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Referencial Paradigmático
da Escola Brasileira
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mismo e frustrações com relação a um conjunto de instituições 1. A insatisfação geral de alunos, professores e demais agen-
afins envolvidas na mesma atividade. Esta crise tem elementos e tes diretos ou indiretos do setor educação; quase todos
dimensões heterônomas em relação à autonomia na reprodu- descontentes com a qualidade do ensino ministrado e
ção dos diversos fenômenos a ela relacionados, em termos vi- as condições a que estão submetidos os participantes do
venciais mais amplos. processo educativo.
Por outro lado, a dominância das empresas educacionais 2. As manifestações de tal insatisfação, que ocorrem nos
que se articulam como escolas isoladas e que proliferam em to- mais diversos níveis, desde trabalhos acadêmicos, até
dos os setores do País, e, para sobreviverem, precisam analisar greves e denúncias, passando pelas pressões sobre as
este tipo de conduta, passando então a ser um dos fatores a mais autoridades educacionais.
na continuidade do processo de caos. Daí a necessidade de se 3. A dependência, em termos de metodologias, teorias e
reforçar epistemologicamente a visão crítica dos paradigmas, sua pesquisas, constatada pela absoluta penúria da produ-
ação, contexto, prática e acesso individual e coletivo. ção científica na área da educação. O que existe não
Não podemos perder de vista o processo histórico de trans- reflete adequadamente a realidade histórica nacional,
formação das escolas brasileiras em verdadeiras colônias das eli- sendo, em geral, fruto do deslumbramento dos poucos
tes dominantes, o que é feito pela ingênua classe média, da qual bons estudiosos diante da produção teórica importada,
é retiradas a grande maioria dos trabalhadores da educação. ou, na melhor das hipóteses, procedentes de outros cam-
Buscando, então, refletir sobre a retomada de novos processos pos do saber universitário.
que possam articular resultados diferentes nas práticas social e 4. As constantes mudanças curriculares, que funcionam
histórica da educação no Brasil, é que apresentamos estas refle- como válvulas de escape da tensão acumulada, e que,
xões. periodicamente, se alivia pela esperança de que um novo
O prolongado autoritarismo que o País sofreu durante a currículo possa ser capaz de tornar menos nebuloso o
ditadura militar repercutiu de forma inegável em todos os seto- horizonte.
res da vida nacional. Mas, foi sem dúvida, nas instituições escola- 5. A manipulação das escolas pelos burocratas do ensino
res que se produziram enormes traumatismos. Não foi apenas a (ou pelos empresários do ensino), pessoas geralmente
violência fruto da triagem ideológica e a perseguição a desafetos alheias ao fazer e ao pensar em educação e que concen-
pessoais ou personalidades marcadas pela atuação crítica. Foi tram em si um poder autoritário que é exercido, não
um clima especial que se instalou no ambiente educacional, eli- raras vezes, com violência e arbítrio.
minando praticamente a possibilidade do debate democrático e
da convivência pluralista (Santiago, 1977). Diante de tais características, não pode ser surpresa que
Na escola brasileira, o espaço para a atividade criativa, para uma percentagem significativa das notícias a respeito de contur-
a reflexão inovadora, para o rompimento das estruturas obsole- bações na via educacional brasileira seja originária desta grande
tas, praticamente nunca existiu. Por isso, a educação e o ensino crise de percepção paradigmática, da inconsciência de seus agen-
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tes, redundando na neutralidade de suas ações e na nulidade Um dos mais sérios entraves na solução desta problemáti-
qualitativa de seus processos e resultados educacionais propria- ca é resultante dá própria indefinição no campo da educação, .
mente ditos. notadamente nos âmbitos do ensino infantil, fundamental e o
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Tendo consciência de que os currículos mínimos, decreta- médio. O caráter ainda incipiente e disperso da teoria e da pes-
dos pelos órgãos educacionais do Governo Federal, constituem quisa, nesse domínio do conhecimento, influi de forma decisiva
meros instrumentos do aparelho ideológico do Estado, faz-se nesse processo.
necessário que a denúncia dê um passo à frente, perguntando: Qual o papel das teorias da educação neste contexto fren-
O que fazer? Na verdade, isso envolve mudança de atitude no te às ciências e às suas práticas sociais? Trata-se de algo formula-
sentido de se repensar a problemática da educação e do ensino do independentemente de tempo e espaço, ou, ao contrário,
numa sociedade dependente como a nossa. teria de estar ligado ao contexto histórico concreto em que se
E preciso buscar contribuições decisivas para dar continui- insere? O seu campo é simplesmente interdisciplinar, não pos-
dade às inquietações levantadas, estimulando a crítica aberta e suindo nenhuma outra especificidade? Ou já é possível pensar
franca e até mesmo contundente, reformulando trabalhos, vi- na possibilidade de uma teoria educacional genuinamente bra-
sões e adicionando novos elementos à questão educacional como sileira como uma das formas de se aplicar estratégias para a
um todo. mudança social que esperamos?
Construir e entender, na prática, um novo paradigma plu- Responder a essas questões, ao nosso ver, revela-se tarefa
ralista, que reflita sobre as tendências, as diferentes formulações fundamental, na medida em que tais estratégias representam
e múltiplos enfoques ideológicos, que demonstre a preocupa- na realidade, um importante aparelho ideológico do Estado
ção em inverter o enfoque com que normalmente é estudado e opressor, constituindo no capitalismo monopolista uma verda-
visto o problema da educação e do ensino no Brasil. Introduzin- deira indústria de manipulação da educação para se sustentar
do uma dimensão crítica mais sistemática e uma perspectiva his- modelos econômicos, principalmente internacionais.
tórica que pretenda situar esta área de conhecimento e ação Um outro aspecto, de acordo com Apple (1982), merece
humana no cume da realidade nacional, dando a ela a real pri- ser relacionado, com as dificuldades enfrentadas na prática do-
oridade necessária, é talvez o passo mais urgente que os atores cente, é aquele referente à questão da ideologia e do poder na
educacionais e as autoridades da educação no Brasil devem dar. educação. Qualquer análise que se pretenda efetiva, terá que
O impasse na educação brasileira exige não somente uma partir de uma reflexão de suas manifestações concretas, como
reflexão sobre a problemática na tentativa de analisá-la criticamen- por exemplo, das leis, das portarias, das determinações, dos pa-
te, mas também uma mudança de atitude na sua avaliação, que receres do MEC, se pretender escapar ao estilo dos estudos ha-
possa levar à fundação de um novo projeto educacional. Snyders bituais, que se limitam a denunciar entidades genéricas de do-
(1981) falou da ênfase até aqui atribuída ao currículo, consideran- minação como o Estado. Justifica-se, assim, a necessidade de
do-o como um fim em si mesmo, impossibilitando um verdadeiro examinar os mecanismos de controle e de poder no ensino e na
diagnóstico da situação. A questão que se coloca é a de saber como, educação, a mesma forma da ideologia que está por trás das di-
numa sociedade dependente e colonizada culturalmente, esse pro- ferentes mudanças curriculares.
blema é enfocado ao mesmo tempo em que se formulam alternati- A partir do momento em que se constata que a educa-
vas para superar o dilema da educação no País. ção é assunto de interesse nacional, não se pode ingenua-
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mente supor que a sua regulamentação seja entregue ao aca- A ideologia que está por trás de todos os instrumentos le-
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so, ao arbítrio dos técnicos do MEC. Da mesma forma, as cons- gais de ensino só pode ser detectada quando se compreende <
o tantes mudanças de currículo não são simplesmente resul-
u qual é o modelo, ou o paradigma de educação vigente. Para M.
tantes da insatisfação dos estudantes, dos professores, dos Gadotti (1987), esse modelo de educação, cujas conseqüências
administradores educacionais; mas significam que a educa- estamos suportando hoje, foi trazido pelos especialistas norte-
ção, devido ao papel de cada vez mais importante, tem de ser americanos, desde 1966, quando foi firmado o acordo entre o
redimensionada conforme o projeto de modernização da so- MEC e a USAID (United States Agency for International Deve-
ciedade como um todo. lopment). Os peritos envolvidos neste acordo acabaram conclu-
Não há, portanto, neutralidade possível neste setor, pri- indo que a formação técnico-profissionalizante seria o ideal para
meiro porque a escola é um dos mais importantes aparelhos ide- a educação brasileira porque também era o ideal na formação
ológicos do Estado, uma das suas mais eficientes formas de con- do estudante norte-americano.
trole. E, segundo, porque a educação que nela se processa está Dessa forma, a ênfase nas disciplinas técnicas mostra tam-
profundamente ligada a um outro aparelho, aquele dos meios bém uma ideologia da modernização e do desenvolvimento, que
de comunicação de massa, que nos países subdesenvolvidos, na visava simplesmente ao aperfeiçoamento do sistema industrial
ausência de urna educação mais formal, adquirem um papel vi- e econômico capitalista, possibilitando compreender que as ra-
tal na dominação/direção de classes (Bodenave, 1972). zões dessas mudanças eram puramente econômicas. Assim, a
A situação das escolas brasileiras, tanto públicas como par- concepção ideológica da educação implica afirmar que os países
ticulares, vem mostrar como o poder, nas mãos de seus dirigen- periféricos e, portanto, dependentes, estão atrasados porque são
tes, quase sempre alheios ao campo da educação e do ensino, carentes de tecnologias e não porque são dependentes. Ora, essa
está sendo exercido no sentido de adequar estas escolas aos pro- carência pode ser suprida por uma reforma no sistema escolar
jetos educacional e político do governo. Essa tarefa tem sido fa- voltada para o treinamento e adestramento do estudante, tor-
cilitada pela mudança de estrutura e função do ensino, o que nando-o um dócil servidor do sistema econômico.
tem demonstrado um caráter cada vez mais empresarial da edu- Ajustificação dos motivos, porém, é outra. Aparentemen-
cação nos últimos tempos (Fávero, 1980). te as reformas eram guiadas por uma filosofia (que faz o papel
O crescimento desordenado das escolas não contribui em da ideologia: oculta as verdadeiras raízes sócioeconômicas) vol-
nada para a melhoria qualitativa do ensino. A ideologia da tada para a vida. Essa filosofia insistia na escola ativa de John
profissionalização tem sido a tônica nítida na orientação dos Dewey, na escola como serviço à sociedade, mas na realidade,
estudos. Com isto, não queremos dizer que a escola não deva era um serviço prestado exclusivamente à "modernização indus-
formar profissionais qualificados para as empresas, os mecanis- trial", ou seja, aos interesses econômicos do capitalismo, forman-
mos estatais, o terceiro setor, mas, que apesar desta orientação do, de um lado, mão-de-obra "especializada" (Leis de Diretrizes
ser considerada como meta e objetivo, ela não tem dado conta e Bases da Educação Nacional que regulam políticas e normas
nem mesmo desta tarefa, pois o ensino, quando profissionali- para os ensinos fundamental e médio) e, de outro, grupos "diri-
zante, é destituído de qualquer cunho prático, evidenciando, gentes" (as consecultivas Reformas do Ensino Superior, que, a
assim, uma inadequação entre meios e fins, no caso, inclusive, bem da verdade, nunca saíram da legislação para a prática con-
da formação superior. creta) .
(Leonardo Boff)
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