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LIÇÕES DE ORQUESTRAÇÃO III

Uma guia para a abordagem da instrumentação e arranjos


de músicas da tradição oral

de

Roberto Alejandro Pérez

Beja
Dezembro de 2018
Lições de orquestração III
INTRODUÇÃO
Cada ano reaparece o fantasma da regeneração, da não repetição, da procura da eficiência,
da eficácia pedagógica. O fantasma que me obriga a renovar as estratégias para vencer a
frustração com que acaba cada ano letivo.
É por isso, e continuando a se fiel a empregar materiais retirados da tradição musical
portuguesa, para dar a conhecer aos jovens deste país parte do seu património imaterial,
que segundo o meu parecer é riquíssimo e quase desconhecido pelas novas gerações de
músicos.
Duas são as fontes que alimentarão esta breve sebenta, duas fontes do século XIX, a
Antologia de música portuguesa publicada no Porto por César das Neves e a revista A
Tradição onde se encontram músicas recolhidas em Serpa por volta de 1899 por Manuel
Dias Nunes.
Os primeiros exercícios serão dedicados à orquestra de arcos, para o qual, previamente,
os alunos terão que ter tido as devidas informações das caraterísticas técnicas e
idiomáticas dos diferentes instrumentos de arco e uma lista de bibliografia para que
continuem o seu estudo de maneira independente.
Os primeiros exercícios vão se limitar a orquestrar as músicas respeitando a harmonia
dada pelo transcritor e basicamente o caráter que se encontra na fonte editada.
É o objetivo de este pequeno manual que o estudante adquira a capacidade de realizar
instrumentações que tenham como caraterísticas principais: que sejam exequíveis, isto é,
que estejam escritos de maneira idiomática para cada um dos instrumentos que compõem
a orquestra de arcos; que satisfaçam com a sua escrita as necessidades intrínsecas dos
músicos que participam na orquestra; que a sonoridade resultante esteja de acordo com a
imagem idealizada pelo responsável pela orquestração, ou seja, que o orquestrador
escreva o que realmente quer escutar; que o aspeto da partitura pareça que o trabalho foi
escrito originalmente para um grupo de arcos e não se trata de uma transcrição de uma
música original para piano (ou para outro instrumento qualquer).
Se acompanharão as orquestrações com a parte de piano transcrita em baixo da parte de
orquestra.
O segundo estágio será dedicado à composição de texturas à volta da melodia tradicional,
diferentes às que se encontram nas antologias antigas. Estas novas texturas serão o
resultado de uma especulação harmónica ou contrapontística que vista com roupas algo
mais atuais às personagens vindas de um passado relativamente longínquo.
Não serão realizadas as melodias na sua íntegra, poucos compassos servirão para dar uma
ideia do caminho a seguir. A orquestração de peças completas é um capítulo na
aprendizagem que envolve a especulação estrutural, como a orquestração influi na
apreciação da forma, na estrutura, no fraseado.
Breves comentários acompanharão cada um dos exemplos, que se se trabalham
paulatinamente servirão para preencher um semestre acadêmico dos estudos ao nível
superior em Portugal
AO BAPTISTA
A parte de piano foi retirada da Revista A Tradição de Serpa em 1899. Se trata de um
hino religiosos.
Para ser o primeiro exemplo a instrumentação será relativamente simples, sem muitas
especulações no que à manipulação da textura se refere.
A melodia principal foi dada em oitavas aos primeiros violinos. O registro da voz
superior, mais brilhante e presente que o registro encontrado na parte de piano, tal vez
necessita para ganhar corpo, a duplicação com outra voz ou outro naipe uma oitava
abaixo. A indicação de divisi é imposta pelas regras de pelas quais se rege uma boa
orquestração.
Penso lembrar de ter visto esta indicação no tratado de orquestração de Nicolai Rimsky-
Korsakov.
Os contrabaixos e os violoncelos realizam uma síntese da linha dada á mão esquerda na
transcrição para piano. Os contrabaixos, escritos na mesma oitava que os violoncelos
outorgarão à textura uma profundidade que preencherá o palco e compensará o brilho da
oitava acrescentada nos primeiros violinos. Se os contrabaixos estivessem escritos uma
oitava acima dos violoncelos, e soassem (devido a sua condição de transpositores de
oitava) em uníssono com estes, o som será algo mais “duro” devido a que os contrabaixos
encontrarão às suas notas em Aoposições
Baptista/S. Joãoe Baptista
mais altas mais tensas, sendo esta tensão
transmitida à sonoridade resultante.
≥œ- œ-
Andante molto

œ- œ œ œ- œ≤ œ œ œ œ œ œ œ
U
œ
2 œ œ œ œ œ
&b 4 œ œ œ
Div.

œ œ ‰ œ œ œ œ œ Œ
J
I

F

Violinos

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œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ
II

F
≥ œ œ œ≤ U
B b 42 ‰ œ œ ‰ ‰ œ ‰ œœœ ‰ œ œ ‰ ‰ œ œ œ Œ
Violas
œ œ
F
≥ U
? 2 œ. œ j œ. j
b 4 J œ. œ. œ- œ œ œ œ œ Œ
Violoncelos
œ-
F
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? 2 œ. œ j œ. j
b 4 J œ. œ. œ- œ œ œ œ œ Œ
Contrabaixos
œ-
F

j U
2
&b 4 œ
œ œ œ œ œ ‰ œ œ œ œ œ œ œ œ œ ‰ œj

œ œ œ
Seo bap - tis - ta bem sou bes - se

? 2 œ œ œ œ œ œ œœœ œ œ œ œ œ œ œ œ œœ
œ ‰ œ
j
b 4 œœ

Fixação do texto: Manuel Dias Nunes


Figura 1 - Ao Baptista

Recolha musical: F. Vilas-Boas

A Tradição, 1899. Junho: 90-93 (texto, 1ª parte)

A Tradição, 1899. Agosto: 123 (texto, 2ª parte)

A Tradição, 1899. Junho: 89 (pauta)


O movimento de colcheias foi dividido entre as violas e os segundos violinos, cujas
síncopas dão um movimento relativamente direcionado, enquanto as violas ajudam a
preencher a harmonia.
O movimento paralelo de semicolcheias do terceiro compasso distribuído entre violas e
segundo violinos vem a mostrar a ideia de que os arpejos, quando, cada voz parte de uma
nota diferente dando a sensação de que o acorde está a rolar fingindo a ressonância do
pedal direito do piano, é mais efetivo que se estas duas vozes estivessem em uníssono ou
em oitavas (ver o início da 4ª sinfonia de Brahms). A repetição da nota (na terceira
semicolcheia) é um gesto mais idiomático para os instrumentos de arco que se tivesse
sido escrito o arpejo como se encontra na parte de piano.

AOS REIS
Esta melodia também se encontra na revista A Tradição de 1899.
Apresentarei três realizações diferentes.
A primeira oferece a melodia principal aos violoncelos, e, como na orquestração anterior,
os contrabaixos realizam uma síntese dos baixos da parte de piano da transcrição original.

œ œ œ
Andante molto

#
I & 42 Œ ∑ œ
( Ȯo )
œ
( Ȯo )
œ
π
Violinos

# 2 œ · œ · œ ·
& 4 Œ
III c. III c. III c.

II
œo œo œo
p
œ. œ œ œ. œ œ œ. œ œ œ. œ œ œ.
Violas B # 42 Œ ‰ œ œ ‰ œ. ‰ œ œ ‰ ‰ ‰
F

? # 42 œ . œ œ .. œ œ. œ œ. œ œ
R œ œ œ . œ. œ œ œ. œ.
Violoncelos J
f

? # 42 Œ œ œ œ œ œ Œ œ œ œ œ œ œ
Contrabaixos œ œ œ œ
F

# j
& 42 œ . œ œ .. œ œ. œ œ. œ œ
R œ œ œ. œ œ œ œ. œ

œ œ œ œ
Quaes sã' - n'os trés ca - va - lhei - ros Que fa - zem som - bra no

œ œ œ œ œ œ œ œ œœ .. œœœ
? # 42 Œ œ œ Œ œ œ œ œ.
J

Já há uma terceira 1/2

na melodia A sensível está


na melodia

Figura 2 - Aos Reis (a)

As violas voltam a assegurar a fluência rítmica das colcheias, mas, neste caso, corrigindo
Fixação do texto: Manuel Dias Nunes

algumas inconveniências da harmonização feita no século XIX onde encontramos


Recolha musical: F. Vilas-Boas

A Tradição, 1899. Janeiro: 8 (texto)


duplicações e movimentos paralelos (oitavas, si, lá, fá sustenido, e sol, nos primeiros três
A Tradição, 1899. Janeiro: 9 (pauta)
compassos) pouco recomendáveis na linguagem, e na técnica, empregues por que realizou
este acompanhamento.
Os primeiros e segundos violinos, com uma nota pedal de dominante que alterna sons
pisados com harmónicos naturais, “preenchem (enchem) o palco” com sons para que a
resultante final geral seja a de um som mais generoso e “doce”.
A segunda realização não defere muito da primeira, só incorpora os beliscados
(pizzicato) nas violas, para dar a sensação de um impulso maior de um compasso a
outro, obedecendo à ideia de que uma barra de compasso é uma vedação e o tempo (ou
fração de tempo) fraco anterior deve servir de impulso para poder a ultrapassar
(conceito aplicável a quase toda a música Aos Reis
tonal).

œ œ œ
Andante molto

# 2 œ œ œ
& 4 Œ ∑
( Ȯo ) ( Ȯo )
I

π
Violinos

# 2 œ · œ · œ ·
Œ
III c. III c. III c.

II & 4 œo œo œo
p
œ≤ œ. ≤ . pizz. ≤ œ. pizz. ≤ œ. pizz.
arco arco

≤ œ. œ ≤ œ. pizz. œ
arco arco

œ œ œ œ œ œ
pizz. arco

B # 42 Œ ‰ œ ‰ œ ‰ œ ‰ ‰ ‰ œ
pizz.

Violas

? # 2 œ. œ œ .. œ œ.
R œ œ. œ œ œ œ œ . œ. œ œ œ. œ.
Violoncelos 4 J
f

?# 2 œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ
Contrabaixos 4 Œ œ œ œ œ Œ
F

# 2 œ œ. j
& 4 œ. œ œ .. R œ œ. œ œ œ œ œ. œ œ œ œ. œ

œ œ
Quaes sã' - n'os trés ca - va - lhei - ros Que fa - zem som - bra no

?# 2 Œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ Œ œ œ œ
œ œœ ..
œ.
œœ
œ
4 œ œ J
Figura 3 – Aos Reis (b)

A terceira realização divide às violas para enfatizar o gesto baseado no beliscado,


insinuado no exemplo anterior, com a ênfase de um acorde arpejado. Observar como no
segundo compasso, não
Fixação do texto: está
Manuel Diasescrita
Nunes na parte das violas a sensível no acorde arpejado, o
que facilitaria a execução com uma posição mais ergonómica da mão esquerda. Isto é um
Recolha musical: F. Vilas-Boas

gesto de “vaidade” técnica, já que no momento em que soa o arpejo, o violoncelo solo
A Tradição, 1899. Janeiro: 8 (texto)

ainda não resolveu a apogiatura que prepara à sensível (fá sustenido).


A Tradição, 1899. Janeiro: 9 (pauta)

A linha melódica principal foi dada a um violoncelo solista, e, os violoncelos restantes


realizam um harmónico que equilibra (espacialmente) o som proveniente dos violinos
primeiros e segundos.
A falta de indicação de divisi nas violas obriga aos músicos a realizar os acordes na
íntegra, acordes que foram escritos calculando a sua fácil exequibilidade.
Aos Reis

œ œ œ
Andante molto

# 2 œ œ œ
I & 4 Œ ∑
( Ȯo ) ( Ȯo )
π
Violinos

# 2 œ · œ · œ ·
& 4 Œ
III c. III c. III c.

II
œo œo œo
p
œ œœ œ œ œ œ
B # 42 Œ œ ‰ ‰ gggg œœ œ ‰ ‰ gggg œ œ ‰ ‰ gggg œœ œ ‰ ‰ gggg œœ œ ‰ ‰ gggg œœ œ ‰ ‰ gggg œœ
pizz.
I
J gJ J gJ J gJ J gJ J gJ J gg J
F
œ≤ œ. ≤ œ. œ≤ œ. ≤ .
œ œ
≤ .
œ œ
Violas
≤ œ.
II B # 42 Œ ‰ œ ‰ ‰ ‰ ‰ œ ‰ ‰ ‰ ‰ ‰ ‰ ‰
F

? # 2 œ. œ œ .. œ œ. œ œ.
œ œ œ œ œ . œ. œ œ œ. œ.
solo

4 R J
F
Violoncelos
Ȯ Ȯ Ȯ Ȯ Ȯ Ȯ
gli altri

B # 42 Œ
æ æ æ æ æ æ
π

?# 2 Œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ
Contrabaixos 4 œ œ œ œ Œ
F

# j
& 42 œ . œ œ .. œ œ. œ œ.
R œ œ œ œ œ. œ œ œ œ. œ

œ œ
Quaes sã' - n'os trés ca - va - lhei - ros Que fa - zem som - bra no

?# 2 Œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ Œ œ œ œ
œ œœ ..
œ.
œœ
œ
4 œ œ J

Figura 4 - Aos Reis (c)

CANNA VERDE
Fixação do texto: Manuel Dias Nunes

Esta melodia se encontra


Recolha na antologia publicada no Porto perto do fim do século XIX por
musical: F. Vilas-Boas

César das Neves.


A Tradição, 1899. Janeiro: 8 (texto)

É uma Chula, dança


A Tradição, minhota.
1899. Janeiro: 9 (pauta)

De esta melodia foram feitas quatro realizações.


N primeira, para dar o caráter brilhante e talvez rústico da dança original, a melodia foi
entregue (mais uma vez) em oitavas, aos violinos primeiros com a indicação de divisi.
O movimento básico dos baixos da mão esquerda foi dado aos violoncelos e contrabaixos
em pizzicato. Observar como entre o terceiro e o quarto compassos, a sétima do acorde
de dominante, ré, foi resolvida na terceira do acorde de tónica, dó sustenido. A duplicação
da terceira no acorde de tónica não vem a ser um problema de maior importância na
elegância da condução das vozes.
O movimento das colcheias foi fingido entre os segundos violinos e as violas. Observar
a disposição entre estos dois naipes para evitar, com a inclusão das violas entre a oitava
dos violinos, o intervalo de quarta (nos violinos segundos) que resultaria de distribuir o
acorde de uma maneira superposta. Recomendo evitar às quartas entre sons de um mesmo
naipe. A quarta, na música tonal, tem conotações de instabilidade e os sons de um mesmo
Canna verde
naipe enfatizam a condição de dissonância.

≥œ œ # œ œ œ œ ≥œ. ≤ œ œ œ ≥œ. œ≤ œ ≥
œ œ œ œ. œ≤ œ œ œ œ œ >≥œ >œ
Allegro {m q = c 132} Div.

## œ œ œ œ œ œ œ ≈ œ œ œ
œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ ≈œ œ œ œ œœœ œ Œ œ œ
I & # 44 ∑ Œ #œ œ≈œ œ œ œ œ
œ
f
≥ ≤j Unis. œ
pizz.


Violinos
##
Div.

j j j j j j
& # 44 œ œœœ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œj œ œj œ œ œ œ œ œ œ œ œ œj œ œj œ ‰gg œœ ggg œœ gggg œœ
œ œ. œ. œ. œ œ. œ œ. œ. œ. œ œ. œ œ. œ. œ. œ œ. œ œ. œ. œ. œ œ. œ œ. œ. œ. œ œ. œ. ggg œ g œ g
II

f
≥ ≤. Unis. œ œ
pizz.

B # # # 44
≥œ œ. œ. œ. œ œ. œ œ. œ. œ. œ œ. œ œ. œ. œ. œ œ. œ œ. œ. œ. œ œ. œ œ. œ. œ. œ œ. œ ‰gg œœ ggg œœ gggg œœ
Violas J J J J J J J J J J J ggg œ gg g
f
? ### 4 Œ j œ g œœ
œ ‰ Œ gggg œœ gggg œ
pizz.

Violoncelos 4 œ œ œ œŒ œ œ œ Œ œ œ œ Œ œ œ œ Œ œ œ
g
f

? # # # 44 Πj
pizz.

œ œ œ œŒ œ œ œ Œ œ œ œ Œ œ œ œ Œ œ œ œ ‰Œ œ œ
> >
Contrabaixos
f

## .
Œ œ œ #œ œ œ œ nœ. œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ. œ œ œ œ œ œ œ œ Œ œ œ
& # 44 ∑

? # # # 44 œœ œœ œœ œ œœ œœ œœ œœ œ œœ œ œœ œœ œœ œ œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ œ œœ œœœ œœœ œœœ œœœ


œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ

Canna
Figura 5 - Canna verde
verde (a)

œœœ œ œ œ œ≤ pizz.
Allegro {m q = c 132}
œ
## ≥ œœœ œœœ œœ œ œœœœ œœ œ
J ‰ ggg œœ ggg œœ ggg œœ
& # 44 œœ œœœ œœ ‰ œœ œœœ œœ ‰ œ œœ œœ œœ ‰ œ œœ œœ œœœ
‰ œ œœ œœ œœ
I
œœ œ œ œ œ œ gg œ gg œ gg œ
F f
œ œ œ œ≤ pizz.
Violinos

# # ≥ œ
œœ ‰ œ
œœ ‰ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ
& # 44 œœœ œœ œœœ œœ œœ œœ ‰ œœ œœ œœœ œ œ ‰ œœ œœ œœ œ J ‰ gg œœ g œœ g œœ
œ œ œ œ œœ œ œ œ œœ œ œœ œ œ ggg œ ggg œ gggg œ
II

F F F F F f
≥ ≥ ≤ ≥. ≤ ≥ ≤ >≥ >
B # # # 44 ∑ Œ œ œ # œ œ œ œ œ. ≈ œ œ œ œ œ œ œ œ ≈ œ œ œ œ œ œ œ œ. ≈ œ œ œ œ œ œ œ Œ œ œ
Violas
œ
f

≥ ≥ ≤ ≥. ≤ ≥ ≤ ≥>
? # # # 44 œ œ #œœ œ œ œ. ≈ œ œ œ œ œ œ œ≈ œœ
Violoncelos ∑ Œ
œ œ œœ œ œ œ. ≈ œ œ œ
œœ œ œ œ Œ >œ œ
f

? # # # 44 j
pizz.

œ Œ œ œ œ Œ œ œ œ Œ œ œ œ Œ œ œ œ Œ œ œ œ‰ Œ œ œ
>>
Contrabaixos
f

## œ œ #œœ œ œ nœ. œœ œ œœ œ œ œ. œœ œ. œœ œ œ œ
& # 44 ∑ Œ œ œœ œ œ œ œ œ œ Œ œ

? ### 4 œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ œ œ œ œ œœ œœ œœ œœ œ œ œ œ œœ œœ œœ œœ
4 œ œ œ œ œ œ œ œ œ œœ œ œ œ œ œ œ œ œ œœ œ œ œœ œœ œœ œœ

Figura 6 - Canna verde (b)


A segunda realização muda completamente quase tudo.
A melodia é dada, em oitavas, a violas e violoncelos, combinando a aspereza das
primeiras com a masculinidade dos segundos. Sugiro ver o capítulo do tratado de
orquestração de Rimsky-Korsakov, em que fala de uníssonos e oitavas entre os
instrumentos de arco.
A figuração de semicolcheias, que preenche a harmonia entre os violinos primeiros e
segundos é uma ampliação do gesto que foi empregue no terceiro compasso do primeiro
exemplo, Ao Baptista.
A terceira e a quarta realizações têm um ar relativamente neoclássico.
A melodia é dividida entre dois naipes para enfatizar o fraseado e provocar uma maior
concentração, no momento da execução, dos músicos envolvidos.
O que se pretende é que o caráter geral toque o humorístico, não só pela imprevisibilidade
destas alternâncias, mas sim também pelo tratamento quase grotesco dos contrabaixos.
Alguns gestos aparentemente pouco naturais ou confortáveis como a arcada dada às violas
no exemplo 7, ou aos violoncelos no exemplo 8, colaboram para criar um estado de tensão
nos músicos que se transferirá ao espírito da execução geral. Este tipo de gestos foi
explorado por Beethoven nos inícios das suas sonatas para piano números 29 e 32.
Canna verde

≥œ œ # œ œ œ œ œ≤ œ œ œœ œ
Allegro {m q = c 132}
œœœ
## 4 ≥
& # 4 ∑ Œ
œ
Œ ‰
œ
Œ ‰
œ
Œ ‰
œ
Œ Ó
> > > >
I
f
Violinos

## 4 ≥œ œ # œ œ œ œ œ≤ œ œ ≥ œ œ
& # 4 ∑ Œ Œ ‰ Œ ‰œœœ Œ ‰ œ Œ Ó
œ œ œ œ
> > > >
II
f
≤ ≤
# 4 ≥ ≥ ≥ ≥
simile

#
B # 4 ‰ . ‰ . ‰ œ. ‰ œ.
œ œ ‰ œ. ‰ œ. ‰ œ. ‰ œ. ‰ œ ‰ œ
Violas
œ. œ. œ. œ. œ. œ. œ. œ. œ. œ. œ. œ. œ. œ. œ. œ. œ. . œ. œ. . œ. œœ œœ œœ œœ
f
≥ ≤ ≥. ≤ ≥ ≤ ≥ >
Div.

? ### 4 ∑ ∑n œœ ≈ œœ œ œ j ‰ Œ œœ ≈ œœœ j ‰ Œ œ ≈ œ j œœ œœ
4 . œ œ. œœ. œ œœ œœ œ. œ œœ œœ œœ ‰ Œ Ó
. . . . >
Violoncelos

ƒ S ƒ S ƒ S
≤ ≥ ≤ ≥ ≥ ≥ ≥ ≥
Œ Œ Œ Œ ˙ Œ ˙≤
? # # # 44 œ ˙œ œ œ œœ œ œ ˙œ œ œ œœ œ œ œ ˙œ œ œ œ œœ œ œ œ œ œ œ œ œœ œ œœœ œœœ œœœ œœ
Contrabaixos œœ œœ œœ œœ œ œ œœ œœ œ œœ œ œ
œ œ œ
œ œ
. . . . . . . . simile
F

## 4 œ œ #œ œ œ œ nœ. œ œ œ œ œ œ. œœ œ
& # 4 ∑ Œ œœ œ œ œ œ œ œ. œ œ œ œ œ œ œ œ Œ œ

? ### 4 œœ œ œ œœ œ œ œœ œœ œœ œ œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ œ œœ œœ œœ œœ œœ
4 œ œœœœœœ œ œœ œœœœ œ œ œ œ œ œ œ œœ œœ œœ œœ

Figura 7 - Canna verde (c)


Canna verde

≥j ≥r
Allegro {m q = c 132} Div.
≥r ≥r œœ
## Ó Œ
& # 44 ∑ Œ ‰ œœ # œ œœ œœ œœ ‰ ≈ œ œ œ œj‰ Œ ‰ ≈ œœ œ œ œj‰ Œ ‰ ≈ œ œ œ œj‰ Œ œ œ œœ œ
#œ œ œœœ œœœ œ œœœ Ó œœ J ‰
I

f . . .
f
j
Violinos

## j >œ j
pizz.

4 Œ œ‰ Ó œ‰ Œ Ó œ‰ Œ Ó j
& # 4 ∑
œ œ œ‰ Œ Ó œ œ ‰Œ Ó
> J œ
II

ƒ > > >


>œ >œ j >œ
pizz.


B ### 44 ∑ Œ œJ ‰ Ó œ‰ Œ Ó
J
œ‰ Œ Ó
œ
œ‰ Œ Ó
J œ ‰Œ Ó
> J
Violas

ƒ
≤œ œ≤ œ œ≤ œ œ ≤
œœœ
arco

œ≤ œ œ
arco arco arco
arco

? ### 4 Œ ‰ œœ Œ ‰ œ
pizz. pizz. pizz. pizz. pizz.
pizz.

Violoncelos 4 œ œ œ Œ ‰ œ Œ ‰ œ Œ ‰ œ ŒÓ
Ï f S S S S
≥. . . - . ≥. . . - . ≥. . . - . ≥. . . - . ≥. . . - ≤. pizz.
j j j j j j j j j j
? ### 44 œœ œœ œ œœ œ œœ Œ œœ œœ œ œœ œ œœ
Œ Œ œœ œœ œ œœ œ œœ Œ œœ œœ œ œœ œœ Œ œœ œœ œ œœ œ œœ œœœ œœœ œœœ œœ
Œ. . œ Œ. . œ Œ
œ œ œ Œ œ œ œœ œœ
. . . ... Π.. . . . ...
Contrabaixos

. . .. . ... . ... ƒ
Ï

## .
‰‰ œ œ # œ œ œ œ n œ . œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ . œ œ œ œ œ œ œ œ Œ œ œ
& # 44 ∑

? # # # 44 œœ œœ œœ œ œœ œœ œœ œœ œ œœ œ œœ œœ œœ œ œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ œœ œ œœ œœœ œœœ œœœ œœ


œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œœ œœ

Figura 8 - Canna verde (d)

SÃO JOÃO
Continuando no norte português, nos valemos da gravidade da melodia mais antiga
dedicada a este santo, segundo César das Neves.
A escrita original parece até ser banal, simples, só dois acordes na mesma disposição, na
escrita original para piano.
Com estas limitações, que desafiam a inventiva, tentei criar uma textura rica, que passe
por cima da simplicidade harmónica compensando esta com interesse rítmico e tímbrico.
A melodia original foi atribuída a um violoncelo solo enquanto o resto da orquestra divide
os materiais primários.
Os contrabaixos realçam o tempo fraco de colcheia prévio à barra de compasso, para
ajudar a que o ritmo ande para frente. Observar os intervalos grandes que enfatizam o
esforço do gesto. Os intervalos também têm uma energia interna que deve ser vencida.
Os segundos violoncelos contribuem para que o efeito de “queda” no primeiro temo do
compasso seja mais acentuado. Não estão divididos.
Os primeiros violoncelos, à semelhança do recurso empregue nas violas no exemplo 3,
colaboram para criar uma sensação de tensão que esteja de mãos dadas com o carater
grave do trecho.
As notas pedais de dominante, sejam dinâmicas, em harmónicos ou em tremolos, sempre
são bem-vindas para das a sensação de uma maior espacialidade, uma sensação de palco
mais preenchido.
São João
Adagio

≥œ . œ œ œ ≥œ ≥œ œ œ œ œ œ œ- œ ≥œ ≥œ œ
? 2 œ≤ œ. œ œ œ ‰
œ œ œ ‰ œ
Violoncelo 4 œ. J œ œ œ œ
solo
f J J

j j ≥ œ. œ œ- œ. œ œ- œ. œ œ-
pizz. arco

2 œ ‰ œ ‰ œ
I &4 Œ Œ
œ œ
J œ J œ J Œ
œ œ F
Violinos f
2
II &4 Œ ∑ ˙oæ ˙oæ ˙oæ ˙oæ ˙oæ ˙oæ ˙oæ
F
œ œ œ- œ- œ-
œ ‰ ≥ œ. œ œ. œ œ. œ
pizz. arco

B 42 Œ Œ œ ‰
œ œ œ J œ J œ J Œ
œ œ
Violas

J J F
f
≤ ≤ pizz. ≤ pizz. ≤ pizz. ≤ pizz. >œ≤. œ. >œ≤. pizz. >œ≤. pizz.
arco arco arco arco arco arco
div. > pizz.
arco pizz.

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4 Œ Œ œœ. œœ Œ œœ œœ Œ œ œ Œ œ œ Œ œ œ Œ œ œ Œ œ œœ Œ œ œœ
œ œ œ œ œ œ
>. >. >. >.
f
≥ ≥ ≥
Violoncelos
simile

?2 Œ œ Œ œ Œ œœ Œ œœ Œ œœ Œ œœ Œ œ Œ œ Œ
4 œ œ œ œ
œ œ œ œ œ œ œ œ
f
œ. . . . . œ. œ. œ.
Contrabaixos
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f S S S S S S S S

2 œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ
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Figura 9 - São João

OUTRAS POSSIBILIDADES
Depois de trabalhar utilizando as texturas originais provenientes do século XIX,
proponho investir um pouco mais de tempo (o dobro) para encontrar texturas que venham
mais ao encontro da nossa época, no que o tratamento de melodias tonais se refere.
Fico co a última melodia empregue, São João, para exemplificar como uma linha muito
simples pode ser tratada de maneiras muito diversas.
Creio lembrar que algures no livro Escritos de música popular, Bartók disse que as
melodias de âmbito pequeno e de extrema simplicidade são as que podem dar origem às
realizações mais ricas.
A primeira destas duas possibilidades recorre a uma escala, ou um segmento de escala,
que abarca uma sexta maior. O primeiro mi sendo sensível de fá maior, o segundo mi
terceira do modo maior harmónico, o primeiro mi bemol é a fundamental de mi bemol
maior e o segundo mi belo a quinta de lá bemol maior. Tudo embrulhado entre a nona fá,
sol.
A mudança de registro colabora para dar um caráter etéreo e feérico ao trecho.
O segundo exemplo, Figura 11, é mais simples. Cada nota da melodia é tomada como
terceira de um acorde de sétima. A resultante são paralelismos de acordes. A mão
esquerda desenha a mesma melodia em cânone num registro grave.
Adagio

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Figura 10 - São João - piano (a)

Adagio

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Figura 11 - São João - piano (b)

Beja, 6 de dezembro de 2018

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