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Luzes no esconderijo

A cena se passa em Leningrado, 1944. Continuação do sketch Balé com o Inimigo.

Cena única

Um porão escuro contendo umas três cadeiras, uma mesa, uma prateleira com
algumas provisões em lata, uma sanfona antiga e um violão. Petrouchka e um soldado
alemão chamado Kurt Eischendorf estão no porão. Petrouchka está se escondendo
porque teme ser morta ou capturada pelos nazistas, mesmo assim está sendo abrigada
por Wolf que não está no abrigo. O abrigo ou porão é frio.

Petrouchka (esfregando as mãos uma na outra) - Wolf novamente nos deia aqui sem
notícias nenhuma se vamos poder nos mudar para um lugar onde o conflito tenha
acabado.

Kurt- Nós não, você, eu ainda faço parte do conflito.

Petrouchka- Tens razão. Eu sempre me esqueço. Mas até que nos últimos dias teu
amigo tem sido uma pessoa prestativa.

Kurt- Ele tem seu lado humanitário aflorado, mesmo perto do inimigo.

Petrouchka- Eu que não consigo me conter muito perto dele. Antes deste conflito, eu
tinha trabalho em todos os teatros, agora no máximo uma apresentação em uma
escola bombardeada ou um teatro abandonado que no dia seguinte é destruído.

Kurt- Faz tempo que és bailarina?


Petrouchka- Dez anos. Minha mãe sempre quis uma bailarina como filha. E como eu já
amava o balé, não foi nada forçado (Sorri discretamente, se encolhe de frio).

Kurt (tira seu casaco e enrola em Petrouchka que sorri) - Aqui, eu sei que
provavelmente serei mais um alemão a sucumbir ao vosso general inverno, mas não
posso deixar uma dama passando frio.

Petrouchka- Obrigada. Mas e você? Conte-me um pouco sobre você.

Kurt- O que gostaria de saber?

Petrouchka- O que todos querem saber, o que fazia antes da guerra, sua família, seus
gostos.

Kurt- Venho de uma família de músicos, pintores e arquitetos. Eu mesmo pintava e era
compositor. Eu tinha um emprego em um Conservatório, mas que lógico, tive que
abandonar por causa da guerra. Sou de Ingolstadt, na Bavária, e estudei na
Universidade de Ingolstadt. Meus pais são alemães mesmo, mas meus bisavós por
parte de mãe eram franceses. Tenho mais um irmão de dez anos. Gosto de conhecer
pessoas novas, estudar, não gosto muito de dança para ser franco, gosto de viajar,
passar o dia lendo.

Petrouchka(admirada)- Nossa, um rapaz hiper sensível!

Kurt- Sim, e minha família toda é assim, então para mim está sendo muito difícil lutar
nessa guerra.

Petrouchka- O maldito Stálin não devia ter confiado em Hitler. Olha o que acontece
com meu povo, e não estávamos preparados para uma guerra!

Kurt- Nem nós, para ser franco, os generais não queriam declarar guerra, porém Hitler
sempre foi direto que queria conquistar os países que haviam nos arrasado no Tratado
de Versalhes.

Petrouchka- Minha família toda está morta, eu não tenho mais ninguém. Ninguém.
Kurt- Reconstrua sua vida, minha cara. Você tem uma profissão a se dedicar, e essa
guerra acabará logo.

Petrouchka- Até mesmo muitos dos soldados russos que conheci acham que a besta
fascista realmente vai engolir a Europa.

Kurt- Esse é um engano perpetrado pelos comunistas. Nunca quisemos a Europa para
nós.

Petrouchka (suspira incomodada) - Mas estão tendo, ou perdendo, porque sei que a
guerra já está além das fronteiras da mãe Rússia.

Kurt- Eu... (Pensa um instante, olha para ela e tem um olhar de dignidade e
sinceridade) - Eu espero que desta vez o mundo tenha aprendido e não entre em
nenhum conflito mais, nem em escala global ou local.

Petrouchka (ri bastante) - Oh, os homens não aprendem com seus erros! Nenhum
deles! Do menor ao maior, eles estão sempre caminhando o mundo nas costas, ao
lado, atrás, na frente dos homens.

Kurt fica em silêncio ao ouvir isso. Ele fica desconfortável. Ele se levanta e dá alguns
passos pelo abrigo.

Petrouchka- Espero que Wolfe chegue logo, e com mantimentos, o que temos aqui só
dá para dois dias!

Kurt (para de andar) - Ele fará o possível, mas com certeza a comida que você comerá
será roubada de alguma família soviética.

Petrouchka (voz alta) - Sim, seus malditos! (Abaixa a voz rapidamente e fica olhando
para Kurt).

Kurt novamente fica em silêncio. Logo vemos algumas luzes azuis se aproximar do porão.
Petrouchka e Kurt se levantam assustados.
Petrouchka- O que é isso? Isso é alguma ideia de seu amigo Wolf para me assustar?

Kurt (com medo) - Do que está falando? Claro que não! Nunca vi essas luzes antes!

As luzes aumentam de duas para quatro e seis no palco. São esferas azuladas. O palco vai
ficando escuro.

Kurt- Petrouchka, as luzes estão...

Petrouchka- Eu sei, em mim também, mas não estou com medo, nós (Ela para de falar e o
palco fica escuro. Depois de acender a luz eles sumiram. Ouvimos passos vindo na direção do
abrigo. É Wolf. O palco vai ficando escuro. Ele entra.

Wolf- Nossa, aqui está mais escuro do que da última vez que saí. Trouxe duas caixas com
vinte maçãs cada. Dará para uma semana, eu acho, ou duas. Petrouchka? Kurt?

O palco fica escuro.

Wolf- Ué, estou sentindo algo em volta do meu corpo. O que será? Eu acho que... (Ele para de
falar, as caixas de madeira que ele carrega caem no chão)

O palco fica escuro por dois minutos, depois acende e não tem mais ninguém. Escuridão
novamente. O pano desce.
FIM

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