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Fichamento: BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos. 3. Ed. São


Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 405-433.

MÉMORIA E INTERAÇÃO

A autora começa o ensaio descrevendo que quando relatamos nossas mais distantes
lembranças são referidos fatos que foram evocados muitas vezes por testemunhas.
As imagens remotas são as lembranças individuais mais antigas e por muitas vezes
elas são evocadas pela memória coletiva. Desse modo, a autora sinaliza que se não
fossem lembradas pela memória coletiva, talvez essas lembranças iriam ser
deslizadas para a ilusão restando a dúvida. As imagens remotas são remetidas as
lembranças da infância no qual muitas vezes não consegue localizar. A autora
descreve:

“...muitas recordações que incorporamos ao nosso


passado não são nossas: simplesmente nos foram
relatadas por nossos parentes e depois lembradas por
nós... são acontecimentos que marcaram também a vida
de outros membros da família, que os recontaram muitas
vezes. ”1

É interessante reconhecer que em muitas vezes as lembranças ou ideias não são


originais elas foram inspiradas nas conversas de terceiros. Com o passar do tempo
elas passam a ter uma história dentro de nós.

A influência social é descrita como um processo como as ideias de um meio e


elaboradas individualmente são derivadas da prática coletiva. As reflexões que são
escutadas são assimiladas (as reflexões podem não ter veracidade) em um processo
cujas fases são elaboradas por nossa consciência (influência externa ou social).
Assim, é enfatizado que a influência social pode ser um ponto de convergência de
várias correntes do pensamento coletivo.

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O INDIVÍDUO COMO TESTEMUNHA

Uma memória coletiva se desenvolve a partir de laços de convivência familiar, escolar


e profissional. Ela pode sofrer as instabilidades da evolução de seus membros e
depende de sua interação (cada indivíduo pode guardar uma lembrança de um
sujeito).

Por muito que deva a memória coletiva, é o indivíduo que recorda. Ele é o
memorizador e das camadas do passado a que tem acesso pode reter objetos que
são, para ele, e só para ele, significativos dentro de um tesouro comum (pode ser
semelhanças ou diferenças de relatos da infância). Uns mais puxados para vida
familiar e intimista e outros mais puxados para a vida pública. Assim, é chamado a
atenção sobre as diferenças de observação sobre o mesmo fato e a autora
poeticamente cita que essas lembranças em contraponto que embelezam ainda mais
a vida.

Para Halbwachs, cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória


coletiva. Essa alternância se dá pelos deslocamentos que alteram o ponto de vista.
Desse modo é entendido que para localizar uma lembrança não basta ter somente um
dado, tem que ter várias informações do passado; assim, ganha-se o título de
testemunha, passando a fazer parte da memória coletiva, portanto uma realidade
social.

“ ...O mapa de nossa infância sofre contínuos retoques


à medida que nos abrimos para outros depoimentos”.2

As testemunhas que retificam uma lembrança não conseguem sempre fazer-nos


revivê-la. Podemos escutar um relato do nosso passado sem conseguir revivê-la. São
sentimentos estranhos a sua narrativa. As versões alheias podem interferir, alterando
e turvando uma impressão cristalina que gostaríamos de guardar.

A autora relata que o grupo é suporte da memória se nos identificamos com ele e
fazemos o nosso passado. É exemplificado a figura de um professor em uma sala de
aula. Para o professor é difícil conhecer a fisionomia de cada aluno, contudo, para os

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alunos as lembranças fisionômicas são mais sólidas devido ao tempo de convivência


constituindo uma história e um passado comum.

Sobre os fatores que interferem na memória é descrito sobre a consideração ou estima


que alguém ocupa no grupo de convivência diária. O membro amado verá seus atos
lembrados por muitos anos. Os membros menos querido podem cair no esquecimento
dado pela sua insignificância.

A autora argumenta que as lembranças grupais se apoiam umas nas outras formando
um sistema que subsiste enquanto puder sobreviver a memória grupal. Não basta que
se esquecemos um fato uma outra pessoa testemunhe o que vivemos. É preciso
confrontar, comunicar e receber as impressões das lembranças para que estas
ganhem consistência.

TEMPO E MEMÓRIA

Uma forte impressão que esse conjunto de lembrança nos deixa é a divisão do tempo
que nelas se opera. É difícil lembrar traços da infância, a autora descreve que a
pessoa pode fixar um ponto de vista de um certo ano de sua existência. Todavia, na
juventude já é transposto com um passo mais desembaraçado e na idade adulta com
o passo mais rápido. É chamado a atenção sobre as etapas da memória que é toda
dividida por marcos de grande significado para o indivíduo. Pode ser uma mudança
de casa, um falecimento, uma festa. As festas de família (natal) são as mais lembradas
em relação às comemorações individuais, a exemplo da formatura.

Sobre a divisão social do tempo a autora conclui que é refletido não em horas, mas o
antes e o depois de uma visita esperada (seria os preparativos feitos para receber a
visita) ao passo que quando a visita vai embora lamentamos sobre a rapidez do tempo
no desfecho do evento. A medida que o tempo social se empobrece de
acontecimentos, é notado um tempo vazio, quase nulo de informações, parece que
tudo fica igual.

O primeiro dia de aula, o falecimento de um ente querido, a formatura, o casamento


divide a nossa história em períodos. Nem sempre conseguimos fixar tais divisões na
data de um tempo exterior. É a força do tempo social marcados por pontos de
orientação que transcendem nossa vontade e nos fazem ceder à convenção. O ciclo
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diário é vivido por todos os seres humanos, todavia pode ter sentidos diferentes. A
noite pode ser marcante para uma pessoa por se remeter a um lapso de abandono ou
de medo para a criança. Pode ter uma duração curta para os enamorados, mas pode
ter uma duração longa para os doentes e funcionários dos hospitais. As jornadas de
trabalho por turnos são descritas como aquelas que interferem na coerência da vida
familiar, pois impedem a formação de lembranças lançando o trabalhador a um tempo
mecânico.

O COMPASSO SOCIAL DO TEMPO

O tempo social absorve o tempo individual que se aproxima dele. Cada grupo vive
diferentemente o tempo da família, o tempo da escola, o tempo do escritório.... Em
meios diferentes ela não corre com a mesma exatidão. Há um quadro orientador do
bom uso do tempo social. Pertencem a esse quadro (em tempos diferentes) o ano
litúrgico, o ano escolar, o ano do lavrador. Podemos citar as horas dentro de uma sala
de aula (monotonia) parece demorar mais em relação ao mesmo tempo relacionado
a uma festa.

Cada geração tem, de sua cidade, a memória de acontecimentos que permanecem


como pontos de demarcação de sua história. As datas históricas podem ser lembradas
por festas comemorativas. As memórias das cidades também podem ser remetidas
por crimes, catástrofes e doenças.

A força da evocação pode depender do grau de interação que envolve: eventos de


repercussão diferem, em sua memorização, dos que foram revividos por um grupo
anos a fio. Contudo, alguns indivíduos podem sofrer um processo de desfiguração,
pois a memória grupal é feita de memórias individuais, ou seja, seria reter o fato com
comentários individuais e ao mesmo tempo acrescenta outras conotações. Portanto,
sempre é possível um confronto e uma correção dos relatos individuais.

Um dado bastante curioso e bem usado por nós, é a expressão “meu tempo” ela é
usada pelos que se recordam. De acordo com Simone Beauvior, o tempo que o
homem considera como seu, é aquele onde ele concebe e executa suas empresas,
ou seja, é a época pertencente aos homens mais jovens que nela se realizam por
suas atividades e que se animam com seus projetos.
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É observado que a ideia de apreensão do tempo dependente da ação passada e da


presente, diversa em cada pessoa. Um tempo que fosse abstrato e a-social nunca
poderia abarcar lembranças e não constituiria a natureza humana. É esse, que
ouvimos, tempo represado e cheio de conteúdo, que forma a substância da memória.

LEMBRANÇAS DE FAMÍLIA

As lembranças do grupo doméstico persistem matizadas em cada um de seus


membros e constituem uma memória ao mesmo tempo uma e diferenciada. Trocando
opiniões, dialogando sobre tudo, suas lembranças guardam vínculos difíceis de
separar. Os vínculos podem persistir mesmo quando se desagregou o núcleo onde
sua história teve origem. Esse enraizamento num solo comum transcende o
sentimento individual.

Quem penetra no grupo familiar através do casamento, encontrará uma atmosfera a


qual deverá adaptar-se. A família que conhecemos hoje é restrita em pai, mãe e filhos
faltando um envolvimento maior com tios, primos e agregados.

A autora descreve que a família que não vive nos centros urbanos é capaz de integrar
pessoas de diferentes classes, credos e políticas.

Sobre os episódios antigos que todos gostam de repetir é narrado como uma forma
de um parente definir a natureza íntima da família, fica sendo uma atitude-símbolo.
Esse reconstruir episódio é transmitir a moral do grupo e inspirar os menores.
Tocamos sem querer na história, nos quadros sociais do passado.

Muitas lembranças, que relatamos como nossas, mergulham num passado anterior a
nosso nascimento e nos foram contadas tantas vezes que as incorporamos no nosso
cabedal. Entre elas, contam-se os feitos dos avós, mas também nossos, de que
acabamos “nos lembrando”. Na verdade, nossas primeiras lembranças não são
nossas, estão ao alcance de nossa mão no relicário transparente da família. Todavia,
no momento que que parentes se afastam ou morrem começam a surgir lacunas na
lembrança, pois há alternância da lembrança em cada fase da vida, ou seja, traços
novos afloram, outros se apagam conforme as condições de vida presente.

A figura materna pode ser descrita por traços físicos ou morais, ou mesmo através do
seu trabalho.
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A figura paterna é alvo de uma apreensão (medo ou inquietude) de traços espirituais.


A autora cita que em função da presença da mãe na vida doméstica ao lado da criança
é constituído as primeiras relações de afeto do novo ser.

Os irmãos são fixados na maioria das vezes na infância e que depois sua figura
empalidece e apenas sobrevive no menino ou menina que foram. Sua personalidade
se delineia na infância e permanece assim.

As lembranças de amigos e parentes que se perderam aparecem fixados na sua idade


juvenil ou no gesto de amizade que fizeram um dia. Dele se escolhe uma face ideal
que se perpetua: o irmão travesso, o amigo desprendido, a mulher corajosa ou o
marido abnegado.

A autora enfatiza que podemos reagrupar em nossa subjetividade lembranças de


espaços sócias diferentes e que podemos sobrepor imagens no mesmo espaço social.

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