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Mestrado em Música
RES UMO
ABSTRACT
Eletroacoustic has brought to music all sounds that microphone can capture, thus
establishing a relationship with reality comparable to photography - direct representation
of reality, or at least close to it. That possibility revealed questions and dichotomies, thus
generating polar fields: musical/extra-musical, music and sound, musical autonomy and
refenciality. The method used is the analysis of works which have strong links with this
‘reality’.
Eletroacoustic pieces are not notated, being directly fixed on tape or other media.
Acousmatic pieces do not present the origin of sound, being performed by means of
loudspeakers. Because of both characteristics, the approach to these works can only
happen through listening, in an analytical process that cannot guarantee objectivity. The
analytical method is therefore based on Bachelard’s ideas on poetic daydream, treated
here as a model for musical listening.
iv
AGRADECIMENTOS
Ao s no vos e velhos ami gos pra vida int eira: Débora, An anay , Li lian ,
Bruno, Dud u, Valério, Tâni a, Carin a, Bernardo, Dario, Tiag o, Thomas,
Po rres , Ni cole.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- - 1
CAPÍTULO 1: INVEST IGAÇÃO DA ESCUTA --- ---- ---- ---- ---- --- 10
CAPÍTULO 3: UMA MÚSICA -CENA ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- --- 51
CONSIDERAÇÕES FINAIS ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- 115
GL OSSÁRIO --- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- -- 121
BI BLIOGRAFIA ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- - 126
ix
DI SCOGRAFI A - ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- 132
FI LMOGRAFI A - ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- 132
SOFTWARE - ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- ---- - 132
INTRODUÇÃO
1
A afirmação de que as músicas concreta e eletroacústica dispensam a interpretação é falsa se se considerar que o
intérprete está presente na produção dos sons gravados (Pierre Henry, por exemplo, é um grande percussionista e sua
interpretação está fixada em sua música). A afirmação só é válida se se considerar a interpretação como aquilo que traz
uma nova e constante renovação ao material musical fixado pela composição.
2
Ou seja, que escondem da visão as origens do som escutado (cf. Glossário).
3
3
Cf. por exemplo a seguinte passagem: “Advertidos da disparidade dos objetos sonoros, tanto em função de suas
inumeráveis fontes quanto de suas modulações caprichosas, nos damos conta que será melhor nos limitarmos aos
objetos mais simples, menos indicativos, menos anedóticos [grifo meu], portadores de uma musicalidade mais
espontânea embora mais simples” (Schaeffer, 1966, pp. 337-338). [“Avertis maintenant du disparate des objets sonores,
aussi bien en fonction de leurs innomblables sources que de leurs modulations capricieuses, nous sentons qu’il sera bon
de nous limiter aux objets les plus simples, les moins indicatifs, les moins anecdotiques, porteurs d’une musicalité plus
spontanée encore que plus dépouilée.”]
A passagem trata dos critérios para a seleção dos objets convenables (cf. Glossário) em que o termo
anedótico aparece em oposição aos objetos mais simples e refere-se à referencialidade trazida pelos sons. Anedota, que
em português pode ter um outro significado (refere a uma narrativa cômica – uma piada) aqui tem outro sentido e
refere-se a uma narrativa menor, que acontece à margem dos eventos principais – acepção que aparece tanto no
dicionário de português (Houaiss, 2001) quanto no de francês (Le Robert, 1998).
5
4
Termo que aqui não se refere a um dos lados do binômio fundamental da morfo-tipologia schaefferiana
forma/matéria, mas sim segundo a acepção a seguir.
5
“Sont dits convenables les objets sonores qui sembent être plus aptes que les autres a un emploi comme objet
musical.” ( C h i o n , 1 9 8 3 , p . 9 7 )
6
6
P ar a u m a an ál i s e p o rm en o ri z ad a d e st e as p ect o n a o b r a sch a efferi an a, cf . C A E S A R ,
R o d o l fo : A E scu t a co m o o b j et o d e p es q u i sa . S i t e n a
i n t ern et : http://acd.ufrj.br/lamut/lamutpgs/rcpesqs/escupes.htm, acessado em 3-9-2003.
7
e m o u t r o s t e r m o s , e l a s p o d e m s e r e l a b o r a d a s p e l o o u v i n t e . ” 7 (Smalley,
1999, p.73). A e s c u t a p o r t a n t o f o r m u l a i m a g e n s , r e p r e s e n t a ç õ e s , n ã o
importando se estas se ref erem ao mundo ou se são compostas por
formas menos imediatamente associadas ao r eal.
7
“Les liaisons à des sources peuvent touchent tous les types de matière et de source sonores naturels ou culturels, qui’il
proviennent de l’action humaine ou non. Les liaisons à des sources peuvent être réelles ou fictives; en d’autres termes,
elles peuvent être élaborées par l’auditeur” (Smalley, 1999, p.73).
8
Ca pítulo 1
INVESTIGAÇÃO DA ESCUTA
Par a ten t armos ex empl ificar aq uil o q ue rep res enta a ‘ou tr a co is a’
q ue so men te a s on o-fi x ação p ermit e atin g ir, p ermita -no s e v ocar u ma
p as sagem d e no s so mel o drama eletr oacúst ico A T entaçã o d e S a n to
An t ôn io : t rata-s e d e u m cu rt o mo me n to do q u ad r o in ti tulado O N ilo ,
o nd e Antô nio, e sgo tad o p or cau sa d e su a s alu c in açõ e s, d ei ta-se e
ado rmece. No in ício de seu so nh o escu ta -se um
ama rrotar /desam arrota r do s om, n u m p roc esso d e toma d a em massa,
u m estali d o de fru -fru 8 mu ito p a rticul ar qu e uma p artitu ra ser á
inc apaz d e n ota r e u m a in te rp reta ção , s eja lá p o r q u al fo rma de
rea lizaçã o, ser á inca p az d e resti tu ir s enão p o r ecl ip ses. Trata -se de
u m moment o d e m etamor fo se o n de o crepit ar d is creto d o fog o
sim bo liza n do o acampa men to ru dime n tar d e An tô nio se tran s fo rma em
u ma espéc ie de on da r ítmica meio líq uid a, mei o só li d a. At é mesm o
n ós sería mo s in cap aze s de r efazer esta metamo rfose h oje e m dia, mas
o q ue imp orta é que j á está feita , e q u e está na ob ra (.. .). (Ch i on ,
1 99 1 , p. 9 ) 9
8
“ru m o r p r o d u zi d o p el o ro çar d e fo l h as o u d e t eci d o , esp ec i al m en t e d e sed a. ” D i ci o n ári o
H o u ai ss, v ersão el et r ô n i ca; v erb e t e f ru -f ru ; 2 0 0 1 .
9
“Pour tenter de faire sentir ce que represente cet ‘autre chose’ que la fixation des sons seule permet d’atteindre, nous
nous permettrons d’évouquer un passage de notre mélodrame électroacoustique La Tentation de Saint-Antoine: il s’agit
d’un court moment du tableau intitule Le Nil, ou Antoine, épuisé par ses hallucinations, s’allonge et s’endort. Au début
de son rêve, on entend un froissement/défroissement du son, un processus de prise en masse, un grésillement frou-
froutant très particulier qu’une partition serait toute à fait incapable de noter et une interprétation, par on ne sait quel
moyen d’ailleurs, inapte à restituer autrement que par éclipses. Il s’agit d’un moment de métamorphose où le
crépitement discret du feu symbolisant le campement rudimentaire d’Antoine devient une sorte d’onde rythmique mi-
12
liquide, mi-solide. Nous-même serions incapable de refaire cette métamorphose aujourd’hui, mais qu’importe puisque
c’est déjà fait et que c’est dans l’oeuvre (...).” (C h i o n , 1 9 9 1 , p . 9 )
13
10
“(...) le propre de la musique des sons fixés est justement d´offrir au compositeur, par l´enregistrement, la disposition
et la maîtrise d´un espace interne à l´oeuvre.” ( C h i o n , 1 9 9 1 , p . 9 ) .
14
Fiel aos nossos hábitos de filósofo das ciências, tínhamos tentado considerar as
imagens fora de qualquer tentativa de interpretação pessoal. Pouco a pouco, esse
método, que tem a seu favor a prudência científica, pareceu-me insuficiente para
fundar uma metafísica da imaginação. Por si só, a atitude ‘prudente’ não será
uma recusa à dinâmica imediata da imagem? (Bachelard, 2000, p.3)
Para duvidar dos mundos do devaneio, seria preciso não sonhar, seria preciso sair
do devaneio. O homem do devaneio e o mundo de seu devaneio estão muito
próximos, tocam-se, compenetram-se. Estão no mesmo plano de ser; se for
necessário ligar o ser do homem ao ser do mundo, o cogito do devaneio há de
enunciar-se assim: eu sonho o mundo; logo, o mundo existe tal como eu o sonho.
(Bachelard, 2001, p. 152)
É nessa linha que Novalis pôde dizer claramente que a liberação do sensível em
uma estética filosófica se fazia conforme a escala: música, pintura, poesia. Não
tomaremos à nossa conta essa hierarquia das artes. Para nós, todos os píncaros
humanos são píncaros. Os píncaros nos revelam prestígios de novidades
psíquicas. (Bachelard, 2001, p. 179)
Como atuar iam então formas de arte que utilizam objetos para a
percepção, como o são as artes plásticas, o cinema ou a música? “A
ar te do pintor é a arte de ver belo” ( Bachelard, 2001, p.175). E ste
belo é justamente o ‘olhar de devaneio’, olhar de anima capaz de
desper tar onirismos arcaicos, em que “o sonhador acr edita que entre
si e o mundo há uma tr oca de olhar es, como no duplo olhar do
amado e da amada” (Bachelard, 2001, p.175). Mas “se o pintor deve
pintar nessa visão mais elevada, o poeta se limita a proclamá- la”
(Bachelard, 2001, p. 178). E então o quê difere o olhar de sonho
sobre, por exemplo, uma paisagem e sobre uma paisagem pintada?
Simplesmente esta seleção, este substr ato que o pintor recolheu de
seu olhar liso sobre o mundo, ou seja, do recorte que foi executado
com a destreza de animus, mas que foi investigado em um devaneio,
sob anima. Portanto, ao nos deparar mos com uma obra que remete a
objetos do mundo, ou seja, que representa o real, adentramos em
um devaneio or ganizado por alguém, que por sua vez conduz a
outros devaneios: uma realidade onírica dentro de outr a, sendo a
obra mais um f enômeno a ser vivido.
17
11
Trata-se do Guide des objects sonores – Pierre Schaeffer et la recherche musicale.
12
“On appelle object sonore tout phénomène et événement sonore perçu comme un ensemble, comme un tout cohérent,
et entendu dans une écoute réduite qui se vise pour lui-même, indépendentemment de sa provenance ou de sa
signification.” ( C h i o n , 1 9 8 3 , p . 3 4 )
13
L’ecoute réduite est l’attitude d’ecoute qui consiste à écouter le son pour lui-même, comme object sonore em faisant
abstraction de sa provenance réele ou supposée, et du sens dont il pout être porteur”. ( C h i o n , 1 9 8 3 , p . 3 4 )
18
centradas que são em uma “repr esentação do real” por via do som.
Ele se aplica bem a uma análise desta materialidade, e vamos
utilizá-lo (como se utiliza uma ferramenta) para explicitar
constr uções musicais que não sejam aquelas de referência ao mundo
exterior, mas que se atenham à materialidade do som.
Como veremos, esta oposição entre a utilização de sons
“musicais” e “anedóticos” é muito comum desde as primeiras obr as
da música concreta (Étude aux chemins de fer, Étude aux casseroles,
etc – obras de P. Schaef fer realizadas ainda em sulco fechado (cf.
glossário) em 1948 – sendo que o pr imeiro Étude parte de sons que
se ref erem a um tr em em movimento, fazendo-os escutar como
ritmos abstratos): a abertura para a utilização de todos os sons
possíveis de serem capturados por um microfone possibilita este
duplo viés de composição. Pois a gravação, apesar de não ser o real,
é, conforme descreve Barthes com r elação à fotografia, um análogo
perfeito da realidade acústica (Barthes, 1990, p.12). A rigor,
tr ansmite aquilo que captou, e portanto proporciona uma
representação direta do real. Porém, não se trata, neste trabalho, de
analisar o “gr au de realismo” que um som possa ter , por ter sido
fixado do ambiente. Não se trata aqui de irmos à direção das f ontes
reais, mas de um real imaginário ou imaginado, de uma
reconstrução.
Por outro lado, vale dizer de qualquer for ma que o som
gr avado de uma fonte não é o som r eal desta fonte, tal como
escutamos in loco com nossos ouvidos. Para F. Bayle, trata-se de
uma imagem de som, ou i- son – “uma r epresentação fixada em
suporte” (Garcia, 1998, p.46). Pois mesmo o som dito
“documental”, fixado aparentemente com um mínimo de intervenção,
possui uma sintaxe, é feito sob uma técnica – é uma constr ução
realista, pois, como analisa P. Schaef fer, a gravação do som em
suporte resulta em um objeto muito distinto da escuta do mesmo
19
14
“(...) only one and the same operation with studio equipment can determine transformations both in raw ‘materials’
and in more structured events. Alternations in just one of the acoustic parameters can open up possibilities at either
level.” ( C a e s a r , 1 9 9 2 , c a p . 1 )
15
“(...) where all sounding events are supposedly pre-determined by the composer.” ( C a e s a r , 1 9 9 2 , c a p . 1 )
16
“(...) chaque son né d’un autre, au cours des opérations du studio, est un son nouveau.” ( C h i o n , 1 9 9 1 , p . 2 3 )
21
17
“(...) le propre de la musique de sons fixés est justement d´offrir au compositeur, par l´enregistrement, la disposition
et la maîtrise d´un espace interne à l´oeuvre.” ( C h i o n , 1 9 9 1 , p . 5 0 )
18
cf. Beranek, 1996, p. 478.
23
Capítulo 2
2.1. Apresentação
19
“(...) le mélodrame électroacoustique tel que je le conçois met em scène non un narrateur ou un lecteur, mais un
personnage parlant et vivant au présent.” (CHION, Michel. La tentation de saint-antoine. Libreto do CD, p. 6)
20
“(...)l’auteur a conçu celui-ci comme une pièce de théâtre imaginaire.” (idem, ibidem)
26
21
“Les voix n’y sont pas considérées comme des supports à transformations sonores, mais comme des êtres de chair et
de sang, et donc ne sont pas ‘manipulées’ au sens habituel. Un travail important n’en a pas moins été effectué sur
celles-ci – commençant par le choix des lieux d’enregistrement et finissant par l’incrustration des voix dans le mixage
d’ensemble, en passant par la direction des interprètes au ‘tournage’ et par le montage, qui reconstruit le phrasé de leur
diction – mais ce travail ne vise pas à sauter aux oreilles de l’auditeur. Il doit s’effacer dans la transparence
dramatique.” (idem, ibidem)
27
22
Au début de l’oeuvre, le titre ‘Apocalypse de Jean’, est dit ‘à blanc’ (c’est-a-dire a capella, sans sons
d’accompagnement), d’une voix neutre et objective, et il est répété tel quel à la fin. Des sous-titres et des inter-titres
sont intercalés dans le cours de la lecture. ‘Séquence 7, les premiers cataclysmes’, annonce froidement Jean Negroni ao
début d’un des Cataclysmes les plus spectacularies”. (Chion, 1980, p.137).
28
2 . 2 . A n á l i s e d a o b r a 23
23
Todas as marcações de tempo desta música referem-se à faixa 1 do CD em anexo. Para uma lista de todas as faixas,
ver anexo 3.
29
deserto, e isto é corr obor ado pela sonoridade dos primeiros minutos
d a o b r a : o n í v e l g e r a l de a m p l i t u d e , e x c e t u a n d o a i n t e r v e n ç ã o i n i c i a l
(désert 1 – faixa 2) e os pequenos ‘insetos’ que aparecem em
seguida (tarântulas – faixa 3) é extremamente baixo; um som
contínuo, de massa complexa, granular, agudo e de pouca amplitude
(em 40”) r epresenta certamente uma fogueir a – único indício de
pr esença humana: é a de nosso personagem, no deser to e sob a luz
do fogo, pois em seguida a entrada de sua voz o confir ma. Além
disso há uma constante onda grave em forma de delta (ver
Glossário) (14”) que talvez sugira uma respiração. De que se tr ata,
do som do alento produzido por Santo Antonio ( portanto exterior a
ele) ou de uma respiração imaginár ia e implacável, sempre presente
em sua consciência? Não se pode dizer de f orma precisa, mas a
segunda hipótese parece ser a mais per tinente: em 3’06” o alento
está lá e soa ao mesmo tempo que a voz de Santo Antonio, portanto
ou o som da voz ou o da respir ação não são representações realistas.
Assim, e excetuando também as intervenções pontuais de
‘insetos’, até 3’56’’ temos a imagem de um homem na imensidão do
espaço do deserto. A f ogueira e o prof undo silêncio, além de
algumas rajadas de vento ( em 2’39’ ’ e 3’50’’, sendo que a primeira
delas pontua dramaticamente a fala de Santo Antonio, pois aparece
l o g o a p ó s e s t e d i z e r q u e “ a c r e d i t a v a p o d e r c h e g a r a D e u s ” 24) d ã o - n o s
a imagem de uma cena noturna – pois sentimos frio no deserto
noturno, f ato que justificaria a presença de uma f ogueira. Eis que
minha primeira impressão é de um espaço quase realista: um
personagem no deserto à espera da aurora ( “E é a claridade da
aurora, vinda como uma oferenda da lua” – primeira fala do
p e r s o n a g e m 25) . E q u a s e - r e a l i s t a p o i s , d e n t r o d a p a i s a g e m r e a l i s t a ,
alguns elementos não condizem com esta representação. Um deles é
24
“E t , j ’av a i s cru , p o u v o i r v e n i r à D i e u ” (t r an scri ção ; v er A n e x o 2 )
25
“Et c’est la clarté de l’aube, vient, offre de la lune” (t r an scri ção - A n ex o 2 )
30
26
Ver texto e tradução, Anexo 2.
34
27
“De ahí nuestra propuesta (...) de distinguir bien, mediante uma formulación claramente diferente, el caso em que el
sonido proviene realmente, em la medida que podemos saberlo, de uma cierta causa, y que traduciremos por el genitivo
(diremos entonces sonido de piano, sonido de perro, ruido de máquina), del caso, que no es forzosamente el mismo, em
que el sonido encarna el tipo de su causa y corresponde a la imagen sonora tipo de aquélla: lo expressaremos entonces
mediante um guión, y diremos sonido-perro, sonido-piano, ruido-máquina, etc. La sustitución del ‘de’ por um guión
permite no confundir dos casos que corresponden a niveles muy independientes, aun cuando com frequencia se
encuentren reunidos. Um sonido de piano (que sale de um piano) puede ser um sonido-piano (que corresponde al tipo
de sonido asociado a um piano), pero no siempre lo es; por ejemplo, cuando se trata del ruido de um piano que
desplazamos, o del de las cuerdas que rascamos. Inversamente, um sonido-piano (em el sentido de lo que da a
reconocer) puede no ser um sonido de piano (em el sentido de que se hace com um piano); por ejemplo, si se crea com
um sintetizador.” (Chion, 1999, p. 157)
36
sua fonte. Esta teoria, mais tarde bem desenvolvida em outras obras,
é esboçada por M. Chion no livro sobre Pierr e Henry, ao descrever a
composição de imagens de Apocalypse de Jean. Neste caso, Chion
c o n s t a t a o u s o d e m e t á f o r a s s o n o r a s . 28 A s s i m d i s c o r r e s o b r e o g e s t o
composicional de Henry:
30
Id., ibid, p. 25.
31
Id., ibid., p. 29.
40
32
Id., ibid., p. 28.
41
33
“E t , j ’av ai s cr u , p o u v o i r v en i r à D i e u . ” C f . e m an ex o , t ex t o e t rad u çã o , A n e x o 2 .
34
“O h , ch a rm é d es o ra i so n s, fel i ci t é d e l ’ex t ase, p ré sen ce d u ci e l , q u ’ est d e V o u s d ev en u . ”
Id e m , i b i d .
42
La s tentationes de san San to Anton io, óleo sob re tela (70x 51cm) Jerônimo
Bo sch, ca . 1 510. Museu d o Pr ado.
45
35
“J e n ’ e n p e u x p l u s ! A s s e z ! A s s e z ! ” – t r a n s c r i ç ã o – A n e x o 2 .
36
“A r r i è r e ! A r r i è r e ! V o u s è t e s t o u s d e s m e n s o n g e s ! ” – t r a n s c r i ç ã o - A n e x o 2 .
46
d a t r i l h a , e n t r e a s r o c h a s ” 37, a o q u e s e g u e a f a l a d e S a n t o A n t o n i o :
“Sim! Lá embaixo, bem no f undo, uma massa se movimenta, como
p e s s o a s q u e p r o c u r a m o c a m i n h o . E s t á l á ! E l e s s e e n g a n a r a m ! ” 38 ; e
segue a narração das visões e das ações do per sonagem. A partir daí
o material dos loops passa a ser mais diverso: é f eito de pequenos
ataques instrumentais, de fragmentos de vozes, de som de pássaros
ao longe, além dos sons-animais; além dos loops, passa-se a pontuar
ataques de instrumentos e vozes.
Em resumo, no trecho todo se sobrepõem três camadas de
signif icação: a da nar radora, exterior à cena, a dos silêncios, sinal
da “realidade real”, e a dos loops e demais sons, das alucinações.
Esta sobreposição dura até 12’ 28”, com a f ala de Santo Antonio:
“ A h ! E r a u m a i l u s ã o ! N a d a m a i s ! ” 39 – e m q u e f i c a c l a r o p a r a o
personagem que aquilo que viu e ouviu foram alucinações: a par tir
deste ponto retomamos o ambiente sonor o inicial, calmo e r ealista, e
a voz da narradora desaparece. Este é um momento muito
importante: o personagem até este ponto sabe distinguir suas visões
imaginárias de sua per cepção do mundo. O ouvinte, que a tudo
assiste, parece cr er que de fato estávamos no terr eno da alucinação,
de que para o personagem as aparições não eram reais ( o trecho
todo está na f aixa 13, ilusion).
Mas em seguida esta convicção é abalada pela própria
pr esença do diabo, por uma ação do diabo. A fala de Santo Antonio
acentua esta presença: “Entretanto... tinha acreditado sentir a
aproximação... Mas por que vir ia ele? Aliás, não conhecerei seus
a r t i f í c i o s ? ( . . . ) ” 40- e a q u i n ã o s a b e m o s m a i s s e a s a l u c i n a ç õ e s q u e
37
“Il se t o u rn e v er s l e p et i t ch e m i n en t re l es ro c h es” ( t ran sc ri ção - A n ex o 2 )
38
“O u i ! L a b a s , t o u t a u f o n d , u n e m a s s e r e m u e , c o m m e d e g e n s q u e c h e r c h e n t l e s
c h e m i n s . E l l e e s t l à ! I l s s e t r o m p e n t ! ” (t r an scri ção - A n ex o 2 )
39
“A h ! C ’ e t a i t u n e i l l u s i o n ! P a s a u t r e c h o s e ! ” (t r an scri ção - A n ex o 2 )
40
“C e p e n d a n t . . . j ’ a v a i s c r u s e n t i r l ’ a p p r o c h e . . .
48
seguem são, para ele, visões ou elementos reais. Um objeto ter rível,
símbolo e causa do ter ror (em 13’11”), pontua a narração: trata-se
de um som de cordas gr aves arr anhadas de um piano com pedal
acionado, mas aqui não se elucida sua causa, por conta do contexto
dr amático. Trata-se de um som muito gr ave, de massa muito ampla,
ataque pouco definido e pouca definição de detalhes, e, se associado
à fala de Santo Antonio, a qual descreve uma a uma de suas “visões
de tentação” ( “Eu repeli o monstruoso anacoreta que me oferecia,
rindo, pãezinhos quentes, o centauro que tentava carregar- me na sua
garupa, - e esta criança negra aparecida no meio das areias, tão
b e l a , e q u e m e d i s s e c h a m a r - s e o e s p í r i t o d a f o r n i c a ç ã o ” 41) , c r i a
sentido a partir de um estereótipo de trilha sonor a.
Em seguida reinicia-se (em 13’ 36”) , como numa explosão, os
sons de animais, a atormentar Santo Antonio. Um tema ao fundo,
tocado por um instrumento não identificável, de ataque pronunciado
e timbre provavelmente sintetizado (de cor cujo pr edomínio está em
uma região média de fr eqüências) parece condensar o momento: de
pulso marcado e indefinição tonal, cria movimento e “tensiona o
ambiente”. Por ém, segue uma montagem com muitos elementos e
como que uma reexposição de todos os pequenos sons ligados à
alucinação (ou à tentação, não sabemos mais ao cer to), além de
fr agmentos da valsa, do som inicial, do som-tarântula, e de um cur to
tema tocado por uma flauta, sinuoso, com pequenos portamentos, de
expressão lânguida. Em seguida o movimento se extingue com mais
uma fala ambígua, a respeito de uma personagem já mencionada,
mas que não sabemos ao cer to que valor tem par a o protagonista:
Ammonaria, que, ao que parece, e por conta da proximidade com o
Mais po rquo i viendrait-Il? D’ailleu rs, est-ce que je ne co nnais pas ses artifices?”
(t r an scri ção - A n ex o 2 )
41
“J ’ a i r e p o u s s é l e m o n s t r u e u x a n a c h o r è t e q u i m ’ o f f r a i t , e n r i a n t , d e s p e t i t s p a i n s
ch auds, le centau re qu i tâchait de me prendre sa croupe, - et cet en fant no ir ap paru
au milieu des sables, qu i était très beau, et qu i m’a dit s’ap peler l’esprit de
f o r n i c a t i o n ” . (t r an scri ção - A n ex o 2 )
49
2. 5. Conclusão
Capítulo 3
UMA MÚSICA-CENA
referir-se a cada uma delas como música pura, pois nos modelos
teóricos desta cor rente, por conta dessas caracter ísticas, não ser iam
sequer obr as musicais. No entanto são feitas tão somente para a
escuta e com a ausência de qualquer texto ou voz narrativa, o que as
diferencia de uma criação radiofônica. Além disso, a tendência à
qual estão ligadas, a música concr eta, já havia feito o ritual de
passagem para o domínio do musical ao apresentarem-se em um
concer to, e portanto indicarem ter em sido compostas com o intuito
de ser em músicas. Por estes fatores dados consider amos, portanto,
ou ao menos aceitaremos tempor ariamente, as obras que estudaremos
como musicais.
Mas talvez o que ligue essas obras ao domínio do musical é o
fato de que há nelas uma outra dimensão que foge da mera
representação exterior (ou extra- musical, em oposição ao que
Hanslick chamaria de musical). Trata-se de uma construção sonor a
baseada em uma escuta reduzida, base par a a criação do musical – e
aqui estamos nos r efer indo a uma terminologia e também a um
caminho de criação ditado por Pier re Schaef fer. Ou seja, nestas
obras há um tr abalho de composição não só a partir ou nas imagens
exteriores que despertam ( ou seja, nas imagens que se dirigem ao
real), mas também no som em si, nas relações sonor as intrínsecas
postas em relevo por esse trabalho – que podem ref orçar as imagens
referenciais, mas podem também estabelecer um outr o campo de
imagens, paralelo àquele, que não se r efer e ao real. Esta existência
bipartida foi bem percebida por Pierre Schaeffer, e mais adiante
retornaremos aos dilemas do fundador da música concreta no
momento mesmo de sua criação. Também iremos discutir sua
admissão de um musical em si – fato que o aproxima do pensamento
de Hanslick, comparação que iremos ef etuar adiante. Por agora
porém devemos prosseguir em outra direção: tendo como ponto de
referência as obras acusmáticas que escolhemos, seguimos na
56
42
“le reproche qu’on fait à la musique de ne rien exprimer par elle-même, sans le secours de la parole, s’applique
également à la peinture”. (...) “Un tableau ne répresentera jamais Adam et Ève à un spectateur qui ne connaîtrait pas la
Bible; il ne saurait représenter autre chose qu’un homme et une femme nus au milieu d’un jardin”. (Saint-Saëns apud
Chion, p.23, 1993).
57
c o n c r e t a s , n ã o p o d e r e c o r r e r s e n ã o a o c ó d i g o e a o s i m b ó l i c o ” 43
(Chion, p.24, 1993) . Pelo menos na música instr umental ou vocal é
necessário, portanto, haver, para uma repr esentação do mesmo tipo
que a do exemplo de Saint- Saëns, um contrato simbólico que se
estabeleça entre a obr a e seus ouvintes. I sto é absolutamente válido
para a música instrumental, pois o som de um instr umento ( em
situação acusmática) vai sempre remeter à sua f onte. A imitação
neste caso vai se limitar a um discurso metafórico ou alusivo.
Mas a música acusmática pode fazer uso de sons referenciais,
ou seja, daqueles sons gravados em que se reconhece sua or igem.
Pois enquanto que as músicas instr umentais e vocais empregam,
como supor te de fixação, a escrita, e como meio de realização, as
pr óprias f ontes sonoras, e disso não podem se desvencilhar , a
música acusmática tem a gravação sonora como suporte de f ixação e
os alto-falantes como meios de realização. Os alto-falantes então
pr ojetam estes sons; é neles que esta música se realiza:
43
(...) le tableau répresente tout de même clairement quelque chose qu’on peut identifier sans le secours d’aucun titre:
ici “un homme et une femme nus au milieu d’un jardine”; tandis que la musique, même pour des choses aussi
concrètes, ne peut recourir qu’au code et au symbole”. (Chion, p. 24, 1993).
58
44
Demos un pequeño golpe seco con una estilográfica sobre uma mesa. Cuál es la causa de este sonido? Esta pregunta,
según qué entendamos por causa, deja abierta uma decena de respuestas posibles. Podemos decir que es la estilográfica,
pero también que es la mano; que son la mesa y la estilográfica, uma contra outra; o la punta de la estilográfica.
Podemos decir que la causa de este breve choque es la onda vibratoria que llega al oído, pero también nuestro
movimento, o incluso nuestro deseo de hacer uma demonstratión. (Chion, 1999, p. 161).
60
45
The materializing indices are the sound’s details that causes us to ‘feel’ the material conditions of the sound source,
and refer to the concrete process of the sound production. They can give us information about the substance causing the
sound – wood, metal, paper, cloth – as well as the way the sound is produced – by friction, impact, uneven oscillations,
periodic movement back and forth, and so on. (Chion, 1994, p. 114).
61
contrário, esta pode f icar dispersa. Pois o microf one é uma janela
pela qual passam, indistintos, todos os sons, ao contr ário da atenção
do ouvinte, que hierarquiza (voluntária ou involuntariamente) os
sons que lhe chegam:
46
“ (...) si Mendelssohn avait pu avoir um magnétophone pour enregistrer les sons de la grotte de Fingal et les
réécouter ensuite, il aurait été très déçu de l’inexpressivité du résultat, et même de son ‘flou narratif’. De même, des
bruits captés dans les sites réels qui ont inspiré à Olivier Messiaen son ouvre Des canyons aux étoiles ne donnent,
comme nous en avons fait l’expérience, rien de spécifique: on a plus de chance d’y entendre des passages de cars de
touristes et, à des heures déterminées, quelques chants d’oiseaux et crissements d’insectes que la majesté muette du
paysage et la splendeur bariolée des roches.” (Chion, 1993, p. 333)
62
47
Para uma conceituação geral deste tipo de abordagem musical, ver Chion, Michel: Le poéme symphonique. Fayard:
Paris, 1993.
63
48
Palavra forjada por Michel Chion, uma combinação de síntese e sincronia, assim definida: “(...) é a amálgama
espontânea e irresistível produzida entre um fenômeno auditivo particular e um fenômeno visual quando estes ocorrem
ao mesmo tempo”. (Chion, 1994, p. 63). [ “(...) is the spontaneous and irresistible weld produced between a particulary
auditory phenomenon and visual phenomenon when they occur at the same time”]
64
a c u s m á t i c a , c o m o t a m b é m a p o n t a M i c h e l C h i o n 49: a r e l a ç ã o t e n s a e
pr esente numa mesma obra entre uma composição que ora privilegia
imagens referenciais e ora a mater ialidade do som. Oposição que se
instalou desde a primeira idade da música eletroacústica, nos Cinq
études de bruits de Pierre Schaeffer (1948) – obras iniciais da
música concreta - evidente desde alguns de seus títulos bipartidos:
Etude aux chemins de fer, Etude aux tourniquets, Etude pathétique
o u E t u d e a u x C a s s e r o l e s 50. E s t e s t í t u l o s o p õ e m , e m u m a m e s m a
sentença, uma forma abstrata ou um substantivo que denota uma
tendência à abstração – de qualquer forma ligado à tradição da
música ‘abstrata’ (Estudo) – a um termo que nos conta ou sobre a
fonte do som ou sobre o personagem principal da ‘anedota’, na
narratividade que aquela música contém, como no caso do Etude aux
c h e m i n s d e f e r 51. E s t a f o i a p r i m e i r a c o m p o s i ç ã o c o n c r e t a d e P i e r r e
Schaeffer, e desde sua feitura o compositor constata esta
ambivalência, como relata em 1948, no ‘primeir o diário da música
concreta’, antes de concluir a obra:
49
“Uma das riquezas da música de sons fixados reside, com efeito, na sua ambivalência com relação à questão da
anedota, a qual não cessa de desaparecer e aparecer” [Une des richesses de la musique des sons fixés réside en effet
dans son ambivalence par rapport à la question de l’anecdote, sans arrêt congédiée puis reintroduite]. ( C h i o n ,
1991, p. 14)
50
Estudo das Ferrovias, Estudo dos chocalhos, Estudo Patético ou Estudo das Panelas. Tourniquets não possui
tradução exata em português: trata-se de um brinquedo infantil semelhante a um chocalho metálico.
51
O Étude aux Chemins de Fer (versão de 1948) encontra-se integral na faixa 14 do CD em anexo.
52
10 mai. Ma composition hesite entre deux partis: des séquences dramatiques et des séquences musicales.
(S c h aeffe r, 1 9 5 2 , p . 2 0 ).
66
55
“Au moment où j’écoute, au torne-disque, um bruit de galop, tout comme l’Indien dans la Pampa, l’object
que je vise, dans le sens très général que nous avons donné au terme, c’est le cheval au galop. C’est par rapport à lui
que j’entends le son comme indice, autour de cette unité intentionelle que s’ordonnent mes diverses impressions
auditives.
Au moment où j’écoute um discours, je vise des concepts, qui me sont transmis par cet intermédiaire. Par
rapport à ces concepts, signifiés, les sons que j’entends sont des signifiants.
Dans ces deux cas, il n’y a pas d’object sonore: il y a une perception, une éxperience auditive, à travers
laquelle je vise un autre objet.” (Schaeffer, 1966, p. 268).
71
56
“Enregisté, l’object sonore de donnera comme identique, à travers les perceptions différentes que j’em aurai à chaque
écoute” (Schaeffer, 1966, 269).
57
A chamada tipologia do objeto sonoro.
72
O que o teria levado a tal guinada? É sabido que Schaef fer não
teve uma f ormação musical tradicional: sua trajetória foi múltipla,
mas destacou-se até então, sobretudo, como criador de rádio. Por
58
“Je l’avais déjà expérimenté à propôs des chemins de fer: il fallait arrancher le bruit à son contexte dramatique, tout
comme le son musical à la prison des notes, des mots et des phrases du language musical.
Autrement dit, même si le matériau du bruit me garantissait une certaine marge d’originalité par rapport à la
musique, j’étais, dans le deux cas, conduit au même problème: arracher le matériau sonore à tout contexte, dramatique
ou musical, avant de vouloir lui donner une forme. Si j’y parvenais, il y aurait une musique concrète. Sinon, il n’y
aurait que truquage et procedés de mise en onde”. (Schaeffer, 1952, pp. 46-47).
73
qu e as con trad iga. Viv em i nsti ntiv amen te, aind a qu e não na
forma científica e consciente, em todos os ouvidos cultos, que,
por conseguinte, percebem o orgânico e a racionalidade de um
grupo de notas, ou seu absurdo e antinaturalidade, através da
pu ra i ntui ção (...). (Hansli ck, [189 1] 1 989, p. 67)
59
“Por escuta natural queremos descrever a tendência prioritária e primitiva de se servir do som para informar-se de
um evento” (Schaeffer, 1966, p. 120). [Par écoute naturelle, nous voulons décrire la tendance prioritaire et primitive à
se servir du son pour reseigner sur l’événement].
75
60
“Selon cette conception, ce qu’on appelle la musique devrait implicitement reveler d’un seul niveau de definition,
homogène. Une fois trouvé il devient la reference, et tout le reste, jugé extra-musical, est écarté. Ou du moins on ne
cesse de chasser, comme un insecte importune, cet extra-musical qui ne cesse de faire retour, parce que justement
l’ordre dit ‘intrinsèquement musical’ et ses relations ne peuvent que s’appuyer sur des schèmes symboliques qu’il
partage avec d’autres ordres de phénomènes linguistiques, artistiques, scientifiques, humains ou naturels.” (Chion,
1993, p. 25).
76
61
“If I understand correctly, in playing his recording the character was not so interested in getting his friend to identify
the real source. If he were, he could have said, ‘But you couldn’t tell that it was the sound of stockings.’ Rather, he
wished to convey an effect or feeling associated with source – an effect of sesuality, eroticism, intimacy, contact. This
is why the nylon stockings, even though a more commom material, proved more to his taste than silk stockings in the
rendering of the recording” (Chion, 1994, p. 110).
78
62
O trecho a ser analisado está no CD 2, filme 2.
79
3 . 2 . 2 . P r e s q u e R i e n 63
O que é belo nos barcos a motor é que pela sua ressonância eles mostram a
forma das montanhas ao redor do porto. O interesse, eu nem diria pela beleza, mas o
interesse de um carro que passa pela rua é o de descrever as casas. Se se prestar bem
a atenção, elas não possuem a mesma sonoridade na Rue Mouffetard ou no
Boulevard Haussmann, é também uma forma de descrever a arquitetura, ali onde
vivem as pessoas, daquilo que elas escutam a partir de suas janelas. Estas são as
paisagens para mim. (Ferrari & Caux, pp. 128-129, 2002)64.
63
A obra integral está na faixa 16 do CD em anexo, Presque Rien.
64
Mais ce qui est beau dans les bateaux à moteur, c’est que par leur résonance, ils montrent la forme des montagnes
autour du port. L’intérêt, je ne dirais pas la beauté, mais l’intérêt d’une voiture qui passe dans la rue, c’est qu’elle décrit
les maisons. Si on fait bien attention, elle n’a pas la même sonorité dans la rue Mouffetard ou sur le Boulevard
Haussmann, c’est aussi une façon de décrier l’architecture, là où vivent les gens, ce qu’ils entendent depuis leurs
fenêtres. C’est ça mes paysages à moi. (Ferrari & Caux, p.128-129, 2002).
65
Uma tradução do título pode ser: Quase nada, ou o raiar do dia à beira do mar
66
“Moi je faisais des films sonores, visibles seulement à l’interieur de la tête” (Ferrari & Caux, p. 148, 2002)
67
“Elle revendique clairement (...) le plan-séquence et l’image sonore fixe, sorte de diapositive qui donnerait à entendre
une tranche de réel, comme méthode de travail, et comme moyen de se libérer des habitudes”. (Ferrari & Caux, p. 178,
2002)
84
68
Le concept des ‘Presque Rien’, c’est l’observation d’un phénomène sonore ou social que ne peut être appréhendé
qu’avec les moyens de l’enregistrement. Ensuite, la technique entre en jeu: où se mettre, où se mettre le micro, que
choisir pour demeurer dans la raréfaction des éléments. (Ferrari & Caux, 1992, p. 154).
69
As outras duas obras da série são P r e s q u e R i e n n ° 2 . A i n s i C o n t i n u e l a N u i t d a n s m a T ê t e
M u l t i p l e – 1 9 7 7 ; P r e s q u e R i e n a v e c f i l l e s – 1 9 8 9 - Quase Nada n° 2. Assim Continua a Noite em
minha Mente Multiplicada; Quase Nada com meninas.
70
“ (...) c’est-à-dire la négation du son classique dans le sens de la hauteur du son, de la dynamique” (Ferrari & Caux,
1992, p. 51).
85
71
“Non, il y a autant de composition, mais elle est cachée. Si on entend l’intervention, c’est qu’on a déformé la réalité.
C’est comme une peinture hyperr’raliste qui dissimule l’intervention de la photo derrière l’acte de peintre. (…) C’est
une composition, le compositeur intervient en permanence.” (idem, ibidem).
72
Cf. Glossário e cap. 1
73
“(…) musique concrète was a kind of abstractisation [sic] of sound-we didn't want to know its origin, its causality...
Whereas here I wanted you to recognise causality-it was traffic noise it wasn't just to make music with but to say: this
is traffic noise! (Laughs) Cage's influence, perhaps.” (Ferrari & Warburton, 1998)
86
74
Traité des Objects Musicaux, p. 339.
75
Para a descrição dos sons que segue, seguirei a morfo-tipologia dos objetos sonoros de Schaeffer.
87
76
Trata-se de uma técnica de síntese por FFT em que, a partir dos dados da análise de Fourier de dois sons, combina-
se, digamos, a estrutura de frequências de um com a estrutura de amplitudes de outro, criando-se assim um som
híbrido. A mistura pode ser feita gradualmente, e o efeito pode assemelhar-se com o que descrevemos acima.
88
As chen bach não ent endi a uma só pal avra do que ele
dizia, talvez as maiores banalidades, mas que a seus ouvidos
eram u ma v aga melo dia. Ass im, por ser estrangeiro, sua fal a
era sublimada em música, um sol altivo banhava-o de um
brilho suntuoso e a infinitude do mar era o fundo constante a
dar maior relevo a sua fig ura. (Th omas Man n, Mo rte em
Veneza . Trad. Eloí sa Ferreira Araú jo Silva. 20 03, p. 5 5-
5 6 ) 77.
77
Conferir também o filme de Luchino Visconti, “Morte em Veneza” (baseado no romance de Thomas Mann) cuja
tadução visual da praia é semelhante à cena onírica que se tem em Presque Rien. Curiosamente, o filme foi lançado
apenas um ano depois da música de Ferrari.
90
78
Degradés q u e p r o s s e g u e m t a m b é m n a s e g u n d a p a r t e , a p e s a r d e n ã o m a i s s e r e m o f o c o
da composição: o som d e cigarras é uma transpo sição para o agu do d e um som
iterativo de motores, e o som das fortes b atid as é uma variação de um som iterativ o
periód ico.
79
Cf. Glossário e cap. 1
94
80
Cf. Glossário e cap. 1.
96
81
O movimento encontra-se na íntegra na faixa 22 do CD.
97
82
Des Mains Insomniaques Conduiront le Coupé Rouge pode ser traduzido livremente por “As mãos insones
conduzirão o coupé vermelho”.
83
Lista de sons referenciais que inclue também aqueles de origem instrumental, pois em uma obra sobre suporte estes
sons são representações de instrumentos e seus gestos. No contexto desta obra a noção mesma de representação
acentua-se ainda mais, pois, na oposição com os sons “tirados do mundo”, os sons instrumentais representam, como
um campo, a música no sentido tradicional.
84
A partir daqui estou me referindo à partitura de escuta do trecho, a seguir, e à faixa X do CD.
98
85
“Il y a articulation là où il y a ‘rupture du continuum sonore en événements énérgetiques successifs distincts’,
comme pour les consonnes – et cette articulation est en relation avec l’entretien du son.” (Chion, 1983, p. 114).
86
Il y a appui là où le phénomène sonore se prolongue, comme une voyelle, et cet appui est lié à l’intonation du son”.
99
3. 3. Conclusão
87
“le musical n’est qu’un sonore convenable”. (Schaeffer apud Chion, 1983, p. 97).
107
88
Aqui em um sentido duplo: tanto para isolar das imagens da minha lembrança quanto no sentido schaefferiano.
109
na minha percepção, pode não ser apreendido por alguém que não
possua uma for mação musical semelhante à minha. Assim, se Ferr ari
expõe um pré-musical não esper a que todos os seus ouvintes o
percebam: sua obra, bem como a de Dufour , se comunica com seu
público não exclusivamente por este viés, mas antes por elementos
que são comuns a um gr upo muito amplo de ouvintes. Ela representa
uma cena com objetos partilhados pela maioria dos sujeitos
ocidentais contemporâneos (a água, motores, vozes) – sendo que a
apreensão de uma construção ‘abstr ata’ não é imprescindível para a
fruição da obra.
Contudo, Presque Rien também está aberta para uma escuta
‘abstr ata’ – assim como a música de Dufour , de Schaef fer, de
Leone. .. r etomo aqui a questão de Barthes – que difere a música das
outras artes por esta não ser repr esentativa – e afirmo que ela é e
não é, ao mesmo tempo. .. Podemos f echar as duas questões que
deixamos antes em aber to em dois dos subtítulos deste capítulo
(Existe uma pura música ‘anedótica’ ? e A música pura: existe um
som em si?) com, ao invés de uma asser tiva, uma solução ambígua.
Pois, como mostra a música de Denis Dufour , uma instância não
exclui a outra, elas coexistem. Na música de Ferrari elas não estão
lado a lado, mas se fundem em um único acoplamento. A escuta
musical – ou seja, não utilitária, e não mais entendida como oposta
a uma escuta r efer encial - pode of erecer uma clara imagem dos sons
ao mesmo tempo em que pode procurar se distanciar desta instância
causal e construir uma outra lógica. Schaef fer trilhou por uma
descrição da f orma e da matéria do som e construiu com isso uma
série de caracteres que, uma vez conhecidos, dirigem completamente
a escuta como o faz uma pr eocupação com a causalidade. Sua
formulação teórica tipo-morfológica baseada em uma escuta
reduzida, apesar do seu mérito como metodologia br ilhante para uma
investigação do ‘puro sonoro’ ou de um som ‘em abstrato’ e
112
CONSIDERAÇÕES FINAIS
GLOSSÁRIO
89
“loop: 1. shape produced by a curve crossing itself”. (Oxford Learner’s Pocket Dictionary, 1993)
122
93
“le musical n’est qu’un sonore convenable” – P. Schaeffer, apud Chion, 1983, p.97
124
94
“(...) obedecen al perfil de intensidad crescendo/decrescendo. Se trata del encadenamiento clásico de un
‘sonido al revés’ (un sonido de percusión-resonancia vuelto del revés) con un sonido de percusión-
resonancia al derecho”. (Chion, 1999, p.330).
126
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SCHAEFFER, Pier re. Cin q études de bruits (1948) I n les incun ables
194 8-1950 (INA C1006, INA.GRM, Fr ança, 1990).
FILMOGRAF IA
LEONE, Sergio. C’era una volta il west. Par amount Pictures Co rporat ion,
196 8. EUA/Itáli a.
SOF TWARE
Audiograma
136
3’48’’ St. Ant Oh, charmé des or aisons, Oh, encanto das or ações,
felicité de l’ extase, felicidade do êxtase,
pr ésence du ciel, qu’est de pr esença dos céus, que
Vous devenu. de Vós virá.
9’32’’ St. Ant Quelle solitude! Quel Que solidão! Que tédio!
ennui!
10’10’’ St. Ant Quelle solitude! Quel Que solidão! Que tédio!
ennui!
10’28’’ St. Ant Misère de moi! Est que ça Pobre de mim! Será que
ne... isso não.. .
10’54’’ St. Ant Je n’en peux plus! Assez! Eu não posso mais!
Assez! Basta!
11’09’ ’ St. Ant Oui! L a bas, tout au f ond, Sim! Lá embaixo, bem
une masse remue, comme no fundo, uma massa se
de gens que cherchent les movimenta,como
chemins. E lle est là! Ils se pessoas que pr ocur am o
trompent! caminho. E stá lá! Eles
se enganar am!
12’28’’ St.Ant Ah! C’ etait une illusion! Ah! Era uma ilusão!
Pas autre chose! Nada mais!
140
Anexo 3 - faixas no disco em Anexo dos exemplos extraídos das obras estudadas:
14. Étude
15. Étude_exemplo
16. Presque Rien
17. caminhão
18. galinha-barco
19. cacareco_motor_grave
20. vozes_chamando
21. vozes déjà-vu
22. Des Mains Insomniaques Conduiront le Coupé Rouge
23. duf_peq
24. piano-pomba
25. turbulência
26. Oeste