílmica é um
grande instrumento e objeto de pesquisa para aqueles que desejam se debruçar sobre a
linguagem fílmica e aprofundar o olhar sobre determinada obra. Vanoye e Goliot-Lété (1994)
13

apontam que a análise fílmica tem sido um tipo de produção realizada para satisfazer uma
demanda institucional, quer seja um texto acadêmico de graduação, pós-graduação ou uma
publicação em revistas.
Duarte (2002, p. 98) cita que o filme, do ponto de vista da pesquisa, é objeto
delimitado que “pode ser ‘lido’ e analisado como texto, fracionando-se em suas diferentes
estruturas de significação e reorganizando-as novamente segundo critérios previamente
estabelecidos de acordo com o objetivo que se quer atingir”. Logo, a presente dissertação de
mestrado buscou apresentar, a partir do cinema, questões ligadas ao gênero sob o viés da
análise fílmica.
Dessa forma, foi feita a análise do filme Hoje eu quero voltar sozinho, produção de
Daniel Ribeiro no ano de 2014, buscando, por meio deste, o aprofundamento da temática. O
filme é analisado com base em dois eixos temáticos, no qual o primeiro diz respeito à
homossexualidade, e o segundo, intitulado normatividade de gênero, com o intuito de se
pensar como as produções cinematográficas contemporâneas estão significando alguns temas
que giram em torno da problemática do corpo e suas manifestações identitárias, ético-morais e
políticas no sentido de projetar práticas sociais de gênero. Apesar de percebermos que as
discussões sobre gênero e sexualidade avançaram no âmbito social e, por consequência, nas
discussões da educação, estes dois eixos temáticos, aqui suspensos para análise, ainda são
temas considerados, por vezes, polêmicos e complexos para o contexto da escola.
Segundo Louro (2000), conformado na estreita divisão entre mente e corpo, o campo
educacional frequentemente rejeita, abafa, desqualifica ou ressignifica os temas relativos à
sexualidade. Por isso, acreditamos que, para melhor compreendermos as relações de gênero,
faz-se necessário colocar em questão os sistemas de pensamento ocidental crescido com base
nas taxionomias aristotélicas e cartesianas, cujo fundamento é o pensamento binário ou
dicotômico. A dicotomia entrava o pensar as questões de sexualidade e gênero, pois:

Em outras palavras, a sexualidade é uma invenção social, uma vez que se


constitui, historicamente, a partir de múltiplos discursos sobre o sexo:
discursos que regulam, que normatizam, que instauram saberes, que
produzem “verdades” sobre os corpos, seus desejos e prazeres
(FOUCAULT, 1999, p.42).

Foucault (1999) parte do pressuposto de que a fala e o falante remetem ao discurso,


concebido como sistema de regras, ou, mais precisamente, de acordo com o pensador francês,
como princípios e procedimentos de controle, norma e poder. Sendo assim, é no contexto do
dispositivo da sexualidade que a ideia de homossexualidade é produzida historicamente.
14

Prossegue Foucault (2009, p. 233) afirmando que, “foi por volta de 1870 que os psiquiatras
começaram a constituí-la como objeto de análise médica, ponto de partida, certamente, de
toda uma série de intervenções e de novos controles”. Hoje, tal como antes, a sexualidade
permanece como alvo privilegiado da vigilância e do controle das sociedades. Ampliam-se e
diversificam-se suas formas de regulação, multiplicam-se as instâncias e as instituições que se
autorizam a ditar-lhe normas (LOURO 2008).
Ao longo de sua história, a educação brasileira estrutura-se a partir de discursos que
ditam um conjunto dinâmico de valores, normas e crenças, responsável por reduzir a figura do
outro, considerado estranho, inferior, pecador, doente, pervertido, criminoso ou contagioso,
todos aqueles e aquelas que não se adequam com o único componente valorizado pela
heteronormatividade, ou seja, centrado no adulto, masculino, branco, heterossexual, burguês,
física e mentalmente normal. Assim, os sujeitos que, por alguma razão ou circunstância,
escapam da norma e promovem uma descontinuidade na sequência sexo/gênero/sexualidade,
são tomados como minoria e colocados à margem das preocupações de um currículo ou de
uma educação que se pretenda para a maioria (LOURO, 2000).
No contexto dessas reflexões, muitas pesquisas, equivocadamente, tendem a chamar
os homossexuais de minorias, porém, “hoje estas chamadas minorias sexuais estão muito mais
visíveis e, consequentemente, torna-se mais explícita e acirrada a luta entre elas e os grupos
conservadores” (LOURO, 2001, p. 542), já que são inúmeras situações de discriminação para
todos aqueles que não sintonizam o padrão heteronormativo. A heteronormatividade está na
ordem das coisas e no cerne das concepções curriculares, mostrando-se a escola como
instituição fortemente empenhada na reafirmação e na garantia do êxito dos processos de
heterossexualização e de incorporação das normas de gênero, colocando sob vigilância todos
os corpos.
Histórica e culturalmente transformada em norma, produzida e reiterada, a
heterossexualidade hegemônica e obrigatória torna-se o principal suporte da
heteronormatividade (LOURO, 2009). Não por acaso, heterossexismo e homofobia instauram
um regime de controle e vigilância não só da conduta sexual, mas também das expressões e
das identidades de gênero. Por isso, pode-se afirmar que o heterossexismo e a homofobia são
manifestações de sexismo, não raro associadas a diversos regimes normativos, normalizadores
e estruturantes de corpos, sujeitos, identidades, hierarquias e instituições (JUNQUEIRA,
2009a).
Infelizmente, a escola, muitas vezes, configura-se como um lugar de opressão,
discriminação e preconceitos, no qual, e em torno do qual, existe um preocupante quadro de
15

violência a que estão submetidos (as) milhões de jovens e adultos homossexuais, muitos dos
quais vivem, de maneiras distintas, situações delicadas de internalização da homofobia,
negação, autoculpabilização e autoaversão (MENEZES, 2012). Portanto, quando
redirecionamos nossos olhares para o gênero atrelado à sexualidade e suas temáticas, neste
caso, a homossexualidade e a normatividade de gênero, deparamo-nos com “teorias
pedagógicas, psicológicas, sociológicas e/ou biológicas essencialistas, que acabam por
convergir para conclusões reducionistas e normatizadoras” (SOUZA; DINIS, 2010, p. 120).
No entorno de todo esse contexto, ao apresentar, a partir do cinema, questões ligadas
ao gênero, buscando, por meio deste, o aprofundamento da temática, analisada sob os dois
eixos temáticos supracitados, realizaremos a atividade de análise fílmica, que consiste na
decomposição ou desconstrução do texto fílmico, analisado separadamente em suas
composições. Segundo Vanoye e Goliot-Lété (1994, p.15), “é comum aceitar que analisar
implica duas etapas importantes: em primeiro lugar decompor, ou seja, descrever e, em
seguida, estabelecer e compreender as relações entre esses elementos decompostos, ou seja,
interpretar”.
Sendo o objetivo da análise a explicação e funcionamento de um determinado filme,
assim como a proposta de uma interpretação para o mesmo, a análise deve contemplar, na
obra, “suas características poéticas e estéticas, mantendo com estas um diálogo da forma
como ela se inscreve na tradição e história cinematográfica” (FRANÇA, 2002, p. 60-61).

1.2 JUSTIFICATIVA

No âmbito acadêmico, de acordo com Meyer (2008), o conceito de gênero 1 passou a


ser utilizado no campo dos Estudos Feministas a partir da década de 1970, o qual, de forma
sintética, pode ser conceituado como construção e organização social das diferenças entre os
sexos que se obtém em inúmeras instâncias, em diferentes práticas e instituições sociais. Ou
seja, o conceito de gênero sugere, como ponto de partida, que os sujeitos aprendem a serem
homens e mulheres desde o momento do seu nascimento, e esta aprendizagem se verifica em
diversas instituições sociais, a começar pela família, em seguida pela escola, pela mídia, pelo
grupo de amigos, pelo trabalho, dentre outros.

1
Conceito formulado a partir das discussões trazidas do movimento feminista para expressar contraposição ao
sexo biológico e aos termos “sexo” e “diferença sexual”, distinguindo a dimensão biológica da dimensão sexual
e, acentuando através da linguagem, “o caráter fundamentalmente social das distinções baseadas no sexo”
(SCOTT, 1995, p.72).
16

Porém, significa ainda que, ao nascer e viver em tempos e lugares específicos, o


gênero reforça a necessidade de se pensar que há várias formas dos sujeitos serem mulheres e
homens ao longo do tempo, ou no mesmo tempo histórico, nos diferentes grupos e segmentos
sociais. O conceito de gênero que, até então, relacionava-se à dificuldade de desvincular a
discussão que se fazia para compreender a subordinação das mulheres aos homens e também
a sua evidente desvantagem social e econômica, de um fato biológico que era (é), a diferença
anatômica e fisiológica entre os sexos passa a não se referir mais ao estudo da mulher. Ele é
um conceito que busca ressaltar a construção e a organização social das diferenças entre os
sexos, desestabilizando o determinismo biológico e econômico vigente, desde esse tempo, em
algumas das teorias anteriores (MEYER, 2008).

O conceito de gênero explicita o ser mulher e o ser homem como uma


construção histórico-social, tendo em vista o que é estabelecido em termos
de papéis sociais para estes indivíduos, diferenciando-se, assim, do restrito
conceito biológico de sexo, que tende a explicações das diferenças entre
feminino e masculino como fruto da “natureza” (GONÇALVES JÚNIOR;
RAMOS, 2005, p. 05).

Refletir a identidade de gênero como algo que se estabelece ao longo da existência


humana e, consequentemente, não é produzida a partir da materialidade biológica, implica
compreender que esta é uma identidade determinada pela cultura. A expressão gênero, ainda
que seja analisada a partir de diferentes aspectos (marxista, estruturalista, psicanalítico,
feminista radical, pós-estruturalista, dentre outros), está relacionada, basicamente, à
construção social do sexo, confirmando, deste modo, que masculinidade e feminilidade são
construções sociais e históricas (GOELLNER; FIGUEIRA, 2002).
Desse modo, de acordo com Goellner e Figueira (2002), o discorrer sobre a produção
de identidade de gênero remete a pensar, também, na construção de corpos masculinos e
femininos e nas marcas que neles se inscrevem. Afinal, o corpo não é universal, este é
temporário, variável e mutante, apto a inúmeras interferências consoante o desenvolvimento
científico e tecnológico de cada cultura, bem como suas leis, seus indicadores morais, as
representações que criam sobre os corpos, os discursos que sobre eles produzem e
reproduzem as marcas que os identificam.

Um corpo não é apenas um corpo. É também o seu entorno. Mais do que um


conjunto de músculos, ossos, vísceras, reflexos e sensações, o corpo é a
roupa e os acessórios que o adornam, as intervenções que nele se operam, a
imagem que dele se produz, as máquinas que nele se acoplam, os sentidos
que nele se incorporam, os silêncios que por ele falam, os vestígios que nele
17

se exibem, a educação de seus gestos [...], enfim, é um sem limite de


possibilidades sempre reinventadas, sempre à descoberta e a serem
descobertas (GOELLNER; FIGUEIRA, 2002, p. 02).

Portanto, o campo é vasto, complexo e em processos contínuos de construção e


negociação, principalmente ao se reconhecer que o corpo, segundo Goellner e Figueira
(2002), produz representações que são sempre temporárias, efêmeras, inconstantes e se
alteram, conforme o lugar/tempo onde este circula, vive, se expressa, se produz e é produzido.
E, também, onde se educa, pois diversas marcas se incorporam ao corpo através de distintos
processos educativos presentes na escola, mas não exclusivamente nela, igualmente, em
várias pedagogias em circulação como, filmes, músicas, revistas e livros, imagens,
propagandas, que são também locais pedagógicos, as quais estão o tempo todo a dizer de nós,
seja pelo que exibem ou pelo que ocultam.
Dessa forma, embora que esses avanços não estejam disponíveis a todos igualmente, é
preciso reconhecer que as novas tecnologias revolucionam a comunicação, difundem a
informação, modificam processos de trabalho, imprimem novas formas de pensar e fazer
educação (HOLLEBEN, 2007). De acordo com o referido autor, na conjuntura dessas
transformações ocorridas, a educação, como prática social, passa a não ser mais limitada ao
ambiente escolar e alarga-se para outros contextos. Assim, cinemas, teatros, e outras mídias
como jornais, revistas, programas de rádio e TV, internet, são novos ambientes educativos,
exigindo dos educadores a compreensão de que, nesses espaços, se produz conhecimento e
circula determinada pedagogia.
Embora a popularização dos meios de comunicação e a democratização da informação
representem, no conjunto dessas mudanças, significativos avanços no ambiente escolar, a
utilização dessas tecnologias se apresenta como um grande desafio, haja vista a séria
resistência encontrada por parte dos professores, que não se sentem seguros em trabalhar com
essas mídias e, quando não, seu uso marginal e inadequado. A comprovação indiscutível do
alcance desse novo complexo cultural em diferentes contextos parece não encontrar, na
escola, lugar de destaque.
Em outros termos, isso significa dizer que, mesmo com a inovação tecnológica
existente e a vitalidade com que a linguagem audiovisual se consolidou na sociedade
contemporânea, a educação escolar está, ainda, em grande parte, centrada na escrita e na
oralidade. Não se quer dizer com isso, que o uso da escrita e da oralidade diminuirá, mas sim
que a metodologia de apresentação que ainda predomina no ambiente escolar, secundariza o
uso dos aparatos de imagem e som e, quando estes chegam às salas se aula, chegam como
18

ilustração, anexo, acessório do texto que ainda é o mais forte referencial para a escola
(HOLLEBEN, 2007).
Holleben (2007) afirma que essa pouca utilização e inadequação, no ambiente escolar,
ocorrem por diversos fatores. Um deles é a dificuldade em adotar o cinema como
conhecimento, pois, no imaginário escolar, o tratamento da arte cinematográfica sofre dos
mesmos preconceitos das demais, isto é, seu uso na escola se faz pela via do entretenimento,
da diversão, da ilustração do conhecimento que está em outras fontes mais confiáveis. No
entanto, no exercício de reflexão apresentado na presente pesquisa, o cinema passa a ser um
espaço de ensino e aprendizagem de fundamental importância para a formação das gerações
presentes e futuras, afirmando-se como um instrumento de validade científica para ser usado
na educação escolar.
Assim, um dos principais argumentos para a escrita deste texto foi no sentido de
desmistificar a educação da escola e o conhecimento dos livros, para tratá-los em outras
instâncias educativas. No caso específico desta dissertação, o cinema é espaço de ensino e
aprendizagem, uma vez que este produz conhecimentos e pode ser considerado um aparato
sociocultural comprometido com a transformação da sociedade escolar. Cabe aqui destacar
uma conquista, no que tange ao cinema como instrumento pedagógico de educação. Em 26 de
junho de 2014, foi aprovado o acréscimo do parágrafo 8º ao Artigo 26 da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (Lei n.º 9394/96), que estabelece: “a exibição de filmes de
produção nacional constituirá componente curricular complementar integrado à proposta
pedagógica da escola, sendo a sua exibição obrigatória por, no mínimo, 2 (duas) horas
mensais”. Dessa forma, entende-se que a citada indicação na Lei oportuniza aos jovens
escolares um acesso de maneira significativa às produções cinematográficas.
Sempre foram presentes, no sistema escolar e nas políticas públicas de educação
brasileira, inquietações em torno da construção de sujeitos e de relações entre sujeitos dotados
de corpos, gêneros e sexos. Ainda que de maneiras distintas e comumente enviesadas, tais
preocupações se concentravam (e ainda concentram) na finalidade de fazer da escola um
ambiente de normalização, disciplinamento e adequação de corpos, mentes, identidades e
sexualidades (VIDAL, 2003).
Não é casual a recente inclusão das questões de gênero, identidade de gênero e
orientação sexual na educação brasileira, a partir de um ponto de vista de valorização da
equidade de gênero e de ascensão de uma cultura de respeito e reconhecimento da diversidade
sexual. Uma perspectiva que põe sob suspeita as concepções curriculares hegemônicas e tende
19

a modificar rotinas escolares, a problematizar consequentes reproduções de desigualdades e


opressão (BRASIL, 2007).
A crescente mobilização de múltiplos setores sociais a serviço do reconhecimento da
legitimidade de suas diferenças tem correspondido a uma percepção, cada vez mais aguçada,
do papel da educação para a diversidade. Essa diversidade é visualizada como fator
fundamental para proporcionar inclusão, promover o respeito à diferença de oportunidades e
afrontar o preconceito, discriminação e violência, principalmente no que se refere a questões
de gênero e sexualidade que, de certa forma, são questões que envolvem vários conceitos, tais
como gênero, identidade de gênero, sexualidade e orientação sexual, demandando a criação de
políticas públicas educacionais, contemplando, ao mesmo tempo, suas articulações, sem
negligenciar suas especificidades (BRASIL, 2007).
Esta pesquisa atingiu a citada problemática a partir da concretização de um projeto de
extensão vinculado à Universidade Federal de Sergipe (UFS), que teve como objetivo
problematizar o corpo através do cinema, dialogando com algumas disciplinas do Ensino
Médio, estabelecendo conexões e tensões com os temas transversais. O projeto de extensão
foi realizado no período de março a novembro de 2014, no Colégio Estadual Prof.ª Glorita
Portugal, localizado no Conjunto Eduardo Gomes, na cidade de São Cristóvão no estado de
Sergipe, no período matutino, com alunos do Ensino Médio, onde foram apresentados 08
(oito) filmes, nos quais, diversas questões ligadas ao corpo, assumiam centralidade.
O referido projeto foi veiculado junto ao grupo de Pesquisa Corpo e governabilidade:
política, cultura e sociedade, do Departamento de Educação Física da UFS, na linha de Corpo
e Comunicação, sob a orientação dos professores Renato Izidoro da Silva e Fabio Zoboli 2. A
linha de corpo e comunicação tem como objetivo estudar as mídias como ferramenta cultural
e política para a governabilidade do corpo e seus comportamentos sociais: texto, pintura,
fotografia, cinema, televisão, rádio, internet e mídias digitais. Dessa forma, a presente
pesquisa é consonante à proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais ( PCN’s) do Ensino
Médio, pois o mesmo tem como centralidade a questão da linguagem analisada sob o viés
transdisciplinar:

A linguagem tem sido objeto de estudo da filosofia, psicologia, sociologia,


epistemologia, história, semiótica, linguística, antropologia etc. A linguagem

2
Grupo no qual produziu seu primeiro livro autoral, intitulado “Corpo e Governabilidade”, contendo um texto de
minha autoria em parceria com mais dois autores: DANTAS JUNIOR, H. S.; ZOBOLI, F.; SILVA, M. S. O
corpo “em-cena”: o cinema como proposta pedagógica no Ensino Médio. In: ZOBOLI, F.; SILVA, R. I. da;
BORDAS, M. A. G. Corpo e Governabilidade. São Cristóvão: Editora UFS, 2016. Essa obra serviu como base
para a produção desta dissertação.
20

pela sua natureza é transdisciplinar, não menos quando é enfocada como


objeto de estudo, e exige dos professores essa perspectiva em situação
didática (BRASIL, 2000, p. 05).

Para isso, optou-se por integrar a Orientação Sexual nos Parâmetros Curriculares
Nacionais por meio da transversalidade. Propõe-se que a Orientação Sexual, proporcionada
pela escola, aborde, com os estudantes, as repercussões das mensagens transmitidas pela
mídia, pela família e pelas demais instituições da sociedade. Trata-se de preencher lacunas
nos conhecimentos que esses já possuem e, principalmente, criar a possibilidade de constituir
opinião a respeito do que lhes é ou foi apresentado. A escola, ao propiciar informações
atualizadas do ponto de vista científico e ao mencionar e debater os diversos valores
associados à sexualidade e aos comportamentos sexuais existentes na sociedade permite, ao
aluno, desenvolver atitudes coesas com os valores que ele próprio elege como seus. É,
portanto, mediante o diálogo e a reflexão, pautando-se sempre pelo respeito a si próprio e ao
outro, que o aluno alcançará modificar, ou reafirmar concepções e princípios, estabelecendo
de maneira significativa seu próprio código de valores (BRASIL, 1997).

A sexualidade envolve pessoas e, consequentemente, sentimentos, que


precisam ser percebidos e respeitados. Envolve também crenças e valores,
ocorre em um determinado contexto sociocultural e histórico, que tem papel
determinante nos comportamentos. Nada disso pode ser ignorado quando se
debate a sexualidade com os jovens. O papel de problematizador e
orientador do debate, que cabe ao educador, é essencial para que os
adolescentes aprendam a refletir e tomar decisões coerentes com seus
valores, no que diz respeito à sua própria sexualidade, ao outro e ao coletivo,
conscientes de sua inserção em uma sociedade que incorpora a diversidade
(BRASIL, 1997, p. 304)

É imprescindível que o educador tenha acesso à formação específica para debater a


sexualidade com os estudantes, possibilitando a construção de uma atitude profissional e
consciente na abordagem dessa temática. Os professores precisam entrar em contato com suas
próprias dificuldades diante do tema, com questões teóricas, leituras e discussões relativas à
sexualidade e suas diversas abordagens; preparar-se para a intervenção prática junto aos
alunos e ter acesso a um espaço de produção de conhecimento a partir dessa prática. A
formação deve suceder de forma contínua e sistemática, propiciando a reflexão sobre valores
e preconceitos dos próprios educadores envolvidos no trabalho de Orientação Sexual. Torna-
se necessário que os professores possam reconhecer os valores que conduzem seus próprios
comportamentos e norteiam sua visão de mundo, assim como reconhecer a legitimidade de
valores e comportamentos diversos dos seus. Tal atitude institui, dessa forma, condições mais
21

adequadas para o esclarecimento, à informação e o debate sem a imposição de valores


específicos (BRASIL, 1997).
Portanto, segundo Brasil (1997), em relação às questões de gênero, por exemplo, os
professores devem transmitir, por seu comportamento, a valorização da igualdade entre os
gêneros e a dignidade de cada um individualmente. Ao nortear todas as discussões, eles
próprios respeitam a opinião de cada aluno e, ao mesmo tempo, garantem o respeito e a
participação de todos, apontando os preconceitos e trabalhando pela não discriminação das
pessoas. A abordagem da sexualidade, no campo da educação, necessita ser clara, para que
seja tratada de maneira simples e direta, ampla, a fim de não reduzir sua complexidade,
flexível, para comportar o atendimento a conteúdos e situações diversas, bem como
sistemática, para possibilitar a aprendizagem e o crescente desenvolvimento.
Destarte, a escola, sendo capaz de abarcar a discussão da sexualidade no seu projeto
pedagógico, estará se habilitando a interagir com os jovens através da linguagem e do foco de
interesse que marca essa etapa de suas vidas e é relevante para a construção de sua identidade
(BRASIL, 1997). Ainda, é necessário compreender que a experiência escolar é essencial para
que tais conceitos se articulem no decorrer de procedimentos em que noções de gênero,
sexualidade, dentre outras, sejam construídas e introduzidas socialmente. Experiência essa
que proporciona repercussões na formação da identidade de cada indivíduo, ocorrendo em
todos os seus campos de atuação social, sendo imprescindível para proporcionar instrumentos
para o reconhecimento do outro e a emancipação de ambos.
De acordo com Felipe (2008), vale notar que um dos objetivos centrais da escola
consiste em expandir os conhecimentos de seus atores sociais (alunos e professores), devendo
ser um espaço de produção de saber, questionamento e aprofundamento de todo e qualquer
tema que seja do interesse dos/as alunos/as.

A escola e, em particular, a sala de aula, é um lugar privilegiado para se


promover a cultura de reconhecimento da pluralidade, das identidades e dos
comportamentos relativos a diferenças. Daí, a importância de se discutir a
educação escolar a partir de uma perspectiva crítica e problematizadora,
questionar relações de poder, hierarquias sociais opressivas e processos de
subalternização ou de exclusão, que as concepções curriculares e as rotinas
escolares tendem a preservar (SILVA, 1996, p.49).

Do mesmo modo, como ambiente de constituição de conhecimento e de ampliação do


senso crítico, onde se desenvolvem sujeitos, corpos e identidades, a escola torna-se uma
referência para o reconhecimento, respeito, amparo, diálogo e convívio com a diversidade, ou
22

seja, um local de questionamento das relações de poder e de análise dos processos sociais de
produção de diferenças e de sua tradução em desigualdades, opressão e sofrimento (BRASIL,
2007).
É importante esclarecer que a escola tem um papel fundamental no combate contra o
preconceito e a representação de desigualdades na sociedade. Assim, é imprescindível ter um
olhar atento para as questões da diversidade sexual e das construções de gênero para, desta
forma, intervir nos processos de preconceito e de discriminação, compreendendo que existem
corpos distinguidos por distinções biológicas, mas que, também, são marcados pela
socialização (SILVEIRA, 2010). De acordo com o referido autor, se o gênero é construído por
relações sociais, pela família, pela escola, pelos processos de socialização e pela mídia, parte-
se do pressuposto de que este, além disso, pode ser reconstruído, desconstruído, discutido,
transformado em busca de uma igualdade social entre homens e mulheres, do aspecto do
acesso a direitos sociais, políticos e civis.
A escola é um ambiente de socialização para a diversidade e para o questionamento da
aprendizagem do gênero e da sexualidade, contudo a não visualização dessas questões
comprova a necessidade de investimento na formação dos/as professores/as para aprofundar o
debate com os/as alunos/as, pois, mesmo que as concepções étnico-raciais, de gênero e/ou
econômicas já estejam, aos poucos, sendo contempladas, as dimensões sociais e políticas da
sexualidade permanecem às margens (SILVEIRA, 2010).

Nesse sentido, as propostas para o trabalho com gênero na educação


dependem das práticas reflexivas dos sujeitos envolvidos nos contextos
educativos. Educadoras e educadores, que reflitam e transformem suas
próprias práticas podem produzir encaminhamentos de trabalho específicos
em cada contexto. Problematizar, provocar o debate, desconstruir padrões,
desnaturalizar relações sociais, brincar com os padrões, imagens e estilos
disponíveis, criar novos estilos, produzir novos personagens para velhas
histórias, parodiar antigas letras de música, dançar de outros modos, escutar
letras e histórias que apresentem outras perspectivas, realizar performances
de gênero que desestabilizem algumas conformações rígidas de gênero e
sexualidade são algumas possibilidades para propiciar essas novas leituras
sobre algumas de nossas velhas realidades (SANTOS et al, 2010, p. 69).

Tomando como referência Silveira (2010), podemos concluir que educar para um
mundo mais justo, é não educar meninos e meninas de uma forma radicalmente distinta,
levando-se em conta que a escola deve estar atenta para não permitir a reprodução do
preconceito contra as mulheres e contra todos aqueles que fogem a masculinidade
hegemônica.
23

1.3 OBJETIVOS

1.3.1 Objetivo Geral

Problematizar e compreender as relações de gênero através do filme “Hoje eu quero


voltar sozinho” como ferramenta de educação sob o viés da análise fílmica.

1.3.2 Objetivos Específicos

 Compreender a linguagem do cinema como ferramenta pedagógica sistematizada e


estruturada como forma de discutir temáticas da modernidade no âmbito escolar;
 Compreender o conceito de gênero e suas relações com o corpo e a sexualidade;
 Apresentar a análise fílmica como uma forma sistematizada de compreensão do filme
“Hoje eu quero voltar sozinho”.

1.4 METODOLOGIA

Para a realização desta dissertação, optamos pela abordagem de viés qualitativo, sem a
pretensão de se apropriar de dados quantitativos, mas buscar analisar elementos apresentados
no contexto social, os quais envolvem conceitos, valores e comportamentos. De acordo com
Manning (1979 apud NEVES, 1996, p.01), a pesquisa qualitativa “tem por objetivo traduzir e
expressar o sentido dos fenômenos do mundo social”, compreendendo um conjunto de
técnicas interpretativas que visam descrever e decodificar os componentes de um sistema
complexo de significados. De acordo com Rodrigues (2006):

A pesquisa qualitativa não se utiliza de métodos estatísticos, como também


não possui como objetivo fundamental apresentar o problema a partir desses
procedimentos, ou seja, esta pesquisa busca averiguar problemas
relacionados a opiniões, atitudes e comportamentos individuais ou de
grupos, em que não sejam representados, devido a sua complexidade, a partir
de procedimentos estatísticos. “Por meio da abordagem qualitativa, o
pesquisador tenta descrever a complexidade de uma determinada hipótese,
analisar a interação entre as variáveis e ainda interpretar os dados, fatos e
teorias” (RODRIGUES, 2006, p. 90).

Na apropriação da abordagem mencionada anteriormente, compreendemos que a


presente dissertação também assume o caráter descritivo como tipo de pesquisa, sendo de
grande importância para tal enfoque, pois Manning (1979 apud NEVES, 1996) afirma que o
24

trabalho de descrição tem caráter fundamental em um estudo qualitativo, já que é por meio
dele que os dados são coletados.
Contudo, nesta pesquisa, foi adotado o método de análise fílmica proposto no livro
Ensaio Sobre a Análise Fílmica, de Francis Vanoye e Goliot-Lété (1994), no qual buscamos
aprofundar através de um recorte, o contexto da relação corpo e gênero da nossa amostragem,
o filme Hoje eu quero voltar sozinho, de Daniel Ribeiro (2014). De acordo com Vanoye e
Goliot-Lété (1994, p.13), quando vemos um filme criamos impressões, intuições, emoções
que faz com que nos deparemos em atitudes de “analisante”. Essa “análise” vem relativizar as
imagens “espontaneístas” apresentadas na obra. Tais fatos estão ligados à relação que se
estabelecem no primeiro momento entre espectador e filme, o que permite, através dessa
primeira relação, construir fundos de hipóteses sobre o filme assistido. Porém, a análise não
pode restringir-se com base apenas nas primeiras impressões, o que significa que essas
hipóteses do contrário, deverão ser averiguadas concretamente por “um verdadeiro processo
de análise”.
A análise fílmica se dá, geralmente, por meio da produção escrita, sendo
imprescindível no enquadramento dessa análise, “a definição do contexto e do produto final
[...]. O que permite esboçar, pelo menos em parte, seus limites, suas formas e seus suportes,
seu ou seus eixos (ou, pelo menos, a possibilidade de maior, ou menor escolha de eixos)”
(VANOYE; GOLIOT-LÉTÉ, 1994, p. 10). É, portanto, de suma importância compreender os
processos aos quais deve ocorrer esse método de análise. Sendo assim, o tipo de análise
proposta por Vanoye e Goliot-Lété (1994) se dá com base nos instantes apresentados a seguir:

No primeiro instante, temos que: analisar um filme ou um fragmento e, antes


de mais nada, no sentido científico do termo, assim como se analisa, por
exemplo, a composição química da água, decompô-lo em seus elementos
constitutivos. É despedaçar, descosturar, desunir, extrair, separar, destacar e
denominar materiais que não se percebem isoladamente ―a olho nu, pois se
é tomado pela totalidade. Parte-se, portanto, do texto fílmico para
―desconstruí-lo e obter um conjunto de elementos distintos do próprio
filme. Através dessa etapa, o analista adquire um certo distanciamento do
filme. Essa desconstrução pode naturalmente ser mais ou menos
aprofundada, mais ou menos seletiva, segundo os desígnios da análise.
(VANOYE; GOLIOT-LÉTÉ, 1994, p. 15).

Como descrito anteriormente, compreendemos que, no primeiro instante, devemos


focar na desconstrução ou descrição do filme, em fragmentos, que consiste nas partes que
constituem o filme. Assim, as sequências, as cenas, os planos, os elementos dos planos, são
partes a serem consideradas em uma desconstrução. Nesse sentido, nos interessa a
25

desconstrução das imagens e cenas referentes ao contexto da relação corpo e gênero,


apresentada na já citada amostragem da presente pesquisa.

Na segunda fase deve-se: [...] estabelecer elos entre esses elementos


isolados, e compreender como eles se associam e se tornam cúmplices para
fazer surgir um todo significante: reconstruir o filme ou o fragmento. É
evidente que essa reconstrução não apresenta qualquer ponto em comum
com a realização concreta do filme. É uma ―criação totalmente assumida
pelo analista, é uma espécie de ficção, enquanto a realização continua sendo
uma realidade. O analista traz algo ao filme; por sua atividade, à sua
maneira, faz com que o filme exista. (VANOYE; GOLIOT-LÉTÉ, 1994, p.
15).

No segundo momento, o de reconstrução do objeto, devemos compreender os elos de


significação que podem ser perceptivos quando estabelecidos no decorrer dessa reconstrução.
Esse fator nos permitirá fazer uma contextualização das questões que pretendemos constituir,
como o modo que o corpo é apresentado no texto fílmico. Contudo, devemos exercer a prática
de interpretação, se assim possível, com cuidado para não adentrar nos equívocos da análise,
como também entender e distinguir explicitamente os dois momentos da análise, respeitando
o modelo exposto anteriormente, onde se tem primeiro a fase de desconstrução e depois de
reconstrução.
Dessa forma, podemos compreender que, ao realizar uma análise fílmica, devemos,
de fato, respeitar um princípio fundamental de legitimação, partindo dos elementos da
descrição lançados para fora do filme, voltando ao filme quando da reconstrução, a fim de
evitar reconstruir outro filme, pois, como afirmam Vanoye e Goliot-Lété (1994, p. 15), “o
filme é, portanto, o ponto de partida e o ponto de chegada da análise”. Para realizar a análise
fílmica, na fase de reconstrução, fizemos uma seleção dos capítulos/cenas que vinculam os
aspectos das relações de gênero. Com o intuito de facilitar tal procedimento, organizamos a
decomposição a partir de dois eixos temáticos: o primeiro, diz respeito à homossexualidade,
e, o segundo, à normatividade de gênero. Porém, não deixamos de vislumbrar as propostas
de Michel Marie, também visualizadas no livro Ensaio Sobre a Análise Fílmica, de Francis
Vanoye e Goliot-Lété (1994), propostas estas que serviram para estabelecer uma referência
dos parâmetros a serem levados em conta tendo em vista a descrição de um material fílmico,
que são:

Numeração do plano, duração em segundos ou número de fotogramas;


elementos visuais representados; escala dos planos, incidência angular,
profundidade de campo, objetiva utilizada; movimentos no campo, dos
26

atores ou outros e movimentos da câmera (observar o quadro 1); passagens


de um plano a outro (olhares, movimentos, cortes, fusões ou escurecimentos,
dentre outros efeitos); trilha sonora (diálogos, ruídos, música, escala sonora,
intensidade, transições sonoras, encavalamentos, continuidade/ruptura
sonora); relações sons/imagens sons in/off/fora de campo, sons diegéticos ou
extradiegéticos, sincronismo ou assincronismo entre imagens e
sons(observar quadro 2). (VANOYE; GOLIOT-LÉTÉ, 1994, p. 65-66)3.

Quadro 1 - Os componentes do plano

OS COMPONENTES DO PLANO
Definição
O plano é a porção do filme impressionada pela câmera entre o início e o final de uma
tomada; num filme acabado, o plano é limitado pelas colagens que o ligam ao plano anterior
e ao seguinte.
Componentes do Plano
1. A duração (do “instantâneo fotográfico” ao plano que esgota a capacidade total de carga
do filme na câmera).
2. Ângulo de filmagem (tomada frontal/tomada lateral, etc.).
3. Fixo ou em movimento (câmera fixa/câmera em movimento: panorâmica, movimento
com a grua, câmera na mão, etc.; objetiva fixa/zoom: movimento óptico). Este plano realiza
a conjunção de um único plano e de uma unidade narrativa (de lugar ou de ação).
4. Escala (lugar da câmera com relação ao objeto filmado): plano geral ou de grande
conjunto; plano de conjunto, plano de meio conjunto; plano médio (homem em pé); plano
americano (acima do joelho); plano próximo (cintura, busto); primeiríssimo plano (rosto);
plano de detalhe (pormenor).
5. Enquadramento: inclui o lugar da câmera, a objetiva escolhida, o ângulo de tomadas, a
organização do espaço e dos objetos filmados no campo.
6. Profundidade de campo: de acordo com a objetiva escolhida, a iluminação, a disposição
dos objetos no campo, o lugar da câmera, a parte de campo nítida, visível, será mais ou
menos importante.
7. Situação do plano na montagem, no conjunto do filme: Onde? Em que momento? Entre o
quê e o quê?
8. Definição da imagem: cor/preto e branco, “grão” da fotografia, iluminação, composição
plástica, etc.
Fonte: Elaborado com base no livro Ensaio Sobre a Análise Fílmica de Vanoye e Golliot-Lété (1994).

3
É relevante salientar que, no capítulo referente às análises, estas não serão realizadas dispostas em quadros,
como aqui visualizadas, e sim no formato de texto corrido.
27

Quadro 2 - Para a descrição e análise das relações entre sons e imagens

PARA A DESCRIÇÃO E ANÁLISE DAS RELAÇÕES ENTRE SONS E IMAGENS


1. Três materiais da expressão sonora no cinema: as palavras, os ruídos e as músicas.
2. Três tipos de relações entre o som e a imagem: som in – a fonte do som (palavra, ruído ou
música) é visível na tela, ou seja, som sincrônico; som fora de campo – a fonte do som não é
visível na imagem, mas pode ser situada imaginariamente no espaço-tempo da ficção
mostrada, ou seja, som diegético (diegese designa o universo da ficção, o “mundo”
mostrado e sugerido pelo filme); som off – emana de uma fonte invisível situada num outro
espaço-tempo que não o representado na tela, ou seja, som extradiegético ou
heterodiegético.
3. O registro de sons: tomada de som direta no momento da filmagem; pós-sincronização
em estúdio; possibilidade de “mixagem” dos sons, em estúdio, combinando ou não as duas
fórmulas e realizando, ademais, combinações variáveis de sons e imagens – sincronismo
(som sincronizado à imagem), não sincronismo ou assincronismo (não correspondência,
total ou parcial, entre sons e imagens), decalagens e encavalamentos (atrasos ou
antecipações de uns em relação aos outros), contraponto, etc.
4. A escrita e o registro dos diálogos: não escritos, improvisados ou semi-improvisados e
registrados em som direto; escritos, decorados, registrados em som direto; escritos, pós-
sincronizados; dublados.
Fonte: Elaborado com base no livro Ensaio sobre a Análise Fílmica de Vanoye e Golliot-Lété (1994).

Vanoye e Goliot-Lété (1994) apontam para outros aspectos que, após observação e
descrição, devem ser vislumbrados numa análise fílmica e, por conseguinte, também sendo
observados nessa dissertação. São eles: o cenário (os elementos do cenário, o cenário com
relação aos acontecimentos, a função do cenário na cena), elemento este que possui uma
função mais semântica do que estética; nenhum elemento do cenário é gratuito; os
personagens (física e implicitamente presentes, as relações que os vinculam); a direção e o
ritmo (mais cinematográfico do que teatral, assumido pela montagem e pela música, ligado à
intensidade emocional).
28

2 CINEMA, CORPO E EDUCAÇÃO

Neste capítulo, apresentamos o cinema como via de informação que, por meio de suas
percepções do mundo, torna-se atividade importante para a socialização e inserção de pessoas
no mundo da cultura. Considerando essa perspectiva, fizemos uma ponte ligando essa via ao
fator educação, a fim de relacioná-la com a teoria e a prática educativa, qual seja, o cinema
como ferramenta pedagógica. Adotamos, igualmente, uma abordagem inter e transdisciplinar
de apresentar o corpo através do cinema e sua relação com diversos temas, mais precisamente
com a temática de gênero.

2.1 CINEMA E EDUCAÇÃO

A sociedade vem sofrendo inúmeras transformações que se refletem diretamente na


vida das pessoas e, por consequência, na política cidadã e na educação. Essas modificações
abrangem diversas informações que se espalham simultaneamente, por todo o mundo,
mediante diversos mecanismos tecnológicos, criando o acesso de crianças, jovens e adultos, a
novos ambientes educacionais, que não sejam exatamente o espaço escolar (KLAMMER et
al., 2006).
Almeida (1994) aponta que grande parte da sociedade moderna é educada,
predominantemente, pela televisão, pelo cinema, assim como pela internet que, sem dúvida, é
a maior fonte de consulta de informações, além de ser um espaço gerador de entretenimento
para os jovens e mediador das relações humanas através das redes sociais, da troca de e-mails
e de mensagens instantâneas. Partindo do princípio de que a educação se dá basicamente por
meio de uma junção de escola, família, instituições, mídia e todos os ambientes nos quais se
possam constituir relações diretas e indiretas entre os sujeitos, não havendo, atualmente, como
dissociar esses meios dos avanços da tecnologia e da onipresença da imagem, Almeida (1994)
relata que não há como desconsiderar o predomínio da função educativa do audiovisual como
forma de difusão e divulgação de valores, crenças, juízos e todos os tipos de conhecimento.
Retornado ao pensamento de Klammer et al. (2006), apreendemos que a escola já não
é mais o único local de aprendizagem e nem o professor o único a possuir o conhecimento ou
a informação, aspecto esse que, segundo esses autores, expõe a necessidade de uma atuação
pedagógica relacionada aos meios de comunicação existentes no cotidiano dos alunos, dentre
os quais se inclui o cinema, que não pode ser desconsiderado e facilmente abolido do sistema
educativo.
29

Tendo em vista todas as questões expostas e relatando a influência dos meios


audiovisuais na formação dos sujeitos, Bettoni (2011) defende a importância de estudar o
cinema da mesma forma que se estuda literatura, isto é, como meio de expressão artística,
estética, verbal e como linguagem. Diante disso, o cinema não deve ser aproveitado nas
escolas somente como um recurso para explicar temas específicos nas disciplinas, mas,
também, como experiência instauradora de sentido, como instrumento de comunicação, como
meio de obter conhecimentos, ou seja, é necessário compreender o cinema como fonte de
informação e formação humana. Adotando como base esse contexto, é perceptível a
importância da experiência do cinema presente na escola, sendo esta realizada numa ampla
contextualização a respeito de como esse recurso conquistou o seu espaço na sociedade
moderna.
O cinema, também conhecido como a sétima arte, é fruto da modernidade e importante
símbolo e expressão da cultura. Melo (2006, p.32) coloca-o como “primeira grande linguagem
de massa”, a que possibilitou a “exibição de imagens em movimento e proporcionou a
construção da então indústria do lazer e do entretenimento”. Não se restringindo a isso, o
cinema é hoje um grande sistema e via de conhecimentos e significados, construção e
consequência da cultura moderna. O cinema está presente na educação desde a década de
1930, com presença marcante na década de 1960, a partir das revistas Cahiers du Cinéma e
Screen4, abordando sobre a política dos autores, o aspecto semiológico, além de experiências
em ambientes culturais do tipo cineclubes, círculos de cinema, cineforum, que abrangiam a
projeção de filmes para um público com uma concepção educativa e de sensibilização em
relação ao cinema (FANTIN, 2007).
A relação cinema e educação foi marcada, historicamente, por métodos didáticos no
contexto escolar que utilizavam o cinema somente como recurso audiovisual. Rivoltella (2005
apud FANTIN, 2007, p. 05) aponta que o “cinema como representação da história” e “espelho
da realidade” possibilita redimensionar a relação do sujeito com a natureza e com a cultura,
seja por meio da ficção ou do documentário histórico. Se na conjuntura europeia tal prática foi
concretizada no ensino de história e na focalização de temas, personagens ou valores
relacionados ao contexto escolar ou extraescolar, no Brasil tal prática está a passos lentos de
ser consolidada. Isso porque, desde a origem do cinema no Brasil, no final do século XIX,
jornais e revistas especializadas noticiavam análises e comentários sobre o cinema e, no início

4
A revista Cahiers du Cinéma, publicação francesa, apresentava artigos de diretores e críticos defendendo o
reconhecimento da autoria dos diretores cinematográficos. A revista Screen, publicação inglesa, tinha, por sua
vez, aspecto semiótico, realizando análises ideológicas e psicológicas dos filmes (FANTIN, 2007).
30

do século XX, intelectuais, políticos, educadores e cineastas já escreviam sobre a possível


junção entre o cinema e a educação, bem como sobre a viabilidade deste recurso nas escolas.
Diversos educadores e pesquisadores já relatam, há certo tempo, sobre a importância
de analisarmos com seriedade o ensino do cinema nas escolas e o estudo do cinema, por parte
dos professores.

Klammer et al. (2006) defendem uma ampliação do uso do cinema em sala


de aula a partir de uma pesquisa sobre como ele é utilizado nas escolas e de
que maneira o professor se serve desse recurso. Fabri (2008) aponta como a
análise de filmes pode ser útil na educação e compara os aspectos
educacionais da filmografia brasileira à hollywoodiana. Felipe (2006) define
os diversos modos de representação do cinema como tecnologia formadora e
teórica, mas concentra sua pesquisa apenas na sua aplicação no ensino de
História. Fischer (2009) parte da obra Hemenêutica do sujeito, de Michel
Foucault (2004), para analisar três filmes e relacioná-los à formação ética e
estética de professores. A partir das noções de imaginário e representação
social, Oliveira (2006) analisa o uso do cinema como material didático na
educação científica e sua importância para a história da ciência. Monica
Fantin (2006), em seu artigo “Mídia-educação, cinema e produção
audiovisual na escola”, parte de uma interessante revisão bibliográfica para
defender a necessidade de uma educação que vá além do ensino com o
cinema e abarque a produção dos alunos. Segundo Fantin (2006, p. 8-9), ao
ampliarmos as possibilidades de participação dos alunos no sentido da
autoria, estaríamos promovendo uma educação “com os meios (usando o
cinema e os filmes em contextos de fruição), sobre os meios (leitura crítica
através da análise cinematográfica) e através dos meios (produzindo
audiovisual, fotografia, roteiros)” (BETTONI, 2011, p. 146-147).

Nesse sentido, de acordo com Fantin (2007, p. 01), o cinema pode ser compreendido a
partir de diversas dimensões, tais como, estéticas, cognitivas, sociais e psicológicas
relacionadas com “o caráter instrumental, educar com e para o cinema, e com o caráter de
objeto temático, educar sobre o cinema”. A educação pode apresentar o cinema como
instrumento, objeto de conhecimento, meio de comunicação e meio de expressão de
pensamentos e sentimentos. No entanto, considerar o cinema como um meio não significa
restringir seu papel sociocultural a uma ferramenta didático-pedagógica destituída de
significação social, pois este possui uma importante função na construção de significados e os
diversos modos de assistir aos filmes fazem com que estes ajam diferentemente conforme o
contexto.

Devido à riqueza potencial formativa do cinema, essa dimensão do recurso é


inevitável, pois faz parte da natureza de sua inserção na escola, mas o
problema é quando o cinema se reduz no espaço formativo a isso, como
ocorre na maioria das vezes. E é nesse limiar entre o uso “escolarizado” que
restringe o cinema a um recurso didático e o uso do cinema como objeto de
31

experiência estética e expressiva da sensibilidade, do conhecimento e das


múltiplas linguagens humanas que podem inspirar outras práticas escolares
que situo a importância de redimensionar o caráter instrumental do cinema
(FANTIN, 2007, p. 05).

Constituindo um contraponto a essa direção, compreendendo o cinema como uma das


manifestações culturais que mais serviram à educação das gerações do século XX, buscando
tencionar e reivindicar o âmbito escolar como espaço de acesso à cultura comum, à cultura
artística, à cultura cinematográfica, no que lhe concerne como permanentes e históricos.
Duarte (2002) afirma que os filmes indicam um efeito de realidade nas pessoas muito
mais impactante que qualquer outra forma de arte. Ao frequentar o cinema, o espectador faz
um pacto com a ficção e estabelece um intervalo no cotidiano da vida, assumindo desta forma
uma impressão da realidade, Como também constitui uma identificação com as personagens e
as tramas vislumbrando possibilidades de realidade no mundo possível. Por fim, o espectador
produz uma “interpretação”, sentidos e significados próprios das suas capacidades de ver e ler
o mundo por meio de códigos de imagem e som. Com essas interpretações é possível concluir
que a escola precisa aceitar o conhecimento oriundo da visualização de filmes por parte do
espectador, como algo elaborado e com argúcia lógica.
Dessa forma, os filmes, assim como podem trazer consigo diversas temáticas que
dizem respeito às manifestações culturais e práticas sociais, sejam elas do cenário atual,
passado e futuro, também têm se intensificado no acervo das variadas formas de saberes. Esse
conhecimento está embutido no contexto do lúdico, devido à exigência da sociedade centrada
no contexto audiovisual, tornando o cinema um meio de expressão e comunicação que tem
adentrado, cada vez mais, no contexto escolar. Sob este viés, Duarte (2002, p.17) explica:

Nota-se que em “sociedades audiovisuais” como a nossa, o acesso ao cinema


e, indo mais além, o domínio da linguagem cinematográfica nas suas
singularidades, pode auxiliar e enriquecer a compreensão do corpo e sua
educação na escola. E se compreendermos a educação imersa numa
sociedade audiovisual, a interpretação filmística e sua apropriação adquirem
relevância dentre os saberes escolares.

A relevância da afirmação supracitada é visualizada a partir do momento em que


compreendemos as competências advindas do simples fato de ver filmes, como uma prática
cultural enriquecida em signos e significados, capazes de proporcionar a aprendizagem. O
cinema e suas linguagens têm a capacidade de gerar formas específicas de compreensão da
sociedade através de suas alternativas de construção do saber que, por meio do processo de
32

cognição, gera a apropriação dos significados trazidos no seu interior (BARBOSA; CUNHA,
2006).
Concordamos com Duarte (2002, p. 17) quando este menciona que: “ver filmes, é uma
prática social tão importante, do ponto de vista de formação cultural e educacional das
pessoas, quanto à leitura de obras literárias, filosóficas, sociológicas e tantas mais”. Essa
afirmativa se constitui por entender o cinema como símbolo e representação de uma cultura
que, através do contato com seus signos, é possível criar, recriar significados e traçar novas
compreensões das representações normalizadas ou pré-estabelecidas até então, vistas no dia a
dia. A esse respeito, Barbosa e Cunha (2006, p. 58) afirmam que “[...] as imagens fílmicas, tal
como mitos, rituais, vivências e experiências, condensam sentidos e dramatizam situações do
cotidiano, descortinando a vida social e seus contextos de significação”.
Segundo Carmo (2003 apud PIOVESAN; BARBOSA; COSTA, 2010), educar
através do cinema, ou utilizá-lo no processo escolar, é ensinar a ver diferente, significa educar
o olhar, compreender os enigmas da modernidade na moldura do espaço imagético. Nessa
discussão, Santos, Caminha e Freitas (2012), ao tratar da relação professor-aluno, estabelecem
que é nas interações pedagógicas que o professor tem que buscar meios para conduzir o
processo de aprendizagem, no qual é muito importante na busca dos sentidos dos fatos.
Segundo Goulart (2003, p.159), “é possível reinventar a escola através do cinema porque este
permite uma reflexão sobre o ser humano na sua universalidade”. Por conseguinte, o professor
necessita saber interpretar as imagens, possa entendê-las por meio de uma cultura
cinematográfica, a comunicação do cinema, realizando desta forma, o rito de passagem do
espectador passivo para o espectador crítico.
Nesse contexto, encontra-se exposta a relevância da escola como uma instância
educadora, compreendendo que a sua função é garantir ao aluno a participação na vida
política produtiva, a partir do momento em que lhe proporcionar a assimilação dos
conhecimentos historicamente produzidos, instrumentalizando-o para que esta participação se
dê de forma positiva e efetiva (KLAMMER et al., 2006). Dessa forma, é perceptível a
necessidade de atuação da escola na formação de indivíduos críticos e conscientes de seu
papel enquanto integrantes de uma sociedade.
A partir do momento em que a escola possibilitar um diálogo crítico com as mídias
estará colaborando para essa politização, de modo que os indivíduos compreendam as
mensagens e ideologias por elas difundidas (KLAMMER et al., 2006). Sendo assim, pode-se
perceber que o uso desse meio de comunicação pode ajudar a ampliar e avançar na formação
cultural tanto do professor quanto do aluno. A arte cinematográfica contribui para disseminar
33

a arte e a cultura, podendo exercer influência positiva nos estudantes e professores quando
bem utilizadas.
Nesse sentido, segundo Klammer et al. (2006) não compete ao professor ignorar as
informações originadas por intermédio dos meios de comunicação, mas sim desfrutar destas
informações e incorporá-las de forma ativa e construtiva nas suas aulas, com a finalidade de
tornar mais dinâmico o processo de ensino-aprendizagem, estabelecendo consequentemente
uma maior aproximação entre a escola e os meios de comunicação, especificamente o cinema.
A escola não pode ser, segundo Kenski (1996, p.134), um “local de tradição cultural”, mas
sim “de produção cultural e social”, produzindo novas culturas sem ignorar o que há de novo.
A função do professor é constituir com o aluno, relações indispensáveis entre os
conteúdos obtidos na escola e as leituras do cotidiano, mas, se o cinema ou qualquer outro
recurso multimídia for aproveitado somente como um instrumento, este não passará de mais
um recurso didático-pedagógico, restringindo, deste modo, as múltiplas possibilidades de seu
uso (KLAMMER, 2006). Por conseguinte, não basta incorporar o cinema nas atividades
escolares, é preciso entendê-lo, não somente como um recurso didático pedagógico
contemporâneo, mas como um fundamento, o qual pode contribuir para uma nova forma de
construir o conhecimento (PRETTO, 1996).
De acordo com Ferreira et al. (2010), é imprescindível que o professor inclua o cinema
como instrumento educacional e compreenda que todo e qualquer filme pode ser utilizado
como ferramenta metodológica, desde que o professor se pergunte sobre a faixa etária e
escolar mais adequada, sobre como serão abordados em sua disciplina, quais os objetivos a
alcançar e que não considere somente a mensagem do filme, mas também a manifestação da
linguagem, da cultura e enxergue o conteúdo como forma de informação e apreensão do
saber.

Promover uma educação pelo cinema, portanto, é potencializar o espectador


como sujeito que pensa, reflete e vai além do que é visto. Só se aprende a ver
cinema vendo. Mas diante da importância da imagem na nossa sociedade, é
preciso ir além do ver e conferir sentido à experiência do cinema. Usar sua
realidade, exposta na ficção, não como um modelo para a realização dos
desejos, mas como algo que nos ajuda a compreender nossos desejos, a nos
posicionarmos diante do mundo como seres críticos e pensantes, e não como
meros espectadores do cinema, das imagens, das relações e do mundo
(BETTONI, 2011, p. 156).

É necessário, então, que o professor seja o mediador e esteja preparado para explorar
um filme colocado à disposição de seus alunos, para que o filme obtenha um sentido didático
34

e propicie o aprendizado (FERREIRA et al., 2010). O cinema, através dessa nova


possibilidade pedagógica, pode ser empregado para conceber os conteúdos tradicionais
indispensáveis à aprendizagem no desenvolvimento cognitivo e perceptivo do aluno. Portanto,
é importante que o espectador compreenda que o filme pode representar além do que é visto
nas telas para, desta forma, ser considerado uma possibilidade de influência e auxílio na
construção do conhecimento (PIOVESAN; BARBOSA; COSTA, 2010).
Desse modo, os filmes podem ser observados como uma ferramenta pedagógica,
adotada para ensinar e expandir a visão do seu espectador. A utilização de filmes para o
entendimento de alguns conceitos estabelecidos pelas sociedades é de grande relevância, pois
o cinema proporciona a produção de saberes e conhecimentos diversificados por representar
elementos socioculturais não acessados pela sociedade, a não ser pela arte do cinema
(PIOVESAN; BARBOSA; COSTA, 2010).

Compreendemos que adentrar nos símbolos da sociedade atual é ver o filme


como uma via para compreensão das variadas culturas dentro de suas visões,
tornando o sujeito capaz de aguçar a percepção de sua participação em
determinada cultura, ou sentir o próprio dinamismo cultural. Se apropriar de
um filme é “aprofundar e compreender o universo simbólico dessas
representações exprimindo um sistema de atitudes pelos quais se definem
grupos sociais, se constrói identidades e se apreendem mentalidades.”
(BARBOSA; CUNHA, 2006, p.57)

É possível afirmarmos que o cinema/arte é imprescindível para a aprendizagem, por


ser um fenômeno capaz de contribuir na formação dos indivíduos, tendo a escola como
condutor. De acordo com Napolitano (2003), pode-se dizer que trabalhar com o cinema, como
recurso em sala de aula, é possibilitar à escola o reencontro com a cultura cotidiana e elevada
ao mesmo tempo. O cinema é a área na qual a estética, o lazer, a ideologia e os valores sociais
mais abrangentes são combinados numa só obra de arte.
Sobre o cinema, como via de educação, Dantas Junior (2012, p. 77) relata:

Entendo que uma educação por meio da arte pode proporcionar o


desenvolvimento do ato de julgar pelo estímulo aos novos olhares acerca da
vida e da realidade. A arte pode e deve ampliar a diversidade cultural, posto
que a redução da percepção do outro, limita meus horizontes de contato e
alimenta práticas e ideias intolerantes, assim como a redução da capacidade
de pensar está diretamente vinculada à redução da capacidade de sentir.
35

Dessa forma, podemos perceber que a apropriação da educação mediante a arte seja
capaz de fazer gerar comportamentos condizentes com a vivência e com a cultura no
cotidiano, fazendo surgir nas pessoas, sensações, pontos de vista proporcionais ao avanço das
capacidades sensitivas. Nesse sentido, Duarte (2002, p.13) afirma que:

A experiência das pessoas com o cinema contribui para desenvolver o que se


pode chamar de “competência para ver”, isto é, uma certa disposição,
valorizada socialmente, para analisar, compreender e apreciar qualquer
história contada em linguagem cinematográfica. Entretanto, essa
“competência” não é adquirida apenas vendo filmes; a atmosfera cultural em
que as pessoas estão imersas – o que inclui, além da experiência escolar, o
grau de afinidade que elas mantêm com as artes e a mídia – é o que lhes
permite desenvolver maneiras de lidar com os produtos culturais, incluindo o
cinema.

Com isso, devemos entender que, dentro e fora do contexto escolar, o cinema exerce
grande importância, pois, por ser produto e reprodutor da cultura, é algo que deve ser
vivenciado como produto cultural, digno de gerar benefício. A mídia cinematográfica é uma
importante ferramenta para trabalhar fluentes assuntos e tornar discursivos os temas que
abarcam as questões da modernidade. Nesse sentido, Dantas Junior (2012) acredita ser
importante ter o cinema como meio e produção constante da modernidade, em processo de
construção e reconstrução, sendo imprescindível haver uma sistematização para, a partir dessa
compreensão, exercer uma experiência orientada.
Ao se pensar em uma análise de imagens cinematográficas dentro de uma dinâmica
cultural, é possível extrair acepções pertinentes quando tal análise se apresenta como
possibilidade de revelar dados fundamentais sobre nossa própria sociedade e nosso modo de
pensar, instigando o pensamento e a reflexão. Na menção de Dantas Junior (2012, p. 67), “o
cinema é uma atividade educativa por excelência. Sua capacidade narrativa se transmuta em
uma didática inebriante para formar percepções do mundo”. Por seu lado, Duarte (2002, p.
86) argumenta que o cinema exerce, significativamente, um papel importante na formação
cultural das pessoas e ver filmes pode ser considerada uma prática usual em quase todas as
camadas sociais.
Por essas razões não se pode negar que “de um modo ou de outro, o cinema está
presente no universo escolar”. Entendidas essas questões, Coutinho (2002, p. 03-04) propõe
que,

no exercício atencioso de pensar o cinema, no contexto escolar e mais


especificamente da sala de aula, “a escola pode também refletir sobre a
36

educação que realiza os métodos, o programa e até mesmo a sua


organização”, possibilitando quiçá, [...] “despertar professores (as) e alunos
(as) para uma nova visão educativa, na qual os tradicionais e os modernos
métodos de ensinar e aprender possam fundir-se em novas possibilidades
expressivas”.

Teixeira e Soares (2003) permitem se concluir que o cinema é relevante para a


educação e para os professores, não somente por ser um instrumento ou recurso didático-
escolar, mas por permitir a experiência estética, fecundando e propagando dimensões de
sensibilidade, das múltiplas linguagens e inventividades humanas.

2.2 O CINEMA NA ESCOLA: OLHARES SOBRE O CORPO E GÊNERO5

O corpo é um campo plural, dotado de múltiplos sentidos, podendo ser analisado sob o
viés das mais variadas ciências ou áreas do conhecimento. Nesse sentido, Barbosa e Cunha
(2006, p. 53) afirmam que “as linguagens audiovisuais definem formas específicas de
apreensão do mundo e proporcionam estilos cognitivos e modos de compreensão e
interpretação próprios. Elas oferecem alternativas para a construção de modos de ver, elaborar
e construir conhecimentos”. Isso é, cada filme possui suas particularidades, mas, em sua
maioria, conserva um padrão que leva em conta a linguagem específica do cinema dando a
estes, possibilidades de sentidos, significações e interpretações diferentes.
Dessa forma, o filósofo francês Gilles Deleuze aponta, acerca do cinema,
potencialidades para se pensar o corpo desvencilhando o mesmo de uma lógica racional no
sentido de uma contemplação em nível de sensação.

Deem-me um corpo: é a formula do desabamento filosófico. O corpo já não é


o obstáculo que separa o pensamento de si próprio, o que tem de ultrapassar
para conseguir pensar. É, pelo contrário, no que tem de mergulhar para
alcançar o impensado, isto é, a vida. Não que o corpo pense, mas, obstinado,
teimoso, força a pensar, e força a pensar o que se esquiva do pensamento,
lançar-se-á os pensamentos nas categorias da vida. As categorias da vida são
precisamente as atitudes do corpo, as suas posturas (...). É pelo corpo (e não
por intermédio do corpo) que o cinema realiza as suas bodas com o espírito,
com o pensamento (DELEUZE, 2006, p. 243).

5
Queremos agradecer ao Professor Dr. Hamilcar Dantas Júnior por ter contribuído com uma listagem de filmes
que foi feita a partir da obra de Antônio Leão da Silva Neto, Dicionário de filmes brasileiros (2006), publicado
pela Editora do Autor, São Paulo, sobre as mais variadas temáticas que compuseram esse capítulo. Os filmes
citados e relatados aqui foram contribuições desse professor que tem apreço e cultura a respeito de tão caro tema.
37

Nesse sentido, esta dissertação tentou apontar outros caminhos de compreensão e


experimentação do corpo na educação através do cinema, pois, de acordo com Nóbrega e
Tibúrcio (2004), apontar outros caminhos de compreensão do corpo na educação se faz
necessário no sentido de visar superar o instrumentalismo e ampliar as referências educativas,
considerando o mesmo na sua relação com o conhecimento sensível. Isso, na menção dos
autores, faz com que pelo processo educativo se amplifique a textura corpórea dos processos
de conhecimento:

Ao comportar esse saber sensível, que permite a comunicação entre sentidos e


o entrelaçamento do sujeito e do mundo, que permite, ao mesmo tempo, a
criação ininterrupta de novas possibilidades de se organizar, o corpo oferece
indicadores para pensar em uma educação que ressalte a visão não
dicotomizada do humano (NÓBREGA; TIBÚRCIO, 2004, p. 467).

Visando alargar as oportunidades de aprendizado sobre o corpo, pelo corpo, com o


corpo e para o corpo, e por compreender que o cinema possui uma extensa tradição de
exposição e representação de imagens, sons e histórias corpóreas, a escola pode: (1) esboçar
as manifestações, expressões e representações corporais como metáforas da vida; (2) expor as
práticas como modelos de desencanto, de desilusão e de controle, mas também de superação,
de êxtase e libertação; (3) divulgar as inúmeras dimensões humanas e sociais, expressas
através dos corpos dos sujeitos representados.
De modo específico, ilustramos, nesta dissertação, propostas de uso de filmes de
maneira a desenvolvermos capacidades de investigação de como as produções
cinematográficas modernas estão significando algumas temáticas que giram em torno da
problemática do corpo e suas manifestações identitárias, ético-morais e políticas, no sentido
de projetar práticas sociais. Sendo assim, o recorte de nosso estudo de mestrado foi focado no
corpo enquanto vetor de significação de sexualidade e gênero.
Desse modo, é possível identificar o campo mais abrangente em que a pesquisa se
assentou, tendo em vista a análise fílmica que, por sua vez, considera as imagens e discursos
produzidos no âmbito de uma cultura, ao compreendermos também que a análise, em si,
torna-se uma possibilidade de diálogo com as regras e códigos de uma determinada cultura.
Nesse caso em particular, o corpo atravessado pelos signos da cultura configuram relações de
sexualidade e gênero. Levando ao entendimento que a partir da análise fílmica é possível
construirmos um conjunto de códigos e significações, os quais, fundamentados em nossa
experiência visual, são naturalizados, dando, de maneira particular, a cada indivíduo uma
38

forma ou mais de apreensão e compreensão. Trabalhar com filmes exige saber que se está
trabalhando com a representação de um imaginário cotidianamente recriado e em movimento.
Pensar nas imagens e narrativas seja visual ou audiovisual como objeto de análise, é
propor uma abordagem aprofundada que leve em conta aspectos diferenciados. Para Gardies
(2008), na modernidade, os filmes continuam sendo particularmente preciosos para a análise
de questões que envolvem as identidades culturais. Nesse sentido, trazer as questões da
sexualidade e gênero como cerne de discussão através dos filmes, é pensar nas possibilidades
de suas articulações políticas numa sociedade que está constantemente a inscrever no corpo os
seus mais variados enredos.
Nesse momento, tentamos ilustrar filmes possíveis de olhar sobre o corpo, pelo corpo,
com o corpo e para o corpo partindo de temas geradores de debate: as expressões dos corpos
em culturas diversas, sua relação com o tempo, o espaço, a natureza e a sociedade; corpo e as
concepções sobre normalidade e deficiência; corpo e sua mercadorização sob as mais diversas
práticas sociais e culturais; corpo e as demandas das novas tecnologias, gestando os corpos
híbridos (fusão corpo/tecnologia); os usos cada vez mais comuns de substâncias psicoativas
que podem, inclusive, gerar dependência química, sobretudo gerar sentimentos de opressão
social; corpo, sexualidade e gênero.
Em um mundo globalizado no que se refere a ver, mediante as multimídias, o outro,
mas, ainda provinciano no entender e aceitar as diferenças do outro, o cinema tem
oportunizado o acesso a culturas distintas e suas formas de se relacionar social e
culturalmente. Filmes de nacionalidades diversas têm ampliado as formas de ver o mundo e a
escola deve ser um terreno que estimule esses olhares com uma mediação consistente de seu
corpo docente. Particularmente, admiramos e entendemos ser uma cinematografia acessível
aos alunos e que possibilitam superar preconceitos enraizados contra o islamismo e países
como o Irã. Os filmes iranianos são muito sensíveis e focam questões ricas ao
desenvolvimento da infância, dos impactos sociais, culturais e econômicos sobre a vida dos
sujeitos. Cabe visualizar alguns filmes como: Vida e nada mais (e a vida continua...) (Abbas
Kiarostami, 1992); O balão branco (Jafar Panahi, 1995); Filhos do paraíso (Majid Majidi,
1997); A caminho de Kandahar (Mohsen Makhmalbaf, 2001); Tartarugas podem voar
(Bahman Ghobadi, 2005); Fora do jogo (Jafar Panahi, 2006).
Por conseguinte, caberia aos professores conhecer a obra de alguns cineastas
internacionais, de distintas nacionalidades, que ampliam nossas visões de mundo e aguçam
nossa sensibilidade. Dentre vários, cabe destacar: Ousmane Sembene (Senegal), Miklós
Jancsó e Istvan Szabo (Hungria), Andrzej Wajda e Krisztof Kieslowski (Polônia), Emir
39

Kusturica (Bósnia), Theo Angelopoulos (Grécia), Sergei Eisenstein (Rússia), Ingmar


Bergman (Suécia), Thomas Vinterberg e Lars Von Trier (Dinamarca), F. W. Murnau, Fritz
Lang, Wim Wenders, Rainer Werner Fassbinder (Alemanha), Jean Renoir, François Truffaut,
Jean-Luc Godar (França), Federico Fellini, Luchino Visconti, Vittorio De Sica e Giusepe
Tornatore (Itália), Luis Buñuel, Carlos Saura e Pedro Almodovar (Espanha), Denys Arcand e
Atom Egoyan (Canadá), Tomás Gutierrez Alea (Cuba), Alfonso Arau, Alejandro Gonzalez
Iñarritú, Alfonso Cuarón e Guillermo Del Toro (México), Juan José Campanella, Fernando
Solanas e Adolfo Aristarain (Argentina), Zhang Yimou e Chen Kaige (China), Yasujiro Ozu,
Kenji Mizoguchi, Akira Kurosawa e Shoeu Imamura (Japão), Kim Ki-Duk (Coréia do Sul) e
Satyajit Ray (Índia).
No campo das relações entre corpo e as compreensões sobre normalidade e
deficiência, o cinema tem sido profícuo em problematizá-la sob vários aspectos, tais como: O
que é ser normal? O que é ser deficiente? Ao ser produtivo à sociedade, o deficiente torna-se
normal? Filmes como: Castelos de gelo (Donald Wrye, 1978); Gaby, uma história verdadeira
(Luis Mandoki, 1987); Nascido em 4 de julho (Oliver Stone, 1989); Rain Man (Barry
Levinson, 1989); Meu pé esquerdo (Jim Sheridan, 1989); O mar mais silencioso daquele
verão (Takeshi Kitano, 1991); Perfume de mulher (Martin Brest, 1992); Bola pra frente
(Michael Winterbottom, 1995); O oitavo dia (Jaco Van Dormael, 1996); À primeira vista
(Irwin Winkler, 1999); A cor do paraíso (Majid Majidi, 1999); Meu namorado Pumpkin
(Anthony Abrams e Adam Larson Broder, 2002); Meu nome é Radio (Mike Tollin, 2003);
Menina de ouro (Clint Eastwood, 2004); Mar adentro (Alejandro Amenábar, 2004); O
trapaceiro (Barry W. Blaustein, 2005); Soul surfer (Sean McNamara, 2011). Esses filmes, de
modos distintos e sob prismas de outros ambientes e práticas culturais, oportunizam aos
alunos ampliarem os olhares sobre si mesmo, sobre os colegas e sobre a sociedade e suas
formas de lida com sujeitos diferentes dos padrões de normalidade.
Na sociedade da imagem ou do espetáculo, como diria Debord (1997), tudo está à
venda, uma vez que o ser visto, o estar em cena, o parecer (não ser), é a manifestação do
capital em tal grau de acumulação que se torna imagem. Nesse contexto, os corpos são
comercializáveis no âmbito social, científico, cultural, político e esportivo. Como se negocia
corpos? Como se descartam corpos? Como se massacram corpos na esteira do
desenvolvimento econômico e social? Como se instrumentaliza e se usam corpos para
justificar ações políticas e religiosas? Caberia, portanto, pela mediação de professores de
diversas áreas, a análise de filmes como: Blue Chips (William Friedkin, 1994); O alvo (John
Woo, 1993); O bravo (Johnny Depp, 1997); Um domingo qualquer (Oliver Stone, 1999);
40

Anatomia (Stefan Ruzowitzky, 2000); Paradise Now (Hany Abu-Assad, 2005); Tudo por
dinheiro (D. J. Caruso, 2006).
A contemporaneidade tem apresentado novas demandas tecnológicas sobre o corpo,
que levam estudos atuais a pensar sobre sua fusão com a tecnologia, no sentido de se pensar
problemas de cunho epistemológico e ontológico oriundos dessa hibridização. Assim,
encontramos diversas tramas onde a dimensão corporal tem sido alterada sob diversas formas
tecnológicas, retratadas em filmes que mostram o hoje a filmes que profetizam futuros
distópicos. O cinema tem sido fértil na exposição desse tipo de película. Filmes como: Blade
Runner, caçador de androides (Ridley Scott, 1982); 1984 (Michael Radford, 1984); Robocop,
o policial do futuro (Paul Verhoeven, 1987); Gattaca – experiência genética (Andrew Niccol,
1997); Matrix (Andy e Larry Wachowsky, 1999); S1m0ne (Andrew Niccol, 2002); A ilha
(Michael Bay, 2005); A pele que habito (Pedro Almodovar, 2011).
A escola é um espaço fundamental na discussão do uso de substâncias psicoativas que
provocam prazer, estabelecem aproximações entre os sujeitos, estimulam a desinibição,
porém geram dependências químicas e sociais muito sérias. Para além e discussões
moralistas, à escola cabe tencionar com essas questões e o cinema pode ser uma janela
interessante para olhar a problemática e estimular o debate. Cabe visualizar filmes como:
Farrapo humano (Billy Wilder, 1945); O homem do braço de ouro (Otto Preminger, 1955);
Eu, Christiane F., drogada e prostituída (Ulrich Edel, 1981); Quando um homem ama uma
mulher (Luis Mandoki, 1994); Despedida em Las Vegas (Mike Figgis, 1995); Diário de um
adolescente (Scott Kalvert, 1995); Medo e delírio (Terry Gilliam, 1998); 28 dias (Betty
Thomas, 2000); Réquiem para um sonho (Darren Aronofsky, 2000); Ray (Taylor Hackford,
2004); Meu nome não é Johnny (Mauro Lima, 2008).
Já anunciando questões mais diretivas ao âmbito do corpo com foco nas relações de
gênero, que é o objeto de estudo dessa dissertação, é possível explorar filmes que enfatizem o
papel da mulher na sociedade, suas lutas, desejos e repressões, bem como as impressões sobre
gênero, transgêneros e orientações sexuais. Sugerimos, nesse contexto, filmes como: Onda
nova (José Antônio Garcia e Ícaro Martins, 1983); Uma equipe muito especial (Penny
Marshall, 1992); Billy Elliot (Stephen Daldry, 2000); Driblando o destino (Gurinder Chadha,
2002); Madame Satã (Karim Aïnouz, 2002); Juwanna Man (Jesse Vaughan, 2002); Osama
(Siddiq Barmak, 2003); Menina de ouro (Clint Eastwood, 2004); O segredo de Brokeback
Mountain (Ang Lee, 2005); Fora de jogo (Jafar Panahi, 2006); Gracie (Davis Guggenheim,
2007); De repente, California (Jonah Markowitz, 2007); Praia do futuro (Karim Aïnouz,
2014).
41

No entanto, a presente dissertação pretendeu trabalhar em consonância com o


parágrafo 8º, do Artigo 26 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n.º
9394/96) que estabelece “a exibição de filmes de produção nacional”. Nesse sentido,
indicamos filmes como: A grande noitada (Denoy de Oliveira, 1997); Álbum de família (Braz
Chediak, 1981); Além da paixão (Bruno Barreto, 1985); Amarelo manga (Cláudio Assis,
2002); Amor maldito (Adélia Sampaio, 1984); Anjos da noite (Wilson de Barros, 1987); Anjos
do arrabalde (Carlos Reichenbach, 1986); As feras (Walter Hugo Khouri, 2001); Carandiru
(Hector Babenco, 2003); Cazuza – o tempo não para (Sandra Werneck e Walter Carvalho,
2004); Chuvas de verão (Cacá Diegues, 1977); Cronicamente inviável (Sérgio Bianchi,
2000); Flores raras (Bruno Barreto, 2013); Lição de amor (Eduardo Escorel, 1975); Luzia-
Homem (Fábio Barreto, 1988); Madame Satã (Karim Ainouz, 2002); Navalha na carne (Braz
Chediak, 1970); Navalha na carne (Neville D’Almeida, 1997); O beijo da Mulher-aranha
(Hector Babenco, 1985); O beijo no asfalto (Bruno Barreto, 1980); O dia da caça (Alberto
Graça, 2000); O futebol que elas gostam(A pelada do sexo) (Mário Lúcio, 1985); Onda nova
(José Antônio Garcia e Ícaro Martins, 1983); Pixote – a lei do mais fraco (Hector Babenco,
1980); Praia do futuro (Karim Ainouz, 2014); Rocky& Hudson (Otto Guerra, 1995);
Romance (Sérgio Bianchi, 1987); Sexo frágil (Jessel Buss, 1987); Somos tão jovens (Antônio
Carlos Fontoura, 2013); Hoje eu quero voltar sozinho (Daniel Ribeiro, 2014); Tolerância
(Carlos Gerbase, 2000); Vera (Sérgio Toledo, 1986).
Tais filmes oportunizam aos jovens dimensionar as relações que estabelecem com os
outros, sob uma perspectiva de gênero e alça o debate a patamares mais elaborados quando
conseguimos estabelecer diálogos inter e trans disciplinares. A compreensão do termo gênero
é imprescindível para entender a relação dos educandos (as) uns com os (as) outros (as) no dia
a dia das escolas, e para despertar a necessidade de mudanças significativas na educação
destes (as), já que se concretizou por muitos anos as diferenças sexuais entre meninos e
meninas com os papéis sociais exercidos por cada um (a) deles (as), no interior do espaço
escolar.
Esse conceito de gênero, abordado a partir da perspectiva anunciada por Meyer
(2000), que localiza sua base teórica nas abordagens feministas pós-estruturalistas,
fundamentadas nas teorizações de Michel Foucault e Jacques Derrida, para privilegiar a
centralidade da linguagem como um campo de produção das relações que a cultura constitui
entre corpo, sujeito, conhecimento e poder. Nesse sentido, o conceito de gênero, trabalhado
nesta pesquisa, abarca as configurações de construção social, cultural e linguística, que
implicam nos procedimentos de diferenciação entre mulheres e homens, levando em
42

consideração, portanto, que as instituições, as leis, as políticas, as normas, enfim, os processos


típicos de cada cultura, ao mesmo tempo em que são estabelecidos por representações de
masculinidade e feminilidade, determinam essas representações ou, ainda, as ressignificam.
Desse modo, articulando com as problematizações realizadas por Judith Butler sobre
sexo e gênero, é possível compreender gênero como “os significados culturais assumidos pelo
corpo sexuado” (BUTLER, 2003, p. 24). Afinal, a inscrição de gêneros “é feita, sempre, no
contexto de uma determinada cultura e, portanto, com as marcas dessa cultura” (LOURO,
2010, p. 11). A sexualidade, da mesma forma, é “aquilo que qualifica um corpo para a vida no
interior do domínio da inteligibilidade cultural” (BUTLER, 2010, p. 155). Ao concordar com
isso, para Louro (1997, p. 22) implica entender o “modo como as características sexuais são
compreendidas e representadas ou, então, são trazidas para a prática social e tornadas parte do
processo histórico”.
Butler (2003) propõe que, no gênero e na sexualidade, não há nada de legítimo ou
natural, sendo as identidades estabelecidas, decompostas e reelaboradas por meio da
reprodução de performances socialmente construídas e temporalmente casuais.

Por outras palavras, atos e gestos, desejos falados e praticados, criam a


ilusão de um núcleo duro de gênero, interior e organizador, uma ilusão
perpetuada discursivamente com o propósito da regulação da sexualidade
dentro do quadro obrigatório da heterossexualidade reprodutiva. […] Tal
como noutros rituais, a ação do gênero requer uma performance que é
repetida. […] Existem dimensões temporais e coletivas nestas ações, e o seu
caráter público não é irrelevante; com efeito, a performance é efetivada com
o objetivo estratégico de manter o gênero dentro da sua moldura binária. […]
Esta formulação afasta a concepção de gênero de um modelo de identidade
substancial, levando-a para um outro que exige uma concepção de gênero
enquanto temporalidade social construída (BUTLER, 2003, p.136-141).

Assim, Goellner e Figueira (2002), ao discorrerem sobre a produção de identidade de


gênero, remetem a pensar, também, na construção de corpos masculinos e femininos e nas
marcas que neles se inscrevem. Afinal, o corpo não é universal, é temporário, variável e
mutante, apto a inúmeras interferências consoante o desenvolvimento científico e tecnológico
de cada cultura, bem como suas leis, seus indicadores morais, as representações que criam
sobre os corpos, os discursos que sobre ele produz e reproduz e as marcas que os identificam.
Com esse enfoque, ao defender a tese da escola como um espaço fecundo à difusão de
uma cultura comum, desenvolvida, não pragmática e que usa a arte como um meio de
olhar/sentir o mundo, concluímos com os critérios elencados por Dussel (2009) para pensar
essa escola: a escola deve ser capaz de nos colocar em contato com o mundo, com o
43

desconhecido, que desafia nossos limites, compreensões e nos torna mais abertos e receptivos;
a escola deve sustentar-se no conhecimento acessível a todos que queiram, não por obrigação
ou porque serve para alguma coisa, mas por que serve à eternidade, à nossa vida e nosso
crescimento; a escola deve nos dar chaves para decifrar as experiências das disciplinas, das
artes, das práticas, tornando-nos mais participativos, analíticos e críticos.

2.3 CINEMA: TENSÕES ENTRE CULTURA E ARTE

Se pensarmos o cinema como um produto da cultura, que não apenas reflete uma
realidade, mas também a produz, podemos mencionar que o corpo, no âmbito das narrativas
fílmicas, aparece coerente a um contexto de verdades na medida em que não causa
estranhamento nos seus modos de figurar. Se mudarmos a mirada e pensarmos o cinema
enquanto arte, veremos nele a tentativa de desarticular os modos de vida produzidos pela
sociedade para sentir/pensar/agir o corpo. O cinema é, enquanto arte, um dispositivo que
propõem uma determinada resistência às normas e valores estabelecidos no que tange a
educação do corpo convencional.
Arte ou cultura? Entre essa dúvida, uma palavra: o cinema. Produto da Revolução
Tecnológica sucedida em meados do século XIX, esse meio de comunicação surgiu,
primeiramente, com finalidade científica, sem responsabilidade alguma de produção artística
ou de agente motivador de crítica social. Com o passar do tempo, estruturas organizacionais
se desenvolveram e constituíram novos caminhos de percepção para essa tecnologia. Não
mais se limitava sua utilização à experiência científica, agora, exercia também, o papel de
entretenimento e documentação para a sociedade, que logo se adaptou a essas novas formas
de organização cinematográfica. Isso foi, objetivamente, uma leitura mais apurada da própria
organização social que modificava suas estruturas econômicas, políticas e culturais.
Retomando a pergunta supracitada percebe-se que um ponto se liga ao outro como uma
grande reação em cadeia (CAROLLI; VARÃO, 2009).
Enquanto arte, o cinema se comunica, isto é, apela aos sentimentos, ao intelecto e à
imaginação de um círculo maior ou menor de contemporâneos, sendo capaz de produzir um
efeito especificamente estético. A estética é o parâmetro utilizado para ligar o cinema a
fenômenos artísticos, de modo que a estética do cinema é o estudo do cinema como arte, o
estudo dos filmes como mensagens artísticas. Essa reflexão sobre os fundamentos estéticos de
um filme traz consigo, subentendido, o conceito de belo e com ele a fruição oferecida ao
44

espectador. O domínio das técnicas e sua evolução são pontos indissociáveis ao analisarmos a
obra fílmica. (CAROLLI; VARÃO, 2009).
Apesar de sua vocação tecnocientífica, o cinema, como foi citado anteriormente, não
se delimitou a apenas essa definição. Era uma forma de entretenimento visto pelas massas,
alcançando lugares em que a verdadeira arte não era veiculada e nem queria ser. O fato é que,
sua análise começou a ir além de sua técnica ou de suas teorias, fazendo com que cineastas se
propusessem a fazer desse uma nova expressão, já que além dessas questões essencialmente
ligadas a regras e convenções, devemos considerar que o cinema se fez cinema-arte também
quando cineastas transformaram os filmes em reflexos de uma personalidade coletiva que
expressava sua subjetividade (CAROLLI; VARÃO, 2009). Filmes com abordagens
ideológicas e subjetivas, segundo Carolli e Varão (2009), são importantes para o acervo dessa
arte, porém sem generalizações, pois, temas como esses, por si só não sustentam a posição de
uma obra de arte, sua fruição ou seu questionamento crítico.
De acordo com Benjamin (1983 apud SILVA, 2006), o cinema é, sob outros aspectos,
uma forma que subverte a função clássica da obra de arte, porquanto, ancorado na reprodução
técnica, sustenta que o ideal das formas belas fica comprometido com o dinamismo desse
novo tipo de arte. As sucessivas tomadas, quando da montagem de um filme, as cenas
repetidas, os cortes na sucessão do tempo, dentre outros, confirmam o abandono da noção
tradicional da bela aparência, da obra como forma constituída. O entendimento do cinema,
numa dimensão de cultura, fica compreendido como processos de significação, sendo tomado
como uma opção compreensiva das maneiras como determinadas práticas sociais atuam nas
pautas de regulação de comportamentos.
Nesses termos, essa análise, situada no terreno da cultura, tende a observar esta sua
força produtiva em si e o lugar dos objetos cultivados, incorporados pelos indivíduos nos
processos de significação da vida. Os significados e valores entretidos nos usos da cultura,
uma vez aprendidos, podem enriquecer a vida das pessoas, regular a sociedade e ser
transmitidos para outros indivíduos e gerações por meio de estratégias formais ou informais,
compondo a herança social de um determinado grupo ou de toda uma sociedade. No caso aqui
específico, os aprendizados ocorridos nas experiências do cinema, tornam-se práticas de
formação cultural cujas expressões simbólicas encontram repercussão duradoura e substancial
nos percursos de vida de agentes culturais (SILVA, 2013).
Pode-se avaliar tal assertiva quando observamos a eficácia do cinema em se tornar um
bem de compreensão, com importância para determinadas relações sociais. Isso pode ser
melhor avaliado no fato do cinema ser uma prática de inscrição corporal, que gera
45

determinados tipos de saberes capazes de afetar os corpos de quem assume a condição de


espectador ou de realizador de um filme. O saber incorporado, socialmente elaborado e
apreendido, é fixado ao corpo, tornando-se um tipo de inscrição que, ao fazer parte do
acúmulo de experiências e conhecimentos do indivíduo, deixa o domínio da insignificância e
da indiferença para se tornar um registro com força para, ao longo da vida, apresentar-se
como um construto com lugar no espaço das posições socialmente estabelecidas (SILVA,
2013).
É perceptível, a partir dessa consideração, que aquilo que se aprende, no âmbito da
cultura, também é incorporado aos modos de ser e estar no mundo. Trata-se, então, de
privilegiar certa perspectiva, que considera o cinema um estilo cognitivo, com papel
fundamental na formação de possibilidades específicas de conhecer e viver no mundo
(BARBOSA, 2009).

As dinâmicas do cinema apresentam-se, então, como uma modalidade da


cultura que se inscreve nos planos afetivos dos indivíduos e nos saberes
presentes no corpo e pelo corpo, produzindo narrativas que conectam atos e
sentidos e que estão, dessa forma, na condição de manter e criar imagens de
mundo que doam substâncias aos encadeamentos das experiências e das
tramas sociais (SILVA, 2013, p.08).

Ver, pensar, analisar, fazer um filme sob o aspecto da cultura ou sob a perspectiva da
arte exige de nós posturas políticas diferentes. Mesmo que a ficção, em maior ou menor grau,
afete o corpo no filme, ele sempre estará preso a um território onde o espectador encontrará
sentidos semelhantes de interferência na construção de imaginários. O limite de
territorialização, assim como o de desterritorialização, num filme fica preso à capacidade do
diretor de politicamente o apresentar sob a perspectiva da cultura, ou sob a perspectiva da
arte.
46

3 GÊNERO E SEXUALIDADE

Neste terceiro capítulo, apresentamos o conceito de gênero e a partir dele situamos


questões ligadas à sexualidade, que é um conceito chave no âmbito das discussões feitas neste
estudo de mestrado. Como apresentado na introdução deste trabalho, a discussão de
sexualidade que se realizou a partir do filme “Hoje eu quero voltar sozinho”, teve como eixo
de análise de duas temáticas: homossexualidade e normatividade de gênero. Desse modo,
neste capítulo, inicialmente, tratamos do conceito de gênero e sua articulação com a
sexualidade, como também abordamos teoricamente os temas que sustentam as duas
temáticas propostas.

3.1 ENTENDENDO GÊNERO E SEXUALIDADE

Os autores que trabalham com as questões de gênero, na modernidade,


problematizaram as teorias essencialistas ou totalizantes das categorias fixas e estáveis do
gênero, presentes nas gerações anteriores. Nessas gerações, o gênero era determinado a partir
do sexo enquanto categoria natural, binária e hierárquica, como se existisse uma essência
naturalmente masculina ou feminina inscrita na subjetividade. Enquanto sexo, o gênero
descrevia os aspectos biológicos, compreendendo a construção cultural que ocorria sobre as
diferenças entre homens e mulheres, com base nas diferenças biológicas. Nas ditas últimas
ondas feministas, as feministas refutaram tais proposições, desnaturalizando e desconstruindo
a perspectiva de gênero das gerações anteriores. Revisada a ideia binária de dois sexos e dois
gêneros, o gênero passou a ser entendido como relação, primordialmente política, que ocorre
num campo discursivo e histórico de relações de poder (SCOTT, 1986 apud NARVAZ;
KOLLER, 2006).
É consistentemente indicado que o gênero seja visto, ao mesmo tempo, como uma
categoria social estrutural e como uma construção que é sempre, fundamentalmente, uma
questão de relações sociais. A categoria gênero possibilita a análise dos diferentes lugares de
poder que mulheres e homens ocupam na sociedade, no mundo do trabalho, que devem ser
identificados para se compreender como o trabalho repercute de formas diferenciadas nos
diferentes âmbitos, para estimular, assim, o conhecimento sobre as influências recíprocas
entre as dimensões econômicas, políticas e culturais. Dessa forma, desloca-se o campo do
47

estudo sobre as mulheres e sobre os sexos para o estudo das relações de gênero (CRUZ,
2014).
No seu uso mais atual, o gênero surgiu primeiro entre as feministas americanas, que
queriam persistir no caráter fundamentalmente social das distinções baseadas no sexo. A
palavra indicava uma rejeição ao determinismo biológico tácito no uso de termos como sexo
ou diferença sexual, como também sublinhava o aspecto relacional das definições normativas
das feminilidades (SCOTT, 1995). É, pois, a partir da observação e do conhecimento das
diferenças sexuais do que é masculino e do que é feminino, que a sociedade estrutura as
representações de gênero. Por conseguinte, é de fundamental importância compreender essa
diferença para se discutir a igualdade, já que o conceito de gênero se refere às relações entre
mulheres e homens, mulheres e mulheres, homens e homens6.
Como elemento de construção social, afetado pelo poder social, impõe um tipo de
feminilidade, através de um determinado sistema gênero/sexo, sua hierarquia muda a cada
momento da história, converte-se em ritual, impõe obrigações e direitos, estabelece marcas,
grava recordações, inclusive grava, nos corpos, suas marcas (CONNELL, 1987 apud CRUZ,
2014). A divisão sexo/ gênero torna-se uma espécie de pilar da política feminista e parte da
ideia de que o sexo é natural e o gênero é socialmente construído. O conceito de gênero,
culturalmente construído e distinto do de sexo, como naturalmente adquirido, compôs o par
sobre o qual as teorias feministas, inicialmente, se fundamentaram para defender perspectivas
desnaturalizadoras, sob as quais se apresentava, no senso comum, a associação do feminino
com fragilidade ou submissão, o que ainda atualmente servem para justificar preconceitos.
Conforme Cruz (2014), quando se apresenta o discurso sobre as relações de gênero,
está se falando de poder, de machismo, uma ideologia compreendida como pertencente à
cultura que estrutura as relações de dominação dos homens sobre as mulheres. À medida que
as relações existentes entre masculino e feminino são relações desiguais, elas mantêm a
mulher subjugada ao homem e ao domínio patriarcal. De igual modo, Butler (2003) aponta
para o fato de que, embora a teoria feminista considere que há uma unidade na categoria
mulheres, paradoxalmente introduz uma divisão nesse sujeito feminista, ou seja, retira da
noção de gênero a ideia de que ele decorreria do sexo e discute em que medida essa distinção
sexo/gênero é arbitrária.

6
Na análise das desigualdades de gênero, não se pode abstrair as desigualdades de classe, etnicidade e raça que
de certa forma, tornam mais dramáticas as vivências dos indivíduos e, mais especificamente, das mulheres
(CRUZ, 2014).
48

Quando Butler (2003, p. 25) afirma que, “talvez o sexo sempre tenha sido o gênero, de
tal forma que a distinção entre sexo e gênero revela-se absolutamente nenhuma”, indicava,
assim, que o sexo não é natural, mas é ele também discursivo e cultural como o gênero. Na
perspectiva da autora, gênero não é exatamente o que alguém é, nem é precisamente o que
alguém tem. Gênero é o aparato pelo qual a produção e a normalização do masculino e do
feminino se traduzem junto com as formas hormonais, cromossômicas, físicas e performativas
que o gênero adquire. Para Butler (2014), supor que gênero exprime, exclusivamente, a matriz
masculina e feminina, significa não considerar o ponto crítico de que essa produção coesa e
binária é contingente.
Uma vez que gênero, sendo o mecanismo pelo qual as noções de masculino e feminino
são produzidas e naturalizadas, também pode ser o aparato através do qual esses termos
podem ser desconstruídos e desnaturalizados. “Manter o termo “gênero” em separado de
masculinidade e feminidade é salvaguardar uma perspectiva teórica que permite analisar
como o binarismo masculino e feminino esgotou o campo semântico de gênero” (BUTLER,
2014, p.254).

A assimilação entre gênero e masculino/feminina, homem/mulher,


macho/fêmea, atua assim para manter a naturalização que a noção de gênero
pretende contestar. Assim, um discurso restritivo sobre gênero que insista no
binarismo homem e mulher como a maneira exclusiva de entender o campo
do gênero atua no sentido de efetuar uma operação reguladora de poder que
naturaliza a instância hegemônica e exclui a possibilidade de pensar sua
disrupção (BUTLER, 2014, p.254).

A história do pensamento feminista é uma história de recusa da construção hierárquica


da relação entre masculino e feminino, sendo, nos seus contextos específicos, uma tentativa
de reverter ou deslocar seus funcionamentos. Os (as) historiadores (as) feministas estão,
atualmente, em condições de teorizar as suas práticas e de desenvolver o gênero como uma
categoria de análise (SCOTT, 1995). O uso do termo gênero, nos esclarecimentos de Scott
(1995), coloca a ênfase sobre todo um sistema de relações que pode incluir o sexo, mas que
não é diretamente determinado pelo sexo nem determina diretamente a sexualidade.
Dessa maneira, com a proliferação dos estudos do sexo e da sexualidade, o gênero se
tornou uma palavra particularmente útil, porque ele oferece um meio de distinguir a prática
sexual dos papéis atribuídos às mulheres e aos homens.

“Gênero”, como substituto de “mulheres”, é igualmente utilizado para


sugerir que a informação a respeito das mulheres é necessariamente
informação sobre os homens, que um implica no estudo do outro. [...]
49

Ademais, o gênero é igualmente utilizado para designar as relações sociais


entre os sexos. É uma maneira de se referir às origens exclusivamente sociais
das identidades subjetivas dos homens e das mulheres (SCOTT, 1995, p.75).

De acordo com Giddens (2005), as diferenças sociais entre homens e mulheres


despertam o interesse sociológico, pois estão fortemente relacionadas às desigualdades e às
relações de poder em uma sociedade. Nesse sentido, podemos visualizar, no campo da
Sociologia, três formas de interpretação das desigualdades e diferenças entre os gêneros, que
são mais abrangentes.
A primeira abordagem sustenta a ideia de que as diferenças biológicas são
determinantes das diferenças comportamentais entre homens e mulheres, diferenças
verificadas em todas as sociedades e, por conseguinte, os fatores naturais são responsáveis
pelas desigualdades entre os gêneros, negando, deste modo, a relevância dos processos de
interação social na questão do comportamento humano. A segunda abordagem é norteada pela
socialização de gênero, que decifra as desigualdades entre homens e mulheres como
decorrentes da socialização em papéis distintos. Os homens são educados pela sociedade para
dominarem qualquer situação, demonstrando força, coragem e poder, enquanto as mulheres
são instruídas para cuidarem do lar e da família. A terceira abordagem coloca que, assim
como o gênero, o sexo também é constituído socialmente, isto é, o corpo humano e a biologia
estão sujeitos às escolhas pessoais e ao agenciamento humano. De acordo com os ideais de
masculinidade e feminilidade, homens e mulheres serão encorajados a cultivar uma imagem
específica do corpo e um determinado conjunto gestual (GIDDENS, 2005).
As mudanças na organização das relações sociais correspondem sempre à mudança
nas representações de poder, mas, a direção da mudança não segue, necessariamente, um
sentido único. O gênero é, portanto, um meio de decodificar o sentido e de compreender as
relações complexas entre diversas formas de interação humana. Ainda que a ênfase colocada
sobre o gênero não seja explícita, constitui, no entanto, uma dimensão decisiva da
organização, da igualdade e desigualdade (SCOTT, 1995).

Ao se falar em gênero, não se fala apenas de macho ou fêmea, mas de


masculino e feminino, em diversas e dinâmicas masculinidades e
feminilidades. Gênero, portanto, remete a construções sociais, históricas,
culturais e políticas que dizem respeito a disputas materiais e simbólicas que
envolvem processos de configuração de identidades, definições de papéis e
funções sociais, construções e desconstruções de representações e imagens,
diferentes distribuições de recursos e de poder e estabelecimento e alteração
de hierarquias entre os que são socialmente definidos como homens e
mulheres e o que é – e o que não é - considerado de homem ou de mulher,
nas diferentes sociedade se ao longo do tempo (BRASIL, 2007, p. 16).
50

Para Silveira (2010), o conceito de gênero, oriundo das discussões trazidas do


movimento feminista, não intencionava negar totalmente a biologia dos corpos, mas enfatizar
a construção social e histórica produzida sobre as características biológicas. Dessa forma,
segundo Meyer (2008), o gênero destaca a construção relacional do sexo e a organização
social desta construção, compreendendo que esta é uma constituição histórica e que precisa
ser entendida a partir de sua junção com algumas das mais importantes categorias sociais
como classe social, raça/etnia, geração e sexualidade. O gênero seria, então, “a construção
social do sexo anatômico demarcando que homens e mulheres são produtos da realidade
social e não decorrência da anatomia dos seus corpos” (SILVEIRA, 2010, p. 08).
Abordando a questão, Bento (2011) identifica que o gênero adquire vida através das
roupas que compõem o corpo, dos gestos, dos olhares, de uma estilística definida como
apropriada. São esses sinais exteriores, postos em ação, que estabilizam e dão visibilidade ao
corpo. Essas infindáveis repetições funcionam como citações e cada ato é uma citação
daquelas verdades estabelecidas para os gêneros, tendo como fundamento para sua existência
a crença de que são determinados pela natureza.

3.1.1 Homossexualidade

Foi a partir dos trabalhos desenvolvidos pelos grupos feministas, na década de setenta
do século passado, que as discussões sobre o conceito de gênero tornaram-se presentes,
questionando as representações tradicionais que definem o que é ser mulher ou ser homem.
Segundo Meyer (2003), o conceito de gênero representa todas as formas de construção social,
culturais e linguísticas implicadas com os processos que diferenciam homens de mulheres,
incluindo aqueles processos que produzem os corpos, distinguindo-os e separando-os como
corpos dotados de sexo, gênero e sexualidade.
Sob o ponto de vista de Louro (1998), não é propriamente o sexo ou não são
exatamente as características sexuais que nos permitem dizer o que ou quem é masculino ou
feminino, mas sim tudo aquilo que associamos aos sexos, a forma como representamos
determinadas características, comportamentos, valores e habilidades. As preocupações em
torno das sexualidades, das homossexualidades e das identidades e expressões de gênero
também não são novas, já que, no Brasil, foi a partir da segunda metade dos anos de 1980 que
elas começaram a ser discutidas mais abertamente, no interior de diversos espaços sociais.
51

Com base nessas novas discussões, Butler (2003), analisando a homossexualidade a


partir dos seus atores, os homossexuais, percebe que, algumas vezes, a sua relação com o
corpo se diferencia do padrão dominante indo além da divisão binária dos sexos, quebrando o
padrão exposto, os gêneros inteligíveis. Para a autora, os gêneros inteligíveis são aqueles que
mantêm relações de coerência e continuidade entre sexo, gênero, prática sexual e desejo. Cabe
ressaltar que essa coerência se dá dentro do padrão heteronormativo, onde um indivíduo do
sexo masculino, por exemplo, assume as características relativas ao gênero masculino,
sentindo desejo e praticando sexo com pessoas do sexo oposto, nesse exemplo, feminino.
No entanto, observa-se que sexo e gênero aparecem como conceitos distintos, podendo
atuar em consonância ou não. Nesse sentido, segundo Butler (2003), o sexo aparece como um
pré-discurso, anterior à cultura, enquanto o gênero seria culturalmente construído. Portanto, o
sexo, nesse contexto, é composto pelo caráter biológico do indivíduo, ao passo que o gênero
surge como uma construção social, podendo variar independente do sexo do indivíduo, indo
além da divisão binária homem/mulher. Nessa discussão, a teoria queer pode auxiliar a
medida que problematiza, contradiz “todas as formas bem-comportadas de conhecimento e de
identidade” (SILVA, 2002, p.107).
Conforme Morris (2007, p. 31-32), “destruir as práticas de normalização é a chave de
ativismo queer [...]”, uma vez que assegura que “não há nada de ‘natural’ no sexo”. O que
existem são significações, linguagem, discursos que servem para normalizar e consolidar
identidades, de modo que pensar queer “nos obriga a considerar o impensável, o que é
proibido pensar” (SILVA, 2002, p. 107). A teoria queer, de acordo com Miskolci (2009)
procura rescindir as lógicas binárias que resultam no estabelecimento de hierarquias e
subalternizações, não apelando, porém à crença humanista nem saindo em defesa de sujeitos
estigmatizado.
A crítica da normalização aposta na disseminação das diferenças que podem subverter
os discursos universais, hegemônicos ou autoritários. Dito de outra forma, cultivando todas as
individualidades e especificidades sexuais do homem, da mulher, do gay, da lésbica, do
bissexual, do transexual, da travesti, consolida a pluralidade social e cultural presentes na
sociedade, que gera normas e centralização (MIRANDA; GARCIA, 2012). Sendo assim, é
importante salientar que os estudos queer enfatizam a centralidade dos mecanismos sociais
relacionados à intervenção do binarismo hetero/homossexual para a organização da vida
social e cultural contemporânea, possibilitando maior atenção crítica a uma política do
conhecimento e da diferença.
52

Na visão de Seidman (1996 apud MIRANDA; GARCIA, 2012, p. 07), o queer seria o
estudo “daqueles conhecimentos e daquelas práticas sociais que organizam a ‘sociedade’
como um todo, sexualizando – heterossexualizando ou homossexualizando – corpos, desejos,
atos, identidades, relações sociais, conhecimentos, instituições sociais e cultura”.

A ideia é afirmar, positivamente, o caráter estranho, abjeto e ininteligível dos


modos de vida e de práticas sexuais e de gênero minoritários. O alvo do
discurso queer não é apenas o heterossexismo compulsório de nossas
sociedades, mas também o processo de normalização do movimento social e
o modo de vida das minorias sexuais. Por isso que a teoria queer aponta não
para um binarismo de gênero, mas para uma proliferação e dispersão de
gêneros (CARIGNANO, 2009, p.03).

No entanto, os estudos queer foram, consecutivamente, um projeto político mais que


uma corrente científica. Resultante de um crescente descontentamento quanto à literatura
existente sobre sexualidades dissidentes, acusada de se situar, de maneira recorrente e
opressora, em categorias identitárias rigorosas, a teoria queer propunha-se a construir o
ambiente de desestabilização, subversão e emancipação para os fatos relacionados com
sexualidade e gênero, não mais compreendidos de forma linear e regular, e sim em variáveis,
fluídos, tão verdadeiros quanto inventados, e sempre politizados. Giffney (2004 apud
SANTOS, 2006, p. 06-07) formula-o da seguinte forma: “A tarefa da teoria queer consiste em
tornar visível, criticar e distinguir o normal (estatisticamente determinado) do normativo
(moralmente determinado)”.
Para efeitos de compreensão geral do que está em pauta, quando se fala de estudos
queer, é de grande relevância conhecer a definição oferecida por Jagose:

Em sentido genérico, queer descreve as atitudes ou modelos analíticos que


ilustram as incoerências das relações alegadamente estáveis entre sexo
biológico, gênero e desejo sexual. Resistindo a este modelo de estabilidade –
que reivindica a sua origem na heterossexualidade, quando é na realidade o
resultado desta – o queer centra-se nas descoincidências entre sexo, gênero e
desejo. […] Quer seja uma performance travesti ou uma desconstrução
teórica, o queer localiza e explora as incoerências destas três concepções que
estabilizam a heterossexualidade. Demonstrando a impossibilidade de
qualquer sexualidade “natural”, coloca em questão até mesmo categorias
aparentemente não problemáticas como as de “homem” e “mulher”.
(JAGOSE, 1996 apud SANTOS, 2006, p. 07).

Em um exercício de síntese, podemos dizer que a teoria queer parte de cinco ideias
fundamentais. Em primeiro lugar, as identidades são sempre múltiplas, compostas por
53

inúmeros componentes de identidade (classe, orientação sexual, gênero, idade, nacionalidade,


etnia, dentre outros), que podem articular-se de diferentes formas. Em segundo lugar,
qualquer identidade estabelecida é arbitrária, inconstante e excludente, de modo que implica o
silenciamento de diversas experiências de vida, marginalizando outras maneiras de apresentar
o “eu”, o corpo, as ações e as relações entre as pessoas. Seidman (1996 apud SANTOS, 2006,
p. 08) estabelece este pressuposto quando assegura que as identidades são, em parte, “formas
de controle social, uma vez que distinguem populações normais e desviantes, reprimem a
diferença e impõem avaliações normalizantes relativamente aos desejos”.
Em terceiro lugar, ao invés de defender a renúncia total da identidade enquanto
categoria política, a teoria queer sugere que se reconheça o seu sentido permanentemente
aberto, fluído e passível de contestação, abordagem que tende a encorajar a origem de
diferenças e a construção de uma cultura onde a diversidade é garantida. Em quarto lugar, a
teoria queer postula que a teoria ou política de homossexualidade centrada no homossexual
reforça a dicotomia hetero/homo, fortalecendo o atual regime sexual que compõe e condiciona
as relações sociais ocidentais. Nesse sentido, a teoria queer visa desafiar tal regime sexual
enquanto sistema de conhecimentos que coloca as categorias heterossexual e homossexual
como normas das identidades sexuais. De fato, a teoria queer considera a hetero e a
homossexualidade como categorias de conhecimento, uma linguagem que estrutura aquilo que
conhecemos sobre corpos, desejos, sexualidades e identidades.
Por fim, a teoria queer apresenta-se, enquanto proposta de teorização geral sobre a
“sexualização de corpos, desejos, ações, identidades, relações sociais, conhecimentos, cultura
e instituições sociais”, cruzando muitos campos de saber (SEIDMAN, 1996 apud SANTOS,
2006, p. 08). Destarte, é perceptível que essas discussões desempenham papel fundamental na
construção, introjeção, reforço e transformação das noções de masculinidade, feminilidade,
heterossexualidade, homossexualidade, bissexualidade, atualmente, a transgeneridade, e, por
conseguinte, na formação identitária e na atuação das pessoas em todas as arenas da vida
social. Porém, estudos também demonstram que a heterossexualização compulsória se faz
acompanhar pela rejeição da homossexualidade e por enunciações e comportamentos expressa
e inequivocamente homofóbicos. Em outras palavras, os processos de constituição de sujeitos
e de produção de identidades heterossexuais produzem e alimentam a homofobia e o sexismo
(BRASIL, 2007).
Por vivermos em uma sociedade que é pautada em concepções binárias e excludentes,
a exemplo dos conceitos de heterossexual ou homossexual, homem ou mulher, se dividiu o
que é considerado próprio do gênero masculino e o que é próprio do gênero feminino, de
54

modo que essas características pareçam imutáveis. Nesse sentido, de acordo com Barreto
(2009), é comum os homossexuais sofrerem exclusão nos dias atuais, mostrando que muitos
são, inclusive, submetidos a constrangimentos no momento em que expõem sua identidade
em determinados locais, ou na presença de determinados grupos, chegando a sofrerem até
mesmo agressões físicas. Vemos essa exclusão se intensificar nos casos de homossexuais que
assumem posturas mais associadas com o feminino, isto é, assumindo um gênero discordante
com o seu sexo.
É possível observar essa exclusão a partir do momento que alguém se identifica como
homossexual, quando revela possuir uma orientação, uma identidade sexual diferente da
compartilhada pela maioria das pessoas. Em consequência, há a exclusão desse indivíduo por
parte de outros grupos, o que prejudica sua inserção, por exemplo, em determinadas religiões,
no mercado de trabalho, entre outros locais. Nesse contexto, conforme Barreto (2009), na
homossexualidade, essa tribo, além da busca de um campo simbólico, em que luta para ser
reconhecida por seus semelhantes. Em muitos casos, usa esses códigos e procura, nos
territórios de convivência, uma forma de se esconder do restante da sociedade, pelo medo do
preconceito, da rejeição, o que a obriga a criar códigos e estratégias de convivência
possibilitando, deste modo, que seus indivíduos participantes possam exercer sua identidade
de forma plena, sem ser repreendidos.
Essa situação leva à reflexão sobre a sociedade atual, com seus tabus e preconceitos,
de modo a permitir a discussão de formas de se amenizar este, que ainda é um problema para
muitos indivíduos, e que os afeta, significativamente, em sua maneira de agir perante a
sociedade como um todo.

3.1.2 Normatividade de Gênero

O gênero pode ser considerado uma forma de regulação específica que apresenta
efeitos constitutivos sobre a subjetividade. As regras que regem a identidade inteligível são
parcialmente estruturadas a partir de uma matriz que institui uma hierarquia entre masculino e
feminino e uma heterossexualidade compulsória. Nesse sentido, o gênero não é nem a
expressão de uma essência interna, nem um simples artefato de uma construção social. O
gênero não é nem mesmo uma construção social imposta ao sexo. Butler (2014) afirma que o
gênero é uma norma, uma identidade construída, através do tempo, por meio de uma repetição
incorporada por gestos, movimentos e estilos.
55

Gênero é aqui compreendido, como o define a teórica queer Judith Butler, como
norma, como o mecanismo por meio do qual são produzidas e naturalizadas as noções de
masculino e de feminino. O efeito do gênero como substância, como classe de ser, é
estabelecido pela reiteração de uma série de gestos, movimentos e estilos corporais, que criam
a ideia de um corpo com gênero constante. A normatividade do gênero refere-se a propósitos,
aspirações, preceitos que norteiam as ações dos sujeitos e, também, ao processo de
normalização, que é a maneira como ideias dominam os corpos, estabelecendo os critérios
para a definição de um homem e de uma mulher normal (REIS; PARAÍSO, 2014).
Essas práticas classificam e dividem os corpos em dois grupos, estabelecendo, assim,
um não lugar para aqueles/as que não se enquadram no padrão cultural do corpo sexuado que
lhes foi atribuído no nascimento. Não há lugar para aqueles corpos que se situam nas
fronteiras, ou para aqueles que transitam entre as fronteiras culturais do gênero. Um corpo é
menino ou é menina. No entanto, mesmo não havendo um lugar reconhecido para os/as que
não se enquadram no padrão prescrito, as normas de gênero continuam a operar para separar
os corpos em masculinos e femininos (REIS; PARAÍSO, 2014).
Ainda de acordo com Reis e Paraíso (2014), ao instituir um padrão de classificação
dos corpos, os discursos os formam continuamente e, também, oferecem a eles um sentido do
que eles são, de como podem se situar culturalmente. Assim, os discursos não apenas
nomeiam ou descrevem corpos e sujeitos, mas participam de sua constituição.

Eles produzem os “[...] lugares a partir dos quais os sujeitos podem se


posicionar [...]”, as posições com as quais sujeitos podem se identificar.
Posições de sujeito são, portanto, os significados produzidos discursiva e
culturalmente sobre os sujeitos, que atuam como pontos de ancoragem da
noção de si mesmo. Nessa produção das posições de sujeito pelos discursos,
algumas são constituídas como normais e inteligíveis e outras, não (REIS;
PARAÍSO, 2014, p. 239).

Desse modo, os discursos normativos de gênero produzem a


inteligibilidade/ininteligibilidade e a normalidade/anormalidade dos corpos e dos sujeitos,
com base em padrões estabelecidos culturalmente, os quais só persistem como normas à
medida que se realizam na prática social e se idealizam novamente, se reinstituem em e por
meio dos rituais sociais diários da vida do corpo (REIS; PARAÍSO, 2014).

O corpo se constitui por “[...] roupa e os acessórios que o adornam,


intervenções que nele se operam, imagem que dele se produz, máquinas que
nele se acoplam, educação de seus gestos [...]”, por aquilo que é dito sobre
ele, pela definição do que é um corpo normal ou anormal. Pela reiteração das
normas de gênero, o corpo sexuado adquire o status de natural, e é, por meio
56

desse processo, também, que novas construções são possibilitadas (REIS;


PARAÍSO, 2014, p. 249).

No enfoque de Butler (2014), as normas de gênero estabelecem a inteligibilidade e


normalidade de um ser humano por meio da coerência entre seu corpo sexuado, a ideia de um
gênero próprio, masculino ou feminino correspondente a esse corpo e seus desejos sexuais,
entendidos como decorrentes desse corpo e desse gênero. As normas de gênero produzem,
portanto, o que é um corpo inteligível e normal, tanto pela relação entre o corpo e o padrão
ideal de cada norma separadamente, quanto pela relação de coerência entre elas.
Essa constituição dicotômica dos corpos inicia-se na gestação e no parto, quando
discursos médicos prescrevem a existência de dois tipos de corpos: meninos ou meninas. Ao
ser anunciado como menino ou menina, uma série de investimentos inicia-se com relação ao
corpo gestado: roupas e pertences padronizados para cada sexo são adquiridos para a criança e
expectativas com relação a esse futuro corpo são produzidas, afinadas com sua condição
anunciada (REIS; PARAÍSO, 2014).

A internalização sobre o que é considerado desejável e adequado ou não para


cada gênero começa na infância. É comum, quando criança, que
determinadas coisas sejam consideradas de “menino” e outras sejam de
“menina”. Desde a gestação há a separação, por exemplo, de que azul é de
menino e rosa de menina, que brincar de luta é para meninos, e brincar de
boneca, para meninas. No decorrer do desenvolvimento tais divisões
continuam e é de menino ser “durão” e de menina ser “delicada”. Homem
não chora e mulher fala demais. Mulher é detalhista e homem tem noção de
espaço (WHITAKER, 1995, p.36).

É imprescindível que a naturalização das relações de gênero seja reconhecida e


problematizada. É visível como o fato de ser menino ou menina delimita as possibilidades de
quais comportamentos e atividades são desejáveis e apropriados, posto que, a dicotomia entre
masculino e feminino, muitas vezes, seja referência para justificar e naturalizar divisões e
desigualdades. Nesse sentido, é importante partir da compreensão do conceito de gênero
como a condição social pela qual somos identificados como homem ou mulher. O que baseia
essa condição não são propriamente as características sexuais, mas a forma como elas são
representadas e valorizadas socialmente em um dado momento histórico (OLIVEIRA;
PASTANA; MAIA, 2011).
Podemos concluir que as normas de gênero atuam para produzir a dicotomia entre
corpos masculinos e corpos femininos, o que significa que para a produção de significados
57

sobre esses corpos, alguns discursos naturalizam e fixam diversas características corporais
como femininas ou masculinas. Assim, os corpos que escapam aos padrões divulgados como
normais, com relação ao gênero, ou são convocados a recobrarem a considerada normalidade,
ou são constituídos como corpos dos quais é necessário se afastar, isolar. De ambas as formas,
eles são posicionados como de menor valor, como corpos que não correspondem às
expectativas de manifestação do que se considera ser a essência heteronormativa, que visa
regular e normatizar modos de ser e de viver os desejos corporais e a sexualidade de acordo
com o que está socialmente estabelecido numa perspectiva biologicista e determinista, na qual
considera apenas duas possibilidades de locação dos sujeitos quanto à anatomia sexual
humana, ou seja, feminino/fêmea ou masculino/macho.
Como um conjunto de características culturalmente instituídas como naturais, a ideia
de uma essência heteronormativa que atua performativamente para reiterar os valores heteros
vigentes e para excluir as possibilidades de reconhecimento das múltiplas subjetividades e
conformações corporais existentes.
58

4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

No presente capítulo, fazemos a apresentação e análise de dados através do roteiro, de


modo que foi possível a organização e discussão dos elementos constituintes. Apresentamos
dados sobre o filme Hoje eu quero voltar sozinho, descrevendo o filme a partir de vários
vieses, no que tange a sua estória e produção, direcionando as questões pertinentes ao debate
concernente à apropriação do corpo, ao trazer para a discussão os elementos encontrados no
filme analisado.

4.1 O FILME HOJE EU QUERO VOLTAR SOZINHO

Duração: 96min.
Ano: 2014
País: Brasil
Gênero: Drama, Romance
Classificação: 12 anos
Direção e roteiro: Daniel Ribeiro
Cinematografia: Pierre de Kerchove
Edição: Cristian Chinen
Música: Ariel Henrique e Gabriela Cunha
Diretores de produção: Daniel Ribeiro e Diana Almeida
Interpretes: Guilherme Lobo, Tess Amorim, Fabio Audi, Isabela Guasco, Selma Egrei, Eucir
de Souza.
59

Figura 1 - Capa do filme Hoje eu quero voltar sozinho

Fonte: Google imagens.

O filme Hoje Eu Quero Voltar Sozinho narra a história de Leonardo (Guilherme


Lobo), um adolescente cego que está passando pelas descobertas e curiosidades típicas da sua
idade. É um adolescente em busca de sua própria identidade. Ser cego e homossexual não o
define. São somente características de um jovem complexo que tem medos e dúvidas como
qualquer outro da sua idade. Alvo de preconceitos e brincadeiras maldosas, por parte de
alguns colegas da escola, ele tem na figura da melhor amiga Giovanna (Tess Amorim) a
pessoa em que ele pode contar para enfrentar todas as adversidades da sua vida. Eles se
conhecem desde crianças e são inseparáveis. Contudo, a relação dos dois entra em conflito
depois da chegada de Gabriel (Fabio Audi) à escola. A dupla passa a ser trio e, logo, um deles
se sente excluído, ou seja, Giovanna.
Enquanto a amiga de infância se afasta, Leonardo se aproxima cada vez mais de
Gabriel. Em seguida, novos sentimentos surgem e ele passa a descobrir mais sobre si mesmo
e sobre a própria sexualidade. Acostumado a conviver com o preconceito desde criança,
descobrir-se apaixonado pelo amigo Gabriel também não se revelou um tabu para ele. Não
por isso Leonardo ficou menos confuso, uma vez que, com a ausência da melhor amiga
Giovanna, lidar com a situação se transformou em uma experiência solitária, porém, de
amadurecimento.
Hoje Eu Quero Voltar Sozinho é o primeiro longa-metragem do diretor Daniel
Ribeiro, cujo roteiro, também escrito por ele, é inspirado em seu curta Eu Não Quero Voltar
60

Sozinho, exibido no ano de 2010, muito embora não se trate de uma continuidade deste curta,
mas uma narrativa diferente para a mesma história. Mais de três anos depois, quando resolveu
produzir o longa-metragem, o diretor decidiu manter o trio de protagonistas. Além da escola e
da casa de Leonardo, praticamente os únicos cenários do curta, surgem outros ambientes
como um acampamento escolar e uma festinha na casa de uma amiga. Com mais recurso e
tempo, em Hoje Eu Quero Voltar Sozinho o diretor consegue desenvolver melhor a história e
agrega personagens importantes, como a mãe superprotetora de Leonardo e os colegas
maldosos da escola. Os diálogos são mais bem pensados, assim como as atuações mais
maduras.
Por ser um trabalho melhor estruturado, Hoje Eu Quero Voltar Sozinho concorreu e
ganhou vários prêmios. Em 2014, o filme foi vencedor do prêmio Fipresci, concedido pela
Federação Internacional de Críticos de Cinema, escolhido como o melhor filme da
denominada Mostra Panorama, que aconteceu entre os dias 06 a 16 de fevereiro de 2014,
paralela ao Festival de Berlim, Alemanha. Em 18 de setembro do mesmo ano, o filme foi o
escolhido pelo Ministério da Cultura, entre 18 longas brasileiros, para representar o Brasil na
competição do Oscar de melhor filme estrangeiro, na edição de 2015, porém sem conseguir
ficar entre os finalistas ao prêmio. Em maio de 2015, o filme concorreu na categoria de
Melhor Lançamento Limitado, na 26ª edição dos Glaad Awards, considerado um dos prêmios
mais importantes do mundo, atribuído à comunidade LGBT, dentre outras premiações, as
quais podem ser visualizadas no quadro abaixo.

Quadro 3 - Prêmios do filme Hoje eu quero voltar sozinho

Local Prêmio (Ano) Categoria Resultado


Alemanha Festival de Berlim Melhor Filme da Mostra Panorama Venceu
(2014)
Melhor Filme com temática LGBT Venceu
Melhor Filme - Prêmio do Público 2º lugar
México Festival Melhor Filme - Prêmio do Público Venceu
Internacional de
Cinema de
Guadalajara (2014)
EUA Honolulu arco-íris Jack Law Award Venceu
Film Festival(2014)
EUA OutFest - Los Melhor Filme Dramático Venceu
Angeles Melhor Longa Narrativo Venceu
Internacional LGBT
Film Festival(2014)
Itália Torino International Melhor Filme - Prêmio do Público Venceu
Gay e Lesbian Film
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Festival(2014)
EUA New York Lesbian Melhor Filme Venceu
and Gay Film
Festival (2014)
EUA San Francisco Melhor Filme Venceu
International Lesbian
e Gay Film Festival
(2014)
Japão Skip City Melhor Roteiro Venceu
International Cinema
Festival(2014)
Suécia Peace & Love Film Melhor Filme - Prêmio do júri Venceu
Festival(2014)
Melhor Filme - Prêmio do Público Venceu
EUA Damn These Heels - Melhor Filme Venceu
Salt Lake City
International LGBT
Film Festival (2014)
Grécia Athens Internacional Melhor Filme Venceu
Film Festival(2014)
EUA GLAAD Media Melhor Lançamento Limitado Indicado
Awards (2015)
Brasil Troféu APCA Melhor Ator (Guilherme Lobo) Venceu
(2015)
Brasil SESC Film Festival Melhor Filme - Prêmio do júri Venceu
(2015)
Melhor Diretor - Prêmio do júri Venceu
Melhor Roteiro - Prêmio do júri Venceu
Melhor Ator (Guilherme Lobo) - Venceu
Prêmio do Público
Brasil For Rainbow - Melhor Filme Venceu
Festival de Cinema e
Melhor Ator (Guilherme Lobo) Venceu
Cultura da
Diversidade Sexual Melhor Direção de Arte Venceu
(2015)
Brasil Mostra Cinema e Melhor Filme Venceu
Direitos Humanos
no Hemisfério Sul
(2015)
Brasil Prêmio Governador Melhor Diretor Venceu
do Estado de São
Paulo (2015)
Brasil Troféu Grande Otelo Melhor Filme - Prêmio do Público Venceu
(2015)
Fonte: Extraído do site <http://www.hojeeuquerovoltarsozinho.com.br>.
62

4.2 HOJE EU QUERO VOLTAR SOZINHO: ANÁLISE FÍLMICA

Como apresentado na Seção introdutória desta dissertação, os conteúdos trazidos


foram analisados com os elementos da metodologia para análise fílmica apresentada por
Vanoye e Goliot-Lété (1994), caracterizadas em dois momentos. Com isso, foi feita,
inicialmente, a descrição do filme, o que compõe a fase de desconstrução ou descrição,
seguida da fase de reconstrução ou interpretação dos conteúdos. Sendo assim, a análise, a
seguir, encontra-se dividida nestas duas fases, de modo a contemplar separadamente cada uma
das considerações.

4.2.1 1ª Fase: Descrição do filme Hoje eu quero voltar sozinho

A história gira em torno de Leonardo (Guilherme Lobo), um estudante do ensino


médio cego lutando por independência. No início do filme, vislumbrando um cenário claro
com uma luz cômoda, Leonardo e sua melhor amiga Giovanna (Tess Amorim) estão
discutindo o fato de ambos nunca terem beijado ninguém. Léo está especialmente angustiado,
porque ele quer que seu primeiro beijo seja especial, mas não acredita que alguém queira
beijá-lo. Quando o dia termina, Giovanna guia Léo até a casa dele, com o garoto segurando o
braço dela. Ela abre a porta, algo que faz regularmente, apesar de sua casa ficar duas quadras
na direção oposta. Léo chega em casa e sua mãe expressa preocupação com sua pele
queimada pelo sol, questionando também a ideia de deixar o rapaz sozinho em casa enquanto
os dois pais estão fora. Léo insiste que ele vai ficar bem, e sua mãe concorda sob certas
condições.
Léo e Giovanna voltam à escola depois das férias de verão e seu colega de classe
Fábio (Pedro Carvalho) faz piada com o som alto que a máquina de escrever de Léo faz.
Quando sua professora pede a Fábio para sentar-se na carteira vazia atrás de Léo, Fábio se
recusa, argumentando que ele terá que ajudar Léo constantemente enquanto ficar lá, atitude
esta que faz com que Giovanna saia em defesa do seu melhor amigo. Porém, um novo aluno
chamado Gabriel (Fábio Audi) chega e toma o lugar vazio atrás de Léo, fazendo com que
todos os alunos da classe rissem da sua ação.
Os amigos Leo e Giovanna voltam para casa e, como de costume, ela pede a chave
para abrir a porta, mas, desta vez, ele mesmo se dispõe a abrir o portão da sua casa, uma ação
63

que faz referência à situação de preconceito vivida por ele anteriormente na escola, o que faz
com que Giovanna esboce uma palavra de conforto ao amigo.
No dia seguinte, já na escola Giovanna manifesta interesse em Gabriel rapidamente,
mas fica consternada quando Karina (Isabela Guasco), que flerta com todos, começa a
persegui-lo. Léo e Giovanna aproximam-se de Gabriel e ele se junta ao par em sua jornada a
pé para casa. Em casa, Leo liga para sua mãe, pois esta, por ter uma atitude superprotetora,
havia pedido que fizesse, uma vez que, neste dia, ele se encontrava sozinho em sua casa. Após
ter falado com a mãe, Leo coloca uma música clássica para ouvir, dirigindo-se, em seguida,
para tomar banho e, pelo fato de se encontrar só, decide treinar, no box molhado, como seria o
seu primeiro beijo. Mais tarde, Léo expressa seu interesse em estudar no exterior, para
Giovanna, de modo a deixar para trás o tipo vida que leva em sua casa. A amiga discordando,
o interroga sobre a causa desse pensamento. O garoto explica que, há muito tempo, já vinha
tendo o referido interesse, considerando que seria conveniente ir para um lugar onde ninguém
o conhecesse e que pudesse assumir uma nova personalidade.
No dia seguinte, na escola, ao fim da aula, Leo informa à Giovanna que não irá para
casa em sua companhia, por ser aquele o dia da semana (quarta-feira) que ele ia para a casa da
sua avó. Giovanna, como de costume, se oferece para levá-lo ao seu destino, porém Leo se
recusa, informando-lhe que a casa de sua avó era próxima e ele poderia ir sozinho. Ao se
despedir de sua amiga, Léo caminha para a casa de sua avó se utilizando da bengala, quando
Fábio e seus amigos zombam dele, fazendo movimentos em torno de sua cabeça, os quais Léo
não pode ver. Ele tropeça e cai, mas logo se levanta, rapidamente, o que os deixa muito
zangados.
Naquele mesmo dia, ele chega em casa muito mais tarde do que é habitual, seus pais
estão muito preocupados. Nessa cena, pode ser observado, pela primeira vez, o cenário mais
escuro, fazendo referência à iluminação noturna. Após sua chegada, a mãe de Leo chama sua
atenção por conta do atraso no horário, gerando uma pequena discussão entre ele e seus pais,
ocasião em que ele expressa sua irritação com a natureza superprotetora de ambos, explicando
que ele não quer ser tratado de forma diferente por causa de sua deficiência. Na manhã
seguinte, como haviam conversado sobre a possibilidade de estudos no exterior, Léo e
Giovanna vão a uma agência de intercâmbio para obter mais informações. Foram informados
que, primeiramente, a agente deveria falar com seus responsáveis legais, com os quais Léo
não havia falado sobre seu interesse em ir para outro país.
Na cena seguinte, Leo aparece na casa de sua avó, para a qual ele expressa a vontade
que sente de sair de casa e conseguir um emprego, sendo mais uma vez é contrariado, quando
64

a sua avó o interroga se ainda não é cedo demais para tais expectativas. A cena posterior
mostra Léo e Gabriel, que aparecem juntamente com Giovanna na casa dela, onde conversam
procurando saber um pouco mais sobre a vida de Gabriel, o interrogando sobre seus gostos e
sobre a convivência com a sua família. Após o descontraído diálogo entre os três, Gabriel
esboça que já é tarde e que precisa voltar para casa e, se oferecendo, justamente para levar
Léo de volta para casa, visando facilitar as coisas para Giovanna, que não teria assim a
obrigatoriedade de acompanhar o amigo. Ela, mesmo relutante e visivelmente chateada,
concorda com a proposta de Gabriel, que assim o faz, acompanhando Leo até a sua casa,
segurando-o pelo braço durante todo o trajeto.
O outro dia corresponde a uma cena que se passa na escola, com a professora, em sala
de aula, explicando sobre um trabalho que requer pares do mesmo sexo, o que faz com que os
rapazes formem a dupla, em detrimento de Giovanna. Depois da escola, os dois vão almoçar
juntos e Gabriel sente-se envergonhado por fazer perguntas sobre vídeos da internet e idas ao
cinema, coisas que Léo não pode fazer por causa de sua cegueira. Entretanto, Leonardo
manifesta interesse nisso, indo ambos assistirem a um filme. Nessa cena, foi utilizado o zoom
da câmera no ouvido de Léo, demonstrando Gabriel sussurrando os acontecimentos a ele
durante todo o tempo que se desenrola o filme. Essa cena se passa, pela segunda vez, com
uma luz muito mais escura do que a habitual, para simbolizar a iluminação característica de
uma sala de cinema.
A cena seguinte, ainda com uma iluminação escura, exibe Leo e seus pais na mesa de
jantar comentando sobre a discussão que tiveram dias atrás, quando pede a eles para que
diminuam a superproteção com a qual o envolvem, sendo escutado, porém, sem ser
completamente entendido pelos pais. Léo aproveita para comentar sobre um acampamento
que será realizado na escola, pedindo-lhes que o deixem ir sem precisar ligar para a escola,
pois ele se sentia constrangido com esta ação contínua, cometida pelos pais. Mesmo sendo
escutado, mais uma vez Leo não é compreendido.
A cena que se segue é passada na escola e mostra Leo informando à Giovanna que ele,
juntamente com Gabriel, foi ao cinema, o que causou certo desconforto por parte da amiga.
Posteriormente, a cena se passa com Gabriel e Leonardo, desenrolando-se em sua casa, para
onde foram com o objetivo de trabalharem juntos no projeto da escola. Gabriel se aproveita
do momento para apresentar seus gostos musicais para Leo, convidando-o para dançar, mas
este se recusa, alegando que não sabia realizar tal ação. Com um pouco mais de insistência,
Léo e Gabriel dançam juntos, mesmo Léo demonstrando muita timidez.
65

No dia seguinte, retornando da escola e seguindo para a casa de Léo para trabalharem
no projeto, o garoto tenta ensinar braile a Gabriel, mas este, em sua fala, demonstra achar ser
impossível aprender essa linguagem. Léo ainda insiste no ensino, segurando na mão de
Gabriel para demonstrar o alfabeto em braile, momento em que é surpreendido pela sua mãe
ao entrar em seu quarto, repentinamente, para perguntar se os dois precisavam de algo. Com
entrada da mãe, Léo solta de imediato a mão do amigo e responde que não precisavam de
nada. Assim que a mãe de Léo se retira do quarto, Gabriel o convida para ver o eclipse que
acontecerá a noite, mas, ao dirigir o olhar para o amigo, percebe que, mais uma vez, entrou
em contradição, levando em conta a deficiência de Leonardo. Sem se incomodar com o
equívoco, Léo, por mais que quisesse, não aceita o convite sob a alegação que sua mãe jamais
deixaria, fazendo com que Gabriel desse a ideia dos dois irem escondidos.
Os meninos fogem a noite, de bicicleta, para assistir ao eclipse lunar e, no local,
Gabriel, percebendo a expressão de dúvida no rosto de Léo, tenta explicar como o fenômeno
funciona, usando pedras em sua explanação, permitindo, desse modo, que Léo compreendesse
melhor todo o acontecimento. A cena seguinte evidencia os meninos no caminho de volta para
casa, com Léo na garupa da bicicleta de Gabriel, cena na qual utiliza, pela primeira vez, uma
trilha sonora7 agora não mais instrumental, para evidenciar toda a alegria de Leo por estar
vivendo coisas novas em sua vida. Ao chegar na casa de Léo, Gabriel percebe que deixou seu
casaco na casa do amigo e pede que ele o traga no dia seguinte. Léo concorda, entretanto,
naquela noite, ele cheira a peça de roupa, a coloca em si mesmo antes de dormir, ao mesmo
tempo em que acaricia os seus órgãos genitais.
No dia seguinte, na escola, enquanto conversava com Giovanna, a agência de
intercâmbio liga para Léo falando de uma agência norte-americana especializada em alunos
cegos, mas eles ainda precisam da aprovação dos pais dele. Léo mente, dizendo que seus pais
estão viajando. Após desligar o telefone, Giovanna o interroga se realmente os pais dele
estavam viajando e, prontamente, Léo responde que mentiu, pois já imagina que sua mãe
jamais o deixará viajar para fora do país, pensamento corroborado pela amiga. Enquanto os
dois amigos ainda conversavam, Karina os interrompe perguntando sobre Gabriel, sendo
informada, por Giovanna, onde este se encontrava. Karina vai ao encontro dele, momento em
que a cena ao foca na expressão facial de Léo para mostrar que o mesmo não se sente à
vontade, ao perceber as investidas da estudante no amigo.

7
A música utilizada na cena se chama “Vagalumes cegos” do intèrprete Cícero.
66

A cena prossegue com Gabriel substituindo Giovanna como guia para levar Léo até
sua casa, este aproveitando para interrogar o amigo sobre o que ele achava de Karina. A
resposta não o agradou muito, porque Gabriel considera a colega de turma simpática.
Informou ter sido convidado, por ela, para uma festa que seria realizada com todos os seus
colegas de turma, notícia esta que, mais uma vez, não foi bem recebida por Léo. Ao chegarem
à casa para trabalharem no projeto da escola, Gabriel recebe uma ligação de Giovanna que
pede para falar com Léo. Assim que atende o telefonema, Giovanna o informa que havia
ficado com muita raiva dos dois, pois eles tinham ido para casa sem ela, deixou Leonardo
arrependido por não ter esperado a amiga.
A cena seguinte se dá na saída da escola, mostrando os rapazes esperando Giovanna,
mas ela finge não vê-los. Diante disso, eles vão embora, com Gabriel acompanhando Léo até
sua casa. No caminho, ambos sofrem ações preconceituosas por parte de Fábio, seu colega de
classe, provocações que acabam por fazer com que Léo reaja a elas. Já em sua casa,
almoçando com seus pais, Leonardo finalmente confessa seu interesse de viajar ao exterior,
mas eles, principalmente sua mãe, logo desaprovam tal ideia, em caráter definitivo. Pouco
depois, a sós, o pai aborda Léo, questionando os reais motivos dessa viagem, aconselhando-o
a pensar se era realmente a decisão que ele queria tomar, para não se tornar uma atitude que
só serviria para ele fugir da proteção empregada pelo próprio pai, juntamente com sua mãe.
Após essa conversa, os dois se entendem.
A cena seguinte é passada no outro dia à noite, horário que se justifica pelo cenário
mais escuro. Os três amigos vão à festa na casa de Karina, mas Giovanna evita Léo, ainda
com raiva dele. Fica bêbada com Gabriel, confessando que sente ter sido substituída na vida
de Léo, pois este não fazia mais questão que ela o levasse para casa depois da escola e que
não iria mais sentir sua falta se ele fosse para o exterior, assunto sobre o qual Gabriel ainda
não sabia nada. Os dois continuam conversando até que Giovanna toma a atitude inesperada
de beijar Gabriel, sem ser retribuída e ela se retira, rapidamente, de sua presença.
Enquanto isso, em outra cena acontecendo simultaneamente, Léo, com relutância, se
une a um jogo de girar a garrafa. Quando essa aponta para Léo, Fábio, como de costume, age
com uma atitude de deboche, agarrando rapidamente agarra o cão de Karina para tentar fazê-
lo beijar o animal ao invés de outra colega de turma chamada Marta, que também participava
da brincadeira. No entanto, Giovanna logo aparece na sala onde ocorria a brincadeira, arrasta
Léo para fora da festa antes que aconteça alguma coisa. Ele, sem saber de nada, fica irritado,
acusando-a de não permitir que ele perdesse a sua virgindade de boca, declarando, ao mesmo
tempo, que sentia que ela estava muito diferente, sentimento que fazia com que ele não
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confiasse mais nela. Giovanna se enfurece e vai embora. Em seguida, Gabriel insiste para
levar Léo em casa, mas Léo explode de raiva, dizendo que ninguém quer deixá-lo beijar
alguém. Diante disso, Gabriel o beija e sai rapidamente de bicicleta, pelas ruas, com uma
aparência de preocupação em seu rosto.
No dia seguinte, a escola vai a uma viagem de acampamento, sentando-se Léo sozinho
no ônibus, uma vez que Gabriel chega atrasado, acompanhado por Karina e resolve sentar ao
lado dela. Gabriel se aproxima de Léo no parque do acampamento para admitir que, por estar
bêbado não se lembrava de nada do que ocorrera na festa de Karina. Léo, ouvindo o relato,
diante da omissão ao beijo, também não o cita. Ainda no acampamento, toda a turma se
diverte na piscina, mas Fábio, observando Gabriel ajudar Léo a passar protetor solar em seu
corpo, insinua uma relação homossexual entre os dois, com a fala em tom preconceituoso, o
que acarretou a irritação dos dois amigos. A ação preconceituosa do colega de turma, só fez
com que Léo, juntamente com Gabriel, não se divertisse na piscina, assim como o faziam
todos da turma. Assim, eles esperaram todos irem embora para que pudessem sair da área da
piscina e irem para o vestiário tomar banho, sozinhos. No vestuário, Gabriel tira toda a sua
roupa e pede para que Léo faça o mesmo, para ajudá-lo a tomar banho, porém Léo se recusa,
afirmando que poderia tomar banho de bermuda. Enquanto tomam banho, Gabriel observa
Léo, com um olhar de desejo, o que o faz sentir-se envergonhado.
A cena seguinte se passa à noite, exibindo o momento em que Giovanna e Léo, com o
auxílio de Gabriel se entendem novamente depois de muita conversa e explicações dos fatos
anteriormente ocorridos. Pedem desculpas um para o outro e vão beber juntos, para aproveitar
a última noite que estariam no acampamento. Bêbado, Leonardo acaba admitindo, para
Giovanna, que está apaixonado por Gabriel, mas esta, no início, demonstra-se cética,
expressando várias indagações, acaba a conversa e se retira imediatamente da presença do
amigo, o que deixa Leonardo confuso sem entender a reação da amiga.
A próxima cena acontece no dia seguinte, pela manhã, demonstrando Léo com
resfriado, sendo cuidado por sua mãe, que aproveita a situação para conversar sobre o futuro
do filho, namorando, se tornando pai, tendo preocupações, o que faz com que Léo, pela
primeira vez, tenha um diálogo sem discussões com sua mãe. Na escola, Giovanna percebe a
ausência de Leonardo e vai visitá-lo após sair da aula. Na casa do amigo, a garota comenta
com ele sobre a sua paixão por Gabriel, informando ao amigo que ele e Gabriel formam um
casal bonito e que dará apoio a eles. Gabriel também visita Léo em sua casa, quando, no seu
quarto, pergunta se ele ficou com Karina. Gabriel admite que ela tentou beijá-lo, mas que ele
recusou por gostar de outra pessoa, confessando que está apaixonado por Léo. Na verdade, se
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lembra do beijo depois da festa, mas que tem dúvidas sobre a reação de Léo a estes
sentimentos. Leonardo responde beijando Gabriel.
A cena seguinte é na escola e exibe os dois apresentando o projeto escolar. Depois,
indo para casa na companhia de Giovanna, mostrando Léo de braço dado com Gabriel. Fábio
e seus amigos observando os três zombam da aparência homossexual do relacionamento dos
garotos, não sabendo a verdade, e Léo muda de posição para ficar de mãos dadas com
Gabriel, o que gera tanto choque quanto desapontamento nos amigos de Fábio. A cena final
do filme é Léo andando de bicicleta com Gabriel atrás, pendurado na roda traseira, o
ajudando.
Diante do exposto, podemos concluir, após toda a sua descrição, que o filme Hoje eu
quero voltar sozinho apresenta em suas cenas cores mais claras, em tons pastéis, o que dá ao
filme um ar de leveza e romantismo. Em seus enquadramentos, opta por utilizar planos de
detalhe para realçar os toques entre os personagens principais Léo e Gabriel e a simplicidade
de gestos que para os dois significam muito. Na cena do vestiário, por exemplo, a nudez é
tratada com delicadeza, também em planos de detalhe, para dar destaque ao sentimento de
desejo e confusão de Gabriel. O filme toma cuidado para não enquadrar a nudez frontal na
cena.
A trilha sonora do filme tem como função aproximar os protagonistas. Enquanto Leo
só escuta músicas clássicas, Gabriel apresenta para ele outros estilos musicais e sua música
favorita. O fato de Leo só escutar música clássica representa a sua ingenuidade, estando preso
em seu mundo e protegido de todo resto. Gabriel representa a abertura de um novo mundo
para ele, ao ensiná-lo sobre outras músicas. A trilha sonora possui igualmente impacto
narrativo na história. There’s Too Much Love é a música que embala o casal e fala sobre
aceitar os seus defeitos, a começar ter segurança para declarar um amor. Outra música
marcante no filme, usada na cena em que eles estão andando de bicicleta juntos, depois de
verem o eclipse, é Vagalumes Cegos, de Cícero, que fala sobre um grande amor, onde a
pessoa parece não se importar com mais nada, com o que vão dizer, só se importa em viver a
sua paixão.

4.2.2 2ª Fase: Reconstrução do filme (Interpretação)

Para realizar a análise fílmica nessa fase de reconstrução, fizemos uma seleção dos
capítulos/cenas visando não fugir do objetivo proposto, que está centrado na relação corpo e
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gênero. Porém, para facilitar tal procedimento, organizamos a decomposição a partir de dois
eixos temáticos: o primeiro diz respeito à homossexualidade, e o segundo é intitulado de
normatividade de gênero.
As questões referentes ao eixo da homossexualidade aparecem subliminarmente a
partir dos 28’e 44’’do filme, compondo um total de sete cenas, a primeira delas visualizada
com duração de 3’e 30’’, em que o personagem Gabriel, se aproveitando para apresentar seus
gostos musicais para Leo, o convida para dançar (Figura 2) e este recusa, alegando não saber.
Porém, com um pouco mais de insistência, Léo e Gabriel dançam juntos, mesmo Léo
demonstrando muita timidez neste ato.

Figura 2 - Cena do filme Hoje eu quero voltar sozinho: dançando juntos

Fonte: Extraído do site <http://www.hojeeuquerovoltarsozinho.com.br>.

Outra cena em que pode ser visualizada, subliminarmente, a referida categoria,


acontece aos 32’ e 54’’ do filme, em que Léo tenta ensinar braile a Gabriel, no entanto, este,
na sua fala, acha que é impossível aprender. Léo ainda insiste no ensino, segurando na mão de
Gabriel ao demonstrar o alfabeto em Braille (Figura 3), momento em que é surpreendido por
sua mãe ao entrar no seu quarto, repentinamente, para perguntar se os dois precisavam de
algo. A reação imediata de Léo é soltar a mão do amigo e responder à mãe que não
precisavam de nada. Essa cena, que se apresenta com uma duração de 47 segundos, ratifica a
má relação de diálogo que Leonardo tinha com a sua mãe, o que o levou a não querer deixar
evidente, para ela, o novo sentimento que sentia pelo até então amigo Gabriel.
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Figura 3 - Cena do filme Hoje eu quero voltar sozinho: ensinando braile

Fonte: Extraído do site <http://www.hojeeuquerovoltarsozinho.com.br>.

Ainda na análise da categoria homossexualidade, outra cena se apresenta aos 37’ e


34’’ do filme, com duração de 2’ e 35’’, na qual o personagem de Gabriel, ao chegar na casa
de Léo, depois de um passeio, percebe que deixou seu casaco na casa do amigo e pede que ele
o leve para a escola no dia seguinte. Léo concorda. Entretanto, naquela noite, antes de ir
dormir, ele cheira a peça de roupa, a coloca em si mesmo, ao mesmo tempo em que acaricia
os seus órgãos genitais. Essa cena que se apresenta com uma iluminação escura, sendo
acompanhada por uma trilha sonora instrumental densa. Essa é a primeira vez em que o
diretor do filme deixa em evidência o real sentimento do personagem principal, tornando-se
uma das cenas mais complexas de todo o filme.

Figura 4 - Cena do filme Hoje eu quero voltar sozinho: sentimentos de Léo

Fonte: Extraído do site <http://www.hojeeuquerovoltarsozinho.com.br>.


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A categoria citada também pode ser visualizada subentendida, na cena que se passa
aos 43’ e 19’’ do filme, com uma duração de 1’ e 2’’, na qual Gabriel aparece substituindo
Giovanna como guia até a casa de Léo, que aproveita para interrogá-lo sobre o que ele achava
de Karina, mas a resposta o desagrada, porque Gabriel considera a colega de turma simpática,
informando que ela o convidou para uma festa que será realizada com todos os seus colegas
de turma. A notícia desse convite mais uma vez não foi bem recebida por Léo, que
demonstrou transparecer seu incomodo com as opiniões que Gabriel tinha sobre Karina, cuja
fama era de flertar com todos os meninos da turma deles.

Figura 5 - Cena do filme Hoje eu quero voltar sozinho: Gabriel leva Léo para casa

Fonte: Extraído do site <http://www.hojeeuquerovoltarsozinho.com.br>.

No avançar de 01 hora e 02 minutos do filme, visualizamos outra cena para ser


analisada. Nela, Gabriel insiste em levar Léo em casa, depois de vários equívocos acontecidos
durante a festa na casa de Karina, mas Léo explode de raiva, dizendo que o amigo não quer
deixá-lo beijar e que era virgem de boca. Diante disso, Gabriel o beija e sai rapidamente de
bicicleta pelas ruas com uma aparência de preocupação em seu rosto. Essa cena, que tem a
duração de 1’ e 05’’, enfatiza, pela primeira vez, que os sentimentos que Léo sentia pelo
personagem Gabriel eram correspondidos (Figura 6).
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Figura 6 - Cena do filme Hoje eu quero voltar sozinho: o primeiro beijo

Fonte: Extraído do site <http://www.hojeeuquerovoltarsozinho.com.br>.

A categoria homossexualidade também aparece na cena que se passa no avançar de 01


hora e 11 minutos, com duração de 2’ e 26’’, no vestuário do banheiro do acampamento
escolar em que os dois personagens principais participam. Gabriel tira toda a sua roupa e pede
para que Léo faça o mesmo, para ajudá-lo a tomar banho, porém Léo se recusa, afirmando que
poderia tomar banho de bermuda. Enquanto tomam banho, Gabriel observa Léo com um olhar
de desejo, o que o deixa muito envergonhado, além de demonstrar que também estava
bastante confuso com o novo sentimento que estava aflorando.

Figura 7 - Cena do filme Hoje eu quero voltar sozinho: tomando banho juntos

Fonte: Extraído do site <http://www.hojeeuquerovoltarsozinho.com.br>.


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Por fim, a cena seguinte se passa no avançar de 1 hora e 26 minutos, também se


encaixando na categoria analisada. Doente, em casa, Léo recebe a visita de Gabriel em seu
quarto, aproveitando a ocasião para perguntar se ele ficou com Karina no acampamento
escolar. Gabriel admite que ela tentou beijá-lo, porém ele recusou por gostar de outra pessoa.
Confessa, ainda, que está apaixonado por Léo e que, na verdade, se lembra do beijo depois da
festa, mas que tem dúvidas sobre a reação de Léo quanto a estes sentimentos. Leonardo
responde beijando Gabriel. Nessa cena, com duração de 3’ e 30”, pela primeira vez, a câmera
se utiliza do foco nos lábios dos dois personagens. Próxima ao fim do filme, essa cena
antecipa os fatos que viriam a acontecer no seu desfecho.

Figura 8 - Cena do filme Hoje eu quero voltar sozinho: beijo final

Fonte: Extraído do site <http://www.hojeeuquerovoltarsozinho.com.br>.

Torna-se perceptível, na análise a referida categoria, que os capítulos/cenas descritas


são sempre visualizadas subliminarmente, devido ao fato de os dois protagonistas do filme
quebrarem com o estereótipo de gay afeminado, apresentando uma radical redefinição e
redistribuição de gênero na medida em que sinaliza que o corpo masculino pode sentir
desejo/afeto por outro corpo do mesmo sexo sem apresentar características femininas. Assim,
o diretor transforma completamente a ação de gênero machista recriando-a. Nesse sentido,
Shaviro (2015) menciona que a estratégia de inverter os papéis de gênero no cinema envolve
não somente a criação de novos arquétipos, mas a apresentação de um espaço cinemático
altamente carregado, no qual os arquétipos expressivistas tradicionais, classificados por
gênero, são dispersados e esmigalhados como partículas subatômicas.
Léo e Gabriel são jovens de classe média, com problemas comuns de adolescentes.
Em nenhuma das cenas descritas, os personagens chegam a se denominar gays ou a usar essas
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palavras. Porém, mesmo que subliminarmente a questão da homossexualidade seja trazida no


filme pelos colegas de Léo e Gabriel, sem citar termos tais como gay, homossexual ou outro,
praticam bullying ao insinuar que eles eram um casal. Fato que só comprova a afirmação de
Barduni Filho e Sousa (2008), que relatam ser o bullying, praticado de forma geral ou, em
questões da homossexualidade, subliminarmente ou não, como aqui concebido, está
intrinsicamente relacionado com a linguagem, com o que se fala, como se fala e para quem se
fala.
Dessa forma, a linguagem é uma questão muito importante dentro dessa conjuntura.
Na forma como a linguagem se apresenta, se dito com ênfase ou até mesmo numa entonação
de voz que deixe claro que se trata de algo ruim, ou o gesto de se repudiar alguém, pode
admitir uma lacuna aberta para que o repúdio e a injúria se reproduzam com facilidade, o que
acaba por trancar possibilidades do próprio sujeito se conhecer e reconhecer sua sexualidade
(BARDUNI FILHO; SOUSA, 2008). Para Oliveira e Maior (2015), a construção da
sexualidade humana, de modo geral, e de uma orientação homossexual específica, já
apresentam, por si só, grande relevância.
No entanto, o filme ganha um contorno especial quando explora, metaforicamente, a
disjunção denunciada por Freud (1905 apud OLIVEIRA; MAIOR, 2015) entre a pulsão
sexual e seu objeto, por meio da cegueira do adolescente Léo. Sem poder enxergar os objetos
que o cercam e tendo, portanto, que fazer suas escolhas sem contar com alguns importantes
traços imaginários que a sociedade empresta ao que é masculino e feminino (como cores e
estilos de vestimentas, uso de adereços, traços fisiológicos, dentre outros), Léo se apoia em
outras imagens sensoriais para tal construção, como o cheiro da blusa de moletom, a voz ao
pé do ouvido no escuro do cinema, o toque na pele. É por essa razão que Freud, em sua
investigação sobre a homossexualidade, evidencia que tal orientação sexual não se refere nem
a uma questão inata nem apenas a algo adquirido. Não é nem uma determinação biológica
nem uma escolha consciente, é uma construção.
Aqui é importante ressaltar que somos conscientes do que nos alerta Shaviro (2015,
p.33): “a psicanálise explica a fetichização da diferença sexual como resultado do domínio do
falo ou ordem simbólica, enquanto um olhar foucaultiano observa a ordem fálica como algo
que deve ser derivado, historicizado e explicado como um efeito”. Butler (2003) afirma que a
instituição de uma heterossexualidade determina e adequa o gênero como uma relação binária,
em que o termo masculino diferencia-se do termo feminino, realizando-se essa diferenciação
por meio das práticas do desejo heterossexual. A ação de diferenciar os dois momentos, em
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oposição da estrutura binária, resulta numa concretização de cada um de seus termos, da


coerência interna respectiva do sexo, do gênero e do desejo.

A heterossexualização do desejo requer e institui a produção de oposições


discriminadas e assimétricas entre “feminino” e “masculino”, em que estes
são compreendidos como atributos expressivos de “macho” e de “fêmea”. A
matriz cultural por intermédio da qual a identidade de gênero se torna
inteligível exige que certos tipos de “identidade” não possam “existir” – isto
é, aquelas em que o gênero não decorre do sexo e aquelas em que as práticas
do desejo não “decorrem” nem do “sexo” nem do “gênero”. Nesse contexto,
“decorrer” seria uma relação política de direito instituído pelas leis culturais
que estabelecem e regulam a forma e o significado da sexualidade. Ora, do
ponto de vista desse campo, certos tipos de “identidade de gênero” parecem
ser meras falhas do desenvolvimento ou impossibilidades lógicas,
precisamente por não se conformarem às normas da inteligibilidade cultural.
Entretanto, sua persistência e proliferação criam oportunidades críticas de
expor os limites e os objetivos reguladores desse campo de inteligibilidade e,
consequentemente, de disseminar, nos próprios termos dessa matriz de
inteligibilidade, matrizes rivais e subversivas de desordem do gênero
(BUTLER, 2003, p. 38-39).

A cena dos dois amigos no cinema é um momento importante do filme. Sem poder
enxergar o que se passa na tela, Léo se apega à voz do colega que lhe sussurra o que acontece
no filme. A voz apresenta uma dimensão simbólica que permite a ele construir uma narrativa
e, mais que isto, a voz é um objeto que carrega algo do real, do puro som que independe de
significação, despertando em Léo um afeto. Isso também acontece com o cheiro do moletom
esquecido pelo amigo em sua casa. É a partir destes estímulos (sons, cheiros, toques) que Léo
transforma o intercâmbio impossível da puberdade em vários intercâmbios possíveis que o
levam, finalmente, ao amor, e, assim, começa a construir a sua sexualidade.
Segundo Bruns (2008), inegavelmente, o olhar pode funcionar como um dado de
aproximação, de sedução e de magnetismo, constituindo uma linguagem universal de atração,
mas também de indiferença ou aversão. O olhar representa um estado inicial de atração, no
momento seguinte à aproximação, porém, há também outros sentidos aí envolvidos: o tato, a
audição, o olfato, que, aliados, compõem a atração pelo objeto desejado como um todo. É essa
percepção que permite aos dois personagens principais vivenciarem o processo de
apaixonamento. Desse modo, o olhar permite vislumbrar a possibilidade do encontro, às vezes
parecendo o fiel indicador do desejo. No entanto, o olhar tende a ser, paradoxalmente, o mais
frágil referencial, pois sua primazia e encanto iniciais podem se desvanecer com um gesto,
uma palavra, um toque, um cheiro ou outro detalhe qualquer.
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As contribuições trazidas pelos estudos da sexualidade possibilitaram entender seu


conceito não mais por um viés biológico ou naturalizante, mas por seu aspecto histórico-
cultural. Nesse contexto, Foucault (2009) analisa a sexualidade como um dispositivo histórico
de poder da modernidade, estabelecido por práticas discursivas e não discursivas, que
determinam uma concepção do indivíduo como sujeito de uma sexualidade, configurando-se
como saberes e poderes que buscam normatizar, controlar e constituir verdades acerca do
sujeito na sua relação com o corpo e com os prazeres.
No que tange ao segundo eixo intitulado normatividade de gênero, podemos
observar diversas cenas nas quais elencamos, como exemplo, a diferença da relação da mãe e
do pai de Léo para com ele. O personagem do pai de Léo, no decorrer das cenas, é visto como
o responsável por trazer o mundo externo para a vida do personagem, preparando-o, de certa
forma, para as possíveis dificuldades que enfrentaria na vida, principalmente pelo fato de não
poder enxergar. Esse papel contrasta com o personagem da sua mãe que, como mencionado,
apresenta um comportamento de superproteção, o que acaba por não permitir ao Léo
vivenciar todas as descobertas próprias da sua idade.
No entanto, cabe aqui mencionar que, no tocante ao supracitado eixo temático, será
analisada a cena vivenciada pelos dois personagens principais, cena esta que pode ser
visualizada no avançar de 1 hora e 29 minutos do filme, com duração de 2’ e 47’’. É, pois,
uma cena que acontece na escola, exibindo os dois personagens apresentando o projeto
escolar e, em seguida, indo para casa na companhia de Giovanna, com Léo de braço dado com
Gabriel. Fábio e seus amigos, observando os três, zombam da aparência homossexual do
relacionamento dos garotos. Mesmo com todas as insinuações, sem nenhum deles se
denominar homossexual, Léo muda de posição para ficar de mãos dadas com Gabriel, o que
gera tanto choque quanto desapontamento nos amigos de Fábio.

Figura 9 - Cena do filme Hoje eu quero voltar sozinho: Léo e Gabriel caminhando de
mãos dadas.

Fonte: Extraído do site < http://www.hojeeuquerovoltarsozinho.com.br>.


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Além da cena descrita anteriormente, o filme segue com padrões heteronormativos que
a sociedade impõe aos homossexuais para serem aceitos. Leonardo e Gabriel são meninos que
não questionam as normas. Ambos são masculinizados, tendo as suas identidades sexuais de
acordo com o sexo cromossômico. Os protagonistas não têm jeito de gay, seguem um modelo
estético eurocêntrico e a relação íntima entre eles no decorrer de todo o filme se passa com
um beijo. Esse jogo de significação, essas tensões que o diretor define como quebrar e manter
estruturas sociais ligadas a homossexualidade, durante o filme faz com que o espectador se
sinta imerso em meio a signos e traços que o aproxima e o distancia do convencional.
Acreditamos que a estratégia do diretor de adotar tais características, para seus personagens
gays, está ligada ao que menciona Shaviro (2015, p.45):

O cinema me convida, ou me força a permanecer na órbita dos sentidos. Sou


confrontado e agredido por um fluxo de sensações que não posso relacionar
a uma presença física nem traduzir para uma abstração sistemática. Eu sou
violenta e visceralmente afetado por essa imagem e esse som, sem contar
com o recurso de algum tipo de referência, de alguma reflexão
transcendental, ou de uma ordem simbólica. Uma estrutura significante não
pode mais antecipar todas as percepções possíveis: em vez disso, a contínua
metamorfose da sensação se apropria, se esgueira e ameaça desalojar todo o
conforto e estabilidade do sentido.

A normatização das identidades e sua consequente opressão definem padrões de


comportamento e de conduta, rejeitando as diferenças dos sujeitos sociais. Para Butler (2003),
a heterossexualidade pressuposta nas relações de gênero é opressora, na medida em que busca
criar uma estabilidade entre sexo, gênero e desejo. A ideia de que o gênero é construído,
sugere certo determinismo sobre seus significados, inscritos em corpos anatomicamente
diferenciados, sendo esses corpos compreendidos como indivíduos passivos de uma lei
natural inflexível. Quando a cultura relevante que constrói o gênero é compreendida nos
termos dessa lei, temos a impressão de que o gênero é determinado e fixo quanto na
formulação de que a biologia é o destino. Nesse caso, não a biologia, mas a cultura se torna o
destino (MARIANO, 2005).
No entanto, como destaca Butler (2003), o corpo é, em si mesmo, uma construção, não
se podendo dizer que os corpos tenham uma existência significável anterior à marca do seu
gênero. Essa compreensão rejeita a distinção entre sexo e gênero e a ideia de que gênero é
uma interpretação cultural do sexo, na medida em que o próprio sexo é tomado também como
cultural e, portanto, constituído discursivamente. É o discurso cultural hegemônico que
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normatiza as estruturas binárias de sexo e gênero, estabelecendo limites para as possibilidades


de configurações do gênero na cultura.

Se a sexualidade é construída culturalmente no interior das relações de poder


existentes, então a postulação de uma sexualidade normativa que esteja
“antes”, “fora” ou “além” do poder constitui uma impossibilidade cultural e
um sonho politicamente impraticável, que adia a tarefa concreta e
contemporânea de repensar as possibilidades subversivas da sexualidade e da
identidade nos próprios termos do poder (BUTLER, 2003, p.55).

Para Seffner (2006), a cultura investe na construção da heterossexualidade como sendo


a identidade modelo, a partir da qual são julgadas as demais, de modo que uma multiplicidade
de outras identidades referentes à sexualidade se torna um desvio às normas estabelecidas
socialmente. Sendo assim, em vários momentos, reproduz as estruturas de poder, de
privilégios de um gênero em relação a outro em nossa sociedade e da heterossexualidade em
relação às outras identidades sexuais.
Porém, a despeito de todo o discurso em torno dessa questão, é imprescindível
compreender, assim como afirma Louro (1997) que os sujeitos podem ter identidades plurais,
múltiplas, identidades que se transformam, não são fixas ou permanentes, que podem, até
mesmo, ser contraditórias. Assim, o sentido de pertencimento a diferentes grupos constitui o
sujeito e pode levá-lo a se perceber, como se fosse incitado a seguir em diferentes direções.
Ao afirmar que o gênero institui a identidade do sujeito, pretendemos nos referir, portanto, a
algo que transcende o mero desempenho de papéis, com a ideia de perceber o gênero fazendo
parte do sujeito, constituindo-o. Dessa forma, podemos concluir, a partir desta análise, que é
relevante problematizar a importância da discussão de eixos temáticos, como estes aqui
tratados, na escola, no sentido de contribuir para a afirmação das diferenças e para a
promoção de uma cultura de respeito no âmbito escolar, uma vez que essa instituição trabalha
na produção dos corpos e das subjetividades. Para Silva (2000, p. 97):

Mesmo quando explicitamente ignorado e reprimido, a volta do outro, do


diferente é inevitável, explodindo em conflitos, confrontos, hostilidades e até
mesmo violência [...] o outro é o outro gênero, o outro é a outra cor, o outro
é a raça, o outro é outra nacionalidade, o outro é o corpo diferente.

Partindo dessa conjectura, desestabilizar as verdades estabelecidas sobre as


sexualidades, aquelas que constituem um único modo de ser, é imprescindível, uma vez que
são múltiplas as formas de viver os gêneros e as sexualidades. É na escola que os sujeitos
constroem as primeiras redes de relações que passam a ser fundamentais nos seus processos
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de subjetivação. Para a maioria dos/as sujeitos homossexuais, a escola é um ambiente


marcado pela vigilância dos gêneros e pela heterossexualidade que, neste contexto, assume a
posição privilegiada (LONGARAY, 2014).
A escola, portanto, a partir de regras e discursos normativos, segundo Longaray
(2014), é um dos principais e, talvez, o mais significativo espaço de educação para os gêneros
e para as sexualidades. É nesse ambiente disciplinar, regulatório e normativo, que se constitui
e se aprende quais os limites dos nossos corpos, de nossas ações, de nossos gestos, de nossas
posturas, da nossa fala, de nossos desejos, entre outras questões, a partir das quais se ensina
que deve haver uma unidade entre os gêneros e uma hegemonia heterossexual, bem como
uma normalidade corporal. Os modos de ser e estar no mundo, que se tornaram hegemônicos,
dizem respeito a modos como foram produzidos os corpos, os gêneros e as sexualidades,
reduzidos a dimensões fragmentadas, aprisionadas e binárias. Generalizada e naturalizada, a
heterossexualidade, inscrita no corpo, tornou-se referência em todos os lugares e para todos os
indivíduos (SILVA, 2014).
De acordo com Longaray (2014), a afirmação da heterossexualidade como a
identidade normal, a expressão de um único modo de ser homem e mulher na sociedade, a
atribuição de inúmeras representações preconceituosas às homossexualidades e a omissão de
discussões acerca da diversidade sexual e de gênero no currículo escolar, possibilita que
muitos/as estudantes expressem aversão frente aos sujeitos que fogem a esta norma. Por se
lado, a escola permanece reforçando padrões rígidos e estereotipados de homens e de
mulheres. Desse modo, através de suas práticas pedagógicas e dos moldes de interação social
mantidos em seu interior, muitas unidades de ensino reproduzem estereótipos e preconceitos
que são considerados expressão de violência da escola contra alguns alunos e alunas.
O fato é que, no âmbito escolar, condutas desviantes da norma, muitas vezes são
encaradas como problemas, já que é na educação, como formadora das expectativas de
comportamentos adequados para o mundo social que se encontra os matizes das
desigualdades de gênero (ANDRADE et al., 2010). Dessa forma, ao invés de instruir na
construção do conhecimento como se propõe à escola, esta acaba direcionando o pensamento
dos educandos a partir de seu próprio conceito do que seja considerado normal sobre as
identidades sexuais.
Tais atitudes, muitas vezes, passam despercebidas aos olhos de muitas pessoas, como
a divisão de tarefas adequadas ao gênero devido a ideia que se criou sobre uma suposta
fragilidade biológica, assim também como a atribuição de cores caracterizando meninos e
meninas entre outras coisas, contribuindo para a construção das diferenças dentro do ambiente
80

escolar. Isso faz com que os educandos entendam a sexualidade em um corpo inerte, livre de
sensações e sentimentos, distanciando-se do conceito primordial que seria a compreensão da
construção das identidades sexuais (OLIVEIRA; RAMOS; SALVA, 2011).

Nessa direção as escolas podem ser um exemplo de instituição em que se


reitera constantemente, aquilo que é definido como norma central, já que
norteiam seus currículos e suas práticas a partir de um padrão único: haveria
apenas um modo adequado de masculinidade e feminilidade e uma única
forma sadia e normal de sexualidade, a heterossexualidade; afastar-se desses
padrões significa buscar o desvio, sair do centro, tornar-se excêntrico
(LOURO, 1997, p.02).

Com seus arranjos físicos e arquiteturas propícios à vigilância dos gêneros e das
sexualidades, o ambiente escolar busca capturar aqueles/as que resistem a zona de
normalização instituída socialmente. Buscam, nesse sentido, corrigi-los/as, ajustá-los/as, a fim
de trazê-los/as para essa zona, que é constituída por uma medida comum como, por exemplo,
a heterossexualidade e todos/as os/as que correspondem às imposições sociais (LONGARAY,
2014).

A escola delimita espaços. Servindo-se de símbolos e códigos, ela afirma o


que cada um pode (ou não pode) fazer, ela separa e institui. Informa o
‘lugar’ dos pequenos e dos grandes, dos meninos e das meninas. [...] O
prédio escolar informa a todos/as sua razão de existir. Suas marcas, seus
símbolos e arranjos arquitetônicos ‘fazem sentido’, instituem múltiplos
sentidos, constituem diferentes sujeitos (LOURO, 1997, p. 58).

Nessa perspectiva, discutir e problematizar as relações de gênero e sexualidade é


uma das condições indispensáveis para a desconstrução e superação de padrões supostamente
normais, que têm gerado desigualdades, pois, embora a escola exerça sobre os sujeitos um
mecanismo de vigilância, de operação da disciplina, as instituições de ensino constituem-se
também como espaços de construção de conhecimento e de socialização de experiências, local
onde as relações sociais se estreitam, onde se ensina e se aprende, sendo também, muitas
vezes, espaços de acolhimento, de fabricação dos sujeitos e, por isto, é importante repensá-los
(LONGARAY, 2014).
Segundo Oliveira, Ramos e Salva (2011), cabe à escola, como promotora da educação
e, consequentemente, de uma visão mais clara dos fatos, a desconstrução das diferenças a
partir de atitudes que possibilitem uma maior interação tanto dos gêneros como de outros
grupos considerados diferentes, de modo que, desta ação, as hierarquias sejam rompida,
81

possibilitando maior abrangência de vários outros grupos étnicos, sociais, sexuais, dentre
outros. Nesse sentido:

A sexualidade também precisa ser compreendida no âmbito da história e da


cultura. Nessa ótica, as identidades sexuais deixam de ser concebidas como
meros resultantes de “imperativos biológicos” e passam a ser entendidas
como constituídas nas relações sociais de poder, em complexas articulações
e em múltiplas instâncias sociais (LOURO, 1997, p.67).

Conforme explicam Dias e De Oliveira (2015), a escola deve tentar desmistificar o


pensamento construído, pela sociedade, sobre a hegemonia da heterossexualidade, o que faz
com que a inclusão de temas na escola, tais como os eixos temáticos analisados nesta Seção,
permitam desconstruir a tendência ao padrão. Com isso, é dado ênfase ao reconhecimento da
diferença, em um processo de confronto permanente e não ocultando o outro, por isto a
importância de reconhecer a multiplicidade das identidades que estão presentes no espaço
escolar, permitindo o diálogo e a empatia em relação ao outro que tanto colabora e interfere
nessa troca de construções do conhecimento e de nossas identidades.
Percebemos, assim, que os processos educativos estão relacionados à socialização, o
que torna imprescindível a compreensão da análise de gênero na instituição escolar visando à
contribuição de comportamentos e práticas não sexistas, a aceitação da diversidade e a
tolerância ao outro. A partir desse pensamento, a escola estará contribuindo para o
questionamento da norma estabelecida, rompendo com uma história patriarcal que
consolidou, por muito tempo, o currículo escolar (DIAS; DE OLIVEIRA, 2015).

Isso não quer dizer que adotamos uma postura ingênua, utópica ou
reducionista em relação às instituições de educação, já que compreendemos
que elas não têm o poder, de eliminar práticas sexistas, mas podem,
entretanto, assumir uma postura crítica, atenta e problematizadora em
relação a suas práticas e componentes (OLIVEIRA; RAMOS; SALVA,
2011, p. 102).

Podemos concluir, segundo Dias e De Oliveira (2015), que a inclusão dessas temáticas
na escola, não lhe restringe o poder de modificar toda uma ordem social estabelecida
historicamente. Mas, como um espaço propício à problematização dessas questões, permite
visibilidade e questiona as atitudes que legitimam padrões binários mediante uma lógica
discriminadora, pois a escola não deve corroborar com a perpetuação de construção que
normatizam as hierarquias baseadas nas concepções estereotipadas no binarismo masculino e
82

feminino, mas viabilizar uma aproximação aberta e empática com o outro, questionando o
universalismo numa ótica intercultural.
83

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Retomando o objetivo desta pesquisa, que foi problematizar e compreender as relações


de gênero através do filme Hoje eu quero voltar sozinho como ferramenta de educação sob o
viés da análise fílmica, cumpre salientar que foi necessário, para tratar das relações entre
corpo, sexualidade, gênero e educação, fomentar, à luz desses conceitos, a reflexão sobre
práticas educacionais na escola. Isso porque, apesar de alguns avanços ocorridos, nos últimos
anos, no que diz respeito às questões de gênero, a escola continua a perpetuar estereótipos e
preconceitos construídos social e culturalmente, contribuindo ainda mais para o crescimento
das desigualdades de gênero e para a intolerância frente à diversidade sexual. Nessa
perspectiva, discutir e problematizar as relações de gênero e sexualidade, é uma das condições
indispensáveis para a desconstrução e superação de padrões definidos como normais, que têm
gerado significativas desigualdades.
No intuito de estimular o debate sobre essas relações de gênero não hegemônicas nas
escolas, nos utilizamos do cinema, que foi escolhido porque, nas palavras de Teixeira e Soares
(2008, p. 10):

é uma forma de criação artística, de circulação de afetos e de fruição estética.


É uma expressão do olhar que organiza o mundo a partir de uma ideia sobre
esse mundo. Olhares e ideias postos em imagens em movimento, por meio
dos quais compreendemos e damos sentidos as coisas, assim como as
ressignificamos e expressamos.

Portanto, tomado como recurso pedagógico, o cinema promove o aprimoramento e o


enriquecimento das visões de mundo. Ainda segundo Teixeira e Soares (2003), o cinema,
através da experiência estética, da emoção, do exercício da sensibilidade e da fruição,
promove a aproximação da realidade educacional com outro olhar, transmitindo significados
que não podem ser repassados por outro tipo de linguagem, como a discursiva ou a científica.
O cinema, muitas vezes, consegue explorar os problemas mais complexos dos tempos atuais,
expondo e interrogando a realidade, em vez de obscurecê-la ou de a ela se submeter.
Verificamos ser a linguagem cinematográfica relevante por conta do contexto social
atualmente dominado pelas imagens: o cinema favorece, assim, a necessária elaboração
reflexiva de temas relativos às múltiplas dimensões humanas (como a da diversidade de
gênero/orientação sexual), participando do processo histórico não somente como uma técnica,
mas também como uma arte e uma ideologia (TEIXEIRA; SOARES, 2003).
84

Desse modo, é possível identificar o campo mais abrangente em que esta dissertação
se assentou, tendo em vista o cinema, porém sob o viés da análise fílmica que, por sua vez,
considera as imagens e discursos produzidos no âmbito de uma cultura, tornando-se uma
possibilidade de diálogo com as regras e códigos dessa determinada cultura. Nesse caso em
particular, o corpo atravessado pelos signos da cultura que configuram relações de
sexualidade e gênero. A análise fílmica da película Hoje eu quero voltar sozinho, nos
momentos de desconstrução e reconstrução permitiram aprofundar o olhar sobre o contexto
do filme que narra a história de um adolescente cego, que se descobre apaixonado por um
novo aluno da classe.
O conflito vivido por esse adolescente e a maneira como a condição visual do
personagem poetiza a trama, possibilita que o filme, além de tratar de temáticas aqui
analisadas, ultrapasse temas ao abordar um assunto comum ao ser humano, o primeiro amor.
Assim, como qualquer adolescente, que sente a necessidade de se autoafirmar, o personagem
de Leonardo encontra obstáculos dentro e fora de casa. Os afetos e desafetos são retratados
com suavidade, clareza e naturalidade. A descoberta da própria sexualidade de Léo acontece
espontaneamente, junto a outras situações previstas neste rito de passagem. Foi interessante
perceber a capacidade que a trama teve para tratar de tabus como a deficiência visual, a
homossexualidade, normas de gênero, até o bullying, sem ceder lugar a estereótipos grotescos,
mostrando tudo de forma simples. O foco centra-se na descoberta do amor, da amizade, das
emoções que emergem nas relações.
Talvez, o grande mérito do filme esteja na forma como ele foi conduzido, com um
ritmo que fluiu bem e possibilitou que essas temáticas fossem tratadas de forma original,
explorando de forma sensível a sutiliza dos detalhes. Os enquadramentos, ora focados
nos detalhes como olhos, orelhas, mãos e ora colocando nos atores no canto da tela,
proporcionam mais do que boas imagens, transmitiram sensações e contribuíram , de
forma decisiva, no resultado do filme.
Outra contribuição concebida com base na análise fílmica de Hoje eu quero voltar
sozinho, aqui abordada sob os eixos temáticos homossexualidade e normatividade de
gênero, foi problematizar como a sexualidade é historicamente construída, definindo a
heterossexualidade como sendo uma regra a partir da qual outras formas de sexualidade vão
ser marginalizadas, pensadas e consideradas erradas. A ideia da normalidade da sexualidade
surge dos discursos biologizantes, que buscam afirmar que o normal é ser heterossexual e,
ainda, que esta é a única forma natural de sexualidade.
85

Essa normalização da sexualidade é traduzida por uma série de regras sociais que
padronizam a sociedade e os que dela fazem parte. Tudo que está fora desses padrões,
considerados desejáveis, são condenados, assim como as pessoas que manifestam suas
sexualidades transgredindo essas formas naturais, são considerados seres anormais e não
desejáveis, ou seja, abjetos. Nesse sentido, não há lugar para eles na sociedade, a qual termina
reprimindo-os e punindo-os física e psicologicamente, classificando-os como diferentes,
anormais e, muitas vezes, doentes.
Desse modo, aqui foi relatada a relevância de desmistificar esse pensamento, o que faz
com que a inclusão de temas, como os eixos temáticos analisados, possibilite desconstruir a
tendência ao padrão, dando evidência a diferença, em um processo de confronto constante que
mostre a importância de reconhecer a multiplicidade de identidades. Fato esse que foi
perceptível ao analisarmos as referidas categorias. O filme, ao problematizar, por meio de
cenas subliminares, os padrões heteronormativos que a sociedade impõe aos homossexuais
para serem aceitos, apresenta dois protagonistas que quebram com o estereótipo de gay
afeminado, apresentando uma redefinição de gênero na medida em que demonstra que o
corpo masculino pode sentir desejo/afeto por outro corpo do mesmo sexo sem apresentar
características femininas.
A experiência desenvolvida, nesta dissertação, parece confirmar, malgrado as
resistências à mudança de práticas (e de ideias), a atratividade do cinema como um valioso
recurso para fomentar o debate em torno das relações de gênero, bem como para suscitar
questionamentos, estranhamentos, debates, reflexões e novas aprendizagens. Ao lado do
questionamento, o cinema, mobiliza não só cognição, mas também a sensibilidade, o que
termina por motivar aprendizados. Talvez seja essa a maior riqueza do cinema: provocador,
ele aprofunda questionamentos porque parte de situações verossímeis da sociedade, o que faz
esperar que os debates continuem a reverberar entre aqueles e aquelas que, envolvidos com a
tarefa pedagógica na escola, têm o poder de transformar relações de gênero na escola,
tornando-as, ainda que por vezes lentamente, mais equânimes e ricas.
86

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