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Prof. Dr. Fábio Zoboli (Orientador)
Programa de Pós-Graduação em Educação /UFS
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Mais um caminho percorrido e mais uma etapa concretizada. Durante toda essa
caminhada não posso deixar de agradecer às pessoas especiais que sempre me deram força,
me encorajaram e que, de alguma forma, contribuíram para que este sonho se realizasse.
Agradeço a DEUS, primeiramente, por ter me dado sabedoria, força para não desistir
e superar cada obstáculo, e por me ajudar nos momentos mais críticos desta jornada
acadêmica.
Agradeço aos meus pais, em especial a minha MÃE, que AMO mais que tudo nessa
vida e que sempre me proporcionou o suficiente para eu chegar onde cheguei. Mãe, devo tudo
que tenho e que sou a você, e essa vitória dedico-lhe. Te amo!
A minha irmã Mayra, que amo muito e sempre foi meu exemplo para continuar firme
nesta jornada acadêmica. Enfim, a toda minha família que me auxiliou em cada etapa da
minha formação e sempre torceu por mim.
Ao meu marido Ricardo, por todo amor, carinho, por sempre me apoiar, me
aconselhar quando pensei em desistir, estando sempre disposto a me ajudar nos momentos
mais difíceis da minha vida, ou seja, por tudo que você é. Te amo!
Agradeço aos meus amigos do PPGED/UFS, que dividiram comigo esses dois anos
de estudo, sempre lutando pelo mesmo ideal e conquistando cada degrau em mais uma etapa
da nossa formação profissional.
Em especial, também agradeço imensamente ao meu orientador, professor Zoboli,
primeiro por aceitar me orientar, por ter paciência comigo, por me auxiliar na construção e
finalização dessa pesquisa. Sem dúvidas, você foi uma das contribuições mais valiosa nesse
processo.
Por fim, agradeço a todos coadjuvantes e protagonistas desta história, que fizeram
parte não apenas deste momento, mas de minha vida, aos que já saíram de cena, mas fizeram
parte do enredo e deram sentido à narrativa. Por participarem, inevitavelmente, dos dramas e
acrescentarem suas particularidades, suas vidas. Que essas se tornem histórias contadas,
biografias de cinema. Diante de tudo, que esta totalidade seja conquista e saibamos perceber
as entrelinhas de nossa dramaturgia para acrescentar às nossas percepções de mundo e de
vida.
O cinema não deve ser nem exaltado como um
meio de fantasia coletiva nem condenado
como um mecanismo de mistificação
ideológica. Ele deve ser louvado como uma
tecnologia que intensifica e renova as
experiências de passividade e abjeção.
Steven Shaviro
José Bártolo
RESUMO
The present dissertation aimed to problematize and understand the gender relations through
the film "Today I want to return alone" (2014), fiction directed by the filmmaker Daniel
Ribeiro, as a tool of education under the bias of the filmic analysis. The film tells the story of
the blind teenager, Leonardo (Guilherme Lobo), who, through the discoveries and curiosities
typical of his age and in search of his own identity, finds himself in love with a new class
student. However, being blind and homosexual does not define it. They are only
characteristics of a young man who has fears and doubts like any other of his age. As a
research method, the film analysis was used, respecting the phases of decomposition and
reconstruction. The data were organized from two thematic axes - homosexuality and gender
normativity - with the intention of thinking about how the contemporary cinematographic
productions are meaning some themes that revolve around the problematic of the body and its
manifestations of identity, ethical-moral and political , In the sense of designing social
practices of gender. The results of the analyzes indicate that the film's proposal continues to
present the creation of new archetypes, at the moment when it exhibits a radical redefinition
and redistribution of gender in that it indicates that the male body can feel desire / affection
for another body of the same sex Without presenting feminine characteristics, transforming
the action of macho gender present in society.
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 10
1.1 APRESENTAÇÃO DO TEMA E PROBLEMÁTICA ...................................................... 10
1.3 OBJETIVOS ....................................................................................................................... 23
1.3.1 Objetivo Geral ............................................................................................................... 23
1.3.2 Objetivos Específicos ..................................................................................................... 23
1.4 METODOLOGIA ............................................................................................................... 23
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 86
10
1INTRODUÇÃO
Como descrito acima, o corpo é um campo plural, dotado de vários sentidos, o qual
pode ser analisado sob o viés das mais variadas ciências ou áreas do conhecimento. Sob a
óptica pós-estruturalista do gênero, não há divisão natural nem essencial de sexo e gênero.
Para Butler (1998, p.25) “talvez o sexo sempre tenha sido gênero, de tal forma que a distinção
entre sexo e gênero revela-se absolutamente nenhuma”. Sendo assim, para a autora, pensar
sexo como algo natural e gênero como algo cultural perde o sentido na medida em que
11
Para Butler (1998, p. 26), o gênero seria um fenômeno inconsciente e contextual, que
não denotaria um ser substantivo, aquele que é idêntico, “mas um ponto relativo de
convergência entre conjuntos específicos de relações, cultural e historicamente convergentes”.
No entanto, pensar essa convergência inconsciente e histórica não seria negar a dimensão
biológica do corpo, pois, como já mencionava Canguilhem (2005), a sociedade regulariza o
organismo e a normatividade social se funde com a normatividade social, essa é uma
característica – norma – do ser enquanto vida.
O corpo, como vetor de gênero, é um agenciamento em constante construção e o
sujeito se constrói, enquanto gênero, através de um acoplamento de fluxos assimétricos. Em
suma, o sujeito é o contexto em que ele é produzido. Este sujeito e este contexto, na menção
de Deleuze e Guattari (1996, p. 7), são máquinas que se retroalimentam: “o que há por toda a
parte são máquinas e sem qualquer metáfora: máquinas de máquinas, com suas ligações e
conexões. Uma máquina-órgão está ligada a uma máquina-origem: uma emite o fluxo que a
outra corta”. Nesse sentido, “nenhum sujeito é seu próprio ponto de partida; e a fantasia de
que o seja só pode desconhecer suas relações constitutivas refundindo-se com o domínio de
uma externalidade contrabalançadora” (BUTLER, 2003 p.18).
Pensar as questões ligadas ao gênero através das imagens e narrativas, seja visual ou
audiovisual, como objeto de discussão e análise é propor uma abordagem aprofundada, que
leve em conta aspectos diferenciados. Para Gardies (2008), na contemporaneidade, o cinema
continua sendo particularmente precioso para a análise de questões que envolvem as
identidades culturais. Nesse sentido, trazer o corpo e sua relação com o gênero como cerne de
discussão através de produções cinematográficas, é pensar nas possibilidades de suas
articulações políticas numa sociedade que está constantemente a inscrever no corpo os seus
mais variados enredos.
Duarte (2002, p.13), amparada no sociólogo francês Pierre Bourdieu, menciona que:
grau de afinidade que elas mantêm com as artes e a mídia – é o que lhes
permite desenvolver maneiras de lidar com os produtos culturais, incluindo o
cinema (DUARTE, 2002, p.13).
Na menção de Dantas Junior (2012, p. 67), “o cinema é uma atividade educativa por
excelência. Sua capacidade narrativa se transmuta em uma didática inebriante para formar
percepções do mundo”, motivo pelo qual acreditamos que ele possa contribuir na formação
dos estudantes. Ainda, a fim de justificar nossa pesquisa trazemos novamente a voz de Dantas
Junior (2012), quando este se refere à arte/cinema como possibilidade de educação:
apontam que a análise fílmica tem sido um tipo de produção realizada para satisfazer uma
demanda institucional, quer seja um texto acadêmico de graduação, pós-graduação ou uma
publicação em revistas.
Duarte (2002, p. 98) cita que o filme, do ponto de vista da pesquisa, é objeto
delimitado que “pode ser ‘lido’ e analisado como texto, fracionando-se em suas diferentes
estruturas de significação e reorganizando-as novamente segundo critérios previamente
estabelecidos de acordo com o objetivo que se quer atingir”. Logo, a presente dissertação de
mestrado buscou apresentar, a partir do cinema, questões ligadas ao gênero sob o viés da
análise fílmica.
Dessa forma, foi feita a análise do filme Hoje eu quero voltar sozinho, produção de
Daniel Ribeiro no ano de 2014, buscando, por meio deste, o aprofundamento da temática. O
filme é analisado com base em dois eixos temáticos, no qual o primeiro diz respeito à
homossexualidade, e o segundo, intitulado normatividade de gênero, com o intuito de se
pensar como as produções cinematográficas contemporâneas estão significando alguns temas
que giram em torno da problemática do corpo e suas manifestações identitárias, ético-morais e
políticas no sentido de projetar práticas sociais de gênero. Apesar de percebermos que as
discussões sobre gênero e sexualidade avançaram no âmbito social e, por consequência, nas
discussões da educação, estes dois eixos temáticos, aqui suspensos para análise, ainda são
temas considerados, por vezes, polêmicos e complexos para o contexto da escola.
Segundo Louro (2000), conformado na estreita divisão entre mente e corpo, o campo
educacional frequentemente rejeita, abafa, desqualifica ou ressignifica os temas relativos à
sexualidade. Por isso, acreditamos que, para melhor compreendermos as relações de gênero,
faz-se necessário colocar em questão os sistemas de pensamento ocidental crescido com base
nas taxionomias aristotélicas e cartesianas, cujo fundamento é o pensamento binário ou
dicotômico. A dicotomia entrava o pensar as questões de sexualidade e gênero, pois:
Prossegue Foucault (2009, p. 233) afirmando que, “foi por volta de 1870 que os psiquiatras
começaram a constituí-la como objeto de análise médica, ponto de partida, certamente, de
toda uma série de intervenções e de novos controles”. Hoje, tal como antes, a sexualidade
permanece como alvo privilegiado da vigilância e do controle das sociedades. Ampliam-se e
diversificam-se suas formas de regulação, multiplicam-se as instâncias e as instituições que se
autorizam a ditar-lhe normas (LOURO 2008).
Ao longo de sua história, a educação brasileira estrutura-se a partir de discursos que
ditam um conjunto dinâmico de valores, normas e crenças, responsável por reduzir a figura do
outro, considerado estranho, inferior, pecador, doente, pervertido, criminoso ou contagioso,
todos aqueles e aquelas que não se adequam com o único componente valorizado pela
heteronormatividade, ou seja, centrado no adulto, masculino, branco, heterossexual, burguês,
física e mentalmente normal. Assim, os sujeitos que, por alguma razão ou circunstância,
escapam da norma e promovem uma descontinuidade na sequência sexo/gênero/sexualidade,
são tomados como minoria e colocados à margem das preocupações de um currículo ou de
uma educação que se pretenda para a maioria (LOURO, 2000).
No contexto dessas reflexões, muitas pesquisas, equivocadamente, tendem a chamar
os homossexuais de minorias, porém, “hoje estas chamadas minorias sexuais estão muito mais
visíveis e, consequentemente, torna-se mais explícita e acirrada a luta entre elas e os grupos
conservadores” (LOURO, 2001, p. 542), já que são inúmeras situações de discriminação para
todos aqueles que não sintonizam o padrão heteronormativo. A heteronormatividade está na
ordem das coisas e no cerne das concepções curriculares, mostrando-se a escola como
instituição fortemente empenhada na reafirmação e na garantia do êxito dos processos de
heterossexualização e de incorporação das normas de gênero, colocando sob vigilância todos
os corpos.
Histórica e culturalmente transformada em norma, produzida e reiterada, a
heterossexualidade hegemônica e obrigatória torna-se o principal suporte da
heteronormatividade (LOURO, 2009). Não por acaso, heterossexismo e homofobia instauram
um regime de controle e vigilância não só da conduta sexual, mas também das expressões e
das identidades de gênero. Por isso, pode-se afirmar que o heterossexismo e a homofobia são
manifestações de sexismo, não raro associadas a diversos regimes normativos, normalizadores
e estruturantes de corpos, sujeitos, identidades, hierarquias e instituições (JUNQUEIRA,
2009a).
Infelizmente, a escola, muitas vezes, configura-se como um lugar de opressão,
discriminação e preconceitos, no qual, e em torno do qual, existe um preocupante quadro de
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violência a que estão submetidos (as) milhões de jovens e adultos homossexuais, muitos dos
quais vivem, de maneiras distintas, situações delicadas de internalização da homofobia,
negação, autoculpabilização e autoaversão (MENEZES, 2012). Portanto, quando
redirecionamos nossos olhares para o gênero atrelado à sexualidade e suas temáticas, neste
caso, a homossexualidade e a normatividade de gênero, deparamo-nos com “teorias
pedagógicas, psicológicas, sociológicas e/ou biológicas essencialistas, que acabam por
convergir para conclusões reducionistas e normatizadoras” (SOUZA; DINIS, 2010, p. 120).
No entorno de todo esse contexto, ao apresentar, a partir do cinema, questões ligadas
ao gênero, buscando, por meio deste, o aprofundamento da temática, analisada sob os dois
eixos temáticos supracitados, realizaremos a atividade de análise fílmica, que consiste na
decomposição ou desconstrução do texto fílmico, analisado separadamente em suas
composições. Segundo Vanoye e Goliot-Lété (1994, p.15), “é comum aceitar que analisar
implica duas etapas importantes: em primeiro lugar decompor, ou seja, descrever e, em
seguida, estabelecer e compreender as relações entre esses elementos decompostos, ou seja,
interpretar”.
Sendo o objetivo da análise a explicação e funcionamento de um determinado filme,
assim como a proposta de uma interpretação para o mesmo, a análise deve contemplar, na
obra, “suas características poéticas e estéticas, mantendo com estas um diálogo da forma
como ela se inscreve na tradição e história cinematográfica” (FRANÇA, 2002, p. 60-61).
1.2 JUSTIFICATIVA
1
Conceito formulado a partir das discussões trazidas do movimento feminista para expressar contraposição ao
sexo biológico e aos termos “sexo” e “diferença sexual”, distinguindo a dimensão biológica da dimensão sexual
e, acentuando através da linguagem, “o caráter fundamentalmente social das distinções baseadas no sexo”
(SCOTT, 1995, p.72).
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ilustração, anexo, acessório do texto que ainda é o mais forte referencial para a escola
(HOLLEBEN, 2007).
Holleben (2007) afirma que essa pouca utilização e inadequação, no ambiente escolar,
ocorrem por diversos fatores. Um deles é a dificuldade em adotar o cinema como
conhecimento, pois, no imaginário escolar, o tratamento da arte cinematográfica sofre dos
mesmos preconceitos das demais, isto é, seu uso na escola se faz pela via do entretenimento,
da diversão, da ilustração do conhecimento que está em outras fontes mais confiáveis. No
entanto, no exercício de reflexão apresentado na presente pesquisa, o cinema passa a ser um
espaço de ensino e aprendizagem de fundamental importância para a formação das gerações
presentes e futuras, afirmando-se como um instrumento de validade científica para ser usado
na educação escolar.
Assim, um dos principais argumentos para a escrita deste texto foi no sentido de
desmistificar a educação da escola e o conhecimento dos livros, para tratá-los em outras
instâncias educativas. No caso específico desta dissertação, o cinema é espaço de ensino e
aprendizagem, uma vez que este produz conhecimentos e pode ser considerado um aparato
sociocultural comprometido com a transformação da sociedade escolar. Cabe aqui destacar
uma conquista, no que tange ao cinema como instrumento pedagógico de educação. Em 26 de
junho de 2014, foi aprovado o acréscimo do parágrafo 8º ao Artigo 26 da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (Lei n.º 9394/96), que estabelece: “a exibição de filmes de
produção nacional constituirá componente curricular complementar integrado à proposta
pedagógica da escola, sendo a sua exibição obrigatória por, no mínimo, 2 (duas) horas
mensais”. Dessa forma, entende-se que a citada indicação na Lei oportuniza aos jovens
escolares um acesso de maneira significativa às produções cinematográficas.
Sempre foram presentes, no sistema escolar e nas políticas públicas de educação
brasileira, inquietações em torno da construção de sujeitos e de relações entre sujeitos dotados
de corpos, gêneros e sexos. Ainda que de maneiras distintas e comumente enviesadas, tais
preocupações se concentravam (e ainda concentram) na finalidade de fazer da escola um
ambiente de normalização, disciplinamento e adequação de corpos, mentes, identidades e
sexualidades (VIDAL, 2003).
Não é casual a recente inclusão das questões de gênero, identidade de gênero e
orientação sexual na educação brasileira, a partir de um ponto de vista de valorização da
equidade de gênero e de ascensão de uma cultura de respeito e reconhecimento da diversidade
sexual. Uma perspectiva que põe sob suspeita as concepções curriculares hegemônicas e tende
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2
Grupo no qual produziu seu primeiro livro autoral, intitulado “Corpo e Governabilidade”, contendo um texto de
minha autoria em parceria com mais dois autores: DANTAS JUNIOR, H. S.; ZOBOLI, F.; SILVA, M. S. O
corpo “em-cena”: o cinema como proposta pedagógica no Ensino Médio. In: ZOBOLI, F.; SILVA, R. I. da;
BORDAS, M. A. G. Corpo e Governabilidade. São Cristóvão: Editora UFS, 2016. Essa obra serviu como base
para a produção desta dissertação.
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Para isso, optou-se por integrar a Orientação Sexual nos Parâmetros Curriculares
Nacionais por meio da transversalidade. Propõe-se que a Orientação Sexual, proporcionada
pela escola, aborde, com os estudantes, as repercussões das mensagens transmitidas pela
mídia, pela família e pelas demais instituições da sociedade. Trata-se de preencher lacunas
nos conhecimentos que esses já possuem e, principalmente, criar a possibilidade de constituir
opinião a respeito do que lhes é ou foi apresentado. A escola, ao propiciar informações
atualizadas do ponto de vista científico e ao mencionar e debater os diversos valores
associados à sexualidade e aos comportamentos sexuais existentes na sociedade permite, ao
aluno, desenvolver atitudes coesas com os valores que ele próprio elege como seus. É,
portanto, mediante o diálogo e a reflexão, pautando-se sempre pelo respeito a si próprio e ao
outro, que o aluno alcançará modificar, ou reafirmar concepções e princípios, estabelecendo
de maneira significativa seu próprio código de valores (BRASIL, 1997).
seja, um local de questionamento das relações de poder e de análise dos processos sociais de
produção de diferenças e de sua tradução em desigualdades, opressão e sofrimento (BRASIL,
2007).
É importante esclarecer que a escola tem um papel fundamental no combate contra o
preconceito e a representação de desigualdades na sociedade. Assim, é imprescindível ter um
olhar atento para as questões da diversidade sexual e das construções de gênero para, desta
forma, intervir nos processos de preconceito e de discriminação, compreendendo que existem
corpos distinguidos por distinções biológicas, mas que, também, são marcados pela
socialização (SILVEIRA, 2010). De acordo com o referido autor, se o gênero é construído por
relações sociais, pela família, pela escola, pelos processos de socialização e pela mídia, parte-
se do pressuposto de que este, além disso, pode ser reconstruído, desconstruído, discutido,
transformado em busca de uma igualdade social entre homens e mulheres, do aspecto do
acesso a direitos sociais, políticos e civis.
A escola é um ambiente de socialização para a diversidade e para o questionamento da
aprendizagem do gênero e da sexualidade, contudo a não visualização dessas questões
comprova a necessidade de investimento na formação dos/as professores/as para aprofundar o
debate com os/as alunos/as, pois, mesmo que as concepções étnico-raciais, de gênero e/ou
econômicas já estejam, aos poucos, sendo contempladas, as dimensões sociais e políticas da
sexualidade permanecem às margens (SILVEIRA, 2010).
Tomando como referência Silveira (2010), podemos concluir que educar para um
mundo mais justo, é não educar meninos e meninas de uma forma radicalmente distinta,
levando-se em conta que a escola deve estar atenta para não permitir a reprodução do
preconceito contra as mulheres e contra todos aqueles que fogem a masculinidade
hegemônica.
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1.3 OBJETIVOS
1.4 METODOLOGIA
Para a realização desta dissertação, optamos pela abordagem de viés qualitativo, sem a
pretensão de se apropriar de dados quantitativos, mas buscar analisar elementos apresentados
no contexto social, os quais envolvem conceitos, valores e comportamentos. De acordo com
Manning (1979 apud NEVES, 1996, p.01), a pesquisa qualitativa “tem por objetivo traduzir e
expressar o sentido dos fenômenos do mundo social”, compreendendo um conjunto de
técnicas interpretativas que visam descrever e decodificar os componentes de um sistema
complexo de significados. De acordo com Rodrigues (2006):
trabalho de descrição tem caráter fundamental em um estudo qualitativo, já que é por meio
dele que os dados são coletados.
Contudo, nesta pesquisa, foi adotado o método de análise fílmica proposto no livro
Ensaio Sobre a Análise Fílmica, de Francis Vanoye e Goliot-Lété (1994), no qual buscamos
aprofundar através de um recorte, o contexto da relação corpo e gênero da nossa amostragem,
o filme Hoje eu quero voltar sozinho, de Daniel Ribeiro (2014). De acordo com Vanoye e
Goliot-Lété (1994, p.13), quando vemos um filme criamos impressões, intuições, emoções
que faz com que nos deparemos em atitudes de “analisante”. Essa “análise” vem relativizar as
imagens “espontaneístas” apresentadas na obra. Tais fatos estão ligados à relação que se
estabelecem no primeiro momento entre espectador e filme, o que permite, através dessa
primeira relação, construir fundos de hipóteses sobre o filme assistido. Porém, a análise não
pode restringir-se com base apenas nas primeiras impressões, o que significa que essas
hipóteses do contrário, deverão ser averiguadas concretamente por “um verdadeiro processo
de análise”.
A análise fílmica se dá, geralmente, por meio da produção escrita, sendo
imprescindível no enquadramento dessa análise, “a definição do contexto e do produto final
[...]. O que permite esboçar, pelo menos em parte, seus limites, suas formas e seus suportes,
seu ou seus eixos (ou, pelo menos, a possibilidade de maior, ou menor escolha de eixos)”
(VANOYE; GOLIOT-LÉTÉ, 1994, p. 10). É, portanto, de suma importância compreender os
processos aos quais deve ocorrer esse método de análise. Sendo assim, o tipo de análise
proposta por Vanoye e Goliot-Lété (1994) se dá com base nos instantes apresentados a seguir:
OS COMPONENTES DO PLANO
Definição
O plano é a porção do filme impressionada pela câmera entre o início e o final de uma
tomada; num filme acabado, o plano é limitado pelas colagens que o ligam ao plano anterior
e ao seguinte.
Componentes do Plano
1. A duração (do “instantâneo fotográfico” ao plano que esgota a capacidade total de carga
do filme na câmera).
2. Ângulo de filmagem (tomada frontal/tomada lateral, etc.).
3. Fixo ou em movimento (câmera fixa/câmera em movimento: panorâmica, movimento
com a grua, câmera na mão, etc.; objetiva fixa/zoom: movimento óptico). Este plano realiza
a conjunção de um único plano e de uma unidade narrativa (de lugar ou de ação).
4. Escala (lugar da câmera com relação ao objeto filmado): plano geral ou de grande
conjunto; plano de conjunto, plano de meio conjunto; plano médio (homem em pé); plano
americano (acima do joelho); plano próximo (cintura, busto); primeiríssimo plano (rosto);
plano de detalhe (pormenor).
5. Enquadramento: inclui o lugar da câmera, a objetiva escolhida, o ângulo de tomadas, a
organização do espaço e dos objetos filmados no campo.
6. Profundidade de campo: de acordo com a objetiva escolhida, a iluminação, a disposição
dos objetos no campo, o lugar da câmera, a parte de campo nítida, visível, será mais ou
menos importante.
7. Situação do plano na montagem, no conjunto do filme: Onde? Em que momento? Entre o
quê e o quê?
8. Definição da imagem: cor/preto e branco, “grão” da fotografia, iluminação, composição
plástica, etc.
Fonte: Elaborado com base no livro Ensaio Sobre a Análise Fílmica de Vanoye e Golliot-Lété (1994).
3
É relevante salientar que, no capítulo referente às análises, estas não serão realizadas dispostas em quadros,
como aqui visualizadas, e sim no formato de texto corrido.
27
Vanoye e Goliot-Lété (1994) apontam para outros aspectos que, após observação e
descrição, devem ser vislumbrados numa análise fílmica e, por conseguinte, também sendo
observados nessa dissertação. São eles: o cenário (os elementos do cenário, o cenário com
relação aos acontecimentos, a função do cenário na cena), elemento este que possui uma
função mais semântica do que estética; nenhum elemento do cenário é gratuito; os
personagens (física e implicitamente presentes, as relações que os vinculam); a direção e o
ritmo (mais cinematográfico do que teatral, assumido pela montagem e pela música, ligado à
intensidade emocional).
28
Neste capítulo, apresentamos o cinema como via de informação que, por meio de suas
percepções do mundo, torna-se atividade importante para a socialização e inserção de pessoas
no mundo da cultura. Considerando essa perspectiva, fizemos uma ponte ligando essa via ao
fator educação, a fim de relacioná-la com a teoria e a prática educativa, qual seja, o cinema
como ferramenta pedagógica. Adotamos, igualmente, uma abordagem inter e transdisciplinar
de apresentar o corpo através do cinema e sua relação com diversos temas, mais precisamente
com a temática de gênero.
4
A revista Cahiers du Cinéma, publicação francesa, apresentava artigos de diretores e críticos defendendo o
reconhecimento da autoria dos diretores cinematográficos. A revista Screen, publicação inglesa, tinha, por sua
vez, aspecto semiótico, realizando análises ideológicas e psicológicas dos filmes (FANTIN, 2007).
30
Nesse sentido, de acordo com Fantin (2007, p. 01), o cinema pode ser compreendido a
partir de diversas dimensões, tais como, estéticas, cognitivas, sociais e psicológicas
relacionadas com “o caráter instrumental, educar com e para o cinema, e com o caráter de
objeto temático, educar sobre o cinema”. A educação pode apresentar o cinema como
instrumento, objeto de conhecimento, meio de comunicação e meio de expressão de
pensamentos e sentimentos. No entanto, considerar o cinema como um meio não significa
restringir seu papel sociocultural a uma ferramenta didático-pedagógica destituída de
significação social, pois este possui uma importante função na construção de significados e os
diversos modos de assistir aos filmes fazem com que estes ajam diferentemente conforme o
contexto.
cognição, gera a apropriação dos significados trazidos no seu interior (BARBOSA; CUNHA,
2006).
Concordamos com Duarte (2002, p. 17) quando este menciona que: “ver filmes, é uma
prática social tão importante, do ponto de vista de formação cultural e educacional das
pessoas, quanto à leitura de obras literárias, filosóficas, sociológicas e tantas mais”. Essa
afirmativa se constitui por entender o cinema como símbolo e representação de uma cultura
que, através do contato com seus signos, é possível criar, recriar significados e traçar novas
compreensões das representações normalizadas ou pré-estabelecidas até então, vistas no dia a
dia. A esse respeito, Barbosa e Cunha (2006, p. 58) afirmam que “[...] as imagens fílmicas, tal
como mitos, rituais, vivências e experiências, condensam sentidos e dramatizam situações do
cotidiano, descortinando a vida social e seus contextos de significação”.
Segundo Carmo (2003 apud PIOVESAN; BARBOSA; COSTA, 2010), educar
através do cinema, ou utilizá-lo no processo escolar, é ensinar a ver diferente, significa educar
o olhar, compreender os enigmas da modernidade na moldura do espaço imagético. Nessa
discussão, Santos, Caminha e Freitas (2012), ao tratar da relação professor-aluno, estabelecem
que é nas interações pedagógicas que o professor tem que buscar meios para conduzir o
processo de aprendizagem, no qual é muito importante na busca dos sentidos dos fatos.
Segundo Goulart (2003, p.159), “é possível reinventar a escola através do cinema porque este
permite uma reflexão sobre o ser humano na sua universalidade”. Por conseguinte, o professor
necessita saber interpretar as imagens, possa entendê-las por meio de uma cultura
cinematográfica, a comunicação do cinema, realizando desta forma, o rito de passagem do
espectador passivo para o espectador crítico.
Nesse contexto, encontra-se exposta a relevância da escola como uma instância
educadora, compreendendo que a sua função é garantir ao aluno a participação na vida
política produtiva, a partir do momento em que lhe proporcionar a assimilação dos
conhecimentos historicamente produzidos, instrumentalizando-o para que esta participação se
dê de forma positiva e efetiva (KLAMMER et al., 2006). Dessa forma, é perceptível a
necessidade de atuação da escola na formação de indivíduos críticos e conscientes de seu
papel enquanto integrantes de uma sociedade.
A partir do momento em que a escola possibilitar um diálogo crítico com as mídias
estará colaborando para essa politização, de modo que os indivíduos compreendam as
mensagens e ideologias por elas difundidas (KLAMMER et al., 2006). Sendo assim, pode-se
perceber que o uso desse meio de comunicação pode ajudar a ampliar e avançar na formação
cultural tanto do professor quanto do aluno. A arte cinematográfica contribui para disseminar
33
a arte e a cultura, podendo exercer influência positiva nos estudantes e professores quando
bem utilizadas.
Nesse sentido, segundo Klammer et al. (2006) não compete ao professor ignorar as
informações originadas por intermédio dos meios de comunicação, mas sim desfrutar destas
informações e incorporá-las de forma ativa e construtiva nas suas aulas, com a finalidade de
tornar mais dinâmico o processo de ensino-aprendizagem, estabelecendo consequentemente
uma maior aproximação entre a escola e os meios de comunicação, especificamente o cinema.
A escola não pode ser, segundo Kenski (1996, p.134), um “local de tradição cultural”, mas
sim “de produção cultural e social”, produzindo novas culturas sem ignorar o que há de novo.
A função do professor é constituir com o aluno, relações indispensáveis entre os
conteúdos obtidos na escola e as leituras do cotidiano, mas, se o cinema ou qualquer outro
recurso multimídia for aproveitado somente como um instrumento, este não passará de mais
um recurso didático-pedagógico, restringindo, deste modo, as múltiplas possibilidades de seu
uso (KLAMMER, 2006). Por conseguinte, não basta incorporar o cinema nas atividades
escolares, é preciso entendê-lo, não somente como um recurso didático pedagógico
contemporâneo, mas como um fundamento, o qual pode contribuir para uma nova forma de
construir o conhecimento (PRETTO, 1996).
De acordo com Ferreira et al. (2010), é imprescindível que o professor inclua o cinema
como instrumento educacional e compreenda que todo e qualquer filme pode ser utilizado
como ferramenta metodológica, desde que o professor se pergunte sobre a faixa etária e
escolar mais adequada, sobre como serão abordados em sua disciplina, quais os objetivos a
alcançar e que não considere somente a mensagem do filme, mas também a manifestação da
linguagem, da cultura e enxergue o conteúdo como forma de informação e apreensão do
saber.
É necessário, então, que o professor seja o mediador e esteja preparado para explorar
um filme colocado à disposição de seus alunos, para que o filme obtenha um sentido didático
34
Dessa forma, podemos perceber que a apropriação da educação mediante a arte seja
capaz de fazer gerar comportamentos condizentes com a vivência e com a cultura no
cotidiano, fazendo surgir nas pessoas, sensações, pontos de vista proporcionais ao avanço das
capacidades sensitivas. Nesse sentido, Duarte (2002, p.13) afirma que:
Com isso, devemos entender que, dentro e fora do contexto escolar, o cinema exerce
grande importância, pois, por ser produto e reprodutor da cultura, é algo que deve ser
vivenciado como produto cultural, digno de gerar benefício. A mídia cinematográfica é uma
importante ferramenta para trabalhar fluentes assuntos e tornar discursivos os temas que
abarcam as questões da modernidade. Nesse sentido, Dantas Junior (2012) acredita ser
importante ter o cinema como meio e produção constante da modernidade, em processo de
construção e reconstrução, sendo imprescindível haver uma sistematização para, a partir dessa
compreensão, exercer uma experiência orientada.
Ao se pensar em uma análise de imagens cinematográficas dentro de uma dinâmica
cultural, é possível extrair acepções pertinentes quando tal análise se apresenta como
possibilidade de revelar dados fundamentais sobre nossa própria sociedade e nosso modo de
pensar, instigando o pensamento e a reflexão. Na menção de Dantas Junior (2012, p. 67), “o
cinema é uma atividade educativa por excelência. Sua capacidade narrativa se transmuta em
uma didática inebriante para formar percepções do mundo”. Por seu lado, Duarte (2002, p.
86) argumenta que o cinema exerce, significativamente, um papel importante na formação
cultural das pessoas e ver filmes pode ser considerada uma prática usual em quase todas as
camadas sociais.
Por essas razões não se pode negar que “de um modo ou de outro, o cinema está
presente no universo escolar”. Entendidas essas questões, Coutinho (2002, p. 03-04) propõe
que,
O corpo é um campo plural, dotado de múltiplos sentidos, podendo ser analisado sob o
viés das mais variadas ciências ou áreas do conhecimento. Nesse sentido, Barbosa e Cunha
(2006, p. 53) afirmam que “as linguagens audiovisuais definem formas específicas de
apreensão do mundo e proporcionam estilos cognitivos e modos de compreensão e
interpretação próprios. Elas oferecem alternativas para a construção de modos de ver, elaborar
e construir conhecimentos”. Isso é, cada filme possui suas particularidades, mas, em sua
maioria, conserva um padrão que leva em conta a linguagem específica do cinema dando a
estes, possibilidades de sentidos, significações e interpretações diferentes.
Dessa forma, o filósofo francês Gilles Deleuze aponta, acerca do cinema,
potencialidades para se pensar o corpo desvencilhando o mesmo de uma lógica racional no
sentido de uma contemplação em nível de sensação.
5
Queremos agradecer ao Professor Dr. Hamilcar Dantas Júnior por ter contribuído com uma listagem de filmes
que foi feita a partir da obra de Antônio Leão da Silva Neto, Dicionário de filmes brasileiros (2006), publicado
pela Editora do Autor, São Paulo, sobre as mais variadas temáticas que compuseram esse capítulo. Os filmes
citados e relatados aqui foram contribuições desse professor que tem apreço e cultura a respeito de tão caro tema.
37
forma ou mais de apreensão e compreensão. Trabalhar com filmes exige saber que se está
trabalhando com a representação de um imaginário cotidianamente recriado e em movimento.
Pensar nas imagens e narrativas seja visual ou audiovisual como objeto de análise, é
propor uma abordagem aprofundada que leve em conta aspectos diferenciados. Para Gardies
(2008), na modernidade, os filmes continuam sendo particularmente preciosos para a análise
de questões que envolvem as identidades culturais. Nesse sentido, trazer as questões da
sexualidade e gênero como cerne de discussão através dos filmes, é pensar nas possibilidades
de suas articulações políticas numa sociedade que está constantemente a inscrever no corpo os
seus mais variados enredos.
Nesse momento, tentamos ilustrar filmes possíveis de olhar sobre o corpo, pelo corpo,
com o corpo e para o corpo partindo de temas geradores de debate: as expressões dos corpos
em culturas diversas, sua relação com o tempo, o espaço, a natureza e a sociedade; corpo e as
concepções sobre normalidade e deficiência; corpo e sua mercadorização sob as mais diversas
práticas sociais e culturais; corpo e as demandas das novas tecnologias, gestando os corpos
híbridos (fusão corpo/tecnologia); os usos cada vez mais comuns de substâncias psicoativas
que podem, inclusive, gerar dependência química, sobretudo gerar sentimentos de opressão
social; corpo, sexualidade e gênero.
Em um mundo globalizado no que se refere a ver, mediante as multimídias, o outro,
mas, ainda provinciano no entender e aceitar as diferenças do outro, o cinema tem
oportunizado o acesso a culturas distintas e suas formas de se relacionar social e
culturalmente. Filmes de nacionalidades diversas têm ampliado as formas de ver o mundo e a
escola deve ser um terreno que estimule esses olhares com uma mediação consistente de seu
corpo docente. Particularmente, admiramos e entendemos ser uma cinematografia acessível
aos alunos e que possibilitam superar preconceitos enraizados contra o islamismo e países
como o Irã. Os filmes iranianos são muito sensíveis e focam questões ricas ao
desenvolvimento da infância, dos impactos sociais, culturais e econômicos sobre a vida dos
sujeitos. Cabe visualizar alguns filmes como: Vida e nada mais (e a vida continua...) (Abbas
Kiarostami, 1992); O balão branco (Jafar Panahi, 1995); Filhos do paraíso (Majid Majidi,
1997); A caminho de Kandahar (Mohsen Makhmalbaf, 2001); Tartarugas podem voar
(Bahman Ghobadi, 2005); Fora do jogo (Jafar Panahi, 2006).
Por conseguinte, caberia aos professores conhecer a obra de alguns cineastas
internacionais, de distintas nacionalidades, que ampliam nossas visões de mundo e aguçam
nossa sensibilidade. Dentre vários, cabe destacar: Ousmane Sembene (Senegal), Miklós
Jancsó e Istvan Szabo (Hungria), Andrzej Wajda e Krisztof Kieslowski (Polônia), Emir
39
Anatomia (Stefan Ruzowitzky, 2000); Paradise Now (Hany Abu-Assad, 2005); Tudo por
dinheiro (D. J. Caruso, 2006).
A contemporaneidade tem apresentado novas demandas tecnológicas sobre o corpo,
que levam estudos atuais a pensar sobre sua fusão com a tecnologia, no sentido de se pensar
problemas de cunho epistemológico e ontológico oriundos dessa hibridização. Assim,
encontramos diversas tramas onde a dimensão corporal tem sido alterada sob diversas formas
tecnológicas, retratadas em filmes que mostram o hoje a filmes que profetizam futuros
distópicos. O cinema tem sido fértil na exposição desse tipo de película. Filmes como: Blade
Runner, caçador de androides (Ridley Scott, 1982); 1984 (Michael Radford, 1984); Robocop,
o policial do futuro (Paul Verhoeven, 1987); Gattaca – experiência genética (Andrew Niccol,
1997); Matrix (Andy e Larry Wachowsky, 1999); S1m0ne (Andrew Niccol, 2002); A ilha
(Michael Bay, 2005); A pele que habito (Pedro Almodovar, 2011).
A escola é um espaço fundamental na discussão do uso de substâncias psicoativas que
provocam prazer, estabelecem aproximações entre os sujeitos, estimulam a desinibição,
porém geram dependências químicas e sociais muito sérias. Para além e discussões
moralistas, à escola cabe tencionar com essas questões e o cinema pode ser uma janela
interessante para olhar a problemática e estimular o debate. Cabe visualizar filmes como:
Farrapo humano (Billy Wilder, 1945); O homem do braço de ouro (Otto Preminger, 1955);
Eu, Christiane F., drogada e prostituída (Ulrich Edel, 1981); Quando um homem ama uma
mulher (Luis Mandoki, 1994); Despedida em Las Vegas (Mike Figgis, 1995); Diário de um
adolescente (Scott Kalvert, 1995); Medo e delírio (Terry Gilliam, 1998); 28 dias (Betty
Thomas, 2000); Réquiem para um sonho (Darren Aronofsky, 2000); Ray (Taylor Hackford,
2004); Meu nome não é Johnny (Mauro Lima, 2008).
Já anunciando questões mais diretivas ao âmbito do corpo com foco nas relações de
gênero, que é o objeto de estudo dessa dissertação, é possível explorar filmes que enfatizem o
papel da mulher na sociedade, suas lutas, desejos e repressões, bem como as impressões sobre
gênero, transgêneros e orientações sexuais. Sugerimos, nesse contexto, filmes como: Onda
nova (José Antônio Garcia e Ícaro Martins, 1983); Uma equipe muito especial (Penny
Marshall, 1992); Billy Elliot (Stephen Daldry, 2000); Driblando o destino (Gurinder Chadha,
2002); Madame Satã (Karim Aïnouz, 2002); Juwanna Man (Jesse Vaughan, 2002); Osama
(Siddiq Barmak, 2003); Menina de ouro (Clint Eastwood, 2004); O segredo de Brokeback
Mountain (Ang Lee, 2005); Fora de jogo (Jafar Panahi, 2006); Gracie (Davis Guggenheim,
2007); De repente, California (Jonah Markowitz, 2007); Praia do futuro (Karim Aïnouz,
2014).
41
desconhecido, que desafia nossos limites, compreensões e nos torna mais abertos e receptivos;
a escola deve sustentar-se no conhecimento acessível a todos que queiram, não por obrigação
ou porque serve para alguma coisa, mas por que serve à eternidade, à nossa vida e nosso
crescimento; a escola deve nos dar chaves para decifrar as experiências das disciplinas, das
artes, das práticas, tornando-nos mais participativos, analíticos e críticos.
Se pensarmos o cinema como um produto da cultura, que não apenas reflete uma
realidade, mas também a produz, podemos mencionar que o corpo, no âmbito das narrativas
fílmicas, aparece coerente a um contexto de verdades na medida em que não causa
estranhamento nos seus modos de figurar. Se mudarmos a mirada e pensarmos o cinema
enquanto arte, veremos nele a tentativa de desarticular os modos de vida produzidos pela
sociedade para sentir/pensar/agir o corpo. O cinema é, enquanto arte, um dispositivo que
propõem uma determinada resistência às normas e valores estabelecidos no que tange a
educação do corpo convencional.
Arte ou cultura? Entre essa dúvida, uma palavra: o cinema. Produto da Revolução
Tecnológica sucedida em meados do século XIX, esse meio de comunicação surgiu,
primeiramente, com finalidade científica, sem responsabilidade alguma de produção artística
ou de agente motivador de crítica social. Com o passar do tempo, estruturas organizacionais
se desenvolveram e constituíram novos caminhos de percepção para essa tecnologia. Não
mais se limitava sua utilização à experiência científica, agora, exercia também, o papel de
entretenimento e documentação para a sociedade, que logo se adaptou a essas novas formas
de organização cinematográfica. Isso foi, objetivamente, uma leitura mais apurada da própria
organização social que modificava suas estruturas econômicas, políticas e culturais.
Retomando a pergunta supracitada percebe-se que um ponto se liga ao outro como uma
grande reação em cadeia (CAROLLI; VARÃO, 2009).
Enquanto arte, o cinema se comunica, isto é, apela aos sentimentos, ao intelecto e à
imaginação de um círculo maior ou menor de contemporâneos, sendo capaz de produzir um
efeito especificamente estético. A estética é o parâmetro utilizado para ligar o cinema a
fenômenos artísticos, de modo que a estética do cinema é o estudo do cinema como arte, o
estudo dos filmes como mensagens artísticas. Essa reflexão sobre os fundamentos estéticos de
um filme traz consigo, subentendido, o conceito de belo e com ele a fruição oferecida ao
44
espectador. O domínio das técnicas e sua evolução são pontos indissociáveis ao analisarmos a
obra fílmica. (CAROLLI; VARÃO, 2009).
Apesar de sua vocação tecnocientífica, o cinema, como foi citado anteriormente, não
se delimitou a apenas essa definição. Era uma forma de entretenimento visto pelas massas,
alcançando lugares em que a verdadeira arte não era veiculada e nem queria ser. O fato é que,
sua análise começou a ir além de sua técnica ou de suas teorias, fazendo com que cineastas se
propusessem a fazer desse uma nova expressão, já que além dessas questões essencialmente
ligadas a regras e convenções, devemos considerar que o cinema se fez cinema-arte também
quando cineastas transformaram os filmes em reflexos de uma personalidade coletiva que
expressava sua subjetividade (CAROLLI; VARÃO, 2009). Filmes com abordagens
ideológicas e subjetivas, segundo Carolli e Varão (2009), são importantes para o acervo dessa
arte, porém sem generalizações, pois, temas como esses, por si só não sustentam a posição de
uma obra de arte, sua fruição ou seu questionamento crítico.
De acordo com Benjamin (1983 apud SILVA, 2006), o cinema é, sob outros aspectos,
uma forma que subverte a função clássica da obra de arte, porquanto, ancorado na reprodução
técnica, sustenta que o ideal das formas belas fica comprometido com o dinamismo desse
novo tipo de arte. As sucessivas tomadas, quando da montagem de um filme, as cenas
repetidas, os cortes na sucessão do tempo, dentre outros, confirmam o abandono da noção
tradicional da bela aparência, da obra como forma constituída. O entendimento do cinema,
numa dimensão de cultura, fica compreendido como processos de significação, sendo tomado
como uma opção compreensiva das maneiras como determinadas práticas sociais atuam nas
pautas de regulação de comportamentos.
Nesses termos, essa análise, situada no terreno da cultura, tende a observar esta sua
força produtiva em si e o lugar dos objetos cultivados, incorporados pelos indivíduos nos
processos de significação da vida. Os significados e valores entretidos nos usos da cultura,
uma vez aprendidos, podem enriquecer a vida das pessoas, regular a sociedade e ser
transmitidos para outros indivíduos e gerações por meio de estratégias formais ou informais,
compondo a herança social de um determinado grupo ou de toda uma sociedade. No caso aqui
específico, os aprendizados ocorridos nas experiências do cinema, tornam-se práticas de
formação cultural cujas expressões simbólicas encontram repercussão duradoura e substancial
nos percursos de vida de agentes culturais (SILVA, 2013).
Pode-se avaliar tal assertiva quando observamos a eficácia do cinema em se tornar um
bem de compreensão, com importância para determinadas relações sociais. Isso pode ser
melhor avaliado no fato do cinema ser uma prática de inscrição corporal, que gera
45
Ver, pensar, analisar, fazer um filme sob o aspecto da cultura ou sob a perspectiva da
arte exige de nós posturas políticas diferentes. Mesmo que a ficção, em maior ou menor grau,
afete o corpo no filme, ele sempre estará preso a um território onde o espectador encontrará
sentidos semelhantes de interferência na construção de imaginários. O limite de
territorialização, assim como o de desterritorialização, num filme fica preso à capacidade do
diretor de politicamente o apresentar sob a perspectiva da cultura, ou sob a perspectiva da
arte.
46
3 GÊNERO E SEXUALIDADE
estudo sobre as mulheres e sobre os sexos para o estudo das relações de gênero (CRUZ,
2014).
No seu uso mais atual, o gênero surgiu primeiro entre as feministas americanas, que
queriam persistir no caráter fundamentalmente social das distinções baseadas no sexo. A
palavra indicava uma rejeição ao determinismo biológico tácito no uso de termos como sexo
ou diferença sexual, como também sublinhava o aspecto relacional das definições normativas
das feminilidades (SCOTT, 1995). É, pois, a partir da observação e do conhecimento das
diferenças sexuais do que é masculino e do que é feminino, que a sociedade estrutura as
representações de gênero. Por conseguinte, é de fundamental importância compreender essa
diferença para se discutir a igualdade, já que o conceito de gênero se refere às relações entre
mulheres e homens, mulheres e mulheres, homens e homens6.
Como elemento de construção social, afetado pelo poder social, impõe um tipo de
feminilidade, através de um determinado sistema gênero/sexo, sua hierarquia muda a cada
momento da história, converte-se em ritual, impõe obrigações e direitos, estabelece marcas,
grava recordações, inclusive grava, nos corpos, suas marcas (CONNELL, 1987 apud CRUZ,
2014). A divisão sexo/ gênero torna-se uma espécie de pilar da política feminista e parte da
ideia de que o sexo é natural e o gênero é socialmente construído. O conceito de gênero,
culturalmente construído e distinto do de sexo, como naturalmente adquirido, compôs o par
sobre o qual as teorias feministas, inicialmente, se fundamentaram para defender perspectivas
desnaturalizadoras, sob as quais se apresentava, no senso comum, a associação do feminino
com fragilidade ou submissão, o que ainda atualmente servem para justificar preconceitos.
Conforme Cruz (2014), quando se apresenta o discurso sobre as relações de gênero,
está se falando de poder, de machismo, uma ideologia compreendida como pertencente à
cultura que estrutura as relações de dominação dos homens sobre as mulheres. À medida que
as relações existentes entre masculino e feminino são relações desiguais, elas mantêm a
mulher subjugada ao homem e ao domínio patriarcal. De igual modo, Butler (2003) aponta
para o fato de que, embora a teoria feminista considere que há uma unidade na categoria
mulheres, paradoxalmente introduz uma divisão nesse sujeito feminista, ou seja, retira da
noção de gênero a ideia de que ele decorreria do sexo e discute em que medida essa distinção
sexo/gênero é arbitrária.
6
Na análise das desigualdades de gênero, não se pode abstrair as desigualdades de classe, etnicidade e raça que
de certa forma, tornam mais dramáticas as vivências dos indivíduos e, mais especificamente, das mulheres
(CRUZ, 2014).
48
Quando Butler (2003, p. 25) afirma que, “talvez o sexo sempre tenha sido o gênero, de
tal forma que a distinção entre sexo e gênero revela-se absolutamente nenhuma”, indicava,
assim, que o sexo não é natural, mas é ele também discursivo e cultural como o gênero. Na
perspectiva da autora, gênero não é exatamente o que alguém é, nem é precisamente o que
alguém tem. Gênero é o aparato pelo qual a produção e a normalização do masculino e do
feminino se traduzem junto com as formas hormonais, cromossômicas, físicas e performativas
que o gênero adquire. Para Butler (2014), supor que gênero exprime, exclusivamente, a matriz
masculina e feminina, significa não considerar o ponto crítico de que essa produção coesa e
binária é contingente.
Uma vez que gênero, sendo o mecanismo pelo qual as noções de masculino e feminino
são produzidas e naturalizadas, também pode ser o aparato através do qual esses termos
podem ser desconstruídos e desnaturalizados. “Manter o termo “gênero” em separado de
masculinidade e feminidade é salvaguardar uma perspectiva teórica que permite analisar
como o binarismo masculino e feminino esgotou o campo semântico de gênero” (BUTLER,
2014, p.254).
3.1.1 Homossexualidade
Foi a partir dos trabalhos desenvolvidos pelos grupos feministas, na década de setenta
do século passado, que as discussões sobre o conceito de gênero tornaram-se presentes,
questionando as representações tradicionais que definem o que é ser mulher ou ser homem.
Segundo Meyer (2003), o conceito de gênero representa todas as formas de construção social,
culturais e linguísticas implicadas com os processos que diferenciam homens de mulheres,
incluindo aqueles processos que produzem os corpos, distinguindo-os e separando-os como
corpos dotados de sexo, gênero e sexualidade.
Sob o ponto de vista de Louro (1998), não é propriamente o sexo ou não são
exatamente as características sexuais que nos permitem dizer o que ou quem é masculino ou
feminino, mas sim tudo aquilo que associamos aos sexos, a forma como representamos
determinadas características, comportamentos, valores e habilidades. As preocupações em
torno das sexualidades, das homossexualidades e das identidades e expressões de gênero
também não são novas, já que, no Brasil, foi a partir da segunda metade dos anos de 1980 que
elas começaram a ser discutidas mais abertamente, no interior de diversos espaços sociais.
51
Na visão de Seidman (1996 apud MIRANDA; GARCIA, 2012, p. 07), o queer seria o
estudo “daqueles conhecimentos e daquelas práticas sociais que organizam a ‘sociedade’
como um todo, sexualizando – heterossexualizando ou homossexualizando – corpos, desejos,
atos, identidades, relações sociais, conhecimentos, instituições sociais e cultura”.
Em um exercício de síntese, podemos dizer que a teoria queer parte de cinco ideias
fundamentais. Em primeiro lugar, as identidades são sempre múltiplas, compostas por
53
modo que essas características pareçam imutáveis. Nesse sentido, de acordo com Barreto
(2009), é comum os homossexuais sofrerem exclusão nos dias atuais, mostrando que muitos
são, inclusive, submetidos a constrangimentos no momento em que expõem sua identidade
em determinados locais, ou na presença de determinados grupos, chegando a sofrerem até
mesmo agressões físicas. Vemos essa exclusão se intensificar nos casos de homossexuais que
assumem posturas mais associadas com o feminino, isto é, assumindo um gênero discordante
com o seu sexo.
É possível observar essa exclusão a partir do momento que alguém se identifica como
homossexual, quando revela possuir uma orientação, uma identidade sexual diferente da
compartilhada pela maioria das pessoas. Em consequência, há a exclusão desse indivíduo por
parte de outros grupos, o que prejudica sua inserção, por exemplo, em determinadas religiões,
no mercado de trabalho, entre outros locais. Nesse contexto, conforme Barreto (2009), na
homossexualidade, essa tribo, além da busca de um campo simbólico, em que luta para ser
reconhecida por seus semelhantes. Em muitos casos, usa esses códigos e procura, nos
territórios de convivência, uma forma de se esconder do restante da sociedade, pelo medo do
preconceito, da rejeição, o que a obriga a criar códigos e estratégias de convivência
possibilitando, deste modo, que seus indivíduos participantes possam exercer sua identidade
de forma plena, sem ser repreendidos.
Essa situação leva à reflexão sobre a sociedade atual, com seus tabus e preconceitos,
de modo a permitir a discussão de formas de se amenizar este, que ainda é um problema para
muitos indivíduos, e que os afeta, significativamente, em sua maneira de agir perante a
sociedade como um todo.
O gênero pode ser considerado uma forma de regulação específica que apresenta
efeitos constitutivos sobre a subjetividade. As regras que regem a identidade inteligível são
parcialmente estruturadas a partir de uma matriz que institui uma hierarquia entre masculino e
feminino e uma heterossexualidade compulsória. Nesse sentido, o gênero não é nem a
expressão de uma essência interna, nem um simples artefato de uma construção social. O
gênero não é nem mesmo uma construção social imposta ao sexo. Butler (2014) afirma que o
gênero é uma norma, uma identidade construída, através do tempo, por meio de uma repetição
incorporada por gestos, movimentos e estilos.
55
Gênero é aqui compreendido, como o define a teórica queer Judith Butler, como
norma, como o mecanismo por meio do qual são produzidas e naturalizadas as noções de
masculino e de feminino. O efeito do gênero como substância, como classe de ser, é
estabelecido pela reiteração de uma série de gestos, movimentos e estilos corporais, que criam
a ideia de um corpo com gênero constante. A normatividade do gênero refere-se a propósitos,
aspirações, preceitos que norteiam as ações dos sujeitos e, também, ao processo de
normalização, que é a maneira como ideias dominam os corpos, estabelecendo os critérios
para a definição de um homem e de uma mulher normal (REIS; PARAÍSO, 2014).
Essas práticas classificam e dividem os corpos em dois grupos, estabelecendo, assim,
um não lugar para aqueles/as que não se enquadram no padrão cultural do corpo sexuado que
lhes foi atribuído no nascimento. Não há lugar para aqueles corpos que se situam nas
fronteiras, ou para aqueles que transitam entre as fronteiras culturais do gênero. Um corpo é
menino ou é menina. No entanto, mesmo não havendo um lugar reconhecido para os/as que
não se enquadram no padrão prescrito, as normas de gênero continuam a operar para separar
os corpos em masculinos e femininos (REIS; PARAÍSO, 2014).
Ainda de acordo com Reis e Paraíso (2014), ao instituir um padrão de classificação
dos corpos, os discursos os formam continuamente e, também, oferecem a eles um sentido do
que eles são, de como podem se situar culturalmente. Assim, os discursos não apenas
nomeiam ou descrevem corpos e sujeitos, mas participam de sua constituição.
sobre esses corpos, alguns discursos naturalizam e fixam diversas características corporais
como femininas ou masculinas. Assim, os corpos que escapam aos padrões divulgados como
normais, com relação ao gênero, ou são convocados a recobrarem a considerada normalidade,
ou são constituídos como corpos dos quais é necessário se afastar, isolar. De ambas as formas,
eles são posicionados como de menor valor, como corpos que não correspondem às
expectativas de manifestação do que se considera ser a essência heteronormativa, que visa
regular e normatizar modos de ser e de viver os desejos corporais e a sexualidade de acordo
com o que está socialmente estabelecido numa perspectiva biologicista e determinista, na qual
considera apenas duas possibilidades de locação dos sujeitos quanto à anatomia sexual
humana, ou seja, feminino/fêmea ou masculino/macho.
Como um conjunto de características culturalmente instituídas como naturais, a ideia
de uma essência heteronormativa que atua performativamente para reiterar os valores heteros
vigentes e para excluir as possibilidades de reconhecimento das múltiplas subjetividades e
conformações corporais existentes.
58
Duração: 96min.
Ano: 2014
País: Brasil
Gênero: Drama, Romance
Classificação: 12 anos
Direção e roteiro: Daniel Ribeiro
Cinematografia: Pierre de Kerchove
Edição: Cristian Chinen
Música: Ariel Henrique e Gabriela Cunha
Diretores de produção: Daniel Ribeiro e Diana Almeida
Interpretes: Guilherme Lobo, Tess Amorim, Fabio Audi, Isabela Guasco, Selma Egrei, Eucir
de Souza.
59
Sozinho, exibido no ano de 2010, muito embora não se trate de uma continuidade deste curta,
mas uma narrativa diferente para a mesma história. Mais de três anos depois, quando resolveu
produzir o longa-metragem, o diretor decidiu manter o trio de protagonistas. Além da escola e
da casa de Leonardo, praticamente os únicos cenários do curta, surgem outros ambientes
como um acampamento escolar e uma festinha na casa de uma amiga. Com mais recurso e
tempo, em Hoje Eu Quero Voltar Sozinho o diretor consegue desenvolver melhor a história e
agrega personagens importantes, como a mãe superprotetora de Leonardo e os colegas
maldosos da escola. Os diálogos são mais bem pensados, assim como as atuações mais
maduras.
Por ser um trabalho melhor estruturado, Hoje Eu Quero Voltar Sozinho concorreu e
ganhou vários prêmios. Em 2014, o filme foi vencedor do prêmio Fipresci, concedido pela
Federação Internacional de Críticos de Cinema, escolhido como o melhor filme da
denominada Mostra Panorama, que aconteceu entre os dias 06 a 16 de fevereiro de 2014,
paralela ao Festival de Berlim, Alemanha. Em 18 de setembro do mesmo ano, o filme foi o
escolhido pelo Ministério da Cultura, entre 18 longas brasileiros, para representar o Brasil na
competição do Oscar de melhor filme estrangeiro, na edição de 2015, porém sem conseguir
ficar entre os finalistas ao prêmio. Em maio de 2015, o filme concorreu na categoria de
Melhor Lançamento Limitado, na 26ª edição dos Glaad Awards, considerado um dos prêmios
mais importantes do mundo, atribuído à comunidade LGBT, dentre outras premiações, as
quais podem ser visualizadas no quadro abaixo.
Festival(2014)
EUA New York Lesbian Melhor Filme Venceu
and Gay Film
Festival (2014)
EUA San Francisco Melhor Filme Venceu
International Lesbian
e Gay Film Festival
(2014)
Japão Skip City Melhor Roteiro Venceu
International Cinema
Festival(2014)
Suécia Peace & Love Film Melhor Filme - Prêmio do júri Venceu
Festival(2014)
Melhor Filme - Prêmio do Público Venceu
EUA Damn These Heels - Melhor Filme Venceu
Salt Lake City
International LGBT
Film Festival (2014)
Grécia Athens Internacional Melhor Filme Venceu
Film Festival(2014)
EUA GLAAD Media Melhor Lançamento Limitado Indicado
Awards (2015)
Brasil Troféu APCA Melhor Ator (Guilherme Lobo) Venceu
(2015)
Brasil SESC Film Festival Melhor Filme - Prêmio do júri Venceu
(2015)
Melhor Diretor - Prêmio do júri Venceu
Melhor Roteiro - Prêmio do júri Venceu
Melhor Ator (Guilherme Lobo) - Venceu
Prêmio do Público
Brasil For Rainbow - Melhor Filme Venceu
Festival de Cinema e
Melhor Ator (Guilherme Lobo) Venceu
Cultura da
Diversidade Sexual Melhor Direção de Arte Venceu
(2015)
Brasil Mostra Cinema e Melhor Filme Venceu
Direitos Humanos
no Hemisfério Sul
(2015)
Brasil Prêmio Governador Melhor Diretor Venceu
do Estado de São
Paulo (2015)
Brasil Troféu Grande Otelo Melhor Filme - Prêmio do Público Venceu
(2015)
Fonte: Extraído do site <http://www.hojeeuquerovoltarsozinho.com.br>.
62
que faz referência à situação de preconceito vivida por ele anteriormente na escola, o que faz
com que Giovanna esboce uma palavra de conforto ao amigo.
No dia seguinte, já na escola Giovanna manifesta interesse em Gabriel rapidamente,
mas fica consternada quando Karina (Isabela Guasco), que flerta com todos, começa a
persegui-lo. Léo e Giovanna aproximam-se de Gabriel e ele se junta ao par em sua jornada a
pé para casa. Em casa, Leo liga para sua mãe, pois esta, por ter uma atitude superprotetora,
havia pedido que fizesse, uma vez que, neste dia, ele se encontrava sozinho em sua casa. Após
ter falado com a mãe, Leo coloca uma música clássica para ouvir, dirigindo-se, em seguida,
para tomar banho e, pelo fato de se encontrar só, decide treinar, no box molhado, como seria o
seu primeiro beijo. Mais tarde, Léo expressa seu interesse em estudar no exterior, para
Giovanna, de modo a deixar para trás o tipo vida que leva em sua casa. A amiga discordando,
o interroga sobre a causa desse pensamento. O garoto explica que, há muito tempo, já vinha
tendo o referido interesse, considerando que seria conveniente ir para um lugar onde ninguém
o conhecesse e que pudesse assumir uma nova personalidade.
No dia seguinte, na escola, ao fim da aula, Leo informa à Giovanna que não irá para
casa em sua companhia, por ser aquele o dia da semana (quarta-feira) que ele ia para a casa da
sua avó. Giovanna, como de costume, se oferece para levá-lo ao seu destino, porém Leo se
recusa, informando-lhe que a casa de sua avó era próxima e ele poderia ir sozinho. Ao se
despedir de sua amiga, Léo caminha para a casa de sua avó se utilizando da bengala, quando
Fábio e seus amigos zombam dele, fazendo movimentos em torno de sua cabeça, os quais Léo
não pode ver. Ele tropeça e cai, mas logo se levanta, rapidamente, o que os deixa muito
zangados.
Naquele mesmo dia, ele chega em casa muito mais tarde do que é habitual, seus pais
estão muito preocupados. Nessa cena, pode ser observado, pela primeira vez, o cenário mais
escuro, fazendo referência à iluminação noturna. Após sua chegada, a mãe de Leo chama sua
atenção por conta do atraso no horário, gerando uma pequena discussão entre ele e seus pais,
ocasião em que ele expressa sua irritação com a natureza superprotetora de ambos, explicando
que ele não quer ser tratado de forma diferente por causa de sua deficiência. Na manhã
seguinte, como haviam conversado sobre a possibilidade de estudos no exterior, Léo e
Giovanna vão a uma agência de intercâmbio para obter mais informações. Foram informados
que, primeiramente, a agente deveria falar com seus responsáveis legais, com os quais Léo
não havia falado sobre seu interesse em ir para outro país.
Na cena seguinte, Leo aparece na casa de sua avó, para a qual ele expressa a vontade
que sente de sair de casa e conseguir um emprego, sendo mais uma vez é contrariado, quando
64
a sua avó o interroga se ainda não é cedo demais para tais expectativas. A cena posterior
mostra Léo e Gabriel, que aparecem juntamente com Giovanna na casa dela, onde conversam
procurando saber um pouco mais sobre a vida de Gabriel, o interrogando sobre seus gostos e
sobre a convivência com a sua família. Após o descontraído diálogo entre os três, Gabriel
esboça que já é tarde e que precisa voltar para casa e, se oferecendo, justamente para levar
Léo de volta para casa, visando facilitar as coisas para Giovanna, que não teria assim a
obrigatoriedade de acompanhar o amigo. Ela, mesmo relutante e visivelmente chateada,
concorda com a proposta de Gabriel, que assim o faz, acompanhando Leo até a sua casa,
segurando-o pelo braço durante todo o trajeto.
O outro dia corresponde a uma cena que se passa na escola, com a professora, em sala
de aula, explicando sobre um trabalho que requer pares do mesmo sexo, o que faz com que os
rapazes formem a dupla, em detrimento de Giovanna. Depois da escola, os dois vão almoçar
juntos e Gabriel sente-se envergonhado por fazer perguntas sobre vídeos da internet e idas ao
cinema, coisas que Léo não pode fazer por causa de sua cegueira. Entretanto, Leonardo
manifesta interesse nisso, indo ambos assistirem a um filme. Nessa cena, foi utilizado o zoom
da câmera no ouvido de Léo, demonstrando Gabriel sussurrando os acontecimentos a ele
durante todo o tempo que se desenrola o filme. Essa cena se passa, pela segunda vez, com
uma luz muito mais escura do que a habitual, para simbolizar a iluminação característica de
uma sala de cinema.
A cena seguinte, ainda com uma iluminação escura, exibe Leo e seus pais na mesa de
jantar comentando sobre a discussão que tiveram dias atrás, quando pede a eles para que
diminuam a superproteção com a qual o envolvem, sendo escutado, porém, sem ser
completamente entendido pelos pais. Léo aproveita para comentar sobre um acampamento
que será realizado na escola, pedindo-lhes que o deixem ir sem precisar ligar para a escola,
pois ele se sentia constrangido com esta ação contínua, cometida pelos pais. Mesmo sendo
escutado, mais uma vez Leo não é compreendido.
A cena que se segue é passada na escola e mostra Leo informando à Giovanna que ele,
juntamente com Gabriel, foi ao cinema, o que causou certo desconforto por parte da amiga.
Posteriormente, a cena se passa com Gabriel e Leonardo, desenrolando-se em sua casa, para
onde foram com o objetivo de trabalharem juntos no projeto da escola. Gabriel se aproveita
do momento para apresentar seus gostos musicais para Leo, convidando-o para dançar, mas
este se recusa, alegando que não sabia realizar tal ação. Com um pouco mais de insistência,
Léo e Gabriel dançam juntos, mesmo Léo demonstrando muita timidez.
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No dia seguinte, retornando da escola e seguindo para a casa de Léo para trabalharem
no projeto, o garoto tenta ensinar braile a Gabriel, mas este, em sua fala, demonstra achar ser
impossível aprender essa linguagem. Léo ainda insiste no ensino, segurando na mão de
Gabriel para demonstrar o alfabeto em braile, momento em que é surpreendido pela sua mãe
ao entrar em seu quarto, repentinamente, para perguntar se os dois precisavam de algo. Com
entrada da mãe, Léo solta de imediato a mão do amigo e responde que não precisavam de
nada. Assim que a mãe de Léo se retira do quarto, Gabriel o convida para ver o eclipse que
acontecerá a noite, mas, ao dirigir o olhar para o amigo, percebe que, mais uma vez, entrou
em contradição, levando em conta a deficiência de Leonardo. Sem se incomodar com o
equívoco, Léo, por mais que quisesse, não aceita o convite sob a alegação que sua mãe jamais
deixaria, fazendo com que Gabriel desse a ideia dos dois irem escondidos.
Os meninos fogem a noite, de bicicleta, para assistir ao eclipse lunar e, no local,
Gabriel, percebendo a expressão de dúvida no rosto de Léo, tenta explicar como o fenômeno
funciona, usando pedras em sua explanação, permitindo, desse modo, que Léo compreendesse
melhor todo o acontecimento. A cena seguinte evidencia os meninos no caminho de volta para
casa, com Léo na garupa da bicicleta de Gabriel, cena na qual utiliza, pela primeira vez, uma
trilha sonora7 agora não mais instrumental, para evidenciar toda a alegria de Leo por estar
vivendo coisas novas em sua vida. Ao chegar na casa de Léo, Gabriel percebe que deixou seu
casaco na casa do amigo e pede que ele o traga no dia seguinte. Léo concorda, entretanto,
naquela noite, ele cheira a peça de roupa, a coloca em si mesmo antes de dormir, ao mesmo
tempo em que acaricia os seus órgãos genitais.
No dia seguinte, na escola, enquanto conversava com Giovanna, a agência de
intercâmbio liga para Léo falando de uma agência norte-americana especializada em alunos
cegos, mas eles ainda precisam da aprovação dos pais dele. Léo mente, dizendo que seus pais
estão viajando. Após desligar o telefone, Giovanna o interroga se realmente os pais dele
estavam viajando e, prontamente, Léo responde que mentiu, pois já imagina que sua mãe
jamais o deixará viajar para fora do país, pensamento corroborado pela amiga. Enquanto os
dois amigos ainda conversavam, Karina os interrompe perguntando sobre Gabriel, sendo
informada, por Giovanna, onde este se encontrava. Karina vai ao encontro dele, momento em
que a cena ao foca na expressão facial de Léo para mostrar que o mesmo não se sente à
vontade, ao perceber as investidas da estudante no amigo.
7
A música utilizada na cena se chama “Vagalumes cegos” do intèrprete Cícero.
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A cena prossegue com Gabriel substituindo Giovanna como guia para levar Léo até
sua casa, este aproveitando para interrogar o amigo sobre o que ele achava de Karina. A
resposta não o agradou muito, porque Gabriel considera a colega de turma simpática.
Informou ter sido convidado, por ela, para uma festa que seria realizada com todos os seus
colegas de turma, notícia esta que, mais uma vez, não foi bem recebida por Léo. Ao chegarem
à casa para trabalharem no projeto da escola, Gabriel recebe uma ligação de Giovanna que
pede para falar com Léo. Assim que atende o telefonema, Giovanna o informa que havia
ficado com muita raiva dos dois, pois eles tinham ido para casa sem ela, deixou Leonardo
arrependido por não ter esperado a amiga.
A cena seguinte se dá na saída da escola, mostrando os rapazes esperando Giovanna,
mas ela finge não vê-los. Diante disso, eles vão embora, com Gabriel acompanhando Léo até
sua casa. No caminho, ambos sofrem ações preconceituosas por parte de Fábio, seu colega de
classe, provocações que acabam por fazer com que Léo reaja a elas. Já em sua casa,
almoçando com seus pais, Leonardo finalmente confessa seu interesse de viajar ao exterior,
mas eles, principalmente sua mãe, logo desaprovam tal ideia, em caráter definitivo. Pouco
depois, a sós, o pai aborda Léo, questionando os reais motivos dessa viagem, aconselhando-o
a pensar se era realmente a decisão que ele queria tomar, para não se tornar uma atitude que
só serviria para ele fugir da proteção empregada pelo próprio pai, juntamente com sua mãe.
Após essa conversa, os dois se entendem.
A cena seguinte é passada no outro dia à noite, horário que se justifica pelo cenário
mais escuro. Os três amigos vão à festa na casa de Karina, mas Giovanna evita Léo, ainda
com raiva dele. Fica bêbada com Gabriel, confessando que sente ter sido substituída na vida
de Léo, pois este não fazia mais questão que ela o levasse para casa depois da escola e que
não iria mais sentir sua falta se ele fosse para o exterior, assunto sobre o qual Gabriel ainda
não sabia nada. Os dois continuam conversando até que Giovanna toma a atitude inesperada
de beijar Gabriel, sem ser retribuída e ela se retira, rapidamente, de sua presença.
Enquanto isso, em outra cena acontecendo simultaneamente, Léo, com relutância, se
une a um jogo de girar a garrafa. Quando essa aponta para Léo, Fábio, como de costume, age
com uma atitude de deboche, agarrando rapidamente agarra o cão de Karina para tentar fazê-
lo beijar o animal ao invés de outra colega de turma chamada Marta, que também participava
da brincadeira. No entanto, Giovanna logo aparece na sala onde ocorria a brincadeira, arrasta
Léo para fora da festa antes que aconteça alguma coisa. Ele, sem saber de nada, fica irritado,
acusando-a de não permitir que ele perdesse a sua virgindade de boca, declarando, ao mesmo
tempo, que sentia que ela estava muito diferente, sentimento que fazia com que ele não
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confiasse mais nela. Giovanna se enfurece e vai embora. Em seguida, Gabriel insiste para
levar Léo em casa, mas Léo explode de raiva, dizendo que ninguém quer deixá-lo beijar
alguém. Diante disso, Gabriel o beija e sai rapidamente de bicicleta, pelas ruas, com uma
aparência de preocupação em seu rosto.
No dia seguinte, a escola vai a uma viagem de acampamento, sentando-se Léo sozinho
no ônibus, uma vez que Gabriel chega atrasado, acompanhado por Karina e resolve sentar ao
lado dela. Gabriel se aproxima de Léo no parque do acampamento para admitir que, por estar
bêbado não se lembrava de nada do que ocorrera na festa de Karina. Léo, ouvindo o relato,
diante da omissão ao beijo, também não o cita. Ainda no acampamento, toda a turma se
diverte na piscina, mas Fábio, observando Gabriel ajudar Léo a passar protetor solar em seu
corpo, insinua uma relação homossexual entre os dois, com a fala em tom preconceituoso, o
que acarretou a irritação dos dois amigos. A ação preconceituosa do colega de turma, só fez
com que Léo, juntamente com Gabriel, não se divertisse na piscina, assim como o faziam
todos da turma. Assim, eles esperaram todos irem embora para que pudessem sair da área da
piscina e irem para o vestiário tomar banho, sozinhos. No vestuário, Gabriel tira toda a sua
roupa e pede para que Léo faça o mesmo, para ajudá-lo a tomar banho, porém Léo se recusa,
afirmando que poderia tomar banho de bermuda. Enquanto tomam banho, Gabriel observa
Léo, com um olhar de desejo, o que o faz sentir-se envergonhado.
A cena seguinte se passa à noite, exibindo o momento em que Giovanna e Léo, com o
auxílio de Gabriel se entendem novamente depois de muita conversa e explicações dos fatos
anteriormente ocorridos. Pedem desculpas um para o outro e vão beber juntos, para aproveitar
a última noite que estariam no acampamento. Bêbado, Leonardo acaba admitindo, para
Giovanna, que está apaixonado por Gabriel, mas esta, no início, demonstra-se cética,
expressando várias indagações, acaba a conversa e se retira imediatamente da presença do
amigo, o que deixa Leonardo confuso sem entender a reação da amiga.
A próxima cena acontece no dia seguinte, pela manhã, demonstrando Léo com
resfriado, sendo cuidado por sua mãe, que aproveita a situação para conversar sobre o futuro
do filho, namorando, se tornando pai, tendo preocupações, o que faz com que Léo, pela
primeira vez, tenha um diálogo sem discussões com sua mãe. Na escola, Giovanna percebe a
ausência de Leonardo e vai visitá-lo após sair da aula. Na casa do amigo, a garota comenta
com ele sobre a sua paixão por Gabriel, informando ao amigo que ele e Gabriel formam um
casal bonito e que dará apoio a eles. Gabriel também visita Léo em sua casa, quando, no seu
quarto, pergunta se ele ficou com Karina. Gabriel admite que ela tentou beijá-lo, mas que ele
recusou por gostar de outra pessoa, confessando que está apaixonado por Léo. Na verdade, se
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lembra do beijo depois da festa, mas que tem dúvidas sobre a reação de Léo a estes
sentimentos. Leonardo responde beijando Gabriel.
A cena seguinte é na escola e exibe os dois apresentando o projeto escolar. Depois,
indo para casa na companhia de Giovanna, mostrando Léo de braço dado com Gabriel. Fábio
e seus amigos observando os três zombam da aparência homossexual do relacionamento dos
garotos, não sabendo a verdade, e Léo muda de posição para ficar de mãos dadas com
Gabriel, o que gera tanto choque quanto desapontamento nos amigos de Fábio. A cena final
do filme é Léo andando de bicicleta com Gabriel atrás, pendurado na roda traseira, o
ajudando.
Diante do exposto, podemos concluir, após toda a sua descrição, que o filme Hoje eu
quero voltar sozinho apresenta em suas cenas cores mais claras, em tons pastéis, o que dá ao
filme um ar de leveza e romantismo. Em seus enquadramentos, opta por utilizar planos de
detalhe para realçar os toques entre os personagens principais Léo e Gabriel e a simplicidade
de gestos que para os dois significam muito. Na cena do vestiário, por exemplo, a nudez é
tratada com delicadeza, também em planos de detalhe, para dar destaque ao sentimento de
desejo e confusão de Gabriel. O filme toma cuidado para não enquadrar a nudez frontal na
cena.
A trilha sonora do filme tem como função aproximar os protagonistas. Enquanto Leo
só escuta músicas clássicas, Gabriel apresenta para ele outros estilos musicais e sua música
favorita. O fato de Leo só escutar música clássica representa a sua ingenuidade, estando preso
em seu mundo e protegido de todo resto. Gabriel representa a abertura de um novo mundo
para ele, ao ensiná-lo sobre outras músicas. A trilha sonora possui igualmente impacto
narrativo na história. There’s Too Much Love é a música que embala o casal e fala sobre
aceitar os seus defeitos, a começar ter segurança para declarar um amor. Outra música
marcante no filme, usada na cena em que eles estão andando de bicicleta juntos, depois de
verem o eclipse, é Vagalumes Cegos, de Cícero, que fala sobre um grande amor, onde a
pessoa parece não se importar com mais nada, com o que vão dizer, só se importa em viver a
sua paixão.
Para realizar a análise fílmica nessa fase de reconstrução, fizemos uma seleção dos
capítulos/cenas visando não fugir do objetivo proposto, que está centrado na relação corpo e
69
gênero. Porém, para facilitar tal procedimento, organizamos a decomposição a partir de dois
eixos temáticos: o primeiro diz respeito à homossexualidade, e o segundo é intitulado de
normatividade de gênero.
As questões referentes ao eixo da homossexualidade aparecem subliminarmente a
partir dos 28’e 44’’do filme, compondo um total de sete cenas, a primeira delas visualizada
com duração de 3’e 30’’, em que o personagem Gabriel, se aproveitando para apresentar seus
gostos musicais para Leo, o convida para dançar (Figura 2) e este recusa, alegando não saber.
Porém, com um pouco mais de insistência, Léo e Gabriel dançam juntos, mesmo Léo
demonstrando muita timidez neste ato.
A categoria citada também pode ser visualizada subentendida, na cena que se passa
aos 43’ e 19’’ do filme, com uma duração de 1’ e 2’’, na qual Gabriel aparece substituindo
Giovanna como guia até a casa de Léo, que aproveita para interrogá-lo sobre o que ele achava
de Karina, mas a resposta o desagrada, porque Gabriel considera a colega de turma simpática,
informando que ela o convidou para uma festa que será realizada com todos os seus colegas
de turma. A notícia desse convite mais uma vez não foi bem recebida por Léo, que
demonstrou transparecer seu incomodo com as opiniões que Gabriel tinha sobre Karina, cuja
fama era de flertar com todos os meninos da turma deles.
Figura 5 - Cena do filme Hoje eu quero voltar sozinho: Gabriel leva Léo para casa
Figura 7 - Cena do filme Hoje eu quero voltar sozinho: tomando banho juntos
A cena dos dois amigos no cinema é um momento importante do filme. Sem poder
enxergar o que se passa na tela, Léo se apega à voz do colega que lhe sussurra o que acontece
no filme. A voz apresenta uma dimensão simbólica que permite a ele construir uma narrativa
e, mais que isto, a voz é um objeto que carrega algo do real, do puro som que independe de
significação, despertando em Léo um afeto. Isso também acontece com o cheiro do moletom
esquecido pelo amigo em sua casa. É a partir destes estímulos (sons, cheiros, toques) que Léo
transforma o intercâmbio impossível da puberdade em vários intercâmbios possíveis que o
levam, finalmente, ao amor, e, assim, começa a construir a sua sexualidade.
Segundo Bruns (2008), inegavelmente, o olhar pode funcionar como um dado de
aproximação, de sedução e de magnetismo, constituindo uma linguagem universal de atração,
mas também de indiferença ou aversão. O olhar representa um estado inicial de atração, no
momento seguinte à aproximação, porém, há também outros sentidos aí envolvidos: o tato, a
audição, o olfato, que, aliados, compõem a atração pelo objeto desejado como um todo. É essa
percepção que permite aos dois personagens principais vivenciarem o processo de
apaixonamento. Desse modo, o olhar permite vislumbrar a possibilidade do encontro, às vezes
parecendo o fiel indicador do desejo. No entanto, o olhar tende a ser, paradoxalmente, o mais
frágil referencial, pois sua primazia e encanto iniciais podem se desvanecer com um gesto,
uma palavra, um toque, um cheiro ou outro detalhe qualquer.
76
Figura 9 - Cena do filme Hoje eu quero voltar sozinho: Léo e Gabriel caminhando de
mãos dadas.
Além da cena descrita anteriormente, o filme segue com padrões heteronormativos que
a sociedade impõe aos homossexuais para serem aceitos. Leonardo e Gabriel são meninos que
não questionam as normas. Ambos são masculinizados, tendo as suas identidades sexuais de
acordo com o sexo cromossômico. Os protagonistas não têm jeito de gay, seguem um modelo
estético eurocêntrico e a relação íntima entre eles no decorrer de todo o filme se passa com
um beijo. Esse jogo de significação, essas tensões que o diretor define como quebrar e manter
estruturas sociais ligadas a homossexualidade, durante o filme faz com que o espectador se
sinta imerso em meio a signos e traços que o aproxima e o distancia do convencional.
Acreditamos que a estratégia do diretor de adotar tais características, para seus personagens
gays, está ligada ao que menciona Shaviro (2015, p.45):
escolar. Isso faz com que os educandos entendam a sexualidade em um corpo inerte, livre de
sensações e sentimentos, distanciando-se do conceito primordial que seria a compreensão da
construção das identidades sexuais (OLIVEIRA; RAMOS; SALVA, 2011).
Com seus arranjos físicos e arquiteturas propícios à vigilância dos gêneros e das
sexualidades, o ambiente escolar busca capturar aqueles/as que resistem a zona de
normalização instituída socialmente. Buscam, nesse sentido, corrigi-los/as, ajustá-los/as, a fim
de trazê-los/as para essa zona, que é constituída por uma medida comum como, por exemplo,
a heterossexualidade e todos/as os/as que correspondem às imposições sociais (LONGARAY,
2014).
possibilitando maior abrangência de vários outros grupos étnicos, sociais, sexuais, dentre
outros. Nesse sentido:
Isso não quer dizer que adotamos uma postura ingênua, utópica ou
reducionista em relação às instituições de educação, já que compreendemos
que elas não têm o poder, de eliminar práticas sexistas, mas podem,
entretanto, assumir uma postura crítica, atenta e problematizadora em
relação a suas práticas e componentes (OLIVEIRA; RAMOS; SALVA,
2011, p. 102).
Podemos concluir, segundo Dias e De Oliveira (2015), que a inclusão dessas temáticas
na escola, não lhe restringe o poder de modificar toda uma ordem social estabelecida
historicamente. Mas, como um espaço propício à problematização dessas questões, permite
visibilidade e questiona as atitudes que legitimam padrões binários mediante uma lógica
discriminadora, pois a escola não deve corroborar com a perpetuação de construção que
normatizam as hierarquias baseadas nas concepções estereotipadas no binarismo masculino e
82
feminino, mas viabilizar uma aproximação aberta e empática com o outro, questionando o
universalismo numa ótica intercultural.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desse modo, é possível identificar o campo mais abrangente em que esta dissertação
se assentou, tendo em vista o cinema, porém sob o viés da análise fílmica que, por sua vez,
considera as imagens e discursos produzidos no âmbito de uma cultura, tornando-se uma
possibilidade de diálogo com as regras e códigos dessa determinada cultura. Nesse caso em
particular, o corpo atravessado pelos signos da cultura que configuram relações de
sexualidade e gênero. A análise fílmica da película Hoje eu quero voltar sozinho, nos
momentos de desconstrução e reconstrução permitiram aprofundar o olhar sobre o contexto
do filme que narra a história de um adolescente cego, que se descobre apaixonado por um
novo aluno da classe.
O conflito vivido por esse adolescente e a maneira como a condição visual do
personagem poetiza a trama, possibilita que o filme, além de tratar de temáticas aqui
analisadas, ultrapasse temas ao abordar um assunto comum ao ser humano, o primeiro amor.
Assim, como qualquer adolescente, que sente a necessidade de se autoafirmar, o personagem
de Leonardo encontra obstáculos dentro e fora de casa. Os afetos e desafetos são retratados
com suavidade, clareza e naturalidade. A descoberta da própria sexualidade de Léo acontece
espontaneamente, junto a outras situações previstas neste rito de passagem. Foi interessante
perceber a capacidade que a trama teve para tratar de tabus como a deficiência visual, a
homossexualidade, normas de gênero, até o bullying, sem ceder lugar a estereótipos grotescos,
mostrando tudo de forma simples. O foco centra-se na descoberta do amor, da amizade, das
emoções que emergem nas relações.
Talvez, o grande mérito do filme esteja na forma como ele foi conduzido, com um
ritmo que fluiu bem e possibilitou que essas temáticas fossem tratadas de forma original,
explorando de forma sensível a sutiliza dos detalhes. Os enquadramentos, ora focados
nos detalhes como olhos, orelhas, mãos e ora colocando nos atores no canto da tela,
proporcionam mais do que boas imagens, transmitiram sensações e contribuíram , de
forma decisiva, no resultado do filme.
Outra contribuição concebida com base na análise fílmica de Hoje eu quero voltar
sozinho, aqui abordada sob os eixos temáticos homossexualidade e normatividade de
gênero, foi problematizar como a sexualidade é historicamente construída, definindo a
heterossexualidade como sendo uma regra a partir da qual outras formas de sexualidade vão
ser marginalizadas, pensadas e consideradas erradas. A ideia da normalidade da sexualidade
surge dos discursos biologizantes, que buscam afirmar que o normal é ser heterossexual e,
ainda, que esta é a única forma natural de sexualidade.
85
Essa normalização da sexualidade é traduzida por uma série de regras sociais que
padronizam a sociedade e os que dela fazem parte. Tudo que está fora desses padrões,
considerados desejáveis, são condenados, assim como as pessoas que manifestam suas
sexualidades transgredindo essas formas naturais, são considerados seres anormais e não
desejáveis, ou seja, abjetos. Nesse sentido, não há lugar para eles na sociedade, a qual termina
reprimindo-os e punindo-os física e psicologicamente, classificando-os como diferentes,
anormais e, muitas vezes, doentes.
Desse modo, aqui foi relatada a relevância de desmistificar esse pensamento, o que faz
com que a inclusão de temas, como os eixos temáticos analisados, possibilite desconstruir a
tendência ao padrão, dando evidência a diferença, em um processo de confronto constante que
mostre a importância de reconhecer a multiplicidade de identidades. Fato esse que foi
perceptível ao analisarmos as referidas categorias. O filme, ao problematizar, por meio de
cenas subliminares, os padrões heteronormativos que a sociedade impõe aos homossexuais
para serem aceitos, apresenta dois protagonistas que quebram com o estereótipo de gay
afeminado, apresentando uma redefinição de gênero na medida em que demonstra que o
corpo masculino pode sentir desejo/afeto por outro corpo do mesmo sexo sem apresentar
características femininas.
A experiência desenvolvida, nesta dissertação, parece confirmar, malgrado as
resistências à mudança de práticas (e de ideias), a atratividade do cinema como um valioso
recurso para fomentar o debate em torno das relações de gênero, bem como para suscitar
questionamentos, estranhamentos, debates, reflexões e novas aprendizagens. Ao lado do
questionamento, o cinema, mobiliza não só cognição, mas também a sensibilidade, o que
termina por motivar aprendizados. Talvez seja essa a maior riqueza do cinema: provocador,
ele aprofunda questionamentos porque parte de situações verossímeis da sociedade, o que faz
esperar que os debates continuem a reverberar entre aqueles e aquelas que, envolvidos com a
tarefa pedagógica na escola, têm o poder de transformar relações de gênero na escola,
tornando-as, ainda que por vezes lentamente, mais equânimes e ricas.
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