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ESTUDOS MITOLÓGICOS

Fernando Martins
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ofernando@globo.com

GWYDDION

O quarto relato do Mabinogion nos leva ao norte de Gales — ou Cymry, tal como dizem
seus habitantes em gaélico. Ali vive Math, senhor de Gwynedd, que possui um hábito muito
curioso: sempre que não está em guerra, dispõe de uma jovem virgem para esquentar os pés
entre suas pernas; entre elas está a doce Goewin. Um dos sobrinhos do rei Math,
Gilfaethwy, gosta dela e se desespera toda vez que seu tio a utiliza para repousar os pés.
Seu irmão Gwyddion — encarnação do deus da magia — vê o que ocorre e se compromete
a ajudá-lo. Seu plano começa desviando a atenção do tio. Para isso, falam sobre umas
criaturas nunca vistas antes no país e cuja carne dizem ser melhor que a da vaca. São porcos
e a única coisa que se sabe ao certo sobre eles é que Arawn os deu de presente a Pryderi, na
corte do sul. Gwyddion aproxima-se deles acompanhado por alguns homens escolhidos,
disfarçados de bardos, para roubar os animais. Como incomodar os vizinhos é um dos
passatempos prediletos dos celtas e, além disso, Math sente verdadeira curiosidade pelos
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seres estranhos, ele gosta da idéia e parte para a expedição. Ao chegar a Dyfed, Pryderi
acredita realmente que os viajantes pertencem à escola druídica e, seguindo os costumes, os
convida para contar uma história interessante durante a ceia. Gwyddion se oferece para
falar e mostra sua habilidade como narrador entretendo a todos durante a noite inteira. No
final, para premiar seu conto, pede a Pryderi que lhe dê alguns porcos de presente. Mas ele
se nega. Prometera a Arawn que não se desfaria deles até que se reproduzissem e possuísse
o dobro dos que possuía naquele momento. Gwyddion resolve o problema lançando mão da
feitiçaria: transforma alguns cogumelos em 12 cavalos com selas e freios de ouro, 12 cães
com coleiras e correntes de ouro e 12 escudos de ouro. Com os presentes mágicos em mãos,
vai ao encontro de Pryderi e argumenta que, para não romper sua promessa, em vez de dar
os porcos de presente ou vendê-los, poderia trocá-los. Por algo melhor, é claro. É então que
ele mostra os cavalos, os cães e os escudos, oferecendo-os em contrapartida. Pryderi morde
a isca e aceita a troca. Com os animais em seu poder, os falsos bardos retornam correndo
para o norte. Eles precisavam chegar antes que o encanto se desfizesse, 24 horas depois de
pronunciado. Quando chegam ao castelo de Math e põem os porcos em um local seguro,
seu tio, o rei, já havia preparado o exército com o qual sairia para conter os homens do sul,
que juraram vingança logo ao descobrirem a farsa. Gwyddion e Gilfaethwy fingem
acompanhar Math na batalha. Porém, durante a noite, antes do confronto, eles retornam em
sigilo para casa com o objetivo de colocar em prática a penúltima etapa de seu plano. Eles
encontram Goewin sozinha e a obrigam a submeter-se sexualmente a Gilfaethwy, que vê
assim satisfeitos seus lascivos desejos na cama do rei. Em seguida, os dois irmãos retornam
para o exército de Math para participar do confronto com as tropas de Pryderi. Muito
sangue foi derramado antes que se resolvesse solucionar o conflito no estilo celta: no
combate pessoal entre os campeões de ambos os bandos. Ao reconhecer o falso bardo que o
enganou, Pryderi desafia Gwyddion. Após uma longa luta, ele mata o rei de Dyfed graças a
seus poderes mágicos. Os soldados do de eles serem metamorfoseados em lobos. No
terceiro ano, Math devolve a eles o aspecto humano, pois acredita que já cumpriram seu
castigo. sul recuam cabisbaixos e tristes e os do norte regressam contentes e triunfantes ao
castelo de Math. Os dois sobrinhos do rei ficam patrulhando as fronteiras acompanhados
por outros homens. Temem voltar junto com os demais, pois já começam a se arrepender do
que fizeram com Goewin e a cólera de Math pode ser incontrolável. E assim acontece. A
primeira coisa que o monarca faz ao voltar é pedir para que venha a donzela para esquentar
os pés entre suas pernas. Mas ela não é mais virgem e ele não consegue mais. Ela confessa
ter sido violada pelos irmãos. Math, enfurecido, decide reparar a desonra casando-se com
ela e transformando-a em sua rainha, aproveitando ainda para se vingar de seus sobrinhos.
Ele ordena o retorno dos dois à corte e mostra que também dispõe de certos poderes. Já que
tinham se comportado como animais, transforma Gwyddion em cervo e Gilfaethwy numa
cerva — o autor material da violação demonstrou não ter honra de homem, devendo assim
ser transformado em fêmea —, para que vivam e se pareçam com animais durante um ano.
Após esse tempo, os cervos retornaram acompanhados de um filhote. Então Math os
transforma em porcos e os manda de volta ao bosque, mas o filhote é transformado em
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criança e acolhido na corte. Ao fim de outro ano, os porcos retornam com um filhote e a
operação é repetida depois
Mas durante aqueles três anos, Math não havia descansado tranqüilo. Precisava de outra
virgem para esquentar seus pés, mas não a encontrava. As que se diziam imaculadas e não o
eram foram logo desmascaradas. É o caso de sua sobrinha Arianrhod que de fato deu à luz
gêmeos na frente do monarca justo quando defendia sua virgindade. No momento de um
parto tão inesperado, todos se apressaram para ajudar a mãe e o primeiro dos filhos. O
segundo ficou meio oculto entre as roupas e apenas Gwyddion percebeu, recolhendo-o
rapidamente, pois desejava encarregar-se de sua educação. Ele deixou a criança com uma
mulher do povo, mas cuidou para que não lhe faltasse nada, pois o queria como a um filho
seu. Provavelmente ele era! O menino cresceu forte e saudável, mas quando ficou sabendo
de sua existência, Arianrhod envergonhou-se de sua existência e não quis nem vê-lo.
Rezava uma lenda que ele não teria nome enquanto ela não o desse e Gwyddion decidiu
utilizar uma armadilha para que a criança não ficasse sem nome. Ele se disfarçou de
sapateiro e fez o mesmo com o pequeno. Mediante um estratagema, conseguiu que
Arianrhod batizasse-o como Lleu Llaw Gyffes, o Menino do Cabelo Brilhante e Boa
Pontaria. Furiosa, ela jurou outro encantamento. Lleu não pegaria em armas se ela não as
desse e logo garantiu que jamais o faria. Com outro truque de Gwyddion, Arianrhod acabou
iniciando seu filho como guerreiro. Então ela jurou um terceiro encantamento: mesmo que
tivesse nome e armas, nunca teria uma esposa humana. Aquele foi o mais grave de todos, já
que Gwyddion não sabia como resolver o impasse e, desesperado, recorreu a Math Este
voltou a utilizar seus poderes. Utilizando flores, ele criou uma mulher muito bonita,
chamada Blodeuedd, ou Cara de Flor. Lleu a tomou em seguida como esposa.
Transcorreram longas aventuras com muitas maldades, traições, guerras e esperanças. No
fim, após muito sofrimento e esforço, Lleu conseguiu alcançar um posto relevante como
senhor de Gwynedd.
Certamente, Lleu é a versão galesa do Lug irlandês. Com o tempo, acaba sendo também um
dos patronos da magia, assim como herói solar — e o poder do Sol é o maior do universo a
nosso alcance. Casar-se com uma mulher feita de flores, literalmente com algo vindo da
terra, é um detalhe que corrobora o anterior. O verdadeiro mago deve casar-se com a
natureza para obter sua bênção e seus poderes e para poder aplicá-los corretamente.

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