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RUSSELL, B. (1912). The problems of philosophy. Home University Library. [Em portugués, Os problemas da filosofia. Trad. \opol 2005. Disponivel na internet: http:/Awww.cth.ufsc.br/~conte/russell06, html, acesso em 11/4/2013.) mir Conte, Flor _ (1969). Histéria da filosofia ocidental, Sao Paulo: Editora Nacional, 96 | Papirus Editora 4. 0 determinismo ct ERR Introdugo: A origem do termo “determinismo” O principio de determinismo é considerado por Claude Bernard come © principio fundador de todas as cigncias experimentais: “sua ncgago seria a ruina da ciéncia”, explica ele. Em sua forma mais sintética, cle seenuncia do seguinte modo: “as mesmas causas produzem os mesmos cleitos”. Nao saberiamos conceber uma ciéncia, ou seja, um conhecimento das leis regulares do universo ou de uma de suas partes, se supuséssemos que as mesmas circunstancias, uma vez reunidas, ndo produzissem aquilo inha sido observado uma primeira vez, mas sim outta coisa, Em outros termes, a cigncia s6 comega com a condigio de suplantar o ceticismo de Hume, que conduzia & questo das razdes pelas quais o mundo vai fu 1s mesmas em todo lugar e todo tempo, Essas diversas formulagdes so idénticas ¢ apenas repetem o principio central do determinismo, segundo © qual “as mesmas causas produzem invariavelmente os mesmos efeitos”. jonar amanhi tal como funcionou ontem: as leis do universo sio Os objetos que temos © hibito de nomear “objetos técnicos” sio certamente aqueles que, a cada dia, sob nossos olhos, mostram a que onto esse principio, na falta de ser demonstravel, é confidvel. Por exemplo; se em um volume de ar contendo gasolina eu lango uma fafsca, entao vai se produzir uma explosio que, transformando as moléculas ‘iced ence de hidrocarboneto em gis carbonico, vai aumentar 0 volume que elas ‘ocupam. O gas produzido as izado para mover um pistao, 6 qual vai provocar, com seu movimento, a rotago de um eixo, utilizado, automével. F esse o principio de pode ser uti por sua vez, para mover as rodas de toda a industria automobilistica. Mas, se 0 encontro das mesmas causas = suspensio de gasolina e faisca — ndio produzisse invariavelmente os mesmos efeitos, entio nenhum automével teria podido jamais funcionar. Inversamente, enquanto automéveis dotados de motor & explosio funcionarem, isso significa que as causas que constituem 0 encontro da o. Em outro exemplo, se pressionarmos o botio “2” de um teclado de computador, sera um “2” que faisca e da gasolina vao produzir 0 mesmo efei vai surgir na tela, e no um “b” ou um “f. Ainda nesse caso, as mesmas causas (tecla “z” pressionada) produzem os mesmos efeitos (letra “2” na tela). De forma geral, os objetos que chamamos “técnicos” so objetos que tiram partido do principio de determinismo. Nés os chamamos, por essa razio, de maquinas: elas executam diversas operagdes de acordo com as demandas que hes dirigimos. “Todo cientista adere conscientemente ou niio, segundo Claude Bernard, ao principio do determinismo. Ele chama esse principio de nao demonstrvel, como vimos antes), mas a palavra “axioma” (evidénc “postulado” teria, sem duivida, sido mais conveniente: E preciso admitir, como axioma experimental, que tanto mos seres vivos conta nos corpos brutos as condicies de existéncia de todos os fendmenos estao determinadas de uma maneira absoluta, O que equivale a dizer, em outros termos, que desde que a condigio de um fendmenos é conhecida preenchida, 0 fendmeno deve reproduzir-se sempre e necessariamente, segundo a vontade do experimentador. A negacio desta proposicio seria a negagio da propria ciéncia. Na verdade, sendo a ciéncia apenas © determinado e o determinavel, deve-se, forgosamente, admitir cong ico, ¢ desd axioma que, em condigdes idénticas, todo o fendm que as condigdes deixem de ser as mesmas, 0 fendm principio é absoluto, tanto para os fendmenos dos corpos brutos como ia da vida, para os dos seres vivos, ¢ a infl lquer que seja a ideia ‘que dela se faca, nada poderia altetan (Bernard 1978, p. 89) Claude Bernard é 0 primeiro a empregar em francés 0 termo “deter mo”. Até entdo, sempre tinhamos considerado que 0 ponto decisive do método cientifico era a indugao. Para Claude Bernard nao 1a, propriamente falando, indugao. Ha apenas um axioma fundamental, do qual o cientista nunca deve duvidar. Ele duvida e deve duvidar de todas as ideias que Ihe chegam, mas nunca do principio da ciéncia determinismo. F esse tinico prinei -o io que deve, segundo Claude Bernard, ser objeto de uma convicgao inabalavel do cientista. O espirito cientifico & portanto, aquele que duvida de tudo, exceto desse principio. Se, como Descartes, propusermos que pensar é duvidar, entdio devemos reconhecer que, seguindo o proprio Claude Bernard, a ciéncia (como vai tarde Heidegger) “nao pensa”. Ao menos ela ndo pensa seus préprios principios. Ela nao se volta dubitativamente aos seus principios, mesmo izer mais que ela duvide de todas as construgdes que clabora com base nesses principios. Voltaremos a essa sentenga de Heidegger. © estatuto da divida na ciéncia é bastante particular: f€ total € incondicional no principio segundo © qual as mesmas causas produzem sempre os mesmos efeitos; divida constante a respeito das ideias que claboramos sobre as ligagdes que unem as causas aos efeitos (pois ¢ isso, de fato, que é imaginado pelo pensador). Poincaré escreveu em 1913: A sciencia, com raziio ou sem ella, é deterministas por toda a parte em que penetra, faz entrar o determinismo. Enquanto s6 se trata de physica ‘ou mesmo de biologia, isso oferece diminuta importancias o dominio da consciencia mantem-se inviolavel. Que aconteceri no dia em que a moral, por sua vez, se tornar objecto de sciencia? Ella se impregnara, necessariamente, de determinismo, o que sera, sem duvida, a sua ruina [sicl. (1924, p. 206) Passamos entio, com Claude Bernard, de um mundo a outro: das ciéneias indutivas as deterministas. E, mais do que isso, de um conjunto de problemas fundamentais a outro conjunto. De fato, ainda hoje existem, ‘40 menos, duas formas de colocar os problemas das ciéncias da natureza, ira tenta encontrar um fundamento das i A prim incias na légica. Ela inevitavelmente se dirige ao problema da indug3o que vimos no capitulo precedente. A segunda tenta encontrar um fundamento das ciéneias na propria natureza. Ela se dirige, nao menos inevitavelmente, ao problema do determinismo. Relacao entre inducdo e determinismo Entretanto, existem ligagdes entre as nogdes de indugio e de determinismo. A indugao pode ser considerada seja sob seu angulo sobre seus fundamentos), seja sob seu angulo logico (nos interrogamos psicolégico (nos interrogamos sobre as razdes de nossa crenga nela). O determinismo toma as coisas, por assim dizes, pelo lado oposto. Ele afirma de partida que os fendmenos fisicos que se produzem na natureza sio inteiramente determinados por leis uniformes imutaveis. E seu postulado. Podemos, em certa medida, questionar esse ponto, e especialmente no. -lo. Mas, para Claude Bernard, esse é © ponto século XX alguns vao fa mos nutri a menor diivida. essencial sobre o qual nao sabe E 0 fato de ter colocado implicitamente esse principio que permitiu as ciéncias fisicas conhecer 0 destacavel salto de seu desenvolvimento depois de Galileu e Newton. O mesmo principio deve, segundo Claude Bernard (1978, p. 100), ser estendido sem restricao aos seres vivos: “Nas jico-quimicas, € possivel 0 ciéncias biol6gicas, assim como nas ciéncias determinismo porque, tanto nos corpos vivos como nos brutos, a matéria nao pode ter nenhuma espontaneidade”. Nenhuma espontaneidade? Nao se trata aqui exatamente do ponto que destacamos do comentario do texto de Russell sobre a indugao e sua comparagao com um reflexo condicionado pelo habito, que sugeria que a natureza poderia se comportar como o fazendeiro que vem alimentar sua galinha e, um dia, decide ele proprio se alimentar, ao invés de alimenté-la? Presumimos que a natureza nao tem qualquer imaginagio, Ela nio saberia inventar novas regras. Consequentemente, ela segue sempre as mesmas, expressas naqu lo que nomeamos as “leis da natureza”, No final da Introducao 4 medicina experimental, Claude Bernard examina um certo ntimero de objegées que puderam ser levantadas contra © principio do determinismo. Essas objegdes provém particularmente do dominio da observacio médica, Ele relata os seguintes fatos: A este proposito, um membro da sociedade, Gerdy, cirurgio da Caridade, professor da Faculdade de Medicina, ¢ conhecido por diversas obras de cirurgia ¢ fisiologia, pediu a palavra para atacar as minhas conclusdes, “A explicagdo anatomica que acaba de dar, disse-me, das experiéncias de Brodie e Magendie ¢ justa, mas no admito a conclusto geral a que chegou, Com efeito, diz que em fisiologia os resultados das experiéncias sio icénticos; nego que seja assim, Essa conclusio seria exacta para a natureza brua, mas ndo pode sélo para a natureza viva. Todas as vezes, Aacrescentou, que a vida intervém nos fendmenos, pode-se estar em idénticas condicdes, ¢ 0s resultados serem diferentes.” Como Prova da sua opiniao, Gerdy citou casos de individuos atingidos da mesma doenga a quem havia administrado os mesmos medicamentos ¢ que tinham reagido de forma diferente. Recordava, também, casos de ‘operag6es semelhantes realizadas nos mesmos doentes, mas seguidos de cura em um caso e de morte no outro. Todas estas diferencas resultam, segundo ele, de que a vida modifica Por si mesma os resultados, embora as condigdes da experiéncia tenham sido semelhantes; o que no podia suceder, pensava, nos fendmenos dos corpos brutos, em que a vida nao intervém. Na Sociedade filomatica, tais ideias suscitaram imediata. oposigao geral. Toda a gente fez notar a Gerdy ‘que as suas opinides eram nem mais nem menos, que a negagio da ciéncia biol6gica, eque se iludia completamente sobre a identidade das condiges hos casos de que falava, na medida em que as doencas que considerava como semelhantes ¢ idénticas no 0 eram completamente, ¢ que atribuia 4 influencia da vida o que devia ser considerado como consequéncia da hnossa jgnorincia de fendmenos tio complexos como os da patologia Gerdy persistiu em sustentar que a vida tinha como efeito modificar os fenémenos de mat fazé-los diferir, nos diversos individuos, mesmo. ‘quando as condigdes em que se desenvolviam eram idénticas. Gerdy acreditava que a vitaidade de um nio era a vitalidade de outro, ¢ que por consequéncia devia existir entre os individuos diferencas cue a

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