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"O concretismo, a meu ver, é a superação da arte dita abstrata. O abstrato parte sempre de um
determinado objeto, ou série de objetos, que são despojados de sua individualidade e
transportados ao mundo plástico em formas e cores. O concretismo, em resumo, tem como
ponto de partida a idéia e a sua objetivação na obra de arte. É, vamos dizer, a visualização
artística de uma idéia".
Eis o pensamento de 1955, que consta da edição nr. 19 da série Circuito Atelier (Editora
C/Arte, Belo Horizonte, MG, 2002), em sua maneira mais livre, simples, plena e lúcida, que se
desloca no tempo, em consonância com as esculturas do autor: Franz Weissmann, um ícone do
movimento concretista brasileiro. Suas obras buscam a síntese da tridimensionalidade. Rejeitam
tudo o que é superficial para atingir a essência. A maleabilidade, movimento, dobras e recortes
seguem o princípio do vazio, o vazio ativo e não o vazio morto. Uma obsessão ao longo de sua
carreira, que não fecha portas, mas abre janelas comunicativas para um diálogo mais
envolvente com a vida, a história e a coletividade. As esculturas do artista plástico,
inegavelmente, pela sua força criativa, são das poucas que atingiram a grande dimensão de
integrar o espaço à sua obra.
Num plano mais abstrato de reflexão, a experiência do espaço vazio, recorre ao arquiteto tcheco
Adolf Loos e o estilo modernista internacional, despojado, de linhas novas e arrojado.
Caracterizado por formas retilíneas e básicas, espaços internos abertos e a exclusão radical do
ornamento. A densidade das esculturas de Weissmann parte desta potência e princípio. O
desdobramento é uma percepção estética auto-referente, adicional e intuitiva, sempre à procura
da complementação com a cor. Pois ela é parte da obra. Usada para estabelecer relações com o
observador e provocar o status da escultura como arte pública.
Lâmina Larga em Torção no Espaço, 220x220x220 cm, Aço Pintado, 1980.
Edifício IBM do Brasil, Botafogo, Rio de Janeiro, RJ
A Bienal de São Paulo e o Concretismo - Após a Segunda Guerra Mundial, a arte brasileira
viveu um momento de ruptura e reinvenção. "Ruptura com a tradição modernista, que nascera
nacionalista e mais tarde adquirira um traço social e regional com Cândido Portinari"2. O
término da guerra favoreceu o intercâmbio e reacendeu o contato com a arte européia. Que se
refletiu na criação da Bienal de São Paulo (1951). Foi na 1a Bienal que Weissmann conheceu os
trabalhos de Max Bill, artista e arquiteto suíço, ex-aluno da Bauhaus, líder do Grupo Concretista
de Ulm, principal herdeiro das vanguardas construtivas.
Max Bill é o sucessor de Theo van Doesburg, artista e teórico holandês, fundador de De Stijl e
do Elementarismo. Doesburg definiu os princípios da arte concreta no manifesto As Bases da
Arte Concreta, publicado no primeiro e único número da revista Art Concret, em abril de 1930.
Com o falecimento de Doesburg, o termo e o conceito foram estudados e reelaborados por Max
Bill em 1936. A essência do novo projeto concretista parte da seguinte idéia formulada por Max
Bill: "A arte concreta, quando alcança a máxima fidelidade a si própria, é pura expressão de
medida e de lei harmoniosas. Agencia sistemas e dá vida a esses agenciamentos pelos meios de
que a arte dispõe. É real e intelectual, anaturalista — e, no entanto, próxima da natureza.
Tende ao universal, mas cultiva o particular; rejeita a individualidade, mas em benefício do
indivíduo".
A premiação da Unidade Tripartida de Max Bill na 1a Bienal foi decisiva para o surgimento do
movimento concretista no Brasil. Seus objetivos são ilimitados e se diferenciavam dos novos
estilos figurativos. Nada há de sentimental, nacionalista ou romântico. O produto não é da
mente irracional, conforme os surrealistas e realistas mágicos, mas da mente racional e
consciente de um artista livre de qualquer ilusionismo e do simbolismo. Freqüentemente, os
artistas tomam como ponto de partida conceitos científicos ou matemáticos, o que resulta em
estruturas características de grades e formas geométricas, como elementos mínimos de forças
máximas do campo especificamente plástico.
"Equilíbrio e ordem são elementos fundamentais para alavancar o projeto de se erigir uma
sociedade que se abre para a industrialização e aponta para o futuro. A arte concreta emerge
como expressão de um contraponto possível a uma visão de uma sociedade desorganizada, que
o censo comum brasileiro produziu sobre si mesmo"3. O concretismo ainda persiste como
tendência nas artes contemporâneas, além de ter sido absorvido pelo design, moda,
publicidade, televisão, vídeo, cinema e internet.
O Cubo Vazado é rejeitado na 1a Bienal. Um comissário espanhol disse que ele estava
inacabado. Um cubo de 1m x 1m, de chapas em latão soldadas — feito com o maior sacrifício e
os recursos que dispunha em Belo Horizonte. Entretanto, uma coincidência marca o percurso,
pois naquele mesmo momento, na Espanha, um opositor feroz do franquismo, o artista plástico
Jorge Oteiza, estava fazendo um trabalho muito parecido com o do artista brasileiro. Acabaram
se conhecendo na 4a Bienal, em 1957, quando Oteiza ganhou o prêmio internacional de
escultura e Weissmann ganhou o nacional.
Na década de 1960, Weissmann faz a série Amassados, e, também, as Esculturas Moles. Para a
crítica Sônia Salzstein, tais trabalhos seguem um processo de desconstrução e se situam no
limite entre a performance, a escultura e o relevo, aproximando-se dos Bichos de Lygia Clark.
Na mesma época, enquanto Lúcio Fontana rasga a tela, Weissmann bate nas lâminas
metálicas. O traço devassador e violento, não arbitrário, é a marca dos Amassados, pois tudo é
feito com o martelo. Weissmann amarrota as chapas industriais — assim como o aço, elemento
básico de suas esculturas. Realiza construções diferentes e inovadoras, pois achatando a chapa,
transformava o plano, o bidimensional, em algo tridimensional, adquirindo volume e espaço.
Tinha o hábito de furar as chapas. Através dos furos cria o espaço tridimensional, um espaço
vazio. Um vazio ativo em relação ao continente que ele ocupa. A fase dos amassados foram
experimentações provisórias, sendo abandonadas. Em seguida, o artista volta-se novamente
para as figuras geométricas.
"A obra de Weissmann nega qualquer idéia estática de monumento em favor da celebração do
transitório. As suas articulações com o cubo, o retângulo ou a fita serão expansivas ou
concentradas, mas invariavelmente instáveis e provisórias. Ainda quando assumem a escala de
monumento, as peças de Weissmann continuam a tirar a sua força do caráter da situação. E a
tensão entre a sua notória mentalização — a consistência lógica necessária para engendrá-las —
e o aspecto aberto e circunstancial talvez seja o que as distingue de imediato. Afirmar tão
decidida e inteligentemente a potência do casual é, convenhamos, tarefa lenta e difícil. E obriga
o olhar a enfrentar o dilema entre a força de atração de determinada combinação específica e
as outras possibilidades que, de maneira premente e sedutora, a peça anuncia. Num certo
sentido, sem prejuízo da presença certeira que ostenta, as esculturas de Weissmann
terminariam todas em reticências. Teríamos assim a percepção levada a reconhecer o seu
destino ativo, inesgotável e inacabado. O mundo moderno, ao abolir o princípio da autoridade,
define-se como o que está por vir. Ele é o que será imaginado, processado e construído"5.
Franz Weissman (1914-2005) realiza experiências estéticas com maquetes no ateliê, Ipanema, 2002, Rio de
Janeiro, RJ
Transfere-se para Belo Horizonte em 1944, onde residia desde 1932, o seu irmão Karl. Em
1945, recebe o convite de Alberto da Veiga Guignard para lecionar Modelo Vivo e Modelagem na
recém-criada Escola de Arte Moderna de Belo Horizonte, idealizada pelo prefeito Juscelino
Kubitschek. É professor e incentivador da obra do escultor mineiro Amilcar de Castro. Inicia um
processo de abstratização do figurativo. E recebe, no Rio de janeiro, o primeiro prêmio de
desenho no Salão Nacional de Arte Moderna, realizado em 1949.
Volta a residir no Rio de Janeiro em 1956, onde participa do Grupo Frente, e das exposições de
arte concreta do Museu de Arte Moderna de São Paulo e do Rio, também em 1957. Neste ano,
recebe o Prêmio Nacional de Escultura da 4a Bienal de São Paulo e, em 1958, ganha o Prêmio
de Viagem ao Exterior do Salão Nacional de Arte Moderna.
Em 1959, assina — juntamente com Ferreira Gullar, Amilcar de Castro, Lygia Clark, Lygia Pape,
Willys de Castro, Décio Vieira, Hélio Oiticica, Reynaldo Jardim e Theon Spanuds — o Manifesto
Neoconcreto. Os neoconcretistas rebatiam o racionalismo, a rigidez e o cientificismo do
movimento concretista. Defendem o abstracionismo geométrico sem perda da dimensão
humana, sensível e intuitiva da arte. A relação com a realidade é mantida, mas entende-se que
a arte transcende essa aproximação. O vocabulário geométrico se presta à expressão da
complexa realidade humana, e não lhe suprime a imaginação. Um movimento não dogmático,
aliado à expressão, sem abandonar os problemas da forma. Defendiam uma síntese entre a
razão e a emoção. Cada artista preserva a sua individualidade e liberdade criativa.
De volta ao Brasil, nas décadas de 1980/90, retoma as pesquisas estéticas e trabalha em seu
ateliê no Rio de Janeiro. Em 1989 cria a escultura Grande Flor Tropical em aço pintado para o
Memorial da América Latina, em São Paulo. No final da década de 1990, trabalha a série
Mondrianas, inspirada no pintor holandês Piet Mondrian. Sua última mostra, A Poética da
Forma, ocorre em março de 2004 no Museu de Arte Contemporânea de Niterói, ao lado de
Oscar Niemeyer e Tomie Ohtake.
A filha do artista, Waltraud Weissmann, relata que até o último dia seu pai insistia em criar. Nas
últimas semanas de vida, mesmo recuperando-se de um infarto do miocárdio, sempre visitava o
ateliê para fazer as suas maquetes. Faleceu aos 91 anos, no dia 18 de julho de 2005, em seu
quarto, como queria, com vista para a lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro.
Terra, 400x400x200 cm, Aço Pintado, 1958/1983. Conjunto Cândido Mendes, Centro, Rio de Janeiro, RJ
A contribuição para a arte internacional e brasileira é a dimensão pública que sua obra
adquiriu. Há muitas delas em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Norte, Nordeste,
Centro-Oeste, Sul e no exterior. Esculturas e formas livres, "desenhos no espaço" — como
chamava Mário Pedrosa —, dotados de plenitude geométrica e a sensível claridade das cores
ativas.
Franz Weissmann é um artista fundamental na escultura brasileira. Sua trajetória iluminada está
presente no decisivo e essencial capítulo da arte construtiva nacional, em especial, na transição
do concretismo para o neoconcretismo — uma passagem que deu às artes plásticas vigor,
originalidade, leveza, inventividade, "a matéria/ e mostra que dentro dela/ não há noite mas/
espaço/ puro espaço/ modalidade transparente/ de existência"6, que o enriquece e diferencia de
todos os construtivistas. A história do concretismo no Brasil estaria incompleta sem a sua
presença.
[Agradecimentos especiais aos editores Fernando Pedro da Silva e Marília Andrés Ribeiro da Editora C/Arte,
à fotógrafa Cecília Figueiredo e aos familiares Waltraud Weissmann e Fernando Ortega,
pela atenção e autorização de uso das imagens neste ensaio]
Referências Bibliográficas
dezembro, 2007
josealoise@gmail.com