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Artigo de Atualização

Pancreatite aguda: o que mudou?


TARCISIO TRIVIÑO, GASPAR DE JESUS LOPES FILHO e FRANZ ROBERT APODACA TORREZ
Disciplina de Gastroenterologia Cirúrgica do Departamento de Cirurgia
da Escola Paulista de Medicina – Universidade Federal de São Paulo

RESUMO
Os autores realizam uma análise dos fatos mais importantes que aconteceram no decorrer das últimas
décadas, com respeito à pancreatite aguda, enfatizando aspectos laboratoriais e, especialmente, de imagem,
que mudaram substancialmente a abordagem da pancreatite aguda. Da mesma forma, fazem uma rápida
revisão das mudanças do tratamento cirúrgico da pancreatite aguda, seja na forma leve, assim como na
grave. GED 21(2):69-76,2002

INTRODUÇÃO Unitermos – Pâncreas


Pancreatite aguda
A pancreatite aguda é uma doença que tem como substrato
um processo inflamatório da glândula pancreática, decorrente Key words – Pancreas
Acute pancreatitis
da ação de enzimas inadequadamente ativadas, que se traduz
por edema, hemorragia e até necrose pancreática e peripan-
creática, acompanhado de repercussão sistêmica que vai da
laboratoriais e de imagem, além de novas propostas terapêu-
hipovolemia ao comprometimento de múltiplos órgãos e sis-
ticas em busca de melhores resultados(28,31).
temas e, finalmente, ao óbito(4).
A década de 90 busca técnicas de diagnóstico precoce da
Reconhecida no seus aspectos anatomopatológicos por Fitz,
doença e suas complicações; monitorização agressiva dos
em 1889(13), e tendo nas descrições de Opie(24), em 1901, as
doentes com prognóstico grave; cuidados intensivos em uni-
primeiras tentativas de explicação etiopatogênica, a doença
dades especializadas; tratamento das complicações respirató-
permanece bastante controvertida em todos os seus aspec-
rias, hemodinâmicas, renais e sépticas; diagnóstico de sepse
tos.
pancreática; abordagem terapêutica adequada; e redução dos
A pancreatite aguda atravessou a primeira metade do sécu-
índices de morbilidade e mortalidade, ainda tão elevados.
lo imersa em absoluto desconhecimento. Das controvérsias
Este artigo pretende rever os avanços testemunhados nes-
etiopatológicas, das dificuldades diagnósticas e dos conflitos
sas décadas, dando-lhes a importância por nós observada em
terapêuticos, resultou total impossibilidade na avaliação dos
nossa vivência na clínica gastroenterológica.
resultados.
Os últimos 30 anos foram pródigos com a pancreatite agu-
ETIOLOGIA
da.
Na década de 70, Acosta e Ledesma(1) e Kelly(20) resgataram A etiologia da pancreatite aguda permaneceu obscura por
a teoria da obstrução do confluente biliopancreático, desta- muito tempo. Em 1901, Opie(24) relacionou a doença à obstru-
cando, assim, a litíase biliar como uma das maiores responsá- ção litiásica da via biliar; em 1917, Symmers atribui à ingestão
veis pelos quadros de pancreatite aguda. de álcool a gênese do processo(35).
Na década de 80, observou-se acentuada preocupação com Seguiram-se inúmeras propostas etiológicas, tais como trau-
a classificação da doença e suas complicações, bem como a mas cirúrgicos, infecciosas, parasitárias, por drogas e idiopá-
caracterização da gravidade, através de parâmetros clínicos, ticas.

Endereço para correspondência – Gaspar de Jesus Lopes Filho, Rua Original, 156, apto. 11 – 05435-050 – São Paulo, SP. Tel. (11) 3834-2615. E-mail:
gaspar.dcir@epm.br

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Em 1974, Acosta & Ledesma(1) e, em 1976, Kelly(20) demons- Acredita-se que a exposição a um fator causal, como cálcu-
traram, nas fezes de pacientes com pancreatite aguda, cálcu- los biliares, álcool e trauma, desencadeia uma cascata de even-
los semelhantes aos encontrados na vesícula dos mesmos por tos patológicos, resultando nas alterações locais e sistêmicas
ocasião da colecistectomia, o que vinha sugerir sua migração, tão bem conhecidas.
com obstrução transitória do confluente biliopancreático, na Há mais de 100 anos, Chiari propôs que a ativação intra-
gênese da pancreatite(20). Era a confirmação da teoria de Opie pancreática dos zimogênios resultaria em autodigestão pan-
e a definição da litíase biliar como uma das mais importantes creática. Hoje, aceita-se que essa ativação ocorre na célula
causas de pancreatite aguda. acinar(8) e que uma das enzimas ativadas, provavelmente a trip-
O advento de novos métodos de imagem, notadamente a sina, determinaria a ativação de outras enzimas, desencadean-
ultra-sonografia, a colangiopancreatografia retrógrada endos- do assim uma reação em cadeia. Essas enzimas, ativando-se
cópica e a tomografia computadorizada, contribuiu não só para no pâncreas e nos tecidos peripancreáticos, ocasionariam as
o diagnóstico, mas, principalmente, para definir as causas da alterações já bem conhecidas (edema, fenômenos vasculares
doença e sua evolução. e hemorrágicos, necrose gordurosa do tecido pancreático e
Com base em evidências epidemiológicas, admite-se, na peripancreático), além de promover alterações a distância, por
atualidade, que aproximadamente 80% das pancreatites agu- via sanguínea e linfática, principalmente sobre os pulmões e
das estão relacionadas à doença biliar litiásica ou ao álcool. rins(8).
Embora muitas outras etiologias já estejam estabelecidas Além das enzimas, uma série de substâncias tóxicas e va-
(trauma, drogas, infecciosas, vasculares e manuseio endoscó- soativas é liberada pelo pâncreas, extravasada para a retroca-
pico), uma parcela não desprezível permanece com a etiolo- vidade e cavidade peritoneal, causando irritação química, au-
gia desconhecida, sendo, portanto, denominada idiopática(29). mento do terceiro espaço, redução do volume circulante,
O quadro 1 procura agrupar os fatores etiológicos da pan- hipotensão e choque. Na circulação sistêmica, essas substân-
creatite aguda, segundo Ranson (1997)(30). cias agiriam em diversos órgãos, notadamente pulmões, cora-
ção, rins e cérebro, determinando o aparecimento de insufi-
FISIOPATOLOGIA
ciências de múltiplos órgãos e sistemas(5).
Apesar dos estudos exaustivos, inúmeras lacunas persis- Uma vez desencadeado o processo, independente de sua
tem na fisiopatologia da pancreatite aguda. etiologia, a doença apresenta uma fase precoce e outra tardia,
sem que entre elas exista diferenciação nítida, o que dificulta
QUADRO 1
sua abordagem terapêutica(4).
Fatores etiológicos na pancreatite aguda
O descobrimento do gene responsável pela pancreatite agu-
Metabólicos da hereditária tem ajudado a conhecer melhor a doença e o
Álcool papel das citocinas na resposta inflamatória da pancreatite(8).
Hiperlipoproteinemia Na tentativa de melhor explicação da fisiopatologia da doen-
Hipercalcemia
Drogas ça(15), uma série de seqüências tem sido proposta (fig. 1).
Genéticas Entretanto, dados recentes atribuem maior importância aos
Veneno de escorpião eventos que aconteceriam no interior da célula pancreática
Mecânicos (fig. 2)(8).
Colelitíase
Pós-operatório
Pâncreas divisum DIAGNÓSTICO
Pós-trauma
Pancreatocolangiografia retrógrada endoscópica Nem sempre o quadro clínico da pancreatite aguda é carac-
Obstrução do ducto pancreático (neoplasias, ascaridíase) terístico, o que, por vezes, torna difícil o seu diagnóstico. São
Sangramento do ducto pancreático importantes, pela freqüência, a dor abdominal, intensa, ini-
Obstrução duodenal cialmente epigástrica e irradiada para o dorso, em faixa ou para
Vasculares todo o abdome, além de náuseas e vômitos, acompanhada de
Pós-operatório (bypass cardiopulmonar)
Periarterite nodosa parada de eliminação de gases e fezes(4). O polimorfismo no
Ateroembolismo quadro clínico da doença é o principal responsável pelo erro
Infecciosas no seu diagnóstico.
Caxumba Dentre os exames laboratoriais, a dosagem da amilase sérica,
Coxsackie B proposta por Elman e col. em 1929(12), continua sendo o mais
Citomegalovírus importante recurso diagnóstico na pancreatite aguda, sendo
Criptococo
bastante significativos os valores superiores a 1.000UI(20). A
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Fator desencadeante

Lesão da célula acinar

Ativação da tripsina

Ativação da Ativação da Ativação Ativação da Ativação


kinina-calicreína quimiotripsina da elastase fosfolipase-A da lipase

Edema e Edema e Lesão vascular Necrose e


Esteatonecrose
inflamação lesão vascular e hemorragias coagulação

Fig. 1 – Características fisiopatológicas do desenvolvimento da pancreatite aguda

Enzimas ativas e
Agressão outros fatores solúveis

Edema, lesão
Ativação e
vascular
retenção de Isquemia
zimogênio
Citocinas Inflamação

Efeitos sistêmicos
Citocinas Célula acinar
Apoptose
Fig. 2 – Eventos celulares que resultam em pancreatite aguda

dosagem da lipase sérica, também útil no diagnóstico da pan- Com o advento das técnicas de radioimunoensaio, novos
creatite aguda, tem os seus níveis elevados mais tardiamente parâmetros foram propostos, tais como a dosagem da tripsi-
do que a da amilase(16). na, quimiotripsina, arilsulfactase, betaglucoronidase, nenhu-
Outros exames laboratoriais, tais como o leucograma, tran- ma delas superando, contudo, a dosagem sérica da amilase.
saminases, desidrogenase láctica, cálcio sérico, glicemia, ga- A grande revolução no diagnóstico e no estadiamento da
sometria e creatinina, são particularmente úteis na caracteri- pancreatite aguda deve-se, no entanto, aos métodos de ima-
zação da gravidade da doença(5,31), o mesmo acontecendo com gem(2).
a dosagem da proteína C reativa(22) e, mais recentemente, da Os anos 70 conheceram a ultra-sonografia, útil na identifi-
interleucina 6(26). cação da doença biliar litiásica na gênese da pancreatite, e já
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capaz de identificar as alterações no parênquima pancreático obteve uma classificação baseada, principalmente, em aspec-
e as coleções peripancreáticas. tos clínicos, anatomopatológicos e evolutivos, a qual pode ser
Os anos 80 acrescentaram a essa propedêutica a tomogra- resumida da seguinte forma:
fia computadorizada do abdome, permitindo um estudo deta- 1 – pancreatite aguda
lhado da glândula e das regiões adjacentes(2,3). 2 – pancreatite crônica
Nos anos 90, passou-se a valorizar a tomografia computa- a) com necrose focal
dorizada, com contraste endovenoso em bolus(14), a qual per- b) com fibrose difusa ou segmentar
mitiu estudar a irrigação da glândula e, por conseqüência, as c) com cálculo
áreas isquêmicas, necrosadas, daí decorrendo uma classifica- d) sem cálculo
ção prognóstica bastante aceita(3). 3 – pancreatite crônica obstrutiva
Esse exame é, também, de grande valia na identificação de Apesar de aceita pela maioria, a diversidade na caracteriza-
coleções, pseudocistos, abscessos e flegmões, auxiliando no ção e na denominação dos fenômenos locais que acompa-
tratamento e nas eventuais decisões de indicações cirúrgi- nham a doença levou a um novo simpósio, em Atlanta, em
cas(3,17). 1992, com o objetivo de estabelecer uma classificação sim-
Também na década de 80, a colangiopancreatografia retró- ples, objetiva, precisa e não invasiva, além de definir melhor a
grada endoscópica esteve em discussão, seja pelo seu valor terminologia freqüentemente utilizada de forma conflitante(10).
diagnóstico, seja pelo terapêutico, permanecendo discutíveis A classificação, então proposta, pode ser expressa como
suas indicações e seus resultados(23). segue:
O final dos anos 90 reservou um espaço para a ressonância 1) pancreatite aguda
nuclear magnética, cujas imagens são cada vez mais bem de- 2) pancreatite aguda grave
finidas, de interpretação também mais adequada, tendo como 3) pancreatite aguda leve
grande aliado o fato de não utilizar contraste iodado, cuja ne- 4) coleção líquida aguda peripancreática
frotoxicidade limita o uso da tomografia computadorizada em 5) necrose pancreática
doentes com insuficiência renal. 6) pseudocisto agudo
Da mesma forma, a colangiopancreato-ressonância magné- 7) abscesso pancreático
tica mostrou-se um bom recurso no diagnóstico dos fenôme-
nos obstrutivos e das alterações morfológicas da árvore bilio- CRITÉRIOS PROGNÓSTICOS
pancreática, independente do uso de contrastes.
Na atualidade, tendo à disposição todos os recursos prope- Considerando a ampla variedade de apresentações da pan-
dêuticos anteriormente relacionados, é possível suspeitar do creatite aguda, bem como o grande potencial de gravidade da
diagnóstico de pancreatite aguda pela história, antecedentes doença, há muito constitui preocupação a caracterização das
e exame físico, ficando a confirmação e a caracterização da formas leves e das formas graves da pancreatite. A diferencia-
gravidade e do prognóstico por conta dos exames laborato- ção entre essas formas pode ser feita pelos critérios prognós-
riais e de imagem, os quais também são úteis na escolha da ticos com base em dados clínicos, laboratoriais e de ima-
melhor opção terapêutica(4,17). gem(2,3,31).
Vale lembrar que a evolução da pancreatite grave é imprevi- Em 1974, Ranson e col.(32) elaboraram uma relação de crité-
sível e enganosa, ficando para os médicos, clínicos e cirur- rios, que foram, posteriormente, em 1982(29), modificados para
giões a responsabilidade, baseada no acompanhamento per- a pancreatite aguda de etiologia biliar e que analisavam os doen-
manente, de adequar-se às necessidades terapêuticas do tes por ocasião da admissão e 48 horas após.
doente. Esses critérios, relacionados no quadro 2(30), tiveram gran-
de aceitação e permitiram a estratificação da doença, bem como
CLASSIFICAÇÃO a comparação de diferentes casuísticas.
Desde as primeiras observações clínicas e anatomopatoló- A presença de um ou dois critérios caracteriza a pancreatite
gicas vem-se buscando classificar as pancreatites, utilizando aguda leve; de três a seis critérios são observados na pan-
parâmetros etiológicos, clínicos, evolutivos ou histológicos. No creatite aguda grave; acima de seis critérios indicam a pan-
entanto, a diversidade nas classificações constituiu-se no prin- creatite aguda gravíssima. Índices de mortalidade de 1 a 2%
cipal obstáculo à comparação dos resultados das diferentes são observados nas formas leves e de até 80 a 100% nas for-
casuísticas. mas mais graves.
Preocupados em padronizar conceitos e terminologias, es- Inúmeros outros critérios foram propostos por Pickford
tudiosos da pancreatite organizaram os simpósios de Marse- (1977)(27), Imrie e col. (1978)(19), Osborne e col. (1981)(25), Har-
lha em 1963, e, posteriormente, em 1984(6), dos quais se ness e col. (1981)(17), mas sua aceitação teve caráter restrito.
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Em 1983, Bank e col.(6) elaboraram uma relação de critérios liação, o escore de até sete pontos caracteriza a pancreatite
clínicos e laboratoriais, expressos no quadro 3, e que definiam aguda leve e o escore de oito ou mais pontos define a doença
como pancreatite aguda grave aquela que manifestasse um ou como grave (quadro 5).
mais desses critérios. Esse escore é calculado somando A (soma dos 12 itens das
Em 1984, Blamey e col.(9) estabeleceram os critérios de Glas- variáveis fisiológicas) + B (pontuação conforme a idade) + C
gow, apresentados no quadro 4. (pontuação conforme as doenças crônicas).
A partir de 1985 (Knaus e col.)(21), passou-se a empregar, Em 1985, Balthazar e col.(2) propuseram índices de gravida-
para a avaliação da pancreatite aguda, os critérios de Apache de da pancreatite aguda, com base em achados de imagem
II (acute physiology and chronic health evaluation), cuja maior obtidos por tomografia computadorizada.
qualidade é a de permitir uma avaliação momentânea e se- Essa classificação, expressa no quadro 6, relaciona baixos
qüencial dos fenômenos que envolvem o processo. Nessa ava- índices de morbidade e mortalidade aos estádios A e B, ao
contrário dos estádios D e E.
Em 1990(3), os mesmos autores acrescentaram a esses cri-
térios prognósticos os percentuais de necrose do parênquima
QUADRO 2
glandular, fornecidos pela tomografia computadorizada com
Critérios de Ranson
contraste endovenoso em bolus (14), a qual possibilita definir
Admissão P.A. alcoólica e outras P.A. biliar
melhor as áreas pancreáticas cuja perfusão se encontra com-
prometida.
Idade > 55 anos > 70 anos
Leucócitos > 16.000/mm3 > 18.000/mm3
Glicemia > 200mg/100ml > 220mg/100ml
DHL > 350U/I > 250U/I QUADRO 4
TGO > 250U/I > 250U/I Critérios de Glasgow
48 horas
Nas primeiras 48 horas
Hematócrito ↓ 10% ↓ 10%
Nitrogênio uréico ↑ 5mg/100ml ↑ 2mg/100ml Idade > 55 anos
Cálcio < 8mg/100ml < 8mg/100ml Leucócitos > 15.000mm3
PO2 < 60mmHg Glicemia > 180mg/dl
BE < –4mEq/L < –5mEq/L Uréia > 45mg/dl
Seqüestro líquido > 6.000ml > 4.000ml DHL > 600U/I
Albumina < 3,3g/dl
Cálcio < 8mg/dl
PO2 < 60mmHg
QUADRO 3
Critérios de Bank e col.

Cardíacos QUADRO 5
Choque, taquicardia > 130bpm, arritmias, alterações do ECG Escore de Apache II
Pulmonares
Dispnéia, estertores, PO2 < 60mmHg, SARA A) Variável fisiológica
B) Idade
Renais C) Doenças crônicas
Débito urinário < 50ml/h, elevação do nitrogênio uréico e/ou
creatinina
Metabólicas
Queda do cálcio, queda do pH, queda da albumina QUADRO 6
Classificação tomográfica da PA
Hematológicas
Queda do hematócrito, CIVD
A) Pâncreas normal
Neurológicas
Irritabilidade, confusão, sinais de localização B) Pâncreas aumentado

Hemorragia peritoneal C) Edema peripancreático


Presença de equimose na parede abdominal D) Presença de uma coleção peripancreática
Distensão abdominal E) Presença de duas ou mais coleções ou ar na região peripan-
Íleo paralítico grave, líquido peritoneal creática.

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Essa nova classificação, expressa no quadro 7, tem recebi- ao nível da ampola biliopancreática, seja por cálculo, seja por
do aceitação bastante grande dos cirurgiões, servindo como processo inflamatório, particularmente na vigência de colan-
o principal critério de avaliação, ao lado dos critérios de Ran- gite.
son e Apache II. O tratamento cirúrgico das formas graves da pancreatite
aguda foi o que mais mudou nos últimos 20 anos.
TRATAMENTO E RESULTADOS Até o início dos anos 80, a intervenção precoce sobre a
necrose pancreática era a conduta preconizada, sendo segui-
O tratamento inicial da pancreatite aguda é clínico, deven-
da de índices de mortalidade que oscilavam entre 30 e 70%(5).
do ser realizado em unidades de terapia intensiva, na depen-
Inúmeros estudos clínicos ensinaram que a intervenção re-
dência de sua gravidade.
tardada era mais efetiva, estando a necrose bem delimitada, e
As medidas iniciais não sofreram grandes modificações nas
seguindo-se índices de mortalidade bem inferiores(7).
últimas décadas, sendo caracterizadas por: jejum oral, hidra-
A intervenção precoce ficou, então, reservada para os ca-
tação parenteral, nutrição parenteral e analgesia sistêmica(4).
sos de infecção da necrose pancreática, diagnosticada por to-
Ainda hoje discute-se o valor da utilização rotineira de son-
da nasogástrica, bloqueadores da secreção gástrica, bloquea-
dores da secreção pancreática, análogos da somatostatina e
antibióticos(18,19). QUADRO 8
O quadro 8 resume a abordagem terapêutica da pancreatite Abordagem clínica na pancreatite aguda
aguda, independente de sua gravidade(30).
O tratamento cirúrgico da pancreatite aguda sofreu modifi- a) Limitar a intensidade da inflamação pancreática
• Inibidores da secreção pancreática
cações nas últimas décadas(34). • Inibidores das enzimas pancreáticas
A partir dos anos 40, analisando os altos índices de morta- • Inibidores dos mediadores inflamatórios
lidade operatória quando a cirurgia era realizada precocemen- b) Interromper a patogênese das complicações
te, passou-se a empregar este recurso apenas para os pacien- • Antibióticos
tes com comprovado obstáculo biliopancreático. • Antiácidos
Após o simpósio de Marselha, em 1963, quando a pan- • Heparina, fibrolisina
• Dextrano de baixo peso molecular
creatite aguda de etiologia biliar foi reconhecida como entida-
• Vasopresina
de clínica bem definida, passou-se a considerar a remoção da • Lavado peritoneal
vesícula e eventuais obstáculos à drenagem biliar como con- c) Medidas de suporte e tratamento das complicações
duta obrigatória. Desde então, discute-se se a colecistectomia • Restauração e manutenção do volume intravascular
deve ser “precoce”, até 72 horas após o início do surto, “pos- • Reposição de eletrólitos
tergada”, entre sete e 10 dias, porém na mesma internação, • Suporte ventilatório
ou “tardia”, após 30 a 60 dias da alta hospitalar. • Suporte nutricional
• Analgesia
Embora muito se discuta quanto ao valor da colangiopan- • Heparina
creatografia retrógrada endoscópica e papilotomia endoscó-
pica(23), estas estão bem indicadas em doentes com obstáculo (Ranson, 1997)

QUADRO 9
QUADRO 7 Modalidades cirúrgicas na pancreatite aguda necrotizante
Índice de gravidade tomográfica (Balthazar e col., 1990)
Tratamento convencional
Alteração Pontos Necrose Pontos Ressecção ou necrosectomia com drenagem
pancreática pancreática (%) Reoperações se necessário
Procedimentos abertos
A 0 Sem necrose 0 Ressecção ou necrosectomia e relaparotomias programadas
B 1 Até 30% de necrose 2 Tratamento abdominal aberto
C 2 De 30 a 50% de necrose 4 Tratamento com fechamento abdominal temporário
D 3 Acima de 50% de necrose 6
E 4 Procedimentos fechados
Necrosectomia e lavagem local fechada contínua
0 – 3 pontos = 3% de mortalidade e 8% morbidade Reoperações se necessário
4 – 6 pontos = 6% de mortalidade e 35% de morbidade
7 – 10 pontos = 17% de mortalidade e 92% de morbidade Rau & Beger, 1997

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mografia computadorizada ou ressonância nuclear magnética semana, e para sua abordagem diversas modalidades cirúrgi-
e, principalmente, por punção com agulha fina(33). cas podem ser empregadas, como registra o quadro 9.
Também se reserva a intervenção precoce aos pacientes Atualmente, os resultados do tratamento da pancreatite agu-
graves, com insuficiência de múltiplos órgãos, que não apre- da leve são excelentes, com mortalidade inferior a 1%. Para as
sentaram melhora após 72 horas de cuidados intensivos(7,11,30). formas graves, mortalidade de 20 a 30% pode ser observada
Quanto à intervenção sobre a necrose não infectada, esta em serviços onde cirurgiões e intensivistas possam dar ao
deve ser postergada ao máximo, se possível após a terceira paciente atendimento multidisciplinar de excelência.

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Acute pancreatitis: what has changed?

SUMMARY
The authors analyze the most important factors concerning acute pancreatitis over the last decades. They
emphasize laboratory and, more particularly, imaging aspects that substantially changed the approach to
acute pancreatitis. On the other hand, the authors make a brief review of surgical treatment changes for both
mild and severe pancreatitis. GED 21(2):69-76,2002

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