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Campina Grande, Junho de 2018
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO
E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
2018@Copyrigth UFCG
Impresso no Brasil
FICHA CATALOGRÁFICA
DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS
DIAS ATUAIS: Caderno de Resumos do II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS
/Juciene Ricarte Apolinário e Ofélia Maria de Barros (Org.). – Campina Grande
2018.
ISSN:
1. História. 2. Etno História. 3. História Indígena. 4. História da Educação 5. História Ambiental.
6. História e Direito.
3
Instituições executoras
4
Comissão Organizadora
Coordenação Geral
Profa. Dra. Juciene Ricarte Apolinário João Paulo Peixoto Costa-IFPI
(PPGH-UFCG, Brasil | CHAM-UNL, Portugal) Jorge Eremites de Oliveria-UFP
José Gabriel Silveira Corrêa (UFCG)
Comissão Organizadora
Profa. Dra. Edjane Dias Esmerina da Silva José Otávio Aguiar (Pós-Doutor – UFCG)
(UFCG) Maria Regina Celestino de Almeida
Prof. Dr. José Gabriel Silveira Corrêa (UACS- (PPGH-UFF)
UFCG) Mariana Albuquerque Dantas – UFRPE
Prof. Dr. José Pereira de Souza Júnior (UEPB, Naybe Gutierrez Montoya - UPO,
UFCG) Sevilha, Espanha
Profa. Dra. Mércia Rejane Batista (PPGCS- Patricia Melo Sampaio – (UFAM)
UFCG) Sel Guanaes (UNILA)
Profa. Dra. Ofélia Maria de Barros (NEAB-I- Sônia Maria Missagia (UFES)
UEPB) Taciana de Carvalho Coutinho (UFAM)
Profa. Dra. Rosilene Dias Montenegro Tonico Benites Ava Guarani Kaiowá –
(UFCG)
(UFGD)
Vania Maria Losada Moreira - UFRRJ
Comissão Científica
Almir Carvalho Junior - UFAM
Almir Diniz de Carvalho Júnior - UFAM
Angela Domingues (UL) Alunos (História- UFCG/UEPB)
Ângela Maria Vieira Domingues – Adauto Santos da Rocha
Universidade de Lisboa – CHAM-UNL, Adriana Monyke Nascimento de Alencar
Portural Adriano Ferreira Dos Santos
Antonio Carlos Amador Gil – UFES Alcione Ferreira Da Silva (Professora)
Alex Alves Campelo
Brigitte Thierion – Universidade
Alex Pereira da Silva
Sorbonne, Paris 3 - França
Aline Praxedes De Araújo (Professora)
Carlos Paz - FCH-UNCPBA/ Argentina Betânia Maria De Andrade Paiva
Carmen Alveal -UFRN Carla Edylane Felix Arruda
Celso Gestermeier do Nascimento – Cézar Da Silva Ferreira
UFCG Cibelle Jovem Leal
Edson Silva – UFPE/ PPGH-UFCG Darciley Gomes de Oliveira
Estevão Martins Palitot (UFPB) Dênis Barbosa Pequeno
Fernanda Sposito – Pós-Doutoranda - Edvânia da S. Nascimento
USP Erik Carlos Monte de Carvalho
Fernando Antonio de Carvalho Dantas – Erykles Natanael de Lima Vieira
Éverton Alves Aragão
UFG
Fernanda Borges de Brito
Francisco Cancela (UNEB)
Giovani José da Silva (Unifap/ Brasil)
Hermilia Feitosa Junqueira Ayres –
UFCG
Izabel Missagia de Mattos (UFRRJ) 5
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA,
DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
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Fernanda De Oliveira Thomaz Lemos
Franciny Raquel Torres
Jamilly Jéssica Martins Fernandes
Jessica Kaline Vieira Santos
Jesus Alves de Oliveira Quintans
Joanan Marques de Mendonça
João Eudes do Nascimento Alves
João Igor de Andrade Vital
José Acácio Pessoa de L. Neto
Karine Stefany da Silva Martins
Karolina Kelly G. Lins
Laís De Oliveira Neves
Leandro de Aquino Lima Ropinasse
Liélia Barbosa Oliveira
Luana Souto Cavalcanti
Lucas Gomes Medeiros
Lucas Santos Ribeiro Leite
Luísa Nunes Mendonça de Lima
Luiz Fernando Oliveira Sousa
Maria do Socorro Reis Melo
Maria José Elaine Costa S. Pereira
Maria Valéria Pereira
Matheus Henrique da Silva Alcântara
Michel Alves de Almeida Ricarte
Natiele Fernanda de Souza Barbosa
Naum Filipe Nicácio Alves
Nayara Silva Furtado
Rafaela Costa de Azevedo
Rayan Fernandes Pereira
Renally Rodrigues Leão
Robson da Silva Leandro
Rodrigo Ribeiro de Andrade
Rosa Michele Vieira de Oliveira
Taynara Alves Batista Pequeno
Victoria Cecília de Lima Ramos
Virgínia Genuíno Lira
Wendy Nicollas Diniz Cibalde
Whindson Senna Da Silva
Yona Kaluaná F. de Sousa
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APRESENTAÇÃO:
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Sumário
APRESENTAÇÃO: ......................................................................................................................................7
GT 1 – ESCRAVIDÃO INDÍGENA E ESCRAVIDÃO NEGRA: AGÊNCIAS CONECTADAS NOS ESPAÇOS
COLONIAIS. ............................................................................................................................................ 14
JUNTA DAS MISSÕES NA CAPITANIA REAL DA PARAÍBA: UM DESDOBRAMENTO DA
ADMINISTRAÇÃO COLONIAL ........................................................................................................15
ALDEADOS DE PIRATININGA - MORADORES iNDÍGENAS E ADMINISTRADOS DE SÃO PAULO
COLONIAL (1694 - 1775) ...............................................................................................................30
ESCRAVIDÃO E DIREITO NO BRASIL: O PROBLEMA DO ANACRONISMO .......................................44
GT 2 - POLÍTICAS INDIGENISTAS E INDÍGENAS ENTRE OS SÉCULOS XVI AO XIX NO BRASIL E NA
AMÉRICA LATINA: SUAS ESPECIFICIDADES DIANTE DAS RELAÇÕES INTERÉTNICAS E PODERES LOCAIS
............................................................................................................................................................... 58
MECANISMOS PARA RESISTÊNCIA ADAPTATIVA INDÍGENA E SEUS ENTRAVES: POSSIBILIDADES E
DIFICULDADES NO SISTEMA COLONIAL PARA O ÍNDIO DA CAPITANIA DO RIO GRANDE, NO
SÉCULO XVIII ................................................................................................................................60
FORTIFICAÇÕES E ALDEAMENTOS NA RIBEIRA DO JAGUARIBE: POLÍTICAS INDIGENISTAS E AÇÃO
INDÍGENA NO FINAL DO SÉCULO XVII. ..........................................................................................68
FAMÍLIA E CASAMENTO INDÍGENA: UMA ANÁLISE HISTORIOGRÁFICA ........................................84
INDÍGENAS BANDIDOS A INICIOS DEL SIGLO XIX EN CUBA: ENTRE LA REALIDAD Y EL MITO ........96
O PORTO DE ARAPUTANGA ........................................................................................................105
GT 3 – RECONHECIMENTO DOS TERRITÓRIOS INDÍGENAS NA AMÉRICA: LUTAS, CONQUISTAS E
RETROCESSOS ENTRE OS SÉCULOS XX AOS DIAS ATUAIS ................................................................... 115
TERRA, TERRITÓRIO E TERRITORIALIDADE NO MOVIMENTO INDÍGENA COLOMBIANO .............117
CULTURA & DESENVOLVIMENTO UMA PERSPECTIVA ETNOGRAFIA DOS IMPACTOS
SOCIOAMBIENTAIS E CULTURAIS: O CASO DOS TABAJARAS DO LITORAL SUL DA PARAÍBA. ......128
MARCO TEMPORAL, UMA REFLEXÃO INICIAL DE SUAS IMPLICAÇÕES ANTROPOLÓGICAS .........136
GT 4 – MISSÕES RELIGIOSAS E POVOS INDÍGENAS NA AMÉRICA: SÉCULOS XVI AO XXI .................... 148
A ESTRATÉGIA TIRIYÓ/TARËNO NO CONTEXTO DE MISSÃO NO ESTADO DO PARÁ, ENTRE AS
DÉCADAS DE 1960 E 1980 ...........................................................................................................149
OS LADOS DA CRISTIANIZAÇÃO INDÍGENA: COLONIZADO E COLONIZADOR ..............................163
O CORTE DO ARAME E O CIMI. ...................................................................................................172
OS DEMÔNIOS INVADEM O NOVO MUNDO: A FÉ CRISTÃ E OS INDÍGENAS BRASILEIROS DO
SÉCULO XVI.................................................................................................................................185
ENSINO SUPERIOR PARA POVOS INDÍGENAS NO BRASIL: DESAFIOS E PERSPECTIVAS ...............194
GT 5 – EXPERIÊNCIAS DO ENSINO E PESQUISAS DA EDUCAÇÃO SUPERIOR INDÍGENA NA AMÉRICA
ENTRE OS SÉCULOS XX E XXI ............................................................................................................... 209
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lanacamilagomes@gmail.com
apolinárioju@hotmail.com
Introdução
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Ocorre que as temáticas envolvendo os povos indígenas, foram por muitos anos
deixadas de lado pela historiografia oficial. Os indígenas foram invisibilidades da escrita
oficial da história do nosso país. Restando, apenas, as narrativas que os inseriam como
coadjuvantes dos grandes feitos dos colonizadores. Somente em meados da década de 80 se
intensificaram os estudos sobre as culturas indígenas, possuindo ainda muitas lacunas sobre
a História indígena e, consequentemente, sobre a Junta das Missões, especialmente de
forma localizada nas antigas capitanias.
Logo, pesquisar sobre a Junta das Missões na Capitania Real da Paraíba envolve
muitos desafios, pois envolve discussões sobre Administração Colonial, Relações
Interétnicas, Agenciamentos Indígenas, e ainda lidar com uma historiografia cheia de lacunas
sobre a nossa própria história, sem mencionar a responsabilidade de abordar temáticas
ainda pouco visitadas pelos pesquisadores.
Sabemos que estudar o período colonial não é tarefa fácil, principalmente porque o
acesso às fontes é restrito e estas, escassas. A maioria das fontes são documentos oficiais
que precisam além de ser compreendidos em suas diferenças quanto a sua tipologia (cartas,
certidões, consultas, despachos, provisões, requerimentos, etc), exigem do pesquisador,
conhecimento, experiência, técnicas para transcrição paleografia e o que julgo ser mais
importante: persistência.
Isso porque a documentação não é meramente transcrita ou traduzida, ela precisa
ser analisada, e muitas vezes, inclusive, à contrapelo, em favor daqueles que foram
silenciados durante o processo do registro oficial. Sendo assim, este trabalho é apenas uma
parte das pesquisas que tenho me dedicado ao longo dos últimos oito anos.
No final do reinado de D. João IV, era crescente o entendimento de que o meio mais
eficaz para a conservação dos domínios ultramarinos portugueses era cuidar da propagação
da “fé católica” nas novas conquistas ultramarinas. Para tanto, a Coroa por intermédio da
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Igreja necessitava manter os seus missionários atuantes nas recentes possessões, a fim de
poder garantir a autoridade do reino lusitano, ameaçada por outras potências estrangeiras.
Para tanto, foi necessária a criação de um organismo ligado à administração central que
tratasse exclusivamente das questões referentes às missões ultramarinas e onde os
missionários das conquistas pudessem recorrer e apelar. (MELLO, 2007).
Em 1655, foi criada a primeiras Junta das Missões, conhecida também como Junta
Geral das Missões, em Lisboa. A nova instituição colonial, desmembrou-se da estrutura
interna da administração central e seria, a partir de então, responsável por tratar dos
assuntos que envolvessem o processo de cristianização dos nativos das colônias portuguesa.
Estavam entre as suas várias competências: examinar a legitimidade dos cativeiros dos
indígenas e apreciar como instância final as apelações das causas de liberdade dos índios.
No que se refere a constituição da Junta Geral das Missões, é importante destacar
que esta atuava em consonância com outros órgãos políticos-administrativos, como o
Conselho Ultramarino. E, outra especificidade é que, apesar da Junta das Missões ser um
projeto institucional para tratar sobre as missões e condições dos homens e mulheres
indígenas nas colônias, a Igreja não foi inserida na sua criação, mas apenas em um segundo
momento, como aponta Mello (2007).
Discorre ainda Mello que em 1678 foram expedidas ordens aos Governadores Gerais
e ao Vice-rei da Índia que enviassem para a Junta de Lisboa, sobre o estado das missões e os
progressos cristãos na colônia oriental. As respostas agradaram ao Rei, que tomou
conhecimento do aumento da propagação da fé nas Índias e o estimularam a constituir o
estabelecimento de outras Juntas Ultramarinas, constituindo em Goa, a primeira Junta das
Missões subordinada à Junta Geral das Missões do Reino. E, posteriormente, foram criadas
Juntas das Missões em Angola, Pernambuco, Rio de Janeiro e Cabo Verde, bem como na
Bahia (1688), no Pará (1701), em São Paulo (1746) e novamente no Rio de Janeiro (1750),
estas, instituídas por Carta Régia de 7 de março de 1681.
A adaptação dos religiosos e administradores coloniais à Junta das Missões foi
complicada e complexa. A nova instituição político-religiosa se caracterizava enquanto um
novo projeto, com dinâmica específica, mas que não foi claramente explicitada em
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documentos oficiais. Um ofício1 do Rei de Portugal à Inquisição de Goa – África, onde foi
instalada a primeira Junta das Missões fora de Lisboa, revela a preocupação do reino em
enviar um visitador para as partes do norte, para conceder recomendações acerca das
missões e outros assuntos.
1
OFÍCIO a Inquisição de Goa. 24/03/1692. Lisboa, Portugal: [s.n.]. D.01
2
PROVISÃO (minuta) do rei D. João V, ao ouvidor-geral da Paraíba. AHU-Paraíba, mç. 28, doc. 53, 13 de
março de 1733. AHU_ACL_CU_014, Cx. 8, D. 691.
3
PROVISÃO (minuta) do rei D. João V ao ouvidor-geral de Alagoas, 13 de março de 1733.Anexo: 2ª via. AHU,
Alagoas Avulsos, Cx. 1, Documento 83.
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Mello (2003) alude que as formações das Juntas eram bem heterogêneas, estando
presentes representantes de esferas de poder diferentes: justiça, finanças e religião. De
acordo com a autora, cada capitania possuía uma composição. A maioria das Juntas eram
compotas por Ouvidores Gerais, Provedores da Fazenda e Bispos ou Vigários Gerais, na
ausência dos Bispos. Todavia, a sede do governo-geral do Brasil, a capitania da Bahia,
apresentava necessidades singulares, pelas quais o governador desta, solicitou ao reino que
as Juntas fossem compostas ainda por Prelados Superiores de cada ordem religiosa que
possuíssem missões; pedido, que foi autorizado no ano de 1696.
A atuação dos missionários na Capitania Real da Paraíba perante a Junta esteve
restrita a subordinação a Junta da capitania de Pernambuco, a qual tinha como competência
analisar as questões indígenas em sua capitania e nas anexas (Alagoas, Paraíba, Rio Grande e
Ceará, subordinadas ao bispado de Pernambuco). Vale destacar que, apesar de associarmos
na maioria das vezes o projeto de catequização indígena aos jesuítas, outras ordens
religiosas como a dos Carmelitas descalços, Beneditinos, Franciscanos e Capuchos de Itália,
também estavam envolvidas no projeto colonizador missionário.
Em provisão4 do ano de 1600, do capitão-mor da Paraíba, servindo o mesmo de
provedor-mor da Fazenda Real, Feliciano Coelho de Carvalho, ao feitor e almoxarife da
Fazenda Real da mesma capitania, Fomes dias, ordenou o pagamento da quantia de 46 mil
réis ao padre Frei Anastácio, presidente dos padres da Ordem de São Bento, destinado este
valor para os serviços de doutrina e cristandade dos “gentios aldeados”.
Os povos originários aldeados eram aqueles colocados nos aldeamentos, espaços
próprios pensados e criados pelos colonizadores, para agrupar os homens e mulheres
indígenas, de várias etnias em um único espaço. Os aldeamentos objetivavam a perda da
identidade dos indígenas com o local de origem, que poderia provocar mudanças nas
práticas culturais indígenas e novas ressignificações. Mas o que pretendiam que era a perca
da etnicidade os colonizadores não conseguiam, pois como afirma João Pacheco de Oliveira
(1999) o processo de nova territorialização ocorria, mas não subsumia as etnias indígenas 5.
4
Provisão (treslado) do capitão-mor da Paraíba, 13 de março de 1600. Paraíba AHU-Paraíba, cx. 1.
AHU_ACL_CU_014, Cx. 1, D. 2.
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Além do mais, não se perde nem cultura, nem identidade, nem etnicidade, pois ambas estão
em constante transformação e se dão também entre os contatos, adquirindo novas
ressignificações.
Para facilitar a dita civilização dos índios, a localização dos aldeamentos ficava
estrategicamente próxima aos assentamentos portugueses e mais distantes das demais
povoações, sob forma de defesa, como aponta Cavalcanti (2009).
Cem anos depois, em decreto6, o rei Dom Pedro II ordenava ao Conselho Ultramarino
consultar o papel que fez o ex Capitão-mor da Paraíba, Manuel Soares de Albergaria, sobre
as missões da capitania. Além de propor que a Junta das Missões se encarregasse de
algumas dessas missões aos padres da Companhia de Jesus, oferecendo aos missionários
côngrua7 e casa de residência.
Manuel Soares de Albegaria, enquanto Capitão-Mor da capitania da Paraíba ficou
conhecido por incentivar as lutas contra o “gentio tapuia do sertão”, oferecendo munições e
gentes, ao Capitão-Mor dos Sertões das Piranhas e Piancó, Teodósio de Oliveira Ledo. Em
outro episódio de 16998, o Capitão-Mor Albegaria, incentivava a precaução a uma possível
luta contra a nação de tapuias, denominados Ariu, que estavam aldeados em um lugar a que
chamavam a Campina Grande.
A consulta descrita aponta que os Ariu tinham sido levados ao aldeamento chamado
de Campina Grande por Teodósio de Oliveira Ledo em 1697 e foram aldeados junto a
quarenta Cariri, sob a perspectiva que queriam viver como vassalos de Vossa Majestade e
reduzirem-se a Santa Fé Católica. Mesmo assim, com receio e para acompanhar tal
transferência, ordenava o capitão o envio de dez soldados e o conserto das armas, para que
combatessem aquela “grande quantidade de índios”.
6
DECRETO do rei D. Pedro II, 6 de novembro de 1700. Obs.: consulta reg. CU, cód. 265, fól. 155v-156.AHU-
Paraíba, cx. 5, doc. AHU_ACL_CU_014, Cx. 3, D. 238.
7
O termo “côngrua” é originalmente um adjetivo. Se referia a um auxílio financeiro concedido pela Fazenda
Real às ordens religiosas no território ultramarino. A finalidade das côngruas eram manter a estrutura
eclesiástica, viabilizar uma ação pastoral e construir, conservar a ornamentar os templos. Dessa maneira,
garantiam ao clero condições materiais que lhe proporcionassem uma vida decente na Colônia Portuguesa.
LIMA (2014)
8
CONSULTA do Conselho Ultramarino. 3 de setembro de 1699. Anexo: 2 docs.AHU-Paraíba, cx. 5, doc.
AHU_ACL_CU_014, Cx. 3, D. 226.
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CERTIDÃO do ouvidor-geral da Paraíba. 25 de janeiro de 1752. AHU-Pernambuco. AHU_ACL_CU_014, Cx.
16, D. 1321.
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CARTA do capitão-mor da Paraíba. Paraíba, 27 de abril de 1736. AHU_ACL_CU_014, Cx. 10, D. 800.
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a demarcação das terras dos índios e a colocação de marcos nos limites da capitania com a
de Pernambuco e a do Rio Grande.
As formas de resistência indígena podem ser diversas. Freire (2012) ao investigar as
atuações missionárias dos carmelitas descalços em Boa Vista – capitania da Paraíba, no
século XVIII, revela que, apesar da repressão missionária colonial desta ordem religiosa em
relação as práticas culturais dos indígenas, estes mantiveram um ritual tradicional, honrando
suas tradições e desalinhando o tecido do projeto colonial, causando-lhe manchas, fissuras,
nódoas.
O ritual da jurema sagrada, de acordo com a historiadora Freire (2013) era prática
cultural dos indígenas Kanindé e Xukuru, que mesmo com a intervenção secular eclesiástica,
não abandonaram suas tradições. Incomodados por não cessarem com essa atividade
indígena, os carmelitas descalços representados pelo governador de Pernambuco, Henrique
Luís Pereira Freire, enviam uma carta ao Conselho Ultramarino do rei D. João V, informando
sobre o “uso que fazem os índios de uma bebida chamada Jurema”.
De acordo com as pesquisas de Freire (2012), este caso fez criar uma Junta das
Missões no ano de 1739, especificamente para discutir como após a transferência desses
povos do sertão para o litoral, a catequização e o intenso compromisso dos religiosos na
catequização, dos indígenas considerados feiticeiros continuavam com tais práticas
heréticas. Por não se renderem aos interesses colono-missionário, o desfecho foi a prisão
dos índios em Mamanguape por suas práticas religiosas julgadas transgressoras.
Este caso juntamente incentiva o debate sobre a insuficiência da Junta das Missões
de Pernambuco frente a demanda da capitania da Paraíba. Assim, no ano seguinte, o
capitão-mor da Paraíba, Pedro Monteiro de Macedo, escreveu ao rei de Portugal, Dom João
V, sobre a necessidade de estabelecer na capitania uma nova Junta das Missões, com um
requisito: que fosse independente do governo de Pernambuco.
O interesse na instalação de uma Junta decorria de vários interesses políticos e
religiosos internos. Para tanto, nos propusermos a fazer uma análise minuciosa da
documentação acima mencionada no capítulo seguinte, partindo do pressuposto de que
ainda há muito o que se discutir quando se trata de história indígena na nossa região. E,
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FONTES
Arquivo Histórico Ultramarino – Paraíba
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Mello.pdf>. Acesso: 21 mar. 2016
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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
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Introdução:
O objetivo deste trabalho é o estudo do lugar social dos moradores indígenas de São
Paulo colonial, que através do espaço urbano dos aldeamentos e das condições jurídicas
determinantes de seus regimes de trabalho, constituía-se na prática, em efetivo estado de
escravidão. O período em foco é o século XVIII, quando da existência do regime legal
denominado "Administração", que regularizou práticas de tutela e trabalho compulsório
praticadas desde o século XVI, fazendo dos aldeamentos (dos jesuítas ou da Coroa) locais de
referência para a habitação e requisições de mão-de-obra dos índios. Dessa forma, além da
investigação histórica a respeito da sociedade paulista dentro da ordem colonial, destaca-se
também a própria história urbana de São Paulo, onde a relação entre o núcleo da cidade, os
aldeamentos periféricos e o contexto colonial geopolítico da Capitania relaciona-se ao
funcionamento do sistema colonial da América portuguesa como um todo.
Embora proibida pela Igreja e pelas leis das Coroas de Portugal e Espanha, a escravidão
indígena foi uma realidade nas Américas, onde encontrou formas de se manifestar que não
contrariassem diretamente a letra das leis, mas atendessem aos interesses, em geral
conflitantes, da Coroa, dos colonos e dos padres missionários. Assim sendo, busca-se
encontrar o ponto de vista dos índios, que desprezado pela historiografia tradicional, não os
colocava como sujeitos agentes neste contexto. Nesta forma de abordagem metodológica,
que busca uma aproximação com os estudos culturais e a antropologia, define-se o conceito
de "resistência adaptativa", ao se considerar a integração social dos povos indígenas como
resposta ativa à realidade colonial, e não enquanto mera submissão.
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Problematização e desenvolvimento:
Na busca pelo lugar do indígena dentro de uma determinada sociedade, surgem questões
de identidade étnica, social e cultural, sujeitas às variações de contexto histórico. Em
primeiro lugar, não se deve, a rigor, generalizar a vasta amplitude étnica, nativa ou mestiça,
no termo aglutinante "indígena", que singulariza a diversidade cultural podendo deixar de
lado não só fatores históricos determinantes, como também descaracterizar identidades
individuais e coletivas, considerando-se também que o termo "índio", no singular, surgiu e
serviu aos propósitos coloniais, mesmo quando associado aos etnônimos que lhes foram
atribuídos. Faz-se necessária uma identificação dos povos ocupantes do espaço, no caso, o
núcleo de Piratininga, considerando as interações dinâmicas de fatores tais como,
originalidade, mestiçagem, fixação e deslocamento, cujas indicações são dadas pelas formas
dos termos que ficaram nos registros, como por exemplo, mamelucos, caboclos, tapuias,
servos, paulistas, homens-bons, entre outros diversos.
Um termo que se usa de forma um tanto desapercebida é o de "morador". Em geral,
refere-se aos habitantes brancos das vilas. Levando-se em conta porém, que somente uma
determinada parcela dos habitantes era formada por colonos europeus, e grande parte por
mestiços, verifica-se que este conceito merece uma revisão. Uma possível solução pode
estar na dimensão social atribuída aos espaços, que diferenciam os conceitos de vila, cidade,
aldeia, aldeamento. Dessa forma, emerge a questão do aldeamento enquanto espaço de
segregação, determinada pela permanência dos índios em confinamento ou liberdade,
restritos ao lugar social a eles impostos pela legislação, ou como habitantes mais livres, de
acordo com fatores como graus de parentesco ou ações e atividades de trabalho. Resta saber
em que sentidos o termo "morador" possa ter sido usado nos contextos jurídicos e sociais da
época.
De qualquer forma, as leis referentes à questão da escravidão tinham efeitos
discriminatórios que influenciavam o cotidiano, colocando o chamado "índio" numa posição
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seria por exemplo, a de declarar que não eram os índios a ser vendidos, mas os seus serviços
(Nazzari, Muriel. 1999, 32.). "Em São Paulo, os indígenas eram inventariados como peças de
'serviço forro', 'servos da administração' e 'administrados', expressões que camuflavam a
obrigação ao trabalho forçado sob a máscara da prestação de um serviço pessoal ao colono,
em que este último aparecia como responsável pela tutela do serviçal." (Davidoff, Carlos.
1982, 37.). Através destas expressões contidas nos documentos, podemos traçar um quadro
de representações do que foram formas de eufemismo da escravidão.
Até 1758, quando a administração foi abolida, a legislação passou por mudanças em
direção à liberdade indígena, mas apesar disso, pouco se mudou nas formas de relação de
trabalho e convivência social, como se pode verificar pela documentação do período. Em
1728 passou a ser ilegal herdar, deixar em testamento, ou dar índios em dote, o que
afetando diretamente o direito de propriedade em caso de morte do primeiro administrador,
constituiu uma quase "sentença de morte" à escravidão indígena. Apesar disso, mesmo
depois da lei de 1758, que decretara a liberdade plena, muitos índios ainda permaneciam em
situação de dependência de seus antigos senhores, e o próprio termo "administrado"
continuava a ser encontrado em documentos e inventários paulistas, como por exemplo, no
caso do Mosteiro de São Bento, que mostra que os monges ainda possuíam índios
administrados ou mesmo escravizados. (Nazzari, Muriel. 1999, 36.).
O espaço dos aldeamentos, enquanto não simplesmente local de habitação dos índios,
mas como centro de referência de "busca e aluguel de serviços", continuou cumprindo essa
função pelo século XVIII, apesar das mudanças de leis, do declínio populacional e da
secularização. Originalmente, na concepção jesuíta, seriam espaços de proteção, onde o
projeto colonial se manifestaria, em primeiro lugar, pela conversão, condição fundamental à
formação dos súditos reais. "Nas aldeias, nomes pelas quais aquelas comunidades passaram
a ser chamadas, os índios eram forçados a viver de acordo com a lei natural e as leis civis, e,
em contrapartida, estavam protegidos da escravidão nas mãos dos colonos." (Eisenberg,
José. 2000, 112.) Mas dada a violência dos apresamentos, e a forma de relação social
interna de Piratininga, com a requisição da mão-de-obra indígena como verdadeiro
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combustível econômico de São Paulo, o cotidiano fez destes espaços lugares de significados
ambíguos para os aldeados.
Estabelecidos ao redor do núcleo da vila, assentados à relativa distância, e integrados
entre si por caminhos, o estudo dos aldeamentos traz uma nova dinâmica à história urbana
paulistana, ao se considerar a rede de integração entre as aldeias entre si, a vila de
Piratininga, e os distantes destinos dos sertões, sejam os do apresamento (missões do
Paraguai, do Guairá e do Prata) ou das minerações (Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais). Em
todos os casos, as diversas etnias aldeadas cumpriam funções sem as quais não seria possível
o funcionamento do próprio sistema colonial. Na relação em que ao mesmo tempo se
dependia dos índios, e estes eram subjugados, o aldeamento foi a forma e o modelo colonial
português adotado para este fim. Dessa forma o aldeamento não se compõe como alheio à
vila, mas pelo contrário, integrado a ela, assim como o administrado em relação ao
administrador. Evidentemente, a relação é desigual, mas o lugar de seu espaço no contexto
urbano é também o espaço social do morador indígena que habitava em ambos, entre a vila
e a aldeia.
Assim podemos afirmar sobre o morador indígena, considerando o equívoco de se
generalizar o indígena aldeado, dada a variedade de funções sociais e atividades que
cumpriam. Certamente os que eram recrutados para as expedições ao sertão ausentavam-se
da cidade tanto quanto os sertanistas, mas a diversidade de ofícios e trabalhos domésticos a
que eram requisitados são indicadas nos documentos de forma numerosa. Além disso, é
certo que muitos dos administrados residiam nas casas dos moradores. O que nestas fontes
se revela também, de maneira evidente, é a utilização do termo "morador" para se referir de
forma exclusiva à população branca.
O morador indígena de Piratininga foi, portanto, aquele que em detrimento de sua
condição desfavorecida, encontrou seu espaço social dentro do espaço urbano, no que se
pode considerar como forma de resistência adaptativa. Uma forma de atuação comum,
como indicada nas fontes, era o recurso à defesa jurídica, colocando-o como sujeito atuante
mais próximo ao seus direitos enquanto súdito. "De fato, no alvorecer do século XVIII, a
despeito da regularização da relação senhor-administrado através de uma carta-régia de
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- Justificativa e conclusões:
Na história da América colonial, a escravidão imposta aos povos indígenas ocorreu dentro
de particulares formas de alteridade assumidas pelos europeus, que muito a diferenciavam
da escravidão africana. Enquanto aos negros era infligida de forma aberta e direta, sem
muitos escrúpulos quanto à legitimidade moral, aos nativos americanos foi necessário que se
idealizassem formas que justificassem não somente o cativeiro, mas a própria dominação
colonial sobre o espaço territorial do qual eram originários, a fim de possibilitar uma
determinada ordem social favorável aos objetivos do sistema colonial.
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Considerados pela Igreja católica como fortemente aptos para a conversão, e pelas coroas
de Portugal e Espanha como legítimos súditos reais, os vários e tão diversos povos indígenas,
de forma generalizante, foram logo submetidos a legislações específicas que buscavam
definir modelos de enquadramento social que, salvo as diferenças de interesse dos principais
agentes (missionários, colonos, exploradores, governantes), justificavam suas ações como
necessárias a uma forma de dominação que se via como civilizatória-salvacionista, detentora
de uma cultura que se auto-considerava superior. (Agnolin, Adone. 2007, 244.). Tais
legislações, que tomaram diferentes formas nas colônias portuguesas e espanholas,
submetiam-se à decisão tomada pela Igreja de se proibir a escravidão indígena. Assim sendo,
valiam-se de termos e conceitos correlatos, tais como, servidão, trabalho compulsório,
encomienda, administração, e até mesmo a justificativa de escravidão em casos específicos,
como principalmente, pelo conceito da "guerra justa".
Desde os primórdios de sua fundação pelos jesuítas, a vila de São Paulo de Piratininga
esteve diretamente envolvida nas ações metropolitanas relativas aos índios, tanto em
relação à catequese jesuíta, quanto pelo apresamento e cativeiro das etnias e grupos
considerados idôneos para tanto. Tão logo desde cedo, no século XVI, tais interesses
entravam em conflito, opondo principalmente colonos e missionários, mas envolvendo
também moradores, governantes locais, a coroa portuguesa, e também os vizinhos
espanhóis, além é claro, dos próprios índios, cujo ponto de vista tem sido pouco considerado
até pela historiografia mais recente. Documentos da Câmara de vereadores já indicavam
episódios relativos a estes conflitos, que pela sua abrangência e significados, acabaram por
influenciar até mesmo nas mudanças legislativas coloniais, contribuindo para aquilo que se
tornou tão característico das leis portuguesas sobre a questão indígena: sua constante
oscilação entre escravidão e liberdade.
Coube aos jesuítas, dada a predominância do poder da Igreja em relação às coroas, o
protagonismo da criação do que seria o principal sistema de ordenamento social dos
diferentes grupos indígenas, que viria a organizar a forma de exploração da mão-de-obra
indígena: o modelo do aldeamento. Apesar disso, dados os interesses conflitantes dos
demais colonos, o aldeamento não constituiu-se, em São Paulo, como espaço eclesial
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fechado, mas inserido numa ordem pública que reservava diferentes funções para os índios:
serviços temporários e trabalhos compulsórios, que sob diversas formas, chegavam até
mesmo a formas veladas de escravidão. Além disso, havia também os grupos indígenas
considerados hostis, que apresados através de expedições qualificadas como "guerras
justas", eram diretamente submetidos à escravidão. Até 1609, os índios de São Paulo podiam
ser escravizados legalmente, e "até 1693, quando uma bandeira de São Paulo descobriu ouro
em Minas Gerais, os índios eram a principal presa que traziam para casa". (Nazzari, Muriel.
1999, 28.).
Desde o início do século XVII, já haviam surgido várias expedições cujo objetivo principal
era a busca de ouro, que se acreditava existir em abundância em São Paulo. (Silva, Maria
Beatriz Nizza da. 2009, 42.). No entanto o objetivo prático, até para o funcionamento das
próprias expedições, era mesmo o apresamento indígena. Inicialmente, a mão-de-obra
indígena era usada na mineração. Apesar disso, sua obtenção era um problema, pela
dificuldade em se lidar com os índios (documento de 1612, idem, 43.). Vigorava neste
período a legislação de Felipe II (decretada em 30/07/1609 e reiterada em 10/09/1611), que
decretava a liberdade total dos índios e seus direitos à remuneração e apoio jurídico. A lei de
1611 tinha também como intenção o incentivo aos descimentos e aldeamentos. A legislação
e as interpretações sobre o conceito de "guerra justa" foram usados como o principal
argumento das expedições de apresamento, conhecidas como "bandeiras".
Após a Restauração, por pressão dos colonos, a provisão de 1653 permitia a captura em
situações específicas: guerra justa, banditismo, fuga e antropofagia. (Silva, Francisco Ribeiro
da. 1999, 19.). Além disso, as leis exigiam que os descimentos ocorressem de forma
voluntária da parte os índios, o que nem sempre ocorria. "Tida como forma menos violenta,
os descimentos causaram uma maior mortandade a longo prazo, em relação a outras formas
de apresamento." (Alencastro, Luiz Felipe de. 2000, 120.). Trazidos presos a São Paulo, os
aldeamentos serviam também como destino ou assentamento dos índios que então seriam
encaminhados. Nas aldeias de repartição, os índios eram obrigados a aceitar a repartição e o
trabalho, sendo utilizados em três grandes serviços: serviço público de segurança do Estado e
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defesa das cidades; serviço privado dos moradores; e entradas nos sertões a serviço dos
moradores. (idem, 25.).
À parte disso, foi nesse período que se verificou o início do declínio das expedições de
apresamento, processo lento e gradual que se aprofundou somente na passagem entre o
XVII e o XVIII, com a descoberta das minas de ouro, embora que, na prática, o apresamento
tenha continuado como objetivo das expedições até muito posteriormente. O fato é que o
auge do apresamento, que tanto caracterizou o movimento das "bandeiras", ocorreu quando
dos massivos e violentos ataques de assalto na direção das Missões do Paraguai e do Sul,
opondo em intensas batalhas paulistas, missionários jesuítas e índios. As reduções
representavam tentadoras presas aos bandeirantes paulistas, por possuírem índios já
aldeados e aculturados.(Holanda, Sérgio Buarque de. 1960, 286.).
Até meados do século XVIII, o objetivo dos aldeamentos se assentavam, em relação aos
índios tidos como aliados, na ideia da salvação da alma e na "europeização". A partir de
então também passaram a constar os princípios de felicidade e bem-comum como a todos os
súditos do rei. Mas de forma geral, os objetivos permaneciam os mesmos: catequização e
aculturação. Aqui entramos no debate a respeito da natureza dos aldeamentos e dos
processos de aculturação ali envolvidos, entre a integração e a segregação. Núbia Ribeiro, ao
tratar dos aldeamentos de Minas Gerais no século XVIII, afirma que "os aldeamentos foram
espaços inventados; opõem as aldeias. Constituíram-se como ambientes pensados para
serem espelhos da civilização, distintos dos espaços originais criados pelo modo de vida dos
povos indígenas." (Ribeiro, Núbia. 2008, 304). Para a autora, o aspecto de dominação e
repressão sempre predominou, até porque mesmo após as leis do Diretório dos índios, do
século XVIII, continuavam a possuir tais características.
Outra questão também discutida em relação aos aleamentos, trata de seu possível
fracasso como modelo de organização de mão-de-obra dentro do sistema colonial. Já em
meados do século XVIII podemos observar um acentuado declínio populacional nos núcleos
paulistas, caracterizando um curso de decadência relacionado à pobreza econômica dos
aldeados residentes. "Os antigos aldeamentos paulistas foram considerados despovoados no
início da segunda metade do século XVIII, e chegaram ao século seguinte com um
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As entradas no sertão do século XVII serviam tanto aos colonos como à Coroa, que as
incentivava. Enquanto colonos e moradores (brancos) paulistas queriam a guerra contra os
índios, reclamavam dos jesuítas, que haviam conquistado a administração das aldeias
durante o governo do capitão Jorge Correia. O preamento de índios feito então pelos
bandeirantes paulistas ocorria ainda à revelia dos direitos de escravidão das leis que
definiam a "guerra justa". (Freire, Carlos Augusto da Rocha; Oliveira, João Pacheco de. 2006,
41.). Com a reiteração da liberdade dos índios em 1609, os paulistas viam-se necessitados de
mão-de-obra indígena, e solicitavam que houvesse capitães nos aldeamentos, a fim de
ordenarem os índios a servir aos moradores. (Silva, Maria Beatriz Nizza da. 2009, 51.). A
tensão cresceu até a expulsão dos jesuítas de 1640 e seu retorno após treze anos. Já naquela
época, os jesuítas eram acusados pelos paulistas de quererem ser os únicos a tratar do
gentio, ao contrário de carmelitas, beneditinos e franciscanos. (idem, 55.).
Na prática, inúmeras irregularidades ocorriam a fim de provocarem a apreensão indevida
de escravos. Por vezes, os descimentos nada mais eram do que a captura compulsiva de
índios contra a sua vontade, para serem vendidos e obrigados a servir aos colonos sem
qualquer remuneração. (Domingues, Ângela. 1999, 51.). Estes desencontros geravam tensões
entre os sertanistas e os missionários, envolvendo também os colonos moradores que
acusavam os padres de promoverem uma espécie de exclusividade do uso da mão-de-obra
indígena. Ao longo de todo o século XVII, a legislação referente à escravidão indígena sofreu
muitas reviravoltas, sendo que entre elas, o alvará de 1647 subentende que os índios eram
considerados "sob administração" dos colonos, que na prática, era uma forma de tutela que
levaria a trabalhos forçados (Silva, Francisco Ribeiro da. 1999, 23.).
Além das disputas com os padres, também a Coroa muitas vezes se opunha aos interesses
dos moradores brancos, quando requisitavam aldeados para compor tropas para expedições
militares ou atividades diversas promovidas pelo Estado. "Em várias ocasiões, os emissários
da Coroa demandaram, junto à Câmara Municipal, índios das aldeias para integrarem as
expedições pretendidas. Herdeira da responsabilidade de administrar as aldeias, a Câmara
agiu de modo bastante contraditório durante todo o século XVII, ora honrando as demandas
da Coroa, ao restituir os índios que andavam por propriedades particulares, ora lesando os
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interesses dos aldeados por meio de uma política de aforamento de suas terras." (Monteiro,
John. 2004, 54.).
Foi neste contexto de conflitos e mudanças de leis, que em 1694 chega-se a uma
concordata definitiva, que foi objeto de cartas régias de 1696, com a instituição do regime de
Administração, que garantia o trabalho dos índios para os colonos. (Blaj, Ilana. 1995, 123.).
Em resposta aos paulistas, o rei D. Pedro II determinava assim que os índios podiam
continuar a ser legalmente administrados. (Silva, Maria Beatriz Nizza da. 2009, 57). De forma
semelhante às Encomiendas da América espanhola, os colonos do Brasil, e em especial, os
moradores de São Paulo, dispunham desde então de uma base legal para a requisição de
indígenas para trabalhos e serviços gerais, que na prática, não se diferenciavam, em muitos
casos, de trabalho escravo. "Assim, como vários autores apontam, o regime da administração
sanciona, no fundo, a escravização do gentio, apesar do mesmo ser considerado livre". (Blaj,
Ilana. 1995, 124.). A concordata representou assim, portanto, uma vitória dos colonos em
proveito do trabalho cativo, que mereceu inclusive a crítica do padre Antonio Vieira.
À parte dos subterfúgios legais que possibilitavam o cativeiro indígena, este permanecia
oficialmente proibido, o que não deixa de ter um significado representativo da forma com
que o indígena era visto e estava inserido na ordem social. Diferentemente do negro, era
considerado um súdito da coroa e, mais do que isso, propício a ser catequizado e assim
"domesticado", distinguindo-se dos considerados como selvagens, que ameaçavam a
segurança pública e as expedições para o interior. Ainda assim, mesmo enquanto cristão e
aculturado, continuava conceituado como culturalmente inferior, dentro da ordem social
portuguesa que separava por hierarquias as camadas sociais, mais ou menos próximas da
nobreza, de antepassados cristãos-novos ou bastardos e mestiços.
A administração foi extinta oficialmente em 1758, embora na prática, a partir de então,
extinguia-se somente a administração particular, enquanto continuariam existindo as
administrações dos aldeamentos, não mais pelos jesuítas, mas tutelados pelo governo da
capitania. (idem, 95.). Uma nova dinâmica comercial passou a se desenvolver em São Paulo,
impulsionando a criação de gado e a agricultura regional. Os aldeamentos se despovoavam
desde o final do século XVII pelas requisições reais, e principalmente talvez, pelos moradores
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que preferiam usar os aldeados enquanto o preço do aluguel fosse baixo em comparação ao
valor dos índios "particulares" que havia subido muito. (Blaj, Ilana. 1995, 130.). O valor dos
aluguéis de serviço dos aldeados, porém, passou a crescer gradativamente no início do
século XVIII, dado pelas dificuldades de apresamento e crescimento da demanda. "Como no
restante do Brasil colonial, o desenvolvimento da agricultura comercial e da escravidão
moldaram os contornos mais amplos a organização social nesta região (São Paulo), no século
XVII (...) a sociedade local e a economia repousavam em um sistema escravista bem
articulado e em unidades produtivas orientadas para o comércio" (Monteiro, John. 1985. in
Blaj, Ilana. 1998, 2.). Como resultado, cresce a atividade pecuária, que exigia menos mão-de-
obra, e consolida-se uma sociedade altamente estratificada, com classes sociais
extremamente pobres, longe portanto da famosa imagem de autosuficiência e
independência paulistana que marcou determinada historiografia do início do século XX.
(Blaj, Ilana. 1995, 132.).
Até o despertar da metrópole, a história urbana de São Paulo fica marcada pelos
topônimos de origem tupi, e pelo processo de conurbação espacial entre a cidade e os
antigos núcleos de moradores, que cada vez menos se distinguiam por suas origens étnicas e
culturais, fechando-se o ciclo colonial, pela cidade ter se tornado um centro migratório e,
posteriormente, foco da revolução industrial no Brasil.
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consideradas como jurídicas foram sendo valorizadas, por outro lado, quase sempre
parecem estar desacompanhadas de esforço investigativo quanto aos sentidos de suas
juridicidades contextuais.
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indicação aqui de alguns textos, bem como afirmar que a superação de tal problema, diante
de sua grande complexidade, somente parece ser possível com a contribuição das
investigações coletivas e críticas das ciências sociais.
2 O direito e a historicidade
A gravidade do problema aqui relevado pode ser apontada pela ainda necessária
afirmação de o direito, como qualquer outro fenômeno humano, também ter a sua história.
Mais ainda, tanto no passado quanto no nosso presente, só ser possível a afirmação séria da
possibilidade de reconhecimento de vários paradigmas de direito, no sentido de Thomas
Khun (1996, p. 43 s.) e Orlando de Carvalho (1997), mesmo quando se defenda, certamente
não pela juridicidade atemporal, o sentido do Direito, como o faz, v. g., Castanheira Neves
(2013), cuja proposta é oferecida em sentido sincrônico e criticamente preocupada com as
outras alternativas ao direito. Por isso, para o que mais nos interessa nesse momento, não
temos o receio de afirmar que o anacronismo, mesmo reconhecida a nossa limitação para
atingir um possível diagnóstico amplo do problema, está em quase toda a parte na temática
do direito da escravidão no Brasil, sendo clara consequência do paradigma do direito da
modernidade.
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Sem ser possível a resposta simples para tal questão, entretanto, parece ser devido
afirmar, que os grandes responsáveis por essa atemporalidade do direito são os próprios
fundamentos mitológicos do direito moderno, precisamente percebidos, v. g., por Clavero
(1993) e, muito especialmente, por Mário Reis Marques (2003). O projeto moderno de
estatalização do direito certamente foi, e continua sendo, profundamente marcado pela
exigência da ahistoricidade, particularmente quanto aos momentos anteriores à construção
do chamado Estado-Nação e todos aqueles que, de alguma forma, possam deslegitimar esse
projeto de poder que se apropriou do direito. Quanto à isso, se a nossa preocupação for
mesmo crítica, devemos sempre ter atenção à formação histórica desse projeto, bem como
ao seu correlato tipo de jurista, conhecido como “boca da lei”. O direito limitado pela visão
de ser simples e rápida decorrência do texto legal, que, como temos visto, está também
espalhado pelas ciências sociais como um todo, acaba por desembocar no problema aqui
considerado do anacronismo.
Quanto à escravidão brasileira, nos parece muito claro, que o direito ali é visto com
os olhos desse projeto moderno e posterior, provocando não somente sérios problemas de
compreensão, mas a perda constante de oportunidades reflexivas da pesquisa dessas fontes
jurídicas, quando pesquisadas sem o esforço de reconhecimento da natureza do projeto
jurídico correspondente. Infelizmente, as investigações jurídicas da formação do fenômeno
do direito quanto à escravidão, não somente no Brasil, usualmente a excluem pura e
simplemente pela incompatibilidade com o afirmado direito moderno mitológico, ou a
acomodam em certo sentido evolutivo e ideológico enquanto uma etapa vencida em rumo
de um futuro sempre antecipado. Tais posturas retiram a complexidade decorrente do
tempo dos(as) juristas do passado, que não têm a sua própria história considerada como
importante, como podemos reconhecer nas comuns hagiografias produzidas pela
investigaçao jurídica. No fundo, para onde olhamos, o tema do direito da escravidão em
nosso presente, claro que assim generalizando totalmente, também tem sido pouquíssimo e
mal investigado pelos(as) próprios(as) juristas.
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Cabe referir que tal processo político não pode ser reconhecido enquanto atuação
singular e evolucionista, normalmente visto em mitos fundadores do posterior Estado-
Nação, já que inserida em um grande quadro social de forças em combate, v. g., como das
pessoas escravizadas e das proprietárias. Nessa turbulência, que não cabe aqui aprofundar,
permaneceu a juridicidade da escravidão, marcada pela pluralidade, complexidade e
desigualdade daquele tipo de direito que, apesar de claras aspirações pela segurança
jurídica, não chegou a ter alterada essa sua principal marca de um direito ainda não
moderno. Faltaram, não somente a codificação civil, mas especialmente o tipo de
interpretação jurídica de sistema fechado, onde o texto legal não é só o começo, mas
também o seu fim, nesse tipo de realização de direito.
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Teixeira de Freitas, com o seu peculiar usus modernus pandectarum adaptado ao contexto
do direito da escravidão, sendo o jurista contratado para realizar o “Código Civil” e a “Lei
sobre a escravidão”, na forma do decreto 2.318 (BRASIL, 1858, p. 156), sendo nota histórica
fundamental e poucas vezes lembrada, apesar de não realizados em pleno; ou ainda de
Pimenta Bueno, onde podemos pesquisar o choque da interpretação jurídica desde a
herança medieval do direito e as influências de um jusnaturalismo racionalista (1857, p. 16).
Sem esquecermos dos grandes nomes que influenciaram decisivamente a construção do
direito brasileiro, como Coelho da Rocha (1857) e Corrêa Telles (1880), bem como os juristas
menos conhecidos, mas também muito relevantes para pensarmos a especificidade do
direito brasileiro, como Pinto Junior e suas referências ao direito romano interpretado de
forma subisidiária (1888, p. 6), ou ainda, os que ofereçam testemunhos singulares
decorrentes de experiências ímpares, como é o caso de Le Breton (18??), jurista que
participou do contexto histórico da revolução francesa e escreveu sobre o direito no Brasil
em construção, algo que não pode ser realizado nas usuais referências acríticas e
descontextualizadas desses autores e textos, enquanto resultado da elevação do mito
fundador do direito moderno.
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5 Propostas de superação
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que temos notícia, pesquisada suficientemente, merece ser ainda, por quem se preocupa
com a investigação do passado nas ciências sociais, melhor considerado.
Segue tal apelo às ciências sociais em sentido amplíssimo, por muito pouco,
infelizmente, podermos nos valer de estudos profundos do direito da escravidão no campo
da pesquisa jurídica, manifestamente fundada, ainda, em hagiografias e naquela mitologia
fundadora da juridicidade moderna, também muito pouco reconhecida e identificada
criticamente. Tal diagnóstico, de forma simples, pode ser visto com a quase unívoca
recorrência ao pensamento de juristas de outros contextos, fora do Brasil, fundamentais
para aprofundar as reflexões da história do direito, mas bastante indicativa da quase
ausência da pesquisa jurídica brasileira da temática da escravidão.
Trata-se de um esforço, no nosso entender, que vale a pena, já que no eixo do direito
foi assentada em grande parte a construção da sociedade civil burguesa e a formação
ideológica da modernidade. Por isso, ainda dentro da possibilidade de certa recuperação da
herança iluminista, onde o direito era pensado filosoficamente, não secretado pela vontade
estatal pura e simplesmente, pensamos ser possível a pesquisa da juridicidade dentro de
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uma ainda possível racionalidade moderna, mesmo reconhecidas em grande parte as críticas
do movimento da pós-modernidade, que consiga realizar na prática o direito justo, sob a
ética dos valores humanos, juntamente com a sempre presente busca da consciência
histórica dos fenômenos sociais. Mas ao contrário das idealizações generalizantes, parece
ser cada vez mais importante o reconhecimento e a consciência das singularidades
envolvidas na realização do direito na prática, a que acrescentaríamos o dever de
consideração na perspectivação da busca histórica para discussão ampla quanto aos
caminhos sob a perspectiva profunda dos valores humanos, não enquanto projeções
subjetivas e unilaterais exclusivas de um qualquer projeto de poder.
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Brasil de 1858, Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1858. Tomo XIX, parte II, p. 156.
CARVALHO, Orlando de. Para um novo paradigma interpretativo: o Projecto Social Global.
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Chicago Press, 1996.
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Eduardo & Henrique Laemmert, 1873.
MIRANDA, Pontes de. Fontes e evolução do Direito Civil Brasileiro. 2 ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1981.
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Economica, 1888.
POPPER, Karl. The myth of the framework: in defence of science and rationality. New York:
Routledge, 1997.
ROCHA, Manuel António Coelho da. Instituições de Direito Civil Portuguez. 4 ed. Coimbra:
Livraria de J. Augusto Orcel, 1857, tomo I.
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SEABRA, Antonio Luiz de. A Propriedade: Philosophia do Direito para servir de introdução
ao commentario sobre a lei dos foraes. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1850, v. I, parte
I.
TELLES, José Homem Corrêa. Doutrina das Acções: Accomodada ao Fôro do Brazil até o
anno de 1877 por Augusto Teixêira de Freitas. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1880.
THOMPSON, Edward Palmer. Whigs and Hunters: the origin of the black act. London:
Penguin Books, 1990.
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INTRODUÇÃO
Ainda hoje, muitos historiados se apegam à história que apresenta os índios como
vencidos e dizimados por completo, além de acreditarem que esse estudo pertença à área
da antropologia. É certo que vários massacres, assassinatos, epidemias e guerras
contribuíram significativamente para a diminuição do número das populações indígenas,
porém há muitos outros registros e fontes históricas que apresentam uma história indígena
além desses conflitos e consequente fim dos índios. Para Varnhagen, por exemplo, pioneiro
na disseminação dessa teoria do desaparecimento, tornou-se corriqueiro o pressuposto de
que o início da história da pátria significava o fim dos índios, a ideia dele de rebaixar e excluir
os índios da história do Brasil permaneceu firme no pensamento histórico brasileiro por
gerações e gerações. (MONTEIRO, 2003).
Essa ideia de extinção dos índios não está distante de nossa realidade, uma vez que
historiadores renomados por muito tempo difundiram e outros se apropriaram da noção de
que os índios teriam desaparecido por completo. Nossa historiografia ainda é muito
arraigada na ideia do índio dizimado, vertente tão fortemente veiculada por historiadores
locais como Luís da Câmara Cascudo, Augusto Tavares de Lyra e Rocha Pombo (CASCUDO,
1955; LYRA, 1921; POMBO, 1922). Luís da Câmara Cascudo, por exemplo, declara:
Em três séculos toda essa gente desapareceu. Nenhum centro resistiu,
na paz, às tentações d’aguardente, às moléstias contagiosas, às brutalidades
rapinantes do conquistador. Reduzidos, foram sumindo, misteriosamente, como
sentindo que a hora passara e eles eram estrangeiros na terra própria (CASCUDO,
1955:38).
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Nova de Arez e a Missão de Guajiru em Vila Nova de Extremoz do Norte. Os outros três
aldeamentos, Apodi, Mipibu e Igramació, só tornaram-se vilas, Portalegre, São José e Vila
Flor, respectivamente, em 1761 (LOPES, 2005).
Com nossas observações a respeito das ações dos índios, utilizamos a ideia da
resistência adaptativa apresentada por Steve Stern, e que é aplicada no momento em que os
índios sentem a necessidade de encontrar novas formas de sobreviver no novo contexto ao
qual foram inseridos, o sistema colonial, como uma questão de sobrevivência. Partindo para
além de uma resistência bélica, é considerada como resistência, as alternativas que os índios
buscam dentro da própria lógica colonial, quando se inserem e participam da lógica do
sistema, se valendo de meios oriundos dos próprios portugueses e incorporando
instrumentos do grupo oposto. Como explicitado por Maria Regina Celestino de Almeida:
“Colaborar com os europeus e aldear-se podia significar, portanto, uma
forma de resistência adaptativa, através da qual os povos indígenas buscavam
rearticular-se para sobreviver o melhor possível no mundo colonial. Em vez de
massa amorfa, simplesmente levada pelas circunstâncias ou pela prepotência dos
padres, autoridades e colonos, os índios agiam por motivações próprias” (2009,
p.30).
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do Açu, esse ocorreu aos vinte dias do mês de setembro do mesmo ano do tratado com os
Ariús pequenos, pois anteriormente já tinha sido firmado um tratado de paz com esses
janduís juntamente com Agostinho César de Andrade, na época capitão-mor.
Ambos seguem o mesmo modelo ao elencar as condições para o estabelecimento
da paz, baseando-se nos seguintes pontos: 1º ao descer do sertão não poderiam portar
armas; 2º deveriam ajudar os brancos na condução do gado; 3º guerreariam ao lado dos
brancos, caso alguma nação se rebelasse; 4º não deveriam ficar na companhia de escravos
fugidos, mas denunciá-los; 5º não se desviariam do catolicismo, após o batismo. Ao fim do
tratado de paz com os Ariús pequenos, o escrivão Manoel Eusebio da Costa registra que
Peca, o líder do grupo, assinou com uma cruz junto com um irmão dele por nome de Capitão
João Pinto Correa, mas antes enfatizam a necessidade de uma espécie de tutela por um
branco para o caso de não entendimento das condições, tendo em vista sua “rudeza” e
“incapacidade”, como vemos a seguir:
E porque na sua rudeza pode haver algua incapacidade no asseitarem as
da condiçoens lhe disse o do capitão mayor que nomeassem hum branco seu
amigo, e confidente para em seu nome aceitar as das condiçoens e prometerem a
observancia dellas o qual eleges ao capitão Anotnio Alz Correa.
Acerca dos tratados de paz, Puntoni escreve sobre o primeiro acordo firmado entre
os Janduís e o então capitão-mor Agostinho Cés ar de Andrade, dizendo que “este ‘tratado
de paz’ deve ser entendido mais como uma capitulação de obediência, do que como um
contrato” (PUNTONI, 2002: 159). Ele defende essa ideia baseada no fato de que na
documentação há a referência aos Principais como “reys”, mas em nenhum momento os
considera uma autoridade autônoma, não passa de uma menção ao título de rei. Além disso,
Puntoni acredita que esses tratados são motivados mais pelo “medo das armas lusas”
(PUNTONI, 2002: 160) ou quiçá por conta do cansaço diante de um longo e intenso período
de embates.
Na verdade, a continuidade da guerra que estava em jogo e com ela a matança de
ainda mais portugueses e índios, a opção da paz foi a escolhida e assim a fizeram,
possivelmente também pelo cansaço dos portugueses diante desses enfrentamentos
diretos, constantes e de longa duração com os índios. Entende-se, portanto, a atitude dos
Janduís e Ariús pequenos em conceder a paz não como uma rendição ou assumindo a ideia
que por muito tempo se propagou do índio guerreiro fadado à derrota, mas como um tática
em sua luta pela sobrevivência e uma forma de resistência.
Os Janduís, por exemplo, foi um dos grupos mais fiéis aos holandeses durante seu
período de ocupação no Brasil, um contrato de paz assumido por eles com os portugueses
configura uma ação de aliança cheia de interesses baseados em certas vantagens que seriam
obtidas para ambos os grupos. Apesar do estabelecimento de regras firmes e taxativas no
tratado, esses grupos ganhariam certo grau de liberdade e a posse de suas terras, certeza
essa que encontrava-se abalada diante do contexto de desterritorialização, escravização e
extermínios.
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Outro exemplo que serve para elucidar mais uma possibilidade de resistência
adaptativa se encontra fundamentada no Alvará de sete de junho de 1755. Por meio dessa
Lei de liberdade dos Índios, eles eram incentivados a praticarem a língua portuguesa, a
casarem com pessoas brancas, e também garantia aos índios o acesso a cargos na Câmara,
como de vereadores ou juízes. Nesse caso, observamos uma abertura nas leis, com o intuito
de integrá-los dentro do sistema colonial, vislumbrando uma assimilação total desses povos,
e então uma inserção deles em atribuições até então não permitidas, por serem
considerados cargos que exigiam maior grau de instrução.
Dessa forma, poderíamos aferir que os índios teriam de se adaptar, visto que seria
necessário o uso de sistemas e códigos administrativos que aos índios ainda não eram
comuns, para só então assegurar sua inclusão nas novas oportunidades propostas dentro do
sistema colonial. Sendo assim, configura-se como uma forma de adaptar-se para garantir sua
“sobrevivência”, elucidando o que Steve Stern apresentou de uma resistência adaptativa não
apenas armada.
Pela a análise documental realizada até o presente momento, não conseguiu-se
identificar um documento que comprove a participação efetiva de algum índio em um dos
cargos da Câmara. Porém, percebe-se certa relutância por parte das próprias autoridades
locais para que de fato a lei possa ser executada, pois mesmo com essa regulamentação,
havia entraves que a impediam na prática, ainda no início do século XIX. Numa carta, datada
de 1806, o capitão-mor do Rio Grande do Norte, José Francisco de Paula Cavalcante de
Albuquerque se mostra contrário à inserção dos índios nos ofícios de vereador ou juiz.
Segundo ele, tais cargos não poderiam ser assumidos por eles “tanto pelo atrazamento em
q. estao os Indios ditos, pr falta de educação, como pr lhes ser proprio o deboxe e a mafe”.
Portanto, por mais que não se saiba se os índios vieram ou não a ocupar esses cargos, sabe-
se que sua presença não era desejada, caso tivessem interesse em assumir tal posição.
Mais um caso que podemos observar foi um já citado por Ristephany Leite num
artigo sobre experiências históricas dos indígenas na Capitania do Rio Grande do Norte, no
século XVIII, em que dois índios solicitaram educação eclesiástica. Nesse exemplo, já é
possível identificar a participação efetiva dos índios, Antônio Dias da Fonseca de 20 anos e
Antônio Alves da Cunha de 16 anos foram os suplicantes que solicitaram uma educação
religiosa para que viessem a tornar-se membros da Igreja. Em 1767, após visita do cônego na
catedral de Olinda, Manoel Garcia Velho do Amaral, os dois índios foram levados à Olinda
para se dedicar ao estudo da língua latina.
Deve-se levar em consideração o nível de instrução que esses índios já tinham,
ambos já tendo o domínio da leitura e escrita, além da clareza que tinham a respeito das
atualizações realizadas no âmbito da legislação indígena com o Diretório pombalino, e no
caso do indígena mais novo, ele já teria uma educação mais facilitada, já que era sobrinho do
capitão-mor dos índios de Vila Viçosa, no Ceará. No entanto, todos esses indicativos
positivos, acompanhados do desejo deles de participarem do meio religioso, não foram
suficientes para que o Bispo de Pernambuco Dom Francisco Xavier Aranha concedesse a
permissão para a realização do ensino eclesiástico para os índios. Mesmo Antônio Alves da
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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FONTES
BIBLIOGRAFIA
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Sul, séculos XVI e XVII. São Paulo, Companhia das Letras, 2000.
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. O lugar dos índios na história: dos bastidores
ao palco. In:______. Os índios na História do Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2010, p. 13-28.
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Identidades étnicas e culturais: novas
perspectivas para a história indígena. In: ABREU, Martha; SOIHET, Rachel. Ensino de história:
conceitos, temáticas e metodologia. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2009.
CASCUDO, Luís da Câmara. História do Rio Grande do Norte. 1ª ed. Rio de Janeiro,
Mec, 1955.
DIAS, Leonardo Guimarães Vaz. A Guerra dos Bárbaros: manifestações das forças
colonizadoras e da resistência nativa na América Portuguesa. Revista Eletrônica de História
do Brasil. Juiz de Fora: UFJF, v. 5, n. 1, set. 2002. p. 05-15.
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A segunda metade do século XVII foi marcada por intensos conflitos entre indígenas
e europeus nas capitanias do norte da colônia portuguesa na América. Esses conflitos,
resultantes do progressivo avanço dos colonizadores sobre os nativos e suas terras, ficaram
conhecidos na historiografia brasileira como Guerra dos Bárbaros (STUDART FILHO, 1966;
PIRES, 2002; PUNTONI, 2002). Embora muitas vezes tratado como um único e grande
conflito, predomina, atualmente, a perspectiva de que se trataram de vários conflitos, sem
grandes articulações entre si, com motivações mais ou menos semelhantes, que opuseram
indígenas, especialmente aqueles chamados de Tapuias, e portugueses.
A partir do ano de 1696, os conflitos entre indígenas e colonizadores nos sertões
das capitanias do Rio Grande e Ceará adquiriram outras características, diferindo-se
daqueles ocorridos principalmente entre a década de 1660 e os primeiros anos da década de
1690. Se naquele primeiro momento predominara a guerra de extermínio, cujo objetivo era
a completa aniquilação do indígena, em finais do século XVII, com o aumento das atividades
missionárias nos sertões, manifestou-se outro lado do projeto colonizador, que buscava a
assimilação do indígena na sociedade colonial e tinha como principal ferramenta as missões
religiosas.
Com seus esforços concentrados nas áreas litorâneas, até aquele momento, a
atenção dos missionários, principalmente da Companhia de Jesus, estava direcionada para
os povos de língua Tupi (HOORNAERT, 1995). No entanto, para a efetivação da ocupação dos
sertões da colônia, a ação missionária se apresentava como elemento quase obrigatório,
diante dos parcos recursos da Metrópole para aquela empreitada. Assim, ao passo em que
os conflitos com os indígenas foram se abrandando, a presença de missionários na ribeira do
Jaguaribe se tornou cada vez mais constante. É o que se depreende da carta do padre João
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Leite de Aguiar, datada de 15 de Maio de 1696, informando que, durante quase dois anos,
esteve com vários povos nativos e que acertara com eles as condições para que se
instalassem os aldeamentos (AHU, Manuscritos avulsos da Capitania do Ceará, cx 1, doc, 34).
Paralelo ao estabelecimentos das aldeias missionárias nas ribeiras do Jaguaribe e
Assu, outros estabelecimentos portugueses também se instalaram na região naquele mesmo
ano. Como forma de garantir o avanço das forças coloniais sobre aqueles sertões, o
Governador-Geral de Pernambuco Caetano de Mello de Castro ordenou que se instalassem
dois presídios, um em cada ribeira; e que ficassem guarnecidos por um cabo e alguns
soldados.
Uma das primeiras aldeias instaladas na região foi a Aldeia da Madre de Deus,
organizada pelo padre João da Costa, do Oratório de Pernambuco, com os índios Paiaku. Ao
mesmo tempo, fora construído o Forte de São Francisco Xavier, com o objetivo de garantir a
segurança dos curraleiros que se estabelecessem na ribeira. A partir daquele momento, a
presença dos colonizadores na ribeira do Jaguaribe e outros sertões próximos promoveu
diversas alterações no modo de viver dos nativos. Dessa forma, entre São Francisco Xavier e
a Madre de Deus, referência utilizada em trabalho anteriormente desenvolvido (VICENTE,
2011), ou, usando a referência de Maia (2013, p. 8), entre a espada e a cruz, os indígenas
tiverem que construir novas formas de organização e até mesmo de relação com o espaço.
Naquele contexto, os povos nativos sofreram interferências em seus territórios. Os
territórios são aqui entendidos como espaços vividos, onde se manifestam relação de poder
e se dão as relações sociais, não devendo ser tomado apenas como o seu substrato material,
o espaço. Assim, a partir de relações desiguais de força com os colonizadores, os índios
sofreram um duplo processo de desterritorialização e reterritorialização. Entende-se por
desterritorialização os processos relacionados à perda de um referencial territorial, uma
espécie de "deslocalização", capaz de deixar os grupos marginalizados dentro do sistema de
poder dominante. A reterritorialização, por sua vez, deve ser compreendida como um
processo de reconstrução dos referenciais territoriais, a partir dos quais os grupos
desenvolvem novas territorialidades, ou seja, novas formas de produção e representação do
e no espaço, transformando-o em território. Tomam-se aqui esses conceitos emprestados da
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Geografia, através dos escritos de Souza (2000, 2015), Saquet (2015) e Haesbaert (2000),
que são fundamentais para compreender os processos de transformação dos modos de
produção e reprodução dos indígenas dos e nos seus territórios, caracterizados por
constantes disputas de poder.
A instalação dos presídios e dos aldeamentos nas ribeiras do Jaguaribe e Assu
certamente provocou profundas alterações no modo como os nativos viviam e se
relacionavam entre si e com o ambiente. A partir de então, os indígenas iriam estabelecer
contato com missionários e soldados de formas nunca antes experimentadas. Ao se inserir
nos aldeamentos e viver em volta do presídio, os indígenas construiriam novas formas de
apropriação do espaço e novas representações sobre eles, estabelecendo novas
territorialidades.
Mandou [Caetano de Mello] formasse [...] um novo Presídio na Ribeira do Jaguaribe, que servisse de retenção
aos moradores que quisessem habitar e fazer suas Povoações na dita Ribeira e Sertão e domasse o gentio
bárbaro com suavidade e amor para que fosse mais fácil domesticá-los e adquirir a fé católica. (APEC, Coleção
de Documentos Impressos do Período Colonial, p. 98)
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O Governador de Pernambuco, Caetano de Mello Castro, em Carta de 26 de Abril deste ano, escreve a Vossa
Majestade que, seguindo o que lhe havia ordenado sobre as causas pertencentes ao Ceará, tratara de povoar a
Ribeira do Jaguaribe, o que se lhe facilitara pela paz ajustada com a nação do gentio Paiacus. Julgando-se que
para guarda dos moradores e defesa dos currais se deixa formar um presídio naqueles Distrito, se resolvera a
não perder a boa ocasião que se lhe oferecera para esta empresa. (APEC, Coleção de Documentos Impressos
do Período Colonial, p. 61)
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Como não efectuei com os tapuias Gendoins, pasei ao Pernambuco, e no caminho encontrei com Bernardo
Vieira de Mello, Cappittam mor do Rio Grande q’ hia ao Assú fundar húprezidio de trinta soldados do terço de
Henrique Dias p.ª effeito de se povoar a ditta Ribeira; e por mais tinha passado ao Ceara hú Cabo com vinte
Soldados Brancos a asentar outro prezidio no Jaguaribe p.ª com mais segurança se conseguir q’ se pertende no
serviço de De. e de V. Mg. tudo por ordem do G. Caetano de Mello. (AHU, Manuscritos avulsos da Capitania
os de or
A instalação dos presídios tinha por objetivo facilitar o povoamento das referidas
ribeiras, além de garantir uma maior segurança para a atuação dos missionários engajados
na conversão dos nativos. Naquele momento, os indígenas passavam a aceitar a presença
missionária por sua própria vontade, e não como sujeição às forças militares coloniais. Essa
atitude correspondia a uma tática de sobrevivência dentro do contexto que se impunha,
como leva a crer as palavras do próprio Caetano de Mello de Castro, já citadas em outra
passagem.
No Ceará, empenhou-se na instalação do forte de São Francisco Xavier o Capitão-
mor Pedro Lelou, que servira mais de 39 anos no serviço do Rei, antes de ser nomeado
Capitão-mor do Ceará. Durante sua curta gestão, que durara apenas 10 meses, fora acusado
diversas vezes de praticar abusos e extorsões contra os moradores, motivo pelo qual se tirou
devassa e foi deposto do cargo (APEC, Coleção de Documentos Impressos do Período
Colonial, p. 97-100). De qualquer forma, atribui-se a ele boa parte dos méritos em erigir o
dito presídio. As condições materiais e mesmo técnicas para a construção dos presídios nos
sertões das capitanias do norte eram bastante precárias. Faltavam desde materiais e
ferramentas até mão de obra qualificada pra tal empreendimento.
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Isolado no meio daquele vasto sertão e guarnecido por míseros vinte soldados, é
possível que o forte tivesse um impacto simbólico até maior do que sua atuação efetiva. Do
ponto de vista do português, simbolizava uma conquista, um passo a mais em direção à
ocupação total dos sertões. Do ponto de vista do nativo, aquele forte poderia representar a
efetivação do invasor dentro de seus territórios. Obviamente, trata-se de uma especulação,
pois não se tem acesso ao pensamento nativo sobre tal fenômeno. Mas, ao considerar os
rumos que os conflitos tomaram após os anos de 1695 e 1696, pode-se imaginar que os
indígenas tenham percebido que o confronto direto estava provocando uma rápida redução
de seu povo e que seria preciso uma mudança de estratégia frente aos colonizadores. Foi
principalmente a partir desse período que aumentaram as missões religiosas nos sertões do
Rio Grande e Ceará.
Certamente, também não se pode dizer que todos os grupos indígenas adotaram a
mesma postura, nem mesmo que os mesmos grupos mantiveram sempre o mesmo modo de
agir. Na verdade, o que se observou é que, mesmo aceitando o aldeamento e o contato com
os colonizadores, os indígenas Paiaku continuavam promovendo pequenos ataques ao gado
e aos moradores, o que era interpretado pelas autoridades coloniais como mostras de sua
inconstância e deslealdade.
Mesmo concordando com o aldeamento, o que teve início no ano de 1696, os
Paiaku alternavam momentos de acomodação e violência. Entre os anos de 1697 e 1698, já
instalados o presídio e a aldeia na ribeira do Jaguaribe, estavam os Paiaku novamente
insubordinados às ordens portuguesas, motivando o envio de mais um troço para contê-los,
conforme alega o Certificado passado pelo Capitão-mor João de Freitas da Cunha, de 12 de
Outubro de 1697 :
E sendo-me avisado pelo Capitão e Cabo do Presídio de Jaguaribe e pelo Pe. Missionário João da Costa que na
dita Ribeira habita o então levantado Tapuia Paiacu, que com o dito Pe. Assistiam, misto com a Nação Janduins,
que habitam na Ribeira do Assú, nações que conosco tinham feito pazes; e por dito aviso que se me fez se me
diz estarem revoltados e fora da paz que haviam celebrado, e partirem consigo outras muitas Nações Bárbaras
que conosco não têm comunicação alguma, com que se me pediu, levasse socorro ao dito Presídio e mais
moradores da dita Ribeira, para o que mandei marchar aos sobredito Capitão de Cavalaria [Gregório de Brito
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Freire] com um Troço de gente de 274 pessoas, Soldados de Infantaria paga, e Ordenança de Cavalo e de pé,
Índios da Língua Geral e Tapuios das Nações Jaguaribaras e Anacés. (APEC, Coleção de Documentos Impressos
do Período Colonial, p. 84-85).
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Os aldeamentos indígenas
Na mesma Carta me recomendou o mesmo Governador [Caetano de Mello] q’ por serviço de De. e de V. Mg.
os de
fosse a Ribeira do Jaguaribe e do Assú examinar os tapuias pajacus e os Gendois, se por firmeza da nova Pax
querião ademitir missão e povoassois nas dittas Ribeiras: Ao q’ satisfis e fui logo a Jaguaribe trinta legoas do
Ceara p. o Sul, e assitindo com os pajacus tempo de hú mes, os achei comtentes e satisfeitos da minha por
a
posta, e assim comvierão em se aldear com missionário p. sua quietação e segurança de seus Inimigos, e com a
a
emulação dos Cathecumenos Jaguaribaras, e me dicerão q’ logo avizace aos moradores troxecem Gados e
povoasem a dita Ribeira: A que sedeu logo expediçam e já ficão situados seis currais com suas Cazas fortes.
(AHU, Manuscritos avulsos da Capitania do Ceará, cx 1, doc, 34)
Fica claro, a partir do documento, que a instalação dos aldeamentos não foi um
processo unilateral dos missionários. Demandou acordos e negociações com os indígenas e
significou relativo sossego para ambos os lados. Tais acordos possibilitariam a chegada dos
fazendeiros e seus gados na região e, para os nativos, a quietação após várias décadas de
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[...] e as taes Aldeas se situarão á vontade dos Indios, com approvação da Junta das Missões, e nam a arbitrio
dos Sismeyros ou Donatarios; advirtindo-se que para cada Aldea e não para os Missionarios mando dar esta
terra, porque pertence aos Indios, e nam a elles; e porque tendo-as os Indios as ficão logrando os Missionarios
no que lhes fôr necessario para ajudar o seu sustento [...]. (Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro,
volume XXVIII. 1908, p. 393)
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eram inimigos tradicionais dos Paiaku. Concordando com a proposta do Mestre de Campo
foram os índios se reunir com o Terço, que estava acompanhado de outra etnia indígena, os
Janduí, com quem dançaram em celebração. No meio da dança, Manoel Álvares de Moraes
Navarro fez sinal para que parassem as caixas e seus soldados, que estavam escondidos,
fizeram carga sobre os Paiaku, matando logo o principal Genipapoassu. Na ocasião,
morreram mais de 400 índios, segundo os documentos, sendo aprisionados outros 250 e
levados à Capitania do Rio Grande.
Desse fato resultaram inúmeros debates acerca da legitimidade da guerra feita ao
Paiaku. Por seu lado, Moraes Navarro alegava, em carta ao Rei, datada de 06 de Maio de
1700, que os Paiaku não agiam como súditos reais e se utilizavam do fato de estarem
aldeados para cometer atos de violência contra os moradores da ribeira:
[Os Tapuias] se alterarão faltando a aquelle respeito que se deve ter as armas de V. Mag. e a pas que
de
prometerão observar com estes vassallos, principalmente os tapuyas do rancho do Janipabuassú da nação
Payacú, apartandosse da amizade, e trato dos mais tapuyas de sua nação, dos quais havia remetido alguns
principaes a Bahia a pedir missionários, que paresse foi esta a cauza que os obrigou a querer darlhes guerra, na
consideração de que tendo religiozos, que os instruão na fé, não quererão concorrer com elles para os danos, e
insultos, que nos intentão fazer; e assy me foi necessario mandar hua companhia de Soldados a socorrellos na
Lagoa do Podi, onde estão aldeados; e sem embargo de me ver falto de socorros, marchey logo a buscar este
tapuya Janipabussú com cento e trinta homens, que me acompanharão, não levando mais por querer deixar o
arayal guarnessido. (Revista do Instituto do Ceará, Tomo 31, 1917, p. 213)
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de campo teria sido alertado sobre a ilegalidade de qualquer dano a ser causado àqueles
índios:
minho lhe declarei não ser justa a guerra que se desse aos gentios da nação Paiacus por cessarem nesse gentio as razões que fazem a
guerra lícita. Ao que me respondeu que estivesse de todo sossegado, porque ao meu gentio não havia de fazer
mal algum por ser expresso contra o seu Regimento [...].(APEC, Coleção de Documentos Impressos do Período
Colonial, p. 106)
Considerações Finais
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presídio, como nos anos de 1704 e 1705, quando o fortim foi rendido e incendiado. Assim,
ele já não era mais necessário e foi abandonado no ano de 1707, por ordem de uma Carta
Régia de 12 de Março daquele mesmo ano.
Coagidos pelas iminentes ameaças de escravização, de um lado, e morte, de outro,
as aldeias indígenas pareciam alternativas viáveis para sua sobrevivência. Não obstante, a
resistência indígena continuou a se manifestar dentro daqueles espaços. Reelaboraram seus
modos de viver, a partir da fusão de elementos de suas culturas originais e da cultura
estrangeira. Ressignificaram seus territórios, não apenas nos modos de produção e
reprodução física, mas também na atribuição de novos significados àqueles espaços. No
transcorrer dos séculos XVIII e XIX, os indígenas defenderiam os espaços dos aldeamentos
como territórios de reprodução de suas culturas e espaços vitais para sua sobrevivência.
Referências
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Metamorfoses indígenas: identidade e cultura nas
aldeias coloniais do Rio de Janeiro. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora FVG, 2013
MAIA, Lígio de Oliveira. Aldeias e missões nas capitanias do Ceará e Rio Grande: catequese,
violência e rivalidades. Revista Tempo, vol 19, n. 35, Jul-Dez 2013, pp. 7-22.
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História dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras; Secretaria Municipal de
Cultura; FAPESP, 1992. pp. 115-132.
PIRES, Maria Idalina da Cruz. “Guerra dos Bárbaros”: resistência indígena e conflitos no
Nordeste colonial. Recife: UFPE, 2002.
SAQUET, Marcos Aurelio. Por uma abordagem territorial. In: SAQUET, Marcos Aurelio;
SPOSITO, Eliseu Savério (Orgs). Territórios e Territorialidades: Teorias, processos e conflitos.
2ª Ed. Rio de Janeiro: Consequência Editora, 2015, pp. 69-90.
SOUZA, Marcelo José Lopes de. O território: sobre espaço e poder, autonomia e
desenvolvimento. In: CASTRO, Iná Elias de; GOMES, Paulo Cesar da Costa; CORRÊA, Roberto
Lobato. Geografia: conceitos e temas. 2ª Ed. Rio de Janeiro; Bertrand Brasil, 2000, pp. 77-
116.
VICENTE, Marcos Felipe. Entre São Francisco Xavier e a Madre de Deus: a etnia Paiaku nas
fronteiras da colonização. Dissertação (Mestrado em História), Campina Grande:
Universidade Federal de Campina Grande, 2011.
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Introdução
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Estado e Igreja, desse modo, ainda que possuíssem jurisdições distintas, tornavam-se
aliados no projeto de civilização e normatização da sociedade; e mesmo que as fronteiras
não estivessem bem definidas, um estava para os corpos como o outro para a alma. Em
outras palavras, as Ordenações Filipinas legitimavam pouco a pouco as prescrições
conciliares na intenção de dividir juntamente com Roma um posto de autoridade no seio
familiar e de tornar, por sua vez, maridos, esposas e filhos também bons súditos.
É notória, por exemplo, o tamanho da importância do casamento sob as Leis de Deus e
do Reino, até mesmo para a estabilidade política do monarca, como é possível ver num trecho
de uma carta do rei D. João a D. Pedro de Almeida, conde de Assumar, governador e capitão da
capitania de S. Paulo e terras das Minas:
[...] considerando-se que os povos das minas por não estarem suficientemente
civilizados, estabelecidos em forma de repúblicas regulares, facilmente rompem
em alterações e desobediências, e se lhe devem aplicar todos os meios que os
possa reduzir a melhor forma: me pareceu encarregar-vos (como por esta o faço)
procureis com toda a diligência possível, para que as pessoas principais, e ainda
quaisquer outras, tomem o estado de casados, esses estabeleçam com suas
famílias reguladas na parte que elegeram para sua vocação porque por este modo
ficarão tendo mais amor à terra, e maior conveniência do sossego dela, e
consequentemente ficarão mais obedientes às minhas reais ordens, e os filhos
que tiverem do matrimônio os farão ainda mais obedientes [...] (PIMENTEL apud
FIGUEIREDO, 1993, p. 222)
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longe de serem resolvidas durante o processo de colonização, foram ainda mais agravadas
por um grupo de agentes da fé, os quais para Pombal representavam a antítese
personificada da filosofia iluminista na qual se inspirava, a saber, os jesuítas. A Companhia
de Jesus, até o ano de 1759, quando fora expulsa da colônia portuguesa na América, era
responsável pelas almas dos indígenas/súditos que viviam em seus aldeamentos, velando
tanto por sua salvação quanto pela instrução nas leis de Deus e do Reino.
Não por acaso, os relatos de viagem e as correspondências particulares e oficiais
desses religiosos e de outras ordens ainda se constituem entre as principais fontes das quais
o historiador poderá fazer uso em seus trabalhos sobre os povos indígenas. Ronaldo Vainfas
em seu Trópico dos pecados: moral, sexualidade e Inquisição no Brasil (1997) se utilizou
desses registros para refletir também a respeito das práticas culturais de casamento e
constituição familiar dos nativos sob a perspectiva jesuítica.
Segundo ele, o visível estranhamento dos religiosos quanto ao modus vivendi dos
indígenas “fosse pela poligamia, pela instabilidade de uniões, pelos incestos ou
infidelidades” (VAINFAS, 1997, p. 35) impelia-os a afirmar que as uniões matrimoniais dos
nativos eram falsas, libertinas e muito distantes do “único, perfeito e verdadeiro casamento
cristão.” (VAINFAS, 1997, p. 23). Visão equivocada e dotada de um forte etnocentrismo,
elemento que não deve jamais passar despercebido aos olhos do estudioso que analisa tais
registros como sendo um filtro daquela realidade.
Para ajudar nessa árdua missão, um time de antropólogos e etnógrafos renomados
se apresenta com trabalhos que são leitura indispensável a quem se interessa pela temática.
São alguns dos nomes: Pierre Clastres e seu A sociedade contra o Estado (1974), importante
estudo sobre a categorização de poder nas sociedades ameríndias da América do Sul,
especialmente os Guarani, Guayaki e Yanomami. Marcel Mauss em Sociologia e
Antropologia (1923-1924) obra na qual apresenta o conceito de dom/dávida e o relaciona
com o sistema de trocas entre os nativos, e, por fim, mas não menos importante, Lévi-
Strauss e seu livro As estruturas elementares do parentesco (1949) em que a ritualística do
matrimônio e os conceitos de troca e reciprocidade são analisados a fundo.
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Longe de querer ditar estes trabalhos como regra, uma vez que os mesmos já foram
alvo de muitas críticas, refutações e releituras, nossa intenção é mostrar que apesar dos
novos posicionamentos, métodos e análises teóricas, ainda são os clássicos o ponto de
partida para os novos cientistas. E mais, ressaltamos ainda que na seara da etno-história as
fronteiras entre a sociologia, etnografia, história e antropologia não são bem definidas e
talvez por isso os trabalhos resultantes desse intercâmbio sejam tão ricos e complexos.
É o caso, por exemplo, da dissertação de mestrado de Guilherme Galhegos Felippe,
intitulada Variações discursivas sobre os registros sacramentais: batismo, confissão e
matrimônio nas reduções jesuíticas (1609-1640), defendida em 2007, que analisa os
discursos jesuíticos sobre a sociedade e as práticas culturais dos ameríndios na região do
Paraguai. No terceiro capítulo, intitulado Casar sim, mas não para sempre, a família e o
casamento indígena ocupam o plano central do estudo e são analisados a partir da
correspondência dos religiosos inacianos. Desta feita, Felippe (2007) direciona o olhar para o
conflito entre os dois grupos antagônicos, mas também para as múltiplas trocas e
adaptações entre eles.
Observa-se que tanto os religiosos quanto as autoridades administrativas
perceberam, ao longo do processo de conquista e colonização, que o matrimônio também
era um elemento caro à organização social indígena. Mesmo que a família e o casamento
assumissem diversos formatos entre os vários grupos étnicos, de modo geral, este era um
assunto que dizia respeito a toda a aldeia e não apenas aos nubentes. Júlio Cézar Melatti,
antropólogo brasileiro, autor de Índios do Brasil (1970), afirma que por meio do matrimônio,
famílias e aldeias inteiras fortaleciam laços e se consolidavam reciprocamente.
Não é de se admirar, portanto, que os não-indígenas lessem esses códigos e os
utilizassem como estratégias para tentar adentrar nas sociedades indígenas ou mesmo para
assimilá-las e reduzi-las. Em O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil (1995, 2 ed),
o antropólogo Darcy Ribeiro descreve de que modo os Tupinambás introduziam estranhos
ao seu grupo por meio de uma prática chamada “cunhadismo”, a qual consistia em “dar uma
moça indígena como esposa” a esse outro que, ao assumi-la, estabelecia, “mil laços que o
aparentavam com todos os membros do grupo” (RIBEIRO, 1995, p.81).
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seus costumes, condutas e normas aos desafios da nova realidade que se lhes apresenta e
nem por isso se sentem etnicamente menos indígenas que outrora. Resistem, portanto.
Estudo que se assemelha à temática da burla e da agência indígena é também o do
historiador Márcio Marchioro a respeito dos indígenas aldeados na aldeia de Itapecerica,
capitania de São Paulo. Um de seus artigos, intitulado Casamentos indígenas: estratégias
matrimoniais na aldeia de Itapecerica (século XVIII e início do século XIX), parte de um
trabalho de mestrado ainda em desenvolvimento, que tem como objetivo entender os
aspectos da organização social na sobredita vila por meio do método de comparação de
listas nominativas com os registros de casamento.
São objetos de análise de Marchioro (2016) a estrutura familiar e domiciliária – os
vários tipos de fogos – dos aldeões, os graus de parentesco (incesto) e a constituição
genealógica de uma determinada família por cinco gerações. É perceptível ainda que o autor
lança mão de hipóteses e indícios baseados em documentação variada para construir uma
narrativa que se aproxime da realidade e conclui que a tentativa de imposição de um
modelo de família e casamento cristão-católico por vezes desgastava-se nas interferências
culturais entre os distintos grupos étnico-sociais, ganhando novos significados.
Alguns clássicos no campo da História da Família na América Portuguesa, a exemplo
de Sistema de casamento no Brasil Colonial (1984) e História da Família no Brasil Colonial
(1998) de Maria Beatriz Nizza da Silva, e Casamento e família em São Paulo Colonial (2003)
da historiadora Alzira Lobo de Arruda Campos, também trazem a temática dos casamentos
mistos pós-política pombalina apresentada em um de seus tópicos. São evidenciados,
principalmente os desafios e as lacunas da historiografia em termos de espacialidade,
temporalidade e mesmo sujeitos históricos que ainda estão para se tornar objetos de
estudo.
Casamentos mistos: liberdade e escravidão em São Paulo Colonial (2004), da
historiadora Eliana Rea Goldschmidt, compõe nossa sequência de obras e também ocupa um
lugar importante na discussão sobre a temática. Em sua investigação, a autora se valeu de
fontes eclesiásticas, jurídicas e administrativas, manuscritos e impressos que cobrem o
período de 1728 a 1822 e a permitiram construir uma narrativa sobre a prática matrimonial
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dos paulistas. No capítulo O Casamento misto e a liberdade do índio, por fim, a autora foca
na tentativa assimilacionista do Marquês de Pombal e na ressignificação das identidades dos
indígenas paulistas em suas uniões matrimoniais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS
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APOLINÁRIO, Juciene Ricarte; QUEIROZ, Josinaldo Sousa.; LUIZ, Janailson. Macêdo.; MELO,
Thiago Silveira. Catálogo Geral dos Manuscritos avulsos e em códices referentes à
Escravidão Negra no Brasil existentes no Arquivo Histórico Ultramarino. 1. ed. Campina
Grande: EDUEPB, 2016b.
CAMPOS, Alzira Lobo de Arruda. Casamento e família em São Paulo colonial: caminhos e
descaminhos. São Paulo: Paz e Terra, 2003.
CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado. São Paulo, Cosac & Naify, 2003, [1974 1 ed.].
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MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. São Paulo, Cosac & Naify, 2003 [1923-1924 1 ed.]
MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra - Índios e Bandeirantes Origens de São Paulo.
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MONTEIRO, John Manuel.. (org). Guia de Fontes para a História Indígena e do Indigenismo
em Arquivos Brasileiros: acervo das capitais. São Paulo: Núcleo de História Indígena e do
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MOREIRA, Vânia Maria Losada. Territorialidade, casamentos mistos e política entre índios e
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http://www.scielo.br/pdf/rbh/v35n70/1806-9347-rbh-2015v35n70006.pdf> Acesso em 16
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PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. 11. ed. São Paulo: Brasiliense,
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SOUZA, Laura de Melo. O Diabo e a Terra de Santa Cruz. São Paulo: Companhia das Letras,
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http://periodicos.unb.br/index.php/emtempos/article/viewFile/2641/2191> Acesso em 16
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VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos pecados: moral, sexualidade e Inquisição no Brasil Colonial.
Rio de Janeiro: Campus, 1989.
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Mira, Joaquín, “Las enfermedades infecciosas y la conquista española de América” en Puente Atlántico.
Revista de los profesionales españoles en Estados Unidos. Recurso electrónico consultado el 18/09/2017:
(http://web.aldeeu.org/2014/08/14/las-enfermedades-infecciosas-y-la-conquista-espanola-de-america/).
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ISSN:
12
Más concretamente se localizó a un grupo de “veteranos guachinangos” junto a negros en un número de 460
acuartelados en Villaclara ante el ataque de los ingleses a La Habana en 1762. González, Manuel D., Memoria
Histórica de la villa de Santa Clara y su jurisdicción. Imprenta Del Siglo, Villaclara, 1858, pp. 155-159. Novelo
O., Victoria, “Migraciones Mayas y Yucatecas a Cuba; Notas etnográficas” en Revista Brasileira do Caribe, V.
13, n. 25, 2013, pp.159-175 y “Migraciones mayas y yucatecas a Cuba”, en Dimensión Antropológica, v. 59,
2012, pp. 127-146.
13
Pérez de la Riva, Juan, “Desaparición de la población indígena cubana” en Universidad de La Habana, n. 196-
197, Dirección de Extensión Universitaria, La Habana, 1972, pp. 61-84.
14
De la Fuente, Alejandro, “Población y crecimiento en Cuba (siglos XVI y XVII): Un estudio regional” en
Revista Europea de Estudios Latinoamericanos y del Caribe, n. 55, 1993, pp. 59-93.
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ISSN:
15
Rensoli Medina, Rolando Julio, “1492-1898: Supervivencia y resistencia indígena a la opresión colonial
española en Cuba” en Periódico Cubarte. Recurso electrónico consultado el 23/10/2017:
(http://www.cubarte.cult.cu/es/article/20539).
16
Ibid.
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ISSN:
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ISSN:
17
Santovenia, Emeterio S., “Historia de Mantua” en Anales de la Academia de la Historia, t. 3. Imprenta “El
siglo XX”, La Habana, 1921, pp. 39-40.
18
González, Manuel D., Op. Cit., pp. 205-209.
19
Berenguer Sed, Antonio, Tradiciones villaclareñas. Imprenta y Papelería de Rambla, Bouza y Cía. Pi y
Margall, núm. 33 y 35, Habana, 1929, pp. 147-151.
20
González, Manuel D., Op. Cit.
21
Berenguer Sed, Antonio, Op. Cit.
22
Carreras, Julio A., “El bandolerismo en Las Villas (1831-1853)” en Revista Islas, n. 52-53. Universidad
Central de Las Villas, Santa Clara, 1975-1976, pp. 103-104.
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ISSN:
Dionisio González o Antonio Berenguer y Sed. El primero en la citada obra, mientras que el
segundo lo plasmó en su Tradiciones villaclareñas. El relato de González refirió el asalto y
robo de la casa de José Manuel del Portal, localizada en la hacienda Pedro Barba. Allí el
“indio” se encontró a la esposa de Portal y a algunos niños. Se llevó a dos de sus hijas:
Luciana de Jesús, de siete años y María Inés, de seis. La primera apareció al día siguiente en
los márgenes del río Caunao, donde según la misma le había abandonado el bandido por
parecerle poco agraciada. Por el contrario, la otra hermana le agradó lo suficiente como para
mantenerla a su lado y hacerla desaparecer de su hogar sin más noticias. Además, González
añadía el hecho de que el “indio” había sido perseguido sin éxito por las autoridades
coloniales. Incluso se declaró su captura vivo o muerto, y se solicitó la colaboración
pecuniaria de los hacendados con motivo de reunir un fondo para pagar cuadrillas de
hombres amados y ofrecer una recompensa una vez recluido o muerto. Tres vecinos de
Palomalo, Juan Gregorio, Juan Manuel Cárdenas y un tal Norberto tuvieron un encuentro
con el mismo en su persecución. El “indio Siboney”, como lo calificaba el autor, dejó en su
huida hacia los bosques seis flechas, ocho varas para ensartarlas y una tabla. En ella, varias
rayas y los pies y manos de un niño figurados con las marcas de una piedra blanca. Además,
abandonó igualmente dos pedazos de resina muy olorosa y un envoltorio pequeño con polvo
de tabaco. Finalmente, según el relato de Manuel Dionisio González, pereció a manos de una
de las partidas que lo acuciaban en la jurisdicción de Puerto Príncipe. También recoge la
muerte de la citada Catalina Véliz en el barrio de la Torre y a la herida de gravedad María
Caridad de León, las dos en la casa de la primera y en ausencia de su esposo, Francisco
González. Sin embargo, Berenguer y Sed escribió una versión que mezclaba los hechos
anteriormente citados. Afirmó que el “indio Cayuco” mató a Catalina Velis a flechazos,
incendió su casa, y dejó herida gravemente a su sobrina de un lanzazo, María Caridad de
León. Igualmente, se llevó a las dos hijas de la fallecida, pero de siete y nueve años. El padre
de las criaturas, con un nombre distinto al registrado por González, Francisco Borges Portal,
encontró a la menor de sus hijas a la orilla del río Caunao, abandonada allí por el bandido. Al
parecer había decidido quedarse con la de nueve años con la intención de hacerla su esposa.
El terror que infundía el “indio Cayuco” en la comarca hacía que los vecinos no sólo
encubrieran su paradero, sino que le negaban incluso su auxilio. Por ello, Francisco Borges
Portal solicitó el auxilio de la Audiencia de Puerto Príncipe. Esta obligó por resolución a que
se le proporcionase hospedaje, sustento y acompañamiento si lo requiriese, prometiendo
recomendación a su majestad por la colaboración. De lo contrario caería todo el peso de la
ley, sobre todo si por descuido, negligencia o falta de auxilio se frustrase la captura. Las
directrices de la Audiencia de Puerto Príncipe surtieron efecto y el padre de la secuestrada
pudo localizar la guarida de “Cayuco”. Se encontraba en las faldas de la loma “Pelomalo”, en
una cueva semioculta por la vegetación. Allí esperó Francisco Borges al “indio” bandido dos
días, hasta que lo sorprendió al alba y le dio muerte a machetazos. En las proximidades de la
cueva encontró distintos emplazamientos de fogones, y en las cercanías de los mismos
restos humanos, donde identificó la cabellera de su hija. El relato de Berenguer Sed recogió
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además otro detalle particular. Afirmó que, dentro de la cueva, entre las pertenencias de
“Cayuco”, había una tabla en la que aparecían dibujadas con piedra blanca las siluetas de
unos pies y unas manos, con toda probabilidad de la niña fallecida. 23
De la misma forma, en la memoria popular remediana ha quedado la figura del “indio
Martín”. A principios del siglo XIX, un hombre llamado Luis Beltrán y de supuesto origen
indígena era famoso por sus robos en despoblado y por su velocidad, comparada con la de
un buen caballo. Llegaban a cifrar su capacidad de desplazamiento en quince o veinte leguas
por día sin dificultad, es decir, entre ochenta y tres y ciento once kilómetros. Por esta
habilidad casi sobrehumana y por su principal ocupación, era temido por el campesinado e
incluso por los negros cimarrones, que lo elevaban a la categoría de fantasma e incluso de
personificación del mismo diablo. Iba siempre desnudo y descalzo, con una abundante
cabellera negra. Como armas portaba un chuzo o vara de guayabo con la punta endurecida
por el fuego, arco y flechas. Se decía que su único alimento era lengua de vaca, por las
muchas reses que se encontraban muertas o heridas a causa de la amputación de la misma.
Al parecer, él solía fomentar ese halo sobrenatural para facilitar sus movimientos. Según
distintas versiones, gritaba a sus perseguidores o tallaba en la corteza de los árboles “Luis
Beltrán ni me cogen ni me cogerán”.24 Entre sus acciones transcendieron los raptos de niños.
En una ocasión, a causa de encontrarse enfermo, decidió buscar una compañía para que lo
asistiera, atacando una casa del barrio remediano del Cristo. Allí encontró a una niña, a la
que se llevó tras matar al padre y herir a la madre, incendiando la casa. Dionisia Ruiz o Taita
Martín, que así se llamaba la secuestrada según las versiones,25 se mantuvo con el “indio
Martín” hasta la adolescencia, aprendiendo sus costumbres y capacidades. Fue liberada en
contra de su propia voluntad por Antonio Abad de Rojas en una celada que le prepararon en
Sabanas del Ciego. El bandido indígena raptó posteriormente otro niño en el barrio Santa Fe,
lo que provocó una intensificación de su persecución, incrementada aún más por un nuevo
homicidio. Finalmente fue localizado por las fuerzas perseguidoras cerca del barrio donde se
había llevado al niño. Herido, opuso resistencia con su arco hasta que un negro acabó con su
23
Berenguer Sed, Antonio, Op. Cit.
24
Martínez-Fortún y Foyo recogió una versión en la que mezclaba las andanzas del individuo citado por
González como “indio Cayuco” y las del “indio Martín”, afirmando que su procedencia era el Oriente de la Isla
y que apareció en 1803. De la misma forma, su lema según este autor era “Luis Beltrán ni me cogen ni me
cogerán. Un jueves santo en la noche me entregarán”. Martínez-Fortún y Foyo, José A., Anales y Efemérides de
San Juan de los Remedios y su jurisdicción, t. 1. Imprenta Sierra y Comp., La Habana, 1930, pp. 137-138.
Ramos y Ramos, Facundo, Cosas de Remedios. Colección revisada y anotada por José A. Martínez-Fortún y
Foyo, Carlos A. Martínez-Fortún y Foyo. Imprenta “Luz” José María Espinosa No. 6, Remedios, 1932, pp. 38-
39.
25
Martínez-Fortún y Foyo, José A., Anales y Efemérides de San Juan de los Remedios y su jurisdicción, t. 1. Op.
Cit.
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vida cortándole el cuello con una hoz.26 Se asocia al mismo la cuarteta “El indio cruel
hechicero/que vive tan sin temor/mató al mejor comprador/de San Juan de los Remedios”.27
Otro caso fue recogido por Francisco Calcagno en su obra Diccionario Biográfico
Cubano. En esta ocasión, se trataba de un “indio” apodado “Bravo”, que operaba en Puerto
Príncipe. Definido como “famoso bandolero de raza primitiva”, llegó a producir el suficiente
perjuicio en la región como para que las autoridades dispusieran la creación de partidas
armadas para su persecución. Afrontándolas en algunas ocasiones y escapando en otras, fue
finalmente muerto en 1803, tras tres años de presencia en los campos. Los autores de su
deceso fueron Agustín de Arias y Serapio Céspedes, los cuales se movilizaron para rescatar a
un hijo del primero, raptado por el “indio”. A la entrada de su cadáver a la ciudad de Puerto
Príncipe, a medianoche del 11 de junio de ese año, repicaron las campanas de las iglesias
como celebración del hecho, además de ordenarse una función de acción de gracias. Resulta
bastante interesante la reflexión de Calcagno sobre los motivos del rapto del niño: “según
opinión común, para comérselo, como otros precedentes, y según creemos, pues no había
antropófagos en Cuba, para exigir un rescate.”28
El cronista Emilio Bacardí referenció igualmente la existencia de otro “indio Martín”
en la provincia de Santiago de Cuba. El individuo había resultado tan peligroso para el orden
de los campos santiagueros como para que el gobierno de la jurisdicción ofreciera 200 pesos
y una “recomendación eficaz” a la corona a los que lograsen el deceso del mismo, el cual
estaba “agregado a fugitivos y malhechores”. Había atemorizado a los habitantes del campo,
y era perseguido por las autoridades y hasta por un voluntario, Miguel Ferrera. Por lo tanto,
actuaba en partida con otros hombres, aunque seguía siendo reconocido a diferencia de sus
compañeros como el “indio”.
Es evidente que tenemos a nuestra disposición muy pocos datos lo suficientemente
objetivos para establecer un análisis historiográfico con hipótesis justificadas sobre estos
“indios malhechores”. No contamos siquiera con evidencias fiables para discernir que fueran
“indios” locales, mestizos, o “indios” yucatecos traídos a Cuba, presentes en este periodo
como cimarrones apalencados.29 Incluso el “indio Cayuco”, “Siboney”, el “Bravo” o los dos
“Martín”, que coinciden temporalmente, podrían ser el mismo, pese a las distancias. 30 Para
26
Ramos y Ramos, Facundo, Cosas de Remedios. Colección revisada y anotada por José A. Martínez-Fortún y
Foyo, Carlos A. Martínez-Fortún y Foyo. Op. Cit.
27
Martínez-Fortún y Foyo, José A., Anales y Efemérides de San Juan de los Remedios y su jurisdicción, t. 1. Op.
Cit.
28
Calcagno, Francisco, Diccionario Biográfico Cubano. Imprenta y Librería de N. Ponce de León, Nueva York,
1878, p. 133.
29
Para finales del siglo XVIII hay evidencias históricas de “indios” yucatecos apalencados. Es decir, fugados y
reunidos en zonas apartadas para subsistir mediante la siembra y construcción de poblados guarnecidos. La Rosa
Corzo, Gabino, Los cimarrones de Cuba, Ed. Ciencias Sociales, 1988, p. 25 y Novelo O., Victoria, Op. Cit.
30
El autor Gerardo Castellanos, en su obra Panorama Histórico. Ensayo de cronología cubana desde 1492 hasta
1933 (1934), afirmó que el “indio Martín” operaba en 1803 por la zona de Santa Clara, Camagüey y llegando
hasta Santiago de Cuba. Le atribuyó como otros autores el uso de un lienzo exclusivamente como indumentaria,
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ello, se podrían proponer dos teorías diferentes; La primera que hubiera sido capaz de
recorrer muchos kilómetros y haber hallado sustento en todos esos lugares para su
supervivencia. La segunda, que la tradición oral lo haya hecho presente en las diversas
regiones. Igualmente, los supuestos elementos culturales que los definen no ayudan a
establecer caracterización alguna, como por ejemplo la citada tablilla pictográfica o la
antropofagia. Este autor, al menos, ha sido incapaz de relacionarlos con ninguna etnia o
tribu particular yucateca, ni de origen cubano. Más bien, apuntan a un uso “romántico” de
las caracterizaciones tradicionales de los “indios” americanos aplicadas a un hecho
transmitido oralmente muchas veces antes de ser recogido textualmente por los
historiadores decimonónicos.
sin sombrero, portando flechas y lanzas. Según el mismo había cometido “crímenes atroces” y recorría grandes
distancias a pie. Castellanos, Gerardo, Panorama Histórico. Ensayo de cronología cubana desde 1492 hasta
1933. La Habana, 1934 en De Paz Sánchez, Manuel, Fernández Fernández, José y López Novegil, Nelson, El
bandolerismo en Cuba. Presencia canaria y protesta rural. (1800-1933), t. 1, p. 36.
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O PORTO DE ARAPUTANGA
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Foi essa fala, vinda da Elma que ouvimos. Os relatos orais, que se seguiram, aliados à
leitura dos fatos narrados naqueles e em outros documentos, tem trazido importantes pistas
para o entendimento da história não apenas da Comunidade e ao município de Anchieta,
mas também de parte de costa sul do estado do Espírito Santo.
“Aqui sempre existiu. E os índio também (...) Na época que não tinha estrada, e
mesmo depois que tinha, a gente preferia mais ir a Anchieta de barco que de a pé. Ia
pelo caminho do rio. A gente descia o Araputanga, e saia lá no rio Salinas e depois
no Benevente. Quando a maré tava subindo e a gente tinha pressa, a gente passava
por dentro do manque, quase beirando o barranco. Aí, ó, passava por dentro dos
canais do mangue, porque assim num pegava a correnteza da força da maré. Se
pegava era pouca. Dava pra ir. Porque a água do canal num tem aquela correnteza.
(...) Aqui num tinha um que soubesse a letra A. Um dia seu Birizinho, seu avô, veio
aqui matriculá nóis tudo. Ele veio de batelão, pelo rio. Minha mãe ficou muito feliz.
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Era assim. A gente usava o caminho do rio para tudo: era prá fazê viagem, era prá
pegá os caranguejo, peixe, goiamum que tinha muito, e camarão. Lá tinha muito siri.
E era daquele Açu.” ´A gente ia lá também, lá no Salinas, perto daquela restinga que
tem lá, prá pegá taquara, imbira prá fazê estera. Lá perto da restinga do Salinas tem
muita. Aqui num tinha quase cama, era mais estera que a gente mesmo fazia (...)
agora ficou tudo mais difícil”
E sua memória segue adentrando por outros tempos, tempos situados no antes de
haver uma estrada que ligasse a Chapada do Á à cidade de Anchieta. Tempos no qual o Rio
Araputanga era parte fundamental do sistema viário utilizado na mobilidade das pessoas
que ali residiam, ou transitavam. Tempos em que outros parentes e ele trabalhavam nas
caieiras.
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34
34- Fonte: FCA – Litorânea Sul. Projeto de Arqueologia Preventiva. Relatório Final das Prospecções
Arqueológicas. São Paulo: Execução Scientia Consultoria Científica Ltda. 2008.
35 - Estamos finalizando um outro texto com as descobertas realizadas, através de pesquisas
documentais, sobre a construção das “Misteriosas Ruínas do Rio Salinas.”
36 - Embora haja várias Leis específicas de proteção aos bens arqueológicos pontuo aqui a nossa
Constituição Federal de 1988 que determina: Art. 216. Constituem Patrimônio Cultural brasileiro os
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Recorte
retirado do Quadro 4.137
O relatório que está sendo aqui utilizando como referência, do qual fiz o recorte
acima, identifica espacialmente e cataloga, só nas circunvizinhanças do Porto de
Araputanga, dez (10) desses sítios, sendo que 60% deles é apontado como de alta
relevância.38
Arqueológicas. São Paulo: Execução Scientia Consultoria Científica Ltda. 2008. p 64.
38 - Estou ciente de que há outros relatórios sobre a arqueologia daquele local o e proximidades, por
exemplo: Relatório Técnico nº 030/2005DITEC/ 21ª SR/IPHAN que especifica sítios como Chapada
do Á ((ES-GU-5); Rio Una I (ES-GU-6); Rio Una II (ES-GU-7) e Rio Una III (ES-GU-8).
39 - http://revistagreenpeace.org/wp-
content/uploads/2015/02/208f07127a7852705f9f0808d8f5d6b5.pdf
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Tendo por base estudos realizados pelo arqueólogo Prof. André Prous, podemos dizer
que aquele local reunia um conjunto de condições básicas para quem procurava um lugar
para morar, condições essas que raramente eram encontradas conjugadas em outras
localidades. Destacadamente havia ali proximidade e a abundancia de mananciais de água
potável; a existência de terras férteis; de uma mata; de um rio navegável, a partir de onde
se pode dominar as principais vias de acesso, mas com a possibilidade de encontrar abrigos
em cabeceiras de pequenos afluentes.41
Agora conseguimos compreender que, no caso da Comunidade Tupiniquim da
Chapada do Á, um dos pequenos afluentes escolhido foi pequeno Rio Araputanga, afluente
pela margem esquerda do Rio Salinas (afluente do Rio Benevente).
Outras memórias coletadas sobre o território onde habita a Comunidade
Tupiniquim da Chapada do Á e sua a circunvizinhança, também coincidem com descrições
40 - http://sistemas.iphan.gov.br/sgpa_desenv/cnsa_detalhes.php?18774
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feitas por arqueólogos sobre o tipo de paisagem comuns aos acampamentos do litoral
central (Rio de Janeiro e Espírito Santo).
Também ali, havia uma vasta área de restinga. Segundo entrevista com antigos
moradores, até por volta de 1965, a restinga era rica em frutas que serviam tanto como
alimento quanto como medicamento, por exemplo murtinha, pitanga, araçá, caju, ingá,
cardeiro. Além das frutas, havia também na restinga uma rica fauna, sendo que várias
espécies que nela havia era utilizada como recurso alimentar. No entanto, as restingas
daquele local não conseguiram sobreviver ao desenvolvimento econômico e à expansão
urbana iniciada nos anos 70. Toda a área de restinga ali existente foi invadida. “Depois
fizeram ali um bairro que primeiro chamou Invasão, mas que hoje se chama Justiça.”42
Parece não haver dúvidas de que essas condições foram pontos facilitadores para
que o lugar fosse habitado por populações muito pretéritas e para que o colonizador
português ali se fixasse. Mas, essas mesmas condições foram também facilitadoras para que
o lugar fosse sempre motivo de cobiça para fixação de outras populações, inclusive para a
implantação de grandes projetos de desenvolvimento econômicos intensificados nos tempos
atuais.
Mas, estes foram iniciados com ali com a chegada do colonizador português. Portugal era um
país pobre, povoado por mais de um milhão de pessoas, e devido à escassez de recursos em seus
territórios passou a procurá-los no exterior. Conforme Wolf, Portugal buscava excedentes para
incrementar seu poderio, e procurava, também suprir o déficit de mão de obra para trabalhar nos
seus campos agrícolas.43 Assim, com o objetivo de fomentar seu processo de desenvolvimento
político e econômico, expandiu seu império, apropriando-se de recursos naturais e mão de obra,
afetando extensas populações.44
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“inconstância" apresentada pelos índios, muitos daqueles que eram batizados voltavam ao
"paganismo.”45 Para aprofundar o “processo civilizatório”, foi adotada uma outra prática de
ação - a implantação de Aldeamentos.46 As missões jesuítas foram pioneiras na formação
desses aldeamentos. A atuação dos jesuítas, tem uma historicidade e deve ser vista a partir
dos processos históricos e conjunturais nos quais os missionários estiveram inseridos. Como
mostra Celestino, suas ações “oscilavam entre os compromissos com a Coroa, os direitos dos
índios e as relações com os colonos.”47
Foi dentro da prática desse tipo de Aldeamentos ou Reduções que a Aldeia Jesuítica
de Iriritiba teve início. Sua fundação é atribuída ao Padre José de Anchieta no ano de 1569
quando encarregado de percorrer as novas aldeias e de estabelecer outras para a catequese
dos Goitacases, Puris, Tupiniquins e Aimorés.49
Vale lembrar que o local em que foi implantado o Aldeamento de Iriritiba era um
lugar já densamente povoado e que, como vimos acima, reunia um conjunto de condições
ideais para tal. Inclusive havia a disponibilidade de um complexo sistema viário - o “caminho
do rio.”
45http://tupi.fflch.usp.br/sites/tupi.fflch.usp.br/files/SERM%C3%83O%20DO%20ESP%C3%8DRITO%2
0SANTO.pdf VIEIRA, Antônio. Sermão do Espírito Santo. Ver: Viveiros de Castro, Eduardo. "O
mármore e a murta: sobre a inconstância da alma selvagem". In: A inconstância da alma selvagem.
São Paulo: Cosac & Naify, 2002.
46 - A fundação desses Aldeamentos era uma recomendação expressa no Regimento Almerim.
https://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia-brasil/regimento-de-tome-de-sousa-a-constituicao-do-
governo-geral.htm
47 - ALMEIDA, M.R.C. Os índios na História do Brasil. Rio de Janeiro,FGV, 2010. p. 78/79.
48- BESSA FREIRE, José Ribamar e MALHEIROS, Márcia F. Os aldeamentos indígenas do Rio de
Janeiro. http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/historia/0039_10.html
49- DAEMON, B. C. Província do Espírito Santo: descoberta, história cronológica, sinopse e
estatística. p. 55. https://ape.es.gov.br/Media/ape/PDF/Livros/Provincia_do_espirito_santo.pdf
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Pensando na inicio daquele Aldeamento jesuítico, parece lícito afirmar que o Padre
José de Anchieta,50 em suas visitas às populações indígenas radicadas na Chapada do Á e
adjacências utilizasse o “caminho do rio,” para tal., Podemos reconstruir, da seguinte
maneira, o caminho que fazia. Vejamos. O Padre Anchieta descia a colina, onde estava
situado o núcleo do Aldeamento de Iriritiba, e caminhava em direção ao Rio Iriritiba, cuja
denominação atual é Rio Benevente. Daí, subindo por ele, tinha acesso ao Rio Salinas e logo
após ao Rio Araputanga. E assim, aportava no Porto do Araputanga que é parte do lugar
“que sempre existiu.”
Desse lugar que “sempre existiu”, ficou guardado na memória do Sr. Elias relatos de
sua mãe havia ouvido dos “troncos velhos.” Em seus relatos é recorrente ouvir:
“Assim minha mãe falava”(...) Mamãe sempre contava isso, aqui só ficou os
manso, os batizado. Os pessoal daqui, os mais velho já morreram tudo. É uma
história que num caba não. É os antigo mesmo que contavam. A gente já vem
pegando dos mais velhos, dos troncos da gente. Por exemplo, agora os meus filhos
aqui fica ouvindo e vão acompanhando e aí, quando a gente morrer, eles já sabem
também. Era a mamãe que passava. Ela dizia `isso aqui era tudo de índio.` Quando
nós era pequeno e que ia trabalhar na roça, porque mesmo pequeno, a gente já
trabalhava na roça com os pais e a gente perguntava: `Mamãe, porque esse monte
de ostra aqui? Aqui era mar?` Ela dizia não, isso aqui, dizia meu pessoal mais velho, é
um lugar de índio muito e muito antigo.”51
Outra preciosa fonte da memória local, foi a Dona Pedrolina. Ela era mãe de muitos
filhos, dentre eles mãe da Dona Maria, esposa do Sr. Elias. Ao ser perguntada se sabia
quando sua família havia ido morar naquela região, disse:
50 - Padre José de Anchieta SJ nascido em São Cristóvão da Laguna - Ilhas Canárias (19/08/ 1534),
faleceu na Aldeia de Iriritiba (09/06/1597). Foi um padre jesuíta, dentre outros títulos, é conhecido
como o Apóstolo do Brasil. Beatificado em 1980 pelo papa João Paulo II, ele foi canonizado em 2014
pelo papa Francisco e declarado copadroeiro do Brasil na 53ª Assembleia Geral da CNBB em 2015.
51 - Sr. Elias Victor. Entrevista 2012.
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“Os começo??? Ah!!! Agente num lembra... Nem sabe como começou, não.
Desde um tempo muito antigo que nós sempre morou aqui nessas terra. Sempre
moramos tudo pegado. O que a gente sabe é que era tudo uma gente só, vós
entendeis? Era tudo um tronco só. Tem parente no Maymbá, tem parente no Ubú,
tem lá pros lado do Cumprido. Vós num sabeis quanta gente... Era um atrapalho
danado. Era parentagem. Casava tudo junto e ia fazendo as casa. Bino mais os filho,
avô dessa menina aí (Marly), ficaram mais lá pra Chapada do Á.”52
Dona Pedrolina morava em Monteiro e nosso encontro foi anterior à migração à qual
foram impelidos por um projeto de expansão da Samarco/Vale. Parte da “parentagem,” o
ramo da família de “Bino mais os filhos” que ficou “ mais lá pra Chapada do Á” resistiu à
migração forçada e, em reunião comunitária, num ato de coragem política, no dia 26 de
março de 2012 se autoreconheceu como Comunidade Tupiniquim da Chapada do Á. 53
Muitos são os caminhos para os lugares de memória que lhes foram interditados. Há
cercas por toda parte. Mas, mesmo tendo seu território sofrido importantes perdas,
principalmente com o cercamento de áreas do manguezal onde retiravam importantes
recursos para sua economia de subsistência; mesmo tendo o Porto do Araputanga sido
deslocado para outro ponto do manguezal, bem mais longe de suas residências, a
Comunidade Tupiniquim da Chapada do Á tem lutado por sua autonomia. Eles sabem que
importantes reforços identitários que lhes dão suporte para prosseguir nas lutas lhes são
transmitidos pelas memória contadas e recontadas que tem raízes nos seus troncos velhos,
em sua ancestralidade. Isso faz com que muito se preocupem com a “mexida na terra”
realizadas pelas prospecções arqueológicas.
O que é de estranhar é que até hoje, especialistas em lidar com eles, como também
as instâncias de proteção e gestores públicos, não consigam perceber que objetos e mesmo,
vestígios arqueológicos, para além da materialidade que apresentam, tem uma outra
dimensão para as populações que tem um vínculo com eles. Uma dimensão maior e que está
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para além da casca. Os esses técnicos vão identificar os “resgates arqueológicos,” não
podem desconhecer que para as populações para as quais esses objetos têm significado eles
são fonte de identificação, de memórias, de reafirmação de identidades. Sítios arqueológicos
são fundamentais para a manutenção da integração entre os membros de um grupo, para
reativar memórias e o sentido de pertença e identidade. São laços com o território. Parece
ser isso que fala um membro da Comunidade do Á. Ouçamos:
“A gente tá andando aqui, mas a gente sabe que está andando por cima de uma
porção de coisas, coisas que estão enterradas, mas que estão aí. Coisas e pode ser até gente
que eram do nosso tronco, né? O que tem lá, a gente não sabe direito, mas tá tudo debaixo
de nosso pé. E a gente fica pensando numa porção de história. Tem um cemitério lá perto
das Ruínas. É lá que tem muita gente nossa enterrada. Com essa mexida das empresa, eles
devem tá incomodado. A mulher de branco tá aparecendo de novo... Quem será que é aquela
mulher de branco? É nossa bisavó, ou é mais antiga? E o pilão? Quem será que bate? Tá
socando arroz, ou Urucum, a gente fica escutando.”54
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Art. 7 “El Estado reconoce y protege la diversidad étnica y cultural de la nación colombiana” Art. 8 “Es la
obligación del Estado y las personas proteger las riquezas culturales y naturales de la nación” Colombia,
Constitución (1991). Constitución política de Colombia promulgada en la Gaceta Constitucional número 114 del
jueves 4 de julio de 1991.
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indígena dadas pela CP se inspiraram em boa parte no novo caráter de território (como um espaço
de vida de um povo), que o Convênio 169 de 1989 outorga à propriedade indígena. O Estado
colombiano, em concordância com os artigos sétimo e oitavo da Constituição, ratificou em 1989 o
Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Segundo Roldán Ortega (2000), a nova
Constituição da Colômbia sem dúvida alguma transcendeu as normas do Convênio 169 ao abrir aos
indígenas a possibilidade de por direito próprio e através de uma circunscrição eleitoral
independente chegar ao congresso com seus próprios representantes, assim como ao outorgar-lhes
a capacidade de definir com ampla margem de autonomia as suas formas próprias de governo e
administração internas. Assim, a constituição de 1991 se coloca na vanguarda sobre direitos étnicos e
autonômicos na região latino-americana.
Não obstante, como assinala Lorenzo Muelas uma das lideranças indígenas que oficio como
constituinte nesta reforma constitucional; neste reconhecimento estatal também e fundado e um
processo histórico de resistência e luta pela sobrevivência dos indígenas na Colômbia.
Neste sentido o MIC surgiu nos Andes colombianos pertencente ao que se conhecia
anteriormente como o Grande Cauca. Este movimento resinificou e se apropriou de uma memória de
luta indígena ancestral pela defensa da terra frente aos invasores espanhóis desde os séculos XVI
liderados pela Cacica Gaitana e o século XVIII com as ações do Juan Tama 56 (RAPPAPORT, 2000,
p.114.). Nestas lutas ressurgem aos princípios do século XX lideradas por Manuel Quintín Lame e
Gonzalo Sánchez. Os levantamentos dos indígenas caucanos tiverem dois objetivos: Primeiramente, a
necessidade de recuperar as terras dos ancestrais indígenas, ou seja, os resguardos herdados da
colônia espanhola. Por outro lado, derrotar os latifundiários que se apoderaram dos resguardos e
submeteram a população indígena à servidão sob a prática de terraje.57 (VASCO, 2008, p.74) Os
56
Segundo Rappaport, o período colonial foi um processo em que as diferentes comunidades indígenas dos
Andes colombianos de diversas origens étnicas enfrentaram a pressão da conquista espanhola. Mas estas
comunidades estiveram organizadas em cacicazgos que estabeleceram alianças entre si. Conformadas por
grandes parentelas baseadas em relações intermatrimoniais. Para fazer frente à invasão espanhola, os
cazicasgos decidiram delegar o poder a um só cacique que assumiu a representação política diante do governo
colonial. Este novo cacique (Juan Tama) adquiriu status simbólico de herói mítico e fundador da cultura Nasa e
solicitou a criação de um grande resguardo, que seria um território do povo indígena Nasa e de propriedade
coletiva. A pesquisa de Rappaport concluiu que o que chamamos de povos indígenas não obedeceu a traços
culturais como a língua ou outras características culturais e étnicas e sim à afirmação política sobre um
território. (RAPPAPORT, 2000, p.114.)
57
Segundo Luís Guillermo Vasco, a figura da terraje foi uma relação de caráter feudal e servil, segundo a qual
um indígena deveria pagar com trabalho gratuito dentro da fazenda pelo direito de viver e usufruir de uma
pequena parcela, ou seja, as mesmas terras despojadas dos resguardos indígenas. VASCO U, Luis. Quintín
Lame: Resistencia y liberación. Revista Tabula Rasa. Bogotá, n.9, p. 73-101, jul/dic. 2008.
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As Quintinadas, além de serem ações de fato expressas em protestos ou tomadas pacíficas ou violentas de
fazendas impostas nos territórios comunitários, também eram denúncias e querelas a partir do conhecimento que
Quintín Lame tinha da Lei 89 de 1890 e do Código Civil. A partir desses conhecimentos, Quintín Lame as
tornou uma forma de luta que se apoiava nas disposições das leis da nação e atacava os poderes locais
instaurados pelos proprietários de terra no Cauca. Nesse contexto começou a perseguição e repressão por parte
das autoridades do Estado ao movimento e especificamente a seu líder. VASCO U, Luis. Quintín Lame:
Resistencia y liberación. Revista Tabula Rasa. Bogotá, n.9, p. 73-101, jul/dic. 2008.
59
Em 1924, Sánchez, junto a outras lideranças do movimento Lamista como Eutiquio Timotè e Jacobo Prías
Alape, se aproximariam do socialismo revolucionário e logo integrariam as fileiras do nascente Partido
Comunista em 1930, do qual Timotè seria seu candidato presidencial e em que José Gonzalo Sánchez ocuparia
um alto posto em seu comitê central até o momento de seu assassinato em 1952. Quintín Lame se exiliou no
departamento de Tolima onde configurou e recuperou os Resguardos de Ortega, finalmente morreu em 1967.
VEGA CANTOR, Renán. Manuel Quintín Lame y la lucha por la recuperación de las tierras indígenas en el
departamento del Cauca y Tolima. In: Gente muy Rebelde. Protesta popular y Modernización capitalista en
Colombia. Vol. 2. Indígenas, campesinos y protestas agrarias. Bogotá: Pensamiento Crítico, 2002 p. 88-102.
60
Nesta época a guerra civil entre liberais e conservadores encontrou seu ponto mais alto nos territórios rurais.
Em 13 de junho de 1953 culminou num golpe militar contra o presidente Laureano Gómez por parte do general
Gustavo Rojas Pinilla. Com a militarização do governo, buscou-se pacificar e instaurar a ordem no país para
substituí-lo por um regime de coalizão bipartidário conhecido como período do Frente Nacional VAZQUEZ
CARRIZOSA, Alfredo. Historia critica del Frente Nacional. Bogotá: Ediciones Foro Nacional por Colombia,
1992, p. 63-111
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nacional realizou algumas tentativas para a modernização do campo colombiano, propondo reformas
agrárias e políticas que buscaram fortalecer os pequenos e médios produtores. Porém, essas
tentativas foram fracassadas ao não avançar na eliminação da alta concentração da terra e na
descentralização dos poderes regionais estabelecidos pelos grandes proprietários em aliança com a
Igreja (FAJARDO, 2010, p.52).
Neste contexto surgiu a mobilização camponesa a favor da continuação da reforma agrária e
contra os poderes regionais centralizados em grandes propriedades que perpetuavam o latifúndio62.
Nesta época surgiram as primeiras guerrilhas insurgentes como o Exército Popular de Libertação
(EPL), o Exército de Libertação Nacional (ELN) e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia
(FARC). Estas guerrilhas armadas foram especialmente perseguidas pelo governo da Frente Nacional,
que ao mesmo tempo em que fazia esforços para a modernização do campo colombiano, reprimia e
se preocupava com o avanço insurgente na América Latina a partir do triunfo da Revolução Cubana.
(MOLANO, 2010, p.574)
É nesse contexto que surge o moderno Movimento Indígena Colombiano (MIC) no norte do
departamento do Cauca, na região dos Andes colombianos. Lá se formaram os principais líderes
indígenas em torno das primeiras organizações indígenas de caráter moderno como sindicatos e
cooperativas, também a partir das experiências acumuladas das organizações camponesas, levando à
criação do Conselho Regional Indígena do Cauca (CRIC) em 1971. Para as décadas de 1970, o CRIC
havia conseguido recuperar terras oficiando-se como a organização indígena mais importante da
Colômbia. Para Mauricio Archila, historiador colombiano que estudou o surgimento do CRIC desde a
perspectiva teórica dos movimentos sociais, as ações sociais coletivas do movimento “foram
orientadas para enfrentar condições de desigualdade, exclusão ou injustiça e que tenderam a ser
propositivas em contextos espaço-temporais determinados”. (ARCHILA, 2005, p. 274) Neste sentido
se sustentou que as formas de ação coletiva se distinguiram em duas classes. Primeiro, as
contenciosas, ou seja, diretas, mas não violentas além das não contenciosas amparadas nos recursos
61
Para alguns analistas esta aliança hegemônica de partidos tradicionais se baseou na exclusão de outros setores
sociais e políticos no Estado, além de criar um clima de esquecimento e omissão sobre as responsabilidades
sociais das elites governamentais no desenvolvimento da época da violência.
62
Durante o mandato do presidente Carlos Lleras Restrepo (1966-1970), a Colômbia entrou num processo de
Reforma Agrária amparado na Lei 135 de 1961, que buscou resolver a crise rural do campo, marcada pela alta
concentração da terra e uma baixa mão de obra agrícola. Buscou fazer uma redistribuição da terra e criar uma
política de modernização rural (em vias de acesso e produtividade) para estimular a produção e restaurar os
mercados internos. Esta norma pretendeu lutar com a improdutividade dos latifúndios, modernizar o agronegócio
colombiano, titulando Unidades Agrícolas Familiares (UAF) mediante a repartição de terras e a colonização de
baldios ou terras livres.
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institucionais e dentro dos marcos legais. Dentro da primeira ressaltou o conceito de recuperação de
terras apoiada pela mobilização camponesa, que os camponeses e fazendeiros denominaram como
“invasão” das fazendas, sobretudo nos primeiros anos do CRIC, durante o final dos anos 1970. As
outras ações contenciosas se orientaram a mobilizações, bloqueios de via e greves63.
Então as principais razões ou motivações que justificaram as primeiras formas de ação
coletiva do CRIC foi a disputa pela terra, sob a figura dos Resguardos como propriedade coletiva e,
por outro lado, acabar com as condições de trabalho subordinado que os donos das grandes
fazendas caucanas mantinham (pagamento de terraje). Posteriormente na década de 1980 surgiram
denúncias contra a violação dos direitos humanos e pela defesa do exercício da autoridade indígena.
Os dirigentes indígenas respaldados desde o sindicato e a cooperativa começaram um trabalho de
resistência baseado na memória política das lutas ancestrais gerando a renovação ou reinvenção de
uma identidade étnica ligada ao território. Nesta identidade étnica vai apelar a elementos de
memória que vão ser reconstruídos e reinventados para oferecer uma arraigo que potencialize a luta.
Não só as figuras dos heróis indígenas, mas também os tipos de organização como o resguardo e o
cabildo, vão ser a base da nova organização que se mobiliza num primeiro momento em torno da
recuperação da terra como base material para a construção de um território que albergue uma
cultura própria, uma língua própria e uma história própria. A recuperação de terras se converte na
forma de resistência a sua dissolução étnica e cultural e por isso a importância da construção do
território e territorialidades.
A finais da década de 1970 o movimento indígena caucano rompe relação com os dirigentes
do movimento camponês. Para explicar nesta ruptura, Archila sustentou que as justificativas e
interesses diferentes na luta pela terra entre camponeses e indígenas marcou um distanciamento
político. Para os indígenas era a luta por uma concepção mais política referente a restauração dos
63
Estas ações se exerceram em paralelo, a compra de terras diretamente dos proprietários de terra, pressionados
pelas invasões e a política agrária, e com o apoio financeiro das instituições estatais (Caja Agraria e INCORA).
A utilização de um marco legal serviu para legitimar as recuperações (Lei 89 de 1890, títulos coloniais que
demonstraram a propriedade coletiva das terras usurpadas). Somadas às ações de caráter interno dentro das
organizações como a capacitação e educação política com o apoio e assessoramento de colaboradores e
assessores não indígenas e unido com as assembleias e congressos como espaço de definição política e
capacitação em que se criaram os programas e plataformas políticas, se erigiu a Junta Diretiva e convidavam
mais pessoas indígenas e não indígenas solidárias com o movimento. (ARCHILA, 2005, p. 483-485)
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Éste abarca el conjunto de muy diversas relaciones mediante las cuales se apropian,
utilizan y piensan dicho espacio. Se trata entonces de un territorio definido por formas
de ocupación y poblamiento, modos de apropiación a través de formas de trabajo,
autoridad y pensamiento, actividades que sobre él se desarrollan, modalidades de
recorrerlo, creencias y concepciones asociadas, todo ello constituye ese vasto
conglomerado de relaciones sociales que hacen de un espacio sobre la tierra, el
territorio de una sociedad en un momento de su historia, siendo éste uno de los
elementos básicos de su identidad. Ello explica cómo los indígenas no luchan por un
pedazo de tierra, sino que reivindican su tierra, como espacio específico que
64
ARCHILA, op.cit, p. 102
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Neste conceito de território cultural foi adquirindo conteúdo na medida que surgem outras
organizações indígenas regionais e se expande no âmbito nacional. O movimento indígena que surgiu
na zona andina fundou e configuro a Organização Nacional Indígena de Colombina em 1982, com a
presença de indígenas da Selva, das planícies orientares e do Pacífico colombiano. Nesta proposta foi
consolidando um projeto político autônomo em um contexto de repressão estatal (Jaramillo, 2011).
Nesse sentido não se pode falar de movimento indígena colombiano homogêneo. Nas margens e
fronteiras da nação, as lutas indígenas mais que reivindicar terras comunitárias e autoridades
tradicionais, se tratava de defendê-las diante das companhias extratoras de recursos sobretudo
estrangeiras (madeireiros e mineiros), pecuaristas e ainda de camponeses colonos, expulsos do
interior do país pela violência. Assim, a necessidade de construção do território cultural se vincula
estreitamente com as estratégias políticas dos movimentos indígenas em circunstâncias históricas
bem especificas, mais que conseguem ser representeadas e um discurso pelos direitos étnicos
dinâmico no âmbito de uma territorialidade, no marco das demandas indígenas pela terra e depois
pelo controle de um território próprio.
Trata-se de um processo ativo, uma dinâmica de apropriação simbólica e material em um
processo histórico determinado. A territorialidade se conforma a partir de relações sociais entre
distintos atores, que são mediatizados pelo território cultural étnico. Mas essas relações se
complexificam quando as territorialidades de um grupo se interceptam com as de outros grupos. É
então este enfoque o ponto de partida para compreender a construção da territorialidade indígena e
os conflitos com outros atores interessados nesta, o que supõe um choque entre diferentes
territorialidades no âmbito de outra conceição do Estado Multicultural na década de 1990.
DETERRITORIALIDADE E VIOLÊNCIA
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diferença insuperável, é observável nas tensões entre organizações indígenas e o Estado colombiano.
Por exemplo, nos projetos de desenvolvimento e planejamento territorial que o governo tentou
implementar nas áreas onde as comunidades estão instaladas.
Essa diferença crucial é baseada no entendimento e modo de uso do conceito político de
território indígena, que nasce das comunidades indígenas, primeiro na necessidade de estabelecer
relações com o Estado-nação que está se formando desde o século XIX, e que se refere a uma ideia
de soberania sobre um lugar. Para os povos indígenas é o lugar onde a vida é reproduzida e,
portanto, sua cultura; para eles, a sua existência não é concebida sem o seu próprio território e sem
os meios naturais que os oferece. Esse território não é uma coisa que pode ser negociada com outros
seja o Estado ou agricultores ou empresas estrangeiras. Assim, o conceito território surge para os
indígenas como uma declaração política contra a necessidade de se proteger dos agricultores,
palmicultores, camponeses, funcionários do Estado, atores armados, traficantes de drogas, empresas
de petróleo e mineradoras. Então, o que hoje as organizações indígenas concebem como território
indígena vem, como o passado da necessidade de defender o domínio e a integridade de seu espaço
vital e, portanto, a luta por sua reivindicação de sua particularidade e diferença com a sociedade
envolvente. Outra situação que os movimentos e organizações indígenas enfrentaram no último
século é o agravamento da violência em seus territórios entre os atores armados legais e ilegais. Essa
violência também influencia as estratégias dos movimentos indígenas para proteger seus direitos
territoriais. Muitas lideranças indígenas foram ameaçadas, desaparecidas e assassinados nos últimos
anos por paramilitares, guerrilha e o Estado. A ocupação dos grupos armados em seu território
recruta jovens perturbando seu modo de vida, e a penetração de interesses econômicos como a
construção de aproveitamento hidrelétrico em grande escala de hidrocarbonetos, a extração de
recursos madeireiros, a instalação de monoculturas plantações, como a palmeira africana, afetaram
seriamente seus modos de vida e suas particularidades culturais.
Na atualidade muitos de seus territórios se tornaram espaços de confinamento e
desenraizamento. Isso causou o deslocamento forçado de milhares de indígenas para os centros
urbanos. Neste contexto de crise humanitária, o Tribunal Constitucional emitiu a Ordem 004 de 2009
afirmando que muitos povos indígenas estavam à beira da extinção física e cultural, o que seria uma
situação inconstitucional afetando todos os colombianos, nesse sentido era o dever do Estado para
restabelecer os direitos dessas comunidades e estabelecer políticas públicas e sociais que ajudem a
superar este estado inconstitucional.
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CONCLUSÃO
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INTRODUÇÃO
Em virtude de tratar-se do projeto da pesquisa que vou realizar no mestrado, os resultados
só se consolidarão a partir da inserção no campo. Neste sentido, o presente ensaio versará sobre
como se deu a construção da ideia para submeter ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia –
PPGA, da Universidade Federal da Paraíba – UFPB, como também, visto que consideramos relevante,
relatar o que já tenho vivenciado nos primeiros meses do mestrado, tanto no que se refere as aulas,
como atividades acadêmicas do grupo de pesquisa ao qual estamos vinculadas e de que forma
realizamos alterações na proposta que apresentei no processo de seleção.
Quando me encontrei academicamente no PPGA, dei início a construção de um possível
projeto para submeter. Tendo em vista outras pesquisas e extensões vivenciadas junto ao povo
Tabajara da Paraíba e a temática de meio ambiente, advinda da minha formação em Gestão
Ambiental, como também a minha inquietação diante da criação do Polo cimenteiro, pensei uma
proposta em que buscaria analisar os impactos positivos e negativos inerentes a este projeto de
desenvolvimento, principalmente no que tange ao impacto ambiental, para povos e comunidades
tradicionais e agricultores familiares. Pretendia também levantar se as empresas inseridas neste polo
realizavam alguma ação de responsabilidade socioambiental e analisar o impacto destas ações.
Assim, estruturei a ideia e despois de amarrada intitulei “Ambiente, Cultura & Desenvolvimento:
sobre a noção de (In) responsabilidade socioambiental no município de Alhandra, PB”, tendo por
objetivo realizar uma análise dos impactos culturais, ambientais e sociais decorrentes da implantação
de empresas de grande porte no município de Alhandra e seu entorno a partir do levantamento das
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DESENVOLVIMENTO
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dentro dos projetos de desenvolvimento dos municípios e do estado da Paraíba em consonância com
as políticas macroeconômicas do governo federal (PARAÌBA, 2014).
Neste sentido, pretendemos descrever de forma densa (Geertz, 1989) como está ocorrendo
as transformações na dinâmica local do município a partir da instalação da empresa Elizabeth
Cimentos, assim como os impactos dessa mudança no aspecto socioambiental e cultural e de que
forma os sujeitos envolvidos percebem toda esta mudança.
Tendo em vista que este trabalho dará ênfase ao Povo Tabajara da Paraíba e ao município de
Alhandra é fundamental caracteriza-los.
O município de Alhandra, que teve sua emancipação política em 24 de abril de 1959 (IBGE,
2016), sendo antes distrito de João Pessoa, tem por base econômica o cultivo de cana de açúcar e,
como renda complementar, a pesca e a agricultura familiar. Sua população é composta por povos
ditos tradicionais (quilombolas, pescadores artesanais e indígenas), povos estes que vivem através de
práticas conscientes e de respeito as sazonalidades dos recursos da fauna e da flora e que, conforme
a Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 215, tem assegurado pelo Estado a garantia a todos do
pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, assim como o apoio e
incentivo a valorização e a difusão das manifestações culturais.
A chegada dos Tabajaras na Paraíba data de 1585, vindos da região do Rio São Francisco
devido aos conflitos com os portugueses. Ou seja, historicamente os Tabajaras vem sofrendo
processos de desterritorialização. Tendo se aliado aos portugueses ao chegarem em terras
paraibanas, aos tabajaras foi doada, pelo Capitão-Mor da Paraíba, três sesmarias que juntas
somavam uma dimensão que ia do rio Gramame até o rio Abiaí, no Litoral Sul da Paraíba (Araújo et
al, 2012 apud Andrade et al, 2012). Porém, a partir de 2011, com a descoberta de uma jazida de
calcário existente no litoral sul (território que abrange os municípios de João Pessoa, Conde, Pitimbu,
Caaporã e Alhandra e onde vivem, além dos Tabajaras, povos tradicionais, pescadores artesanais,
agricultores familiares) muitos empresários se interessaram em implantar suas indústrias nestas
terras, dando início aos conflitos entre empreendimentos capitalistas, alinhados aos projetos de
desenvolvimento do governo municipal, estadual e federal (indústrias) e os Tabajaras e suas práticas
sociais, fundamentada em suas tradições ressignificadas. Este conflito resultou em mais um processo
de desterritorialização sofrido pelo povo Tabajara, que tiveram que sair das terras conquistadas no
século XVI como estratégia política, identitária e econômica de sobrevivência (SOUZA, 2018).
Diante disto, entendemos que o presente estudo é de grande relevância acadêmica, pois
permite operacionalizar conceitos e metodologias das ciências sociais, no aspecto da antropologia e
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme já fora exposto, o presente ensaio visa discorrer sobre a construção da ideia do
meu projeto de mestrado e minhas vivências nos primeiros meses do curso.
Diante do exposto é assim é que a problemática que se desenha nesta pesquisa está
relacionada com as dissonâncias e/ou correspondências entre projetos de desenvolvimento
desenhados e executados e anseios de povos e comunidades ditas tradicionais. Algumas questões
que norteiam este estudo, dentre elas: estariam os projetos de desenvolvimento desenhados de
cima para baixo, ou seja, pelo Estado sem a consulta popular? A implantação deste polo industrial
potencializa na prática quais modelos de desenvolvimento? O que mudou no aspecto ambiental com
a implantação da empresa?
Neste sentido buscar-se-á levantar: Quais são os impactos da implantação do Polo no
cotidiano das famílias que vivem da agricultura familiar e da pesca, e principalmente para os
indígenas Tabajara? Há diálogos entre as comunidades tradicionais e as empresas? Como dialogam a
tradição (Sahlins, 1990) e o capitalismo (TAUSSIG, 1993)? E a partir das narrativas escrever, inscrever
o discurso social, o anotando, tornando o dito um relato que pode ser consultado sempre que
necessário, conforme a descrição densa, numa interpretação de segundo plano por sobre o ombro
do nativo, defendida por Geertz.
Em se tratando do percurso metodológico, por se tratar de uma perspectiva etnográfica, o
campo me revelará as melhores estratégias para condução do estudo. Porém, antropólogos como
Clifford Geertz, Max Gluckman, Marshall Sahlins, Marcio Goldman, Alícia Gonçalves, Estevão Palitot,
como também de outras áreas como Paul Little, Celso Furtado, Stuart Hall, Joan Martinez Alier, entre
outros, são fortes referências para seguir, tendo em vista que seus trabalhos versam sobre as
principais temáticas abordadas em meu estudo, dentre elas, desenvolvimento, políticas públicas,
conflitos socioambientais, racismo ambiental, etnografia, situação social, povos indígenas,
identidade, entre tantos outros que apresentam elementos para compor este trabalho.
REFERÊNCIAS
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O presente artigo pretende traçar uma discussão inicial em torno das implicações
antropológicas inauguradas pela tese jurídica Marco Temporal a partir do conceito antropológico de
territorialidade. Por partir da hipótese que o conceito é chave para a compreensão da aplicabilidade
do Marco Temporal que acreditamos retomar o conceito de imemorialidade ao estabelecer
elementos temporais e de originalidade como precedentes para o reconhecimento dos direitos dos
povos indigenistas.
É preciso lembrar que quando o Supremo Tribunal Federal reconhece a Terra Indígena (TI)
Raposa Serra do Sol fixou as chamadas “salvaguardas institucionais às terras indígenas”, que são
interpretações de alguns membros do Supremo Tribunal Federal de dispositivos constitucionais
referentes ao reconhecimento desta Terra Indígena, transformado essas leis gerais mais
singularizadas ao caso concreto.
O Marco Temporal é uma destas interpretações do STF feitas ao caso Raposa Serra do Sol,
que determina se caso uma comunidade indígena litiga judicialmente uma terra, por terem sido
ocupadas tradicionalmente, a ação só será válida se sua presença na terra (reivindicada) tenha
ocorrido até a promulgação da Constituição, sendo a alternativa ao Marco Temporal a
comprovação do “renitente esbulho”, ou seja, o Marco Temporal permite reconhecer terras
indígenas ocupadas depois de 05 de outubro de 1988 se os indígenas já estiverem em conflito
efetivo ou movendo uma ação na justiça, até a data exata da promulgação.
Embora o STF tenha expressamente posto essas salvaguardas como sendo interpretação da
Constituição aplicada apenas ao caso da demarcação da TI Raposa Serra do Sol, elas serviram de
referências para três outros processos de demarcações: a TI Guyraroká, TI Limão Verde e a TI
Porquinhos, que tiveram seus processos demarcatórios suspensos ou anulados por decisões da
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(RODRIGUES, 2014), esse artigo é também recepcionado na Constituição de 1946. E por fim, a
Constituição de 1967, quando por uma Emenda Constitucional nº1 de 1969 expressa em seu Artigo
198 §1º, que as terras habitadas pelos “silvícolas” são inalienáveis, sendo nulo o ato que desrespeita
isso, ou seja, o ato não gera qualquer direito, porquanto os seus efeitos se dissolvem “ex tunc” – os
efeitos da anulação retroagem a todos os atos anteriores- desde o momento em que tenha sido
decretada a sua nulidade. (AMADO, 2015)
Em 1973 foi criado o Estatuto do Índio. Com sete títulos, é uma junção de todas as normas de
direito civis e políticos que versavam sobre as questões indígenas. “O Estatuto manteve a ideologia
civilizatória e integracionista da legislação do SPI, adotando também o arcabouço jurídico tutelar”
(OLIVEIRA, FREIRE, 2006, p.131).
O que se observa é que embora as constituições tenham garantido a posso e o usufruto
exclusivo das Terras Indígenas, a política indigenista no Brasil caminhou com o caráter de tutela,
civilizatória e integracionalista até a Constituição de 1988. Nos anos de 1980, no processo de
redemocratização do país após o fim da ditadura militar, inicia-se um processo de luta por direito das
minorias na agenda política institucional. Com muita luta política que envolveu indígenas, defensores
dos direitos indígenas incluindo intelectuais, antropólogos, juristas, movimentos sociais, a
Constituição de 1988 trouxe considerável avanço para o caráter das políticas indigenista existente
até então, sendo um marco histórico de avanço na luta por direitos. Fundamentada na Convenção
169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) a Constituição Federal de 1988 institucionaliza
um Estado formado por uma pluralidade étnica e multicultural. Protegendo e valorizando as
diferenças ao traçar o reconhecimento das instituições indígenas próprias, submetidas apenas ao
marco jurídico do Estado soberano.
O artigo 231 da Constituição Federal de 1988 ao reconhecer a organização social, os
costumes, línguas, crenças e tradições indígenas, reconhece uma pluralidade étnica no Brasil pautada
no auto reconhecimento, instituindo assim, uma proteção especifica para esses povos. Foi com essa
Constituição de 1988 que o Legislador adotou a concepção de Terra Indígena como necessária para a
sobrevivência física e cultural desses povos. As terras tradicionalmente ocupadas pelos povos como
bens de domínio da União, são reservadas a propriedade e usufruto dos povos Indígenas, lhes
assegurando a posse permanente e a riqueza existentes nessas terras. (SILVA, 2011). “Por isso são
inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis. ” (SILVA, p.854, 2011).
Silva (2011), define ainda que os direitos indígenas sobre as “terras que tradicionalmente
ocupam” expressa no artigo 231 da Constituição Federal de 1988, encontra a sua base conceitual
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nesse próprio artigo ao expressar que as terras tradicionalmente ocupadas são: “as habitadas em
caráter permanente”; “as utilizadas para suas atividades produtivas”; “as imprescindíveis à
preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar” e as “necessárias à sua
reprodução física e cultural”. Ocupação tradicional indígena expressos nesse artigo, devem ter como
parâmetro o modo de produção e ocupação dos próprios povos indígenas. Ou seja, terão tradução
das próprias categorias indígenas.
Não se tratando de uma definição temporal, de terras imemoriais, ou seja, de terras
ocupadas desde a origem desses povos, onde a memória já não alcança mais, sendo incompatível
com a concepção de Direito Originário sobre essas terras, que são de garantias desses povos antes da
existência dos títulos de terras, diferindo da forma de aquisição de propriedade que se tem no
Direito Civil, já que são guiados pelo instituto do indigenato. (SILVA, 2011)
Com a Constituição de 1988 versando sobre o direito dos povos indígenas sobre a terra que
tradicionalmente ocupam, lhes garantindo o direito de posse, surge à chamada “indústria de
indenizações”. Quando particulares exigem vultosas indenizações ao Estado para a desocupação das
terras destinadas para a construção do Parque Indígena do Xingu, pertencentes ao estado do Mato
Grosso os particulares alegam que foram vendidas e exigiam pagamentos de indenizações para a sua
desocupação e demarcação.
Com um baixo contingente profissional para atuar nas causas, traça-se como solução a
elaboração de um “protocolo de intenções” entre a Procuradoria Geral da República (PGR) e a
Associação Brasileira de Antropologia (ABA) para inicialmente solucionar a chamada “indústria de
indenizações”. Esse protocolo encontra-se amparado na Constituição de 1988, quando em seu art.
129, § 5º define que cabe ao órgão “defender judicialmente os direitos e interesses das populações
indígenas”. Mais tarde tal protocolo se consolida em um convênio institucional, criado em julho de
1987, em que a ABA através de um acordo com PGR, passe a realizar estudos, pesquisas e elaboração
de laudos antropológicos periciais, que auxiliem na função judicial e extrajudicial do órgão, nas
questões que versem sobre os povos indígenas e quilombolas (GONÇALVES, 1994).
Regida pela Lei nº 13.105/2015, a Prova Pericial tem a função de auxiliar o magistrado nos
casos em que a matéria dependa de um conhecimento técnico e científico especifico que o juiz não
possui para a tomada de decisão. Nesses casos, o magistrado deverá ser assistido por perito ou
“órgãos técnicos ou científicos”, podendo ser requisitado de ofício pelo juiz ou a requerimento das
partes. O Laudo Antropológico é então o resultado de uma perícia, uma peça jurídica em que é
apurado uma situação ou fato que é indispensável conhecimento antropológico para compreensão,
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respondendo aos quesitos estabelecidos em juízo (SANTOS, 1994). Estes não se confundem com os
relatórios circunstanciados de identificação e delimitação, que criadas pelo Poder Executivo, são da
política indigenista e da FUNAI, já os laudos criados na esfera do poder judiciário, formam os
processos e conflitos sociais judicializados. (FERREIRA, 2015).
Compreendendo que o contexto histórico e político altera e determina a relação entre
ciência e o Estado, traçando as possibilidades e limites da produção antropológica nessa esfera. Se
antes essa relação estava marcada pela Constituição de 1988 que revela um reconhecimento de uma
série de direitos sociais e políticos, hoje essa relação acompanha fortes modificações que não torna a
aplicação do marco temporal um caso isolado, mas uma avalanche de mudanças fruto de um
contexto histórico que também se registra na instituição da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI),
em novembro de 2015, para investigar a atuação da FUNAI e do INCRA na demarcação de terras
quilombolas e indígenas.
O Marco temporal não só traça mais uma disputa de terra que marca a história do nosso
país. É um caso que trouxe como pano de fundo uma série de debates que reavalia os instrumentos
metodológicos e os saberes utilizados até então para efetivação dos direitos indígenas, trouxe uma
forte repercussão antropológica que merece ser investigada. Não como um conceito novo do campo
jurídico que há anos tenta mitigar os direitos constitucionais dos povos indígenas, mas como uma
tentativa de institucionalização de um retrocesso que nos exige um outro tipo de reflexão
antropológica, retomando debates que pensamos haver superado.
Diante disso, o artigo visa em um primeiro momento trazer algumas discussões suscitadas
pelos Laudos Antropológicos demostrando os limites e as similitudes que essa articulação entre a
produção antropológica e a ação judicial traz, mostrando que embora seja um cenário que enfrenta
embates metodológicos e conceitual, os Laudos tem cumprindo o desafio de concretização dos
direitos indigenista. Em um segundo momento, algumas discussões em torno do conceito
antropológico de territorialidade a partir de Paul Little e Dominique Tilkin Gallois, por partir da
hipótese que o Marco Temporal desconsidera tal conceito adotado pela Constituição de 1988 para a
efetivação dos direitos constitucionais indigenistas, e pôr fim, e ao decorrer do artigo, alguns
palpites iniciais, suscitando antes de tudo questão que não pretendem aqui serem respondidas, mas
marcar um início da caminhada dessa pesquisa.
Para iniciar a discussão em torno dos Laudos, início com um dos desafios traçado por esse
instrumento que é a interseção da noção jurídico-formal e a ciência antropológica para aplicabilidade
dos direitos indígenas. Além das semelhanças estão em jogo procedimentos de trabalho e
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compreensão cientifica distintas, que podem levar ao que Almeida (2008) chama de “solidão
do antropólogo”. Umas das diferenças marcadas pelo autor seria que enquanto na etnografia os
dados são construídos e as evidencias relativizadas, para a esfera jurídica a prova é “auto evidente”,
pronta, bastando ser coletado, “um impressionismo” do positivismo em que tudo pode ser à
primeira vista revelado, enquanto os antropólogos relativizam os documentos, por exemplo, sempre
suspeitando dessas certezas reveladas à primeira vista, ao colocar a perícia como um campo de
disputa, “um jogo de poder”. Cabendo ao antropólogo, com sua produção, ir transformando o
pensamento ainda calçado nas ciências naturais que prevalece no judiciário e não a ele ceder
(ALMEIDA, 2008).
O Marco Temporal parece atualizar esse debate de “luta contra os positivistas e o empirismo
vulgar” na medida que inaugura uma noção jurídico formal superada pela antropologia e pela própria
constituição de 1988, um novo que já nasce velho e é retomada nessa avalanche de retrocessos. Se
antes tínhamos um “antropólogo solitário”, mas que no campo conceitual travava as mediações, com
o Marco Temporal o que inicialmente observamos e nos perguntamos é se há uma tentativa de
retirada da antropologia desse jogo decisório.
Embora o antropólogo não tenha o poder de decisão, nem caiba atestar a identidade de um
grupo, a disposição de seu saber tem sido um grande peso para as decisões judiciais, não sendo raro
os argumentos antropológicos usados pelos ministros do Supremo Tribunal Federal. Entretanto, o
contexto histórico e político tem traçado mudanças, que inicialmente nos parece, que com o Marco
Temporal se quer não só traçar um critério que vem atingindo concretamente a vida dos povos
indígenas, mas também questionar o lugar do saber antropológico nesses espaços de decisões.
Bourdieu (1989), compreende que o “campo jurídico” exerce o papel de criar e manter a
ordem social. Esse campo não é uma esfera autônoma, mas uma instância formada por relações de
poder que a estrutura e define outras relações. Um campo que se constitui por uma retorica de
neutralidade e imparcialidade o tornando singular e imune das pressões sociais. Suas decisões como
universais e imparciais mascaram as relações de poder que as formam. Um “Campo Jurídico” que
possui hierarquias internas lutando para traduzir e dizer o Direito.
Disputas judiciais que por vezes se recorrem a perícia, como para a caracterização da
definição de ocupação indígena, o sentido de tradicionalmente ocupadas, que são categorias
antropológicas inauguradas na constituição de 1988, que se por um lado trazem desafios aos
antropólogos na compreensão do sistema processual jurídico e de sua hermenêutica, por outro,
traçam inovações profundas para o “campo jurídico”. O artigo 231 contem expressões e categorias
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antropológicas que não fazem parte do universo jurídico e por isso carecem de interpretação, por
isso a palavra do antropólogo tem um peso significativo. DALLARI (1994)
Nesse sentido, DALLARI (1994) vai afirmar que está nova situação dos povos indígenas com a
promulgação da constituição de 1988, mais especificamente no seu artigo 231, revela um avanço no
direito positivo brasileiro, que não serão aceitas passivamente incorrendo resistência também pelo
poder judiciáro. O que nos revela que não foi uma inovação fácil e sua aplicabilidade sempre foi
minada por um campo de disputa. O Marco Temporal é um exemplo da constância dessa não
passividade.
Um outro desafio traçado ao longo da história em torno do tema dos Laudos Antropológicos
é o de imprimir uma produção cientifica em um instrumento de caráter técnico. Esse debate nos faz
lembrar a Aracy Lopes (1994), quando para autora, a produção antropológica é “aplicável” aos
quesitos exigidos na perícia judicial para a produção de prova, por possuir um domínio sobre os
dados exigidos (LOPES, 1994).
Para a autora a antropologia é a única ciência capaz de compreender a realidade desses
povos. Isso porque, desde o seu surgimento escolheu esses povos como seu objeto de pesquisa.
Construindo uma história de formação metodológica e teórica junto a esses povos. Coloca ainda,
dois pontos importantes presentes na pesquisa e pratica antropológica que traça o dever do
antropólogo de produzir perícia judicial que versem sobre os povos indígenas: a capacidade do
antropólogo de adentrar em um universo que não pertence, através da observação participante e do
trabalho de campo; e o da “exterioridade”, em que o antropólogo é capaz de traçar um
“distanciamento crítico” para a produção e interpretação objetiva dos dados (LOPES, 1994).
Os quesitos trazidos pelas partes e pelo judiciário para a construção do Laudo Antropológico,
muitas vezes versam sobre as formas de organização social, relações de parentesco, questões
demográficas, com o intuito de revelar o direito desses povos sobre seus territórios. Temas que
frequentemente são discutidos e analisados pelos antropólogos. Exigindo referencias teórica e
práticas metodológicas típicas da disciplina para elucidar as questões formuladas. (NETO, 1994).
O antropólogo perito deve traçar uma produção pautada no rigor metodológico e teórico da
própria disciplina. O Laudo pericial é fruto de questões e práticas da esfera jurídica e administrativa,
presentes nos quesitos a serem respondidos pelo perito, que passam a ditar a pesquisa
antropológica, sem, no entanto, ser objeto de investigação da antropologia, da teoria antropológica
ou por iniciativa acadêmica, aceitas tacitamente pelos antropólogos. Entretanto, não pode o
antropólogo incorrer na “etnologia espontânea”, deixando sua pesquisa ser definida por esses
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quesitos. Os Laudos devem traduzir as “categorias e práticas nativas” que formam o grupo étnico em
questão. Com um “rigor conceitual e vigilância metodológica” próprias da antropologia. Esses são os
aspectos que só a antropologia é capaz de traduzir (FILHO,1994).
A articulação entre a produção antropológica e a ação judicial não é harmônica e surge em
um determinado contexto histórico de redemocratização. Sugerindo aqui, como João Pacheco
afirma, um “tom geral de problematização”, pensando as similitudes e os limites desse cenário.
Poderia trazer outras problemáticas, como a do prazo judicial, o debate ético em torno do contra
laudo, por exemplo, mas pensei em ressaltar esses elementos por acreditar serem mais centrais para
o debate do Marco Temporal.
E por fim, o aspecto da territorialidade. Paul Little (2004) ao utilizar o conceito de “povos
tradicionais” como um conceito que aglutina uma variedade de realidades fundiárias a partir de suas
semelhanças nas lutas fundiárias e articulações políticas e sociais em um cenário comum de Estado
nação, captadas pela antropologia da territorialidade, definiu territorialidade como “ o esforço
coletivo de um grupo social para ocupar, usar, controlar e se identificar com uma parcela especifica
de seu ambiente biofísico, convertendo assim em território”p.253. Como resultante das condutas de
territorialidade de um “grupo social”, compreensão do território desses povos só se dará a partir da
história e dos processos políticos, sociais e simbólicas, que estabelecem com o lugar em que habita.
Para isso, utiliza o conceito de “Cosmografia” como sendo os “saberes ambientais, ideológicos e
indenitários” que são coletivos e históricos, utilizados para a construção do território. (LITTLE, 2004).
Portanto, diferem da ideia de originalidade e imemorialidade, e traz à tona a noção de
pertencimento local, exigindo da análise antropológica uma abordagem etnográfica capaz de revelar
à diversidade de expressões e particularidades socioculturais, com a diversidade dos territórios que
surgem em “contextos intersocietários” diferentes. (LITTLE, 2004). Traçando assim, uma concepção
que diverge da possibilidade de se traçar um elemento estático e temporal, para o reconhecimento
dos direitos dos povos indígenas, como quer o Marco Temporal.
Como as frentes de expansão, que traçam uma história de resistência à hegemonia territorial
do Estado-nação com sua forma de territorialidade vinculada ao “fenômeno do nacionalismo” e
soberania, através de diversas concepções de territorialidade presente na memória coletiva desses
povos e que são dinâmicas e resultantes de diversos processos históricos (LITTLE, 2004).
Afirma ainda, que a noção jurídica de “Terras indígena” posta pelo Estado é o
reconhecimento institucional da diversidade étnica e territorial no Brasil, com ritual e uma series de
dispositivos jurídicos específicos. (LITTLE, 2004).
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Dominique Tilkin Gallois (2005), afirma que a convergência entre o conceito jurídico político
conduzido pelo Estado de Terra Indígena tradicionalmente ocupada e a compreensão antropológica
de territorialidade presente de diferentes formas nos povos indígenas, é um desfio posto desde a
constituição de 1988, mas que ao meu ver é recolocado na agenda pela atual Tese do Marco
temporal.
A autora afirma, que embora exista diferenças, o ártico 231 seria uma similitude na medida
em que a Constituição Federal ao reconhecer aos índios os “direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam” implica que o entendimento de tal artigo perpassa por categorias e
práticas dos povos indígenas, que se levem em conta os “usos e costumes e tradições” de uma forma
particularizada de cada povo. O artigo ainda define, que as terra indígenas seriam aquelas:
“ocupadas tradicionalmente em caráter permanente, utilizadas para suas atividades produtivas, as
imprescindíveis para a sua preservação dos recursos ambientais necessárias a seu bem-estar e as
necessárias à sua reprodução física e cultura”. Exigindo assim, dos antropólogos em seus relatórios e
laudos, que evidencie “diferentes logicas espaciais”, para a identificação, reconhecimento,
demarcação e homologação das terras indígenas.
A ocupação tradicional se refere assim, ao modo de ocupação, sendo desprovido de
referência temporal, já que a constituição a preferiu frente à “imemorialidade” da ocupação indígena
em determinada região. Não cabendo para a caracterização do modo de vida indígena e de sua
tradicionalidade a ideia de antiguidade, muito menos, um tempo com data e dia certo.
Os estudos antropológicos voltados para a questão da territorialidade indígena, em suas
diferentes dimensões, recuperam a história da ocupação da terra, com o objetivo de trazer os
aspectos culturais relevantes para ocupação territorial indígena. Aspectos econômicos, políticos,
cosmológico ou religioso são por vezes necessários para compreender a forma de habitação desses
povos. Compreendendo a ocupação territorial desses povos como um espaço social, histórico e
ecológico, que seja capaz de garantir sua existência, identidades e valores. Não se pode esconder a
história da colonização que atingiu as populações indígenas brasileiras, nem muito menos as políticas
de Estado que implicaram na expulsão, na remoção e na pressão para que as populações indígenas
abandonassem ou deixassem seus territórios. (GALLOIS, 2005).
Para autora, a territorialidade torna possível recuperar de forma central a história que
constrói a ocupação da terra de um povo, tornando nítido as experiências e os elementos culturais
acionados em uma “gestão territorial indígena”. Isso porque, se por um lado, há possibilidade da
inexistência de conceitos indígenas a respeito de seus territórios, por outro, nenhuma sociedade
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existe sem expressar uma “logica territorial”. (GALLOIS, 2005). Sendo assim, a dimensão da
territorialidade para a autora, carrega elementos ambientais, econômicos, ecológicos, culturais e
históricos, traçando uma diversidade que a antropologia se esforça para adequar o direito.
Trazer à tona essas concepções de território é antes de tudo, para pensar como um conceito
capaz de revelar outros territórios existentes no Estado que representa um desafio para atual
concepção territorial do oficial que não dá conta dessa pluralidade. Tal conceito é capaz de revelar
outras formas de ser, estar e compreender o mundo, em que historicamente vem se traçando
mediações, como no próprio conceito de Terra Indígena que é uma categoria jurídica criada para
ligar com os povos Indígenas, para não citar apenas os laudos que compreendemos como
instrumento de intermediação.
O Marco Temporal é uma quebra desse processo de mediação e se coloca como um desafio
antropológico, tendo em vista o comprometimento antropológico em defesa desses povos, para
trazer um debate ético.
A ideia aqui é trazer as diferentes forças internas de cada grupo expressadas nesse conceito
de territorialidade, com suas grandes variações no tempo e nos elementos culturais, como os
costumes, rituais e valores, com as exigências externas traçadas pelo Marco Temporal. Em que não
faz sentido a exigência de uma coincidência entre as diversas autoclassificação existentes e uma
classificação temporal do Estado, já que as identificações étnicas se dão em um contexto situacional,
e não de forma cristalizada e permanente.
Uma reflexão que é também a necessidade de se manter uma autonomia, em que as
categorias jurídicas não substituam as etnográficas, como seu fundamento último.
A relação das ciências jurídicas e antropológica para a efetivação dos direitos indígenas só foi
possível de ser concretizada em um cenário marcado por mudanças e disputas que resultaram na
elaboração da constituição de 1988, uma convergência entre suas instituições jurídica e
antropológica que resultaram em mudanças que reimprimem essas ciências.
Portanto, o Marco Temporal inaugura um novo capítulo na história dos direitos indígenas, já
que a dimensão observada e trabalhada pelo saber antropológico, ciência que traduz a dimensão
relacional que as populações indígenas estabelecem em seus territórios vem sendo substituído por
um critério temporal e estático. Os laudos encarados como um instrumento capaz de traçar a
intersecção entre o conceito jurídico de Terra Indígena tradicionalmente ocupada e o conceito
antropológico de territorialidade para efetivação dos direitos indígenas, com a aplicação do Marco
Temporal parece busca uma retirada do saber antropológico desse campo decisório.
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A formação da missão
A Missão Paru de Oeste ou Missão Tiriyó nasce por iniciativa do Governo brasileiro,
cujo intuito era assegurar o seu domínio na região de fronteira, buscando manter íntegras
as riquezas naturais frente às muitas investidas de exploradores estrangeiros. Representados
pela Força Aérea Brasileira, a FAB, esses militares contaram com os serviços dos missionários
franciscanos para estabelecer um “contato amigável” com os indígenas habitantes da região,
devido a sua experiência na socialização dos índios Munduruku. Segundo um relatório
enviado à FUNAI em 1968, o objetivo dos agentes era reunir os indígenas próximos ao posto
militar, estabelecendo uma reorganização da economia tradicional através da introdução da
formação religiosa, produtiva, educacional e econômica. Esse projeto tinha como objetivo
inserir os Tiriyó nos moldes da economia não-índia, capacitando-os para um futuro contato
com outros brasileiros. Isso se tornou mais claro no acordo firmado em 1963, intitulado
‘Trinômio’, que era uma parceira entre a FAB-missão-índios, onde “...a FAB procura a
colaboração de instituições missionárias de reconhecida capacidade e experiência na obra
de aculturação indígena” (HAAS, 1968, p. 2). O trinômio Tiriyó não era o único, pois outros
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Uma oficina mecânica, uma serralharia, uma olaria, dois veículos unimog, um
trator para a agricultura, uma draga, uma turbina (desmontada), uma
farmácia bem sortida, uma pequena padaria, um arranjo com doze máquinas
de costura (onde as mulheres e moças índias aprendem ‘corte e costura’
simples), uma granjinha para criação de galinhas, peru, patos e porcos, hortas
para verduras, luz elétrica, água encanada (com bica [sic]publica para a
população da aldeia), uma descascadeira de arroz, uma desnatadeira (para
fabricação de manteiga), um pequeno frigorífico (FRIKEL, 1970, p.17).
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nada de graça, pois não achavam que seria educativo se assim o fizessem. Os índios
trabalhavam nos diversos serviços que a missão oferecia, compravam comida e utensílios no
barracão da missão. Essa inserção de produtos industrializados no meio indígena gerou
como afirmou Gallois (2000), uma dominação por parte dos agentes de contato, afetando
diretamente a organização interna e suas relações políticas de sociedade.
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os agentes não romperam com o Patá-entu, pois estrategicamente essa relação era
importante. O religioso e pesquisador Protásio Frikel, que acompanhou o processo de
transformação dos Tiriyó no Brasil, identificou que a dinamização da vida social competia ao
grupo dos homens e que
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ligados ao sistema de trabalho, como fixação dos Tiriyó num mesmo local, habitando há mais
de 20 anos e, portanto, ecologicamente esgotado” (Idem, p.205). Esse aspecto foi
identificado pelo engenheiro agrônomo no seu relatório em 1973. A situação de Missão,
como fora pensado, gerou escassez de alimento e uma dependência de produtos
importados pelos indígenas. O engenheiro escreveu que devido à carência alimentar
“aparecem sinais de dissolução da Missão com a emigração temporária de parte da
população e a criação de novas aldeias, algumas das quais já ficam bem distantes da aldeia
Tiriós”. (ELFES, 1973, p. 7)
Para o antropólogo Ricardo,
No começo dos anos 70, ocorreu uma incipiente descentralização, causada pela
insatisfação da maior parte dos Tiriyó e Kaxuyana, e por problemas de alimentação.
Frikel explica que não sabe de quem, se dos missionários ou dos índios, surgiu a
idéia de uma descentralização. Mesmo assim, parece que quem tomou a iniciativa
foi o chefe Yonaré. Depois dele, outros chefes de família saíram da missão, fazendo
roças e construindo casas a certa distância da sede (de 4 a 18 km). Surgiram assim
as aldeias de Awiri, Acahé, Wakapu,
Paimeru e outras. (RICARDO, 1983, p. 193)
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O que ocorreu, na realidade, é uma falta de apoio por parte dos missionários, ao
chefe tradicional, por uma série de razões, entre as quais o fato de que este vive
numa família poligâmica e que também sempre se mostrou distante e cético em
relação às novas normas religiosas estabelecidas na Missão. Atualmente, existe
uma certa tensão no que diz respeito à liderança, propagada pela dimensão
existente entre a FAB e a missão. Se esta apóia Naxau, diácono e pregador, como
líder do grupo, os funcionários da FAB na área (subordinado ao major Farias) estão
tentando dar apoio ao líder tradicional Yonaré, oferecendo-lhe vários presentes
(ração diária de café e bolachas, por exemplo) e promovendo reuniões na sede da
FAB, dele com homens mais velhos da aldeia. Este apoio visa enfraquecer o
prestígio da missão, com os funcionários da FAB promovendo uma campanha para
que os índios solicitem um posto da FUNAI na área, o que eles mesmos recusaram
em 1980 (RICARDO, 1983, p. 193).
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Paruaka, distante da missão 19 km. O motivo da sua retirada deve-se ao acesso a água nessa
nova aldeia (STUECKER, 2000).
Naquela década, surgiram diversas aldeias como o caso de Acahé a 16 km, Muneni 7
km, Oroientu 16 km, “Orokofa (8 km da grande aldeia); Oköimo(15 km); Yamaraima (9 km);
Wanamã (35 km); Thaentu(7 km); Tarotofö (6 km); Antawa (6 km); Totapata (3 km); Arawata
(4 km); Missão Velha(2 km); Notüpo (9 km) e Cuxaré (85 km)”. (Idem, p. 6). As aldeias que se
estabeleceram próximas à Missão, mantinham-se ligadas por meio de estradas abertas pelos
agentes missionários em parceria com os índios, podendo locomover-se a pé, de bicicleta, de
moto e de carro. Os indígenas, de certo modo, estavam ligados diretamente com a
programação existente na Missão, quanto ao estudo, trabalho e atendimento médico. As
aldeias mais afastadas, principalmente Cuxaré a 85 km, recorreram à FUNAI exigindo o
direito da criação de uma pista de pouso, devido às dificuldades naturais na região. A via
fluvial tornara-se difícil pela existência de cachoeiras, obrigando os viajantes a cumprir o
trajeto com alguns dias. Outras exigências feitas ao orgão indigenista oficial, aconteceram
com a solicitação para criação de gado, a construção de uma escola e de um posto da FUNAI
naquela aldeia.
A criação das aldeias aconteceu seguindo o curso do rio Paru de Oeste, exceto a
Aldeia Cuxaré criada ao longo do Igarapé Cuxaré, por Frei Paulo e o índio Avery. Frei Paulo
inseriu o gado naquela aldeia, capacitando os indígenas na produção de queijo e manteiga.
Devido a distância dessa aldeia para a Missão, o religioso passava mais tempo entre os
indígenas para melhor lidar com o gado. As outras aldeias eram atendidas pelo missionário
por meio de uma moto.
A formação de novas aldeias significou para os indígenas uma maior liberdade.
Todavia, essa ação não significava um rompimento com os agentes, mas pelo contrário os
índios sabiam que os frutos daquela relação eram bastante proveitosos, possibilitando-lhes a
manutenção e aquisição de novos produtos industrializados, realizando entre ambos trocas
de experiências.
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Segundo o pesquisador Ricardo, nas décadas de 1970 e início de 1980, a FUNAI foi
acionada por alguns índios, Achefa e Antônio Tiriyó, ambos apoiados por Yunaré, o Patá-
entu. Esses indígenas recorreram à FUNAI denunciando a “falta de projetos econômicos na
área e das precárias condições de subsistência em que se encontram os índios da missão”
(Idem, p.209). O grupo fazia oposição ao projeto de Missão instalado na região, solicitando a
retirada dos Franciscanos alemães, porém sempre voltando atrás da decisão. Outro meio
encontrado por Antônio foi o jornal, onde denunciava a precária assistência dos religiosos às
novas aldeias e a missão (O Liberal, 1985). Como notamos, para obter solução aos problemas
que enfrentavam, os indígenas usaram dos mesmos artifícios legais que estavam nas mãos
dos não-índios.
Muitas vezes Achefa viajou para sede da FUNAI em Belém na busca de apoio para
aldeia de Pedra da Onça, que fundou em 1977. Nas viagens apresentava o seu artesanato,
buscando livrar-se dos missionários como intermediário, com a finalidade de adquirir
melhores preços. O seu objetivo por meio do apoio externo era conseguir a “abertura de um
campo de pouso na aldeia, a instalação de um posto da FUNAI e um projeto de criação de
gado” (RICARDO, 1983. p. 209).
Em resposta a um documento em 1982, o Delegado Regional da FUNAI escreveu para
Frei Prudêncio Kalinowski, representante da Missão em Belém, sobre as reinvindicações de
Antônio Tiriyó junto ao órgão indigenista para que fosse criado na Missão um projeto de
cantina, coleta de castanha e de garimpo (SANTOS, 1982). Quanto ao garimpo, a ideia de
explorar no Parque não foi aceita. Alguns soldados mantinham esporadicamente
garimpagens na região, influenciando os indígenas a exigir junto ao governo a permissão de
garimparem em suas terras.
Antônio Tiriyó destacou-se por defender os interesses do seu povo em Brasília,
principalmente contra o avanço de garimpeiros na área do Parque Indígena do
Tumucumaque. No caderno sobre os Tiriyó lançado em 1968, do jornal A Província do Pará,
existiam relatos de que aviões estrangeiros sobrevoavam a região, contrabandeando ouro e
fazendo muitos garimpeiros se aventurar nessa procura (CAVALHEIRO, 1968). Numa carta
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endereçada a Frei Angélico, responsável pela Missão na década de 1980, Antônio Tiriyó
denunciava sobre a presença de 50 garimpeiros na área do Parque e solicitava prontamente
o patrulhamento do território pela FAB. Essa informação foi repassada por meio de um
encontro com o líder Apalaí, João Aranha, povo com quem os Tiriyó dividiam o Parque
Indígena do Tumucumaque. João Aranha o informara que os garimpeiros entraram na
reserva pelo Amapá. Antônio Tiriyó pediu a Frei Angélico que avisasse ao Major Brigadeiro e
ao seu povo sobre essa presença. Segundo o seu relato na carta, em Brasília buscara
assessoria do advogado do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), e tentou audiência com
o Presidente da FUNAI, mas não fora atendido (Antônio, 1984).
Como podemos analisar a situação de Missão não tornou os indígenas passivos, antes
pelo contrário, se tornaram sujeitos de sua própria formação, interagindo com o órgão
indigenista oficial e com instituições que pudessem defender a sua causa. Maria R. Celestino
em Os índios na História do Brasil, ressalta a importância dos indígenas conhecerem os
códigos culturais não-índio. Segundo a autora, o domínio sobre lei, língua e política não-
índia, foi crucial para a sobrevivência de diversas etnias ao longo dos séculos, levando em
consideração o interesse econômico sobre as suas terras. O pesquisador Ricardo afirmou
que Antônio Tiriyó após tentar junto à Brasília, não sendo atendido, via como possibilidade a
assistência de missões evangélicas nas novas aldeias, pois pretendia pedir
Apoio a missões evangélicas como a Missão de Antioquia, com sede em São Paulo,
que reúne missionários Batistas, Presbiteriano e da Congregação Samuel de Deus.
Este apoio se concretizaria através de um projeto de assistência que abrangeria as
áreas de saúde e de educação assim como criara condições para a implantação de
criação de gado e extração mineral... (RICARDO, 1983, p. 209).
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ponto prático essa parceria seria inviável, devido o exclusivismo de contrato obtido pelos
Franciscanos, impossibilitando outra interferência religiosa.
A assistência fornecida aos tiriyó __ no que diz respeito tanto aos métodos quantos
aos programas e sua aplicação __ está totalmente dirigida pela missão Franciscana.
A FAB, que não tem nas suas atribuições a interferência direta junto aos índios,
limita-se ao apoio logístico. A FUNAI limita-se a inspecionar a área de vez em
quando, omitindo-se na administração e na demarcação do Parque Indígena do
O Parque do Tumucumaque
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discutia a possibilidade de uma desativação do Parque e uma nova criação de duas reservas
indígenas no lugar. Seria uma reserva para os Tiriyó e a outra Wayana-Aparaí. Com a criação
desse projeto os Tiriyó perderiam boa parte do seu território e ficariam com a área do
entorno da Missão.
Em 1985, o jornal O Liberal publicou a manifestação dos indígenas exigindo da FUNAI
a demarcação daquela área, ameaçada de invasão por algumas mineradoras e grileiros. Em
entrevista concedida à redação do jornal, o Capitão Antônio Tiriyó, assim intitulado, revelou
uma série de documentos que expressava a mobilização daqueles indígenas pela
demarcação de 2,3 milhões de hectares. Nessa matéria, onde se exigia a demarcação do
território Indígena, também denunciaram o trabalho oferecido pelos Franciscanos na Missão
Paru de Oeste. A denúncia referia-se à falta de atendimento nas missões recém-formadas,
principalmente em Acapu, Awiri, Acahé, Cuxaré, Castanheira, Pedra da Onça e Paimeru.
Segundo o indígena, essas aldeias não recebiam assistência médica, escolar e outros
serviços, sendo obrigados a viverem isolados. Quando necessitavam de alguma coisa tinham
que recorrer à FUNAI em Belém (O Liberal, 1985. não paginado). Na sua denúncia, Antônio
exigia um diretor para o Parque, e esse cargo poderia ser ocupado tanto por um indígena,
como por um não indígena. O seu dever seria proteger aquela terra do interesse agrícola e
agropecuário, conservando o interesse de seus habitantes na região.
Considerações finais
A mobilização daqueles indígenas não se limitou a uma disputa interna, muito pelo
contrário, observamos o desenvolvimento de uma política externa, pois afirmavam suas
expressões socioculturais frente ao projeto de ocupação missionária e diante daqueles que
tinham interesses na exploração da terra que habitavam. Contudo, a participação indígena
na missão significou de certo modo uma estratégia de sobrevivência. A relação com os
agentes proporcionou uma ressignificação dos costumes, assim como uma apropriação do
direito na nova sociedade, onde esses indígenas na condição de cidadãos passaram a exigir
do Estado assistência no que toca à saúde, educação, mobilidade, direito a terra e
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tumucumaque/> acesso em 15 de fev. 2016, 10:00:10.
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Tumucumaque. Carta do Diretor da diretoria de Patrimônio Indígena para o lider Antonio
Tirio. Belém, 25 de abr. de 1985. (Arquivo Provincial, Recife.Multimídia).
FRIKEL, Protásio. Dez anos de aculturação Tiriyó: 1960-70. Belém: Publicações Avulsas do
Museu Paraense Emílio Goeldi, n.16, 1971.
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Emílio Goeldi, n.14, 1970.
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O presente artigo tem com desígnio principal falar do processo de cristianização dos
povos indígenas na América do Sul nos séculos XV e XXI. Tendo como alicerce de estudo a
problematização da catequização dos colonizadores e principalmente da resistência dos
povos indígenas, trataremos desse fato categoricamente nas visões: do colonizador e do
colonizado. O colonizador como instrumento da casualidade de ser o responsável pela
descoberta de tal terra sem cultura e civilidade e o colonizado que sem nenhum
entendimento dessa descoberta, resiste até o fim; fim das forças e fim de sua própria vida.
Quando foi atingido pelas navegações europeias no fim do século XV, o continente
americano encontrava – se plenamente habitado desde milênios. Constituía um
impressionante mosaico de povos, línguas e culturas, distribuídas por toda sua extensão
geográfica e continental. (BARCELLOS, 1996 [1947], p. 12)
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Uma civilização já existente, uma terra já habitada, uma cultura exercida em sua
totalidade em plena harmonia entre os seres vivos e os da natureza. Equilíbrio quebrado
com uma nova imposição de doutrinação cultural, religiosa e de civilidade. Tendo em vista
que já havia uma organização social e comunitária nas tribos no Brasil, a título de exemplo,
temos os tupinambás, nas conhecidas como confederações dos tamoios.
Uma imagem construída, projetada e instalada no descobrimento do Novo Mundo.
Imagem essa que Barcellos (1996) nos início da chegada dos desbravadores de terras até
então desconhecidas e não civilizadas. Foi essa dita imagem de escolhidos de Deus, que os
colonizadores tentaram impor suas doutrinas da cristandade aos povos indígenas já
doutrinados em suas raízes religiosas tão existentes e mais antigas que a dos novos
habitantes.
A chegada dos colonizadores, liderados por Colombo, não somente trouxeram seus
modos de vida, suas culturas, suas doutrinas e seus comércios como também trouxeram
suas ganancias, elementos que alteraram o ritmo da vida e resultou na destruição de
inúmeras etnias indígenas no Brasil, assim como alterou o comportamento e obrigou a
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muitos indígenas a se converterem a religião cristã por acreditarem que estavam “salvando”
os índios.
Ao longo da revisão da literatura produzida sobre o assunto, constatamos que os
europeus; em especial, os portugueses; tentaram implementar uma releitura da civilização
europeia no Novo Mundo, afinal, segundo Todorov (2003) a alteridade foi determinante
para o estranhamento e imposição cultural do europeu sobre o autóctone. Todas as
mudanças que foram realizadas através de uma extensão cultural, fortaleceu o império
português, permitindo a abertura de espaços em fronteiras além-mar para que a expansão
do domínio europeu adentrasse em terras tupiniquins, como podemos observar na citação
abaixo:
Séculos se abateriam sobre essas terras e esses povos, como profética catástrofe trazendo a
aniquilação de culturas, civilizações e sociedades inteiramente. De Norte a Sul, todo o
continente seria sacudido pelo frenesi das guerras e massacres, da escravidão, da opressão e
da morte. Sua natureza seria desde então desfigurada, campos e vales transformados em
desertos, rios e regatos iriam converter – se em esgotos e dejetos nocivos à vida.
(BARCELLOS, 1996 [1947], p. 45)
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Aos olhos dos jesuítas, a catequização era mais que necessária em sua visão
contemporânea. Entendia que deveriam dar cultura, civilidade a esse novo povo de base
arcaica perdida no tempo vigente. É nessa linha de pensamento que os colonizadores
cristãos, tendem a focar no trabalho de cristianização dos povos indígenas dando
continuidade a obra de Deus em ser pregoado por toda criatura, mesmo que seja de livre
aceitação ou imposição.
“A universalidade deste orbe se viu ameaçada com a descoberta de regiões enormes, brutas,
selvagens, naturais, cujas populações não falavam línguas cristãs, não conheciam a Deus, em
tudo destoando os fiéis. Afrontavam – se a verdade! Era preciso que se dominassem as
forças adversas, sob o julgo do espírito do mal, e se lhes anunciassem a salvação... havia
urgência de anunciar a palavra da salvação, para que, crendo, fossem batizados e
ingressassem no mundo verdadeiro, e não crendo, fossem castigados e escravizados.”
(Paiva, José. p 23, [1982]
Todos os meios de conversão dos povos novos eram válidos para os fins de
crescimento do reino de Deus. O papel do colonizador era de batizar as “almas perdidas” –
partindo do princípio cristão do século XVI –, quaisquer eventualidades que pudessem
ocorrer posteriormente ao fato consumado da participação dos sujeitos enquanto cristãos,
seria uma questão inteiramente individual e não coletiva, ao seja, depois do batismo o
indivíduo responderia por si mesmo, pelos seus atos de se manter ou não no caminho da
salvação.
Um ponto a ser visto é, que os jesuítas colonizadores da fé cristã, não se impunham a
um só novo modo de cultura religiosa, como também estabeleceram uma nova ordem
vigente de doutrinação administrativa, vinda de uma sociedade imperial, a uma sociedade
livre e desprendida de qualquer meio ligado a regras e preceitos preestabelecidos.
A falta de sensibilidade dos colonizadores no processo de doutrinação religiosa
mediante a imposição severa de sua fé a cultura indígena, teve papel fundamental na
dificuldade e na resistência por parte dos indígenas na aceitação da nova religião. O
protagonismo do índio na história do Brasil, a finalidade desta obra é demonstrar o papel do
indígena no desenvolvimento do território hoje denominado Brasil, mostrando o papel
importante que o índio merece receber por também pertencer à história do Brasil.
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Esses pensamentos que faziam com que a imagem do índio fosse inferior ao do
colonizador foi utilizada por muito tempo, mas como já foram colocados acima, as obras que
trazem o índio ao lugar de destaque, nos mostra que no século XVI ao XIX o mesmo batalhou
para manter sua cultura, sua religião.
Até certo ponto se pensou que pelo motivo da catequização através do colonizador,
o índio perderia sua cultura e começava a pertencer à cultura do colonizador, mais os novos
estudos estão mostrando que houve inúmeras resistências dos povos indígenas, pois cabe
ressaltar que os povos indígenas não eram um povo homogêneo, mas sim, existiam
inúmeros povos.
A civilidade que cada etnia exercia não era a mesma, existiam etnias que na sua
cultura, faziam acordos através de casamentos entre etnias deferentes para se constituir
uma aliança entre ambas, e com os colonizadores para se firmar aliança entre as duas
partes. Essa aliança visada entre as duas partes era para combater os seus inimigos, tanto o
colonizador, quanto o índio faziam essas alianças para se beneficiarem contra seus inimigos.
Entretanto, algumas modificações são realizadas quando da fundação do IHGB, como
veremos na citação abaixo:
O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), fundado em 1838 com a intenção de
criar uma história do Brasil que unificasse a população do novo estado em torno de uma
memória histórica comum e heroica, iria reservar aos índios um lugar muito especial: o
passado. Nesta história, os índios apareciam na hora do confronto, como inimigos a serem
combatidos ou como heróis que auxiliavam os portugueses. (ALMEIDA, 2010, p. 17).
Nota-se que mesmo que lembrados pelo IHGB, os índios foram colocados em
segundo plano, sendo os portugueses como atores principais, esquecendo-se de mencionar
as resistências que os índios exerceram contra os colonizadores naquele instante e com o
passar dos anos. As lutas travadas pelos índios desde os tempos primórdios do território,
hoje conhecido como Brasil, não tiveram fim, em pleno século XX e XXI é visto a luta de um
povo que busca o reconhecimento por uma terra a qual sempre batalharam para exercer o
poder pela as mesmas.
Mesmo através dos conflitos, catequizações exercidas pelos colonizadores desde a
sua chegada, os índios resistiram e resistem até nossos tempos. Para um povo que iria
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desaparecer como alguns estudiosos diziam, pôr o índio passar pelo processo de aculturação
iria desaparecer, vemos através de obras como a da Maria Regina Celestino de Almeida, com
o título: Os Índios na História do Brasil, que os mesmos não desapareceram, mas sim, estão
ganhando destaque na história do Brasil.
Índia wapixana, Joênia foi a primeira indígena a defender uma causa no Supremo Tribunal
Federal. Acontecimento histórico, nas palavras da própria Joênia, que nos convida a refletir
sobre a história dos índios em nosso país. Sem entrar no mérito da questão, cabe assinalar a
atuação de Joênia que, formada em direito, atuou como defensora de seu próprio grupo.
Participou do ritual do julgamento com a toga que a função exige e com o rosto pintado
conforme as tradições de seu povo. Com coragem e determinação, defendeu os direitos dos
índios, que acabaram ganhando a causa.(ALMEIDA, 2010, p. 17).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Introdução
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Para isso, é importante estabelecer exames a respeito do filme que tenta representar
o dizer de um “Outro”. Desse modo, esta pesquisa tem o interesse de pensar de forma
reflexiva como os indígenas Kapinawá de Pernambuco compreendem a relação que se
estabeleceu entre eles e sua representação na imagem, através de análises fílmicas
produzidas sobre este grupo indígena.
Visto isso, como questão ética debruçada na pesquisa social, o recorte realizado nos
filmes produzidos por terceiros deve permitir espaço a uma autoria, também, do grupo
observado e participado. Isto é, essa inter-relação, narrativa etnográfica e linguagem fílmica,
deve ter como objetivo proporcionar um encontro entre as percepções e as memórias dos
sujeitos em seu contexto.
A respeito disto, Eriksen e Nielsen (2007, p. 193) explanam que: “‘Nativos’ são
perfeitamente capazes de identificar a si mesmos e se mostrar cada vez mais avessos a
tentativas antropológicas que se propõem a ditar quem eles realmente ‘são’”.
Por outro lado, os Kapinawá tendo a oportunidade de examinar os filmes,
estabelece-se um encontro do sujeito com uma história rememorada, sendo atribuídos
elementos de identificação por parte desses donos de seu saber.
Portanto, é importante recordar que está se pesquisando não necessariamente os
Kapinawá, mas com os Kapinawá. Além disso, delimita-se para esta pesquisa uma reflexão
sobre os audiovisuais, deixando em segundo plano os dizeres dos produtores das
filmografias e videografias. Pois não se pretende descobrir uma “verdade” sobre os fatos,
mas abrir, na problematização com as imagens que foram produzidas sobre eles, um espaço
de discussão entre os indígenas. Propondo, para este texto, seleção dos dados etnográficos
para análise junto ao grupo pernambucano Kapinawá sobre a atuação do Cimi na arena
desses indígenas.
Esses exames com os indígenas tiveram como partida a pesquisa do autor desse
artigo, Machado (2009), no programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade
Federal de Pernambuco, sob a orientação do professor Doutor Renato Monteiro Athias, que
proporcionou parte das reflexões contidas nesse artigo. Além disto, fui provocado pelo
professor da UFPB Doutor Fabio Mura a pesquisar mais sobre a atuação das missões
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Desenvolvimento
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Atuante em vários movimentos sociais, por volta dos anos 70, o Conselho Indigenista
Missionário foi bastante influenciado pela Teologia da Libertação (OLIVEIRA, 2013), oriundo
do movimento progressista da Igreja Católica Romana no Nordeste brasileiro e com novas
diretrizes . Teve como um dos objetivos estimular as organizações dos primeiros brasileiros
em direção a formação do Movimento Indígena.
Cabe ressaltar também que o “Movimento Indígena é apontado como desenvolvido
durante a década de 1970, ainda sob uma conjuntura de um Governo Militar” (OLIVEIRA, p.
63, 2013). É importante destacar que ainda hoje existem estratégias de outros grupos
(Estatais, religiosos e os com interesses econômicos) para desarticular a mobilização dos
povos.
O trabalho de base do Cimi é formar uma teia política, com formações de lideranças
indígenas e representações em Brasília, sede do Governo. Facilita também o intercâmbio
entre os povos e outras organizações (OLIVEIRA, 2014). Objetivando que os povos
reivindiquem direitos, principalmente o de demarcação de terra. Nessa conjuntura é situada
também parte da história da comunidade indígena Kapinawá. Cuja terra está localizada
entre os municípios de Buíque, Tupanatinga e Ibimirim, interior do Estado de Pernambuco.
A aldeia principal é onde está o posto indígena da Fundação Nacional do Índio (Funai)
e se chama Aldeia Mina Grande, a qual Albuquerque (2005) afirma que é a aldeia onde os
Kapinawá se identificam como “rama nova”, categoria nativa que significa serem
descendentes de indígenas que foram aldeados na Serra do Macaco, no século XVIII, e
formaram a Aldeia Macacos.
O filme em questão, KAPINAWA – wir dürfen wieder Indianer sein, foi finalizado no
ano de 1989 e, de acordo com os Kapinawá entrevistados, possui imagens do início dos anos
1980, sendo seu conteúdo basicamente formado por narrativas visuais e orais relatando a
resistência dos indígenas Kapinawá nas terras em que viviam.
A equipe técnica para a produção do filme foi composta por: Paco Joan, câmera;
Herry Ried, som; Rose Marie Hörl, montagem; Fábio Alves dos Santos, seminarista do Cimi e
conselheiro; Marietta Peitz, roteiro e direção; Carl Bringer e Anton Fellner, editores; HR /
ORF, co-produção; e Adveniat, cooperação.
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sobre a montagem e a encenação no filme: “Esse trabalho tem que mostrar como se fosse os
tiroteio”.
É interessante perceber como os personagens representados como pistoleiros estão
muito próximos dos que atuaram como agricultores, e os tiros não atingem as pessoas. Os
agricultores correm com foices para a esquerda ao escutarem os disparos das armas, junto
com os pistoleiros, mas a cena tem o intuito de representar o confronto.
Nota-se, nessa cena, que a formação do personagem por cada representante da
atuação ficcional não ocorreu de forma elaborada, mas, ao assistirem, os Kapinawá
entendem como cena importante que aconteceu no passado, no local denominado de
Samambaia.
A propósito, a câmera em movimento tem como função enquadrar o deslocamento
dos atores. Aqui, a equipe técnica provavelmente utilizou maquinaria para estabilização de
imagem — o tripé, como foi dito por D. Mocinha (Aldeia Mina Grande) — fugindo do modo
de captação do antropólogo Jean Rouch, que utilizava a câmera na mão. Isto é, Rouch, como
Dziga Vertov, empregou a metodologia da câmara ativa. Próximo a essa perspectiva, Robert
Flaherty utilizava o procedimento da “câmera participante” e do método exploratório.
Interessante é a forma como foi filmada a cena seguinte, a qual apresenta uma índia
— que teve várias identificações divergentes de que pessoa seria (como D. Dalva ou D. Dora,
ambas da Aldeia Mina Grande) por parte dos Kapinawá — explicando, debaixo de uma
árvore, com várias crianças e adultos e formando um grande círculo, o acontecimento dos
avanços das ações dos Fazendeiros.
A partir daí, fui levado a pensar que a cena havia sido idealizada pela equipe
cinematográfica; uma posição / organização didaticamente formada. Entretanto, numa
apresentação em encontro acadêmico, me propuseram a pensar que o círculo seria um
mutirão para debulhar e separar os grãos de feijão, tarefa que existe na Região Nordeste, e
quando o grupo aproveitava para discutir sobre a atuação dos fazendeiros.
Porém, os Kapinawá contemporâneos contam que existia esse tipo de encontro,
contudo o significado atribuído por eles a prática de debulhar e separar grãos de feijão
difere daquela sugerida anteriormente. Uma vez que, segundo os entrevistados, este
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Então, essa locução foi uma forma concebida pela produção alemã como
conveniente para descrever a história do filme às pessoas que entendem a língua germânica.
Nota-se que o filme também descreve, pela narração/locução, o que os produtores querem
expor sobre os contextos filmografados dos Kapinawá.
Um outro trecho a ser destacado é quando a fala de um índio [identificado como Seu
Mané Fortunato por José Vicente (Aldeia Mina Grande)] é cortada e substituída por uma
tradução que diz: “sem a ajuda da igreja, não teria nada”. Nesse momento, é importante
lembrar que a equipe alemã que produziu o filme contactou o Cimi, que é um órgão da
Igreja Católica, para fazer tal produto audiovisual. Fato este que implica no direcionamento
nas narrativas capturadas. Segundo Fábio Santos, coordenador do Cimi / Nordeste:
[...] Claro que o nome do Cimi era divulgado na Alemanha. Naquele país há duas
instituições de arrecadação de dinheiro para os países do Terceiro Mundo. E o Cimi,
creio eu, ainda hoje recebe ajuda dessas instituições alemãs (SANTOS, 2009b).
Ao longo do filme, se observa a presença do Cimi, que atua junto aos povos indígenas
com a proposta de união para seu fortalecimento enquanto grupo. Porém, esse não era o
único propósito desse órgão não-governamental. Nesse sentido, Corrêa de Oliveira auxilia a
pesquisa a entender como se processava o predomínio do pensamento fundamental do
missionário da época:
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professar a doutrina e a lei de Jesus Cristo. Trazer os homens para Igreja é, pois,
abrir-lhes as portas do Céu. É salvá-los. É este o fim da Missão (CORRÊA DE OLIVEIRA,
1978, p. 22 – 23).
No Kapinawa – wir dürfen wieder Indianer sein, o Cimi é representado por Fábio
Alves dos Santos, que incita os personagens do filme, em várias passagens do filme, a
reivindicarem seus direitos enquanto indígenas. Pode-se perceber isso na seguinte
afirmação de D. Creonice (Aldeia Baixa da Palmeira) durante a exibição para a pesquisa:
“Fábio que levantou a [Aldeia] Mina Grande”. Seu Germano (Aldeia Mina Grande), na sua
casa, confirma esse dizer: “Esse menino aí [Fábio], trabalhou forte aqui. O Missionário”.
Levantar no sentido de estimular os indígenas da Aldeia Mina Grande a conseguirem seus
propósitos com relação à apropriação das terras.
De imediato, muitos, como a Professora Roseane (Aldeia Ponta da Várzea),
confundem a imagem de Fábio com a do antropólogo conhecido por Guga [José Augusto
Laranjeira Sampaio], por causa da barba que tinha na época e pela importância que ele
assumia junto à comunidade Kapinawá, uma vez que ele pesquisou o grupo, tornando-se
uma pessoa querida pelas pessoas daquela localidade.
Outra ocasião a que atribuo uma exploração do apelo visual é a cena do filme na qual
D. Maria está fazendo um percurso a pé equilibrando galhos na cabeça, provavelmente para
afazeres domésticos, como cozinhar, e a câmera a filma sendo impedida de prosseguir o seu
caminho devido a uma cerca que foi erguida, e que representa as ações do grileiro, Zuza
Tavares, para demarcação e posse das terras. Nesse momento, a câmera continua a filmar D.
Maria, que fica parada olhando para essa cerca. Então, é criada uma narrativa de suspense.
Pois, a maneira como foi construída a filmagem transmite uma sensação dramática à cena.
Considerações finais
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desses indígenas. Bem como, estabelece uma reflexão sobre como os indígenas Kapinawá se
percebem representados em suportes audiovisuais.
Verifiquei, no ato de exibir o filme KAPINAWA – wir dürfen wieder Indianer sein para
pessoas indicadas no e pelo grupo Kapinawá, que é possível refletir a partir da crítica
inerente ao espectador sobre como foi captado e montado o conteúdo das imagens que
pretendem representar o dizer e a situação desses indígenas. Ao longo desse trabalho, a
partir das narrativas surgidas dos grupos de indígenas Kapinawá, refleti sobre questões
metodológicas da pesquisa etnográfica intermediada por um produto audiovisual. Para tal,
interessa perceber, por um lado, a forma como a construção da narrativa fílmica foi usada
por pessoas que não faziam parte da comunidade indígena.
Por isto mesmo este trabalho compreende a possibilidade de estabelecer uma
reflexão sobre o processo de elaboração de produtos audiovisuais sobre a comunidade que
vem constituindo constantes reformulações e interações com outros grupos: indígenas e não
índios. Pois sabemos que documentaristas fizeram parte do processo de produção e
apropriação das imagens que incorporam práticas e narrativas desses/as nativos/as na
produção fílmica.
A partir das considerações, ao longo da pesquisa, no que concerne a questão da
autoridade na produção da imagem para representar o dizer dos indígenas Kapinawá,
estabelece-se uma relação entre a escrita etnográfica e o filme etnográfico. Conforme
Marcus (1994), essa escrita e as técnicas de montagem cinematográfica são construídas
como representação em contexto de ficção social. Ele destaca que a escrita etnográfica tem
uma limitada dimensão na construção da sua narrativa e considera que o filme teria mais
naturalidade para representar a alteridade. Estas considerações estão sendo direcionadas ao
emblemático fato histórico “Corte do Arame”, como marco relevante desse povo, foi
reapresentado em um filme de película 16 milímetros: KAPINAWA – wir dürfen wieder
Indianer sein. Como vimos, essa empresa registrou diálogos do representante do Cimi e
reconstituiu cenas com os indígenas a partir das memórias desses nativos, configurando um
ato ficcional, ou de reapresentação, do embate do indígenas contra os pistoleiros.
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Referências
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OLIVEIRA, Kelly Emanuelly de. Diga ao povo que avance! Movimento Indígena no Nordeste.
Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2013.
OLIVEIRA, Kelly Emanuelly de. Guerreiros do Ororubá: o processo de organização política e
elaboração simbólica do povo indígena Xukuru. Recife: ed. Universitária da UFPE, 2014.
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alessandragoomes@gmail.com
MIRANDA, Itacyara Viana–66
Universidade Estadual da Paraíba
itacyarav@oi.com.br
65
Aluna de graduação do Departamento de História da Universidade Estadual da Paraíba
66
Professora Substituta do Departamento de História da Universidade Estadual da Paraíba. Doutora em
Educação pela UFPB e Mestre em História, também pela UFPB. Membro do Grupo de Estudos de História da
Educação do Nordeste Oitocentista – GHENO, da Universidade Federal da Paraíba.
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águas brasilis e que após o contato, um tripé se formou - homem branco, igreja católica e
índio – dando o tom para as vivências cristãs na colônia.
2. Terra à vista: os “Demônios” vêm chegando
A chegada dos portugueses em 1500 nas terras brasileiras, como dito anteriormente,
atestava um projeto expansionista de riquezas e da fé católica. A colônia foi um espaço de
fácil adaptação para aqueles que aportaram nas areias brancas do litoral. A verdade foi que
tanto para os índios, quanto para os portugueses, o choque cultural foi bastante expressivo,
cabia saber qual dos dois grupos conseguiria se adequar primeiro. Pelo que nos parece saber
pela historiografia, parte dos colonizadores, embora tivessem incorporado algum elemento
das tradições indígenas, o que acabou acontecendo foi à imposição de sua matriz cultural no
Novo Mundo.
Nesse sentido, embora não tenhamos a intenção de diminuir o protagonismo dos
indígenas em meio ao contato com o europeu, o que estamos tentando elucidar foi que
houve um massacre não só físico provocado por enfermidades desconhecidas, o trabalho
“forçado” ou a arma de fogo, mas também um massacre das bases institucionais das formas
de viver e se relacionar com o outro, uma vez que as comunidades indígenas desconheciam
a propriedade privada e a exploração em favor de dividendos e lucros. Observando isso na
fala de Laura de Mello e Souza quando ela reconstrói a narrativa de indagação do homem
branco com relação aos povos originários e a dificuldade de enquadrar eles no sistema de
trabalhado operante nas colônias:
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homem europeu em meados do século XVI, foi fundamental para nos situarmos
historicamente frente o processo de demonização da terra brasileira. Como já dito
anteriormente, a mentalidade do medievo resistia em meio a propagação de uma fé católica
assentada no medo. É preciso deixar claro que o medo em sua totalidade não foi criado pela
Igreja Católica, porém foi uma das suas principais armas de controle dos corpos e das
mentes.
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O Novo Mundo era um inferno era inferno sobre tudo por sua humanidade
diferente, animalesca, demoníaca, e era purgatório, sobretudo pela sua
condição colonial. A ele opunha-se, a Europa: metrópole, lugar da cultura,
terra de cristões. Na Europa, pois, o Céu era mais próximo, mais clara e
inteligível a palavra divina. Na colônia, tudo se esfumaçava e se confundia: “
A letra, que por essas partes me parecia clara, cá se me torna obscura, não
sei se será de andar entre gentes que continuamente se comem uns aos
outros e andarem envolto de sangue humano”, diria o padre Azpilcueta
Navarro, distribuindo assim a verdade da fé e sua negação de um e do outro
lado do sistema colonial. (SOUZA., 2009, p.107).
.
67
Conhecido com deus sol Maíra, era o criador, uma das pricipais divindades indigenas do século XVI (Darcy
Ribeiro 2015).
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que nos faz pensar que muito se perdeu em termos de uma história das resistências, da não
passividade e aceitação da condição de povos subjulgados ao homem branco e sua cultura.
A construção dessa imagem do índio pode ser apreendida em dois momentos:
primeiro, a partir da percepção empregada para os indígenas do seu caráter benevolente,
imaturo e ingênuo que nos chega por meio da ideia do “bom selvagem”; segundo,
percebendo que tal denominação - “bom selvagem” - foi sendo desconstruída ao passo que
o traço de ingenuidade foi sendo transposto para o de preguiça, irresponsabilidade e por fim
demonização por parte dos colonizadores. Assim lemos:
A falta de vestes nos indígenas foi primordial para a percepção e definição do bon
sauvage, a ingenuidade de esconder suas “vergonhas” era associada a uma criatura inferior,
imatura sem conhecimento das leis e dos costumes cristãos. O que levou a construção de
um imaginário por parte do europeu, de serem estes seres tomados pelo pecado original e
possuídos por criaturas demoníacas.
Como temos identificado, a passagem do bom homem associada ao índio, cai por
terra à medida que vão sendo conhecidas determinadas práticas, tais como o canibalismo,
comum em determinadas tribos. De maneira semelhante, a visão que se tinha dos
portugueses, partindo de uma percepção indígena era de uma gente suja, feia e
fedorentas68, porém sujeitos de grande generosidade. Essa imagem sofreu mudanças no
decorrer do convívio, seja de uma parte ou de outra, passando o homem branco a se
68 RIBEIRO. D. 2015. p. 34
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69 NERY. A. 2012.p.60
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batismo daqueles seres foi mais uma justificativa pautada na teoria salvacionismo, de
propagar o catolicismo pelo mundo como religião universal.
Cria-se a noção de “mudança” dos Demônios, analisando o Velho Continente como
um lugar homogêneo quando o assunto era cristianização, restava para o Novo Mundo, recém
descoberto, a transição de seres demoníacos que habitavam essas terras com toda liberdade,
em seres de fé e religião. “Pra cá teriam os demônios voado em grande quantidade por
ocasião do advento da cruz, deixando para trás regiões mediterrâneas”. (SOUZA, 2009, p. 30) .
Segundo Laura de Mello e Souza (2009), teriam as civilizações menos desenvolvidas
sido atingidas com maior facilidade pelas forças demoníacas. Tal perspectiva nos levou a
refletir sobre os comportamentos dos nativos, que vivenciavam uma estrutura social
completamente diferente da sociedade europeia do século XV, sendo estes condenados pelo
fato dos portugueses não respeitarem a alteridade. A repressão de comportamentos
naturais como base em um caráter demoníaco não corresponde ao modelo de vida indígena,
portanto não deveria ser aplicado a ele.
Os jesuítas iniciam seus trabalhos de catequização, acreditando no poder
transformador da fé, de pagãos a cristãos. O paganismo foi aceitável pela ausência de
conhecimento, diferente dos hereges que são automaticamente condenados por ter
consciência do cristianismo e não corresponder a essa linha religiosa. A rotina com os
missionários criam uma relação íntima e em alguns casos “respeitosa” - se analisarmos o
jesuítas como protagonista, o homem branco que aqui estava para catequizar encontrava
dificuldade com relação ao exemplo dado pela sua própria gente - os colonos, passaram a
agir com um comportamento que diferia dos padrões europeus. Passaram a ter a ilusão de
liberdade atrelada a promiscuidade, servindo assim, de mau exemplo para os novos cristãos.
Compreendendo a relação dos jesuítas e colonos, povos denominados cristãos,
“benevolentes” e representante das leis de deus na terra , vivenciada em terras americanas,
teve como consequência maior, o genocídio daqueles índios, descrito pelo antropólogo
Darcy Ribeiro(2015) como criaturas que não possuía nenhuma doença sequer, a não ser a
coceira, e que assim, fisicamente nenhum tipo de resistência possuía.
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Seria então o homem branco, o maior Demônio que pisou na América trazendo
consigo incontáveis epidemias e surtos de doenças que dizimaram radicalmente nossos
povos? Seria ele também, representante e responsável pela chegada do Demônio cristão,
que foi usado de forma, talvez, errônea no processo de catequização dos povos indígenas e
de compreensão do novo mundo?
Tais questionamentos não vão ser respondidos aqui nesse artigo, devido mesmo o
espaço recortado para tal escrita. Porém, acreditamos na ideia de que o único Demônio que
aqui pisou não chegou voando, fugido da homogeneização do cristianismo na Europa,
chegou pelo mar, nas caravelas portuguesas, sobrecarregadas de ambições e tomadas por
um projeto de conquistas territoriais e riquezas diversas. Esse Demônio, nada tinha de
fantasioso ou mítico, ele era o homem europeu/português, imerso em seu pensamento da
luta do bem contra o mal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
DELUMEAU, J. História do medo no Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2009
RIBEIRO, D. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil.3 ed. São Paulo: Global, 2015
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CONSIDERAÇÕES INICIAIS
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abrem espaço para o diálogo com outras visões, com suas cosmologias e
interpretações.
O Brasil mesmo tendo sido reconhecido e declarado um país pluriétnico pela
Constituição de 1988, não possui em sua sociedade a consciência real dessa pluralidade de
etnias e culturas. Há muita falta de informação e conhecimento, inclusive por parte do
Estado - o que resulta em um dos maiores entraves para a aplicação de politicas públicas
voltadas a esses povos. Os indígenas, dentro da nova configuração posta pela
Constituição de 88, percebem a importância ante a contemporaneidade de dominar
“novos códigos”, pois a partir deles é possível a busca por melhorias nas suas
condições de vida. Nas escolas e universidades, os indígenas procuram formas de criar
ambientes que promovam a educação e o aprendizado de maneira horizontal, respeitando
as particularidades étnicas de cada cultura. Buscam acima de tudo, dentro desse contexto,
o conhecimento intercultural e multiétnico. O movimento indígena cria redes de apoio e
vai ao encontro de ações junto a universidade, instituições indigenistas e outros órgãos que
caminhem rumo ao mesmo objetivo. O objetivo principal desse artigo é refletir a partir de
um estudo bibliográfico sobre a temática indígena, a respeito de alguns dos desafios que
envolvem a inserção dos povos indígenas na educação superior e investigar alguns dos
principais pontos que cercam os debates sobre o assunto. Os resultados são em grande
medida reflexivos, questões em aberto que podem ser amplamente desenvolvidas e
esmiuçadas em outras pesquisas. Isso se dá em razão do tema ser atual estando em
constante mutação. Busquei demonstrar que os povos indígenas atualmente anseiam
desenvolver uma educação que respeite suas raízes tradicionais e que ao mesmo tempo os
inclua nos processos sociais que dizem respeito não só a eles, mas a toda sociedade.
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integracionista e tutelar que vinha sido vista até então. A lei garante o direito à diferença,
admitindo pela primeira vez na
história do Brasil a tamanha diversidade étnica e cultural existente no país. Gersem
Baniwa (2012) conta que a lei garante o reconhecimento das culturas, tradições, línguas,
crenças, e organização social dos indígenas. Caminhos puderam ser abertos e os
indígenas tiveram espaço para buscar a efetivação dos seus direitos e necessidades de
maneira mais incisiva, amparados pela nova lei. Apesar disso, o movimento indígena sabia
que ainda haveria muito a ser conquistado e que a Constituição Federal foi apenas o
primeiro grande passo em direção a um Estado que respeite horizontalmente as diferenças.
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Os preceitos postos na Constituição não puderam ser realizados tão rapidamente. Esse
é um processo gradativo de mudança de mentalidade, de estruturas sociais e de
pensamento fortemente estabelecidas. No que tange a educação, só a partir de uma
análise geral e contextualizada consegue-se pensar na relevância do processo de
transformação do espaço escolar e dos seus significados e responsabilidades para a
sociedade, em especial para os indígenas. Essa é uma longa caminhada que topa em
desafios de cunho material, estrutural, didático, pedagógico, político, filosófico, social,
linguístico, econômico e histórico.
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inseridos dentro daquele contexto, enxergaram a educação como sendo uma oportunidade
de melhor se comunicar com a sociedade e com as instituições que interferem diretamente
em seus modos de vida. Logo, é possível perceber que eles buscam mais as universidades,
pois esse espaço é um meio de atender as suas necessidades específicas. Essa demanda
acabou promovendo a ida de muitos indígenas para as cidades com o objetivo de encontrar
oportunidades mais amplas de qualificação. Dentro das universidades vemos que o
conceito de nterculturalidade – que pode ser definido como o diálogo horizontal, entre
culturas e conhecimentos distintos -, pode ser observado. Pensadores indígenas como
Gersem Baniwa (2012) e Daniel Munduruku (2012) mostram a importância desse
conceito em seus trabalhos. Observa-se que esse é um dos princípios norteadores e
básicos ao falar sobre políticas públicas voltadas às comunidades indígenas.
Os professores Alexandre Herbetta e Maria do Socorro Pimentel em um seminário
sobre educação intercultural e transdisciplinar organizado em 2013 na UFG,
promoveram uma discussão pedagógica com vários professores que trabalham a
temática indígena e a questão da interculturalidade. Juntos os educadores refletiram
sobre as possibilidades de construção de uma educação de fato intercultural que englobe
todos os indígenas, pensando o que isso representa para as comunidades. Essas
questões estão diretamente ligadas a receptividade e colaboração das lideranças
indígenas, órgãos apoiadores, ações do governo,escolas, universidades, professores,
alunos, pais e toda a comunidade. Isso mostra que tudo que envolve essa instância deve
ser pensado dentro de um contexto plural, multifacetado e heterogêneo. Na prática,
podemos observar muitos problemas que impedem o pleno funcionamento do
conceito de interculturalidade tanto na escola, quanto na universidade.
Há obstáculos no diálogo entre os órgãos do governo que regulamentam e
oficializam as demandas administrativas das escolas, que não compreendem as
especificidades de tudo que concerne à educação indígena. Inviabilizando a efetivação
dessas pretensões. Nas Universidades ainda há a falta de espaço para manifestação
desses povos e muitos sofrem perseguições por serem indígenas. O fato que é há muita
ignorância e falta de conhecimento sobre essas questões. Diante dos impasses e
dificuldades, podemos perceber a importância dos “intelectuais indígenas que vêm
buscando adquirir a capacidade de extrapolar seus contextos e formular interpretações
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O movimento de interesse pela educação superior por parte dos indígenas foi geral
em toda América Latina a partir do século XX intensificando-se no decorrer do século XXI.
Hoje há alguns projetos que são voltados para a construção desse conhecimento específico
e existe a busca pela estruturação do ensino superior. No Brasil, com o passar dos
anos, as licenciaturas interculturais aumentam e se consolidam. De acordo com
Rodrigo Cajueiro (2008) a Universidade do Estado do Mato Grosso (UNEMAT) foi pioneira
na formação de professores indígenas em ensino superior. De acordo com o MEC existem
mais de 20 cursos de licenciatura indígena no país. O PROLIND - O Programa de Apoio à
Formação Superior e Licenciaturas Interculturais Indígenas - é um programa criado pelo
MEC que tem como objetivo formar professores para a docência no ensino médio e
fundamental nas comunidades indígenas. O projeto também estimula o
desenvolvimento de ações voltadas para as Licenciaturas Interculturais em instituições
de ensino superior públicas federais e estaduais em todo país. Essa é uma das ações que
demonstram o aumento nas iniciativas voltadas para a estruturação de práticas de
docência dedicadas aos indígenas. Sobre a busca por qualificação Antonio Cartos de Souza
Lima expõe
A busca por qualificação que é apresentada como
parte do interesse indígena
pela formação no ensino superior é também
uma busca por entender e
dominar a avassaladora entrada das políticas
públicas nas aldeias indígenas,
até mesmo em aspectos os mais recônditos
como o do parentesco e das
relações intergeracionais. Na prática, essa luta
por autonomia se entretece
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vistos nos espaços de manifestação e debate. Um dos maiores problemas que cingem essa
questão está relacionado a associação do Estado e os indígenas. A compreensão das
necessidades e direitos
dos autóctones por parte do Estado consistem em um desafio que precisa ser transposto
para que tanto os artigos da Constituição de 1988, e as demais ações sejam realmente
efetivados para que a igualdade torne-se de fato uma realidade. Compreender o universo
indígena e suas especificidades ainda é um desafio que precisa superar antes de tudo
o preconceito e a incompreensão.
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É significativa a presença de
estudantes indígenas em mestrados
e doutorados em diversas
universidades, dado que mostra a
vontade e a necessidade concreta e
atual dos povos originários em
estabelecerem um diálogo mais
próximo com a academia e formar
os seus próprios pesquisadores. (...)
resulta, sobretudo, do movimento dos
povos originários que, entre outros
caminhos, elegeram o ensino superior
como um espaço de afirmação e as
universidades como aliada na
perspectiva de um possível
empoderamento.
(BERGAMASCHI, 2014, p.19-20)
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são próprias dos discentes, dificultando o ensino bilíngue. Além disso, há também a
ausência de materiais escolares adaptados a educação indígena. Existem discussões
sobre como gerir e compor a escola específica, e sobre o que ela representa para os
povos indígenas. Muito ainda tem de ser construído. Tudo isso gera desvantagem
quando fazemos uma comparação com outros discentes que tiveram uma educação
formal e já estruturada. Daí vemos a relevância das cotas.
O sistema de cotas busca de certa forma restituir - mesmo que minimamente -
os danos que foram causados aos indígenas e a outras categorias étnicas que ao longo da
história foram marginalizadas em algum momento. Essas ações afirmativas mostram-se
importantes pois são “medidas de caráter social que visam à democratização do
acesso a meios fundamentais - como emprego e educação - por parte da população em
geral” (GUARNIERI; MELO-SILVA, 2007, p. 70). Essa ação é importante, mas não é suficiente.
Para além disso, as universidades devem pensar em mecanismos que permitam a
permanência desses povos na instituição. Pois sabemos que hoje ainda há perseguição
aos indígenas dentro e fora das universidades. A questão do indígena incluso nesse
contexto abre margem para muitas discussões e estudos, muitos pesquisadores voltam-
se para a análise de todas as questões aqui postas.
CONCLUSÃO
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Existem muitos desafios que envolvem a educação superior para povos indígenas.
A dificuldade de diálogo com o Estado, o preconceito que esses indivíduos ainda sofrem
nesses ambientes, as dificuldades de permanência nas instituições, foram alguns temas
abordados no trabalho. No entanto, sabemos que há muitos outros problemas que cercam
esse assunto. No Brasil, as iniciativas voltadas à educação superior para os povos indígenas
vêm sofrendo um processo de expansão. Projetos e as Licenciaturas interculturais vêm
sendo articulados junto aos indígenas e pelos indígenas que se especializam cada dia mais
com o passar do tempo. Ante esse panorama observamos muitas discussões sobre o modo
como as estruturas devem se configurar, há muitas propostas e opiniões que cercam o
tema, muito a ser explorado. Debates sobre a construção desses espaços são
recorrentes. A perspectiva é que as ações ligadas ao ensino sejam cada vez mais
aprimoradas.
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1. Introdução
Este texto nasceu do interesse em perceber a relação entre o Ensino Superior,
situado em um território indígena, e a Educação Escolar Indígena. Por isso seu objeto são as
produções acadêmicas da área de educação do Centro de Ciências Aplicadas e Educação
(CCAE) do Campus IV da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), situado no Vale do
Mamanguape, no litoral norte da Paraíba, onde encontram-se 32 aldeamentos Potîgũara70.
Há quatro aldeias em Rio Tinto (Monte-Mór, Jaraguá, Silva de Belém e Mata Escura), 15 em
Marcação (Brejinho, Caeira, Camurupim, Carneira, Coqueirinho, Estiva Velha, Grupiúna,
Jacaré de César, Jacaré de São Domingos, Lagoa Grande, Os Cândido, Tramataia, Três Rios,
Val e Ybykuara) e 13 em Baía da Traição (Acajutibiro, Forte, Galego, Lagoa do Mato, Cumaru,
São Francisco, Tracoeira, Laranjeira, Santa Rita, Vila São Miguel, Bento, Silva da Estrada, Bem
Fica).
O CCAE oferece 13 cursos de graduação, sendo dois na modalidade de Educação a
Distância (EAD), dois mestrados acadêmicos e um profissional, além de duas especializações.
Dentre os cursos de graduação, quatro são licenciaturas: Ciência da Computação, Letras,
Pedagogia e Matemática. O curso de Pedagogia, escolhido como fonte das produções
analisadas neste texto, foi um dos primeiros cursos implantados e oferece uma formação
70
De acordo com estudiosos/as da língua Tupi Antigo e lideranças Potiguara, a palavra ‘Potiguara’ designa um
povo, uma nação, uma coletividade, por isso não se flexiona nem em grau, gênero ou número, mesmo que mude
de classe gramatical.
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Marcação, ou seja, em terras Potîgũara (ARAÚJO, 2015; BERNARDO, 2010; MEDEIROS, 2010;
SANTOS, 2013; SILVA, 2010a; SILVA, 2010b; SILVA, 2010c); e as produções que trouxeram
temas explicitamente relacionados com a Educação Escolar Indígena (BARBOSA, 2015;
SOARES, 2014).
A fim de abordar a relação entre Educação Escolar Indígena e o Ensino Superior
foram organizadas três seções. A primeira trata das sete produções que tiveram seu campo
de pesquisa em escolas circunvizinhas as terras Potîgũara, mas não abordaram a Educação
Escolar Indígena, sendo duas de TCC do Curso de Licenciatura em Pedagogia (ARAÚJO, 2015;
SANTOS, 2013) e cinco de monografias da Especialização em EJA (BERNARDO, 2010;
MEDEIROS, 2010; SILVA, 2010a; SILVA, 2010b; SILVA, 2010c). Em seguida, apresenta as duas
produções de TCC (BARBOSA, 2015; SOARES, 2014) que trataram diretamente de temáticas
escolares indígenas. Finalmente, à guisa de conclusão, pontua problematizações e reflexões
em torno da Educação Indígena e da Educação Superior.
As sete produções que não trataram da Educação Escolar Indígena, embora suas
temáticas possam ser a ela relacionadas, tiveram seu campo de pesquisa em escolas dos
municípios de Baia da Traição, Marcação e Rio Tinto marcados pela presença das pessoas
Potîgũara. Estas produções enfocaram temas como evasão ou descontinuidade escolar
(BERNARDO, 2010; MEDEIROS, 2010; SANTOS, 2013), Educação Ambiental (SILVA, 2010a;
SILVA, 2010c), ensino de História (SILVA, 2010b) e ensino de Geografia (ARAÚJO, 2015) no
ensino fundamental. Uma se refere ao município de Marcação, outra ao de Baía da Traição,
e as demais se concentram no município de Rio Tinto, abrangendo as zonas urbana e rural.
Todas combinam a pesquisa bibliográfica e empírica, qualitativa e quantitativa, com uso de
observação, questionário, entrevista semi-estruturada, estatísticas dos dados coletados e
pequenos recortes de falas de entrevistadas/os. Para análise textual destas produções
utilizou-se duas unidades de significado ‘pessoas/índios/povo Potîgũara e/ou ‘educação
escolar indígena’, constatando sua presença. Nenhuma apresenta linguagem inclusiva nem
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reflexão sobre gênero. Por gênero se entende “um conjunto de comportamentos e atitudes
atribuídas a mulheres e homens e, por extensão, às práticas materiais e simbólicas, aos
objetos e representações sociais” (CARVALHO, 2007, p. 37).
De modo geral, das sete produções analisadas, em cinco não havia nenhuma
menção sobre educação escolar indígena ou pessoas/índios/povo Potîgũara. Esta
constatação gerou a seguinte questão: o que fez com que uma/um estudante-concluinte de
graduação em Pedagogia ou de especialização não percebesse ou não explicitasse que
estava produzindo sua pesquisa em território Potîgũara? Esta pergunta evidencia a força do
conceito de identidade racializada no não-dizer e no dizer da condição Potîgũara, como
processo de re/construção de significados. As pessoas Potîgũara estavam, ou fora ou dentro
dos espaços das escolas pesquisadas, mas elas não foram visibilizadas nestas produções
acadêmicas. Fala-se, por exemplo, de pescadoras e pescadores presentes em uma escola na
Baia da Traição (BERNARDO, 2010), mas não de pescadoras e pescadores Potîgũara. A
identidade racializada funciona de forma a naturalizar o que se diz das pessoas Potîgũara,
especialmente quando o que se diz apenas acentua sua relação com a terra, seja na
conquista e na demarcação (BERNARDO, 2010), seja na disputa e exploração (SILVA, 2010a).
Há discursos racializados reproduzidos sobre as pessoas Potîgũara e a agricultura familiar
como causadoras do desmatamento (SILVA, 2010a), sem qualquer questionamento.
A força da identidade racializada faz com que não se afirme a imagem da/o
Potîgũara ao enfrentar o tema da evasão escolar, por exemplo, e se evoque a imagem do
sertanejo (MEDEIROS, 2010) como sugestão para um trabalho pedagógico que aproxime o
cotidiano de estudantes, situados no litoral, das atividades realizadas em sala de aula.
Mesmo quando se aponta a importância da realidade e da vida de estudantes como
estratégia de ensino, acentuam-se a classe e a identidade cultural da pessoa do campo
(SILVA, 2010b), sem mencionar que a grande maioria dessas pessoas, em áreas urbanas e
rurais de Rio Tinto, Baía da Traição e Marcação, ou se afirmam Potîgũara ou possuem
ascendência e descendência Potîgũara. Também quando se mencionam as formas de
trabalho, de parceria e de organização de vida (ARAÚJO, 2015; SILVA, 2010c), como
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3 Que vozes sobre a Educação Escolar Indígena podem ser percebidas na pesquisa
acadêmica?
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como a Lei 11.645/08, não possuem formação continuada com esse foco. Assinala que o
currículo da escola pesquisada não possui disciplinas específicas da Educação Escolar
Indígena, como a Língua Tupi e Etnohistória Potîgũara. A escola indígena oferece, em sua
grade curricular, “a disciplina Arte e Cultura ministrada por uma anciã da aldeia Tramataia”
(SOARES, 2014, p. 48).
Soares aponta ações da Educação Superior que se configuram como parte da
construção individual e coletiva da formação de educadoras/es Potîgũara, a partir da
instalação, em 2006, do Campus IV da UFPB. Destaca a parceria, a partir de 2006, da
Organização de Professoras/es Indígenas Potîgũara (OPIP) com a Universidade Federal de
Campina Grande (UFCG) na criação do Programa de Formação Superior e Licenciatura para
Indígenas - PROLIND/UFCG/OPIP; a organização da juventude indígena universitária, em
2010, e a criação da Associação dos Universitários Potîgũara (AUP); a instalação, a partir de
2011, do Projeto Programa de Educação Tutorial (PET) Indígena, pelo CCAE/UFPB, que
inaugurou um processo educativo, organizativo e contínuo das/os estudantes
universitárias/os indígenas; a instituição do Mestrado de Antropologia, com especialização
em Antropologia Indígena, além de projetos do Programa de Bolsas de Extensão (PROBEX),
Programa de Apoio à Extensão (PROEXT) e Fluxo Contínuo da Extensão (FLUEX), Programa de
Monitoria, Programa de Licenciaturas (PROLICEN), desenvolvidos por professoras/es e
grupos de pesquisa no território Potîgũara. Diante destes evenços a autora afirma que
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O fato de nascer índio, não significa ser educador indígena (...). Nós
nascemos e crescemos na aldeia e nos transformamos educadores,
mas na hora de ensinar ao aluno nos sentimos despreparados para
falar de nossa própria cultura, isso dificulta na hora de trabalhar com
questões indígenas em sala de aula (SOARES, 2014, p. 64-65).
Assim, consegue expor a identidade racializada presente tanto nas pessoas que estão
construindo o Ensino Superior quanto nas próprias pessoas Potîgũara construtoras da escola
indígena, quando afirma que a/o Potîgũara que nasce na aldeia, por vezes, se torna
reprodutora/or de discursos racistas sobre si mesma/o e sobre outras/os Potîgũara: “até
mesmo a liderança passava a achar que os educadores índios não iam ensinar bem”
(SOARES, 2014, p. 75).
Esses elementos retratam o funcionamento da identidade racializada como uma
espécie de percepção de si mesma/o que afasta a própria pessoa Potîgũara de sua existência
como Potîgũara, impedindo-a de exercer sua força transformadora, especialmente no
processo de se tornar uma/um educadora/or Potîgũara. “O educador nasce no índio, mas
com uma diferença: para nascer no índio o educador, é fundamental que haja
aprofundamento da cultura indígena e esse conhecimento se torne uma ferramenta para ser
efetivada no ensino-aprendizagem” (SOARES, 2014, p. 73). Se o processo educativo da escola
indígena não vem acompanhado de um processo consistente de formação de educadoras/es
e pesquisadoras/es, a realização de um processo autoafirmativo se torna um instrumento
ilusório no jogo da identidade racializada.
Na segunda produção, intitulada A gestão escolar indígena Potîgũara na Aldeia
Monte-Mór, Barbosa (2015) investigou os processos de gestão na Escola Estadual Indígena
de Ensino Fundamental e Médio Guilherme da Silveira, na Aldeia Monte-Mór, no município
de Rio Tinto-PB, para compreender a relação do povo Potîgũara com a gestão indígena. A
conclusão de seu trabalho foi de que a gestão escolar Potîgũara realiza, de forma
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Escolar Indígena, objeto deste texto, como processo de reconstrução de significados. Assim,
apresentam-se a seguir alguns pontos que problematizam tal relação.
O primeiro ponto diz respeito à implicação da formação de estudantes e
profissionais críticas/os no trato de questões educacionais, especialmente da Educação
Escolar Indígena. Quando uma/um estudante se posiciona a partir de sua própria condição e
diante das relações sociais isso acarreta uma qualidade diferenciada nos produtos
científicos-educacionais. Ela/ele pode “criar um alter ego capaz de falar diretamente com o
poder” (LADSON-BILLINGS, 2006, p. 274). Esta posição e implicação crítica pode ser
observada na produção de Soares (2014). Seu texto é objetivo, mas ela aparece, se posiciona
e consegue uma distância necessária, que garante a possibilidade de aproximação e
distanciamento do que é e do que poderia ser a contribuição do Ensino Superior na
formação de educadoras/es indígenas para as escolas indígenas.
Uma formação acadêmica padrão (SOARES, 2014) funciona para manter o controle
da identidade racializada e não permite que se rompa com os mecanismos de poder, de
dominação, que a identidade racializada estabelece. A formação crítica, implicada, situada,
torna visível o conflito entre uma formação uniforme e uma formação para a diversidade. Ela
manifesta campos de disputa entre as disciplinas indígenas (padrão menos valorado) e não-
indígenas (padrão super valorado) na construção do que é conhecimento científico, como
apontou Barbosa (2015) acerca da dificuldade de conciliação entre as disciplinas clássicas,
consideradas ‘científicas’, e as indígenas. A escola e a universidade se tornam um campo de
disputa entre uma formação padronizada e uma formação crítica como uma “pluridade de
centros de poder” (HALL, 2015, p. 13) que desarticula a estabilidade de identidades e gera
possibilidades de outras criações e construções identitárias.
O segundo ponto reflexivo se desdobra da necessidade de uma formação crítica que
desnude processos formativos manipulados pelas identidades racializadas. Refere-se à
Educação Escolar Indígena em seus dois componentes fundamentais: o bilinguismo e a
interculturalidade, que tornam a escola um instrumento que fortalece a luta pela terra e por
uma cultura e identidade indígena plural (COSTA; SILVA, 2007). Se o Ensino Superior, situado
em território indígena, assume a interculturalidade e o bilinguismo como conteúdos
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Um dos problemas dos repertórios coloniais é que eles dificultam que se entre nos
conflitos, de forma humana. Uma aldeia, uma família, uma escola Potîgũara, ou seja, a vida
de pessoas Potîgũara apresentam desordens, desencontros e confusões. Narrativas e
pesquisas acadêmicas que apagam esses elementos reforçam o racismo. Geram narrativas
que acomodam e naturalizam idealizações e aguçam o medo do conflito, o que é um modo
de manipulação das relações coloniais pela via das identidades racializadas.
As contranarrativas, ou narrativas que revelam conflitos e contradições, rasgam e
abrem fendas nas relações coloniais e se traduzem em movimentos plurais incontroláveis.
Elas expõem a confecção das identidades racializadas, presente nas escolas indígenas e não-
indígenas. Ao mesmo tempo afirmam que outras narrativas são possíveis, tanto nos espaços
acadêmicos quanto da escola indígena, quando os processos formativos se tornam críticos,
implicados e abertos às intersecções de diversos saberes.
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http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/article/download/18441/12751.
Acessado em 27 de maio de 2016.
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Introdução
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troca material, por exemplo, mas “o que realmente torna-se valoroso é a obrigação moral”
(LUCENA, 2016). Segundo o autor (2003), das regras e ideias fundamentais nessa relação de
troca, de reciprocidade “a mais forte das quais sendo a própria obrigação moral de
retribuição”.
Vale destacar que o Programa de Bolsa Permanência (PBP) do Ministério da Educação
(MEC) está ligado a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e
Inclusão (SECADI). O PBP criado no ano de 2013 no intuito de contribuir através de ajuda de
custo no valor de R$ 900,00 a permanência de universitários indígenas e quilombolas nas
Universidades. É uma ação do Governo Federal de concessão de auxílio financeiro a
estudantes indígenas e quilombolas matriculados em instituições federais de ensino superior
em situação de vulnerabilidade socioeconômica. O recurso é pago diretamente ao estudante
de graduação por meio de um cartão de benefício.
Essa política pública foi uma conquista dos povos indígenas brasileiros que vinham
lutando por melhorias e sua inserção nos espaços universitários, baseados nos seus direitos
apregoados na Constituição Federal (CF) de 1988. Contudo, essa política pública vem sendo
eliminada, através de cortes nas verbas destinadas ao PBP pelo o atual governo federal
desde o início deste ano de 2018.
Cabe lembrar que a Lei de Cotas contribui primeiramente para o ingresso de
indígenas, quilombolas dentre outros grupos étnicos raciais. Contudo, deixaremos claro e
ressaltamos que o sistema de cotas raciais, não os torna inferiores, pois na universidade
todos estão no mesmo patamar de ensino, embora o processo de aprendizagem do ensino
médio na rede pública seja bastante precário em comparação com a rede privada de ensino
fazendo com que tenham muitas vezes maiores dificuldades de acompanhar os estudos no
ensino superior.
A tessitura metodológica dessa nossa pesquisa será construída seguindo critérios
relacionados à pesquisa descritiva com enfoque qualitativo que tem como objetivo
descrever
dados etnográficos referentes à história de vida de seis jovens indígenas Potiguara que
vivem entre a aldeia e a região metropolitana da cidade de João Pessoa. No que diz respeito
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urbano e que tem o objetivo de interagir, estreitar laços de parentesco, intensificar amizades
por intermédio dessas estratégias construindo sua rede de solidariedade étnica.
Os universitários Potiguara que vivem na cidade, sempre que possível, fazem questão
de participar de eventos culturais, ritualísticos numa tentativa de reafirmar e valorizar mais
ainda a sua identidade étnica, mesmo vivendo numa espacialidade urbana carregada de
preconceitos e discriminação racial conseguem sobreviver e permanecer estudando na
Universidade, devido as suas estratégias de ação desenvolvidas no intuito de fortalecer as
relações afetivas com a sua parentela no contexto urbano, mas também intensificando laços
de amizades com alguns não indígenas citadinos.
Nesse sentido, percebo que no espaço urbano existe um leque abrangente de
relações sociais, onde muitas vezes presenciamos uma convivência multiétnica como, por
exemplo, judeus, muçulmanos, indígenas, ciganos etc. em que a identidade étnica pode ser
ativada a partir do momento que o indivíduo sinta necessidade e senão houver fica
protegida. A partir daí, o indivíduo, de forma singular ou junto com seu grupo étnico poderá
reivindicar seus direitos que são recorrentes de sua identidade étnica indígena.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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específica e dinâmica de estratégias de ação para poder dar continuidade no cenário em que
foi produzida e reforçando, de certa forma, um “conjunto de valores morais éticos” (BARTH,
2000) desses jovens universitários mesmo vivendo num espaço urbano pluriétnico.
É importante ressaltar que a construção de redes de relações sociais (étnica) desses
Potiguara se dá também num “campo de possibilidades” (VELHO, 1994) gerado a partir
dessas interações ocorridas nessas espacialidades (Aldeia e Cidade), além das políticas
públicas que o governo federal oferece, garantindo oportunidades para que ingressem na
Universidade. As oportunidades surgem por um “campo de possibilidades como dimensão
sociocultural, espaço para formulação e implementação de projetos” (ibdem, p. 40). Sendo
assim, os projetos individuais estão associados a um conjunto de ações que foram
proporcionados por esse campo de possibilidades que pôde ser engendrado, no caso dos
indígenas Potiguara, através de uma inter-relação entre atores externos e internos que
vivem num fluxo constante entre a aldeia e a cidade.
REFERÊNCIAS
BARTH, T. F. “Os grupos étnicos e suas fronteiras”, In: LASK, Tomke (org.) O guru, o iniciador
e outras variações antropológicas, Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2000 [1969], pp. 25-
67.
______. Entre a escrita e a imagem. Diálogos com Roberto Cardoso de Oliveira. Revista de
Antropologia, São Paulo, v. 43, n. 1, 2000.
LUCENA, Jamerson B. “índio é índio onde quer que ele more”: uma etnografia sobre índios
Potiguara que vivem na região metropolitana de João Pessoa. Dissertação (Mestrado) em
Antropologia Social. Paraíba/UFPB/PPGA, 2016.
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INTRODUÇÃO
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O presente artigo é resultante de pesquisa de doutorado orientada pela professora Ivânia dos Santos Neves no
Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL) da Universidade Federal do Pará (UFPA).
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autonomia diante das novas dinâmicas que passam a ter os povos indígenas em função
desse contato.
Assim, a Unifesspa está inserida em uma região que é fronteira para os povos
indígenas no Brasil, a Amazônia, em um contexto de 50 aldeamentos de nove etnias
diferentes, totalizando cerca de 4.400 indígenas que vivem em intensa relação de conflito
com a sociedade nacional, resistindo desde a colonização contra os processos de expansão
do capital na região.
Segundo dados da Funai deste ano, as regiões sul e sudeste do Pará abrigam os povos
Amanayé, Gavião, Suruí Aikewara, Assurini, Xikrin do Kateté, Guajajara, Atikun, Guarani e
Parakanã. Esses povos estão historicamente situados nessa região, o que nos permite
problematizar que sempre houve uma demanda desses sujeitos para acessar a universidade,
mas que as condições de possibilidades históricas anteriores não permitiam a visibilidade
dessa demanda, que só passou a ser atendida via políticas afirmativas a partir de 2009, como
resultado de uma cobrança por parte dos indígenas do Pará. Ainda pelo tensionamento dos
povos indígenas junto ao governo federal, passam a surgir cotas nas instituições federais em
função da criação da Lei Federal nº 12.711, de 29 de agosto de 2012. Além de atender à
referida lei, a Unifesspa também manteve a política afirmativa (desde sua criação por
desmembramento da UFPA em 2013) de reservar duas vagas em cada uma das turmas de
graduação exclusivamente para alunos indígenas.
Diante dessa presença “mais visível” na Unifesspa de estudantes indígenas, a
instituição passa então a ser pressionada por melhorias no atendimento diferenciado desses
alunos, solicitando a criação de um núcleo que pudesse receber as demandas desse público
e, assim, melhorar as possibilidades de permanência de alunos indígenas na Unifesspa.
Desde 2016 esse núcleo vinha sendo discutido e sua construção foi então concretizada em
abril deste ano (Resolução Nº 058, de 12 de Abril de 2018) sob o nome “Núcleo de Ações
Afirmativas, Diversidade e Equidade” (NUADE), sobre o qual nos deteremos neste trabalho, a
fim de enfatizar a expectativa sobre essa proposta de contribuição, enquanto um resultado
de uma política institucional para a democratização da Educação Superior com respeito à
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Como sujeitos tutelados pelo Estado, as primeiras ações de formação dos indígenas
vieram juntas com o Serviço de Proteção aos Índios (SPI), órgão que antecedeu a criação da
Fundação Nacional do Índio (Funai).
desde o início do SPI instalou-se uma rede de escolas para educação
de índios – ensino de “primeiras letras” e, sobretudo, de ofícios que
os situassem como futuros trabalhadores (corte e costura para
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forma diferenciada, a postura diferenciada que esses sujeitos esperam da universidade não
se mantém. Na outra ponta, a universidade impõe (pela sua estrutura curricular, pedagógica,
administrativa e epistemológica) uma adaptação instantânea desses sujeitos ao espaço
acadêmico, sendo essa a grande problemática da inserção de indígenas nas universidades
federais do país.
o governo federal não tomou nenhuma iniciativa no sentido de
estabelecer ações governamentais de longo prazo ou de caráter
permanente – aquilo que a vulgata política chama de políticas de
Estado – no sentido de fomentar a educação superior de indígenas,
ainda que esta seja uma demanda cada dia mais presente no cenário
das demandas indígenas. Não há suporte à resolução do principal
problema dos estudantes indígenas na universidade: recursos para
sua manutenção, esquemas de acompanhamento à sua formação
dentro de universidades como tutorias etc., nem tampouco formas
de adaptação dos currículos universitários às demandas por
conhecimentos surgidas desde as realidades dos povos indígenas em
sua vida cotidiana. (LIMA, 2012, p. 188)
Em 2011 o Congresso Nacional aprovou uma lei alterando a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a Lei 12.416, de 9 de junho
de 2011, dispondo sobre a oferta de educação superior para os povos
indígenas, sobre a assistência estudantil e sobre o estímulo à
pesquisa e desenvolvimento de programas especiais, porém até hoje
não têm sido efetivadas políticas e ações em nível federal voltadas à
aplicação dessa lei. (PALADINO, 2012, p. 185)
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formandos indígenas foi de apenas quatro alunos. Ou dado importante que se soma ao
cenário de evasão é o fato de que, apesar de todos os anos acontecer o PSE, até o início do
ano de 2016, estavam ativos na instituição apenas 54 alunos, distribuídos pelas 48 turmas de
graduação da instituição.
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conquistas importantes garantidas por essa lei é a adoção de “política de cotas raciais e
outras ações afirmativas para o ingresso de negros, negras e indígenas no ensino superior”.
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O plano ainda faz um reforço importante no que tange ao papel das IES no
enfrentamento do racismo e da adoção da temática étnico-racial
De acordo com o Parecer CNE/CP 03/2004, as instituições de
educação superior devem elaborar uma pedagogia anti-racista e
antidiscriminatória e construir estratégias educacionais orientadas
pelo princípio de igualdade básica da pessoa humana como sujeito de
direitos, bem como se posicionar formalmente contra toda e
qualquer forma de discriminação (...)
As IES são as instituições fundamentais e responsáveis pela
elaboração, execução e avaliação dos cursos e programas projetos
institucionais, projetos pedagógicos dos cursos e programas que
oferecem, assim como de seus planos de ensino articulados à
temática étnico-racial (BRASIL, 2009, p. 53)
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estudo mencionado mostra que ainda há uma carência considerável quanto à aplicabilidade
dessas orientações legais.
A pesquisa revelou que há avanços quanto à aplicabilidade da ERER,
ao se assegurar na estrutura dos cursos a previsão de disciplinas e
conteúdos, no entanto, alguns aspectos precisam ser alvo de atenção
para futuras adequações, como por exemplo, a efetivação de
disciplinas obrigatórias na grade curricular (2016, p. 3).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante desses apontamentos, é notório que a Unifesspa em seus cinco anos de
existência tem se esforçado em promover ações no sentido de buscar construir formas que
melhor atendam os graduandos indígenas, o que evidencia a preocupação da nova
universidade com esses sujeitos.
Com isso, o Nuade foi criado para atuar como uma unidade de funcionamento em
rede na referida universidade, propondo-se a recepcionar demandas advindas dos alunos,
professores e demais servidores, a fim de dirimir os conflitos educacional, sociocultural,
político e epistemológico gerados pelo conflituoso contato entre os mundos indígena e
ocidental na Unifesspa.
Partimos da premissa de que a evasão dos alunos indígenas na universidade está
diretamente relacionada à ideia de universidade como espaço homogêneo e não como um
espaço multicultural, microcosmo da sociedade da mesorregião sudeste paraense onde
estão situadas diversas aldeias indígenas, com culturas e línguas bem distantes das
ocidentais; e é essa ideia de que as universidades são culturalmente homogêneas é o que
estrutura as práticas pedagógico-administrativas que norteiam o ensino acadêmico.
Com isso, evidencia-se à comunidade acadêmica que a relação insatisfatória dos
alunos indígenas com o ensino e a aprendizagem eurocentrados não se trata de uma
deficiência que carregam, mas sim uma decorrência de outros fatores ligados às suas
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diferenças epistêmicas e culturais. Por meio desse fundamento, acreditamos ser necessário
colocar em ação uma concepção pluralista e intercultural das práticas de ensino (já
amparada por leis e diretrizes mencionadas neste trabalho), enfocando atividades situadas
no contexto sociocultural do aluno, no seu universo simbólico, tornando a universidade um
espaço onde a distribuição do poder é problematizada.
Essa perspectiva demanda ações com preocupações para além do ingresso desses
alunos nas universidades, mas que se preocupem também com a permanência dos mesmos
na academia, tendo a consideração da cultura/identidade como uma premissa estruturante
para a formulação de alternativas.
Nesse sentido, tornar mais latente a presença desses sujeitos na instituição e buscar
mais diálogo com o movimento indígena na solução dos problemas que afetam os alunos em
questão são posturas, entre outras, que devem fundamentar as políticas adotadas pela
instituição, o que o recém-criado Nuade tem como missão, propondo e intermediando ações
que minimizem na vivência acadêmica dos alunos indígenas os reflexos negativos do
inevitável conflito entre os mundos indígenas e ocidental.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação. Plano Nacional de Implementação das Diretrizes
Curriculares Nacionais para Educação das Relações Etnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afrobrasileira e Africana. Brasília: MEC, 2009. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=10098-
diretrizes-curriculares&category_slug=fevereiro-2012-pdf&Itemid=30192 Acesso em: 19 de
jun de 2018.
_____. _____. Diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações Etnicorraciais
e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana. Brasília, DF, out. 2004.
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/>. Acesso em: 19 de jun de 2018.
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e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 9 jan.
2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10639.htm>. Acesso
em: 19 de jun de 2018.
ARAÚJO JUNIOR, Júlio José. A Constituição de 1988 e os direitos indígenas: uma prática
assimilacionista? In: CUNHA, Manuela Carneiro da; BARBOSA, Samuel Rodrigues (Orgs.).
Direitos dos povos indígenas em disputa. São Paulo: Editora Unesp, 2018.
FERNANDES, Ana Paula de Souza; GUIDO, Claudiana Gomes; RODRIGUES, Lidiane Neves.
Aplicabilidade da Erer na Unifesspa: um estudo a partir dos nde’s e discentes dos cursos de
Letras e História. 2016. Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização (Especialização
em Políticas de Igualdade Racial na Escola) - Universidade Federal do Pará, Belém. 2016.
LIMA, A. C. Educação superior para indígenas no Brasil – sobre cotas e algo mais. Seminário
Formação Jurídica e Povos Indígenas Desafios para uma educação superior. Belém, 2007.
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Nas últimas duas décadas, são notórios os avanços no campo do Patrimônio Cultural,
onde ocorre uma abrangência conceitual que leva a um novo entendimento sobre o que é o
patrimônio e à criação de novos instrumentos para salvaguarda dos bens culturais. Porém,
apesar destes avanços ainda é possível identificar, na atuação de órgãos como o IPHAN
(Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), permanências de uma perspectiva
mais tradicional ligada a excepcionalidade dos bens passíveis de serem preservados.
Entretanto, paisagens, modos de fazer, ofícios, ritos, mitos e tradições foram
incorporados ao conceito de Patrimônio enquanto práticas imateriais. Na esteira desta
ampliação do campo, experimenta-se também uma inflação patrimonial sendo um dos
sintomas a dificuldade dos órgãos públicos de aplicar e gerenciar, de modo efetivo, todas
estas novas ferramentas e possibilidades de preservação, especialmente o chamado
Patrimônio Material. O caso da Igreja de São Miguel Arcanjo, no município de Baía da
Traição/ PB, parece ser emblemático:
A Igreja de São Miguel Arcanjo, caracterizou-se por muito tempo, enquanto um
espaço de disputas dos interesses colonizadores desde o século XVI, sejam franceses,
portugueses e holandeses. Quanto à data de fundação, acredita-se na possibilidade de ter
sido edificada entre meados do século XVII e XVIII pelos missionários jesuítas, objetivando a
catequese dos parentes Potiguara. É perceptível a beleza única e singela deste templo
católico emblemático para os Potiguara
Na época da chegada dos portugueses, no atual território correspondente a Paraíba,
os Potiguara, pertencentes à grande família Tupi-guarani, habitavam as grandes extensões
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paisagem cultural de Baía da Traição, tanto por seus valores estético-paisagísticos, quanto
por sua valorização simbólica e tradicional.
Metodologia
Dentre outros aspectos, a oralidade é considerada fonte de identidade étnica para
povos indígenas, capaz de retratar suas vivências, realidades e o modo de vida em uma
determinada época, nas suas mais variadas sociabilidades. Ressaltando-se que essa
metodologia não só permite a inclusão do indivíduo, mas possibilita a inclusão do sujeito na
escrita da história.
A memória coletiva carrega marcas das práticas identitárias e de historicidade de um
povo construídas ao longo do tempo. Como assevera Le Goff (1994): É na “... memória, onde
cresce a história, que por sua vez alimenta, procura salvar o passado para servir o presente e
o futuro. Devemos trabalhar de forma que a memória coletiva sirva para a libertação e não
para a servidão dos homens”. E é por esta compreensão que acreditamos que valorizar o
patrimônio histórico Potiguara permite que sejamos livres do “esquecimento” muitas vezes
institucional que teima em buscar nos dizimar enquanto grupo étnico.
Diante do exposto, destacamos em nossa pesquisa a história oral. Através desta
metodologia buscamos revisitar o passado do nosso povo. Através da história oral a
memória é perpassada com amplitude, principalmente por camponeses e comunidades
indígenas (MATOS & SENA, 2016, p.58).
Apesar de todas as mudanças culturais ocorridas ao longo dos tempos, os povos
indígenas que narram a sua história adaptam o cenário de seus relatos ao seu próprio meio.
Contudo, preservaram fielmente os principais elementos e fatos que marcaram a sua
história e a história do seu povo sob todos os aspectos, de forma que, a memória preservou
a tradição historiográfica evitando, assim, deformações e distorções acerca da história dos
vencidos ou esquecidos. Neste sentido é que história é sinônimo de memória numa relação
de fusão entre (MATOS, SENA, 2016, p. 59)
Dessa forma nos coloca Le Goff:
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A História Oral é um instrumento que surge com o propósito de dar voz a um povo
sufocado pela invasão da cultura contemporânea, dando vez e voz aos menos privilegiados.
Nesse sentido Brigmann diz que:
A História Oral surge nesta corrente para romper paradigmas e dar voz aos
indivíduos menos privilegiados e socialmente excluídos, permitindo por um
lado uma maior abertura à compreensão da temática estudada, e por
outro, propiciando aos historiadores desvelar novos olhares a temas
específicos. No que concerne às pesquisas entre comunidades indígenas, a
História Oral vai ganhar força a partir de 1988, após a promulgação da
Constituição Federal, que garantiu vários direitos aos povos indígenas
brasileiros, especialmente o direito aos seus territórios tradicionais,
gerando grande demanda e valorização das pesquisas diacrônicas sobre os
remanescentes indígenas no país. Isso conduz, inevitavelmente, a reflexões
sobre a relevância social das pesquisas, bem como a uma necessária ética
que deve estar sempre presente nas preocupações do pesquisador
(BRIGMANN, 2012, p.7).
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contexto familiar ou social, religioso ou étnico, podemos assim dizer, que de tal forma essas
suas lembranças são permeadas por inferências coletivas, moralizantes ou não.
Nesse contexto Halbwachs (2004) afirma que:
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Dessa forma, seguindo as tradições que ainda são traços marcantes nas culturas
indígenas de um modo geral, os costumes, as crenças e a identidade desses povos são
transmitidas através da oralidade de geração em geração, garantindo que essa cultura
permaneça forte entre os povos e que não se perca com o passar do tempo. A oralidade é
uma característica forte dentro da cultura indígena e não desaparece por completo do
horizonte dessas populações, mesmo para as mais atingidas pelos ideais centralizadores da
cultura ocidental, ela continua importante para manutenção do pertencimento indígena a
um grupo ou à uma comunidade (BRINGMANN, 2012, p. 6).
Faz-se necessário ressaltar que a pesquisa histórica não se baseia unicamente na
utilização de documentos escritos ou em imagens, mas também na narrativa de fatos feito
por pessoas que presenciaram ou que tem conhecimento substancial acerca do que se está
pesquisando.
Na segunda metade do século XVIII, a situação das aldeias missionárias vai ser
modificada pelo Diretório pombalino que determina a expulsão das ordens missionárias e a
elevação das aldeias à categoria de vilas de índios. Na ocasião, o aldeamento de São Miguel
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de Baía da Traição passou a ser chamado de Vila de São Miguel da Baía da Traição
(APOLINÁRIO, 2006, p 55).
A Aldeia de São Miguel, até os anos 1980 era o principal lugar onde ocorriam as
práticas religiosas dos Potiguara. Os rituais em torno do santo são um dos elementos
fundamentais do catolicismo popular. Todas as práticas religiosas giram em torno do santo,
é objeto de devoção pessoal do pequeno núcleo familiar (oratório), dos pequenos povoados
(capela) ou das grandes massas (santuário). A vida de cada pessoa tem seu centro e seu
referencial nessa devoção. Todas as aldeias esperavam o ano inteiro para participar da Festa
do Padroeiro, por ser uma das poucas vezes que o padre se fazia presente na área indígena.
A Festa de São Miguel era o momento em que todas as aldeias se encontravam para
festejar e celebrar a vida. No último dia da festa de São Miguel, uma multidão assiste à
missa, uns batizam crianças, outros casam e muitos carregam o andor com a imagem do
Santo até a Igreja de Nossa Senhora da Penha no centro da cidade. O Santo está na imagem,
mas não se confunde com ela, nem se identifica, mesmo assim, a imagem está carregada de
poder sagrado.
Na década de 1980, a igreja construída no século XVIII começa a ter sérios problemas
nas suas estruturas físicas devido à ação do tempo. Num primeiro momento, são feitas
algumas reformas provisórias, mas isso não impede o desabamento de todo o telhado da
centenária Matriz. O órgão responsável, na Paraíba, pelo Patrimônio Histórico, prometeu
reconstruir a Igreja. Os índios começaram uma campanha em todas as aldeias para fazer a
restauração e até formaram uma comissão para esse fim.
Em 1986, com a identificação da reconstrução da antiga igreja, começaram a
aparecer assaltantes, tentando roubar os objetos de valor, sobretudo, a imagem de São
Miguel, de modo que foi determinado que ninguém podia mexer na igreja por ordem do
Patrimônio Histórico, porque muita coisa começou a sumir. Os caboclos do Sítio foram até a
Vila São Miguel, onde dia e noite, vigiavam o Santo.
O tempo foi passando, e as lideranças Potiguara em comum acordo com os demais
indigenas, optaram por levar a imagem de São Miguel para a Aldeia São Francisco, até que
fosse restaurada a igreja da Vila São Miguel. Uma multidão de pessoas em procissão,
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animadas com cantos e rezas, sempre saudadas com fogos de artifícios, conduziram a
imagem até o sítio.
Depois de muitas reuniões e diversas arrecadações, os indígenas da aldeia São
Miguel, decidiram construir uma nova igreja. Concluída a nova capela, as lideranças da
Aldeia de São Miguel reivindicaram a volta da imagem do Padroeiro, mas o acordo firmado
era de que São Miguel só voltaria para a aldeia natal depois de reconstruída a velha igreja.
Como isso não ocorrera, São Miguel permanece até hoje em São Francisco. Para contornar o
impasse, os índios da vila São Miguel adquiriram uma outra imagem bem diferente da
original, tanto no tamanho, como no formato e também no material, enquanto a imagem
original, continua na Aldeia São Francisco.
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que era pecador, bem como, de que necessitava salvar-se. E nada mais oportuno de que um
Templo, que se impunha majestosamente, uma concretização em pedra, do infinito amor de
Deus.
Portanto a “Casa de Deus” era um elemento vital na configuração da estrutura social
e simbólica do povoado missioneiro e esta riqueza de expressão identificava a força do
processo evangelizador imposto aos Potiguara.
A atual Igreja de São Miguel é tão importante quanto ao atual Coliseu e Acrópole. É o
testemunho da arquitetura jesuítica missioneira. Essa representatividade religiosa na Baía da
Traição estabelece uma relação entre os índios e o santo padroeiro que por sua vez é
bastante significativa, de forma que a identidade étnica nas narrativas sobre o aparecimento
da imagem do santo relatam a transubstanciação de um índio santo.
Até o presente momento, os Potiguara tem lutado e reivindicado pela restauração da
Igreja de São Miguel do Arcanjo, sobretudo, a partir do contato com os órgãos
governamentais. Nesse sentido, foi realizado um levantamento histórico e fotográfico dela
pelo IPHAEP e IPHAN, também fez o levantamento fotográfico. Segundo a arquiteta do
IPHAN que realizou todo esse trabalho, é possível recuperar a Igreja e a gente acredita que
podemos recuperar o tempo perdido e restaurar a nossa Igreja
A Igreja de São Miguel está localizada na Aldeia Potiguara também denominada de
São Miguel – reduto de indígenas em terras sob a jurisdição da FUNAI, no Estado da Paraíba.
Não se pode precisar com exatidão e data de construção da Igreja de São Miguel, pois as
fontes de informações a seu respeito, são bastante controvertidas.
Segundo Jeanne de Laet, em sua história ou Anais dos feitos das Índias Ocidentais,
quando descreve o episódio referentes à permanência dos holandeses, em 1625, na Baía da
Traição, afirma a existência de “um povoado onde tinham os portugueses uma capela”.
Irineu Ferreira Pinto (1708, p.96), em Datas e Notas para a História da Paraíba,
transcreve uma carta régia datada de 09 de maio de 1708, determinando que se construísse
naquele local, uma igreja, com a finalidade de dar assistência aos silvícolas, como também
aos soldados, responsáveis pela guarnição de fertim, existente na histérica praia.
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Sabe-se que nos anos de 1738 e 1746, estiveram em São Miguel missionários e frades
da ordem de Carmo da Reforma, destacando-se pela sua abnegação, o Fr. André de Santa
Catarina.
A lei n. 14, de 12 de novembro de 1840, criou a freguesia de São Miguel da Baía da
Traição, passando aquele templo a categoria de matriz. Trata-se de uma construção jesuíta,
com características barrocas, típicas dos primeiros séculos do período colonial, medindo 26
metros e 40 centímetros de cumprimento por 10 metros e 40 centímetros de largura,
interrompida, talvez, pela saída repentina dos missionários que a construíram.
A capela de São Miguel representa até os dias atuais as lutas e resistências dos
Potiguara, especialmente as primeiras relações interétnicas com os portugueses, marco de
uma época de negociações e conflitos. Apesar dos estragos causados pelo tempo e pelo
esquecimento, é a esperança de milhares de homens e mulheres indígenas Potiguara que
seja efetuado o projeto de restauração. Almejando, um dia poder vê-la recuperada e
revitalizada enquanto representação de espaço de memória do povo Potiguara.
Os resultados alcançados, ficam evidentes diante das opiniões expressas nas
entrevistas realizadas, onde o revisitar e valorizar a memória é condição indispensável para
que possamos garantir e ligar as práticas culturais do passado diante do presente enquanto
legado, pois ela é responsável por salvaguardar o conhecimento e historicidade produzidos
pelos nossos ancestrais.
Pode-se ainda perceber, que valorizar a memória ainda é uma das principais saídas
para o fortalecimento da Identidade Cultural Potiguara.
Dessa forma, seguindo as tradições que ainda são traços marcantes nas culturas
indígenas de um modo geral, os costumes, as crenças e a identidade desses povos são
transmitidas através da oralidade de geração em geração, garantindo que essa cultura
permaneça forte entre os povos e que não se perca com o passar do tempo. A oralidade é
uma característica forte dentro da cultura indígena e não desaparece por completo do
horizonte dessas populações, mesmo para as mais atingidas pelos ideais centralizadores da
cultura ocidental, ela continua importante para manutenção do pertencimento indígena a
um grupo ou à uma comunidade (BRINGMANN, 2012, p. 6).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Introdução
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Nesse passo, a mesma carta que recorre à carta de Duarte Sodré pretende considerar
o desempenho da Junta das Missões de Pernambuco e a necessidade, sugerida pelo então
capitão-mor da Paraíba, Pedro Monteiro de Macedo, de se erigir uma independente nessa
última capitania, usando como principal argumento, na ocasião, maus-tratos a índios
aldeados, decorrentes de uma investigação acerca da suposta manutenção de práticas
religiosas tradicionais em um aldeamento da região de Mamanguape (Freire, 2015).
As relações cotidianas estão além de interpretações binárias. Ao contrário, revelam
uma multiplicidade de papéis e protagonismos, de acordo com os mais variados interesses. É
válido continuar a destacar que as relações entre os colonizadores e grupos indígenas, além
de escravizados africanos e seus descendentes, deram-se com base em uma política de
violência sistemática que impôs um genocídio aos primeiros e a exploração contínua dos
últimos (Monteiro, 2001). Ainda assim, conforme vem demonstrando a historiografia nas
últimas décadas, os conflitos e negociações nessa sociedade ilustram sua complexidade no
que se refere a agências individuais e/ou coletivas, que transcendem a resistência por meio
de guerras e fugas, por exemplo.
Para John Monteiro (idem), interpretações polarizadas conduziram à ideia de que os
povos originários não teriam passado nem possibilidade de futuro (embora a imagem do
“índio valente e bom” seja usada tanto pelo império quanto pela república para edificar
símbolos nacionais, inclusive ao lado de representações de bandeirantes). Salienta também
que os estudos sobre os povos indígenas no Brasil foram majoritariamente legados a uma
perspectiva antropológica porque faltava à historiografia a percepção de suas historicidades,
tendo a narrativa oficial se entranhado até mesmo no campo da ciência.
Regina Celestino de Almeida (2013) elenca os diálogos e as interpenetrações da
história e da antropologia, destacando como a primeira foi, a partir da década de 1980,
abrindo-se às histórias e historicidades indígenas em uma perspectiva que se dedicou a
repensar métodos e análises, encarando as agências desses povos, para além das
resistências a outros sujeitos tradicionalmente tomados como protagonistas e antagonistas
em narrativas que acabavam por esmaecer os papéis dos indivíduos não-brancos. Além
disso, estudos como os de Juciene Ricarte Apolinário (2005), Fátima Martins Lopes (2005) e
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embora não seja raro que se aliassem a muitos deles. No decorrer do século XVIII aumentam
também as denúncias por má conduta dos missionários, por incitação dos índios à
resistência e por castigos físicos a eles, causando o afastamento de religiosos em alguns
casos.
Um dos documentos anexos na carta de Henrique Luis Pereira Freire (1739) era uma
representação de índios aldeados nos sertões da capitania de Pernambuco. As vozes se
faziam ouvir por motivações evidentes, de salientar a necessidade da redução de aldeias,
como queria o governador e os curraleiros, concedendo “maior liberdade” aos índios,
mesmo havendo uma evidente iniciativa do reino em estimular a catequese até então.
Na prática, na maioria das vezes, com a exceção principal daqueles que conseguiam
se embrenhar em sertões mais longínquos e se juntar a grupos que tinham conseguido se
manter libertos dos braços portugueses e luso-brasileiros, isso significava que eles poderiam,
saídos dos aldeamentos, serem levados a procurar serviço nas fazendas, cobrando pouco ou
nada, em troca de não morrerem de fome. Não são poucos os casos de fugas e manutenção
de costumes dos antepassados mesmo debaixo da catequese missionária ou dos olhares dos
fazendeiros (AHU_ACL_CU_015, Cx. 56, D. 4884). Tanto, que os movimentos de resistência
de grupos armados que conseguiam se manter mais ao interior do território continuaram
aparecendo por todo o século XVIII.
Nesse caso, apesar de não saudarem um passado absolutamente belo, os índios
diziam na representação que, diante da exploração e da expulsão das terras de suas aldeias
pelos “brancos” ou sob a alçada de missionários que lhes imputavam castigos físicos
constantemente, preferiam adentrar ao mato e arriscarem ser comidos pelos povos rivais
(AHU_ACL_CU_015, Cx. 55, D. 4767).
Mesmo a lembrança de um passado tantas vezes hostil poderia ser preferível à vida
presente, embora grupos diversos tenham adaptado e se adaptado às novas roupagens dos
contatos pós-1500. Mas a idealização de outros tempos não é exclusividade dos grupos
coloniais. Roger Bastide (1971), ao falar sobre cultos de umbanda pelo Nordeste que
preservavam traços de antigos rituais indígenas, como a dança do Toré (a dança do Toré
remete ao ritual de povos dos sertões, como os Tarairiú Xukuru, que celebravam seus
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antepassados e entidades a partir do consumo do fumo feito das cascas da acácia jurema,
somado ao chá produzido a partir das raízes da mesma planta. Esse ritual foi motivo de uma
dura investigação no aldeamento de Boa Vista, na capitania da Paraíba, quando, em 1739, o
capitão-mor Pedro Monteiro de Macedo denunciou que os aldeados seguiram com seus
antigos costumes, não apenas debaixo dos cuidados dos missionários carmelitas, mas com a
participação desses. AHU_ACL_CU_015, Cx. 56, D. 4884.), retrata o apego a um tempo
sonhado, situado entre o passado e o futuro, onde as posições de dominação se inverteriam
e os brancos seriam dominados pelos povos negros e indígenas.
Esse caso de Boa Vista ganha ainda mais notoriedade entre as autoridades seculares
nas capitanias de Pernambuco e Paraíba porque se imiscuía em disputas políticas entre elas,
que passava pelas articulações junto às autoridades religiosas, apontando caminhos para
que os sujeitos aldeados se fizessem representar nos argumentos que condenavam, por
interesses diversos, a exacerbação da violência contra eles: em um contexto que se disputa o
controle da mão de obra indígena, além das terras dos aldeamentos, a denúncia sobre o
ritual aparece em segundo plano, quando o capitão-mor se queixa dos descuidos dos
missionários, abrindo outros eixos de conflito e negociação. A chave de suas requisições por
maior autonomia da Paraíba em relação a Pernambuco é a denúncia de um massacre no
aldeamento de Boa Vista, o que feria os princípios da legislação indigenista.
É também no interior dos aldeamentos que as agências se edificam em mais um
aspecto além do desafio direto por meio da guerra. A resistência política encontrava nos
aspectos culturais modos de reafirmação e adaptação, inclusive a partir de circularidades
entre indivíduos de povos indígenas diversos, reunidos no processo de catequese (Vainfas,
1995). Na aldeia da Baía da Traição, região de Mamanguape, na capitania da Paraíba, uma
revolta coletiva foi elaborada entre os chamados “caboclos de língua geral” (Pinto, 1977, p.
149). Mas os conhecimentos tradicionais sobre o lugar e sobre as ervas, por exemplo,
possibilitavam outros embates e armas, além das inseridas pelos colonizadores:
O Cappitão Mor da Parahiba Pedro Monteiro de Macedo em carta de dez de setembro do anno
passado da conta a Vossa Magestade por este Concelho [Utramarino] de como antes de chegar
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aquelle Porto os indios da Aldea da Bahia da Traição que he numeroza são atrevidos e orgulhozos
intentarão uma sublevação geral convidando não só para ella as Aldeas daquela Capitania mas ainda
as mais distantes da de Pernambuco fazendo para este effeyto grande prevenção de armas, polvora,
balas e flechas impedindo a comunicação que podião ter com os brancos com rondas de noute pellas
estradas [?] ameaçando com a morte ao Cappitão Mor dela se desse conta como fez por cuja cauza
segurão muitos o matarão com veneno e outros feitiços (AHU_ACL_CU_014, Cx. 9, d. 769).
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investigadas e nos esforços para manter sua própria estabilidade, os missionários tendiam a
ser derrotados nessa disputa com os fazendeiros, arbitrada pelas autoridades civis, o que
culminou nas reformas pombalinas na segunda metade do século XVIII. Estas
reconfigurações marcam uma nova página de um projeto de poder, que lança braços aos
dias atuais, para tentar invisibilizar os povos indígenas no Brasil (Lopes, 2005), ocasionando
em renovadas fontes e perspectivas de luta e agências desses grupos.
Considerações Finais
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Fontes
Manuscritas
CONSULTA do Conselho Ultramarino, ao rei D. João V. 1735, fevereiro, 8, Lisboa.
AHU_ACL_CU_014, Cx. 9, D. 769.
CARTA do governador de Pernambuco, Henrique Luís Pereira Freire de Andrada, ao rei D.
João V. 1739, dezembro, 10, Recife. AHU_ACL_CU_015, Cx. 55, D. 4767.
CARTA do [governador da capitania de Pernambuco], Henrique Luís Pereira Freire de
Andrada, ao rei [D. João V]. 1741, julho, 1, Recife. AHU_ACL_CU_015, Cx. 56, D. 4884.
Impressas
NANTES, Martin de. Relação de uma missão no Rio São Francisco. Tradução de Barbosa
Lima Sobrinho. São Paulo: Companhia Editora Nacional, [1706] 1979.
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INTRODUÇÃO
A realidade atual afasta cada vez mais os nossos alunos do hábito da leitura. Meios
eletrônicos como computadores, vídeo games, televisores e outros, usados de formas
inadequada, são fatores que contribuem e aumentam a dificuldade para criar o hábito e
tomar o gosto pela leitura.
Preocupamo-nos com a construção do ser humano, para que possa enfrentar
desafios que encontrará ao longo de sua vida, principalmente dentro da escola. Por essa
razão, pretendemos trabalhar e desenvolver atividades referentes a leitura e escrita, dentro
do ambiente escolar, visando solucionar os problemas que hora nos afeta.
Diante deste contexto, acreditamos ser urgente e necessário que nossa escola
busque o resgate e o devido valor a leitura, como ato prazeroso e requisito para
emancipação social e promoção a cidadania.
O público alvo são os alunos do 6º ano do ensino fundamental II , onde unimos o útil
ao agradável usando recurso literário; histórias em quadrinhos e trabalhando lendas
potiguara, transformando algumas dessas lendas em histórias em quadrinhos levando aos
alunos a entender melhor essa modalidade.
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METODOLOGIA
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São estas particularidades, dentre elas a integração entre texto e imagem, que
colocam os quadrinhos como um instrumento valioso para o desenvolvimento e estimulo da
leitura.
Para realização desse projeto é necessário que o professor coloque de maneira clara
informações prévias relativas a histórias em quadrinhos tendo, participação e interação oral
em sala de aula, lendo textos e outros nomes das tirinhas.
As histórias em quadrinhos são conhecidas como COMICS, nos Estados Unidos (pois
as primeiras eram cômicas); bande dessinée (tiras desenhadas), na França; fumetti
(fumacinhas; por que os balões lembram fumaças saindo da boca dos interlocutores), na
Itália; tebeos, na Espanha (por causa de uma revista chamada TBO) Historietas na argentina;
umñequitos, em Cuba, e mangás no Japão.
Um estudioso dos quadrinhos calculou existirem, mas de 1500 formas diferentes de
apresentar uma expressão facial. Somadas as representações das posturas do corpo, elas
oferecem um alto número de possibilidade de representação de ações de sentimentos dos
personagens.
Há também um livro: A arte dos quadrinhos, de Raquel Coelho, editora formato.
O livro mostra o surgimento e a evolução dos quadrinhos chegando aos dias de hoje.
A outra fala da linguagem características das HQs, dos primeiros heróis, dos diversos
estilos, da importância cultural e econômica dessa arte popular no mundo inteiro.
Alguns recursos linguísticos são encontrados nas histórias em quadrinhos como;
interjeição; ação palavras ou grupos de palavras que expressam emoções, sentimentos,
estados de espirito; podem ser empregadas também como forma de saudação e
cumprimento: Ui! Nossa! Credo! Ei! Oi! Psiu! Coragem! Epa! Ave! Ai de mim! Etc. A
onomatopeia é a palavra formada de modo a imitir sons. Por exemplo: glu-glu, au-au, chuá,
boa, bang, atrilm etc.
Esse projeto foi realizado ensinando passo a passo como montar uma história em
quadrinhos. Mostrar os principais tipos dos balões através de xerox e informar que foram
criados especialmente para os HQs.
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De caráter fantástico ou fictício, as lendas combinam fatos reais com fatos irreais.
As lendas indígenas são histórias fantásticas cheias de mistério sobrenatural. Algumas
dessas histórias foram criadas a partir de fatos verídicos, acontecidos. Outras referem-se a
flora e fauna da região, pois segundo suas crenças tanto as plantas como os animais, os rios,
os iguarapés, os lagos, as cachoeiras e o mar, possuem seus protetores que exigem respeito
e inspiram temor. Dentre as lendas mais conhecidas: O boi tatá, O boto, O caipora, A cidade
encantada, O curupira, A galinha Grande, A Iara, A lenda da mandioca, O Saci Pererê, O
Guaraná, O lobisomem, A Vitória Regia e o Velho da Praia.
Os contos, causos e lendas formam a cultura oral de um povo. Esses relatos são
transmitidos de geração em geração, através das narrativas feitas principalmente pelos
anciões baseadas nas experiências e no conhecimento público que possuem.
Localizados no litoral note dos municípios de Baia da Traição, Marcação e Rio Tinto,
os Potiguaras são a maioria dos habitantes, dos dois primeiros e uma importante minuria no
ultimo município. Marcam presença nas atividades econômicas, na produção cultural e nas
lutas políticas dessas três cidades.
Seu território foi objeto de seguidos processos de demarcação estando divididos em
três terras indígenas: a terra indígena Potiguara, A Terra Indígena Jacaré de São Domingos e
a Terra Potiguara de Monte-mór, as duas primeiras estão homologadas pelo presidente da
república, e a ultima se encontra na fase de demarcação física. Os Potiguaras vem se
destacando em outras frentes nas quais podem citar a educação a saúde e a produção
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cultural. Eles têm participado de iniciativas de produção cultural premiados pelo Ministério
da Cultura. Entretanto garantir a sustentabilidade da população.
Esse povo guerreiro constituem um grande exemplo de luta no Norte brasileiro. Sua
história de contato com a sociedade não indígena remota ao início da colonização. Hoje
procuram manter vigor de sua identidade étnica por meio do reaprendizado da língua tupí.
Aqui estão algumas lendas pesquisadas na cartilha “Lendas e Causas do Povo
Potiguara”.
Pai do Mangue / Cumade Fulorzinha (caipora do mato) / As Botijas enterradas / A
mão cabeluda / Mãe d`Àgua – Yara / Procissão da Meia Noite / O Lobisomem / As Bruxas de
Coqueirinho / O Batatão / O Peixe Que Reina na Maré / Rasga Mortaia / O Gritador
(assoviador), entre outras lendas.
Ao trazer para a turma diferentes histórias de lendas regionais, e apresentar os
personagens das histórias os alunos deverão dizer quais são seus personagens favoritos e
que gostam mais. No decorrer do desenvolvimento das atividades, colocar para a turma
pequenos grupos para a confecção de televisão de caixa de papelão expondo suas histórias
criadas na aula anterior. A flexão da língua existe nas histórias em quadrinhos, referente as
disciplinas trabalhadas verificando a aplicação dos conteúdos; habilidades comunicativas.
Isto é, compressão e escrita, uso da língua falada escrita, uso da língua falada escrita e as
atividades proposta.
RESULTADOS
A participação e interação com o gênero textual; historias em quadrinhos e lendas, a
partir da escrita, interpretação textual e desenhos construídos pelos próprios alunos. Espera-
se que o fracasso escolar seja recuperado.
Quanto aos acadêmicos envolvidos no projeto, espera-se que adquiram maior
entusiasmo pela profissão de educador construindo suas práxis educativa no contexto
desafiador do aluno com dificuldade de aprendizagem construindo melhores fundamentos e
agregando experiências profissionais docentes. Portanto, é grande a importância de se
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REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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INTRODUÇÃO:
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com uma nota, a partir dos trabalhos realizados em sala de aula, considerando ainda a
participação e interação dos alunos, no quesito trabalhos realizados individualmente e em
equipe.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA:
A ESCOLA INDÍGENA
A escola Estadual Indígena foi fundada no ano de 2003 e desde sua fundação se tem
como proposta um ensino diferenciado, destacando o Bilinguismo e a interculturalidade.
E de acordo com Nascimento (2012) a língua tupi, apresenta-se como componente
curricular essencial nas escolas potiguara do ensino fundamental e médio. E essa iniciativa,
apresenta-se como fator importante no interior do movimento de emergência étnica.
A escola possui um calendário especifico, onde valoriza momentos importantes das
aldeias, a exemplo do dia do índio e ascensão dos padroeiros da aldeia local, que resulta em
grande comemoração.
De acordo com Soler (2012), Os indígenas são cidadãos brasileiros que tem seus
direitos constitucionais reconhecidos e assegurados [...] e vivem e convivem nas aldeias em
território que é patrimônio da união.
Apesar dos seus direitos assegurados, ainda é possível, meio que indiretamente
perceber preconceitos e descriminações advindos por parte da sociedade, no entanto, são
cidadãos que consegue conviver naturalmente com qual quer pessoa, de qual quer raça ou
etnia.
CONCEITO DE FÁBULAS
De acordo com fontes via internet; a fábula é uma narrativa figurada, na qual as
personagens são geralmente animais que possuem características humanas. Pode ser escrita
em prosa ou em verso e é sustentada sempre por uma lição de moral, constatada na
conclusão da história.
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A fábula está presente em nosso meio há muito tempo e, desde então, é utilizada
com fins educacionais. Muitos provérbios populares vieram da moral contida nessa narrativa
alegórica, como, por exemplo: “A pressa é inimiga da perfeição” em “A lebre e a tartaruga” e
“Um amigo na hora da necessidade é um amigo de verdade” em “A cigarra e as formigas”.
Portanto, sempre que redigir uma fábula lembre-se de ter um ensinamento em
mente. Além disso, o diálogo deve estar presente, uma vez que se trata de uma narrativa.
Por ser exposta também oralmente, a fábula apresenta diversas versões de uma mesma
história e, por esse motivo, dá-se ênfase a um princípio ou outro, dependendo da intenção
do escritor ou interlocutor.
É um gênero textual muito versátil, pois permite diversas situações e maneiras de se
explorar um assunto. É interessante, principalmente para as crianças, pois permite que elas
sejam instruídas dentro de preceitos morais sem que percebam.
E outra motivação que o escritor pode ter ao escolher a fábula na aula, no vestibular
ou em um concurso que tenha essa modalidade de escrita como opção é que é divertida de
se escrever. Pode-se utilizar da ironia, da sátira, da emoção, etc. Lembrando-se sempre de
escolher personagens inanimados e/ou animais e uma moral que norteará todo o enredo.
METODOLOGIA:
Para a execução do projeto, foi proposto esse cronograma e os encontros
aconteceram na própria escola indígena, acima mencionada, e a abordagem do tema se
deram através de aulas expositivas e dialogadas.
Para tanto foi necessário o uso de recursos áudios-visuais para a melhor abordar a
temática; além da corroboração dos pais e anciões que apoiaram e ajudaram a engrandecer
a pesquisa de campo dos alunos. Como cita Nascimento (2012); as pessoas idosas são
considerados “guardiões da memória” e das tradições pertinentes a razão da existência da
etnia.
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ISSN:
CRONOGRAMA
Roteiro do dia: 19 / 07 / 17
Apresentação do projeto através de Slaid sobre o gênero Fábulas, onde surgiram,
quais principais características e alguns exemplos de fábulas.
Apresentar as fábulas clássicas mais conhecidas a fim de Instigar a leitura e a
desenvoltura emocional e intelectual em público.
Roteiro do dia: 27 / 07 / 17
Fábula em Filme: a lebre e a tartaruga
Questões e desenhos artísticos relacionadas a fábula em filme: a lebre e a tartaruga
Leitura e interpretação da fábula: o leão e o ratinho
Uso do dicionário
Roteiro do dia: 08 / 08 / 17
Pesquisa sobre alguns autores de fábulas
Pesquisa sobre fábulas
Criação de fábulas com tema indicado: o pescador e o peixe
Roteiro do dia: 14 / 08 / 17
Leitura e interpretação da fábula: o lobo e o cordeiro
Ensaio da encenação da fábula potiguara: o macaco, a onça e o sapo
RESULTADO:
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Ao apresentar a temática a ser estudada aos alunos, foi possível observar que parte
dos alunos já tinha conhecimento sobre algumas fábulas clássicas, no entanto, quando
foram indagados sobre o conceito, estrutura e autores de fábulas, nenhum aluno se dispôs a
responder, e isso fez com que houvesse um interesse maior no momento que se estava
sendo expostos os conteúdos previstos em sala de aula.
Ao longo dos encontros do projeto, foi delegado que os alunos precisariam ir a
campo pesquisar sobre alguma fábula potiguara e trazer para sala de aula, para então
apresentar aos outros alunos. Alguns alunos resistiram no momento da delegação da
atividade, pois acreditavam que seria uma tarefa difícil encontrar alguma fábula potiguara,
mesmo assim, se dispuseram a explorar. E o resultado dessa expedição, resultou em diversas
fábulas e isso se sucedeu graças à participação de anciões das aldeias. Que de acordo com
Nascimento (2012) aprender com os anciões ou “troncos velhos” faz parte da tradição dos
povos indígenas. Acrescenta ainda que os troncos velhos tem grande responsabilidade em
ajudar as novas gerações a se manterem fieis aos princípios deixados pelos antepassados.
E isso enaltece ainda mais a importância dos anciões para a continuação e
preservação do conhecimento e identidade de um povo.
Dentre as fábulas vistas e encontradas, os alunos do 6º ano, ousaram fazer algumas
alterações e reescreveram a seguinte fábula:
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Sabendo de tal acontecimento, o macaco ficou a pensar: e agora com faço para participar da
festa e não ser pego pela onça? – disse o macaco.
Logo foi pedir conselhos ao Quandú, que lhe disse: vá trajado de folhas e direi a onça que
você é meu compadre.
Mas como posso me trajar de folhas? – indagou o macaco
Procure na floresta uma colmeia de abelha e pode se lambusaro quanto puder de mel, logo
depois se deite nas folhas secas e assim terá a sua fantasia. – Disse o Quandú.
Uhuuuu! Essa ideia é realmente genial! – exclamou o macaco, pulando de alegria.
E no dia da festa o macaco fez tudo o que o Quandú havia lhe dito.
Ao chegar à festa, o Quandú disse: chegou meu compadre folhará! E logo lhe apresentou
para a dona da festa, a onça, que ficou a imaginar de onde era aquele animal e resolveu
convidá-lo para dançar.
E assim foi o macaco dançar com a onça, mas não citou uma palavra se quer, com medo de
ser pego pela onça. E ficou até amanhecer dançado com onça, que não se cansava de tanto
dançar.
Percebendo que o dia já estava amanhecendo, o Quandú, que era o músico da festa,
resolveu chamar a atenção do macaco através de uma canção
- compadre folhará cuidado na vida, O dia tá amanhecendo e os cabelos aparecendo.
Ouvindo tal canção o macaco soltou o braço da onça e saiu correndo da festa e gritando: –
enganei a onça na dança.
A onça disse: - não tem jeito para o macaco não!
A RAPOSA E O JACARÉ
Havia um jacaré que adorava passear até que um dia foi pego por uma armadilha.
Preso na armadilha gritava: - Socorro! Alguém me tira daqui!
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A raposa que estava a passar por alí, ouviu os clamores do jacaré. E resolveu ir ajudar.
Quando o jacaré viu a raposa: -socorro dona raposa!
Se a senhora me tirar daqui, prometo ser justo contigo e darei uma galinha de presente.
A raposa soltou o jacaré e como viu que o jacaré estava machucado o deixou na beira do rio.
O jacaré exclamou: - obrigado dona raposa! Como eu prometi vou te dar uma galinha de
presente.
Tá certo! – disse a raposa.
Venha pegar seu presente aqui, pois eu quero te homenagear – acrescentou o jacaré
No dia combinado a raposa chegou como quem não queria nada e logo foi surpreendida por
cachorros e lá longe ouviu risadas do jacaré, que dizia: coitada da raposa acreditou mesmo
que eu iria te dar um presente.
A ONÇA E O SAPO
A onça costumava beber água na beira do rio, quando num certo dia ouviu o grito de alguém
que pedia socorro. Ao chegar perto, percebeu que era o sapo, amarrado e preso dentro de
uma gaiola.
A onça perguntou quem te amarrou e te prendeu ai? Aposto que você aprontou mais uma! –
disse a onça
Dessa vez eu não fiz nada, eu juro! – disse o sapo
Quem acredita em você? - indagou a onça.
Dona onça me ajuda a sair daqui, me permita viver – disse o sapo
Você já aprontou muito comigo, não merece viver, você merece morrer – disse a onça
Se for pra me matar me solte e me mate afogado como morreu meus pais – sussurrou o
sapo
Ah então seu ponto fraco é a água, pois bem vou te afogar agora – disse a onça
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A ONÇA E O MACACO
O macaco que se achava o mais esperto de todos animais da floresta, se perguntara por que
não sou eu o dono da floresta? Mas se a onça morrer, eu posso ser o dono? – indagou o
macaco
Começou dai a planejar a morte da onça. Resolveu cortar uns cipós para fazer uma grande
armadilha para pegar a onça.
Sem desconfiar de nada a onça, viu o intenso desempenho do macaco em cortar os cipós e
perguntou: para que lhe servirá esses cipós
O macaco muito astucioso respondeu: dona onça, vai acontecer uma grande tempestade,
durante o inverno, com ventos muito fortes e esses cipós servirá para me segurar e o vento
não me levar – disse o macaco.
A onça pensou – eu devo me preparar para essa tempestade também.
Senhor macaco você pode tirar uns cipós para mim também? – indagou a onça.
O macaco muito esperto logo respondeu: claro que sim, não vou deixar desamparada a dona
da floresta.
Ao chegar o inverno, o macaco disse para a onça: - dona onça é melhor a senhora se
preparar da tempestade que está por vim, para tal, eu preciso te manter segurar na árvore
mais alta da floresta.
Por que não logo os outros animais e logo eu? – perguntou a onça.
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Por que a senhora é a dona da floresta, precisa ficar protegida em primeiro lugar – disse o
macaco.
Está bem, quando iniciaremos? - perguntou a onça.
Amanhã pela manhã começaremos – disse o macaco
Então no dia seguinte o plano do macaco, começara a se realizar.
Começou a amarrar a onça e ela de nada de desconfiar.
E logo após amarrá-la por completo perguntou o macaco: consegue se mexer daí?
A onça tentou se mexer e não conseguiu.
Muito bem, era isso que eu queria – disse o macaco.
Consegui amarrar o animal mais valente e dono da floresta, agora pode gritar que ninguém
vai e ouvir. Você vai morrer aqui e ninguém vai desconfiar que esteja por aqui. – disse o
macaco
- ah se eu soubesse dessa sua armadilha – sussurrou a onça
- ah! se soubesse, mas não soube! – disse o macaco
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
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projeto, foi o grande diferencial e nos mostrou que muito se tem para aprender e explorar
também.
Pode ser percebido que os alunos gostaram de conhecer o novo e que conseguem
fazer uso da inteligência emocional e intelectual em público basta ter alguém que consiga
instruir corretamente para tal. Como Cita Nascimento (2012) muitos ensinamentos são de
grande sutileza e precisam de momento certo, do lugar certo e da pessoa certa para serem
repassados, compreendidos e perpetuados.
E foi com esse pensamento, que finalizamos o projeto, com algo novo descoberto e a
vontade de explorar novas ideias para engrandecer ainda mais o nosso conhecimento
enquanto estudante e mais adiante repassar para futuras gerações.
REFERÊNCIAS
NASCIMENTO, Jose Mateus (Org.). Etnoeducação potiguara: pedagogia da existência e das
tradições. João Pessoa: Ideia, 2012.
SOLER, Juan; BARCELLOS, Lusival Antonio. Paraíba Potiguara. João Pessoa: Editora
Universitária UFPB, 2012.
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ANEXOS
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INTRODUÇÃO:
Na atualidade, os direitos dos povos originários tem sido objeto de luta constante,
seja esta defendida pelos próprios povos indígenas, como também por movimentos sociais,
estudiosos e simpatizantes em geral, visto isso, este estudo tem como escopo central
ressaltar a relevância da Constituição Federal como salvaguarda dos direitos dos povos
originários, ela que foi promulgada em 5 de outubro de 1988, é considerada pela maioria da
doutrina como o marco da garantia e do reconhecimento dos direitos desses povos na
América do Sul.
METODOLOGIA:
RESULTADOS E DISCUSSÃO:
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Tomando como partida a análise do caput do artigo 231 da Constituição Federal que
afirma “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e
tradições...” percebe-se primeiramente que o constituinte acolheu as organizações sociais, o
que resulta diretamente na “aceitação” da ordem social própria de cada povo originário,
reconhecendo logo após os costumes, línguas, crenças e tradições, o que deu legitimidade
para esses povos continuarem a seguir suas vidas de acordo com suas culturas, sendo
também considerados como cidadãos.
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salvo algumas exceções (art. 231 § 5º), e os atos que são nulos e extintos, não produzindo os
efeitos jurídicos (art. 231 § 6º).
Já o artigo 232 da Carta Magna, afirma “Os índios, suas comunidades e organizações
são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses,
intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo.”. O constituinte, neste artigo
quis corrigir um erro que era nítido a época, que era a da “voz do índio no direito” no qual se
dava quando os índios sempre “esbarravam” na formalidade dos processos, o que segundo
Marés (2013) na tentativa de correção vai ser inovado na constituição de 1988, atribuindo
legitimidade aos índios, suas comunidades e organizações para estar em juízo em defesa de
seus interesses e direitos. O que resultaria no poder de cada índio, comunidade ou
organizações indígenas ingressar com um processo ou defender-se ou ainda se valer do
Ministério Público Federal. E por fim, ficando necessário, por ser função institucional e
porque assim determinar o artigo 232, para que se evite fraudes ou erros, o
acompanhamento de todas as fases do processo, pelo Ministério Público.
CONCLUSÕES:
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Coords.).
Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. 2.380p.
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MARÉS DE SOUZA FILHO, Carlos Frederico (2013). Capítulo VIII – Dos Índios. In: CANOTILHO,
J.J. Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Coord.).
Comentários à Constituição do Brasil, Série IDP, São Paulo: Saraiva/Almedina, p. 2147 –
2158.
MARÉS DE SOUZA FILHO, Carlos Frederico (1992a). Textos clássicos sobre o direito e os
povos indígenas. Curitiba: Juruá.
AGRADECIMENTOS:
Aos meus professores por oferecerem todo apoio teórico necessário para o alcance ao
conhecimento e em especial ao professor Dr. Hugo César Araújo de Gusmão, que foi o
responsável pela orientação e pelo conhecimento referente a direito constitucional
repassado em suas aulas de teoria da constituição.
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O reconhecimento dos direitos a educação das pessoas com deficiência e dos povos
indígenas é resultado de lutas em que se evidenciam em conquistas gradativas, as quais
conduzem à educação brasileira a ações políticas que se voltem a minimizar a exclusão
social. Interfaces, que se coadunam ante uma política que busca assegurar não apenas o
acesso, mas, a permanência, prevendo financiamento e práticas pedagógicas. Fazer, que
tende a romper com o modelo de educação excludente que desconsiderava a cosmologia,
no caso dos indígenas e que limitava o acesso à sala de aula comum, no caso das pessoas
com deficiência.
Em que pese a importância política desses movimentos no processo de construção da
educação enquanto direito social, se registra, pela primeira vez, a tentativa de um modelo de
educação que considere a língua materna, o espaço, a organização social no que se refere a
educação indígena e a garantia de acesso a escola comum sob a responsabilidade dessa de prover
adequação curricular e arquitetônica, no caso das pessoas com deficiência. Contudo, nem sempre o
disposto na lei é garantia de uma prática. Essa, por sua vez requer ações que atendam as demandas e
superem os desafios que se apresentam tanto no contexto de educação especial quanto educação
indígena
O movimento em prol da educação indígena culmina em mudança de paradigma e
norteia iniciativas. Dentre essas, a política de educação escolar para indígenas reconhecendo
sua diversidade cultural, pensando condições de manutenção dos povos como patrimônio
étnico-cultural.
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DESAFIOS E REALIDADE
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O presente trabalho trata-se uma investigação qualitativa que teve como aporte
metodológico a observação participante e como procedimentos à pesquisa documental e
pesquisa bibliográfica. A pesquisa documental possibilitou a coleta de dados junto ao
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Ministério da Educação (MEC), Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). A pesquisa bibliográfica
de caráter analítica admitiu revisão da literatura relacionada à temática e direcionou às
observações. A definição, observação participante dá-se pela possibilidade de uso de
recursos variados. A definição dos sujeitos se constitui na identificação de matriculas de
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especial e educação indígena ainda não se condiz no contexto da aldeia e se apresenta como
duplo desafio no contexto da educação indígena e não indígena. O que abaliza
redirecionamentos da política para ampliar o atendimento e formação docente em ambos os
contextos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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com necessidades educacionais especiais deve-se assegurar na forma da lei a oferta do AEE
na perspectiva inclusiva.
Contudo, a pesquisa revela que essa prerrogativa ainda se apresenta como desafio
no contexto da educação indígena, e embora se registre iniciativas políticas no contexto
investigado, essas contemplam apenas parcela da população. Ou seja, as ações políticas para
o atendimento educacional especializado de alunos do povo Xerente, efetiva-se na
implantação de sala de recursos multifuncionais instalada no Centro de Ensino Médio
Indígena Xerente – Warã (CEMIX) o qual atende alunos do 6ª ano ao Ensino Médio.
No entanto, as crianças da educação infantil e ensino fundamental da aldeia Porteira
não são contempladas. O que demanda redirecionamento e ou ajustes da política.
Outros desafios são identificado mesmo na instituição que tem a SRM, esses se
revelam na formação e na prática docente, principalmente nas dificuldades da língua e na
proposta bilingue. Uma vez que a maioria dos docentes que trabalham na referida
instituição não são indígenas e pouco conhecem a língua akw~e. Nesse contexto a distância
entre as aldeias deve ser levada em consideração ao se propor políticas que se voltem a
atender um público com especificidade e ainda em fase de desenvolvimento. O que abaliza
redirecionamento da política, na formação e na prática docente em ambos contextos.
REFERÊNCIAS
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ISSN:
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Resolução CNE/CEB n.º
4, de 2 de outubro de 2009b. Institui diretrizes operacionais para o atendimento educacional
especializado na educação básica, modalidade educação especial. Diário Oficial da União,
Brasília, 5 out. 2009, Seção 1, p. 17.
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ISSN:
“Por que são os juruá quem dizem quais são os nossos direitos diferenciados
indígenas, e não nós Guarani quem dizemos quais direitos diferenciados queremos conceder
aos juruá?”. Esta foi uma das perguntas feitas para um grupo de assistência jurídica
voluntária, em uma conversa na Opy (casa de reza) grande da Tenondé Porã, aldeia Guarani
Mbyá na zona sul de São Paulo, capital. Seu conteúdo denota uma percepção da sutileza
sobre os direitos indígenas diferenciados: ao invés de uma proposta Bem Viverista que
inaugura uma sociedade intercultural, eles são, sim, um reconhecimento da
multiculturalidade do Brasil, mas apenas permitida a avançar dentro de certas estruturas
hegemônicas.
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2010: 62); b) multiculturalismo humanista liberal: “sustenta a premissa de que ‘todos são
iguais perante a lei’” e “desconsidera a produção de desigualdades com base na raça/etnia,
classe social, gênero, dentre outros marcadores identitários” (SOUZA: 2010, 63); c)
multiculturalismo liberal de esquerda: apresenta “caráter essencialista de cultura”, “onde as
identidades são compreendidas como essência do sujeito” (SOUZA: 2010, 64) e d)
multiculturalismo crítico e de resistência / multiculturalismo revolucionário, no qual
entende-se que “as desigualdades são produzidas em contextos sociais, econômicos e
políticos desiguais e expressam relações de poder, assimetricamente construídas no
interior das sociedades” (SOUZA: 2010, 62-63). Ta explica que interculturalidade, segundo
Richter, seria a “inter-relação entre as culturas, que representa a forma que ultrapassa o
âmbito das relações pautadas na dominação, para abrir alternativas ao diálogo e
reciprocidade” (SOUZA: 2010, 61). Já o Bem Viver p definido como a “soma de práticas de
resistência ao colonialismo e às suas sequelas”, em um modo de vida não absorvido pela
“Modernidade capitalista” (ACOSTA: 2016, 70). No capítulo destinado aos povos indígenas, a
Constituição Federal de 1988 prescreve: Art. 231. São reconhecidos aos índios sua
organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as
terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer
respeitar todos os seus bens.
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1981: 114-115). A escola surge, então, “como um trabalho efetivo e contínuo da própria
aldeia” (LADEIRA,
1981: 114), que pode suprir a necessidade de alfabetização para “que os índios possam
captar a linguagem verbal em português para melhor articulação no seu relacionamento e
nas negociações com a sociedade do branco, da qual dependem e são solicitados” (LADEIRA,
1981: 113).
Tanto nesta época quando mais tarde, em experiência conduzida pela FUNAI na
década de 1990, a alfabetização dos indígenas tinha características de educação popular,
usando palavras do contexto Guarani e respeitando os tempos e costumes da aldeia. A
professora Helena de Biase, que atuou nesta experiência, contou, em entrevista em 2018,
que o cacique José Fernandes queria a escola por dois motivos: para ocupar as crianças,
mantendo-as longe das más influências da sociedade no entorno, e para letrar e numerar os
Guarani, que então teriam melhores instrumentos para se defender dos juruá. O desejo,
segundo De Biase, era por “só um pouquinho de escola, pois entendia-se que escola demais
os tornaria juruá”, e por uma escola que afastasse as crianças do entorno, e não os levasse
mais ainda à cultura do outro.
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rede estadual: primeiro, em 1998, com a EEPG Belkisse Manhaes, e a partir de 1999 com a
EEPG Joaquim Alvares Cruz. É só em 2001, através do Decreto nº 46.339 do Estado de São
Paulo que se cria a Escola Estadual Indígena Guarani Gwyra Pepó, na Diretoria de Ensino -
Capital/Região Sul 3, da Coordenadoria de Ensino da Região Metropolitana da Grande São
Paulo. Ocorre a cooptação do sistema indígena escolar pelo estado, e sua transformação em
umsistema escolar indígena.
A professora indígena Claudia Jaxuka, da Gwyra Pepó, contou em entrevista em 2018 que
um dos motivos para a escola ser tão importante na comunidade é que a merenda escolar
nela servida (e financiada pela Secretaria Estadual de Educação) atende a toda a aldeia, e
não necessariamente serve apenas à comunidade escolar, o que é especialmente
importante porque a limitação de espaço na Tenondé ainda é muito grande, impedindo que
as família tenham suas roças. De Biase também relatou, em sua entrevista, que antes da
presença da escola na aldeia, não havia acesso a água limpa: desde a década de 1990, a água
da represa Billings já era imprópria para uso. Além disso, desde a realização dos cursos de
formação de professores indígenas (Magistério Indígena, iniciado em 2002 e oferecido pela
SEE-SP, e Formação Intercultural Superior do Professor Indígena, iniciado em 2005 e
oferecido pela USP), a maior
parte dos professores da escola é indígena e é contratada pelo Estado, recebendo um salário
que é dividido por sua família e provê melhores condições de sustento para um grande
grupo.
Se é clara a importância das condições materiais que a escola oferece à comunidade, sua
importância intelectual e de formação tem características dúbias. A escola da Tenondé Porã
é apontada por muitos por ser uma das que conseguiram maior autonomia e diferenciação,
mas em seu interior carrega muito da instituição escolar não indígena tradicional.
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informações da Diretoria de Obras e Serviço da FDE e com os fatos relatados pelo TCC da
Formação Superior de Jera, indígena cujo nome juruá é Giselda Pires de Lima, os prédios
foram construídos na década de 1990 por uma parceria entre a prefeitura, sob o governo de
Erundina, e um governo europeu, para abrigarem a escola, mas também um centro de
cultura, que hoje não existe; antes disso, a escola era uma sala de madeira construída pela
comunidade. Os prédios são muito semelhantes a uma escola estadual tradicional, com a
diferença de serem abertos para a comunidade: sem muros ou portões. No horário escolar
apenso à porta da secretaria da Gwyra Pepo, é possível perceber que as disciplinas da escola
são praticamente as mesmas de uma escola estadual não indígena: português, inglês,
matemática, educação física, história, geografia, ciências, artes, e para o Ensino Médio
química, física, biologia, filosofia e sociologia. Como disciplinas diferenciadas, há 2 aulas de
cultura étnica por semana para o Ensino Fundamental II e 2 aulas de língua materna por
semana para o Ensino Fundamental II e para o Ensino Médio.
A disciplina cultura étnica, na verdade, existe no currículo prescrito mas não no real:
na ausência de técnicos para a gestão escolar, seu professor realiza apenas trabalho
secretarial. Já a disciplina língua materna é na prática uma aula sobre cultura indígena em
geral, uma vez que a comunidade da aldeia Tenondé Porã mantém sua língua Guarani Mbyá
como primária e não demonstra grande interesse em tornar o Guarani uma língua
padronizada e escrita. De acordo com a professora indígena Aline, da Educação Infantil, o 1º
e 2º ano do Ensino Fundamental são conduzidos inteiramente em Guarani; mo 3º ano,
entram as aulas de português e no 6º, as de inglês.
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Multiculturalismos na escola
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Por outro lado, a organização estrutural da escola é uma cópia adaptada ou, nos
dizeres de tpcnicos da Secretaria Estadual de Educação, “empobrecida”, da escola
tradicional: os alunos têm os mesmos tempos e trajetórias escolares, estudam as mesmas
disciplinas. A resistência dos professores é grande, mesmo dos professores especialistas
juruá, e há uma tentativa constante de problematizar os conteúdos e refletir sobre a
realidade indígena no interior de cada disciplina, mas os instrumentos oferecidos
oficialmente pela estrutura estadual são, no máximo, do paradigma multicultural humanista
liberal. É reconhecida uma igualdade capenga: igualdade porque se os juruá tem sua escola,
os indígenas podem também ter a sua; capenga porque a escola é, na prática, criada à
imagem e semelhança da escola juruá. As diferenças são, então, tratadas oficialmente como,
na melhor das hipóteses, essenciais, no paradigma do multiculturalismo liberal de esquerda,
mas não há criação de oportunidades reais para o questionamento sobre como foram
criados os padrões que valoram estas diferenças, ou reflexões sobre a questão que abre o
presente artigo “por que são os juruá quem dizem quais são os nossos direitos diferenciados
indígenas, e não nós Guarani quem dizemos quais direitos diferenciados queremos conceder
aos juruá?”. Se há uma força indígena que pulsa pela indigenização da escola, há uma força
estadual que pulsa ainda pela integração do indígena, por sua liberdade de ser diferente
apenas dentro de impostos limites. As transformações reais pelas quais a aldeia vem
passando nos últimos anos parecem corroborar com este ponto de vista. Relata a professora
Claudia Jaxuka que uma das principais características do nhandereko (modo de vida
tradicional) Guarani é a religiosidade de seu povo, que permeia toda a cosmovisão, e que é
tradicionalmente discutida e incentivada diariamente, pela noite, na Opy. Quando chegou à
Tenondé Porã, em torno de 2000, Claudia conta que a tradição ainda era forte, e que todas
as noites as famílias se reuniam na Opy para ouvir os xeramoy (“avôs”) e xixary (“avós”). No
entanto, o cotidiano da escola, com suas longas
cansativas jornadas para professores e alunos, acabou por afastar da Opy alguns de seus
principais frequentadores: as lideranças comunitárias, que são os professores, e as crianças,
que são “o alvo para sobrevivência cultural de um povo” (JERA, 2008: 31).
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‘O Tiago, por falar o juruá, por ter tido a escolarização, tomou também esse
caminho da liderança, de representar o Guarani. E ele vai diariamente na
casa de reza, não importa o que esteja acontecendo, e isso é muito bonito, ele
faz uma reza forte. É liderança nesse mundo louco de hoje, mas consegue ser
esse Guarani que segue o caminho de nhanderu. Ele é prova concreta pra
mim de que existe o nhanderekuery. Se, desta forma, não é possível dizer que a escola é
bem sucedida em integrar os Guarani à sociedade hegemônica, ou que eles estão se
tornando juruá, a crítica à escola e à forma escolar que ela cria continuam sendo
pertinentes. A forma escolar, entendida como “princípio de engendramento, quer dizer de
inteligibilidade” do que p a escola, inaugura novos tempos e espaços para a educação e,
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Entendendo a escola como instituição que carrega a forma escolar, alterando as relações
sociais de seu entorno, questiona-se sua capacidade apriorística de ser um espaço
intercultural Bem Viverista. Considerando que a conquista constitucional na prática permitiu
a diferenciação das instituições juruá, e não a criação de novas instituições a partir da
própria cultura indígena, será que é possível falar em respeito ao e reconhecimento do
nhandereko? Pela experiência de análise da escola na Tenondé Porã, não parece ter ocorrido
ruptura paradigmática no conceito de direitos dos povos indígenas, mas apenas mudanças
incrementais dentro de um paradigma assimilacionista e liberal, de multiculturalismo sem
verdadeira interculturalidade.
Referências
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Superior de Professores Indígenas) - Universidade de São Paulo, 2008.
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LADEIRA, Maria Inês. O caminhar sob a luz - O território Mbya à beira do oceano.
Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
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DURAZZO Leandro
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
leandrodurazzo@gmail.com
Introdução
Existem múltiplos modos de falar do mundo, assim como múltiplos meios de habitá-
lo. Na margem baiana do rio São Francisco, os Tuxá de Rodelas, povo indígena
historicamente ocupante da região e, no período colonial, conhecidos por rodeleiros (cf.
Cabral Nasser, 1975; Gomes, 1986; Salomão, 2006), recentemente autodemarcaram um
território de ocupação tradicional na região chamada Dzorobabé. Ali, em sua terra ancestral,
território tuxá desde os antigos, uma nova aldeia começou a ser levantada no ano de 2017,
após sentença judicial favorável aos procedimentos demarcatórios que deverão ser
cumpridos por Funai e União (TRF1, 2017).
Dzorobabé, território também chamado Surubabel, é margem defronte ao local onde
havia uma ilha de mesmo nome, historicamente abalada por uma cheia fluvial no século
XVIII e mais contemporaneamente inundada irremediavelmente após a construção da
hidrelétrica de Itaparica (Salomão, 2006; Cruz, 2017). Dali teriam partido os primeiros índios
aldeados nas missões do Submédio São Francisco, dentre as quais a missão de Rodelas a
montante.
Entretanto, também ali permaneceram alguns dos antigos, ou brabios, antepassados
dos Tuxá que foram capazes de se adaptar à presença missionária na região ou dela se
esquivar. Os brabios, a despeito de sua antiguidade histórica, são entes presentes no
cotidiano contemporâneo tuxá, sobretudo a partir do evento da autodemarcação e da
72
Trabalho apresentado no II Congresso Internacional Mundos Indígenas, Campina Grande, 2018, como parte
do GT 7 – Histórias Indígenas e Perspectivismos Ameríndios, coordenados pelos professores Dr. Carlos Paz
(FCH-UNCPBA/ Argentina) e Dr. Giovani José da Silva (Unifap/ Brasil).
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possam ter sido iguais aos viventes, em tempos passados. E, sendo outros, eles demandam
tratamentos enunciativos – pela força da palavra – de cuidado e certa evitação, ao menos no
que diz respeito ao estabelecimento categórico do que seriam eles.
Não que não haja a compreensão de definições mais ou menos assertivas sobre suas
condições cosmológicas. Os antropólogos Elizabeth Cabral Nasser (1975), Orlando Sampaio-
Silva (1997) e Ricardo Salomão (2006) dedicaram algumas páginas a estabelecer
categorialmente as condições de mestres encantados, gentios e outros entes cosmológicos
presentes entre os Tuxá, entes sobre os quais apenas cuidadosamente escrevemos. Isso
porque, e aqui talvez seja importante relembrarmos o poder enunciativo, propriamente
performativo (cf. Austin, 1965) do discurso científico e da palavra acadêmica, pronunciar
certos nomes é também dar força à existência e à presença de tais entidades. Se na
autodemarcação de Dzorobabé, onde vivemos os primeiros meses de ocupação tuxá,
pudemos observar o cuidado indígena no trato com tais palavras, com que autoridade as
descreveríamos aqui? Ademais, qual a finalidade de tais descrições e categorizações
antropológicas, senão a abertura de uma possibilidade de entendimento intersubjetivo (cf.
Fabian, 2014)? Pois é justamente nesse ponto tentativo de entendimento que nos
colocamos: se os Tuxá falam deles sobretudo a partir de sua enunciação pronominal, assim
também faremos; e se os Tuxá com quem convivemos tendem a não lhes especificar
características ontológicas e categorias claras e distintas, tampouco o faremos.
A recusa em categorizar o que os índios não categorizam espontaneamente, ao
menos não em situações públicas e certamente não em nossas interlocuções – ou, quando o
fazem, sempre assumindo postura cautelosa e cuidada, para que nenhuma definição sobre
eles me pareça taxativa – faz parte de nossa abordagem tanto por uma questão ética quanto
metodológica. Sua dimensão ética julgamos evidente: se há um cuidado na fala indígena, há
de haver cuidado em nossa escrita antropológica, para que não se desvelem formas de
enunciação e categorização guardadas pelos Tuxá de Rodelas como segredo (cf. Reesink,
2000). E é justamente pela evitação de um esquadrinhamento que, metodologicamente,
abrimos possibilidade de entendimento antropológico daquilo que eles são em suas relações
com os viventes.
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focalizar suas condições de autonomia como nos sintagmas eles, brabios e mestres
encantados – têm a capacidade de circular entre contextos, e carregar consigo formas de
compreensão daquilo que se fala. Assim, aplicando os sintagmas pronominais ou nominais
(eles ou encantados) a diferentes registros discursivos, os Tuxá constituiriam não apenas seu
conhecimento das realidades cosmológicas que partilham, mas também certo modo de
tratamento e decoro adequado para o trato com eles.
Afinal, retomemos a ideia de diferença entre eles e os viventes. Não será suficiente
aos Tuxá conhecerem a realidade deles, ou se esquivarem de pronunciar, com todas as letras
– sobretudo em contextos de interação com não-indígenas – que existem encantados,
mestres e brabios. O conhecimento deferencial de Déléage assume em nosso caso uma
condição fundamental de deferência, pela diferença substancial entre eles e os Tuxá
viventes, tanto no quesito ontológico quanto na proximidade deles com a dimensão cosmo-
ritual da ciência – afinal, eles estão no que por vezes se chama de igrejinha encantada ou
reino dos encantados, ou ainda no juremá, em referência à esfera da religiosidade indígena
que abrange o uso e o culto da jurema (cf. Cabral Nasser, 1975; Sampaio-Silva, 1997;
Salomão, 2006).
Pela deferência, então, temos toda uma dimensão de respeito, reserva e mesmo
humildade que coloca os Tuxá diante deles – de quem sequer os nomes próprios são
pronunciados com facilidade, sobretudo junto a não-indígenas, e cujos sintagmas
pronominais e nominais servem para designar sem classificá-los detidamente. O segredo já
observado quando do trato com a ciência (Reesink, 2000) e a reserva em relação a certas
enunciações, que acima apontamos, passam a ser acompanhados de outras dimensões:
respeito, deferência, cuidado e um entendimento cosmológico específico, advindo tanto da
relação nativa com o complexo sócio-ritual da ciência e da jurema – cujos maiores exemplos
estariam nas práticas e trabalhos acima mencionados – quanto de processos deferenciais
(Déléage, 2009) e de entextualização (Bauman, 2004).
Os sintagmas e pronomes cosmológicos que observamos entre os Tuxá de Rodelas
talvez nos auxiliem a compreender não apenas as relações entre entes viventes e brabios,
não-humanos – como quereria Viveiros de Castro – mas também suas comunicações. Porque
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À guisa de conclusão
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Alguns dos versos são explícitos, mas não nomeiam os personagens-entidades, pelo
que não sabemos se a performance enunciativa faz referência a episódios poéticos, talvez
míticos, ou a invocações de entes cosmológicos presentes no cotidiano do mundo – a modo
deles. Um toante diz “no rio de São Francisco/ do outro lado de lá/ tem duas cabocla índia/
dançando seu toré/ bebendo água do seu coité// oi, cabocla do mato, só vem folgar/ cabocla
do mato só vem folgar”. Já outros designam personagens-entidades de característica
ontológica bem conhecida: “Os anjos que vêm do céu/ vieram cantar na glória” ou “pedindo
a Jesus Cristo/ contrito em meu coração” (ou “com Cristo em meu coração” para uma
variante do segundo verso).
Fato é que mesmo essas linhas abertas e passíveis de serem conhecidas por não-
indígenas – lembrando sempre da natureza pública e de performance interétnica que o toré
mantém – mostram-se variáveis a depender dos contextos e dos sujeitos indígenas
envolvidos nas práticas rituais. Em alguns grupos político-rituais, certas linhas consideradas
de trabalho, e por isso fortes, não são cantadas em espaços fortes sem a devida preparação
– e às vezes nem mesmo com preparação. Em outros grupos, determinados toantes podem
ser ouvidos, pelo que a cosmopolítica dos encontros pragmáticos vai se desvelando
conforme os diferentes grupos vão habitando Dzorobabé e, por meio da fala e da
coexistência, acomodando sua coabitação com eles.
Pela condição relacional que a cosmologia tuxá nos apresenta, e pela indiscutível
diferença entre índios viventes e as entidades não-humanas com que compartilham mundo,
o uso de pronomes e sintagmas cosmológicos nos auxilia a compreender algo de tais
relacionamentos. Porque a diferença também estabelece que os entes não-humanos são,
em certa medida, mais-que-humanos, posto seu vínculo estreito e indissociável com a
ciência e o complexo que estabelece pressupostos de uma sobrenatureza. Pronomes
pessoais (feito eles) assumem, no caso tuxá, verdadeira condição de pronomes de
tratamento: trato diplomático, ritual, cosmológico e deferente, como é comum em mundos
habitados por uma multiplicidade de seres.
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Referências
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Fundamentada em relatos orais e fontes escritas sobre o tema, esta pesquisa visa
revisitar a história de minha bisavó, juntamente com o desaparecimento do povo de sua
etnia Kariri, ocorridos entre o fim do século XIX e inicio do século XX na cidade de Lagoa
Seca-PB, no sitio Conceição que esta localizada no agreste paraibano.
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Deparamo-nos com uma rica tradição oral e um ‘passado mestiço’ cuja evocação
traduz, num modo narrativo e ficcional, as percepções do processo de relações interétnicas
vivida pela minha família e ressignificado nas memórias que se passou de pai pra filho. Para
nosso trabalho nos apoiamos nas fontes orais. Fontes estas que possibilitam que sujeitos
e/ou testemunhos antes excluídos e colocados no anonimato, sem direito à memória,
comum passem a ser protagonizados. O uso da História Oral, bem como das narrativas que
dela se originam, estimulam a escrita de uma História que não é uma representação exata
do que existiu, mas que se esforça em propor uma inteligibilidade, em compreender a forma
como o passado chega até o presente. O que o historiador escreve não é aquilo que se
passou e, sim, uma produção discursiva. Como afirma Paul Veyne: A história é uma narrativa
de eventos: todo o resto resulta disso. Nesse sentido, o historiador etnográfico é aquele que
usa os métodos de pesquisa, não para fazer uma História totalizante do real, tendo em vista
sua impossibilidade, mas aquele que, através dos métodos, especialmente o da História Oral,
constrói o conhecimento histórico na perspectiva da narrativa, permitindo, assim, uma
descrição das representações dos sujeitos que viveram a História ou, de alguma forma, com
ela tiveram contato.
Quando criança eu sempre visitei o sitio Conceição com minha mãe, onde pude ouvir
relatos, uma tradição oral sobre os povos originários que habitavam a região e da avó dela.
No citado sítio, havia uma imensa casa denominada de “casa grande”, que nos fundos
funcionava uma casa de farinha, nela tinha muitos mistérios e curiosidades que na minha
cabeça não passava de uma simples história, não fazia ideia que aquilo no futuro para mim
seria algo extraordinário, pois ali estava parte da história da minha família a partir da mulher
destacável Francisca Gomes de Sousa. Na Casa Grande como era chamada, bem antes de ser
uma casa de farinha, em sua construção, fora feita para abrigar escravos, foi construída para
ser uma senzala, isso em outro período da história que suas paredes foram testemunhas
bem antes de serem demolidas em meados dos anos 90, restando só assim seus registros
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em fotografias, hoje no seu local encima de sua base há uma pequena casa construída que
não remete nada do que era antes.
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Sousa, que era uma índia Kariri e fora encontrada abandonada na mata no município de
Lagoa Seca – PB.
A origem do nome Lagoa Seca é permeada por várias versões. Os primeiros habitantes
de Lagoa Seca foram os indígenas Kariri também chamados de "Bultrins". A colonização
pelos não-indígenas possivelmente inicia-se através da implantação de um engenho com
essa denominação, de propriedade do Coronel Vila Seca. Como homenagem ao Coronel
surgiu o nome da cidade. Em uma versão popular muito mais lendária é direcionado a um
fato ocorrido na rua João Lourenço Porto, onde existia uma lagoa, que se encontrava sempre
seca originou o nome.
Fui escutando histórias e peculiaridades sobre o povo indígena que habitava a região
especialmente onde localizava o sitio Conceição entre os municípios de Campina Grande e
Lagoa Seca. Esse local foi onde minha mãe nasceu e viveu por vários anos de sua vida
juntamente com minha bisavó e os demais de sua família antes de se transferirem para a
cidade de Campina Grande , PB no ano de 1975.
Em minha infância tive o prazer de conviver com minha bisavó de origem indígena e
ouvir suas histórias, mais nada que ficasse retratada na minha mente em períodos
convividos, se não somente frase do tipo “no céu é como na terra! Tem governo”, [mas mal
entendia o que ela queria dizer com isso],e seu desafeto com as fantasias de carnaval que
lhe trazia certos medos. [Esse período foi vivido por mim até o ano de 1994, quando eu a vi
em sua cadeira sentada já em óbito]...
Ainda trago as lembranças de quando visitava a Casa Grande no sitio Conceição, com
suas imensas paredes feitas de tijolos manuais, que eram sobreposto de dois em dois de
forma horizontal, subindo assim uma parede bastante larga e resistente com seu imenso
teto, que na minha imaginação não tinha fim, e me perguntava: como será que foi feto?,
quem o fez? Mas a minha mãe sempre falava que desde a sua infância a casa já estava
erguida, e que fora construída pelos índios que abitavam a região (índios Bultrins)
juntamente com escravos negros. Pois a casa grande era no passado uma senzala.
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Nas minhas caminhadas dentro da casa havia um local onde raramente eu ia e evitava
o máximo passear perto da sala, muito escura e larga, sem iluminação elétrica, me causava
bastante medo. Suas varias janelas, onde dava para ficar de pé, via no horizonte o verde das
árvores, e o imenso bananal que me levava a imaginar a infância da minha Mãe: como tinha
sido os tempos de criança, as brincadeiras e o que eles faziam? Caminhando entre os
corredores e os quartos da ‘casa grande’ como era chamada, ao chegar na parte de traz, era
outra surpresa, era onde se encontrava a casa de farinha, para mim, outro mundo ver as
maquinas que eram ultilizadas para a produção da farinha, ali a mandioca era trabalhada
passando por seus vários processos de beneficiamento até obter o resultado final. Ver todo
maquinário que eram manualmente operado e outros que eram movidos por tração animal,
traziam um encanto imenso por ver tudo aquilo que eu não via na cidade onde fui crescendo
e repetidamente ouvia todas as história da casa grande e sua construção, e sobre minha
bisavó que era chamada de caboca.
Francisca Gomes de Sousa (dona Chiquinha) como era conhecida por todos que
conviveram ao seu lado, tanto em cidade de Lagoa Seca quanto em Campina Grande no
bairro de Bodocongó onde vivera parte de sua vida logo apos ter se mudado para cidade
grande, como era falado na época, isso em 1975.
Foi registrada em Campina Grande, 29 de Setembro de 1975 com uma base de mais
ou menos 74 anos de idade, pois seu registro aponta para uma suposta data de nascimento
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no ano de 1901, mas ela foi encontrada já criança um pouco crescida, então devido às
precariedades da época ela foi registrada com uma idade fictícia para ter uma idade
confirmada. A cabocla Francisca teve irmãos e irmãs, cuja origens e histórias eram parecidas,
foram todos achados na mata, seus parentes “pegos a dente de cachorro” na mesma região
de Lagoa Seca. Criados por um morador da região chamado de Lucas Batista, que era
proprietário das terras onde eles cresceram e viveram certo período da vida. Seus irmãos se
chamavam: Antônio Sousa, Jovi Sousa, Cícera Sousa e Joana Sousa, ambos registrados por;
Manoel Gomes de Sousa e Donara Maria da Conceição, pais arranjados como se fala na
época.
Uma mulher que não frequentou escolas e nunca foi alfabetizada. Mas tinha um rico
conhecimento tradicional, tanto na culinária quanto no artesanato, todo esse adquiridos ao
longo de sua infância e lembranças de seus parentes.
Minha mãe sempre falava de algo que nunca tinha esquecido de fazer que aprendera
com ela, que eram gaiolas de camará (camará ou ainda camarajuba , é um ar-
busto da família das Verbanáceas, muito cultivado por seu efeito ornamental), uma pratica
artesanal herdada da dono Chiquinha, na culinária estava o domínio das raízes, suas
garafadas e seus pratos de origem, como o processo do aproveitamento da mandioca e da
macaxeira e seus usos após passarem pela casa de farinha na famosa casa grande do sitio
Conceição.
O esposo da Bisavó Francisca faleceu ainda nos anos iniciais do seu casamento
deixando os seus filhos órfão, travando ai mais uma luta de vida para criar suas três crianças.
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A sua vida sempre traduzida em luta, pois já havia na sua infância enfrentado o abandono e
a solidão entre as matas, já que os colonizadores perseguiram seus pais e os capturaram.
Poderíamos dai imaginar como foi as dificuldades dela e as demais crianças abandonadas em
meio ao matagal, seus enfrentamentos durante a noite com vários animais soltos e o perigo
recorrente de um ataque por qualquer que fosse, o frio, a fome que os castigavam.
Ouve até resistências dela para emitir seus documentos, pois ela falava que não
queria esses papeis, pois quando o povo faziam isso morriam. Faleceu em 1994 na cidade de
Campina Grande-PB no bairro do Bodocongó. Como já citei antes do que eu ouvia falar sobre
minha bisavó Francisca Gomes de Sousa, desde os tempos de criança e como cresci ouvido
relatos e suas histórias. Isso era enigmático, até conhecer histórias sobre os povos indígenas
paraibanos e suas lutas para sobreviverem em meio a colonização que fora devastadora para
com os povos que lutavam para resistirem aos fazendeiros.
Na mudança da Bisa Francisca para Campina Grande, veio também todos que com ela
moravam no sitio Conceição, incluindo um dos filhos, partindo dai uma ramificação e
formação de novos descendentes de índios Bultrins promovendo a ampliação da família
proveniente da cabocla Francisca. Desse modo é fato ver como esta população indígena aos
poucos foi desaparecendo do contexto em meio a população, vagarosamente e em silencio,
deixando só as reminiscências e rastros de memórias revisitadas. Mas, seria um
desaparecimento por completo ou um silenciamento? De fato compreendemos em sua
síntese que essa população indígena ainda existe e está silenciada, partindo desses pontos
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de vista iniciados em uma estrutura étnica e formação familiar, há dona Chiquinha, cabocla
brava achada na mata, formou e deu um prosseguimento a sua linhagem indígena. Entre as
reminiscências de fatos e costumes um orgulho por parte dos que reconhece suas origens e
se consideram parte do povo Kariri paraibano primeiros indivíduos que habitaram as terras
que posteriormente foi denominadas de Lagoa Seca-PB.
Ô Guia, mamãe, mamãe contava assim: a... a avó da gente, não sei o que
dela! foi achada no mato a dente de cachorro, era isso que mamãe contava,
nera isso...minha, nera isso, minha vó não sei o que dela era índia, noi tem
pacto, quando ele pegava e falava, que mamãe... – você ta pensando que.
Agente tem pacto com índio, minha vó bisavó não sei o que era foi achada a
dente de cachorro ne, tinha uma história, achada no mato ne. Mamãe dizia
isso direto... na mamãe. Ai eu tava escutando sua história... ela contava
mamãe contava, qualquer coisinha ela dizia –você tá pensando o que?
Minha vó... (pergunta sobre quem era a mãe dela).era mamãe a mãe de pai
(resposta; era Cicera a mãe dela)ai mamãe e! era uma misturada mandada.
Eu lembro que mamãe dizia, mamãe dizia que qualquer coisinha que
agente dizia ai achava que ia matar agente que era índio...
Cícera bisavó de Neuza Sousa, era filha de Joana que foi uma das tias da minha mãe,
ligando assim os parentescos entre Joana e Francisca, as duas eram irmãs que deram origem
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do estudo feito para fins, espero ter contribuído para o campo do estudo da
pesquisa sobre a história indígena. As reminiscências indigenas em seus sentidos amplos,
fornecem aspectos que colaboram com a visão e a pesquisa de etnohistória e ao mesmo
tempo que identifica o público que pertence e tem ligações ancestrais indígenas.
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reminiscências desaparecerem por completo, já que nas escolas dos municípios não se
trabalha o tema do índio na formação de famílias e sim a sua figura como um ser selvagem.
Não vi muitos estudos que abordasse o tema na nossa região paraibana, ou até
mesmo falando no próprio município de Lagos Seca, é fato ver que grande parte da
população contemporânea não tem acesso as informações devidas que contribuam para o
conhecimento e para a formação de ideias que possam alavancar os estudos das raízes
indígenas da região, enfatizando esse núcleos para podermos compreender e valorizar a
formação familiar a partir de índios que abitaram nossas terras e que foram perseguidos e
extintos da terra deixando só as reminiscências, que, devem ser preservadas. Pois no
passado foram forçados a abandonares suas estruturas e obrigados a passarem por um
processo de amansamento como se fala no dito popular para terem uma inclusão na
sociedade.
FONTES ORAIS.
COLABORADORAS
BIBLIOGRAFIA
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INTRODUÇÃO
Quando pensamos nas populações indígenas e sua relação com o meio ambiente,
chegamos a contornos peculiares, tendo em vista o seu modo específico de organização e de
subsistência essencialmente atrelado à utilização dos recursos naturais advindos do meio
ambiente.
A sociedade indígena, desde séculos passados tem um elo forte em relação ao meio
ambiente e a sustentabilidade, pois era deste meio que viviam e tiravam sua subsistência,
cultivando a terra entre outras áreas e por fim a sua cultura e tradição, para que desta forma
fosse mantidas vivas suas crenças e seus costumes como herança para as futuras gerações.
(CAVALCANTI, M.L.C & CAVALCANTI, R.S.T., 2018)
A preocupação da Constituição da Republica Federativa de 1988 era tão grande que
conferiu expressamente aos índios o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios, e dos
lagos situados em terras indígenas.
Exposto em plano nacional, cita a proteção ao índio, como referida no Capítulo VIII,
sobre a “Ordem Social”, da CF-88, em seus artigos 231 e 232, bem como em se tratando de
proteção ao meio ambiente, ora referida no Capítulo VI, artigo 225 ainda da CF, onde a
mesma irá dizer que: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e
à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”,
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(BRASIL, 2012, p.59). Além disso, fica claro também o Capítulo II, “Dos direitos e garantias
fundamentais”, Artigo 5º, LXXIII.
Ainda versando sobre o art. 225, o meio ambiente não depende apenas de proteção
das autoridades públicas, é visto como um bem de uso comum do povo e essencial a uma
sadia qualidade de vida também é dever de toda a sociedade, do mundo, protege-lo e
preserva-lo, esclarece Édis Milaré:
“De fato, é fundamental o envolvimento do cidadão no equacionamento e
implementação da política ambiental, dado que o sucesso desta supõe que todas
as categorias da população e todas as forças sociais, conscientes de suas
responsabilidades, contribuam para a proteção e a melhoria do ambiente, que,
afinal, é bem e direito de todos” (MILARÉ, 2005, p.162).
METODOLOGIA
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Essa pesquisa a qual pretende realizar uma explanação ao que consiste acerca da
sustentabilidade da sociedade indígena brasileira, bem como refletir sobre a proteção do
meio ambiente e aos direitos humanos relacionados a essa comunidade, escolheu-se utilizar
para tanto o método de pesquisa analítico-dedutivo, pois trouxe vários doutrinadores e
profissionais que trabalham com a questão indígena no Brasil. Além de uma abordagem
descritiva, na qual visa investigar algo que acontece baseando-se em observações, como por
exemplo, levantamentos documentais e legislações que abordam o tema em questão.
DESENVOLVIMENTO
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Fonte: SP Review.
Ao que se pode notar, é que a cultura indígena foi sofrendo gradualmente influencia
desses novos colonizadores, através da implantação na tradição e costume do índio nativo, a
cultura europeia, com seus costumes, religião, como mostra (Figura 2), vestimentas,
educação e até mesmo culinária, (HALLEWELL, 1985). Consequências sofridas nos dias atuais
do século XXI e o ferimento dos Direitos Humanos onde a sociedade indígena por diversas
vezes dependente do estilo de vida da sociedade contemporânea, como por exemplo, o uso
da luz elétrica, água encanada e, em algumas já mais modernizadas tribos, o uso da internet.
Por vez o índio moderno continua sua luta para manter a herança cultural e de subsistência
em meio à sociedade capitalista.
Essa sociedade indígena que ainda sobrevive ardorosamente ao longo dos anos é
protegida por algumas ONG’s, em conjunto com a FUNAI e em parceria com a ONU, que são
órgãos protetores dos direitos indígenas, além de seus direitos humanos no plano nacional e
internacional.
Para o tema escolhido que motivou essa pesquisa a qual pretende realizar uma
explanação ao que consiste acerca da sustentabilidade da sociedade indígena brasileira, bem
como refletir sobre a proteção do meio ambiente e aos direitos humanos relacionados a
essa comunidade.
O método de pesquisa usado para tanto foi o analítico-dedutivo, pois trouxe vários
doutrinadores e profissionais que trabalham com a questão indígena no Brasil. Além de uma
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O meio ambiente é assunto atual no mundo todo, a partir dos anos 80 a preocupação
ambiental começa a surgir no Brasil, porém as discussões a cerca da “sustentabilidade”
surgiu em 1972 através da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano,
tais questões como poluição e degradação ambiental serviram como base e foram lançadas
para a comunidade internacional através ações de debates.
A consciência ambiental teve uma evolução e foi responsável por criar uma legislação
de proteção ao meio ambiente, elevando-o a categoria de “bem” de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida. (CAVALCANTI, M.L.C & CAVALCANTI, R.S.T., 2018)
De acordo com Fiorillo, o meio ambiente é caracterizado como:
“O meio ambiente natural ou físico é constituído por solo, água, ar atmosférico,
flora e fauna. O meio ambiente artificial é compreendido pelo espaço urbano
construído, consistente no conjunto de edificações (chamado de espaço urbano
fechado), e pelos equipamentos públicos (espaço urbano aberto); está diretamente
relacionado ao conceito de cidade. O conceito de meio ambiente cultural está
previsto no artigo 216 da Constituição Federal do Brasil de 1988, engloba o
patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turístico... O bem que
compõe o chamado “patrimônio cultural” traduz a história de um povo, sua
formação, cultura e, portanto, os próprios elementos identificadores de sua
cidadania, que constitui princípio fundamental norteador da República do Brasil”
(FIORILLO, 2006, p.21).
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de difícil consecução ou até mesmo uma utopia, porque se sabe que os recursos
ambientais são finitos e antagônicos com a produção de capital e consumo
existente” (CANOTILHO, 2007. p. 149).
Desta forma, Sarreta contextualiza ainda que; com a sustentabilidade inicialmente vem
da ideia de desenvolvimento sustentável, concepção analisada por vários autores e
relacionada ao crescimento econômico, difundida no pós Segunda Guerra Mundial”
(SARRETA, 2007).
Complementado pelo professor, Clóvis Cavalcanti:
“[...] desenvolvimento sustentável representa uma alternativa ao conceito de
crescimento econômico, indicando que sem a natureza nada pode ser produzido de
forma sólida... A natureza deve ser a referencia para a escolha da escala ótima das
atividades econômicas que se detenham dentro daquelas fronteiras.
Evidentemente, o ponto preciso onde a economia se localizará depende de
considerações morais atinentes aos interesses de gerações presentes e futuras. É
dever do governo avaliar as preferencias da sociedade em tal contexto e agir para
colocar a realização das aspirações da presente geração em harmonia com as
aspirações de nossos descendentes” (CAVALCANTI, 1999, p. 38).
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Pode-se imaginar que caso a União tivesse que permitir ou autorizar o uso das
atividades como a pesca para as diversas etnias indígenas existentes em território brasileiro,
regulamentando quais os aparelhos de pesca poderiam, ou não, ser utilizados por cada uma
delas, essa exigência não só seria um abuso absurdo como também iria de encontro à
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A Luz da Constituição Federal do Brasil de 1988, artigo 225, acerca do meio ambiente,
define a Constituição como sendo algo que deve ser preservado para os presentes e futuras
gerações, cabendo à coletividade assim como também ao poder público defendê-lo,
preservá-lo, restaurá-lo, controlá-lo e defini-lo de forma que garanta a proteção do bem
coletivo. Diante desse estudo, foi criado o Direto Ambiental, veículo assegurado por
princípios para a melhor aplicabilidade dos meios de proteções ao meio ambiente. Segundo
Celso Antonio Pacheco Fiorillo:
“Dessa forma, observa-se que o direito ambiental reclama não apenas que se
“pense” em sentido global, mas também que se haja em âmbito local, pois
somente assim é que será possível uma atuação sobre a causa de degradação
ambiental e não simplesmente sobre seu efeito. De fato, é necessário combater as
causas dos danos ambientais, e nunca somente os sintomas, porquanto, evitando-
se apenas estes, a conservação dos recursos naturais será incompleta e parcial”
(FIORILLO, 2006, p.46).
Sendo assim, cabe à União, aos Estados, aos Municípios, aos órgãos e entidades da
Administração Indireta, garantir aos indígenas livre acesso aos meios indispensáveis à
existência de suas comunidades, não impondo exigências, muito menos estabelecendo
restrições que não se coadunam com a sua organização social peculiar e com suas crenças,
tradições e costumes diferenciados.
Portanto qualquer conclusão em sentido contrário representaria uma tentativa odiosa
do Estado para sobrepujar a cultura indígena e os seus métodos específicos de subsistência,
quando impostos aos índios hábitos de uma sociedade cujo ele não pertença.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vale salientar que a utilização das riquezas naturais presentes dentro ou fora das
terras indígenas, desde que compatível com seu modo tradicional de vida e organização,
seus costumes e tradições, não pode ser limitado pela legislação ambiental comum,
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regendo-se, ao revés, pelas regras próprias de cada comunidade indígenas, não se impondo
ao índio, nessas condições, qualquer responsabilização de ordem administrativa ou até
mesmo penal pelo exercício desse tipo de atividade.
Entende-se por fim que a atividade tradicional restar exercida pelo índio em regime de
subsistência e atendendo ao seu modo próprio de desenvolvimento não estará seu autor-
índio sujeito a qualquer responsabilização em face da legislação penal, civil ou administrativa
por conta do seu desempenho. Tal exercício exercido sobre a atividade tradicional dentro ou
fora das terras indígenas repita-se, deve ser regida pelas comunidades indígenas e suas
próprias regras.
Sendo assim o índio que tentar explorar atividades em caráter comercial ou lucrativo,
dar-se-á a sua inserção no âmbito de incidência das regras jurídicas de responsabilidade das
condutas lesivas ao meio ambiente.
De acordo com doutrinadores a União, o Estado ou Município, bem como suas
autarquias e fundações, não se mostram razoáveis no que consiste restringir a utilização de
meios tradicionalmente utilizados por determinada etnia indígena para prover a respectiva
subsistência a partir dos recursos ambientais que lhe são disponíveis na natureza.
Nota-se o disposto no art. 2º, incisos IV e V, do Estatuto do Índio (Lei nº 6.001/73),
segundo o qual:
Art. 2º. Cumpre à União, aos Estados e aos Municípios, bem como aos
órgãos das administrações indiretas, nos limites de sua competência, para
a proteção das comunidades indígenas e a preservação dos seus direitos:
(...)
IV – assegurar aos índios a possibilidade de livre escolha dos
seus meios de vida e subsistência;
V – garantir aos índios a permanência voluntária no seu
habitat, proporcionando-lhes ali recursos para o seu
desenvolvimento e progresso.
Ficando desta forma exposto as regras jurídicas acerca das atividades comerciais
indígenas.
CONCLUSÃO
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1 – Introdução
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Guarani da criação do mundo e a dos cristãos. Para isso, lançaremos mão da hermenêutica
como recurso metodológico, visando traçarmos um paralelo de relações interpretativas da
criação cósmica contida no livro sagrado dos cristãos, a Bíblia, entre a criação cósmica dos
índios brasileiros Apapocúva-Guarani.
O nome Guarani é um topônimo que se refere a cosmologia e a descrição
geográfica de um lugar. Os Guarani atuais chegaram ao litoral do Brasil no início do século
XX, provenientes do interior da América do Sul (Paraguai, Argentina e do estado brasileiro do
Mato Grosso do Sul), forçados pela invasão de suas terras por colonizadores, pelos conflitos
com outros autóctones, e, principalmente, em busca da “Terra sem Mal”, algo semelhante
ao “paraíso” na crença cristã.
Os Guaranis só consideram como membros da sua tribo aqueles que falam o seu
mesmo dialeto, qualquer diferença, mesmo que seja mínima, no dialeto, caracteriza a
pessoa como estrangeira, ou seja, a pessoa não é reconhecida como membro do grupo.
Segundo Egon Schaden (1982) a população Guarani do oeste do Paraguai, da
Argentina e do Brasil, pode ser dividida em três subtribos: os Nandeva, também conhecidos
como Xiripá, os Mbiá e os Kaiowá.
Os Xiripá são o resultado da unificação de três diferentes grupos Guarani: os
Apapocúva, os Oguauiva e os Taningua (NIMUENDAJU apud CASTRO, 1987). Portanto, os
Apapocúva-Guarani fazem parte de um dos grupos que formam a etnia Guarani. O seu nome
significa: “homens dos arcos compridos”, esta é uma alcunha empregada pela horda no qual
fazem parte.
Segundo Nimuendaju (1987) a habitação original dos Apapocúva situa-se na margem
direita do baixo Iguatemi, no extremo sul do estado do Mato Grosso. Para este etnólogo, a
partir de relatos da tradição dos Apapocúva não se pode afirmar que esta horda tenha sido
submetida ao domínio dos jesuítas, ao menos entre os séculos XVII e XVIII, assim como as
outras hordas estiveram.
2 – A origem da criação do mundo para os cristãos
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Nanderuvuçú veio só, em meio às trevas ele se descobriu sozinho. Os morcegos eternos
lutavam entre si em meio as trevas. Nanderuvuçú tinha o sol no seu peito. E ele trouxe a eterna cruz
de madeira; colocou-a na direção do leste, pisou nela e começou (a fazer) a terra. Hoje a eterna cruz
de madeira permanece como escora da terra. Quando ele retira a escora da terra, a terra cai. Em
seguida ele trouxe a água. E Nanderuvuçu achou Nanderú Mbaecuaá junto de si. E Nanderuvuçú
disse a Mbaecuaá: Achemos uma mulher! Então Nanderú Mbaecuaá falou: Como podemos achar
uma mulher? Disse Nanderuvuçu: Nós a acharemos na panela de barro. E ele fez uma panela de
barro e a cobriu. Algum tempo depois Nanderuvuçú disse para Mbaecuaá: Vá ver a mulher na panela
de barro! Nanderú Mbaecuaá: Nanderú Mbaecuaá foi e verificou a mulher na panela de barro. E ele
a trouxe consigo. E Nanderuvuçú fez sua casa em meio à escora da terra. E disse Nanderuvuçú para
Mbaecuaá: Vá experimentar a mulher! Nanderú Mbecuaá foi e provou a mulher. Ele não queria
misturar (confundir) o seu filho com o de Nanderuvuçú e Nanderú Mbaecuaá deu a seu filho um
início especial. E uma é sua mãe: Ela tem o filho de Nanderuvucú e também o filho de Nanderú
Mbaecuaá ambos em seu ventre materno. Então Nanderú Mbaecuaá foi embora. E Nanderuvuçú fez
roça. Enquanto ele ia e a fazia, realizava-se atrás dele a época do milho verde. E ele veio para casa
comer. E disse à sua mulher: Vá na roça, traga milho verde, que iremos comer. E a mulher de
Nanderuvuçú disse a seu marido: Agora mesmo estavas fazendo roça e já me dizes: Vá, traga milho!
E a mulher de Nanderuvuçú pegou o cesto de carregar e foi na roça. E Nanderuvuçú pegou os colares
de peito, o maracá e também a cruz de madeira; o diadema de penas ele pôs sobre sua cabeça. Ele
saiu, rodeou a casa, foi embora. Ele chegou à trilha do jaguar Eterno, plantou a cruz de madeira,
desviou atrás de si a mulher da sua pista. Sua mulher voltou da roça e chegou em casa. Quando ela
chegou, Nanderuvuçú não estava lá. Sua mulher pegou a cabaça, muniu-se também com a taquara
de dança, saiu, rodeou a casa, seguiu seu marido e caminhou à sua procura.
4 – Considerações Finais.
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Grande Pai, enquanto para os cristãos o seu Deus é o Grande Eu Sou. Ambas as crenças
comungam da ação de um Deus criador para a existência do universo.
Para os índios Apapocúva-Guarani, Nanderuvuçú surge como o primeiro, e o faz de
modo verdadeiramente imponente, com a luz resplandecente no peito, ele se descobre
sozinho, em meio às trevas. Nanderuvuçú, sobre um suporte em forma de cruz, “ele dá à
terra o seu princípio” e a provê com água. Assim se dá o processo de criação do mundo
entre os índios Apapocúva-Guaraní. Já para os cristãos, Deus não é um ser criado e sim o
criador, Ele sempre existiu. No momento da criação do mundo, o Gênesis relata que a terra
era sem forma e vazia, que havia trevas sobre a face do abismo, e o Espírito de Deus pairava
sobre as águas. Pelo poder da palavra, através do verbo de ação: “haja”, o Deus cristão,
criou os céus, a terra, e disse: “haja luz; e houve luz". Deste mesmo modo criou todos os
seres vivos que há sobre a terra e todos os astros que há no céu, e todas as coisas que
existem no universo.
Percebemos que na história da criação do universo dos índios, o Deus Nanderuvuçú
acha de repente ao seu lado, Nanderú-Mbaecuaá, que seria seu auxiliar, ao qual
Nanderuvuçú ordena que ache uma mulher. Mas, como Mbaecuaá não possui poder criador,
indaga-lhe e o criador lhe responde: “Na panela”. Portanto, Nanderuvuçú faz uma panela,
cobre-a e passado algum tempo ordena à Mbaecuaá que vá verificar, este encontra de fato
uma mulher e a trás consigo. Aí percebemos o momento da criação da mulher, Nandecý, na
lenda dos índios Guarani. Semelhantemente, aferimos que entre os cristãos, também há a
crença da criação da mulher, Eva. Também notamos a presença do homem, como ser criado,
que conversa com Deus e que também sente a necessidade da presença de uma mulher, o
qual, assim como Mbaecuaá, Adão também não possui o poder para criar a mulher. Porém
ambos, tanto Adão, quanto Nanderú-Mbaecuaá participam diretamente do processo de
criação da mulher. O livro bíblico de Gênesis, relata que o Senhor Deus fez com que caísse
um sono sobre Adão, e ao este adormecer, tomou uma das suas costelas e fechou o lugar
com carne. E a costela que o Senhor Deus tomara ao homem, transformou-a em uma mulher
e lha trouxe.
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Portanto, diante de tudo o que narramos aqui, podemos concluir que, embora os
Apapocúva-Guarani e os cristãos sejam povos de etnias distintas, com culturas e religiões
diferentes, porém comungam de algumas crenças semelhantes em seus sistemas de
representações religiosa, como a fé na existência de um Deus e do dogma na crença do
universo criado do nada, a partir da ação de um grande Deus criador, o que nos leva a
crermos que embora muitos estudiosos dos índios Apapocúva-Guarani, defendam que eles
preservam até hoje as suas crenças pagãs (SCHADEN, 1982, p. 5) e que a sua religião não
sofreu alterações sob influência do cristianismo, mesmo estes povos tendo tido contato com
missionários jesuítas, como defende o etnólogo Curt Nimuendaju, acreditamos que tais
semelhanças seriam uma ressignificação da narrativa cristã da criação, pelos índios
Apapocúva-Guarani, estando tais semelhanças presentes também em suas crenças, ritos e
cerimônias, embora, reconheçamos que os atores sociais envolvidos no cenário religioso
cristão e Apapocúva-Guarani sejam distintos, no entanto, apresentam atributos e funções
semelhantes.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Bíblia Sagrada. Traduzida em Português por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada no Brasil.
2 ed. Barueri-SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.
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Considerações iniciais
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2 A educação indígena
Com essa colocação nas Diretrizes vemos que os povos indígenas começam a ser
considerados protagonistas de sua própria história, tanto na educação como na cultura. Eles
começam a ser valorizados em relação ao conhecimento empírico que possuem. Por
conseguinte, mostram que foram inseridos nos conselhos que são ligados diretamente à
educação escolar indígena.
Dessa maneira, se busca uma relação mais respeitosa entre os povos indígenas e
órgãos governamentais no tocante a valorizar e priorizar a educação diferenciada para esses
povos, com o reconhecimento de seus costumes, crenças, línguas, entre outros.
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Vemos que a educação dada aos indígenas era pensada de forma homogênea para
que pudesse haver uma integração cultural e social a do outro, ou seja, não eram valorizados
seus conhecimentos e saberes, nem tão pouco sua língua, o que se requeria eram os
conhecimentos dados pelos europeus e tínhamos a figura do indígena nos livros usados
como algo distante e que tinha ficado no passado.
O idioma indígena era tido como referência apenas para traduções de nomes usados
pelo povo brasileiro e mostrado como algo para facilitar a aprendizagem da língua
portuguesa e valorizar alguns conteúdos da cultura nacional. Nesse período não se pensava
em ensinar o idioma aos povos que o perderam como língua materna, onde podemos tirar a
exemplo o povo Potiguara da Paraíba em relação à Língua Tupi, que foi utilizada pelo povo
anteriormente e perdida. Mas agora ensinada nas escolas indígenas, desde o ano de 2002,
sob o empenho de um pesquisador e Tupinólogo, professor Eduardo de Almeida Navarro
(USP), e um grupo de professores de Língua Tupi por ele formado.
Vemos que, no RCNEI (BRASIL, 2005) existem algumas características para a Escola
Indígena, a saber:
- Comunitária:
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Pelo fato de poder ser decidido seu calendário pedagógico anual, seu espaço onde
podem ocorrer as aulas, o auxílio da comunidade em relação à decisões da escola e à
pedagogia usada nela, aos seus objetivos como escola e unidade formadora, conteúdos
vistos e o quão importantes são para a comunidade indígena, fazendo referência ao
currículo diferenciado da escola.
- Intercultural:
Levar em consideração a diversidade cultural e linguística do povo brasileiro. Com
isso, investir numa valorização cultural e mostrar que nenhuma cultura é superior a outra.
Devemos sempre ter respeito por toda e qualquer demonstração cultural de qualquer tipo
de identidade étnico-racial. Mas sempre vendo as desigualdades sociais existentes entre os
povos.
- Bilíngue ou Multilíngue:
Ver e reconhecer as crenças e costumes religiosos, conhecimentos milenares que
passam de geração a geração, onde na maioria das vezes é feita pela língua falada pelos
nossos ancestrais, mesmo sabendo que não é usada na sua forma contínua, pelo fato do
Brasil hoje ser considerado um país monolíngue, mas sendo estudada nas escolas indígenas
como língua materna.
- Específica e Diferenciada:
Porque ela é feita a partir da perspectiva de cada povo em relação à cultura, língua,
valorizando sua particularidade e autonomia.
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Esse conhecimento faz com que os povos indígenas tenham uma relação mais igual
entre a sociedade que os cerca e possam ter um conhecimento melhor na escrita, leitura,
nas produções de textos escritos por autores indígenas, para que com isso o outro possa
conhecer melhor a cultura das sociedades indígenas com seus próprios relatos.
Conforme o RCNEI (BRASIL, 2005, p. 122), a língua portuguesa não tem apenas a
função de “tornar os povos indígenas conhecidos junto aos não-índios: é quase sempre ela
que como língua franca permite que povos indígenas se conheçam e estabeleçam alianças
políticas”.
Sendo assim, a língua portuguesa serve não só para conhecimento da cultura
indígena pelos não-índios para que os próprios indígenas se conheçam, formem alianças,
articulem meios que sirvam como instrumentos de defesa de seus direitos legais,
econômicos e políticos perante a sociedade. Desta forma, um recurso para ser reconhecido e
respeitado, tanto nacional ou internacionalmente, em várias esferas da diversidade,
mostrando ser um canal de extrema relação entre si para firmarem posicionamentos
políticos comuns.
Existem realidades diferentes em relação ao aprendizado da língua portuguesa de
aldeia para aldeia, ou seja, cada comunidade carrega uma realidade diferente no ensino-
aprendizado da mesma. Podemos observar que existem comunidades indígenas que têm a
língua portuguesa como segundo idioma a ser introduzido no currículo escolar. E povos que
tem o português como primeiro idioma, onde é a língua de instrução e disciplina curricular.
Nesse caso, procura-se introduzir o ensino da língua indígena referente à comunidade a que
ele pertence.
O RCNEI (BRASIL, 2005, p. 123) diz que
uma outra situação possível, embora muito mais rara, é aquela em que o
português é a única língua usada na aldeia: é exclusivamente através da
língua portuguesa que alguns povos indígenas elaboram, expressam hoje
suas crenças religiosas específicas, sua cosmologia própria e seu modo de
ser diferenciado. É importantíssimo entender que mesmo tendo perdido
sua língua de origem, um povo pode continuar mantendo uma forte
identidade étnica, uma forte identidade indígena.
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Falando sobre língua indígena relacionando com a língua portuguesa, nos é citado no
Referencial que em situação rara temos o português como única língua usada na aldeia pela
comunidade indígena, que por meio dele algumas comunidades expressam suas crenças
religiosas, costumes, mas a seu modo de ver e sentir. E, mesmo ocorrendo tal situação, o
povo ainda mantém uma grande identidade cultural indígena. Se usarmos como exemplo o
povo Potiguara da Paraíba, vemos que a língua materna é o Tupi Antigo, mas até então
pouco usado pelo seu povo, isso falando em linhas gerais do ensino da língua Tupi e seu uso.
Até hoje nas aldeias é usada a língua portuguesa na comunicação entre os membros
da comunidade. Porém, começamos a ver em rituais religiosos seu uso, seu ensino nas
escolas indígenas onde os mesmos são equivalentes ao ensino de português, com currículo
específico, gramática na língua Tupi, textos atuais com palavras que foram criadas a partir da
atualidade, ou seja, era uma língua não falada pelo povo e considerada morta. Por este
motivo teve que ser atualizada e algumas expressões e palavras adaptadas à sociedade
atual.
Assim, “o papel da escola indígena, no que se refere ao ensino da língua portuguesa,
é possibilitar que o aluno continue a se expressar na variedade local do português,
garantindo, ao mesmo tempo, que ele tenha acesso ao português padrão oral e escrito”
RCNEI (BRASIL, 2005, p. 123).
Entre as variedades linguísticas usadas no Brasil estão a forma padrão e a informal.
Esta primeira é tida por mais prestígio pela classe dominante no país. A escola indígena vem
com o papel principal de formar, preparar o aluno para que o mesmo possa, por sua vez,
saber as duas formas e garantir a ele esse conhecimento, tanto em textos orais quanto em
escritos.
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Perrotti (2007, p. 02), para quem “a leitura é uma experiência interior magnífica, uma forma
importantíssima e insubstituível de sentidos, de significados, um complexo e esplêndido jogo
entre o texto e o leitor”.
De acordo com o autor, a leitura é compreendida como um jogo entre texto e o
leitor, onde ele dá diversas formas e sentido e a tem como complexa. Este jogo entre o texto
e o leitor vai sendo mostrado de várias formas, visto que a leitura é construída, não
somente, tendo um livro, mas em outros suportes ou eventos, como nas participações
gerais, por exemplo, nas reuniões da comunidade, nas danças de Toré, documentos, atas de
reuniões, fotografias, documentários etc..
Ainda para Perrotti (2007, p. 02),
A leitura vista desse modo, que toca o leitor, arrebata, traz uma viagem que ocorre
em um espaço/tempo, que traz à memória imaginação, pensamentos, afetos, emoções,
sensibilidades. Quem não se lembra das histórias e causos contados na infância, que ainda
são vivas em nossa memória, nas viagens literárias que são vivas em nossa historia? É a
concepção de leitura que nos mostra aquela que está viva em cada um de nós, com
sentimentos de saudades, com experiências únicas já vividas, que envolvem desejos e
emoções inigualáveis.
Nesse trecho, a leitura se apresenta como algo livre, algo a ser construído. Se
considerarmos, como exemplo, a leitura que fazemos em nossa infância, com jogos e
brincadeiras, das frutas que pegávamos como animais e até mesmo transformávamos as
mesmas como bonecas. E se tomarmos as histórias de assombração contadas sempre pelos
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mais velhos, e que morríamos de medo com tal causo. Pela descoberta que os livros trazem,
pelas férias, as pessoas que lembram a juventude de uma maneira fascinante, os primeiros
amores vividos, até as primeiras palavras que aprendemos a ler.
Para Verdini (2007, p. 29), “desde que nascemos, diferentes situações nos põem em
contato com as palavras. Elas vão sendo ensinadas para que possamos nomear, reconhecer,
dar sentido ao mundo onde vivemos e que temos necessidade de aprender a desvendar”.
É desse modo que situações vividas no dia-a-dia, como uma simples ida ao
supermercado, um passeio, um culto religioso, coisas simples nos trazem uma maneira de
fazer uma leitura a partir do mundo em que vivemos, fazendo, assim, várias leituras nas
linhas e entrelinhas.
A leitura colocada dessa maneira é o contrário das práticas que acontecem
geralmente no contexto escolar. De fato, a leitura em sala de aula fica sempre presa às
práticas tradicionais, “onde a pedagogização desconsidera a natureza específica da leitura,
que é o ato comunicacional” (PERROTTI, 2007, p. 13).
Quando assumimos uma prática diferente da pedagogização da leitura em sala de
aula, mostramos como é feita a pedagogia cultural, ou seja, sendo capaz de em sala de aula
resgatar conhecimento e trabalhar com os alunos uma maneira diferente de ver a leitura,
isto é, valorizando, principalmente, nossa cultura.
Esse modo de ver está diretamente ligado às práticas de leitura com um outro olhar,
outra concepção, porque em amplo sentido a leitura nos convida a um processo de
curiosidade, nos mostra sentido a algo, ou alguma coisa, e nos ver com outros olhos.
A leitura em si acontece num espaço, mas não falamos aqui em espaço físico, mas
sim na vida, nas trocas que ocorrem nas diferentes sensações que a leitura nos proporciona.
Desse modo, fazemos a seguinte pergunta: o que queremos promover nas escolas, o ato de
leitura ou simplesmente o ato de ler?
Na visão de Perrotti (2007, p. 33),
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tomamos isso como problema, vemos que não é bem assim: a escola indígena vem com
bagagem diversificada de opiniões, sendo que as encontramos também nas escolas
tradicionais, mas o que pesa, em si, seria que, além de tudo isso, temos nossa diversidade
cultural.
De acordo com Baumann (1990, p. 141),
O autor nos traz a seguinte colocação que quando se tem um ensino direto, ou seja,
quando existe um foco e se trabalha em grupo consegue-se um êxito maior em sala de aula
na relação professor-aluno, no tocante, principalmente, às aulas de leitura, porque, dessa
maneira, as aulas de leitura, consideradas, muitas vezes, cansativas pelos alunos, tornam-se
prazerosas, ao ponto de ver o quanto é bom à leitura, ou seja, o ato de ler e compreender o
que está escrito.
Aqui podemos ver como o autor nos mostra as estratégias que o professor pode
utilizar em sala de aula com seus alunos, onde ele divide em cinco partes: que são
introdução, exemplo, ensino direto, aplicação dirigida pelo professor e prática individual do
aluno.
Então, para formarmos bons leitores nas escolas indígenas não encontremos uma
forma pronta, mas temos que saber que a leitura em contexto indígena nos dá outro lado
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usado nas escolas da comunidade, podendo relatar sua cultura, seus costumes, crenças, de
uma visão do próprio indígena ser passado aos estudantes para um diálogo e
enriquecimento cultural.
Mas para que aja realmente uma formação diferenciada faz-se necessário que esses
professores sejam da própria aldeia, pois eles conhecem as dificuldades que se mostram
tanto no âmbito escolar como cultural para que façam uma parceira entre comunidade-
alunos-professores para que cada um possa contribuir de sua maneira na educação
intercultural.
Considerações finais
Portanto, o presente artigo nos mostra as relações entre as leis que regem a
educação escolar indígena diferenciada: as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Escolar Indígena, contidas na LDB, e o RCNEI. Este compreende a formação de uma educação
indígena intercultural, sua valorização e importância para a sociedade atual.
Tais documentos sugerem que o ensino de leitura considere o saber do outro e seu
olhar cultural, não desprezando a prática tradicional, mas mostrando outros métodos.
Portanto, conclui-se que a educação indígena precisa investir no ensino de leitura
reconhecendo a leitura de mundo, de vida, do cotidiano da aldeia.
Destacamos a relevância de uma pesquisa desta natureza, a documental, pois,
enquanto professores, nos ajuda a lermos criticamente as leis que regulamentam a
educação indígena contemporânea, (re)conhecendo suas concepções sobre a atividade
docente e sobre o processo ensino-aprendizagem como um todo.
Referências
BRASIL. Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI). Brasília: MEC,
2005.
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Nos últimos anos, desde a geração da primeira geração da Escola dos Annales, houve
grandes avanços na escrita da história, passamos de uma visão histórica positivista que
enaltecia os grandes acontecimentos, os grandes desbravadores, heróis de guerra, em
detrimento aos acontecimentos com uma analise critica e aprofundada. Esse método da
“escola metódica” de fazer história marcou por muito tempo nossa história, muitos escritos
enaltecendo os grandes nomes ilustres marcaram nossa produção historiográfica, este fato
só muda com a nouvelle histoire e mais ainda com os anos 80 do século passado.
Principalmente, o que tange a historiografia sobre os povos originários, que neste artigo irei
tratar grosseiramente como indígenas. A historiografia sobre os indígenas veio ganhar
evidência nas últimas duas décadas, durante muitos anos a historia
indígena ficou esquecida na história e nos estudos historiográficos, a participação dos
indígenas, era tida como de forma secundaria, sem muita importância e mostrando o
indígena sempre subserviente, prestativo de forma passiva aos europeus e vítimas indefesas
ALMEIDA (2010, p.13). Historicamente, a visão do europeu era tida como “verdadeira”,
pois, era a única representação dos indígenas que havia. Hoje nós historiadores buscamos
encontrar uma verossimilhança de como viviam os indígenas, a partir destas visões, e quais
suas eram suas diversidades étnicas, pois muitos foram extintos. O que temos, como narra
Herckmann, de índios preguiçosos que cultuavam o diabo, é uma representação de como
eles viviam dos seus costumes e práticas que é representada pelos olhares
dos europeus, tais representações como cita GINZBURG (2001, p.85) se há uma
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representação, não há algo real através dela, mas se ela existe é, ela torna visível o que está
sendo representado, ou seja, mesmo que a representação seja de um ponto de vista
etnocêntrico e eurocêntrico, seja só retórica ou meramente discurso de legitimação, ela
serve para analisarmos como os indígenas eram representados a partir da visão do
colonizador. Por isso, nós optamos por utilizar o conceito de representação de Carlos
Ginzburg e não o de Roger Chartier, por o conceito ser ambíguo e nos mostrar os dois nados
da representação.
Também levamos em consideração o conceito de memória coletiva de que Jacques Le
Goff trabalha em seu livro História e Memória, no capitulo sobre Memória, ele vai dizer que
a memória coletiva ela é passível de esquecimento voluntário ou involuntário, que existe
senhora da memória e do esquecimento e que a memória ela serve de arma de poder social
para os poderosos dominarem as classes, grupos e indivíduos. Então toda forma de silenciar
a história indígena foi uma forma de apagar ou menosprezar sua participação ou
contribuição na formação do Brasil. Assim aconteceu com o negro, onde diziam que eles não
contribuíram para a formação da sociedade brasileira, por isso surgiram às teorias racialistas
e o branqueamento no século XX, pois uma forma de manipular através do silenciamento e
negação da memória da participação destes indivíduos, na construção histórica e social do
Brasil.
Durante os últimos anos, muitos trabalhos buscam trazer um pouco esse
reconhecimento que muitas vezes foi silenciada, evidenciando os papeis dos indígenas na
formação do Brasil e da sociedade brasileira, buscando sanar lacunas existentes na
história local (o que é bastante difícil, pois o que temos são o que os colonizadores deixaram
em relatos de diários de viagens, documentos oficiais para a metrópole). Neste ponto de
vista, este trabalho também busca trazer em evidenciado papel da participação dos
indígenas Ariús na formação do povoamento de Campina Grande, no fim do século XVII.
Através de fontes de época e da historiografia tradicional, tida como positivista, buscamos
analisar como era a representação dos indígenas, qual a visibilidade e real importância que
estes indígenas tiveram na fundação e formação do povoamento de Campina Grande.
Analisando os conceitos de desbravamento, sertão, povoamento, representatividade, mito
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sofrer com a economia, pois já não lucrava nada, porque seu escoamento agora estava
saindo todo por Pernambuco e não tinham chances de concorrer com Pernambuco.
Todo esse jogo de relação de Paraíba e Pernambuco, só se restringia a região litoral
da Paraíba visto que ainda o sertão era inóspito, principalmente o da Paraíba; primeiro, por
ser árido, bárbaroe impenetrável; segundo, pelos seus habitantes, os índios os Cariris. Esses
dois fatores foi o que contribuiu durante muito tempo para que a colônia não se expandisse
para o oeste. O colonizador não estava apto para desbravar o sertão inóspito e perigoso.
Como já enfatizei no inicio, o que sabemos hoje sobre os índios é o que
é representados deles, em cartas, relatos e escritos dos colonos, imagens a partir da visão do
colonizador, mas que podemos analisar e compreender quem eram, por exemplo, o caso
particular dos índios Cariri. O holandês Elias Herckmann (1961), fala quem eram e aonde
habitavam algumas etnias indígenas que habitavam as regiões dos sertões da Paraíba.
(...) os Tapuias foram um povo que habita no interior para o lado ocidente sobre os
montes e em sua vizinhança, em lugares que são os limites os mais afastados das
capitanias ora ocupados pelos brancos, assim neerlandeses como os portugueses.
Dividem-se em várias nações. Alguns habitam transversalmente a Pernambuco, são
os Cariris, cujo rei se chama Keriokeiou. Uma outra nação reside um pouco mais
longe, é a dos Caruruwasys, e o seu rei se chama Karupoto. Há uma terceira nação,
cujos índios se chamam Carervjouwns(Carijós). Conhecemos particularmente a
nação tapuia chamada Tararyou, Janduwy é o rei e uma parte delas e Cararaca de
outras.
No relado vemos que ele chama os índios de tapuias, que é um termo utilizado para
os índios que não falavam o tupi, mas outros dialetos que eram desconhecidos pelos
colonizadores. A partir da visão do colonizador podemos problematizar como era os índios e
como os colonizadores os via. Sempre com o olhar de superioridade e civilizados, perante o
gentil, inferior e bárbaro, por muitas vezes com o pré-conceito sobre as práticas e a vivencias
do índio, tomando sempre o modelo europeu, etnocêntrico para elaborar a visão do outro.
Como deixa bem expressado Herckmann (1961) quando fala das características do tapuias.
(...) São homens incultos e ignorantes, sem nenhum conhecimento do verdadeiro
Deus ou dos seus preceitos: servem pelo contrário, ao diabo ou quaisquer espíritos
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maus, como tratando com ele termos muitas vezes observado (...) Levam uma vida
inteiramente bestial e descuidosa. Não semeiam, não plantam nem se esforçam
por fazer alguma provisão de deveres.
Essa visão pré-moldada do índio, segundo os padrões europeus, não só foi danosa no
modo de entrar no sertão, mas também nas violentas batalhas que foram travadas com
esses indígenas. Esse método de conquistar, desbravar e povoar a qualquer custo foi
extremamente danoso, não só no sentido físico, mas também no sentindo mental. Muitos
desses indígenas quando não eram mortos, eram feito de escravos para servir aos
“brancos”, o que era muito de sua realidade como mostra o próprio relato
de (Herckmann,1961), “lavam uma vida inteiramente bestial e descuidada. Não semeiam,
não plantam nem se esforçam por fazer alguma provisão de deveres”. Os índios tinham um
modo de ver o mundo totalmente diferente dos colonizadores, viviam de acordo com seus
costumes, ainda do método de coivara e de caçadores-coletores, tendo varias variações de
etnias para etnias.
Outro fato interessante é a religiosidade dos indígenas, os índios são muitos ligados a
natureza a espíritos que se manifestam através dos elementos naturais e está ligada a
natureza de alguma forma, o que para os colonizadores era uma bestialidade,
pois à medida que eles não cultuavam o Deus cristão, a partir dessa visão foi que começou a
ganhar força e justificar a cristianização dos indígenas, como forma de levar o Deus Cristão,
chancelado pelo padroado régio e o aval da igreja católica.
Mas também desbravar e povoar o sertão ganhou mais força, quando começou a
descobrir as variedades de povos étnicos que habitavam os sertões, se os índios conseguiam
viver naquela região árida e inóspita, segundo a visão dos colonizadores, por que eles não
poderiam também adentrar os sertões? A simbologia do desbravamento toma corpo,
o discurso de legitimidade e de poder se estrutura ainda mais, quando o colono doma a
natureza, o meio bárbaro e o incivilizado. E ele consegue adentrar o sertão e levar a
civilização.
Entradas para os sertões
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Os sertões sempre foram uma barreira natural intransponível, tanto pelo que
consegue como já vimos o clima e o relevo, mas também pelas nações tapuias. Em
particular a Paraíba não se tinha nenhum projeto de desbravamento para o interior. O que
existia na colônia era o que se limitava a região litorânea e zona da mata da capitania, não
existia a presença da “civilização” a oeste, neste sentido a civilização é a dominar, subjugar e
docilizar os bárbaros, através da força e da religião, ao passo também dominar e se
estabelecer-se na região do sertão. Mas um fato importante que contribuiu para o interesse
dos litorâneos para com os sertões foi derrocada econômica do açúcar, precisava
encontrar alternativas que viabilizasse uma nova economia na capitania, mesmo que
ainda existissem engenhos de açúcar precisavam encontrar outros meio de lucros para os
senhores de engenhos e viu-se que a região era propicia a pecuária, além da busca por ouro
e pedras preciosas.
Foi na segunda metade do século XVII que começou a adentrar os sertões, os
desbravadores entravam no sertão seguindo os cursos dos rios e o principal foi o rio São
Francisco os desbravadores faziam isso para se orientar e também para ter uma fonte de
água para manter. Segundo ALMEIDA (1962, p.13) os desbravadores adentraram os sertões
por três vias de entrada diferentes: uma que subia pelo rio Paraíba; pelas nascentes do rio
Paraíba e ao logo do rio Piancó. Outro motivo explica o autor para adentrar o sertão, com a
invasão holandesa, os criadores de gado começaram a ter que ir para as regiões mais a oeste
e onde havia rio para alimentar e dar de beber ao gado e com a expulsão dos holandeses no
em 1654 só intensificou a entrada para o sertão.
Segundo a historiografia tradicional, os principais expoentes desses desbravamentos
dos sertões da Paraíba foi à família Oliveira Ledo, que tinha como patriarca e chefe da
família Antônio de Oliveira Ledo. Estes moravam no interior da Bahia e eram contratados
para adentrar os sertões em troca de terras e de títulos, como e de capitão-mor. Antonio de
Oliveira Ledo e sua família saíram de aonde habitavam, subindo e margeando o rio São
Francisco até chegar à parte central da Paraíba, que ligou com a parte leste a capital da
capitania em 1670. Em uma carta de governador manda uma mensagem para o Rei, pedindo
que concedesse terras aos Oliveira Ledo, como forma de pagamento e também de
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povoamento daquela região, não era apenas pelo explorar por explorar, era muito mais
econômico que civilizatório.
(..) Pedem a V. Excelência que lhes faça mercê a eles suplicantes, em nome de El-
Rei Nosso Senhor, dar de sesmarias 30 léguas de terras a todos os referidos
nesta petição a correr pelo rio da Paraíba acima onde acaba a data do Governador
André de Vidal de Negreiros e 12 de largo, com declaração que correrão para o sul
das duas léguas e para norte dez léguas...
A petição acima pede ao Rei a doação de 30 léguas de terras para todo que estão na
expedição de desbravamento do sertão, principalmente os Oliveira Ledo, ele cita sete
pessoas que pedem a doação de 1013,89 km, convertendo léguas em km. A partir disso,
vemos quanto de terras eram doadas para esses desbravadores, que muitas vezes passavam
por cima de territórios indígenas e massacravam quem resistisse ou escravizavam estes
povos. Como cita (ALMEIDA, 1962), “Foi o primeiro signatário Antonio de Oliveira Ledo, [...]
Subiu o rio, descobriu ele uma aldeia de índios da família cariri, [...] tratou de domesticá-los,
em proveito do povoamento e para não ser incomodo na expansão pastoril incipiente”. O
desbravar era também converter ou como diz o autor domesticar para aproveitar esses
próprios índios para a campanha de expansão, visto que ninguém queria adentrar o sertão,
ninguém era capaz aguentar aquela região, a não ser os que já moravam por lá. Mas se eles
moravam lá aquela região não já estava povoada? Apropriei-me do conceito de povoação
que (MARQUES, 1985) “A povoação pode ser constituída por vários lugares adjacentes de tal
modo relacionado entre si que formem um único agregado populacional.” Desta forma,
vemos que os índios segundo o conceito formavam a povoação naquele local, lá existia
diversas etnias, na região dos sertões que eram independentes e outras aliadas. Porém, para
os desbravadores não via desta forma, pois eles não eram aliados dos portugueses, nem
estes tinham controle desses povos, por isso o “domesticar”, o domesticar para dominar,
para exercer a força, tanto física, quanto psicológica. Isso segurava que esses indígenas não
causariam nenhum problema para os desbravadores, já que eles passariam a ser submisso/
subordinado a eles e a fé cristã.
Um fato relevante sobre a narrativa que Elpídio de Almeida faz, é que ele não
problematiza esse “domesticar”, apenas narra os fatos segundo as sua fontes, talvez por não
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ser um historiador, ele não tenha tanta preocupação de levantar essas questões, mas hoje
não podemos nos furtar delas. Ele escreve com um saudosismo, elencando os desbravadores
como heróis e pessoas de “espírito aventureiro”, que não descansava de encontrar terras e
de domesticar esses índios para povoar a região. O que demonstra certa visão grosseira e
vaga do desbravamento do sertão da capitania Paraíba.
Essa subordinação dos indígenas não será sempre amistosa, havia resistência, a
subordinação era o tipo de resistência também, a subordinação levava os indígenas a
ficarem vivos e não serem mortos pelos desbravadores. O que também não era
generalizado, pois muitos se levantavam com armas e guerreavam com os brancos, como
aconteceu com o sobrinho de Antonio de Oliveira Ledo, o Constantino de Oliveira Ledo
quando quase morreu na Guerra dos bárbaros ou confederação dos Cariris, no sertão da
capitania do Rio Grande do Norte. O cargo de Capitão-mor que era exercido por
Constantino, passou a ser exercido pelo seu irmão Teodósio de Oliveira Ledo, após sua
morte em 1694.
Com o passar do tempo só se intensificou as entradas para o sertão e o pedido de
sesmarias pelos desbravadores, mas as resistências ainda continuavam uma solução adotada
por Teodósio de Oliveira Ledo foi trazer índio que já estavam “domesticados” para se
aldearem com os índios que ainda resistiam a “domesticação”. Isso fazia uma mistura
forçada de grupo étnicos indígenas, pois as vezes esses grupos étnicos podiam viver a km de
distancia, ou seja, era uma cultura, práticas diferentes, mesmo que após a domesticação
muitos deixassem de cultuar seus deuses, ainda mantinham práticas alimentares e de
vivencia em grupo, que poderia ser antagônico aos que não faziam parte do seu grupo. Mais
uma vez repito, era uma violência simbólica e psicologia sem dimensão.
E foi assim que aconteceu com a formação da aldeia de Campina Grande, quando
Teodósio de Oliveira Ledo, segundo a historiografia tradicional, no fim do ano de 1697 foi do
interior da capitania da Paraíba para a Capital, levando um grupo de índios tapuias
chamados Airús ou Ariás, que moravam perto do rio Piranhas. Teodósio levava-os para
apresentar ao governador, quando passaram por uma grande campina onde se
aldearam depois que voltavam da capital e fundaram a aldeia de Campina Grande. Quando
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chegaram à capital, causaram muito espanto. Pois eram muito estranhos aqueles homens,
com tropas de burros, tabacudos, que eram totalmente diferentes dos homens que viviam
no litoral. A simbologia toma forma, para estes homens que estava apto a viver nas regiões
do sertão, adaptáveis fisicamente às condições climáticas e geográficas que viviam.
Elpídio de Almeida elenca que as condições geográficas eram favoráveis para a
formação da aldeia e do povoamento de Campina Grande, não podemos mais cair
na idéia do determinismo geográfico, que já foi vencida em nossos debates historiográficos e
geográficos. Sabemos que essa idéia de mito de origem permeia todas as sociedades e não é
diferente em Campina Grande, porém a construção desse mito de origem foi durante muito
tempo tendencioso, visto que só legava aos desbravadores a fundação da aldeia e
povoamento de
Campina Grande, como pode ser sido só os desbravadores responsáveis pelo aldeamento
se haviam poucas famílias que moravam nos sertões? Como só foi legado aos brancos esse
papel de atores principais se quem ficou aldeado foram os índios Ariús? Então o debate é
muito mais profundo, ainda hoje não se sabe das datas do aldeamento, pois os registros
sobre as datas são muito variantes.
Irineu Pinto duvida sobre a data oficial da data, quando ele transcreve uma carta
descoberta por JOFFLY (1892, p.33-34), diz ele: “Parece que foi nesse ano (1967) que se
fundou a aldeia de Campina Grande”. Joffily foi uns dos primeiros intelectuais que buscaram
saber da historia da fundação de Campina Grande, porém ele basear-se em escritos que
foram feitos um século após a fundação. CÂMARA (1942, p.11), vai dizer que, em 1670 havia
um missionário de Santo Antonio, que havia vindo para as missões dos Carris após a vinda de
Teodósio de Oliveira Ledo em 1 de janeiro de 1698.
Outro que vai falar sobre a criação da aldeia é Luiz Câmara Cascudo, CASCUDO (1954,
p. 217), vai falar que existia em Roma um mapa do estado e demais cidade de Frederuck,
nome da capital paraibana quando era possessão holandesa. Existia a cidade de Bultim
no município de Alagoa Nova, que no mapa aparece como uma aldeia de Campina Grande,
que já indica ser um povoamento. Isto em 1698. BORGES (1976, p.9) como pode em 1698
Campina Grande já aparecer em um mapa na cidade de Roma um mês após dela ser
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fundada? E ser colocada como povoamento? Então são se sabe realmente como deu esse
aldeamento dos indígenas.
MONTENEGRO (1910) vai dizer que: “A altera cidade sertaneja teve sua gênese no
aldeamento dos Ariús, após a descida do famoso bandeirante da Paraíba”, ou seja, o que
podemos concluir é que sim, foi através desse aldeamento dos índios que surgiu o
povoamento,
Na carta de Manuel Soares de Albergaria que estava no texto de ALMEIDA (1962,
p.36), vai lançar mais indicações da participação dos indígenas na formação do aldeamento,
na carta ele vai explicar que os índios Ariús, foram aldeados juntamente com os índios cariris
e outros índios que ele vai diz “índios que tirara das aldeias”, que conforme BORGES (1976),
vai dizer eram índios Tupis, que podemos supor que eram índios potiguaras ou tabajaras.
Vemos mais uma vez a complexidade da questão do aldeamento e povoamento e também
como se complexifica a questão do mito de origem da cidade, não era só os Ariús, como
mostra geneticamente a historiografia tradicional, eram três grupos étnicos distintos e mais
o colonizador que estavam na formação deste aldeamento. O autor vai falar de quarto tipos
de etnias que formaram Campina Grande, lançando mão da idéia eurocêntrica e
etnocêntrica, abrindo o leque para que esse mito de origem se enlanguesça e reconheça a
presença de outras etnias, não só a branca, responsáveis pela diversidade étnica do
povoamento de Campina Grande.
Desde a sua fundação portanto, Campina parece ter formado a sua
população com base em tipos étnicos diversos: 1) o português caucásico; 2) o
Brasílido de origem protomalaia; 3) O Láguido – paleomarericano de origem
asiática e 4) o elemento africano, que geralmente acompanhava as bandeiras.
Considerações finais
Após essa exposição vemos como é complexo traçar como foi o aldeamento e
povoamento de campina grande, muito dessa complexidade está na concepção do que
temos hoje na construção do mito de origem. Uma visão eurocêntrica e etnocêntrica, que
eleva os brancos e os desbravadores pela sua coragem e adaptabilidade a condições
extremas que de havia no sertão. E ignorando os papeis dos indígenas nesta formação,
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Este trabalho está no eixo temático: 8) Povos Indígenas da América Entre o Século
XVI e o XXI: Processos de Mestiçagens, Questões Religiosas, Identidades e Reconhecimento.
Do II Congresso Internacional Mundos Indígenas - COIMI
Referencias Bibliográficas:
ALMEIDA, Elpídio de. História de Campina Grande. 2.ed. João Pessoa, UFPB, 1978.
ALMEIDA, M.R.C. O lugar dos índios na história: dos bastidores ao palco. In:______. Osíndios
na história do Brasil. Rio de Janeiro, FGV, 2010. Cap. 1, p.13-23.
BORGES, J. E. B. .Os Arius E A Fundação De Campina Grande. Revista Campinense De Cultura,
Campina Grande, V. 09, P. 8-11, 1976.
CÂMARA. E. A. Datas Campinenses, João Pessoa, 1947, pag. 11.
CARNEIRO, J.C.M. Revista do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba. Ano II, Vol. 2, João
Pessoa, 1910, pag. 477.
CASCUDO, L. C. Geografia do Brasil Holandês. Rio de Janeiro, 1956, p.217.
GINZBURG, Carlos. Representação a palavra, a ideia, a coisa. In:____. Olhos de
madeira: nove reflexões sobre distancia: tradução de Eduardo Brandão. São Paulo,
companhia das letras, 2001. Cap. 3, p. 85-103.
GONÇALVES, R.C. Guerra e Açúcar: a formação da elite politica na Capitania da Paraíba
(séculos XVI e XVII). In: Oliveira, M. S. Medeiros, R. F. (Orgs.). Novos olhares sobre as
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HERCKMANN, Elias. Discrição Geral da Capitania da Paraíba, João Pessoa, A União, 1961.
Irineu Pinto, Datas e notas para a história da Paraíba. Pág. 90.
JOFFILY, Irineu. Notas sobre a Paraíba. Rio de Janeiro: Typographia do Jornal o Comércio,
1892, p. 33-34.
LE GOFF, Jacques, 1924 História e memória. Tradução Bernardo Leitão [et al.] -- Campinas,
SP, UNICAMP, 1990.
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Introdução
O povo Xukuru do Ororubá possui um território de 27.555 hectares, localizado em
Pesqueira/PE, composto por 24 aldeias que foram organizadas pelos índios em três regiões:
Agreste, Serra e Ribeira, para melhor atender e planejar as demandas do povo.
De acordo com os dados da Fundação Nacional de Saúde/ FUNASA de 2007, o povo
apresentava uma população de 10.536 índios (ALMEIDA; MARIN, 2012). Atualmente, fomos
informados que a população ultrapassa os 12.000 habitantes. Este dado nos foi apresentado
durante a XVI Assembleia do povo Xukuru do Ororubá, realizada na Aldeia Pedra d’Água, no
período de 17 a 20 de maio de 2016.
Após o ano de 1990, com o processo de retomada das terras das mãos dos
latifundiários da região, iniciada na Aldeia Pedra d’Água, os índios puderam reconquistar
também os seus espaços sagrados nas matas da Serra do Ororubá e praticar a sua religião
(SILVA, 2008). Segundo Almeida e Marin (2012, p. 5), nos depoimentos coletados do povo
Xukuru do Ororubá, “[...] as retomadas foram importantes para fortalecer nossos rituais.
Primeiro retomamos Pedra d’Água. O terreiro de Pedra d’Água é mãe e pai dos Xukuru. É o
coração da aldeia. Depois vieram as ramas, que são os outros terreiros”.
Os fazendeiros invasores perseguiram os índios Xukuru do Ororubá, os quais foram
silenciados e até presos. Houve uma profunda intolerância e foi negado o direito de
liberdade de culto aos seus “Encantados de Luz”, que são “[...] os espíritos dos seus
antepassados e as forças transcendentais que organizam o seu universo religioso” (PALITOT,
2016, p. 13).
A Religião do Ritual Sagrado do povo Xukuru do Oroubá sofreu um processo de
reelaboração cultural e religiosa desde a chegada dos Missionários Oratorianos em 1671
(SILVA, 2008), o que Cristina Pompa (2003) definiu como “tradução”.
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O Ritual Sagrado é uma religião híbrida, influenciada pelo catolicismo e religiões afro-
brasileiras, é celebrada nos Terreiros do povo Xukuru. Há uma devoção a “Tupã”, a “Mãe
Tamaim” e aos “Encantados de Luz”. Os Terreiros são os espaços sagrados onde os
indígenas celebram os seus ancestrais e as forças que comandam a natureza.
Nos Terreiros, os índios cantam os seus pontos acompanhados pelo som dos
maracás, dançam o Toré e fazem a ingestão da bebida sagrada elaborada com a jurema
preta. Um dos pontos mais cantados na abertura das cerimônias da religião do Ritual
Sagrado nos Terreiros e nas festas religiosas é em devoção a jurema:
O termo jurema vem do tupi Yu-r-ema. A jurema é uma árvore típica do Nordeste,
das áreas da caatinga e do agreste, encontram-se duas espécies: a preta (Mimosa hostilis
benth) e a branca (Vitex agmus castus). Elas são utilizadas de forma religiosa para feitura de
banhos, bebidas, defumação e também como remédio para curar doenças e males
espirituais (ASSUNÇÃO, 2010).
Segundo Grunewald (2005), não existe registro do termo Toré no perído da
colonização. O Toré é um rito no qual os indígenas entram em contato com o sagrado, pode
ser considerado um “artefato cultural” (GEERTZ, 2013), um instrumento de consolidação da
etnicidade dos índios do Nordeste. Cada povo indígena reatualiza o Toré a partir das suas
narrativas etnográficas.
No vídeo “Xeker Jetí – Casa dos Ancestrais”, elaborado pelo Coletivo Tekó Poka
(2016), o índio Iran Neves da Aldeia Couro Dantas, tece considerações muito importantes
sobre o valor da jurema para o seu povo:
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Figura 1 – Fotografia do Terreiro de Ritual Sagrado da Boa Vista, Aldeia Couro Dantas,
Pesqueira/PE.
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A terra indígena é composta por vinte e quatro aldeias. A Aldeia Couro Dantas
(Retomada em 2002) está localizada na área montanhosa, ao norte de Pesqueira, conhecida
como a Região da Serra (CISXO, 2012).
Qual a função do Xeker Jetí para o povo Xukuru do Ororubá?
O Xeker Jetí ou a Casa da Cura é um novo espaço sagrado que compõe o Terreiro de
Ritual Sagrado da Boa Vista, foi construído entre maio e junho de 2016. A obra foi erguida a
pedido dos “Encantados de Luz” para ser um lugar sagrado de concentração e orações, e
ainda funciona em dias de chuva como Terreiro de Ritual Sagrado.
A índia Renata da Hora, professora de biologia, elaborou um projeto intitulado o
“Canto da Cura” para ser implementado na Escola Indígena Nilson e Milson da Aldeia Vila de
Cimbres. A iniciativa teve por objetivo fomentar o debate na escola sobre a tradição religiosa
do seu povo. Foram convidados o Pajé “Seu Zequinha”, rezadores e benzedeiras do povo,
para através do diálogo sensibilizar os estudantes indígenas para a valorização do sistema de
cura tradicional e também da religião dos “Encantados de Luz”.
Segundo o índio Iran Neves, foi a partir deste projeto que surgiu a ideia de construir
uma Casa da Cura na Aldeia Couro Dantas, sendo considerada por ele uma extensão e
materialização do sagrado, corroborando com a ideia de Halbwachs (2013) de que a religião
com seu sistema simbólico se expressa no espaço geográfico.
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Figura 2 – Fotografia do Xeker Jetí: a Casa da Cura, Terreiro da Boa Vista, Aldeia Couro
Dantas, Pesqueira/PE.
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É tipo da nossa espiritualidade mesmo. Pra gente ter o nosso espírito forte,
a gente tem que ter maneira de se alimentar, os dias de se alimentar, o que
pode comer, para que nada de ruim nos aconteça, nos pegue. E sem contar
que é uma alimentação saudável. Não é? Sem agrotóxico. Eu sou contra o
agrotóxico (XEKER JETÍ..., 2016).
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modo alternativo de vida como reação ao modelo do capitalismo neoliberal que destrói e
devasta a terra, a água, o ar, os animais, as plantas e todo e qualquer ecossistema da
natureza, priorizando o acúmulo de lucros, de poder e do controle mundial da produção.
Para o índio Iran Neves, a agricultura é um processo educacional, a “agricultura do
sagrado” ela ensina como os índios podem viver melhor. A construção da Casa da Cura
representa o trabalho de resgate da memória coletiva do seu povo fundamentada no
respeito pela “mãe terra”, e na mobilização e luta interna através da agricultura enquanto
processo educacional mais amplo contra o sistema neoliberal e o agronegócio, como diz uma
toada Xukuru: “se quiser ver a ciência vá na mata procurar”.
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Considerações Finais
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Côrrea Gonçalves; SOARES, Afonso Maria Ligorio. Educação e religião: múltiplos olhares
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Bauru: SP: Edusc, 2003.
PROFESSORES XUKURU. Xukuru filhos da mãe natureza: uma história de resistência e luta.
ALMEIDA, Eliene Amorim de. [org.]. Olinda: Centro de Cultura Luiz Freire/ OXFAM, 1997.
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SILVA, Edson Hely. Xucuru: memórias e histórias dos índios da Serra do Ororubá
(Pesqueira/PE), 1950-1988. Tese de doutorado – Programa de Pós-graduação em História,
Universidade Estadual de Campinas, 2008.
XEKER JETÍ – Casa dos Ancestrais. Direção: Coletivo Tekó Porã. São Paulo, 2016, 1 DVD
(58:36 min), color.
Eixo 8 – Povos Indígenas da América Entre o Século XVI e XXI: Processos de Mestiçagens,
Questões Religiosas, Identidades e Reconhecimento.
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fabellybrito@hotmail.com)
INTRODUÇÃO
O maracatu é considerado um dos principais símbolos de identidades de
pernambucanidade, propagada através de discursos que enfatizam a riqueza e pluralidade
cultural que caracterizaria o estado. Imagens de personagens dos grupos de maracatu nação
e do maracatu rural, principalmente, o caboclo de lança [protetor das tribos e dos Taxauas, é
o guerreiro que, com uma lança na mão, um cravo nos lábios, sob a máscara de óculos
raiban modernosos, e com o som dos chocalhos, avança para informar que o povo brasileiro
continua sendo gestado (SILVA, 2005, pág. 17)], estampam as campanhas publicitárias de
turismo do estado de Pernambuco.
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Nos últimos anos, o número de estudos voltados para a cultura popular brasileira
tem crescido significativamente. Entretanto, tais estudos encontram-se em concepções
teóricas que, por diversas vezes, implicam procedimentos metodológicos contrastantes,
apresentando-se ora de forma conservadora, ora, na minoria dos casos, numa perspectiva
mais crítica na exposição e interpretação dos dados. (AYALA, Marcos; AYALA, Maria Ignez;
2003). Especificamente, produções cujos temas se referem ao maracatu rural estão mais
presentes em áreas como Comunicação e Ciências Sociais, e, em sua maioria, priorizam a
discussão da apropriação de seus símbolos a partir da lógica do mercado, tratando a cultura
como um rol de traços, objetos ou palavras, perdendo de vista a maneira como as relações
sociais são conduzidas através dela (MINTZ, 2003).
Pensar o maracatu rural enquanto manifestação popular, cuja história é constituída
pela heterogeneidade, implica voltar-se para a cultura como algo de enorme e contínua
variação, frente ao compartilhamento de modelos culturais entre as pessoas. Assim sendo, a
cultura segue um estado de fluxo, distanciando-se da ideia de tradições fixas, transmitidas
do passado (BARTH, 1995).
As clássicas produções que envolvem o maracatu privilegiam a busca pelas origens,
associando-o às festividades de Coroação de Reis e Rainhas do Congo, estabelecendo uma
relação com uma tradição advinda da cultura africana, sem que se considere as
transformações pelas quais passam as manifestações populares. A busca pelas origens vem a
ser um caminho extremamente perigoso, sobretudo porque tal perspectiva tem, em sua
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maioria, por pretensão, traçar uma explicação para o estudo, de forma romantizada,
desconsiderando as circularidades e os conflitos presentes nos processos históricos. No caso
do maracatu, a busca pelas origens remete ao estabelecimento de uma tradição e pureza,
com o intuito de obter a legitimidade e o reconhecimento.
Entre os primeiros trabalhos voltados para o maracatu, destaca os de Gonçalves
Fernandes, Arthur Ramos e Mário de Andrade. Nestes estudos, dá-se um esforço por
descobrir as origens e significados da palavra “maracatu”. Em Pernambuco, o livro de
Francisco Augusto Pereira da Costa, Folk-Lore Pernambucano (1908), traz o maracatu
enquanto reminiscência africana, um instrumento para suportar a saudade e a vida difícil da
escravidão, e que corre riscos de desaparecer (SENA; GONÇALVES, 2015, p.05).
Por volta 1930 e 1940, grupos de maracatu de um novo tipo começam a “aparecer” e
sua recepção no meio intelectual não fora das melhores. Durante muito tempo, o maracatu
rural ou de baque solto era incluído na mesma esfera do maracatu nação ou considerado
uma deturpação deste. A identificação de diferenças veio com a obra de Guerra Peixe
(1955), que distinguiu o “maracatu tradicional” ou “nagô” com as práticas xangôs, do
maracatu de orquestra, que teria entre os seus iniciantes, características que se voltavam
para o catimbó (pág. 21).
O maracatu rural é constituído pela presença de diversas correntes religiosas, como a
jurema, a umbanda, o catolicismo, espiritismo e elementos orientais e esotéricos. Tal
presença se dá de forma interdependente e difusa (SENA, 2014, pág. 04) e torna-se mais
evidente durante o período que antecede o carnaval, quando há a realização de
determinados rituais que objetivam preparar os brincantes.
Para Severino Vicente da Silva (2005), o maracatu rural é fortemente marcado pela
herança indígena, herança esta, perseguida por um longo período na história, e surge do
encontro entre os negros e indígenas que, carregando em comum a história de luta, de
perseguição e exploração, resolveram unir-se:
Nas matas ocorriam encontros de tradições proibidas, quando negros fugidos dos
engenhos eram protegidos por tribos perdidas; nos Quilombos, índios viviam com
negros sedentos de liberdade; e, nas senzalas, crentes de deuses perseguidos
protegiam-se e bebiam do caldo da Jurema, enquanto o Saci-Pererê continuava a
fumar ao lado de uma índia velha. (SILVA, 2005, pág. 21)
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Encontramos no maracatu rural, uma pluralidade cultural que exige uma análise para
além da busca da pureza. É preciso pensar na complexa rede de compartilhamento dos
modelos culturais entre as pessoas (BARTH, 1995). Nesta perspectiva, é possível identificar
no maracatu rural a presença de diversas correntes religiosas, como a jurema, a umbanda, o
catolicismo, espiritismo e elementos orientais e esotéricos. Tal presença de dá de forma
interdependente e difusa (SENA, 2014, pág. 4) e torna-se mais evidente durante o período
que antecede o carnaval, quando há a realização de determinados rituais que objetivam
preparar os maracatuzeiros.
Entre os rituais realizados para a preparação dos brincantes, destaca-se os ritos
advindos da jurema. O culto da jurema é uma prática religiosa de tradição indígena,
especialmente dos grupos étnicos do Nordeste, que reúne elementos da magia europeia, do
catolicismo e da matriz africana (SANTIAGO, 2008). Os grupos de maracatu rural,
geralmente, possuem uma pessoa responsável por realizar os preparos dos brincantes,
livrando-os das forças que querem atrapalhar o desenvolvimento do grupo durante as
apresentações. Vieira (2011), a partir dos relatos da madrinha espiritual de um dos grupos,
nos traz a importância da jurema:
A jurema branca representa também o sentido da limpeza e de defesa para a
brincadeira de maracatu. No mês de setembro a colheita do arbusto com a força de
caboclo, coincide, tradicionalmente, com o ciclo das sambadas. Ensaios de
maracatu onde alguns integrantes das brincadeiras praticam rituais de caráter
mágico-religioso, seja nas sambadas do tipo pé de barraca ou do tipo pé de parede
(VIEIRA, 2011, pág. 548).
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SILVA (2005, pág.45), pode remeter ao indígena que confiava no branco, ele é o responsável
pela proteção espiritual de outros personagens, e está ligado aos segredos da religião e da
Jurema. Ao enfatizar a presença dos elementos indígenas no maracatu rural, Severino
Vicente da Silva destaca a história de luta e perseguição sofrida pela cultura indígena.
Reconhecendo que as tradições africanas foram alvos de intolerância e repressão, ressalta
que muitos rituais eram permitidos, certamente diante de interesses, negociações e luta,
mas tal permissividade não ocorreu no caso dos indígenas, cujas tradições foram proibidas,
incompreendidas e condenadas.
Durante muito tempo o maracatu rural ou de baque solto, foi considerado uma
deturpação do maracatu nação ou de baque virado, tido até então como o maracatu
tradicional. Apenas a partir dos anos 1970, os grupos de maracatu rural passaram a
conquistar espaço nos eventos públicos, e cuja inclusão só foi possível através do
cumprimento de exigências feitas pela Federação Carnavalesca (VICENTE, 2005, pág.34).
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A preocupação em tornar o maracatu cada vez mais visível para além do carnaval
tornou-se objetivo de alguns grupos, que enxergam nas mídias e nos projetos a serem
aceitos pelo governo do estado de Pernambuco, um caminho para conquista de espaço
social. Através de estratégias, os maracatuzeiros buscam não só apoio financeiro, mas
também, aceitação das suas práticas culturais, em específico, de sua religiosidade. No caso
do maracatu rural, a relação com rituais e simbolismos afro-indígenas, em especial, o culto
da Umbanda e o culto da Jurema, segundo alguns integrantes, faz com que os grupos não
sejam bem vistos.
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estado, característica reforçada, na revista, pelo slogan do portal: “Se faz parte da nossa
cultura, você encontra aqui”.
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Outro ponto a ser destacado é a escolha das imagens para representar o grupo. Na
página em questão, existem duas imagens e ambas são de caboclos de lança, mesmo que o
maracatu rural seja composto por muitos outros personagens, com simbolismos essenciais
ao folguedo, como aqueles que possuem ligação com a religião. Apesar da configuração do
maracatu rural ser bem mais ampla, no material publicitário, se resume à figura do caboclo
de lança, que assume a imagem de símbolo máximo da tradição e exuberância. Há um
esforço do poder público em criar uma identidade entre governo e maracatus, de forma que
essa representação do Estado vai além dos turistas e é reforçada também entre os
residentes (SILVEIRA, 2010, pág.119).
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Esta análise não implica dizer que os maracatuzeiros atuem em segundo plano. O fato
de os grupos de maracatu rural estarem, cada vez mais, buscando a participação em
eventos, desenvolvimento de projetos com remuneração, gravação de CDs, participação em
campanhas publicitárias, traduz a inserção de culturas tradicionais no universo moderno, e o
seu desenvolvimento graças à transformação realizada.
o cálculo (ou a manipulação) das relações de forças que se torna possível a partir
do momento em que um sujeito de querer e poder (uma empresa, um exército,
uma cidade, uma instituição científica) pode ser isolado. A estratégia postula um
lugar suscetível de ser circunscrito como algo próprio a ser a base de onde podem
se gerir as relações com uma exterioridade de alvos ou ameaças (os clientes, os
concorrentes, os inimigos, o campo em torno da cidade, os objetivos e objetos da
pesquisa etc.). (CERTEAU, 1998, pág.99)
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os estudos sobre cultura popular têm crescido significativamente, nos últimos anos, tais
estudos, entretanto, estão mais presentes nas áreas como Sociologia e Comunicação, sendo assim,
trabalhos com olhar historiográfico podem contribuir para uma produção diferenciada, que amplie
as discussões. Além disso, é possível observar que muitos trabalhos, ao se lançarem para a cultura
popular, reservam aos atores sociais que a produzem, o segundo plano.
Em Pernambuco, o maracatu rural, por muito tempo, foi considerado uma deturpação
do maracatu nação, tal perspectiva pode ser analisada a partir da incompreensão da
pluralidade cultural presente no maracatu, com forte influência indígena e africana,
sobretudo no que diz respeito à religiosidade. Esta, por sua vez, é constituída por um
conjunto de símbolos que dá sentido e permite aos indivíduos uma leitura da sociedade bem
como de sua ordem (SENA, 2014, pág.8).
Sobretudo a partir da década de 1990, os grupos de maracatu rural passaram a ter destaque
no cenário cultural pernambucano. Isto se deve, entre outros motivos, à intensificação da
atividade turística que tem como suporte a produção de materiais publicitários. Nos anos 2000, as
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São Paulo, 2008.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Editora Vozes,
1998.
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Considerações iniciais
A importância de trabalhar este projeto “Memória e Identidade do povo Potiguara
da Paraíba”, é fundamental para a integração e o desenvolvimento dos alunos indígenas
Potiguara na valorização da memória.
Os Potiguara fazem parte dos povos da família linguística Tupi. Hoje, falam o
português e estão revitalizando o tupi na educação escolar indígena. E como todos os povos
que vivem no Nordeste, possuem uma longa história de contato com a sociedade não
indígena.
Os Potiguara provavelmente são os únicos dentre os povos indígenas situados no
Brasil a viver no mesmo lugar desde a chegada dos colonizadores há 500 anos. A bibliografia
e os documentos sobre a história do atual Estado da Paraíba evidenciam, desde as noticias
mais remotas após o descobrimento do Brasil, à presença dos Potiguara no litoral paraibano
e, mais notadamente, na Baía da Traição. A permanência contudo se deu a custa de
resistência as investidas de diversos invasores. Os Potiguara resistiram às tentativas de
conquista de seu território guerreando bravamente e por meio de diversas formas de
resistência e indigenização de elementos da cultura ocidental, do branco.
O projeto trata de incentivar a leitura e a escrita dos estudantes, pois ambos são
instrumentos pelos quais se obtém conhecimento das mais diversas áreas, facilitando então,
a argumentação e vocabulário para produção de texto oral ou escrito. Visando essa
perspectiva me despertou o trabalho com pesquisas. Foi pensando nessa situação, que me
preocupei em trabalhar, a leitura e interpretação de textual, mostrando a importância da
memória Potiguara. Podemos constatar que o ensino da Língua Portuguesa, tem
desenvolvido bastante no processo de aprendizado, como também em outras áreas do
conhecimento.
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A memória e a identidade por sua vez não devem ser vistas, apenas como um
repertório de dados, que deve ser lembrado do passado, mas também um instrumento de
poder.
O projeto constitui-se numa construção a partir de muitas reflexões e
questionamentos, sobre os significados da prática pedagógica dentro da
interdisciplinaridade. E, nessa reflexão que estamos tentando resgatar as memórias do
nosso povo Potiguara, valorizando a participação de cada individuo na formação, na
construção do lugar onde vive numa perspectiva de revitalização dos patrimônios históricos
e ambientais do nosso povo Potiguara. O mesmo tem um caráter natural de incentivar e
valorizar as raízes do indígena Potiguara da Paraíba.
A finalidade é estimular os estudantes, a ter o gosto pela leitura lúdica e prazerosa
de modo a desenvolver a linguagem oral e escrita, através de pesquisas com os anciões, pois
a prática da leitura faz-se presente em nossas vidas desde o momento em que nascemos
começamos a “compreender” o mundo a nossa volta.
No constante desejo de decifrar e interpretar o sentido das coisas que nos cercam,
de perceber o mundo sobre diversas perspectivas, de relacionar a realidade funcional com o
que vivemos, enfim, em todas as situações de uma forma ou de outra estamos fazendo uma
leitura, embora muitas vezes não nos déssemos conta.
“A lagoa da carnauba
ganhou o nome de lagoa encantada a partir do momento em
que os portugueses não concluíram o trabalho da
construção da igreja no alto do curumim as margens do
Camaratuba, deixando todo o local fechado o trabalho que
seria numa abertura de uma grande porto de navios, onde
concluiria abaixo do rio Tambá.
Sendo impedido por nativos potiguara deixando fechado
toda a localidade onde seria a grande obra sendo do alto do
Tambá a barra de Camaratuba. Deixando a grande lagoa
onde matem contato do lençol freático da água com o
oceano atlântico.
Ficando na lagoa especiarias de minério no fundo das águas,
sendo armar tais como: espingardas, revolveres, rifles, e
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A igreja de São Miguel que fica localizada na Aldeia São Miguel, a 900 metros da
sede do município, um dos mais antigos e importantes redutos indígenas da região, onde os
jesuítas, mais tarde os carmelitas, se estabeleceram, para os serviços de catequese dos
potiguara. O conjunto arquitetônico igreja cruzeiro, construído em pedra e cal, a frente do
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Relato da anciã Potiguara Dona Joana Ferreira dos Santos sobre São
Miguel
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O Batismo Indígena
Relato de uma anciã indígena sobre o batismo:
“Se tratando do batismo indígena quando começavam as
contrações após parto a mulher bebia um chá de pimenta do
reino para acelerar as dores do parto. Ao nascer, fazia o
ritual do batismo indígena.
Se procedia de forma a tomar um caco cheio de brasas
acesas, colocava-se sobre as chamas do fogo ervas do
incenso (tais como alfazema, alecrim, malvarosa) para que o
recém nascido ficasse perfumado. Durante este processo
colocava-se a criança acima do fogo e começava a
pronunciar dizeres, desejando fortaleza, resistência e
comprometimento de ser cultural. Depois o bebê não se
alimentava por 3 dias, para se livrar das impurezas do parto
e crescer sadia. Depois do recém-nascido devia ficar durante
os três primeiros dias sem sair para fora até que ficasse
imune ao vento forte e muita claridade. Aos sete dias não
banhava a criança, nem tirava da casa para não dar mal de
sete dias, aos sete meses também. Então a criança ficaria
livre de males espirituais durante a vida. Nisso tornava-se
forte as lutas físicas culturais e espirituais.”
Furnas Potiguara
A furna é um lugar sagrado dos Potiguara, fica na aldeia São Francisco nesse espaço
os indígenas faz seu ritual do Toré onde as correntes espirituais toma conta da
ancestralidade. Realizamos a formatura indígena dos alunos do 3º ano do Ensino Médio da
Escola Estadual Indígena Pedro Poti.
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Cabedelo – PB e artilhado com peças de ferro, vindas de Portugal. Acredita-se que por volta
de 1625. Os franceses, visando o tráfico do pau-brasil, fundaram uma feitoria na Baía da
Traição, que era o ponto de convergência de todo o madeiramento abatido na região.
Construíram também, um fortim para sua segurança. Estas edificações foram destruídas por
Martin Leitão.
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Considerações finais
O presente trabalho teve por objetivo mostrar relatos de anciões Potiguara a cerca
de suas memórias e identidades trazidas ao longo de sua vida e vivências cotidianas. Tendo
como base de conhecimento a memória da comunidade tem possibilitado fazer reflexões
criticas os processos de mudanças sociais que ocorrem em função da expansão dos
processos históricos.
Considerando a realidade sociocultural dos alunos com relação ao processo ensino
aprendizagem, observei que é de suma importância enfatizar essa temática na escola, pois
ainda é pouco trabalhado no mundo Potiguara e sabemos que toda memória tem uma
história.
Por isso foquei nesse trabalho buscar fontes documentais e fontes orais. E para
nossas buscas realizamos varias entrevistas com vários anciões Potiguara nesses relatos de
memória procurou-se compreender como esse povo a partir dos depoimentos vivenciados
estabeleceu relações com a história.
Referências Bibliográficas
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BARCELLOS, Luzival. Práticas educativo-religiosas dos Potiguara da Paraíba. Ed. UFPB. João
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Anexo:
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Introdução
Desde o período colonial, várias foram as políticas institucionais destinadas aos povos
indígenas, marcando a trajetória da política indigenista no Brasil. Entre os séculos XVI a XIX,
surgiram políticas assimilacionistas e integracionistas que objetivavam a escravização e
“extinção” dos povos indígenas, bem como desarticulação cultural.
Buscou-se criar uma população brasileira livre e, sob uma ótica mercantilista,
substrato de uma nação viável economicamente para a Coroa portuguesa, cuja principal
preocupação era criar uma balança comercial favorável e acumular riquezas (ARROYO,2004).
Para isso, foi fundamental o domínio territorial de áreas descontíguas da metrópole
(territórios coloniais) e subordinadas a ela, que possibilitou a estruturação da monarquia
portuguesa como império (MORAES, 2005). As terras brasileiras serviam e respondiam aos
interesses da metrópole portuguesa.
A problemática indígena, quando da instituição do diretório pombalino, foi coberta
por batalhas de todas as ordens entre autóctones e europeus, determinando a necessidade
da variável tempo, fazendo com que adotemos a perspectiva diacrônica e processual.
Portanto, partiremos de um estudo histórico das mudanças ocorridas com os povos
indígenas presentes na Missão do Guajirú.
Todo um processo se constituiu em torno dos índios para assimilá-los e fazer com
que fossem introduzidos nas relações de produção e trabalho como mão-de-obra, produtor
e consumidor de bens materiais e valores dos não-índios. O antropólogo João Pacheco de
Oliveira (1998) assim dispôs acerca da política adotada pelo regimento das missões e pelo
Diretório dos índios:
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Para a criação de uma população livre por assimilação foram utilizados mecanismos
para acelerar o processo. Como forma de civilizar os povos indígenas, a utilização da língua
portuguesa foi uma determinação presente no Diretório dos Índios que, em seu item 6,
aduziu esta necessidade para, por um lado, banir a “barbaridade dos seus antigos costumes”
e, por outro, promover o afeto e obediência à Coroa.
Conforme exposto no Diretório, abominou-se o permissivo do uso da língua própria
dos povos indígenas, denominada “língua geral”, prática, segundo o documento, “diabólica”,
pois privava a “civilização” dos autóctones, conservando-os em sua rústica e bárbara posição
de incivilizados. Assim, instituiu-se o uso da língua portuguesa aos índios capazes de
receberem esta instrução, vetando, também, a utilização da língua materna destas etnias.
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Os aldeamentos na Capitania do Rio Grande tiveram início no século XVII, a partir das
aldeias Potiguaras existentes (MACEDO, 2009). A Missão do Guajirú originou-se de uma
aldeia potiguara localizada às margens da lagoa do Guajirú, quando a Coroa concedeu a data
102, doada pelo Capitão-Mor Jerônimo de Albuquerque (CASCUDO, 1984). A chegada dos
jesuítas na aldeia data de 1679 e a missão teve seu registro oficial no catálogo da Companhia
de Jesus em 1683 (SEVERIANO FILHO, 2004).
Os jesuítas não tinham uma relação amistosa com a população envolvente da Aldeia
do Guajirú, sobretudo pelo fato de que os padres não permitiam a servidão indígena para os
trabalhos na lavoura e demais serviços. Tanto que os Oficiais da Câmara de Natal precisaram
intervir, através de Carta enviada aos sacerdotes, em 10 de fevereiro de 1703, informando
sobre a Resolução da Coroa que determinava a permissão para o labor dos indígenas. Em
1741, o próprio Rei ordenou que a Companhia de Jesus não negasse o trabalho dos índios
aos moradores do entorno das missões (PORTO ALEGRE, et al, 1994). Não obstante a
existência dos conflitos entre os padres e os colonos, o Rei continuava a reafirmar o poder
temporal e espiritual dos jesuítas nas missões.
Esse quadro mudou a partir do projeto de legislação indigenista no contexto das
reformas pombalinas que, conforme afirmado alhures, estabeleceu um código legislativo
extinguindo o sistema de missões, secularizando a administração dos aldeamentos de índios,
retirando o poder temporal dos padres e expulsando a Companhia de Jesus. O último jesuíta
a deixar a Missão do Guajirú foi o padre Alexandre de Carvalho, no ano de 1759 (CASCUDO,
1984).
O Diretório dos Índios difundiu a importância dos casamentos interétnicos, de modo
a facilitar e promover o matrimônio entre brancos e índios, conforme disposto no item 88 do
Diretório. O Alvará de 04 de abril de 1755 também impôs o permissivo de tais matrimônios
para o povoamento da colônia.
Igualmente o trabalho assalariado foi uma das frentes da política indigenista imposta
pelo Diretório pombalino no intuito de tornar os índios úteis aos colonos e ao Estado
português.
As determinações do Rei buscaram “libertar” os índios, mas verdadeiramente, tratou-
se da domesticação do cotidiano desta população autóctone, violação de sua intimidade e
imposição do trabalho nos moldes europeus, buscando eliminá-los enquanto grupo étnico
diferenciado.
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em 18 de julho de 1786, apresentava uma lista de 280 indígenas devedores do imposto pelas
roças de milho (PORTO ALEGRE, et al, 1994).
A organização espacial da vila também foi outra determinação contida no Diretório.
Os geossímbolos do poder da metrópole foram edificados no entorno da praça pela
administração portuguesa, incorporando uma identidade europeia ao cotidiano dos
indígenas da antiga Missão do Guajirú.
A estética espacial deu uma nova paisagem à vila homônima da cidade portuguesa do
distrito de Évora, fortalecendo o poder laico através da Casa de Câmara e Cadeia. Ao instituir
uma “geometria civilizatória”, os indígenas foram forçados a construir casas diversas de suas
choupanas. A espacialidade da vila trouxe mudanças sociais de âmbito familiar, a exemplo
da noção europeizada de “família”, operando uma reelaboração cultural, uma vez que os
indígenas se fragmentaram por moradia a partir da “família nuclear” (pais e filhos).
O Diretório possibilitava a concessão de honrarias e títulos aos índios, dando
privilégios aos que ocupavam cargos públicos e inserindo-os numa estrutura hierarquizada, a
exemplo do título de Principal aos índios, uma espécie de chefe do grupo, fazendo parte da
“política do enobrecimento” da Coroa (LOPES, 2009). A Vila de Estremoz teve o índio
Marcelino como Capitão-Mor e Principal. Por um lado, ele mediava a relação entre os
indígenas da vila e o governo português e, por outro, era protegido pelo Governador de
Pernambuco (LOPES, 2005).
Acerca da alfabetização laica, assim como nas outras localidades, na vila de Estremoz
os indígenas foram alfabetizados por meio de aulas régias por mestre escolas que assumiram
o lugar deixado pelos jesuítas. O furriel André Mateus da Costa foi nomeado em 12 de
agosto de 1786 para lecionar na referida vila, secularizando e estatizando a educação do
reino português.
Foram inúmeros os problemas existentes na Vila Nova de Estremoz do Norte, assim
como em outras novas vilas, exigindo uma resposta da Coroa portuguesa que chegou com a
dissolução da política pombalina.
O Diretório dos Índios teve seu termo final em 1798 diante de denúncias de
corrupção e abusos cometidos pelas autoridades, sendo concedida por meio de alvará, a
posse de terras aos índios e sua condição de civil no ano seguinte ao término do diretório
pombalino. Por se encontrarem “misturados” à população envolvente, os índios vão,
paulatinamente, sendo “substituídos” por caboclos na documentação oficial (MACEDO,
2009), já não se falando mais em identidade indígena, permitindo à Coroa criar leis
concedendo terras devolutas aos índios. Ora, se já existiam mais índios, então as terras
voltariam para a Coroa ou seriam distribuídas para a população luso-brasileira!
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Não obstante a luta dos indígenas contra as imposições da Coroa por meio do
diretório pombalino, o fato é que o documento oficial e a política do Marquês de Pombal
trouxeram transformações socioespaciais aos índios ali vilados.
Considerações Finais
Referências Bibliográficas
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INTRODUÇÃO
Portalegre, localizada no interior da capitania do Rio Grande do Norte, uma das cinco
missões indígenas que foram elevadas a vila com a aplicação da Direção de Pernambuco,
aparato legislativo criado em 1759 para regulamentar a vida nas vilas de índios do Estado do
Brasil. A Direção adequava à realidade do Estado do Brasil as determinações do Diretório dos
Índios, uma das legislações mais importantes da América Portuguesa, criado em 1757 para
ser executado no Estado do Grão-Pará e Maranhão e que determinava mudanças
significativas na convivência entre índios e não-índios na América portuguesa.
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ocorreu a constituição das localidades, neste caso específico a Vila Nova de Portalegre, e
quais autoridades atuavam nela. Considerando que este estudo é uma tentativa inicial de
análise da documentação concernente a esta vila, também se vai procurar compreender,
mesmo que minimamente, as interações entre os grupos indígenas e outros atores sociais.
No ano de 1825, há relato de dois índios, João do Pêga e Luíza Cantofa, que lideraram
um movimento rebelde contra as autoridades da Vila de Portalegre. Segundo Morais (2003),
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Trabalhos importantes têm sido elaborados com o intuito de trazer a tona estas
populações há tempos esquecidas pela historiografia. Fátima Martins Lopes contesta o
“desaparecimento” dos índios do Rio Grande do Norte pautada na documentação referente
a estes encontrada em diversos arquivos e reunidas na elaboração de sua tese, intitulada Em
nome da liberdade (2005). Helder Macedo, historiador que pesquisa os índios no sertão da
capitania, percebe as dinâmicas estabelecidas entre as populações indígenas e os demais
grupos sociais que habitavam a Freguesia da Gloriosa Senhora Santa Ana do Seridó em uma
lógica de mestiçagens (MACEDO, 2003).
Deixar de ser índio, para passar a viver entre os colonizadores e negar qualquer
vínculo com sua condição pretérita, ou fugir para as brenhas do sertão, buscando
manter o seu modo de vida em regiões de refúgio, não foram de fato as duas únicas
alternativas possíveis. Fora dessa polaridade, os índios coloniais cristianizados e
mantendo vínculos econômicos com portugueses e brasileiros, circulam na capital e
entre as fazendas, obtêm cargos e distinções, apresentam demandas e petições
(ALMEIDA, 2003: 18).
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enxergar as ambições por trás destas petições, que podem significar as sutis estratégias dos
indígenas para aproveitar as vantagens que lhes eram concedidas, já que o texto do
Diretório lhes concede o status de vassalos do rei, sem perder sua cultura tradicional.
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Índios, que tinha como propósito elevar as antigas missões religiosas do Estado do Grão-Pará
e Maranhão a vilas de índios, e regulamentar a vida dos moradores destas vilas. Esta
legislação regulamentava a chamada lei de liberdade dos índios de 1755.
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como a Direção de Pernambuco, que se baseou no Diretório, mas trouxe parágrafos com
modificações e outros que correspondiam à realidade da capitania de Pernambuco,
portanto, não existentes no Diretório. As principais alterações da Direção ocorreram em
relação à repartição das terras e a distribuição do trabalho dos índios. Também procurou
incentivar a agricultura de produtos que seriam mais bem cultivados, considerando as
condições climáticas da região (LOPES, 2005: 83-84).
Quando a missão passou a ser vila, esta deveria ser erigida na mesma localidade, em
Apodi, porém, devido a alegações de roubos de gado por parte dos moradores, foi sugerido
pelo Tenente-Coronel de Cavalaria da Ribeira do Açu, José Gonçalves da Silva, que a vila
fosse estabelecida na Serra de Martins, localizada mais ao sul, seguindo o rio
Apodi/Mossoró.
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quantia em dinheiro para que os índios não se estabelecessem naquele local (LOPES, 2010:
40), dinheiro esse que foi útil no estabelecimento da vila na Serra do Regente. Percebe-se
que uma das principais preocupações dos moradores das duas localidades era se distanciar
dos índios por causa do aumento em sua população.
Elaborado com base no Google Earth por Adriel Felipe de Alcântara Silva
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Guilherme Studart na obra Notas para a História do Ceará (2004), por também não
formarem os 150 casais exigidos pelo Diretório. O autor diz que a ambição e ganância foram
a causa da remoção desses povos, pela qualidade da terra em que estavam aldeados. Relata
ainda que como a remoção dos índios ocorreu em tempos de seca e muitos deles morreram
no caminho. Fica claro que os interesses econômicos perpassavam as alterações de
localidade das novas vilas elevadas pela política pombalina, apesar de esta fala corroborar
com a falsa ideia de que os índios pereceram nas transferências dentre localidades e sob a
má administração das autoridades coloniais e religiosas, como também o afirma Câmara
Cascudo, ao relatar que havia interesse pelas terras que os índios habitavam, iniciava-se
Esta falsa ideia já foi abordada e demonstrada com dados quantitativos apresentados
por Fátima Lopes (2005), apontando que haviam 280 casais na Vila de Portalegre em 1761,
data de sua criação e que este número era bastante elevado se comparado com outras vilas
do litoral, que já eram habitadas há bastante tempo.
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manifestações culturais” (OLIVEIRA, 1993 apud OLIVEIRA, 1998: 54-55). Desta forma, o
estabelecimento da Vila de Portalegre na Serra do Regente constitui um processo de
territorialização dos atores sociais que ali passaram a conviver.
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Por meio das interações sociais dos povos indígenas, percebe-se que eles buscavam
sua inserção em um espaço social, definido por Pierre Bourdieu como uma “realidade
invisível, que não podemos mostrar nem tocar e que organiza as práticas e as
representações dos agentes” (BOURDIEU, 2001: 24). Para Bourdieu, o espaço opera
enquanto um diferenciador de posições que serão determinadas de acordo com as escolhas
práticas dos agentes sociais, que vão distanciá-los ou aproximá-los de outros grupos ou
agentes. Assim, analisam-se as interações realizadas dentro de um espaço social específico
ocupado pelos índios a partir do processo de territorialização pelo qual os grupos indígenas
passaram ao longo do século XVIII, com a política indigenista adotada pela Coroa operando
enquanto diferenciador dos índios aliados à colonização, possibilitando diferentes dinâmicas
entre estes e os demais moradores.
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Sabe-se que a partir da ereção das vilas de índios, os etnônimos não são mais
registrados na documentação colonial, porém, pode-se observar que a incidência da
atribuição da categoria “índio” ainda ocorre, sobretudo quando associada ao trabalho. No
Livro de Sessões do Senado da Câmara da Vila de Portalegre há, por exemplo, o registro de
índios sendo enviados à Itamaracá para buscar tamboretes que pertenciam a Câmara da
Vila, já em 1772.
A vida na vila – uma nova categoria sociocultural - impunha aos indígenas outras
condições de vivência, distintas das praticadas por eles e seus ascendentes na vigência das
aldeias cristãs, sob administração dos missionários. Estes indígenas “vivenciavam
transformações culturais num processo contínuo de mudanças e construção de interesses e
motivações que iam se alterando conforme as circunstâncias e a dinâmica de suas relações”
(ALMEIDA, 2003: 53). Neste sentido, compreender as mudanças ocorridas na relação entre
os grupos sociais que habitavam nesta vila permite compreender quais as dinâmicas sociais
estabelecidas nela, nos fazendo vislumbrar qual o papel que cada um destes grupos sociais
desempenhava na organização social do território.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Nas últimas décadas, vários estudos têm demonstrado o índio também enquanto
agente histórico na sociedade colonial, desmitificando a atribuição de um papel coadjuvante
que foi atribuído aos grupos indígenas na história do Brasil (ALMEIDA, 2010: 13-28). Um
fator determinante que propiciou estes estudos foi a revisão do conceito de “cultura”. No
sentido antropológico, o conceito de cultura envolve “todos os produtos materiais,
espirituais e comportamentais da vida humana, bem como as dimensões simbólicas da vida
social” (ALMEIDA, 2010: 21). Esta noção tem sido utilizada pelos historiadores para entender
os processos históricos por meio dos diferentes significados das ações humanas.
Abandonando a ideia de uma cultura fixa e imutável para, por meio dos processos históricos
de mudança, explicar as transformações das culturas, valorizando a trajetória histórica dos
povos estudados e entendendo-a como fator importante para uma compreensão mais
ampla de suas culturas (THOMPSON, 2001: 227-268).
Neste sentido, foi permitido perceber a inserção dos grupos indígenas no espaço
social de vilas como Portalegre, na capitania do Rio Grande do Norte, e a interação com os
demais grupos de moradores que passam a conviver com eles, sendo incentivados por um
instrumento legislativo régio, proporciona aos atores sociais que habitam a vila a
possibilidade de vivenciar novas experiências históricas, gerando uma reestruturação social
dos grupos envolvidos neste processo.
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REFERÊNCIAS
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A apresentação do citado livro foi escrita por Luiz B. Tôrres, amigo pessoal do
antropólogo Clóvis Antunes e escritor da história local em Palmeira dos Índios. Em um
pequeno texto o memorialista resumiua obra, ao tratá-la como a concretização de inúmeros
desejos do autor ao unir o útil ao agradável, ou seja, as fontes primárias e os achados
arqueológicos com testemunhos indígenas em uma tentativa de reagrupar fragmentos
culturais do povo Xukuru-Kariri, que originou-se de dois povos distintos: os Xukuru do
município de Pesqueira/PE (antigo Aldeamento de Cimbres) e os Kariri, provenientes do
Baixo São Francisco, atual região do município de Porto Real do Colégio/AL, onde habita o
povo indígena Kariri-Xokó (PEIXOTO, 2013, p. 39-40).
Deve-se reconhecer que é uma das obras pioneiras no tocante a uma escrita da
história Xukuru-Kariri, após seu assentamento em Palmeira dos Índios em meados do século
XX, mas, por tratar-se de um livro próximo a uma abordagem acadêmica, é utilizado
sobretudo nos estudos sobre a história local de Alagoas, sendo também passível de críticas.
Ao referir-se aos índios, o escritor tratou-os como “integrados à civilização” (ANTUNES,
1973, p. 23), corroborando com uma imagem expressa no senso comum, uma representação
genérica do chamado “índio rondoniano”, pois “Basta registrar que a representação do índio
como primitivo, expressa no senso comum, deixa sob forte (e especial) suspeição as
demandas identitárias dos povos indígenas do Nordeste, ao passo que as práticas de tutela e
assistência estabelecidas no indigenismo oficial se revelam particularmente inadequadas
para seus projetos étnicos” (OLIVEIRA, 2004, p. 07).
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similaridades entre os Xukuru-Kariri e os não índios, no sentido de que a cor da pele por si
definia o pertencimento a determinado grupo social
Buscamos discutir a partir da nova escrita sobre a história indígena, com novas
fontes, métodos, questões e lentes de análise, evidenciando oprotagonismo indígena que foi
negado pela escrita da chamada história oficial. Nosso ponto de partida será a análise de
processos migratórios vivenciados pelo povo Xukuru-Kariri, por vezes de forma compulsória
e por outras como marca de resistência, resultando em “emergência étnica” (OLIVEIRA,
2004) e afirmação identitária.
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Das dez aldeias, a Fazenda Canto é a mais antiga, originada a partir da política
assistencialista do antigo Serviço de Proteção aos Índios (SPI).Foi a partir da fixação e de
conflitos internos que surgiram as primeiras mobilizações indígenas com o objetivo de
reestabelecer o território que outrora habitavam (SILVA JÚNIOR, 2013).
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A conquista do Posto Indígena Irineu dos Santos e a atuação do SPI entre os Xukuru-Kariri
A atuação do SPI em Palmeira dos Índios ocorreu por meio da instalação do Posto
Indígena Irineu dos Santos,após conquista de uma faixa de terras para o assentamento de
índios dispersos, gerando interesses na Igreja Católica Romana e de um político local. A
constituição do campo de ação indigenista na cidade foi a garantia de um templo católico
romano na aldeia Fazenda Canto e a promissora venda de terras malcuidadas pelo
latifundiário e então Prefeito da cidade, Manoel Sampaio Luz, conhecido popularmente
como “Juca Sampaio”, conforme constatado em um Relatório do Posto Indígena Irineu dos
Santos escrito pelo Chefe Mário da Silva Furtado em 1 de dezembro de 1954 descrito no
trecho a seguir: “Fizemos a colheita de cereais. Reconstruímos 200 braças de cercas,
capinamos e replantamos 10 hectares de palma forrageira e rebocamos as paredes externas
da Casa Grande da Fazenda.”
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Além do mais, o político local tinha interesses pessoais em vender uma parte de
suas propriedades, pois a insuficiência territorial obrigaria os indígenas a retomarem
territórios que estavam sob posse de grileiros do grupo de oposição no cenário político
municipal.Para que a negociação desse certo, o latifundiário prestou um bom atendimento
aos inspetores do SPI, inclusive ao emprestar cavalos onde juntos pudessem andar nos
limites da sua imensa fazenda (SILVA JÚNIOR, 2013, p. 85).
A área negociada para o assentamento dos indígenas foi o recanto das terrasda
citada fazenda, ocorrendo um imbróglio no repasse da área adquirida pelo SPI,pois dos 372
ha adquiridos de Juca Sampaio este entregou 276 aos Xukuru-Kariri, uma situação que
acentuou disputas pela posse de territórios ocupados por fazendeiros locais (MARTINS,
1994).
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Embora a citação acima não deixe evidente os critérios utilizados para o retorno de algumas
famílias indígenas, Antônio Ricardovivenciou e ouviu dos seus antepassados como oCacique
na épocaselecionou as famílias que inicialmente formaram a Aldeia Fazenda
Canto.Segundoafirmou havia situação de desespero por parte do líder político Xukuru-Kariri
para habitar o local onde seria criada a aldeia
Ai o finado Alfredo disse: eu tô pensando que um dia vão me passar, mas eu como índio, eu
tenho que deixar, eu vou me passar um dia, mas eu vou deixar um pouco do meu sangue
junto pro povo. Sabe o que eu vou fazer? Eu vou agarrar uma caneta e vou agarrar um
caderno grande e vou sair viajando por aí, aonde tiver, nessa periferia aonde tiver índio eu
vou baixar pra nós arrumar um terreno (Antônio Ricardo, Aldeia Fazenda Canto).
De acordo com Antônio Ricardo, atual Cacique da Aldeia Fazenda Canto,a procura
dos indígenas realizada por Alfredo Celestino antecedeu a aquisição do terreno que
atualmente se configura como Fazenda Canto, por ter convidado as famílias antes da
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negociação do terreno. “É possível a hipótese de que ele tenha convocado apenas as famílias
que o apoiavam, havendo assim uma seleção dos índios a serem aldeados, feita por
representante de um grupo Xukuru-Kariri legitimado pelo Estado” (SILVA JÚNIOR, 2013, p.
74).
Percebe-se então que não existe um consenso entrea pesquisa publicada acerca do
aldeamento e a entrevista de Antônio Ricardo, haja vista que os critérios utilizados pelo
Cacique Alfredo Celestino para selecionar os indígenas dispersos,foram vários e
contraditóriospara a escolha das 13 famílias assentadas na Aldeia Fazenda Canto.
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pertencera, embora sabendo que não seria tarefa fácil, uma vez que os terrenos estavam
ocupados pelas imensas plantações de capim e o gado da oligarquia municipal.
Na Aldeia Mata da Cafurna foi entrevistado o ex Pajé Lenoir Tibiriçá, um dos líderes
do movimento da retomada territorial. Um indígena convicto dos ideais Xukuru-Kariri, que
rememorou inúmeras situações vivenciadas pelos indígenas.Sobre as migrações e retomadas
afirmou:
Quando cheguei aqui a gente só tinha a Mata da Cafurna, fizemos várias retomadas, hoje já
se tem oito retomadas só aqui por parte da Mata da Cafurna. Foi um crescimento do pessoal
de Fazenda Canto, que foi também ampliando e aqui o movimento cresceu, você vê que já
por ali todo mundo já está com terra, aqui em baixo que é a Cafurna de Baixo, o Capela né?!
Foram se expandindo, foram se agrupando (Lenoir Tibiriçá, Aldeia Mata da Cafurna).
Em 1994 foram retomados 154 hectares em uma área denominada Mata da Jiboia,
território ocupado pelo grileiro Hélio Alves. Dessa vez os Xukuru-Kariri da Mata da Cafurna
contaram com o apoio dos Kariri-Xocó de Porto Real do Colégio, dos Tingui-Botó de Feira
Grande ambos em Alagoas, dos Pankararu e os Xukuru do Ororubá habitantes em
Pernambuco, além de índios da Fazenda Canto (Idem).
Esse processo resultou em pressões para reconhecimento de mais três territórios por
parte da FUNAI, sendo criada a Aldeia Boqueirão e a Aldeia Serra do Capela, esta última
constituída pela família Celestino que migrou da Mata da Cafurna por questões
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Considerações finais
Referências
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2003.
______. Ouvir contar: textos em história oral. Rio de Janeiro, FGV, 2004.
ALMEIDA, Luiz Sávio de (Org.). Os índios nas Fallas e Relatórios Provinciais das
Alagoas.Maceió: EDUFAL, 1999.
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GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e História. São Paulo: Companhia das
Letras, 1989.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2003.
MARTINS, Sílvia Aguiar Carneiro. Os caminhos da Aldeia...Índios. Xukuru-Kariri em diferentes
contextos situacionais. Recife: UFPE, 1994 (Dissertação Mestrado em Antropologia).
MONTEIRO, John Manuel. Armas e armadilhas. In: NOVAES, Adauto. (Org.). A outra margem
do Ocidente. São Paulo: Cia das Letras, 1999, p. 237-249.
MOREIRA, Ana Cristina de Lima; PEIXOTO, José Adelson Lopes; SILVA, Thiago Barbosa da.
Mata da Cafurna: ouvir memória, contar História: tradição e cultura do povo Xukuru-Kariri.
2ª ed. Maceió: Edições Catavento, 2010.
OLIVEIRA, João Pacheco de. Uma etnologia dos "índios misturados"? Situação colonial,
territorialização e fluxos culturais. In: A viagem de volta: etnicidade, política e reelaboração
cultural no Nordeste indígena. 2ª ed. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2004, p. 13-42.
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século XIX: O caso de Escada - PE (1860 – 1880).Recife: UFPE, 1995 (Dissertação Mestrado
em História).
SILVA, Marcio Antônio Both da. Lei de Terras de 1850: lições sobre os efeitos e os resultados
de não se condenar “uma quinta parte da atual população agrícola”. In, Revista Brasileira de
História, 2015, vol. 35, p.87–107.
SILVA JÚNIOR, Aldemir Barros da. Aldeando sentidos: os Xukuru-Kariri e o Serviço de
Proteção aos Índios no Agreste alagoano. Maceió: EDUFAL, 2013.
______. A província dos trabalhadores tutelados: trabalhadores indígenas diante do poder
político e econômico na Província das Alagoas (1845-1872). Salvador: UFBA, 2015 (Tese
Doutorado em História).
Fontes
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dezembro de 1954. Inspetoria Regional 4, Posto Irineu dos Santos. Caixa 165, planilha 001.
Museu do Índio.
RICARDO, Antônio. Entrevista realizada na Aldeia Fazenda Canto, Palmeira dos Índios/AL, em
24/09/2017.
TIBIRIÇÁ, Lenoir. Entrevista realizada na Aldeia Mata da Cafurna, Palmeira dos Índios/AL, em
28/10/2017.
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1. INTRODUÇÃO
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por parte dos professores e estudantes, na construção de uma nova sensibilidade sobre o
olhar do que é Ser povo indígena nos dias atuais na sociedade brasileira.
Num primeiro momento, tratamos o cinema como uma fonte histórica, para tal
segmento utilizamos como base o intelectual Marc Ferro, aonde o mesmo traz seus estudos
acerca do cinema, mostrando-o como um testemunho singular do tempo em que está
inserido, pois é no cinema que o controle de qualquer que seja a instância se encontra fora
do mesmo, principalmente o Estatal. Para Ferro, o filme possui uma tensão própria, sendo
possível fazer uma análise da sociedade, seja de quem possui um poder ou não. É no filme,
que o diretor se ver na condição livre para abordar quaisquer temáticas.
Para tal segmento utilizaremos como base o intelectual Marc Ferro, aonde o mesmo
traz seus estudos acerca do cinema, mostrando-o como um testemunho singular do tempo
em que está inserido, pois é no cinema que o controle de qualquer que seja a instância se
encontra fora do mesmo, principalmente o Estatal. Para Ferro, o filme possui uma tensão
própria, sendo possível fazer uma analise da sociedade, seja de quem possui um poder ou
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não. É no filme, que o diretor se ver na condição livre para abordar quaisquer temáticas.
Vejamos
O cinema destrói a imagem do duplo que cada instituição, cada indivíduo se tinha
constituído diante da sociedade. A câmara revela o funcionamento real daquela, diz mais
sobre cada um do que queria mostrar. Ela descobre o segredo, ela ilude os feiticeiros, tira as
máscaras, mostra o inverso de uma sociedade, seus “lapsus”. É mais do que preciso para
que, após a hora do desprezo venha a da desconfiança, a do temor (...). A idéia de que um
gesto poderia ser uma frase, esse olhar, um longo discurso é totalmente insuportável:
significaria que a imagem, as imagens (...) constituem a matéria de uma outra história que
não a História, uma contra-análise da sociedade.
Segundo o autor, será a partir do cinema que conheceremos regiões que antes não
foram exploradas, é um meio que possibilita descobrir novos caminhos, é experimentar
“partes” deixados pelo diretor e o seu produto, ou seja, “partes” essas que não aparecem
diretamente no seu filme, são indicados de maneira inconsciente pelo mesmo. Para Ferro, o
documento fílmico produzido é diferente do documento escrito que possui a mesma origem.
No filme, aprendemos uma “realidade’ que por sua vez, é somente percebida pelo
historiador, cabendo ao mesmo destacar as palavras “registrar” e “revelar”, trazendo à tona
o papel de mediação exercido pelo cinema.
Marc Ferro, afirma que a sociedade é mostrada através de várias vertentes pelo
cinema, onde traz uma leva de informações, gestos, objetos, comportamentos sociais,
discursos, todo um cotidiano que passam a ser transmitidas sem que o diretor queira, ou até
perceba, como também todo um meio de estruturas, organizações sociais, principalmente os
filmes que tem a função de informar.
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De acordo com Ferro, o mesmo afirma que o cinema sempre um caráter a parte pelos
historiadores e sociedade, havia um certo distanciamento do historiador com o cinema e
diante de suas informações, como risos, gestos, organizações sociais presente na obra
fílmica, considerados impróprios para o fazer história, dessa forma escapando do olhar do
historiador.
Porém o fato do cinema não ocupar um lugar de destaque nessa reflexão histórica,
fora algo propagado desde muito tempo, relacionado a própria formação do historiador,
onde apenas o documento escrito era considerado uma fonte para se fazer história, digna de
transpassar a verdade. Ao longo do tempo, como o surgimento da Nova História, o olhar do
historiador pode-se deleitar-se por outros meios, outros temas específicos, dessa forma
abrindo espaço para uma aceitação do cinema como fonte histórica, passando a ter em
função de sua nova missão.
Nos dias atuais é bastante comum vermos historiadores que fazem grandes obras
através da utilização do cinema como fonte, seja de um filme especifico, seja do cinema
como espaço físico, como também de um conjunto de obras fílmicas sobre um determinado
assunto, o cinema consegue fazer com que o historiador possa abordar novas temáticas,
apontar novos olhares sobre um objeto que já fora estudado, ou até mesmo apresentar uma
obra que seja pioneira. Dessa forma, o cinema se torna um aliado no quesito fazer história
na sociedade.
Outro meio em que o historiador pode utilizar o cinema, o filme em si como fonte
história é na sala de aula, como um novo meio metodológico do ensinar história, do ensinar
temas que tenham uma certa dificuldade de chamar a atenção dos estudantes, ou que são
poucos escutados na sociedade. Inúmeras possibilidades foram abertas através do ensinar
historia através do cinema, e uma delas é o estudo da temática Indígena que ainda é, tão
pouco disseminada em sala de aula.
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Mesmo após a lei 11.645 entrar em rigor, o problema que ainda se apresenta é a
observação, da não implementação da lei citada, seja devido a direção da escola ainda não
terem adotado novas formas de ensinar a temática indígena, como também pela ausência
de conteúdos propostos nas leis durante a sua formação inicial, seja pelo próprio corpo
docente da educação básica sofrer de uma carência extrema nesse quesito. Sendo então,
necessárias novas orientações para as práticas pedagógicas, como um proposito de
desconstruir estereótipos e pré-conceitos que foram construídos e continuam sendo
perpetuados no imaginário popular, principalmente ao tocante dos povos indígenas.
Os alunos ficam horrorizados em saber que existe indígenas próximo de onde vivem,
ou seja, sem ser apenas na Amazônia, que não andam nus, e que tem as suas casa, não
“aceitam” que os povos indígenas possuam celulares, notebooks, saibam falar o português,
fazer contas, terem seus próprios negócios, porque não são esses os detalhes que veem nos
livros didáticos e não são esses assuntos que são focados em sala de aula, ou seja, acaba
ocorrendo um silenciamento cotidiano no currículo, nos planejamentos, consequentemente,
na sala de aula.
É importante discutir essas ideias equivocadas, porque com elas não é possível
entender o Brasil atual. Se nós não tivermos um conhecimento correto sobre a história
indígena, sobre o que aconteceu na relação com os índios, não poderemos explicar o Brasil
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A Partir dessa citação de Freire, podemos analisar que os povos indígenas foram
taxados erroneamente como um único povo, genérico, como se praticassem e
compartilhassem a mesma cultura, ou seja, a mesma crença, a mesma língua, e segundo
Freire “essa é uma ideia equivocada, que reduz culturas tão diferenciadas a uma entidade
supra-étinica” (2010, p.18).
Por muitos, mesmo que de forma errada, o pensamento é de que a cultura indígena
seja atrasada, primitiva, aquela mesma mostrada nos livros didáticos. Segundo Freire, as
religiões, a arte, a ciência indígenas forma menosprezadas, exotizadas ou negadas, pela
sociedade brasileira, se pautando em estereótipos e no senso comum sobre elas, ou seja,
acreditar também em um “congelamento” das culturas, nesse caso a indígena, como não
fossem sujeitos propícios a mudanças culturais, que essas mudanças causa estranhamento
para a sociedade, ponde em julgamento se o indígena é ou deixou de ser indígena, como se
isso fosse possível.
Para as pessoas quando um “índio” não se enquadra nessa imagem criada pelos
colonizadores e que ainda é perpetuada até os dias de hoje, ele não é visto mais como sendo
indígenas, mas sim como um civilizado, ou seja, a partir do momento que ele entra em
contato com o outro, ou com meios tecnológicos, ele deixa de ser “índio”, passa por uma
“transformação”, tornando-se civilizado.
Diante de tais equívocos, devemos traçar novas práticas educativas como um rumo de
“deturpar” essas ideias que ainda são propagadas acerca do ser povos indígenas, devemos
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traçar também novos meios do ensinar história, com ênfase na temática indígena, refletindo
acerca de tais equívocos e o que pode ser feito para mudar o imaginário popular, enquanto
historiador e educador.
Vários aspectos podem ser tratados nesse filme, sendo eles, a representação do
indígena, suas vestimentas, os grandes problemas que enfrentam em torno da
territorialidade, um assunto bastante comum e fácil de se ver, tratar de assuntos como
demarcação indígenas, como são tratados e taxados os indígenas pelos “homens brancos”,
consequentemente a sociedade brasileira, esse filme pode nos mostrar um pedido de
socorro por partes dos indígenas que são condicionados a viverem em péssimas condições
de vida diante de uma sociedade capitalista e individualista.
A co-produção ítalo-brasileira Terra Vermelha, é uma obra com teor político. Ele
descreve como a nova geração de índios, isto é, os jovens reagem diante de um novo
sistema que lhe é imposto, onde seu trabalho, cultura e religião não possuem valor algum,
efeitos esses decorrentes das apropriações indébitas de terras que em outrora eram suas
por nascimento, para não utilizar o termo “direito” que nesse caso, não era um saber do
conhecimento indígena, bem como muitos outros saberes cartesianos.
O filme mostra uma desterritorialização dos indigneas, o que provoca neles uma
espécie de angustia social, onde foram “banidos” a viver um pedaço de terra que lhes foram
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“dado”, porém ao se tornar um ambiente não propícios para viverem, por não haver mais
animais para a caça ou pesca, decidem partir em busca de que “são” deles por direito, em
busca de novas terras para poderem viver, são forçados a viverem a beira das estradas e a
depender do sistema capitalistas que os transformam em objetos, comprando sua mão de
obra em troca de alguns trocados .
O filme também nos mostra que a terra tem diferente papel para os homens brancos,
que é vista como objeto de posse, de um mundo capitalista, que o homem roga para si, um
meio de obter lucro diante da sociedade, diferentemente acontece para os indígenas que
tem uma relação muito mais espiritual como a terra, que tem uma dignidade totalmente
diferente, razão essa pela qual eles se sentem parte da terra, respeitando-a, nutrindo-a.
Mostrando a noção de espaço e terra difere do Indígena para o homem branco.
O diretor também enfatiza a crença religiosa, outro meio que pode ser enraizado em
sala de aula a partir do cinema, do filme “Terra Vermelha”. O xamã ao perceber em um
jovem índios características de um futuro sucessor, inicia-o e começa a espiritualizar lhe,
ensinando-lhe a rezar e processualmente incutindo-lhes as práticas de suas crenças
religiosas, transmitidas de geração para geração.
Enfim, o chefe da aldeia é assassinado por causa de sua resistência, o que nos leva a
presumir que sua morte, é uma morte arquetípica, isto é, ele é emblemático por descrever a
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História: novos objetos. Trad.: Terezinha Marinho. Rio de Janeiro: F. Alves, 1976. p. 202-203.
FERRO, M. Image. In: LE GOFF, J. et. al. (Dir.). La Nouvelle Histoire. Paris: CEPL, 1978.
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ISSN:
FREIRE, José Ribamar Bessa. A herança cultural indígena ou cinco ideias equivocadas sobre
os índios. In: ARAUJO, Ana Carvalho Ziller de; CARVALHO, Ernesto Ignácio de; CARELLI, Vicent
Robert (org.). Cineastas indígenas – um outro olhar. Guia para professores. Olinda, PE: Vídeo
nas Aldeias, 2010, p. 17-33.
MORETTIN, E. V. Cinema e História: uma análise do filme “Os Bandeirantes”. São Paulo,
1994. Dissertação (Mestrado) - Universidade de São Paulo, ECA
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Universidade de Franca
email:analisa.rar@gmail.com
Universidade de Franca
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INTRODUÇÃO
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da Política Nacional de Saúde Indígena, e das Diretrizes Curriculares para os cursos de Saúde,
e alinhamento com as normativas de diretrizes e bases do Ministério da Educação para a
redução do preconceito instalado nas relações sociais e na relação entre sociedade e escola
e com a proposta da lei Nº 11.645de 2008.
DESENVOLVIMENTO
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O modelo de atenção à saúde bucal dos povos indígenas assistidos nas etapas de
campo, contou com o compromisso da integralidade em saúde, desenvolvendo ações de
promoção de saúde, preventivas e reabilitadoras. A comunidade foi atendida pela equipe no
seu próprio território (aldeias) e no pólo de saúde local. Após a identificação das
necessidades, por meio de um diagnóstico individual e coletivo das condições de saúde
bucal, com uma cobertura de 2/3 da área correspondente aos pólos base Pavuru, Diauarun e
Wawi, o que contribuiu também para o próprio subsistema de saúde indígena local. Ainda
como ação programática, desenvolveu-se acompanhamento, treinamento e capacitação dos
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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contextos e gerou novas demandas, tanto nos setores da educação, quanto nos outros como
seria o setor da saúde.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Fundação Nacional de Saúde. Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos
Indígenas. 2ª edição – Brasília: Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde, 2002.
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CRUZ, CS; JESUS, SS. Lei 11.645/08: A escola, as relações étnicas e culturais e o ensino de
história- algumas reflexões sobre essa temática no PIBID. XXVII Simpósio Nacional de
História. Conhecimento Histórico e Diálogo Social. Natal, Rio Grande do Norte, 22-26 de
julho de 2013.
ENSP. Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP). Formação de Facilitadores
de educação permanente em saúde/organizado por Maria Cristina Botelho de Figueiredo...
[et al], - Rio de Janeiro: EAD/Ensp, 2014. 320p.:il.ISBN:978-85-61-445-98-0.
RIBEIRO, D. O Povo Brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das
Letras, 2006.
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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
ISSN:
SASTRE, E. Panorama dos estudos sobre violência nas escolas no Brasil:1980 –2009.
Disponível em: <http://portaldoprofessor.mec.gov.br/storage/materiais/0000015503.pdf>.
Acesso em: 2018-06-11
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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
ISSN:
andre.profed@hotmail.com
joaobgbueno@hotmail.com
Introdução
O contexto da Educação Brasileira foi marcado por diversos momentos históricos. Seu
caminho entrecruza com os pensamentos hegemônicos trazidos pelos colonizadores
portugueses.
A educação escolar para os índios teve início durante a colonização e tinha como
propósito um viés integracionista, fazer com que os índios participassem da sociedade da
época. Todavia, com um real propósito de usurpação das riquezas indígenas, ou seja, suas
terras e cultura. Neste sentido, Zoia (2010, p. 69) enfatiza que:
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Diante deste ponto de vista, Neira e Nunes (2009), afirmam que o currículo contribui
para moldar as pessoas de forma a construir os cidadãos almejados pelo projeto social. O
currículo pode ser entendido como algo sempre em transformação, que absorve as relações
sociais e culturais dos seus sujeitos, aproximando-os de suas identidades ou, outrora, de
suas diferenças.
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como: a) Qual seria a prática curricular da Educação Física na escola indígena? b) Quais
conteúdos da Educação Física favorecem a cultura corporal indígena?
No caminho para se buscar as respostas o objetivo geral que norteia esta pesquisa
visa oferecer possibilidades metodológicas para a (re)significação da cultura corporal
indígena como elemento constitutivo do currículo escolar da Educação Física na Educação
Indígena. O que demanda alguns desdobramentos, tais como: a) investigar como é
construído o currículo da Educação Física na Educação Indígena da Rede Pública Estadual
situada no Território Indígena Potiguara, no Litoral Norte Paraibano; b) apresentar a visão da
comunidade escolar sobre os conteúdos da Educação Física e a Cultura Indígena local; c)
elaborar uma proposta metodológica para a Educação Física, com ênfase na cultura corporal
indígena; d) evidenciar a (re)significação da cultura corporal como elemento patrimonial
histórico do Povo Potiguara.
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Flick (2009, p. 7), afirma que, “nos últimos anos, a pesquisa qualitativa tem vivido
um período de crescimento e diversificação, ao se tornar uma proposta consolidada e
respeitada em diversas disciplinas e contextos”. Neste sentindo, a pesquisa etnográfica se
destaca como método que proporciona ao pesquisador e a comunidade científica vislumbrar
o objeto de pesquisa de forma mais aproximada.
É importante entender que a etnografia lida com gente no sentido coletivo da palavra e não
com indivíduos. Assim sendo, é uma maneira de estudar pessoas em grupo organizado,
duradouro, que podem ser chamados de comunidades ou sociedades. O modo de vida
peculiar que caracteriza em grupo é entendido como cultura. Estudar a cultura envolve um
exame dos comportamentos, costumes e crenças apreendidos e compartilhados do grupo.
(ANGROSINO, 2009, p. 16)
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Para tanto, Erickson (1992, p. 204 apud Castro, 2015, p. 111), lembra que existe
quatro propósito que objetivam a realização de uma investigação envolvendo a atmosfera
educacional. Para o autor, faz-se necessário:
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Possibilita que o pesquisador se integre ao ambiente investigado mesmo por um curto período de
tempo e que desenvolva em sentimento de pertença e de identificação com o grupo de participantes
e o contexto da pesquisa.
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Segundo Melo Junior (2011, p. 2), “é dentro desse perfil, que Thompson procura
resgatar a formação de ações coletivas originárias de movimentos sociais na Inglaterra do
século XVIII”. Ele busca em suas produções dar voz aos menos favorecidos da sociedade
daquela época.
A experiência surge espontaneamente no ser social, mas não surge sem pensamento. Surge
porque homens e mulheres (e não filósofos) são racionais, e refletem sobre o que acontece
a eles a ao seu mundo. [...] Pois não podemos conceber nenhuma forma de ser social
independente de seus conceitos e expectativas organizadoras, nem poderia ser social
reproduzir-se um único dia sem pensamento. O que queremos dizer é que ocorrem
mudanças no ser social que dão origem à experiência modificada: essa experiência é
determinante, no sentido de que exerce pressões sobre a consciência social existente,
propõe novas questões e proporciona grande parte material sobre o qual se desenvolve os
exercícios intelectuais mais elaborados. A experiência, ao que se supõe, constitui uma parte
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A ideia de experiência que corresponde a um processo realmente vivido pelos seres sociais e
que modifica efetivamente a consciência social e o processo educacional. Pela experiência e
pela educação, há uma relação profunda e dinâmica entre os seres sociais e a consciência
social que altera a todo o momento o que é pensado e sentido na vida social.
Tomaz Tadeu Silva apresenta uma sucinta reflexão sobre as teorias de currículo na
visão de suas correntes teóricas, com efeito:
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Para o Professor Ivor Goodson, pensar numa história de currículo e sua organização
de conhecimento é entendê-la como artefato social, sendo modificada sob a visão do poder
historicamente construído.
É natural que uma história do currículo nos ajude a ver o conhecimento corporificado no
currículo não como algo fixo, mas como um artefato social e histórico, sujeito a mudanças e
flutuações. [...] O currículo tal como o conhecemos atualmente não foi estabelecido, de uma
vez em algum ponto privilegiado do passado. Ele está em constante fluxo de transformação.
(GOODSON, 2013, p. 7).
Ainda segundo o mesmo autor, “uma análise histórica do currículo deveria, tentar
captar as rupturas e disjunturas, e não apenas olhar os pontos de continuidade”, neste
sentido o historiador inglês Edward Palmer Thompson lança o conceito de experiência
histórica e faz a seguinte reflexão:
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A classe se delineia o modo como homens e mulheres vivem suas relações de produção e
segundo a experiênciade suas situações determinadas, no interior do “conjunto de suas
relações sociais” (destaque do autor), com a cultura e as expectativas a eles transmitidas e
como base no modo pelo qual se valeram dessas experiências em nível cultural.
Para tanto, a historia do currículo tem que ser uma história social do currículo, que
segundo Goodson (2013, p.10) “está centrada numa epistemologia social do conhecimento
escolar, preocupada com os determinantes sociais e políticos do conhecimento educacional
organizado”.
No ano de 1851 foi feita a reforma Couto Ferraz, a qual tornou obrigatória a Educação Física
nas escolas do município da Corte. [...]E, 1882, Rui Barbosa deu seu parecer sobre o projeto
224, Reforma Leôncio de Carvalho, no qual tornou defendeu a inclusão da ginástica nas
escolas e a equiparação dos professores de ginástica aos das outras disciplinas. (BRASIL,
1997, p. 20).
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Durante todo este período a Educação passou por diversas influências, seja nas suas
vertentes pedagógicas, seja na sua visão de currículo e com a Educação Física não foi
diferente.
Darido (2003, p. 2-4), enfatiza que, a Educação Física em seu contexto histórico se
travestiu de diversos corpos pedagógicos, a exemplo, a função higienista-eugênica, que
visava à manutenção da raça humana através de exercícios físicos. Como também, cita a
função esportivista, que girava em torno do slogan Brasil-Potência, ou seja, à medida que o
País obtinha êxito nas competições de alto nível, gerava uma falsa impressão que o Brasil
estava se tornando uma grande potência, com isso amenizava as críticas internas e
estabelecia-se um clima de prosperidade.
Atualmente existe na área da Educação Física várias concepções, todas elas tendo em
comum a tentativa de romper com o modelo mecanicista, fruto da etapa recente da
Educação Física, em um primeiro momento: Desenvolvimentista, Construtivista-
Interacionista, Critico Superadora e a Sistêmica. Em um segundo momento apresento as
concepções Psicomotrisista, Crítico-Emancipatória, Cultural, Saúde Renovada, Jogos
Cooperativos. (Ibid., p. 4).
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Neste sentido, Marcos Garcia Neira e Mário Luiz Ferrari Nunes ressaltam que surge o
momento de uma democratização curricular da Educação Física, como área que tem como
objeto de estudo escolar o patrimônio da cultura corporal da humanidade tratado
pedagogicamente.
Portanto, o que se propõe é uma concepção de Educação Física que ofereça a oportunidade
do diálogo por meio do encontro das diversas culturas, proporcionando aproximação,
intenção, experimentação, análise crítica e valorização das diversas formas de produção e
expressão corporal presentes na sociedade, para que os educandos possam reafirmar sua
identidade e reconhecer a legitimidade de outras. (NEIRA; NUNES, 2009, p 19)
Temos assim, a cultura corporal como principal norte para as relações pedagógicas
existentes na Educação Física. Sendo, a cultura como o elo entre o conhecimento científico
oferecido pela a escola e os trazidos pelos alunos. Para Moreira e Candau (2007), cultura
refere-se à dimensão simbólica presente nos significados compartilhados por um
determinado grupo.
Apple (1999), Goodson (2013), Silva (2006, 2015), rejeitam qualquer modelo de
educação que não se fundamente nas vidas e histórias pessoais daqueles que compõem a
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Considerações
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Por fim, este artigo cumpre seu objetivo em oferecer uma reflexão que sirva como
parâmetro para a pesquisa qualitativa envolvendo os Povos Originários e sua cultura.
Referências
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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
ISSN:
FLICK, U. Sobre este Livro. In: ANGROSINO, M. Etnografia e observação participante. Td. José
Fonseca. Porto Alegre: Artmed, 2009.
GOODSON, I. Currículo: teoria e história.Td. Attílio Brunetta. Petrópolis-RJ: Ed. Vozes, 14ª Ed,
2013.
MOREIRA, A. F. B; SILVA, T. T. Currículo, sociedade e cultura. São Paulo-SP: Ed. Cortez, 12ª
ed, 2011.
NEIRA, M. G; NUNES, M. L. F. Educação Física, currículo e cultura. São Paulo: Ed. Phorte,
2009.
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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
ISSN:
SILVA, S. A. P. S.(org.). Portas abertas para a Educação Física: falando sobre abordagens
pedagógicas. São Paulo: Ed. Phorte, 2013.
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claudialago.rn@gmail.com
INTRODUÇÃO
Numa pergunta simples: qual o sentido da Lei 11. 645 no contexto da Educação
Indígena? Para falar sobre o assunto, o artigo em pauta traz uma reflexão sobre a
importância da lei na vida escolar dos povos indígenas.
Parece estranho pensarmos que uma Lei que insere um objeto de discussão, seja
implantado junto ao próprio objeto, para ser mais específico, como avaliar a importância da
lei que trata da inserção da história, linguagens e artes dos povos indígenas no ensino, seja
abordado junto aos próprios índios. Seria uma relação bastante óbvia, e de certo modo
redundante, mas devemos ver pelo lado da representação das populações indígenas em seu
próprio meio, como expectativa de recuperar uma identidade cultural que fora rejeitada e
extirpada da sociedade pelo dito “homem branco civilizado”.
Desde que a lei foi promulgada em 2008, e nos anos que tem seguido sua
aplicabilidade, muito já vem sendo discutido e analisado sobre como, e se ela tem, de fato,
atuado ou contribuído no contexto da educação no Brasil, em especial se o objetivo dela é
inserir e ampliar o conhecimento sobre a história e a cultura dos povos indígenas e sua
relação com a cultura e a sociedade brasileira. Mas, para adentrar na discussão, precisamos
avaliar qual o contexto da criação da Lei e os efeitos que ela tem causado no sistema de
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ensino como um todo, neste caso, consideraremos os livros didáticos nos seus conteúdos e
imagéticos, e a atuação dos professores na sua formação e metodologias.
Este trabalho é resultado de pesquisas realizadas desde 2016 pelo Projeto ABAIARA –
Grupo de Estudos Indígenas da Paraíba, que entre as suas linhas de pesquisa avalia como a
história e a cultura dos povos indígenas têm sido abordadas no âmbito da educação. Nosso
objetivo aqui é fazer uma breve análise de como a Lei, e mais recentemente a BNCC se
inserem no contexto da educação indígena, e como esses documentos impactam na
formação docente e na produção de materiais didáticos direcionados as escolas indígenas.
Com o início da República, a criação do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), em 1910,
perpetuou-se o discurso do “ensinar para civilizar”. O órgão pensado e administrado pelo
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Estado e sob a direção do Marechal Cândido Rondon, um militar de carreira com experiência
de desbravar os sertões do centro-oeste do Brasil e de estabelecer vínculos com diversas
populações indígenas nessas áreas, algumas delas ainda sem contato, passa também a
vincular a ideia do processo civilizatório a partir da educação dos povos. Esta ideia é
expressa no documento de criação do órgão, que define o sistema de educação nas aldeias
“[...] onde serão estabelecidas escolas para o ensino primario, aulas de musica, officinas,
machinas e utensiliosagricolas, destinados a beneficiar os productos das culturas, e campos
apropriados a aprendizagem agrícola” (DECRETO 8.072, 20/06/2010, Art. 15).
As ações do SPI adentram o período do Estado Novo e ganha um novo fôlego com a
política nacionalista de Getúlio Vargas. Deste modo, mantêm-se a proposta de “[...]pôr em
execução medidas e ensinamentos para a nacionalização dos selvícolas, com o objectivo de
sua incorporação á sociedade brasileira” (DECRETO 736, 06/04/1936, Art. 1º, alínea b). A
propaganda de valorização das raízes nacionais vai adiante no governo varguista, chegando
ao pretenso discurso de reconhecimento da importância dos povos indígenas com o
promulgação do Decreto Lei n. 5.540, de 19 de abril de 1943, o qual estabeleceu esse como
o “Dia do índio”. Um texto curtíssimo, com apenas dois artigos e nenhum preâmbulo,
resume no seu conteúdo qual era a importância que o governo dedicava aos povos
originários do Brasil. Só a título de comparação, o Decreto 24.224, de 11 de maio de 1934,
também de Getúlio Vargas e que instituiu o dia do automóvel e da estrada e rodagem,
possui muito mais textos de consideração da importância da criação desta data do que sobre
os povos indígenas, o qual não possui nenhum “considerando”.
Nos anos de 1960, já no período militar no Brasil, o SPI é substituído pela FUNAI,
mantendo-se a política protecionista aos indígenas. No documento que estabeleceu sua
criação, já no artigo 1º, determinava que o órgão deveria “[...] promover a educação de base
apropriada ao índio visando à sua progressiva integração na sociedade nacional” (LEI 5.371,
05/12/1967). Entretanto, a educação de base nas aldeias indígenas estava pautada, assim
como sob a tutela do SPI, na condição de vigilância e administração do órgão regulador e
pelo Estado do Brasil, ou seja, as diretrizes educacionais a serem aplicadas nas escolas
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indígenas não eram planejadas e determinadas pelos próprios índios, mas por um estado
burocrático, autoritário, apático e indiferente a importância da permanência cultural dos
diferentes povos.
Mas por que então não nos identificamos com as raízes indígenas? Costumeiramente,
o índio passou a ser uma figura estereotipada, de cabelos pretos, longos, olhos puxados,
seminus, adornados com plumagens e pinturas corporais, restritos às áreas isoladas ou às
regiões do norte do país. Além dessas atribuições, podemos ainda ver as adjetivações:
selvagens, preguiçosos, analfabetos e assim por diante.
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E é nesse sentido que chegamos a Lei 11.645, de 2008. Em linhas gerais, podemos
afirmar que ela avança de forma mais satisfatória a necessidade de ver a cultura e a história
indígena no âmbito da construção social do Brasil. Ao determinar a obrigatoriedade de
incluir o tema na educação básica, isso acabou se estendendo aos cursos de formação
docente, que tendem a fazer as discussões em seus programas curriculares, bem como na
produção de um material didático mais substancial nesta temática. Entretanto, há questões
ainda a serem abordadas, e que se referem a discussão da lei e sua aplicabilidade.
Ainda hoje, quando são lidos alguns livros didáticos de História, tem-se a impressão
de que as populações indígenas pertencem exclusivamente ao passado do Brasil. Os verbos
relacionados aos indígenas invariavelmente estão no pretérito, e a eles são dedicados
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Os autores destes manuais didáticos precisam rever suas fontes e as teorias que seguem,
balizando seus livros em pesquisas mais contemporâneas. As editoras, por sua vez, precisam
ser mais cuidadosas no controle de materiais que elas publicam. E o Governo Federal deve
incentivar avaliações sistemáticas dos livros didáticos beneficiados nos programas de
compra e distribuição de material didático para todo o país. Por fim, cabe aos próprios
índios, e muitos representantes indígenas já estão em condições de manter um diálogo mais
efetivo com a sociedade nacional, “pacificar” e “civilizar” os não-índios (GRUPIONI, 2004,
p.492).
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Em suas análises, a discente chama a atenção para o fato de que “[...] os livros
aprovados pelo PNLD para serem distribuídos nas escolas indígenas não diferem em nada
dos livros distribuídos nas escolas não indígenas, não existe uma editora específica na
produção desses materiais” (SILVA, 2017, p. 14). Em linhas gerais, os livros analisados
apresentam problemas quanto as representações indígenas, seja na discussão temporal, não
demonstrando de forma adequada a relação entre passado e presente, em que ora trata de
práticas culturais como se fossem extintas, como o cultivo da mandioca, ou de alguns ritos e
danças como se ainda fossem praticadas; seja também nas identidades culturais, em que
rementem apenas aos grupos indígenas das regiões Norte e Centro-oeste do país, sem
considerar as diversidades presentes em várias outras unidades da federação.
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recebido a formação adequada. Essa questão cíclica deverá ser observada em todo âmbito
da formação docente, independente de qual público ele atuará.
Além dos problemas acima elencados, há um outro que também merece atenção: a
questão curricular. Os cursos de licenciatura, no geral, tratam a participação dos povos
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E então voltamos para importância da Lei 11.645. Desde a sua promulgação, que os
cursos de licenciatura também têm sido obrigados a abordar a temática em seus currículos,
forçando-os a adotarem novas posturas quanto aos debates e aos conteúdos aplicados em
suas estruturas curriculares. E neste ponto, agora conta-se com mais um reforço: a Base
Nacional Curricular. Após um difícil período de discussão, a BNCC é apresentada no fim de
2017 com mais uma expectativa frente a questão. Como reforço complementar à Lei 11.645,
a Base inclui nos anos iniciais da Educação Básica conteúdos que versam sobre a história, a
cultura, as lutas e resistências dos povos indígenas ao longo desses anos, cujas discussões
não se prendem apenas ao período colonial, mas estende-se até hoje.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que buscamos enfatizar nessa discussão da Lei 11.645 é que sua importância não
pode ser analisada de forma individual ou apenas pelo contexto da sua legalidade e
aplicabilidade, é necessário compreendê-la no amplo aspecto que ela envolve, desde uma
mudança na cultura educacional, em que as escolas trabalhem a temática de forma
contundente, corrigindo o olhar cristalizado e estereotipado para uma percepção das lutas e
resistências; dos cursos de formação docente que passam a inserir os aspectos da história e
da cultura indígena, indo para além do contexto da historiografia ou da etnografia, e do
material didático que precisa ser revisado e reelaborado, respeitando as diversidades
culturais e regionais.
Ou seja, de forma ampla, a lei abriu um caminho para que, através do ensino, a
sociedade em geral incorpore a importância dos povos indígenas, entendendo a sua cultura,
suas tradições e sua história, respeitando-os pelas suas práticas originárias, sem tentar
“civilizá-los”. De outro modo, se nos postarmos pelo olhar da educação indígena, a Lei e suas
demais diretrizes, no caso da BNCC, pode recuperar uma parte da história desses povos, que
em grande parte é mostrada apenas pela ótica dos documentos escritos pelas classes
dominantes responsáveis pelas políticas administrativas do Brasil, e assim confrontar com a
memória, as vivências e experiências dos indivíduos que compõem cada grupo.
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Deste modo, evitando a todo custo uma percepção pessimista quanto ao andamento
desse novo processo, devemos considerá-la, de fato, como uma abertura para novos
paradigmas dentro da educação, e que esta não seja mais uma lei, neste caso, para índio ver.
REFERÊNCIAS
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ISSN:
GRUPIONI, Luís Donizete Benzi. Livros didáticos e fontes de informação sobre as sociedades
indígenas no Brasil. 2014. In: SILVA, Aracy Lopes da. GRUPIONI, Luís Donizete Benzi (Org). A
temática indígena na escola: novos subsídios para professores de 1º e 2º graus. 4ª ed. São
Paulo: Global; Brasília: MEC; MARI; UNESCO, 2004.
SILVA, José Bonifácio de Andrade e. Projetos para o Brasil. São Paulo: Cia das Letras, 1998.
(Retratos do Brasil).
SILVA, Simone Maria da. Educação Escolar Indígena Potiguara: uma análise estrutural e
material. João Pessoa: UFPB, 2017. (Trabalho de Conclusão de Curso).
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ISSN:
claudiana.castro123@gmail.com
egito78@hotmail.com
Introdução:
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aulas, e principalmente, na aula sobre história indígena, a qual explorarei meus olhares
sobre a relação dos alunos e professores, e o quanto esta temática nas aulas de histórias
contribui para a construção do aluno cidadão.
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discussões escolares para que os estudantes tenham uma visão mais humanizada sobre os
indígenas, percebendo-os como sujeitos históricos que são passíveis a transformações e
resistências, que acompanham as continuidades e descontinuidades da experiência
histórica.
No que se refere a participação dos indígenas na história descrita nos livros didáticos
de História, percebemos muitas versões estereotipadas no que se refere ao período colonial,
sendo que, a situação sobre a presença histórica dos indígenas, nos livros didáticos, agrava-
se ainda mais, como o seu gradativo desaparecimento nos períodos posteriores à
Colonização. A Lei Federal Nº 11.645, em 2008, determinou que no ensino fundamental e
médio, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena,
ministradas em todo o currículo escolar, especialmente em Educação Artística, Literatura e
História.
Se os indígenas têm sido parte da tradição do ensino de História, qual sentido da obrigatoriedade
oficial? O ato legal de 2008 pretende introduzir tais conteúdos nas aulas das escolas brasileiras sob
novas perspectivas e abordagens ao recomendar que se deve ressaltar as contribuições dos povos
indígenas “nas áreas social, econômica e política, pertinentes a história do Brasil?” (BITTENCOURT,
2013, p.102).
A Lei 11.645/08, visa uma expectativa para que a proposta da História dos povos
indígenas como parte integrante do ensino de História, apresente mudanças substantivas
tanto nos educadores e intelectuais dedicados ao ensino, e principalmente, para que
tenhamos um ensino mais comprometido com o rompimento de preconceitos e mitos
históricos. Afinal, a perspectiva predominante na produção didática e historiográfica era que
as populações indígenas deviam ser vistas como ingênuas, vítimas de colonizadores,
passivas, cuja sua cultura era a preguiça e a relação com a natureza, como definiu Gilberto
Freyre, são povos da vegetação, uma população rasteira[2]. No que se refere ao livro
didático, ausência de novas perspectivas torna-se ainda mais prejudicial, pois é o principal
suporte de informação em uma escola. Por exemplo, entre o final do século XIX e Idos do
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século XX, “O livro didático era o responsável exclusivo das “falsas” representações sobre os
povos indígenas. ” (BITTENCOURT, 2013, p.104-105, grifo nosso).
O livro “Lições de história do Brasil para uso das escolas de instrução primária”, de
autoria de Joaquim Manuel de Macedo, refere aos índios como selvagens e incultos. O autor
do livro abordado era professor de História do Brasil do Colégio Pedro II e membro do
Instituto histórico e geográfico brasileiro, ocupando a função de secretário. Logo, sua
intenção era destacar as diferenças entre os povos cristãos e povos nativos, no entanto essa
distinção era legitimar a colonização portuguesa como berço da civilização no Brasil.
“Selvagens [por corresponderem aos] povos que ignoram a arte de escrever, que não tem
polícia, que não tem religião, ou professam religião absurda, e que vivem em plena liberdade
da natureza”( MACEDO apud BITTENCOURT, 2003, p.107).
Gilberto Freyre (2003, Op. Cit.) afirma que os índios eram ‘bandos de crianças
grandes’ sem desenvolvimento e nem resistência, e por serem tão inferiores foram
derrotados pela superioridade dos portugueses. O índio torna-se passivo e submisso ao
domínio português devido a sua incapacidade de transformação, necessitando do contato
com a civilidade europeia.Para Freyreele, na raiz da formação da sociedade brasileira,
encontramos uma demasiada intoxicação sexual, pois, ao descer dos navios, todo lusitano já
escorregava na coxa de uma bela índia nua. Devido ao contato sexual entre os portugueses e
população autóctone, houve uma miscigenação na formação na formação da família
brasileira.
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ainda hoje o trinfo dos usos que pareceram de todo razoáveis. ” (VARNHAGEN apud
BITTENCOURT, 2003, p.112).
A ideia de que os grupos indígenas e suas culturas, longe de estarem congelados, transformam-se
através da dinâmica de suas relações sociais, em processos históricos que não necessariamente os
conduzem ao desaparecimento, permite repensar a trajetória histórica de inúmeros povos que, por
muito tempo foram considerados misturados e extintos. Não é o caso de desconsiderar a violência
do processo de conquista e colonização. A mortalidade foi altíssima, inúmeras etnias foram
extintas[...]. No entanto, encontraram possibilidades de sobreviver e souberam aproveitá-las.
(ALMEIDA, 2010, p.23. Grifos nossos.).
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ultramarinos. “[...] Para a Coroa portuguesa, desde o século XVI, era importante e necessária
construir relações de amizade e aliança com as lideranças indígenas visando a sustentar e
sedimentar sua hegemonia política e militar nos seus territórios americanos. ” (DUARTE,
2011, p.88). Logo, os indígenas estão longe de ser passivos no processo de colonização da
América portuguesa.
Cabe lembrar que os povos indígenas foram essenciais ao projeto de colonização, sobretudo em seus
primórdios, quando a conquista e a preservação dos territórios se faziam por meio de guerras
violentas, nas quais os índios participavam intensamente, na condição de aliados ou inimigos. Foi
nesse contexto que alguns líderes, como o Arariboia do Rio de Janeiro, se projetaram, adquirindo
enorme prestígio no mundo colonial, conferido por autoridades interessadas em agraciar lideranças
que constituíam importantes agentes intermediários entre o mundo indígena e o mundo colonial.
(ALMEIDA Apud DUARTE, 2011, p.88)
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prestado. Atendendo alunos de educação infantil, por sua vez de acordo com o
desenvolvimento local ampliando para a primeira fase, até a 4 série do 1 grau.
No que se refere ao estágio observação exercido na turma do 8 ano A,os alunos são
receptivos e cordiais, grande parte residente na zona rural do município. Os alunos não têm
livro didático de nenhuma disciplina, porém os livros ficam na sala para disposição dos
mesmos durante as aulas. O professor de História da turma, vou chamá-lo de ‘professor X’, é
excelente tanto nas discussões e administração das aulas como no relacionamento com os
alunos.
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Neste momento de silencio puder observar que o professor X tem durante a ministração das
aulas uma ótima interação entre as teorias históricas (principalmente a perspectiva da Nova
História Cultural) e os conteúdos abordados no livro didático, promovendo uma aula
interessante e sobretudo, reflexiva. Para além disso, o professor tem um excelente
relacionamento com alunos, mesmo que surgisse algum atrito, ele resolvia rapidamente.
Abaixo a figura de Felipe Camarão, reproduzida pela revista Verde Oliva do exército
de acordo com as informações do site“Navios de Guerra Brasileiros: 1822-2018”, imagem
esta que foi usada para indagar aos alunos: “Quem era?”, “Que função exercia?”, “era um
homem importante”?
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Ao observar que alguns alunos ficaram surpresos por um indígena ser tratado na
discussão como protagonista do processo colonial, bem como o processo de transformação
cultural ocorrida naquelas relações de contatos, acredito que ficaram até suspeitando da
minha aula devido ao conteúdo ‘novo’, no entanto, tentei mostrá-los que os índios eram
humanos e agentes ativos no processo colonial. E àqueles alunos que perguntavam na aula
do professor X também me indagaram sobre algumas dúvidas e questionamentos.
Quanto ao livro didático, ele não mostra uma história indígena, pelo contrário, os
indígenas são totalmente silenciados. Segundo Bittencourt (2008), o livro didático é o
principal material didático disponível para os professores e principalmente para os alunos,
sendo este na maioria das vezes um único livro que possui em casa. O livro didático é um
depositário dos conteúdos escolares, servindo como intermediário entre o saber acadêmico
e o saber escolar. Apesar disso, vale lembrar também o seu caráter de mercadoria que
obedece a regras e técnicas da lógica do mercado editorial e desempenha a função de
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CONCLUSÃO:
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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ISSN:
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os índios na História do Brasil. – Rio de janeiro: Editora
FGV, 2010. BERUTI, F. MARQUES, A. Quem são os sujeitos da História?.In: _______. Ensinar e
aprender História. Belo Horizonte: RHJ, 2009. p. 35-61.
FREIRE, Gilberto. O indígena na formação da família brasileira. In: ______. Casa grande &
Senzala. São Paulo: Global, 2012. p.157-192.
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VIEIRA,Jadson Pereira–PPGH/UFPB
jadsonpv@gmail.com
eleonora.felix@hotmail.com
INTRODUÇÃO
Nosso lócus para a partilha da experiência com a temática indígena foi na Escola
Municipal de Ensino Fundamental II, Irmão Damião Clemente, em Lagoa Seca-PB, durante os
dois primeiros bimestres do ano letivo de 2018. Ali, partilhamos uma experiência exitosa
com o ensino de História que entra em consonância com a temática indígena. Teoricamente
sustemos nossas ações pedagógicas na História Cultural, conforme escreveu Burke (2005)
para com suas abrangênciaspromover a efetivação de um ensino de História aberto a
diversidade étnica de nosso pais.
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seja, pensar uma prática que valorize a diversidade étnica e cultural indígena, bem como
desconstrua estereótipos sobre os povos indígenas.Assim, este é um trabalho voltado para
uma prática pedagógica que valoriza a temática étnico-racial e diversidade cultural de nossa
sociedade.
DESENVOLVIMENTO
Quando se fala em “conquista” das sociedades indígenas na América, por parte dos
Portugueses a partir do século XVI, muitos, ainda acreditam que não houve “dominação” dos
moradores desse continente, ou que, a invasão dos europeus foi inclusive benéfica para a
formação de um ideal de “civilidade” da nação brasileira que posteriormente se formaria.
Estas narrativas, no entanto, são questionáveis pois apelam par um caráter preconceituoso e
racista sobre nas várias nas tessituras dos povos indígenas para a nossa História.
Por outro lado, nos abrindo à uma narrativa da aceitação, as contribuições históricas
dos povos originários serão evidenciadas. Adentremos aos protagonismos destes sujeitos,
que forma imprescindível contribuíram para a consolidação de nossa sociedade. Para tanto,
é preciso compreender que deles houveram “resistências”, que não foram suficientes para
conter os avanços das armas e dos extermínios práticos pelos brancos, mas que, ajudaram a
manter viva as suas culturas e Histórias. Deles, vemos as consequências de um processo de
“choque cultural” iniciado a partir do desembarque dos primeiros portugueses e que se
perdura até os dias de hoje. E que sua “diversidade” cultual é tão vasta que se torna
impossível mensurar todas as suas nuances.
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Nas últimas décadas as comunidades indígenas têm buscado construir projetos de educação
escolar diferenciada em contraposição à tradição assimilacionista e integracionista de
experiências escolares vivenciadas do período colonial até recentemente. Estas experiências
tinham como uma de suas finalidades o apagamento das diferenças culturais, tidas como
entraves ao processo civilizatório e de desenvolvimento do País. (Diretrizes Curriculares
Nacionais para Educação Indígena, 2013, p. 282)
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social no contexto escolar colocando sua história e memorias de uma vez por todas no
currículo formal das escolas do país.
Podemos concluir que a luta por uma educação voltada para a perspectiva da
história e cultura indígena não pode ser vista como elemento monolítico na luta destes
povos. Para enfrentar os históricos problemas emanados do “silenciamento” das lutas e da
história, outros meios forma encontrados para resistir. Como luta por demarcação ou
preservação de terras, a resistência aumento das fronteiras agrícolas, reconhecimento da
cultura sua cultura como fundamental para a sociedade brasileira, entre tantas outras
batalhas, os grupos indígenas tiveram que travar e aprender vencer para a defesa simbólica
de sus descendentes. Então, falar de educação sobre a perspectiva indígena é sempre falar
de lutas e resistências que transcendem ao ambiente escolar.
Nesse debate faz necessário lembrar que estas lutas não foram e não são, exclusivas
de uma realidade brasileira, outros povos indígenas da América apreenderam não somente
novas formas de resistência, como também novas maneiras de coloca-las em prática dentro
de uma sociedade chamada informacional. Nesse sentido, chama a atenção por exemplo, a
atuação do Ejército Zapatista de Libertacion Nacional – EZLN que se utilizou de dois recursos
muito comuns nos dias atuais para atingir seus objetivos.
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(Em 1994) Liderados pelo comandante Emilio Zapata, tornam-se o símbolo da exclusão das
comunidades camponesas (de origem indígena) pela ordem do libre comercio. A crítica, o
compartilhada por todo o movimento, os membros acrescentaram ao seu desafio, essa nova
ordem global: a projeção do sonho revolucionário socialista para além do fim do comunismo
e da dissolução dos movimentos guerrilheiros da América Central (CASTELLS, 2003, p. 102)
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Nesta perspectiva, os grupos sociais - sejam eles indígenas ao não - começam a traçar
uma progressiva inserção da temática no contexto escolar. Com muita dificuldade mas com
uma visibilidade que nos anos posteriores a 2008 tornaram mais latente. A História e Cultura
indígena se insere no contexto amplo de busca da cidadania, uma vez que, ser cidadão
requer uma por liberdade, respeito e diversidade. Valorizar a cidadania indígena é também
considerar a lutae a cultura dos povos nativos. Nossos jovens estudantespodem ser cidadãos
mais críticose se tornar agentes históricos protagonistas, quando anarrativa étnica adentra
ao contexto escolar.
A abordagem interna trata da presente renovação da história cultural como uma reação às
tentativas anteriores de estudar o passado que deixavam de fora algo ao mesmo tempo
difícil e importante de se compreender. De acordo com esse ponto de vista, o historiador
cultural abarca artes do passado que outros historiadores não conseguem alcançar. A ênfase
em “culturas” inteiras oferece uma saída para a atual fragmentação da disciplina em
especialistas de história de população, diplomacia, mulheres, ideias, negócios, guerra e
assim por diante. (BURKE, 2005, p. 4)
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contribuir para uma nova mentalidade na comunidade escolar da qual fazemos parte.
Mentalidade que olhe para os grupos indígenas, sempre dando-lhes voz, com um discurso
voltado para a aceitação da multiplicidade cultural de nosso pais e dando poder aos seus
projetos e bandeiras de lutas destes grupos.
Com o trabalho que desenvolvemos em nossa escola, pudemos perceber uma outra
questão para nas novas possibilidades de resistência indígena, que é a manutenção da
prática da justiça social, combatendo portanto, a igualdade generalizante pregada pelos que
propagam o ódio no mundo de hoje. Uma igualdade que apenas olha para meritocracia não
nos serve, isto causa mais injustiças e não é nossos objetivo enquanto educadores.
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O trato pedagógico acerca da questão indígena com os alunos foi motivado por
alguns objetivos e ações, listamos abaixo o que desenvolvemos na nossa escola:
· Romper com visões estereotipadas acerca dos povos indígenas através do uso
de múltiplas linguagens no processo de ensino-aprendizagem sobre esses
importantes agentes históricos que são os cidadãos indígenas do Brasil atual e
de tempos passados.
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· Conhecer artefatos que fazem parte do cotidiano de nossas vidas e que são de
origem indígena(abano, rede, cestaria, tigelas, cocares, brinquedos, etc.);
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ano. Nossos trabalhos integraram as atividades artísticas do sarau pelo seu caráter
pedagógico e interdisciplinar.
CONSIDERAÇÕES
Consideramos que o trabalho que ora apresentamos foi bastante proveitoso, uma vez
que foi tecido como uma possibilidade de abordagem sobre a problemática indígena na
atualidade, bem como ter sido construído como viés pra descontruir estereótipos acerca dos
indígenas e, sobretudo, como estratégia para construção de uma mentalidade que combata
preconceitos e racismos com relação aos indígenas no passado e na contemporaneidade.
REFERÊNCIAS.
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ISSN:
BURKE, Peter, O que é História Cultual? Rio de Janeiro: Zahar, 2005. P. 210,
BRASIL. Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03. Brasília:
SECADI/MEC, 2005.
BRASIL. Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o ensino
de História e Cultura Afro-brasileira e Africana. Brasília: MEC, 2005.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº. 9.394 de 20 de Dezembro de
1996.
BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Indígena. Brasília: CNE,2013, p.282
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo.
Belo Horizonte: Autêntica, 1999. p. 99-104.
GEVEHR, Daniel Luciano. ALVES, Darlã de. Educação étnico-racial na escola: a Lei nº
10.639/2003 e os desafios da interdisciplinaridade para além das aulas de História. Ágora, v.
17, nº 02, p. 17-30, jul/dez.2016.
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jaaqueline.historia@gmail.com
priscyllalaryssa@hotmail.com
INTRODUÇÃO
Estamos no século XXI, mas as histórias e estórias contadas nas escolas ainda fogem
de um padrão construtivista, tendo em vista que muitos professores tiveram sua formação
voltada para uma educação tradicional. Durante muito tempo nos foi apresentado o
descobrimento do Brasil a partir de uma visão eurocêntrica, excluindo o indígena e
associando-o ao passado, ao não civilizado. “Dessa forma, as contribuições históricas desses
povos para a formação e estabelecimento do Brasil enquanto nação foram deixadas de lado,
desconsiderando-se, assim, a base multicultural e pluriétnica oriundas dessas terras e
antecedentes à chegada do europeu” (ROCHA, 2016).
A lei 11.645/2008 é resultado de lutas, pois falar dos povos indígenas é falar de luta e
não de passividade, pois a sua história não resume-se ao extermínio e à subjugação. A
mesma tornou obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Indígena nas
escolas de ensino fundamental e médio, sejam elas públicas ou privadas, com o intuito de
descontruir estereótipos e imagens discriminatórias acerca desses povos. Os livros didáticos
passaram a ser modificados a fim de incluírem tal temática.
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universidades também foram se moldando. Como exemplo temos a criação dos cursos de
Especialização para as Relações Étnico-Raciais. Mas esses livros conseguem dar conta das
lacunas que por muito tempo silenciaram os indígenas? E os professores estão conseguindo,
a partir da lei, elencar a temática e acabar com a imagem que ainda existe de que índio é
aquele que vive na mata, que não usa roupas, internet ou celular? Muitos povos apelam
para que as escolas transmitam uma imagem real e atualizada deles.
garantiu aos povos indígenas o fortalecimento de suas culturas e línguas maternas, prestou assistência para
que fosse possível a recuperação de suas memórias históricas, a reafirmação de suas identidades e valorização
de suas culturas (ROCHA, 2016).
As gerações atuais estão mais educadas a pensar nos diversos âmbitos do mundo que
as rodeia, mas ainda não há uma completa familiarização com a realidade social, tendo em
vista que grande parte dos alunos e até mesmo da população como um todo, ainda que
exista uma iniciativa governamental, desconhece a história dos povos indígenas e a
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contribuição dos mesmos para a Nação. Eles são associados ao passado e sua existência é
muitas vezes reduzida à colônia.
DESENVOLVIMENTO
A história dos vencidos por muito tempo foi silenciada, pois não tinha importância
para um saber eleito como oficial. As representações sobre os indígenas foram produzidas
por um determinado grupo e tidas como reais, sendo transmitidas na sociedade e
absorvidas, influenciando a forma que eram lidas pelos indivíduos. Dessa forma, os
vencedores deixaram de lado aquilo que não consideravam como relevante para a
sociedade.
O livro didático acabou veiculando imagens que não condizem com a realidade
indígena, pois o mesmo pauta-se em uma generalização. A maioria dos livros reduzem-se ao
conceito de índios, como se só existisse apenas uma etnia ou que elas partilhassem de uma
cultura única. Os mesmos ainda estão permeados por uma ideia positivista da historiografia
brasileira, no qual os grandes feitos nacionais são mediados por heróis, deixando-se em
segundo plano a participação das minorias, a exemplo de índios e negros.
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As representações são também portadoras do simbólico, ou seja, dizem mais do que aquilo que mostram ou
enunciam, carregam sentidos ocultos, que, construídos social e historicamente, se internalizam no inconsciente
coletivo e se apresentam como naturais, dispensando reflexão.
Já descrevi em outro livro como as pessoas costumam me abordar quando me veem andando pelas ruas da
cidade. Muitas delas partem do princípio de que sou japonês ou chileno e, só depois, índio. Ou seja, elas
partem do que pensam ser o mais importante, mais inteligente, mais culto, até chegarem ao nativo
(MUNDURUKU, 2000).
Na obra O banquete dos deuses: conversa sobre a origem da cultura brasileira, Daniel
narra no segundo capítulo uma experiência que teve com uma criança que sentia medo dos
indígenas devido a imagens apresentadas pela professora na sala de aula que passavam um
retrato negativo desses povos. A mesma levou gravuras do século XVI que retratavam
tupinambás fazendo de banquete pernas e braços assados na fogueira. No fim, Daniel
conseguiu mostrar para aquela garota que não precisava ter medo, pois ele também era
gente como ela.
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O livro didático retrata uma construção social por meio de discursos e imagens
históricas cheias de representações sobre os povos indígenas. Muitas vezes essas
representações reforçam estereótipos e contribuem com a invisibilidade dos mesmos na
sociedade que é reforçada pela valorização europeia.
A problemática do “mundo como representação”, moldado através das séries de discursos que o apreendem e
o estruturam, conduz obrigatoriamente a uma reflexão sobre o modo como uma figuração desse tipo pode ser
apropriada pelos leitores dos textos (ou das imagens) que dão a ver e pensar o real (CHARTIER, 1990).
Nesses dois anos de iniciação à docência, as temáticas dos povos indígenas tornaram-
se eixo de questionamentos. Por que os livros Didáticos só falam desses povos no passado?
Por que os livros não abordam sobre eles no presente? Sobre as inúmeras lutas que são
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travadas todos os dias: Lutas por territórios, Lutas por investimentos por parte do governo,
luta contra o preconceito que coloca a cultura indígena como marginalizada.
No primeiro ponto do capítulo analisado é usado como fonte a carta de Pero Vaz de
Caminha onde ele coloca os índios como gente inocente, de bons rostos e que não tinham
crenças nenhuma. Nesse ponto os organizadores do livro didático criticam essa visão
construída pelos europeus para descrever os indígenas.“Julgados com base em valores
europeus, os indígenas eram vistos como pessoas sem cultura, prontas para serem
moldados” (VAZ, 2013). Porém, nesse ponto eles não se aprofundam na crítica a essa ideia
do indígena como um povo inocente e já passam para outro tópico do capítulo.
O que poderia ser feito nesse primeiro momento é dedicar-se mais a falar sobre a
história dos povos indígenas, como eram as suas organizações sociais, suas relações com o
ambiente, suas práticas culturais. O que ocorre nesse livro como na maioria dos livros
didáticos é ainda dar uma maior importância às práticas e às histórias dos colonizadores.
Nos tópicos seguintes será abordadocomo se deu a organização política para efetuar-
se de fato a colonização. Primeiramente é abarcada a exploração do Pau-Brasil e a prática
das feitorias e como foi feita a divisão da terra em capitanias Hereditárias e a instalação do
governo geral. Mas uma vez os indígenas estão em segundo plano. Não se aborda nesse
momento sobre as práticas de escravidão que eram realizadas com os indígenas, os casos de
estupros de mulheres, das alianças entre indígenas e portugueses e também as inúmeras
formas de resistência que os verdadeiros donos da terra promoveram, tampouco que existe
uma diversidade étnica, que casa sociedade indígenas possui suas particularidades.
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Os nativos resistiram de formas variadas ao processo de colonização: ora em conflito aberto contra os
colonizadores (guerras, ataques a povoações e engenhos), ora por meio de migrações para o interior, ou, ainda
no cotidiano, ao darem significados próprios à cultura europeia (VAZ, 2013).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O livro didático, assim como qualquer obra, é criado com um certo interesse, seja ele
político, cultural, pessoal. O que percebemos nesses dez anos da lei é que muita coisa se
modificou. Os livros didáticos e as produções sobre o mundo indígena avançaram. Os
professores estão saindo das universidades mais preparados para abordar temáticas como
essas em sala de aula.
No livro analisado percebemos ainda uma invisibilidade, tendo em vista que esses
sujeitos são apresentados como pertencentes ao passado. Como sendo produto de uma
construção social, o livro didático apresenta a visão de um grupo, atendendo interesses
específicos. Ao professor cabe a função de mediador do conhecimento histórico a fim de
esclarecer que aquelas ideias abordadas relatam apenas uma visão de um determinado fato.
Também cabe ao professor a busca por novas metodologias para que a aula vá além da
reprodução de um livro didático.
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tratados pelos seus nomes, pelas suas etnias e não por meio de generalizações. Os saberes a
respeito desses povos os dão identidade.
O primeiro passo para acabar com os estereótipos, seria acabar com o folclore em
torno das comemorações do dia 19 de abril. Esse ano, uma escola aqui de Campina Grande
levou lideranças indígenas nessa data para apresentarem aos alunos sua cultura e apagar a
imagem de que índio é aquele que usa cocar ou anda nu. Esses são exemplos a serem
seguidos. A educação precisa seguir esse caminho para que estereótipos sejam
desconstruídos e superados.
A lei 11.645/2008 sem dúvidas representou um grande avanço no que diz respeito às
lutas indígenas. Entretanto, algumas lacunas devem continuar sendo preenchidas, porque a
luta pela causa indígena não chegou ao fim.
REFERÊNCIAS
BORGES, Lukas Magno. Indígenas no livro didático e na sala de aula: estudos de caso CERES-
GO (2011-2012). In: III Congresso Internacional de História da UFG: História e diversidade
cultural, Jataí, 2012.
CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Difel,
1990.
MUNDURUKU, Daniel. Quanto custa ser índio no Brasil? As imagens dos povos indígenas no
inconsciente e no livro didático. In: MUNDURUKU, Daniel. O banquete dos deuses: conversa
sobre a origem e a cultura brasileira. 1ª ed. São Paulo: Editora Angra LTDA, 2000.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica,
2004.
ROCHA, Iara Barbosa da. Entre maneiras de representar e ler: percepção acerca dos
indígenas no espaço escolar (Campina Grande – 2016). Monografia apresentada ao Curso de
Licenciatura em História da Universidade Federal de Campina Grande, 2016.
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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
ISSN:
SILVA, Marcos Antônio da; FONSECA, Selva Guimarães. Ensino de História hoje: errâncias,
conquistas e perdas. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 31, nº 60, 2010. P. 13-33.
SILVA, Phábio Rocha da. A (in)visibilidade indígena no livro didático de História do Ensino
Médio. In: Anais do XVI Encontro Regional de História da ANPUH-Rio: saberes e práticas
científicas. Rio de Janeiro, 2014.
VAZ, Valéria (editora responsável). Ser protagonista: História – 2º ano. Obra coletiva. 2ª ed.
São Paulo: Edições SM, 2013.
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joao.franca@ifpb.edu.br
INTRODUÇÃO
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Apesar de sua gênese centenária, remontando a 1909, com a criação das Escolas de
Aprendizes Artífices, os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia se expandiram
fortemente no fim da primeira década do século XXI. Sua institucionalidade atual remonta à
Lei 11.892/2008, ou seja, ao ano de promulgação da lei que instituiu o estudo da história e
temática indígena no currículo oficial da educação nacional.
Uma das marcas deste momento dos institutos federais é a sua forte expansão e
interiorização. É neste contexto que, em 2015 o Campus Avançado Parelhas do IFRN –
Instituto Federal de Educação do Rio Grande do Norte - começa a funcionar com foco no
eixo tecnológico de informação e comunicação e no eixo de recursos naturais, com ofertas
iniciais decursos técnicos de nível médio integrado em informática e mineração na cidade de
Parelhas – RN.Todavia, atendendo às demandas locais e seguindo o princípio da
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, outros cursos e projetos foram
desenvolvidos no campus, em especial, voltados para profissionais de diferentes redes de
ensino e estudantes com interesse nas temáticas abordadas.
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Após análise de PPC pré-existente, percebeu-se que o curso FIC em Educação para as
Relações Étnico-raciais seria importante para a consolidação da política educacional com viés
humanístico. Assim, no dia 04 de abril de 2017, por meio do Edital nº 01/2017 DG-PASS
(IFRN, 2017, p.1) foram ofertadas 30 vagas para o referido curso, sendo todas preenchidas
em sua maioria por professores das diversas redes de ensino (particular, municipal e
estadual) da cidade de Parelhas-RN, mas também provenientes de outros municípios do
Seridó potiguar, bem como estudantes do ensino superior de outras instituições que se
interessaram pela temática.
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nosso relato de experiência a disciplina “Tópicos em História dos Índios no Brasil”, com
carga-horária de 30 horas, ministradas em 15 encontros presenciais.
Noções de História dos povos indígenas brasileiros. O mundo colonial e seus conflitos,
destacando o encontro de culturas, enfatizar as relações de dominação na sociedade, em
suas múltiplas formas. Os anos imperiais, as leis e a disputa por terras. A realidade indígena
no século XX e XXI. A legislação indígena brasileira atual. Educação indígena tendências e
perspectivas. (IFRN, 2016, p. 20)
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Esta autobiografia inicial foi traçada para demonstrar a base de experiência que fundamenta
e orienta o olhar, a leitura e a interpretação do mundo indígena e não-indígena, expressa
nas próximas páginas com o intuito de produzir debate e, principalmente, o tão falado e
pouco praticado diálogo intercultural. Não se trata, portanto, de verdades absolutas ou
argumentos certos, mas de um ponto de vista sobre a vida e sobre o mundo, a partir das
múltiplas experiências de pessoas queparticiparam e participam de uma realidade concreta
e o fizeram em determinado período da longa história da humanidade e do mundo.
(BANIWA, 2006, p. 23)
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que passaram a viver nas cidades brasileiras nas últimas décadas; índios isolados (Kawahiva
– MT), entre outros temas. Também lançamos mão de documentários com depoimentos e
falas de representantes indígenas com diferentes formações e em diferentes contextos, a
exemplo de episódios da série “Índios no Brasil”, produzida pela TV Escola ou programas de
entrevistas com indígenas como o cacique Luiz Catu, da Comunidade Catu dos Eleotérios, da
etnia Potiguara do Rio Grande do Norte, além de ativistas como Manoela Carneiro da Cunha,
que abordam as lutas indígenas contemporâneas. A cada posicionamento visto, o debate
que se seguia na turma de certo modo aprofundava a compreensão do papel central dos
indígenas na formação da nação brasileira, mas com uma visão de certo modo nova: a
atuação contemporânea destas lideranças, ou seja, o indígena que luta por reconhecimento
e cidadania no presente e não apenas com o papel secundário imposto por certa
historiografia que o silenciou ao longo dos séculos. De certo modo procurávamos atualizar o
discurso de BANIWA:
O compromisso do diálogo travado aqui é com os índios reais, aqueles que vivem no mundo
de hoje, em um esforço de mostrar de forma mais ampla a situação nacional e os desafios
que aguardam a geração de graduados indígenas, além das expectativas do movimento, das
organizações e das comunidades indígenas em relação a esses novos atores, potenciais
lideranças de suas respectivas comunidades e povos. Esperamos que os diversos temas
abordados sirvam para compor novos programas de trabalho, de estudos e de pesquisas que
levem em consideração as demandas, as necessidades e os desejos concretos e legítimos
dos povos indígenas do Brasil. (BANIWA, 2006, p. 23-24)
Também autores ligados a esta temática foram essenciais para apresentar um novo
olhar sobre assuntos aos quais muitos dos educandos ainda não haviam despertado em seu
trabalho cotidiano na sala de aula. Neste sentido Manoela Carneiro da Cunha foi
fundamental para instigar os debates e reflexões.Sobre a importância do indígena em nossa
sociedade CUNHA (2012) nos diz:
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A partir da expulsão dos jesuítas por Pombal, em 1759, e sobretudo a partir da chegada de d.
João VI ao Brasil, em 1808, a política indigenista viu sua arena reduzida e sua natureza
modificada: não havia mais vozes dissonantes quando se tratava de escravizar índios e de
ocupar suas terras. A partir de meados do século XIX, como enfatizou J. Oscar Beozzo, a
cobiça se desloca do trabalho para as terras indígenas (Farage e Santilli in Carneiro da Cunha
[org.] 1992). Um século mais tarde, irá se deslocar novamente: do solo, passará para o
subsolo indígena. (CUNHA, 2012, p. 21)
Configurado o Nordeste, para fins de uma história indígena e do indigenismo, como a região
abrangida, grosso modo, pelas bacias fluviais do Paraguaçu, na Bahia, ao Parnaíba, no leste
maranhense - incluindo a porção nordestina da grande bacia são-franciscana – e
caracterizada basicamente pela ação de conquista efetuada quase que totalmente ainda no
período colonial, passamos a um exame dessa história, em caráter exploratório, com o
objetivo básico de apenas delinear suas sequencias principais até os dias atuais, referir o que
há de mais significativo já publicado a respeito e indicar as possibilidades de estudos mais
detidos, sobretudo no que diz respeito às perspectivas de uma melhor abordagem da reação
indígena ao contato,nas diversas situações históricas específicas. (CARVALHO et all, 1992, p.
434)
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Neste artigo analisamos as histórias de índios na região do Seridó, sertão do Rio Grande do
Norte, entre os séculos XVIII e XIX, junto aos demais grupos sociais (brancos, pardos e
negros) que ocupavam o território da antiga Freguesia da Senhora Santa Ana. A
comprovação da existência de indígenas no Seridó após a Guerra dos Bárbaros nos sugere
que a mestiçagem foi o caminho usado para garantir a sua sobrevivência no mundo colonial.
Essa é uma evidência que se contrapõe aos estudos tradicionais da História do Rio Grande
do Norte, que falam do “desaparecimento” dos nativos após a efetivação da expansão
pecuarística no sertão. (MACEDO, 2003, p.1)
Com certeza um tema tão próximo ao cotidiano vivido pelos educandos instigou
importantes debates, em especial do porquê tais populações indígenas não existiriam mais
na região, ao mesmo tempo que procurávamos elementos remanescentes destas culturas.
Assim, a partir de sugestão da própria turma passamos ao estudo do passado dito “pré-
histórico” onde o curso foi oferecido, ou seja, o Seridó potiguar. Aqui foi importante a visita
técnica ao sítio arqueológico do Mirador. A mesmaaconteceu no dia 22 de julho de 2017,
levando os educandos ao referido sítio, localizado próximo à zona urbana do município de
Parelhas – RN. Aqui, os estudantes refletiram acerca da ocupação inicial da região Seridó,
local onde os mesmos desenvolvem suas atividades. Vejamos uma imagem desta visita:
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As inscrições rupestres, bem como a reflexão acerca do estilo de vida das populações
que neste ambiente viveram na “pré-história” brasileira foi um importante mote de diálogo,
além do trabalho interdisciplinar com outros professores do curso, cada um a seu modo,
procurando explorar tal atividade, seja chamando atenção para questões de patrimônio
material, de preservação ambiental, atividades lúdicas para estudantes, etc.
Para a conclusão do componente curricular, procuramos fazer uma revisão dos temas
abordados. Assim, o estudo da história e cultura indígena na formação do Brasil e do
Nordeste, as vivências destas populações ao longo dos séculos no Rio Grande do Norte, bem
como a compreensão da luta atual do movimento indígena, foram grandes eixos que
culminaram com a proposição e realização de mais uma visita técnica. Esta aconteceu no dia
26 de agosto de 2017 e foi destinada à comunidade do Catu dos Eleotérios, na região do
município potiguar de Canguaretama.
A vivência cotidiana, a escola indígena local, apresentada através de sua gestora que
nos explicou um pouco do trabalho lá desenvolvido, a recepção proporcionada junto ao
cacique Luiz do Catu, que contou um pouco da história de luta da população local, foram
momentos de aprendizagem fundamentais para sedimentar os assuntosestudados e
debatidos em sala. A seguir, uma imagem desta atividade:
Imagem 2: Turma do Componente Curricular com o Cacique Luiz Catu. Acervo pessoal
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Como subsídio prático para auxílio às ações dos educandos no campo das escolas e
atuação profissional dos mesmos, apresentamos uma série de sites que abordam temáticas
indígenas, sejam de órgãos oficiais, como a FUNAI (http://www.funai.gov.br/) ou de
entidades como o CIMI - Conselho Indigenista Missionário (http://www.cimi.org.br/site/pt-
br/). Todavia, destacamos em especial os portaisproduzidos por comunidades indígenas, a
exemplodo site Índio Educa (http://www.indioeduca.org/ ) que conta com o apoio da ONG
Thydêwá e do Ministério da Cultura.
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Ainda tratando de exemplos de materiais escolares que podem ser utilizados para o
estudo do índio, fizemos breve debate acerca das avaliações escolares e a necessidade de
contextualização temática. Neste sentido, foi apresentada e discutida a avaliação escrita
para acesso aos cursos técnicos de nível médio na forma subsequente do IFRN, regido pelo
Edital nº 18/2017 – PROEN/ IFRN (IFRN, 2017, p. 1-10). Esta avaliação foi utilizada como
exemplo de abordagem da temática indígena contextualizada em componentes curriculares
distintos, tais como Português e Matemática. De certo modo, este tipo de avaliação nos
mostra como o assunto pode ser parte do cotidiano escolar e contribuir para o debate e
compreensão do mundo indígena não só ao longo da história, mas também no contexto
contemporâneo.
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que mais chamou atenção, foi a resiliência desse povo sofrido, que até hoje luta para se
manter num pedaço de terra, quando eles tinham o ‘Brasil inteiro’ só pra eles”. Percebe-se
assim que são constatações importantes, não apenas no viés institucional de oferta e
conclusão de um curso específico, mas de mudanças de perspectivas em relação às novas
abordagens da história, cultura e luta por direitos dos povos indígenas do Brasil.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS
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Brasil de hoje. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade; LACED/Museu Nacional, 2006.
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CARVALHO, Maria Rosário G. de, DANTAS, Beatriz G. e SAMPAIO, José Augusto L. Os Povos
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(org.).História dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras; Secretaria Municipal de
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CPI/AC - Comissão Pró-índio do Acre. História Indígena. Rio Branco, AC: Gráfica KenêHiwe-
CPI/AC, 1996.
CUNHA, Manuela Carneiro da. História dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das
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_______, Manuela Carneiro da. Introdução a uma história indígena In: Índios no Brasil:
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IFRN - Instituto Federal do Rio Grande do Norte. Projeto Político-Pedagógico do IFRN: uma
construção coletiva: documento base. Natal, RN: IFRN, 2012. Disponível em:
http://portal.ifrn.edu.br/institucional/projeto-politico-pedagogico-1/lateral/menu-
1/volume-1-documento-base/view. Acesso em: 16 mai. 2018.
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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
ISSN:
http://portal.ifrn.edu.br/campus/parelhas/editais/edital-no01-2017-dg-paas-ifrn/view.
Acesso em 29 mai. 2018.
________. Edital nº 18/2017 – PROEN/ IFRN. Cursos técnicos de nível médio na forma
subsequente. Natal, RN: IFRN, 2017. Disponível em:
http://portal.ifrn.edu.br/ensino/processos-seletivos/tecnico-subsequente/edital-18-2017-
tecnico-subsequente-2017.2/provas-e-gabaritos/prova-tecnico-subesequente. Acesso em 14
jun. 2018.
MACEDO, Helder Alexandre Medeiros de. O viver indígena na freguesia da gloriosa Senhora
Santa Ana do Seridó: histórias de índios no Rio Grande do Norte, Brasil (Séculos XVIII E XIX).
Revista de Antropologia Experimental, número 3, 2003. Disponível em:
revistaselectronicas.ujaen.es/index.php/rae/article/download/2100/1843. Acesso em 31
mai. 2018.
egito78@hotmail.com
Introdução
O que você sabe sobre os índios do Brasil? Quais as imagens que construímos sobre
os povos indígenas brasileiros? Você sabe qual o número da população indígena brasileira?
Como as universidades têm construído seus currículos sobre a história indígena no Brasil?
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Como tem sido realizado o debate historiográfico entre os primeiros discursos sobre os
índios brasileiros com a renovação historiográfica contemporânea? O presente artigo, tem
por objetivo responder a estas indagações, estabelecendo um saber que aponta para a
renovação na construção dos discursos historiográficos sobre os índios do Brasil,
colaborando para a formação dos futuros professores de história com vistas que tal
produção de saber chegue às salas de aulas da educação básica brasileira.
Ainda é muito comum, nos dias atuais, pessoas descreverem os índios do Brasil como
sujeitos que pararam no tempo, como coisas do passado. É também comum, ouvirmos das
pessoas que os índios comungam de uma identidade natural, e aí vem aquelas máximas
sobre uma suposta identidade indígena, quando não, diversidade indígena, para se distinguir
dos brancos ou dos negros. Mas sempre aquela diversidade essencializada, ontológica e
cada vez menos histórica. Os discursos mais comuns ignoram às diferenças indígenas, as
rivalidades étnicas que existiam quando o português aqui chegara. As pessoas, em pleno
século XXI, tratam os povos indígenas como identidades que vivem nas florestas e que estão
fadadas ao desaparecimento, diante do progresso ocidental, afinal, a partir do momento que
os indígenas passam a usar roupas, a partir do momento que os indígenas passam a ter uma
motocicleta, deixam de ser índios. Ou seja, os indígenas são representados pela maioria dos
brasileiros como sujeitos que devem viver numa eterna imutabilidade.
Mas, existe cultura estática? A historiadora Maria Regina Celestino Almeida (2009), em
Identidades étnicas e culturais: novas perspectivas para a história indígena, refuta esta
máxima, demonstrando que nenhuma cultura é estática, esta maneira de abordar os povos
indígenas é típica de uma antropologia do século XIX, que enxergava os povos da América
como fósseis vivos. Os povos indígenas do Brasil estabeleceram relações de contato com os
lusitanos, assim como os lusitanos absorveram elementos culturais indígenas (O hábito de
tomar banho diariamente), os indígenas também reformularam suas culturas a partir de
características advindas do continente europeu. Logo, “Nessa perspectiva, aculturação e
resistência deixam de ser polos opostos, podendo caminhar juntas” (ALMEIDA, 2009, p.28).
Defender a imutabilidade das coisas é o mesmo que acabar com nossa historicidade. Somos
históricos, e assim sendo, estamos fadados às mudanças. Contudo, o discurso da
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imutabilidade é somente para os indígenas. Os brasileiros não indígenas podem ter acesso à
internet, provar diariamente de uma coca-cola, ou usar uma blusa calvin Klein, sem jamais
deixar de ser brasileiro, mas, quando um indígena faz uso dos mesmos produtos, aí o
discurso muda de tom, e arremata-se: isto não é índio. Trata-se de um discurso
preconceituoso que temos que levar às escolas. Desde 2015, que venho, na qualidade de
professor substituto da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), abordando estas
temáticas, envolvendo os indígenas do Brasil com o corpo discente, objetivando construir
um saber que refute os discursos preconceituosos sobre os indígenas brasileiros, apontando
que eles vivem, que são mais de 896 mil pessoas distribuídas em 305 etnias e 274 idiomas de
norte a sul do país. Nossos olhares apontam que os indígenas não morreram, não são coisas
do passado, e que estão se multiplicando, desconstruindo as perspectivas científicas,
sociológicas e antropológicas de que os indígenas iriam desaparecer no século XXI.
Resultado: erraram feio! Os indígenas derrubaram todas as teses que apontaram para o seu
desaparecimento: Francisco Adolpho de Varnhagen, o primeiro Historiador do Brasil, dizia
que eram povos na infância, e que não resistiriam ao colonizador civilizado; nem mesmo
Florestan Fernandes, com seu saber marxistas e crítico, acreditou na capacidade indígena,
pois afirmava, ainda na década de 1970, que os indígenas, diante da maldade da sociedade
burguesa e capitalista, faminta por suas terras, não resistiriam ao poderio do homem
ocidentalizado. Contestando estas versões, destacamos os trabalhos publicados pela
historiadora Maria Regina Celestino Almeida, que desde o ano de 2000, vem renovando a
historiografia indígena brasileira, defendendo a extraordinária capacidade indígena de
reinventar-se desde a chegada do europeu colonizador, quando esses dois mundos sociais
passaram a estabelecer as relações de contatos.
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no Brasil? Algumas tribos indígenas foram respeitadas e bem tratadas pelo Conselho
Ultramarino de Portugal? Nessas relações de contato, os povos indígenas souberam
ressignificar suas culturas e sobreviver em meio ao caos instalado em suas terras? A
renovação da historiografia indígena tem muito a nos apresentar sobre as relações de
contatos entre portugueses e indígenas, enfatizando a extraordinária capacidade dos tupis,
guaranis, pancarurus, tamoios, tabajaras, fulni-ôs e tupinambás em reelaborar suas culturas
durante o processo de colonização e de formação dos aldeamentos jesuítas no Brasil.
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O primeiro historiador que vai fazer um estudo científico sobre os povos indígenas do
Brasil será o Francisco Adolfo de Varnhagen, em seu livro História geral do Brasil. Varnhagen
é um historiador da Corte de D. Pedro II, logo, seu trabalho faz um elogio da colonização
portuguesa no Brasil. Quanto aos indígenas, Varnhagen os descreve como povos atrasados,
sem História, como povos bárbaros e incivilizados, um povo da infância. O Heródoto
brasileiro não poupa críticas negativas a falta de humanidade nos índios, pois para ele, tais
gentes não passam de lobos da floresta: “Podemos dizer que a única crença forte e radicada
que tinha era a obrigação de se vingarem dos estranhos que ofendiam a qualquer um de sua
alcateia” (VARNHAGEN, 1975, p. 43).
Diante da ferocidade dos indígenas não restava outra alternativa aos colonizadores,
senão, impor sua superioridade militar. Muito indígenas fizeram relações amistosas com os
portugueses, mas Varnhagen ignora tudo, pois em sua escrita o poder é unilateral e está
com o português. As mortes foram inevitáveis ao processo civilizador da América, e para
tanto, segundo o historiador em tela, é um pouco injusto, crucificar os primeiros colonos em
razão daqueles assassinatos contra os indígenas. Afinal, os indígenas, segundo Varnhagen,
tinha um espírito de vingança, sua verdadeira fé.
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O europeu salta em terra escorregando em índia nua; os próprios padres precisam descer
com cuidado, senão atolavam o pé em carne. As mulheres eram as primeiras a se
entregarem aos brancos, as mais ardentes indo esfregar-se nas pernas desses que supunham
deuses. Davam ao europeu por um pente ou um caco de espelho (FREYRE, 2013, p.161).
Este pensamento que defendia o desaparecimento da raça ou povo rasteiro diante da
civilização mais adiantada, vigou no Brasil até a década de 1970. Ou seja, até esta década,
muitos historiadores difundiam um discurso fatalista e assimilacionista sobre os indígenas
brasileiros. Assimilacionista, porque muitos defendiam a tese da aculturação dos índios
frente ao europeu civilizado. Já o discurso fatalista, enfatizava a resistência indígena,
afirmando que os indígenas lutaram, foram bravos, mas, lamentavelmente perderam para a
superioridade do europeu, do home branco. Uma névoa cobria o processo das relações de
contato e muitos escritores não identificavam as trocas de mercês, as alianças e o poder de
negociação de uma elite indígena que participou da colonização brasileira como aliados dos
portugueses. Ou seja, muitos indígenas foram derrotados, pois não aceitavam aliar-se com o
homem branco, no entanto, outros grupos indígenas sobreviveram e foram muito bem
tratados pelos portugueses e seus descendentes sobreviveram ao tempo. Um desse índios
foi Arariboia, que fez parte daqueles grupos indígenas que receberam o enobrecimento por
parte de Portugal, em razão dos seus atos de bravura nas guerras contra os tamoios e
temiminóis. Conforme Almeida (2003)
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A partir do ano de 2000, novos estudos sobre os indígenas brasileiros foram emergindo na
ordem do saber, ganhando visibilidade a tese da historiadora Maria Regina Celestino
Almeida (2000) que passou a escrever diferente do que se escrevia e a perceber os
indígenas, diferentemente do se enxergava-se. Seu trabalho começou a priorizar as relações
de contato entre os indígenas e os portugueses nos aldeamentos jesuítas, e partir de tais
relações, Almeida percebeu uma extraordinária capacidade dos índios aldeados em
reelaborar sua cultura e sua sobrevivência diante dos colonizadores. Para tanto, Almeida
começou a contestar os discursos da Antropologia do século XIX que apresentava os povos
indígenas como culturas autênticas e originais, como cultura fixa, estável e imutável.
Almeida procurou abordar uma crítica às teses assimilacionistas que defendiam a
aculturação dos indígenas, vistos como povos submissos à dominação lusitana. De acordo
com Almeida, os povos indígenas foram aculturados, mas tiraram proveito dessa
aproximação, logo, aculturação e resistência não são polos antagônicos, pois, os indígenas
souberam utilizar alguns privilégios que eram oferecidos aos súditos do rei. Como explica a
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Deste modo, toda a tese de Almeida (2009) caminha por uma perspectiva que
prioriza um olhar para a capacidade dos povos indígenas de reformularem suas culturas,
mitos e compreensões do mundo. Há um destaque para o papel das aldeias indígenas
coloniais como espaço de ressocialização e de reconstrução de identidades para grupos
indígenas diversos que ali se reuniam em busca de sobrevivência. Assim, percebemos com a
tese de Almeida(2009) que os povos indígenas não estavam no Brasil a serviço dos
portugueses, que eles tinham convicções próprias, que sabiam exigir um tratamento especial
por terem sido cristianizados e que, como Arariboia, que passou a receber o sobrenome de
Sousa, receberam tratamento especial por serem súditos do rei. Enfim, “Os índios buscavam
seus próprios ganhos, ainda que fosse através da negociação de perdas (ALMEIDA, 2009,
p.29).
Tópico Especial em Ensino de História: Por uma renovação no ensino de história indígena
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Nossas aulas partiam das contribuições da nossa Constituição Federal (Artigo 231) e
da LDB (1996) em seu Artigo 26-A, que traz a Lei 11.645/2008, determinando a
obrigatoriedade do ensino de história indígena nas repartições de ensino de nossa educação
básica, e principalmente, das contribuições historiográficas de Maria Regina Celestino
Almeida, que enfatiza em sua tese, a sobrevivência dos povos indígenas do Brasil. As teses
de Almeida, mexeram com as duas turmas, pois, muitos estudantes traziam em suas leituras
imagens de índios a-históricos, congelados no tempo. Muitos chegavam a exclamar em alto
tom: “Índio é para viver no mato”; outros diziam: “O índio que usa um computador não é
mais índio”; e outras falas abordavam aquele olhar essencialista e homogêneo, afirmando
que “os índios eram povos que deveriam viver nus, como suas penas e arco-flechas”.
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proposições: Então, o índio que usa uma motocicleta deixa de ser índio? E o brasileiro da
cidade que usa um automóvel de uma montadora japonesa, deixa de ser brasileiro também?
Logo, causava um desconforto entre muitos estudantes que acalorados replicavam: “Não é
assim, o homem da cidade pode mudar, mas o índio não”. E as aulas seguiam neste debate,
sempre acompanhadas pela historiografia do século XIX (assimilacionista), a do século XX
(fatalista e defensora do extermínio indígena) e a renovação de Almeida (defensora de uma
reelaboração da cultura indígena, mesclada a elementos ocidentais).
Durante as aulas vinham provocações de nossa parte: Existe cultura estática? Todos
em coro: “Não”. Então, vinha nosso questionamento: Se o sujeito não é, ele está, logo, a
nossa existência precede a uma essência. Assim, todos os homens e culturas mudam, por
que os índios, que são humanos também, não podem mudar. A mensagem da disciplina
Tópico Especial em Ensino de História Indígena foi a de quebrar os preconceitos sobre os
indígenas do Brasil, principalmente em nossa atualidade. E a mensagem principal foi a de
que estes saberes não devem ficar apenas na academia, mas, devem ser levados à sala de
aula, a partir de projetos de intervenção pedagógicas dos Estágios supervisionados, e por
conseguinte, aplicados nas escolas, quando for acionada nossa prática de ensino, enquanto
professores de História.
Considerações Finais
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Saber falar português, dirigir um automóvel ou adentrar num litígio jurídico vestindo
uma toga sob um cocar de sua tribo não significar dizer que não é mais um índio. “A
abertura ao contato com o outro é uma característica cultural de muitos grupos indígenas
americanos e especialmente os tupis” (ALMEIDA, 2010, p.26). No contexto de nossa
atualidade, nas palavras de Almeida (2010), os movimentos indígenas deixam bem claro para
os homens urbanos que reivindicar direitos através do sistema judiciário, participar
intensamente da sociedade dos brancos e aprender seus mecanismos de funcionamento não
significa deixar de ser índio, mas sim, a possibilidade de agir, sobreviver e defender seus
direitos.
Referências Bibliográficas
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os Índios na História do Brasil. Rio de Janeiro: FGV,
2010.
__________.Os índios Aldeados no Rio de janeiro Colonial: Novos Súditos Cristão do Império
Português. Campinas-SP, 2000. Tese de Doutorado.
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HOLANDA, Sérgio Buarque de (Org.). História geral da Civilização Brasileira. Rio de Janeiro:
Difel, 1976.
FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. São Paulo: Global, 2013.
FOUCAULT. Michel. A Ordem do Discurso. 8. ed. São Paulo: Loyola, 2002.
MARTIUS, Karl von. Como se deve escrever a história do Brasil. Revista trimestral de História
e Geographia, ou jornal do instituto histórico e geográphico brazileiro. Nº 24. Janeiro de
1845.
VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brasil: antes da sua separação e
independência de Portugal. São Paulo: Melhoramentos, 1975, Tomo Primeiro.
WITTMANN, Luiza Tombini. Ensino (D)E História Indígena (Org.). Belo Horizonte: Autêntica,
2015.
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rolor.tor@hotmail.com
jvandilo@uft.edu.br
Introdução
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estudo é identificar essas dificuldades a partir da visão que esses estudantes têm de si e de
todo o processo vivenciado na universidade, ou seja, de sua experiência enquanto
universitário indígena. Para tanto, os conceitos identidade sociocultural, racismo
institucional, a Lei 11.645 que estabelece a obrigatoriedade da temática “História e Cultura
Afro-Brasileira e Indígena”, além dos depoimentos dos discentes, nos serviram como base
para a nossa discussão e análise dos dados coletados.
Desenvolvimento
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governo sobre esta parcela da população. Esta medida afeta diretamente a política de cotas
na universidade e compromete todo um trabalho de inclusão social que vem sendo
desenvolvido pelas instituições de ensino superior, visando um maior e mais justo acesso das
populações tradicionais à educação e ao ensino superior gratuito e de qualidade.
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Carvalho (2015, p. 102), aponta que “a UFT foi pioneira no Brasil, quanto a criação
de cotas para estudantes indígenas em seus vestibulares”. Em artigo sobre os 10 anos de
cotas nesta universidade, a autora destaca as dificuldades, são elas: Língua Portuguesa; as
diferenças culturais; o baixo nível educacional dos indígenas aldeados; a discriminação por
parte de colegas; a dependência de bolsas de estudo; moradia e alimentação; e o
envolvimento com drogas”, dificuldades reconhecidas pela instituição no Fórum dos Pró-
Reitores de Graduação em 2007. A autora segue indicando as inciativas que a universidade
tem tomado para resolver ou amenizar o problema, tais como, criação do GTI e do PIMI,
ampliação do programa de bolsas e construção da Casa do Estudante de Palmas e depois
Casa do Estudante Indígena. É importante observar que estas dificuldades continuam
existindo até os dias atuais, como podemos constatar nos depoimentos dos estudantes.
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É preciso saber que existem muitas outras questões que envolvem a entrada dos
indígenas na universidade e que este é um processo histórico em um contexto de luta pela
igualdade de direitos que envolve toda a sociedade brasileira.GersemBaniwa(2014), ao
discutir a lei de cotas como mais um desafio para a diversidade, nos mostra que:
“A política das cotas, assim como todas as políticas de Ações Afirmativas, não pode ser
considerada como um fim em si mesmo e nem como uma solução única para todos os
problemas de desigualdade e exclusão educacional no país. É um ponto de partida para se
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E continua:
O acesso ao ensino superior por indígenas não é apenas um direito é também uma
necessidade deles e um desejo da sociedade brasileira, na medida em que os povos indígenas
administram hoje mais de 13% do território nacional, sendo que na Amazônia Legal este
percentual sobe para 23%”.
A maioria dos estudantes indígenas dispõe de bolsa permanência que lhes permite
uma condição financeira mínima para se manter na universidade, algo agora ameaçado
pelos cortes do atual governo federal, como já citamos anteriormente. Embora os cortes
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sejam anunciados para os que irão entrar no ensino superior, se constitui em uma ameaça a
todos que conquistaram esse direito, já que compromete todo um programa que visa
atender a população de comunidades tradicionais, não apenas indígenas, mas também de
quilombolas. A nossa pesquisa mostra que todos se dedicam integralmente ao estudo, fato
que só é possível com o benefício das bolsas de estudo, tendo em vista que o ritmo de
estudo é árduo e contínuo, durante o período em que estão cursando a graduação.
O preconceito para com os indígenas aparece como uma fala geral entre os
entrevistados. Tanto por parte dos colegas como de professores e da própria instituição, à
medida que não dispõe de condições plenas de acolhimento ao indígena, isto é algo que está
sendo construído com muitas dificuldades e barreias de forma lenta e gradual. Neste
aspecto podemos dizer que é um tipo de racismo institucional, que começou a ser
combatido nas esferas públicas com políticas afirmativas, mas que as ações de combate a
esse tipo de racismo, são ameaçadas constantemente por quem não entendo como
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Interrogados sobre o que precisa mudar na UFT, com relação aos indígenas, as
repostas vão quase em sua totalidade sobre mudanças na política de assistência estudantil,
certamente devido a já precária assistência, agora intensificada com os cortes que foram
anunciados pelo governo. Alguns apontam para a necessidade de mais união entre os
indígenas, vejamos: “Os indígenas da UFT precisam ter mais união para que através dessa
união possam lutar e conseguir benefícios do que é do seu direito”, enquanto outro,
acrescenta: “Precisam mudar a forma como somos vistos, pois tem alguns alunos que não
são interessados e acabam generalizando. Deve mudar essa forma de querer generalizar e
dar continuidade as monitorias que são muito úteis”.
Considerações Finais
O Brasil nos últimos anos tem vivido um período de intensa organização das
minorias, todas em busca de conquistar mais espaço na sociedade que ainda os discrimina e
não oferece as condições apropriadas para que exista igualdade de direitos como prevê a
nossa Constituição Federal. Toda essa organização políticareflete a perspectiva global de luta
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pelos direitos humanos chegando até as comunidades locais que exigem políticas afirmativas
para efetivação de uma vida mais justa.
Referências
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Perspectiva, 2011.
BASTOS, Ronaldo; NASCIMENTO, Milton. Fé Cega, faca Amolada. In: Minas. Rio de Janeiro:
Emi-Odeon, 1975. CD Digital.
______. Comunidade – a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
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NASCIMENTO, Júnio Batista do. Tocantins: História & Geografia. 7. ed. Goiânia:
Bandeirantes, 2011.
SCHWARCZ, M. Lilia e QUEIROZ, Ramos S. (orgs.), Raça e diversidade. São Paulo: Ed. USP,
1996.
WOODWARD, Kathryn. In: SILVA, Tomaz Tadeu da. (Org). Identidade e diferença – A
perspectiva dos estudos culturais. 6. ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 2000.
MORAIS, Odilon; DEMARCHI, André. Mais algumas ideias equivocadas sobre os índios ou o
que não deve mais ser dito sobre eles. In: SILVA, Reijane Pinheiro(org). Povos Indígenas do
Tocantins: desafios contemporâneos. Palmas: Nagô Editora, 2015.
SILVA, Reijane Pinheiro. O índio negado e o índio desejado: a “pacificação” dos indígenas na
construção da identidade do Tocantins. In: SILVA, Reijane Pinheiro(org). Povos Indígenas do
Tocantins: desafios contemporâneos. Palmas: Nagô Editora, 2015.
http://ww2.uft.edu.br/index.php/noticias0/21924-assistencias-estudantis-a-permanencia-
de-estudantes-vulneraveis-na-universidade
http://ww2.uft.edu.br/index.php/noticias0/21929-iii-seminario-indigena-ocorre-hoje-e-vai-
ate-o-dia-10
http://flacso.redelivre.org.br/files/2014/12/XXXVcadernopensamentocritico.pdf
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1 Introdução
Esse artigo destina-se à discussão dos dados obtidos na pesquisa realizada em 2014
na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio (EEEFM) Irineu Pinto, localizada no
bairro do Sesi, na cidade de Bayeux – Paraíba. Foi inaugurada em 06 de abril de 1981, no
governo de Tarcísio de Miranda Burity.
A pesquisa que realizamos junto à EEEFM Irineu Pinto foi através de nossas
observações e de uma entrevista que fizemos com quatro professores de história para
analisarmos a abordagem da temática indígena na sala de aula. Para a entrevista usamos a
técnica do questionário semiestruturado.
2 Pesquisa de campo
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A Escola Irineu Pinto, administrativamente, é composta por uma Diretoria escolhida pelo
voto eleitoral da comunidade escolar e que gerencia a escola em seus aspectos financeiros,
administrativos e educacional; uma Secretaria; um Conselho Pedagógico que tem caráter
consultivo, e, excepcionalmente, deliberativo; uma Coordenação Pedagógica constituída por
especialistas em educação; um Conselho de Classe, entendido como “um espaço tempo de
formação e de avaliação das aprendizagens dos educandos, do processo educativo e da
dinâmica da prática pedagógica” (Regimento Interno, 2013, Art. 21); um Corpo Docente;
Auxiliares de Serviços; e uma Portaria.
A Escola Irineu Pinto oferece uma Educação Básica em consonância com a legislação
nacional, organizada em dois segmentos: Ensino Fundamental e Ensino Médio, sendo o
Médio nas modalidades regular e educação de jovens e adultos (EJA). Atualmente esses
seguimentos compõem 39 turmas, distribuídas em três turnos, como demonstra a tabela
abaixo.
6º ano Fundamental - - -
7º ano Fundamental - 2 -
8º ano Fundamental - 2 -
9º ano Fundamental - 3 -
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TOTAL 13 13 13
VII. compreender a produção e o papel histórico das instituições sociais, políticas e econômicas, associando-as
às práticas dos diferentes grupos e atores sociais, aos princípios que regulam a convivência em sociedade, aos
direitos e deveres da cidadania, à justiça e à distribuição dos benefícios econômicos.
O corpo docente da Escola Irineu Pinto é composto por 48 professores (as), sendo
cinco desses da disciplina de história, nos incluindo dentre esses cinco.
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“É interessante, mas é impossível falar de História do Brasil sem incluir as culturas afro e indígenas, que estão
no sangue do povo brasileiro, desde o início.” (Entrevistado 2).
“As respostas às perguntas formuladas podem ser encontradas na observação da organização sócio política no
Brasil contemporâneo. Nas últimas décadas em novos cenários políticos, os movimentos sociais com diferentes
atores conquistaram e ocuparam seus espaços, reivindicando o reconhecimento e o respeito às
sociodiversidades.” (Entrevistado 3).
Nas respostas citadas acima percebemos que a primeira resposta resume-se a frisar
que a Lei 11.645/2008 é importante e fundamental, porém o que o professor quis ressaltar
sobre o desenvolvimento intelectual dos alunos? Será que a lei remete-se exclusivamente ao
aluno, no entendimento do professor? O professor leu a lei ou alguém falou para ele da lei?
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indígena? Deve-se incluir as culturas afro e indígenas apenas quando se fala de história
colonial brasileira? No entendimento do professor, tratar a temática da miscigenação
abrange a história e a diversidade cultural dos indígenas na forma estipulada pela lei?
“Uma dessas reflexões que pode ser trabalhada é o debate sobre o comportamento social do brasileiro.”
(Entrevistado 4)
“Que a obrigatoriedade da lei seria desnecessária, diante da consciência de cada brasileiro da miscigenação de
raças, cujas culturas foram inclusas nos nossos hábitos diários. É necessário conhecer nossas raízes.”
(Entrevistado 2)
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resposta três nos deixa um questionamento: o entrevistado não trabalha com a lei por que
não concorda com a mesma ou por que não trabalha com a questão indígena?
Para os(as) professores(as) o livro didático não ajuda em suas práticas de ensino
sobre a temática indígena porque faz uma abordagem muito limitada e alguns textos
desconstroem a perspectiva de resistências dos povos indígenas. Para eles os livros didáticos
deviam auxiliar na compreensão do tema.
“Para mim, atrapalha apenas a limitação das informações, o que faz entender o tempo gasto com pesquisas”
(Entrevistado 2).
“O livro não traz nenhuma referência ao tema, pelo contrário, alguns textos desconstrói toda a perspectiva de
lutas e resistências dos grupos indígenas.” (Entrevistado 1).
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A fala do nosso interlocutor nos revela que o norte do seu trabalho é orientado pelo
livro didático. O que questionamos é: qual a importância, a objetividade do planejamento
para o professor? E ainda, como os professores trabalham a questão indígena, pautando-se
pelo livro didático? Que conhecimento é construído, pelo professor junto ao aluno, sobre a
questão indígena, usando só o livro didático? A escola dispõe de outros recursos
informativos sobre a temática em questão?
Partindo do pressuposto que os docentes de história da EEEFM Irineu Pinto dão uma
relevância considerável, pela sua prática de ensino, aos livros didáticos, faremos uma breve
contextualização histórica do livro didático, concernente a temática indígena e quais as
possibilidades do uso desse recurso na prática de ensino.
a autora aponta algumas das razões para essa centralidade e dependência dos
professores com relação aos livros: “O livro [...] reúne em um único instrumento
textos, documentos, ilustrações, mapas, materiais geralmente de difícil acesso para a
grande parte dos alunos; Oferece sugestões quanto à elaboração do planejamento
anual, trazendo, às vezes, como apêndice, nas suas páginas finais, o plano de ensino
completo; Contempla propostas de atividades extras; Enfim, trata-se de um recurso
facilitador da vida do professor, geralmente obrigado a cumprir cargas horárias e
jornadas de trabalho excessivamente longas”.
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uma Comissão de Avaliação dos livros didáticos em âmbito nacional. De acordo com o guia
de livros didáticos do PNLD 2014
a equipe avaliadora dos livros de história foi composta por um coordenador de área, um coordenador
institucional, um assessor pedagógico, três coordenadores adjuntos e 31 pareceristas que trabalham em
conjunto com técnicos da Secretaria de Educação Básica (SEB) do Ministério da Educação (MEC). (BRASIL, 2013,
p. 12).
O livro didático é um recurso muito utilizado, mesmo com toda a amplitude das
Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), nas escolas por alunos e professores no
processo de ensino e aprendizagem. Ele é um instrumento que demanda diferentes gêneros
textuais e é um objeto cultural que denota a atuação de vários sujeitos envolvidos na sua
produção, circulação e consumo.
Todos os materiais pedagógicos que são utilizados por professores e alunos são
mediadores muito decisivos da cultura nas escolas, porque são os artífices do que e
do como se apresenta essa cultura a professores e alunos. Ali se reflete de forma
bastante elaborada a cultura real que se aprende. Esta é a razão pela qual os
materiais são elementos estratégicos para introduzir qualquer visão alternativa da
cultura. (SACRISTAN, 1999, p. 89).
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Além desses, nos foi dado pela coordenação um DVD (cópia única da escola): Projeto
Araribá História, contendo conteúdos multimídia, para o Ensino Fundamental (6º ao 9º ano).
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leva pontuar que é de suma importância que devemos buscar informações incessantemente
sobre a história e a atual situação sociopolítica dos povos indígenas não somente por fontes
escritas por especialistas não indígenas.
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[...] se juntamente com lei não houver um sério investimento no sentido de preparar
os professores para lidarem com essas questões em sala de aula, se junto com o
desenvolvimento das pesquisas não ocorrer a elaboração de materiais didáticos
adequados, teremos resultados muito negativos que implicam no reforço de
estereótipos e naturalização de práticas discriminatórias e preconceituosas que são
utilizadas no tratamento dos indígenas, estejam eles no passado ou convivendo
conosco no nosso dia a dia. Entendo, portanto, que a universidade tem um papel
fundamental na efetivação dessa lei já que é responsável pelos cursos de formação
dos profissionais que atuam e que atuarão em vários níveis de ensino. (JESUS, 2013,
p.56-57).
3 Considerações finais
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A formação dos (das) professores(as) faz-se urgente para que os mesmos não se
limitem aos livros didáticos, principalmente os de autoria de não indígenas, em suas práticas
de ensino. Vemos a necessidade dessa formação em dois segmentos: o das instituições de
ensino superior, públicas e privadas, e o das esferas governamentais.
No nível das universidades públicas e privadas, concordamos com Silva (2012, p. 32)
da necessidade da “inclusão da cadeira sobre a temática indígena no âmbito das Ciências
Humanas e Sociais, bem como nos demais campos do conhecimento acadêmico incluir a
discussão dos saberes indígenas”.
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Os professores devem sair das universidades com uma formação que os capacite
para tratar da questão indígena no contexto sociopolítico do período colonial ao período
contemporâneo. Eles devem ser capazes de responder aos questionamentos provocados
pela história indígena e de assumirem uma posição ética, democrática perante situações de
caráter preconceituoso e de intolerância diante da presença indígena, com os quais nos
deparamos em sala de aula e nos demais espaços da nossa sociedade (JESUS, 2013, p. 58).
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De acordo com Mariano (2006), percebe-se que os padrões conservadores ainda são
muito presentes nos livros didáticos, reproduzindo posturas tradicionais eurocêntricas. A
temática indígena é tratada de forma superficial, com muita desinformação, folclorizada,
com lacunas temporais históricas, pautando-se por uma visão simplista e genérica, na
maioria das vezes, sobre as sociedades indígenas.
Essa prática de ensino reforça uma visão equivocada e omissão sobre os povos
indígenas. Primeiro por relegar os povos indígenas ao passado, negando sua existência
atuante no processo da construção da sociedade brasileira, constituída de uma diversidade
sociocultural. Segundo porque não abarca o estudo da história e cultura dos povos
indígenas, perpetuando o desconhecimento, as desinformações, os preconceitos e os
equívocos sobre os indígenas, entre os discentes.
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REFERÊNCIAS
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Gráfico, 1988.
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JESUS, Zeneide Rios de. As universidades e o ensino de história indígena. In: SILVA, Edson;
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partir da Lei 11.645/2008. Recife: Editora Universitária/UFPE, 2013, p. 47-67.
MARIANO, Nayana Rodrigues Cordeiro. A representação sobre os índios nos livros didáticos
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SELBACH, Simone (sup.). História e didática. Coleção como bem ensinar. Petrópolis, RJ:
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SILVA, Edson; SILVA Maria da Penha (org). A temática indígena na sala de aula: reflexões
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julyavasconcelos@outlook.com
Introdução
Os indígenas do Brasil têm uma data reservada para comemorações, o dia 19 de abril,
quando se comemora no país o ‘’Dia do Índio’’. É comum nas escolas essa data ser lembrada
com as crianças pintadas, utilizando penas e chocalhos, evidenciando imagens
estereotipadas ensinada sobre os povos indígenas. O espaço destinado a história dos povos
indígenas no Ensino Fundamental, principalmente nos anos finais, restringe-se, em sua
maioria ao Brasil Colônia, não reconhecendo os índios como atores sociais da/na História.
Os povos indígenas no Brasil tornaram-se centro de debates acadêmicos a partir das suas
mobilizações sociopolíticas e as demandas políticas. A construção da visão atual sobre os
indígenas fora arquitetada desde a invasão dos portugueses no Brasil no século XVI e
acentuada no século XIX, resumida na afirmação do professor Edson Silva (2015) sendo “a
invenção do índio na invenção do Brasil’’. Pois, segundo o pesquisador: todo o século XIX foi
essencial para criação do imaginário da população brasileira sobre os índios, visão esta que
serviu na criação de categorias e classificações do que é índio e o que não é.
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O Romantismo literário também contribuiu para a elaboração de tais imagens, tendo em José de
Alencar com seus clássicos O guarani (1857), Iracema (1865) e Ubirajara (1874), cristalizando as
imagens dos índios por várias gerações que utilizaram esses romances como referências sobre a
temática indígena. O que foi ressaltado com as ideias sobre a miscigenação que marcaram o fim do
século XIX e boa parte do século XX. Autores como Sérgio Buarque de Hollanda em Raízes do Brasil
(1936), Gilberto Freyre em Casa grande e senzala (1933) e Darcy Ribeiro em O povo brasileiro (1995),
salientaram a teoria da miscigenação enfatizando a perda das singularidades dos indígenas na
História do Brasil, resultando na grande nação com genérico povo brasileiro formado por índios,
negros e brancos.
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Em uma cidade em que a maioria da população não tem conhecimento a respeito dos povos
indígenas, as escolas do Recife são como tantas outras no Brasil, que corrobora com invisibilidade e
os descasos vivenciados por essas populações. A formação educacional ao invés de descontruir as
ideias errôneas sobre os índios, acabam enfatizando os estereótipos, a crianças crescem não tendo
entendimento suficiente quando se depara com indígenas que não se apresentam das formas pelas
quais foram ensinadas nas escolas, ao usarem relógios, aparelhos eletrônicos e afins.
Recife é uma cidade em que os indígenas inseridos no contexto urbano e até mesmo
os vindos dos territórios/aldeias precisam afirmar que são ‘indígenas de verdade’ e que
estão ocupando os espaços. Enfatizar que estão presentes e que são cidadãos
pernambucanos, tornando-se ainda mais dificultoso o processo de políticas públicas que
atendam às necessidades para uma vida com menos indiferenças e mais reconhecimento,
isso poderia ser quebrado com um incentivo a uma revisão as metodologias aplicadas, as
fontes ultrapassadas e a abertura aos a debates que vise construir uma ideia que confere
com a realidade atual dos indígenas.
O Colégio de Aplicação da UFPE, tem uma proposta diferente com relação a outras
instituições educacionais. Procurando atender o que determina a Lei nº 11.645/2008,
referente a obrigatoriedade do ensino da temática indígena na Educação Básica é ofertada
para seus estudantes do 6º ano uma cadeira de PD (Parte Diversificada) semestral intitulada
‘’Os índios na História’’, ministrada pelo Prof. Edson Silva, favorecendo debates para
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Metodologia
Resultados e discussão
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Após as aulas da citada cadeira, ocorreu uma mudança substancial nessas imagens
cristalizadas, anteriormente cultivadas pelos estudantes. A partir da análise dos
questionários, percebemos que os discentes expressaram um discurso com teor enfático na
desconstrução dos estereótipos. Foram expressas outras imagens, criticando as
discriminações vivenciada pelos povos indígenas e a pouca importância sobre suas
atuações/participações na História do Brasil. Os indígenas foram considerados também
como pessoas que estão inseridas no século XXI, com direto de acessos as inovações na
atualidade e não como povos estáticos, como anteriormente foram pensados ou ainda nas
imagens da Literatura Brasileira.
Conclusões
Diante dos dados obtidos concluímos que: 1) é possível outras percepções e uma
mudança de imagens a respeito dos povos indígenas pelos estudantes, desde que que
ocorram novas abordagens; 2) salientar a importância de uma abordagem diferente para o
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Referências
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BANIWA, Gersem dos S. L. O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos
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WITTMANN, Luisa Tombini. (Org.). Ensino (d)e história indígena. Belo Horizonte, Autêntica,
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2006.
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modos de reconhecimento e regimes de memória. Rio de Janeiro, Contra Capa, 2011.
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lili.af.lins@gmail.com
lais_oliveiraneves@hotmail.com
alinepraxedes3@outlook.com.br
INTRODUÇÃO
O presente texto tem por intuito debater a história indígena da perspectiva dos
ameríndios brasileiros e como essa(s) história(s) pode(m) ser trabalhada(s) no ensino básico
brasileiro por meio de novas tecnologias, tão presentes no cotidiano de alunos (as) de todo o
país, buscando dessa maneira saídas para que o modelo do ensino de história nas escolas
deixe de ser aquele tão utilizado no século XVII pelos jesuítas, e passe a ser condizente com
o tempo presente, onde as tecnologias são uma parte fundamental na vida não só de
alunos(as) e professores(as) como da sociedade como um todo. Além da necessidade por
inserção de novas tecnologias em ambiente escolar, através da lei 11.645/2008, fica
declarado em âmbito judiciário que, os(as) professores(as) devem ensinar aos discentes
sobre povos indígenas.
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onde ele diz que: “de tais povos na infância não há história: há só etnografia” (Varnhagen
apud Cunha, 1992, p.11).
Por um longo período, a antropologia e a história acreditavam que para um povo ser
puro deveria manter-se arraigado a sua cultura original, estáticos com seus costumes, ou
seja, os povos de origem deveriam ser os mesmos sujeitos do século XVI, presos no espaço e
tempo, sem conhecimento sobre as tradições e principalmente as leis da sociedade não
indígena. E por um longo período os povos nativos eram vistos como personagens
secundários, que estavam ali para o bel prazer dos colonizadores, desempenhando a figura
do ingênuo ou de guerreiros arredios, que viviam em constante guerras sem sentido. 3
Schwarcz (1993) relata que, quando a história brasileira foi escrita por von Martius, a pedido
do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), para o alemão a humanidade surgira do
que ele chamava de tronco negro, a posteriori viria o vermelho e por fim os brancos, e que
da mesma forma que a evolução ocorreu nessa sequência, a extinção das etnias humanas
seguiria a mesma ordem. Todavia os anos foram passando e mesmo que a comunidade
acadêmica afirmasse um desaparecimento indígena, isso não ocorreu.
Maria Regina Celestino Almeida (2010) afirma que “os índios, nos anos 1980,
contrariando as previsões acadêmicas, davam sinais claros de que não iriam desaparecer.”
(Almeida, 2010, p.18) E com esse não cumprimento das previsões surge a questão de “o que
caracteriza uma comunidade, um indivíduo como indígena?” Por um longo tempo para a
Antropologia e para a História, ser índio era sinônimo de se manter estagnado no tempo,
segundo Almeida (2010): [...] entre os antropólogos, a concepção de que os processos
históricos portadores de mudança não eram importantes para a compreensão de seus
objetos de estudo. Ao contrário, eram vistos como propulsores de perdas culturais
sucessivas que levavam à extinção dos povos estudados. Afinal, se a cultura era vista como
algo fixo e estável, relações de contato, principalmente com povos de tecnologia superior só
poderiam desencadear processos de aculturação que conduziriam necessariamente a perdas
culturais e à extinção étnica. (Almeida, 2010, p.15-16)
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A partir do ano de 2008 ficou entrou em vigor a lei 11.645/08, sancionada pelo
presidente Luiz Inácio “Lula” da Silva, alterando assim a Lei 9.394/1996, modificada pela Lei
10.639/2003, a qual estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no
currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e cultura afro-
brasileira e indígena”. Todavia mesmo passados dez anos, ainda há resistência para se
trabalhar a cultura afro-brasileira e a indígena nas escolas brasileiras. O foco do presente
trabalho é a história indígena, dessa maneira vamos nos ater ao discurso de tal, e é
perceptível nos livros didáticos que o índio sempre está representado nos capítulos iniciais,
onde a temática são os povos antigos, do período culturalmente chamado de pré-história,
ou seja, período aquele em que a escrita não existia em determinadas sociedades, é o caso
dos povos nativos que aqui habitavam quando os europeus aportaram na costa do que viria
a ser o Brasil. E em um segundo momento são trabalhados no dia 19 de abril, considerado
segundo a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) como “Dia do Índio”, e também neste dia os
docentes 5 trabalham com a imagem de um índio pré-histórico, que não compreende os
costumes do mundo moderno e faz sons não compreensíveis.
Silva (2002) diz que: O desconhecimento sobre a situação atual dos povos indígenas,
está associado basicamente à imagem do índio que é tradicionalmente veiculada pela mídia:
um índio genérico com um biótipo formado por características correspondentes aos
indivíduos de povos nativos habitantes na Região Amazônica e no Xingu, com cabelos lisos,
pinturas corporais e abundantes adereços de penas, nus, moradores das florestas, de
culturas exóticas etc. Ou também imortalizados pela literatura romântica produzida no
Século XIX, como nos livros de José de Alencar, onde são apresentados índios belos e
ingênuos, ou valentes guerreiros e ameaçadores canibais, ou seja, “bárbaros, bons selvagens
e heróis”. (Silva apud Silva, 2002, p. 01) Através da inquietação por perceber que o índio é
sempre retratado como o “bom selvagem” e que pouco se trabalha a figura dele em sala
como um contemporâneo dos(as) alunos(as) foi feita a pesquisa para saber, em meio
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Para os(as) professores(as) que trabalham com o ensino básico é importante essa
praticidade, além de ser bom para o alunado, quando não contarem com a presença de seus
professores(as).
Fonte: print screen da aplicação do sistema operacional Windows 8.1. O site possui
um detalhe interessante, cada aba tem a imagem de um índio com características
tradicionais, todavia cada um está fazendo algo contemporâneo da sociedade moderna, tal
como utilizar uma câmera fotográfica, uma filmadora, fones de ouvido. É um fato
interessante no tocante que, a tradição não é deixada de lado, porém também mostra ao
visitante que os índios são sim sujeitos do tempo presente e se utilizam da tecnologia, para
poderem dar voz as suas histórias. É satisfatório perceber que há possibilidade de se
trabalhar a história indígena com os novos recursos tecnológicos, e que os povos indígenas
mostram suas histórias por meio do sistema global de redes de computadores interligados,
onde diferente do que podem muitos afirmar, os indígenas não estão perdendo sua
identidade ao utilizar plataformas digitais, pelo contrário, eles se afirmam enquanto agentes
da sua cultura, trazendo uma quebra de paradigmas e sendo donos daquilo que desejam
repassar para as comunidades não indígenas, e é por meio desses pequenos artifícios que
docentes poderão levar de maneira atrativa a história daqueles que construíram o que hoje
é o território brasileiro.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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DE 2008. 2008. Disponível em: . Acesso em: 05 abr. 2018.
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2018.
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Acesso em: 22 maio 2018.
FERREIRA, Marieta de Moraes. História, tempo presente e história oral. Topoi (Rio J.), Rio de
Janeiro, v. 3, n. 5, p. 314-332, dez. De 2002. Disponível em . Acesso em 22 de abril de 2018.
http://dx.doi.org/10.1590/2237-101X003006013.
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Introdução
Muitos professores que lecionam nas escolas indígenas de origem indígenas ou não
indígenas (brancos) não possuem formação voltada para questões interculturais ou bilíngue,
realidade que se estendem a EJA Indígena.
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Dentre os indígenas, muitos professores que atuam no magistério ainda não possuem
titulação para exercer a função, como exige a LDB 9394/96, no Art. 62. Ao longo dos anos,
eles procuram se qualificar, para atender às exigências da legislação vigente, no que se
refere à titulação, a fim de permanecerem em sala de aula.
Ainda, segundo André (2005), uma das contribuições dessa abordagem para um trabalho de
pesquisa diz respeito à riqueza de detalhes que é possível utilizar em uma investigação. A
partir dessa abordagem foi possível descrever situações, pessoas, ambientes, depoimentos e
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diálogos, que foram reconstruídos em forma de palavras, gestos, silêncios, choro, pausas,
entre outras reações que surgiram na convivência cotidiana. Todos esses elementos
presentes no nosso campo de pesquisa nos ajudaram a compreender a formação inicial e
continuada que possuem os professores que atuam na modalidade da EJA, na Baía da
Traição-PB.
Traição.
A pesquisa é de natureza qualitativa, do tipo estudo de caso, uma vez que, este tipo
visa a descoberta, enfatizam a interpretação em contexto, buscam retratar a realidade de
forma completa e profunda, procuram representar os diferentes e às vezes conflitantes
pontos de vista presentes numa situação social (LÜDKE; ANDRÉ 2005).
Para analisar os dados, optamos pela técnica de Análise de Conteúdo (AC). Bardin
(2011) afirma que a sutileza dos métodos da análise de conteúdo colabora para a superação
da incerteza das primeiras leituras.
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Desenvolvimento:
Pode-se dizer que a EJA Indígena tem suas raízes no período colonial, com a chegada
dos portugueses ao Brasil, entre eles, os jesuítas, que tinham como propósito catequizar os
índios. Para isso, iniciaram-se as primeiras atividades de escolarização. Maciel e Neto (2008)
informam que os jesuítas tinham como missão catequizar e converter o gentio ao
cristianismo, motivo formal da vinda deles para a colônia brasileira. Estavam empenhados na
transformação do indígena em “homem civilizado”, segundo os padrões culturais e sociais
dos países europeus. Esse tipo de educação destinava-se aos adultos indígenas, como forma
de pacificação e domesticação, uma vez que, civilizados, não ofereceriam resistência ao
projeto da corte, tornando-se assim, mais fácil a ocupação do território e o uso da mão de
obra indígena.
No entanto, não bastava apenas haver escolas no território e nas aldeias, sendo necessário
refletir, depois de décadas de colonização, acerca do tipo de escola ofertada pelo Estado e
do tipo de escola almejada pelos indígenas. Segundo Silva (2007, p. 382), os movimentos
indígenas, no tocante à escola, tem o seguinte posicionamento: “não queriam uma escola
como funciona para os brancos, mas sim uma escola que faça com que o índio queira
continuar a ser índio e não ficar desejando abandonar a aldeia”.
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O que define e delimita essa nova fase histórica é a questão da criação e autogestão dos
processos de educação escolar indígena. Essa é sua especificidade: os próprios povos
indígenas discutirem, proporem e procurarem, não sem dificuldades, realizar seus modelos e
ideais de escola, segundo seus interesses e necessidades imediatas e futuras. Seria, de fato,
a tentativa concreta de transformar a ‘educação escolar para o índio’ em ‘educação escolar
do índio’.
Atualmente, não se discute se os índios devem ter ou não escolas nas áreas
indígenas, mas, sim, qual o tipo de escola? Como deve ser a educação dos indígenas? Que
tipo de formação é oferecida aos professores? Essas e outras questões são pertinentes e
frequentes nas discussões sobre a educação escolar indígena no país.
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interculturais (INEP/MEC, 2006). De acordo com esse mesmo Censo “nos últimos dez anos
foram formados (ou ainda estão em formação) em cursos especiais de magistério indígena
cerca de 9.100 professores indígenas em quase todos os estados do Brasil.
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Os dados demonstram que, nos anos inicias do ensino fundamental, 21,6% dos
professores possuem o ensino fundamental, 18,7%, o ensino médio, 36,4%, o ensino médio
– magistério na modalidade normal –, enquanto 12,5 % possuem licenciaturas.
Quanto aos professores que atuam no ensino fundamental, nos anos finais, eles têm
a seguinte formação: 18,0% possuem o ensino fundamental, 18,4%, o ensino médio, 31,3%,
o ensino médio – magistério na modalidade normal – e 21,2% possuem licenciaturas. Dos
professores do ensino médio: 1,4% tem apenas o ensino fundamental, 16,2%, o ensino
médio, 20,5 %, o ensino médio na modalidade magistério e 51,0% possuem licenciatura.
em Psicopedagogia.
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PROLIND em Pedagogia
Fonte: Elaborado pela autora, com base nos dados da entrevista com os participantes da
pesquisa.
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Realidade semelhante a nível nacional, onde podemos comprovar a partir dos dados
do INEP, no quadro1, que a formação inicial dos professores que atuam na educação
indígena, apresenta lacunas que precisam ser superadas.
Uma das questões norteadora da entrevista buscou conhecer que tipo de formação os
professores recebiam ao ingressar na modalidade EJA para atender as especificidades dessa
modalidade. Vejamos os depoimentos abaixo.
Para a EJA Indígena? A gente nunca recebeu formação voltada para EJAI Indígena. Eu fiz
minha graduação na Universidade, mas lá a gente vê mais como trabalhar com criança; eu
mesmo, faz 4 anos que estou trabalhando na EJA. Me identifico muito, mas, muita coisa a
gente aprendeu no dia a dia mesmo, na prática. Como eu falei, eu procuro e pesquiso . De
início eu comecei a ver o perfil dos meus alunos, que é essencial para qualquer trabalho que
você queira desenvolver, porque a gente sabe que é difícil, porque tem uma evasão muito
grande... (Grifos da pesquisadora)
OBY-ETÉ, em 10/11/2016
Muita coisa a gente aprende na prática, no dia a dia e com os colegas que têm experiência,
mais tempo na escola e mais tempo na profissão; tem professor que é muito criativo. Tem os
planejamentos,nesse momento, cada um coloca suas ideias, A formação oferecida pelo
Estado é sempre a nível geral para educação indígena, só para o ensino regular, até hoje
nunca participei de uma formação voltada para EJA (Grifos da pesquisadora)
PYRANGA, em 13/10/2016
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A professora indígena Pyranga, destaca ainda que, “Muita coisa a gente aprende na
prática no dia a dia e com os colegas que tem experiência, mais tempo na escola e mais
tempo na profissão”. Esses saberes ressaltados dizem respeito aos saberes experienciais
apresentados por Tardif (2014) e Pimenta (2012), ou seja, são aqueles obtidos no cotidiano
da prática escolar de sala de aula, bem como do contato com os colegas professores mais
experientes.
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como de espaço produtivo cada vez mais complexo” (SILVA, 2011, p. 52). No entanto não
devemos esquecer que essas experiências vivenciadas na prática por esses professores
devem estar aliados a teoria e conceitos que lhes possibilitem construir novos
conhecimentos.
Nessa perspectiva, Alves (2010) assegura que a formação inicial e continuada precisa
ser voltada para a racionalidade crítica, indo além das bases dos conhecimentos científico e
cultural. A racionalidade crítica deve promover nos atuais e futuros professores, uma
formação que articule os conhecimentos científicos e os práticos, de modo que eles estejam
preparados para enfrentar a complexidade do ambiente escolar e dos sistemas educativos,
utilizando-se do contexto e do local de trabalho para, num exercício de reflexão coletiva e de
pesquisa e ação colaborativa, produzam saberes necessários à superação dos problemas que
afetam o trabalho e a prática docente.
Outro aspecto mencionado se faz presente na fala do professor Oby-Eté e tem a ver
com a valorização do perfil do educando, como critério para se construir conhecimento na
prática pedagógica. É certo que compreender a realidade do educando é algo muito
significativo na EJA Indígena, pois, a partir daí o professor extrairá dos alunos os
conhecimentos que cada um traz para articular melhor os conteúdos curriculares, gerando
aprendizagens significativas e contextualizadas que, segundo Freire (2011), possibilita a
inserção dos sujeitos nas discussões corajosas sobre sua realidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se que educar é uma tarefa difícil exigindo dos professores uma formação
inicial, contínua e permanente de atualizações de temáticas, inovações de estratégias,
reflexões sobre a prática pedagógica, que em um movimento coletivo entre colegas de
trabalho e discentes, elaboram competências e habilidades profissionais profícuas para o
exercício da sua prática pedagógica.
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Percebemos que a formação inicial e continuada para trabalhar com essa modalidade
ainda é um desafio, principalmente no que diz respeito ao público indígena os quais sempre
ficaram a margem da sociedade e do cenário educacional, no entanto vislumbramos alguns
avanços como podemos comprovar a partir de dados apresentados pelo INEP/MEC, onde
percebemos um avanço significativo no que tange a formação dos professores indígenas a
nível de Brasil e também na Baía da Traição, onde os professores que lecionam e não
possuem curso superior encontra-se em formação.
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BARDIN, Lawrence. Análise de conteúdo. Trad. Luís Antero Reto, Augusto Pinheiro. São
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FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 50. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) Disponível em:
http://portal.inep.gov.br/basica-censo Acesso em :26 de junho de 2016.
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PIMENTA, Selma Garrido (Org.). Saberes Pedagógicos e Atividade Docente. São Paulo:
Cortez, 2012.
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ISSN:
thyarafreitas@hotmail.com
Objetivamos evidenciar por meio de uma análise que apesar da Lei nº 11.645/2008
completar dez anos de publicação, as práticas pedagógicas na Educação Básica nas escolas
privadas pouco mudaram, permanecendo em sua maioria uma postura de folclorização e
reprodução de estereótipos acerca das populações indígenas, com a genérica
“comemoração” do “Dia do índio”, sempre ocorrida sistematicamente no dia 19 de abril.
Apesar das três escolas analisadas estarem localizadas em contextos sociais distintos, onde
uma delas estar situada na divisa de dois bairros periféricos, com estudantes residentes nas
proximidades, Escola A; a segunda escola também se localiza em um bairro periférico, porém
com um público menos empobrecido que a escola anterior, nela frequentam estudantes
com um maior poder aquisitivo e sendo em números a com maior número de discentes
dentre as três escolas, Escola B; e a terceira escola é uma instituição tradicional católica,
localizada em um ponto essencialmente turístico com estudantes e professores em sua
maioria da classe média alta, Escola C. Todas apesar de estarem inseridas em contextos
sociais distintos apresentaram práticas semelhantes nas abordagens sobre a temática
indígena.
Foi observado que não existe a preocupação por parte das docentes das escolas
pesquisadas em problematizar a data 19 de abril como o “Dia do índio”, pelo contrário,
tratam essa data como um“marco histórico”, e disperdiçam a oportunidade de assim como
afirmou o indígena professor Edson Kayapóem transformar esta data em uma inquietude e
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“Brincar de Índio”
No que se refere à música “brincar de índio”, é necessário ressaltar que esta referida
cançao é a mais utilizada nas escolas no “Dia do Índio”. Sendo utilizada a cerca de mais de 20
anos, ou seja, gerações de estudantes do Ensino Infantil, ao ouvir essa música associaram
todas sua concepções acerca da temática indígena ao que afirma a letra da canção infantil. É
explícito que a canção reforça noções generalizantes e contribui para a construção de
preconceitos presentes na sociedade na formação do imaginário infantil.
Como afirma a autora Maria da Penha da Silva, o título da canção “Brincar de índio”
remonta a uma brincadeira infantil comum entre as décadas de 1950-1990, inspirada nos
filmes de faroeste norte-americanos, nos quais os personagens centrais eram o índio como
bandido e o homem branco como “mocinho”; (SILVA, 2015. P. 236) também é presente na
canção o uso do termo “tribo” que coloca as sociedades humanas em hierarquia, no qual, as
“tribos” ocupam uma posição inferiorizada pois estas sociedades concebidas enquanto
“tribais” são associadas às formas de viver consideradas rudimentares, como a pesca, a caça,
o criatório de animais domésticos e a agricultura familiar, sendo considerada atrasadas
comparadas com as demais formas de economia moderna (GODELIER, 1978. p. 101). Outras
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partes da música também se mostram problemáticas, como por exemplo: “Pego meu arco e
flecha, minha canoa e vou pescar. Vamos fazer fogueira, comer do fruto que a terra dá”,
resumindo à concepção de ser índio como um ser tribal, ignorando a sociodiversidade
presente nos 305 povo indígenas habitantes do território brasileiro (IBGE, 2010).Esses
trechos da canção tornam-se ainda mais problemático se levarmos em cosideração que 37%
da população indígena brasileira vive em contextos urbanos diversificados (IBGE, 2010).
É válido lembrar que por meio dessas práticas o índio é colocado como um ser do
passado histórico e totalmente distante da atualidade e de nossa sociedade. Porém, o
discurso defendido pelas escolas e seus docentes para tais práticas generalizantes e
ultrapassadas, é que estas representam uma “homenagem ao índio, o primeiro habitante do
Brasil” onde novamente trata-se de um discurso genérico e romantizado que coloca os
indígenas novamente na posição de um passado distante.
Práticas analisadas
Imagem2: Prática pedagógica utilizada pela Escola B. Fonte: Facebook. [Acesso: 19/04/2018]
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deveria interferir no trabalho realizado por outrem. Por tanto, ficou implicito nas entrelinhas
que a minha postura em buscar a desconstruição de esteriótipos negativos acercas das
populações indígenas foi recebida pelas professoras de pedagogia e dona da instituição
como uma postura arrogante, que deveria ser evitada.
A comunicação com as escolas B e C, ocorreu através das redes sociais. Fui aluna de
ambas instituições, e acompanho seus respectivos trabalhos via Facebook. No dia 19 de
abril, as duas instituições publicaram fotos da “Comemoração do Dia do Índio” (imagens 2 e
3), ao ficar incomodada com as práticas pedagógicas das instituições, me comuniquei via
bate-papo disponível na rede social, questionando suas práticas adotadas e indicando o site
http://axa.org.br/2015/04/dia-do-indio-10-sugestoes-de-atividades-para-escolas/ que se
trata de uma matéria que tem por objetivo o auxiliar docentes para que a temática indígena
não seja trabalhada de maneira generalizante. A escola B foi a primeira a me responder
afirmando que agradecia a sugestão e que esta seria encaminhada ao setor pedagógico da
escola. A escola C, não me respondeu diretamente, mas após minha mensagem e segestão,
convidaram índios do povo Fulni-ô para palestrarem na insituição e dançarem Toré. Foram
publicadas fotos desse momento no dia 25 de abril, e a instituição afirmou que percebeu a
importância do protagonismo que deve ser atribuído à pessoas indígenas para que estas
explicitem suas reinvidicações de direitos.
Imagem 6: Indígenas do povo Fulni-ô dançam Toré com estudantes que na Imagem3
apresentavam-se vestidos com fraudas e penas. Fonte: Facebook. [Acesso 25/04/2018]
Considerações Finais
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Bibliografia
SILVA, Edson; SILVA, Maria da Penha da. (Orgs.). A temática indígena na sala de aula:
reflexões para o ensino a partir da Lei 11.645/2008. 2ª ed. Recife, Edufpe, 2016.
SILVA, Maria da Penha da. A temática indígena nos anos iniciais do Ensino Fundamental: um
estudo das práticas curriculares docentes em Pesqueira-PE. Caruaru, CAA/UFPE, 2015
(Dissertação Mestrado em Educação Contemporânea).
GODELIER, Maurice. Partes mortas, ideias vivas do pensamento de Marx sobre sociedades
primitivas: marxismo e evolucionismo. In: CARVALHO, Assis Edgard. (Org.). Antropologia
econômica. São Paulo: Ciências Humanas, 1978. p. 101-135.
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http://axa.org.br/2015/04/dia-do-indio-10-sugestoes-de-atividades-para-escolas/ [Acesso
em 18/04/18]
https://www.facebook.com/visibilidadeindigena/photos/a.766876746770576.1073741828.7
66852743439643/920718438053072/?type=3&theater [Acesso em 17/04/18]
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pereirabezerrav@gmail.com
Introdução
Este trabalho busca apresentar o que foi desenvolvido no âmbito do Projeto de Extensão
“Rodas de Conversa sobre Saúde dos Povos Indígenas” no ano de 2017, realizado na
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Trata-se de um Curso Introdutório sobre Saúde
Indígena, composto por encontros presenciais, tendo iniciado suas atividades em 2016 em
parceria com o PET-Indígena Ações em Saúde e em 2017 esteve sob a coordenação de dois
docentes do curso de Medicina, médicos de família e comunidade com experiência em
atuação em áreas indígenas, e duas estudantes indígenas, uma da Psicologia e uma da
Medicina.
73
Estudante de Medicina; Indígena do Povo Atikum-Umã;
74
Médico de Família e Comunidade; Professor do Departamento de Medicina.
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Assim, este Projeto de Extensão buscou trabalhar a partir da identificação dessa lacuna
importante na formação de profissionais de saúde, reconhecendo como essencial o
despertar da sensibilidade para reconhecer a diversidade e lidar com situações de diálogo
intercultural. Em suas atividades, buscou construir um espaço para conhecer e refletir sobre
a complexidade da saúde das comunidades indígenas, dialogando sobre as diferentes
culturas, sistema de saúde específico, concepções do processo saúde-doença, propiciando
aproximação inicial sobre o contexto de saúde indígena no Brasil.Nas atividades
desenvolvidas neste Projeto de Extensão foi considerado o universo de diferentes
comunidades indígenas no Brasil, com distintos processos históricos e construções culturais,
sendo também foco deste espaço reconhecer que a atuação nas aldeias indígenas é uma
possível escolha dos atuais estudantes da área da saúde.
Desenvolvimento
As Rodas de Conversa sobre Saúde dos Povos Indígenas aconteceram mensalmente, com
participação de profissionais, graduandos, indígenas e não indígenas, que tinham interesse
em aprender sobre a saúde destes povos, sendo oportunizada a ampliação de
conhecimentos a respeito e sensibilização para a diversidade cultural. Baseado nos Círculos
de Cultura de Paulo Freire (FREIRE, 1999) e outras metodologias ativas de ensino-
aprendizagem, os encontros foram realizados no espaço físico do Departamento de
Medicina da UFSCar, num total de cinco encontros em 2017, com duração de quatro horas
cada. Em cada encontro havia uma temática principal guiada por uma questão orientadora,
que inicialmente foram mais específicas sobre a saúde indígena e que ao longo dos
encontrosforam ampliadas para outros temas afins e importantes para o contexto em que
vivem as populações indígenas e que de forma indireta envolvem também o campo da
saúde.Em ordem cronológica, as questões orientadoras foram: 1) O que é ser indígena?;2)
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Os encontros tiveram uma estrutura geral padrão, iniciando com um acolhimento dos
participantes com uma fala inicial de boas-vindas e apresentação feita pelos coordenadores;
apresentação individual de cada participante expondo as expectativas em relação à
atividade; seguido por uma atividade disparadora da temática, ainda em grande grupo,
como assistir a um vídeo, utilização de tarjetas, ou troca de ideias inicial; depois os
participantes eram divididos em quatro pequenos grupos, que se reuniam em salas
diferentes. Em cada pequeno o pequeno grupo discutia a questão central, quando cada
pessoa trazia suas vivências, reflexões, fazia a leitura de pequenos trechos de texto, sempre
com foco em fazer relações com o tema. A síntese da discussão em pequeno grupo era
registrada em cartolinas, papel A4 ou em tarjetas. Terminado esse momento, todos os
participantes se reuniam novamente em grande grupo, quando cada pequeno grupo
compartilhava suas sínteses com o grupo maior, possibilitando novas reflexões e mais
diálogos através dessa nova síntese coletiva, no movimento da espiral construtivista (LIMA,
2017).
Além dos encontros presenciais, foi criado um blog desde de 2016 (UFSCAR, 2016), onde
a cada encontro foram disponibilizados conteúdos complementares, compostos de livros,
artigos, filmes e músicas, que propiciaram aos participantes um maior aprofundamento e
discussão a respeito da temática da Roda. Também no blog havia um campo chamado de
“Diário da Atividade”, onde os participantes poderiam postar uma síntese individual
reflexiva, registrando o que aprendeu durante a Roda e buscando responder a provocações
apresentadas ali.Para os participantes que estiveram presentes em 75% dos encontros e que
realizaram as atividades à distância, foi conferido um certificado de participação no Curso
Introdutório. No próximo item apresentamos uma síntese detalhada de cada encontro:
A primeira Roda foi realizada em 16 maio, com a Questão Orientadora: O que é ser
indígena? Contou com 41 participantes eutilizou-se vídeos como provocadores (ISA, 2017;
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TV BRASIL, 2017). Através dessa Roda, foi possível discutir sobre os processo histórico no
encontro de indígenas e não-indígenas no Brasil;aproximação inicial sobre preconceitos com
indígenas;avançando para pensar no indígena na atualidade, levando em consideração a
situação contemporânea dos indígenas que vivem nas aldeias ou na cidade, superando a
compreensão do indígena apresentado nos livros didáticos em grande parte das vezes
(BATISTA; GOMES JUNIOR, 2016).Chegou-se nas diferenças com os termos: indígena, índio,
silvícola, nativo, buscando descontruir o conceito de indígena genérico (COLLET; PALADINO;
RUSSO, 2014), gerando a possibilidade dos participantes não considerarem os saberes
indígenas como atrasados, primitivos ou menos evoluídos, mas como diferentes.
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que em seguida cada participante foi convidado a escrever em tarjetas aspectos que
achavam relevantes sobre a trajetória e a continuidade da luta para obtenção dos direitos
indígenas. A partir das tarjetas foi construído uma síntese do grupo em relação à luta
indígena pelos direitos à terra, à saúde, educação, reconhecendo quais as conquistas e quais
os retrocessos.
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Considerações Finais
Este Projeto de Extensão teve sua primeira edição durante o ano de 2016, a partir de
uma demanda dos próprios participantes do Programa de Educação Tutorial Indígena (PET-
Indígena) Ações em Saúde e desde então vêm ganhando um número maior de interessados.
Houve um aumento progressivo no número de participantes do ano de 2016 para 2017,
saltando de 35 para 115 respectivamente, sendo frequentado por indígenas e não indígenas,
estudantes e professores da UFSCar, profissionais da área da saúde e educação do
município, pesquisadores da região, entre outros. Foram espaços de reflexão, discussão e
diálogos muito ricos, com troca de conhecimentos e experiências e relatos das vivências
pessoais. Não foi possível realizar atividades em todos os meses devido a processos de greve
na Instituição e alterações no calendário escolar, o que levou a acontecerem apenas cinco
Rodas.
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estudantes e profissionais de diversas cursos e áreas do saber, com uma interação rica entre
todos. As fragilidades identificadas foram a pouca participação de docentes; pouca
participação de pessoas externas à Universidade; melhorar a divulgação; e cuidar para o
término dos encontros não se estenda no horário. Houve também sugestões para
manutenção dos encontros em 2018 e manutenção das metodologias que favorecem a
participação de todos os presentes.
Nesses dois anos o processo de atividades foi sendo desenvolvido de forma progressiva,
com avaliações e planejamentos permanente, tentando avançar de acordo com as
necessidades do grupo. O uso de metodologias ativas buscou a integração entre os
participantes, favorecendo uma construção a partir das experiências anteriores e lacunas
individuais, além de suscitar a colaboração dos que participam menos. As temáticas
inicialmente mais restritas à saúde foram sendo ampliadas e tomaram um corpo mais amplo
e abrangente. O planejamento é de continuar os trabalhos de forma permanente, mantendo
encontros mensais e construindo novos espaços sobre saúde indígena na UFSCar.
Agradecimentos
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Referencias:
BATISTA, Johann Butler da Silva; GOMES Junior, Cleonildo Mota. A história dos povos
indígenas nos livros didáticos de acordo com PNLD 2011 e 2014. Revista Cadernos de
estudos e Pesquisas na Educação Básica. Recife, v.2, 23, 2016.
BRASIL. Fundação Nacional de Saúde. Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos
Indígenas. - 2ª edição - Brasília: Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde, 2002. 40
p
DIEHL, Eliana Elisabeth; PELLEGRINI, Marcos Antonio. Saúde e povos indígenas no Brasil: o
desafio da formação e educação permanente de trabalhadores para atuação em contextos
interculturais. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro , v. 30, n. 4, p. 867-874, Apr. 2014
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 23ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1999.
GARNELO, Luiza. Cosmologia, ambiente e saúde: mitos e ritos alimentares baniwa. História,
Ciências, Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v.14, supl., p.191-212. 2007.
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ISSN:
Instituto Sócio Ambiental (ISA). Menos Preconceito, Mais Índio. 2017. Disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=uuzTSTmIaUc
KNAUTH, Daniela Riva; ARSEGO DE OLIVEIRA, Francisco; CASTRO, Rodrigo Caprio Leite.
Antropologia e Atenção Primaria à Saúde. In: Duncan, Bruce B. et al. Medicina Ambulatorial:
Condutas de Atenção Primária Baseadas em Evidências. Artmed, Porto Alegre, 2014. p66 a
68.
Langdon, Esther Jean. A construção Sociocultural da Doença e Seu Desafio para a Prática
Médica. In: Roberto G. Baruzzi e Carmen Junqueira (orgs). Parque Indígena do Xingu: Saúde,
Cultura e História. Ed.Terra Virgem, São Paulo, Brasil, 2005. P116 a 122
OLIVEIRA LSS. Um Panorama sobre Recursos Humanos em Saúde Indígena. Saúde Coletiva,
2005;02(8):103-108
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ISSN:
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS (UFSCAR). Rodas de Conversa sobre Saúde dos
Povos Indígenas. 2016. Disponível em https://cursosaudeindigena.wordpress.com/
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ISSN:
rodrigo.morais.guerra@gmail.com
Introdução
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Desenvolvimento
Dito isso, se faz importante ressaltarmos, ainda para introduzirmos este debate, a
noção de territorialidade e a “descoisificação” do território. Por muito tempo, seguindo
vieses tradicionalistas que atendem a interesses ideológicos, a noção de território esteve
sempre atrelada a um substrato espacial material e, em grande medida, ao Estado-Nação – o
que se enraizou no senso comum –, no entanto, como afirma Marcelo de Lopes Souza
Ele [o território] não precisa e nem deve ser reduzido a essa escala ou à
associação com a figura do Estado. Territórios existem e são construídos (e
desconstruídos) nas mais diversas escalas, da mais acanhada (p. ex., uma
rua) à internaional (p. ex., a área formada pelo conjunto dos territórios dos
países-membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte - OTAN);
territórios são construídos (e desconstruídos) dentro de escalas temporais
as mais diferentes: séculos, décadas, anos, meses ou dias; territórios
podem ter um caráter permanente, mas também podem ter uma existência
periódica, cíclica” (SOUZA, 1995, p. 81).
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Logo, ao elegerem o estado de Chiapas, os indígenas zapatistas dão significado àquela região
ocupada e constroem o seu território. Não mais o território amorfo e sem brio, escondido
nas sombras do Estado-Nação mexicano, mas um território essencialmente zapatista,
repleto de identidade, cultura e relações de poder construídas para e pelos zapatistas para
gerir o seu próprio território. Porém, a ousadia dos indígenas de Chiapas não seguirá um
rumo calmo e pacífico. A ideia de um território identificado com indígenas rebeldes afronta a
“soberania nacional” e os interesses do capital. O que será refletido na guerra de conquista
sobre el campo mexicano.
No ano de 2007, os zapatistas surgem com um comunicado que denuncia uma guerra
cada vez maior não apenas contra os indígenas de Chiapas, mas contra os indígenas e
camponeses de todo o mundo. Guerra esta encabeçada não por uma “superpotência”, ou
por um exército em espeífico, mas por algo que possui o alcance e a capacidade de
regeneração muito maior: o neoliberalismo. Nas palavras do Subcomandante Marcos
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Considerações finais
Como produto de uma longa duração histórica que atravessa 500 anos, desde a
chegada do colonizador até o tempo presente, os zapatistas de Chiapas permanecem em
resistência, permanecem em luta pela terra. Resistência essa que já se manifestou nas
guerras dos povos indígenas contra os colonizadores, nas guerras entre os camponeses e o
poder institucional, no Plan de Ayala, e que, hoje, para preservar sua história, se traduz na
construção de um território social autônomo. A Quarta Guerra mundial repercute na
realidade indígena de modo inegável, o Estado mexicano, e demais governos latino-
americanos, se convertem nos capitães de reconquista dos territórios que vieram florescer
as civilizações dos povos originários destas terras, como anuncia o Subcomandante Marcos;
o interesse nos recursos naturais para transfigurá-los em mercadoria é evidente e, com isso,
os indígenas se vêm no dever de, uma vez mais, preservarem a sua terra.
A ênfase que damos à “terra” é proposital. Terra não constitui apenas o solo. Terra
não é a estrutura física por onde, simplesmente, caminhamos. Para o indígena a terra é
símbolo da sua história, a terra é a sua mãe. Utilizando as palavras de Sebastião Vargas
Tem que se ter em mente que a terra é entendida pelos camponeses mais
que mero meio de produção: a terra e seu cultivo vinculam o ser humano
com o ciclo vital das plantas e dos animais, e, assim, com o próprio ritmo
cósmico que determina o seu lugar nele. Terra significa, então, não apenas
a condição básica para a subsistência individual e familiar, mas também a
provedora dos elementos necessários para a manutenção da organização
social, a reprodução da identidade coletiva, e a sustentação do universo
inteiro - coisa que demonstram tantos estudos antropológios sobre o papel
da festa - onde concorrem precisamente todos estes aspectos. No
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movimento zapatista, por sua ligação com tradições mitológicas maias, isso
é muito claro de observar. (VARGAS, 2007, p. 252)
Portanto, terra é o núcleo da história, quando se pensa nos povos originários da América,
lutar, resistir, combater as ameaças à sua terra é, concomitantemente, lutar pela sua
história, pelas suas raízes, pela sua madre.
Esta foi a luta dos indígenas mexicanos que perpassou a larga noite dos 500 anos,
está é a luta dos indígenas mexicanos que resiste à Quarta Guerra mundial. A territorialidade
zapatista aponta, desse modo, para uma nova perspectiva sobre a questão territorial
indígena no mundo pós-Guerra Fria, mundo este marcado pela globalização e por uma Nova
Ordem mundial que propõe um mundo restrito aos seus interesses. A complexidade das
relações espaciais indígenas, suas cosmologias de mundo, seus sentimentos e identidade,
tornam a problematização e o aprofundamento na compreensão deste debate uma
discussão essencial para o tempo presente. Se faz de suma importância buscar nessa
problemática novas possibilidades em um mundo regulado por relações de poder
hegemônicas e por interesses do capital, suprimindo a possibilidade de um mundo pautado
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Referências
ALBUQUER JUNIOR, Durval Muniz de. História: a arte de inventar o passado. Ensaios de
teoria da história: Bauru, SP: Edusc, 2007.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Tradução Fernando Tomaz. Lisboa: Difel, 1989.
BRAUDEL, Fernand. A longa duração. In: Escritos sobre a História. Lisboa: Perspectiva, 1992.
GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.
GENNARI, Emilio. EZLN Passos de uma rebeldia. São Paulo: Expressão Popular, 2005.
LITTLE, Paul. Territórios sociais e povos tradicionais no Brasil: por uma antropologia da
territorialidade. Série Antropologia, n. 322. Brasília: Departamento de Antropologia, 2002.
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ROUSSO, Henry. Sobre a História do Tempo Presente: Entrevista com o historiador Henry
Rousso [janeiro/junho, 2009]. Florianópolis: Tempo e Argumento. Entrevista concedida a
Silvia Maria Fávero Arend e Fábio Macedo.
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misciciso@gmail.com
INTRODUÇÃO
vivenciado por moradores do Sítio Poço Dantas, localizado no distrito de Monte Alverne
como pertencentes à etnia Kariri, grupo indígena que habitou durante muito tempo a região.
Segundo relatos dos mesmos, esse processo de mobilização teve início em 2007 com a
entidade representativa.
O estímulo para entender como estes sujeitos estão agenciando e, porque não
dizer, construindo uma identidade política, chegou em mim como um daqueles acasos
perdidos no tempo e no espaço com os quais nos deparamos e que, por vezes, nos
passam despercebidos. Foi em meio a um destes acasos que fui participar da defesa do
atenção. Falava da existência de um grupo indígena no Crato, o que para mim foi uma
surpresa.
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estado do Ceará, mas nada sabia sobre o assunto, e de certo modo achava que falar em
índios aqui seria se remetendo a uma presença não mais existente. Saber que tão perto
de onde resido existiam pessoas lutando para serem reconhecidas como indígenas me
inquietou bastante. Mesmo sem interesse acadêmico procurei conhecer mais a fundo o
assunto.
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Conforme Oliveira (1998), “Antes do final do século XIX, já não se falava mais em
povos e culturas indígenas no Nordeste”. Tal silenciamento perdurou por boa parte do
século seguinte e aos poucos foi sendo rompido. Assim, essas novas formas de lutas
étnicas passam a ganhar visibilidade principalmente na década de oitenta do século XX,
momento em que alguns grupos étnicos começam a lutar pelo reconhecimento e pela
garantia do acesso à terra.
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SITUANDO A QUESTÃO
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Assim como a pesquisadora, outros agentes aparecem nas falas de alguns dos
entrevistados, sendo qualificados como possibilitadores ou impulsionadores da articulação
destes sujeitos. Dentre os nomes listados estão: Patrício Melo, Reitor da Universidade
Regional do Cariri e incentivador da fundação da Associação; Marcos professor da rede
municipal de ensino do Crato; Vanda Lúcia, Professora da Rede estadual do Ceará, e ex
moradora da comunidade. Diante do mencionado, enxergo como necessário para
compreensão da operacionalização do processo de construção identitária, identificar por
meio do tensionamento da atuação destes agentes externos, as relações de forças que ali
estão sendo desenvolvidas.
Como entender então essa identidade frente a esses processos? Novaes acentua
que considerando que a identidade é uma “condição forjada a partir de determinados
elementos históricos e culturais” (1993, p. 24), cabe ao antropólogo (a) verificar como ela
é construída e em qual contexto é evocada. Principalmente ao se tratar de uma
“identidade ampla” evocada por um grupo “que reivindica uma maior visibilidade social
em face de um apagamento a que foi historicamente submetido” (NOVAES, 1993, p.25).
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Cientes disso, os anos de 2007-2008 são percebidos como o momento de inflexão para a
emergência de uma “identidade coletiva”, na localidade de Poço Dantas.
Porque opto em falar em termos de uma identidade coletiva? Alerto está ciente de
que nem todos que residem em Poço Dantas se reconhecem como indígena, que o
desenrolar desse processo se faz, sobretudo pelo protagonismo de uma família, “família
Cariri” e que existem pessoas que pertencem a essa família, moram na localidade,
entretanto não se identificam como tais. Esse outro lado não será descartado ao longo da
pesquisa.
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gente era tão, tão, era vista de forma tão negativa naquele lugar (Vanda
Lucia Roseno Batista, entrevista realizada no dia 26 de setembro de 2017
no Colégio Estadual Wilson Gonçalves).
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Ivoneide relata que quando seus filhos eram mais novos, não gostavam quando
sua avó dizia a eles que eram índios, afirmavam que por isso eram vítimas de chacotas
dos seus amigos e que hoje são eles os responsáveis por relatar a história da família Cariri,
reafirmando a existência da descendência indígena. Mediante as entrevistas realizadas
até o presente momento, é possível perceber que antes da atuação e inserção dos vários
agentes externos, existia naquele espaço uma identidade que vinha sendo negada e que
passa a ser positivada com a inserção dos mesmos, ciente de que “ É a partir da
descoberta e reafirmação - ou mesmo criação cultural - de suas semelhanças que um
grupo qualquer, numa situação de confronto e de minoria, terá condição de reivindicar
para si um espaço social e político de atuação”( NOVAES, 1993 p.24).
Fizemos uma grande mobilização o dia todo, e aí, nós dissemos o que
era que queríamos, qual era as prioridades para comunidade entendeu?
o que é queremos mesmo é água que a comunidade não tem, que
necessitamos muito. E a associação, e nós entendemos também que a
associação ela seria um instrumento legal pra gente articular com outras
instituições como URCA, FUNAI e etc, pra gente conseguir
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III Encontro do Povo Indígena Kariri, na cidade de São Benedito – CE, na aldeia de Carnaúba.
E o segundo, I Encontro dos Índios Cariri no Cariri, este realizado em Poço Dantas também
aconteceu no ano de 2008, no qual receberam a visita de etnias vindas da Carnaúba e
Crateús. Lá foram realizadas inúmeras oficinas e reuniões nas quais os povos vindos de outras
regiões e que já passaram pelo processo de reconhecimento, auxiliaram a mobilização na
comunidade.
todo por meio de um “jogo de espelhos”, já que “Identidades são inscritas através de
experiências culturalmente construídas em relações sociais” (BRAH, 2006).
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territorialização e fluxos culturais. Mana, Rio de Janeiro, vol.4, n.1, p.47-77, 1998.
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problemas teóricos. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, vol.13, n.38, 1998.
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Uma aproximação entre a História e os Jogos Digitais tem se tornado mais evidente
nos últimos anos. As possibilidades de investigação para a historiografia concebem suas
abordagens em três aspectos: 1) a temática da cultura digital nas sociedades
contemporâneas, 2) as possibilidades de ensino de história com os jogos75 e 3) a percepção
dos jogos como produtores de memórias sobre determinados acontecimentos históricos76.
Estes aspectos apesar de parecerem distintos, no cerne das discussões que são tecidas,
tentam dar conta de um mesmo processo, a percepção de um conhecimento sobre o
passado que se relacione com o presente, conforme a definição de consciência histórica
proposta por Rüsen (2001). Rüsen (2001, p.57) define a consciência histórica como “a suma
das operações mentais com as quais os homens interpretam sua experiência da evolução
temporal de seu mundo e de si mesmos, de forma tal que possam orientar,
intencionalmente, sua vida prática no tempo”.
Os historiadores espanhóis Romera e Ojeda (2015, p.7) chamam a atenção para as
transformações exercidas pelos Jogos Digitais na contemporaneidade, no que diz respeito ao
conhecimento sobre o passado, inclusive relacionando o conteúdo desses artefatos culturais
no campo da historiografia.
75
Um panorama sobre as relações possíveis entre Ensino de História e Jogos podem ser percebidos em Silva
(2010), Arruda (2011), Neves (2011), Telles (2017) e Lima (2017).
76
Na historiografia brasileira as pesquisas de Santos (2013), Santos (2014), Fornaciari (2016), Bello (2016).
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Lo que en su origen aparecía como una forma de entretenimiento radicada en la dimensión lúdica de cada
uno de nosotros como intervinientes reales o potenciales, se ha transformado, dentro del contexto sociocultural
contemporáneo, en un artefacto generador de contenidos y capaz de desplazar, desde un punto de vista
historiográfico, el propio discurso científico del conocimiento del passado y sus aco ntecimientos definidores.
78
O pesquisador norueguês Espen Aarseth (2003, p.11) chama a atenção para a percepção dos jogos digitais a
partir de três elementos, gameplay, cujo foco é a jogabilidade, game-structure, a estrutura das regras do jogo, e
game-world, onde são analisados o mundo ficcional, incluindo aí a narrativa.
79
Sobre essa questão ver Vianna-Telles e Alves (2016, p.125-146).
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tiveram contato, 2) por quais motivos e 3) como elas interferem nas representações
presentes no produto final.
Dessa forma o que é importante para o historiador é entender como ocorreram as
pesquisas sobre o conteúdo histórico existente no jogo, identificando os profissionais que
prestaram o serviço de consultoria – sejam historiadores ou memorialistas; contextualizar a
visão historiográfica que aparece no jogo e como os personagens são retratados, sejam eles
sujeitos individuais ou coletivos; e, partindo desses pressupostos, perceber como o jogo,
entendido como o resultado de uma colcha de retalhos com visões distintas, reflete e
dialoga com o passado, aproximando-se ou distanciando-se em níveis distintos das visões
elucidadas tanto pela historiografia quanto pela memória.
Essa relação com o passado existente nos jogos digitais que tratam de um conteúdo
histórico, traz à tona um questionamento: É possível jogar o passado? A noção de “Jogar o
passado” e todas as implicações presentes nesse processo encontram-se em duas obras de
língua inglesa, as quais levantam essa questão já no título, trata-se da obra, já citada, de
Elliot e Kappel “Playing with the Past” (2013) e “Playing with the Past”, de Erik Champion
(2011), além das discussões tecidas pela historiografia brasileira, propostas por Vianna-Telles
(2016) e Carreiro (2013).
A ideia de um passado jogável em um mundo virtual onde as escolhas históricas
podem ser repetidas ou redefinidas de acordo com o interesse do jogador amplia o
horizonte para um número incontável de possibilidades. Se essa afirmativa levantada nesse
momento for considerada verdadeira, estamos diante de um outro Regime de Historicidade
(HARTOG, 2015) que não se encaixa no modelo de historia magistra vitae, no regime
moderno ou no presentismo.80
Para Hartog (2015, p.28), os regimes de historicidade são “em uma acepção restrita,
como uma sociedade trata seu passado e trata do seu passado. Em uma acepção mais
ampla, regime de historicidade serviria para designar a modalidade de consciência de si e de
uma comunidade humana”. Além do que este regime “não é uma realidade dada. Nem
80
Atualmente, de acordo com Hartog (2015, p.14-15) o regime de historicidade dominante é o presentismo, na
qual “o presente é estagnante e o futuro é entendido como ameaça”. Sobre essa questão ver Hartog (2015) e
Rousso (2016).
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No ano de 1989 é lançado para PC o jogo Gold of the Americas: a conquest of new
world (Strategic Studies Group, 1989) [Ouro das Américas: A conquista do novo mundo], um
jogo de estratégia por turnos, em que o jogador deve colonizar o continente americano
escolhendo controlar uma das potências europeias disponíveis: Espanha, Portugal, França e
Inglaterra.
No ano de 1990, outro jogo com um título também sugestivo é lançado, trata-se de
Galleons of Glory: the secret Voyage of Magellan (Brøderbund Software Inc., 1990) [Galeões
da Glória: a viagem secreta de Magalhães], um jogo de aventura, no qual é possível controlar
um marinheiro que embarca na aventura do Novo Mundo. Ao longo da viagem tarefas
deverão ser realizadas, como ajudar o cozinheiro com os vegetais, provar o valor de
liderança para o capitão ou, até mesmo, ajudar o padre com sermões para os marujos.
Em Galleons of Glory, cujo objetivo do jogo é tentar reproduzir as condições das
expedições marítimas, alguns personagens históricos, além do próprio Magalhães que já é
apresentado no título, são retratados, como é o caso do Capitão Gaspar de Quesada, que foi
acusado de traição. Neste, de uma forma didática, através dos diálogos e situações
propostas, percebe-se como a ideologia da colonização aparece implícita, adquirindo um
caráter de necessidade, o que significa dizer que para o jogo é importante que a colonização
ocorra de modo efetivo. Sendo assim, o jogo só é vencido caso o jogador assuma a postura
do colonizador, contribuindo com o bem maior, ou seja, embarcar na expedição marítima,
provar o valor durante a travessia e auxiliar no aparato ideológico colonial.
Dois anos se passam e outros dois títulos somam a produção de jogos com a temática
da expansão ultramarina europeia. O ano de 1992 é emblemático porque remete aos 500
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Sobre a relação entre História e Memória são imprescindíveis os apontamentos de Le Goff (2013), sobretudo
aqueles presentes na Quarta Parte – A Ordem da Memória (p.387-492).
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A vitória pode ser obtida de dois modos, nas batalhas após derrotar o exército
inimigo ou capturando a bandeira do adversário. Destacam-se os modelos utilizados para as
tropas dos colonizadores e também para a população nativa, pois até o lançamento deste
jogo, com exceção de Sid Meier’s Colonization, nenhum outro jogo tinha demonstrado em
aspectos visuais, um contingente tão diferenciado em relação aos povos nativos. As
transformações na qual me refiro são aquelas decorrentes do contato com o colonizador
como unidades montadas e índios armados com rifles e até elementos da cultura nativa,
como totens e pinturas de guerra. Destaco esses elementos porque em se tratando de um
jogo os aspectos visuais são essenciais para as representações presentes no jogo, e como
nos outros estavam ausentes eram traduzidos em uma invisibilidade do protagonismo
indígena.
As partidas são iniciadas com a tripulação dentro de um barco, o qual deve navegar
pelo oceano atlântico até encontrar terra. Após essa primeira etapa ser vencida, a aventura
colonial tem início, uma vez que esta terra não é desabitada e a população nativa não
aceitará passivamente a incursão de estrangeiros em suas terras ancestrais.
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Por fim, em 2008 é publicado um remake do Sid Meiers Colonization original, trata-se
de Sid Meier’s Civilization IV: Colonization (2K Games, 2008), basicamente o jogo é uma
releitura utilizando a engine do Civilization IV. As modificações ocorridas dizem respeito a
identidade visual, como a parte gráfica e mecânica do jogo, aproximando o jogo dos
modelos de jogos de estratégia condizentes com o século XXI. Os 12 títulos apresentados
colocam a colonização e todas as implicações contidas nesse processo como algo passível ser
vivenciado, transformando o passado em uma condição jogável. Entretanto algumas
questões, como a visão acerca dos colonizadores e dos colonizados, devem ser analisadas.
Na capa do jogo de Gold of the Americas: A Conquest of New World são destacados
os seguintes aspectos: a parte central conta uma caravela em alto mar, com velas vermelhas
e composta por 12 tripulantes, apresentando o título do jogo em letra dourada no topo; na
parte inferior esquerda conta com as informações requeridas para o jogo rodar e do lado
direito os nomes dos criadores Stephen Hart e Jan Crout.
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A percepção da colonização é traçada por adjetivos sobre os outros colonizadores, que não devem conquistar o
território que deve ser do jogador. Caso o jogador escolha uma nação as demais serão percebidas como
treacherous spanishs [espanhóis traiçoeiros], diabolical frenchs [franceses diabólicos], perfidious englishs
[ingleses perfidiosos] e deceitful portugueses [portugueses enganosos].
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Há de se destacar que o ícone que representa a escravidão são duas mãos negras,
com punhos cerrados, presas por um grilhão. Essa imagem passa a ideia de passividade do
africano frente a escravidão, pois em nenhum momento do jogo os escravizados, que são
controlados pela inteligência artificial, rebelam-se ou tomam alguma atitude que vá de
encontro à administração colonial, reforçando essa ideia de passividade negra, visão que
desde os anos 1980, no Brasil, vem sendo contestada pela historiografia.
No desenrolar da partida, a cada turno, são apresentadas informações que dizem
respeito à administração colonial, dessa forma o jogador, que assume a empreitada da
colonização, encarrega-se de gerenciar os recursos a fim de dar cabo da organização das
colônias no novo mundo. Para tanto, o balanço das receitas é apresentado, mostrando se
houve lucro ou perda de recursos financeiros a cada começo de um novo turno.
Também são apresentadas as condições sociais e climáticas das colônias. Por
exemplo, quando um novo território é descoberto, a expedição que fora enviada para tomar
conhecimento e posse do novo território não retorna, é apresentada uma imagem com os
ossos de uma cabeça bovina, uma espada e uma cruz cavadas no chão e por cima desta um
urubu, elementos que simbolizam morte e abandono. Essas figuras reforçam a ideia de que
o território é selvagem e hostil ou desabitado, em ambos os casos a justificativa das ações é
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a mesma, a necessidade da colonização. A busca por novos territórios é incentivada pelo loot
[saque], uma vez que determinados territórios podem proporcionar recursos para os
colonizadores, cujos valores variam entre $ 800 e $ 1200, tornando-se além de uma etapa
para vencer o jogo uma fonte de riqueza.
Além disso são destacadas as relações entre Coroa e administração colonial, pois a
cada turno o jogador é obrigado a doar uma parte dos produtos para os cofres da
Metrópole, momento em que aparece a sugestiva imagem de um rei feliz por sua colônia
gerar riquezas.
Outro aspecto destacado diz respeito ao Secret Service [Serviço Secreto], uma espécie
de rede de espionagem, em que agentes frequentam as cortes e colônias rivais das outras
potências europeias e roubam segredos administrativos, como mapas e rotas desconhecidas
para o jogador, como por exemplo, o Pacífico.
Outro jogo que também se encaixa nessa perspectiva de elogio à colonização
europeia no continente americano é Sid Meier’s Colonization83. Na capa do jogo está
presente o título e uma imagem, uma nau aparece como figura central, porém com um
elemento diferente, as velas possuem o formato e as cores da bandeira dos Estados Unidos,
na qual alguns tripulantes a escalam. Acima do título está a inscrição “The Tradition of
Civilization Continues” e logo abaixo um chamado “Create a New Nation”. O primeiro termo
adquire um significado ambíguo, pois pode ser interpretado tanto como a continuação do
estilo de jogo criado por Sid Meier, Civilization, como um significado simbólico, na medida
em que a tradição da civilização deve continuar, uma vez que, na lógica da colonização, o
colonizador percebe-se como superior ideológico, étnico e militarmente, subjugando o
colonizado. E a segunda inscrição confirma essa ideia, uma vez que é necessária a criação de
uma nova nação em uma terra que, apesar de possuir habitantes, deve ser colonizada.
83
Para uma compreensão mais sistemática da História dos Jogos Eletrônicos para o Computador, os
historiadores devem perceber a importância das produções desenvolvidas por Sid Meier (Sidney K. Meyer). Ele
foi responsável pelo desenvolvimento de inúmeros jogos que marcaram época e modificaram de forma
considerável o desenvolvimento de jogos para o computador, pois ainda hoje servem de inspiração para diversos
outros títulos e gêneros distintos. Sid Meier tem aproximadamente 50 títulos desenvolvidos, mas só para ficar
com aqueles que levam o seu nome podemos citar Railroad Tyccon, Civilization, Pirates Colonization, Air
Patrol.
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cada vez mais, ao ponto de tornarem-se autossuficientes – o que é bem difícil, pois o Rei de
cada nação aumenta os impostos e exige cada vez mais o pagamento deles. Quando a
colônia não paga os impostos, o comércio daquele produto específico com a metrópole fica
impedido, e a monarquia sabendo dos interesses da colônia aumenta as tropas, evitando
uma provável revolta colonial.
Pela lógica da expansão ultramarina outras nações também compartilham do
interesse de colonizar o “novo mundo”, e esse aspecto também se faz presente no jogo. A
nação escolhida pelo jogador não fica sozinha na partida, as outras três também estão
presentes, disputando a relação com os nativos, o comércio transatlântico e a posse da terra
– essas tensões ampliam a dificuldade do jogo.
O objetivo do jogo é a independência colonial, aumentando os anseios de liberdade
na mesma medida em que são cortadas as dependências com à Metrópole. Porém, como
bem destacaram Mir e Owens (2013, p.94), os jogadores estão fadados a “reenact the
colonial history of the United States of America. While players cannot avoid this win
condition84” (MIR; OWENS, 2013, p.94), impossibilitando uma nova leitura do período citado.
Quando as colônias estiverem financeiramente prósperas, os anseios por liberdade
se tornarão cada vez mais possíveis, para isso basta ter uma boa relação com os vizinhos,
nativos ou outras potências coloniais, o que favorece o comércio, e, principalmente, um
exército bem equipado. A guerra pela independência será total, a metrópole moverá todos
os meios e tropas possíveis para conter a revolta, inclusive as demais opções de produção
serão canceladas, mobilizando o jogador para a independência.
Na capa de Age of Empires III aparece o título do jogo com o numeral três em
algarismos romanos divididos por três perspectivas distintas. O primeiro conta com um
nativo americano portando uma machadinha na mão direita e um rifle na esquerda, no meio
um soldado colonial inglês, e na terceira letra um conquistador espanhol, atacando. O plano
de fundo da capa é um campo de batalha onde são representadas tropas britânicas
enfrentando exércitos rebeldes das 13 colônias, que estão lutando por sua independência.
84
Reencenar a história Colonial dos Estados Unidos da América. Enquanto os jogadores não podem evitar essa
condição de vitória (tradução nossa)
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Gold of the
Americas X X X X
(1989)
Galleons of
Glory X X X X X
(1990)
Discovery in
the Steps of
X X X X X X X
Columbus
(1992)
Exploration*
X X X X X
(1994)
Sid Meiers
Colonization X X X X
(1994)
Conquest of
the New X X X X
World (1996)
FreeCol **
X X X X X
(2003)
Age of
Empires III
*** X X X X X X
(2005)
Civilization
IV: X X X X
Colonization
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(2008)
* Em Exploration o jogador pode escolher um navegador que representa as nações. Dentre eles estão Cristovão
Colombo (Espanha), Vasco da Gama (Portugal), Le Maire (Holanda), James Cook (Inglaterra) e Bougainville
(França).
** Além das citadas, FreeCol acrescenta Dinamarca, Suécia e Rússia.
*** Além das nações destacas Age of Empires III conta com a presença da Rússia e Turquia. Além do que a
Prússia é retratada como Alemanha.
Ameríndios
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Em Arruda (2009) é possível perceber como alguns jogadores relacionam o conteúdo histórico aprendido em
sala de aula durante as aulas de História com estratégias desenvolvidas durante as partidas para obterem sucesso
no jogo.
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Considerações Finais
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podendo ser entendidos como um aspecto do debate atual sobre história pública e
ampliando também o leque de discussões contemporâneas da história do tempo presente.
Os títulos sugestivos dos 12 lançamentos realizados entre quase três décadas (1989-
2008) remetem a uma visão historiográfica em que é valorizado o processo de colonização
europeia no continente americano, assemelhando a Expansão Ultramarina Europeia com um
período de aventura, onde a “descoberta de um novo mundo” despertou o interesse de
indivíduos ousados e dotados de um sentido colonizador, e estes aspectos devem ser
explorados, pois a busca por riquezas e tesouros em uma terra diferente levará ao poder e
riqueza daqueles que se aventurarem nessa empreitada.
A possibilidade de jogar um acontecimento repleto de controvérsias como a
expansão ultramarina europeia enfatizando os aspectos da colonização da América
demonstra como a sociedade se relaciona com o seu passado. Estamos diante de um novo
regime de historicidade? Ou esses posicionamentos demonstram uma outra faceta do
presentismo? As questões levantadas aqui não pretendem responder essa questão, mas sim
levantar novos questionamentos que fomentam o debate sobre essa temática.
Dessa forma os jogos são uma fonte indispensável para entendermos como nos
relacionamos com o nosso passado, buscando compreender como a história de um povo ou
de um evento, como a colonização da América, é contada em outros aspectos que não sejam
o campo historiográfico. No campo da História, os Jogos com temáticas históricas estão
sendo analisados e entendidos não como apenas uma forma de entretenimento que data do
final do século XX e início do século XXI, mas também porque demonstram como a
consciência histórica de uma sociedade é formada, ou seja, a forma como uma sociedade
entende e se relaciona com o seu passado.
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1994.
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ISSN:
Introdução
No decorrer das últimas décadas, um novo elemento tem surgido ou sido adotado por
diversos grupos étnicos no Brasil, o museu de gestão comunitária. O museu teria sido
“descoberto pelos índios” como uma potencial ferramenta de reconstrução da memória,
contribuindo no processo de reelaboração e fortalecimento da identidade étnica, sendo
assim, um mobilizador político e educacional. A proposta do presente artigo é apresentar
um breve resumo da pesquisa antropológica realizada durante o mestrado pelo Programa de
Pós-Graduação em Antropologia da Universidade da Paraíba, e que teve por objeto a
experiência museológica vivenciada pelos Jenipapo-Kanindé, grupo indígena situado no
município de Aquiraz, Região Metropolitana de Fortaleza.
Portanto, o foco deste trabalho é uma síntese de alguns pontos abordados no resultado
final da dissertação que se centraliza no Museu Indígena Jenipapo-Kanindé, compreendido
como uma experiência museológica idealizada e gerida pelos próprios membros da
comunidade, junto a parceiros especialistas e indigenistas.
Conceitos como ecomuseus, território musealizado, gestão comunitária e o processo de
idealização e constituição do museu em questão, serão aqui pincelados. Iniciaremos com
uma breve exposição da relação entre antropologia e museus para melhor contextualizar a
temática, até chegarmos a discussão proposta, Museu Indígena Jenipapo-Kanindé.
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1. Antropologia e museus
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Essa experiência museológica se encaixa no que Clifford (2003, p. 269) define como
“museologia cooperativa” que se contrapõe a “museologia colonial”, característica dos
museus históricos tradicionais. A “museologia cooperativa” pressupõe que há um
compartilhamento das decisões e ações sobre o museu, assim, a comunidade não apareceria
apenas como “informantes” a serem consultados, mas haveria uma parceria entre indígenas
e profissionais envolvidos na constituição e administração do museu.
Estes museus se caracterizam por serem espaços em que a comunidade é
protagonista do que se conta, se diferenciando dos museus tradicionais que, muitas vezes,
omitem, modificam, “primitizam”, ou secularizam a participação desses grupos na história
da formação do Brasil.
Assim, o museu enquanto instrumento de representação de uma história, cultura,
identidade e memória, ganha uma nova roupagem. Não mais os museus históricos tem o
domínio sobre a história nacional, os diferentes povos minoritários e/ou indígenas
perceberam no museu um forte aliado para afirmar, reafirmar e apresentar seu
protagonismo histórico, sua cultura, história e identidade. O museu indígena surge no
cenário social como um elemento fortalecedor da luta política e da organização social desses
povos indígenas.
O Museu Indígena Jenipapo-Kanindé se insere nesse novo contexto da museologia. A
partir da parceria e orientações de diferentes personagens e instituições foi constituído este
museu como lócus de memória em que se apresenta e representa a história, a cultura, os
modos de fazer e saber, portanto, elementos que formam a identidade étnica Jenipapo-
Kanindé, através de objetos selecionados especificamente e cuidadosamente para este fim.
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Para Gomes e Vieira Neto (2009), os museus indígenas se aproximam dos chamados
ecomuseus. Para definir o que são ecomuseus, os autores citam a museóloga Cristina Bruno,
que também é citada por Duarte Cândido, definindo-o como “um processo estabelecido a
partir das seguintes variáveis: o território, o patrimônio multifacetado constituído sobre este
espaço e uma comunidade, uma população, que viva nesse território interagindo com esse
patrimônio”, ou seja, ecomuseus são:
Apesar dos museus indígenas serem uma proposta de criação e gestão feita pelas
próprias comunidades, não se pode deixar de refletir sobre a participação e influência das
políticas públicas de incentivo a memória e a cultura do Estado, destaca-se aqui o próprio
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construir espaços de memória locais. Assim, em julho de 2010, se deu início ao curso
Historiando os Jenipapo-Kanindé que envolvia jovens e adultos da comunidade e buscava
registrar a memória local através de conversas e entrevistas com os guardiões da memória,
pesquisas com documentos históricos e jornalísticos, localizados na Pastoral Indigenista, no
Jornal o Povo e no Acervo da Associação Missão Tremembé, além da coleta de objetos e
fotografias que representam a identidade étnica e a luta política deste grupo, formam o
acervo constituído no museu hoje. Portanto, se tratava de pesquisas históricas coletivas a
fim de elaborar um inventário participativo do patrimônio cultural da comunidade.
Posteriormente, se iniciou o processo de estruturação do espaço físico que abrigaria todos
os objetos e demais artefatos coletados durante o curso Historiando os Jenipapo-Kanindé.
O espaço físico do museu foi reformulado e montado com recursos recebidos através
do Prêmio Ponto de Memória, em 2011, projeto do IBRAM, que premia projetos
relacionados à cultura e ações socioeducativas, tanto de entidades já existentes ou em fase
de construção.
Assim, os objetos da primeira exposição De Cabeludos da Encantada à Jenipapo-
Kanindé: cultura, memória e organização étnica no Ceará Contemporâneo foram
incorporados às fotografias, painéis de caráter histórico e outros objetos obtidos durante o
curso, completando o acervo a ser exposto no Museu Indígena Jenipapo-Kanindé. A partir da
política educacional proposta pelo Projeto Historiando, a nova exposição de longa duração
foi escolhida de forma colaborativa entre os mediadores do projeto e os índios Jenipapo-
Kanindé participantes do curso.
Como parte do curso ofertado por meio do Projeto Historiando houve a formação de
20 jovens educadores. Participaram também do Curso em Museologia Social, ministrado por
João Paulo Vieira Neto, realizado pela ADELCO e patrocinado pela Petrobrás, através do
Projeto Etnodesenvolvimento – Ceará Indígena, que capacitou os jovens envolvidos, com o
projeto Qualificação do Museu Indígena Jenipapo-Kanindé para o Turismo. Outros cursos de
capacitação como de inglês, história, ministrado pela Cacique Pequena e tupi foram
ministrados por meio do mesmo projeto.
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aliada aos lugares sagrados, modos e fazeres da comunidade, são tidos como patrimônio
integralizados, além do próprio museu, formando assim, o chamado território musealizado.
O Museu Indígena Jenipapo-Kanindé está constituído de alguns poucos objetos
localizados na parte central para o final da sala e, nas quatro paredes da mesma, estão fotos
de lideranças; de fazeres da comunidade, como a pesca; de lugares sagrados e outras
regiões do TI Lagoa Encantada, além de painéis com textos informativos, jornalísticos e um
mapa que localiza as comunidades dos grupos indígenas do estado. Já os artefatos, se
caracterizam por representar um pouco das atividades culturais e econômicas da
comunidade, como por exemplo, uma panela de barro antiga, encontrada e doada por uma
anciã, rede de pesca, almofadas de renda, chocalhos e outros instrumentos musicais e de
caça. Os objetos, fotos e painéis expostos, contemplam os aspectos culturais, históricos e a
liderança feminina, assim, a coleção exposta no museu documenta a história e cultura
Jenipapo-Kanindé.
O museu surge como experiência “descoberta” pelos índios, de diferentes etnias e
lugares do mundo, como ferramenta que reforça a identidade étnica Jenipapo-Kanindé, pois
ele representa e sintetiza, através de objetos e seus significados, a cultura e a história de um
povo, guardada em sua memória social e oral pelos chamados guardiões.
Clifford (2003, p. 271) aponta algumas características que marcam o “museu tribal”,
sendo assim, resumidamente, as propostas apontadas pelo autor e que podem ser aplicadas
ao Museu Indígena Jenipapo-Kanindé são:
1. ser um museu de resistência, os artefatos expostos refletem experiências de um
passado e combates atuais;
2. a distinção entre arte e cultura é frequentemente considerada fora de proposito ou
abolida;
3. existe interpelação entre a história geral/local e a história da comunidade;
4. a coleção não procura incorpora-se ao patrimônio nacional ou de arte.
O Museu Indígena Jenipapo-Kanindé tem por coleção, objetos que representem a cultura
e história vivenciada, guardada na memória social da comunidade que se fazia oral por seus
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membros mais velhos, com a não tradição da documentação escrita, o museu surge como
elemento de salvaguardo desta memória, com o intuito de não a deixar “perder”. Assim, os
objetos expostos representam a situação de resistência vivida por estes, tanto do passado,
exemplificados por algumas poucas peças e painéis históricos, como do presente,
representados principalmente e em painéis jornalístico e fotografias.
Expõe-se uma história e cultura que busca ser midiatizada para que se tenha a
oportunidade de ser conhecida e reconhecida, para que sua experiência e identidade étnica
diferenciada sejam aceitas e respeitadas, e que seus direitos sejam cumpridos. Assim, o
museu indígena expressa uma política de resistência da comunidade.
Enquanto a noção estética ou de arte, esta não aparece como importante dentro do
Museu Indígena Jenipapo-Kanindé, ao que se foi observado, não tem seus artefatos como
obras-primas, mas surgem como representantes históricos, expressando a tradição, a
cultura, a identidade e a política local, e não como objetos artísticos.
O dialogo entre história local e história da comunidade se faz presente na exposição
do museu, principalmente nos painéis históricos que abordam um pouco da história local,
enfatizando a descendência dos índios Jenipapo-Kanindé, a negação da presença indígena no
Ceará, o processo de emergência étnica que acontece no estado e o contexto mais atual no
qual o grupo está inserido, como o movimento politico de luta e resistência. Todo esse
arcabouço histórico, apresentado no museu, serve para explicar e comprovar que os grupos
indígenas não são uma invenção ou que eles não existem mais, seja porque um dia já foi
confirmado a sua não existência, seja porque não possuem mais as características esperada
para o “ser índio”.
Destacar a história e mostrar através de documentos, artefatos, mapas e jornais, é
um meio de se “comprovar” algo e constatar a experiência vividas por eles, atestando que
ser índio não é passado, não é ter uma cultura engessada ou ter alguns elementos culturais
não mais praticados, demonstra que a cultura é dinâmica, que os fluxos entre grupos sociais
e culturais existem, que são passiveis de sofrerem influencias, mas que essa realidade social
não anula a manutenção de sua identidade étnica.
Considerações finais
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tradicional ou por museus históricos. Esse saber sobre os Jenipapo-Kanindé passa a ser
repassado a partir da ótica, da memória, do que vivenciaram e vivenciam os próprios
Jenipapo-Kanindé.
Importante salientar que o Museu Indígena Jenipapo-Kanindé não pode ser limitado
ao seu espaço físico próprio e os objetos que o compõem, o Museu Jenipapo-Kanindé deve
ser compreendido como o todo que faz parte e forma a comunidade que representa.
Pensando desta maneira, o Museu Indígena Jenipapo-Kanindé deve ser compreendido
enquanto o próprio museu, a comunidade, seu cotidiano, seu território, seus lugares
sagrados e a paisagem natural que a cerca, assim, o Museu Indígena Jenipapo-Kanindé deve
ser visto como o todo território musealizado dos Jenipapo-Kanindé.
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alguns dos troncos familiares mais antigos; 3. aldeia “tida como a mais conservadora e hostil
à intervenção oficial”; 4. o fato de ser de “difícil acesso” para visitantes, distando “légua e
meia do Forte”; 5. o constante contato com pesquisadores, professores e defensores da
causa indígena; 6. e a posse da imagem barroca de São Miguel Arcanjo, padroeiro dos
Potiguara. Até a década de 1970, a referida imagem estava guardada no nicho central da
igreja (hoje em ruínas) de São Miguel Arcanjo, templo tombado pelo Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Estadual da Paraíba – Iphaep (e em processo de tombamento pelo
Iphan) e localizado na aldeia Vila São Miguel (mais próxima à cidade de Baía da Traição). Em
2011 a paróquia local e representantes indígenas acionaram uma ação civil pública junto ao
Ministério Público Federal – MPF exigindo urgente “restauro” (refazimento) da igreja. A ideia
de São Francisco como “aldeia-mãe” é contestada, sobretudo, por lideranças da aldeia Vila
São Miguel que se afirmam como os “mais antigos” considerando que estão situados no
histórico aldeamento de São Miguel de Baía da Traição onde, ao longo dos primeiros séculos
de colonização, se estabeleceram os jesuítas, franciscanos e depois os carmelitas no projeto
de catequese católica e domínio colonial. É nessa aldeia que se realiza, no entorno das ruínas
da igreja velha tombada, um altar ao ar livre, a grande celebração religiosa Potiguara, a Festa
de São Miguel Arcanjo, ocorrida todos os anos entre os dias 20 e 29 de setembro. Desde que
o santo original fora levado (em procissão ou por “sequestro”) da São Miguel para a São
Francisco, a festa ocorre nas duas aldeias que disputam, por meio de histórias indígenas e
mitos restauradores, os elementos étnicos e patrimoniais fundadores do Povo Potiguara.
1. INTRODUÇÃO
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Graduando do Curso de Licenciatura Plena em História da Universidade Federal da Paraíba,
pedrotiagodesouzacosta@gmail.com
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Nosso objetivo aqui é pensar em um método que seja de ação política, como já
criticava CERTEAU (1995), para assim desmascarar os discursos científicos que ocultam o
caráter da cultura [popular] – a qual ele denomina de “a beleza do morto”.
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Para isto propomos refletir sobre a experiência do Acais, em como esta memória
popular da Jurema é utilizada e significada pela população e pelo órgão de preservação do
Patrimônio no Estado da Paraíba
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Juremeiro de Recife e ativista cultural, que fazia parte do chamado Quilombo Cultural Malunguinho
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propriedade e os pés de jurema (as “cidades” do acais). Só parte oposta do resto da fazenda
que é separada pela estrada (e visível a quem passa de carro) foi mantida. Como proposta
buscava-se reerguer a antiga casa, buscar auxílio dos mestres juremeiros locais para
reerguer as cidades encantadas plantando novos pés de jurema, por fim sendo receber
cuidados próprios de patrimônio com placas informativas, segurança, manutenção e estar
inserida que incluísse a comunidade local e a implementação de uma educação patrimonial
na região.
O sítio é entendido como um “lugar de memória”, pois ainda eram feitas práticas de
culto religiosos do Catimbó e da Umbanda no entorno do túmulo do mestre Flóculo88. Vê-se
a necessidade de proteção através do tombamento dos espaços da Capela de São João
Batista e dos cinco hectares em torno da igrejinha. Também, o de plantar um bosque de
jurema e jucá, que são identificadas como sagradas do cultuo, porém não se vê uma
discussão da participação da comunidade local nem de nenhum mestre juremeiro neste
processo. São tiradas várias fotos que identificavam os objetos contidos dentro e fora da
igrejinha, além das ações de degradação e destruição dos lugares. É de destacar o uso das
mídias digitais como fonte de se conhecer o apelo ao combate à destruição da jurema na
Mestre de Jurema representa alguém que foi um grande conhecedor de ervas e que, ao morrer se “encantou”
88
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OLIVEIRA, Alexandre Alberto Santos de (L’OmiL’Odò). Teologia da Jurema, existe alguma? In: V Colóquio
Perspectivas Históricas, 2011. Pág. 083-1105. Link <http://www.unicap.br/coloquiodehistoria/wp-
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90
Para não precisar repetir constantemente usarei a sigla FCP – UMCANJU no texto para me referir a
Federação.
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parada na Igreja Nossa Senhora Menina do Acais (que fica em frente as terras do Acais) e no
túmulo do Mestre Flósculo, aonde também houve fumaçada. Às 10 horas a concentração se
deu na Entrada de Alhandra onde seguiu em caminhada até o Templo da Mestra Jardecilha,
onde após a gira dos mestres, reunidas muitas pessoas e entidades (como o grupo
Malunguinho de Recife). O Pai Beto de Xangô fez uma fala sobre a necessidade da união dos
juremeiros em proteger seu culto. Na ocasião seu motivo principal foi devido o avanço no
estágio de desmatamento do sítio do Acais, decorrente da preparação das terras para
cultivos diversos. Houve a participação do Conselheiro representante Kleber Moreira da
Associação Paraibana de Amigos pela Natureza – APAN, que tirou fotos o local.
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Este tombamento será destacado em relação aos demais sob proteção e preservação
do IPHAEP, pois seria o primeiro território da religiosidade afro-indígena a ser protegido pelo
Estado. Será tombada a Fazenda do Acais num território de 6 (seis) ha, em que se inscreverá
a Capela de São João Batista, o túmulo do Mestre Flósculo Guimarães, as fundações da casa
da Mestra Maria do Acais para se tornar marco de referência histórica e memorial do Acais,
bem como a busca de recomposição da vegetação existente, a jurema (Mimosa hostilis) e o
jucá (Caesalpinia férrea), e outras plantas frutíferas do pomar. Destaque também será o
pedido de extensão do tombamento junto ao CONPEC para abranger ao memorial do mestre
Zezinho do Acais91 que se localizava a curta distância do sítio e o reconhecimento de
absoluta legitimação de participante do processo junto à Sociedade Yorubana Teológica da
Cultura Afro-Brasileira, do Rio de Janeiro, da FCP UMCANJU. É de se observar que se dá uma
atribuição a federação que talvez seja pela sua maior participação e visita junto ao Iphaep,
pois além do mesmo estar localizado na capital seu representante, o Pai Beto de Xangô
começou a visitar mais frequentemente o Instituto e o Sítio.
91
O Memorial do Zezinho do Acais lembra de sua morte em 1968. Também era frequentador do bar “Barracão
da Fazenda Subauma “, que fica próximo as imediações. No lugar de sua morte dizem os juremeiros em geral
que foi aonde ele se “encantou” para então voltar como mestre da jurema.
92
Site: <http://paraiba.pb.gov.br/iphaep-aprova-o-tombamento-do-sitio-acais-solo-sagrado-da-jurema/> Acesso
10 de outubro de 2017.
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Será estendido por 3 meses até que em resposta não foi cedida a informação do
nome do proprietário. A Sociedade Yorubana de Cultura Afro-Brasileira ira solicitar ao
IPHAEP para que a autorizasse, conforme procedimento institucional do tombamento, que
pleiteasse a demanda Judicial de obrigação de fazer em face do citado Cartório. A FCP –
UMCANJU no mesmo ano, em mês de 28 de junho ira reivindicar enquanto ao IPHAEP
reforma da capela São João Batista e do túmulo do Mestre Flósculo para o dia 30 de
setembro. Por iniciativa particular fazem a reforma do Memorial do Zezinho do Acais e
retiram as placas de identificação colocadas pela Sociedade Yorubana Brasileira do RJ e do
Quilombo Cultural Malunguinho, mobilizando através das redes sociais em eventos
marcados93. Irá começar a também existir uma competição entre eventos organizados por
Pai Beto de Xangô e Alexandre L’OmiOdò. Esta disputa também será uma disputa em como
ou quem iriapreservar a Jurema, trazendo divisões entre juremeiros e juremeiras que ora
apoiam Beto, ora apoiam Alexandre.94
93
Site <http://lassuncao.blogspot.com.br/2011/01/recuperacao-do-memorial-de-zezinho-do.html> Acesso em 10
de outubro de 2017.
94
A exemplo nos dias aonde coincidiam os eventos, como divulgação. Site
<http://profangelico.blogspot.com.br/2012/08/encontro-de-juremeiros-e-kardecistas-na.html> Acesso em 10 de
outubro de 2017.
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imóveis construídos de forma ilegal como forma de tentar posse. Pede-se também
segurança pessoal a senhora Dona Maria de Lourdes Vitorino, pois a mesma diz sofrer
ameaças por conta de seu conhecimento sobre a família Guimarães e a história dos mestres
e mestras do Acais.
Em 2012 vai se mobilizar novamente uma campanha para a preservação das juremas
em Alhandra e novamente as ações de Pai Beto de Xangô ao IPHAEP e aos sítios e juremas
da região, se colocando como representante único para todos. Colocará em pedidos de
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Em 2013, no dia 20 de outubro, será organizada pela FCP – UMCANJU o III Encontro
de Juremeiros e Kardecistas. Nas discussões manteve-se o tema de intolerância religiosa e
apresentação da luta de preservação da memória da jurema sagrada, como protagonista o
Pai Beto de Xangô. Nas falas apenas o Pai Beto e Raquel como representante Centro Espírita
Kardecista de Alhandra são seus locutores, com destaque ao primeiro. As apresentações
culturais com o Grupo Cultural Sementes da Jurema e o grupo de Maracatu Nação Pé de
Elefante, e por fim o toque de Jurema como encerramento.
Será expedida pelo IPHAEP a busca da chave que estava em posse do Pai Beto. Em
evento peculiar, o caso na delegacia entre Pai Beto e a senhora Eliane, em que se discutiam
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Referências Culturais: Alhandra – Paraíba / Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Superintendência do Iphan na Paraíba; Textos. Daniella Lira e Fabricio Rocha – João Pessoa: Iphan, 2013. Link
disponível em <https://issuu.com/daniellalira/docs/referencias_culturais_alhandra> Acesso dia 10 de outubro de
2017.
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a quem devesse a estar com a chave. A dona Eliane se apresentará como proprietária do
lugar, enquanto Pai Beto como doação de terras e sua proprietária Dona Lourdes (a quem
lhe teria concedido as chaves), apresentando as documentações das mesmas que
apresentou ao IPHAEP, alegando veracidade jurídica da posse das chaves. O caso não
prosseguiu e ambos retornara à suas residências.
Outro fato, que indignados pela situação de posse das chaves, e da obstrução de
visitas a Igreja, moradores e juremeiros de Alhandra vão arrombar a porta e trocar as
fechaduras. Em documento a FCP – UMCANJU alegará ter sido grupos evangélicos que
haviam entrado no lugar. Novamente irão reivindicar andamento no processo jurídico no
andamento de reconhecimento de posse das terras.
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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O IPHAEP buscou garantir, para os bens móveis e imóveis, proteção enquanto sua
utilização indiscriminada, o direito de propriedade sobre a função social e educativa de
determinado bem. Contudo, para o historiador Almir Félix de Oliveira (2010) continua a
exercer função de agente sacralizador do patrimônio histórico paraibano, seja na forma
como se vê através dos decretos de tombamento. Apesar da gestão atual, da então diretora
Cassandra de buscar discutir novas formas de enxergar o Patrimônio paraibano, com
debates sobre preservação (como sobre o pixo e a vandalização), e sobre os bens de
natureza imaterial e trazendo formações de professores de alunos do nível médio nas
escolas do centro da cidade, falta ainda propor medidas que estimulem a sociedade a
enxergar os usos sociais do patrimônio, alémda perspectiva memorial dos bens culturais
arraigados a materialidade dos monumentos de ‘’Pedra e Cal’’
Em refletir sobre as categorias de patrimônio é necessário, pensar o entendimento
das comunidades Afro-Brasileiras e Afro-Indígenas, osjuremeirose como eles entendem seu
patrimônio religioso e cultural é uma saída para uma nova abordagem de educação
patrimonial afro-paraibana.
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http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2278/1417 Acesso em 12 de
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em
http://www.encontro2010.historiaoral.org.br/resources/anais/2/1270300760_ARQUIVO_Aj
urematombada.pdf Acesso em 10 de julho de 2016.
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SILVA, JUNIOR, Luis Francisco; ANDRADE, Vivian Galdino. Alhandra: A cidade Jurema da
Paraíba, Revista Espaço Acadêmico, 06 julho. 2007. Link disponível em
http://www.espacoacademico.com.br/074/74andradejunior.htm Acesso em 10 de julho de
2016.
BLOGS DA INTERNET:
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SITES DA INTERNET:
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INTRODUÇÃO
Quando pensamos nas populações indígenas e sua relação com o meio ambiente,
chegamos a contornos peculiares, tendo em vista o seu modo específico de organização e de
subsistência essencialmente atrelado à utilização dos recursos naturais advindos do meio
ambiente.
A sociedade indígena, desde séculos passados tem um elo forte em relação ao meio
ambiente e a sustentabilidade, pois era deste meio que viviam e tiravam sua subsistência,
cultivando a terra entre outras áreas e por fim a sua cultura e tradição, para que desta forma
fosse mantidas vivas suas crenças e seus costumes como herança para as futuras gerações.
(CAVALCANTI, M.L.C & CAVALCANTI, R.S.T., 2018)
A preocupação da Constituição da Republica Federativa de 1988 era tão grande que
conferiu expressamente aos índios o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios, e dos
lagos situados em terras indígenas.
Exposto em plano nacional, cita a proteção ao índio, como referida no Capítulo VIII,
sobre a “Ordem Social”, da CF-88, em seus artigos 231 e 232, bem como em se tratando de
proteção ao meio ambiente, ora referida no Capítulo VI, artigo 225 ainda da CF, onde a
mesma irá dizer que: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e
à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”,
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(BRASIL, 2012, p.59). Além disso, fica claro também o Capítulo II, “Dos direitos e garantias
fundamentais”, Artigo 5º, LXXIII.
Ainda versando sobre o art. 225, o meio ambiente não depende apenas de proteção
das autoridades públicas, é visto como um bem de uso comum do povo e essencial a uma
sadia qualidade de vida também é dever de toda a sociedade, do mundo, protege-lo e
preserva-lo, esclarece Édis Milaré:
“De fato, é fundamental o envolvimento do cidadão no equacionamento e
implementação da política ambiental, dado que o sucesso desta supõe que todas
as categorias da população e todas as forças sociais, conscientes de suas
responsabilidades, contribuam para a proteção e a melhoria do ambiente, que,
afinal, é bem e direito de todos” (MILARÉ, 2005, p.162).
METODOLOGIA
Essa pesquisa a qual pretende realizar uma explanação ao que consiste acerca da
sustentabilidade da sociedade indígena brasileira, bem como refletir sobre a proteção do
meio ambiente e aos direitos humanos relacionados a essa comunidade, escolheu-se utilizar
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DESENVOLVIMENTO
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Fonte: SP Review.
Ao que se pode notar, é que a cultura indígena foi sofrendo gradualmente influencia
desses novos colonizadores, através da implantação na tradição e costume do índio nativo, a
cultura europeia, com seus costumes, religião, como mostra (Figura 2), vestimentas,
educação e até mesmo culinária, (HALLEWELL, 1985). Consequências sofridas nos dias atuais
do século XXI e o ferimento dos Direitos Humanos onde a sociedade indígena por diversas
vezes dependente do estilo de vida da sociedade contemporânea, como por exemplo, o uso
da luz elétrica, água encanada e, em algumas já mais modernizadas tribos, o uso da internet.
Por vez o índio moderno continua sua luta para manter a herança cultural e de subsistência
em meio à sociedade capitalista.
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Essa sociedade indígena que ainda sobrevive ardorosamente ao longo dos anos é
protegida por algumas ONG’s, em conjunto com a FUNAI e em parceria com a ONU, que são
órgãos protetores dos direitos indígenas, além de seus direitos humanos no plano nacional e
internacional.
Para o tema escolhido que motivou essa pesquisa a qual pretende realizar uma
explanação ao que consiste acerca da sustentabilidade da sociedade indígena brasileira, bem
como refletir sobre a proteção do meio ambiente e aos direitos humanos relacionados a
essa comunidade.
O método de pesquisa usado para tanto foi o analítico-dedutivo, pois trouxe vários
doutrinadores e profissionais que trabalham com a questão indígena no Brasil. Além de uma
abordagem descritiva, na qual visa investigar algo que acontece baseando-se em
observações, como por exemplo, levantamentos documentais sobre o tema em questão.
O meio ambiente é assunto atual no mundo todo, a partir dos anos 80 a preocupação
ambiental começa a surgir no Brasil, porém as discussões a cerca da “sustentabilidade”
surgiu em 1972 através da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano,
tais questões como poluição e degradação ambiental serviram como base e foram lançadas
para a comunidade internacional através ações de debates.
A consciência ambiental teve uma evolução e foi responsável por criar uma legislação
de proteção ao meio ambiente, elevando-o a categoria de “bem” de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida. (CAVALCANTI, M.L.C & CAVALCANTI, R.S.T., 2018)
De acordo com Fiorillo, o meio ambiente é caracterizado como:
“O meio ambiente natural ou físico é constituído por solo, água, ar atmosférico,
flora e fauna. O meio ambiente artificial é compreendido pelo espaço urbano
construído, consistente no conjunto de edificações (chamado de espaço urbano
fechado), e pelos equipamentos públicos (espaço urbano aberto); está diretamente
relacionado ao conceito de cidade. O conceito de meio ambiente cultural está
previsto no artigo 216 da Constituição Federal do Brasil de 1988, engloba o
patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turístico... O bem que
compõe o chamado “patrimônio cultural” traduz a história de um povo, sua
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O planeta Terra vem sofrendo contínuas agressões, das quais implica desde a
degradação do meio ambiente, a biodiversidade, destruição da camada de ozônio e dos
recursos naturais, até a monocultura, (SARRETA, 2007, p.100).
Nessa depredação acentuada, a cultura indígena de cultivo vai sendo deixada de lado
uma vez que agricultores e grandes companhias da indústria agrícolas vêm reivindicando a
terra e não respeitando as demarcações indígenas, tais demarcações feitas após acordos
com o governo federal.
A sustentabilidade do índio, a sua cultura com a terra se vê cada vez mais ameaçada ao
passo que sem ter onde plantarem e cultivarem, a sua cultura de subsistência vai sendo
esquecida. De acordo com Canotilho a sustentabilidade para o Estado está:
“Diante de um mundo marcado por desigualdades sociais e pela degradação em
escala planetária, construir um Estado de Direito Ambiental parece ser uma tarefa
de difícil consecução ou até mesmo uma utopia, porque se sabe que os recursos
ambientais são finitos e antagônicos com a produção de capital e consumo
existente” (CANOTILHO, 2007. p. 149).
Desta forma, Sarreta contextualiza ainda que; com a sustentabilidade inicialmente vem
da ideia de desenvolvimento sustentável, concepção analisada por vários autores e
relacionada ao crescimento econômico, difundida no pós Segunda Guerra Mundial”
(SARRETA, 2007).
Complementado pelo professor, Clóvis Cavalcanti:
“[...] desenvolvimento sustentável representa uma alternativa ao conceito de
crescimento econômico, indicando que sem a natureza nada pode ser produzido de
forma sólida... A natureza deve ser a referencia para a escolha da escala ótima das
atividades econômicas que se detenham dentro daquelas fronteiras.
Evidentemente, o ponto preciso onde a economia se localizará depende de
considerações morais atinentes aos interesses de gerações presentes e futuras. É
dever do governo avaliar as preferencias da sociedade em tal contexto e agir para
colocar a realização das aspirações da presente geração em harmonia com as
aspirações de nossos descendentes” (CAVALCANTI, 1999, p. 38).
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(...)
§ 2º. As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua
posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos
rios e dos lagos nela existentes.
A sociedade indígena tem um modo específico de organização e subsistência,
intrinsecamente relacionado ao meio ambiente. Tendo em vista isso a Constituição
reconhece essa forma de vida peculiar dos indígenas e assegura-lhes, ipso facto, o usufruto
exclusivo das riquezas naturais existentes no território que ocupa.
Sendo assim, entende-se que a caça, a pesca e o extrativismo praticados pelo indígena
como atividades tradicionais, dentre outros modos sustentáveis de subsistência, se inserem
nessa concepção de total interação com os bens ambientais que o sustentam, se
constituindo, além de mero meio de subsistência, em ritual específico de vivência e
experimentação de suas crenças e tradições, consubstanciando a sua própria organização
socioeconômica diferenciada.
Visando assegurar o respeito à prática dessas atividades tradicionais pelos índios, no
mesmo sentido das disposições constitucionais do art. 231, apresentam-se os arts. 22 e 24
do Estatuto do Índio (Lei n.º 6.001/73), in verbis:
Art. 22. Cabe aos índios ou silvícolas a posse permanente das terras que
habitam e o direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as
utilidades naquelas terras existentes.
Parágrafo único. As terras ocupadas pelos índios, nos termos deste artigo,
serão bens inalienáveis da União (artigo 4º, IV, e 198, da Constituição Federal).
(...)
Art. 24. O usufruto assegurado aos índios ou silvícolas compreende o
direito à posse, uso e percepção das riquezas naturais e de todas as utilidades
existentes nas terras ocupadas, bem assim ao produto da exploração econômica
de tais riquezas naturais e utilidades.
§ 1° Incluem-se, no usufruto, que se estende aos acessórios e seus
acrescidos, o uso dos mananciais e das águas dos trechos das vias fluviais
compreendidos nas terras ocupadas.
§ 2° É garantido ao índio o exclusivo exercício da caça e pesca nas áreas
por ele ocupadas, devendo ser executadas por forma suasória as medidas de
polícia que em relação a ele eventualmente tiverem de ser aplicadas.
A Constituição e a legislação federal confere o usufruto exclusivo das riquezas do solo,
dos rios e dos lagos nela existentes, com isso decorre a forma e os meios de exercício das
atividades tradicionais dos índios, como a pesca, a caça, o artesanato, o extrativismo, a
agricultura, dentre muitos outros, não podem ser restringidas por regras criadas pelo Estado
tendo como destinatária a sociedade civil comum.
Alguns doutrinadores entendem deste modo às normas e regramentos das atividades
tradicionais praticadas pelos indígenas em prol da sua subsistência e devem ser
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estabelecidas pelos seus próprios povos, e não aquelas preconizadas pelo legislador comum,
que não levam em consideração a relação intrínseca e vital existente entre o índio e o meio
ambiente. Porém tal posicionamento é confrontado, como no que fica exposto por Luiz
Fernando Villares, a seguir:
O usufruto exclusivo não quer dizer que o índio possa utilizar as riquezas
naturais presentes dentro ou fora das terras indígenas de qualquer forma. Se a
Constituição protege a organização social, os costumes e as tradições indígenas,
quer dizer que a forma de utilizar qualquer recurso natural é protegida enquanto
ela for compatível com esses atributos. Dentro ou fora das terras indígenas, a
produção consoante com a organização social, os costumes e tradições indígenas
jamais devem ser limitados. A caça, a pesca, a agricultura de subsistência, a
pecuária, o extrativismo e a produção de artesanato não podem sofrer restrições,
pois são amparadas constitucionalmente, mesmo que os excedentes dessas
atividades sejam utilizados para comercialização. As regras que norteiam essas
atividades devem ser as regras dos próprios povos (...). Não pode o Estado exigir
aos povos indígenas regras outras que não as suas nas atividades tradicionais.
Exclui-se, assim, qualquer norma administrativa ou penal sobre a exploração de
riquezas naturais pelos índios.
Complementando o posicionamento de Villares, o Fernando Mathias Baptista diz que:
“Na medida em que a exploração (de recursos naturais) se dê de acordo
com os usos e costumes dos povos indígenas, não estão eles obrigados a cumprir
com as normas e padrões ambientais exigidos para a população não indígena,
pois a Constituição respalda seus usos e costumes como legítimos e reconhecidos
pelo Estado Brasileiro. Caso passem a explorar seus recursos naturais de forma
diversa do que dita suas tradições e costumes de manejo, então passariam a estar
sob o crivo da legislação ambiental, devendo observar as restrições ambientais
para cada atividade pretendida”.
Além disso Juliana Santilli menciona que:
“A Constituição reconhece aos índios sua organização social, costumes,
línguas, crenças e tradições e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam. Assegura ainda aos índios o direito de usufruto exclusivo
sobre as riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos, e a posse permanente
sobre as suas terras tradicionais. O direito de usufruto exclusivo se destina a
assegurar aos índios meios para a sua sobrevivência e reprodução física e
cultural. Vê-se, portanto, que a Constituição protege o modo de vida tradicional
dos povos indígenas, e que suas atividades tradicionais, desenvolvidas e
partilhadas ao longo de gerações, e reproduzidas segundo usos, costumes e
tradições indígenas, estão claramente excluídas da possibilidade de aplicação das
normas incriminadoras previstas na Lei de Crimes Ambientais (Lei nº
9.605/98). Atividades tradicionais como caça, pesca e extrativismo, ainda que
realizadas mediante o emprego de técnicas, métodos, petrechos ou substâncias
não permitidas pela legislação ambiental, estão isentas das penas cominadas aos
crimes ambientais”.
Pode-se imaginar que caso a União tivesse que permitir ou autorizar o uso das
atividades como a pesca para as diversas etnias indígenas existentes em território brasileiro,
regulamentando quais os aparelhos de pesca poderiam, ou não, ser utilizados por cada uma
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delas, essa exigência não só seria um abuso absurdo como também iria de encontro à
Constituição da República: Haja vista a sua manifesta contrariedade aos princípios
constitucionais de reconhecimento dos povos indígenas e de seus costumes e tradições, sem
mencionar a carência total de razoabilidade.
Sem falar que pouco teria probabilidade de efetivação, tendo em vista que grande
parte dos povos indígenas não são conhecedores de nossa legislação, desconhecendo
totalmente a burocracia própria às organizações estatais, já que se organizam internamente.
A Luz da Constituição Federal do Brasil de 1988, artigo 225, acerca do meio ambiente,
define a Constituição como sendo algo que deve ser preservado para os presentes e futuras
gerações, cabendo à coletividade assim como também ao poder público defendê-lo,
preservá-lo, restaurá-lo, controlá-lo e defini-lo de forma que garanta a proteção do bem
coletivo. Diante desse estudo, foi criado o Direto Ambiental, veículo assegurado por
princípios para a melhor aplicabilidade dos meios de proteções ao meio ambiente. Segundo
Celso Antonio Pacheco Fiorillo:
“Dessa forma, observa-se que o direito ambiental reclama não apenas que se
“pense” em sentido global, mas também que se haja em âmbito local, pois
somente assim é que será possível uma atuação sobre a causa de degradação
ambiental e não simplesmente sobre seu efeito. De fato, é necessário combater as
causas dos danos ambientais, e nunca somente os sintomas, porquanto, evitando-
se apenas estes, a conservação dos recursos naturais será incompleta e parcial”
(FIORILLO, 2006, p.46).
Sendo assim, cabe à União, aos Estados, aos Municípios, aos órgãos e entidades da
Administração Indireta, garantir aos indígenas livre acesso aos meios indispensáveis à
existência de suas comunidades, não impondo exigências, muito menos estabelecendo
restrições que não se coadunam com a sua organização social peculiar e com suas crenças,
tradições e costumes diferenciados.
Portanto qualquer conclusão em sentido contrário representaria uma tentativa odiosa
do Estado para sobrepujar a cultura indígena e os seus métodos específicos de subsistência,
quando impostos aos índios hábitos de uma sociedade cujo ele não pertença.
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Vale salientar que a utilização das riquezas naturais presentes dentro ou fora das
terras indígenas, desde que compatível com seu modo tradicional de vida e organização,
seus costumes e tradições, não pode ser limitado pela legislação ambiental comum,
regendo-se, ao revés, pelas regras próprias de cada comunidade indígenas, não se impondo
ao índio, nessas condições, qualquer responsabilização de ordem administrativa ou até
mesmo penal pelo exercício desse tipo de atividade.
Entende-se por fim que a atividade tradicional restar exercida pelo índio em regime de
subsistência e atendendo ao seu modo próprio de desenvolvimento não estará seu autor-
índio sujeito a qualquer responsabilização em face da legislação penal, civil ou administrativa
por conta do seu desempenho. Tal exercício exercido sobre a atividade tradicional dentro ou
fora das terras indígenas repita-se, deve ser regida pelas comunidades indígenas e suas
próprias regras.
Sendo assim o índio que tentar explorar atividades em caráter comercial ou lucrativo,
dar-se-á a sua inserção no âmbito de incidência das regras jurídicas de responsabilidade das
condutas lesivas ao meio ambiente.
De acordo com doutrinadores a União, o Estado ou Município, bem como suas
autarquias e fundações, não se mostram razoáveis no que consiste restringir a utilização de
meios tradicionalmente utilizados por determinada etnia indígena para prover a respectiva
subsistência a partir dos recursos ambientais que lhe são disponíveis na natureza.
Nota-se o disposto no art. 2º, incisos IV e V, do Estatuto do Índio (Lei nº 6.001/73),
segundo o qual:
Art. 2º. Cumpre à União, aos Estados e aos Municípios, bem como aos
órgãos das administrações indiretas, nos limites de sua competência, para a
proteção das comunidades indígenas e a preservação dos seus direitos:
(...)
IV – assegurar aos índios a possibilidade de livre escolha dos seus meios de
vida e subsistência;
V – garantir aos índios a permanência voluntária no seu
habitat, proporcionando-lhes ali recursos para o seu desenvolvimento e
progresso.
Ficando desta forma exposto as regras jurídicas acerca das atividades comerciais
indígenas.
CONCLUSÃO
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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INTRODUÇÃO
No presente artigo tentamos explanar o processo narrativo e histórico sobre a
ocupação e expansão do Império português no Brasil, utilizando como aporte a Guerra dos
Bárbaros, considerada por muitos pesquisadores, o maior levante indígena no Nordeste
Colonial. O conflito tem início com as tentativas de expansão territorial realizadas pelos
colonos para o cultivo do gado na região do Rio Grande do Norte, os atos de violência que
acompanharam esse movimento despertaram a revolta dos povos nativos. A autora Marysa
Santos Silva (2014), em sua monografia, nos aponta deficiências no tocante às pesquisas
históricas sobre a guerra.O primeiro apontamento é referente à produção "A Guerra dos
Bárbaros", de Afonso de Taunáy, este que trata dos conflitos de forma descritiva, apenas
traduzindo os principais acontecimentos com severas lacunas no tocante ao debate
histórico. Faz apontamentos acerca das pesquisas de Maria Idalina da Cruz Pires, Resistência
Indígena e conflitos no Nordeste colonial, obra que trata os antecedentes do conflito, o
desenvolvimento da pecuária e o povoamento no interior como sendo as principais causas
da guerra e, posteriormente, a disputa por posse da terra pelos próprios agentes
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colonizadores. (SANTOS, 2014, p.3). A autora discorre sobre a tese de doutorado de Pedro
Putoni e ressalta semelhanças no tocante ao trabalho analítico da obra anteriormente
mencionada, mas que, dá ênfase a questão da organização e distribuição espacial das várias
tribos que habitavam o nordeste do país. Também é mencionado o trabalho de Denise
Mattos Monteiro Introdução à história do Rio Grande do Norte, no capítulo sobre resistência
indígena no sertão, pautado na concepção metodológica da Nova História, que a partir da
década de 1960 passou a despertar o interesse em pesquisas relacionadas à história dos de
baixo, nesse caso temos os povos nativos, sujeitos com menor visibilidade ao pensarmos em
uma trajetória de pesquisas anterior. (SANTOS, 2014, p.6)
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elaborada acerca da literatura de folhetos por Franklin Maxado, para discussão dessa
problemática. (MAXADO, 2011)
A história do Universo
É a história dos tiranos,
É a história da Conquista
De escravos africanos;
A história dos Juízes
Que invadiram países
Se tornando soberanos.
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Seguindo com a reflexão anterior, o conceito de paisagem pra Milton Santos (2004) é
apresentado como o resultado de um processo de acumulação do tempo, ou seja, é um local
passível de mutações que acompanha as transformações sociais. Quando estudamos o
sertão percebemos que a literatura de folhetos acompanha esse processo de
transformações do homem, sendo ele produtor de cultura e sujeito social. Com o decorrer
do tempo novas identidades são atribuídas à região. Os produtores literários recriam novas
paisagens a cada página, em um processo de produção de livretos populares que perdura há
séculos na região do Nordeste.
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Os pegas ou ariús
Viviam na ribanceiras
Lá pelo Rio Piranhas
Até o Açu sem manhas
Com suas sagas Guerreiras
Jenipapo e Canindé,
Habitavam o ceará,
Penatis já pelo rio
Piancó a desaguar,
Os cariris com seu lema
Na Serra da Borborema
D’onde veio a emigrar
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região de Pernambuco, foi palco de disputas por três anos, marcados pelas ofensivas
organizadas pelos Tapuias e Kariris. A região do Piauí, com a concessão de terras doadas pelo
governador Fernão Coutinho a Francisco Dias de Ávila e Domingos Afonso Mafrense. As
principais zonas de resistência foram o Sertão de Rodelas em Pernambuco, a ribeira do
Jaguaribe no Ceará, a Serra da Borborema na Paraíba e a Ribeira do Açu no Rio Grande do
Norte. (SANTOS, 2014, p.21) Seguindo esse histórico, vai ser a partir de 1676, na ribeira do
Açu no Rio Grande do Norte, um dos lugares onde o povoamento aconteceu de forma mais
expressiva. As intencionalidades dos colonos na região do Açu não se resumiam apenas a
criação de gado. Um dos motivos da ocupação era limitar o com os contrabandistas de
outras nações européias. A partir de 1687, temos uma grande proporção de documentos,
cartas e concessões de terra, isso mostra que com o decorrer do tempo o conflito foi se
agravando cada vez mais. (SANTOS, 2014, p.22) . A guerra dos Bárbaros teve inicio na
capitânia do Rio Grande do Norte, sendo um dos eventos de maior importância do século
XVII. Além do movimento de ocupação territorial para pecuária a necessidade de mão-de-
obra para cultura agrícola foi fator decisivo para o conflito. A falta dos recursos para compra
dos escravos de além mar fez com que os povos indígenas fossem capturados para atender a
demanda. (SANTOS, 2014, P.23) Como nos apontam os versos:
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Na criação, e devia
Se estender ao interior,
Os passos do invasor.
As coisas se agravaram,
Confrontava-se a sorte;
Dos dois povos diferentes
Os embates inclementes
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recebeu a notícia de que a forças locais lideradas pelo coronel Antônio de Albuquerque e o
capitão da infantaria André Pinto teriam fracassado. Em setembro de 1688, os bandeirantes
paulistas são convocados e apontados como únicos capazes de trazer uma resolução para o
conflito. (SANTOS, 2014, p.25)
Os sujeitos enaltecidos pela historiografia oficial têm seus crimes denunciados pelo
poeta. Temos uma representação narrativa acerca dos principais lideres dos bandeirantes
que travaram batalhas na região do sertão: Afonso Maranhão foi um deles, responsável
pelas investidas contra os canindés nas margens do Rio Seridó; Domingos Jorge Velho,
famosos pela sua participação na derrocada dos palmares, sertanista e conhecedor da região
e das táticas de luta utilizados pelos nativos, foi também um dos protagonistas do massacre,
como nos mostram os versos:
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Grandes descontentamentos
Conter a indignação
Dos índios que havia, então,
Contra os povoamentos. (p.12, est. 76,77,78)
A presença dos Bandeirantes ficou marcada pelos atos de selvageria e culminou nas
etapas finais do conflito. O interesse dos posseiros nas terras do sertão, associados à política
local, contribuíram para disseminação de uma ideologia de guerra. O governo legalizou o
cativeiro indígena, se esforçou para manter os soldos dos bandeirantes, dando
consentimento e legitimando todas as atrocidades cometidas por esse grupo. O jogo de
interesses das elites locais foi repercutido em práticas, nos moldes do que poderíamos
chamar de guerra justa. (SANTOS, 2011, p.26) Como ressalta o poeta:
Muito Colonizador
Dizia de voz pausada
Se existe “guerra justa”
É aquela a ser travada
Com o demônio em pessoa
Por isso que pela proa
Precisa ser extirpada.
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trabalho de resistência que se faz no plano das idéias. Trabalhamos com a representação
acerca da temática indígena enquanto prática cultural. Analisamos como a prática literária
que associa a causa social à resistência indígena se desloca no fluxo do tempo até atingir a
contemporaneidade. (CHARTIER, 1990) Concluímos que, as lutas por terra no Brasil ainda
seguem com ritmo incessante, novas vítimas são acometidas diariamente, os interesses dos
posseiros e do governo brasileiro continuam ameaçando as comunidades que resistem. Por
esse motivo, devemos considerar as pesquisas que retratam as guerras de tamanha
importância, assim como o papel do historiador, de trazer luz a novas reflexões sobre essas
questões.
REFERÊNCIAS
WORSTER, D. Para fazer História Ambiental. Revista Estudos Históricos, v. 04, n. 08, Rio de
Janeiro, 1991.
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Para boa parte dos historiadores que iniciaram na década de 1970 um movimento
em favor da escrita de uma história ambiental, esses exemplos podem ser relevados frente à
sua nova e surpreendente proposta. Será, por isto, que estes autores estariam ousando ou
inovando tanto assim? Certamente que não. Marc Bloch, Fernand Braudel, Emmanuel Le Roy
Ladurie, Georges Duby, e, atualmente, Keith Thomas e Raymond Willians – que, inclusive,
não se definem como historiadores ambientais – trabalharam, cada um a seu turno, a
influência das mudanças do clima, do regime de chuvas, dos solos, das marés e das
paisagens sobre os deslocamentos, as respostas e as construções culturais humanas.
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Há, ainda, a vasta obra dos brasileiros Capistrano de Abreu, Sérgio Buarque de
Holanda e Caio Prado Júnior que não devem ser encarados como precursores de uma
história ambiental no Brasil, mas, simplesmente, como historiadores atentos à vida e ao
cotidiano dos homens no tempo.
O fato é que a maioria dos pensadores sociais dos séculos XVIII, XIX e da primeira
metade do século XX corroborou em seus estudos uma tendência para a compartimentação
entre os saberes que envolvem o homem – as chamadas ciências humanas – e os que
concernem ao mundo biológico e geológico – as ciências naturais. Nos termos de Durkheim,
fatos sociais só podem ser explicados por outros fatos sociais. Sociólogos norte-americanos
como W. Catton e R. Dunlap, como nos lembra José Augusto Drummond, adotaram um
paradigma caracterizado pela ideia da imunidade humana (human exepcionalism paradigm)
aos diversos fatores do mundo natural. A sociedade e a cultura humanas só poderiam ser
decodificadas com base em seus próprios dados, em sua própria clausura (DRUMOND,
1997). Um historiador ambiental deve analisar a inter-relação de fatores vários como a
paisagem, a tecnologia, a economia, a organização social e política, as representações
simbólicas, etc. As paisagens, por exemplo, podem ser estudadas e comparadas em
diferentes momentos para a avaliação de suas modificações pela ação humana ou por
elementos naturais independentes dela. Elementos da paisagem como relevo, solo,
hidrologia, clima e fauna permitem trabalhá-la como um documento a ser lido com o auxílio
das ciências naturais.
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filosofia utilitária desenvolvida por filósofos ingleses oitocentistas Bentham e John Stuart
Mill (1806- 1873): “causar o mínimo de dor aos homens e aos animais”. Seguindo a
percepção sugerida por Peter Singer, os olhares que se lançam para analisar as relações
entre os homens e os animais deveriam se afastar de certa ética de superioridade e
dominação humana, inspirada e edificada num sentido religioso de que os animais existiriam
para o usufruto dos homens, seja para ajudá-los em sua labuta ou para refestelá-los em sua
alimentação. Esta percepção foi reforçada pela doutrina mecanicista cartesiana do século
XVII, que instrumentalizava ainda mais os bichos em contraste com os seres humanos.
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A utilização da baleia, que alcançou os mares do Brasil a partir do início do século XVII,
se enquadrou no processo de exploração colonial. A lógica do empreendimento é identificada
na acumulação mercantil, no monopólio da atividade e na riqueza advinda dos seus derivados
para os comerciantes e para o estado metropolitano português. A motivação para a ampliação
e manutenção do negócio ligado a caça à baleia por mais de três séculos foi essencialmente
comercial. O relativo sucesso da atividade baleeira deveu-se à valorização gradativa dos
principais derivados dos cetáceos no mercado regional e estrangeiro, especialmente o óleo que
era produzido a partir da extração das densas camadas de gordura desses animais e possuía
grande importância comercial96.
Antes de ser introduzida a caça da baleia no Brasil, o principal produto extraído desse
cetáceo - o óleo - era obtido apenas quando os mamíferos encalhavam na praia ou na ocasião
da importação de Cabo Verde ou da região de Biscaia por intermédio da cidade portuguesa
Viana do Castelo. O “azeite de peixe”, como era comumente conhecido na Colônia, era usado
especialmente como combustível para iluminação pública e para garantir o funcionamento
noturno dos engenhos de cana-de-açúcar. Num período da história em que o petróleo ainda
não havia se constituído na principal matriz energética do mundo, cidades inteiras como
96
Depois de estruturada a atividade baleeira no Brasil colonial, um exemplo que ilustra bem a importância para a
economia da época, especialmente do principal produto extraído da baleia, o óleo, era sua exportação que seguia do
Brasil para Portugal e depois chegou a ser comercializado para países como Espanha e Inglaterra.
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Salvador, Rio de Janeiro e Buenos Aires, eram iluminadas com combustível processado a partir
das grossas camadas de gorduras das baleias capturadas. Outros produtos derivados das
baleias, carnes, toucinho, farinha de ossos e barbatanas, também eram extraídos, processados
e comercializados no interior da Colônia ou vendidos para outros países, consolidando, para
comerciantes locais e para o estado metropolitano português, essa atividade econômica entre
os séculos XVII, XVIII e XIX. (ELLIS, 1969)
Frei Vicente do Salvador concluiu no ano de 1627 “Histórias do Brazil”, obra densa com
38 capítulos e 267 páginas que registram aspectos da vida política, social, econômica e do
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Era grande a falta que em todo o Estado do Brasil havia de graxa ou azeite de peixe,
assim pera reboque dos barcos e navios, como pera se alumiarem os engenhos,
que trabalhão toda a noite, e se houverão de alumiar-se com azeite doce,
conforme o que se gasta, e os negros lhes são muito affeiçoados, não bastara todo
97
Com a morte do rei de Portugal, D. Sebastião I, na batalha cruzadista de Alcácer-Quibir, no Marrocos em 1578,
ocorreu uma crise dinástica no país. Portugal e suas colônias ficaram sob domínio da Espanha por sessenta anos
(1580-1640). Inclusive quem assinou o Alvará Régio que permitiu a caça às baleias na costa brasileira em 1602 foi o
rei espanhol Felipe III.
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o azeite do mundo. Algum vinha do Cabo vender e de Biscaia por via de Vianna,
mas era tam caro e tão pouco, que muitas vezes era necessario usarem do azeite
doce, misturando-lhe destrouto amargoso, e fedorento, para que os negros não
lambessem os candeeiros, e era huma pena como a de Tantalo padecer esta falta,
vendo andar as beleâs, que são a mesma graxa, por toda essa Bahia, sem haver
quem as pescasse, ao que acudio, Deus que tudo rege e prover, movendo a
vontade a hum Pedro de Orecha, Biscainho, que quisesse vir fazer esta pescaria;
este veio com o Governador Diogo Botelho do Reyno no anno de mil seiscentos e
três .98 SALVADOR, 1627
O relato de Frei Vicente do Salvador sobre esse tipo de “pesca” no Brasil, fornece
indícios para se entender como esta atividade econômica passou a ser estruturada com base
inicialmente no atendimento de uma demanda local e, posteriormente, como se tornou objeto
de interesses mercantis e metropolitanos crescentes após o domínio dos colonos luso-
brasileiros de técnicas necessárias para caçadas mais intensas e mais frequentes dos cetáceos
que margeavam o litoral brasileiro. Domínio de técnicas que não tardou a ocorrer, pois já em
1612 a Coroa Portuguesa estabeleceu o monopólio estatal sobre a atividade baleeira que
iniciou a partir de então um processo de expansão para outras áreas da costa do Brasil. O
negócio tornava-se lucrativo e não tardou para que a Coroa Portuguesa, por meio de Tratados
de Concessão, expandisse a atividade baleeira para outras áreas do litoral da Colônia. Quanto
aos primeiros caçadores biscainhos, ao que tudo indica, após o término do tempo estabelecido
pelo rei de dez anos voltaram para a Europa, deixando no Brasil certa estrutura e mão-de-obra
com certo grau de especialização que pudesse dar continuidade ao empreendimento.
(SALVADOR,
98 Embora Frei Vicente do Salvador em sua obra indique o ano de 1603 como aquele em que foi introduzida
a atividade baleeira no Brasil, o Alvará de Felipe III, rei da Espanha, autorizando Pêro de Urecha e seu sócio
Julião Miguel, biscainhos, a caçar baleias no Brasil por um período de dez anos, data do ano de 1602,
conforme se pode atestar no documento “Inventário dos Manuscritos da Coleção Pombalina” da Biblioteca
Nacional de Lisboa; In Miscelânea, 635.
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Como se pode aferir de praticamente todos os relatos da época, a caça à baleia no Brasil
Colônia se reveste, para os dias de hoje, como sendo praticada de maneira cruel, desumana e
sem limites. A caça chamava a atenção pela violência com que era praticada e pelo espetáculo
que produzia para os mais curiosos, numa intensa ação humana com suas estratégias e seus
aparatos técnicos contra a força dos enormes mamíferos marinhos que precisavam ser
capturados para o atendimento de uma demanda econômica. Chama a atenção, pelo menos
nos primeiros anos da “pesca”, a completa falta de preocupação com a manutenção dos
estoques para futuras explorações. A quantidade de cetáceos avistados na costa do Brasil dava
a impressão, como ocorreu com o pau brasil99 e vários outros produtos no início do século XVI,
que esses recursos eram inesgotáveis. A esse respeito, é oportuno transcrever um relato de
Gabriel Soares de Sousa, em que o mesmo discorre sobre a abundância de baleia em águas da
costa da Bahia, primeiro local aonde viriam a ser arpoadas os primeiros cetáceos na costa
brasileira alguns anos depois:
99
BUENO, Eduardo. Pau brasil. Rio de Janeiro, Editora Axxi Mundi,, 2003.
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Além dos viajantes estrangeiros e crônistas que no Brasil presenciaram aspectos da caça
à baleia durante o período colonial e imperial, José Bonifácio da Andrada e Silva, brasileiro
nascido em Santos-SP, talvez tenha sido quem melhor descreveu os aspectos sociais,
econômicos e ambientais da atividade baleeira praticada em sua época. Naturalista, estadista e
poeta, José Bonifácio foi testemunha ocular da caça predatória e fez análises e reflexões sobre
a atividade que era feita pelos portugueses no litoral brasileiro, principalmente quanto ao seu
caráter irracional, destrutivo. Coube a José Bonifácio, homem culto ligado ao governo de
Portugal, chamar a atenção da sociedade e do governo de sua época sobre os mecanismos e as
práticas predatórias como este tipo de recurso natural estava sendo explorado no Brasil. Em
tom de denúncia e de preocupação com a forma predatória e irracional como as baleias eram
abatidas no litoral da Colônia, José Bonifácio em 1790, pouco mais de duzentos anos depois de
Gabriel Soares de Sousa chamar a atenção para a abundância de cetáceos no litoral baiano,
denunciava que a persistência das práticas de extermínio das baleias no litoral brasileiro havia
levado à decadência essa atividade nos empreendimentos montados no século XVII e XVIII no
litoral da Bahia e do Rio de Janeiro. Comentado [U1]: Citar a fonte bibliográfica para a
construção da vossa reflexão.
José Bonifácio de Andrada e Silva, que mais tarde se tornaria o mais famoso dos irmãos
Andrada, influenciado pelo pensamento ilustrado, fez severas críticas, em fins do século XVIII, a
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forma de exploração destrutiva dos recursos naturais no território português e no seu império
ultramarino. Seu texto “Memória sobre a pesca da baleia e a extração do seu azeite”, editado
pela Academia das Ciências de Lisboa em 1790, é analisado e identificado, Pádua (2004),
quanto a quatro elementos teóricos que irão marcar o conjunto de sua obra ao longo de sua
vida pública: a visão do mundo fundada na economia da Natureza; a defesa do progresso
econômico como instrumento civilizatório; a apologia da racionalização das técnicas produtivas
através da aplicação pragmática do conhecimento científico; e a crítica da exploração destrutiva
dos recursos naturais.
As ideias expressas por José Bonifácio são representativas para o discurso reformista-
ilustrado que se constituiu em Portugal em fins do século XVIII e início do século XIX e que
voltou sua critica para a forma predatória e irracional de se explorar os recursos naturais,
principalmente quanto à derrubada de florestas, uso inadequado do solo e extermínio de
animais e plantas. Não se tratava de um discurso ambientalista, formação intelectual muito
posterior, mas, de um discurso voltado à manutenção das fontes de recursos naturais para
utilização futura.
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Sob a ótica de José Bonifácio, o caráter retrógrado, irracional e por isso, improdutivo do
emprego das técnicas de captura, morte e exploração das baleias no litoral do Brasil se
constituíram - assim como quase todas as atividades econômicas coloniais associadas à
escravidão – em entraves ao desenvolvimento social e econômico do país. Por esse motivo, foi
objeto de críticas contundentes desse pensador que discutia, já nessa época, a necessidade de
se racionalizar o uso dos recursos naturais. Acreditava Bonifácio que os recursos naturais
encontrados no Brasil deveriam ser explorados sem que fosse comprometida à reprodução de
seus estoques. O desenvolvimento e o progresso de um povo, de uma nação, passavam pela
conservação, pelo uso adequado dos seus recursos naturais. (FILHO, 2011)
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excelente, mas olhando de perto é mau, e trará consigo, a não se prover nisso, a
ruína total desta tão importante pescaria. 100
Entre outros aspectos abordados por José Bonifácio quanto à atividade baleeira, é
importante citar a concorrência comercial existente entre países como Inglaterra, Holanda e os
Estados Unidos da América. Citando números que demonstravam a eficiência econômica dessas
nações, principalmente dos holandeses que haviam ampliado seu raio de ação para além dos
mares situados no hemisfério norte, excluindo por conseguinte outros países dos enormes
lucros obtidos dos derivados de baleias, Bonifácio escreveu nota onde se destaca o seguinte
comentário:
As críticas e sugestões feitas por José Bonifácio, mesmo reconhecendo sua importância
política em momentos cruciais da história do país, não se traduziram efetivamente em ações
governamentais que limitaram ou racionalizaram a exploração dos recursos naturais no Brasil.
A continuidade da caça e exploração da baleia, mesmo depois de José Bonifácio continuará
fazendo parte do cenário socioeconômico e degradação ambiental no Brasil.
De acordo com Pádua (2004), um dos méritos da obra de José Bonifácio, e de outros
contemporâneos desse autor, onde também se pode perceber certa preocupação com os
recursos naturais, é o de trazer em seu bojo, traços de ideias e concepções que podem ser
consideradas precursoras do conservacionismo, corrente do ambientalismo que tomará corpo
na segunda metade do século XX no Brasil, mais precisamente nos anos de 1960 e 1970.
100
CALDEIRA, 2002, p. 54 apud BONIFÁCIO, 1790.
101
Esta nota pode ser encontrada no texto original de Bonifácio intitulado “Memória sobre a pesca das
baleias...” onde ele faz alusão ao estágio mais avançado de desenvolvimento da indústria baleeira de alguns
países da Europa, principalmente da Holanda, em contraposição ao atraso das técnicas e estratégias dessa
atividade feita na costa do Brasil no século XVIII.
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Disponívelem:http://www.incubadora.ufrn.br/incubadora/index.php/porto/article/view/196
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Jorge Caldeira, São Paulo, Editora 34, 2002.
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de janeiro do século XVII. Niterói, 2010. 139 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal
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DRUMMOND, José Augusto. Por que estudar história ambiental do Brasil? - ensaio temático.
Várias Histórias, nº 26. Janeiro, 2002.
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GINZBURG, Carlo. Sinais: raízes de um paradigma indiciário. In.: Mitos, emblemas e sinais:
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SALVADOR, Frei Vicente do. História do Brazil, 1500-1627. 3. ed. rev. São Paulo: Melhoramentos, s.d.
SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado descritivo do Brasil em 1587. São Paulo: Nacional, 1971.
TOLLENARE, L.F. de. Notas Dominicais tomadas durante uma viagem em Portugal e no Brasil
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INTRODUÇÃO
O câncer de colo do útero - CCU é uma patologia iniciada com transformações intra-
epiteliais progressivas que podem evoluir para um processo invasor num período que varia
de 10 a 20 anos. É uma doença prevenível por meio da citopatologia oncótica, graças à lenta
progressão, é possível a detecção precoce de lesões pré-malignas ou malignas e o seu
tratamento oportuno. (PEREIRA et al., 2011).
O Ministério da Saúde (2015) diz que os índices mundiais em relação ao câncer de
colo do útero - CCU são alarmantes, pois se aproximam a 530 mil casos novos, sendo o
quarto tipo de câncer mais comum entre as mulheres, correspondem por 265 mil óbitos
anuais, ficando como a quarta causa de morte por câncer nas mulheres.
Mendonça et al (2008) enfatiza dizendo que, apesar da melhora na cobertura do
exame citológico no Brasil, esta ainda é considerada insuficiente para reduzir a mortalidade
por CCU no País. O exame Citologia Cervical do Trato Genital Feminino - TGF pelo método
de Papanicolau, detecta as alterações precoces dessa neoplasia permitindo reconhecer
modificações celulares no colo uterino. Segundo as Diretrizes do Ministério da Saúde, o
exame preventivo deve ser realizado, pelas mulheres entre 25 a 64 anos de idade, que já
tiveram início na relação sexual. Os dois primeiros exames devem ser realizados com
intervalo de um ano, se os resultados forem normais, o exame passará a ser feito a cada três
anos, (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2011).
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Figura 1: Mapa geográfico dos municípios e das aldeias da população indígena etnia Potiguara no
estado da Paraíba.
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DESENVOLVIMENTO
Este estudo foi realizado com base na análise de dados secundários disponibilizados
pelo Programa Controle do Câncer do Colo de Útero (PCCCU), foi feito uma avaliação
qualitativa e quantitativa dos laudos de Citologia Cervical do TGF, referente ao ano de 2016
tendo um total de 291 laudos avaliados, da população indígena aldeada da etnia Potiguara
do estado da Paraíba nos municípios de Rio Tinto, Marcação e Baia da Traição.
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Fevereiro 0 37 0
Março 3 23 0
Abril 1 14 0
Maio 0 1 0
Junho 5 22 0
Julho 17 34 0
Agosto 13 21 0
Setembro 1 44 0
Outubro 0 14 0
Novembro 4 27 1
Tabela 1: Quantidade de exames de Citologia do Trato Genital Feminino, realizado nos Polos Base de
Rio Tinto, Marcação e Baia da Traição no ano de 2016.
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Dezembro 0 0 0
Fonte: Laudos dos exames de Citologia Cervical TGF, arquivados pelo DSEI – Potiguara.
Já nos dados de mulheres com idade entre 25 anos – 64 anos, 11 meses e 29 dias
(gráfico 1) com um total de 2.680 mulheres, notou-se uma mudança no quantitativo entre os
Polos Base, no Polo Base de Baia da Traição apresenta 36,53% desta população, em segundo
vem o Polo Base de Rio Tinto com 32,95% e por último temos o Polo Base de Marcação com
um total de 30,52%, pode-se notar que o perfil traçado de mulheres aldeadas a sua maior
concentração se encontra nesta faixa etária.
GRÁFICO 1: Número de mulheres aldeadas cadastradas no SIASI das aldeais pertencentes ao Polo
Base de Baia da Traição, Marcação e Rio Tinto.
1200
1000
800
600
400
200
0
12 - 24 11M e 29D 25 - 64 11M e 29D 65 - 80 11M e 29D
Pólo Base de Baia da Traição 162 979 99
Pólo Base de Baia de Marcação 601 818 84
Pólo Base de Baia de Rio Tinto 610 883 99
Fonte: Laudos dos exames de Citologia Cervical TGF, arquivados pelo DSEI – Potiguara.
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Inflamação, onde foi detectada cerca de 58,07% dos laudos, em seguida vem resultado
Dentro dos Limites da Normalidade totalizando 23,71%, já as Inflamações com Metaplasia
Escamosa Imatura foi 15,12% dos laudos e a Atrofia com Inflamação na qual apresentou
3,09% dos resultados encontrados, essas alterações foram encontradas em 291 laudos
realizados no ano de 2016.
160
140
120
100
80
60
40
20
0
INFLAMAÇÃO
DENTRO DOS
COM METAPLASIA ATROFIA COM
INFLAMAÇÃO LIMITES DA
ESCAMOSA INFLAMAÇÃO
NORMALIDADE
IMATURA
QUANTITATIVO 169 44 9 69
Fonte: Laudos dos exames de Citologia Cervical TGF, arquivados pelo DSEI – Potiguara.
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importância na realização periódica deste exame. Este tumor é o terceiro mais frequente na
população feminina, atrás do câncer de mama e do colorretal, e a quarta causa de morte de
mulheres por câncer no Brasil. Estimativas de novos casos: 16.370 (2018 - INCA)
Na região Nordeste, estimou-se um risco de 19,49 casos, sendo que o CCU é o
segundo mais incidente nesta região - sem considerar os tumores de pele não melanoma.
No ano de 2016, no estado da Paraíba, foi estimado 330 novos casos, com um risco
aproximado de 16,21 casos para cada 100 mil mulheres. A estimativa para a capital
paraibana é de 19,39 casos a cada 100 mil mulheres. (INCA, 2016).
Nos países onde a citologia oncótica foi ampliada para a maior parte da população,
pode observar uma diminuição importante no caso da mortalidade por esse tumor.
Infelizmente, mesmo em países desenvolvidos, com ampla cobertura da população por
programas de prevenção, ainda existe uma porcentagem importante de mulheres que
continuam sucumbindo à doença devido a falhas do teste de citologia cervical pelo método
de Papanicolau. (LINHARES; VILLA, 2008).
Dos 291 laudos analisados, obteve-se 289 laudos negativo para Malignidade, 1(um)
laudo apresentou atípica em células escamosas: lesão intraepitelial de baixo grau
(compreendendo o efeito citopático pelo HPV e neoplasia intraepitelial cervical grau I) e
1(um) teve o parecer de atípica em células escamosas: lesão intraepitelial de alto grau, não
podendo excluir microinvasão. obs: necessária correlação histológica para complementação
diagnóstica.
CONCLUSÃO
Uma das principais finalidades deste estudo foi traçar o perfil epidemiológico
encontrado nos laudos de citologia cervical desta população, bem como servir de
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instrumento para sensibilização dos gestores públicos quanto à importância e o baixo custo
deste exame visando a implantação do serviço de Citologia Cervical TGF no DSEI-Potiguara,
ao qual é de suma importância para o Programa da Saúde da Mulher, no sentido de poder
facilitar a realização dos exames diminuindo o tempo entre a coleta da amostra e o laudo,
pode ser implantado tal diagnóstico separadamente pelo DSEI-Potiguara e ou em consórcios
com os municípios, deste modo tendo um melhor prognóstico das pacientes, onde hoje é
realizado em convênio com alguns laboratórios de grande porte na capital em João
Pessoa/PB e ou com a Secretaria de Saúde do Estado da Paraíba com isso os
resultados/laudos tem um prazo muito mais longo para sua entrega.
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1 INTRODUÇÃO
Segundo os dados de saúde (WHO, 2012) 2,5 bilhões de pessoas não tem
saneamento básico e mais de 780 milhões de pessoas não tem acesso a fontes de água
tratada. A região do Nordeste apresenta desafios quanto ao acesso à água para a sua
população, tanto no que diz respeito a sua qualidade e quantidade. Entende-se que a
qualidade da água estar diretamente relacionada com a saúde da população, sendo ela o
principal vetor de transmissão de doenças infecciosas, TSUTYA (2006).
Considerando a situação precária do acesso à água para consumo humano em locais
de difícil acesso e se tratando a população indígena, esta realidade é retratada de acordo
com as Diretrizes para Monitoramento da Qualidade da Água para Consumo Humano em
Aldeias Indígenas - DMQAI, na qual este documento afirma que o programa de
monitoramento da qualidade de água nas aldeias indígenas, é de responsabilidade da
Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), por meio da lei n° 12.314, de 19 Agosto de
2010, na qual foi regulamentada pelo decreto n° 7.336 de 19 Outubro de 2010 que
estabeleceu as ações de execução de saneamento ambiental em áreas indígenas e que
compete à Secretaria Especial Indigena (SESAI/MS), executar, as ações de vigilância e
controle da qualidade da água para consumo humano nos sistemas nos sistemas e soluções
alternativas de abastecimento de água das aldeias indígenas (DMQAI 2014).
O Distrito Sanitário Especial Indígena – DSEI, é a unidade gestora
descentralizada do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena – SasiSUS. Trata-se de um
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DESENVOLVIMENTO
As aldeias indígenas da Paraíba estão concentradas no litoral norte, parte dela está
situada no município de Baia da Traição (quadro 1). As aldeias são abastecidas por
mananciais subterrâneas de tubulação profunda, somente a Aldeia Vila São Miguel é
abastecida pelo poço subterrâneo e pela Estação de tratamento do município de Baia da
Traição, estas passam pelo processo de desinfecção da água atravéz do clorador de pastilha
de hipoclorito de cálcio a 65%, onde é realizado um monitoramento diário do cloro residual
pelos agentes indígenas de saneamento - AISAN, pelo método cloro residual livre dietil-p-
fenilenodiamina (DPD), e mensalemente é realizado o monitoramento da qualidade da água
em todas as aldeias do DSEI, tanto para análise bacteriológica como análise físico-química.
Aldeia População
Akajutibiró 370
Bemfica 165
Bento 51
Cumarú 283
Forte 556
Galego 673
Lagoa do Mato 83
Laranjeira 226
Silva 212
Tracoeira 179
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Total 4.861
Baia da 01 01 01 01 01 01 01 01
Akajutibiró 01
Traição
Baia da 01 01 01 01 01 01 01 01
Bemfica 01
Traição
Baia da 01 01 01 01 01 01 01 01
Bento 01
Traição
Baia da 01 01 01 01 01 01 01 01 01
Cumarú
Traição
Baia da 01 01 01 01 01 01 01 01 01
Forte
Traição
Baia da Galego 01 01 01 01 01 01 01 01 01
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Traição
Baia da Lagoa Do 01 01 01 01 01 01 01 01 01
Traição Mato
Baia da 01 01 01 01 01 01 01 01 01
Laranjeira
Traição
Baia da 01 01 01 01 01 01 01 01 01
São Francisco
Traição
Baia da 01 01 01 01 01 01 01 01 01
Santa Rita
Traição
Baia da 01 01 01 01 01 01 01 01 01
Silva
Traição
Baia da 01 01 01 01 01 01 01 01 01
Tracoeira
Traição
13 13 13 13 13 13 13 13 13
TOTAL
39 39 39
Foi utilizado o COLILERT® como técnica para qualificar os coliformes totais e E. coli
nas amostras de água, na qual são preconizadas no Standard Methods for the Examination
of Water and Wastewater (APHA, 2012). Este método tem como princípio a identificação
dos micro-organismos pela análise de suas enzimas típicas. O meio contém dois substratos
para identificar as enzimas: o cromôgenico orto-nitrofenil-β-D-galactopiranosídeo (ONGP) e
fluorogênico 4-metilumbeliferil-β-D-glucoronídeo (MUG), que detectam as bactérias do
grupo coliforme total e E. coli em amostras de água (IDEXX, 2015; MARQUEZI, 2010; SILVA
et al., 2010).
Observa-se no (gráfico 1), que as aldeias Bento, Forte, Lagoa do Mato e Tracoeira,
apresentaram-se em conformidade com a Portaria MS nº 2.914/2011, sem nenhum tipo de
contaminação bacteriológica na água.
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pois sabe-se que a contaminação deste pode-se se dar por inúmeros fatores inclusive por
tratamento inadequado ou até mesmo contaminação após o tratamento, ÔZLER e AYDIN
(2008).
Quanto a contaminação por E. Coli. (Gráfico 1), as aldeias Akajutibiró, Laranjeira nos
referidos messes de contaminação Abril e Julho (gráfico 2), houve relato do AISAN que o
clorador estaria quebrado e que o mesmo já havia realizado distribuição de hipoclorito de
sódio 2,5% em toda comunidade.
15% 15%
10
9 11,6%
8
7
Número de casos positivos
6
5 5% 5% 5%
4 3,3% 3,3% 3,3%
3 3,3% 3,3%
1,6%
2 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0%
1
0
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Nas aldeias Akajutibiró (Abril e Junho), Laranjeiras (Janeiro e Fevereiro) e São Miguel
(Abril, Maio, Junho, Julho e Setembro) (gráficos 1 e 2) os resultados das amostras
apresentaram contaminação para E. Coli. nestes messes o clorador estava quebrado, já
estava sendo providenciado a troca do mesmo e já havia sido realizado a distribuição de
hipoclorito de sódio 2,5%, segundo relatos dos AISAN`s no dia da coleta, as amostras não
estão em conformidade com a Portaria MS nº 2.914/2011. Este tipo de contaminação
indica a presença de dejetos humanos ou de animais na água, porém conforme relato não
houve prejuízo a saúde da comunidade pois foi utilizado o método alternativo de cloração.
A aldeia São Miguel (gráfico 1 e 2), apresentou maior número de contaminação 15%,
para Coliformes Totais e E. Coli, em um total de 9 casos positivos, porém está possui uma
particularidade, onde a mesma é abastecida tanto pelo poço subterrâneo como superficial,
o que dificulta o tratamento da rede de abastecimento. Por se tratar de captação de água
superficial (ETA município) a comunidade estar mais vulnerável a contaminações por E. Coli,
por este motivo se realiza um trabalho mais específico de distribuição de hipoclorito de
sódio 2,5% casa a casa nos dias em que a comunidade se encontra sem tratamento na rede
de distribuição.
8% 7%
6
5 5% 5% 5%
Número de casos positivos
4 4% 4% 4% 4%
3 2% 2%
2 1% 1% 1% 1% 1%
1 0% 0% 0% 0%
0
JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT
COLIFORMES TOTAIS E. COLI
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CONCLUSÕES
Com base na Portaria MS nº 2.914/2011, Foi realizado uma avaliação em 13 aldeias
Potiguaras, sendo que em quatro (04) destas, Bento, Lagoa do Mato, Tracoeira e Forte, os
resultados encontrados nas análises bacteriológicas foram totalmente satisfatórias,
atenderam 100% o padrão de potabilidade. Já em seis (06) comunidade: Bemfica, Cumaru,
Galego, São Francisco, Santa Rita, Silva, revelou-se comprometimento pontual quanto a sua
potabilidade, apresentaram-se positivo apenas para coliformes totais, devendo-se ao fato
de não possuir cloro na rede de distribuição no dia da coleta.
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1- INTRODUÇÃO
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2- DESENVOLVIMENTO
Não cabe recuperar longamente o histórico desde os séculos XVIII e XIX, que fontes
históricas indicam como aqueles em que os Potiguara foram reduzidos na Paraíba em dois
aldeamentos, assistidos pelos missionários do Carmo da Reforma de São Miguel da Baía da
Traição no litoral e o da Preguiça, situado a cerca de 24 km da costa (PALITOT 2005).
Na segunda metade do século XVIII tais aldeamentos (de São Miguel e Baía da
Traição) vão ser modificados pelas leis Pombalinas, que determinam a expulsão das ordens
missionárias e a elevação das aldeias à categoria de vilas de índios. Após a promulgação da
Lei de Terras, de 1850, os descasos das autoridades associados à precária condição dos
índios fizeram com que houvesse constantes usurpações e compras das terras indígenas
(PALITOT 2005). Este autor argumenta que os Potiguara se viam cada vez mais recuados
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Tais agentes e agências promoveram, assim, aquilo que Oliveira (2004, p.22) definiu
como processo de territorialização, que implica:
O monopólio dos Lundgren na cidade de Rio Tinto era sustentado pelas relações de
poder que estabeleceram. A companhia possuía muitos domínios, desde as ofertas de
trabalho, moradia, lazer, religião e saúde. Somente os trabalhadores mais velhos da fábrica
podiam trabalhar em cultivos próprios e para a Cia. Era-lhes cedido um pequeno pedaço de
terra para o “roçado” com alimentos que eram impostos e controlados pela Cia. Esses
produtos tinham um preço regulado e era comprado por ela, que então os revendia em seu
“barracão”, a preços altos. Para os trabalhadores que cultivavam em terras ditas da
Companhia era cobrado um dia de trabalho semanal gratuito na fábrica, como pagamento
do aluguel da casa e do terreno.
Na década de 1980 grande parte das terras da Cia. foram vendidas para usinas de
açúcar e sobretudo de álcool, com o “Programa Nacional do Álcool” (Proálcool). As usinas
investiram nas áreas antes exploradas pela Cia., comprando e/ou arrendando-as, o que
tornou as condições de reprodução social dos moradores ainda mais difíceis, com
contingenciamentos cada vez maiores no acesso aos recursos.
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dos canaviais pelo plantio de roça (macaxeira). Os reivindicantes plantavam as roças que
eram posteriormente destruídas a mando dos usineiros. Todas essas estratégias de
resistência à dominação, incluindo iniciativas para recuperação e defesa do território
garantiu a realização de atividades produtivas e a mudança das relações de poder
subjacentes às relações espaciais. Paulatinamente, graças às “retomadas” das terras os
Potiguara foram ocupando as áreas com atividades agrícolas e pecuária antes vetadas pela
Cia. e pelos usineiros.
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tradicional (INGOLD E KURTILLA 2000), que associa saberes acumulados ao longo do tempo
mas numa constante atualização, dependendo das próprias condições ecológicas (além de
políticas, etc.), permitindo classificações de materiais, técnicas e informações. Este estoque
cultural de conhecimento (BARTH 2000 e 2005) que os indivíduos organizados em seus
grupos domésticos continuamente constroem (e transmitem) na interação com os
elementos presentes no território vem a par com uma atitude de responsabilidade e
sentimento de pertença a este território (ARAÚJO 2015), e daí uma capacidade de lidar
adequadamente com tais elementos.
3- CONSIDERAÇÕES FINAIS
4- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAÚJO, Marianna de Queiroz. 2015. Entre terreiros, roçados e marés: Um estudo sobre a
organização doméstica entre os Potiguara do Litoral Norte da Paraíba. Monografia
(Graduação em Antropologia). UFPB.
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______. 2000a. “Por um maior naturalismo na conceptualização das sociedades”. In: Tomke
LASK (org.). O guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro: Contra
Capa.
______. 2005. “Etnicidade e o conceito de cultura”. Antropolítica, n.19, p.15-30, 2° Sem.
INGOLD, Tim & KURTTILA, T. 2000. “Perceiving the environment in Finnish Lapland”. In:
Body and Society, v. 6 n. 3-4, p. 183-196.
OLIVEIRA, João Pacheco de. 2004. “Uma Etnologia dos ‘índios misturados’? Situação
colonial, territorialização e fluxos culturais”. In: J. P. de OLIVEIRA (org.), A Viagem da volta:
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Capa Livraria, 2ª. ed. pp. 13-42.
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INTRODUÇÃO
METODOLOGIA
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Por fim, após o desenvolvimento desse panorama houve uma análise desses relatos,
comunicando-se com as leituras teóricas, e partindo para produção de um texto, na forma
final de painel, sobre essa temática.
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FONTE: TOLLENARE, Louis-François de. Notas Dominicais. Trad. Alfredo de Carvalho. Instituto
Arqueológico e geográfico pernambucano, Recife, 1906.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A partir de um esforço bibliográfico, sobre a História do Brasil, é corrente que antes do
século XIX só era permitida a exploração do território brasileiro a viajantes, cientistas e
administradores ligados ao reino de Portugal. Porém, no ano de 1808 com a vinda da família
real para o Brasil, uma das primeiras providências tomadas pelo rei de Portugal, dom João
VI, foi a abertura dos portos a todas as nações amigas de Portugal. Esse ato possibilitou a
entrada de vários viajantes europeus que, movidos por objetivos de natureza científica e
econômica, buscavam explorar as potencialidade dessa parte da América. Nesse contexto, a
Coroa não hesitou em instalar em sua nova corte poderosos instrumentos de investigação
do mundo natural (gráfica, biblioteca, escola de medicina, laboratório de análises químicas
etc.). (DEAN, 2004, p. 140).
Com isso, não tardou até que esses viajantes chegassem ao Brasil na primeira metade do
século XIX. Os relatos de inúmeras expedições foram publicados na Europa, para leitores
ávidos de notícias sobre um Brasil até então desconhecido. Os relatos de viagem produziam
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representações sociais e geográficas para europeus que, a partir daí, construíram sua
identidade em oposição ao que passou a ser “o resto do mundo”. Como em um movimento
de trocas culturais, a auto representação europeia criou-se nesse confronto com a imagem
do outro. (DUARTE, 2002, p. 268).
Entre esses relatos, temos conhecimento de um escrito – entre os anos de 1816 a 1818 –
por um francês comerciante chamado Louis-François de Tollenare. Essa obra é composta
por uma série de notas de viajem que foram redigidas pelo autor em suas pausas nos
domingos, sugerindo, então, o nome dado ao livro: Notas Dominicaes (tradução do início do
século XX) ou Notas Dominicais (adequado à reforma ortográfica ratificada em 2008).
Trabalhando-se com o relato de viajem de Tollenare emanada da sua visitação ao atual
Nordeste brasileiro, não há dúvidas de que existem possibilidades de construção de uma
nova visão histórica no que diz respeito ao indígena. Essa possibilidade surge da própria
desconstrução desse documento: o que justifica, naquele contexto, o Tollenare, que
certamente tinha aspirações iluministas (pelo fato de ser contrário à escravidão), no seu
trato depreciativo aos índigenas.
Sabendo disso, a partir desses relatos, é possível tecer algumas considerações sobre a
escravidão indígena e seu cativeiro (aldeamento). Além disso, Tollenare aponta os índios
como um povo pobre (a peble brasileira). Apresenta também a ganancia insassiavel por
terras, por parte dos proprietarios de engenhos. Além de indicar os índios como mizeraveis
e preguiçosos, afirma que sob influência do clima são ociosos. Sendo assim, chamar alguém
de cabloco é uma grande onfesa à honra. Bem como apresentar posições e características
de algumas aldeias indígenas localizadas no planalto da Borborema. Também são descritas
em sua obra as relações entre indígenas e o poder da Coroa (no que se refere à cessão de
terras) e a relação que os indígenas mantinham com a natureza.
Contudo, sabemos a partir de outros documentos que inúmeras práticas de resistência indígenas
foram empreendidas ao longo dos anos de colonização, como, por exemplo, as fugas individuais e
coletivas, o suicídio, o assassinato dos senhores e colonos, a destruição das fazendas de gado e das
plantações dos colonos, entre outros. (MEIRA & APOLINÁRIO, 2010, p. 90).
CONCLUSÕES
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REFERÊNCIAS
FONTES
TOLLENARE, Louis-François de. Notas Dominicais. Trad. Alfredo de Carvalho. Instituto
Arqueológico e geográfico pernambucano, Recife, 1906.
LIMA, Manoel de Oliveira. Prefácio, 1905. In: TOLLENARE, Louis-François de. Notas
Dominicais. Trad. Alfredo de Carvalho. Instituto Arqueológico e geográfico pernambucano,
Recife, 1906.
BIBLIOGRAFICAS
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Brasileira de História. São Paulo, v. 22, nº 44, pp. 267-288, 2002.
RODRIGUES, André Figueiredo. Literaturas de viagem: fauna, flora e etnografia brasileira /
André Figueiredo Rodrigues, José Otávio Aguiar, Wilton Carlos Lima da Silva. – São Paulo:
Humanitas, 2013.
SALLAS, Ana Luisa Fayet. Narrativas e imagens dos viajantes alemães no Brasil do século
XIX: a construção do imaginário sobre os povos indígenas, a história e a nação. História,
Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.17, n.2, abr.-jun. 2010, p.415-435.
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ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os índios na história do Brasil. Rio de Janeiro: Editora
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São Paulo: Cia. das Letras, 2004.
MEIRA, Jean Paul Gouveia. APOLINÁRIO, Juciene Ricarte. História indígena no sertão da
capitania da Paraíba no século XVIII. Cadernos do LEME, Campina Grande, vol. 2, nº 1, p. 75
– 94. jan./jun. 2010.
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INTRODUÇÃO
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Orientadora: Carmen M. Oliveira Alveal
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Segundo Laura de Mello e Souza (1986, p. 210-211), esse objeto simbólico era
carregado de um intenso misticismo, e conseguiu unir aspectos religiosos do cristianismo e
das religiões de matriz africana, como também traços da cultura indígena, além de
corresponder à forma mais tipicamente colonial de feitiçaria. Por ser categorizada como um
tipo de feitiçaria e um sacrilégio, aos olhos da Igreja, os indivíduos que fossem vistos
portando esse objeto eram considerados hereges, consequentemente, poderiam ser alvos
de denúncias ao Tribunal do Santo Ofício.
O primeiro caso selecionado diz respeito a uma confissão do índio José Rodrigues
Monteiro, homem solteiro, morador na aldeia do Mipibu, filho de Francisco de Lima. Sua
confissão foi registrada em 4 de fevereiro de 1755 na cidade de Natal, Freguesia de Nossa
Senhora da Apresentação. Com base no documento, o dito índio, quando fora se confessar
junto ao padre Fidélis de Partana, superior do dito aldeamento, teve seu pedido recusado
por ele, recebendo a orientação deste para que primeiro fosse depor perante Manoel
Correia Gomes, vigário do Rio Grande, por aquele portar uma bolsa de mandinga.
No que se refere a Mipibu, localidade onde José Rodrigues morava, de acordo com
Fátima Martins Lopes “é somente em 1736 que a aldeia de Mipibu torna-se Missão com a
presença fixa de missionários capuchinhos e uma nova demarcação de terras, instalando a
Missão no local de São José de Mipibu atual” (LOPES, 1998, p.365).
Segundo Maria Celestino de Almeida (2010, p. 71), essas aldeias eram vistas, até
pouco tempo, pela historiografia, apenas do ponto vista do colonizador. Como
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As informações que podem ser analisadas nesse relato são, inicialmente, a recusa do
padre Fidélis de Partana em receber a confissão de José Rodrigues, optando apenas pela
orientação do indígena a se dirigir perante o Vigário. Pode-se supor que as práticas
manifestadas pelo índio já eram conhecidas por outras pessoas, inclusive pelo dito padre.
Algumas das hipóteses que podem ser levantadas são, primeiramente, a de que, devido ao
fato de ele ser índio e, possivelmente, ser um cristão neófito, ou seja, que fora
recentemente convertido à fé católica, poderia haver uma maior “tolerância” com relação a
seus crimes, visto que ele poderia ser considerado um indivíduo ainda “ignorante”. Além
disso, de acordo com Luís Rafael Araújo Corrêa,
Nesse sentido, relacionando com o referido caso do índio José Rodrigues, a Igreja
estaria falhando com a sua principal função, no caso, a orientação e inserção na fé, de seus
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fiéis na vida e nos preceitos cristãos. Outro ponto a ser destacado é que, possivelmente, o
padre Fidélis de Partana era servido pela força de trabalho deste indígena, por isso, optou
por não o denunciar, preferindo apenas orientá-lo.
A segunda hipótese que pode ser levantada é a de que o índio José Rodrigues
detinha laços, fossem eles de amizade ou solidariedade, com capitães, padres, camarários,
enfim, pessoas que fossem influentes dentro daquela sociedade. Dessa forma, poderia
existir uma relação de cumplicidade e caso o dito índio fosse interrogado pelo Santo Ofício,
este poderia listar outros nomes, além do de Antônio Ferreira, de pessoas que pudessem
estar envolvidas de alguma forma com práticas desviantes. É importante ressaltar que essa
era uma das principais estratégias da Inquisição.
É importante notar que o índio José Rodrigues afirmou que tanto a bolsa quanto as
práticas mencionadas por ele lhe foram ensinadas por um homem chamado Antônio
Ferreira, o que pode sustentar a hipótese de cumplicidade, mencionada anteriormente.
Além disso, as ausências podem dizer muito, visto que ele não mencionou o nome do
indivíduo para o qual vendeu o referido objeto, apenas revelou que a venda ocorreu no
Jaguaribe e que o valor pelo qual a bolsa foi vendida foi de dois mil réis. Dessa forma, pode-
se questionar também a respeito de qual era o vínculo existente entre ele e esse moço, pois,
ao afirmar que não se lembrava de seu nome, José Rodrigues estaria o protegendo de uma
investigação da Inquisição. Por fim, é interessante perceber que, embora fosse aldeado,
esse indígena circulava bastante, assim como se relacionava com muitas pessoas, de
diferentes localidades.
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No sumário consta que José Rodrigues foi preso, depois de ter furtado, no Jundiaí,
algumas partículas de hóstias, e depois foi enviado para uma cadeia da Vila de Recife, e,
após ordens de oficiais do Santo Ofício, do Tribunal de Lisboa, solicitou-se que ele fosse
solto da cadeia em que se encontrava preso. Um dos principais motivos que influenciaram
nas ordens de soltura do acusado foi um fato já bastante mencionado: ele era um indígena.
Consta também, neste sumário, que quatro testemunhas foram convidadas a depor
sobre este caso. Dentre essas testemunhas estavam: o reverendo padre coadjutor João
Tavares da Fonseca, morador de Jundiaí, cuja idade não é mencionada; o reverendo padre
Manoel Cardoso de Andrade, sacerdote do hábito de São Pedro, morador também em
Jundiaí, de idade de 67 anos; Amaro Gomes de Figueiredo, homem casado, soldado de
Infantaria, de idade de 56 anos, cuja localidade onde residia não é citada; e o reverendo
doutor Teodósio da Rocha Vieira, sacerdote do hábito de São Pedro, também morador em
Jundiaí, de idade de 29 anos.
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Tavares, com alguns acréscimos. Segundo ele, o índio havia sido preso antes, por ordens do
Capitão-mor desta capitania, após ter furtado hóstias.
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forma, uma sensação de veracidade, deve-se questionar a respeito dos vínculos existentes
entre esses indivíduos e, se por um acaso, nutriam alguma inimizade velada contra o
acusado. Outra informação em comum é a de que o índio José Rodrigues afirmou para as
testemunhas que a bolsa havia sido dada a ele por outro indivíduo, que fora para o sertão.
De acordo com Janaína Amado,
Pode-se levantar a hipótese de que seja esse o sentido atribuído ao termo sertão,
utilizado por José Rodrigues. De acordo com o testemunho do Padre João Tavares da
Fonseca, o indivíduo que integrou o referido objeto chamava-se Bento e era um índio. O
padre também afirma que esse referido índio encontrava-se em uma fazenda, cujo local não
é mencionado, do Coronel Francisco da Costa Vasconcelos, o mesmo que, segundo Teodósio
da Rocha, havia retirado o objeto do pescoço do índio.
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Apesar de o índio José Rodrigues ter sido absolvido de seus crimes, é importante
frisar que, socialmente, os impactos causados por esta denúncia e, posteriormente, prisão
poderiam arruinar a vida deste, pois, os moradores poderiam o associar, constantemente, a
figura de um indivíduo que não prezava pelo respeito à religião católica, tornando-se
também, dessa forma, uma ameaça.
Com relação à denúncia feita contra o índio Manuel Pedro, corresponde ao terceiro
e último caso encontrado, relativo ao porte de bolsas de mandinga na Capitania do Rio
Grande. A denúncia realizada contra o índio Manuel Pedro, ocorreu em 03 de dezembro de
1755, na cidade do Natal, freguesia de Nossa Senhora da Apresentação do Rio Grande do
Norte. Diferente dos casos que envolveram o índio José Rodrigues, que apresentam
informações sobre a localidade onde este residia, a paternidade deste, assim como
informações a respeito da circulação deste pelos espaços coloniais, infelizmente, o mesmo
não ocorre com o caso do índio Manuel Pedro.
De acordo com a denúncia, foi feita por um Capitão, chamado Francisco Xavier de
Souza, que para desencargo de sua consciência denunciava o índio Manoel Pedro. Com base
nisso, atenta-se para a relevância de uma denúncia, visto que, quando um processo era
aberto por esta causa, havia uma preocupação por parte do delator, devido ao medo e
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respeito que o Tribunal exercia sobre as pessoas. “Isso equivale a dizer que muitos
indivíduos, com medo de verem seus mais íntimos erros descobertos, acabavam atribuindo
culpas a outras pessoas como uma forma de ter a sua consciência um pouco mais aliviada”
(CIDADE 2009, p. 54). Nesse sentido, havia também o receio de uma possível excomunhão,
que reforçava esse medo e a intolerância. Dessa forma, uma das hipóteses que podem ser
levantadas é de que Thomázia, depois de ter cometido um determinado desvio, procurou
livrar-se de uma possível denúncia ao Santo Ofício, e informou ao Capitão Francisco que a
bolsa pertencia ao índio Manoel Pedro, quando na verdade ela seria a dona do referido
objeto.
Outro ponto que pode ser levantado é de que o próprio Capitão estava envolvido
com alguma prática desviante. Além disso, questiona-se também a respeito do vínculo
existente entre Thomázia e Manoel Pedro, visto que esta afirmou que a bolsa de mandinga,
supostamente pertencente ao indígena, fora encontrada em sua casa. Percebe-se que, de
fato, o índio frequentava a casa de Thomázia.Sendo assim, provavelmente, esse vínculo
pode ser real.
Por outro lado, essas hipóteses podem desmoronar quando, ao final do relato, feito
por Thomázia ao Capitão Francisco, esta afirma que o índio Manoel Pedro sumiu junto com
a bolsa de mandinga, provavelmente, temendo cair nas malhas do Santo Ofício. Isso
demonstra um medo legítimo diante dessa instituição, comum a todos, independente de
sua origem ou posição social. Pode-se supor também, assim como no caso de José
Rodrigues, que este se tratava de um indivíduo reincidente, ou seja, não era a primeira falta
cometida pelo indígena. As possibilidades de este ser considerado culpado do referido
crime, aumentara consideravelmente com essa informação.
Parafraseando Angelo Adriano Faria de Assis (2013, p. 58-59), esses relatos geravam
um ambiente de insegurança e desconfianças generalizado. Mesmo que os relatos fossem
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Analisando ambos os casos, concluiu-se que nenhum dos dois indígenas chegou a ser
processado pelo Tribunal do Santo Ofício. Porém, embora não tenham sido processados por
esta instituição, pôde-se perceber, após as análises dos relatos, os impactos causados pela
Inquisição na vida dos indígenas José Rodrigues Monteiro e Manoel Pedro, culminando,
respectivamente na prisão do primeiro e no medo de ser denunciado pelo último. Um fato
interessante é que, até o presente momento, estes foram os únicos indivíduos encontrados
na documentação inquisitorial, registrada na Capitania do Rio Grande, que foram acusados
de estarem portando uma bolsa de mandinga. Com base nessa informação, pode-se supor
que o uso desse objeto não era tão comum nesta Capitania.
Outra hipótese que pode ser levantada é a de, com base na presença dos indígenas
nas denúncias analisadas, pode-se inferir que estes pareciam dispor de um relativo
conhecimento de práticas associadas em sua maioria à feitiçaria. Isso demonstra o papel
ativo desses povos no ambiente colonial, pois, revelam-se, por meio desses relatos, algumas
das formas de resistência, apropriação e adaptação as circunstâncias presentes na Colônia.
Dentre essas circunstâncias, destacam-se as ações do Santo Ofício na Colônia e,
particularmente, Rio Grande.
“Foi possível aos índios rearticularem seus valores, tradições e mitos no processo
histórico para atender a novos objetivos e interesses que iam surgindo com as situações”
(ALMEIDA, 2010, p. 96). Destaque para o índio José Rodrigues Monteiro, pois com base nas
denúncias feitas contra ele, pôde-se comprovar que, mesmo estando aldeado e sendo
convertido ao catolicismo, este não deixou de agir e pensar segundo suas próprias
convicções, mantendo assim relações com outros indivíduos e nutrindo outras crenças.
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Por fim, ainda com relação às denúncias, de fato o presente trabalho ainda carece de
uma análise mais aprofundada no que se refere aos indivíduos que as realizaram, assim
como aqueles que as receberam. Além disso, outro fator prejudicial foi não terem sido
encontrados outros documentos que fazem menção aos indígenas denunciados. Entretanto,
a pesquisa prosseguirá na busca de resolver esses empecilhos, além de trazer novas
interpretações e análises para o tema. Este trabalho corresponde a apenas uma, das
inúmeras formas que essa documentação pode ser trabalhada.
FONTES
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os índios na história do Brasil. Rio de Janeiro: Editora
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INTRODUÇÃO
A história e o cinema já vêm se relacionando a um bom tempo, porém o cinema
mostra sua importância como fonte histórica e passa a se destacar somente a partir do
século XX quando, começou a ganhar espaço como objeto de análise do historiador.
Neste período o cinema era visto como reflexo da realidade social e podendo
estabelecer uma relação direta entre o filme e meio em que produziu.
Tira isso e coloca O filme pode passar quase a mesma informação que estaria
presente em qualquer livro de acordo com os estudos pautados em autores teóricos,
eles afirmam que a única diferença é é que vai se apresentar com características
próprias como sons e imagens entre outros efeitos que podem complementar as
informações, além do ponto de vista do diretor que está produzindo.
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Podemos dizer que existe uma replicação nessas atitudes, muitos tempo depois
no Brasil, os indígenas são explorados e escravizados pelos europeus e obrigados
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assim, pelos Jesuítas a aceitarem um estilo de vida e crença religiosa, na qual a igreja
católica era sua única forma de salvação.
METODOLOGIA
Este trabalho apresenta leitura interpretativa, analítico-crítica, visual e verbal
que ampliamos sobre a referida produção cinematográfica. Durante este artigo foi
analisado o protagonismo indígena, abordando a imagem dos nativos no filme A
Conquista do Paraíso (1492) abarcando suas representações no cinema durante o
desenvolvimento histórico, para tanto a pesquisa está caracterizada sob natureza
bibliográfica.
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Ou seja, querendo ou não o enfoque da mensagem que o filme vai passar será
relacionado ao desejo da visão histórica do diretor, isso não chega a ser um problema
desde que seja mantido a originalidade da mensagem encontrada na fonte histórica.
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DISCUSSÃO E RESULTADOS
A realidade e a ficção andam de mãos dadas a muito tempo, o cinema é uma
ponte entre as pessoas que não tem acesso a história e literatura assim como as
pessoas que são especialistas na área também veem o meio cinematográfico como
espaço de estudo histórico de várias áreas, pelo o cinema ser considerado
representante de fatos históricos no decorrer do tempo, é a arte de representar a
ficção ou não ficção para o mundo, sendo assim o cinema se torna extremamente
importante como fonte histórica.
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Sendo assim em 1919 foi lançado o filme O guarani tendo como protagonista o
índio Peri, o filme mostra a traição do índio com seus irmão para proteger um branco,
através do amor não correspondido, com a presença de ataques indígenas, e mortes.
No mesmo ano temos o filme Iracema, também lançado em 1919 traz o índio como
protagonista, este por sua vez é uma representação da submissão do indígena ao
colonizador português, devido a índia Iracema abandona seus irmãos para viver o
amor com Martin homem branco, deixando claro o índio como submisso a cultura
branca.
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Após a estreia dos filmes baseados na obra de Jose de Alencar, passasse a ver
mais os filmes com a presença do indígena como participante ativo, não mais como
figurante, como podemos observar nos filmes que se segue.
Casei-me com um Xavante 1957 de Alfredo Palácio, mostra um branco que sofre um
acidente e fica em uma aldeia xavante no Xingu por 5 meses e lá se torna cacique e se
adapta ao meio indígena. Até aqui os filmes mostram como eram a convivência do
indígena com os brancos, como se protegiam da exploração, as guerras que tinham
que travar para sobreviver, e o aculturamento de ambas as partes dependendo da
situação. Mas ainda vemos um índio submisso ao branco, principalmente submisso ao
poder central da Igreja Católica em 1971 com o filme de Nelson Pereira dos Santos
“Como era Gostoso o meu francês” é a primeira vez que vemos um filme com a
intenção de desmistificar a imagem do índio apresentando uma abordagem realista e
distante da visão eurocêntrica, o Francês é a personagem principal, porém o
protagonismo é da narrativa apresentada pelo olhar da etnia do grupo indígena
Tupinambás.
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índios, ativos lutando por seus direitos por exemplo o filme Uirá, um índio em busca de
Deus de Zelito Vianna 1973 que baseado em um livro de Darcy Ribeiro, o filme foca a
trajetória do índio na busca pela terra sem males e com o filme Ajuricaba: O rebelde da
Amazônia, essa luta fica evidenciada quando eles tentam proteger a natureza e seu
habitat de invasores, num período em que a região vive disputada por piratas
espanhóis, holandeses e os portugueses na cidade de Manaus.
Aprofundando mais ainda esta situação temos o filme Terra dos índios, de
Zelito Viana em 1979, mostra a realidade, através da reunião de depoimentos de
índios brasileiros sobre os interesses da FUNAI das multinacionais e dos latifundiários
por trás da desastrosa política de emancipação indígena. Desde então vemos uma
busca para denunciar, de forma ficcional ou não o que vinha acontecendo com os
índios.
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Hoje já podemos ver os filmes, feito pelas mãos dos próprios indígenas e
divulgados em ambientes como a segunda edição da Aldeia SP-Bienal do Cinema
Indígena que ocorreu de 7 a 12 de outubro de 2016, coordenado pelo indígena Ailton
Krenak que classificou as atuais produções como um cinema de combate e resistência.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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após a constituição de 1988 passamos a ver um povo que tem o direito de lutar para
proteger sua cultura e seu povo até mesmo contra o estado se necessário, então
encontramos um povo mais assíduo envolvido numa luta mais social utilizando armas
eficazes como a palavra e a lei.
REFERÊNCIAS
850
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Introdução
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Desenvolvimento
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Ao fazer um breve resgate da trajetória do grupo, há que se registrar que uma das
principais limitações desta iniciativa é primordial para a sua própria existência, uma vez que
a comunidade não dispõe de equipamentos próprios para constante utilização, mantendo-se
dependente da presença dos/as profissionais para ter acesso aos equipamentos.
Assim como nesta e em tantas outras esferas da sociedade brasileira, o fato é que o
investimento financeiro para o desenvolvimento do audiovisual em iniciativas deste tipo
continua insuficiente. Outra problemática existente é o próprio acesso à informação, para
tanto, há que se buscar, constantemente, uma renovação de saberes e de fontes de
conhecimento para seguir em frente.
A escolha por estudar essa área se deve à forma como vem sendo discutida a
apropriação das imagens produzidas e avaliadas por indígenas no Campo das Ciências
Humanas. Um caso conhecido que podemos destacar foi o do projeto Vídeo nas Aldeias, que
tem realizado desde 1987 uma iniciativa pioneira no Brasil: produzindo, distribuindo e
oferecendo a formação audiovisual à indígenas. O idealizador desse empreendimento é o
cineasta Vincent Carelli, que realiza a experiência de intervenção e coloca à disposição de
algumas comunidades indígenas informações e tecnologias que permitem entre os indígenas
a manipulação de sua própria imagem, construindo um intercâmbio entre as aldeias,
incentivando a interação e capacitando os/as indígenas com o equipamento videográfico
(GALLOIS; CARELLI, 1995).
Este campo vem se destacando, na pesquisa contemporânea, com a apropriação dos
recursos metodológicos numa relação entre suas disciplinas. Isso suscita uma maior
interdisciplinaridade e reflexões acerca das implicações da inter-relação entre sujeitos
estudados em contexto social. Dentro desta perspectiva, o uso das imagens inseridas
enquanto fonte de pesquisa — como filmes, vídeos e fotografias — traz, hoje na pesquisa, a
interface entre saberes complementares, como na Antropologia, História, Comunicação,
entre outras, áreas do conhecimento que nos auxiliam na busca por melhor compreender a
temática que estamos discutindo neste trabalho.
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Uma vez autorizados pelas lideranças da comunidade, a pesquisa aponta para uma
discussão sobre aspectos da produção de imagens para o audiovisual, enquanto
representação do grupo indígena videografado. Assim, o conteúdo da imagem estimula os
mecanismos identitários que são acionados para mobilização política e de
autorreconhecimento.
Vários/as indígenas investem na iniciativa de produção de registro pelo fato do ganho
de visibilidade que esses grupos podem conseguir com o intuito de reivindicação de políticas
públicas e experiências com instrumentos tecnológicos de registro, compartilhamento e
exibição de imagem. Outro incentivo que os grupos indígenas possuem é o
compartilhamento e armazenamento de memórias e história dos/as entes queridos/as e de
lideranças, por exemplo, enfatizando a luta do movimento indígena, a constituição da
formação como povo, e características dos saberes voltados às crenças, medicina, forma de
organização e paisagens de lugares.
Os vídeos contêm a opinião deles/as, as suas visões de mundo, permitem
interpretações e uma maior observação do envolvimento emocional do grupo de jovens
Kapinawá, fornecendo critérios sobre o consenso emergente e as maneiras como as pessoas
lidam com as divergências. As entrevistas existentes nos vídeos deles/as, desse modo,
estabelecem “os sentidos ou representações que emergem são mais influenciados pela
natureza social da interação do grupo, em vez de se fundamentarem na perspectiva
individual” (GASKELL, 2002, p. 75). Constituindo constantes reformulações e interações com
outros grupos: índios e não índios.
A produção de imagens para o audiovisual realizada pelo grupo Burduna Filmes
descreve os rituais e a história da comunidade, ilustra as suas especificidades, revela as suas
críticas, registra memórias e aponta perspectivas, uma vez distribuída na rede, e justamente
por isso, acessível a uma enorme parcela da sociedade, incluindo, obviamente, as pessoas
que se dedicam a pesquisar essas manifestações culturais, e aqui nos incluímos, nos instiga a
refletir sobre as características desse processo. A forma como produzem e distribuem,
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comunica muito, através desta produção nos sentimos atraídos/as por tentar desvendar ou
perceber os aspectos materiais e imateriais envolvidos no processo.
Nesta tentativa, outra importante interação nos chama a atenção, pois é perceptível
que elementos existentes na produção audiovisual são influenciados pela mediação e a
midiatização, ambas inerentes ao processo. A compreensão destes dois conceitos é
importante para percebermos o impacto que desempenham, como dito, um é a mediação e
o outro, a midiatização.
Por mediação, imaginamos que esta se estabeleça no intervalo do processo
comunicativo que se dá entre a emissão e a recepção. Para Schulz (2004), a “midiatização é
um conceito que tanto transcende como inclui os efeitos dos meios de comunicação”. Além
disto, hoje em dia, existe um importante esforço teórico reflexivo que vem desenvolvendo-
se nas apropriações dos meios visuais e suas significações no discurso científico. A questão
simbólica da imagem, ou seja, dos vários significados provenientes dela, ocupando o lugar
central na discussão, na hermenêutica, em torno de suas capacidades e limites através da
participação dos sujeitos, valorizando o caráter dinâmico e criativo da mediação dialógica
entre seus interlocutores (GADAMER, 1997).
Já a midiatização, inclui a mediação, para Braga (2006), “a midiatização ocorre em
dois âmbitos sociais. No âmbito microssocial a midiatização trata de instituições ou
instâncias que incorporam elementos da medialidade. No âmbito macrossocial a
midiatização refere-se ao processo de adaptação e simulação da própria sociedade à lógica
medial.
Outra reflexão sugerida por Fausto Neto, Maria Ângela Mattos e Ricardo Costa Villaça
(2011, p.12), afirma que:
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em relação a outros grupos, contribui para formar a alteridade desses índios, que passaram
e ainda passam por uma constante reelaboração de valores. É o que aponta Arruti (1995), ao
explicar que os povos indígenas da região Nordeste, para conseguirem seu reconhecimento
como grupo étnico, passam a recriar sua realidade, resgatando imagens e relações
esquecidas, produzindo ritos e construindo mitos.
Por isto mesmo este trabalho compreende a possibilidade de estabelecer uma
reflexão sobre o processo de elaboração de produtos audiovisuais pelos/as próprios/as
indígenas e o entorno destes para os/as representados/as pela imagem e seu
compartilhamento. Pois sabemos que antropólogos/as e documentaristas fizeram parte do
processo de produção e apropriação das imagens que incorporam práticas e narrativas
desses/as nativos/as nas pesquisas. Mas agora, os/as próprios/as índios/as estão, também,
produzindo suas próprias imagens, influenciados pelos mais variados aspectos da
comunicação e lógica digitais.
Em outras palavras, as compreensões do simbolismo e do seu sentido, no caso do uso
das imagens, é tema a ser debatido num olhar interdisciplinar, que enriquece as propostas
das pesquisas. Sobretudo, daqueles fenômenos históricos e culturais, que surgem a partir da
imagem capturada, produzida e vivenciada entre o pesquisador e os pesquisados, em que as
imagens se valem de suas formas discursivas, bem como das circunstâncias da sua
interpretação (cf. ECKERT; ROCHA, 2006).
Outro aspecto é que a reprodução e a distribuição dessa produção passam a ter uma
dimensão de alcance imensurável, chegam a diversos grupos da sociedade e são percebidos
das mais variadas formas. Até que ponto a lógica digital colabora na promoção da
autonomia, visibilidade, representatividade e resistência da comunidade Kapinawá, não
saberemos dizer, no entanto, destacamos a importância de considerarmos as possíveis
influências que a produção audiovisual e as consequentes, mediação e midiatização,
presentes nas formas de criação e interação do grupo, possam nos comunicar a respeito da
realidade destes/as indígenas em sua nova forma de sociabilidade, por assim dizer.
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Pois como disse Breton (1997, p. 137 – 139) sobre a possível influência que falamos a
pouco dos elementos da produção audiovisual, mediação e midiatização, "Eles são
concebidos para ajudar os homens a comunicar melhor. Eles são a resposta à consciência
aguda que nós temos de uma separação social, de um distanciamento uns/umas dos/as
outros/as, acompanhado de uma necessidade de aproximação."
Após destacarmos um pouco do percurso traçado pelo grupo, descrevendo a sua
fundação e a sua busca pelos objetivos que citamos no início deste trabalho, além de
enfatizarmos algumas das suas conquistas, tais como a autonomia, visibilidade e resistência,
apesar das limitações em relação aos equipamentos, espaço físico etc., e, ainda, relacionar
elementos existentes na produção audiovisual com a mediação e midiatização, queremos
lembrar que há uma série de desafios a serem alcançados, tanto por parte dos/as índios/as,
como pelos/as não índios/as que se envolvem com esta causa, além da sociedade em geral,
que deve voltar mais a sua atenção a causa dos povos indígenas, para o efetivo alcance
deles/as à produção audiovisual.
Esta discussão é extensa por sua complexidade e dinâmica. Existe a contribuição na
esfera acadêmica, a dos órgãos vinculados à proteção dos direitos indígenas e especialmente
a governamental, que possui o poder de garantir as melhorias em maior escala. Mas, do
maior para o menor, também gostaríamos de lembrar que cada um/a de nós, ainda que
minimamente, pode contribuir para este movimento, reconhecer a existência e a luta dos
povos indígenas certamente é um começo para tal.
Considerações Finais
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Referências
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A abordagem metodológica sobre arquitetura das escolas indígenas foi feita a partir
de três componentes: o território, a cultura e a etnicidade. Para isso, fizemos uma
observação histórica acerca da relação do povo Kiriri com seu território, desde o início da
colonização até a demarcação do território indígena em 1990, e também da implantação da
escola indígena, traçando relação com a cultura do povo junto com a definição e
fortalecimento da identidade étnica, trazendo o conceito de etnicidade relacional de
Fredrick Barth (1997). Cruzando os referenciais teóricos das duas atividades e adicionando a
experiência de campo, observamos a importância da escola diferenciada no fortalecimento
da identidade étnica e trazemos uma análise das transformações dos espaços escolares no
território, percebendo a apropriação dos espaços pelo povo Kiriri, através da ressignificação
destes a exemplo de realização de rituais e pinturas, criadas a partir dos desenhos da pintura
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corporal e representação das histórias do povo Kiriri. Foram abrangidas pelo estudo,
especificamente, duas escolas de ensino médio, a Escola José Zacarias, no povoado de
Mirandela, e a Escola Florentino Domingos de Andrade, no povoado de Araçás.
Tecnicamente este alvará nunca caducou, apesar da posterior invasão da terra por
não-indígenas, depois da expulsão dos jesuítas do Brasil em 1759. Portanto, este território
foi levado como justificativa e referência para a demarcação do atual Território indígena
Kiriri já na história contemporânea do Brasil, em 1990 (Figura 01).
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Figura 01. Mapa ilustrativo do território indígena Kiriri elaborado pelo povo Kiriri, autoria
desconhecida. As casas representam as aldeias, a figura da igreja no meio representa a aldeia
de Mirandela com a sua Igreja do Senhor da Ascenção, cujo cruzeiro é o marco zero do território
indígena Kiriri.
Em 1701, a Igreja do Nosso Senhor da Ascenção foi construída pelo povo Kiriri a
mando dos padres jesuítas na aldeia Saco dos Morcegos (atual Mirandela). A Igreja recebeu
em 2013 o tombamento provisório como patrimônio estadual, pelo Instituto do Patrimônio
Artístico e Cultural da Bahia (IPAC-BA) e se encontra em uma situação de risco, tendo seu
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Figura 02. À esquerda, a Igreja do Senhor da Ascensão em Mirandela, construída em 1701 pelo
povo Kiriri no centro do aldeamento jesuíta Saco dos Morcegos, e o seu cruzeiro, marco zero do
território indígena Kiriri. À direita, o interior da mesma igreja, com o telhado desabado.
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Após a expulsão dos jesuítas do país, durante o período da invasão da terra Kiriri
pelos fazendeiros, o povo Kiriri, assim como outros povos originários no Nordeste, sofreu
opressão e preconceito, sendo chamado de “caboclo”, que deixou de ser “índio” e foi
“aculturado”, tendo sua identidade étnica negada. Depois de décadas de luta pela retomada
da sua terra, o povo Kiriri teve seu território demarcado em 1981 e homologado em 1990,
pelo Decreto 98.828 - 15/01/1990, então dentro do município de Ribeira do Pombal, e
atualmente situado dentro dos municípios de Banzaê (sendo cerca de 95% do território
indígena localizado neste município), Quijingue e Ribeira do Pombal. A população do povo
Kiriri, de acordo com o censo Siasi/Sesai, 2014 era de 2498 habitantes, ocupando uma área
de 12.299,873 hectares (KIRIRI, 2014a).
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O cacique Manoel, comentando uma atividade escolar fora da escola, explica que
na sua visão, a educação diferenciada fortalece “a convivência do indígena dentro do seu
território. Fortalece a convivência na prática e também aprende na escrita. Quando eles
chegar em sala de aula, eles vão tar relatando e escrevendo (sic)" (KIRIRI, 2014b).
Nestas atividades podemos perceber uma relação especial do povo com o seu
território. A própria configuração do território Kiriri, como mencionamos no início do
presente artigo, possui um formato octogonal e essa representação é encontrada nos
materiais didáticos utilizados para jogos nas escolas. A mesma base é representada num
espaço da escola, uma espécie de coreto, na Escola Florentino Domingos de Andrade, no
povoado de Araçás (Figura 03).
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Figura 03. Construção com cobertura de palha e com a base octogonal que lembra a
configuração do território demarcado do povo Kiriri, na Escola Florentino Domingos De
Andrade, no povoado de Araçás
À primeira vista, pode parecer que o pátio da outra escola, José Zacarias, em
Mirandela possui um formato de base parecido e tem alguma relação com a arquitetura
tradicional do povo. Pode-se perceber uma certa semelhança, com as construções Kijemes,
do povo Pataxó, que frequentemente tem em base um hexágono ou octógono, conforme a
descrição do arquiteto Fábio Velame (VELAME, 2013). Porém, esta construção é uma
aplicação do projeto padronizado do Espaço Educativo Urbano e Rural do MEC, amplamente
aplicado em diferentes escolas indígenas, quilombolas e outras, como podemos ver na
Figura 04, comparando-a com a vista de satélite da escola José Zacarias, no povoado de
Mirandela.
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Figura 04. Acima, o projeto do Espaço Educativo Urbano e Rural de 6 Salas de Aula destina-
se à construção de escola de um pavimento, a ser implantada nas diversas regiões do Brasil.
O edifício tem capacidade de atendimento de até 360 alunos, em dois turnos (matutino e
vespertino), e 180 alunos em período integral. Em verde escuro está representado o bloco
pedagógico, em laranja, o bloco administrativo, e em verde-claro, o bloco de serviço. No
meio está o pátio hexagonal. Fonte: FNDE, 2017a. Abaixo, a Escola José Zacarias, no
povoado de Mirandela, vista de satélite.
De fato, é uma prática comum de aplicar um projeto do MEC, sendo que o apoio
técnico e financeiro na construção das escolas é garantido pelo Artigo 5 do Decreto Nº
6.861, de 27 de maio de 2009, o qual dispõe sobre a Educação Escolar Indígena (DECRETO Nº
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6.861, 2009). Ainda em 2005, segundo o Censo Escolar, uma grande parte das escolas não
possuía espaço próprio, desenvolvendo suas atividades em ambientes inadequados,
portanto uma aplicação de projetos padronizados foi vista como uma solução rápida, mesmo
que não fosse a mais adequada.
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Figura 06. Acima, O projeto padronizado de Espaço Educativo Rural de 2 salas de aula, a ser
implantado em assentamentos ou pequenas comunidades rurais nas diversas regiões do
Brasil. O edifício tem capacidade de atendimento de até 120 alunos, em dois turnos
(matutino e vespertino), e 60 alunos em período integral. Fonte: FNDE, 2017b. Abaixo, a
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Mestranda do programa de Pós Graduação em História da Universidade Federal da Paraíba-UFCG. Graduada
em história pela Universidade Estadual da Paraíba – UEPB.
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1.Imagem da área templática, onde é feito o trabalho de Estrela Candente. Disponível em: http://nino-
valeamanhecer.blogspot.com.br/p/trabdo-amanhecer.html
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Neiva era clarividente, capacidade tal que permitia o seu desdobramento em vários planos, saía do seu
corpo e passava a integrar outros mundos, no momento em que esse fato acontecia, era como se estivesse
dormindo.
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Além do aspecto físico da doutrina no que diz respeito aos seus templos, os trabalhos
realizados, as indumentárias, dentre outros. O aspecto espiritual é ainda mais característico.
O Vale do Amanhecer é caracteristicamente hibrido tanto no seu aspecto cultural, bem
como no seu aspecto religioso, mistura traços de culturas e religiões distintas e chega a ser
bastante ecumênico no que diz respeito a sua formação.
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Já no que diz respeito aos negros, a roupagem dos mentores espirituais que ali se
fazem presentes por meio da incorporação105 também está a figura dos Pretos Velhos e
Pretas Velhas. Com gestos e linguagem simples, são os responsáveis por acolher aqueles que
chegam até o Vale do Amanhecer. Responsáveis também por orientar aqueles que procuram
o movimento. São representados dentro dos templos em sua maioria como Negros, vindos
da África para servirem de mão-de-obra escrava no Brasil Colonial.
Cada mestre que integra o movimento e que tem como capacidade mediúnica de
incorporação, possui um preto velho como seu protetor, um espécie de anjo da guarda,
assim como citado acima com os caboclos e caboclas. E mesmo com uma quantidade
considerável de representações, para entendermos um pouco da transcedentalidade negra
no movimento citaremos apenas dois mentores, que estão diretamente ligados a estrutura
organizacional do movimento, como acreditam seus integrantes.
Pai João e Pai Zé Pedro “Os Enoques” são dois mentores ligados a estrutura
organizacional do movimento, Pai João de Enoque é para os integrantes o Executivo da
Doutrina nos planos espirituais, ele é o responsável pela execução dos projetos e das
autorizações espirituais, dentro do Vale do Amanhecer. De acordo com o movimento, Pai
João e Pai Zé Pedro, vieram da África para o Brasil colonial, aproximadamente no ano de
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Espécie de transe mental, ao qual o médium mestre da doutrina se submete.
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1700, para serem escravos, e assim cumprirem os seus carmas, pois segundo “A Cachoeira
do Jaguar” história contada por Tia Neiva, fizeram grande mal ao seu povo, no Egito, sendo
Faraós.
Abaixo temos a representação dos dois mentores Pai João de Enoque e Pai Zé Pedro
de Enoque respectivamente:
A representação desses e de muitos outros espíritos, são uma parte singular de uma
das características do Vale do Amanhecer, elas estão espalhadas dentro dos templos,
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Chartier, afirma que a representação faz ver uma ausência, a representação faz
“vivenciar” e ver um objeto ou pessoa que não mais está presente naquele meio, sendo
assim a representação é o indicativo de como aquela pessoa ou objeto era enquanto existia,
e se fazia presente. De acordo com trecho do seu trabalho citado abaixo:
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Espécie de santuários, contidos na casa dos adeptos, lugares apropriados para oração dentro de casa.
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“Aqui trata-se do culto tido como o mais sincrético de toda a experiência religiosa
Brasileira de sua origem colonial até os dias de hoje: O Vale do Amanhecer. Apesar
de seu caráter universalista, a base doutrinal do Vale é sem dúvida o sincretismo
clássico brasileiro: espiritismo, catolicismo, tradição afro-brasileira.”(Carvalho p.80
s.d)
Nesse sentido é que esse estudo pretendeu se desenvolver, mesmo que de forma preliminar
de uma pesquisa que ainda está em seu andamento.
Referências bibliográficas:
CAVALCANTE, Carmen Luisa Chaves. Xamanismo no vale do amanhecer: o caso tia Neiva.
Annablume Editora, 2000.
COELHO, Teixeira. Culturas híbridas. In: _____. Dicionário crítico de política cultural: cultura
e imaginário. São Paulo: Fapesp; Iluminuras, 1997.
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OLIVEIRA, Amurabi Pereira. Nova Era à brasileira: a new age popular do Vale do Amanhecer.
Interações-Cultura e Comunidade, v. 4, n. 5, p. 31-48, 2009
Endereços eletrônicos:
https://.dicio.com.br
http://exiliodojaguar.blogspot.com.br
http://lucenodoamanhecer.comunidades.net
https://nino-valeamanhecer.blogspot.com.br
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http://oamanhecerdojaguar.blogspot.com.br/2012/02/o-amanhecer-das-princesas-na-
cachoeira.html
http://oganordoamanhecer.blogspot.com.br
http://virusdaarte.net/espiritualismo-espiritualidade-e-espiritismo/
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https://valedoamanhecer.org
http://valedoamanhecerbrasil.blogspot.com.br
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anchietapb@gmail.com
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permanência dos antigos nesse local, que sobreviviam a base de catolé e de animais que
conseguissem capturar. A narrativa de como chegaram ao lugar é uma história não
contatada pelos mais antigos, que tinham medo de serem descobertos.
Os estudos sobre Livramento, Domingos Ferreira e Fonseca, estão todos baseados na
memória de seus moradores. Os estudos mais recentes se valem da metodologia da História
Oral, e estão sintetizados em Suzeli de Almeida, ‘Pacto do Silêncio’ – o Livramento dos
negros, uma comunidade no Sertão do Pajeú – PE’, trabalhos publicados por Aécio Villar de
Aquino, no livro Os Quilombos na Dinâmica Social do Brasil, organizado por Clóvis Moura, e
diversos trabalhos publicados por Janine Menezes. De modo geral, esses trabalhos tomaram
como referência o livro ‘Achados de Perdição’ do historiador e memorialista Paulo Mariano.
Nos três quilombos os registros orais dão conta de que não havia escravidão e que havia
casas de farinha e produção de louças de barro, além da agricultura de subsistência e
prestação de serviço na forma de trabalhão alugado, que devido a precariedade da relação
trabalhista e do pagamento oferecido, era configurado, pelos próprios negros, como uma
discriminação e exploração, caracterizando um estado de servidão.
No aspecto lingüístico a influencia do modo banto no Brasil. Os moradores não
pronunciam palavras em português composta de consoante + consoante + vogal, mas no
padrão consoante + vogal + vogal. Um interessante estudo a esse respeito é feito pela pela
etnolinguista e doutora em língua africanas Yeda Pessoa de Castro. Na dança, a presença do coco
de roda e o nego nagô.Em Livramento, especificamente ainda a presença do slim, que se
dançava em par, como uma valsa, no intervalo do coco, para se descansar ou, como se diz
em Livramento, para “tomar uma fuga”.
O quilombo de Livramento foi reconhecido pela Fundação Palmares como
remanescente de comunidade quilombola no ano de 2007. Abriga atualmente cerca de 50
famílias, que residem em casas rústicas a exemplo de pedras, cipós e barro.
O comunidade quilombola do Domingos Ferreira, esta localizada no município de Tavares,
teve origem por volta do século XVIII, quando chegaram nesta localidade os primeiros
habitantes, guiados por “Seu Domingos” que demarcou os limites territoriais do Sítio e se
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fez proprietário das terras. A tradição local conta que Seu Domingos era ferreiro de
profissão e que tornou-se bastante conhecido na região. O povoamento só ocorreu
posteriormente, com a chegada de José Vieira e, logo após, Marco Vieira e sua
numerosa família. Todos se dedicaram ao trabalho na agricultura, nos engenhos e
casas de farinha. Com o passar do tempo, o sítio foi sendo chamado de Domingos Ferreira,
como uma homenagem ao seu primeiro habitante e dono das terras, Domingos Ferreiro.
Observa-se que houve uma corruptela do verdadeiro nome do proprietário.
É considerada hoje uma das comunidades mais populosas do município de Tavares,
tendo aproximadamente 40 famílias reconhecidas como descendentes, ou remanescentes,
de quilombolas. Tal processo de reconhecimento é burocrático e segue uma sistematização
que começa com o processo administrativo de regularização dos territórios quilombolas
e é constituída por relatório antropológico, relatório agronômico-ambiental,
levantamento fundiário, mapa e memorial descritivo da área e relação das famílias
quilombolas cadastradas pelo INCRA.
No caso do Domingos Ferreira, a certidão da Fundação Cultural Palmares foi emitida
em 04/08/2008 e o processo de RTID aberto em no INCRA em 2011. A fase final de todo
procedimento foi a regularização fundiária, com a concessão do título de propriedade
coletiva, pró-indiviso em nome da Associação Remanescentes de Quilombo Sitio Domingos
Ferreira.
Situado entre os sítios Riacho do Meio, Chapada, Anjo Félix, Lage de Onça e
Macambira, o Domingos Ferreira é cortado pelo Riacho de Zé Gabriel, que corta os sítio e
demarca o limite com o Riacho do Meio. Além da família Vieira, a mais numerosa, também
destacam-se as famílias Gabriel, Lopes, e Silva.
Em Manaíra, município emancipado de Princesa Isabel em 21 de dezembro de 1961,
localiza-se em sua zona rural a Comunidade Quilombola Fonseca, reconhecida em 2009.
Situada em meio à caatinga, vegetação típica da região, a comunidade é composta por
aproximadamente 40 famílias. Situada numa área de difícil acesso, a comunidade possui
grande fragilidade socioeconômica. A maior parte da fonte de renda das famílias provém de
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auxílios do governo como o Bolsa Família e o seguro safra, além da migração para trabalhos
temporários, como o corte da cana em São Paulo.
No aspecto histórico, um acontecimento marcante, não apenas para estas comunidades,
mas para o país, em se tratando das configurações políticas na República Velha, vai definir
memórias e trajetórias de vida.
Em 1930, o município de Princesa Isabel, foi um dos cenários da “Guerra de
Princesa”, um conflito armado que durou cinco meses e deixou um rastro de
destruição e mortes em toda a região (RODRIGUES, 1978; 1981); (ANDRADE, 1980);
(LELIS, 1930). Tal acontecimento culminou com a proclamação de “independência” do
então município de Princesa, que na época abrangia além de Tavares, as cidades de Água
Branca, Juru, Imaculada, Manaíra e São José de Princesa. Tal acontecimento teve
implicações diretas sobre a vida de todos os munícipes, sejam da zona urbana ou rural.
A Guerra de Princesa, ou Revolta de Princesa, como ficou conhecida, foi um
movimento armado que teve início no dia 24 de fevereiro de 1930 e se prolongou até 26 de
julho do mesmo ano, data da morte do presidente João Pessoa. O conflito teve início com o
rompimento político-partidário de um grupo de coronéis monopolizadores da economia do
Estado, representados na pessoa do coronel José Pereira Lima, e João Pessoa Cavalcanti de
Albuquerque, então presidente do Estado.
Para eclosão do movimento concorreu uma série de fatores, dentre eles a
própria investidura de João Pessoa no governo do Estado, que ocorreu por determinação de
Epitácio Pessoa, seu tio e principal líder político da Paraíba. As medidas renovadoras
implementadas pelo então presidente do Estado tinham dois focos de atuação,
promover o sistemático desprestígio aos coronéis e reerguer as finanças do Estado. Para
isso:
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A memória estaria então relacionada aos grupos dos quais fez parte, melhor
dizendo, a memória do homem seria produto do seu processo de interação com os
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diversos grupos, família, classe social, escola, grupos com os quais tivesse
mantido uma relação de pertencimento.
Esse seria o ponto chave para pensar a inserção da história oral no campo da
memória ou as dificuldades em separar uma da outra. Isso porque, embora a história oral
se constitua como recurso privilegiado na captação das lembranças desses velhos
zeladores/rezadores, tornando essa memória uma fonte alternativa para a
interpretação da história local e das mudanças sociais consideradas a partir da lógica
dos sujeitos que as vivenciaram ela é sempre uma história do tempo presente. De fato, a
história oral é um documento que não se projeta para um passado longínquo, mas que
possibilita trazer para o plano do pesquisador o registro da própria reação vivida dos
acontecimentos e fatos históricos (MONTENEGRO,1994). Como resultado, teremos um
documento fundamental para este estudo, a fala do narrador, que ao recompor sua vida
pessoal traz à tona, com a sua lógica própria, a dimensão da coletividade.
FONTES ORAIS:
Maria de Genival. Entrevista gravada em 26/06/2010.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ISSN:
AMADO, Janaína &FERREIRA, Marieta. Usos e abusos da história oral. 3ªed. Rio de Janeiro,
FGV, 2000.
ANDRADE, Joaquim Inojosa de. A República de Princesa (José Pereira x João Pessoa-1930).
Rio de janeiro/Brasília: Civilização Brasileira/INL-MEC, 1980.
LIMA, Aloysio Pereira. Princesa 1884/1984: José Pereira, a chama ainda acesa. Série IV
Centenário. João Pessoa: A União, 1984.
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