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ANAIS ELETRÔNICOS

Juciene Ricarte Apolinário, Rodrigo Ribeiro de Andrade (Editores)

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Campina Grande, Junho de 2018
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO
E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE

UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA

27, a 30 de junho de 2018, Campina Grande, PB, Brasil

2018@Copyrigth UFCG

Impresso no Brasil

Todos os direitos reservados

FICHA CATALOGRÁFICA

II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - (27, a 30 de junho de 2018:


Campina grande, PB - Brasil)

DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS
DIAS ATUAIS: Caderno de Resumos do II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS
/Juciene Ricarte Apolinário e Ofélia Maria de Barros (Org.). – Campina Grande
2018.
ISSN:
1. História. 2. Etno História. 3. História Indígena. 4. História da Educação 5. História Ambiental.
6. História e Direito.

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Instituições executoras

Programa de Pós-Graduação em História – UFCG


Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais – UFCG
Núcleo de estudos e Assuntos Afro-Brasileiros e Indígenas - UEPB

Instituições Internacionais apoiadoras

Centro de Humanidades - CHAM, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal;


Universidade Pablo Olavide, Servilha, Espanha;

Instituições Nacionais apoiadoras

Programa de Pós- Graduação em Antropologia (UFPB)


Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte(UFRN)
Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Goiás, UFG,
Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Programa de Pós-Graduação em História da Universidade da Universidade Rural do Rio de Janeiro
Programa de Pós-Graduação Universidade Federal do Amazonas

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Comissão Organizadora

Coordenação Geral
Profa. Dra. Juciene Ricarte Apolinário João Paulo Peixoto Costa-IFPI
(PPGH-UFCG, Brasil | CHAM-UNL, Portugal) Jorge Eremites de Oliveria-UFP
José Gabriel Silveira Corrêa (UFCG)
Comissão Organizadora
Profa. Dra. Edjane Dias Esmerina da Silva José Otávio Aguiar (Pós-Doutor – UFCG)
(UFCG) Maria Regina Celestino de Almeida
Prof. Dr. José Gabriel Silveira Corrêa (UACS- (PPGH-UFF)
UFCG) Mariana Albuquerque Dantas – UFRPE
Prof. Dr. José Pereira de Souza Júnior (UEPB, Naybe Gutierrez Montoya - UPO,
UFCG) Sevilha, Espanha
Profa. Dra. Mércia Rejane Batista (PPGCS- Patricia Melo Sampaio – (UFAM)
UFCG) Sel Guanaes (UNILA)
Profa. Dra. Ofélia Maria de Barros (NEAB-I- Sônia Maria Missagia (UFES)
UEPB) Taciana de Carvalho Coutinho (UFAM)
Profa. Dra. Rosilene Dias Montenegro Tonico Benites Ava Guarani Kaiowá –
(UFCG)
(UFGD)
Vania Maria Losada Moreira - UFRRJ
Comissão Científica
Almir Carvalho Junior - UFAM
Almir Diniz de Carvalho Júnior - UFAM
Angela Domingues (UL) Alunos (História- UFCG/UEPB)
Ângela Maria Vieira Domingues – Adauto Santos da Rocha
Universidade de Lisboa – CHAM-UNL, Adriana Monyke Nascimento de Alencar
Portural Adriano Ferreira Dos Santos
Antonio Carlos Amador Gil – UFES Alcione Ferreira Da Silva (Professora)
Alex Alves Campelo
Brigitte Thierion – Universidade
Alex Pereira da Silva
Sorbonne, Paris 3 - França
Aline Praxedes De Araújo (Professora)
Carlos Paz - FCH-UNCPBA/ Argentina Betânia Maria De Andrade Paiva
Carmen Alveal -UFRN Carla Edylane Felix Arruda
Celso Gestermeier do Nascimento – Cézar Da Silva Ferreira
UFCG Cibelle Jovem Leal
Edson Silva – UFPE/ PPGH-UFCG Darciley Gomes de Oliveira
Estevão Martins Palitot (UFPB) Dênis Barbosa Pequeno
Fernanda Sposito – Pós-Doutoranda - Edvânia da S. Nascimento
USP Erik Carlos Monte de Carvalho
Fernando Antonio de Carvalho Dantas – Erykles Natanael de Lima Vieira
Éverton Alves Aragão
UFG
Fernanda Borges de Brito
Francisco Cancela (UNEB)
Giovani José da Silva (Unifap/ Brasil)
Hermilia Feitosa Junqueira Ayres –
UFCG
Izabel Missagia de Mattos (UFRRJ) 5
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA,
DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:
Fernanda De Oliveira Thomaz Lemos
Franciny Raquel Torres
Jamilly Jéssica Martins Fernandes
Jessica Kaline Vieira Santos
Jesus Alves de Oliveira Quintans
Joanan Marques de Mendonça
João Eudes do Nascimento Alves
João Igor de Andrade Vital
José Acácio Pessoa de L. Neto
Karine Stefany da Silva Martins
Karolina Kelly G. Lins
Laís De Oliveira Neves
Leandro de Aquino Lima Ropinasse
Liélia Barbosa Oliveira
Luana Souto Cavalcanti
Lucas Gomes Medeiros
Lucas Santos Ribeiro Leite
Luísa Nunes Mendonça de Lima
Luiz Fernando Oliveira Sousa
Maria do Socorro Reis Melo
Maria José Elaine Costa S. Pereira
Maria Valéria Pereira
Matheus Henrique da Silva Alcântara
Michel Alves de Almeida Ricarte
Natiele Fernanda de Souza Barbosa
Naum Filipe Nicácio Alves
Nayara Silva Furtado
Rafaela Costa de Azevedo
Rayan Fernandes Pereira
Renally Rodrigues Leão
Robson da Silva Leandro
Rodrigo Ribeiro de Andrade
Rosa Michele Vieira de Oliveira
Taynara Alves Batista Pequeno
Victoria Cecília de Lima Ramos
Virgínia Genuíno Lira
Wendy Nicollas Diniz Cibalde
Whindson Senna Da Silva
Yona Kaluaná F. de Sousa

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II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA,
DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA,


DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

REALIZAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE E UNIVERSIDADE ESTADUAL


DA PARAÍBA

27, 28 e 29 de junho de 2018, Campina Grande, PB, Brasil

Local Abertura : Auditório de Extensão José Farias


Universidade Federal de Campina Grande

APRESENTAÇÃO:

O II Congresso Internacional Mundos Indígenas - diálogos sobre história, direito e


educação – abrangendo o período correspondente ao início do processo colonial (séculos
XVI) e incluindo os dias atuais, objetiva ampliar uma diversificada de rede colaborativa nos
âmbitos nacional e internacional desenvolvendo discussões interdisciplinares sobre
história dos povos indígenas da América. Para tanto, pretende-se ampliar diálogos entre
investigadores da temática em destaque para que se construam possibilidades de caminhos
teórico-metodológicos inovadores sobre a pesquisa acerca dos povos tradicionais ao longo
do processo colonial até o tempo presente. Nos últimos anos os estudos sobre a temática
indígena na América vêm obtendo contribuições oriundas das áreas de conhecimento, tais
como antropologia, arqueologia, história, educação e direito, proporcionando avanços
promissores no tocante a visibilidade do protagonismo ameríndio, através das suas variadas
formas de agenciamentos diante das pressões e violações dos seus direitos ao longo dos
mais de 500 anos. No Brasil, mais especificamente, a partir dos anos 1990, a história
indígena vem se legitimando enquanto uma dimensão fundamental na produção de
conhecimento, sendo escolhida como tema de dissertações e teses nos diversos programas
de pós-graduação em nosso país, tendência que também se verifica na América-Latina. O
diálogo interdisciplinar contínuo e o uso de múltiplas fontes históricas, assim como, de

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II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA,
DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

variadas temporalidades permite-nos negar a tese do historiador oitocentista Francisco


Adolfo Varnhagen de que para os índios não haveria história, mas apenas etnografia [o que
implicaria em assumi-los enquanto conjuntos humanos vivendo num estado inferior]. O
mais importante é que uma das preocupações da historiografia recente sobre os mundos
indígenas é não construir mais uma imagem do “índio genérico”, ou apenas vítima dos
primeiros contatos com os europeus, “dizimados” e “assimilados”, ou seja, em processo de
desaparecimento. Ao contrário, nos últimos anos, as pesquisas vêm destacando as ações
indígenas que nos revelaram que cada unidade indígena possui um caráter étnico, que lhes
permite construir e acionar um posicionamento frente ao não-indígenas nos diferentes
espaços de fronteiras e em novas territorializações pós-contato nas américas portuguesas,
espanhola e inglesa. E, mesmo que negados no plano discursivo, os povos indígenas
continuavam e continuam existindo e se mostram de forma organizada politicamente,
afirmando as suas etnicidades e reivindicando a legitimidade das suas memórias e histórias.

Profa. Dra Juciene Ricarte Apolinário –


PPGH-UFCG-, Brasil CHAM-UNL, Portugal
Coordenadora Geral do II COIMI/2018

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II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA,
DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

Sumário
APRESENTAÇÃO: ......................................................................................................................................7
GT 1 – ESCRAVIDÃO INDÍGENA E ESCRAVIDÃO NEGRA: AGÊNCIAS CONECTADAS NOS ESPAÇOS
COLONIAIS. ............................................................................................................................................ 14
JUNTA DAS MISSÕES NA CAPITANIA REAL DA PARAÍBA: UM DESDOBRAMENTO DA
ADMINISTRAÇÃO COLONIAL ........................................................................................................15
ALDEADOS DE PIRATININGA - MORADORES iNDÍGENAS E ADMINISTRADOS DE SÃO PAULO
COLONIAL (1694 - 1775) ...............................................................................................................30
ESCRAVIDÃO E DIREITO NO BRASIL: O PROBLEMA DO ANACRONISMO .......................................44
GT 2 - POLÍTICAS INDIGENISTAS E INDÍGENAS ENTRE OS SÉCULOS XVI AO XIX NO BRASIL E NA
AMÉRICA LATINA: SUAS ESPECIFICIDADES DIANTE DAS RELAÇÕES INTERÉTNICAS E PODERES LOCAIS
............................................................................................................................................................... 58
MECANISMOS PARA RESISTÊNCIA ADAPTATIVA INDÍGENA E SEUS ENTRAVES: POSSIBILIDADES E
DIFICULDADES NO SISTEMA COLONIAL PARA O ÍNDIO DA CAPITANIA DO RIO GRANDE, NO
SÉCULO XVIII ................................................................................................................................60
FORTIFICAÇÕES E ALDEAMENTOS NA RIBEIRA DO JAGUARIBE: POLÍTICAS INDIGENISTAS E AÇÃO
INDÍGENA NO FINAL DO SÉCULO XVII. ..........................................................................................68
FAMÍLIA E CASAMENTO INDÍGENA: UMA ANÁLISE HISTORIOGRÁFICA ........................................84
INDÍGENAS BANDIDOS A INICIOS DEL SIGLO XIX EN CUBA: ENTRE LA REALIDAD Y EL MITO ........96
O PORTO DE ARAPUTANGA ........................................................................................................105
GT 3 – RECONHECIMENTO DOS TERRITÓRIOS INDÍGENAS NA AMÉRICA: LUTAS, CONQUISTAS E
RETROCESSOS ENTRE OS SÉCULOS XX AOS DIAS ATUAIS ................................................................... 115
TERRA, TERRITÓRIO E TERRITORIALIDADE NO MOVIMENTO INDÍGENA COLOMBIANO .............117
CULTURA & DESENVOLVIMENTO UMA PERSPECTIVA ETNOGRAFIA DOS IMPACTOS
SOCIOAMBIENTAIS E CULTURAIS: O CASO DOS TABAJARAS DO LITORAL SUL DA PARAÍBA. ......128
MARCO TEMPORAL, UMA REFLEXÃO INICIAL DE SUAS IMPLICAÇÕES ANTROPOLÓGICAS .........136
GT 4 – MISSÕES RELIGIOSAS E POVOS INDÍGENAS NA AMÉRICA: SÉCULOS XVI AO XXI .................... 148
A ESTRATÉGIA TIRIYÓ/TARËNO NO CONTEXTO DE MISSÃO NO ESTADO DO PARÁ, ENTRE AS
DÉCADAS DE 1960 E 1980 ...........................................................................................................149
OS LADOS DA CRISTIANIZAÇÃO INDÍGENA: COLONIZADO E COLONIZADOR ..............................163
O CORTE DO ARAME E O CIMI. ...................................................................................................172
OS DEMÔNIOS INVADEM O NOVO MUNDO: A FÉ CRISTÃ E OS INDÍGENAS BRASILEIROS DO
SÉCULO XVI.................................................................................................................................185
ENSINO SUPERIOR PARA POVOS INDÍGENAS NO BRASIL: DESAFIOS E PERSPECTIVAS ...............194
GT 5 – EXPERIÊNCIAS DO ENSINO E PESQUISAS DA EDUCAÇÃO SUPERIOR INDÍGENA NA AMÉRICA
ENTRE OS SÉCULOS XX E XXI ............................................................................................................... 209

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II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA,
DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

PRODUÇÕES ACADÊMICAS EM EDUCAÇÃO NO TERRITÓRIO POTÎGŨARA – É POSSÍVEL


PESQUISAR E ESCREVER SEM VISIBILIZAR DISCURSOS E IDENTIDADES RACIALIZADAS? .............210
AQUI, NADA É FÁCIL: FORMAÇÃO DE REDE DE SOLIDARIEDADE ÉTNICA POR INDÍGENAS
POTIGUARA NA UNIVERSIDADE CONTRA PRECONCEITOS RACIAIS ............................................224
AÇÕES AFIRMATIVAS PARA ALUNOS INDÍGENA NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO SUL E SUDESTE
DO PARÁ-UNIFESSPA ..................................................................................................................234
MEMÓRIA, HISTÓRIA E PATRIMÔNIO: O CASO DA IGREJA DE SÃO MIGUEL ARCANJO DO POVO
POTIGUARA ................................................................................................................................249
AGÊNCIAS INDÍGENAS EM ALDEAMENTOS MISSIONÁRIOS: FACES DOS PODERES COLONIAIS NA
CAPITANIA DE PERNAMBUCO E SUAS ANEXAS (SÉCULOS XVII-XVIII) .........................................263
PROJETO DE LEITURA E ESCRITA .................................................................................................275
HISTÓRIAS EM QUADRINHOS; LINDAS POTIGUARAS .................................................................275
PROJETO DE LEITURA E ESCRITA: FABULAS POTIGUARA ............................................................284
GT 6 –DIREITOS INDÍGENAS E DIREITOS HUMANOS NA AMÉRICA ENTRE O SÉCULO XX AOS DIAS
ATUAIS ................................................................................................................................................. 297
A CONSTITUIÇÃO FEDERAL COMO GARANTIA DOS DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS ..............298
EDUCAÇÃO INDÍGENA E EDUCAÇÃO ESPECIAL DO POVO XERENTE: INTERFACE.........................302
ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA GWYRA PEPO: CONFLITOS E RESISTÊNCIAS ................................313
GT 7 - HISTÓRIAS INDÍGENAS E PERSPECTIVISMOS AMERÍNDIOS ..................................................... 324
SINTAGMAS COSMOLÓGICOS E UM PERSPECTIVISMO AMERÍNDIO: SOBRENATUREZA E
CONHECIMENTO ENTRE OS ÍNDIOS TUXÁ DA BAHIA ..................................................................325
INTERESSES DE UMA ETNO-HISTÓRIA ANCESTRAL, ....................................................................334
A CABOCLA BRAVA FRANCISCA GOMES DE SOUSA ....................................................................334
ANÁLISE JURÍDICA DOS DIREITOS HUMANOS E DIREITO AMBIENTAL NA PROTEÇÃO A CULTURA
INDÍGENA E O USO DOS RECURSOS NATURAIS EM SEU MEIO AMBIENTE SUSTENTÁVEL...........348
DIÁLOGOS COSMOLÓGICOS: UMA NARRATIVA DA CRIAÇÃO BÍBLICA DO GÊNESIS ENTRE OS
CRISTÃOS E A NARRATIVA DO MITO DA CRIAÇÃO PELOS ÍNDIOS BRASILEIROS APAPOCÚVA-
GUARANI ....................................................................................................................................364
ENSINO DE LEITURA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES DELÍNGUA PORTUGUESA À LUZ DE
DOCUMENTOS OFICIAIS QUE REGULAMENTAM A EDUCAÇÃO INDÍGENA .................................372
GT 8 – POVOS INDÍGENAS DA AMÉRICA ENTRE O SÉCULO XVI E O XXI: PROCESSOS DE MESTIÇAGENS,
QUESTÕES RELIGIOSAS, IDENTIDADES E RECONHECIMENTO ............................................................ 387
PARTICIPAÇÃO DOS INDÍGENAS ARIÚ PARA FORMAÇÃO DO POVOAMENTO DE CAMPINA
GRANDE .....................................................................................................................................388
OS ÍNDIOS XUKURU DO ORORUBÁ E A CONSTRUÇÃO DO XEKER JETÍ NA SERRA DO ORORUBÁ –
PE ...............................................................................................................................................402

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

“MARACATU NÃO É PAR, É ÍMPAR”: PRÁTICAS CULTURAIS, IDENTIDADES E ESTRATÉGIAS NO


MARACATU RURAL DE PERNAMBUCO (2000-2014) ...................................................................412
MEMÓRIA E IDENTIDADE: POVO POTIGUARA DA PARAÍBA .......................................................427
GT 9 - DIRETÓRIO DOS ÍNDIOS E SUA DIVERSIDADE DE EXECUÇÃO NAS DIFERENTES CAPITANIAS DO
BRASIL E GRÃO PARÁ E MARANHÃO ENTRE OS SÉCULOS XVIII E XIX ................................................. 446
O DIRETÓRIO DOS ÍNDIOS E A DINÂMICA SOCIOESPACIAL NA MISSÃO DO GUAJIRÚ: DE SÃO
MIGUEL À VILA NOVA DE ESTREMOZ DO NORTE – CAPITANIA DO RIO GRANDE .......................447
PROCESSO DE TERRITORIALIZAÇÃO E A POLÍTICA POMBALINA: APONTAMENTOS SOBRE A
EREÇÃO DA VILA DE ÍNDIOS DE PORTALEGRE, CAPITANIA DO RIO GRANDE DO NORTE (1761) .455
GT 10 – O ENSINO DA TEMÁTICA INDÍGENA E OS 10 ANOS DA LEI Nº 11. 645/20008: EXPERIÊNCIAS,
DISCUSSÕES E PROPOSTAS ................................................................................................................. 469
OS INDÍGENAS XUKURU-KARIRI EM PALMEIRA DOS ÍNDIOS/AL: ENTRE MIGRAÇÕES, RETORNOS
E RETOMADAS DO TERRITÓRIO ..................................................................................................470
“TERRA VERMELHA”: O ENSINO DA HISTÓRIA INDIGENA ATRAVÉS DA FONTE
CINEMATOGRÁFICA....................................................................................................................481
RELATO DE EXPERIÊNCIA: ENSINO DA TEMÁTICA INDÍGENA NA FORMAÇÃO SUPERIOR EM
SAÚDE ........................................................................................................................................492
EDUCAÇÃO FÍSICA E CURRÍCULO: POSSIBILIDADES DE (RE)SIGNIFICAÇÃO DA CULTURA CORPORAL
DO POVO INDÍGENA POTIGUARA-PB .........................................................................................500
A LEI 11.645 NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INDÍGENA ..............................................................517
OLHARES SOBRE EXPERIÊNCIAS NA AULA DE HISTÓRIA INDÍGENA: DESAFIOS, MEMÓRIAS E
ESQUECIMENTOS. ......................................................................................................................529
POR UMA EDUCAÇÃO ÉTNICO-RACIAL: A QUESTÃO INDÍGENA NO ENSINO FUNDAMENTAL II..540
AS REPRESENTAÇÕES DOS INDÍGENAS APÓS A LEI 11.645/2008 E AS ESTRATÉGIAS PARA
DESCONSTRUÇÃO DE ESTEREÓTIPOS .........................................................................................553
TÓPICOS EM HISTÓRIA DOS ÍNDIOS NO BRASIL: RELATO DE EXPERIÊNCIA NO IFRN – CAMPUS
AVANÇADO PARELHAS ...............................................................................................................563
OS POVOS INDÍGENAS NA ESCRITA DA HISTÓRIA DO BRASIL: O ENSINO SUPERIOR E A
RENOVAÇÃO HISTORIOGRÁFICA ................................................................................................578
EXPERIÊNCIAS IDENTITÁRIAS DOS ESTUDANTES INDÍGENAS NA UFT – CAMPUS DE PALMAS....591
A PRÁTICA DOCENTE À LUZ DA LEI 11.645/2008. UM ESTUDO DE CASO ....................................602
QUAL O ÍNDIO QUE VOCÊ CONHECE? IMAGENS SOBRE OS ÍNDIOS EXPRESSAS POR ESTUDANTES
DO COLÉGIO DE APLICAÇÃO/UFPE .............................................................................................617
ÍNDIO EDUCA: NOVAS TECNOLOGIAS PARA O ENSINO/APRENDIZAGEM DA HISTÓRIA INDÍGENA
NO ENSINO BÁSICO BRASILEIRO .................................................................................................625
A FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DO PROFESSOR QUE ATUA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS INDIGENAS .................................................................................................................633

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II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA,
DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

A PRESENÇA DA TEMÁTICA INDÍGENA NA EDUCAÇÃO BÁSICA: PROBLEMATIZANDO PRÁTICAS


PEDAGÓGICAS EM ESCOLAS PRIVADAS, DEZ ANOS APÓS A LEI Nº 11.645/2008 ........................648
SAÚDE, DIVERSIDADE E CULTURA: A EXPERIÊNCIA DAS RODAS SOBRE SAÚDE DOS POVOS
INDÍGENAS .................................................................................................................................654
GT 11 - AUTONOMIAS, ETNICIDADE E NAÇÃO. OS NOVOS MOVIMENTOS INDÍGENAS NA AMÉRICA
LATINA A PARTIR DE 1980 ................................................................................................................... 664
LA GUERRA DE CONQUISTA SOBRE EL CAMPO MEXICANO: RESISTÊNCIAS, IDENTIDADE E
TERRITORIALIDADE ZAPATISTA ..................................................................................................665
“AQUI É TODO MUNDO ÍNDIO KARIRI”: PROCESSO DE AUTOAFIRMAÇÃO ÉTNICA DE
MORADORES DO SÍTIO POÇO DANTAS NA CIDADE DE CRATO-CE ..............................................674
GT 12 - PATRIMÔNIO CULTURAL E QUESTÕES INDÍGENAS: ARQUIVOS, MUSEUS E BIBLIOTECAS NA
TESSITURA DAS MEMÓRIAS ................................................................................................................ 688
A COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA EM JOGO: UM DEBATE ENTRE HISTÓRIA PÚBLICA E JOGOS
DIGITAIS .....................................................................................................................................690
UM OLHAR SOBRE O MUSEU INDÍGENA JENIPAPO-KANINDÉ: MEMÓRIA E IDENTIDADE ÉTNICA
...................................................................................................................................................714
HISTÓRIAS INDÍGENAS E MITOS RESTAURADORES: ...................................................................727
RUÍNAS, SANTOS E FESTAS NA ETNOGÊNESE DO POVO POTIGUARA .........................................727
HISTÓRIA E MEMÓRIA DA AFRO-JUREMA: O TOMBAMENTO DO SÍTIO DE ACAIS (ALHANDRA-PB)
...................................................................................................................................................728
GT 13 - HISTÓRIA AMBIENTAL E ETNOHISTORIA INDÍGENA ............................................................... 747
ANÁLISE JURÍDICA DOS DIREITOS HUMANOS E DIREITO AMBIENTAL NA PROTEÇÃO A CULTURA
INDÍGENA E O USO DOS RECURSOS NATURAIS EM SEU MEIO AMBIENTE SUSTENTÁVEL...........748
A GUERRA DOS BÁRBAROS: LEVANTE INDÍGENA E HOLOCAUSTO NO NORDESTE COLONIAL.
POESIA E RESISTÊNCIA NOS FOLHETOS POPULARES. ..................................................................762
REFLEXÕES SOBRE A ESCRITA DA HISTÓRIA AMBIENTAL REFERENTE À CAÇA AS BALEIAS NO
BRASIL COLONIAL .......................................................................................................................775
ANÁLISE QUALITATIVA E QUANTITATIVA DOS LAUDOS DE CITOLOGIA CERVICAL DE 2016 DA
POPULAÇÃO INDÍGENA ALDEADA DE ETNIA POTIGUARA DO ESTADO DA PARAÍBA. .................793
AVALIAÇÃO DAS ANÁLISES BACTERIOLÓGICAS DA ÁGUA DAS ALDEIAS INDÍGENAS DE ETNIA
POTIGUARA DO MUNICÍPIO DE BAIA DA TRAIÇÃO NO ANO DE 2016. ........................................805
OS AMBIENTES E A ECOLOGIA DOMÉSTICA ENTRE OS POTIGUARA DA ALDEIA JARAGUÁ, PB. ..815
LOUIS-FRANÇOIS DE TOLLENARE – (1816 - 1818) E SEUS OLHARES SOBRE OS ÍNDIOS ...............821
GT 14 - PROTAGONISMO INDÍGENA E INQUISIÇÃO NA AMÉRICA ...................................................... 827
ÍNDIGENAS MADINGUEIROS DENUNCIADOS AO SANTO OFÍCIO NA CIDADE DO NATAL: O CASO
DE JOSÉ RODRIGUES MONTEIRO E MANUEL PEDRO (1755-1762) ..............................................828

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

O PROTAGONISMO INDÍGENA: AS TRANSFORMAÇÕES CONCEITUAIS NO DECORRER DO TEMPO


ATRAVÉS DO CINEMA .................................................................................................................840
GT 15 - INDIGENAS E QUILOMBOLAS NO BRASIL: RESISTÊNCIA, IDENTIDADE, CULTURA E TRADIÇÃO
............................................................................................................................................................. 853
A FORMAÇÃO DO GRUPO DE PRODUÇÃO AUDIOVISUAL BURDUNA FILMES .............................854
ESCOLA KIRIRI COMO LUGAR DE RESISTÊNCIA: ESPAÇO ARQUITETÔNICO NA CONSTRUÇÃO
IDENTITÁRIA ...............................................................................................................................866
MESTIÇAGEM EM PERSPECTIVA: O MOVIMENTO DOUTRINÁRIO VALE DO AMANHECER SUAS
INFLUÊNCIAS AFROBRASILEIRAS E INDIGENAS ...........................................................................880
A GUERRA, OS QUILOMBOS E OS CORONÉIS DE PRINCESA: PERCURSOS DE MEMÓRIA E
RESISTÊNCIA ...............................................................................................................................888
GT 16 - HISTÓRIA INDÍGENA E ARQUEOLOGIA NAS AMÉRICAS .......................................................... 897

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

GT 1 – ESCRAVIDÃO INDÍGENA E ESCRAVIDÃO NEGRA: AGÊNCIAS


CONECTADAS NOS ESPAÇOS COLONIAIS.

Profa. Dra. Patricia Melo Sampaio (UFAM)

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ISSN:

JUNTA DAS MISSÕES NA CAPITANIA REAL DA PARAÍBA: UM DESDOBRAMENTO


DA ADMINISTRAÇÃO COLONIAL

ARAÚJO, Lana Camila Gomes

Universidade Federal de Campina Grande

lanacamilagomes@gmail.com

APOLINÁRIO, Juciene Ricarte

Universidade Federal de Campina Grande

apolinárioju@hotmail.com

Introdução

Desde o início do processo colonizador, a atividade missionária esteve


intrinsicamente relacionada aos processos de expansão territorial europeia. Acreditava-se
que a aliança entre a Coroa e a Igreja era uma das maneiras mais eficazes para manter as
conquistas territoriais e que a catequização indígena, haveria novos e obedientes súditos
para o rei.
Reconhecendo a importância da atividade da atividade religiosa das mais diferentes
ordens presentes na América Portuguesa, como jesuítas, carmelitas, franciscanos, etc, frente
às causas indígenas, a Coroa criou em 1655, na cidade de Lisboa, uma Junta específica para
tratar das missões religiosas: Junta Geral das Missões ou Junta dos Missionários ou Junta da
Propagação da Fé, em virtude de sua natureza. (Mello, 2003, p. 2).
Na América Portuguesa, as primeiras Juntas que se estabeleceram foi no ano de
1681, nas capitanias do Rio de Janeiro e Pernambuco, configurando-se enquanto um
desdobramento tipológico da estrutura interna da administração central na época colonial.
As novas Juntas ficaram responsáveis em atender as demandas respeitantes às questões
missionárias religiosas envolvendo os homens e mulheres indígenas, além das decisões
sobre escravidão e liberdade destes.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

Ocorre que as temáticas envolvendo os povos indígenas, foram por muitos anos
deixadas de lado pela historiografia oficial. Os indígenas foram invisibilidades da escrita
oficial da história do nosso país. Restando, apenas, as narrativas que os inseriam como
coadjuvantes dos grandes feitos dos colonizadores. Somente em meados da década de 80 se
intensificaram os estudos sobre as culturas indígenas, possuindo ainda muitas lacunas sobre
a História indígena e, consequentemente, sobre a Junta das Missões, especialmente de
forma localizada nas antigas capitanias.
Logo, pesquisar sobre a Junta das Missões na Capitania Real da Paraíba envolve
muitos desafios, pois envolve discussões sobre Administração Colonial, Relações
Interétnicas, Agenciamentos Indígenas, e ainda lidar com uma historiografia cheia de lacunas
sobre a nossa própria história, sem mencionar a responsabilidade de abordar temáticas
ainda pouco visitadas pelos pesquisadores.
Sabemos que estudar o período colonial não é tarefa fácil, principalmente porque o
acesso às fontes é restrito e estas, escassas. A maioria das fontes são documentos oficiais
que precisam além de ser compreendidos em suas diferenças quanto a sua tipologia (cartas,
certidões, consultas, despachos, provisões, requerimentos, etc), exigem do pesquisador,
conhecimento, experiência, técnicas para transcrição paleografia e o que julgo ser mais
importante: persistência.
Isso porque a documentação não é meramente transcrita ou traduzida, ela precisa
ser analisada, e muitas vezes, inclusive, à contrapelo, em favor daqueles que foram
silenciados durante o processo do registro oficial. Sendo assim, este trabalho é apenas uma
parte das pesquisas que tenho me dedicado ao longo dos últimos oito anos.

As primeiras Juntas das Missões

No final do reinado de D. João IV, era crescente o entendimento de que o meio mais
eficaz para a conservação dos domínios ultramarinos portugueses era cuidar da propagação
da “fé católica” nas novas conquistas ultramarinas. Para tanto, a Coroa por intermédio da

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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Igreja necessitava manter os seus missionários atuantes nas recentes possessões, a fim de
poder garantir a autoridade do reino lusitano, ameaçada por outras potências estrangeiras.
Para tanto, foi necessária a criação de um organismo ligado à administração central que
tratasse exclusivamente das questões referentes às missões ultramarinas e onde os
missionários das conquistas pudessem recorrer e apelar. (MELLO, 2007).
Em 1655, foi criada a primeiras Junta das Missões, conhecida também como Junta
Geral das Missões, em Lisboa. A nova instituição colonial, desmembrou-se da estrutura
interna da administração central e seria, a partir de então, responsável por tratar dos
assuntos que envolvessem o processo de cristianização dos nativos das colônias portuguesa.
Estavam entre as suas várias competências: examinar a legitimidade dos cativeiros dos
indígenas e apreciar como instância final as apelações das causas de liberdade dos índios.
No que se refere a constituição da Junta Geral das Missões, é importante destacar
que esta atuava em consonância com outros órgãos políticos-administrativos, como o
Conselho Ultramarino. E, outra especificidade é que, apesar da Junta das Missões ser um
projeto institucional para tratar sobre as missões e condições dos homens e mulheres
indígenas nas colônias, a Igreja não foi inserida na sua criação, mas apenas em um segundo
momento, como aponta Mello (2007).
Discorre ainda Mello que em 1678 foram expedidas ordens aos Governadores Gerais
e ao Vice-rei da Índia que enviassem para a Junta de Lisboa, sobre o estado das missões e os
progressos cristãos na colônia oriental. As respostas agradaram ao Rei, que tomou
conhecimento do aumento da propagação da fé nas Índias e o estimularam a constituir o
estabelecimento de outras Juntas Ultramarinas, constituindo em Goa, a primeira Junta das
Missões subordinada à Junta Geral das Missões do Reino. E, posteriormente, foram criadas
Juntas das Missões em Angola, Pernambuco, Rio de Janeiro e Cabo Verde, bem como na
Bahia (1688), no Pará (1701), em São Paulo (1746) e novamente no Rio de Janeiro (1750),
estas, instituídas por Carta Régia de 7 de março de 1681.
A adaptação dos religiosos e administradores coloniais à Junta das Missões foi
complicada e complexa. A nova instituição político-religiosa se caracterizava enquanto um
novo projeto, com dinâmica específica, mas que não foi claramente explicitada em

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documentos oficiais. Um ofício1 do Rei de Portugal à Inquisição de Goa – África, onde foi
instalada a primeira Junta das Missões fora de Lisboa, revela a preocupação do reino em
enviar um visitador para as partes do norte, para conceder recomendações acerca das
missões e outros assuntos.

A necessidade de se estabelecer uma Junta das Missões na Capitania Real da Paraíba

As capitanias coloniais enfrentavam dificuldades para julgar as causas de liberdade


dos índios perante a Junta das Missões, especialmente, devido as grandes e longas distâncias
entre uma Junta e outra. Em uma provisão(minuta) 2 datada de 13 de março de 1733,
enviada ao ouvidor-geral da Paraíba, Tomás da Silva Pereira, o Rei Dom João V reconhece
que a distância entre a capitania da Paraíba e Pernambuco acabavam dificultando os
processos da Junta das Missões.
Porém, enfatizava o rei sobre a importância de cada ouvidor e capitanias seguir a
jurisdição, devendo agir dentro de suas competências, averiguando sumariamente se era
justa, ou não, a liberdade dos índios que nela se achassem cativos. Ademais, continuava o rei
a afirmar que esse era o único meio pelos quais poderiam ser defendidos os direitos dos
cativos, pois “sua incapacidade e pobreza não lhes dera lugar para se defender por meios
ordinários”.
Vale salientar que, fora encontrado, durante o processo de pesquisa, uma provisão 3
(minuta) do rei D. João V ao ouvidor geral de Alagoas, do dia 13 de março de 1733, com teor
praticamente idêntico à provisão acima mencionada, na qual deixa claro o rei que a
subordinação perante as Juntas é uma ordem expedida para todos os ouvidores do estado
do Brasil, para que eles conheçam sumariamente as causas de liberdade dos índios, cabendo
a Junta das Missões de cada distrito a sentença final.

1
OFÍCIO a Inquisição de Goa. 24/03/1692. Lisboa, Portugal: [s.n.]. D.01
2
PROVISÃO (minuta) do rei D. João V, ao ouvidor-geral da Paraíba. AHU-Paraíba, mç. 28, doc. 53, 13 de
março de 1733. AHU_ACL_CU_014, Cx. 8, D. 691.
3
PROVISÃO (minuta) do rei D. João V ao ouvidor-geral de Alagoas, 13 de março de 1733.Anexo: 2ª via. AHU,
Alagoas Avulsos, Cx. 1, Documento 83.

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Mello (2003) alude que as formações das Juntas eram bem heterogêneas, estando
presentes representantes de esferas de poder diferentes: justiça, finanças e religião. De
acordo com a autora, cada capitania possuía uma composição. A maioria das Juntas eram
compotas por Ouvidores Gerais, Provedores da Fazenda e Bispos ou Vigários Gerais, na
ausência dos Bispos. Todavia, a sede do governo-geral do Brasil, a capitania da Bahia,
apresentava necessidades singulares, pelas quais o governador desta, solicitou ao reino que
as Juntas fossem compostas ainda por Prelados Superiores de cada ordem religiosa que
possuíssem missões; pedido, que foi autorizado no ano de 1696.
A atuação dos missionários na Capitania Real da Paraíba perante a Junta esteve
restrita a subordinação a Junta da capitania de Pernambuco, a qual tinha como competência
analisar as questões indígenas em sua capitania e nas anexas (Alagoas, Paraíba, Rio Grande e
Ceará, subordinadas ao bispado de Pernambuco). Vale destacar que, apesar de associarmos
na maioria das vezes o projeto de catequização indígena aos jesuítas, outras ordens
religiosas como a dos Carmelitas descalços, Beneditinos, Franciscanos e Capuchos de Itália,
também estavam envolvidas no projeto colonizador missionário.
Em provisão4 do ano de 1600, do capitão-mor da Paraíba, servindo o mesmo de
provedor-mor da Fazenda Real, Feliciano Coelho de Carvalho, ao feitor e almoxarife da
Fazenda Real da mesma capitania, Fomes dias, ordenou o pagamento da quantia de 46 mil
réis ao padre Frei Anastácio, presidente dos padres da Ordem de São Bento, destinado este
valor para os serviços de doutrina e cristandade dos “gentios aldeados”.
Os povos originários aldeados eram aqueles colocados nos aldeamentos, espaços
próprios pensados e criados pelos colonizadores, para agrupar os homens e mulheres
indígenas, de várias etnias em um único espaço. Os aldeamentos objetivavam a perda da
identidade dos indígenas com o local de origem, que poderia provocar mudanças nas
práticas culturais indígenas e novas ressignificações. Mas o que pretendiam que era a perca
da etnicidade os colonizadores não conseguiam, pois como afirma João Pacheco de Oliveira
(1999) o processo de nova territorialização ocorria, mas não subsumia as etnias indígenas 5.

4
Provisão (treslado) do capitão-mor da Paraíba, 13 de março de 1600. Paraíba AHU-Paraíba, cx. 1.
AHU_ACL_CU_014, Cx. 1, D. 2.
5

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Além do mais, não se perde nem cultura, nem identidade, nem etnicidade, pois ambas estão
em constante transformação e se dão também entre os contatos, adquirindo novas
ressignificações.
Para facilitar a dita civilização dos índios, a localização dos aldeamentos ficava
estrategicamente próxima aos assentamentos portugueses e mais distantes das demais
povoações, sob forma de defesa, como aponta Cavalcanti (2009).
Cem anos depois, em decreto6, o rei Dom Pedro II ordenava ao Conselho Ultramarino
consultar o papel que fez o ex Capitão-mor da Paraíba, Manuel Soares de Albergaria, sobre
as missões da capitania. Além de propor que a Junta das Missões se encarregasse de
algumas dessas missões aos padres da Companhia de Jesus, oferecendo aos missionários
côngrua7 e casa de residência.
Manuel Soares de Albegaria, enquanto Capitão-Mor da capitania da Paraíba ficou
conhecido por incentivar as lutas contra o “gentio tapuia do sertão”, oferecendo munições e
gentes, ao Capitão-Mor dos Sertões das Piranhas e Piancó, Teodósio de Oliveira Ledo. Em
outro episódio de 16998, o Capitão-Mor Albegaria, incentivava a precaução a uma possível
luta contra a nação de tapuias, denominados Ariu, que estavam aldeados em um lugar a que
chamavam a Campina Grande.
A consulta descrita aponta que os Ariu tinham sido levados ao aldeamento chamado
de Campina Grande por Teodósio de Oliveira Ledo em 1697 e foram aldeados junto a
quarenta Cariri, sob a perspectiva que queriam viver como vassalos de Vossa Majestade e
reduzirem-se a Santa Fé Católica. Mesmo assim, com receio e para acompanhar tal
transferência, ordenava o capitão o envio de dez soldados e o conserto das armas, para que
combatessem aquela “grande quantidade de índios”.

6
DECRETO do rei D. Pedro II, 6 de novembro de 1700. Obs.: consulta reg. CU, cód. 265, fól. 155v-156.AHU-
Paraíba, cx. 5, doc. AHU_ACL_CU_014, Cx. 3, D. 238.
7
O termo “côngrua” é originalmente um adjetivo. Se referia a um auxílio financeiro concedido pela Fazenda
Real às ordens religiosas no território ultramarino. A finalidade das côngruas eram manter a estrutura
eclesiástica, viabilizar uma ação pastoral e construir, conservar a ornamentar os templos. Dessa maneira,
garantiam ao clero condições materiais que lhe proporcionassem uma vida decente na Colônia Portuguesa.
LIMA (2014)
8
CONSULTA do Conselho Ultramarino. 3 de setembro de 1699. Anexo: 2 docs.AHU-Paraíba, cx. 5, doc.
AHU_ACL_CU_014, Cx. 3, D. 226.

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A documentação discorre como a administração colonial associada ao sistema do


Padroado criavam meios de punição aos indígenas que não aderissem ao seu projeto
colonial. Mas também, principalmente, revela como os homens e mulheres indígenas
resistiam diante da imposição colonizadora, mesmo sendo severamente punidos, até
mesmo, com a morte.
De acordo com Medeiros (2008), as nações indígenas do sertão da Capitania da
Parahyba vivenciaram diversas situações relativas ao contato no século XVIII: guerras,
acordos de paz, redução, participação militar nos conflitos com outros grupos indígenas e o
impacto que a política pombalina teve no processo de desenraizamento espacial e cultural
das identidades étnicas existentes e a construção de novas identidades. E, os indígenas da
região como Icó, Xucuru, Cariri, Corema, Pega, criaram mecanismos diferentes de resistência
para se inserirem no espaço dentro de uma ordem colonizadora.
Medeiros (2008) elenca, a partir de análise documental, que em 1709, por exemplo,
Teodósio de Oliveira Ledo enviou uma carta ao Rei de Portugal, relatando que os Pega e
Corema “inquietavam” os moradores, pelo fato de serem uma grande nação e com mais de
mil e tantos arcos. O rei, por sua vez, respondeu ao referido Capitão-Mor dos Sertões das
Piranhas e Piancó, que se fosse preciso, declarasse guerra contra estes tapuias. Além da
proteção com os arcos, os documentos evidenciam uma frequência de furtos aos moradores
das redondezas dos Piranhas, pelos tapuias da região.
Outra forma de resistência pode ser verificada a partir dos conflitos de terras. A
Coroa Portuguesa, preocupados em dominar o território colonial, tomaram as terras dos
nativos, sobre repressão e guerra, ocasionando destruição e mortes. A tomada de terras
associava-se também, ao projeto missionário sob orientação da Junta das Missões, na
formação dos aldeamentos e na transferência dos tapuias de uma região para outra.
Diante disso, como estratégia de sobrevivência, aponta Medeiros (2008), algumas
nações indígenas passaram permitir a ocupação de suas terras aos colonizadores em troca
de uma relação de paz, podendo ser entendidas como uma estratégia de sobrevivência
étnica.

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Na disputa por posse de terras, em certidão de 17529, do ouvidor-geral da Paraíba,


José Ferreira Gil, este comprovava ter encontrado, durante a correição executada no sertão
do Piancó, os Tapuias da nação Panati, os quais se recusavam a ir para onde a Junta das
Missões determinara. Conforme tal documentação, a Junta das Missões enviou ordem para
transferir os Panati para terras na travessia do Pajaú, mas os nativos se recusavam e tal
situação se agravava porque no distrito onde estavam, não havia missionários.
Vale salientar que apesar de fazer parte de um projeto antigo da colônia, no século
XVII, muitas etnias indígenas ainda não faziam parte dos aldeamentos. A escassez de
missionários nas aldeias do sertão da Paraíba foi constante na primeira metade do século
XVIII. Em 1715, por exemplo, o capitão-mor da Paraíba, João da Maia Gama, escreve ao Rei
de Portugal, informando que a nação dos Korema, Panati, Fagundes, Icós, Pega, Kanindé e
Kaburé, se achavam sem missionário, embora a maior parte deles já tivessem tido.
(MEDEIROS, 2008).
Cavalcanti (2009) afirma que muitos foram os pedidos dos religiosos para
administrarem aldeamentos que não tinham missionários, como no exemplo acima citado,
no qual o capitão-mor da Paraíba solicita religiosos, especificamente aqueles observantes da
Nossa Senhora do Carmo da Reforma. Em documento datado de 17 de abril de 1747, o prior
do Carmo da Paraíba, João de Santa Rosa afirmava sobre as condições de vida dos índios do
sertão e dos problemas para realizar a catequização, ressaltando que o principal embargo
era o estado de “barbárie” em que estes índios se encontravam.
Por estar a capitania da Paraíba sujeita à Junta das Missões do bispado de
Pernambuco, há vários documentos sobre a atividade missionária na Paraíba nos arquivos de
Pernambuco. Sendo assim, de acordo com Medeiros (2008), em 1746 foi publicada na
Descrição de Pernambuco um quadro contendo a distribuição das aldeias no sertão da
capitania da paraíba pelas ordens religiosas e os povos indígenas por elas missionados.

9
CERTIDÃO do ouvidor-geral da Paraíba. 25 de janeiro de 1752. AHU-Pernambuco. AHU_ACL_CU_014, Cx.
16, D. 1321.

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Relação das ações missionárias nas aldeias da Capitania da Paraíba, 1946


Região Aldeia Missionário Povos
Paraíba Jacoca Beneditino Caboclos de língua geral
Paraíba Utinga Beneditino Caboclos de língua geral
Mamanguape Baía da Traição Carmelita da Caboclos de língua geral
reforma
Mamanguape Preguiça Carmelita da Caboclos de língua geral
reforma
Mamanguape Boa Vista Religioso S. Teresa Canindé e Xucuru
Taipu Cariris Capuchinho Tapuia
Cariri Campina Grande Hábito S. Pedro Cavalcanti
Cariri Brejo Capuchinho Fagundes
Piancó Panati Religioso de S. Tapuia
Teresa
Piancó Corema Jesuíta Tapuia
Piranhas Pega Sem Missionário Tapuia
Rio do Peixe Icó Pequeno Sem Missionário Tapuia

Tabela 2: Documento Informação Geral da Capitania de Pernambuco em 1749, publicada nos


Anais da Biblioteca Nacional. Revista do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico
Pernambucano, Recife, 11, p. 168/180, 1904 e Anais da Biblioteca Nacional, v. 28,
p.117/496,1906. In.: MEDEIROS, Ricardo Pinto de. Contatos, conflitos e redução: trajetórias
de povos indígenas e índios aldeados na Capitania da Paraíba durante o século XVIII. Anais
do II Encontro Internacional de História Colonial. Mneme – Revista de Humanidades. UFRN.
Caicó (RN), v. 9. n. 24, Set/out. 2008. Disponível em: <
www.cerescaico.ufrn.br/mneme/anais>. Acesso 03 mai. 2016

Além da dificuldade em relação a ausência de missionários nas aldeias Piranhas e Rio


do Peixe, os problemas em relação a catequização dos povos indígenas ia além. A dinâmica
da colônia não se restringia a relações de dominação. Pelo contrário, os indígenas reagiam
incentivando rebeliões, por exemplo, e ainda incitavam os negros africanos a se unirem em
prol da sobrevivência de seus povos.
A resistência era entendida como desordens e violências, tendo como um dos
motivos mais decorrentes a falta de demarcação das terras, a Coroa Portuguesa solicitava10

10
CARTA do capitão-mor da Paraíba. Paraíba, 27 de abril de 1736. AHU_ACL_CU_014, Cx. 10, D. 800.

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a demarcação das terras dos índios e a colocação de marcos nos limites da capitania com a
de Pernambuco e a do Rio Grande.
As formas de resistência indígena podem ser diversas. Freire (2012) ao investigar as
atuações missionárias dos carmelitas descalços em Boa Vista – capitania da Paraíba, no
século XVIII, revela que, apesar da repressão missionária colonial desta ordem religiosa em
relação as práticas culturais dos indígenas, estes mantiveram um ritual tradicional, honrando
suas tradições e desalinhando o tecido do projeto colonial, causando-lhe manchas, fissuras,
nódoas.
O ritual da jurema sagrada, de acordo com a historiadora Freire (2013) era prática
cultural dos indígenas Kanindé e Xukuru, que mesmo com a intervenção secular eclesiástica,
não abandonaram suas tradições. Incomodados por não cessarem com essa atividade
indígena, os carmelitas descalços representados pelo governador de Pernambuco, Henrique
Luís Pereira Freire, enviam uma carta ao Conselho Ultramarino do rei D. João V, informando
sobre o “uso que fazem os índios de uma bebida chamada Jurema”.
De acordo com as pesquisas de Freire (2012), este caso fez criar uma Junta das
Missões no ano de 1739, especificamente para discutir como após a transferência desses
povos do sertão para o litoral, a catequização e o intenso compromisso dos religiosos na
catequização, dos indígenas considerados feiticeiros continuavam com tais práticas
heréticas. Por não se renderem aos interesses colono-missionário, o desfecho foi a prisão
dos índios em Mamanguape por suas práticas religiosas julgadas transgressoras.
Este caso juntamente incentiva o debate sobre a insuficiência da Junta das Missões
de Pernambuco frente a demanda da capitania da Paraíba. Assim, no ano seguinte, o
capitão-mor da Paraíba, Pedro Monteiro de Macedo, escreveu ao rei de Portugal, Dom João
V, sobre a necessidade de estabelecer na capitania uma nova Junta das Missões, com um
requisito: que fosse independente do governo de Pernambuco.
O interesse na instalação de uma Junta decorria de vários interesses políticos e
religiosos internos. Para tanto, nos propusermos a fazer uma análise minuciosa da
documentação acima mencionada no capítulo seguinte, partindo do pressuposto de que
ainda há muito o que se discutir quando se trata de história indígena na nossa região. E,

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também, de que além de um artifício da Igreja e da administração colonial, a Junta das


Missões atuava enquanto um “Mecanismo de acesso à justiça colonial utilizado pelos índios
na primeira metade do século XVIII, através da análise das apelações de sentenças de
liberdade de índios proferidas nas Juntas das Missões. (Mello, 2005, p.1)
Mello (2005) ao elucidar sobre atuação da Junta das Missões na capitania do Pará e
Maranhão concluiu que ao desvendar o quotidiano desse tribunal, cuja diligência estava no
ajustamento dos contraditórios interesses da sociedade local, onde se entrecruzavam
colonos, índios, missionários e autoridades coloniais, estava longe de ser um espaço
privativo do poder dos colonos missionários ou da defesa inflexível dos seus interesses,
convergindo as demandas de todos os setores da sociedade colonial.
Assim, buscou-se analisar a documentação entendendo o século XVIII como um
período de instabilidade e complexidade cultural, social, política e econômica,
diferentemente do que propôs a historiografia dita oficial, pretendeu-se verificar as
vulnerabilidades do sistema colonial frente as diversidades das questões indígenas, como.
No sentido que, apesar da documentação analisada compor o registro das atividades
por parte das autoridades civis, militares e eclesiásticas, é possível verificar a submissão
financeira da Igreja ultramarina à Coroa decorrente do direito de Padroado e suas
consequências bastante perniciosas para a estruturação da Igreja na Colônia e para as
relações entre o clero e sua população. Revelando que, a atuação das diversas ordens
religiosas em relação aos povos indígenas relacionava-se com a criação e promulgação da
legislação indigenista.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar do Capitão-mor Monteiro de Macedo solicitar em 1739, ao rei Dom João V, a


criação de uma Junta das Missões na capitania da Paraíba independente de Pernambuco, e
informar sobre as reais necessidades para a nova Junta, seu pedido lhe foi negado.
Rejeitando o pedido, a Coroa Portuguesa continuou a subordinar a capitania da Paraíba à
Pernambuco, nos assuntos relacionados as missões religiosas.

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As primeiras Juntas das Missões na América Portuguesa foram criadas em 1681, se


constituindo enquanto um desmembramento tipológico da estrutura interna da
administração colonial, a fim de tratar sobre os assuntos relacionados ao projeto missionário
religioso dos povos indígenas nas colônias portuguesas, bem como os assuntos
correspondentes a escravidão e liberdade destes povos.
Assim, caracterizou-se enquanto um instrumento colonial o qual legislava sobre os
povos originários, tendo como princípio expandir a fé católica a partir da catequização dos
homens e mulheres indígenas. A preocupação em converter o nativo estava além de um
interesse social, mas, sobretudo econômico, pois “docilizar” o “gentio” permitiria não
somente a inserção deste como vassalo do rei e pagador de impostos, mas também a
utilização de sua mão de obra nos negócios do pau-brasil e açúcar, por exemplo.
Na capitania da Paraíba não foi formada uma Junta das Missões, pois era
subordinada a Junta da capitania de Pernambuco. A subordinação causava, não somente
conflitos de ordem religiosa e intelectual, mas principalmente política, pois fazia com que a
Paraíba tivesse que recorrer sempre a jurisdição de Pernambuco para solucionar seus
próprios problemas internos. Além do mais, havia disputas de poder entre os políticos da
Paraíba e Pernambuco, o que levou ao capitão-mor Monteiro de Macedo solicitar a criação
de uma Junta na Paraíba. Sem êxito, os assuntos missionários da Paraíba continuaram sendo
avaliados e julgados pela Junta das Missões de Pernambuco.
A documentação analisada revela que mesmo com os investimentos religiosos os
missionários tiveram muitas dificuldades em catequizar os povos originários. Eram
frequentes as emboscadas e levantes dos indígenas da região. Vale destacar que muitos
homens e mulheres indígenas resistiram a participar dos projetos religiosos ressignificaram
os ditames do Estado, e principalmente se configuraram como agentes de sua própria
história.

FONTES
Arquivo Histórico Ultramarino – Paraíba

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ISSN:

Arquivo Histórico Ultramarino – Pernambuco

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ISSN:

_________. Fé e Império: a Junta das Missões nas conquistas portuguesas. EDUA:


Amazonas, 2007.

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ISSN:

ALDEADOS DE PIRATININGA - MORADORES iNDÍGENAS E ADMINISTRADOS DE


SÃO PAULO COLONIAL (1694 - 1775)

RAMOS, Antonio Martins


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
amr1508@gmail.com

Introdução:

O objetivo deste trabalho é o estudo do lugar social dos moradores indígenas de São
Paulo colonial, que através do espaço urbano dos aldeamentos e das condições jurídicas
determinantes de seus regimes de trabalho, constituía-se na prática, em efetivo estado de
escravidão. O período em foco é o século XVIII, quando da existência do regime legal
denominado "Administração", que regularizou práticas de tutela e trabalho compulsório
praticadas desde o século XVI, fazendo dos aldeamentos (dos jesuítas ou da Coroa) locais de
referência para a habitação e requisições de mão-de-obra dos índios. Dessa forma, além da
investigação histórica a respeito da sociedade paulista dentro da ordem colonial, destaca-se
também a própria história urbana de São Paulo, onde a relação entre o núcleo da cidade, os
aldeamentos periféricos e o contexto colonial geopolítico da Capitania relaciona-se ao
funcionamento do sistema colonial da América portuguesa como um todo.
Embora proibida pela Igreja e pelas leis das Coroas de Portugal e Espanha, a escravidão
indígena foi uma realidade nas Américas, onde encontrou formas de se manifestar que não
contrariassem diretamente a letra das leis, mas atendessem aos interesses, em geral
conflitantes, da Coroa, dos colonos e dos padres missionários. Assim sendo, busca-se
encontrar o ponto de vista dos índios, que desprezado pela historiografia tradicional, não os
colocava como sujeitos agentes neste contexto. Nesta forma de abordagem metodológica,
que busca uma aproximação com os estudos culturais e a antropologia, define-se o conceito
de "resistência adaptativa", ao se considerar a integração social dos povos indígenas como
resposta ativa à realidade colonial, e não enquanto mera submissão.

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Problematização e desenvolvimento:

Na busca pelo lugar do indígena dentro de uma determinada sociedade, surgem questões
de identidade étnica, social e cultural, sujeitas às variações de contexto histórico. Em
primeiro lugar, não se deve, a rigor, generalizar a vasta amplitude étnica, nativa ou mestiça,
no termo aglutinante "indígena", que singulariza a diversidade cultural podendo deixar de
lado não só fatores históricos determinantes, como também descaracterizar identidades
individuais e coletivas, considerando-se também que o termo "índio", no singular, surgiu e
serviu aos propósitos coloniais, mesmo quando associado aos etnônimos que lhes foram
atribuídos. Faz-se necessária uma identificação dos povos ocupantes do espaço, no caso, o
núcleo de Piratininga, considerando as interações dinâmicas de fatores tais como,
originalidade, mestiçagem, fixação e deslocamento, cujas indicações são dadas pelas formas
dos termos que ficaram nos registros, como por exemplo, mamelucos, caboclos, tapuias,
servos, paulistas, homens-bons, entre outros diversos.
Um termo que se usa de forma um tanto desapercebida é o de "morador". Em geral,
refere-se aos habitantes brancos das vilas. Levando-se em conta porém, que somente uma
determinada parcela dos habitantes era formada por colonos europeus, e grande parte por
mestiços, verifica-se que este conceito merece uma revisão. Uma possível solução pode
estar na dimensão social atribuída aos espaços, que diferenciam os conceitos de vila, cidade,
aldeia, aldeamento. Dessa forma, emerge a questão do aldeamento enquanto espaço de
segregação, determinada pela permanência dos índios em confinamento ou liberdade,
restritos ao lugar social a eles impostos pela legislação, ou como habitantes mais livres, de
acordo com fatores como graus de parentesco ou ações e atividades de trabalho. Resta saber
em que sentidos o termo "morador" possa ter sido usado nos contextos jurídicos e sociais da
época.
De qualquer forma, as leis referentes à questão da escravidão tinham efeitos
discriminatórios que influenciavam o cotidiano, colocando o chamado "índio" numa posição

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subalterna que, quando muito, apenas variava de intensidade. Um traço característico do


século XVIII em especial, foi a vigência do regime de "administração", que legalizou, na forma
portuguesa, o uso e a posse da mão-de-obra indígena. É sabido que na prática, serviu a
propósitos não muito diferentes da escravidão direta, mas essa contradição, resultante de
um dado cultural que impedia a servidão indígena, levou a conflitos e situações diversas que
envolviam não somente os portugueses (governantes, colonos, sertanistas, missionários)
mas também os "administrados", que procurando encontrar seus espaços sociais dentro da
ordem colonial, criaram formas diversas de resistência, incluindo-se o ajustamento às
normas vigentes e suas possibilidades.
Nasce daí uma forma de reação que não depende apenas do conflito, mas da negociação,
da conciliação e da concórdia: a resistência adaptativa. Naturalmente que, numa ordem
social marcada pela opressão, esta não oferece alternativas aos oprimidos. Porém num
contexto que relativiza a escravidão, considera os índios aliados como súditos, e acima de
tudo, depende deles para seu próprio funcionamento, surgem alternativas de espaços
sociais, que mesmo numa margem estreita, oferecem opções de vida que podem ser
negociadas. A presença do branco, por si só, pode também não representar uma ameaça
direta de conflito tão diferente dos próprios contatos intertribais.
Os estudos de história cultural mais recentes já abandonaram a ideia de culturas puras e
extáticas, considerando o multiculturalismo em constante movimento, que no caso
americano, segundo Stuart Hall, surgiu ainda antes da expansão europeia, através dos
deslocamentos e migrações dos povos, quando o colonialismo veio intensificar este
movimento. (Hall, Stuart. 2003, p. 51). Assim sendo, o espaço dos aldeamentos e das
próprias vilas coloniais pode ser entendido como um amálgama cultural indígena-europeu,
onde o processo denominado de "aculturação", pode ter tomado sentidos diversos, que não
somente o da submissão.
Isto não significa, porém, que a resistência adaptativa tenha sido uma forma de solução
contra a dominação opressiva trazida pelos brancos. Outra questão são seus resultados. É
preciso dimensionar as consequências, por exemplo, do advento do Estado entre os índios,
elemento a eles completamente estranho. (Clastres, Pierre. 2003, 217.). Enquanto as

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sociedades primitivas tinham formas de produção econômica que, no entendimento da


cultura ocidental, possam ser vistas como de subsistência, a vida nos aldeamentos, conforme
indica Pasquale Petrone, foi marcada pela miséria. (Petrone, Pasquale. 1995, 324.). Resta
saber até que ponto tais categorias são resultados dos filtros culturais da visão do homem
branco, e o que representava para os índios adaptados, efetivamente, a vida nos
aldeamentos e vilas.
Ao se tratar das condições jurídicas e sociais dos moradores indígenas, sejam eles
aldeados, administrados, servos ou escravos, estamos tratando não apenas do quadro social
de Piratininga, mas também do próprio lugar ocupado por São Paulo na história colonial, no
período em que a vila se constitui em cidade e a capitania define seus horizontes
geográficos. Isto porque os indígenas, nas diferentes condições de origem e adaptação no
entorno do espaço paulista, foram eles sujeitos predominantes, ativos e fundamentais em
todos os movimentos da história colonial paulista, não obstante o declínio populacional que,
de forma tão drástica, seguiu-se ao final da colonização.
Ao movimento de mudanças legislativas e administrativas, que paralelamente concorreu
ao processo de evolução histórica de São Paulo (centro missionário jesuíta, núcleo de
apresamento indígena, centro de exploração mineradora), as consequências sociais sobre os
grupos indígenas são indicativos de todo este processo que, a rigor, constituía-se num
conflito entre liberdade e escravidão. Este conflito foi determinante não apenas na
configuração da ordem social colonial, mas também na própria formação geográfica e
urbanística paulistana, com seus bairros e municípios descendentes dos diversos
aldeamentos. Neste aspecto, cada aldeamento teve suas atribuições pelas suas
particularidades, mas também cumpriram um papel comum de espaço, urbano ou rural,
relativo à disputa pelo controle dos índios.
Quando ao final do século XVII esta disputa tornava-se acirrada, instituiu-se a legalização
do regime de administração, regularizando uma situação comum de escravidão prática.
Embora todos os testadores paulistas proclamassem a liberdade dos seus índios, eles eram
herdados, dados em dote e doados. Continuavam a ser considerados como mercadorias, pois
eram comprados e vendidos, apesar da proibição da Coroa. Uma das formas de burlar as leis,

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seria por exemplo, a de declarar que não eram os índios a ser vendidos, mas os seus serviços
(Nazzari, Muriel. 1999, 32.). "Em São Paulo, os indígenas eram inventariados como peças de
'serviço forro', 'servos da administração' e 'administrados', expressões que camuflavam a
obrigação ao trabalho forçado sob a máscara da prestação de um serviço pessoal ao colono,
em que este último aparecia como responsável pela tutela do serviçal." (Davidoff, Carlos.
1982, 37.). Através destas expressões contidas nos documentos, podemos traçar um quadro
de representações do que foram formas de eufemismo da escravidão.
Até 1758, quando a administração foi abolida, a legislação passou por mudanças em
direção à liberdade indígena, mas apesar disso, pouco se mudou nas formas de relação de
trabalho e convivência social, como se pode verificar pela documentação do período. Em
1728 passou a ser ilegal herdar, deixar em testamento, ou dar índios em dote, o que
afetando diretamente o direito de propriedade em caso de morte do primeiro administrador,
constituiu uma quase "sentença de morte" à escravidão indígena. Apesar disso, mesmo
depois da lei de 1758, que decretara a liberdade plena, muitos índios ainda permaneciam em
situação de dependência de seus antigos senhores, e o próprio termo "administrado"
continuava a ser encontrado em documentos e inventários paulistas, como por exemplo, no
caso do Mosteiro de São Bento, que mostra que os monges ainda possuíam índios
administrados ou mesmo escravizados. (Nazzari, Muriel. 1999, 36.).
O espaço dos aldeamentos, enquanto não simplesmente local de habitação dos índios,
mas como centro de referência de "busca e aluguel de serviços", continuou cumprindo essa
função pelo século XVIII, apesar das mudanças de leis, do declínio populacional e da
secularização. Originalmente, na concepção jesuíta, seriam espaços de proteção, onde o
projeto colonial se manifestaria, em primeiro lugar, pela conversão, condição fundamental à
formação dos súditos reais. "Nas aldeias, nomes pelas quais aquelas comunidades passaram
a ser chamadas, os índios eram forçados a viver de acordo com a lei natural e as leis civis, e,
em contrapartida, estavam protegidos da escravidão nas mãos dos colonos." (Eisenberg,
José. 2000, 112.) Mas dada a violência dos apresamentos, e a forma de relação social
interna de Piratininga, com a requisição da mão-de-obra indígena como verdadeiro

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combustível econômico de São Paulo, o cotidiano fez destes espaços lugares de significados
ambíguos para os aldeados.
Estabelecidos ao redor do núcleo da vila, assentados à relativa distância, e integrados
entre si por caminhos, o estudo dos aldeamentos traz uma nova dinâmica à história urbana
paulistana, ao se considerar a rede de integração entre as aldeias entre si, a vila de
Piratininga, e os distantes destinos dos sertões, sejam os do apresamento (missões do
Paraguai, do Guairá e do Prata) ou das minerações (Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais). Em
todos os casos, as diversas etnias aldeadas cumpriam funções sem as quais não seria possível
o funcionamento do próprio sistema colonial. Na relação em que ao mesmo tempo se
dependia dos índios, e estes eram subjugados, o aldeamento foi a forma e o modelo colonial
português adotado para este fim. Dessa forma o aldeamento não se compõe como alheio à
vila, mas pelo contrário, integrado a ela, assim como o administrado em relação ao
administrador. Evidentemente, a relação é desigual, mas o lugar de seu espaço no contexto
urbano é também o espaço social do morador indígena que habitava em ambos, entre a vila
e a aldeia.
Assim podemos afirmar sobre o morador indígena, considerando o equívoco de se
generalizar o indígena aldeado, dada a variedade de funções sociais e atividades que
cumpriam. Certamente os que eram recrutados para as expedições ao sertão ausentavam-se
da cidade tanto quanto os sertanistas, mas a diversidade de ofícios e trabalhos domésticos a
que eram requisitados são indicadas nos documentos de forma numerosa. Além disso, é
certo que muitos dos administrados residiam nas casas dos moradores. O que nestas fontes
se revela também, de maneira evidente, é a utilização do termo "morador" para se referir de
forma exclusiva à população branca.
O morador indígena de Piratininga foi, portanto, aquele que em detrimento de sua
condição desfavorecida, encontrou seu espaço social dentro do espaço urbano, no que se
pode considerar como forma de resistência adaptativa. Uma forma de atuação comum,
como indicada nas fontes, era o recurso à defesa jurídica, colocando-o como sujeito atuante
mais próximo ao seus direitos enquanto súdito. "De fato, no alvorecer do século XVIII, a
despeito da regularização da relação senhor-administrado através de uma carta-régia de

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1696, os índios começavam a conscientizar-se das vantagens do acesso à justiça colonial,


sobretudo com respeito à questão da liberdade." (Monteiro, John. 2009, 215.). O conceito de
resistência adaptativa deve incluir formas diversas, ligadas ao relacionamento social a partir
de vínculos legais, de trabalho, e até mesmo afetivos, como se pode deduzir a partir das
relações de trabalhos domésticos: "Outro setor que se percebe uma presença significativa do
trabalho indígena é o dos serviços caseiros, de grande variedade. Ama-de-leite; ajudar a criar
crianças; e também o serviço prestado por crianças." (Petrone, Pasquale. 1995, 218.). Assim
Pasquale Petrone cataloga exemplos de atividades exercidas pelos aldeados, entre os demais
moradores: "Diversidade de ofícios: louceiros, barbeiros, costureiros, sapateiros, tecelãs,
seleiros, oleiros, carpinteiros, músicos, pedreiros, pintores, lavradores, boiadeiros, alfaiates,
sacristãos, artesãos diversos, caçadores, pescadores, guias, carregadores, guarda-costas,
estafetas, damas-de-companhia, etc."(idem, 220.).
A busca pelo lugar social do morador indígena, portanto, relaciona-se com seu próprio
movimento de procurar a integração. Esta integração como forma de resistência, procurava
afirmar sua identidade cultural de indígena ao mesmo tempo que a de súdito real e cristão, e
em sua luta de resistência, encontrava no aldeamento a ambiguidade de um espaço de
exclusão e integração, como uma espécie de periferia de um sistema social que reiterava a
ambiguidade nas leis que criavam a figura do súdito-administrado, entre a liberdade e a
escravidão.

- Justificativa e conclusões:

Na história da América colonial, a escravidão imposta aos povos indígenas ocorreu dentro
de particulares formas de alteridade assumidas pelos europeus, que muito a diferenciavam
da escravidão africana. Enquanto aos negros era infligida de forma aberta e direta, sem
muitos escrúpulos quanto à legitimidade moral, aos nativos americanos foi necessário que se
idealizassem formas que justificassem não somente o cativeiro, mas a própria dominação
colonial sobre o espaço territorial do qual eram originários, a fim de possibilitar uma
determinada ordem social favorável aos objetivos do sistema colonial.

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Considerados pela Igreja católica como fortemente aptos para a conversão, e pelas coroas
de Portugal e Espanha como legítimos súditos reais, os vários e tão diversos povos indígenas,
de forma generalizante, foram logo submetidos a legislações específicas que buscavam
definir modelos de enquadramento social que, salvo as diferenças de interesse dos principais
agentes (missionários, colonos, exploradores, governantes), justificavam suas ações como
necessárias a uma forma de dominação que se via como civilizatória-salvacionista, detentora
de uma cultura que se auto-considerava superior. (Agnolin, Adone. 2007, 244.). Tais
legislações, que tomaram diferentes formas nas colônias portuguesas e espanholas,
submetiam-se à decisão tomada pela Igreja de se proibir a escravidão indígena. Assim sendo,
valiam-se de termos e conceitos correlatos, tais como, servidão, trabalho compulsório,
encomienda, administração, e até mesmo a justificativa de escravidão em casos específicos,
como principalmente, pelo conceito da "guerra justa".
Desde os primórdios de sua fundação pelos jesuítas, a vila de São Paulo de Piratininga
esteve diretamente envolvida nas ações metropolitanas relativas aos índios, tanto em
relação à catequese jesuíta, quanto pelo apresamento e cativeiro das etnias e grupos
considerados idôneos para tanto. Tão logo desde cedo, no século XVI, tais interesses
entravam em conflito, opondo principalmente colonos e missionários, mas envolvendo
também moradores, governantes locais, a coroa portuguesa, e também os vizinhos
espanhóis, além é claro, dos próprios índios, cujo ponto de vista tem sido pouco considerado
até pela historiografia mais recente. Documentos da Câmara de vereadores já indicavam
episódios relativos a estes conflitos, que pela sua abrangência e significados, acabaram por
influenciar até mesmo nas mudanças legislativas coloniais, contribuindo para aquilo que se
tornou tão característico das leis portuguesas sobre a questão indígena: sua constante
oscilação entre escravidão e liberdade.
Coube aos jesuítas, dada a predominância do poder da Igreja em relação às coroas, o
protagonismo da criação do que seria o principal sistema de ordenamento social dos
diferentes grupos indígenas, que viria a organizar a forma de exploração da mão-de-obra
indígena: o modelo do aldeamento. Apesar disso, dados os interesses conflitantes dos
demais colonos, o aldeamento não constituiu-se, em São Paulo, como espaço eclesial

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fechado, mas inserido numa ordem pública que reservava diferentes funções para os índios:
serviços temporários e trabalhos compulsórios, que sob diversas formas, chegavam até
mesmo a formas veladas de escravidão. Além disso, havia também os grupos indígenas
considerados hostis, que apresados através de expedições qualificadas como "guerras
justas", eram diretamente submetidos à escravidão. Até 1609, os índios de São Paulo podiam
ser escravizados legalmente, e "até 1693, quando uma bandeira de São Paulo descobriu ouro
em Minas Gerais, os índios eram a principal presa que traziam para casa". (Nazzari, Muriel.
1999, 28.).
Desde o início do século XVII, já haviam surgido várias expedições cujo objetivo principal
era a busca de ouro, que se acreditava existir em abundância em São Paulo. (Silva, Maria
Beatriz Nizza da. 2009, 42.). No entanto o objetivo prático, até para o funcionamento das
próprias expedições, era mesmo o apresamento indígena. Inicialmente, a mão-de-obra
indígena era usada na mineração. Apesar disso, sua obtenção era um problema, pela
dificuldade em se lidar com os índios (documento de 1612, idem, 43.). Vigorava neste
período a legislação de Felipe II (decretada em 30/07/1609 e reiterada em 10/09/1611), que
decretava a liberdade total dos índios e seus direitos à remuneração e apoio jurídico. A lei de
1611 tinha também como intenção o incentivo aos descimentos e aldeamentos. A legislação
e as interpretações sobre o conceito de "guerra justa" foram usados como o principal
argumento das expedições de apresamento, conhecidas como "bandeiras".
Após a Restauração, por pressão dos colonos, a provisão de 1653 permitia a captura em
situações específicas: guerra justa, banditismo, fuga e antropofagia. (Silva, Francisco Ribeiro
da. 1999, 19.). Além disso, as leis exigiam que os descimentos ocorressem de forma
voluntária da parte os índios, o que nem sempre ocorria. "Tida como forma menos violenta,
os descimentos causaram uma maior mortandade a longo prazo, em relação a outras formas
de apresamento." (Alencastro, Luiz Felipe de. 2000, 120.). Trazidos presos a São Paulo, os
aldeamentos serviam também como destino ou assentamento dos índios que então seriam
encaminhados. Nas aldeias de repartição, os índios eram obrigados a aceitar a repartição e o
trabalho, sendo utilizados em três grandes serviços: serviço público de segurança do Estado e

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defesa das cidades; serviço privado dos moradores; e entradas nos sertões a serviço dos
moradores. (idem, 25.).
À parte disso, foi nesse período que se verificou o início do declínio das expedições de
apresamento, processo lento e gradual que se aprofundou somente na passagem entre o
XVII e o XVIII, com a descoberta das minas de ouro, embora que, na prática, o apresamento
tenha continuado como objetivo das expedições até muito posteriormente. O fato é que o
auge do apresamento, que tanto caracterizou o movimento das "bandeiras", ocorreu quando
dos massivos e violentos ataques de assalto na direção das Missões do Paraguai e do Sul,
opondo em intensas batalhas paulistas, missionários jesuítas e índios. As reduções
representavam tentadoras presas aos bandeirantes paulistas, por possuírem índios já
aldeados e aculturados.(Holanda, Sérgio Buarque de. 1960, 286.).
Até meados do século XVIII, o objetivo dos aldeamentos se assentavam, em relação aos
índios tidos como aliados, na ideia da salvação da alma e na "europeização". A partir de
então também passaram a constar os princípios de felicidade e bem-comum como a todos os
súditos do rei. Mas de forma geral, os objetivos permaneciam os mesmos: catequização e
aculturação. Aqui entramos no debate a respeito da natureza dos aldeamentos e dos
processos de aculturação ali envolvidos, entre a integração e a segregação. Núbia Ribeiro, ao
tratar dos aldeamentos de Minas Gerais no século XVIII, afirma que "os aldeamentos foram
espaços inventados; opõem as aldeias. Constituíram-se como ambientes pensados para
serem espelhos da civilização, distintos dos espaços originais criados pelo modo de vida dos
povos indígenas." (Ribeiro, Núbia. 2008, 304). Para a autora, o aspecto de dominação e
repressão sempre predominou, até porque mesmo após as leis do Diretório dos índios, do
século XVIII, continuavam a possuir tais características.
Outra questão também discutida em relação aos aleamentos, trata de seu possível
fracasso como modelo de organização de mão-de-obra dentro do sistema colonial. Já em
meados do século XVIII podemos observar um acentuado declínio populacional nos núcleos
paulistas, caracterizando um curso de decadência relacionado à pobreza econômica dos
aldeados residentes. "Os antigos aldeamentos paulistas foram considerados despovoados no
início da segunda metade do século XVIII, e chegaram ao século seguinte com um

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contingente populacional abaixo ou pouco acima do registrado no século anterior." (Ferreira,


Maria Thereza Correa da Rocha. 1990, 132.). Aqui também devemos considerar, além das
particularidades do caso paulista, que critérios podemos considerar para analisar o sucesso
de tal modelo.
Com certeza, a legislação inoperante foi um constante fator de conflito. A questão da
escravidão (ou liberdade) indígena foi um ponto central na política de todo o período
colonial. Os dois grandes grupos protagonistas foram os jesuítas e os colonizadores locais,
chamados à época de moradores (Perrone-Moisés, Beatriz, 1992, 115.), que exerciam
pressão junto à Coroa, produzindo uma legislação oscilante. "A sequência de diretivas régias,
a respeito da escravidão indígena, salvo suas constantes reviravoltas, procurou sempre coibir
o cativeiro nativo. Embora tendo se constituído como 'o mais denso corpo normativo
lusitano referente a uma única matéria colonial', na prática das ações do colonato, a maior
parte das leis ficou sem efeito." (Alencastro, Luiz Felipe de. 2000, 120.). Enquanto colonos e
jesuítas opunham-se quanto a suas formas de aplicação, a Coroa, enquanto detentora do
poder de legislação, buscava atender seus interesses de exploração sem contrariar os
princípios da Igreja. O resultado se manifestava na baixa aplicabilidade das leis, onde se
buscavam brechas de interpretação e até mesmo de desobediência.
Um exemplo destas distorções é a legislação referente às formas de apresamento.
Segundo a lei, os procedimentos de descimento dos índios considerados como aliados
deveriam ser feitos, sempre que possível, de forma suave e branda, e devia estar confiado a
missionários, a índios e a colonos. Em contraposição, aos índios inimigos era reservada a
atuação das tropas de guerra, as quais deviam ser, pelo menos teoricamente, expedidas pelo
governador ou pela Junta das missões. Paralelamente, os resgates seriam objeto das tropas
de paz ou bandeiras, que entre outros objetivos, teriam também a finalidade de resgatar
indígenas. Estas tropas, instituídas legalmente em meados do século XVII, deviam sempre ser
acompanhadas por missionários que, para além de providenciarem o fornecimento de
alimentos, medicamentos, intérpretes e remeiros, deviam sobretudo ser os responsáveis
pela inquirição da forma como a captura tinha sido feita, por forma a dar legitimidade à
escravidão.

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As entradas no sertão do século XVII serviam tanto aos colonos como à Coroa, que as
incentivava. Enquanto colonos e moradores (brancos) paulistas queriam a guerra contra os
índios, reclamavam dos jesuítas, que haviam conquistado a administração das aldeias
durante o governo do capitão Jorge Correia. O preamento de índios feito então pelos
bandeirantes paulistas ocorria ainda à revelia dos direitos de escravidão das leis que
definiam a "guerra justa". (Freire, Carlos Augusto da Rocha; Oliveira, João Pacheco de. 2006,
41.). Com a reiteração da liberdade dos índios em 1609, os paulistas viam-se necessitados de
mão-de-obra indígena, e solicitavam que houvesse capitães nos aldeamentos, a fim de
ordenarem os índios a servir aos moradores. (Silva, Maria Beatriz Nizza da. 2009, 51.). A
tensão cresceu até a expulsão dos jesuítas de 1640 e seu retorno após treze anos. Já naquela
época, os jesuítas eram acusados pelos paulistas de quererem ser os únicos a tratar do
gentio, ao contrário de carmelitas, beneditinos e franciscanos. (idem, 55.).
Na prática, inúmeras irregularidades ocorriam a fim de provocarem a apreensão indevida
de escravos. Por vezes, os descimentos nada mais eram do que a captura compulsiva de
índios contra a sua vontade, para serem vendidos e obrigados a servir aos colonos sem
qualquer remuneração. (Domingues, Ângela. 1999, 51.). Estes desencontros geravam tensões
entre os sertanistas e os missionários, envolvendo também os colonos moradores que
acusavam os padres de promoverem uma espécie de exclusividade do uso da mão-de-obra
indígena. Ao longo de todo o século XVII, a legislação referente à escravidão indígena sofreu
muitas reviravoltas, sendo que entre elas, o alvará de 1647 subentende que os índios eram
considerados "sob administração" dos colonos, que na prática, era uma forma de tutela que
levaria a trabalhos forçados (Silva, Francisco Ribeiro da. 1999, 23.).
Além das disputas com os padres, também a Coroa muitas vezes se opunha aos interesses
dos moradores brancos, quando requisitavam aldeados para compor tropas para expedições
militares ou atividades diversas promovidas pelo Estado. "Em várias ocasiões, os emissários
da Coroa demandaram, junto à Câmara Municipal, índios das aldeias para integrarem as
expedições pretendidas. Herdeira da responsabilidade de administrar as aldeias, a Câmara
agiu de modo bastante contraditório durante todo o século XVII, ora honrando as demandas
da Coroa, ao restituir os índios que andavam por propriedades particulares, ora lesando os

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interesses dos aldeados por meio de uma política de aforamento de suas terras." (Monteiro,
John. 2004, 54.).
Foi neste contexto de conflitos e mudanças de leis, que em 1694 chega-se a uma
concordata definitiva, que foi objeto de cartas régias de 1696, com a instituição do regime de
Administração, que garantia o trabalho dos índios para os colonos. (Blaj, Ilana. 1995, 123.).
Em resposta aos paulistas, o rei D. Pedro II determinava assim que os índios podiam
continuar a ser legalmente administrados. (Silva, Maria Beatriz Nizza da. 2009, 57). De forma
semelhante às Encomiendas da América espanhola, os colonos do Brasil, e em especial, os
moradores de São Paulo, dispunham desde então de uma base legal para a requisição de
indígenas para trabalhos e serviços gerais, que na prática, não se diferenciavam, em muitos
casos, de trabalho escravo. "Assim, como vários autores apontam, o regime da administração
sanciona, no fundo, a escravização do gentio, apesar do mesmo ser considerado livre". (Blaj,
Ilana. 1995, 124.). A concordata representou assim, portanto, uma vitória dos colonos em
proveito do trabalho cativo, que mereceu inclusive a crítica do padre Antonio Vieira.
À parte dos subterfúgios legais que possibilitavam o cativeiro indígena, este permanecia
oficialmente proibido, o que não deixa de ter um significado representativo da forma com
que o indígena era visto e estava inserido na ordem social. Diferentemente do negro, era
considerado um súdito da coroa e, mais do que isso, propício a ser catequizado e assim
"domesticado", distinguindo-se dos considerados como selvagens, que ameaçavam a
segurança pública e as expedições para o interior. Ainda assim, mesmo enquanto cristão e
aculturado, continuava conceituado como culturalmente inferior, dentro da ordem social
portuguesa que separava por hierarquias as camadas sociais, mais ou menos próximas da
nobreza, de antepassados cristãos-novos ou bastardos e mestiços.
A administração foi extinta oficialmente em 1758, embora na prática, a partir de então,
extinguia-se somente a administração particular, enquanto continuariam existindo as
administrações dos aldeamentos, não mais pelos jesuítas, mas tutelados pelo governo da
capitania. (idem, 95.). Uma nova dinâmica comercial passou a se desenvolver em São Paulo,
impulsionando a criação de gado e a agricultura regional. Os aldeamentos se despovoavam
desde o final do século XVII pelas requisições reais, e principalmente talvez, pelos moradores

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que preferiam usar os aldeados enquanto o preço do aluguel fosse baixo em comparação ao
valor dos índios "particulares" que havia subido muito. (Blaj, Ilana. 1995, 130.). O valor dos
aluguéis de serviço dos aldeados, porém, passou a crescer gradativamente no início do
século XVIII, dado pelas dificuldades de apresamento e crescimento da demanda. "Como no
restante do Brasil colonial, o desenvolvimento da agricultura comercial e da escravidão
moldaram os contornos mais amplos a organização social nesta região (São Paulo), no século
XVII (...) a sociedade local e a economia repousavam em um sistema escravista bem
articulado e em unidades produtivas orientadas para o comércio" (Monteiro, John. 1985. in
Blaj, Ilana. 1998, 2.). Como resultado, cresce a atividade pecuária, que exigia menos mão-de-
obra, e consolida-se uma sociedade altamente estratificada, com classes sociais
extremamente pobres, longe portanto da famosa imagem de autosuficiência e
independência paulistana que marcou determinada historiografia do início do século XX.
(Blaj, Ilana. 1995, 132.).
Até o despertar da metrópole, a história urbana de São Paulo fica marcada pelos
topônimos de origem tupi, e pelo processo de conurbação espacial entre a cidade e os
antigos núcleos de moradores, que cada vez menos se distinguiam por suas origens étnicas e
culturais, fechando-se o ciclo colonial, pela cidade ter se tornado um centro migratório e,
posteriormente, foco da revolução industrial no Brasil.

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ESCRAVIDÃO E DIREITO NO BRASIL: O PROBLEMA DO ANACRONISMO

FERREIRA, Rafael Reis


Instituto de Ciências Jurídicas - UFRR
rafareis@uol.com.br

1 Problematização e pensamento crítico

A proposta de reflexão contida no título do trabalho anuncia a limitação ao direito e à


escravidão no Brasil, ou seja, à dinâmica da escravização de seres humanos, mais
exatamente dos grupos de indígenas, africanos e descendentes, bem como à juridicidade
brasileira, enquanto fenômenos possíveis de serem assim considerados, com especificidade
própria, no contexto histórico de rompimento formal com a América portuguesa, após a
Independência. Apesar da problemática do sincronismo dirigir-se aqui a esse momento da
formação jurídica do chamado direito da escravidão brasileira, certamente aí não se
restringe, podendo ser posta nesse momento, ao menos rapidamente e em esboço,
assumidos todos os riscos, para o contexto anterior, desde o movimento próprio de violência
inaugurado no séc. XVI. No centro de nossa preocupação está certa despreocupação com a
historicidade do direito, particularmente do direito da escravidão, como se estivéssemos
diante de um fenômeno humano excepcionalmente ahistórico, o que é bastante
preocupante.

A valorização dessa reflexão é decorrência da mudança, quanto às ciências sociais,


provocada pela utilização do direito na investigação da historicidade, cujo grande marco
certamente é a obra Whigs and Hunters, de Edward Palmer Thompson (1990), publicada em
1975, mais exatamente sentida no campo da história social (FORTES, 1995), mas não só,
abrindo muito claramente as perspectivas de pesquisa para o reconhecimento da
importância das fontes jurídicas para as investigações históricas. No Brasil, certamente,
talvez o mais importante campo de exploração entre o direito e a história tenha sido
marcado pelas pesquisas da escravidão. Entretanto, ao mesmo tempo em que as fontes

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consideradas como jurídicas foram sendo valorizadas, por outro lado, quase sempre
parecem estar desacompanhadas de esforço investigativo quanto aos sentidos de suas
juridicidades contextuais.

Sem haver a pretensão de tocar as questões profundas decorrentes dessa mudança


de perspectiva de valorização do direito, o que nos interessa aqui é ressaltar que aí se
encontra um grande problema, particularizado por uma profunda desarticulação entre as
fontes e os seus contextos. Sem ser possível construir um grande panorama dessa
problemática em tais investigações, como seria importante para fundamentar tal afirmação,
nos parece, mesmo assim, ser possível afirmar terem vindo a ser reconhecidas, mais
exatamente as fontes identificadas como jurídicas, sem grandes preocupações com o seu
próprio tempo histórico, ou seja, com as mudanças por que passaram desde a formação
jurídica inicial, através da afirmação de sua especificidade brasileira, até os nossos dias.

Parece importante reconhecermos a historicidade do direito que não decorra


simplesmente da utilização de fontes jurídicas do passado, mas da sua reflexão crítica,
somente possível de ser realizada pela comunidade das ciências sociais que tenha o passado
como preocupação séria. Ou seja, v. g., onde se possa reconhecer a valorização da evidência,
como nos fala Hobsbawn, ao menos enquanto reflexão distintiva entre fato histórico e ficção
(1997, p. 241), bem como a abertura pelo método crítico e dialógico, como proposto por Karl
Popper (1997), sem esquecermos a preocupação com a exterioridade da investigação
comprometida, reconhecido por Luc Boltanski (2009, p. 73), que distingue as preocupações
investigativas com lealdade intelectual. Tudo para, de forma bem rápida, mas confiante,
desde já, afirmarmos categoricamente que a juridicidade do direito da escravidão não pode
ser reconhecida em um qualquer paradigma moderno, por ser exemplo de juridicidade
complexa e plural, característica do chamado mundo do Antigo Regime, devendo a
investigação dessas fontes jurídicas estar atenta a essa especificidade distintiva. No mesmo
sentido, parece importante não somente justificar a preocupação com o problema do
anacronismo, mas também incitar aqueles(as) que se preocupam com a temática do direito
da escravidão a levar à sério alguns caminhos importantes para tal exploração, com a

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indicação aqui de alguns textos, bem como afirmar que a superação de tal problema, diante
de sua grande complexidade, somente parece ser possível com a contribuição das
investigações coletivas e críticas das ciências sociais.

2 O direito e a historicidade

A gravidade do problema aqui relevado pode ser apontada pela ainda necessária
afirmação de o direito, como qualquer outro fenômeno humano, também ter a sua história.
Mais ainda, tanto no passado quanto no nosso presente, só ser possível a afirmação séria da
possibilidade de reconhecimento de vários paradigmas de direito, no sentido de Thomas
Khun (1996, p. 43 s.) e Orlando de Carvalho (1997), mesmo quando se defenda, certamente
não pela juridicidade atemporal, o sentido do Direito, como o faz, v. g., Castanheira Neves
(2013), cuja proposta é oferecida em sentido sincrônico e criticamente preocupada com as
outras alternativas ao direito. Por isso, para o que mais nos interessa nesse momento, não
temos o receio de afirmar que o anacronismo, mesmo reconhecida a nossa limitação para
atingir um possível diagnóstico amplo do problema, está em quase toda a parte na temática
do direito da escravidão no Brasil, sendo clara consequência do paradigma do direito da
modernidade.

Assim, cabe o questionamento de o direito, ao menos na temática da escravidão


brasileira, normalmente não ser reconhecido no seu próprio tempo. Ou, pior ainda, ser
reconhecido enquanto sinônimo de lei, ou texto legal em sentido amplo, paradigma que
certamente não foi conhecido pela era da escravidão brasileira, por ser momento histórico
anterior à codificação civil, clara exigência para modernização da juridicidade e criação
posterior do chamado legal-normativismo. Sem esse reconhecimento da própria natureza do
projeto do direito investigado, cabe reconhecer, fica difícil, senão impossível, e muito
prejudicada, a pesquisa do direito da escravidão onde não haja minimamente a preocupação
com a reflexão de sua própria historicidade.

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Sem ser possível a resposta simples para tal questão, entretanto, parece ser devido
afirmar, que os grandes responsáveis por essa atemporalidade do direito são os próprios
fundamentos mitológicos do direito moderno, precisamente percebidos, v. g., por Clavero
(1993) e, muito especialmente, por Mário Reis Marques (2003). O projeto moderno de
estatalização do direito certamente foi, e continua sendo, profundamente marcado pela
exigência da ahistoricidade, particularmente quanto aos momentos anteriores à construção
do chamado Estado-Nação e todos aqueles que, de alguma forma, possam deslegitimar esse
projeto de poder que se apropriou do direito. Quanto à isso, se a nossa preocupação for
mesmo crítica, devemos sempre ter atenção à formação histórica desse projeto, bem como
ao seu correlato tipo de jurista, conhecido como “boca da lei”. O direito limitado pela visão
de ser simples e rápida decorrência do texto legal, que, como temos visto, está também
espalhado pelas ciências sociais como um todo, acaba por desembocar no problema aqui
considerado do anacronismo.

Quanto à escravidão brasileira, nos parece muito claro, que o direito ali é visto com
os olhos desse projeto moderno e posterior, provocando não somente sérios problemas de
compreensão, mas a perda constante de oportunidades reflexivas da pesquisa dessas fontes
jurídicas, quando pesquisadas sem o esforço de reconhecimento da natureza do projeto
jurídico correspondente. Infelizmente, as investigações jurídicas da formação do fenômeno
do direito quanto à escravidão, não somente no Brasil, usualmente a excluem pura e
simplemente pela incompatibilidade com o afirmado direito moderno mitológico, ou a
acomodam em certo sentido evolutivo e ideológico enquanto uma etapa vencida em rumo
de um futuro sempre antecipado. Tais posturas retiram a complexidade decorrente do
tempo dos(as) juristas do passado, que não têm a sua própria história considerada como
importante, como podemos reconhecer nas comuns hagiografias produzidas pela
investigaçao jurídica. No fundo, para onde olhamos, o tema do direito da escravidão em
nosso presente, claro que assim generalizando totalmente, também tem sido pouquíssimo e
mal investigado pelos(as) próprios(as) juristas.

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Em termos de suficiência argumentativa, podemos apenas indicar que o direito da


escravidão brasileira não somente conheceu profundamente o processo de construção do
paradigma jurídico moderno de várias partes do mundo ocidental, mas aspirou à sua
construção, contudo, por razões históricas que devem ser sempre consideradas, a ele não
pode ser identificado, por não ter sido elevado o texto legal a única, ou mesmo principal,
fonte jurídica, nem a interpretação a ele se limitou, em lógicas de um qualquer sistema
fechado. Cabe ressaltar claramente que estamos diante de um tipo de direito anterior à
codificação civil, que no Brasil só foi realizada em 1916, portanto, ausente o fundamento
básico para a sua caracterização em termos de juridicidade moderna, devendo assim os
fenômenos jurídicos históricos anteriores à modernização do direito, aí incluído
integralmente o direito da escravidão, levar em conta o tempo daquela juridicidade
complexa e plural. E aí o sentido do pensamento crítico parece ser muito importante para
não restringir a historicidade do direito à uma qualquer dinâmica que limite os sentidos
jurídicos pelas institucionalizações exigidas pelo direito moderno, deixando de lado o sentido
da historicidade que seja possível ser pensada desde a própria dinâmica da sociedade, para
evitarmos a construção de outra perspectivação acrítica e positiva do direito.

3 Direito, interpretação jurídica e escravidão

O direito da era da escravização de seres humanos no Brasil formou-se em uma


dinâmica de aproveitamento dos materiais jurídicos e sentidos da interpretação jurídica do
contexto anterior, desde a América portuguesa, mas com clara aspiração pelo Estado
brasileiro em construção de realizar o processo amplo de estatalização do direito, seja
através da unificação do direito com a lei, seja pelo sentido da juridicidade enquanto seiva
voluntarista desse poder político centralizador. Processo, é bom afirmar, que o direito da
escravidão não chegou a conhecer em sua plenitude, apesar de já sentida claramente a
dinâmica de apropriação do Estado por domínios tradicionalmente pertencentes a outros
agentes sociais daquela sociedade civil ao mesmo tempo burguesa e escravocrata.

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Cabe referir que tal processo político não pode ser reconhecido enquanto atuação
singular e evolucionista, normalmente visto em mitos fundadores do posterior Estado-
Nação, já que inserida em um grande quadro social de forças em combate, v. g., como das
pessoas escravizadas e das proprietárias. Nessa turbulência, que não cabe aqui aprofundar,
permaneceu a juridicidade da escravidão, marcada pela pluralidade, complexidade e
desigualdade daquele tipo de direito que, apesar de claras aspirações pela segurança
jurídica, não chegou a ter alterada essa sua principal marca de um direito ainda não
moderno. Faltaram, não somente a codificação civil, mas especialmente o tipo de
interpretação jurídica de sistema fechado, onde o texto legal não é só o começo, mas
também o seu fim, nesse tipo de realização de direito.

Porém, não somente pela superveniência do modelo de direito podemos perceber os


anacronismos, mas particularmente com a pesquisa da juridicidade daquela época, onde,
com o esforço de se pensar sem a desconsideração do próprio contexto histórico, claro que
sem as pretensões muitas vezes decorrentes de posturas científicas positivistas e
simplificadoras, pode ser facilmente percebida a presença ali de um outro tipo de
juridicidade, de um outro tipo de paradigma jurídico. No fundo, claramente aquele direito
não era o do nosso presente, que também não pode ser reconhecido de forma unívoca, em
nosso contexto de defesa de um sentido do Direito e as suas alternativas pois, o direito da
escravidão brasileira, em sua essência, não contou com as aspirações do séc. XX pelos
universalismos, como a igualdade, a liberdade e a dignidade da pessoa humana. Tais
perspectivações não estavam lá na escravidão, mas antes, o seu principal fundamento, e
grande marca da juridicidade ocidental do séc. XIX, o direito de propriedade. É bastante
reveladora, para ficarmos em um só exemplo, a definição do direito de liberdade como a
propriedade do próprio corpo, como podemos ver com Seabra (1850, p. 11). Nesse ponto,
não pode nos causar qualquer espanto, se houver compromisso mínimo com a sincronia,
que o principal eixo de discussão da escravidão brasileira tenha sido realizado quanto ao
direito de propriedade, não o de liberdade como hoje tem sido reconhecido.

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Portanto, sem a atenção ao tipo de direito que estava na base da legitimação da


escravização indígena e africana brasileira, conjuntamente com a preocupação contextual,
temporal, espacial e em sentido crítico, muito pouco se pode compreender de tal
juridicidade, bem como da própria historicidade que se vale daqueles materiais jurídicos que
são reconhecidos, muitas vezes anacronicamente, desde uma juridicidade que não era a sua.
A ideia geral da complexidade daquele tipo de direito, como bem percebeu Pontes de
Miranda (1981, p. 67-78), pode ser vista em suas próprias fontes jurídicas, não
hierarquizadas, nem estruturadas na base da coesão e coerência, que são as conhecidas
exigências do direito moderno, v. g., as cartas de lei, patentes, régias e cartas; os alvarás; as
provisões reais; o costume e estilos da Corte; os assentos da Casa de Suplicação; o direito
canônico; o direito romano; legislação da América portuguesa que não foi revogada; as leis
nas Nações civilizadas, dentre outras.

No centro, também estava o problema da interpretação jurídica, da passagem do


direito do Antigo Regime ao movimento constitucional, como nos faz ver Michael Stolleis
(2011). Por isso, a pesquisa da historicidade deve passar pela interpretação jurídica, onde
está o pulsar mais profundo das características da juridicidade, que nos faculta a reflexão
crítica dos problemas do direito e da história sincronicamente, bem como, a partir daí, o
aprofundamento mais adequado das fontes jurídicas consideradas para a reflexão daquele
passado. Isso porque, não somente as fontes jurídicas não estavam organizadas
hierarquicamente, nem logicamente, como a interpretação jurídica desses materiais não
chegou a ser realizada em sentido moderno, por ter havido ali, se vistas as coisas em linhas
gerais, o choque entre os pensamentos de fundo escolástico-tomista, o usus modernus
pandectarum, a racionalidade iluminista, o jusnaturalismo racionalista e o legal-positivismo,
sem, ao que sabemos pela ausência quase completa de pesquisa crítica quanto à essa
problemática no direito da escravidão, a prevalência e dominância de um deles sobre o
outro no séc. XIX. Dessa forma, não havia ali a centralidade do modelo de jurista neutro,
decorrente da modernização do direito (MARQUES, p. 444).

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4 Rumos do direito da escravidão

O tempo próprio e as principais características do direito da escravidão brasileira


passam certamente pelo reconhecimento da complexidade tanto das fontes jurídicas, como
dos sentidos da interpretação jurídica daquele contexto. Algo que, para ser construído de
forma suficiente, para abrir novos horizontes, bem como auxiliar as pesquisas daquela
temática pelas ciências sociais, no nosso pensar, passa necessariamente ao menos por dois
grades esforços importantes. O primeiro deles é o da pesquisa da interpretação jurídica nas
fontes daquele período, com destaque para as ações judiciais, não somente as de liberdade,
manutenção de liberdade e de escravidão, como tem sido realizado, como também das que
num primeiro momento pareçam não ter diretamente interesse para a compreensão do
direito da escravidão, mas que sejam reconhecidas como importantes para a compreensão
da interpretação jurídica naquele contexto da juridicidade complexa. O segundo, é o da
leitura dos textos jurídicos da escravidão com a preocupação não só de pesquisar elementos
e referências para a investigação da história em sentido amplo, os fenômenos históricos tais
como a luta por direitos, o pecúlio, a organização social das pessoas escravizadas etc., mas
também com a preocupação de se tentar perceber como era o direito da escravidão e os
sentidos de sua interpretação. Esforços, no nosso sentir, necessários para atendermos com
suficiência a exigência da pesquisa com respeito mínimo à sincronia, não enquanto utopia
positivista realizável em pleno, mas enquanto horizonte e perspectiva nunca alcançada pelo
pensamento crítico, sempre preocupado com a contextualização do fenômeno humano.

De forma bastante rápida e em enumeração simplificada, a juridicidade complexa e a


possibilidade de sua compreensão passam certamente pelos trabalhos de Perdigão
Malheiro, onde podemos encontrar o grande panorama do direito da escravidão brasileira,
tanto em seus textos mais conhecidos (1866), como também nos esquecidos (1873); de

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Teixeira de Freitas, com o seu peculiar usus modernus pandectarum adaptado ao contexto
do direito da escravidão, sendo o jurista contratado para realizar o “Código Civil” e a “Lei
sobre a escravidão”, na forma do decreto 2.318 (BRASIL, 1858, p. 156), sendo nota histórica
fundamental e poucas vezes lembrada, apesar de não realizados em pleno; ou ainda de
Pimenta Bueno, onde podemos pesquisar o choque da interpretação jurídica desde a
herança medieval do direito e as influências de um jusnaturalismo racionalista (1857, p. 16).
Sem esquecermos dos grandes nomes que influenciaram decisivamente a construção do
direito brasileiro, como Coelho da Rocha (1857) e Corrêa Telles (1880), bem como os juristas
menos conhecidos, mas também muito relevantes para pensarmos a especificidade do
direito brasileiro, como Pinto Junior e suas referências ao direito romano interpretado de
forma subisidiária (1888, p. 6), ou ainda, os que ofereçam testemunhos singulares
decorrentes de experiências ímpares, como é o caso de Le Breton (18??), jurista que
participou do contexto histórico da revolução francesa e escreveu sobre o direito no Brasil
em construção, algo que não pode ser realizado nas usuais referências acríticas e
descontextualizadas desses autores e textos, enquanto resultado da elevação do mito
fundador do direito moderno.

As fontes jurídicas, nessa complexidade e em em sentido crítico, para nós, são o


caminho mais importante para afastarmos o manto de esquecimento e acomodação da
escravização de seres humanos no Brasil dentro de uma tradição para legitimação do projeto
de direito moderno exigente de ahistoricidade. Projeto hoje mais difícil de ser observado,
por pesquisadores(as) soterrados(as) por essa construção mitológica já secular, mas
facilmente percebida se acompanhada desde autores importantes, como Clovis Bevilaqua,
em suas referências que fizeram escola quanto às “tribus que vagabundeavam ao longo e ao
largo deste vasto paiz” e aos “pretos definitivamente incorporados á sociedade brazileira”
(1896, p. 222-224), que devem ser compreendidas em seus contextos, sincronicamente,
como exemplos terríveis de um passado que se investiga, mas não se admite mais em nosso
presente. No ponto, para justificarmos o tempo do direito e a sua complexidade não
monológica, o legal-normativismo que temos ainda, onde o Estado se apropriou do direito
ao ponto de quase conseguir confundi-lo com a lei, somente atingido o paradigma

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constitucional em plenitude após a Constituição de 1988, estando atualmente vivendo uma


crise profunda não somente de eficácia, mas particularmente de legitimidade, que vêm
sendo discutida pela comunidade jurídica em um panorama de complexidade que aqui não
será explorado, mas que se mostra hábil para afastarmos a ideia equivocada de haver a
dominância completa de uma ideia de direito, mesmo em nossos dias. A simplificação do
conceito de direito a um só sentido positivo, irrefletido e desprovido de crítica, em termos
ahistóricos, é uma ideia que nem o mais profundo projeto positivista de direito nunca
sonhou um dia realizar, excluídos os projetos totalitários.

Nesse sentido, acreditamos que com o esforço em se tentar compreender os textos


jurídicos, não de forma apressada e em ligação direta com as fontes jurídicas históricas, mas
com a especial preocupação em tentar reconhecê-los contextualmente, poderemos aspirar à
formação de, no mínimo, um quadro amplo e suficiente para a pesquisa das temáticas do
direito e escravidão no Brasil. Essa pesquisa, pensamos nós, talvez supriria a grande ausência
de pesquisa crítica da juridicidade brasileira, em sentido não mitológico, não somente do
direito da escravidão, mas do fenômeno jurídico como um todo, já que o maior contraponto
ao mito moderno da elevação em sentido evolutivo, escalonado e linear da igualdade e
liberdade, reconhecidos na construção do sujeito de direitos, é certamente o fato histórico
do ser humano escravizado, legitimamente, pela sociedade escravocrata brasileira e o seu
específico direito.

5 Propostas de superação

Assim posto, mesmo que muito brevemente, estamos diante de exigências de


aprofundamento crítico para permitir a reflexão profunda da escravidão, seja nos contextos
da América portuguesa ou do Estado brasileiro. O tempo histórico do direito enquanto
fenômeno humano, seja o do complexo direito da escravidão, fundado em fontes jurídicas
não sistematizadas e sem hierarquia, cuja interpretação naquele contexto ainda não foi, ao

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que temos notícia, pesquisada suficientemente, merece ser ainda, por quem se preocupa
com a investigação do passado nas ciências sociais, melhor considerado.

Apesar dos grandes esforços já realizados de pesquisa da escravidão no Brasil,


quando relacionadas com a temática do direito, acreditamos que ainda seja muito
importante o aprofundamento da investigação sincrônica também da juridicidade,
especialmente da interpretação jurídica, sem a simples e bastante equivocada identificação
do direito com a lei, em um esforço coletivo de reconhecimento, ao menos de forma
imediata, de ser a mitologia do direito moderno a grande responsável, claramente pela
vitalidade e profundidade desse projeto de poder político, por impedir o esforço crítico de
pesquisa do direito da escravidão no Brasil. Trata-se do famoso “eclipse” que nos impede de
ver que o direito, o Estado e a lei são fenômenos diversos e com histórias próprias, mas que
se alinharam no direito moderno, em uma ideologia que talvez seja a grande responsável
pelas visões anacrônicas da juridicidade. Isso fica posto, apesar de aqui somente indicarmos
tal problema, para a chamada de atenção para o quê normalmente se considera enquanto
um paradigma indiscutível.

Segue tal apelo às ciências sociais em sentido amplíssimo, por muito pouco,
infelizmente, podermos nos valer de estudos profundos do direito da escravidão no campo
da pesquisa jurídica, manifestamente fundada, ainda, em hagiografias e naquela mitologia
fundadora da juridicidade moderna, também muito pouco reconhecida e identificada
criticamente. Tal diagnóstico, de forma simples, pode ser visto com a quase unívoca
recorrência ao pensamento de juristas de outros contextos, fora do Brasil, fundamentais
para aprofundar as reflexões da história do direito, mas bastante indicativa da quase
ausência da pesquisa jurídica brasileira da temática da escravidão.

Trata-se de um esforço, no nosso entender, que vale a pena, já que no eixo do direito
foi assentada em grande parte a construção da sociedade civil burguesa e a formação
ideológica da modernidade. Por isso, ainda dentro da possibilidade de certa recuperação da
herança iluminista, onde o direito era pensado filosoficamente, não secretado pela vontade
estatal pura e simplesmente, pensamos ser possível a pesquisa da juridicidade dentro de

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uma ainda possível racionalidade moderna, mesmo reconhecidas em grande parte as críticas
do movimento da pós-modernidade, que consiga realizar na prática o direito justo, sob a
ética dos valores humanos, juntamente com a sempre presente busca da consciência
histórica dos fenômenos sociais. Mas ao contrário das idealizações generalizantes, parece
ser cada vez mais importante o reconhecimento e a consciência das singularidades
envolvidas na realização do direito na prática, a que acrescentaríamos o dever de
consideração na perspectivação da busca histórica para discussão ampla quanto aos
caminhos sob a perspectiva profunda dos valores humanos, não enquanto projeções
subjetivas e unilaterais exclusivas de um qualquer projeto de poder.

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ISSN:

GT 2 - POLÍTICAS INDIGENISTAS E INDÍGENAS ENTRE OS SÉCULOS XVI


AO XIX NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA: SUAS ESPECIFICIDADES
DIANTE DAS RELAÇÕES INTERÉTNICAS E PODERES LOCAIS

Profa. Dra. Mariana Albuquerque Dantas - UVA


Profa. Dra. Juciene Ricarte Apolinário - PPGH-UFCG, Brasil | CHAM-UNL, Portugal

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

MECANISMOS PARA RESISTÊNCIA ADAPTATIVA INDÍGENA E SEUS


ENTRAVES: POSSIBILIDADES E DIFICULDADES NO SISTEMA COLONIAL PARA O
ÍNDIO DA CAPITANIA DO RIO GRANDE, NO SÉCULO XVIII

SILVA, Victor André Costa da


Universidade Federal do Rio Grande do Norte
victor_acds@hotmail.com

INTRODUÇÃO
Ainda hoje, muitos historiados se apegam à história que apresenta os índios como
vencidos e dizimados por completo, além de acreditarem que esse estudo pertença à área
da antropologia. É certo que vários massacres, assassinatos, epidemias e guerras
contribuíram significativamente para a diminuição do número das populações indígenas,
porém há muitos outros registros e fontes históricas que apresentam uma história indígena
além desses conflitos e consequente fim dos índios. Para Varnhagen, por exemplo, pioneiro
na disseminação dessa teoria do desaparecimento, tornou-se corriqueiro o pressuposto de
que o início da história da pátria significava o fim dos índios, a ideia dele de rebaixar e excluir
os índios da história do Brasil permaneceu firme no pensamento histórico brasileiro por
gerações e gerações. (MONTEIRO, 2003).
Essa ideia de extinção dos índios não está distante de nossa realidade, uma vez que
historiadores renomados por muito tempo difundiram e outros se apropriaram da noção de
que os índios teriam desaparecido por completo. Nossa historiografia ainda é muito
arraigada na ideia do índio dizimado, vertente tão fortemente veiculada por historiadores
locais como Luís da Câmara Cascudo, Augusto Tavares de Lyra e Rocha Pombo (CASCUDO,
1955; LYRA, 1921; POMBO, 1922). Luís da Câmara Cascudo, por exemplo, declara:
Em três séculos toda essa gente desapareceu. Nenhum centro resistiu,
na paz, às tentações d’aguardente, às moléstias contagiosas, às brutalidades
rapinantes do conquistador. Reduzidos, foram sumindo, misteriosamente, como
sentindo que a hora passara e eles eram estrangeiros na terra própria (CASCUDO,
1955:38).

Em contrapartida a essa ideia, pretende-se aqui, evidenciar as estratégias e


tomadas de decisões de grupos indígenas na Capitania do Rio Grande do Norte, no século
XVIII, de acordo com seus interesses, movidos por suas próprias iniciativas, mesmo que se
utilizando de meios oriundos da Coroa Portuguesa, tentando diminuir esse estigma do índio
vencido ou dizimado. Propõe-se então destacar casos em que os índios da Capitania do Rio G
rande do Norte tiraram ou poderiam tirar proveitos de Leis propostas pela Coroa ou mesmo
de situações e contextos locais, para garantir melhores condições de vida dentro do sistema
colonial, bem como as barreiras e enfrentamentos que tiveram de lidar para alcançá-las,

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entendendo essas atitudes enquanto um tipo de resistência, denominada como resistência


adaptativa.
No tocante à legislação indígena, Beatriz Perrone-Moisés apresenta uma análise de
políticas da Coroa destinadas aos índios, dando uma noção da situação legal dos índios
durante o período da colonização, tendo em mente de que não era uma legislação fechada e
única para todos os índios, visto que havia a distinção clara entre os “índios amigos” e o
“gentio bravo”. Sendo assim, deveria haver leis específicas que atendessem aos grupos
distintos e as diferentes demandas oriundas deles. Segundo ela, não existia um direito
colonial brasileiro independente do direito português, cabendo ao Brasil ser regido pelas
mesmas leis da metrópole, com diferenciações a partir das questões locais (PERRONE-
MOISÉS, 1992).
Portanto, a construção de uma legislação de controle ultramarino exigia uma
vivência primária, um conhecimento estabelecido com base nas experiências sociais e que
possibilitasse a invenção e reinvenção de medidas que alcançassem o controle sobre os
povos em processo de conquista. Nesse intento, os agentes da Coroa empreenderam suas
ações visando o que Luiz Felipe de Alencastro diz ao comentar sobre a Igreja Ibérica, que
tinha como um de seus objetivos o de “consolidar o dominium ao fixar o povoamento
colonial nas regiões ultramarinas, e fortalecer o imperium, na medida em que suscita a
vassalagem dos povos além-mar ao Reino” (ALENCASTRO, 2000: 27). Como Ângela
Domingues elucida, a Coroa Portuguesa “visava tornar doméstico, útil e civil não apenas o
solo, como os homens”.
O Regimento de Tomé de Sousa, datado de 17 de dezembro de 1548, fora o
primeiro texto normativo da Coroa a tratar da gestão em relação aos povos ameríndios, mas
diversas outras leis como a Lei de 20 de março de 1570; a Lei de 24 de fevereiro de 1587; as
Leis de II de novembro de 1595 e de 27 de junho de 1596; as Leis de 30 de julho de 1609 e
de 10 de setembro de 1611, versavam no tocante à liberdade dos índios e uma possível
necessidade de tutela. Essas leis vieram a determinar ainda a possibilidade de escravidão dos
povos indígenas, garantida por meio da conquista na guerra justa, seguida de condenação à
antropofagia e reiterando o resgate (ZERON, 2011).
De acordo com as experiências vivenciadas na colônia, as leis iam sendo retificadas
e aprimoradas para que atendessem de maneira mais específica e eficaz os desejos da Coroa
e atingissem diretamente os moradores de determinada localidade. Durante o século XVIII,
novas leis continuam a ser elaboradas visando a assimilação dos índios ao sistema colonial,
dentre elas pode-se citar o Regimento das Missões (1686) e o Diretório dos Índios (1757),
ambas com o intuito de organizar socialmente os índios aliados à Coroa. A primeira concede
a administração dos índios aos missionários que tem por objetivo catequisar e civilizar esses
povos, com um período de vigência até 1755, e que na capitania do Rio Grande do Norte
contou com as Missões de Guajirú, Guaraíras, Igramació, Mipibú e Apodi (LOPES, 2005).
O Diretório dos Índios, proposto pelo Marquês de Pombal, veio para regulamentar
as Leis de Liberdade dos Índios de 1755, e transferia os cuidados dos índios para funcionários
civis e militares, chamados de diretores. Em 1760, a Missão de Guaraíras foi elevada a vila

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Nova de Arez e a Missão de Guajiru em Vila Nova de Extremoz do Norte. Os outros três
aldeamentos, Apodi, Mipibu e Igramació, só tornaram-se vilas, Portalegre, São José e Vila
Flor, respectivamente, em 1761 (LOPES, 2005).
Com nossas observações a respeito das ações dos índios, utilizamos a ideia da
resistência adaptativa apresentada por Steve Stern, e que é aplicada no momento em que os
índios sentem a necessidade de encontrar novas formas de sobreviver no novo contexto ao
qual foram inseridos, o sistema colonial, como uma questão de sobrevivência. Partindo para
além de uma resistência bélica, é considerada como resistência, as alternativas que os índios
buscam dentro da própria lógica colonial, quando se inserem e participam da lógica do
sistema, se valendo de meios oriundos dos próprios portugueses e incorporando
instrumentos do grupo oposto. Como explicitado por Maria Regina Celestino de Almeida:
“Colaborar com os europeus e aldear-se podia significar, portanto, uma
forma de resistência adaptativa, através da qual os povos indígenas buscavam
rearticular-se para sobreviver o melhor possível no mundo colonial. Em vez de
massa amorfa, simplesmente levada pelas circunstâncias ou pela prepotência dos
padres, autoridades e colonos, os índios agiam por motivações próprias” (2009,
p.30).

ALTERNATIVAS E ENTRAVES PARA UMA RESISTÊNCIA ADPTATIVA

Aqui entende-se que as estratégias criadas pelos indígenas da capitania do Rio


Grande do Norte, são uma forma de resistência adaptativa ao passo que se valiam, em
alguns casos, de um conhecimento adquirido ao longo do contato com a Coroa, almejando
favorecimentos próprios. Esse conceito advém de um diálogo entre a Antropologia e a
História, em que Stern o destina ao observar ações protagonizadas pelos povos indígenas, no
momento em que se aproximam e colaboram com o estabelecimento da lógica colonial.
Dessa maneira, a resistência indígena não deve ser compreendida unicamente como uma
atitude de violência ou vingança aos colonizadores.
Para iniciar, pode-se trazer à discussão o caso do Tratado de Paz com os “Tapuyas
Ariûs piquenos”, assinado no dia 20 de março de 1697, quando Bernardo Vieira encontrou
com o “Rey dos Tapuyas Ariûs piquenos por nome Peca que habitão nos confins desta
Capitanîa no mais intimo destes Sertoens, o qual disse que vinha com sua propria pessoa
ajustar a pâz”. A paz seria então o objetivo final e almejado tanto pelos portugueses, quanto
pelos indígenas, que encontraram nesse meio jurídico legal a possibilidade de se estabelecer
uma trégua nos embates que estavam envolvidos.
Esse tratado encontra-se anexado a uma carta de Bernardo Vieira de Melo datada
de 1697 e endereçada ao rei com a proposta que vinha sendo discutida com os moradores a
respeito da intenção de instalar “no Sertão do Assû que distá 40 Legoas deste lugar hum
Prezidio com gente que pudesse refrear qualquer impulso dos Barbaros”. Seguido desse
tratado, havia outro, que dizia respeito à retificação da paz com os tapuias janduís da Ribeira

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do Açu, esse ocorreu aos vinte dias do mês de setembro do mesmo ano do tratado com os
Ariús pequenos, pois anteriormente já tinha sido firmado um tratado de paz com esses
janduís juntamente com Agostinho César de Andrade, na época capitão-mor.
Ambos seguem o mesmo modelo ao elencar as condições para o estabelecimento
da paz, baseando-se nos seguintes pontos: 1º ao descer do sertão não poderiam portar
armas; 2º deveriam ajudar os brancos na condução do gado; 3º guerreariam ao lado dos
brancos, caso alguma nação se rebelasse; 4º não deveriam ficar na companhia de escravos
fugidos, mas denunciá-los; 5º não se desviariam do catolicismo, após o batismo. Ao fim do
tratado de paz com os Ariús pequenos, o escrivão Manoel Eusebio da Costa registra que
Peca, o líder do grupo, assinou com uma cruz junto com um irmão dele por nome de Capitão
João Pinto Correa, mas antes enfatizam a necessidade de uma espécie de tutela por um
branco para o caso de não entendimento das condições, tendo em vista sua “rudeza” e
“incapacidade”, como vemos a seguir:
E porque na sua rudeza pode haver algua incapacidade no asseitarem as
da condiçoens lhe disse o do capitão mayor que nomeassem hum branco seu
amigo, e confidente para em seu nome aceitar as das condiçoens e prometerem a
observancia dellas o qual eleges ao capitão Anotnio Alz Correa.

Acerca dos tratados de paz, Puntoni escreve sobre o primeiro acordo firmado entre
os Janduís e o então capitão-mor Agostinho Cés ar de Andrade, dizendo que “este ‘tratado
de paz’ deve ser entendido mais como uma capitulação de obediência, do que como um
contrato” (PUNTONI, 2002: 159). Ele defende essa ideia baseada no fato de que na
documentação há a referência aos Principais como “reys”, mas em nenhum momento os
considera uma autoridade autônoma, não passa de uma menção ao título de rei. Além disso,
Puntoni acredita que esses tratados são motivados mais pelo “medo das armas lusas”
(PUNTONI, 2002: 160) ou quiçá por conta do cansaço diante de um longo e intenso período
de embates.
Na verdade, a continuidade da guerra que estava em jogo e com ela a matança de
ainda mais portugueses e índios, a opção da paz foi a escolhida e assim a fizeram,
possivelmente também pelo cansaço dos portugueses diante desses enfrentamentos
diretos, constantes e de longa duração com os índios. Entende-se, portanto, a atitude dos
Janduís e Ariús pequenos em conceder a paz não como uma rendição ou assumindo a ideia
que por muito tempo se propagou do índio guerreiro fadado à derrota, mas como um tática
em sua luta pela sobrevivência e uma forma de resistência.
Os Janduís, por exemplo, foi um dos grupos mais fiéis aos holandeses durante seu
período de ocupação no Brasil, um contrato de paz assumido por eles com os portugueses
configura uma ação de aliança cheia de interesses baseados em certas vantagens que seriam
obtidas para ambos os grupos. Apesar do estabelecimento de regras firmes e taxativas no
tratado, esses grupos ganhariam certo grau de liberdade e a posse de suas terras, certeza
essa que encontrava-se abalada diante do contexto de desterritorialização, escravização e
extermínios.

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Outro exemplo que serve para elucidar mais uma possibilidade de resistência
adaptativa se encontra fundamentada no Alvará de sete de junho de 1755. Por meio dessa
Lei de liberdade dos Índios, eles eram incentivados a praticarem a língua portuguesa, a
casarem com pessoas brancas, e também garantia aos índios o acesso a cargos na Câmara,
como de vereadores ou juízes. Nesse caso, observamos uma abertura nas leis, com o intuito
de integrá-los dentro do sistema colonial, vislumbrando uma assimilação total desses povos,
e então uma inserção deles em atribuições até então não permitidas, por serem
considerados cargos que exigiam maior grau de instrução.
Dessa forma, poderíamos aferir que os índios teriam de se adaptar, visto que seria
necessário o uso de sistemas e códigos administrativos que aos índios ainda não eram
comuns, para só então assegurar sua inclusão nas novas oportunidades propostas dentro do
sistema colonial. Sendo assim, configura-se como uma forma de adaptar-se para garantir sua
“sobrevivência”, elucidando o que Steve Stern apresentou de uma resistência adaptativa não
apenas armada.
Pela a análise documental realizada até o presente momento, não conseguiu-se
identificar um documento que comprove a participação efetiva de algum índio em um dos
cargos da Câmara. Porém, percebe-se certa relutância por parte das próprias autoridades
locais para que de fato a lei possa ser executada, pois mesmo com essa regulamentação,
havia entraves que a impediam na prática, ainda no início do século XIX. Numa carta, datada
de 1806, o capitão-mor do Rio Grande do Norte, José Francisco de Paula Cavalcante de
Albuquerque se mostra contrário à inserção dos índios nos ofícios de vereador ou juiz.
Segundo ele, tais cargos não poderiam ser assumidos por eles “tanto pelo atrazamento em
q. estao os Indios ditos, pr falta de educação, como pr lhes ser proprio o deboxe e a mafe”.
Portanto, por mais que não se saiba se os índios vieram ou não a ocupar esses cargos, sabe-
se que sua presença não era desejada, caso tivessem interesse em assumir tal posição.
Mais um caso que podemos observar foi um já citado por Ristephany Leite num
artigo sobre experiências históricas dos indígenas na Capitania do Rio Grande do Norte, no
século XVIII, em que dois índios solicitaram educação eclesiástica. Nesse exemplo, já é
possível identificar a participação efetiva dos índios, Antônio Dias da Fonseca de 20 anos e
Antônio Alves da Cunha de 16 anos foram os suplicantes que solicitaram uma educação
religiosa para que viessem a tornar-se membros da Igreja. Em 1767, após visita do cônego na
catedral de Olinda, Manoel Garcia Velho do Amaral, os dois índios foram levados à Olinda
para se dedicar ao estudo da língua latina.
Deve-se levar em consideração o nível de instrução que esses índios já tinham,
ambos já tendo o domínio da leitura e escrita, além da clareza que tinham a respeito das
atualizações realizadas no âmbito da legislação indígena com o Diretório pombalino, e no
caso do indígena mais novo, ele já teria uma educação mais facilitada, já que era sobrinho do
capitão-mor dos índios de Vila Viçosa, no Ceará. No entanto, todos esses indicativos
positivos, acompanhados do desejo deles de participarem do meio religioso, não foram
suficientes para que o Bispo de Pernambuco Dom Francisco Xavier Aranha concedesse a
permissão para a realização do ensino eclesiástico para os índios. Mesmo Antônio Alves da

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Cunha tendo recebido a concessão da Coadjutoria da Igreja de Santo Amaro do Bispado de


Pernambuco e Antônio Dias da Fonseca da Coadjutoria da Igreja da Conceição da Várzea.
Já no Terço dos Paulistas – organização derivada da Espanha que funcionava como
um regimento de infantaria paga e profissional –, a participação dos índios em atividades
militares era mais ativa, Puntoni diz que “a presença do indígena era constante e acabava
pela sua adequação ao meio e às técnicas necessárias, conferindo o caráter das atividades
militares” (PUNTONI, 2002: 188), e era essencial sua participação, tendo em vista o domínio
que tinham na arte de guerrear, além de serem conhecedores das terras da Capitania.
Teoricamente, o terço seria “formado por 2500 soldados, repartidos em dez companhias,
compostas, cada uma, de 250 homens, todos subordinados ao capitão-mor (ou mestre-de-
campo)” (PUNTONI, 2002: 182). E para combater os índios, Agostinho mantinha “na Ribeira
do Rio Assú dous quarteis com cento e sincoenta homens sessenta legoas deste cittio os
quarenta infantes e os mais Indios domésticos”.
Porém, ao passo que percebemos a inserção de grupos indígenas nas atividades
militares, encontramos também certas distinções acerca do serviço militar entre eles e os
brancos no Terço, a começar pela matrícula para a participação do efetivo. Como observado
numa consulta do Conselho Ultramarino ao rei D. Pedro II, datada de 1706, sugere-se que ao
abrir novos títulos na Companhia do Terço, se matricule “os brancos na forma do Regimento
e os Indios so pelos nomes e nações de q forem”. Essa diferenciação nas matrículas dos
índios pode ser justificada pelo fato de terem “variede na sua prezistencia” e abandonarem
a qualquer tempo o serviço. Isso repercutia não apenas na matrícula, como também no
pagamento deles, configurando essa outra diferenciação, pois se sugeria que só os brancos
recebessem o soldo, “e os Indios serem socorridos com farinha e a farda de q usão estes
gentios”. Mas para os demais membros do Terço dos Paulistas, além do pagamento que
recebiam, mão de obra e terras compuseram as promessas como premiações aos que
participassem da conquista da capitania (PIRES, 1990). Contudo, mesmo com essas
desvantagens para os índios, muitos participavam e se valiam do prestígio social de estarem
inseridos nesse meio, tanto que cargos de liderança como o de Camarão, possuíam “certa
expressão social que servia para seduzir estes grupos” (DIAS, 2001: 10), de modo que ele foi
nomeado Capitão-mor dos índios.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Utilizando aqui o conceito de resistência adaptativa, abandona-se um pouco da


noção da resistência unicamente armada na qual os índios exercem o papel de guerreiros,
papel esse que já é legitimado e que os índios fazem jus, sendo assim, propôs-se nesse
espaço evidenciar uma outra face da resistência indígena, fundamentada no momento em
que os índios encontraram possibilidades diferentes de sobreviver e garantir melhores
condições de vida no novo contexto do sistema colonial (ALMEIDA, 2010:23).
Dessa maneira, acredita-se que os índios da Capitania do Rio Grande do Norte
“vivenciavam transformações culturais num processo contínuo de mudanças e construção

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de interesses e motivações que iam se alterando conforme as circunstâncias e a dinâmica de


suas relações” (ALMEIDA, 2003: 53). Pois de acordo com suas necessidades e vivências iam
se moldando e adequando suas práticas à medida que vão se envolvendo socialmente com
diferentes grupos, eles não foram só integrados, mas integraram-se e interagiram tentando
se utilizar da justiça colonial a eles disponíveis.
Neste artigo, objetivou-se apresentar os mecanismos viáveis de possíveis ascensões
de grupos indígenas da Capitania do Rio Grande do Norte, no século XVIII, no seio da
sociedade colonial. Entendendo que a legislação indígena pôde ser um meio propulsor para
a efetivação da resistência dos índios, deixando claro que em alguns casos vinham
acompanhados de dificuldades e entraves que os limitavam de concretizar seus anseios de
galgar novas posições sociais, mas que em nenhum momento desvalidam suas intenções.
Sendo assim, foi proposto reforçar a imagem do índio também enquanto protagonista de
sua história, com desejos e iniciativas próprias que mais lhe favorecessem, fosse no Terço
dos Paulistas, fosse por meio da educação religiosa, pela participação em cargos da Câmara
ou se valendo de acordos jurídicos para efetuarem a paz.

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PUNTONI, Pedro. A Guerra dos Bárbaros: povos indígenas e a colonização do
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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

FORTIFICAÇÕES E ALDEAMENTOS NA RIBEIRA DO JAGUARIBE: POLÍTICAS


INDIGENISTAS E AÇÃO INDÍGENA NO FINAL DO SÉCULO XVII.
VICENTE, Marcos Felipe
Universidade Federal Fluminense
marcos.felipev@yahoo.com.br

A segunda metade do século XVII foi marcada por intensos conflitos entre indígenas
e europeus nas capitanias do norte da colônia portuguesa na América. Esses conflitos,
resultantes do progressivo avanço dos colonizadores sobre os nativos e suas terras, ficaram
conhecidos na historiografia brasileira como Guerra dos Bárbaros (STUDART FILHO, 1966;
PIRES, 2002; PUNTONI, 2002). Embora muitas vezes tratado como um único e grande
conflito, predomina, atualmente, a perspectiva de que se trataram de vários conflitos, sem
grandes articulações entre si, com motivações mais ou menos semelhantes, que opuseram
indígenas, especialmente aqueles chamados de Tapuias, e portugueses.
A partir do ano de 1696, os conflitos entre indígenas e colonizadores nos sertões
das capitanias do Rio Grande e Ceará adquiriram outras características, diferindo-se
daqueles ocorridos principalmente entre a década de 1660 e os primeiros anos da década de
1690. Se naquele primeiro momento predominara a guerra de extermínio, cujo objetivo era
a completa aniquilação do indígena, em finais do século XVII, com o aumento das atividades
missionárias nos sertões, manifestou-se outro lado do projeto colonizador, que buscava a
assimilação do indígena na sociedade colonial e tinha como principal ferramenta as missões
religiosas.
Com seus esforços concentrados nas áreas litorâneas, até aquele momento, a
atenção dos missionários, principalmente da Companhia de Jesus, estava direcionada para
os povos de língua Tupi (HOORNAERT, 1995). No entanto, para a efetivação da ocupação dos
sertões da colônia, a ação missionária se apresentava como elemento quase obrigatório,
diante dos parcos recursos da Metrópole para aquela empreitada. Assim, ao passo em que
os conflitos com os indígenas foram se abrandando, a presença de missionários na ribeira do
Jaguaribe se tornou cada vez mais constante. É o que se depreende da carta do padre João

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Leite de Aguiar, datada de 15 de Maio de 1696, informando que, durante quase dois anos,
esteve com vários povos nativos e que acertara com eles as condições para que se
instalassem os aldeamentos (AHU, Manuscritos avulsos da Capitania do Ceará, cx 1, doc, 34).
Paralelo ao estabelecimentos das aldeias missionárias nas ribeiras do Jaguaribe e
Assu, outros estabelecimentos portugueses também se instalaram na região naquele mesmo
ano. Como forma de garantir o avanço das forças coloniais sobre aqueles sertões, o
Governador-Geral de Pernambuco Caetano de Mello de Castro ordenou que se instalassem
dois presídios, um em cada ribeira; e que ficassem guarnecidos por um cabo e alguns
soldados.
Uma das primeiras aldeias instaladas na região foi a Aldeia da Madre de Deus,
organizada pelo padre João da Costa, do Oratório de Pernambuco, com os índios Paiaku. Ao
mesmo tempo, fora construído o Forte de São Francisco Xavier, com o objetivo de garantir a
segurança dos curraleiros que se estabelecessem na ribeira. A partir daquele momento, a
presença dos colonizadores na ribeira do Jaguaribe e outros sertões próximos promoveu
diversas alterações no modo de viver dos nativos. Dessa forma, entre São Francisco Xavier e
a Madre de Deus, referência utilizada em trabalho anteriormente desenvolvido (VICENTE,
2011), ou, usando a referência de Maia (2013, p. 8), entre a espada e a cruz, os indígenas
tiverem que construir novas formas de organização e até mesmo de relação com o espaço.
Naquele contexto, os povos nativos sofreram interferências em seus territórios. Os
territórios são aqui entendidos como espaços vividos, onde se manifestam relação de poder
e se dão as relações sociais, não devendo ser tomado apenas como o seu substrato material,
o espaço. Assim, a partir de relações desiguais de força com os colonizadores, os índios
sofreram um duplo processo de desterritorialização e reterritorialização. Entende-se por
desterritorialização os processos relacionados à perda de um referencial territorial, uma
espécie de "deslocalização", capaz de deixar os grupos marginalizados dentro do sistema de
poder dominante. A reterritorialização, por sua vez, deve ser compreendida como um
processo de reconstrução dos referenciais territoriais, a partir dos quais os grupos
desenvolvem novas territorialidades, ou seja, novas formas de produção e representação do
e no espaço, transformando-o em território. Tomam-se aqui esses conceitos emprestados da

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Geografia, através dos escritos de Souza (2000, 2015), Saquet (2015) e Haesbaert (2000),
que são fundamentais para compreender os processos de transformação dos modos de
produção e reprodução dos indígenas dos e nos seus territórios, caracterizados por
constantes disputas de poder.
A instalação dos presídios e dos aldeamentos nas ribeiras do Jaguaribe e Assu
certamente provocou profundas alterações no modo como os nativos viviam e se
relacionavam entre si e com o ambiente. A partir de então, os indígenas iriam estabelecer
contato com missionários e soldados de formas nunca antes experimentadas. Ao se inserir
nos aldeamentos e viver em volta do presídio, os indígenas construiriam novas formas de
apropriação do espaço e novas representações sobre eles, estabelecendo novas
territorialidades.

O Forte Real de São Francisco Xavier

O Forte Real de São Francisco Xavier, também conhecido simplesmente como o


Presídio da Ribeira do Jaguaribe, fora instalado no ano de 1696, 14 léguas acima da barra
daquele rio, pelo, então, Capitão-mor Pedro Lelou, que marchara rumo ao Jaguaribe com
600 homens por ordem do Governador de Pernambuco Caetano de Mello de Castro. A
função principal daquele presídio deveria ser trazer segurança aos moradores que iram se
fixar e povoar aquela região, conforme se observa no Requerimento de Pedro Lelou ao Juiz
Ordinário de Olinda Lourenço Cavalcante Uchoa, de 22 de junho de 1699:

Mandou [Caetano de Mello] formasse [...] um novo Presídio na Ribeira do Jaguaribe, que servisse de retenção
aos moradores que quisessem habitar e fazer suas Povoações na dita Ribeira e Sertão e domasse o gentio
bárbaro com suavidade e amor para que fosse mais fácil domesticá-los e adquirir a fé católica. (APEC, Coleção
de Documentos Impressos do Período Colonial, p. 98)

Os acordos de paz firmados entre os povos indígenas e as autoridades coloniais


constituíram fator importantíssimo para o processo de fixação dos colonos nas ribeiras do
Assu e Jaguaribe. Sem uma trégua nos constantes embates ocorridos naqueles sertões, seria

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impossível a fixação efetiva de colonos naquelas paragens. Assim, o momento de relativa


tranquilidade experimentado entre os anos de 1695 e 1696 se mostrara determinante
naquele processo de fixação, como se pode perceber no Parecer do Conselho Ultramarino
sobre o que escreveu Caetano de Mello acerca do Presídio da Ribeira do Jaguaribe, de 13 de
Agosto de 1696:

O Governador de Pernambuco, Caetano de Mello Castro, em Carta de 26 de Abril deste ano, escreve a Vossa
Majestade que, seguindo o que lhe havia ordenado sobre as causas pertencentes ao Ceará, tratara de povoar a
Ribeira do Jaguaribe, o que se lhe facilitara pela paz ajustada com a nação do gentio Paiacus. Julgando-se que
para guarda dos moradores e defesa dos currais se deixa formar um presídio naqueles Distrito, se resolvera a
não perder a boa ocasião que se lhe oferecera para esta empresa. (APEC, Coleção de Documentos Impressos
do Período Colonial, p. 61)

Observa-se que o próprio governador não apresentou os sucessos obtidos no


povoamento da ribeira do Jaguaribe como uma vitória do poderio militar português. Antes,
reforça a ideia de que o mesmo só foi possível graças aos acordos firmados com os Paiaku e
que era importantíssimo não perder a boa ocasião que se apresentava. Percebe-se que,
apesar dos danos causados aos nativos, ainda era necessário negociar a paz, uma vez que a
completa sujeição pelas armas demandaria um esforço que, talvez, as autoridades
portuguesas não fossem capazes de sustentar, ou seus resultados poderiam ser mais
danosos do que proveitosos. A instalação do Forte de São Francisco Xavier parecia, naquele
momento, mais uma forma de garantir o domínio sobre uma região já conquistada aos
indígenas, do que uma estratégia ofensiva de batalha.
Pelos documentos citados acima, é possível imaginar que a instalação daquele forte
fazia parte de uma estratégia de fixação que já não tinha mais o objetivo de exterminar os
nativos, mas sim “domesticá-los e [fazê-los] adquirir a fé católica”. Fortalece essa ideia o fato
de que, no mesmo ano, se iniciavam os trabalhos do missionário João da Costa na mesma
ribeira do Jaguaribe. Dessa forma, é importante pensar esses processos como
acontecimentos complementares à tentativa de submissão dos povos nativos. Se o
aldeamento tinha o objetivo de atrair os nativos à fé católica e lhes ensinar a cultura

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civilizada europeia, o presídio tentava garantir os meios coercitivos necessários para a


manutenção da paz e da segurança na ribeira.
As aldeias indígenas e os fortes instalados nas ribeiras do Jaguaribe e do Assu,
serviam como uma espécie de cordão de isolamento das áreas conquistadas e ocupadas pelo
colonizadores. Objetivavam, assim, diminuir os riscos de ataques dos nativos às fazendas e
seus moradores. É o que se depreende da carta do padre João Leite de Aguiar:

Como não efectuei com os tapuias Gendoins, pasei ao Pernambuco, e no caminho encontrei com Bernardo
Vieira de Mello, Cappittam mor do Rio Grande q’ hia ao Assú fundar húprezidio de trinta soldados do terço de
Henrique Dias p.ª effeito de se povoar a ditta Ribeira; e por mais tinha passado ao Ceara hú Cabo com vinte
Soldados Brancos a asentar outro prezidio no Jaguaribe p.ª com mais segurança se conseguir q’ se pertende no
serviço de De. e de V. Mg. tudo por ordem do G. Caetano de Mello. (AHU, Manuscritos avulsos da Capitania
os de or

do Ceará, cx 1, doc, 34)

A instalação dos presídios tinha por objetivo facilitar o povoamento das referidas
ribeiras, além de garantir uma maior segurança para a atuação dos missionários engajados
na conversão dos nativos. Naquele momento, os indígenas passavam a aceitar a presença
missionária por sua própria vontade, e não como sujeição às forças militares coloniais. Essa
atitude correspondia a uma tática de sobrevivência dentro do contexto que se impunha,
como leva a crer as palavras do próprio Caetano de Mello de Castro, já citadas em outra
passagem.
No Ceará, empenhou-se na instalação do forte de São Francisco Xavier o Capitão-
mor Pedro Lelou, que servira mais de 39 anos no serviço do Rei, antes de ser nomeado
Capitão-mor do Ceará. Durante sua curta gestão, que durara apenas 10 meses, fora acusado
diversas vezes de praticar abusos e extorsões contra os moradores, motivo pelo qual se tirou
devassa e foi deposto do cargo (APEC, Coleção de Documentos Impressos do Período
Colonial, p. 97-100). De qualquer forma, atribui-se a ele boa parte dos méritos em erigir o
dito presídio. As condições materiais e mesmo técnicas para a construção dos presídios nos
sertões das capitanias do norte eram bastante precárias. Faltavam desde materiais e
ferramentas até mão de obra qualificada pra tal empreendimento.

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O tempo gasto para a edificação do forte foi de quatro meses e as condições de


trabalho parecem ter sido extremamente árduas. Embora não esteja explícito na
documentação pesquisada, é possível imaginar que a mão de obra utilizada para a
construção dos presídios, capelas e outras edificações naquele contexto tenha sido a dos
próprios soldados e, principalmente, dos indígenas. Pode-se chegar a essa conclusão
analisando o que se afirmou de João de Barros Braga, em uma Patente por que foi provido
no posto de Capitão-mor da Capitania do Rio Grande, em 05 de Agosto de 1730 (APEC,
Coleção de Documentos Impressos do Período Colonial, p. 245), que teria se utilizado de
mão de obra indígena para a reedificação da fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, em
1698, quando a "fez e obrou por sua mão, sem mais ajuda que a dos índios que conduziam
as madeiras". Se foi necessária a utilização do trabalho indígena para a reedificação daquela
Fortaleza, onde a povoação já havia se estabelecido desde a primeira metade do século XVII,
é ainda mais provável que essa mão de obra tenha sido empregada na construção do forte
de São Francisco Xavier, onde os braços disponíveis ao trabalho eram ainda mais escassos.
Após aqueles quatro meses de trabalho, o forte de São Francisco Xavier estava
edificado e fora passado ao cabo João da Mota, que o governaria com a ajuda de 20
soldados “para defesa e guarda”, encontrando-se com todos os instrumentos necessários
para sua sustentação, pois deixou “o dito Forte acabado com todo o necessário, assim de
Praças, de armas, Armazéns para munições e mantimentos, Corpo de Guarda e Igreja, como
muralhas e estacada, Guarita Parapeitos e Quartéis” (APEC, Coleção de Documentos
Impressos do Período Colonial, p. 187-188). Receberia o novo cabo do presídio o soldo de
que quatro mil réis por mês.
No entanto, é possível questionar a efetividade do Forte na defesa dos moradores e
na manutenção das terras conquistadas. Como visto, o objetivo maior dos presídios das
ribeiras do Assu e Jaguaribe era garantir a segurança dos moradores e missionários contra
possíveis ofensivas dos nativos. No entanto, a eficácia dessa estratégia de povoamento era
questionada, pelo secretário de Estado do Brasil Bernardo Vieira Ravasco, para quem a paz
que se pretendia firmar com os nativos por meios de aldeias e povoamentos era inviável
(PUNTONI, 2002, p. 167-168).

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Isolado no meio daquele vasto sertão e guarnecido por míseros vinte soldados, é
possível que o forte tivesse um impacto simbólico até maior do que sua atuação efetiva. Do
ponto de vista do português, simbolizava uma conquista, um passo a mais em direção à
ocupação total dos sertões. Do ponto de vista do nativo, aquele forte poderia representar a
efetivação do invasor dentro de seus territórios. Obviamente, trata-se de uma especulação,
pois não se tem acesso ao pensamento nativo sobre tal fenômeno. Mas, ao considerar os
rumos que os conflitos tomaram após os anos de 1695 e 1696, pode-se imaginar que os
indígenas tenham percebido que o confronto direto estava provocando uma rápida redução
de seu povo e que seria preciso uma mudança de estratégia frente aos colonizadores. Foi
principalmente a partir desse período que aumentaram as missões religiosas nos sertões do
Rio Grande e Ceará.
Certamente, também não se pode dizer que todos os grupos indígenas adotaram a
mesma postura, nem mesmo que os mesmos grupos mantiveram sempre o mesmo modo de
agir. Na verdade, o que se observou é que, mesmo aceitando o aldeamento e o contato com
os colonizadores, os indígenas Paiaku continuavam promovendo pequenos ataques ao gado
e aos moradores, o que era interpretado pelas autoridades coloniais como mostras de sua
inconstância e deslealdade.
Mesmo concordando com o aldeamento, o que teve início no ano de 1696, os
Paiaku alternavam momentos de acomodação e violência. Entre os anos de 1697 e 1698, já
instalados o presídio e a aldeia na ribeira do Jaguaribe, estavam os Paiaku novamente
insubordinados às ordens portuguesas, motivando o envio de mais um troço para contê-los,
conforme alega o Certificado passado pelo Capitão-mor João de Freitas da Cunha, de 12 de
Outubro de 1697 :

E sendo-me avisado pelo Capitão e Cabo do Presídio de Jaguaribe e pelo Pe. Missionário João da Costa que na
dita Ribeira habita o então levantado Tapuia Paiacu, que com o dito Pe. Assistiam, misto com a Nação Janduins,
que habitam na Ribeira do Assú, nações que conosco tinham feito pazes; e por dito aviso que se me fez se me
diz estarem revoltados e fora da paz que haviam celebrado, e partirem consigo outras muitas Nações Bárbaras
que conosco não têm comunicação alguma, com que se me pediu, levasse socorro ao dito Presídio e mais
moradores da dita Ribeira, para o que mandei marchar aos sobredito Capitão de Cavalaria [Gregório de Brito

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Freire] com um Troço de gente de 274 pessoas, Soldados de Infantaria paga, e Ordenança de Cavalo e de pé,
Índios da Língua Geral e Tapuios das Nações Jaguaribaras e Anacés. (APEC, Coleção de Documentos Impressos
do Período Colonial, p. 84-85).

O fragmento acima sugere, em diversos aspectos, a situação dos indígenas na


capitania do Ceará em fins do século XVII. Por um lado, grupos indígenas que haviam lutado
durante décadas contra a ofensiva portuguesa sofriam um processo de desterritorialização,
oscilando entre a inserção na lógica colonial, através do aldeamento, e a manutenção da luta
contra o invasor, como é o caso dos Paiaku e dos Janduí. Por outro lado, grupos que “não
têm comunicação alguma” com os europeus continuavam vivendo segundo sua lógica
original, mantendo suas territorialidades, resistindo à influência estrangeira. Havia, ainda,
grupos que já negociavam com os europeus havia várias décadas, como os Jaguaribara e
Anacé, experimentando uma nova lógica de organização, originada pelo contato com os
portugueses. Por fim, encontravam-se alguns grupos Tupi já aldeados do litoral,
aproximando-se gradativamente da estrutura social portuguesa. Cada grupo, ao seu modo,
interpretava aquele contexto e elaborava estratégias próprias de ação, segundo seus
próprios interesses e perspectivas.
Além de sugerir algumas das diferentes formas de interação dos nativos com a
sociedade colonial, o documento acima põe em dúvida a eficácia do Forte Real São Francisco
Xavier. Se o dito presídio tinha a função de proteger os moradores e missionários das
investidas dos nativos e garantir a paz na ribeira do Jaguaribe, é estranho que fosse
necessário enviar tropas da fortaleza de Nossa Senhora da Assunção para socorrê-lo diante
de um levante indígena.
Assim, é mesmo provável que a influência do presídio no Jaguaribe tivesse uma
força simbólica maior do que efetiva. Na verdade, como afirmou Studart Filho, de um modo
geral, “as fortificações levantadas no Ceará foram pouco numerosas e sem grande eficiência
bélica” (STUDART FILHO, 1966, p. 168). Exceto para repreender pequenas insubordinações
isoladas de alguns nativos, sua força de vinte soldados dificilmente poderia conter um
levante maior, onde possivelmente estariam centenas de indígenas. Dessa forma, ele serviria
para afirmar, constantemente, a presença portuguesa naquela região.

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Os aldeamentos indígenas

Dentre as aldeias instaladas na ribeira do Jaguaribe tiveram destaque aquelas


formadas pelos indígenas da etnia Paiaku. Devido à grande hostilidade com qual aqueles
grupos eram representados na documentação produzida pelas autoridades coloniais, pode-
se crer que o estabelecimento da paz com aquela etnia foi fundamental para ocupação da
ribeira do Jaguaribe.
Chegando à ribeira do Jaguaribe, Pedro Lelou escreveu ao Rei informando sobre o
estado das aldeias indígenas e relatando a necessidade de "sacerdotes que lhes assistam e
lhes ensinem a doutrina, porque mal havia um para todos, ficando ellas distantes umas das
outras 4, 6, 8 leguas". Na mesma carta, datada de 20 de Agosto de 1696, mencionava, ainda,
que "outra nação de Tapuias Payacus, que assistem na Ribeira de Jaguaribe, pede, se
querem aldeiar e baptisar seus filhos e pedem sacerdotes" (BEZERRA, 2009, p. 202). No fim
do mesmo ano, esteve com reunido com os índios Paiaku o Padre João Leite de Aguiar, a fim
de estabelecer um acordo para o aldeamento dos mesmos índios:

Na mesma Carta me recomendou o mesmo Governador [Caetano de Mello] q’ por serviço de De. e de V. Mg.
os de

fosse a Ribeira do Jaguaribe e do Assú examinar os tapuias pajacus e os Gendois, se por firmeza da nova Pax
querião ademitir missão e povoassois nas dittas Ribeiras: Ao q’ satisfis e fui logo a Jaguaribe trinta legoas do
Ceara p. o Sul, e assitindo com os pajacus tempo de hú mes, os achei comtentes e satisfeitos da minha por
a

posta, e assim comvierão em se aldear com missionário p. sua quietação e segurança de seus Inimigos, e com a
a

emulação dos Cathecumenos Jaguaribaras, e me dicerão q’ logo avizace aos moradores troxecem Gados e
povoasem a dita Ribeira: A que sedeu logo expediçam e já ficão situados seis currais com suas Cazas fortes.
(AHU, Manuscritos avulsos da Capitania do Ceará, cx 1, doc, 34)

Fica claro, a partir do documento, que a instalação dos aldeamentos não foi um
processo unilateral dos missionários. Demandou acordos e negociações com os indígenas e
significou relativo sossego para ambos os lados. Tais acordos possibilitariam a chegada dos
fazendeiros e seus gados na região e, para os nativos, a quietação após várias décadas de

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conflito. No entanto, tais acordos tiveram curta duração e os interesses de sertanistas,


colonos e missionários se conflitariam frente à nova situação que se estabelecia. Aos
indígenas, coube o recurso de se valer da nova condição de vassalos para buscar o fim das
violências contra si e a garantia das terras que lhes eram destinadas. Segundo Maria Regina
Celestino de Almeida, "a ameaça de extermínio e escravização somada às dificuldades de
sobrevivência nos sertões [...] foram, com certeza, as molas mestras que incentivavam os
índios a se aldear" (ALMEIDA, 2013, p. 109). Assim, após longos anos de conflitos com os
portugueses, alguns grupos indígenas optaram pelos aldeamentos, como forma de
sobrevivência dentro do novo contexto que se produzia, conduzindo a uma situação de
desterritorialização e reterritorialização dentro dos aldeamentos.
Depreende-se dessa situação que os nativos distinguiam a condição dos índios
aldeados e não aldeados, perante as autoridades portuguesas (PERRONE-MOISÉS, 1992).
Aqueles que se submetiam à autoridade do monarca português passavam a ser
considerados vassalos e, como tais, gozava, de alguns diretos dentro do contexto jurídico da
colônia. A eles era proibido o cativeiro e não era permitido fazer guerras. Por outro lado, aos
que resistiam em se sujeitar aos novos institutos e regras estabelecidos pelos colonizadores,
eram destinados esses dois destinos violentos, a escravidão ou a morte.
Dentre os direitos conferidos aos índios aldeados estava a reserva de terras
destinadas aldeia e a possibilidade de escolher o lugar onde ela se estabeleceria. De acordo
com o Alvará Régio de 23 de Novembro de 1700, para cada aldeia, deveria ser dada uma
légua de terra em quadra para a sustentação dos índios e dos missionários. Embora a
dimensão da terra demarcada fosse insignificante para os nativos, uma vez que eram
senhores do continente e suas territorialidades estavam relacionadas ao uso de grandes
áreas para sua sobrevivência, a definição de terras específica para os indígenas criava um
novo ambiente, onde eles estariam seguros de novas investidas do colonizadores (pelo
menos em teoria, como mostrado por farta documentação). Além disso, o Alvará era
específico em afirmar que a terra pertencia aos índios e caberia a eles definir o local de sua
instalação:

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[...] e as taes Aldeas se situarão á vontade dos Indios, com approvação da Junta das Missões, e nam a arbitrio
dos Sismeyros ou Donatarios; advirtindo-se que para cada Aldea e não para os Missionarios mando dar esta
terra, porque pertence aos Indios, e nam a elles; e porque tendo-as os Indios as ficão logrando os Missionarios
no que lhes fôr necessario para ajudar o seu sustento [...]. (Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro,
volume XXVIII. 1908, p. 393)

É muito provável que o Alvará Régio de 23 de Novembro de 1700 apenas tenha


instituído oficialmente uma prática já comum nos sertões da colônia. Devido às dificuldades
em fundar novas missões no interior do continente ou atrair novos grupos de indígenas às
aldeias já instaladas, os missionários negociavam com os nativos as condições para a criação
das aldeias. Pode-se chegar a essa afirmação ao analisar a carta do padre João Leite de
Aguiar, já citada anteriormente, e outros documentos, como uma carta do padre João da
Costa, datada de 26 de Agosto de 1699, responsável pela missão dos Paiaku entre os anos de
1697 e 1699. No documento, o padre afirma que, estando em missão com os índios Paiaku
na Aldeia da Madre de Deus, resolveu atender a um pedido de outros índios da mesma etnia
situados a algumas léguas de distância daquela aldeia. Aqueles índios já estavam reunidos
no local desejado e solicitavam o batismo ao missionário, que afirmou: "condescendi com os
rogos dos Tapuias e me resolvi no fim do mês de julho passado, a ir ver o Sítio que eles
escolheram para a Aldeia e dar-lhe princípio" (APEC, Coleção de Documentos Impressos do
Período Colonial, p. 105).
No entanto, apesar das garantias estabelecidas pela legislação colonial, muitas
vezes os direitos dos indígenas não foram respeitados e, mesmo aldeados, sofreram ataques
por parte dos colonizadores e foram submetidos ao cativeiro. É o caso emblemático da
mesma missão dos Paiaku, cujos índios sofreram uma emboscada orquestrada pelo mestre
de campo Manoel Alvares de Moraes Navarro.
No dia 04 de Agosto de 1699, o Mestre de Campo do Terço de Paulistas Manoel
Álvares de Moraes Navarro, chegando à ribeira do Jaguaribe, anunciou aos índios Paiaku,
que, conforme dito anteriormente, estavam aldeados desde 1697 com o padre oratoriano
João da Costa, que queria celebrar um acordo com eles. Consistia o acordo na colaboração
daqueles índios para dar combate a outros grupos indígenas daqueles sertões, os Icó, que

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eram inimigos tradicionais dos Paiaku. Concordando com a proposta do Mestre de Campo
foram os índios se reunir com o Terço, que estava acompanhado de outra etnia indígena, os
Janduí, com quem dançaram em celebração. No meio da dança, Manoel Álvares de Moraes
Navarro fez sinal para que parassem as caixas e seus soldados, que estavam escondidos,
fizeram carga sobre os Paiaku, matando logo o principal Genipapoassu. Na ocasião,
morreram mais de 400 índios, segundo os documentos, sendo aprisionados outros 250 e
levados à Capitania do Rio Grande.
Desse fato resultaram inúmeros debates acerca da legitimidade da guerra feita ao
Paiaku. Por seu lado, Moraes Navarro alegava, em carta ao Rei, datada de 06 de Maio de
1700, que os Paiaku não agiam como súditos reais e se utilizavam do fato de estarem
aldeados para cometer atos de violência contra os moradores da ribeira:

[Os Tapuias] se alterarão faltando a aquelle respeito que se deve ter as armas de V. Mag. e a pas que
de

prometerão observar com estes vassallos, principalmente os tapuyas do rancho do Janipabuassú da nação
Payacú, apartandosse da amizade, e trato dos mais tapuyas de sua nação, dos quais havia remetido alguns
principaes a Bahia a pedir missionários, que paresse foi esta a cauza que os obrigou a querer darlhes guerra, na
consideração de que tendo religiozos, que os instruão na fé, não quererão concorrer com elles para os danos, e
insultos, que nos intentão fazer; e assy me foi necessario mandar hua companhia de Soldados a socorrellos na
Lagoa do Podi, onde estão aldeados; e sem embargo de me ver falto de socorros, marchey logo a buscar este
tapuya Janipabussú com cento e trinta homens, que me acompanharão, não levando mais por querer deixar o
arayal guarnessido. (Revista do Instituto do Ceará, Tomo 31, 1917, p. 213)

Na carta, Navarro esforçava-se por representar os nativos como povos pouco


confiáveis, que não cumpriam com os acordos firmados com os portugueses e ainda
atacavam aqueles que pretendiam se submeter à autoridade dos missionários. Em todo o
documento, o sertanista enfatizava os esforços com que seu Terço conseguiu vencer os
inimigos selvagens, apesar de todas as dificuldades e necessidades pelas quais passaram
suas tropas.
Por sua vez, o padre João da Costa se esforçava por mostrar que as condições que
garantiam a liberdade dos índios estavam sendo observadas em sua missão e que o mestre

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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de campo teria sido alertado sobre a ilegalidade de qualquer dano a ser causado àqueles
índios:

minho lhe declarei não ser justa a guerra que se desse aos gentios da nação Paiacus por cessarem nesse gentio as razões que fazem a
guerra lícita. Ao que me respondeu que estivesse de todo sossegado, porque ao meu gentio não havia de fazer
mal algum por ser expresso contra o seu Regimento [...].(APEC, Coleção de Documentos Impressos do Período
Colonial, p. 106)

Nesse contexto, da mesma maneira que se observam disputas entre os agentes


coloniais a respeito do modo como proceder em relação aos índios, cada um apropriando-se
da legislação segundo seus interesses, pode-se dizer que, também, os índios conheceram e
se apropriaram desses institutos em seu favor. É o que se observa no mesmo fragmento da
carta de Moraes Navarro, citada anteriormente, o qual relata que os índios remeteram
alguns Principais à Bahia para pedir missionários. Reforçando o que já foi dito outrora, o
gesto de pedir missionário para se aldear parte da compreensão, por parte dos nativos, de
que os índios aldeados gozavam de alguns benefícios e direitos, pelo menos em relação
àqueles que permaneciam relutantes às autoridades portuguesas.

Considerações Finais

Os espaços criados pelas aldeias e pelos presídios instalados na ribeira do Jaguaribe


transformaram-se em complexos territórios para nativos e colonizadores, com toda a sua
dimensão de disputas de poder que o termo comporta. Originados pela ação dos
missionários católicos e depois apropriados pelas políticas indigenistas portuguesas, os
aldeamentos se construíram a partir da restrição das liberdades e dos territórios indígenas
originais. Foram impostos pelos agentes coloniais como única alternativa de sobrevivência
frente ao processo colonizador.
O forte, por sua vez, não se mostrou capaz de conter os novos ataques promovidos
pelos povos nativos. No início do século XVIII os indígenas continuavam furtando gado e
causando transtornos aos moradores, além de promoverem alguns ataques ao próprio

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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presídio, como nos anos de 1704 e 1705, quando o fortim foi rendido e incendiado. Assim,
ele já não era mais necessário e foi abandonado no ano de 1707, por ordem de uma Carta
Régia de 12 de Março daquele mesmo ano.
Coagidos pelas iminentes ameaças de escravização, de um lado, e morte, de outro,
as aldeias indígenas pareciam alternativas viáveis para sua sobrevivência. Não obstante, a
resistência indígena continuou a se manifestar dentro daqueles espaços. Reelaboraram seus
modos de viver, a partir da fusão de elementos de suas culturas originais e da cultura
estrangeira. Ressignificaram seus territórios, não apenas nos modos de produção e
reprodução física, mas também na atribuição de novos significados àqueles espaços. No
transcorrer dos séculos XVIII e XIX, os indígenas defenderiam os espaços dos aldeamentos
como territórios de reprodução de suas culturas e espaços vitais para sua sobrevivência.

Referências

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FAMÍLIA E CASAMENTO INDÍGENA: UMA ANÁLISE HISTORIOGRÁFICA

ALVES, João Eudes do N.


Universidade Federal de Campina Grande
eudesufcg1@gmail.com
CARDOSO, Juciene Ricarte.
Universidade Federal de Campina Grande
jucieneufcg@gmail.com

Introdução

Na Europa, ainda por volta do século X, quando um casal de noivos unia-se em


matrimônio, o pai da noiva geralmente era o responsável por arcar com os procedimentos
necessários à constituição da nova família. Um ato essencialmente doméstico, familiar, e
bem distinto daquele adotado pela Igreja Católica durante os concílios e sínodos organizados
entre os séculos XI e XVI. (VAINFAS, 1992, p.5)
O Concílio de Trento, realizado no século XVI e considerado um dos mais longos e
decisivos da história da Igreja, emitiu, numa tentativa de consolidar a fé católica e reprimir a
onda protestante, uma série de decretos morais e disciplinares, definiu o credo apostólico-
romano e os sete sacramentos da Igreja, dentre eles, o casamento, substituindo
peremptoriamente a figura paterna pela do padre no ato de celebração do casamento.
Assim, aquilo que antes era visto como algo secular e terreno passou a ser encarado
como a representação simbólica de uma união divina e indissolúvel, qual seja a de Cristo
com a sua Noiva, a Igreja, tornando, portanto, legítima a imposição eclesiástica sobre os
corpos. (ULHÔA PIMENTEL, 2005, p.25) Desde então, todas as uniões que não respeitassem a
nova liturgia e que não tivessem a presença de um clérigo como celebrante, passariam à
condição de clandestinas, sem qualquer validade, dando margem à desclassificação e
julgamento dos desobedientes pela comunidade. (VAINFAS, 1992, p.76)
Também nos idos do século XVI, Portugal adotou o Código Filipino como a Lei Maior do
império, a qual, a despeito de tratar de vários assuntos distribuídos em seus cinco volumes,
reservava uma parcela considerável do texto para matérias que diziam respeito à família
(CAMPOS, 2003, p.81) como, por exemplo, deserdação, violência doméstica, emancipação filial e
o próprio casamento.

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Estado e Igreja, desse modo, ainda que possuíssem jurisdições distintas, tornavam-se
aliados no projeto de civilização e normatização da sociedade; e mesmo que as fronteiras
não estivessem bem definidas, um estava para os corpos como o outro para a alma. Em
outras palavras, as Ordenações Filipinas legitimavam pouco a pouco as prescrições
conciliares na intenção de dividir juntamente com Roma um posto de autoridade no seio
familiar e de tornar, por sua vez, maridos, esposas e filhos também bons súditos.
É notória, por exemplo, o tamanho da importância do casamento sob as Leis de Deus e
do Reino, até mesmo para a estabilidade política do monarca, como é possível ver num trecho
de uma carta do rei D. João a D. Pedro de Almeida, conde de Assumar, governador e capitão da
capitania de S. Paulo e terras das Minas:

[...] considerando-se que os povos das minas por não estarem suficientemente
civilizados, estabelecidos em forma de repúblicas regulares, facilmente rompem
em alterações e desobediências, e se lhe devem aplicar todos os meios que os
possa reduzir a melhor forma: me pareceu encarregar-vos (como por esta o faço)
procureis com toda a diligência possível, para que as pessoas principais, e ainda
quaisquer outras, tomem o estado de casados, esses estabeleçam com suas
famílias reguladas na parte que elegeram para sua vocação porque por este modo
ficarão tendo mais amor à terra, e maior conveniência do sossego dela, e
consequentemente ficarão mais obedientes às minhas reais ordens, e os filhos
que tiverem do matrimônio os farão ainda mais obedientes [...] (PIMENTEL apud
FIGUEIREDO, 1993, p. 222)

“Civilizar”, “primitivos”, “regulamentação” e “obediência” são conceitos que saltam à


nossa vista quando fazemos esta leitura. A visão da época era a de que o Estado do Brasil,
terra rica, idílica e muitas vezes cantada como paraíso, também era um antro de povos
incivilizados, sem temor à lei e ao rei e dominados pelas paixões da carne. Por isso deviam-se
aplicar todos os meios legais, administrativos e/ou religiosos para que a ordem fosse
estabelecida.
Às pessoas principais, isto é, quem ocupava um posto de destaque na dinâmica
administrativa, era recomendado que fossem as primeiras a se ajustarem ao prescrito, uma
vez que serviriam como parâmetro às muitas outras. Obedientes, tais súditos também
desempenhariam o papel de conservar os costumes e valores de El Rei e de moldar os que se

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encontravam em desvio, a saber, todos os que não se enquadravam minimamente no perfil


normativo em vigência.
Logo, estariam excluídos dos supostos benefícios da Lei aqueles que se encontravam
“em fama de casados” sem o serem, mas também grupos sociais como os escravos, os filhos
ilegítimos, as prostitutas, os vadios, e, sobretudo os ditos “primitivos”, indígenas não
aldeados e vilados, que por terem costumes e valores destoantes da norma e viverem em
desobediência, não aceitando a política indigenista que lhes era imposta, tornavam-se parte
alheia ao projeto de colonização.
A sobredita carta, enviada na primeira metade do século XVIII pelo monarca
português aos súditos da América Portuguesa, pode ser vista como um pequeno prelúdio do
que se apresentaria na segunda metade do mesmo século, quando D. José, filho de D. João
V, assumiu o trono e confiou as rédeas do reino ao seu secretário de Estado, o senhor
Sebastião José de Carvalho e Melo, ou Marquês de Pombal, o qual dentre as muitas
mudanças estruturais implementadas na Metrópole e em suas colônias, foi o responsável
pela criação do Diretório que se deve observar nas povoações dos índios do Pará e
Maranhão, enquanto Sua Majestade não mandar ao contrário, documento que
fundamentou uma política indigenista ainda mais contundente.
Todavia, seria o dito instituído cumprido à risca na prática? Não é bem o que
encontramos nas fontes e nos estudos históricos sobre o período. Souza (1989, p.89) já nos
adianta que até mesmo na própria Europa as determinações eclesiásticas e reais
encontraram dificuldades no seu processo de cristalização. Por que seria diferente nas
possessões dalém mar, onde os tentáculos dos órgãos vigilantes tornavam-se menos hábeis?
O fato é que para que fossem cumpridas tais determinações, ou uma parte delas, foi
necessária maior flexibilidade e concessão por parte das autoridades coloniais aos costumes
da terra e às múltiplas formas de resistências dos grupos étnicos que aqui viviam.

CHOQUES E TROCAS CULTURAIS: O CASAMENTO INDÍGENA NO DISCURSO JESUÍTA

A implementação do Diretório dos Índios por Pombal, na segunda metade do século


XVIII, ainda que tardia, foi a tentativa última de apurar questões relativas aos indígenas que,

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longe de serem resolvidas durante o processo de colonização, foram ainda mais agravadas
por um grupo de agentes da fé, os quais para Pombal representavam a antítese
personificada da filosofia iluminista na qual se inspirava, a saber, os jesuítas. A Companhia
de Jesus, até o ano de 1759, quando fora expulsa da colônia portuguesa na América, era
responsável pelas almas dos indígenas/súditos que viviam em seus aldeamentos, velando
tanto por sua salvação quanto pela instrução nas leis de Deus e do Reino.
Não por acaso, os relatos de viagem e as correspondências particulares e oficiais
desses religiosos e de outras ordens ainda se constituem entre as principais fontes das quais
o historiador poderá fazer uso em seus trabalhos sobre os povos indígenas. Ronaldo Vainfas
em seu Trópico dos pecados: moral, sexualidade e Inquisição no Brasil (1997) se utilizou
desses registros para refletir também a respeito das práticas culturais de casamento e
constituição familiar dos nativos sob a perspectiva jesuítica.
Segundo ele, o visível estranhamento dos religiosos quanto ao modus vivendi dos
indígenas “fosse pela poligamia, pela instabilidade de uniões, pelos incestos ou
infidelidades” (VAINFAS, 1997, p. 35) impelia-os a afirmar que as uniões matrimoniais dos
nativos eram falsas, libertinas e muito distantes do “único, perfeito e verdadeiro casamento
cristão.” (VAINFAS, 1997, p. 23). Visão equivocada e dotada de um forte etnocentrismo,
elemento que não deve jamais passar despercebido aos olhos do estudioso que analisa tais
registros como sendo um filtro daquela realidade.
Para ajudar nessa árdua missão, um time de antropólogos e etnógrafos renomados
se apresenta com trabalhos que são leitura indispensável a quem se interessa pela temática.
São alguns dos nomes: Pierre Clastres e seu A sociedade contra o Estado (1974), importante
estudo sobre a categorização de poder nas sociedades ameríndias da América do Sul,
especialmente os Guarani, Guayaki e Yanomami. Marcel Mauss em Sociologia e
Antropologia (1923-1924) obra na qual apresenta o conceito de dom/dávida e o relaciona
com o sistema de trocas entre os nativos, e, por fim, mas não menos importante, Lévi-
Strauss e seu livro As estruturas elementares do parentesco (1949) em que a ritualística do
matrimônio e os conceitos de troca e reciprocidade são analisados a fundo.

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Longe de querer ditar estes trabalhos como regra, uma vez que os mesmos já foram
alvo de muitas críticas, refutações e releituras, nossa intenção é mostrar que apesar dos
novos posicionamentos, métodos e análises teóricas, ainda são os clássicos o ponto de
partida para os novos cientistas. E mais, ressaltamos ainda que na seara da etno-história as
fronteiras entre a sociologia, etnografia, história e antropologia não são bem definidas e
talvez por isso os trabalhos resultantes desse intercâmbio sejam tão ricos e complexos.
É o caso, por exemplo, da dissertação de mestrado de Guilherme Galhegos Felippe,
intitulada Variações discursivas sobre os registros sacramentais: batismo, confissão e
matrimônio nas reduções jesuíticas (1609-1640), defendida em 2007, que analisa os
discursos jesuíticos sobre a sociedade e as práticas culturais dos ameríndios na região do
Paraguai. No terceiro capítulo, intitulado Casar sim, mas não para sempre, a família e o
casamento indígena ocupam o plano central do estudo e são analisados a partir da
correspondência dos religiosos inacianos. Desta feita, Felippe (2007) direciona o olhar para o
conflito entre os dois grupos antagônicos, mas também para as múltiplas trocas e
adaptações entre eles.
Observa-se que tanto os religiosos quanto as autoridades administrativas
perceberam, ao longo do processo de conquista e colonização, que o matrimônio também
era um elemento caro à organização social indígena. Mesmo que a família e o casamento
assumissem diversos formatos entre os vários grupos étnicos, de modo geral, este era um
assunto que dizia respeito a toda a aldeia e não apenas aos nubentes. Júlio Cézar Melatti,
antropólogo brasileiro, autor de Índios do Brasil (1970), afirma que por meio do matrimônio,
famílias e aldeias inteiras fortaleciam laços e se consolidavam reciprocamente.
Não é de se admirar, portanto, que os não-indígenas lessem esses códigos e os
utilizassem como estratégias para tentar adentrar nas sociedades indígenas ou mesmo para
assimilá-las e reduzi-las. Em O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil (1995, 2 ed),
o antropólogo Darcy Ribeiro descreve de que modo os Tupinambás introduziam estranhos
ao seu grupo por meio de uma prática chamada “cunhadismo”, a qual consistia em “dar uma
moça indígena como esposa” a esse outro que, ao assumi-la, estabelecia, “mil laços que o
aparentavam com todos os membros do grupo” (RIBEIRO, 1995, p.81).

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É evidente que a Coroa Portuguesa encontrou na regulamentação do casamento


misto um possível caminho para conseguir vantagens sociais e econômicas a muito
perseguidas, especialmente no que diz respeito ao aforamento de terras. Mas o que El Rei e
seus ministros não poderiam prever era que esse mesmo código jurídico, preparado para dar
cabo aos “nacionais da terra”, seria por eles ressignificado em seu favor, mediante as suas
necessidades.

O OUTRO LADO DA NORMA: RESISTÊNCIA INDÍGENA

A capitania do Espírito Santo, no século XVIII, sobretudo as vilas de Benavente e Nova


Almeida, antigas missões jesuítas, são os cenários estudados pela historiadora Vânia Maria
Losada Moreira, e tem como sujeitos históricos em questão os índios aldeados e vilados. Em
seu artigo Territorialidade, casamentos mistos e política entre índios e portugueses (2015), a
autora apresenta como objetivo perceber como os indígenas desta capitania “lidaram com
os novos desafios impostos pela política assimilacionista de Pombal, especialmente com a
questão dos casamentos mistos e dos aforamentos, implementados com vistas a obter o
controle sobre suas terras e a reprodução social de suas comunidades.” (MOREIRA, 2015, p.
1)
Servem de fontes a esta pesquisa documentos oficiais como requerimentos, ofícios,
listas nominativas; códigos jurídico-normativos como as Ordenações Filipinas, o Diretório dos
Índios e a Constituições Primeiras do Acerbispado da Bahia. O jogo de escalas e o
cruzamento entre os depoimentos dos indígenas e das autoridades das vilas mostram que o
agenciamento indígena se dava também na estratégia de unir mulheres da aldeia com
foreiros brancos ou pardos a fim de ter um controle maior sobre os territórios demarcados
em nome dos indígenas e seus descendentes. (MOREIRA, 2015, p.8)
Aqui, os “nacionais da terra”, como muitas vezes se autodenominam e também são
nominados pelo ouvidor da Vila de Benavente, são atuantes e protagonistas no seu processo
histórico. Senhores de si, fazem um requerimento à rainha D. Maria I e se valem de
princípios jurídicos portugueses com precisão, a exemplo da validade dos costumes antigos
sobre a nova legislação, para legitimar os seus argumentos. Mudam, transformam, ajustam

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seus costumes, condutas e normas aos desafios da nova realidade que se lhes apresenta e
nem por isso se sentem etnicamente menos indígenas que outrora. Resistem, portanto.
Estudo que se assemelha à temática da burla e da agência indígena é também o do
historiador Márcio Marchioro a respeito dos indígenas aldeados na aldeia de Itapecerica,
capitania de São Paulo. Um de seus artigos, intitulado Casamentos indígenas: estratégias
matrimoniais na aldeia de Itapecerica (século XVIII e início do século XIX), parte de um
trabalho de mestrado ainda em desenvolvimento, que tem como objetivo entender os
aspectos da organização social na sobredita vila por meio do método de comparação de
listas nominativas com os registros de casamento.
São objetos de análise de Marchioro (2016) a estrutura familiar e domiciliária – os
vários tipos de fogos – dos aldeões, os graus de parentesco (incesto) e a constituição
genealógica de uma determinada família por cinco gerações. É perceptível ainda que o autor
lança mão de hipóteses e indícios baseados em documentação variada para construir uma
narrativa que se aproxime da realidade e conclui que a tentativa de imposição de um
modelo de família e casamento cristão-católico por vezes desgastava-se nas interferências
culturais entre os distintos grupos étnico-sociais, ganhando novos significados.
Alguns clássicos no campo da História da Família na América Portuguesa, a exemplo
de Sistema de casamento no Brasil Colonial (1984) e História da Família no Brasil Colonial
(1998) de Maria Beatriz Nizza da Silva, e Casamento e família em São Paulo Colonial (2003)
da historiadora Alzira Lobo de Arruda Campos, também trazem a temática dos casamentos
mistos pós-política pombalina apresentada em um de seus tópicos. São evidenciados,
principalmente os desafios e as lacunas da historiografia em termos de espacialidade,
temporalidade e mesmo sujeitos históricos que ainda estão para se tornar objetos de
estudo.
Casamentos mistos: liberdade e escravidão em São Paulo Colonial (2004), da
historiadora Eliana Rea Goldschmidt, compõe nossa sequência de obras e também ocupa um
lugar importante na discussão sobre a temática. Em sua investigação, a autora se valeu de
fontes eclesiásticas, jurídicas e administrativas, manuscritos e impressos que cobrem o
período de 1728 a 1822 e a permitiram construir uma narrativa sobre a prática matrimonial

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dos paulistas. No capítulo O Casamento misto e a liberdade do índio, por fim, a autora foca
na tentativa assimilacionista do Marquês de Pombal e na ressignificação das identidades dos
indígenas paulistas em suas uniões matrimoniais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O projeto colonizador na América Portuguesa se valeu de vários mecanismos


culturais para lograr êxito nas sociedades ditas primitivas. A nova concepção europeia sobre
os modelos ideais de família e casamento pós Concílio de Trento atravessaram o oceano
Atlântico e chegaram por meio dos jesuítas às aldeias indígenas. Desde então, estabeleceu-
se uma tentativa de descontruir o modus vivendi e as subjetividades dos grupos étnicos que
aqui viviam.
Por tal modo, “o casamento foi, nesse período, visto como instrumento disciplinar
dos corpos e dos costumes. Somente ele seria capaz de resolver as duas questões
simultâneas: aquietar e tornar produtivas as pessoas; servir de remédio para a
concupiscência.” (ULHÔA PIMENTEL, 2007, p. 32) Igreja e Estado e seus respectivos códigos
normativos trabalhavam em consonância no objetivo de desestruturar as sociedades
ameríndias e assimilá-las ao império Português.
Entretanto, diferentemente do posicionamento de Caio Prado Júnior (1971), o qual
sustentava a teoria de que já no século XIX os indígenas estavam completamente
“aculturados” à sociedade portuguesa e que suas identidades étnicas jaziam extintas, muitos
historiadores contribuíram de maneira inversa ao campo historiográfico e provaram que os
indígenas ressignificaram suas identidades e encontraram novas maneiras de adaptação
social aos desafios impostos.
Mesmo com as tentativas de homogeneização cultural por meio dos casamentos
mistos, Ulhôa Pimentel (2007) nos alerta, baseada em estudos antropológicos, que é
necessário ter cautela ao se afirmar que a mistura biológica e cultural promoveu o
desaparecimento das fronteiras étnicas. Pelo contrário, os indígenas continuaram ocupando
um lugar distinto na dinâmica social da América Portuguesa e assim como ontem, utilizam-se
desses elementos culturais em processos de etnogênese e luta por direitos na atualidade.

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Para o historiador interessado em enveredar pela temática indígena, vale destacar a


produção intelectual e as contribuições para a pesquisa de John Monteiro. Seu livro Negros
da Terra: índios e bandeirantes origens de São Paulo (1994) é um marco na historiografia
sobre a temática, tanto do ponto de vista da abordagem metodológica das fontes, quanto
teórica, no diálogo estabelecido com ciências como a Antropologia e a Etnografia. É ele
também o responsável pela criação do Guia de Fontes para a História Indígena e do
Indigenismo em Arquivos Brasileiros (1994) e de grupos de estudo de onde saíram nomes
como Maria Regina Celestino de Almeida, sua orientanda e autora de Os índios na História
do Brasil (2010).
A partir destes trabalhos e de tantos outros que se seguiram, o campo de estudo da
História Indígena ganhou fôlego no Brasil e atravessou fronteiras científicas e
interdisciplinares. Almeida (2013) destaca ainda que um dos desafios atuais é estabelecer
um diálogo com os pesquisadores que estudam sobre os africanos e seus descendentes no
Brasil, posto que indígenas e negros por vezes estabeleceram relações interétnicas e de
mestiçagem ao longo do processo de colonização nos sertões, nas aldeias e cidades.
O cuidado com as fontes escritas também se torna um ponto em questão. Tratando-
se de povos ágrafos, muitos dos documentos produzidos no período colonial são de
“segunda mão”, isto é, escritos por outros que não os próprios sujeitos. Assim, para que o
pesquisador não deixe passar concepções equivocadas e preconceituosas é necessário
“problematizar seus conteúdos e identificar diferentes significados que objetos,
classificações étnicas, qualificações e comportamentos podem comportar para os diferentes
agentes sociais” (ALMEIDA, 2013, p.32).
Por fim, ainda tratando das fontes e do seu acesso faz-se indispensável destacar o
projeto Catálogo Geral dos Manuscritos Avulsos e em Códices Referentes À História Indígena
e Escravidão Negra no Brasil (2016a; 2016b), coordenado pela historiadora e especialista em
História Indígena, Juciene Ricarte Cardoso, o qual em suma teve como objetivo a arrolação e
organização de verbetes e imagens documentais microfilmadas do Projeto Resgate Barão do
Rio Branco (1995), e disponibilização em dois catálogos impressos (livros) e digitais (CD’s e
DVD’s) em todos os campi de universidades do país.

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Projetos como este impulsionam a pesquisa histórica iniciática sobre os povos


indígenas na América Portuguesa, ampliam horizontes de abordagens metodológicas e
teóricas e possibilitam a análise de novos objetos de estudo como as relações familiares, o
casamento e o cotidiano nos aldeamentos e vilas indígenas. Além disso, endossa o coro da
luta por direitos sociais constantemente alvejados por políticas que tentam negar a
existência dos grupos étnicos e a sua importância na formação da sociedade brasileira.

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INDÍGENAS BANDIDOS A INICIOS DEL SIGLO XIX EN CUBA: ENTRE LA REALIDAD


Y EL MITO

JIMÉNEZ, José Joaquín Gallego


Universidade Pablo Olavide

La cuestión de la desaparición de los "indios" en Cuba ha sido y continúa siendo un


tema extraordinariamente polémico en el debate historiográfico. Se ha dado por sentado
que el contacto de las tribus aborígenes con los españoles a finales del siglo XV y el siglo XVI
supuso el fin de la gran mayoría de las mismas. Es indiscutible que los denodados esfuerzos
de Bartolomé de las Casas por evitar la justificación teológica de la violencia contra los
indígenas americanos no fueron suficientes para evitar la catástrofe demográfica. Entre las
causas del fenómeno, el agotamiento por el trabajo incesante de las minas y las
encomiendas, o el ataque implacable de las enfermedades venidas de Europa y África
(viruela, sarampión, varicela, fiebre amarilla, malaria…). Y con mayor gravedad de la que se
le supone, no hay que olvidar las consecuencias psicológicas del sometimiento y del choque
cultural. Estas fueron causantes de violencias entre miembros de las comunidades y del
suicidio, claves comunes de la desaparición de la población aborigen en América y Cuba.

Es un consenso historiográfico fijar la mortandad de los indígenas americanos en el


primer siglo de la conquista en torno al 90% de la totalidad de la población. Pese a lo
lapidario de esta afirmación, no se puede olvidar el mestizaje como elemento de
supervivencia, si bien esto acarrease inevitablemente la transculturación. El hecho de que
gran parte de los trescientos mil españoles que arribaron a América entre 1492 y 1600 lo
hicieran sin esposas ni hijos, como soldados o aventureros, implicaba que se relacionasen
con las mujeres indígenas. La consecuencia directa fue el nacimiento de otros tantos miles
de mestizos que por su propia naturaleza desvirtuaban las comunidades maternas de
origen.11 Pero lo cierto es que mestizos o no, ciertas comunidades de aborígenes cubanos
aparecen de forma intermitente a lo largo de la historia colonial, pero esta es una realidad
diluida incluso en la construcción de la identidad cubana.

11
Mira, Joaquín, “Las enfermedades infecciosas y la conquista española de América” en Puente Atlántico.
Revista de los profesionales españoles en Estados Unidos. Recurso electrónico consultado el 18/09/2017:
(http://web.aldeeu.org/2014/08/14/las-enfermedades-infecciosas-y-la-conquista-espanola-de-america/).

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Tradicionalmente, se suele echar mano de la consabida fórmula “España más África


igual a Cuba”. Un cómputo arriesgado y del todo superficial, teniendo en cuenta que de
África llegaron como esclavos una gran variedad de etnias distintas, y que del territorio que
conocemos hoy como el estado español tampoco ha albergado en ningún momento de su
relación de dominación sobre la Gran Antilla una población culturalmente uniforme. Sin
contar el hecho de que en esta ecuación faltarían otros elementos que han formado parte
de la historia cubana desde la conquista: otros europeos o el aporte asiático de chinos,
filipinos, japoneses, coreanos, árabes o indios bajo la denominación de “culíes”. Y por
supuesto, el componente indígena. Es indudable que la mortandad aborigen fue masiva en
Cuba, pero no significó su exterminio total. Una de las últimas revueltas indígenas conocidas
en el periodo de la conquista fue en 1576 cerca de la Ciénaga de Zapata, en el poblado de
Güira de Macuriges. Sin embargo, y como indica el nombre del poblado, se trataban de
aborígenes provenientes de la actual Venezuela. Este grupo no era ni mucho menos una
excepción. Ante la reducción del número de indígenas, los colonos no dudaron en importar
como esclavos o trabajadores, “indios” de “tierra firme” con el propósito de que asumieran
distintas labores. Fueron localizados en la misma Habana, en el Barrio de Campeche desde
1564, a mediados del XVIII como fuerza de trabajo esclava en las fortificaciones de esa
misma ciudad junto a “indios” contratados de Guanabacoa, como tropa auxiliar de los
ejércitos borbónicos con el sobrenombre de “guachinangos” o como servidumbre doméstica
de la aristocracia cubana bajo la denominación de “mecos” y “mecas”. 12 El historiador Pérez
de la Riva llegó a cuantificar la población indígena en Cuba en 112.000 personas en 1510,
reduciéndose su número en cuarenta años hasta una cifra no superior a los cinco o seis mil
individuos.13 Es, a todas luces, una reducción escalofriante. Sin embargo, no es menos cierto
que arroja un número nada despreciable frente a la población española y los primeros
esclavos africanos residentes en Cuba, si tenemos en cuenta la disminución de su población
a causa de las múltiples expediciones a “tierra firme” en las primeras décadas del siglo XVI.
La recuperación de la misma no se produjo al menos hasta la configuración del tráfico
oceánico atlántico de la corona española y el establecimiento del puerto habanero como
escala de la Flota de Indias. Se ha llegado a calcular que, a finales del siguiente siglo, la cifra
de población rondaba algo más de 35.000 individuos, sin contar esclavos y población
flotante.14 Los indígenas, aborígenes o de origen mexicano, mestizos o no, desarraigados
cultural y geográficamente, existían en la Isla. Así lo evidencia la fundación de pueblos para

12
Más concretamente se localizó a un grupo de “veteranos guachinangos” junto a negros en un número de 460
acuartelados en Villaclara ante el ataque de los ingleses a La Habana en 1762. González, Manuel D., Memoria
Histórica de la villa de Santa Clara y su jurisdicción. Imprenta Del Siglo, Villaclara, 1858, pp. 155-159. Novelo
O., Victoria, “Migraciones Mayas y Yucatecas a Cuba; Notas etnográficas” en Revista Brasileira do Caribe, V.
13, n. 25, 2013, pp.159-175 y “Migraciones mayas y yucatecas a Cuba”, en Dimensión Antropológica, v. 59,
2012, pp. 127-146.
13
Pérez de la Riva, Juan, “Desaparición de la población indígena cubana” en Universidad de La Habana, n. 196-
197, Dirección de Extensión Universitaria, La Habana, 1972, pp. 61-84.
14
De la Fuente, Alejandro, “Población y crecimiento en Cuba (siglos XVI y XVII): Un estudio regional” en
Revista Europea de Estudios Latinoamericanos y del Caribe, n. 55, 1993, pp. 59-93.

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tratar de agruparlos. En Occidente, en las cercanías de San Cristóbal de La Habana, se fundó


la población de Nuestra Señora de la Asunción de Guanabacoa (1554). En Oriente, en las
inmediaciones de la villa de Santiago de Cuba, San Luis de los Caneyes. Un siglo y medio
después se creó un tercero, entre San Salvador de Bayamo y Santiago de Cuba, el pueblo de
San Pablo de Jiguaní (1702). Y dieciocho años después otro más al oeste de La Habana, San
Francisco Xavier de los Quemados de Marianao (1720). De la misma forma, se han
identificado piezas de cerámica indígenas fechadas en los siglos XVI y XVII, bien entrada la
colonia, y con síntomas de transculturación, siendo su mayor ejemplo el sitio arqueológico
de Buchillones, Punta Alegre, municipio de Chambas, provincia de la actual Ciego de Ávila.15
El hecho de que no aparezcan indígenas como tales en los censos de la Isla desde el primero
en 1774, pero sí en un padrón vecinal como el de Santa María del Puerto de Príncipe hasta
1880, da pie a muchas interpretaciones. Entre ellas, la previsión de evitar reclamaciones de
tierras primigenias por parte de las comunidades o de sus herederos, invisibilizándolas.16

Enunciando al menos la posibilidad de una herencia indígena-mestiza a principios del


siglo XIX, la cuestión a desentrañar es obvia: ¿quiénes se dedicaban al bandolerismo en este
periodo de la historia de Cuba? Para despejar esta incógnita es necesario atender al
esquema social del momento. Los españoles blancos por encima de los criollos, ocupaban el
escalón superior. Sin embargo, no todos eran propietarios o cargos del gobierno colonial, o
profesionales de los llamados liberales: médicos, abogados, maestros o ingenieros. También
había humildes dueños de pequeñas fincas, vegas, estancias de labor y corrales,
arrendatarios y labradores sin tierras. La proliferación del bandolerismo a partir de la
segunda década del siglo XIX coincide y no por casualidad con la promulgación en la Isla de la
Real Resolución de 16 de julio de 1819, que legalizó la propiedad de la tierra y estableció los
cimientos de la fase acumulativa del capital criollo. La oligarquía cubana pasó de ser
usufructuaria de la tierra a obtener la propiedad de la misma. Así, este grupo ratificó su
poderío económico como propietario, afiliándose políticamente a la corona española como
garante de sus intereses. Este nuevo estado de cosas en las zonas rurales supuso un grave
empeoramiento de las condiciones de vida de una parte significativa de sus habitantes. La
nueva legitimidad no sólo permitió a los nuevos dueños de las tierras desalojar a los
campesinos más pobres, sino que logró vincularlos a ellos ante las pocas opciones existentes
para lograr su subsistencia. El labrador sin dinero ni tierras buscaba empleo ocasional en
haciendas y cafetales. En muchas ocasiones estaba condicionado por la temporalidad de las
cosechas y se veía en la necesidad de trasladarse según el efecto de las inclemencias
climáticas o las variaciones en los precios del jornal. Surge por lo tanto un tipo de campesino
desarraigado y de una inestabilidad económica patente. Los periodos de inactividad laboral,
y cualquier desliz en el juego, en la esperanza de alcanzar un beneficio mayor, podían

15
Rensoli Medina, Rolando Julio, “1492-1898: Supervivencia y resistencia indígena a la opresión colonial
española en Cuba” en Periódico Cubarte. Recurso electrónico consultado el 23/10/2017:
(http://www.cubarte.cult.cu/es/article/20539).
16
Ibid.

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suponer su miseria y la de su familia. El robo se convertía entonces en la única opción de


validez inmediata y viable para evitar la inanición, sus enfermedades relacionadas y en el
caso más extremo la muerte propia o de miembros del núcleo familiar. La situación de los
afroamericanos como esclavos sometidos a sus centros de producción (ingenios y cafetales),
o a sus amos en cualquier caso, los cuales atendían mínimamente sus necesidades de
supervivencia, los dejaban fuera de los peligros de este esquema socioeconómico. Existían
excepciones, como el cimarronaje o el reducido número de libertos, pero en todo caso eran
condiciones muy distintas al objeto que nos ocupa.
Por todo ello, el bandido más común en los inicios del siglo XIX en Cuba era blanco,
español o criollo, campesino sin tierras, jornalero o trabajador ocasional en las haciendas.
Existía una alta probabilidad de que sufriera el desarraigo provocado por la necesidad de
desplazarse frecuentemente en busca de ocupación. A menudo es acuciado por la privación,
ya fuera por la ausencia de medios para procurarse los recursos que permitiesen su
supervivencia y la de su familia, o bien por la reducción de los mismos a causa de hábitos
como el alcohol o el juego. Los objetos del robo son principalmente dos: el viajero y el
ganado. Las considerables distancias entre centros de población de importancia, la falta de
efectivos para el control de los aún precarios viarios por parte de los dirigentes de la colonia,
así como la existencia de un territorio y una vegetación agreste propicios para la huida y la
ocultación efectivas, ofrecían un escenario acorde para el robo a caminantes y jinetes. En la
primera mitad del siglo XIX circulaba moneda de oro y los más potentados adornaban con
joyas sus camisas, hebillas de tirantes, cinturones, alfileres de corbatas, abotonaduras,
sombreros o espadas. Las monturas y las albardas también eran valiosas, y como no, el
caballo. El mejor medio de transporte en ese momento, y con un considerable valor
comercial. Todo esto era susceptible de ser revendido y de encontrar compradores. El
bandido del periodo en Cuba normalmente no actuaba solo, y en la mayoría de las ocasiones
lo justificaba el otro gran valor, el ganado. Este es robado de haciendas y potreros, para
esconder y sacrificar las cabezas de ganado o trasladarlas para su venta. Estas acciones
requerían de más de una persona y como no, al igual que en el robo al viajero, de
compradores dispuestos a obviar y enmascarar la procedencia. Rancheros, arrendatarios e
incluso dueños de haciendas se prestaban a dichas operaciones, del todo ventajosas
económicamente y exentas de los peligros físicos y morales del proceso. En todas estas
acciones los bandidos debían contar con el auxilio o al menos el silencio de los demás
habitantes de la zona, ya fuera por connivencia beneficiosa o por miedo a las represalias.
Sin embargo, dentro de este momento cronológico de la historia cubana se inscriben
una serie de registros históricos en diversos puntos de la Isla en la que se identificaron a los
bandidos como “indios”. En Pinar del Río, Pablo de la Torre provocó una apertura de
diligencia de querella contra Lázaro González y sus hermanos, vecinos de Mantua
(jurisdicción de Pinar del Río), el 12 de diciembre de 1801. La causa era el haberle acusado a
él de tener contactos con “los indios malhechores”. El historiador cubano Emeterio Santiago

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Santovenia rescató este registro en su artículo “Historia de Mantua”, inserto en el tomo


tercero de los Anales de la Academia de la Historia cubana. Aunque sólo dedicó unas pocas
líneas al asunto, el historiador afirmó que este grupo de “indios” bandidos eran autores de
“innumerables asesinatos, no sólo en Mantua, sino también en el resto de la jurisdicción de
Filipina o Nueva Filipina”, valiéndose de un testigo al que dejó en el anonimato. De la misma
forma y sin más detenimiento los calificó como “los mal llamados indios malhechores”. Del
destino de los mismos sólo pudo desentrañar el hecho de que el Gobierno General organizó
una expedición para capturarlos al mando del Teniente Francisco Ramos, aún en persecución
de la misma en 1802.17 ¿Significa esto que los bandidos de Mantua eran llamados
“indios”·como un calificativo despectivo? ¿o por el contrario eran individuos con evidentes
rasgos de mestizaje, y de ahí el apelativo? Cualquiera de estas dos hipótesis son viables, si
tenemos en cuenta la posibilidad de que el propio Santovenia considerase del todo
insostenible el hecho de que parte de la cultura indígena cubana, aunque fuese dentro de un
proceso de mestizaje transcultural y excepcional, hubiese sobrevivido en puntos muy
específicos del territorio en aquel periodo.
En la región central de Cuba, concretamente en los alrededores de Remedios
(jurisdicción de Santa Clara) y de la actual Camagüey (jurisdicción de Puerto Príncipe), se
referenció la aparición de un supuesto indígena bandido a inicios del siglo XIX. El cronista
villareño Manuel Dionisio González afirmaba en su Memoria histórica de la villa de Santa
Clara y su jurisdicción18 que inició sus fechorías concretamente en el año 1802, y fue capaz
de sembrar el pánico en el espacio entre los dos núcleos de población citados. Era de piel
cobriza y aparentaba unos cuarenta años de edad, vistiendo sólo un lienzo para cubrir sus
genitales según algunas referencias escritas,19 y en muy pocas ocasiones camisa y
pantalones, según otras.20 Siempre andaba a pie, y portaba como armas el arco, las flechas y
la lanza. Según el autor Antonio Berenguer y Sed, era conocido en la comarca remediana
como “Cayuco”, probablemente por su procedencia de algún cayo cercano a la Isla. 21 Los
habitantes del campo afirmaban que sólo se alimentaba de las lenguas de animales vacunos,
encontrándose frecuentemente los dueños de las haciendas sus reses muertas sin este
apéndice. Las quejas y el malestar del vecindario no fueron desoídos por el Gobierno
Colonial, en buena parte por el citado daño a las reses. 22 Sus actos de mayor gravedad
fueron el asesinato de Catalina Velis o Veliz, asaetada, y de una niña. Existen dos relatos
sobre el hecho, según atendamos a las obras de los historiadores decimonónicos Manuel

17
Santovenia, Emeterio S., “Historia de Mantua” en Anales de la Academia de la Historia, t. 3. Imprenta “El
siglo XX”, La Habana, 1921, pp. 39-40.
18
González, Manuel D., Op. Cit., pp. 205-209.
19
Berenguer Sed, Antonio, Tradiciones villaclareñas. Imprenta y Papelería de Rambla, Bouza y Cía. Pi y
Margall, núm. 33 y 35, Habana, 1929, pp. 147-151.
20
González, Manuel D., Op. Cit.
21
Berenguer Sed, Antonio, Op. Cit.
22
Carreras, Julio A., “El bandolerismo en Las Villas (1831-1853)” en Revista Islas, n. 52-53. Universidad
Central de Las Villas, Santa Clara, 1975-1976, pp. 103-104.

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Dionisio González o Antonio Berenguer y Sed. El primero en la citada obra, mientras que el
segundo lo plasmó en su Tradiciones villaclareñas. El relato de González refirió el asalto y
robo de la casa de José Manuel del Portal, localizada en la hacienda Pedro Barba. Allí el
“indio” se encontró a la esposa de Portal y a algunos niños. Se llevó a dos de sus hijas:
Luciana de Jesús, de siete años y María Inés, de seis. La primera apareció al día siguiente en
los márgenes del río Caunao, donde según la misma le había abandonado el bandido por
parecerle poco agraciada. Por el contrario, la otra hermana le agradó lo suficiente como para
mantenerla a su lado y hacerla desaparecer de su hogar sin más noticias. Además, González
añadía el hecho de que el “indio” había sido perseguido sin éxito por las autoridades
coloniales. Incluso se declaró su captura vivo o muerto, y se solicitó la colaboración
pecuniaria de los hacendados con motivo de reunir un fondo para pagar cuadrillas de
hombres amados y ofrecer una recompensa una vez recluido o muerto. Tres vecinos de
Palomalo, Juan Gregorio, Juan Manuel Cárdenas y un tal Norberto tuvieron un encuentro
con el mismo en su persecución. El “indio Siboney”, como lo calificaba el autor, dejó en su
huida hacia los bosques seis flechas, ocho varas para ensartarlas y una tabla. En ella, varias
rayas y los pies y manos de un niño figurados con las marcas de una piedra blanca. Además,
abandonó igualmente dos pedazos de resina muy olorosa y un envoltorio pequeño con polvo
de tabaco. Finalmente, según el relato de Manuel Dionisio González, pereció a manos de una
de las partidas que lo acuciaban en la jurisdicción de Puerto Príncipe. También recoge la
muerte de la citada Catalina Véliz en el barrio de la Torre y a la herida de gravedad María
Caridad de León, las dos en la casa de la primera y en ausencia de su esposo, Francisco
González. Sin embargo, Berenguer y Sed escribió una versión que mezclaba los hechos
anteriormente citados. Afirmó que el “indio Cayuco” mató a Catalina Velis a flechazos,
incendió su casa, y dejó herida gravemente a su sobrina de un lanzazo, María Caridad de
León. Igualmente, se llevó a las dos hijas de la fallecida, pero de siete y nueve años. El padre
de las criaturas, con un nombre distinto al registrado por González, Francisco Borges Portal,
encontró a la menor de sus hijas a la orilla del río Caunao, abandonada allí por el bandido. Al
parecer había decidido quedarse con la de nueve años con la intención de hacerla su esposa.
El terror que infundía el “indio Cayuco” en la comarca hacía que los vecinos no sólo
encubrieran su paradero, sino que le negaban incluso su auxilio. Por ello, Francisco Borges
Portal solicitó el auxilio de la Audiencia de Puerto Príncipe. Esta obligó por resolución a que
se le proporcionase hospedaje, sustento y acompañamiento si lo requiriese, prometiendo
recomendación a su majestad por la colaboración. De lo contrario caería todo el peso de la
ley, sobre todo si por descuido, negligencia o falta de auxilio se frustrase la captura. Las
directrices de la Audiencia de Puerto Príncipe surtieron efecto y el padre de la secuestrada
pudo localizar la guarida de “Cayuco”. Se encontraba en las faldas de la loma “Pelomalo”, en
una cueva semioculta por la vegetación. Allí esperó Francisco Borges al “indio” bandido dos
días, hasta que lo sorprendió al alba y le dio muerte a machetazos. En las proximidades de la
cueva encontró distintos emplazamientos de fogones, y en las cercanías de los mismos
restos humanos, donde identificó la cabellera de su hija. El relato de Berenguer Sed recogió

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además otro detalle particular. Afirmó que, dentro de la cueva, entre las pertenencias de
“Cayuco”, había una tabla en la que aparecían dibujadas con piedra blanca las siluetas de
unos pies y unas manos, con toda probabilidad de la niña fallecida. 23
De la misma forma, en la memoria popular remediana ha quedado la figura del “indio
Martín”. A principios del siglo XIX, un hombre llamado Luis Beltrán y de supuesto origen
indígena era famoso por sus robos en despoblado y por su velocidad, comparada con la de
un buen caballo. Llegaban a cifrar su capacidad de desplazamiento en quince o veinte leguas
por día sin dificultad, es decir, entre ochenta y tres y ciento once kilómetros. Por esta
habilidad casi sobrehumana y por su principal ocupación, era temido por el campesinado e
incluso por los negros cimarrones, que lo elevaban a la categoría de fantasma e incluso de
personificación del mismo diablo. Iba siempre desnudo y descalzo, con una abundante
cabellera negra. Como armas portaba un chuzo o vara de guayabo con la punta endurecida
por el fuego, arco y flechas. Se decía que su único alimento era lengua de vaca, por las
muchas reses que se encontraban muertas o heridas a causa de la amputación de la misma.
Al parecer, él solía fomentar ese halo sobrenatural para facilitar sus movimientos. Según
distintas versiones, gritaba a sus perseguidores o tallaba en la corteza de los árboles “Luis
Beltrán ni me cogen ni me cogerán”.24 Entre sus acciones transcendieron los raptos de niños.
En una ocasión, a causa de encontrarse enfermo, decidió buscar una compañía para que lo
asistiera, atacando una casa del barrio remediano del Cristo. Allí encontró a una niña, a la
que se llevó tras matar al padre y herir a la madre, incendiando la casa. Dionisia Ruiz o Taita
Martín, que así se llamaba la secuestrada según las versiones,25 se mantuvo con el “indio
Martín” hasta la adolescencia, aprendiendo sus costumbres y capacidades. Fue liberada en
contra de su propia voluntad por Antonio Abad de Rojas en una celada que le prepararon en
Sabanas del Ciego. El bandido indígena raptó posteriormente otro niño en el barrio Santa Fe,
lo que provocó una intensificación de su persecución, incrementada aún más por un nuevo
homicidio. Finalmente fue localizado por las fuerzas perseguidoras cerca del barrio donde se
había llevado al niño. Herido, opuso resistencia con su arco hasta que un negro acabó con su

23
Berenguer Sed, Antonio, Op. Cit.
24
Martínez-Fortún y Foyo recogió una versión en la que mezclaba las andanzas del individuo citado por
González como “indio Cayuco” y las del “indio Martín”, afirmando que su procedencia era el Oriente de la Isla
y que apareció en 1803. De la misma forma, su lema según este autor era “Luis Beltrán ni me cogen ni me
cogerán. Un jueves santo en la noche me entregarán”. Martínez-Fortún y Foyo, José A., Anales y Efemérides de
San Juan de los Remedios y su jurisdicción, t. 1. Imprenta Sierra y Comp., La Habana, 1930, pp. 137-138.
Ramos y Ramos, Facundo, Cosas de Remedios. Colección revisada y anotada por José A. Martínez-Fortún y
Foyo, Carlos A. Martínez-Fortún y Foyo. Imprenta “Luz” José María Espinosa No. 6, Remedios, 1932, pp. 38-
39.
25
Martínez-Fortún y Foyo, José A., Anales y Efemérides de San Juan de los Remedios y su jurisdicción, t. 1. Op.
Cit.

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vida cortándole el cuello con una hoz.26 Se asocia al mismo la cuarteta “El indio cruel
hechicero/que vive tan sin temor/mató al mejor comprador/de San Juan de los Remedios”.27
Otro caso fue recogido por Francisco Calcagno en su obra Diccionario Biográfico
Cubano. En esta ocasión, se trataba de un “indio” apodado “Bravo”, que operaba en Puerto
Príncipe. Definido como “famoso bandolero de raza primitiva”, llegó a producir el suficiente
perjuicio en la región como para que las autoridades dispusieran la creación de partidas
armadas para su persecución. Afrontándolas en algunas ocasiones y escapando en otras, fue
finalmente muerto en 1803, tras tres años de presencia en los campos. Los autores de su
deceso fueron Agustín de Arias y Serapio Céspedes, los cuales se movilizaron para rescatar a
un hijo del primero, raptado por el “indio”. A la entrada de su cadáver a la ciudad de Puerto
Príncipe, a medianoche del 11 de junio de ese año, repicaron las campanas de las iglesias
como celebración del hecho, además de ordenarse una función de acción de gracias. Resulta
bastante interesante la reflexión de Calcagno sobre los motivos del rapto del niño: “según
opinión común, para comérselo, como otros precedentes, y según creemos, pues no había
antropófagos en Cuba, para exigir un rescate.”28
El cronista Emilio Bacardí referenció igualmente la existencia de otro “indio Martín”
en la provincia de Santiago de Cuba. El individuo había resultado tan peligroso para el orden
de los campos santiagueros como para que el gobierno de la jurisdicción ofreciera 200 pesos
y una “recomendación eficaz” a la corona a los que lograsen el deceso del mismo, el cual
estaba “agregado a fugitivos y malhechores”. Había atemorizado a los habitantes del campo,
y era perseguido por las autoridades y hasta por un voluntario, Miguel Ferrera. Por lo tanto,
actuaba en partida con otros hombres, aunque seguía siendo reconocido a diferencia de sus
compañeros como el “indio”.
Es evidente que tenemos a nuestra disposición muy pocos datos lo suficientemente
objetivos para establecer un análisis historiográfico con hipótesis justificadas sobre estos
“indios malhechores”. No contamos siquiera con evidencias fiables para discernir que fueran
“indios” locales, mestizos, o “indios” yucatecos traídos a Cuba, presentes en este periodo
como cimarrones apalencados.29 Incluso el “indio Cayuco”, “Siboney”, el “Bravo” o los dos
“Martín”, que coinciden temporalmente, podrían ser el mismo, pese a las distancias. 30 Para

26
Ramos y Ramos, Facundo, Cosas de Remedios. Colección revisada y anotada por José A. Martínez-Fortún y
Foyo, Carlos A. Martínez-Fortún y Foyo. Op. Cit.
27
Martínez-Fortún y Foyo, José A., Anales y Efemérides de San Juan de los Remedios y su jurisdicción, t. 1. Op.
Cit.
28
Calcagno, Francisco, Diccionario Biográfico Cubano. Imprenta y Librería de N. Ponce de León, Nueva York,
1878, p. 133.
29
Para finales del siglo XVIII hay evidencias históricas de “indios” yucatecos apalencados. Es decir, fugados y
reunidos en zonas apartadas para subsistir mediante la siembra y construcción de poblados guarnecidos. La Rosa
Corzo, Gabino, Los cimarrones de Cuba, Ed. Ciencias Sociales, 1988, p. 25 y Novelo O., Victoria, Op. Cit.
30
El autor Gerardo Castellanos, en su obra Panorama Histórico. Ensayo de cronología cubana desde 1492 hasta
1933 (1934), afirmó que el “indio Martín” operaba en 1803 por la zona de Santa Clara, Camagüey y llegando
hasta Santiago de Cuba. Le atribuyó como otros autores el uso de un lienzo exclusivamente como indumentaria,

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ello, se podrían proponer dos teorías diferentes; La primera que hubiera sido capaz de
recorrer muchos kilómetros y haber hallado sustento en todos esos lugares para su
supervivencia. La segunda, que la tradición oral lo haya hecho presente en las diversas
regiones. Igualmente, los supuestos elementos culturales que los definen no ayudan a
establecer caracterización alguna, como por ejemplo la citada tablilla pictográfica o la
antropofagia. Este autor, al menos, ha sido incapaz de relacionarlos con ninguna etnia o
tribu particular yucateca, ni de origen cubano. Más bien, apuntan a un uso “romántico” de
las caracterizaciones tradicionales de los “indios” americanos aplicadas a un hecho
transmitido oralmente muchas veces antes de ser recogido textualmente por los
historiadores decimonónicos.

sin sombrero, portando flechas y lanzas. Según el mismo había cometido “crímenes atroces” y recorría grandes
distancias a pie. Castellanos, Gerardo, Panorama Histórico. Ensayo de cronología cubana desde 1492 hasta
1933. La Habana, 1934 en De Paz Sánchez, Manuel, Fernández Fernández, José y López Novegil, Nelson, El
bandolerismo en Cuba. Presencia canaria y protesta rural. (1800-1933), t. 1, p. 36.

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O PORTO DE ARAPUTANGA

“Oh! É aqui! É o nosso porto. O nome é


Porto do Araputanga.” Elma Victor

MATTOS, Sônia Missagia


Universidade Federal do Espírito Santo

O Porto de Araputanga está situado na Comunidade Tupiniquim da Chapada do Á


sendo que esta está localizada, no município de Anchieta, costa sul do estado do Espírito
Santo, Brasil. Essa Comunidade integrava a Aldeia Jesuítica de Iriritiba, fundada por Padre
José de Anchieta entre1561 e 1569.31

A denominação Chapada do Á, mesmo para quem habita o lugar onde os


antepassados viveram por gerações e gerações, parecia não ter sentido. Não havia dúvidas
que o nome Chapada estava fundamentado em uma das características topográficas do
lugar, pois o território do qual falamos possui uma superfície bastante plana que se destaca,
devido à altitude, das demais áreas que estão ao seu redor. Com o apoio em documentação
inédita, datada dos anos finais do século XVIII que encontrei através de pesquisas no Arquivo
Histórico Ultramarino,32 que junto com a Comunidade foi descoberto que a denominação Á
é proveniente do nome de um pequeno braço de rio localizado entre o território da
Comunidade e o Manguezal - o Rio Araputanga, que segundo informações recebidas, em
tupi-guarani significa ¨arara vermelha¨ (ara+putanga).

31 - Pela historiografia essa é uma das datas de difícil precisão.


32
- AHU. ACL. CU 005-01. Cx 93, doc.18.226 (e anexos). Essa documentação foi por mim, localizada
e coletada, em 2009, pós-doutoramento, financiamento CAPES, processo nº 44050802009/10, na
Universitat Autónoma de Barcelona, com o projeto: “Anchieta: por um futuro mais sustentável.” Uma
análise parcial deste acervo que levantei em primeira mão foi entregue à CAPES através do Relatório
de atividades de pesquisa e, também publicada no artigo “A Aldeia de Iriritiba: atual cidade de
Anchieta, Espírito Santo. Revista Habitus PUC Goiás.
http://seer.pucgoias.edu.br/index.php/habitus/article/viewFile/2007/1261.

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Ao tentar localizar no mapa do município de Anchieta os nomes dos lugares


registrados nos documentos que estávamos analisando, ouvimos uma exclamação de
surpresa:

“Oh! É aqui! É o nosso porto. O nome é Porto do Araputanga.” 33

Foi essa fala, vinda da Elma que ouvimos. Os relatos orais, que se seguiram, aliados à
leitura dos fatos narrados naqueles e em outros documentos, tem trazido importantes pistas
para o entendimento da história não apenas da Comunidade e ao município de Anchieta,
mas também de parte de costa sul do estado do Espírito Santo.

Em decorrência das discussões, quase foi possível visualizar a organização territorial,


acessibilidade e a mobilização humana que o sistema viário constituído pela bacia do rio
Iriritiba (Benevente) já possibilitava, no local que é hoje o município de Anchieta, em outros
idos tempos e no agora. Tendo por referência o lugar onde atualmente está o Porto do
Araputanga, ouçamos como o Sr. Elias reconstrói o que ele denomina de “caminho do rio.”

“Aqui sempre existiu. E os índio também (...) Na época que não tinha estrada, e
mesmo depois que tinha, a gente preferia mais ir a Anchieta de barco que de a pé. Ia
pelo caminho do rio. A gente descia o Araputanga, e saia lá no rio Salinas e depois
no Benevente. Quando a maré tava subindo e a gente tinha pressa, a gente passava
por dentro do manque, quase beirando o barranco. Aí, ó, passava por dentro dos
canais do mangue, porque assim num pegava a correnteza da força da maré. Se
pegava era pouca. Dava pra ir. Porque a água do canal num tem aquela correnteza.
(...) Aqui num tinha um que soubesse a letra A. Um dia seu Birizinho, seu avô, veio
aqui matriculá nóis tudo. Ele veio de batelão, pelo rio. Minha mãe ficou muito feliz.

33 - Elma Victor, Reunião da Comunidade Tupiniquim da Chapada do A - 2010

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Era assim. A gente usava o caminho do rio para tudo: era prá fazê viagem, era prá
pegá os caranguejo, peixe, goiamum que tinha muito, e camarão. Lá tinha muito siri.
E era daquele Açu.” ´A gente ia lá também, lá no Salinas, perto daquela restinga que
tem lá, prá pegá taquara, imbira prá fazê estera. Lá perto da restinga do Salinas tem
muita. Aqui num tinha quase cama, era mais estera que a gente mesmo fazia (...)
agora ficou tudo mais difícil”

Desembocadura do rio Araputanga no rio Salinas.

E sua memória segue adentrando por outros tempos, tempos situados no antes de
haver uma estrada que ligasse a Chapada do Á à cidade de Anchieta. Tempos no qual o Rio
Araputanga era parte fundamental do sistema viário utilizado na mobilidade das pessoas
que ali residiam, ou transitavam. Tempos em que outros parentes e ele trabalhavam nas
caieiras.

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34

Tendo por referência o mapeamento acima, a Comunidade Tupiniquim da Chapada


do à e o Porto de Araputanga estão localizados ao lado do sítio arqueológico Ruínas do
Salinas circulado em azul,35 sendo que em suas imediações há vários outros sítios
cadastrados que não constam desse mapeamento. Vale destacar que o município de
Anchieta possui um patrimônio arqueológico paleoamenríndio e histórico grande e
diversificado. No que tange aos bens arqueológicos paleoamenríndios ali descobertos, a sua
maior concentração está na Chapada do Á, sede da Comunidade Tupiniquim. Um grande
problema é que todo esse espaço foi identificado como de “vocação para indústria.”
Embora haja normas legais regulamentando a pesquisa arqueológica, e que a
Constituição Brasileira traga a obrigatoriedade de que prospecções preventivas e
salvamento de bens arqueológicos sejam realizadas pelos empreendimentos quando de sua
instalação, pouco a população consegue tomar conhecimento desses estudos. 36

34- Fonte: FCA – Litorânea Sul. Projeto de Arqueologia Preventiva. Relatório Final das Prospecções
Arqueológicas. São Paulo: Execução Scientia Consultoria Científica Ltda. 2008.
35 - Estamos finalizando um outro texto com as descobertas realizadas, através de pesquisas
documentais, sobre a construção das “Misteriosas Ruínas do Rio Salinas.”
36 - Embora haja várias Leis específicas de proteção aos bens arqueológicos pontuo aqui a nossa

Constituição Federal de 1988 que determina: Art. 216. Constituem Patrimônio Cultural brasileiro os

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Recorte
retirado do Quadro 4.137

O relatório que está sendo aqui utilizando como referência, do qual fiz o recorte
acima, identifica espacialmente e cataloga, só nas circunvizinhanças do Porto de
Araputanga, dez (10) desses sítios, sendo que 60% deles é apontado como de alta
relevância.38

No distrito Chapada do Á onde habita a Comunidade Tupiniquim e circunvizinhanças


encontram-se localizados e registrados no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos três
outros sítios pré-coloniais. De acordo com os registros trata-se de sítios arqueológicos de
média e alta relevância, encontrados nos trabalhos arqueológicos solicitados pela
PETROBRAS, na área de empreendimento denominado de Unidade de Tratamento de Gás
Sul (UTGS).39 A saber, 1) CNSA: ES00194 - UF: ES Sítio UTGS - apresenta estruturas
habitacionais e nele foram encontrados artefatos líticos lascados. A área já está muito

bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de


referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira,
nos quais se incluem: (...) V _ os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científicos.
37 - FCA – Litorânea Sul. Projeto de Arqueologia Preventiva. Relatório Final das Prospecções

Arqueológicas. São Paulo: Execução Scientia Consultoria Científica Ltda. 2008. p 64.
38 - Estou ciente de que há outros relatórios sobre a arqueologia daquele local o e proximidades, por

exemplo: Relatório Técnico nº 030/2005DITEC/ 21ª SR/IPHAN que especifica sítios como Chapada
do Á ((ES-GU-5); Rio Una I (ES-GU-6); Rio Una II (ES-GU-7) e Rio Una III (ES-GU-8).
39 - http://revistagreenpeace.org/wp-

content/uploads/2015/02/208f07127a7852705f9f0808d8f5d6b5.pdf

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alterada, mas o material arqueológico ficou aparente em função dos levantamentos


topográficos para o empreendimento. A área estava destinada a construção da Unidade de
Tratamento de Gás Sul e haverá terraplanagem no local. O Sítio foi considerado no registro
como sendo de alta relevância; 2) CNSA: UF:ES00258 - Sítio Dona Mariinha - na descrição
sumária do registro desse sítio consta que o mesmo encontra-se cortado por uma estrada de
acesso à propriedade da Dona Mariinha. O sítio está localizado próximo à planície alagável
do Rio Salinas e aproximadamente a 750 metros a nordeste do sítio Chapada do A (ES-GU-5)
e aproximadamente a 1.000 metros ao sul do Sítio Rio Una I (ES-GU-6); 3) CNSA: ES00058 –
UF: ES Sítio Chapada da "A". Em tais sítios, separadamente, estão especificadas presença de
determinados materiais tais como: material lítico (lascado e polido); estruturas funerárias;
concentrações de artefatos cerâmicos; estruturas habitacionais e vestígios orgânicos
malacológicos. O Sítio também considerado de alta relevância.40

Tendo por base estudos realizados pelo arqueólogo Prof. André Prous, podemos dizer
que aquele local reunia um conjunto de condições básicas para quem procurava um lugar
para morar, condições essas que raramente eram encontradas conjugadas em outras
localidades. Destacadamente havia ali proximidade e a abundancia de mananciais de água
potável; a existência de terras férteis; de uma mata; de um rio navegável, a partir de onde
se pode dominar as principais vias de acesso, mas com a possibilidade de encontrar abrigos
em cabeceiras de pequenos afluentes.41
Agora conseguimos compreender que, no caso da Comunidade Tupiniquim da
Chapada do Á, um dos pequenos afluentes escolhido foi pequeno Rio Araputanga, afluente
pela margem esquerda do Rio Salinas (afluente do Rio Benevente).
Outras memórias coletadas sobre o território onde habita a Comunidade
Tupiniquim da Chapada do Á e sua a circunvizinhança, também coincidem com descrições

40 - http://sistemas.iphan.gov.br/sgpa_desenv/cnsa_detalhes.php?18774

41 - PROUS, André. Arqueologia Brasileira. Brasília. UNB. 1991. p 286.

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feitas por arqueólogos sobre o tipo de paisagem comuns aos acampamentos do litoral
central (Rio de Janeiro e Espírito Santo).
Também ali, havia uma vasta área de restinga. Segundo entrevista com antigos
moradores, até por volta de 1965, a restinga era rica em frutas que serviam tanto como
alimento quanto como medicamento, por exemplo murtinha, pitanga, araçá, caju, ingá,
cardeiro. Além das frutas, havia também na restinga uma rica fauna, sendo que várias
espécies que nela havia era utilizada como recurso alimentar. No entanto, as restingas
daquele local não conseguiram sobreviver ao desenvolvimento econômico e à expansão
urbana iniciada nos anos 70. Toda a área de restinga ali existente foi invadida. “Depois
fizeram ali um bairro que primeiro chamou Invasão, mas que hoje se chama Justiça.”42
Parece não haver dúvidas de que essas condições foram pontos facilitadores para
que o lugar fosse habitado por populações muito pretéritas e para que o colonizador
português ali se fixasse. Mas, essas mesmas condições foram também facilitadoras para que
o lugar fosse sempre motivo de cobiça para fixação de outras populações, inclusive para a
implantação de grandes projetos de desenvolvimento econômicos intensificados nos tempos
atuais.
Mas, estes foram iniciados com ali com a chegada do colonizador português. Portugal era um
país pobre, povoado por mais de um milhão de pessoas, e devido à escassez de recursos em seus
territórios passou a procurá-los no exterior. Conforme Wolf, Portugal buscava excedentes para
incrementar seu poderio, e procurava, também suprir o déficit de mão de obra para trabalhar nos
seus campos agrícolas.43 Assim, com o objetivo de fomentar seu processo de desenvolvimento
político e econômico, expandiu seu império, apropriando-se de recursos naturais e mão de obra,
afetando extensas populações.44

Incluído nesse projeto estava a propagação do cristianismo que ficou a cargo,


principalmente, da Companhia de Jesus. Inicialmente, os religiosos faziam a catequese para
promover a conversão dos índios através de visitas informais, itinerantes às próprias Aldeias.
Mas essa pratica não estava apresentando resultados muito significativos, pois devido à

42 - Entrevistas para a pesquisa: Anchieta: por um futuro mais sustentável.


43 - WOLF, Eric R. A Europa e os Povos sem História. São Paulo. EDUSP: 2005..
44 - BOXER. C. R. The Portuguese Seaborne Empire 1415-1825. Penguin: Books, 1973. p. 15.

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“inconstância" apresentada pelos índios, muitos daqueles que eram batizados voltavam ao
"paganismo.”45 Para aprofundar o “processo civilizatório”, foi adotada uma outra prática de
ação - a implantação de Aldeamentos.46 As missões jesuítas foram pioneiras na formação
desses aldeamentos. A atuação dos jesuítas, tem uma historicidade e deve ser vista a partir
dos processos históricos e conjunturais nos quais os missionários estiveram inseridos. Como
mostra Celestino, suas ações “oscilavam entre os compromissos com a Coroa, os direitos dos
índios e as relações com os colonos.”47

Para formar os aldeamentos, os missionários realizavam expedições com o objetivo


de convencer os índios para "descerem" de suas aldeias de origem para viverem em novos
aldeamentos especialmente criados para esse fim, pelos portugueses, nas proximidades dos
núcleos coloniais.48

Foi dentro da prática desse tipo de Aldeamentos ou Reduções que a Aldeia Jesuítica
de Iriritiba teve início. Sua fundação é atribuída ao Padre José de Anchieta no ano de 1569
quando encarregado de percorrer as novas aldeias e de estabelecer outras para a catequese
dos Goitacases, Puris, Tupiniquins e Aimorés.49

Vale lembrar que o local em que foi implantado o Aldeamento de Iriritiba era um
lugar já densamente povoado e que, como vimos acima, reunia um conjunto de condições
ideais para tal. Inclusive havia a disponibilidade de um complexo sistema viário - o “caminho
do rio.”

45http://tupi.fflch.usp.br/sites/tupi.fflch.usp.br/files/SERM%C3%83O%20DO%20ESP%C3%8DRITO%2

0SANTO.pdf VIEIRA, Antônio. Sermão do Espírito Santo. Ver: Viveiros de Castro, Eduardo. "O
mármore e a murta: sobre a inconstância da alma selvagem". In: A inconstância da alma selvagem.
São Paulo: Cosac & Naify, 2002.
46 - A fundação desses Aldeamentos era uma recomendação expressa no Regimento Almerim.

https://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia-brasil/regimento-de-tome-de-sousa-a-constituicao-do-
governo-geral.htm
47 - ALMEIDA, M.R.C. Os índios na História do Brasil. Rio de Janeiro,FGV, 2010. p. 78/79.

48- BESSA FREIRE, José Ribamar e MALHEIROS, Márcia F. Os aldeamentos indígenas do Rio de
Janeiro. http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/historia/0039_10.html
49- DAEMON, B. C. Província do Espírito Santo: descoberta, história cronológica, sinopse e
estatística. p. 55. https://ape.es.gov.br/Media/ape/PDF/Livros/Provincia_do_espirito_santo.pdf

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Pensando na inicio daquele Aldeamento jesuítico, parece lícito afirmar que o Padre
José de Anchieta,50 em suas visitas às populações indígenas radicadas na Chapada do Á e
adjacências utilizasse o “caminho do rio,” para tal., Podemos reconstruir, da seguinte
maneira, o caminho que fazia. Vejamos. O Padre Anchieta descia a colina, onde estava
situado o núcleo do Aldeamento de Iriritiba, e caminhava em direção ao Rio Iriritiba, cuja
denominação atual é Rio Benevente. Daí, subindo por ele, tinha acesso ao Rio Salinas e logo
após ao Rio Araputanga. E assim, aportava no Porto do Araputanga que é parte do lugar
“que sempre existiu.”
Desse lugar que “sempre existiu”, ficou guardado na memória do Sr. Elias relatos de
sua mãe havia ouvido dos “troncos velhos.” Em seus relatos é recorrente ouvir:
“Assim minha mãe falava”(...) Mamãe sempre contava isso, aqui só ficou os
manso, os batizado. Os pessoal daqui, os mais velho já morreram tudo. É uma
história que num caba não. É os antigo mesmo que contavam. A gente já vem
pegando dos mais velhos, dos troncos da gente. Por exemplo, agora os meus filhos
aqui fica ouvindo e vão acompanhando e aí, quando a gente morrer, eles já sabem
também. Era a mamãe que passava. Ela dizia `isso aqui era tudo de índio.` Quando
nós era pequeno e que ia trabalhar na roça, porque mesmo pequeno, a gente já
trabalhava na roça com os pais e a gente perguntava: `Mamãe, porque esse monte
de ostra aqui? Aqui era mar?` Ela dizia não, isso aqui, dizia meu pessoal mais velho, é
um lugar de índio muito e muito antigo.”51

Outra preciosa fonte da memória local, foi a Dona Pedrolina. Ela era mãe de muitos
filhos, dentre eles mãe da Dona Maria, esposa do Sr. Elias. Ao ser perguntada se sabia
quando sua família havia ido morar naquela região, disse:

50 - Padre José de Anchieta SJ nascido em São Cristóvão da Laguna - Ilhas Canárias (19/08/ 1534),
faleceu na Aldeia de Iriritiba (09/06/1597). Foi um padre jesuíta, dentre outros títulos, é conhecido
como o Apóstolo do Brasil. Beatificado em 1980 pelo papa João Paulo II, ele foi canonizado em 2014
pelo papa Francisco e declarado copadroeiro do Brasil na 53ª Assembleia Geral da CNBB em 2015.
51 - Sr. Elias Victor. Entrevista 2012.

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“Os começo??? Ah!!! Agente num lembra... Nem sabe como começou, não.
Desde um tempo muito antigo que nós sempre morou aqui nessas terra. Sempre
moramos tudo pegado. O que a gente sabe é que era tudo uma gente só, vós
entendeis? Era tudo um tronco só. Tem parente no Maymbá, tem parente no Ubú,
tem lá pros lado do Cumprido. Vós num sabeis quanta gente... Era um atrapalho
danado. Era parentagem. Casava tudo junto e ia fazendo as casa. Bino mais os filho,
avô dessa menina aí (Marly), ficaram mais lá pra Chapada do Á.”52

Dona Pedrolina morava em Monteiro e nosso encontro foi anterior à migração à qual
foram impelidos por um projeto de expansão da Samarco/Vale. Parte da “parentagem,” o
ramo da família de “Bino mais os filhos” que ficou “ mais lá pra Chapada do Á” resistiu à
migração forçada e, em reunião comunitária, num ato de coragem política, no dia 26 de
março de 2012 se autoreconheceu como Comunidade Tupiniquim da Chapada do Á. 53
Muitos são os caminhos para os lugares de memória que lhes foram interditados. Há
cercas por toda parte. Mas, mesmo tendo seu território sofrido importantes perdas,
principalmente com o cercamento de áreas do manguezal onde retiravam importantes
recursos para sua economia de subsistência; mesmo tendo o Porto do Araputanga sido
deslocado para outro ponto do manguezal, bem mais longe de suas residências, a
Comunidade Tupiniquim da Chapada do Á tem lutado por sua autonomia. Eles sabem que
importantes reforços identitários que lhes dão suporte para prosseguir nas lutas lhes são
transmitidos pelas memória contadas e recontadas que tem raízes nos seus troncos velhos,
em sua ancestralidade. Isso faz com que muito se preocupem com a “mexida na terra”
realizadas pelas prospecções arqueológicas.
O que é de estranhar é que até hoje, especialistas em lidar com eles, como também
as instâncias de proteção e gestores públicos, não consigam perceber que objetos e mesmo,
vestígios arqueológicos, para além da materialidade que apresentam, tem uma outra
dimensão para as populações que tem um vínculo com eles. Uma dimensão maior e que está

52- Dona Pedrolina Victor. Entrevista 2012.


53- SANTOS, Ana Flávia Moreira e OLIVEIRA, João Pacheco. Reconhecimento étnico em exame:
dois estudos sobre os caxixó. Rio de Janeiro. Contra Capa. 2003. p. 22.

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para além da casca. Os esses técnicos vão identificar os “resgates arqueológicos,” não
podem desconhecer que para as populações para as quais esses objetos têm significado eles
são fonte de identificação, de memórias, de reafirmação de identidades. Sítios arqueológicos
são fundamentais para a manutenção da integração entre os membros de um grupo, para
reativar memórias e o sentido de pertença e identidade. São laços com o território. Parece
ser isso que fala um membro da Comunidade do Á. Ouçamos:

“A gente tá andando aqui, mas a gente sabe que está andando por cima de uma
porção de coisas, coisas que estão enterradas, mas que estão aí. Coisas e pode ser até gente
que eram do nosso tronco, né? O que tem lá, a gente não sabe direito, mas tá tudo debaixo
de nosso pé. E a gente fica pensando numa porção de história. Tem um cemitério lá perto
das Ruínas. É lá que tem muita gente nossa enterrada. Com essa mexida das empresa, eles
devem tá incomodado. A mulher de branco tá aparecendo de novo... Quem será que é aquela
mulher de branco? É nossa bisavó, ou é mais antiga? E o pilão? Quem será que bate? Tá
socando arroz, ou Urucum, a gente fica escutando.”54

GT 3 – RECONHECIMENTO DOS TERRITÓRIOS INDÍGENAS NA


AMÉRICA: LUTAS, CONQUISTAS E RETROCESSOS ENTRE OS SÉCULOS
XX AOS DIAS ATUAIS

Prof. Dr. Estevão Martins Palitot (UFPB)

Profa. Dra. Kelly Oliveira (UFPB)

Profa. Dra. Rita Neves (UFRN)

54 - Entrevista com Marly, 45 - 2012.

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TERRA, TERRITÓRIO E TERRITORIALIDADE NO MOVIMENTO INDÍGENA


COLOMBIANO
Diaz Uribe, Mauricio Alejandro.
Universidade Federal de Espirito Santo
madiazul@gmail.com

“A la constituyente llegamos después de un largo proceso de lucha


en el que debimos enfrentar tanto al Estado como a los sectores de derecha
e izquierda del país que se negaban a reconocer nuestra existencia y los
derechos que tenemos. Por eso, es importante aclarar que nuestros logros en
la constituyente no fueron un regalo del gobierno, allí solo recogimos lo que
veníamos sembrando a costa de gran dolor, lagrimas, cárcel y muerte de
muchos de nuestros mejores dirigentes” Lorenzo Muelas Hurtado. Liderança
indígena da Colômbia. (2012, p.44)

A participação na Assembleia Nacional Constituinte (ANC) de 1990, na qual foi expedida a


Constituição Política de 1991 foi talvez o feito mais importante da história do Movimento Indígena
Colombiano (MIC). Pela primeira vez na história da Colômbia, os dirigentes indígenas participaram da
criação de uma constituinte ao liderar não só as demandas das comunidades e organizações
indígenas, mas também a de outros setores étnicos, sociais e populares da Colômbia. A Constituição
política (CP) garantiu três tipos de direitos: Em primeiro lugar os direitos culturais que consistem no
reconhecimento do pluralismo étnico e cultural e da educação bilíngue e intercultural 55. Em segundo
lugar, pode-se observar direitos territoriais: a CP reconhece a propriedade comunal (art. 58), a
declara inalienável, imprescindível e não embargável (art. 60), além de garantir aos povos indígenas o
direito de serem consultados sobre a exploração dos recursos naturais em seus territórios (art. 330) E
em terceiro lugar, os direitos de autonomia, reconhecendo os territórios indígenas como entidades
territoriais com as funções e competências que suas unidades político-administrativas possuem
(prefeituras e governos). Também é aceito o exercício de jurisdições dentro de seu âmbito territorial
por parte de autoridades indígenas legalmente constituídas (art.246). Além disso, se instaura a
circunscrição eleitoral especial indígena, ou seja, a possibilidade de participação política com dois
mandatos no Congresso da República e um na Câmara de Representantes.
As normas de ordem constitucional de 1991 vieram para dar um caráter de grande
estabilidade à propriedade coletiva dos territórios indígenas. Estas conotações da propriedade

55
Art. 7 “El Estado reconoce y protege la diversidad étnica y cultural de la nación colombiana” Art. 8 “Es la
obligación del Estado y las personas proteger las riquezas culturales y naturales de la nación” Colombia,
Constitución (1991). Constitución política de Colombia promulgada en la Gaceta Constitucional número 114 del
jueves 4 de julio de 1991.

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indígena dadas pela CP se inspiraram em boa parte no novo caráter de território (como um espaço
de vida de um povo), que o Convênio 169 de 1989 outorga à propriedade indígena. O Estado
colombiano, em concordância com os artigos sétimo e oitavo da Constituição, ratificou em 1989 o
Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Segundo Roldán Ortega (2000), a nova
Constituição da Colômbia sem dúvida alguma transcendeu as normas do Convênio 169 ao abrir aos
indígenas a possibilidade de por direito próprio e através de uma circunscrição eleitoral
independente chegar ao congresso com seus próprios representantes, assim como ao outorgar-lhes
a capacidade de definir com ampla margem de autonomia as suas formas próprias de governo e
administração internas. Assim, a constituição de 1991 se coloca na vanguarda sobre direitos étnicos e
autonômicos na região latino-americana.
Não obstante, como assinala Lorenzo Muelas uma das lideranças indígenas que oficio como
constituinte nesta reforma constitucional; neste reconhecimento estatal também e fundado e um
processo histórico de resistência e luta pela sobrevivência dos indígenas na Colômbia.
Neste sentido o MIC surgiu nos Andes colombianos pertencente ao que se conhecia
anteriormente como o Grande Cauca. Este movimento resinificou e se apropriou de uma memória de
luta indígena ancestral pela defensa da terra frente aos invasores espanhóis desde os séculos XVI
liderados pela Cacica Gaitana e o século XVIII com as ações do Juan Tama 56 (RAPPAPORT, 2000,
p.114.). Nestas lutas ressurgem aos princípios do século XX lideradas por Manuel Quintín Lame e
Gonzalo Sánchez. Os levantamentos dos indígenas caucanos tiverem dois objetivos: Primeiramente, a
necessidade de recuperar as terras dos ancestrais indígenas, ou seja, os resguardos herdados da
colônia espanhola. Por outro lado, derrotar os latifundiários que se apoderaram dos resguardos e
submeteram a população indígena à servidão sob a prática de terraje.57 (VASCO, 2008, p.74) Os

56
Segundo Rappaport, o período colonial foi um processo em que as diferentes comunidades indígenas dos
Andes colombianos de diversas origens étnicas enfrentaram a pressão da conquista espanhola. Mas estas
comunidades estiveram organizadas em cacicazgos que estabeleceram alianças entre si. Conformadas por
grandes parentelas baseadas em relações intermatrimoniais. Para fazer frente à invasão espanhola, os
cazicasgos decidiram delegar o poder a um só cacique que assumiu a representação política diante do governo
colonial. Este novo cacique (Juan Tama) adquiriu status simbólico de herói mítico e fundador da cultura Nasa e
solicitou a criação de um grande resguardo, que seria um território do povo indígena Nasa e de propriedade
coletiva. A pesquisa de Rappaport concluiu que o que chamamos de povos indígenas não obedeceu a traços
culturais como a língua ou outras características culturais e étnicas e sim à afirmação política sobre um
território. (RAPPAPORT, 2000, p.114.)
57
Segundo Luís Guillermo Vasco, a figura da terraje foi uma relação de caráter feudal e servil, segundo a qual
um indígena deveria pagar com trabalho gratuito dentro da fazenda pelo direito de viver e usufruir de uma
pequena parcela, ou seja, as mesmas terras despojadas dos resguardos indígenas. VASCO U, Luis. Quintín
Lame: Resistencia y liberación. Revista Tabula Rasa. Bogotá, n.9, p. 73-101, jul/dic. 2008.

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levantamentos indígenas ficaram conhecidos como “Quintinadas” em homenagem a seu ideólogo


Quintín Lame.58 que apesar de ser capturado e reprimido em muitas ocasiões, conseguiu estabelecer
linhas de ação em defesa dos indígenas comunheiros dos estados do Cauca e Tolima. Nessa zona, ele
se estabeleceu como líder dos cabildos mais importantes e desenvolveu um programa de sete pontos
em busca da libertação e restauração dos resguardos, são estes: 1) A recuperação das terras dos
resguardos; 2) a ampliação das terras dos resguardos; 3) O fortalecimento dos cabildos; 4) o não
pagamento de terraje; 5) Tornar as leis sobre os indígenas conhecidas; 6) Defender a história, a
língua e os costumes indígenas e 7) Formar professores indígenas.
A memória e transcendência de Manuel Quintín Lame e suas lutas na primeira década do
século XX só foi descoberta até os anos de 1970. Porém a influência de sua vida e obra foi
rememorada e reivindicada nos processos de resistência que as organizações indígenas do Cauca
desenvolveram posteriormente (RAPPAPORT, 2004, p. 92) A luta dos indígenas caucanos pela
propriedade da terra e reconhecimento de seus direitos continuou depois da morte de Quintín Lame
e de muitos de seus seguidores e acompanhantes59. Mais a dissolução e extinção de suas terras
coletivas continuo bajo os efeitos da modernização e expansão das fronteiras agrícolas na Colômbia.
Assim na década de 1960 e início dos anos 1970, ressurge o movimento indígena no marco
das disputas pela terra entre setores rurais do país depois da violência generalizada da década de
195060. Isto no contexto político conhecido como Frente Nacional (1958-1974)61 onde o governo

58
As Quintinadas, além de serem ações de fato expressas em protestos ou tomadas pacíficas ou violentas de
fazendas impostas nos territórios comunitários, também eram denúncias e querelas a partir do conhecimento que
Quintín Lame tinha da Lei 89 de 1890 e do Código Civil. A partir desses conhecimentos, Quintín Lame as
tornou uma forma de luta que se apoiava nas disposições das leis da nação e atacava os poderes locais
instaurados pelos proprietários de terra no Cauca. Nesse contexto começou a perseguição e repressão por parte
das autoridades do Estado ao movimento e especificamente a seu líder. VASCO U, Luis. Quintín Lame:
Resistencia y liberación. Revista Tabula Rasa. Bogotá, n.9, p. 73-101, jul/dic. 2008.
59
Em 1924, Sánchez, junto a outras lideranças do movimento Lamista como Eutiquio Timotè e Jacobo Prías
Alape, se aproximariam do socialismo revolucionário e logo integrariam as fileiras do nascente Partido
Comunista em 1930, do qual Timotè seria seu candidato presidencial e em que José Gonzalo Sánchez ocuparia
um alto posto em seu comitê central até o momento de seu assassinato em 1952. Quintín Lame se exiliou no
departamento de Tolima onde configurou e recuperou os Resguardos de Ortega, finalmente morreu em 1967.
VEGA CANTOR, Renán. Manuel Quintín Lame y la lucha por la recuperación de las tierras indígenas en el
departamento del Cauca y Tolima. In: Gente muy Rebelde. Protesta popular y Modernización capitalista en
Colombia. Vol. 2. Indígenas, campesinos y protestas agrarias. Bogotá: Pensamiento Crítico, 2002 p. 88-102.
60
Nesta época a guerra civil entre liberais e conservadores encontrou seu ponto mais alto nos territórios rurais.
Em 13 de junho de 1953 culminou num golpe militar contra o presidente Laureano Gómez por parte do general
Gustavo Rojas Pinilla. Com a militarização do governo, buscou-se pacificar e instaurar a ordem no país para
substituí-lo por um regime de coalizão bipartidário conhecido como período do Frente Nacional VAZQUEZ
CARRIZOSA, Alfredo. Historia critica del Frente Nacional. Bogotá: Ediciones Foro Nacional por Colombia,
1992, p. 63-111

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nacional realizou algumas tentativas para a modernização do campo colombiano, propondo reformas
agrárias e políticas que buscaram fortalecer os pequenos e médios produtores. Porém, essas
tentativas foram fracassadas ao não avançar na eliminação da alta concentração da terra e na
descentralização dos poderes regionais estabelecidos pelos grandes proprietários em aliança com a
Igreja (FAJARDO, 2010, p.52).
Neste contexto surgiu a mobilização camponesa a favor da continuação da reforma agrária e
contra os poderes regionais centralizados em grandes propriedades que perpetuavam o latifúndio62.
Nesta época surgiram as primeiras guerrilhas insurgentes como o Exército Popular de Libertação
(EPL), o Exército de Libertação Nacional (ELN) e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia
(FARC). Estas guerrilhas armadas foram especialmente perseguidas pelo governo da Frente Nacional,
que ao mesmo tempo em que fazia esforços para a modernização do campo colombiano, reprimia e
se preocupava com o avanço insurgente na América Latina a partir do triunfo da Revolução Cubana.
(MOLANO, 2010, p.574)
É nesse contexto que surge o moderno Movimento Indígena Colombiano (MIC) no norte do
departamento do Cauca, na região dos Andes colombianos. Lá se formaram os principais líderes
indígenas em torno das primeiras organizações indígenas de caráter moderno como sindicatos e
cooperativas, também a partir das experiências acumuladas das organizações camponesas, levando à
criação do Conselho Regional Indígena do Cauca (CRIC) em 1971. Para as décadas de 1970, o CRIC
havia conseguido recuperar terras oficiando-se como a organização indígena mais importante da
Colômbia. Para Mauricio Archila, historiador colombiano que estudou o surgimento do CRIC desde a
perspectiva teórica dos movimentos sociais, as ações sociais coletivas do movimento “foram
orientadas para enfrentar condições de desigualdade, exclusão ou injustiça e que tenderam a ser
propositivas em contextos espaço-temporais determinados”. (ARCHILA, 2005, p. 274) Neste sentido
se sustentou que as formas de ação coletiva se distinguiram em duas classes. Primeiro, as
contenciosas, ou seja, diretas, mas não violentas além das não contenciosas amparadas nos recursos

61
Para alguns analistas esta aliança hegemônica de partidos tradicionais se baseou na exclusão de outros setores
sociais e políticos no Estado, além de criar um clima de esquecimento e omissão sobre as responsabilidades
sociais das elites governamentais no desenvolvimento da época da violência.
62
Durante o mandato do presidente Carlos Lleras Restrepo (1966-1970), a Colômbia entrou num processo de
Reforma Agrária amparado na Lei 135 de 1961, que buscou resolver a crise rural do campo, marcada pela alta
concentração da terra e uma baixa mão de obra agrícola. Buscou fazer uma redistribuição da terra e criar uma
política de modernização rural (em vias de acesso e produtividade) para estimular a produção e restaurar os
mercados internos. Esta norma pretendeu lutar com a improdutividade dos latifúndios, modernizar o agronegócio
colombiano, titulando Unidades Agrícolas Familiares (UAF) mediante a repartição de terras e a colonização de
baldios ou terras livres.

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institucionais e dentro dos marcos legais. Dentro da primeira ressaltou o conceito de recuperação de
terras apoiada pela mobilização camponesa, que os camponeses e fazendeiros denominaram como
“invasão” das fazendas, sobretudo nos primeiros anos do CRIC, durante o final dos anos 1970. As
outras ações contenciosas se orientaram a mobilizações, bloqueios de via e greves63.
Então as principais razões ou motivações que justificaram as primeiras formas de ação
coletiva do CRIC foi a disputa pela terra, sob a figura dos Resguardos como propriedade coletiva e,
por outro lado, acabar com as condições de trabalho subordinado que os donos das grandes
fazendas caucanas mantinham (pagamento de terraje). Posteriormente na década de 1980 surgiram
denúncias contra a violação dos direitos humanos e pela defesa do exercício da autoridade indígena.
Os dirigentes indígenas respaldados desde o sindicato e a cooperativa começaram um trabalho de
resistência baseado na memória política das lutas ancestrais gerando a renovação ou reinvenção de
uma identidade étnica ligada ao território. Nesta identidade étnica vai apelar a elementos de
memória que vão ser reconstruídos e reinventados para oferecer uma arraigo que potencialize a luta.
Não só as figuras dos heróis indígenas, mas também os tipos de organização como o resguardo e o
cabildo, vão ser a base da nova organização que se mobiliza num primeiro momento em torno da
recuperação da terra como base material para a construção de um território que albergue uma
cultura própria, uma língua própria e uma história própria. A recuperação de terras se converte na
forma de resistência a sua dissolução étnica e cultural e por isso a importância da construção do
território e territorialidades.

DA DEFENSA DA TERRA A CONSTRUÇÃO DO TERRITÓRIO

A finais da década de 1970 o movimento indígena caucano rompe relação com os dirigentes
do movimento camponês. Para explicar nesta ruptura, Archila sustentou que as justificativas e
interesses diferentes na luta pela terra entre camponeses e indígenas marcou um distanciamento
político. Para os indígenas era a luta por uma concepção mais política referente a restauração dos

63
Estas ações se exerceram em paralelo, a compra de terras diretamente dos proprietários de terra, pressionados
pelas invasões e a política agrária, e com o apoio financeiro das instituições estatais (Caja Agraria e INCORA).
A utilização de um marco legal serviu para legitimar as recuperações (Lei 89 de 1890, títulos coloniais que
demonstraram a propriedade coletiva das terras usurpadas). Somadas às ações de caráter interno dentro das
organizações como a capacitação e educação política com o apoio e assessoramento de colaboradores e
assessores não indígenas e unido com as assembleias e congressos como espaço de definição política e
capacitação em que se criaram os programas e plataformas políticas, se erigiu a Junta Diretiva e convidavam
mais pessoas indígenas e não indígenas solidárias com o movimento. (ARCHILA, 2005, p. 483-485)

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resguardos e ao respeito pelas autoridades indígenas organizadas entorno a os cabildo. A luta


indígena se legitimava desde uma lei republicana, mas ainda vigente (lei 89 de 1890) onde a terra
não só se referia a algo material, mas também representava a possibilidade de um governo próprio e
da realização de uma educação bilíngue64. Neste eixo os dirigentes indígenas caucanos sabiam que
ante tudo lutavam pela comunidade e pela sobrevivência em um território próprio. O que alimenta a
força das lutas indígenas pela terra é que sua terra, mais do que terra, é “território”, não só em
termos administrativos (o resguardo), não só em autonomia política e legal (o cabildo) mas também
e mais ainda enquanto identidade, a identidade indígena se alimenta do território.
O território é parte da identidade entre os indígenas. Então, O território constitui um
conceito (teórico) e um objeto empírico de natureza interdisciplinar, é multidimensaional e
polissêmico. Para Delgado (2003), o território é o cenário das relações sociais e não somente o marco
espacial que delimita o domínio soberano de um Estado. O território é a expressão ao mesmo tempo
material e subjetiva, real e simbólica, de espacialidade das relações que se tecem desde as pessoas-
individual ou coletivamente- e como produto das múltiplas interações sociais, políticas, econômicas,
culturais que se dão na cotidianidade. Neste contexto, as reivindicações dos indígenas por um
determinado espaço geográfico, se construíram em torno do conceito de território, mais
especificamente de território cultural. Ou seja, aquele espaço ocupado, apropriado e significado por
uma determinada comunidade ou povo, dentro do qual se desenvolve um mundo de relações vitais
com sentido definido, que são essenciais para sua existência como conglomerado humano. Por isso,
Delgado afirmar como a categoria de território se refere à ideia de “a terra que pertence a alguém”,
então o conceito tem de fundo um sentido de “apropriação cultural” Nesta lógica, a noção de
território das comunidades indígenas vai além do espaço geográfico ocupado e é mais transcendente
que um mero meio de produção, como bem descreve Luis Guillermo Vasco:

Éste abarca el conjunto de muy diversas relaciones mediante las cuales se apropian,
utilizan y piensan dicho espacio. Se trata entonces de un territorio definido por formas
de ocupación y poblamiento, modos de apropiación a través de formas de trabajo,
autoridad y pensamiento, actividades que sobre él se desarrollan, modalidades de
recorrerlo, creencias y concepciones asociadas, todo ello constituye ese vasto
conglomerado de relaciones sociales que hacen de un espacio sobre la tierra, el
territorio de una sociedad en un momento de su historia, siendo éste uno de los
elementos básicos de su identidad. Ello explica cómo los indígenas no luchan por un
pedazo de tierra, sino que reivindican su tierra, como espacio específico que

64
ARCHILA, op.cit, p. 102

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constituye su territorio y la raíz de su existencia, con la cual se han relacionado


históricamente (VASCO 2002, p 204)

Neste conceito de território cultural foi adquirindo conteúdo na medida que surgem outras
organizações indígenas regionais e se expande no âmbito nacional. O movimento indígena que surgiu
na zona andina fundou e configuro a Organização Nacional Indígena de Colombina em 1982, com a
presença de indígenas da Selva, das planícies orientares e do Pacífico colombiano. Nesta proposta foi
consolidando um projeto político autônomo em um contexto de repressão estatal (Jaramillo, 2011).
Nesse sentido não se pode falar de movimento indígena colombiano homogêneo. Nas margens e
fronteiras da nação, as lutas indígenas mais que reivindicar terras comunitárias e autoridades
tradicionais, se tratava de defendê-las diante das companhias extratoras de recursos sobretudo
estrangeiras (madeireiros e mineiros), pecuaristas e ainda de camponeses colonos, expulsos do
interior do país pela violência. Assim, a necessidade de construção do território cultural se vincula
estreitamente com as estratégias políticas dos movimentos indígenas em circunstâncias históricas
bem especificas, mais que conseguem ser representeadas e um discurso pelos direitos étnicos
dinâmico no âmbito de uma territorialidade, no marco das demandas indígenas pela terra e depois
pelo controle de um território próprio.
Trata-se de um processo ativo, uma dinâmica de apropriação simbólica e material em um
processo histórico determinado. A territorialidade se conforma a partir de relações sociais entre
distintos atores, que são mediatizados pelo território cultural étnico. Mas essas relações se
complexificam quando as territorialidades de um grupo se interceptam com as de outros grupos. É
então este enfoque o ponto de partida para compreender a construção da territorialidade indígena e
os conflitos com outros atores interessados nesta, o que supõe um choque entre diferentes
territorialidades no âmbito de outra conceição do Estado Multicultural na década de 1990.

DETERRITORIALIDADE E VIOLÊNCIA

As exigências de um movimento indígena sobre a propriedade comunal de suas terras e a


autonomia política e legal desse lugar coletivo estabelecem antagonismos com um governo
neoliberal que cuida dos interesses do cidadão individual e de uma economia aberta em relação ao
mercado. Apesar dos discursos sobre o pluralismo étnico e cultural, nesta logica do capitalismo em
um cenário global, a propriedade coletiva e autonomia jurídica dos territórios indígenas parece uma

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diferença insuperável, é observável nas tensões entre organizações indígenas e o Estado colombiano.
Por exemplo, nos projetos de desenvolvimento e planejamento territorial que o governo tentou
implementar nas áreas onde as comunidades estão instaladas.
Essa diferença crucial é baseada no entendimento e modo de uso do conceito político de
território indígena, que nasce das comunidades indígenas, primeiro na necessidade de estabelecer
relações com o Estado-nação que está se formando desde o século XIX, e que se refere a uma ideia
de soberania sobre um lugar. Para os povos indígenas é o lugar onde a vida é reproduzida e,
portanto, sua cultura; para eles, a sua existência não é concebida sem o seu próprio território e sem
os meios naturais que os oferece. Esse território não é uma coisa que pode ser negociada com outros
seja o Estado ou agricultores ou empresas estrangeiras. Assim, o conceito território surge para os
indígenas como uma declaração política contra a necessidade de se proteger dos agricultores,
palmicultores, camponeses, funcionários do Estado, atores armados, traficantes de drogas, empresas
de petróleo e mineradoras. Então, o que hoje as organizações indígenas concebem como território
indígena vem, como o passado da necessidade de defender o domínio e a integridade de seu espaço
vital e, portanto, a luta por sua reivindicação de sua particularidade e diferença com a sociedade
envolvente. Outra situação que os movimentos e organizações indígenas enfrentaram no último
século é o agravamento da violência em seus territórios entre os atores armados legais e ilegais. Essa
violência também influencia as estratégias dos movimentos indígenas para proteger seus direitos
territoriais. Muitas lideranças indígenas foram ameaçadas, desaparecidas e assassinados nos últimos
anos por paramilitares, guerrilha e o Estado. A ocupação dos grupos armados em seu território
recruta jovens perturbando seu modo de vida, e a penetração de interesses econômicos como a
construção de aproveitamento hidrelétrico em grande escala de hidrocarbonetos, a extração de
recursos madeireiros, a instalação de monoculturas plantações, como a palmeira africana, afetaram
seriamente seus modos de vida e suas particularidades culturais.
Na atualidade muitos de seus territórios se tornaram espaços de confinamento e
desenraizamento. Isso causou o deslocamento forçado de milhares de indígenas para os centros
urbanos. Neste contexto de crise humanitária, o Tribunal Constitucional emitiu a Ordem 004 de 2009
afirmando que muitos povos indígenas estavam à beira da extinção física e cultural, o que seria uma
situação inconstitucional afetando todos os colombianos, nesse sentido era o dever do Estado para
restabelecer os direitos dessas comunidades e estabelecer políticas públicas e sociais que ajudem a
superar este estado inconstitucional.

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As transformações nos discursos e formas das organizações indígenas, também se deve ao


fato de que os atores e ameaças mudaram sobre seus territórios, agora trata-se de grandes empresas
extrativistas nacionais e transnacionais em busca de recursos naturais; políticas públicas associadas a
parques nacionais, planejamento territorial, programas de restituição de terras.

CONCLUSÃO

Os direitos territoriais consagrados na constituição nacional de Colômbia durante a última


década do século XX foi um desenvolvimento importante para organizações indígenas que surgiram
nos anos 1960 e 1970. Nesta organização e mobilização emerge na luta pela recuperação e
restauração de resguardos (territórios coletivos) e os conselhos indígenas (cabildos) criados na
colônia, que permitiram a sobrevivência de seus modos de organização econômica e social
comunitária. A luta pela terra no contexto da reforma agraria passa em um segundo momento a
construção de um território cultural e apoiado desde a afirmação e reinvenção de uma identidade
étnica. Apesar dessa territorialidade baseada na memória, os rituais e a história ancestral têm que
resistir em meio a uma violência que o Estado colombiano historicamente não conseguiu remediar,
apesar dos direitos consagrados na constituição e no discurso multicultural. Os povos indígenas da
Colômbia ainda estão imersos na violência do conflito armado colombiano e na lógica imposta pelo
capital.

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RAPPAPORT, Joanne. “Manuel Quintín lame hoy”. In: Lame Manuel Quintín. Los pensamientos del
indio que se educó dentro de las selvas colombianas. Cali: Biblioteca del Gran Cauca. Universidad
del Valle y Universidad del Cauca, 2004. p. 51-101.
RAPPAPORT, Joanne. La política de la memoria. Interpretación indígena de la historia en los andes
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ROLDÁN ORTEGA, R. Pueblos indígenas y leyes en Colombia. Aproximación crítica a su pasado y su
presente. Bogotá: Tercer Mundo Editores. 2000 p. 47.
VASCO U, Luis. Quintín Lame: Resistencia y liberación. Revista Tabula Rasa. Bogotá, n.9,
p. 73-101, jul./dic. 2008.
VASCO. Luis. Entre selva y páramo. Viviendo y pensando la lucha india. Bogotá: Instituto
Colombiano de Antropología e Historia, 2002.

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II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA,
DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

VEGA CANTOR, Renán. Manuel Quintín Lame y la lucha por la recuperación de las tierras indígenas
en el departamento del Cauca y Tolima. In: Gente muy Rebelde. Protesta popular y Modernización
capitalista en Colombia. Vol. 2. Indígenas, campesinos y protestas agrarias. Bogotá: Pensamiento
Crítico, 2002 p. 88-102

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

CULTURA & DESENVOLVIMENTO UMA PERSPECTIVA ETNOGRAFIA DOS


IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS E CULTURAIS: O CASO DOS TABAJARAS DO
LITORAL SUL DA PARAÍBA.

SOUZA, Roméria Santana da Silva


Universidade Federal da Paraíba
romeriasantana2@gmail.com
GONÇALVES, Alícia Ferreira.
Universidade Federal da Paraíba
aliciafg1@gmail.com

INTRODUÇÃO
Em virtude de tratar-se do projeto da pesquisa que vou realizar no mestrado, os resultados
só se consolidarão a partir da inserção no campo. Neste sentido, o presente ensaio versará sobre
como se deu a construção da ideia para submeter ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia –
PPGA, da Universidade Federal da Paraíba – UFPB, como também, visto que consideramos relevante,
relatar o que já tenho vivenciado nos primeiros meses do mestrado, tanto no que se refere as aulas,
como atividades acadêmicas do grupo de pesquisa ao qual estamos vinculadas e de que forma
realizamos alterações na proposta que apresentei no processo de seleção.
Quando me encontrei academicamente no PPGA, dei início a construção de um possível
projeto para submeter. Tendo em vista outras pesquisas e extensões vivenciadas junto ao povo
Tabajara da Paraíba e a temática de meio ambiente, advinda da minha formação em Gestão
Ambiental, como também a minha inquietação diante da criação do Polo cimenteiro, pensei uma
proposta em que buscaria analisar os impactos positivos e negativos inerentes a este projeto de
desenvolvimento, principalmente no que tange ao impacto ambiental, para povos e comunidades
tradicionais e agricultores familiares. Pretendia também levantar se as empresas inseridas neste polo
realizavam alguma ação de responsabilidade socioambiental e analisar o impacto destas ações.
Assim, estruturei a ideia e despois de amarrada intitulei “Ambiente, Cultura & Desenvolvimento:
sobre a noção de (In) responsabilidade socioambiental no município de Alhandra, PB”, tendo por
objetivo realizar uma análise dos impactos culturais, ambientais e sociais decorrentes da implantação
de empresas de grande porte no município de Alhandra e seu entorno a partir do levantamento das

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

noções de responsabilidade socioambiental e de desenvolvimento no contexto de estudo e analisar


criticamente estas noções.
Submetida a inscrição, iniciei o processo ritual para obter êxito na seleção. Em meio a uma
viajem, consegui realizar todas as leituras que foram propostas no edital. Fiz a prova, sem acobardar-
me do resultado negativo e por empenhar-me consegui a nota de aprovação. Passado o momento
angustiante da prova de conhecimento mediante o resultado positivo, veio a tensão da defesa do
projeto. Mais uma vez realizei toda uma preparação para tal momento, fiz slides para o caso de
poder usar e um roteiro de apresentação para entregar a banca e fiquei aguardando o dia da defesa
ansiosamente. No dia determinado fui. Ao iniciar perguntei se poderia usar slides e seria possível
pelo fato de não ter a ferramenta para apresenta-lo, então entreguei à banca o roteiro da minha
apresentação e foi bem aceita a minha estratégia. Fiz a minha defesa e me coloquei a disposição para
arguição. Resumidamente, a banca gostou da minha proposta, me fez alguns questionamentos e
indicações, mas principalmente ressaltaram que minha pesquisa era muito ampla para ser realizada
em um mestrado, porém que se eu fizesse um recorte conseguiria nos dois anos do curso. Também
orientaram que a outra parte eu realizasse no doutorado, sendo assim, o mestrado a primeira parte
de um projeto maior.
Fui aprovada, tanto é que estou aqui a relatar esta vivência. Com as aulas busquei aproveitar
o máximo para ajustar o meu projeto, e isto sempre em parceria com a minha orientadora Dra. Alícia
Ferreira Gonçalves. Até o presente momento e diante do que definimos enquanto pesquisa
exequível, vamos realizar uma interpretação da interpretação, numa perspectiva etnográfica, dos
impactos socioambientais e culturais, a partir do olhar do Povo Tabajara da Paraíba, diante da
implantação de uma fábrica de cimento no município de Alhandra.
Este recorte se deu levando em consideração a orientação da banca e o fato de o Povo
Tabajara ter passado por um processo de desterritorialização para dar lugar a fábrica de cimentos
localizada em Alhandra, como também pelo fato de eu já ter realizado outros trabalhos de pesquisa e
extensão, quando ainda graduanda em Gestão Ambiental, pelo Instituto Federal da Paraíba - IFPB.
Esta escolha não significa que os outros sujeitos (quilombolas, pescadores, agricultores familiares)
ficarão de fora, pois, conforme já fora exposto, esta é a primeira parte de uma pesquisa maior, com
outros sujeitos que entendo são de grande importância para pesquisa, tendo em vista que estes
grupos sempre são os mais afetados.
O PPGA orienta que devemos pagar no primeiro semestre no mínimo três disciplinas, sendo
duas obrigatórias e uma optativa e assim eu fiz. Minha matrícula foi feita nas disciplinas de

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

Metodologia da Pesquisa Antropológica e Teoria Antropológica I, que são as obrigatórias, e na de


Memória e Biografia, ofertada pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia – PPGS, sendo esta a
optativa. Também me matriculei no Estágio Docência na disciplina Antropologia do Consumo,
ministrada pela Professora Dra. Alícia. Em meio as disciplinas, ainda estou dedicada às atividades do
Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Cultura, Sociedade e Ambiente – GIPCSA, grupo este
coordenado pelas Professoras Dra. Maristela Andrade e Dra. Alícia Gonçalves. Como também às
atividades da ação de Extensão 2018 - E-boook/epub interativo digital "Sociedade, Cultura e
Ambiente: Faces do Desenvolvimento Sustentável" a ser publicado pela Editora da UFPB.
Todas estas vivências no transcurso do meu mestrado têm me tornado cada vez mais afetada
pela Antropologia e feliz de ter acertado nesta escolha.

DESENVOLVIMENTO

Partindo da existência de projetos de desenvolvimento voltados para o crescimento


econômico do estado da Paraíba e da inquietação de como se deu ou dá a implementação destes
projetos emergiu em mim a vontade de investigar o impacto disto para os municípios do Litoral Sul
que fazem parte do recorte que compreende o Polo Cimenteiro.
A Microrregião do Litoral Sul paraibano, pertencente à mesorregião Mata Paraibana, com
vocação natural turística e com uma área total de 1.042,989 km² de extensão, está passando por um
processo de mudança na sua dinâmica socioeconômica, assim como na ambiental e cultural nos
últimos cinco anos. Estas mudanças se devem ao fato de, no ano de 2011, estudos constatarem que
esta área se encontra sobre uma grande reserva de calcário calcítico, principal componente do
cimento. Esta constatação potencializa o interesse por parte de grandes empresários de
empreenderem investimentos na área e instalarem suas unidades fabris para exploração do minério.
A Paraíba, desde o século XIX, já atua no campo da produção de cimento e atualmente conta
com três fabricas em funcionamento, sendo uma em João Pessoa, uma em Caaporã e uma em
Alhandra, sendo este o contexto de interesse deste estudo. Este novo arranjo produtivo
proporcionará ao Estado uma ascensão econômica de grande destaque, pois a exploração desse
recurso e a sua transformação elevará a Paraíba ao segundo maior produtor de cimento do Brasil e o
primeiro do Nordeste (PARAIBA, 2014). A região, que contempla os municípios de João Pessoa,
Conde, Alhandra, Pitimbu e Caaporã, foi denominada de Polo Cimenteiro do Litoral Sul, desenhado

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ISSN:

dentro dos projetos de desenvolvimento dos municípios e do estado da Paraíba em consonância com
as políticas macroeconômicas do governo federal (PARAÌBA, 2014).
Neste sentido, pretendemos descrever de forma densa (Geertz, 1989) como está ocorrendo
as transformações na dinâmica local do município a partir da instalação da empresa Elizabeth
Cimentos, assim como os impactos dessa mudança no aspecto socioambiental e cultural e de que
forma os sujeitos envolvidos percebem toda esta mudança.
Tendo em vista que este trabalho dará ênfase ao Povo Tabajara da Paraíba e ao município de
Alhandra é fundamental caracteriza-los.
O município de Alhandra, que teve sua emancipação política em 24 de abril de 1959 (IBGE,
2016), sendo antes distrito de João Pessoa, tem por base econômica o cultivo de cana de açúcar e,
como renda complementar, a pesca e a agricultura familiar. Sua população é composta por povos
ditos tradicionais (quilombolas, pescadores artesanais e indígenas), povos estes que vivem através de
práticas conscientes e de respeito as sazonalidades dos recursos da fauna e da flora e que, conforme
a Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 215, tem assegurado pelo Estado a garantia a todos do
pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, assim como o apoio e
incentivo a valorização e a difusão das manifestações culturais.
A chegada dos Tabajaras na Paraíba data de 1585, vindos da região do Rio São Francisco
devido aos conflitos com os portugueses. Ou seja, historicamente os Tabajaras vem sofrendo
processos de desterritorialização. Tendo se aliado aos portugueses ao chegarem em terras
paraibanas, aos tabajaras foi doada, pelo Capitão-Mor da Paraíba, três sesmarias que juntas
somavam uma dimensão que ia do rio Gramame até o rio Abiaí, no Litoral Sul da Paraíba (Araújo et
al, 2012 apud Andrade et al, 2012). Porém, a partir de 2011, com a descoberta de uma jazida de
calcário existente no litoral sul (território que abrange os municípios de João Pessoa, Conde, Pitimbu,
Caaporã e Alhandra e onde vivem, além dos Tabajaras, povos tradicionais, pescadores artesanais,
agricultores familiares) muitos empresários se interessaram em implantar suas indústrias nestas
terras, dando início aos conflitos entre empreendimentos capitalistas, alinhados aos projetos de
desenvolvimento do governo municipal, estadual e federal (indústrias) e os Tabajaras e suas práticas
sociais, fundamentada em suas tradições ressignificadas. Este conflito resultou em mais um processo
de desterritorialização sofrido pelo povo Tabajara, que tiveram que sair das terras conquistadas no
século XVI como estratégia política, identitária e econômica de sobrevivência (SOUZA, 2018).
Diante disto, entendemos que o presente estudo é de grande relevância acadêmica, pois
permite operacionalizar conceitos e metodologias das ciências sociais, no aspecto da antropologia e

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

da política, como cultura e poder, e a própria noção de desenvolvimento. Também é relevante no


que tange ao aspecto social, cultural e ambiental, pois busca contribuir para o debate que concerne
aos projetos de desenvolvimento efetivados em territórios onde vivem famílias e populações
tradicionais. A pesquisa se justifica pela necessidade de discussões tangentes a que tipo de
desenvolvimento está emergindo naquele contexto, se justifica também por tentar esclarecer se este
desenvolvimento rompe com o modo de vida destes povos, se contrapondo ao que preconiza o
desenvolvimento sustentável, ou seja, garantir um meio ambiente equilibrado para as atuais e
futuras gerações.
O mundo é dinâmico, a cultura é dinâmica e com o passar dos tempos temos observado
transformações relevantes nos costumes, na política, na economia e em tudo que compõe a
sociedade. O principal fator atrelado a essas mudanças é o modelo econômico vigente, ou seja, o
capitalismo industrial. Porém, tal modelo tem se mostrado insustentável, pois se apropria dos
recursos de maneira a não primar por sua continuidade, por sua conservação. Esta insustentabilidade
se explica por não se compreender o desenvolvimento como “manifestação concreta de um espaço-
tempo”, ou seja, por não se levar em consideração “condições histórico-sociais e culturais do
processo de desenvolvimento” (GONÇALVES E GUSSI, 2012. p. 57)
Assim, emergem as discussões sobre a necessidade de repensar-se os meios produtivos de
forma que não sejam tão impactantes ao meio ambiente e o ponto de partida foi o livro escrito por
Rachel Louise em 1962, intitulado Primavera Silenciosa, em que denuncia o impacto do causado pelo
uso do defensivo agrícola DDT. Em 1987 um grupo se reúne e elabora um documento intitulado de
Relatório de Brundtland onde trás o conceito mais conhecido de desenvolvimento sustentável, ou
seja, atender as demandas atuais de forma a garantir as vindouras. Desde então o debate passa a ser
parte dos discursos oficiais de quase todos os países do mundo em contraponto ao modelo
hegemônico de crescimento econômico.
O debate sobre desenvolvimento sustentável no Brasil se deu a partir dos anos 90 quando da
realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, mais
conhecida como ECO 92, no Rio de Janeiro. Um dos documentos mais importantes deste evento foi a
Agenda 21, que apresenta detalhadamente um projeto de ação com o fito de um novo modelo de
desenvolvimento a partir da promoção de padrões de consumo e produção que sejam capazes de
reduzir pressões ambientais atendendo as necessidades humanas básicas, como também
desenvolver uma melhor compreensão do papel do consumo e da forma de implementar-se padrões
de consumo mais sustentáveis

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme já fora exposto, o presente ensaio visa discorrer sobre a construção da ideia do
meu projeto de mestrado e minhas vivências nos primeiros meses do curso.
Diante do exposto é assim é que a problemática que se desenha nesta pesquisa está
relacionada com as dissonâncias e/ou correspondências entre projetos de desenvolvimento
desenhados e executados e anseios de povos e comunidades ditas tradicionais. Algumas questões
que norteiam este estudo, dentre elas: estariam os projetos de desenvolvimento desenhados de
cima para baixo, ou seja, pelo Estado sem a consulta popular? A implantação deste polo industrial
potencializa na prática quais modelos de desenvolvimento? O que mudou no aspecto ambiental com
a implantação da empresa?
Neste sentido buscar-se-á levantar: Quais são os impactos da implantação do Polo no
cotidiano das famílias que vivem da agricultura familiar e da pesca, e principalmente para os
indígenas Tabajara? Há diálogos entre as comunidades tradicionais e as empresas? Como dialogam a
tradição (Sahlins, 1990) e o capitalismo (TAUSSIG, 1993)? E a partir das narrativas escrever, inscrever
o discurso social, o anotando, tornando o dito um relato que pode ser consultado sempre que
necessário, conforme a descrição densa, numa interpretação de segundo plano por sobre o ombro
do nativo, defendida por Geertz.
Em se tratando do percurso metodológico, por se tratar de uma perspectiva etnográfica, o
campo me revelará as melhores estratégias para condução do estudo. Porém, antropólogos como
Clifford Geertz, Max Gluckman, Marshall Sahlins, Marcio Goldman, Alícia Gonçalves, Estevão Palitot,
como também de outras áreas como Paul Little, Celso Furtado, Stuart Hall, Joan Martinez Alier, entre
outros, são fortes referências para seguir, tendo em vista que seus trabalhos versam sobre as
principais temáticas abordadas em meu estudo, dentre elas, desenvolvimento, políticas públicas,
conflitos socioambientais, racismo ambiental, etnografia, situação social, povos indígenas,
identidade, entre tantos outros que apresentam elementos para compor este trabalho.

REFERÊNCIAS

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

ANDRADE, T. M. Tese – RESILIÊNCIA SOCIOECOLÓGICA E AS SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A GERAÇÃO


DO DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTAVEL: um estudo de caso em contextos de atividades
primárias de caráter familiar. 16.12.2011. 270pp. Programa de Pós-Graduação em Recursos Naturais
na Universidade Federal de Campina Grande. UFCG 16.12.2011.
BRASIL. Constituição Federal. CAPÍTULO III - DA EDUCAÇÃO, DA CULTURA E DO DESPORTO; SEÇÃO II -
Da Cultura. 1988.
FAVRET-SAADA, J. 1990. “Être Affecté”. In: Gradhiva: Revue d’Histoire et d’Archives de
l’Anthropologie, 8. pp. 3-9.
GEERTZ, C. A interpretação das Culturas. Rio de Janeiro, LTC, 1989.
GLUCKMAM, M. Análise de uma situação social na Zuzulândia Moderna. In: FELDMAN-BIANCO, B. et
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GONÇALVES, A. Economia Solidária & Visão de Mundo: a perspectiva biográfica. Cadernos de Campo:
Revista dos Alunos de Pós-Graduação em Antropologia Social da USP. V. 1, n. 1, jan/dez 2011. Pg 87-
102.
SAHLINS, M. Ilhas de História. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.
TAUSSIG, M. O diabo e a cosmogênese do capitalismo. O diabo e o fetichismo da mercadoria na
América do Sul. México: Nueva Imagen. 1993, pp. 141-161.

Sites consultados

BRASIL. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, Censo 2014. <Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/censo2014/dados_divulgados/index.php.> Acesso em: 04/06/18.
GOVERNO DO ESTADO DA PARAÍBA: Notícias em 25/02/2014. Disponível em:
<http://www.paraiba.pb.gov.br/com-cinco-novas-fabricas-paraiba-sera-2o-maior-produtor-de-
cimento-do-pais/>. Acesso em: 04/06/18.
GOVERNO DO ESTADO DA PARAÍBA: Polo Cerâmico e Cimenteiro. Disponível em:
<http://www.cinep.pb.gov.br/site/pagina.php?m=4&sm=13> Acesso em 14/06/18.
BRASIL. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, Censo 2014. <Disponível em:
http://www.ibge.gov.br/censo2014/dados_divulgados/index.php.> Acesso em: 04/06/18.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Cidades: Alhandra. Disponível em:
<http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=250060&search=||infogr%E1ficos:-
informa%E7%F5es-completas> Acesso em 04/06/18.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

Prefeitura de Alhandra < http://www.alhandra.pb.gov.br/index.php/a-cidade/geografia> Acesso em


10/06/2018.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

MARCO TEMPORAL, UMA REFLEXÃO INICIAL DE SUAS IMPLICAÇÕES


ANTROPOLÓGICAS

RUFINO, Jéssika Mayara Silva Rufino.


Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
jessika_rufino@hotmail.com
VIERA, José Gleson.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

O presente artigo pretende traçar uma discussão inicial em torno das implicações
antropológicas inauguradas pela tese jurídica Marco Temporal a partir do conceito antropológico de
territorialidade. Por partir da hipótese que o conceito é chave para a compreensão da aplicabilidade
do Marco Temporal que acreditamos retomar o conceito de imemorialidade ao estabelecer
elementos temporais e de originalidade como precedentes para o reconhecimento dos direitos dos
povos indigenistas.
É preciso lembrar que quando o Supremo Tribunal Federal reconhece a Terra Indígena (TI)
Raposa Serra do Sol fixou as chamadas “salvaguardas institucionais às terras indígenas”, que são
interpretações de alguns membros do Supremo Tribunal Federal de dispositivos constitucionais
referentes ao reconhecimento desta Terra Indígena, transformado essas leis gerais mais
singularizadas ao caso concreto.
O Marco Temporal é uma destas interpretações do STF feitas ao caso Raposa Serra do Sol,
que determina se caso uma comunidade indígena litiga judicialmente uma terra, por terem sido
ocupadas tradicionalmente, a ação só será válida se sua presença na terra (reivindicada) tenha
ocorrido até a promulgação da Constituição, sendo a alternativa ao Marco Temporal a
comprovação do “renitente esbulho”, ou seja, o Marco Temporal permite reconhecer terras
indígenas ocupadas depois de 05 de outubro de 1988 se os indígenas já estiverem em conflito
efetivo ou movendo uma ação na justiça, até a data exata da promulgação.
Embora o STF tenha expressamente posto essas salvaguardas como sendo interpretação da
Constituição aplicada apenas ao caso da demarcação da TI Raposa Serra do Sol, elas serviram de
referências para três outros processos de demarcações: a TI Guyraroká, TI Limão Verde e a TI
Porquinhos, que tiveram seus processos demarcatórios suspensos ou anulados por decisões da

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ISSN:

Segunda Turma do STF.Outros mecanismos administrativos emitidos corroborando com esse


entendimento são a Portaria de Nº 303 de 2012 e o parecer Nº GMF-05 de 19 de julho de 2017 -
criados pela Advocacia Geral da União (AGU), que orientam seus membros, bem como os órgãos do
executivo que em se tratando de processos judiciais envolvendo Terras Indígenas sigam as dezenove
salvaguardas institucionais criadas no caso Raposa Serra do Sol.
O direito indigenista surge no Brasil desde o período da colonização, mesmo que de forma
dispersa como por exemplo por carta de doação, avisos e resoluções administrativas, construindo um
conjunto de atos normativos que versavam sobre a posse indígena das terras que ocupavam.
(AMADO, 2015).
Tal conjunto normativo colonial através de Títulos de Sesmarias, determinou também a
construção de aldeamentos indígenas que a posteriori com a Lei de Terra de 1850 foram reduzidos
aos territórios indígenas e as demais terras ocupadas pelos povos indígenas foram incorporadas à
União, ou seja, as terras indígenas foram reduzidas legalmente apenas ao modelo de aldeamento.
Sendo assim, mesmo com a redução dos territórios indígenas, esta lei assegura o direito territorial do
indigenato já fundado no período colonial que determinava o reconhecimento do direito à terra aos
“primeiros naturais senhores da terra” (AMADO, 2015, p.71).
Em 1918 foi criado o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), cujo objetivo era imprimir nos povos
indígenas a identidade de trabalhador nacional, uma força produtiva agrícola capaz de povoar o
interior do país. A definição jurídica desses povos estava expressa no Código Civil de 1916,
estabelecendo que fossem tutelados pelo Estado, que passou a mediar todas as suas relações sociais
e políticas. Na Ditadura Militar o SPI adota uma política nacionalista e de controle. Um período em
que o órgão passou por uma série de acusações de corrupção, que levou a sua extinção e criação de
um novo órgão indigenista gestado pelo Conselho Nacional de Proteção aos Índios: a Fundação
Nacional do Índio (FUNAI), com o objetivo de desempenhar a tutela do Estado e dar continuidade à
política de assimilação desses povos. (OLIVEIRA, FREIRE, 2006).
Quanto as Constituições a de 1934 estabelece como competência privativa da União legislar
sobre as questões indígenas, além disso, no que diz respeito às Terra Indígenas determina o “Artigo
129 - Será respeitada a posse de terras de silvícolas que nelas se achem permanentemente
localizados, sendo-lhes, no entanto, vedado aliená-las”. A Constituição de 1967, determinando que
as áreas ocupadas pelos povos indígenas, embora bens da União, são de sua posse permanente,
como expressa o “Artigo 154 - Será respeitada aos silvícolas a posse das terras em que se achem
localizados em caráter permanente, sendo-lhes, porém, vedada a alienação das mesmas. ”

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ISSN:

(RODRIGUES, 2014), esse artigo é também recepcionado na Constituição de 1946. E por fim, a
Constituição de 1967, quando por uma Emenda Constitucional nº1 de 1969 expressa em seu Artigo
198 §1º, que as terras habitadas pelos “silvícolas” são inalienáveis, sendo nulo o ato que desrespeita
isso, ou seja, o ato não gera qualquer direito, porquanto os seus efeitos se dissolvem “ex tunc” – os
efeitos da anulação retroagem a todos os atos anteriores- desde o momento em que tenha sido
decretada a sua nulidade. (AMADO, 2015)
Em 1973 foi criado o Estatuto do Índio. Com sete títulos, é uma junção de todas as normas de
direito civis e políticos que versavam sobre as questões indígenas. “O Estatuto manteve a ideologia
civilizatória e integracionista da legislação do SPI, adotando também o arcabouço jurídico tutelar”
(OLIVEIRA, FREIRE, 2006, p.131).
O que se observa é que embora as constituições tenham garantido a posso e o usufruto
exclusivo das Terras Indígenas, a política indigenista no Brasil caminhou com o caráter de tutela,
civilizatória e integracionalista até a Constituição de 1988. Nos anos de 1980, no processo de
redemocratização do país após o fim da ditadura militar, inicia-se um processo de luta por direito das
minorias na agenda política institucional. Com muita luta política que envolveu indígenas, defensores
dos direitos indígenas incluindo intelectuais, antropólogos, juristas, movimentos sociais, a
Constituição de 1988 trouxe considerável avanço para o caráter das políticas indigenista existente
até então, sendo um marco histórico de avanço na luta por direitos. Fundamentada na Convenção
169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) a Constituição Federal de 1988 institucionaliza
um Estado formado por uma pluralidade étnica e multicultural. Protegendo e valorizando as
diferenças ao traçar o reconhecimento das instituições indígenas próprias, submetidas apenas ao
marco jurídico do Estado soberano.
O artigo 231 da Constituição Federal de 1988 ao reconhecer a organização social, os
costumes, línguas, crenças e tradições indígenas, reconhece uma pluralidade étnica no Brasil pautada
no auto reconhecimento, instituindo assim, uma proteção especifica para esses povos. Foi com essa
Constituição de 1988 que o Legislador adotou a concepção de Terra Indígena como necessária para a
sobrevivência física e cultural desses povos. As terras tradicionalmente ocupadas pelos povos como
bens de domínio da União, são reservadas a propriedade e usufruto dos povos Indígenas, lhes
assegurando a posse permanente e a riqueza existentes nessas terras. (SILVA, 2011). “Por isso são
inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis. ” (SILVA, p.854, 2011).
Silva (2011), define ainda que os direitos indígenas sobre as “terras que tradicionalmente
ocupam” expressa no artigo 231 da Constituição Federal de 1988, encontra a sua base conceitual

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ISSN:

nesse próprio artigo ao expressar que as terras tradicionalmente ocupadas são: “as habitadas em
caráter permanente”; “as utilizadas para suas atividades produtivas”; “as imprescindíveis à
preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar” e as “necessárias à sua
reprodução física e cultural”. Ocupação tradicional indígena expressos nesse artigo, devem ter como
parâmetro o modo de produção e ocupação dos próprios povos indígenas. Ou seja, terão tradução
das próprias categorias indígenas.
Não se tratando de uma definição temporal, de terras imemoriais, ou seja, de terras
ocupadas desde a origem desses povos, onde a memória já não alcança mais, sendo incompatível
com a concepção de Direito Originário sobre essas terras, que são de garantias desses povos antes da
existência dos títulos de terras, diferindo da forma de aquisição de propriedade que se tem no
Direito Civil, já que são guiados pelo instituto do indigenato. (SILVA, 2011)
Com a Constituição de 1988 versando sobre o direito dos povos indígenas sobre a terra que
tradicionalmente ocupam, lhes garantindo o direito de posse, surge à chamada “indústria de
indenizações”. Quando particulares exigem vultosas indenizações ao Estado para a desocupação das
terras destinadas para a construção do Parque Indígena do Xingu, pertencentes ao estado do Mato
Grosso os particulares alegam que foram vendidas e exigiam pagamentos de indenizações para a sua
desocupação e demarcação.
Com um baixo contingente profissional para atuar nas causas, traça-se como solução a
elaboração de um “protocolo de intenções” entre a Procuradoria Geral da República (PGR) e a
Associação Brasileira de Antropologia (ABA) para inicialmente solucionar a chamada “indústria de
indenizações”. Esse protocolo encontra-se amparado na Constituição de 1988, quando em seu art.
129, § 5º define que cabe ao órgão “defender judicialmente os direitos e interesses das populações
indígenas”. Mais tarde tal protocolo se consolida em um convênio institucional, criado em julho de
1987, em que a ABA através de um acordo com PGR, passe a realizar estudos, pesquisas e elaboração
de laudos antropológicos periciais, que auxiliem na função judicial e extrajudicial do órgão, nas
questões que versem sobre os povos indígenas e quilombolas (GONÇALVES, 1994).
Regida pela Lei nº 13.105/2015, a Prova Pericial tem a função de auxiliar o magistrado nos
casos em que a matéria dependa de um conhecimento técnico e científico especifico que o juiz não
possui para a tomada de decisão. Nesses casos, o magistrado deverá ser assistido por perito ou
“órgãos técnicos ou científicos”, podendo ser requisitado de ofício pelo juiz ou a requerimento das
partes. O Laudo Antropológico é então o resultado de uma perícia, uma peça jurídica em que é
apurado uma situação ou fato que é indispensável conhecimento antropológico para compreensão,

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respondendo aos quesitos estabelecidos em juízo (SANTOS, 1994). Estes não se confundem com os
relatórios circunstanciados de identificação e delimitação, que criadas pelo Poder Executivo, são da
política indigenista e da FUNAI, já os laudos criados na esfera do poder judiciário, formam os
processos e conflitos sociais judicializados. (FERREIRA, 2015).
Compreendendo que o contexto histórico e político altera e determina a relação entre
ciência e o Estado, traçando as possibilidades e limites da produção antropológica nessa esfera. Se
antes essa relação estava marcada pela Constituição de 1988 que revela um reconhecimento de uma
série de direitos sociais e políticos, hoje essa relação acompanha fortes modificações que não torna a
aplicação do marco temporal um caso isolado, mas uma avalanche de mudanças fruto de um
contexto histórico que também se registra na instituição da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI),
em novembro de 2015, para investigar a atuação da FUNAI e do INCRA na demarcação de terras
quilombolas e indígenas.
O Marco temporal não só traça mais uma disputa de terra que marca a história do nosso
país. É um caso que trouxe como pano de fundo uma série de debates que reavalia os instrumentos
metodológicos e os saberes utilizados até então para efetivação dos direitos indígenas, trouxe uma
forte repercussão antropológica que merece ser investigada. Não como um conceito novo do campo
jurídico que há anos tenta mitigar os direitos constitucionais dos povos indígenas, mas como uma
tentativa de institucionalização de um retrocesso que nos exige um outro tipo de reflexão
antropológica, retomando debates que pensamos haver superado.
Diante disso, o artigo visa em um primeiro momento trazer algumas discussões suscitadas
pelos Laudos Antropológicos demostrando os limites e as similitudes que essa articulação entre a
produção antropológica e a ação judicial traz, mostrando que embora seja um cenário que enfrenta
embates metodológicos e conceitual, os Laudos tem cumprindo o desafio de concretização dos
direitos indigenista. Em um segundo momento, algumas discussões em torno do conceito
antropológico de territorialidade a partir de Paul Little e Dominique Tilkin Gallois, por partir da
hipótese que o Marco Temporal desconsidera tal conceito adotado pela Constituição de 1988 para a
efetivação dos direitos constitucionais indigenistas, e pôr fim, e ao decorrer do artigo, alguns
palpites iniciais, suscitando antes de tudo questão que não pretendem aqui serem respondidas, mas
marcar um início da caminhada dessa pesquisa.
Para iniciar a discussão em torno dos Laudos, início com um dos desafios traçado por esse
instrumento que é a interseção da noção jurídico-formal e a ciência antropológica para aplicabilidade
dos direitos indígenas. Além das semelhanças estão em jogo procedimentos de trabalho e

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compreensão cientifica distintas, que podem levar ao que Almeida (2008) chama de “solidão
do antropólogo”. Umas das diferenças marcadas pelo autor seria que enquanto na etnografia os
dados são construídos e as evidencias relativizadas, para a esfera jurídica a prova é “auto evidente”,
pronta, bastando ser coletado, “um impressionismo” do positivismo em que tudo pode ser à
primeira vista revelado, enquanto os antropólogos relativizam os documentos, por exemplo, sempre
suspeitando dessas certezas reveladas à primeira vista, ao colocar a perícia como um campo de
disputa, “um jogo de poder”. Cabendo ao antropólogo, com sua produção, ir transformando o
pensamento ainda calçado nas ciências naturais que prevalece no judiciário e não a ele ceder
(ALMEIDA, 2008).
O Marco Temporal parece atualizar esse debate de “luta contra os positivistas e o empirismo
vulgar” na medida que inaugura uma noção jurídico formal superada pela antropologia e pela própria
constituição de 1988, um novo que já nasce velho e é retomada nessa avalanche de retrocessos. Se
antes tínhamos um “antropólogo solitário”, mas que no campo conceitual travava as mediações, com
o Marco Temporal o que inicialmente observamos e nos perguntamos é se há uma tentativa de
retirada da antropologia desse jogo decisório.
Embora o antropólogo não tenha o poder de decisão, nem caiba atestar a identidade de um
grupo, a disposição de seu saber tem sido um grande peso para as decisões judiciais, não sendo raro
os argumentos antropológicos usados pelos ministros do Supremo Tribunal Federal. Entretanto, o
contexto histórico e político tem traçado mudanças, que inicialmente nos parece, que com o Marco
Temporal se quer não só traçar um critério que vem atingindo concretamente a vida dos povos
indígenas, mas também questionar o lugar do saber antropológico nesses espaços de decisões.
Bourdieu (1989), compreende que o “campo jurídico” exerce o papel de criar e manter a
ordem social. Esse campo não é uma esfera autônoma, mas uma instância formada por relações de
poder que a estrutura e define outras relações. Um campo que se constitui por uma retorica de
neutralidade e imparcialidade o tornando singular e imune das pressões sociais. Suas decisões como
universais e imparciais mascaram as relações de poder que as formam. Um “Campo Jurídico” que
possui hierarquias internas lutando para traduzir e dizer o Direito.
Disputas judiciais que por vezes se recorrem a perícia, como para a caracterização da
definição de ocupação indígena, o sentido de tradicionalmente ocupadas, que são categorias
antropológicas inauguradas na constituição de 1988, que se por um lado trazem desafios aos
antropólogos na compreensão do sistema processual jurídico e de sua hermenêutica, por outro,
traçam inovações profundas para o “campo jurídico”. O artigo 231 contem expressões e categorias

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antropológicas que não fazem parte do universo jurídico e por isso carecem de interpretação, por
isso a palavra do antropólogo tem um peso significativo. DALLARI (1994)
Nesse sentido, DALLARI (1994) vai afirmar que está nova situação dos povos indígenas com a
promulgação da constituição de 1988, mais especificamente no seu artigo 231, revela um avanço no
direito positivo brasileiro, que não serão aceitas passivamente incorrendo resistência também pelo
poder judiciáro. O que nos revela que não foi uma inovação fácil e sua aplicabilidade sempre foi
minada por um campo de disputa. O Marco Temporal é um exemplo da constância dessa não
passividade.
Um outro desafio traçado ao longo da história em torno do tema dos Laudos Antropológicos
é o de imprimir uma produção cientifica em um instrumento de caráter técnico. Esse debate nos faz
lembrar a Aracy Lopes (1994), quando para autora, a produção antropológica é “aplicável” aos
quesitos exigidos na perícia judicial para a produção de prova, por possuir um domínio sobre os
dados exigidos (LOPES, 1994).
Para a autora a antropologia é a única ciência capaz de compreender a realidade desses
povos. Isso porque, desde o seu surgimento escolheu esses povos como seu objeto de pesquisa.
Construindo uma história de formação metodológica e teórica junto a esses povos. Coloca ainda,
dois pontos importantes presentes na pesquisa e pratica antropológica que traça o dever do
antropólogo de produzir perícia judicial que versem sobre os povos indígenas: a capacidade do
antropólogo de adentrar em um universo que não pertence, através da observação participante e do
trabalho de campo; e o da “exterioridade”, em que o antropólogo é capaz de traçar um
“distanciamento crítico” para a produção e interpretação objetiva dos dados (LOPES, 1994).
Os quesitos trazidos pelas partes e pelo judiciário para a construção do Laudo Antropológico,
muitas vezes versam sobre as formas de organização social, relações de parentesco, questões
demográficas, com o intuito de revelar o direito desses povos sobre seus territórios. Temas que
frequentemente são discutidos e analisados pelos antropólogos. Exigindo referencias teórica e
práticas metodológicas típicas da disciplina para elucidar as questões formuladas. (NETO, 1994).
O antropólogo perito deve traçar uma produção pautada no rigor metodológico e teórico da
própria disciplina. O Laudo pericial é fruto de questões e práticas da esfera jurídica e administrativa,
presentes nos quesitos a serem respondidos pelo perito, que passam a ditar a pesquisa
antropológica, sem, no entanto, ser objeto de investigação da antropologia, da teoria antropológica
ou por iniciativa acadêmica, aceitas tacitamente pelos antropólogos. Entretanto, não pode o
antropólogo incorrer na “etnologia espontânea”, deixando sua pesquisa ser definida por esses

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quesitos. Os Laudos devem traduzir as “categorias e práticas nativas” que formam o grupo étnico em
questão. Com um “rigor conceitual e vigilância metodológica” próprias da antropologia. Esses são os
aspectos que só a antropologia é capaz de traduzir (FILHO,1994).
A articulação entre a produção antropológica e a ação judicial não é harmônica e surge em
um determinado contexto histórico de redemocratização. Sugerindo aqui, como João Pacheco
afirma, um “tom geral de problematização”, pensando as similitudes e os limites desse cenário.
Poderia trazer outras problemáticas, como a do prazo judicial, o debate ético em torno do contra
laudo, por exemplo, mas pensei em ressaltar esses elementos por acreditar serem mais centrais para
o debate do Marco Temporal.
E por fim, o aspecto da territorialidade. Paul Little (2004) ao utilizar o conceito de “povos
tradicionais” como um conceito que aglutina uma variedade de realidades fundiárias a partir de suas
semelhanças nas lutas fundiárias e articulações políticas e sociais em um cenário comum de Estado
nação, captadas pela antropologia da territorialidade, definiu territorialidade como “ o esforço
coletivo de um grupo social para ocupar, usar, controlar e se identificar com uma parcela especifica
de seu ambiente biofísico, convertendo assim em território”p.253. Como resultante das condutas de
territorialidade de um “grupo social”, compreensão do território desses povos só se dará a partir da
história e dos processos políticos, sociais e simbólicas, que estabelecem com o lugar em que habita.
Para isso, utiliza o conceito de “Cosmografia” como sendo os “saberes ambientais, ideológicos e
indenitários” que são coletivos e históricos, utilizados para a construção do território. (LITTLE, 2004).
Portanto, diferem da ideia de originalidade e imemorialidade, e traz à tona a noção de
pertencimento local, exigindo da análise antropológica uma abordagem etnográfica capaz de revelar
à diversidade de expressões e particularidades socioculturais, com a diversidade dos territórios que
surgem em “contextos intersocietários” diferentes. (LITTLE, 2004). Traçando assim, uma concepção
que diverge da possibilidade de se traçar um elemento estático e temporal, para o reconhecimento
dos direitos dos povos indígenas, como quer o Marco Temporal.
Como as frentes de expansão, que traçam uma história de resistência à hegemonia territorial
do Estado-nação com sua forma de territorialidade vinculada ao “fenômeno do nacionalismo” e
soberania, através de diversas concepções de territorialidade presente na memória coletiva desses
povos e que são dinâmicas e resultantes de diversos processos históricos (LITTLE, 2004).
Afirma ainda, que a noção jurídica de “Terras indígena” posta pelo Estado é o
reconhecimento institucional da diversidade étnica e territorial no Brasil, com ritual e uma series de
dispositivos jurídicos específicos. (LITTLE, 2004).

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Dominique Tilkin Gallois (2005), afirma que a convergência entre o conceito jurídico político
conduzido pelo Estado de Terra Indígena tradicionalmente ocupada e a compreensão antropológica
de territorialidade presente de diferentes formas nos povos indígenas, é um desfio posto desde a
constituição de 1988, mas que ao meu ver é recolocado na agenda pela atual Tese do Marco
temporal.
A autora afirma, que embora exista diferenças, o ártico 231 seria uma similitude na medida
em que a Constituição Federal ao reconhecer aos índios os “direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam” implica que o entendimento de tal artigo perpassa por categorias e
práticas dos povos indígenas, que se levem em conta os “usos e costumes e tradições” de uma forma
particularizada de cada povo. O artigo ainda define, que as terra indígenas seriam aquelas:
“ocupadas tradicionalmente em caráter permanente, utilizadas para suas atividades produtivas, as
imprescindíveis para a sua preservação dos recursos ambientais necessárias a seu bem-estar e as
necessárias à sua reprodução física e cultura”. Exigindo assim, dos antropólogos em seus relatórios e
laudos, que evidencie “diferentes logicas espaciais”, para a identificação, reconhecimento,
demarcação e homologação das terras indígenas.
A ocupação tradicional se refere assim, ao modo de ocupação, sendo desprovido de
referência temporal, já que a constituição a preferiu frente à “imemorialidade” da ocupação indígena
em determinada região. Não cabendo para a caracterização do modo de vida indígena e de sua
tradicionalidade a ideia de antiguidade, muito menos, um tempo com data e dia certo.
Os estudos antropológicos voltados para a questão da territorialidade indígena, em suas
diferentes dimensões, recuperam a história da ocupação da terra, com o objetivo de trazer os
aspectos culturais relevantes para ocupação territorial indígena. Aspectos econômicos, políticos,
cosmológico ou religioso são por vezes necessários para compreender a forma de habitação desses
povos. Compreendendo a ocupação territorial desses povos como um espaço social, histórico e
ecológico, que seja capaz de garantir sua existência, identidades e valores. Não se pode esconder a
história da colonização que atingiu as populações indígenas brasileiras, nem muito menos as políticas
de Estado que implicaram na expulsão, na remoção e na pressão para que as populações indígenas
abandonassem ou deixassem seus territórios. (GALLOIS, 2005).
Para autora, a territorialidade torna possível recuperar de forma central a história que
constrói a ocupação da terra de um povo, tornando nítido as experiências e os elementos culturais
acionados em uma “gestão territorial indígena”. Isso porque, se por um lado, há possibilidade da
inexistência de conceitos indígenas a respeito de seus territórios, por outro, nenhuma sociedade

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existe sem expressar uma “logica territorial”. (GALLOIS, 2005). Sendo assim, a dimensão da
territorialidade para a autora, carrega elementos ambientais, econômicos, ecológicos, culturais e
históricos, traçando uma diversidade que a antropologia se esforça para adequar o direito.
Trazer à tona essas concepções de território é antes de tudo, para pensar como um conceito
capaz de revelar outros territórios existentes no Estado que representa um desafio para atual
concepção territorial do oficial que não dá conta dessa pluralidade. Tal conceito é capaz de revelar
outras formas de ser, estar e compreender o mundo, em que historicamente vem se traçando
mediações, como no próprio conceito de Terra Indígena que é uma categoria jurídica criada para
ligar com os povos Indígenas, para não citar apenas os laudos que compreendemos como
instrumento de intermediação.
O Marco Temporal é uma quebra desse processo de mediação e se coloca como um desafio
antropológico, tendo em vista o comprometimento antropológico em defesa desses povos, para
trazer um debate ético.
A ideia aqui é trazer as diferentes forças internas de cada grupo expressadas nesse conceito
de territorialidade, com suas grandes variações no tempo e nos elementos culturais, como os
costumes, rituais e valores, com as exigências externas traçadas pelo Marco Temporal. Em que não
faz sentido a exigência de uma coincidência entre as diversas autoclassificação existentes e uma
classificação temporal do Estado, já que as identificações étnicas se dão em um contexto situacional,
e não de forma cristalizada e permanente.
Uma reflexão que é também a necessidade de se manter uma autonomia, em que as
categorias jurídicas não substituam as etnográficas, como seu fundamento último.
A relação das ciências jurídicas e antropológica para a efetivação dos direitos indígenas só foi
possível de ser concretizada em um cenário marcado por mudanças e disputas que resultaram na
elaboração da constituição de 1988, uma convergência entre suas instituições jurídica e
antropológica que resultaram em mudanças que reimprimem essas ciências.
Portanto, o Marco Temporal inaugura um novo capítulo na história dos direitos indígenas, já
que a dimensão observada e trabalhada pelo saber antropológico, ciência que traduz a dimensão
relacional que as populações indígenas estabelecem em seus territórios vem sendo substituído por
um critério temporal e estático. Os laudos encarados como um instrumento capaz de traçar a
intersecção entre o conceito jurídico de Terra Indígena tradicionalmente ocupada e o conceito
antropológico de territorialidade para efetivação dos direitos indígenas, com a aplicação do Marco
Temporal parece busca uma retirada do saber antropológico desse campo decisório.

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GT 4 – MISSÕES RELIGIOSAS E POVOS INDÍGENAS NA AMÉRICA:


SÉCULOS XVI AO XXI

Prfa. Dra Fernanda Sposito

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A ESTRATÉGIA TIRIYÓ/TARËNO NO CONTEXTO DE MISSÃO NO ESTADO DO


PARÁ, ENTRE AS DÉCADAS DE 1960 E 1980

MENDONÇA, Joanan Marques de

Universidade Federal de Campina Grande

joananmarques@hotmail.com

APOLINÁRIO, Juciene Ricarte

Universidade Federal de Campina Grande

apolinarioju18@gmail.com

A formação da missão
A Missão Paru de Oeste ou Missão Tiriyó nasce por iniciativa do Governo brasileiro,
cujo intuito era assegurar o seu domínio na região de fronteira, buscando manter íntegras
as riquezas naturais frente às muitas investidas de exploradores estrangeiros. Representados
pela Força Aérea Brasileira, a FAB, esses militares contaram com os serviços dos missionários
franciscanos para estabelecer um “contato amigável” com os indígenas habitantes da região,
devido a sua experiência na socialização dos índios Munduruku. Segundo um relatório
enviado à FUNAI em 1968, o objetivo dos agentes era reunir os indígenas próximos ao posto
militar, estabelecendo uma reorganização da economia tradicional através da introdução da
formação religiosa, produtiva, educacional e econômica. Esse projeto tinha como objetivo
inserir os Tiriyó nos moldes da economia não-índia, capacitando-os para um futuro contato
com outros brasileiros. Isso se tornou mais claro no acordo firmado em 1963, intitulado
‘Trinômio’, que era uma parceira entre a FAB-missão-índios, onde “...a FAB procura a
colaboração de instituições missionárias de reconhecida capacidade e experiência na obra
de aculturação indígena” (HAAS, 1968, p. 2). O trinômio Tiriyó não era o único, pois outros

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se haviam estendido entre as fronteiras com a Venezuela e Colômbia, representando assim


um interesse nacional.
Competia à FAB, nesse processo de formação da missão, oferecer mão-de-obra
especializada e técnica, medicamentos e alimentos, através dos aviões do Correios Aéreos
Nacional da Amazônia (CAN-AM), assim como garantir o pagamento dos indígenas que
trabalhassem nos serviços criados na missão. Com a criação da missão, os frades
empreenderam uma série de transformações na estrutura tradicional da aldeia,
introduzindo uma agricultura mecanizada, capaz de alimentar um contigente de 200
pessoas. A missão até 1970 já contava com uma estrutura de

Uma oficina mecânica, uma serralharia, uma olaria, dois veículos unimog, um
trator para a agricultura, uma draga, uma turbina (desmontada), uma
farmácia bem sortida, uma pequena padaria, um arranjo com doze máquinas
de costura (onde as mulheres e moças índias aprendem ‘corte e costura’
simples), uma granjinha para criação de galinhas, peru, patos e porcos, hortas
para verduras, luz elétrica, água encanada (com bica [sic]publica para a
população da aldeia), uma descascadeira de arroz, uma desnatadeira (para
fabricação de manteiga), um pequeno frigorífico (FRIKEL, 1970, p.17).

As transformações ocorridas naquela região serviram para atrair os indígenas que


viviam isolados no território. Entretanto, aqueles que já tinham sido contactados e residiam
na missão, tiveram o intento de chamar os demais apresetando os benefícios que teriam se
porventura morassem com os religiosos. Importa destacar que o território tradicional dos
Tiriyó foi separado por dois países, Brasil e Suriname, mas que eles possuem livre trânsito de
circulação na fronteira. Enquanto se estabelecia a Missão Tiriyó no Brasil, surgiu no mesmo
período no Suriname a missão evangélica “The American West Indies Mission”, que reunira
boa parte dos índios “residentes no território brasileiro”, passando a disputar o controle dos
indígenas com a Missão Tiriyó (REVIÈRE, s.d). O que ocorreu entre os Tiriyó não foi apenas a
uma mudança física do seu sistema, mas resultou também na crescente dependência aos
objetos levados pelos missionários. Essa dependência se deu com o ingresso de alimentos
importados, machados, facões, pilhas para os rádios e principalmente armas de fogo.
Paulatinamente os indígenas se viram dependentes desses produtos. Os frades não davam

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nada de graça, pois não achavam que seria educativo se assim o fizessem. Os índios
trabalhavam nos diversos serviços que a missão oferecia, compravam comida e utensílios no
barracão da missão. Essa inserção de produtos industrializados no meio indígena gerou
como afirmou Gallois (2000), uma dominação por parte dos agentes de contato, afetando
diretamente a organização interna e suas relações políticas de sociedade.

Buscando manter a missão autossuficiente, os missionários introduziram o cultivo de


novas culturas por meio de um investimento mecanizado, aumentando a produção com o
uso de tratores, subsolador, arado e fertilizante natural. Para o estudo e correção do solo a
missão contou com os serviços de um engenheiro agrônomo, que ao final produziu dois
relatórios, sendo um em português e outro em alemão. O investimento agrícola fez-se
necessário devido à escassez de peixe e animais na região, impossibilitando o uso do sistema
tradicional de sobrevivência, fazendo os indígenas percorrerem grandes distâncias para
conseguir alimentos segundo suas práticas (ELFES, 1970). O desenvolvimento do setor
agrícola e pecuário asseguraria a sobrevivência do grupo, ao mesmo tempo em que
empregaria a mão-de-obra indígena garantindo desse modo o processo de socialização
pensado pelos militares e religiosos.

A relação de poder na Missão


A missão religiosa provocou inúmeras mudanças no modo de vida indígena. Essas
mudanças ocorreram no caráter ideológico e nas expressões socioculturais, exigindo dos
indígenas a ressignificação da existência no novo ambiente. A formação das missões, de
certo modo, colocou em questão “As histórias dos antigos, mitos e lendas” (FRIKEL, 1971, p.
79), distanciando as novas gerações daqueles que as vivenciaram.
Tradicionalmente cada aldeia era dirigida por um Patá-entu, líder fundador de uma
aldeia, e por um grupo de idosos que se reuniam à noite em torno da fogueira a fim de
distribuir os serviços para o dia seguinte. Esse grupo era intitulado ‘conselho dos homens ou
dos velhos’. Com a existência da missão, esses idosos inclusive o Patá-entu, paulatinamente
foram perdendo a influência sobre o grupo, por não dominar os segredos dessa nova
sociedade e por se manterem céticos ao novo projeto que se apresentava. Vale lembrar que

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os agentes não romperam com o Patá-entu, pois estrategicamente essa relação era
importante. O religioso e pesquisador Protásio Frikel, que acompanhou o processo de
transformação dos Tiriyó no Brasil, identificou que a dinamização da vida social competia ao
grupo dos homens e que

Ali falava-se, entre outras coisas, [sic]sôbre as necessidades da aldeia, os trabalhos


a serem feitos, sobre assuntos familiares, casamentos, viagens, etc. O chefe da
aldeia, então fazia a distribuição dos trabalhos para o próximo dia, determinando,
p. ex., quem deveria ir caçar e pescar, ajudar a cortar madeira para a nova casa e
outros assuntos pendentes (Idem p. 90).

Com a existência da missão a organização social manteve-se ligada aos horários de


culto, onde o grupo de rapazes, chamados por Frikel como pregadores e catequistas,
distribuíam as funções para o dia seguinte. Distribuição que não mais acontecia em torno do
fogo, mas no momento comum de oração. A transferência de poder gerou uma
desobediência dos jovens aos mais velhos, diminuindo a importância desses na sociedade.
No aspecto religioso, os jovens recebiam instruções dos missionários e eram supervisionados
por esses quanto à fidelidade na transmissão da doutrina. Esses jovens eram essenciais na
socialização das novas ideias, devido à facilidade de aprendizagem e por melhor reproduzi-
las entre os seus pares. Para o supracitado pesquisador, tornou-se comum as tensões entre
jovens e idosos, devido à ocupação das funções destinadas aos anciãos. Os idosos quase não
eram mais consultados e a falta de respeito tornou-se constante.
A década de 1970 foi marcada por diversas mudanças no caráter estrutural da
Missão. Todavia, a insatisfação indígena coabitava naquele contexto de transformações,
resistindo às imposições socioculturais decorrentes do projeto de Missão. Naquele ano o
crescimento populacional chegou a 222 indígenas, residentes na Missão. O aumento foi
registrado num gráfico elaborado por Frikel (1971), sendo 49 pessoas em 1959, 188 pessoas
em 1968 e 222 pessoas em 1970.
Para o pesquisador Ricardo (1983), no seu trabalho “Povos indígenas no Brasil”, “Os
problemas ligados à subsistência e especialmente à insuficiência de alimentação estão

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ligados ao sistema de trabalho, como fixação dos Tiriyó num mesmo local, habitando há mais
de 20 anos e, portanto, ecologicamente esgotado” (Idem, p.205). Esse aspecto foi
identificado pelo engenheiro agrônomo no seu relatório em 1973. A situação de Missão,
como fora pensado, gerou escassez de alimento e uma dependência de produtos
importados pelos indígenas. O engenheiro escreveu que devido à carência alimentar
“aparecem sinais de dissolução da Missão com a emigração temporária de parte da
população e a criação de novas aldeias, algumas das quais já ficam bem distantes da aldeia
Tiriós”. (ELFES, 1973, p. 7)
Para o antropólogo Ricardo,

No começo dos anos 70, ocorreu uma incipiente descentralização, causada pela
insatisfação da maior parte dos Tiriyó e Kaxuyana, e por problemas de alimentação.
Frikel explica que não sabe de quem, se dos missionários ou dos índios, surgiu a
idéia de uma descentralização. Mesmo assim, parece que quem tomou a iniciativa
foi o chefe Yonaré. Depois dele, outros chefes de família saíram da missão, fazendo
roças e construindo casas a certa distância da sede (de 4 a 18 km). Surgiram assim
as aldeias de Awiri, Acahé, Wakapu,
Paimeru e outras. (RICARDO, 1983, p. 193)

A formação dessas novas aldeias era importante devido à ocupação territorial do


Parque Indígena do Tumucumaque, instituído em 1968. Entretanto, a assistência
educacional e sanitária, garantida na Missão, não se estendia a todas as novas aldeias, sendo
necessário um deslocamento dos indígenas para a Missão em busca de assistência médica,
escolar e por oportunidade de trabalho. Os Tiriyó emigrados solicitavam a assistência da
Fundação Nacional do Índio, FUNAI, por meio de um posto fixo nas aldeias e a construção de
uma pista de pouso para manter viável o acesso à mesma.
A insatisfação indígena também se manifestou devido o não reconhecimento da
liderança tradicional pelos missionários. Segundo o jornal A Província do Pará, em 1968, o
descontentamento com o projeto chegava aproximadamente a 20%. Dois anos depois esse
número representava a maioria, afirma Ricardo(1983). A descrença de alguns idosos ao
projeto dos missionários fez os agentes apoiar os jovens, melhores adaptados ao projeto. A

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conquista da grande maioria ocorreu por meio do investimento ocorrido na região,


catequisando as crianças e os jovens. Os “antigos valores” deram lugar à mensagem e ideia
do ‘dominador’. A esse respeito Ricardo escreveu

O que ocorreu, na realidade, é uma falta de apoio por parte dos missionários, ao
chefe tradicional, por uma série de razões, entre as quais o fato de que este vive
numa família poligâmica e que também sempre se mostrou distante e cético em
relação às novas normas religiosas estabelecidas na Missão. Atualmente, existe
uma certa tensão no que diz respeito à liderança, propagada pela dimensão
existente entre a FAB e a missão. Se esta apóia Naxau, diácono e pregador, como
líder do grupo, os funcionários da FAB na área (subordinado ao major Farias) estão
tentando dar apoio ao líder tradicional Yonaré, oferecendo-lhe vários presentes
(ração diária de café e bolachas, por exemplo) e promovendo reuniões na sede da
FAB, dele com homens mais velhos da aldeia. Este apoio visa enfraquecer o
prestígio da missão, com os funcionários da FAB promovendo uma campanha para
que os índios solicitem um posto da FUNAI na área, o que eles mesmos recusaram
em 1980 (RICARDO, 1983, p. 193).

Com a formação estabelecida relativamente próxima, os indígenas mantinham certa


autonomia quanto aos seus valores e práticas. Vale lembrar que a experiência de Missão
marcara profundamente a vida desses indígenas, tornando-os dependentes de produtos
industrializados, como por exemplo, armas e munições, motores para barcos, motosserras,
gasolina, etc.
O relatório enviado ao Capítulo Provincial de 2000, elaborado por Frei Protásio
Stuecker, afirmou que o missionário Frei Paulo Calixto foi um dos idealizadores da
descentralização indígena na década de 1970, defendendo a ideia de reocupação daquele
território tradicional, contrapondo a ideia inicial de centralização. Como seu trabalho na
missão estava relacionado à criação de gado, seria fundamental no ponto estratégico,
expandir os animais junto com os pequenos núcleos a serem formados, mantendo aquela
área do Parque Indígena do Tumucumaque ocupada. A primeira aldeia que surgiu foi
Paimeru, criada por Yunaré. Depois de um tempo, Yunaré retirou-se dessa aldeia e fundou

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Paruaka, distante da missão 19 km. O motivo da sua retirada deve-se ao acesso a água nessa
nova aldeia (STUECKER, 2000).
Naquela década, surgiram diversas aldeias como o caso de Acahé a 16 km, Muneni 7
km, Oroientu 16 km, “Orokofa (8 km da grande aldeia); Oköimo(15 km); Yamaraima (9 km);
Wanamã (35 km); Thaentu(7 km); Tarotofö (6 km); Antawa (6 km); Totapata (3 km); Arawata
(4 km); Missão Velha(2 km); Notüpo (9 km) e Cuxaré (85 km)”. (Idem, p. 6). As aldeias que se
estabeleceram próximas à Missão, mantinham-se ligadas por meio de estradas abertas pelos
agentes missionários em parceria com os índios, podendo locomover-se a pé, de bicicleta, de
moto e de carro. Os indígenas, de certo modo, estavam ligados diretamente com a
programação existente na Missão, quanto ao estudo, trabalho e atendimento médico. As
aldeias mais afastadas, principalmente Cuxaré a 85 km, recorreram à FUNAI exigindo o
direito da criação de uma pista de pouso, devido às dificuldades naturais na região. A via
fluvial tornara-se difícil pela existência de cachoeiras, obrigando os viajantes a cumprir o
trajeto com alguns dias. Outras exigências feitas ao orgão indigenista oficial, aconteceram
com a solicitação para criação de gado, a construção de uma escola e de um posto da FUNAI
naquela aldeia.
A criação das aldeias aconteceu seguindo o curso do rio Paru de Oeste, exceto a
Aldeia Cuxaré criada ao longo do Igarapé Cuxaré, por Frei Paulo e o índio Avery. Frei Paulo
inseriu o gado naquela aldeia, capacitando os indígenas na produção de queijo e manteiga.
Devido a distância dessa aldeia para a Missão, o religioso passava mais tempo entre os
indígenas para melhor lidar com o gado. As outras aldeias eram atendidas pelo missionário
por meio de uma moto.
A formação de novas aldeias significou para os indígenas uma maior liberdade.
Todavia, essa ação não significava um rompimento com os agentes, mas pelo contrário os
índios sabiam que os frutos daquela relação eram bastante proveitosos, possibilitando-lhes a
manutenção e aquisição de novos produtos industrializados, realizando entre ambos trocas
de experiências.

Estratégias políticas no contexto da Missão

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Segundo o pesquisador Ricardo, nas décadas de 1970 e início de 1980, a FUNAI foi
acionada por alguns índios, Achefa e Antônio Tiriyó, ambos apoiados por Yunaré, o Patá-
entu. Esses indígenas recorreram à FUNAI denunciando a “falta de projetos econômicos na
área e das precárias condições de subsistência em que se encontram os índios da missão”
(Idem, p.209). O grupo fazia oposição ao projeto de Missão instalado na região, solicitando a
retirada dos Franciscanos alemães, porém sempre voltando atrás da decisão. Outro meio
encontrado por Antônio foi o jornal, onde denunciava a precária assistência dos religiosos às
novas aldeias e a missão (O Liberal, 1985). Como notamos, para obter solução aos problemas
que enfrentavam, os indígenas usaram dos mesmos artifícios legais que estavam nas mãos
dos não-índios.
Muitas vezes Achefa viajou para sede da FUNAI em Belém na busca de apoio para
aldeia de Pedra da Onça, que fundou em 1977. Nas viagens apresentava o seu artesanato,
buscando livrar-se dos missionários como intermediário, com a finalidade de adquirir
melhores preços. O seu objetivo por meio do apoio externo era conseguir a “abertura de um
campo de pouso na aldeia, a instalação de um posto da FUNAI e um projeto de criação de
gado” (RICARDO, 1983. p. 209).
Em resposta a um documento em 1982, o Delegado Regional da FUNAI escreveu para
Frei Prudêncio Kalinowski, representante da Missão em Belém, sobre as reinvindicações de
Antônio Tiriyó junto ao órgão indigenista para que fosse criado na Missão um projeto de
cantina, coleta de castanha e de garimpo (SANTOS, 1982). Quanto ao garimpo, a ideia de
explorar no Parque não foi aceita. Alguns soldados mantinham esporadicamente
garimpagens na região, influenciando os indígenas a exigir junto ao governo a permissão de
garimparem em suas terras.
Antônio Tiriyó destacou-se por defender os interesses do seu povo em Brasília,
principalmente contra o avanço de garimpeiros na área do Parque Indígena do
Tumucumaque. No caderno sobre os Tiriyó lançado em 1968, do jornal A Província do Pará,
existiam relatos de que aviões estrangeiros sobrevoavam a região, contrabandeando ouro e
fazendo muitos garimpeiros se aventurar nessa procura (CAVALHEIRO, 1968). Numa carta

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endereçada a Frei Angélico, responsável pela Missão na década de 1980, Antônio Tiriyó
denunciava sobre a presença de 50 garimpeiros na área do Parque e solicitava prontamente
o patrulhamento do território pela FAB. Essa informação foi repassada por meio de um
encontro com o líder Apalaí, João Aranha, povo com quem os Tiriyó dividiam o Parque
Indígena do Tumucumaque. João Aranha o informara que os garimpeiros entraram na
reserva pelo Amapá. Antônio Tiriyó pediu a Frei Angélico que avisasse ao Major Brigadeiro e
ao seu povo sobre essa presença. Segundo o seu relato na carta, em Brasília buscara
assessoria do advogado do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), e tentou audiência com
o Presidente da FUNAI, mas não fora atendido (Antônio, 1984).
Como podemos analisar a situação de Missão não tornou os indígenas passivos, antes
pelo contrário, se tornaram sujeitos de sua própria formação, interagindo com o órgão
indigenista oficial e com instituições que pudessem defender a sua causa. Maria R. Celestino
em Os índios na História do Brasil, ressalta a importância dos indígenas conhecerem os
códigos culturais não-índio. Segundo a autora, o domínio sobre lei, língua e política não-
índia, foi crucial para a sobrevivência de diversas etnias ao longo dos séculos, levando em
consideração o interesse econômico sobre as suas terras. O pesquisador Ricardo afirmou
que Antônio Tiriyó após tentar junto à Brasília, não sendo atendido, via como possibilidade a
assistência de missões evangélicas nas novas aldeias, pois pretendia pedir

Apoio a missões evangélicas como a Missão de Antioquia, com sede em São Paulo,
que reúne missionários Batistas, Presbiteriano e da Congregação Samuel de Deus.
Este apoio se concretizaria através de um projeto de assistência que abrangeria as
áreas de saúde e de educação assim como criara condições para a implantação de
criação de gado e extração mineral... (RICARDO, 1983, p. 209).

Essa intervenção na política de socializacão, envolvendo a presença de missionários


protestantes, não vingou. Antônio Tiriyó cogitava a ideia de que os missionários
protestantes, pudessem trabalhar em conjunto com a missão Católica Romana,
concentrando-se nas novas aldeias onde havia ausência de assistência dos religiosos. No

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ponto prático essa parceria seria inviável, devido o exclusivismo de contrato obtido pelos
Franciscanos, impossibilitando outra interferência religiosa.

As formas de tutela sobre os Tiriyó

A forma como se desenvolveu a Missão Tiriyó foi a partir da aglomeração dos


indígenas sob os cuidados da FAB e dos Missionários, não existindo uma interferência direta
do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), ou a partir de 1967, da Fundação Nacional do Índio
(FUNAI). Os agentes atendiam os indígenas no processo de socialização, proporcionando
acesso à educação, cursos profissionalizantes, atendimento sanitário e proteção no Parque
Indígena do Tumucumaque. O Estado era representado nesse universo pela FAB, limitando a
presença da Fundação Nacional do Índio, a FUNAI a meras visitas de inspeção à Missão
(RICARDO, 1983). Segundo o autor, o serviço prestado pelos religiosos dispensava a
necessidade da formação de um posto na Missão, eximindo a FUNAI do seu dever no local.

A assistência fornecida aos tiriyó __ no que diz respeito tanto aos métodos quantos
aos programas e sua aplicação __ está totalmente dirigida pela missão Franciscana.
A FAB, que não tem nas suas atribuições a interferência direta junto aos índios,
limita-se ao apoio logístico. A FUNAI limita-se a inspecionar a área de vez em
quando, omitindo-se na administração e na demarcação do Parque Indígena do

Tumucumaque (Idem, p. 209-210)

A presença da FUNAI ocorreu nesse contexto de descentralização, sendo requisitada


pelos indígenas emigrados para a construção de pistas de pouso, assistência educacional e
sanitária em suas aldeias. As construções reivindicadas pelos indígenas à FUNAI foram feitas
pelos missionários junto aos índios reivindicantes.

O Parque do Tumucumaque

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A região onde vivem os Tiriyó foi transformada em Parque Nacional Indígena do


Tumucumaque, criado por ordem presidencial em 1968, sobre decreto 62.998, que
assegurava proteção àqueles indígenas. O decreto responsabiliza a FUNAI como
administradora do Parque, e torna os grupos indígenas moradores de toda a área ou de
parte dela. O artigo 1° do decreto a torna conhecida

A área reservada do Parque será delimitada: ao Norte, pela fronteira do Suriname,


da nascente do Rio Marapi até o ponto de convergência da fronteira Oeste do
Território do Amapá com o Estado do Pará e Suriname, na serra do Tumucumaque;
a Leste, pela nascente do rio Marapi, na Serra do Tumucumaque, fronteira com o
Suriname, descendo e seu curso até a confluência com o rio Paru do Oeste; ao Sul,
pela linha ideal partindo da confluência retrocitada, na direção Leste-Nordeste, até
atingir a confluência dos rios Citaré e Paru; a Oeste, da confluência dos rios Citaré e
Paru, subindo o leito deste último, até a cachoeira de Macori; desta em linha reta,
na direção Leste-Nordeste, até atingir a cachoeira de Macaé; daí, pela fronteira do
Território do Amapá, subindo o rio Jari, até a fronteira do Suriname; compreendida
ainda na mesma área numa faixa de dez quilômetros, paralela à margem direita do
rio Marapi, à margem esquerda do rio Puru, e à margem esquerda do rio Jari.
(Decreto nª 62.998, de 16 de julho de 1968).

Segundo o Instituto de Pesquisa de Formação e Pesquisa, o IEPÉ, o Parque abriga os


seguintes grupos indígenas, Tiriyó e Kaxuyana, que vivem na parte Oeste, os Wayana e
Apalaí vivem a Leste, os Txikuana também têm a sua localização na região Oeste do Parque.
O processo de demarcação da terra não aconteceu com o decreto de criação do
Parque, inúmeros documentos foram criados explicitando as mobilizações dos indígenas
pela demarcação. Um deles tem a sua existência em função da resposta ao abaixo-assinado
liderado por Antônio Tiriyó, para que ocorresse a demarcação na terra tiriyó no Parque
Indígena do Tumucumaque. Esse documento contém a assinatura de índios de diversas
etnias e tinha como destino a Diretoria de Patrimônio Indígena, o DPI (FALEIPOS, 1984). A
área pensada para o Parque Indígena compreendia toda terra tradicional dos Tiriyó, motivo
pelo qual houve tanto empenho para a demarcação. Ricardo (1983), escreveu que se

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discutia a possibilidade de uma desativação do Parque e uma nova criação de duas reservas
indígenas no lugar. Seria uma reserva para os Tiriyó e a outra Wayana-Aparaí. Com a criação
desse projeto os Tiriyó perderiam boa parte do seu território e ficariam com a área do
entorno da Missão.
Em 1985, o jornal O Liberal publicou a manifestação dos indígenas exigindo da FUNAI
a demarcação daquela área, ameaçada de invasão por algumas mineradoras e grileiros. Em
entrevista concedida à redação do jornal, o Capitão Antônio Tiriyó, assim intitulado, revelou
uma série de documentos que expressava a mobilização daqueles indígenas pela
demarcação de 2,3 milhões de hectares. Nessa matéria, onde se exigia a demarcação do
território Indígena, também denunciaram o trabalho oferecido pelos Franciscanos na Missão
Paru de Oeste. A denúncia referia-se à falta de atendimento nas missões recém-formadas,
principalmente em Acapu, Awiri, Acahé, Cuxaré, Castanheira, Pedra da Onça e Paimeru.
Segundo o indígena, essas aldeias não recebiam assistência médica, escolar e outros
serviços, sendo obrigados a viverem isolados. Quando necessitavam de alguma coisa tinham
que recorrer à FUNAI em Belém (O Liberal, 1985. não paginado). Na sua denúncia, Antônio
exigia um diretor para o Parque, e esse cargo poderia ser ocupado tanto por um indígena,
como por um não indígena. O seu dever seria proteger aquela terra do interesse agrícola e
agropecuário, conservando o interesse de seus habitantes na região.

Considerações finais

A mobilização daqueles indígenas não se limitou a uma disputa interna, muito pelo
contrário, observamos o desenvolvimento de uma política externa, pois afirmavam suas
expressões socioculturais frente ao projeto de ocupação missionária e diante daqueles que
tinham interesses na exploração da terra que habitavam. Contudo, a participação indígena
na missão significou de certo modo uma estratégia de sobrevivência. A relação com os
agentes proporcionou uma ressignificação dos costumes, assim como uma apropriação do
direito na nova sociedade, onde esses indígenas na condição de cidadãos passaram a exigir
do Estado assistência no que toca à saúde, educação, mobilidade, direito a terra e

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autonomia. A plena participação como cidadão na sociedade brasileira, exige o


reconhecimento e respeito pelo Estado de quaisquer práticas ancestrais, garantindo a
liberdade no ensinamento e transmissão dos costumes aos seus herdeiros.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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2010.
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Disponível em: <http://www.camara.gov.br/legin/fed/decret/1960-1969/decreto-62998-16-
julho-1968-404332-publicacaooriginal-1-pe.html >acesso em 20 de jan. 2016.
CAVALHEIRO, Américo. Carabinas tiriós vigiam o Tumucumaque. In: A Província do Pará.
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Complexo Tumucumaque. [S.l.] Istituto de Pesquisa e formação indígena. Disponível em:
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ELFES, Albert. Relatório das atividades do engenheiro agronômo Elbert Elfes na Missão tiriós
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FALEIPOS, Aureo Araújo. Ref. PROC/F/BSB/001336/85- 2° DR- Parque Indígena do
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FRIKEL, Protásio. Dez anos de aculturação Tiriyó: 1960-70. Belém: Publicações Avulsas do
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______. Os Kaxuyana: notas-etnograficas. Belém: Publicações Avulsas do Museu Paraense
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GALLOIS, Dominique Tilkin. De arredio a isolado: perspectiva de autonomia para os povos


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HAAS, Cirilo. Ao senhor Secretário Executivo da Fundação Nacional do Índio 01 de agosto de
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OS LADOS DA CRISTIANIZAÇÃO INDÍGENA: COLONIZADO E COLONIZADOR

CORREIA, Rafael Garcia


ARAÚJO, Aline Praxedes de
Universidade Estadual da Paraíba

O presente artigo tem com desígnio principal falar do processo de cristianização dos
povos indígenas na América do Sul nos séculos XV e XXI. Tendo como alicerce de estudo a
problematização da catequização dos colonizadores e principalmente da resistência dos
povos indígenas, trataremos desse fato categoricamente nas visões: do colonizador e do
colonizado. O colonizador como instrumento da casualidade de ser o responsável pela
descoberta de tal terra sem cultura e civilidade e o colonizado que sem nenhum
entendimento dessa descoberta, resiste até o fim; fim das forças e fim de sua própria vida.

Palavras chaves: catequização, problematização e civilidade.


A terra já habitada pelos povos indígenas a séculos antes da chegada dos europeus,
sofreriam inúmeros efeitos com a colonização europeia. Tendo uma enorme extensão
cultural já existente. Essas ações de “descaracterizar” a cultura dos povos nativos faz com
que esses povos sofram drásticas intervenções de visitantes indesejáveis. Entenderemos
que, aos olhos dos nativos eles estavam sendo “mortos” não só pela vinda de uma
escravidão, mas também pela forçada perca de sua identidade religiosa e cultural. Tendo
uma visão literária dos autores aqui trabalhados Maurilio Barcellos (1996), José Maria Paiva
(1982) e Maria Regina Celestino de Almeida (2010) que nos trarão uma ampla compreensão
de como fora tais intervenções e doutrinações.

Quando foi atingido pelas navegações europeias no fim do século XV, o continente
americano encontrava – se plenamente habitado desde milênios. Constituía um
impressionante mosaico de povos, línguas e culturas, distribuídas por toda sua extensão
geográfica e continental. (BARCELLOS, 1996 [1947], p. 12)

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ISSN:

É importante destacar, que essa vasta diversificação cultural encontrada pelos


navegadores não os fizeram ter um entendimento do valor histórico dessas atividades dos
povos indígenas, que se estendia – se ao longo das terras e margens dos rios, como comércio
e até cultos religiosos. Não podemos esquecer que a relação de alteridade entre os povos de
diferentes culturas é um fator de estranhamento, tendo em vista que os sujeitos tendem a
avaliar e compreender a outra cultura a partir de seu olhar e experiências. Portanto é
compreensível que os colonizadores acreditassem que os povos indígenas não eram
civilizados, não tinham cultura nem história por não adotarem os mesmos meios de religião,
escrita e língua.
A história oficial, escrita e manipulada pelos dominadores, ignorou e negou a condição de
povos civilizados aos habitantes do novo continente. Na visão da historiografia oficial, os
habitantes originários da América nada mais seriam que bárbaros, gentios selvagens
destituídos de qualquer capacidade de inteligência criativa e de realizações espirituais e
materiais. (BARCELLOS, 1996 [1947], p. 18).

Uma civilização já existente, uma terra já habitada, uma cultura exercida em sua
totalidade em plena harmonia entre os seres vivos e os da natureza. Equilíbrio quebrado
com uma nova imposição de doutrinação cultural, religiosa e de civilidade. Tendo em vista
que já havia uma organização social e comunitária nas tribos no Brasil, a título de exemplo,
temos os tupinambás, nas conhecidas como confederações dos tamoios.
Uma imagem construída, projetada e instalada no descobrimento do Novo Mundo.
Imagem essa que Barcellos (1996) nos início da chegada dos desbravadores de terras até
então desconhecidas e não civilizadas. Foi essa dita imagem de escolhidos de Deus, que os
colonizadores tentaram impor suas doutrinas da cristandade aos povos indígenas já
doutrinados em suas raízes religiosas tão existentes e mais antigas que a dos novos
habitantes.
A chegada dos colonizadores, liderados por Colombo, não somente trouxeram seus
modos de vida, suas culturas, suas doutrinas e seus comércios como também trouxeram
suas ganancias, elementos que alteraram o ritmo da vida e resultou na destruição de
inúmeras etnias indígenas no Brasil, assim como alterou o comportamento e obrigou a

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muitos indígenas a se converterem a religião cristã por acreditarem que estavam “salvando”
os índios.
Ao longo da revisão da literatura produzida sobre o assunto, constatamos que os
europeus; em especial, os portugueses; tentaram implementar uma releitura da civilização
europeia no Novo Mundo, afinal, segundo Todorov (2003) a alteridade foi determinante
para o estranhamento e imposição cultural do europeu sobre o autóctone. Todas as
mudanças que foram realizadas através de uma extensão cultural, fortaleceu o império
português, permitindo a abertura de espaços em fronteiras além-mar para que a expansão
do domínio europeu adentrasse em terras tupiniquins, como podemos observar na citação
abaixo:

Séculos se abateriam sobre essas terras e esses povos, como profética catástrofe trazendo a
aniquilação de culturas, civilizações e sociedades inteiramente. De Norte a Sul, todo o
continente seria sacudido pelo frenesi das guerras e massacres, da escravidão, da opressão e
da morte. Sua natureza seria desde então desfigurada, campos e vales transformados em
desertos, rios e regatos iriam converter – se em esgotos e dejetos nocivos à vida.
(BARCELLOS, 1996 [1947], p. 45)

Portando o símbolo da cristandade, os catequizadores com seus crucifixos, começam


a por em prática seus planos cristãos de civilidade religiosa no novo mundo. Após 1500 anos,
uma nova era cristã tende a ser debulhada em uma cultura tão diferente. Agora, não
somente para enriquecimento do reino de Deus, mas também pelo engrandecimento do
reinado europeu.
Os espanhóis e os europeus em geral estavam imbuídos da crença de que lhe cabia à
missa de divulgar o evangelho e a fé cristã a todos os povos do mundo, mesmo que para
tanto fosse necessário o emprego da força, da violência e das armas. Sentiam – se donos e
senhores do mundo, e onde quer que chagassem, fosse à América, Ásia ou na África, agiam
como se fossem os senhores daquelas terras, de seus povos e das suas riquezas.
“As violências perpetradas pelos conquistadores rapidamente transformaram os gentis e
amável anfitriões. Indignados, os indígenas reagiram, demostrando seu ímpeto guerreiro.
Não poucas vezes, ocorreram surpreendentes vitórias dos indígenas frente aos invasores,
defendendo seus territórios, suas vidas e sua autonomia.” (Barcellos, 1996 [1947]. p 48).

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Aos olhos dos jesuítas, a catequização era mais que necessária em sua visão
contemporânea. Entendia que deveriam dar cultura, civilidade a esse novo povo de base
arcaica perdida no tempo vigente. É nessa linha de pensamento que os colonizadores
cristãos, tendem a focar no trabalho de cristianização dos povos indígenas dando
continuidade a obra de Deus em ser pregoado por toda criatura, mesmo que seja de livre
aceitação ou imposição.
“A universalidade deste orbe se viu ameaçada com a descoberta de regiões enormes, brutas,
selvagens, naturais, cujas populações não falavam línguas cristãs, não conheciam a Deus, em
tudo destoando os fiéis. Afrontavam – se a verdade! Era preciso que se dominassem as
forças adversas, sob o julgo do espírito do mal, e se lhes anunciassem a salvação... havia
urgência de anunciar a palavra da salvação, para que, crendo, fossem batizados e
ingressassem no mundo verdadeiro, e não crendo, fossem castigados e escravizados.”
(Paiva, José. p 23, [1982]

Todos os meios de conversão dos povos novos eram válidos para os fins de
crescimento do reino de Deus. O papel do colonizador era de batizar as “almas perdidas” –
partindo do princípio cristão do século XVI –, quaisquer eventualidades que pudessem
ocorrer posteriormente ao fato consumado da participação dos sujeitos enquanto cristãos,
seria uma questão inteiramente individual e não coletiva, ao seja, depois do batismo o
indivíduo responderia por si mesmo, pelos seus atos de se manter ou não no caminho da
salvação.
Um ponto a ser visto é, que os jesuítas colonizadores da fé cristã, não se impunham a
um só novo modo de cultura religiosa, como também estabeleceram uma nova ordem
vigente de doutrinação administrativa, vinda de uma sociedade imperial, a uma sociedade
livre e desprendida de qualquer meio ligado a regras e preceitos preestabelecidos.
A falta de sensibilidade dos colonizadores no processo de doutrinação religiosa
mediante a imposição severa de sua fé a cultura indígena, teve papel fundamental na
dificuldade e na resistência por parte dos indígenas na aceitação da nova religião. O
protagonismo do índio na história do Brasil, a finalidade desta obra é demonstrar o papel do
indígena no desenvolvimento do território hoje denominado Brasil, mostrando o papel
importante que o índio merece receber por também pertencer à história do Brasil.

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De uns tempos para cá, alguns trabalhos foram apesentados ressaltando o


papel do índio na história do Brasil, fazendo com que o mesmo venha ter um papel de
destaque na história. Obras publicadas anteriormente colocavam a imagem do índio, como
sendo uma “raça” inferior, que foi aniquilada por povos vindos de outros continentes e com
o contato com esses povos, suas culturas, suas religiões, pois a história do índio foi
sustentada por muito tempo, como sendo uma população homogênea, portanto,
desconsiderando as especificidades de cada etnia.
A história do índio era colocada como homogênea divido que os antigos
trabalhos apresentados, não se davam importância à história indígena, eram deixados de
lado, dando importância exclusivamente à história do colonizador, no qual se destaca mais,
o português, mais vale salientar que não apenas houve o português, os franceses,
holandeses e italianos. A história sempre colocou os índios como povos que fizeram alianças
com o colonizador e que foram ingênuos perante o mesmo, devido a sua forma de viver e de
trocar suas mercadorias pelas as mercadorias do colonizador. Através das novas obras
que estão sendo publicada, essa imagem do índio inferior fraco está sendo desmistificadas,
por conter nessas novas obras embasamentos que mostram o índio como protagonista com
o colonizador dada as proporções. Nessas novas obras o índio é tratado como partícipe na
história do Brasil, que combateu ao lado do colonizador, assim também como quem lutou
contra ele.
Especialmente após a década de 1980 com a virada na historiografia no Brasil, novas
abordagens metodológicas adentram o espaço da produção acadêmica de maneira que
inúmeras possibilidades de fontes e correntes teóricas passam a integrar o corpus de
produção dos historiadores. Assim como observamos que novo sujeitos – por muito tempo
marginalizados – passam a integrar as pesquisas, com a título de exemplo, os índios, os afro-
brasileiros, as mulheres e as zonas territorialmente marginalizadas na nação, como o norte e
o nordeste. Todavia, consideramos que a atuação do Movimento Indigenista e o Movimento
Negro na América Latina foram determinantes para que tais discussões adentrassem o
âmbito acadêmico, o militante e o político, quando algumas medidas assistencialistas são

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implementadas pelo governo federal enquanto mecanismos de reparação histórica para as


dadas comunidades, isto no caso brasileiro, em especial.
Consequentemente, após o destaque para tais questões os estereótipos sobre os
índios são desmistificados, pois cada dia sua participação é salientada de maneira que seja
demonstrado como eles também fazem parte de nossa contemporaneidade, assim como
podem e devem usufruir dos suportes tecnológicos dos não-índios. Vale salientar que a
própria ritualística e comportamentos específicos de cada etnia também compunham os
debates sobre eles, sendo considerado suas diferenças em contraponto da naturalização que
por muitas décadas existiu de que “todo índio seria igual”.
Podemos destacar autores como Maria Regina Celestino de Almeida, e Capistrano
de Abre que dão ênfase ao papel atuante do índio que integra a obra dos autores enquanto
protagonista, mostrando que ele não pode ser colocado de lado, na história do Brasil.
A obra de Maria Regina Celestino de Almeida intitulada Os índios na História do
Brasil vemos que a história indígena não pode ser posta de lado perante o desenvolvimento
da história do Brasil visto que, a cada momento os índios estavam presentes no
desenvolvimento da mesma. Seu povo não era homogêneo, sim múltiplo, existiam várias
etnias, com culturas múltiplas, cada tribo tinha sua particularidade, portanto o índio não
pode ser colocado como um povo que era homogêneo e sim, múltiplo.
O índio na historiografia brasileira antes da década de 1980 era posto como
subordinado ao serviço do colonizador, que tinha como objetivo trabalhar exaustivamente
para ele, assim como ajudante nas batalhas contra seus inimigos em defesa do território
nacional, mas nunca como protagonista que lutava para se manter na terra a qual por direito
era sua.
Na visão de muitos historiadores os índios desapareceriam da história do Brasil, no
momento que os eles se misturavam com os colonizadores, fazendo assim com que eles
perdessem sua cultura, fazendo assim com que sua cultura se perdesse com o tempo.

por longo tempo, no pensamento antropológico, os índios integrados à colonização


tornavam-se indivíduos aculturados e passivos que, juntos com a guerra, perdiam culturas,
identidades étnicas e todas as possibilidades de resistência (ALMEIDA, 2010, p. 14).

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Esses pensamentos que faziam com que a imagem do índio fosse inferior ao do
colonizador foi utilizada por muito tempo, mas como já foram colocados acima, as obras que
trazem o índio ao lugar de destaque, nos mostra que no século XVI ao XIX o mesmo batalhou
para manter sua cultura, sua religião.
Até certo ponto se pensou que pelo motivo da catequização através do colonizador,
o índio perderia sua cultura e começava a pertencer à cultura do colonizador, mais os novos
estudos estão mostrando que houve inúmeras resistências dos povos indígenas, pois cabe
ressaltar que os povos indígenas não eram um povo homogêneo, mas sim, existiam
inúmeros povos.
A civilidade que cada etnia exercia não era a mesma, existiam etnias que na sua
cultura, faziam acordos através de casamentos entre etnias deferentes para se constituir
uma aliança entre ambas, e com os colonizadores para se firmar aliança entre as duas
partes. Essa aliança visada entre as duas partes era para combater os seus inimigos, tanto o
colonizador, quanto o índio faziam essas alianças para se beneficiarem contra seus inimigos.
Entretanto, algumas modificações são realizadas quando da fundação do IHGB, como
veremos na citação abaixo:
O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), fundado em 1838 com a intenção de
criar uma história do Brasil que unificasse a população do novo estado em torno de uma
memória histórica comum e heroica, iria reservar aos índios um lugar muito especial: o
passado. Nesta história, os índios apareciam na hora do confronto, como inimigos a serem
combatidos ou como heróis que auxiliavam os portugueses. (ALMEIDA, 2010, p. 17).

Nota-se que mesmo que lembrados pelo IHGB, os índios foram colocados em
segundo plano, sendo os portugueses como atores principais, esquecendo-se de mencionar
as resistências que os índios exerceram contra os colonizadores naquele instante e com o
passar dos anos. As lutas travadas pelos índios desde os tempos primórdios do território,
hoje conhecido como Brasil, não tiveram fim, em pleno século XX e XXI é visto a luta de um
povo que busca o reconhecimento por uma terra a qual sempre batalharam para exercer o
poder pela as mesmas.
Mesmo através dos conflitos, catequizações exercidas pelos colonizadores desde a
sua chegada, os índios resistiram e resistem até nossos tempos. Para um povo que iria

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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desaparecer como alguns estudiosos diziam, pôr o índio passar pelo processo de aculturação
iria desaparecer, vemos através de obras como a da Maria Regina Celestino de Almeida, com
o título: Os Índios na História do Brasil, que os mesmos não desapareceram, mas sim, estão
ganhando destaque na história do Brasil.

Índia wapixana, Joênia foi a primeira indígena a defender uma causa no Supremo Tribunal
Federal. Acontecimento histórico, nas palavras da própria Joênia, que nos convida a refletir
sobre a história dos índios em nosso país. Sem entrar no mérito da questão, cabe assinalar a
atuação de Joênia que, formada em direito, atuou como defensora de seu próprio grupo.
Participou do ritual do julgamento com a toga que a função exige e com o rosto pintado
conforme as tradições de seu povo. Com coragem e determinação, defendeu os direitos dos
índios, que acabaram ganhando a causa.(ALMEIDA, 2010, p. 17).

Mesmo havendo a aculturação, não houve o desaparecimento da cultura de origem.


Podemos perceber que com o passar dos tempos se pensou que o índio desapareceria
através do processo de aculturação implantado pelo colonizador, com a catequização, com o
uso da força, mesmo assim, o índio ainda permanece fazendo parte da história como hoje
não está mais sendo colocado como segundo plano, como o índio inimigo, mais sim, hoje
está ganhando destaque através das novas obras que estão quebrando os antigos mitos
inventados para a imagem dele.
Por fim, vimos, que as dificuldades e adversidades dos povos indígenas nessa nova
“visão” de entendimento do não entendido antes, tende a criar uma nova concepção de
civilidade e religiosidade de povos não cristianizados. Compreendemos que, a falta de uma
catequização verdadeira, voltada aos preceitos doutrinários da religiosidade católica fez com
que tanto os povos nativos como os colonizadores cristãos tivessem uma enorme dificuldade
de aceitação do novo, um novo de ambas as partes. Partes essas que no percurso de ensino
religioso, tiveram percas e perdas mais que significativas ações irreversíveis até hoje.

ALINE PRAXEDES DE ARAÚJO

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: A questão do outro. Tradução de Beatriz


Perrone-Moisés. Martins Fontes: São Paulo, 2003.
PAIVA, Jose Maria de. Colonização e catequese. 1549-1600. São Paulo: Autores Associados.
1982.
ALMEIDA, Maria Celestino de. Os Índios na História do Brasil. 2010.
BARCELLOS, Maurílio P. 1947-1996. América Indígena: 500 anos de Resistencia e
Conquistas. São Paulo, 1999.

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ISSN:

O CORTE DO ARAME E O CIMI.

MACHADO, Glauco Fernandes


Universidade Federal da Paraíba; Cesrei
glauco.imagem@gmail.com

Introdução

O trabalho que se apresenta traz a finalidade de expor considerações a respeito da


atuação do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) e a produtora de filmes alemã Aradt Film
Bumbold KD junto ao povo indígena Kapinawá. Para isto, é selecionado o filme KAPINAWA –
wir dürfen wieder Indianer sein, como recorte temporal e material de análise para esse
artigo. Esse exame tem como eixo temático a área da etnologia indígena, mais precisamente
abordando questões das missões religiosas e o Movimento Indígena e indigenista no
Nordeste brasileiro.
O filme estava em película de 16 mm produzido e com locução alemã, cujo conteúdo
abrange filmagens do início dos anos 80 — conforme os Kapinawá entrevistados — com
atuações dos próprios indígenas, representando o embate com os fazendeiros pelas terras
indígenas, e sobre a mobilização e organização do grupo para reinvidicarem seus direitos de
usufruto da terra, com a participação e apoio de missionário ligado à igreja católica, Fábio
Santos. Entretanto, a comunidade estudada não adquiriu essa produção, e muitos não
tiveram acesso, conforme conversa com a interlocutora D. Mocinha (Aldeia Mina Grande) e
com o ainda pajé Seu Arlindo (Aldeia Mina Grande).
Uma vez autorizados pelas lideranças da comunidade, a pesquisa aponta para uma
discussão sobre aspectos da produção de imagens para o audiovisual, enquanto
representação do grupo indígena videografado. De tal modo, o conteúdo da imagem
estimula os mecanismos identitários que são acionados para mobilização política e de
autorreconhecimento. A propósito, as maneiras como as comunidades estão sendo
representadas e o tipo de entendimento que se estabelece constituem uma questão ética e
moral discutida nas ciências humanas.

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Para isso, é importante estabelecer exames a respeito do filme que tenta representar
o dizer de um “Outro”. Desse modo, esta pesquisa tem o interesse de pensar de forma
reflexiva como os indígenas Kapinawá de Pernambuco compreendem a relação que se
estabeleceu entre eles e sua representação na imagem, através de análises fílmicas
produzidas sobre este grupo indígena.
Visto isso, como questão ética debruçada na pesquisa social, o recorte realizado nos
filmes produzidos por terceiros deve permitir espaço a uma autoria, também, do grupo
observado e participado. Isto é, essa inter-relação, narrativa etnográfica e linguagem fílmica,
deve ter como objetivo proporcionar um encontro entre as percepções e as memórias dos
sujeitos em seu contexto.
A respeito disto, Eriksen e Nielsen (2007, p. 193) explanam que: “‘Nativos’ são
perfeitamente capazes de identificar a si mesmos e se mostrar cada vez mais avessos a
tentativas antropológicas que se propõem a ditar quem eles realmente ‘são’”.
Por outro lado, os Kapinawá tendo a oportunidade de examinar os filmes,
estabelece-se um encontro do sujeito com uma história rememorada, sendo atribuídos
elementos de identificação por parte desses donos de seu saber.
Portanto, é importante recordar que está se pesquisando não necessariamente os
Kapinawá, mas com os Kapinawá. Além disso, delimita-se para esta pesquisa uma reflexão
sobre os audiovisuais, deixando em segundo plano os dizeres dos produtores das
filmografias e videografias. Pois não se pretende descobrir uma “verdade” sobre os fatos,
mas abrir, na problematização com as imagens que foram produzidas sobre eles, um espaço
de discussão entre os indígenas. Propondo, para este texto, seleção dos dados etnográficos
para análise junto ao grupo pernambucano Kapinawá sobre a atuação do Cimi na arena
desses indígenas.
Esses exames com os indígenas tiveram como partida a pesquisa do autor desse
artigo, Machado (2009), no programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade
Federal de Pernambuco, sob a orientação do professor Doutor Renato Monteiro Athias, que
proporcionou parte das reflexões contidas nesse artigo. Além disto, fui provocado pelo
professor da UFPB Doutor Fabio Mura a pesquisar mais sobre a atuação das missões

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religiosas no campo indígena, indicando as pesquisas da Professora Doutora Kelly Oliveira


(OLIVEIRA, 2013) a respeito dos Movimentos Indígenas e Indigenistas.
A escolha do filme para análise, KAPINAWA – wir dürfen wieder Indianer sein surgiu a
partir das conversas com a D. Mocinha (Agente de saúde, Aldeia Mina Grande) que sabia da
existência de filmografias produzidas por estrangeiros do Brasil. A partir dessa informação,
tentei localizar tais imagens. E, entre outras pistas da localização dessas imagens, o
professor Dr. Edson Hely Silva, da UFPE, informou da existência de um rolo de película
fílmica que contém imagens dos Kapinawá e se encontrava nas instalações onde funciona o
Cimi no Recife. De tal modo, O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) de Pernambuco,
representado por Carol, ex-coordenadora do Cimi/PE, contribuiu disponibilizando o filme
KAPINAWA – wir dürfen wieder Indianer sein para o exame.
A produtora e editora Massangana Multimídia gentilmente passou a informação da
película fílmica para fita de miniDV. A partir disso, dublamos para português e gravamos em
vários DVDs para apresentação e distribuição com a comunidade indígena.
O filme a ser analisado aborda, como vamos ver, o embate dos indígenas com os
fazendeiros e posseiros da região e a atuação de Fabião Santos do Cimi (os Kapinawá o
chamam de Fábio, o missionário). Reapresenta um momento bastante representativo e
histórico para os Kapinawá, a disputa e a organização contra os ditos atuais proprietários da
terra, cuja denominação do evento é dada por eles como o “Corte de Arame”. Essa
passagem histórica acontece quando são arrancadas as cercas (com estacas de madeira e
arames farpados) dos fazendeiros que delimitavam as terras como propriedades privadas.

Desenvolvimento

O Movimento Indígena visa políticas indigenistas para a formação de um projeto


amplo de transformação social, sobretudo, para as melhorias na qualidade de vida nas
aldeias. Assim, na relação entre os indígenas e o Governo, se destaca o Conselho Indigenista
Missionário, que recebe incentivos financeiros internacionais, mobilizando missionários para
um cenário de povos se juntando para reivindicação por terras e direitos.

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Atuante em vários movimentos sociais, por volta dos anos 70, o Conselho Indigenista
Missionário foi bastante influenciado pela Teologia da Libertação (OLIVEIRA, 2013), oriundo
do movimento progressista da Igreja Católica Romana no Nordeste brasileiro e com novas
diretrizes . Teve como um dos objetivos estimular as organizações dos primeiros brasileiros
em direção a formação do Movimento Indígena.
Cabe ressaltar também que o “Movimento Indígena é apontado como desenvolvido
durante a década de 1970, ainda sob uma conjuntura de um Governo Militar” (OLIVEIRA, p.
63, 2013). É importante destacar que ainda hoje existem estratégias de outros grupos
(Estatais, religiosos e os com interesses econômicos) para desarticular a mobilização dos
povos.
O trabalho de base do Cimi é formar uma teia política, com formações de lideranças
indígenas e representações em Brasília, sede do Governo. Facilita também o intercâmbio
entre os povos e outras organizações (OLIVEIRA, 2014). Objetivando que os povos
reivindiquem direitos, principalmente o de demarcação de terra. Nessa conjuntura é situada
também parte da história da comunidade indígena Kapinawá. Cuja terra está localizada
entre os municípios de Buíque, Tupanatinga e Ibimirim, interior do Estado de Pernambuco.
A aldeia principal é onde está o posto indígena da Fundação Nacional do Índio (Funai)
e se chama Aldeia Mina Grande, a qual Albuquerque (2005) afirma que é a aldeia onde os
Kapinawá se identificam como “rama nova”, categoria nativa que significa serem
descendentes de indígenas que foram aldeados na Serra do Macaco, no século XVIII, e
formaram a Aldeia Macacos.
O filme em questão, KAPINAWA – wir dürfen wieder Indianer sein, foi finalizado no
ano de 1989 e, de acordo com os Kapinawá entrevistados, possui imagens do início dos anos
1980, sendo seu conteúdo basicamente formado por narrativas visuais e orais relatando a
resistência dos indígenas Kapinawá nas terras em que viviam.
A equipe técnica para a produção do filme foi composta por: Paco Joan, câmera;
Herry Ried, som; Rose Marie Hörl, montagem; Fábio Alves dos Santos, seminarista do Cimi e
conselheiro; Marietta Peitz, roteiro e direção; Carl Bringer e Anton Fellner, editores; HR /
ORF, co-produção; e Adveniat, cooperação.

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O filme possui 29 minutos e 50 segundos de duração, e foi transferido do formato


original de 16 mm de película fílmica para uma fita de mini-DV. A película combina imagens,
narrativas das personagens e uma narração em alemão que traduz o dizer de português para
a língua germânica, além de proferir sobre os acontecimentos, ela aborda o momento em
que os indígenas Kapinawá de Pernambuco se organizam para ter ciência dos direitos que
poderiam reivindicar.
O filme tem o modo de fazer filme como documentário e foi didaticamente
construído para aqueles que querem conhecer o momento histórico em que os Kapinawá
passam a ter o seu próprio reconhecimento enquanto indígenas sujeitos a direitos e,
principalmente, à posse de terra.
Conforme Nichols (2005, p. 28),
os documentários também significam ou representam os interesses de outros. [...] Os
documentaristas muitas vezes assumem o papel de representantes do público. Eles
falam em favor dos interesses de outros, tanto dos sujeitos tema de seus filmes
quanto da instituição ou agência que patrocina sua atividade cinematográfica.

Desse modo, observa-se inserido, nos arquivos filmografados, o importante papel


articulado e articulador do Cimi junto aos indígenas não reconhecidos como detentores do
direito de usofruto das terras apropriadas pelos fazendeiros. O filme também apresenta os
elementos que os Kapinawá atribuem como significante de uma identidade indígena.
Kapinawa – wir dürfen wieder Indianer sein inicia-se com os indígenas cantando e
dançando para, posteriormente, exibir o título com tipografia de fácil assimilação e cor
branca. A construção de como foram filmadas as cenas e de quais seriam as pessoas
envolvidas e enquadradas pela câmera de gravação foi realizada por uma relação de parceria
entre o pesquisador e os pesquisados desta pesquisa.
As primeiras reações para com o vídeo foram, inicialmente, o reconhecimento de
quem estava na filmografia editada. Em seguida, os Kapinawá ficaram surpresos quanto à
idade das pessoas, pela aparência nas imagens, e pela exibição de sujeitos já falecidos ou
que não se encontravam mais na terra indígena Kapinawá.
A partir daí, surgiram várias indagações por parte dos expectadores sobre a
identificação de elementos de cena, que foram elucidadas depois de um diálogo entre as

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pessoas que assistiam ao filme a respeito de acontecimentos, do modo de vida, de


identificação de pessoas e lugares etc.
D. Socorro Jucá (liderança da Aldeia Malhador), como outras pessoas, afirma que não
sabia da existência do filme. Entretanto, a Professora Roseane (Aldeia Ponta da Várzea)
acredita que viu um filme escrito em alemão na Secretaria de Educação, há três anos.
O foco e o enquadramento também induzem à progressão das conversas sobre o que
foi filmado. Na Cena 2, foi identificado que os tiros faziam parte de uma simulação para a
realização do filme. A exemplo, D. Socorro (liderança da Aldeia Malhador) e Seu Audálio
(esposo de D. Socorro, Aldeia Malhador) perceberam, pela narrativa da imagem, que os
indivíduos armados com revólver (os que representam os pistoleiros) estão vestidos com
roupas mais bem arranjadas do que aqueles representando os agricultores Kapinawá. O
chapéu de couro foi utilizado para caracterizar os mandados pelos fazendeiros, enquanto os
camponeses usam chapéu de palha.
Nessa cena, os próprios Kapinawá atuam como pistoleiros a mando de proprietários
de terra (ou dos grileiros, como os entrevistados desta pesquisa contam) e tentam expulsar
os atualmente reconhecidos como indígenas de seu território. Essa simulação da luta teve
atuação dos Kapinawá: uns representando o grupo indígena com foices — instrumento de
trabalho camponês —, e outros atuando como pistoleiros armados. Mas é importante
destacar que esse embate é uma representação do que aconteceu, de acordo com os relatos
coletados em campo.
Sobre a sequência de cenas em análise, Seu Silvestre (Aldeia Mina Grande) confirma
que são os tiros na Samambaia, um local próximo à Aldeia Mina Grande. A respeito disso, D.
Candinha (Aldeia Mina Grande) comenta: “Houve tiro, muito. [...] Teve uns grileiros rodando
nas terras. A partir daí as imagens atraíram outras lembranças”.
Para Seu Arlindo, um outro morador daquela localidade, a cena é ―imitação dos
indígenas correndo atrás dos outros‖. Seu Edílson (apelidado como Delegado, Aldeia Mina
Grande), que já estava assistindo pela segunda vez, diz que é a verdadeira luta. Mas Seu
Arlindo afirma que não e completa: “é no tempo de Fábio. Fábio fez imitação. [...] Aí, não
[vejo] nenhum grilheiro”. Como conclusão do próprio Arlindo, destaca-se a seguinte fala

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sobre a montagem e a encenação no filme: “Esse trabalho tem que mostrar como se fosse os
tiroteio”.
É interessante perceber como os personagens representados como pistoleiros estão
muito próximos dos que atuaram como agricultores, e os tiros não atingem as pessoas. Os
agricultores correm com foices para a esquerda ao escutarem os disparos das armas, junto
com os pistoleiros, mas a cena tem o intuito de representar o confronto.
Nota-se, nessa cena, que a formação do personagem por cada representante da
atuação ficcional não ocorreu de forma elaborada, mas, ao assistirem, os Kapinawá
entendem como cena importante que aconteceu no passado, no local denominado de
Samambaia.
A propósito, a câmera em movimento tem como função enquadrar o deslocamento
dos atores. Aqui, a equipe técnica provavelmente utilizou maquinaria para estabilização de
imagem — o tripé, como foi dito por D. Mocinha (Aldeia Mina Grande) — fugindo do modo
de captação do antropólogo Jean Rouch, que utilizava a câmera na mão. Isto é, Rouch, como
Dziga Vertov, empregou a metodologia da câmara ativa. Próximo a essa perspectiva, Robert
Flaherty utilizava o procedimento da “câmera participante” e do método exploratório.
Interessante é a forma como foi filmada a cena seguinte, a qual apresenta uma índia
— que teve várias identificações divergentes de que pessoa seria (como D. Dalva ou D. Dora,
ambas da Aldeia Mina Grande) por parte dos Kapinawá — explicando, debaixo de uma
árvore, com várias crianças e adultos e formando um grande círculo, o acontecimento dos
avanços das ações dos Fazendeiros.
A partir daí, fui levado a pensar que a cena havia sido idealizada pela equipe
cinematográfica; uma posição / organização didaticamente formada. Entretanto, numa
apresentação em encontro acadêmico, me propuseram a pensar que o círculo seria um
mutirão para debulhar e separar os grãos de feijão, tarefa que existe na Região Nordeste, e
quando o grupo aproveitava para discutir sobre a atuação dos fazendeiros.
Porém, os Kapinawá contemporâneos contam que existia esse tipo de encontro,
contudo o significado atribuído por eles a prática de debulhar e separar grãos de feijão
difere daquela sugerida anteriormente. Uma vez que, segundo os entrevistados, este

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momento tinha o objetivo de esperar as demais pessoas pertencentes ao grupo. E,


antecedia, assim, a um momento bastante representativo: o embate contra os proprietários
de terra, cuja denominação é dada por eles de Corte de Arame. Este evento verificado na
localidade é quando são arrancadas as cercas dos fazendeiros que delimitavam as terras
como propriedades privadas.
Sobre isso, a senhora D. Candinha (Aldeia Mina Grande) fala de sua participação:
“Primeiro dia, eu fui nos arames, mas na outra vez, eu num fui, não. Correram atrás do
Tavares, aí num fui, não”. Tavares (Zuza Tavares), como ela chama, é a pessoa que os
Kapinawá mencionam como grileiro que estava cercando as terras e vendendo para os
fazendeiros.
Entretanto, os relatos coletados em campo fazem pensar como é tênue a linha que
poderia separar a noção de ficção da de realidade. É importante perceber que os Kapinawá
observam as imagens como algo que aconteceu, pois não distinguem os fatos que existem
no filme dos fatos contados no presente. Uma vez que essa relação do presente com o
passado está vinculada com a memória social. Conforme MacDougall (1994), esse tipo de
memória, entre outros pontos, é uma concordância compartilhada pelo grupo, dando
sentido a uma versão do passado.
A equipe de produção do filme se preocupou em colocar um narrador para cada fala
de personagem traduzida para a língua alemã, além do narrador / comentarista principal
que possuía um tom de voz forte e grave e complementava as narrativas visuais e orais,
tornando a narrativa do filme mais didático para os alemães.
Contudo, foi verificado nas narrativas que a tradução tanto modificava a construção
das frases elaboradas pelos indígenas quanto acrescentava palavras não proferidas pelos
nativos. Um exemplo foi o que aconteceu com a fala do Elias (Aldeia Mina Grande), ele
afirma que “a igreja”, e, na tradução, tem-se “a Funai”. Essa inserção de conteúdo não
exposto pela pessoa filmada acontece na medida em que ele começa a pronunciar e seu
áudio é diminuído ou eliminado para dar voz à locução alemã dos produtores do filme.
É importante destacar que essa substituição de palavras deu sentido ao contexto do
filme, pois se percebe que o índio Elias quis se referir à Funai, que não dava assistência aos

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Kapinawá. Cabe, aqui, um questionamento: Um filme que pretende representar um grupo


de pessoas, por implicações éticas, deve permitir a inserção de conteúdo não proferido pela
pessoa filmada para, dessa forma, manter o sentido do que foi exposto?
Com essas modificações, é percebido o intuito de produzir uma narrativa direcionada
para os destinatários do filme, que são, principalmente, instituições da Alemanha, tendo em
vista a locução alemã. Conforme Fábio Santos:
Marietta [roteirista e diretora do filme Kapinawa – wir dürfen wieder Indianer sein],
por sua vez, estava vinculada a uma instituição católica chamada Missio. O
documentário estava dentro dos planos da instituição de divulgar o trabalho
missionário da Igreja Católica no mundo, sobretudo na Ásia. Não me lembro por que
chegaram ao Brasil (SANTOS, 2009a).

Então, essa locução foi uma forma concebida pela produção alemã como
conveniente para descrever a história do filme às pessoas que entendem a língua germânica.
Nota-se que o filme também descreve, pela narração/locução, o que os produtores querem
expor sobre os contextos filmografados dos Kapinawá.
Um outro trecho a ser destacado é quando a fala de um índio [identificado como Seu
Mané Fortunato por José Vicente (Aldeia Mina Grande)] é cortada e substituída por uma
tradução que diz: “sem a ajuda da igreja, não teria nada”. Nesse momento, é importante
lembrar que a equipe alemã que produziu o filme contactou o Cimi, que é um órgão da
Igreja Católica, para fazer tal produto audiovisual. Fato este que implica no direcionamento
nas narrativas capturadas. Segundo Fábio Santos, coordenador do Cimi / Nordeste:

[...] Claro que o nome do Cimi era divulgado na Alemanha. Naquele país há duas
instituições de arrecadação de dinheiro para os países do Terceiro Mundo. E o Cimi,
creio eu, ainda hoje recebe ajuda dessas instituições alemãs (SANTOS, 2009b).

Ao longo do filme, se observa a presença do Cimi, que atua junto aos povos indígenas
com a proposta de união para seu fortalecimento enquanto grupo. Porém, esse não era o
único propósito desse órgão não-governamental. Nesse sentido, Corrêa de Oliveira auxilia a
pesquisa a entender como se processava o predomínio do pensamento fundamental do
missionário da época:

Enviado, o missionário o é pela Igreja, em nome de Jesus Cristo, a Quem representa


junto a povos não católicos, com o fim de os trazer para a verdadeira Fé. [...] Ensina a
Igreja que a via normal para o homem se salvar consiste em ser batizado, crer e

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professar a doutrina e a lei de Jesus Cristo. Trazer os homens para Igreja é, pois,
abrir-lhes as portas do Céu. É salvá-los. É este o fim da Missão (CORRÊA DE OLIVEIRA,
1978, p. 22 – 23).

No Kapinawa – wir dürfen wieder Indianer sein, o Cimi é representado por Fábio
Alves dos Santos, que incita os personagens do filme, em várias passagens do filme, a
reivindicarem seus direitos enquanto indígenas. Pode-se perceber isso na seguinte
afirmação de D. Creonice (Aldeia Baixa da Palmeira) durante a exibição para a pesquisa:
“Fábio que levantou a [Aldeia] Mina Grande”. Seu Germano (Aldeia Mina Grande), na sua
casa, confirma esse dizer: “Esse menino aí [Fábio], trabalhou forte aqui. O Missionário”.
Levantar no sentido de estimular os indígenas da Aldeia Mina Grande a conseguirem seus
propósitos com relação à apropriação das terras.
De imediato, muitos, como a Professora Roseane (Aldeia Ponta da Várzea),
confundem a imagem de Fábio com a do antropólogo conhecido por Guga [José Augusto
Laranjeira Sampaio], por causa da barba que tinha na época e pela importância que ele
assumia junto à comunidade Kapinawá, uma vez que ele pesquisou o grupo, tornando-se
uma pessoa querida pelas pessoas daquela localidade.
Outra ocasião a que atribuo uma exploração do apelo visual é a cena do filme na qual
D. Maria está fazendo um percurso a pé equilibrando galhos na cabeça, provavelmente para
afazeres domésticos, como cozinhar, e a câmera a filma sendo impedida de prosseguir o seu
caminho devido a uma cerca que foi erguida, e que representa as ações do grileiro, Zuza
Tavares, para demarcação e posse das terras. Nesse momento, a câmera continua a filmar D.
Maria, que fica parada olhando para essa cerca. Então, é criada uma narrativa de suspense.
Pois, a maneira como foi construída a filmagem transmite uma sensação dramática à cena.

Considerações finais

Ao final destas análises são necessárias algumas considerações em vista de evidenciar


a consistência do trabalho desenvolvido. Foi proposto o levantamento de dados etnográficos
para análise junto ao grupo pernambucano Kapinawá sobre a atuação do Cimi na arena

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desses indígenas. Bem como, estabelece uma reflexão sobre como os indígenas Kapinawá se
percebem representados em suportes audiovisuais.
Verifiquei, no ato de exibir o filme KAPINAWA – wir dürfen wieder Indianer sein para
pessoas indicadas no e pelo grupo Kapinawá, que é possível refletir a partir da crítica
inerente ao espectador sobre como foi captado e montado o conteúdo das imagens que
pretendem representar o dizer e a situação desses indígenas. Ao longo desse trabalho, a
partir das narrativas surgidas dos grupos de indígenas Kapinawá, refleti sobre questões
metodológicas da pesquisa etnográfica intermediada por um produto audiovisual. Para tal,
interessa perceber, por um lado, a forma como a construção da narrativa fílmica foi usada
por pessoas que não faziam parte da comunidade indígena.
Por isto mesmo este trabalho compreende a possibilidade de estabelecer uma
reflexão sobre o processo de elaboração de produtos audiovisuais sobre a comunidade que
vem constituindo constantes reformulações e interações com outros grupos: indígenas e não
índios. Pois sabemos que documentaristas fizeram parte do processo de produção e
apropriação das imagens que incorporam práticas e narrativas desses/as nativos/as na
produção fílmica.
A partir das considerações, ao longo da pesquisa, no que concerne a questão da
autoridade na produção da imagem para representar o dizer dos indígenas Kapinawá,
estabelece-se uma relação entre a escrita etnográfica e o filme etnográfico. Conforme
Marcus (1994), essa escrita e as técnicas de montagem cinematográfica são construídas
como representação em contexto de ficção social. Ele destaca que a escrita etnográfica tem
uma limitada dimensão na construção da sua narrativa e considera que o filme teria mais
naturalidade para representar a alteridade. Estas considerações estão sendo direcionadas ao
emblemático fato histórico “Corte do Arame”, como marco relevante desse povo, foi
reapresentado em um filme de película 16 milímetros: KAPINAWA – wir dürfen wieder
Indianer sein. Como vimos, essa empresa registrou diálogos do representante do Cimi e
reconstituiu cenas com os indígenas a partir das memórias desses nativos, configurando um
ato ficcional, ou de reapresentação, do embate do indígenas contra os pistoleiros.

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Considerando a reação dos Kapinawá frente às produções audiovisuais exibidas, é


possível afirmar que as cenas dos audiovisuais foram expandidas, conforme relatos na
pesquisa, produzindo informações que extrapolam os limites dos próprios audiovisuais. Ou
seja, a provocação gerada a partir da exibição das imagens durante a pesquisa motivou
algumas recordações e referências acerca das narrativas. O conteúdo exibido produziu
relatos que abordaram, além das imagens, redes de parentescos, as relações sociais e
políticas, situações históricas e a identificação das pessoas. O filme foi o mote para eles
abrirem o arsenal de histórias, complementando as narrativas apresentadas pelas imagens.
Assim, a vivência com o grupo proporcionou um maior acesso às informações e o
entendimento delas.

Referências

ALBUQUERQUE, Marcos A. S. O Torécoco – A Construção do Repertório Musical Tradicional


dos Índios Kapinawá da Mina Grande – PE. 2005. 169 f. Dissertação (Mestrado em
Sociologia) Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade Federal de Campina
Grande, Campina Grande, 2005.
CORRÊA DE OLIVEIRA, Plínio. Tribalismo Indígena, ideal comuno-missionário para o Brasil no
século XXI. São Paulo: Editora Vera Cruz Ltda., 1978.
ERIKSEN, Thomas Hylland; NIELSEN, Finn Sivert. História da Antropologia. Petrópolis, Rio de
Janeiro: Vozes, 2007.
MACDOUGALL, David. Films of Memory. In: TAYLOR, Lucien (Org.). Visualizing theory:
Selected essays from V.A.R., 1990 – 1994. Nova Iorque: Routledge, 1994. p. 260 – 270.

MACHADO, Glauco Fernandes. Os significados das imagens fílmicas: um diálogo com os


índios Kapinawá. 2009. 108 f. Dissertação (Mestrado em Antropologia). Programa de Pós-
Graduação em Antropologia, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2009.
MARCUS, George. ―The modernist sensibility in recent ethnographic writing and the
cinematic metaphor of montage‖. In: TAYLOR, Lucien (Org.). Visualizing theory: Selected
essays from V.A.R., 1990–1994. Nova Iorque: Routledge, 1994. p. 37 – 53.
NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. Campinas: Papirus, 2005.

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OLIVEIRA, Kelly Emanuelly de. Diga ao povo que avance! Movimento Indígena no Nordeste.
Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2013.
OLIVEIRA, Kelly Emanuelly de. Guerreiros do Ororubá: o processo de organização política e
elaboração simbólica do povo indígena Xukuru. Recife: ed. Universitária da UFPE, 2014.

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OS DEMÔNIOS INVADEM O NOVO MUNDO: A FÉ CRISTÃ E OS INDÍGENAS


BRASILEIROS DO SÉCULO XVI

GOMES, Alessandra Sislayne Cariri 65

Universidade Estadual da Paraíba

alessandragoomes@gmail.com
MIRANDA, Itacyara Viana–66
Universidade Estadual da Paraíba

itacyarav@oi.com.br

1.Iniciando a conversa: pensar a fé cristã, vivenciar os Demônios

Buscar dentro da história, uma compreensão do imaginário demoníaco do Novo


Mundo (Brasil) e seus povos originários, se apresenta como o motivo pelo qual
estabelecemos a produção desse trabalho. Para tanto, chamamos a atenção para a
perspectiva do contato dos índios e portugueses, na intenção de apreender suas
consequências, sejam elas imediatas ou não.
Assim, quando pensamos na situação atual dos indígenas no país, não conseguimos
desviar o olhar do que acreditamos ter sido o ponto de partida, qual seja: o período da
colonização. O passado continua sendo o elo que estabelecemos com o presente para
anunciar nossos estudos, nesse sentido, foi dos anseios e da realidade das políticas de
demarcação de terras hoje no Brasil, mas também dos debates em torno do processo
evangelizador do indígena nos séculos XVI – XVIII, que nasceram os questionamentos que
balizam a escrita do artigo, em especial da relação do “silenciamento” da história para com a
situação dos grupos indígenas.

65
Aluna de graduação do Departamento de História da Universidade Estadual da Paraíba
66
Professora Substituta do Departamento de História da Universidade Estadual da Paraíba. Doutora em
Educação pela UFPB e Mestre em História, também pela UFPB. Membro do Grupo de Estudos de História da
Educação do Nordeste Oitocentista – GHENO, da Universidade Federal da Paraíba.

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Dito isso, temos na América a construção do Novo Mundo. Falamos em construção,


porque foi um ideal inventado para um local que acabou por abrigar parte da sociedade
europeia, sendo depositado ao território o sentimento de esperanças de uma vida melhor.
Uma terra coberta de novidades, e tencionada entre as ideias que iriam do maravilhoso ao
demoníaco.
Logo no primeiro contato do europeu com os nativos ficou evidente as diferenças
culturais, que vão desde os hábitos cotidianos – formas de vestir, comer, trabalhar -, até na
relação com os seus deuses. A religião católica se mostrou forte e por que não dizer,
esmagadora, uma vez que se fez dominante, subjulgando todas as outras formas de culto e
de fé.
O catolicismo atravessou o atlântico, juntamente com os interesses da Coroa
Portuguesa de encontrar pedras e metais preciosos, além de novas especiarias. Pedro
Álvares Cabral e sua tripulação se lançam nesse projeto náutico, desbravando terras e,
consequentemente, levando a cruzada católica além mar. Suscitamos a hipótese que tenha
existido em Cabral uma necessidade de expandir a fé cristã, ao passo que o catolicismo
estava em uma fase de decadência, devido mesmo ao renascimento cultural e as reformas
religiosas impetradas por Martim Lutero e João Calvino.
A Igreja Católica encontrou no Novo Mundo um espaço para a difusão de seus
dogmas e de aumentar o número de seus fiéis, mesmo que à custa da anulação do “ser”
índio. Nesse sentido, argumentamos que a demonização da América e dos ameríndios, foi
um elemento suscitado pelo catolicismo, em decorrência da forma pelo qual enxergavam
um mundo permeado entre o bem e o mal, entre Deus e os Demônios. A questão então não
é apenas saber que o Novo Mundo foi palco dessas criaturas malignas, mas porque que foi
na figura do índio que elas se manifestaram.
Com um enredo católico da Europa do século XIV, o homem europeu foi instruído
pelo medo e as amarras de preconceito instauradas durante a Idade Média, a exemplo da
bruxaria e a feitiçaria. Tais práticas logo foram associadas aos hábitos dos nativos, índios, no
Brasil. O que nos fez pensar que a mentalidade do Velho Mundo aportou suas âncoras em

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águas brasilis e que após o contato, um tripé se formou - homem branco, igreja católica e
índio – dando o tom para as vivências cristãs na colônia.
2. Terra à vista: os “Demônios” vêm chegando

A chegada dos portugueses em 1500 nas terras brasileiras, como dito anteriormente,
atestava um projeto expansionista de riquezas e da fé católica. A colônia foi um espaço de
fácil adaptação para aqueles que aportaram nas areias brancas do litoral. A verdade foi que
tanto para os índios, quanto para os portugueses, o choque cultural foi bastante expressivo,
cabia saber qual dos dois grupos conseguiria se adequar primeiro. Pelo que nos parece saber
pela historiografia, parte dos colonizadores, embora tivessem incorporado algum elemento
das tradições indígenas, o que acabou acontecendo foi à imposição de sua matriz cultural no
Novo Mundo.
Nesse sentido, embora não tenhamos a intenção de diminuir o protagonismo dos
indígenas em meio ao contato com o europeu, o que estamos tentando elucidar foi que
houve um massacre não só físico provocado por enfermidades desconhecidas, o trabalho
“forçado” ou a arma de fogo, mas também um massacre das bases institucionais das formas
de viver e se relacionar com o outro, uma vez que as comunidades indígenas desconheciam
a propriedade privada e a exploração em favor de dividendos e lucros. Observando isso na
fala de Laura de Mello e Souza quando ela reconstrói a narrativa de indagação do homem
branco com relação aos povos originários e a dificuldade de enquadrar eles no sistema de
trabalhado operante nas colônias:

Na história da província de Santa Cruz, tornaria a indagar acerca da condição


humana dos índios, acrescentando considerações sobre seu descaso para
com o trabalho:“ Vivem todos mui descansados sem terem outro
pensamento senão de comer, beber e matar gente, e por isso engordam
muito...São mui inconstantes e mutáveis...”Difícil, senão impossível, levar
adiante a empresa colonizadora com gente tão desqualificada para o
trabalho sistemático”( SOUZA, 2008. p.81).

O processo evangelizador foi um dos principais contribuintes dessa segunda forma de


massacre que anunciamos acima. Desta maneira, tentar compreender como pensava o

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homem europeu em meados do século XVI, foi fundamental para nos situarmos
historicamente frente o processo de demonização da terra brasileira. Como já dito
anteriormente, a mentalidade do medievo resistia em meio a propagação de uma fé católica
assentada no medo. É preciso deixar claro que o medo em sua totalidade não foi criado pela
Igreja Católica, porém foi uma das suas principais armas de controle dos corpos e das
mentes.

Na Europa no começo da Idade Moderna, o medo camuflado ou manifesto,


está presente em toda parte. Assim é em todas as civilização mal armadas
tecnicamente para responder às múltiplas agressões de um meio
ameaçador. (DELUMEAU, 2009, p. 54).

Como lemos na citação, muitos não conseguiam responder às múltiplas agressões


citada por Delumeau (2009). O homem que se lança ao mar em busca de conquistas
territoriais e riquezas, na verdade era o mesmo homem por ora atemorizado pelo
catolicismo e sua doutrina do bem contra o mal. O mar nesse momento foi um local, no qual
permeavam um imaginário de criaturas sombrias e perigosas, portanto já na travessia do
Atlântico os seres demoníacos encontravam-se presentes entre a tripulação.
As rotas expansionistas do século XV em diante, como identificamos, trouxeram não
só homens em sua bagagem, muito pelo contrário ficaram evidentes que tais sujeitos eram
constructos sociais, portanto tinham em sua formação elementos de uma cultura da fé, se
assim podemos chamar, arraigada em um pensamento religioso que não só salvava, mas
também oprimia em nome de uma ordem e de uma divindade.
Mesmo ocorrendo um enfraquecimento do catolicismo na Europa, como já
mencionado anteriormente nesse texto, o Novo Mundo se viu incorporado a necessidade
portuguesa de não só anunciar a fé cristã, mas de trazer pra si novos adeptos, ou seja, era na
colônia que a Igreja Católica iria se fortalecer. Diferente de outros países que já viviam uma
“abertura” cristã, Portugal ainda permanecia atrelado ao conservadorismo dos dogmas
católicos, o que contribuiu para o tipo de colonização empregado pelos mesmos no além
mar. Corroborando com o pensamento de Laura de Mello e Souza, lemos:

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O Novo Mundo era um inferno era inferno sobre tudo por sua humanidade
diferente, animalesca, demoníaca, e era purgatório, sobretudo pela sua
condição colonial. A ele opunha-se, a Europa: metrópole, lugar da cultura,
terra de cristões. Na Europa, pois, o Céu era mais próximo, mais clara e
inteligível a palavra divina. Na colônia, tudo se esfumaçava e se confundia: “
A letra, que por essas partes me parecia clara, cá se me torna obscura, não
sei se será de andar entre gentes que continuamente se comem uns aos
outros e andarem envolto de sangue humano”, diria o padre Azpilcueta
Navarro, distribuindo assim a verdade da fé e sua negação de um e do outro
lado do sistema colonial. (SOUZA., 2009, p.107).
.

3. O encontro de índios e portugueses

O choque de enfrentamento que se deu entre dois mundos divergentes – índios e


portugueses – durante a chegada destes últimos ao Brasil em 1500 demarca aquilo que
chamamos de um encontro entre elementos míticos e sobrenaturais. Isso porque a imagem
de navios chegando a costa com suas velas hasteadas e carregados de homens brancos,
poderia ser explicada por um fator mitológico, no qual parte dos grupos indígenas que ali
estavam, acreditavam no mito criador da Maíra67. Por outro lado, embora não assentado em
nenhum fator mitológico, os portugueses também se espantam com a figura do nativo de
cor escura, com poucas vestes, com pinturas pelo corpo e ornados com penas na cabeça.
Como forma de demarcar a imagem de conquista e de se posicionar de maneira mais
incisiva quanto à imposição do catolicismo no Novo Mundo, temos logo após o contato, a
realização de uma missa, em 26 de abril de 1500. Tal cerimônia, bem como a chegada dos
europeus em terras Brasilis foi documentado na carta de Pero Vaz de Caminha - que
enxergou no primeiro momento um ambiente amigável entre índios e portugueses, entre
cristãos e pagãos.
Carregado de uma visão ocidentalizada de superioridade, o português passou a
identificar os índios na contramão de um suporte de representação de homem civilizado. A
partir daí toda a construção de uma historiografia indígena nasce, do olhar do europeu, o

67
Conhecido com deus sol Maíra, era o criador, uma das pricipais divindades indigenas do século XVI (Darcy
Ribeiro 2015).

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que nos faz pensar que muito se perdeu em termos de uma história das resistências, da não
passividade e aceitação da condição de povos subjulgados ao homem branco e sua cultura.
A construção dessa imagem do índio pode ser apreendida em dois momentos:
primeiro, a partir da percepção empregada para os indígenas do seu caráter benevolente,
imaturo e ingênuo que nos chega por meio da ideia do “bom selvagem”; segundo,
percebendo que tal denominação - “bom selvagem” - foi sendo desconstruída ao passo que
o traço de ingenuidade foi sendo transposto para o de preguiça, irresponsabilidade e por fim
demonização por parte dos colonizadores. Assim lemos:

Aqueles índios, tão diferentes dos europeus, que os viam e os descreviam,


mas também tão semelhante, seriam eles também membros do gênero
humano, feito do mesmo barro pelas mãos de Deus, à sua imagem e
semelhança? Caíram na impiedade. Teriam salvação? Ficou logo evidente
que eles careciam, mesmo, é de um rigoroso banho lixívia em suas almas
sujas de tanta abominação, como a antropofagia de comer seus inimigos
em banquetes selvagens; a ruindade com que eram manipulados pelo
demônio através dos feiticeiros; a luxúria com que se amavam com a
naturalidade de bichos; a preguiça de sua vida farta e inútil, descuidada de
qualquer produção mercantil.(RIBEIRO, D. 2015, p.45).

A falta de vestes nos indígenas foi primordial para a percepção e definição do bon
sauvage, a ingenuidade de esconder suas “vergonhas” era associada a uma criatura inferior,
imatura sem conhecimento das leis e dos costumes cristãos. O que levou a construção de
um imaginário por parte do europeu, de serem estes seres tomados pelo pecado original e
possuídos por criaturas demoníacas.
Como temos identificado, a passagem do bom homem associada ao índio, cai por
terra à medida que vão sendo conhecidas determinadas práticas, tais como o canibalismo,
comum em determinadas tribos. De maneira semelhante, a visão que se tinha dos
portugueses, partindo de uma percepção indígena era de uma gente suja, feia e
fedorentas68, porém sujeitos de grande generosidade. Essa imagem sofreu mudanças no
decorrer do convívio, seja de uma parte ou de outra, passando o homem branco a se

68 RIBEIRO. D. 2015. p. 34

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enquadrar na categoria, muito provavelmente, de povo perigoso devido a sua prática de


violência.

4. A América e seus Demônios

Sem o deus do homem branco, os índios foram considerados pelos portugueses


como criaturas inferiores por natureza e consequência. Todo o processo da colonização
esteve pautado, no primeiro momento, em bases mercantilistas, mas, sobretudo, católica.
Era dever do colonizador a profusão da catequização. Salvar almas e punir por
comportamentos que tomassem o corpo por meio de regras sociais, nesses termos não só o
Deus cristão e em especial, a Igreja, se regozijava com novos fiéis, mas também impedia que
os Demônios tomassem conta dos corpos dos nativos.
Analisando que os desejos e anseios contrários à ordem social vigente69 é
considerado algo da natureza demoníaca, dentro da concepção de Deus como
representação da benevolência e de tudo aquilo que estava relacionado à paz e a ordem do
mundo, incluía também uma domesticação do próprio ser humano que se distancia do seu
caráter natural. Caráter esse que consequentemente, seria condenado como animalesco e
selvagem, sendo imposto a ele a formatação de um novo ser, o homem civilizado.
Desse modo o Diabo ocupa um lugar tão importante quanto Deus no processo de
colonização, já que a leitura de sua figura, feita pela Igreja foi tão marcante no cotidiano dos
homens de fé cristã. Deus, certamente não existiria sem o Diabo. Ambos caminharam lado a
lado e chegaram impetuosos à América, como representação maior desse binarismo que era
a característica marcante do cristianismo trazido pelos ibéricos.
Contribuindo para que esse recém descoberto continente, tenha toda a carga
imaginativa de um lugar fruto de uma profundeza hedionda, um abismo de trevas, o
verdadeiro e cruel inferno, onde as criaturas demoníacas - indígenas - tinham livre domínio e
exerciam seus pecaminosos atos com total autonomia, a necessidade da apresentação e

69 NERY. A. 2012.p.60

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batismo daqueles seres foi mais uma justificativa pautada na teoria salvacionismo, de
propagar o catolicismo pelo mundo como religião universal.
Cria-se a noção de “mudança” dos Demônios, analisando o Velho Continente como
um lugar homogêneo quando o assunto era cristianização, restava para o Novo Mundo, recém
descoberto, a transição de seres demoníacos que habitavam essas terras com toda liberdade,
em seres de fé e religião. “Pra cá teriam os demônios voado em grande quantidade por
ocasião do advento da cruz, deixando para trás regiões mediterrâneas”. (SOUZA, 2009, p. 30) .
Segundo Laura de Mello e Souza (2009), teriam as civilizações menos desenvolvidas
sido atingidas com maior facilidade pelas forças demoníacas. Tal perspectiva nos levou a
refletir sobre os comportamentos dos nativos, que vivenciavam uma estrutura social
completamente diferente da sociedade europeia do século XV, sendo estes condenados pelo
fato dos portugueses não respeitarem a alteridade. A repressão de comportamentos
naturais como base em um caráter demoníaco não corresponde ao modelo de vida indígena,
portanto não deveria ser aplicado a ele.
Os jesuítas iniciam seus trabalhos de catequização, acreditando no poder
transformador da fé, de pagãos a cristãos. O paganismo foi aceitável pela ausência de
conhecimento, diferente dos hereges que são automaticamente condenados por ter
consciência do cristianismo e não corresponder a essa linha religiosa. A rotina com os
missionários criam uma relação íntima e em alguns casos “respeitosa” - se analisarmos o
jesuítas como protagonista, o homem branco que aqui estava para catequizar encontrava
dificuldade com relação ao exemplo dado pela sua própria gente - os colonos, passaram a
agir com um comportamento que diferia dos padrões europeus. Passaram a ter a ilusão de
liberdade atrelada a promiscuidade, servindo assim, de mau exemplo para os novos cristãos.
Compreendendo a relação dos jesuítas e colonos, povos denominados cristãos,
“benevolentes” e representante das leis de deus na terra , vivenciada em terras americanas,
teve como consequência maior, o genocídio daqueles índios, descrito pelo antropólogo
Darcy Ribeiro(2015) como criaturas que não possuía nenhuma doença sequer, a não ser a
coceira, e que assim, fisicamente nenhum tipo de resistência possuía.

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Seria então o homem branco, o maior Demônio que pisou na América trazendo
consigo incontáveis epidemias e surtos de doenças que dizimaram radicalmente nossos
povos? Seria ele também, representante e responsável pela chegada do Demônio cristão,
que foi usado de forma, talvez, errônea no processo de catequização dos povos indígenas e
de compreensão do novo mundo?
Tais questionamentos não vão ser respondidos aqui nesse artigo, devido mesmo o
espaço recortado para tal escrita. Porém, acreditamos na ideia de que o único Demônio que
aqui pisou não chegou voando, fugido da homogeneização do cristianismo na Europa,
chegou pelo mar, nas caravelas portuguesas, sobrecarregadas de ambições e tomadas por
um projeto de conquistas territoriais e riquezas diversas. Esse Demônio, nada tinha de
fantasioso ou mítico, ele era o homem europeu/português, imerso em seu pensamento da
luta do bem contra o mal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

DELUMEAU, J. História do medo no Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2009

HOLANDA, B. S. Visões do Paraíso. São Paulo: Companhia das Letras, 2010

MAGALHÃES, A. O Demoníaco na Literatura. Campina Grande: EDUEPB, 2012

RIBEIRO, D. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil.3 ed. São Paulo: Global, 2015

SOUZA, L. M. O diabo e a terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil


Colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 2009

SOUZA, L. M. Inferno Atlântico: demonologia e colonização século XVI-XVIII. São Paulo:


Companhia das Letras, 1993

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ENSINO SUPERIOR PARA POVOS INDÍGENAS NO BRASIL: DESAFIOS E


PERSPECTIVAS

NASCIMENTO, Mirthis Elizabeth Costa do


Universidade Federal do Rio Grande do Norte
mirthelizabeth@hotmail.com

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Os espaços de ensino são lugares de transformação. Em menor ou maior grau, esses


devem ser os locais onde o conhecimento se faz presente nas mais variadas formas para
todo e qualquer indivíduo que compõe nosso corpo social. Por esse motivo, estes
deveriam ser ambientes de integração social, aprendizado e desenvolvimento cognitivo.
Porém, a realidade que nos envolve por todos os lados mostra-se distinta. O que
observamos de fato, são problemas estruturais e práticos que impedem a construção de
espaços de aprendizado que integre a todos e promova reflexões sobre os mais
diversos problemas que tomam a sociedade.

O cidadão comum em grande medida, não enxerga a importância de pensar o país


como um espaço heterogêneo onde a reflexão sobre os mecanismos de inclusão, é
essencial para a construção de um espaço integrador, isento de intolerância e exclusão. É
necessário pensar criticamente. Esse processo de reflexão e construção do pensamento
começa na escola, que por sua vez, à primeira vista, não busca se posicionar contra a
corrente do senso comum. Na universidade, esse processo também ocorre em menor
medida e de maneira menos patente. Tomemos como exemplo a imagem do indígena que
ainda hoje é tida como referencia para a maior parte da população. Poucas vezes vemos
referência ao índio que frequenta as universidades, trabalha e mora nos espaços
urbanos. Muitas dessas imagens forma criadas na escola e algumas dessas noções, podem
ser observadas até mesmo em materiais didáticos. A quebra do esteriótipo é um dos
principais objetivos dos índios contemporâneos. Vemos a ocupação de espaços de
debate, onde eles tomam o lugar de fala e discutem sobre a história dos índios partindo
de suas perspectivas de análise. São discursos de questionam imagens cristalizadas e

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abrem espaço para o diálogo com outras visões, com suas cosmologias e
interpretações.
O Brasil mesmo tendo sido reconhecido e declarado um país pluriétnico pela
Constituição de 1988, não possui em sua sociedade a consciência real dessa pluralidade de
etnias e culturas. Há muita falta de informação e conhecimento, inclusive por parte do
Estado - o que resulta em um dos maiores entraves para a aplicação de politicas públicas
voltadas a esses povos. Os indígenas, dentro da nova configuração posta pela
Constituição de 88, percebem a importância ante a contemporaneidade de dominar
“novos códigos”, pois a partir deles é possível a busca por melhorias nas suas
condições de vida. Nas escolas e universidades, os indígenas procuram formas de criar
ambientes que promovam a educação e o aprendizado de maneira horizontal, respeitando
as particularidades étnicas de cada cultura. Buscam acima de tudo, dentro desse contexto,
o conhecimento intercultural e multiétnico. O movimento indígena cria redes de apoio e
vai ao encontro de ações junto a universidade, instituições indigenistas e outros órgãos que
caminhem rumo ao mesmo objetivo. O objetivo principal desse artigo é refletir a partir de
um estudo bibliográfico sobre a temática indígena, a respeito de alguns dos desafios que
envolvem a inserção dos povos indígenas na educação superior e investigar alguns dos
principais pontos que cercam os debates sobre o assunto. Os resultados são em grande
medida reflexivos, questões em aberto que podem ser amplamente desenvolvidas e
esmiuçadas em outras pesquisas. Isso se dá em razão do tema ser atual estando em
constante mutação. Busquei demonstrar que os povos indígenas atualmente anseiam
desenvolver uma educação que respeite suas raízes tradicionais e que ao mesmo tempo os
inclua nos processos sociais que dizem respeito não só a eles, mas a toda sociedade.

A QUESTÃO INDÍGENA NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX: UM BREVE


APANHADO

A datar da promulgação da Constituição de 1988, uma nova relação entre os povos


indígenas e o Estado pode ser estabelecida. Direitos foram adquiridos e a partir deles,
novas conquistas vieram à tona. Os artigos que compõem o capítulo VIII, são
importantes por permitir novas possibilidades aos indígenas para além da política

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integracionista e tutelar que vinha sido vista até então. A lei garante o direito à diferença,
admitindo pela primeira vez na
história do Brasil a tamanha diversidade étnica e cultural existente no país. Gersem
Baniwa (2012) conta que a lei garante o reconhecimento das culturas, tradições, línguas,
crenças, e organização social dos indígenas. Caminhos puderam ser abertos e os
indígenas tiveram espaço para buscar a efetivação dos seus direitos e necessidades de
maneira mais incisiva, amparados pela nova lei. Apesar disso, o movimento indígena sabia
que ainda haveria muito a ser conquistado e que a Constituição Federal foi apenas o
primeiro grande passo em direção a um Estado que respeite horizontalmente as diferenças.

O desafio para os períodos seguintes se encontrou presente no ato de fazer com


que cada cláusula da constituição fosse efetivada. Um dos instrumentos de
mudança e transformação mais eficaz foi a nova relação do indígena e a escola. A escola já
possuiu para os indígenas uma carga de desinteresse, pois até a primeira metade do século
XX, aquele fora um espaço de supressão de suas culturas e conhecimentos tradicionais. O
objetivo do Estado era promover a integração dessas populações. A partir da segunda
metade do século XX a escola se tornou um espaço de real aprendizado para os indígenas
tornando-se caminho para a conquista de meios para sanar as maiores necessidades
das comunidades. Os indígenas perceberam que a palavra é um forte instrumento de
poder na sociedade ocidental, e que a elaboração de um discurso articulado e bem
fundamentado é essencial para que a voz dos mesmos ultrapasse as fronteiras locais,
regionais e nacionais, obtendo cada vez mais apoio e visibilidade perante o mundo, indo
ao encontro da autodeterminação. Assim, os jovens ocupam o espaço da escola e as
universidades a fim de obter qualificação, porém observam na prática que os problemas
dessas instituições são muitos e que na busca pelos seus objetivos, encontrariam muitos
obstáculos.

Na história dos povos indígenas, o fenômeno da (re)emergência étnica pode começar


a ser observado a partir dos anos 60. Houve o aumento do número de indivíduos que se
auto identificam como indígenas. Esse processo não ocorreu somente no Brasil, mas em
outros países da América Latina. Esse fato é relevante dentro de vários contextos,

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principalmente nas esferas politica, cultural e social dessas regiões. É interessante


perceber que junto a manifestação de novas identidades e expressões étnicas,
surgem naturalmente novas
demandas. Sebastião Vargas (2017) explica que uma das principais características
desse processo é a criação de uma discursividade própria por parte dos indígenas, que
objetiva dentre outros pontos, por fim na tutela. Os indígenas passam a falar sobre si
mesmos. Passam a coletivos conscientes de sua diversidade e legitimidade étnica e
cultural, e como consequência unem-se na busca pela efetivação de direitos. Eles
criam discursos para definirem a si e o que almejam. O termo índio ganhou uma conotação
política. O historiador e antropólogo José Bengoa fala sobre a construção dos
discursos indígenas e sobre a emergência de novas identidades

Los indígenas de hoy, en forma imaginativa y a


veces maravillosa, recrean
un discurso acerca de lo que ha sido nuestro
continente, y también acerca de
lo que ellos han sido y son. Es el surgimiento de
"nuevas identidades". Son
discursos sobre el pasado llenos de ideas sobre el
futuro. Son apuestas a una
combinación de discursos recuperados de las
más diversas culturas que componen la actual
modernidad. Son los discursos que entusiasman a
buena parte de nuestra América, porque reúnen la
tradición milenaria de nuestras culturas, con la
necesaria apuesta a vivir en el futuro y en el
mundo moderno. (BENGOA, 2000, p.21)

Os preceitos postos na Constituição não puderam ser realizados tão rapidamente. Esse
é um processo gradativo de mudança de mentalidade, de estruturas sociais e de
pensamento fortemente estabelecidas. No que tange a educação, só a partir de uma
análise geral e contextualizada consegue-se pensar na relevância do processo de
transformação do espaço escolar e dos seus significados e responsabilidades para a
sociedade, em especial para os indígenas. Essa é uma longa caminhada que topa em
desafios de cunho material, estrutural, didático, pedagógico, político, filosófico, social,
linguístico, econômico e histórico.

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As variadas formas de ação política dos povos


indígenas viabilizaram mudanças significativas
tornadas lei na Constituição de 1988 e expressas na
ratificação da Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho, e têm sido marcos
contra desmandos dos poderes públicos que em
todo esse período não cessaram de existir. Esses
povos pensam e reagem a tais
imagens com indignação e com a clareza de que
precisam se fazer presentes
na esfera pública brasileira. Sabem que para isso
precisam estar preparados,
como dizem muitas vezes, substituindo arcos e
flechas, bordunas ou enxadas
e machados por canetas, computadores e diplomas
(SOUZALIMA, 2012, p.
171)

A legitimidade do direito à diferença e a construção de uma noção de


escola diferenciada e intercultural sem dúvida foram conquistas marcantes para os
indígenas. No entanto, “ainda depara-se, perversamente, com a realidade do acesso
desigual ao conhecimento” (SILVA, 2001, p.12). Isso significa que muitas questões
complexas e difíceis de contornar vem à tona. Principalmente porque frente a realidade das
escolas, a implantação de um espaço de aprendizado realmente diferenciado para os
indígenas, com respeito a “sua organização social, costumes, línguas, crenças e
tradições” acaba ficando muito longe da realidade, sendo possível a princípio apenas no
plano teórico. Nas Universidades, os maiores problemas estão ligados ao acesso e
permanência dos indígenas nestas instituições.

REFLEXÕES SOBRE A CONSTRUÇÃO DE UMA EDUCAÇÃO INTERCULTURAL NO BRASIL

De 1970 até 1990 a sociedade estivera em um momento de intensa mobilização.


Isso se deve em razão das transformações políticas que tomaram o período. Os indígenas

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inseridos dentro daquele contexto, enxergaram a educação como sendo uma oportunidade
de melhor se comunicar com a sociedade e com as instituições que interferem diretamente
em seus modos de vida. Logo, é possível perceber que eles buscam mais as universidades,
pois esse espaço é um meio de atender as suas necessidades específicas. Essa demanda
acabou promovendo a ida de muitos indígenas para as cidades com o objetivo de encontrar
oportunidades mais amplas de qualificação. Dentro das universidades vemos que o
conceito de nterculturalidade – que pode ser definido como o diálogo horizontal, entre
culturas e conhecimentos distintos -, pode ser observado. Pensadores indígenas como
Gersem Baniwa (2012) e Daniel Munduruku (2012) mostram a importância desse
conceito em seus trabalhos. Observa-se que esse é um dos princípios norteadores e
básicos ao falar sobre políticas públicas voltadas às comunidades indígenas.
Os professores Alexandre Herbetta e Maria do Socorro Pimentel em um seminário
sobre educação intercultural e transdisciplinar organizado em 2013 na UFG,
promoveram uma discussão pedagógica com vários professores que trabalham a
temática indígena e a questão da interculturalidade. Juntos os educadores refletiram
sobre as possibilidades de construção de uma educação de fato intercultural que englobe
todos os indígenas, pensando o que isso representa para as comunidades. Essas
questões estão diretamente ligadas a receptividade e colaboração das lideranças
indígenas, órgãos apoiadores, ações do governo,escolas, universidades, professores,
alunos, pais e toda a comunidade. Isso mostra que tudo que envolve essa instância deve
ser pensado dentro de um contexto plural, multifacetado e heterogêneo. Na prática,
podemos observar muitos problemas que impedem o pleno funcionamento do
conceito de interculturalidade tanto na escola, quanto na universidade.
Há obstáculos no diálogo entre os órgãos do governo que regulamentam e
oficializam as demandas administrativas das escolas, que não compreendem as
especificidades de tudo que concerne à educação indígena. Inviabilizando a efetivação
dessas pretensões. Nas Universidades ainda há a falta de espaço para manifestação
desses povos e muitos sofrem perseguições por serem indígenas. O fato que é há muita
ignorância e falta de conhecimento sobre essas questões. Diante dos impasses e
dificuldades, podemos perceber a importância dos “intelectuais indígenas que vêm
buscando adquirir a capacidade de extrapolar seus contextos e formular interpretações

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em diálogo com outros contextos locais e regionais,nacionais e internacionais, sobre as


relações entre povos indígenas e Estado” (SOUZA LIMA, 2012, p.175). Isso significa que eles
agora operam não mais levando em conta apenas seus problemas locais. Mostram que a
questão indígena é um problema de maioria, que vai além das populações que são
diretamente atingidas, envolve a sociedade de forma geral. Pois, só em conjunto será
possível caminhar para um ambiente social de igualdade e cooperação.

ENSINO SUPERIOR PARA POVOS INDÍGENAS

O movimento de interesse pela educação superior por parte dos indígenas foi geral
em toda América Latina a partir do século XX intensificando-se no decorrer do século XXI.
Hoje há alguns projetos que são voltados para a construção desse conhecimento específico
e existe a busca pela estruturação do ensino superior. No Brasil, com o passar dos
anos, as licenciaturas interculturais aumentam e se consolidam. De acordo com
Rodrigo Cajueiro (2008) a Universidade do Estado do Mato Grosso (UNEMAT) foi pioneira
na formação de professores indígenas em ensino superior. De acordo com o MEC existem
mais de 20 cursos de licenciatura indígena no país. O PROLIND - O Programa de Apoio à
Formação Superior e Licenciaturas Interculturais Indígenas - é um programa criado pelo
MEC que tem como objetivo formar professores para a docência no ensino médio e
fundamental nas comunidades indígenas. O projeto também estimula o
desenvolvimento de ações voltadas para as Licenciaturas Interculturais em instituições
de ensino superior públicas federais e estaduais em todo país. Essa é uma das ações que
demonstram o aumento nas iniciativas voltadas para a estruturação de práticas de
docência dedicadas aos indígenas. Sobre a busca por qualificação Antonio Cartos de Souza
Lima expõe
A busca por qualificação que é apresentada como
parte do interesse indígena
pela formação no ensino superior é também
uma busca por entender e
dominar a avassaladora entrada das políticas
públicas nas aldeias indígenas,
até mesmo em aspectos os mais recônditos
como o do parentesco e das
relações intergeracionais. Na prática, essa luta
por autonomia se entretece

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com as formas tutelares e coloca a necessidade


de se conhecer de ângulos
variados as políticas governamentais incidentes
sobre os povos indígenas,
contando ou não com sua presença efetiva nas
etapas de formulação e
implementação dessas ações governamentais.
Essa intelectualidade indígena em surgimento e
consolidação, em diálogo com as transformações
(quiçá
mudanças) estatais, vem formulando
concepções que partem de seu
aprendizado - distributivamente variado - em
suas tradições culturais e do
que tais tradições, nos contextos locais e regionais
específicos de seus povos
no presente, propiciam como chaves de leituras
das intervenções de Estado
em seus modos de vida (SOUZALIMA, 2012, p.175).

Como já foi exposto anteriormente, percebe-se que os indígenas superam as


fronteiras de suas comunidades e saem de seus locais de origem indo para as cidades em
busca de formação. No trecho acima, podemos observar que é essencial o
conhecimento sobre as politicas que atingem as comunidades por parte dos indígenas.
Há muito preconceito e desconhecimentos sobre as questões que envolvem os
indígenas. Apesar do desafio que é ultrapassar esse problema, hoje podemos observar que
ocorre uma tomada de consciência por parte da sociedade e da academia, com relação a
existência da diversidade e polissemia do conhecimento. Não é mais livremente
disseminada a noção de que o conhecimento deve ser restrito apenas a categoria
científica, como verificou-se durante muito tempo, quando outras percepções eram
totalmente excluídas. Isso ainda ocorre, mas há uma preocupação, ainda que inicial, de
considerar a relevância de outros saberes. Essa nova perspectiva se deve em grande parte
também ao movimento indígena, que passou a enxergar a si próprios a partir de uma
nova compreensão, não sendo mais coadjuvantes e sim de protagonistas da história. As
discussões sobre a importância do diálogo intercultural dentro da universidade, bem
como o respeito à construção de uma intercientificidade própria dos indígenas está em
voga criando assim novas formas de epistemologia e exploração da diversidade do saber.
O aumento desses cursos específicos está diretamente ligado a procura por caminhos que
levam a autodeterminação, interesse tão presente nos discursos indígenas podendo ser

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vistos nos espaços de manifestação e debate. Um dos maiores problemas que cingem essa
questão está relacionado a associação do Estado e os indígenas. A compreensão das
necessidades e direitos
dos autóctones por parte do Estado consistem em um desafio que precisa ser transposto
para que tanto os artigos da Constituição de 1988, e as demais ações sejam realmente
efetivados para que a igualdade torne-se de fato uma realidade. Compreender o universo
indígena e suas especificidades ainda é um desafio que precisa superar antes de tudo
o preconceito e a incompreensão.

A historiadora Cláudia Zapata (2005) analisando o contexto latino americano,


evidencia que os indígenas são indivíduos que possuem forte compromisso político, tendo
suas ações voltadas ao estudo de questões inerentes as suas culturas. Zapata explica que
o intelectual indígena busca “poner fin a esa subordinación que inferioriza a los indígenas
y desconoce los logros de su trayectoria cultural e histórica, en otras palabras, lo que se
propone es una liberación de los lazos coloniales que se han mantenido a lo largo del
tiempo” (ZAPATA, 2005, p. 66). Esses personagens reconhecem a importância da
intelectualidade tradicional que os acompanha desde o início de suas formações, no entanto,
nas universidades entram em contato com outros saberes e transformam a história que até
hoje não foi contada por eles, mas sim por mediadores nada neutros e muitas vezes
tendenciosos. A partir desse ponto, os indígenas passam a representar a si próprios. A
tecnologia e os novos desafios do mundo contemporâneo os impeliram a ir de
encontro a novas alternativas para se posicionarem em sociedade. O aumento da
demanda pelo ensino superior deu-se a partir da ampliação do Ensino Fundamental e
Ensino Médio. “A ampliação do acesso ao Ensino Superior teve início ainda na década de
1990, a partir das propostas de políticas de ações afirmativas adotadas pelos governos,
pelas instituições de ensino e pelas iniciativas privadas” (BANIWA, 2006, p.162). No plano
prático a intercientificidade manifesta-se mais intensamente nas universidades. Ainda
sobre o indígena no ensino superior e a presença de indígenas na universidade
Bergamaschi aponta que

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É significativa a presença de
estudantes indígenas em mestrados
e doutorados em diversas
universidades, dado que mostra a
vontade e a necessidade concreta e
atual dos povos originários em
estabelecerem um diálogo mais
próximo com a academia e formar
os seus próprios pesquisadores. (...)
resulta, sobretudo, do movimento dos
povos originários que, entre outros
caminhos, elegeram o ensino superior
como um espaço de afirmação e as
universidades como aliada na
perspectiva de um possível
empoderamento.
(BERGAMASCHI, 2014, p.19-20)

É preciso que esses saberes se moldem as configurações que a universidade


possui. Concordo com Paul E. Little (2002) quando ele propõe uma renovação desses
saberes, evidenciando que só assim é possível, de fato, um diálogo intercientífico. O autor
acredita que é importante gerar novos conhecimentos e tecnologias híbridas, advindas da
junção entre essas ciências, coerentes com as necessidades que são confrontadas na
instituição. Esse processo é realmente importante para que seja possível agregar o que há
de mais relevante para o todo social nos diferentes saberes. No entanto, antes de
tudo é essencial que os sistemas educacionais realmente pensem as especificidades da
educação indígena e que isso seja levado em consideração. Dentro da universidade é real
o choque entre o indígena e as outras vertentes de pensamento existentes naquele
ambiente. Há diversas críticas quanto ao modo como eles se posicionam.
É preciso pensar em também em soluções para que esses alunos não fiquem em
desvantagem sobre os outros discentes que tiveram uma educação formal, diferente
da recebida pelos indígenas em suas comunidades. A educação básica voltada aos
indígenas ainda é repleta de problemas e dificuldades de execução se comparada com
as escolas formais. Há obstáculos no diálogo entre os órgãos do governo que
regulamentam e oficializam as demandas administrativas das escolas, que muitas vezes
não compreendem as especificidades da educação indígena. Outro ponto a ser considerado
é que há muitas vezes o desconhecimento por parte do professor, das línguas nativas que

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são próprias dos discentes, dificultando o ensino bilíngue. Além disso, há também a
ausência de materiais escolares adaptados a educação indígena. Existem discussões
sobre como gerir e compor a escola específica, e sobre o que ela representa para os
povos indígenas. Muito ainda tem de ser construído. Tudo isso gera desvantagem
quando fazemos uma comparação com outros discentes que tiveram uma educação
formal e já estruturada. Daí vemos a relevância das cotas.
O sistema de cotas busca de certa forma restituir - mesmo que minimamente -
os danos que foram causados aos indígenas e a outras categorias étnicas que ao longo da
história foram marginalizadas em algum momento. Essas ações afirmativas mostram-se
importantes pois são “medidas de caráter social que visam à democratização do
acesso a meios fundamentais - como emprego e educação - por parte da população em
geral” (GUARNIERI; MELO-SILVA, 2007, p. 70). Essa ação é importante, mas não é suficiente.
Para além disso, as universidades devem pensar em mecanismos que permitam a
permanência desses povos na instituição. Pois sabemos que hoje ainda há perseguição
aos indígenas dentro e fora das universidades. A questão do indígena incluso nesse
contexto abre margem para muitas discussões e estudos, muitos pesquisadores voltam-
se para a análise de todas as questões aqui postas.

CONCLUSÃO

No decorrer deste artigo há diversas possibilidades de expansão para realização


de outros trabalhos. Há muito a ser estudado sobre os povos indígenas no Brasil. O
interesse de pesquisadores pelo estudo do índio contemporâneo, e sua condição de
autonomia e protagonismo é algo relativamente novo na história do Brasil, e por esse
motivo ainda podem ser vistas muitas lacunas. Antes de chegar na questão da educação
superior, foi necessário contextualizar a questão indígena a partir da segunda metade do
século XX e expor o despertar do interesse dos indígenas pela educação superior. No
decorrer do texto busquei demonstrar que esses povos atualmente anseiam desenvolver
uma educação que respeite suas raízes culturais e que além disso, enxerguem a
necessidade e o valor de dialogar com outros conhecimentos, sobretudo o cientifico.
Eles ingressam nas universidades e nas especializações a fim de interferir nos processos

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de gestão de suas comunidades e não deixar que ante os desafios do mundo


contemporâneo suas culturas sejam “perdidas”. Também buscam modificar o olhar do
Estado e da sociedade para com suas especificidades culturais, lutando contra ações
de preconceito e exclusão.

Existem muitos desafios que envolvem a educação superior para povos indígenas.
A dificuldade de diálogo com o Estado, o preconceito que esses indivíduos ainda sofrem
nesses ambientes, as dificuldades de permanência nas instituições, foram alguns temas
abordados no trabalho. No entanto, sabemos que há muitos outros problemas que cercam
esse assunto. No Brasil, as iniciativas voltadas à educação superior para os povos indígenas
vêm sofrendo um processo de expansão. Projetos e as Licenciaturas interculturais vêm
sendo articulados junto aos indígenas e pelos indígenas que se especializam cada dia mais
com o passar do tempo. Ante esse panorama observamos muitas discussões sobre o modo
como as estruturas devem se configurar, há muitas propostas e opiniões que cercam o
tema, muito a ser explorado. Debates sobre a construção desses espaços são
recorrentes. A perspectiva é que as ações ligadas ao ensino sejam cada vez mais
aprimoradas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ISSN:

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ISSN:

GT 5 – EXPERIÊNCIAS DO ENSINO E PESQUISAS DA EDUCAÇÃO


SUPERIOR INDÍGENA NA AMÉRICA ENTRE OS SÉCULOS XX E XXI

Prof. Dr. José Gabriel Silveira Corrêa (UFCG)

Profa. Dr. Mércia Rejane Batista (PPGCS-UFCG)

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ISSN:

PRODUÇÕES ACADÊMICAS EM EDUCAÇÃO NO TERRITÓRIO POTÎGŨARA – É


POSSÍVEL PESQUISAR E ESCREVER SEM VISIBILIZAR DISCURSOS E
IDENTIDADES RACIALIZADAS?

SILVA, Rosemary Marinho da


Universidade Federal da Paraíba
rosemarymarinhodasilva@gmail.com

“O fato de nascer índio, não significa ser educador indígena”


Professora Potîgũara

1. Introdução
Este texto nasceu do interesse em perceber a relação entre o Ensino Superior,
situado em um território indígena, e a Educação Escolar Indígena. Por isso seu objeto são as
produções acadêmicas da área de educação do Centro de Ciências Aplicadas e Educação
(CCAE) do Campus IV da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), situado no Vale do
Mamanguape, no litoral norte da Paraíba, onde encontram-se 32 aldeamentos Potîgũara70.
Há quatro aldeias em Rio Tinto (Monte-Mór, Jaraguá, Silva de Belém e Mata Escura), 15 em
Marcação (Brejinho, Caeira, Camurupim, Carneira, Coqueirinho, Estiva Velha, Grupiúna,
Jacaré de César, Jacaré de São Domingos, Lagoa Grande, Os Cândido, Tramataia, Três Rios,
Val e Ybykuara) e 13 em Baía da Traição (Acajutibiro, Forte, Galego, Lagoa do Mato, Cumaru,
São Francisco, Tracoeira, Laranjeira, Santa Rita, Vila São Miguel, Bento, Silva da Estrada, Bem
Fica).
O CCAE oferece 13 cursos de graduação, sendo dois na modalidade de Educação a
Distância (EAD), dois mestrados acadêmicos e um profissional, além de duas especializações.
Dentre os cursos de graduação, quatro são licenciaturas: Ciência da Computação, Letras,
Pedagogia e Matemática. O curso de Pedagogia, escolhido como fonte das produções
analisadas neste texto, foi um dos primeiros cursos implantados e oferece uma formação
70
De acordo com estudiosos/as da língua Tupi Antigo e lideranças Potiguara, a palavra ‘Potiguara’ designa um
povo, uma nação, uma coletividade, por isso não se flexiona nem em grau, gênero ou número, mesmo que mude
de classe gramatical.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

profissional abrangente para atuação em escolas indígenas e não-indígenas do Vale do


Mamanguape. No ano de 2010, o CCAE ofertou o primeiro Curso de Especialização em
Educação de Jovens e Adultos (EJA), cujas monografias também foram incluídas nesta
análise.
A Lei 11.645, de março de 2008, que estabelece a obrigatoriedade da história
indígena e africana em todas as licenciaturas do território brasileiro (BRASIL, 2008), reforçou
a inquietação acerca de como a Licenciatura em Pedagogia e a Especialização em EJA,
responsáveis pela formação de profissionais com ampla atuação no ambiente escolar,
estavam enfocando a Educação Escolar Indígena. A Educação Escolar Indígena trata dos
processos formais de difusão, ampliação e cultivo dos conhecimentos indígenas e não
indígenas, por meio da escola (SILVA, 2013). No seu Art. 1, parágrafo 2o, a lei estabelece que
os conteúdos referentes à história e cultura dos povos indígenas e afro-brasileiras sejam
ministrados no âmbito de todo o currículo escolar. Como estes conteúdos estavam sendo
pesquisados em um território Potîgũara? Seria possível tratar de qualquer temática
educativa, em terras Potîgũara, sem levar em conta tal presença?
Diante disso, o problema central deste texto é como os cursos de graduação em
Pedagogia e Especialização em EJA do CCAE, voltados para o processo de ensino-
aprendizagem em escolas indígenas e não-indígenas, abordaram o Ensino Escolar Indígena
em monografias e trabalhos de conclusão de curso (TCC). O objetivo foi analisar a relação
entre Educação Escolar Indígena e Ensino Superior, a partir das produções encontradas
nesses cursos, com base no conceito de identidade racializada, definida como unidade de
normalização que, através de construção de padrões, funciona para tornar invisível as
origens e as ancestralidades de um povo.
A análise se apoiou nos Estudos Culturais da Educação que enfocam questões de
representação, identidade, diferença, alteridade, poder, políticas e pedagogias culturais,
bem como seus efeitos nos processos educativos (WORTMANN, 2005). Como também na
Teoria Crítica Racial. Segundo esta Teoria o racismo “parece normal e natural” (LADSON-
BILLINGS, 2006, p. 266) nas relações sociais. Essa naturalização produz uma identidade
racializada, de forma que cada grupo é “constituído por inumeráveis origens nacionais e

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ISSN:

ancestrais, porém a ideologia dominante da epistemologia euro-americana obrigou cada um


a entrar em uma unidade essencializada e totalizada” (LADSON-BILLINGS, 2006, p. 264). A
identidade racializada funciona como uma unidade de normalização, que padroniza os
comportamentos, valores e modo de conhecer e de estar no mundo.
O método bibliográfico se fundamenta nas “contribuições dos diversos autores
sobre determinado assunto” (GIL, 2002, p. 51), neste caso sobre a Educação Escolar Indígena
e como o Ensino Superior pode se tornar um espaço fecundo de pesquisa sobre essa
temática. O método documental foi utilizado para verificar a relação entre Ensino Superior e
Educação Escolar Indígena em dois lugares específicos – nos TCC do curso de Licenciatura em
Pedagogia e nas monografias da Especialização em EJA do CCAE. Ambos se tornaram fontes
de informações, ao mesmo tempo em que favoreceram a contextualização das mesmas
(KRIPKA et al, 2015).
Que TCC e monografias seriam escolhidos para os objetivos deste texto? Que
classificação utilizar para relacionar produções de níveis diferentes, que revelassem
informações sobre o objeto pesquisado? Realizou-se levantamento dos TCC do Curso de
Licenciatura em Pedagogia e das monografias da Especialização em EJA na Biblioteca Setorial
do CCAE. No universo de 76 TCC, produzidos entre os anos de 2011 e 2015, apenas quatro
eram pertinentes a este estudo, (ARAÚJO, 2015; BARBOSA, 2015; SANTOS, 2013; SOARES,
2014), dos quais somente dois tratavam de temas relacionados à Educação Escolar Indígena
(BARBOSA, 2015; SOARES, 2014). Quanto às monografias, defendidas no ano de 2010, no
universo de 33 disponíveis para consulta, cinco pesquisaram evasão, educação ambiental,
ensino de história e geografia na EJA (BERNARDO, 2010; MEDEIROS, 2010; SILVA, 2010a;
SILVA, 2010b; SILVA, 2010c) nas cidades de Rio Tinto, Marcação e Baía da Traição.
Para que as informações assegurassem o devido trato do fenômeno, foram
utilizados procedimentos de caracterização, codificação, categorização e análise crítica dos
documentos. A análise crítica foi textual discursiva (MORAES; GALIAZZI, 2011 apud KRIPKA et
al, 2015). Portanto, a análise se deu com base no agrupamento em duas categorias: as
produções que não tomaram como tema central a Educação Escolar Indígena, mas foram
produzidas em escolas (campo de pesquisa) nos municípios de Baia da Traição, Rio Tinto e

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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Marcação, ou seja, em terras Potîgũara (ARAÚJO, 2015; BERNARDO, 2010; MEDEIROS, 2010;
SANTOS, 2013; SILVA, 2010a; SILVA, 2010b; SILVA, 2010c); e as produções que trouxeram
temas explicitamente relacionados com a Educação Escolar Indígena (BARBOSA, 2015;
SOARES, 2014).
A fim de abordar a relação entre Educação Escolar Indígena e o Ensino Superior
foram organizadas três seções. A primeira trata das sete produções que tiveram seu campo
de pesquisa em escolas circunvizinhas as terras Potîgũara, mas não abordaram a Educação
Escolar Indígena, sendo duas de TCC do Curso de Licenciatura em Pedagogia (ARAÚJO, 2015;
SANTOS, 2013) e cinco de monografias da Especialização em EJA (BERNARDO, 2010;
MEDEIROS, 2010; SILVA, 2010a; SILVA, 2010b; SILVA, 2010c). Em seguida, apresenta as duas
produções de TCC (BARBOSA, 2015; SOARES, 2014) que trataram diretamente de temáticas
escolares indígenas. Finalmente, à guisa de conclusão, pontua problematizações e reflexões
em torno da Educação Indígena e da Educação Superior.

2 O silêncio sobre a Educação Escolar Indígena ou a negação da presença Potîgũara na


pesquisa acadêmica?

As sete produções que não trataram da Educação Escolar Indígena, embora suas
temáticas possam ser a ela relacionadas, tiveram seu campo de pesquisa em escolas dos
municípios de Baia da Traição, Marcação e Rio Tinto marcados pela presença das pessoas
Potîgũara. Estas produções enfocaram temas como evasão ou descontinuidade escolar
(BERNARDO, 2010; MEDEIROS, 2010; SANTOS, 2013), Educação Ambiental (SILVA, 2010a;
SILVA, 2010c), ensino de História (SILVA, 2010b) e ensino de Geografia (ARAÚJO, 2015) no
ensino fundamental. Uma se refere ao município de Marcação, outra ao de Baía da Traição,
e as demais se concentram no município de Rio Tinto, abrangendo as zonas urbana e rural.
Todas combinam a pesquisa bibliográfica e empírica, qualitativa e quantitativa, com uso de
observação, questionário, entrevista semi-estruturada, estatísticas dos dados coletados e
pequenos recortes de falas de entrevistadas/os. Para análise textual destas produções
utilizou-se duas unidades de significado ‘pessoas/índios/povo Potîgũara e/ou ‘educação
escolar indígena’, constatando sua presença. Nenhuma apresenta linguagem inclusiva nem

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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reflexão sobre gênero. Por gênero se entende “um conjunto de comportamentos e atitudes
atribuídas a mulheres e homens e, por extensão, às práticas materiais e simbólicas, aos
objetos e representações sociais” (CARVALHO, 2007, p. 37).
De modo geral, das sete produções analisadas, em cinco não havia nenhuma
menção sobre educação escolar indígena ou pessoas/índios/povo Potîgũara. Esta
constatação gerou a seguinte questão: o que fez com que uma/um estudante-concluinte de
graduação em Pedagogia ou de especialização não percebesse ou não explicitasse que
estava produzindo sua pesquisa em território Potîgũara? Esta pergunta evidencia a força do
conceito de identidade racializada no não-dizer e no dizer da condição Potîgũara, como
processo de re/construção de significados. As pessoas Potîgũara estavam, ou fora ou dentro
dos espaços das escolas pesquisadas, mas elas não foram visibilizadas nestas produções
acadêmicas. Fala-se, por exemplo, de pescadoras e pescadores presentes em uma escola na
Baia da Traição (BERNARDO, 2010), mas não de pescadoras e pescadores Potîgũara. A
identidade racializada funciona de forma a naturalizar o que se diz das pessoas Potîgũara,
especialmente quando o que se diz apenas acentua sua relação com a terra, seja na
conquista e na demarcação (BERNARDO, 2010), seja na disputa e exploração (SILVA, 2010a).
Há discursos racializados reproduzidos sobre as pessoas Potîgũara e a agricultura familiar
como causadoras do desmatamento (SILVA, 2010a), sem qualquer questionamento.
A força da identidade racializada faz com que não se afirme a imagem da/o
Potîgũara ao enfrentar o tema da evasão escolar, por exemplo, e se evoque a imagem do
sertanejo (MEDEIROS, 2010) como sugestão para um trabalho pedagógico que aproxime o
cotidiano de estudantes, situados no litoral, das atividades realizadas em sala de aula.
Mesmo quando se aponta a importância da realidade e da vida de estudantes como
estratégia de ensino, acentuam-se a classe e a identidade cultural da pessoa do campo
(SILVA, 2010b), sem mencionar que a grande maioria dessas pessoas, em áreas urbanas e
rurais de Rio Tinto, Baía da Traição e Marcação, ou se afirmam Potîgũara ou possuem
ascendência e descendência Potîgũara. Também quando se mencionam as formas de
trabalho, de parceria e de organização de vida (ARAÚJO, 2015; SILVA, 2010c), como

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

elementos que devem ser considerados na escola, não se mencionam as formas e


organizações de vida Potîgũara.
As pesquisas sobre o ensino de Geografia (ARAÚJO, 2015) e História (SILVA, 2010b)
apontaram a importância de uma educação conectada com as demandas cotidianas de
estudantes, mas, em momento algum, mencionam a Lei 11.645/08, que indica,
especialmente, a disciplina de História como uma das principais para trabalhar a Cultura
Indígena. Constata-se, assim, como a identidade racializada, por ser intrínseca a uma cultura
que sofreu o processo de colonização em 1500 e de recolonização industrial no século XX, se
torna um mecanismo que padroniza um modo de conhecimento formal que não leva em
conta povos que foram historicamente marginalizados.

3 Que vozes sobre a Educação Escolar Indígena podem ser percebidas na pesquisa
acadêmica?

As duas produções que trataram diretamente da Educação Indígena Escolar são os


TCC de Soares (2014), professora e Potîgũara, e de Barbosa (2015), bolsista do Programa de
Bolsas de Licenciatura (PROLICEN) e não-Potîgũara. As temáticas foram, respectivamente, a
formação de educadoras/es e gestão escolar. Os procedimentos metodológicos, presentes
nas referidas produções, incluíram pesquisa bibliográfica e empírica qualitativa, com
utilização da observação, entrevista e questionário, priorizando a análise de relatos das/os
entrevistadas/os. Os TCC não apresentaram escrita inclusiva ou reflexão sobre a questão de
gênero nas temáticas abordadas. Para análise textual das duas produções utilizou-se duas
unidades de significado ‘pessoas Potîgũara’ e/ou ‘escolas indígenas’, constatando sua
presença.
Soares (2014) em A Formação de educadores indígenas: olhares dos educadores
sobre as vivências na escola diferenciada indígena da Aldeia Tramaia – Marcação/PB,
enfocou o processo formativo das/os educadoras/es indígenas Potîgũara da Escola Municipal
de Ensino Fundamental Marechal Cândido Rondon, situada na Aldeia Tramataia no
município de Marcação. A autora pondera que muitas/os educadoras/es indígenas que
atuam nas escolas, embora conheçam leis que tratam da educação diferenciada indígena,

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como a Lei 11.645/08, não possuem formação continuada com esse foco. Assinala que o
currículo da escola pesquisada não possui disciplinas específicas da Educação Escolar
Indígena, como a Língua Tupi e Etnohistória Potîgũara. A escola indígena oferece, em sua
grade curricular, “a disciplina Arte e Cultura ministrada por uma anciã da aldeia Tramataia”
(SOARES, 2014, p. 48).
Soares aponta ações da Educação Superior que se configuram como parte da
construção individual e coletiva da formação de educadoras/es Potîgũara, a partir da
instalação, em 2006, do Campus IV da UFPB. Destaca a parceria, a partir de 2006, da
Organização de Professoras/es Indígenas Potîgũara (OPIP) com a Universidade Federal de
Campina Grande (UFCG) na criação do Programa de Formação Superior e Licenciatura para
Indígenas - PROLIND/UFCG/OPIP; a organização da juventude indígena universitária, em
2010, e a criação da Associação dos Universitários Potîgũara (AUP); a instalação, a partir de
2011, do Projeto Programa de Educação Tutorial (PET) Indígena, pelo CCAE/UFPB, que
inaugurou um processo educativo, organizativo e contínuo das/os estudantes
universitárias/os indígenas; a instituição do Mestrado de Antropologia, com especialização
em Antropologia Indígena, além de projetos do Programa de Bolsas de Extensão (PROBEX),
Programa de Apoio à Extensão (PROEXT) e Fluxo Contínuo da Extensão (FLUEX), Programa de
Monitoria, Programa de Licenciaturas (PROLICEN), desenvolvidos por professoras/es e
grupos de pesquisa no território Potîgũara. Diante destes evenços a autora afirma que

como educadora posso dizer que o Curso de Pedagogia do Campus IV


UFPB atende a uma formação padrão, não à formação que os
indígenas desejam, que é a diferenciada, por isso ao concluir a
graduação em Pedagogia me sinto despreparada para atuar na
educação diferenciada indígena, tendo que recorrer ao magistério
indígena e outros meios que me ofereçam esse suporte (SOARES,
2014, p. 66).

Soares tanto consegue pontuar os limites do Ensino Superior em seu processo


formativo de educadora Potîgũara que vai atuar na escola diferenciada indígena, quanto os
limites da escola indígena, das lideranças e das/os próprias/os educadoras/es Potîgũara. Ela

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questiona a produção de conhecimento elaborada tanto no espaço acadêmico quanto nas


escolas indígenas Potîgũara.

O fato de nascer índio, não significa ser educador indígena (...). Nós
nascemos e crescemos na aldeia e nos transformamos educadores,
mas na hora de ensinar ao aluno nos sentimos despreparados para
falar de nossa própria cultura, isso dificulta na hora de trabalhar com
questões indígenas em sala de aula (SOARES, 2014, p. 64-65).

Assim, consegue expor a identidade racializada presente tanto nas pessoas que estão
construindo o Ensino Superior quanto nas próprias pessoas Potîgũara construtoras da escola
indígena, quando afirma que a/o Potîgũara que nasce na aldeia, por vezes, se torna
reprodutora/or de discursos racistas sobre si mesma/o e sobre outras/os Potîgũara: “até
mesmo a liderança passava a achar que os educadores índios não iam ensinar bem”
(SOARES, 2014, p. 75).
Esses elementos retratam o funcionamento da identidade racializada como uma
espécie de percepção de si mesma/o que afasta a própria pessoa Potîgũara de sua existência
como Potîgũara, impedindo-a de exercer sua força transformadora, especialmente no
processo de se tornar uma/um educadora/or Potîgũara. “O educador nasce no índio, mas
com uma diferença: para nascer no índio o educador, é fundamental que haja
aprofundamento da cultura indígena e esse conhecimento se torne uma ferramenta para ser
efetivada no ensino-aprendizagem” (SOARES, 2014, p. 73). Se o processo educativo da escola
indígena não vem acompanhado de um processo consistente de formação de educadoras/es
e pesquisadoras/es, a realização de um processo autoafirmativo se torna um instrumento
ilusório no jogo da identidade racializada.
Na segunda produção, intitulada A gestão escolar indígena Potîgũara na Aldeia
Monte-Mór, Barbosa (2015) investigou os processos de gestão na Escola Estadual Indígena
de Ensino Fundamental e Médio Guilherme da Silveira, na Aldeia Monte-Mór, no município
de Rio Tinto-PB, para compreender a relação do povo Potîgũara com a gestão indígena. A
conclusão de seu trabalho foi de que a gestão escolar Potîgũara realiza, de forma

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participativa e democrática, a condução dos processos educacionais, por valorizar a cultura e


as tradições do seu povo com suas riquezas, seus valores históricos e suas características.
Para chegar a tal conclusão, o autor buscou entender a organização dos
aldeamentos Potîgũara. A partir do entendimento da gestão das aldeias e da forma de
indicação da gestão escolar Potîgũara, ele aponta como a gestão acontece na escola
pesquisada, que só passa a ser indígena em 2006, embora tenha sido fundada em 1945. No
ano da pesquisa, as ações da escola fortaleciam o aprendizado da língua materna Tupi, das
artes com pintura e confecção de materiais indígenas, da dança do Toré, ajustando-se às
exigências das disciplinas não-indígenas. Como revela a fala da diretora, “tentamos seguir
muito como é definida pela escola normal a disciplina de Português, de Matemática,
Geografia... Só pelas disciplinas diferenciadas o currículo é diferente, como exemplo as
disciplinas: a língua Tupi, Etnohistória e Arte e cultura” (BARBOSA, 2015, p. 85). Como a
gestão escolar Potîgũara está diretamente relacionada com as lideranças indígenas de uma
determinada aldeia, isso revela o desafio de ajustar a autonomia da gestão escolar ao jogo
de interesses presentes nas aldeias, como revela a fala da gestora: “se a comunidade não
gostasse do meu trabalho, como gestora, já tinha me tirado” (p. 87).
Mesmo sendo dois TCC com temas diretamente relacionados à Educação Escolar
Indígena, os textos de Barbosa (2015) e de Soares (2014) se distinguem quando analisados a
partir do conceito da identidade racializada. Barbosa (2015) revela dificuldades para
expressar a relação de poder entre a gestão escolar e a gestão das aldeias Potîgũara. Soares
(2014) reconhece os limites e as dificuldades do processo formativo para se tornar e de se
afirmar uma/um educadora/or Potîgũara, o desafio de professoras/es Potîgũara entenderem
e exercerem seu papel no fortalecimento da autoafirmação de seu próprio povo.

4 Entre discursos e identidades: reflexões em torno da relação do Ensino Superior com a


Educação Escolar Indígena – possíveis considerações finais

Ao analisar os nove trabalhos, que tratam de questões educacionais em território


Potîgũara, são pertinentes reflexões acerca da relação do Ensino Superior com a Educação

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Escolar Indígena, objeto deste texto, como processo de reconstrução de significados. Assim,
apresentam-se a seguir alguns pontos que problematizam tal relação.
O primeiro ponto diz respeito à implicação da formação de estudantes e
profissionais críticas/os no trato de questões educacionais, especialmente da Educação
Escolar Indígena. Quando uma/um estudante se posiciona a partir de sua própria condição e
diante das relações sociais isso acarreta uma qualidade diferenciada nos produtos
científicos-educacionais. Ela/ele pode “criar um alter ego capaz de falar diretamente com o
poder” (LADSON-BILLINGS, 2006, p. 274). Esta posição e implicação crítica pode ser
observada na produção de Soares (2014). Seu texto é objetivo, mas ela aparece, se posiciona
e consegue uma distância necessária, que garante a possibilidade de aproximação e
distanciamento do que é e do que poderia ser a contribuição do Ensino Superior na
formação de educadoras/es indígenas para as escolas indígenas.
Uma formação acadêmica padrão (SOARES, 2014) funciona para manter o controle
da identidade racializada e não permite que se rompa com os mecanismos de poder, de
dominação, que a identidade racializada estabelece. A formação crítica, implicada, situada,
torna visível o conflito entre uma formação uniforme e uma formação para a diversidade. Ela
manifesta campos de disputa entre as disciplinas indígenas (padrão menos valorado) e não-
indígenas (padrão super valorado) na construção do que é conhecimento científico, como
apontou Barbosa (2015) acerca da dificuldade de conciliação entre as disciplinas clássicas,
consideradas ‘científicas’, e as indígenas. A escola e a universidade se tornam um campo de
disputa entre uma formação padronizada e uma formação crítica como uma “pluridade de
centros de poder” (HALL, 2015, p. 13) que desarticula a estabilidade de identidades e gera
possibilidades de outras criações e construções identitárias.
O segundo ponto reflexivo se desdobra da necessidade de uma formação crítica que
desnude processos formativos manipulados pelas identidades racializadas. Refere-se à
Educação Escolar Indígena em seus dois componentes fundamentais: o bilinguismo e a
interculturalidade, que tornam a escola um instrumento que fortalece a luta pela terra e por
uma cultura e identidade indígena plural (COSTA; SILVA, 2007). Se o Ensino Superior, situado
em território indígena, assume a interculturalidade e o bilinguismo como conteúdos

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necessários, especialmente nas licenciaturas, possibilitará “o registro, a discussão das


histórias do povo, dos seus costumes, dos seus saberes. Assim, a licenciatura deve incluir
questões de sustentabilidade e autonomia dos povos indígenas” (COSTA; SILVA, 2007, p.
124), revitalizando e ampliando os saberes ancestrais.
Contudo, tal percepção de escola e de Ensino Superior, como mobilizadores
identitários não-racistas, está em contenda. Paredes (2007) assevera que há o “interesse não
manifesto de querer manter os índios como reservas indígenas, sem contato com a
realidade circundante” (p. 83). Por isso, “uma proposta de educação bilingue e intercultural
não deveria se circunscrever ao âmbito das escolas indígenas, mas deveria se estender,
também, às populações circundantes das áreas indígenas com as quais os índios se
interrelacionam” (PAREDES, 2007, p. 85). O que Paredes (2007) propõe é, em consonância
com a Teoria Crítica Racial, a exposição e o desmascaramento do racismo, do jogo de
dominação e manipulação das identidades racializadas, em suas múltiplas expressões.
O terceiro e último ponto refere-se à relação colonial como fundamento da
identidade racializada. O colonialismo funciona, em geral, como obstáculo para uma
formação crítica permanente em todas as áreas do conhecimento científico. Em particular,
as relações coloniais costuram um emaranhado de significados que constituem um
repertório de descrições racistas dos povos indígenas. As imagens que circulam em algumas
das produções acadêmicas, analisadas neste texto, ilustram a força de manobra de tal
repertório.
As pessoas Potîgũara são representadas como aquelas que não agridem o meio
ambiente, gostam de ser participativas e democráticas e são abertas à civilização (BARBOSA,
2015). Essas imagens soam como positivas e notórias, mas retratam a idealização que se
construiu em torno de pessoas que foram massacradas e desconsideradas (BONIN et al,
2015). Qual o parâmetro para afirmar o que é civilização, progresso, desenvolvimento? Se há
pessoas Potîgũara que alugam suas terras para plantação de cana-de-açúcar como estratégia
de sobrevivência, como são consideradas diante da idealização? Se há outras que não
‘gostam de ser’ participativas, deixam de ser Potîgũara? O ‘gostar de ser’ ou ‘deve ser’ já
revelam um olhar de manipulação da identidade racializada sobre o outro.

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Um dos problemas dos repertórios coloniais é que eles dificultam que se entre nos
conflitos, de forma humana. Uma aldeia, uma família, uma escola Potîgũara, ou seja, a vida
de pessoas Potîgũara apresentam desordens, desencontros e confusões. Narrativas e
pesquisas acadêmicas que apagam esses elementos reforçam o racismo. Geram narrativas
que acomodam e naturalizam idealizações e aguçam o medo do conflito, o que é um modo
de manipulação das relações coloniais pela via das identidades racializadas.
As contranarrativas, ou narrativas que revelam conflitos e contradições, rasgam e
abrem fendas nas relações coloniais e se traduzem em movimentos plurais incontroláveis.
Elas expõem a confecção das identidades racializadas, presente nas escolas indígenas e não-
indígenas. Ao mesmo tempo afirmam que outras narrativas são possíveis, tanto nos espaços
acadêmicos quanto da escola indígena, quando os processos formativos se tornam críticos,
implicados e abertos às intersecções de diversos saberes.

Referências
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Acessado em 27 de maio de 2016.

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AQUI, NADA É FÁCIL: FORMAÇÃO DE REDE DE SOLIDARIEDADE ÉTNICA POR


INDÍGENAS POTIGUARA NA UNIVERSIDADE CONTRA PRECONCEITOS RACIAIS

LUCENA, Jamerson Bezerra


Universidade Federal da Paraíba
jamerson_lucena3@hotmail.com

Introdução

Em 2013, durante o primeiro ano do curso de Licenciatura em Ciências Sociais no


Campus I da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) conheci um jovem Potiguara,
representante de um grupo de universitários indígenas daquele espaço acadêmico. Ao longo
de nossa amizade e diante do meu interesse antropológico de pesquisa, o jovem
universitário (Administração) Kauê da Aldeia Tramataia revelou-me que existiam mais
universitários indígenas naquele espaço acadêmico e que eles poderiam me ajudar nesse
meu estudo antropológico que tinha como objetivo localizar, entrar em contato e entrevistar
indígenas Potiguara que vivem naquele espaço urbano – objeto de minha pesquisa de
Mestrado em Antropologia Social. Cabe destacar que em 2014 ingresso novamente na UFPB
como pós-graduando em Antropologia Social no intuito de pesquisar indígenas Potiguara
que vivem na espacialidade urbana da região metropolitana de João Pessoa.
Esses universitários também participam de reuniões no Setor de Estudos e Assessoria
a Movimentos Populares (SEAMPO), fazendo parte de Projetos de Extensão, tendo como
objetivo principal desenvolver atividades referentes à formação de jovens indígenas que
ingressaram nessa universidade e, atualmente, estão frequentando diferentes cursos dos
Campi I e IV da UFPB, tais como Comunicação em mídias digitais, licenciatura em Física,
Serviço social, Biologia, Administração, e Ecologia. Neste ambiente extra-campi também
podemos perceber como é propício o debate sobre identidade étnica, sentimento de
pertencimento, etnicidade, contatos interétnicos, História do Povo Indígena Potiguara e
também assuntos relacionados ao Movimento de Política Indígena no Nordeste.

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A partir das nossas observações nesse ambiente extra-campi constatemos nas


reuniões a presença constante de quatro jovens indígenas, a saber: Kauê (25 anos) e Juraci,
ambos da Aldeia Tramataia e estudam Administração e Biologia, respectivamente; Itaîybá
(25 anos) estuda Ecologia. Este jovem indígena, tempos atrás, fazia Engenharia Ambiental no
Campus I da UFPB em João Pessoa. De acordo com seus relatos orais decidiu transferir de
curso, pois “o curso de Engenharia (Ambiental) me mostrou está voltado pro mercado de
trabalho e não para a questão do território” (Itaîybá, 2018). O jovem Potiguara pensava em
adquirir conhecimentos sobre manejo de território a fim de transferir posteriormente essas
informações para seu grupo étnico, contribuindo para a manutenção e cuidados com o uso
do solo, por exemplo. Contudo, suas expectativas foram frustradas e após alguns anos
conseguiu transferir de curso e, atualmente, estuda Ecologia no Campus IV na cidade de Rio
Tinto, próximo do seu lugar de origem, a Aldeia Alto do Tambá.
A jovem Amandy (29 anos) também é natural da Aldeia Alto do Tambá, mas vive
desde sua adolescência na cidade de Santa Rita, região metropolitana de João Pessoa,
juntamente com a família de sua irmã mais velha. Recentemente concluiu o curso de Serviço
Social. Estes jovens trouxeram consigo bagagens experienciais do seu lugar de origem e,
desse modo, circulam pelas cidades, produzindo suas redes sociais partir das interações
vicinais, conforme relatos orais de Juraci e seu irmão, Kauê, e de amizade proporcionada por
ações de gentileza e solidariedade num campo de ajuda mútua que aos poucos vai sendo
construído no espaço acadêmico, na rua onde mora e por parentes consanguíneos ou de
afinidade que dão assistência a esses universitários na capital paraibana e cidades vicinais.
Em 2015 trabalhando de forma voluntária num projeto de extensão sobre a questão
indígena na Paraíba do Setor de Estudos e Assessoria a Movimentos Populares (SEAMPO) da
UFPB entrei em contato de forma mais intensa com esses universitários indígenas, já citados,
e o jovem Itaîybá foi o principal interlocutor; aquele que tive mais contato durante a
realização do projeto de extensão, assim como a participação de vários outros eventos na
cidade e aldeias. Esses contatos foram fundamentais para que juntos, de forma
compartilhada, pudéssemos refletir sobre a questão do fluxo de estudantes indígenas na
cidade, suas expectativas, projetos e as agruras surgidas no campus universitário devido as

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ameaças de corte das bolsas de estudo; preconceitos raciais, processo discriminatório e o


estar longe de casa.
Nesses fluxos constituídos entre a Aldeia e a Cidade os Potiguara se deslocam de um
lugar a outro de forma dinâmica, criando uma rede de solidariedade étnica que intensifica as
relações de parentesco, reciprocidade e laços de amizade. Segundo Pitt-Rivers (1989, p. 162)
“Propiamente la amistad es una asociación libre con aquella persona que uno elija”. Essas
relações se estreitam entre aqueles que estão na cidade e os que permaneceram na aldeia
em consonância aos seus sentimentos de pertencimento, moral do reconhecimento
(CARDOSO DE OLIVEIRA, 2006) ou autorrespeito. No que se refere a essa moral do
reconhecimento, o autor (idem, p. 55), apregoa que “É quando a busca pelo respeito de si
pelos outros começa pela descoberta do auto-respeito, encontrando nele a dignidade e a
honra indígena tão vilipendiada no passado, e hoje, ao que tudo vem indicando, encontra-se
em pleno processo de recuperação”. Em muitos casos a solidariedade étnica reforça ainda
mais o sentimento de pertencimento, pois o indígena sente-se, de certa forma, protegido
pelo seu grupo étnico. Para esses jovens fazer parte do povo indígena Potiguara é motivo de
honra, orgulho, pois implica uma “valorização social” (PITT-RIVERS, 1992).
A honra, como um dos pontos de equilíbrio no conjunto de valores éticos, é um
princípio moral de fundamental relevância para os indígenas Potiguara porque se refere às
relações de parentesco, sentimento de pertencimento étnico, amizade e reciprocidade. A
reciprocidade, por exemplo, constitui-se como um elo agregador de valor na dimensão da
moralidade, pois através de suas ações aproxima amigos, vizinhos e parentes, criando um
processo contínuo de produção e reprodução dos materiais culturais que manifestam
sentimentos de pertencimento. Vale destacar que o objetivo geral desse nosso estudo é
demonstrar o surgimento de uma rede de solidariedade étnica que foi sendo construída por
esses seis jovens indígenas Potiguara na cidade de João Pessoa e, entrelaçado a isso, o
surgimento do sentimento de pertencimento étnico. Para Marcel Mauss (2003), a
reciprocidade pode ser entendida como um ato de responder, de troca, da mesma forma ou
similar, uma vez que não existe a possibilidade da pessoa “devolver” uma ação contendo a
mesma equivalência de valor desta que recebeu, porque o que está em jogo não é apenas a

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troca material, por exemplo, mas “o que realmente torna-se valoroso é a obrigação moral”
(LUCENA, 2016). Segundo o autor (2003), das regras e ideias fundamentais nessa relação de
troca, de reciprocidade “a mais forte das quais sendo a própria obrigação moral de
retribuição”.
Vale destacar que o Programa de Bolsa Permanência (PBP) do Ministério da Educação
(MEC) está ligado a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e
Inclusão (SECADI). O PBP criado no ano de 2013 no intuito de contribuir através de ajuda de
custo no valor de R$ 900,00 a permanência de universitários indígenas e quilombolas nas
Universidades. É uma ação do Governo Federal de concessão de auxílio financeiro a
estudantes indígenas e quilombolas matriculados em instituições federais de ensino superior
em situação de vulnerabilidade socioeconômica. O recurso é pago diretamente ao estudante
de graduação por meio de um cartão de benefício.
Essa política pública foi uma conquista dos povos indígenas brasileiros que vinham
lutando por melhorias e sua inserção nos espaços universitários, baseados nos seus direitos
apregoados na Constituição Federal (CF) de 1988. Contudo, essa política pública vem sendo
eliminada, através de cortes nas verbas destinadas ao PBP pelo o atual governo federal
desde o início deste ano de 2018.
Cabe lembrar que a Lei de Cotas contribui primeiramente para o ingresso de
indígenas, quilombolas dentre outros grupos étnicos raciais. Contudo, deixaremos claro e
ressaltamos que o sistema de cotas raciais, não os torna inferiores, pois na universidade
todos estão no mesmo patamar de ensino, embora o processo de aprendizagem do ensino
médio na rede pública seja bastante precário em comparação com a rede privada de ensino
fazendo com que tenham muitas vezes maiores dificuldades de acompanhar os estudos no
ensino superior.
A tessitura metodológica dessa nossa pesquisa será construída seguindo critérios
relacionados à pesquisa descritiva com enfoque qualitativo que tem como objetivo
descrever
dados etnográficos referentes à história de vida de seis jovens indígenas Potiguara que
vivem entre a aldeia e a região metropolitana da cidade de João Pessoa. No que diz respeito

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ao enfoque analítico desse trabalho, preferimos optar pela a “análise situacional” e o


“estudo de caso detalhado”, tendo como ponto norteador os estudos de Max Gluckman
(2010 [1958]) e Van Velsen (2010 [1967]), pois consideramos ser o mais propício para o
estudo analítico a que nos propomos a realizar no campus I da UFPB e também nas Aldeias
das Terras Indígenas Potiguara, onde esses jovens nasceram e vivem.
Para a coleta de dados utilizarei várias técnicas e instrumentos, tais como a
observação participante, as Entrevistas Narrativas (EN) com a utilização de um gravador de
voz, quando for permitido após uma consulta prévia aos estudantes, além das anotações
realizadas num diário de campo produzidas pelas observações em campo. Estas anotações
constituirão reflexões iniciais, esboços preliminares de ensaios interpretativos que
integrarão esse trabalho que será produzido em breve. Isto porque “o diário, parte dele,
quando você não registra apenas datas e o que você fez no dia, quando você põe o material
etnográfico dentro dele, passa a ser muitas vezes um pré-texto. E um pretexto para um
artigo, como sugere a homofonia das palavras...” (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2000, p. 197).
Procurarei seguir com rigor o Código de Ética da Associação Brasileira de
Antropologia (ABA) e da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Parecer nº
695/2008/CONEP), e com isso, apresentarei e entregarei uma cópia desse estudo para o
público presente (universitários indígenas), além de representantes, caciques, das aldeias
onde vivem esses jovens indígenas. Utilizarei também, quando for exigido, o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A pesquisa será desenvolvida, levando em
consideração o primeiro e segundo semestre letivo da UFPB no ano de 2018.

Tecendo Caminhos Teóricos

Para melhorar o entendimento do processo de configuração dessa rede de


solidariedade étnica produzida no espaço urbano pelos jovens indígenas Potiguara será
necessário constituir um embasamento teórico que possa abarcar esse estudo que envolve
conceitos que são caros a Antropologia, tais como a reciprocidade, pertencimento étnico e
valores éticos pertencentes ao grupo étnico aqui estudado.

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De acordo com Marshall Sahlins (1983), a reciprocidade incorpora interesse e


desinteresse concomitantemente, assim como indivíduos, objetos, sentimentos e relação
social. Em sua complexidade, um sistema de reciprocidade não é necessariamente uma
relação equilibrada entre objetos, doador e recebedor, porque apresenta inúmeras nuances
e assimetrias, conforme a cultura, a história e a tradição de um povo. Neste sentido, o autor
compreende que no ciclo de reciprocidade não existe a possibilidade de haver uma relação
simétrica, pois cada indivíduo doador ou retribuidor possui um ponto de vista distinto. Para
fins analíticos o autor propõe uma tipologia que se tornou referência para muitas análises
contemporâneas sobre o papel da reciprocidade na conduta individual e coletiva dos atores
sociais na contemporaneidade. Esta tipologia está dividida em três, a saber: generalizada,
equilibrada e negativa.
Nesse caso, os jovens Potiguara baseando suas ações sociais numa dimensão moral
tende a demonstrar suas atitudes através do primeiro tipo que é o da reciprocidade
generalizada. Sendo assim, o ciclo de reciprocidade torna-se amplo e fortalecido por esse
fluxo de “dar, receber e retribuir” (MAUSS, 2003), reforçando os valores morais dos jovens
estudantes Potiguara. Vale destacar que uma parte significativa do conteúdo cultural do
grupo étnico provém de sua historicidade, das relações de parentesco, ritos, crenças,
costumes e que não se dissolve com o tempo.
Sendo assim, essa bagagem cultural, ética “amarrada” pela socialização produzida
nas relações de parentesco dos Potiguara tenderá a conduzir de forma inerente os princípios
valorativos éticos pertencentes aquela etnia. Seguindo o rastro do pensamento de Fredrik
Barth (2000 [1969], p. 32), referindo-se ao quadro de valores morais que o grupo étnico é
orientado a seguir, pois são “os padrões de moralidade e excelência pelos quais as
performances são julgadas. Uma vez que pertencer a uma categoria étnica implica ser certo
tipo de pessoa e ter determinada identidade básica, isto também implica reivindicar ser
julgado e julgar-se a si mesmo de acordo com os padrões que são relevantes para tal
identidade”.
O processo de pertencimento étnico poderá se tornar mais forte na espacialidade
urbana para os jovens indígenas porque eles estão distante de seu lugar de origem, de sua

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parentela e isso possibilitará uma busca, uma necessidade de ajuntamento de estudantes


indígenas no campus universitário no intuito de se criar um grupo, uma rede de
solidariedade étnica, suportando, segundo alguns jovens, a carga de preconceitos existente
no espaço acadêmico e a ausência de parentes.
De acordo com Cardoso de Oliveira (2006, p.55), pertencimento étnico “É quando a
busca pelo respeito de si pelos outros começa pela descoberta do autorrespeito,
encontrando nele a dignidade e a honra indígena tão vilipendiada no passado, e hoje, ao que
tudo vem indicando encontra-se em pleno processo de recuperação”. Neste sentido, mesmo
encontrando-se num espaço urbano distante geograficamente do seu território étnico, esses
jovens indígenas conseguem manter, de forma inexorável, seus valores morais num
ambiente sociocultural diversificado e multiétnico. Como forma de apropriação e conquista
de espaço, esses estudantes Potiguara também participam de reuniões e projetos de
extensão no Setor de Estudos e Assessoria a Movimentos Populares (SEAMPO) da UFPB e a
partir daí tem a oportunidade de dialogar sobre as dificuldades nos estudos e problemas
relacionados a preconceitos e discriminação racial sofridos no espaço acadêmico, além de
adquirir mais conhecimento sobre seu povo.
Vale ressaltar que mesmo vivendo no espaço urbano isso não apaga a sua identidade
étnica, pelo contrário, em algumas situações pode ser reforçada, porque pelo que observei
na capital paraibana muitas vezes a identidade indígena torna-se mais intensa por existir,
por exemplo, entre os estudantes Potiguara “uma solidariedade étnica, um sentimento de
pertencimento engendrado sob a égide de defesa do seu grupo étnico diante de algumas
dificuldades impostas por uma “sociedade branca” universitária na capital paraibana”
(LUCENA, 2016, p.30).
Nessa perspectiva, constatei que esses indígenas quando estão na cidade buscam
uma maior interação social, através de uma visitação a um parente que vive na cidade
vizinha, uma hospedagem a um estudante, demonstrando gestos de generosidade,
reciprocidade e consideração pela família, participando de eventos culturais e sociais, tais
como conferências indígenas, aniversários, casamentos, batizados, pontos de encontro na
universidade para estudar, enfim, situações sociais específicas que ocorrem no espaço

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urbano e que tem o objetivo de interagir, estreitar laços de parentesco, intensificar amizades
por intermédio dessas estratégias construindo sua rede de solidariedade étnica.
Os universitários Potiguara que vivem na cidade, sempre que possível, fazem questão
de participar de eventos culturais, ritualísticos numa tentativa de reafirmar e valorizar mais
ainda a sua identidade étnica, mesmo vivendo numa espacialidade urbana carregada de
preconceitos e discriminação racial conseguem sobreviver e permanecer estudando na
Universidade, devido as suas estratégias de ação desenvolvidas no intuito de fortalecer as
relações afetivas com a sua parentela no contexto urbano, mas também intensificando laços
de amizades com alguns não indígenas citadinos.
Nesse sentido, percebo que no espaço urbano existe um leque abrangente de
relações sociais, onde muitas vezes presenciamos uma convivência multiétnica como, por
exemplo, judeus, muçulmanos, indígenas, ciganos etc. em que a identidade étnica pode ser
ativada a partir do momento que o indivíduo sinta necessidade e senão houver fica
protegida. A partir daí, o indivíduo, de forma singular ou junto com seu grupo étnico poderá
reivindicar seus direitos que são recorrentes de sua identidade étnica indígena.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao tecer essas considerações observo que possivelmente essa pesquisa trará


reflexões relevantes e significativas sobre redes de solidariedade étnica construídas na
espacialidade urbana, apresentando uma análise baseada nas relações de parentesco e
amizades formadas na aldeia e cidade. E, dessa forma, conseguem fortalecer seu sentimento
de pertencimento étnico.
Nessas considerações, percebo que os entrelaçamentos das redes de relações sociais
construídas por esses jovens Potiguara, guardada as devidas distinções que cada
configuração apresenta, conseguem “amarrar” e usar muito bem seus “laços pessoais de
parentesco e amizade” (BARNES, 1969, p. 173). Sendo assim, os enleios das redes sociais
desses jovens estão relacionados às suas peculiaridades, pois cada rede constitui uma forma

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específica e dinâmica de estratégias de ação para poder dar continuidade no cenário em que
foi produzida e reforçando, de certa forma, um “conjunto de valores morais éticos” (BARTH,
2000) desses jovens universitários mesmo vivendo num espaço urbano pluriétnico.
É importante ressaltar que a construção de redes de relações sociais (étnica) desses
Potiguara se dá também num “campo de possibilidades” (VELHO, 1994) gerado a partir
dessas interações ocorridas nessas espacialidades (Aldeia e Cidade), além das políticas
públicas que o governo federal oferece, garantindo oportunidades para que ingressem na
Universidade. As oportunidades surgem por um “campo de possibilidades como dimensão
sociocultural, espaço para formulação e implementação de projetos” (ibdem, p. 40). Sendo
assim, os projetos individuais estão associados a um conjunto de ações que foram
proporcionados por esse campo de possibilidades que pôde ser engendrado, no caso dos
indígenas Potiguara, através de uma inter-relação entre atores externos e internos que
vivem num fluxo constante entre a aldeia e a cidade.

REFERÊNCIAS

BARTH, T. F. “Os grupos étnicos e suas fronteiras”, In: LASK, Tomke (org.) O guru, o iniciador
e outras variações antropológicas, Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2000 [1969], pp. 25-
67.

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multiculturalismo. São Paulo: Edunesp, 2006.

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BIANCO, BELA (org.). Antropologia das sociedades contemporâneas: Métodos. São Paulo:
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LUCENA, Jamerson B. “índio é índio onde quer que ele more”: uma etnografia sobre índios
Potiguara que vivem na região metropolitana de João Pessoa. Dissertação (Mestrado) em
Antropologia Social. Paraíba/UFPB/PPGA, 2016.

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Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2003.

PITT-RIVERS, J. A. Amistad y Autoridad. In: Um pueblo de la sierra: GRAZALEMA. Ed. Cast.:


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SAHLINS, M. “Un Esquema de Las Reciprocidades”. In: SAHLINS, M. Economia de La Edad de


Piedra. Madrid: Akal editor, 1983.

VELSEN, Van. “A análise situacional e o método de estudo de caso detalhado”. In:


FELDMAN-BIANCO, BELA (org.). ANTROPOLOGIA DAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS
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VELHO, Gilberto. “Trajetória individual e Campo de possibilidades”. In: Projeto e


metamorfose: Antropologia das sociedades complexas. Rio de Janeiro, Editora Jorge Zahar,
1994.

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AÇÕES AFIRMATIVAS PARA ALUNOS INDÍGENA NA UNIVERSIDADE FEDERAL


DO SUL E SUDESTE DO PARÁ-UNIFESSPA

LISBÔA, Flávia Marinho71


Universidade Federal do Pará
flaviamlisboa@gmail.com

INTRODUÇÃO

Depois do período colonial, uma nova fase de intensificação do contato entre


brancos e indígenas na mesorregião sudeste do Pará (Região que corresponde às regiões sul
e sudeste do estado do Pará) se deu a partir dos anos 60, quando essa região passou a
receber uma acelerada migração de pessoas de todo o Brasil em função de recorrentes
projetos de grandes proporções que se instalam em estados especialmente da Amazônia
Oriental, constituindo esse território marcadamente pelo conflito como reflexo da expansão
do capital na Amazônia. Nesse cenário, o convite do governo militar de “integrar para não
entregar”, ao implantar o Plano de Integração Nacional (PIN) no território amazônico,
desconsiderou a existência de homens nativos no local, agenciando a distribuição de terras
sem reconhecê-las como propriedades indígenas e quilombolas, entre outros povos
tradicionais. Estes tiveram seus territórios, assim como suas existências, ainda mais
ameaçados por essa implantação do grande capital da história recente, configurando a
referida região como espaço de fronteira, com intensos confrontos entre “os que chegam” e
as populações tradicionais.
O que queremos destacar no desenho desse contexto é o fato de que a intensificação
das disputas por território colocam os indígenas em constante posição de defesa e de luta
por direitos em decorrência desse contato sistemático com o homem branco, provocando
diversas demandas sociais como a formação acadêmica de forma a garantir maior

71
O presente artigo é resultante de pesquisa de doutorado orientada pela professora Ivânia dos Santos Neves no
Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL) da Universidade Federal do Pará (UFPA).

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autonomia diante das novas dinâmicas que passam a ter os povos indígenas em função
desse contato.
Assim, a Unifesspa está inserida em uma região que é fronteira para os povos
indígenas no Brasil, a Amazônia, em um contexto de 50 aldeamentos de nove etnias
diferentes, totalizando cerca de 4.400 indígenas que vivem em intensa relação de conflito
com a sociedade nacional, resistindo desde a colonização contra os processos de expansão
do capital na região.
Segundo dados da Funai deste ano, as regiões sul e sudeste do Pará abrigam os povos
Amanayé, Gavião, Suruí Aikewara, Assurini, Xikrin do Kateté, Guajajara, Atikun, Guarani e
Parakanã. Esses povos estão historicamente situados nessa região, o que nos permite
problematizar que sempre houve uma demanda desses sujeitos para acessar a universidade,
mas que as condições de possibilidades históricas anteriores não permitiam a visibilidade
dessa demanda, que só passou a ser atendida via políticas afirmativas a partir de 2009, como
resultado de uma cobrança por parte dos indígenas do Pará. Ainda pelo tensionamento dos
povos indígenas junto ao governo federal, passam a surgir cotas nas instituições federais em
função da criação da Lei Federal nº 12.711, de 29 de agosto de 2012. Além de atender à
referida lei, a Unifesspa também manteve a política afirmativa (desde sua criação por
desmembramento da UFPA em 2013) de reservar duas vagas em cada uma das turmas de
graduação exclusivamente para alunos indígenas.
Diante dessa presença “mais visível” na Unifesspa de estudantes indígenas, a
instituição passa então a ser pressionada por melhorias no atendimento diferenciado desses
alunos, solicitando a criação de um núcleo que pudesse receber as demandas desse público
e, assim, melhorar as possibilidades de permanência de alunos indígenas na Unifesspa.
Desde 2016 esse núcleo vinha sendo discutido e sua construção foi então concretizada em
abril deste ano (Resolução Nº 058, de 12 de Abril de 2018) sob o nome “Núcleo de Ações
Afirmativas, Diversidade e Equidade” (NUADE), sobre o qual nos deteremos neste trabalho, a
fim de enfatizar a expectativa sobre essa proposta de contribuição, enquanto um resultado
de uma política institucional para a democratização da Educação Superior com respeito à

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diversidade cultural existente na universidade em questão, como microcosmo da sociedade


onde está inserida.
Inicialmente proposto para dirimir as demandas de estudantes indígenas da
Unifesspa, ao longo do tempo de discussão para construção do Nuade foram então
acrescentados outros sujeitos como público do núcleo, ficando então dividido em três
coordenadorias, sendo a que trata das demandas indígena a Coordenadoria de Questões
Étnico-Raciais. Considerando o Nuade como principal ação tomada pela universidade para
com esses sujeitos, relacionaremos também outras medidas tomadas ao longo dos cinco
anos de existência da Unifesspa, entendendo o Nuade como uma experiência concreta de
colaboração intercultural entre a instituição e os movimentos ligados aos povos indígenas na
busca por prestação de serviço e resolução de problemas pedagógicos, administrativos e
culturais em decorrência da permanência desses sujeitos na universidade.
Assim, o presente trabalho se volta aos sentidos que o processo de construção e
atuação desse núcleo pode gerar, já que o mesmo foi construído a partir da proposição do
movimento indígena em diálogo com um grupo de professores da instituição, no sentido de
atender demandas resultantes dos conflitos educacional, sociocultural, político e
epistemológico gerados pela inserção de alunos indígenas na Unifesspa. Além de atuar na
busca de soluções de problemas cotidianos, o núcleo também tem a função de viabilizar
ações de reflexão e visibilização desse público na universidade, com vistas ao enfrentamento
do racismo e preconceitos sobre os povos tradicionais que compõem a sociedade regional
onde a Unifesspa está inserida.

INDÍGENAS E ENSINO SUPERIOR NAS REGIÕES SUL E SUDESTE DO PARÁ

Como sujeitos tutelados pelo Estado, as primeiras ações de formação dos indígenas
vieram juntas com o Serviço de Proteção aos Índios (SPI), órgão que antecedeu a criação da
Fundação Nacional do Índio (Funai).
desde o início do SPI instalou-se uma rede de escolas para educação
de índios – ensino de “primeiras letras” e, sobretudo, de ofícios que
os situassem como futuros trabalhadores (corte e costura para

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mulheres, carpintaria para os homens, por exemplo) – que se


tornaria uma rede nacional de escolas indígenas sob a gestão da
Funai, teoricamente orientada para uma educação bilíngue... Ao
longo das décadas de 80 e 90, ONGs fundadas por antropólogos e o
Conselho Indigenista Missionário e a Operação Anchieta (hoje
Operação Amazônia Nativa) passaram a contestar a ação educativa
da Funai e das missões tradicionais, propondo modelos alternativos
de escolarização (...)em favor de práticas diferenciadas e
interculturais para os povos indígenas instituídas pela Constituição de
1988. (LIMA, 2007, p. 8).

Até esse momento, segundo o autor, o governo proliferava cursos de “treinamento


em métodos de montagem de projetos, em técnicas de gestão de organizações, que se
impuseram pela via dos formatos em que operam as agências internacionais e nacionais de
fomento” (LIMA, 2007, p.17). Por outro lado, o movimento indígena já exigia uma formação
que ultrapassasse o status de “treinamento” com vistas no ingresso nas universidades,
percebendo a importância de dominar os conhecimentos ditos “científicos” que os brancos
possuíam, já que eles eram os conhecimentos utilizados nas negociações e diálogos com o
branco.
Os primeiros cursos de Licenciatura Intercultural foram oferecidos pela Universidade
Estadual do Mato Grosso (UNEMAT), com a primeira turma em 2001, e na Universidade
Federal de Roraima (UFRR), iniciada em 2003, no Núcleo Insikiran de Formação Superior
Indígena. A busca pelo Ensino Superior passou a ser mais constante entre os indígenas no
Brasil nos últimos quinze anos, primeiro por inciativa própria dos indígenas em busca de
graduações em instituições privadas, onde as mensalidades eram pagas por bolsas
concedidas pela Funai. Essa era uma opção para os indígenas que preferiam tentar a
graduação em alguma cidade mais próxima de suas aldeias do que se aventurarem em
universidades federais mais distantes. Além disso, nessa conjuntura, sem a “lei de cotas” (Lei
nº 12.711, de 29 de agosto de 2012) ou políticas que disponibilizassem um processo seletivo
diferenciado para os indígenas, o ingresso de indígenas via Enem (Exame Nacional do Ensino
Médio) nunca foi uma alternativa democrática, que de fato possibilitasse o ingresso desse
público nas universidades públicas.

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Em 2012, então é criada a já referida Lei Federal nº 12.711, aumentando a entrada de


indígenas nas IES (Instituições de Ensino Supeior), sendo um marco nessa linha temporal de
inserção de indígenas nas graduações públicas de diversos cursos e nãos mais apenas nas
licenciaturas para formação de professores indígenas.
Mas já antes da existência da Lei de cotas, algumas universidades tensionadas pelas
pressões dos movimentos indígenas por cursos de graduação, implantaram ações
afirmativas, possibilitando formas específicas e diferenciadas de ingresso, como é o caso da
UFPA (como já mencionado) que desde 2009 oferta um Processo Seletivo Especial para
indígenas, acrescentando duas vagas em todos os seus cursos para serem preenchidas por
esse público aprovado nessa seleção. Desde sua criação em 2013, por desmembramento da
UFPA, a Unifesspa mantém então essas mesmas políticas afirmativas, passando então a
implementar outras ações e práticas com vistas à melhoria na vida acadêmica desses alunos,
o que levou a enxergar a necessidade de criação do Nuade como forma de concentrar e
agenciar as demandas voltadas para o grupo.

ENTRADA DE INDÍGENAS NA UNIFESSPA E A CRIAÇÃO DO NUADE

Na mesorregião sudeste paraense a presença da universidade existe desde 1987,


com a implantação do campus de Marabá da UFPA (campus que em 2013 é desmembrado
para dar origem à Unifesspa). Foi nesse campus que, a partir de 2010, os indígenas das
localidades próximas puderam então ingressar numa universidade federal através do
Processo Seletivo Especial (PSE), específico para candidatos indígenas. Desta forma, os
indígenas da região contam como ação afirmativa com o PSE para ocupar as duas vagas de
reserva da instituição, além desses serem contemplados também pela lei de cotas no
processo seletivo regular e a Bolsa Permanência de R$ 900 reais subsidiada via Ministério da
Educação (MEC).
Apesar de possibilitar a entrada desses sujeitos na universidade, a ação afirmativa
precisa ser problematizada, colocando em questão as ações voltadas para esse público
depois que começam a cursar a graduação. Após possibilitar o acesso dos indígenas de

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forma diferenciada, a postura diferenciada que esses sujeitos esperam da universidade não
se mantém. Na outra ponta, a universidade impõe (pela sua estrutura curricular, pedagógica,
administrativa e epistemológica) uma adaptação instantânea desses sujeitos ao espaço
acadêmico, sendo essa a grande problemática da inserção de indígenas nas universidades
federais do país.
o governo federal não tomou nenhuma iniciativa no sentido de
estabelecer ações governamentais de longo prazo ou de caráter
permanente – aquilo que a vulgata política chama de políticas de
Estado – no sentido de fomentar a educação superior de indígenas,
ainda que esta seja uma demanda cada dia mais presente no cenário
das demandas indígenas. Não há suporte à resolução do principal
problema dos estudantes indígenas na universidade: recursos para
sua manutenção, esquemas de acompanhamento à sua formação
dentro de universidades como tutorias etc., nem tampouco formas
de adaptação dos currículos universitários às demandas por
conhecimentos surgidas desde as realidades dos povos indígenas em
sua vida cotidiana. (LIMA, 2012, p. 188)
Em 2011 o Congresso Nacional aprovou uma lei alterando a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a Lei 12.416, de 9 de junho
de 2011, dispondo sobre a oferta de educação superior para os povos
indígenas, sobre a assistência estudantil e sobre o estímulo à
pesquisa e desenvolvimento de programas especiais, porém até hoje
não têm sido efetivadas políticas e ações em nível federal voltadas à
aplicação dessa lei. (PALADINO, 2012, p. 185)

É nesse ponto da problematização que apontamos existir um conflito mais que


educacional, mas também sociocultural, político e epistemológico, resultante de uma
política pública incompleta, que não é típica da Unifesspa, mas um reflexo da falta de
amadurecimento das instituições nacionais para lidar com as diferenças, sejam elas quais
forem, inclusive as culturais.
Ressaltamos, por outro lado, que a Unifesspa tem procurado andar na contramão
dessa norma, buscando refletir e agir sobre o melhor atendimento aos graduandos em
questão. Entre essas ações estão: eventos como espaço de reflexão sobre a condição
indígena na universidade, produção de relatórios que dão conta das demandas dos alunos
na universidade (inclusive com entrevistas), cursos de formação para os servidores e

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professores da instituição e a criação do Nuade, com a “Coordenadoria de questões étnico-


raciais”, voltada para dirimir as demandas do público indígena na instituição, gerando
resultados que viabilizem uma educação mais democrática, em diálogo com as culturas
indígenas e seus projetos de sociedade.
Para refletirmos sobre a criação do Nuade como reflexo da entrada de alunos
indígenas na Unifesspa, procuramos problematizar o lugar que ocupa a forma de existência
dos povos originários na região e como isso se relaciona com seu acesso e permanência no
Ensino Superior, a fim de elaborar ações e políticas no âmbito acadêmico com vistas à
minimizar os efeitos conflitivos como resultado da existência dos alunos indígenas no
contexto acadêmico.
A implementação de cotas/reserva de vagas para os povos originários na Unifesspa,
como a política de cotas e de um Processo Seletivo Especial, passa a inscrevê-los nesse
espaço monocultural que é comum às universidades e estas não conseguem efetuar as
mudanças necessárias, no tempo em que os alunos precisam, para atender a esses sujeitos.
Por conta disso, esses alunos indígenas são imediatamente pressionados pela estrutura
pedagógica, curricular e burocrática-administrativa a se adequarem ao novo que é a
universidade, sem que haja um tempo e ações pontuais para tal adaptação, segundo relatos
dos próprios indígenas.
À grosso modo, foi para atender esse apontamento feito inicialmente pelos indígenas
que a Unifesspa aceitou o exercício de reflexão e de autoproblematização, percebendo a
incoerência de se manter homogeneizada frente à abertura para receber sujeitos de cultura
e bases epistemológicas tão distintas da visão ocidental/eurocêntrica, percepção essa que
rege a academia.
Convidar candidatos indígenas para adentrar a universidade (oficialmente feito pelo
Processo Seletivo Especial que reserva duas vagas para indígenas em todos os cursos da
Unifesspa) requer ter ciência de que há responsabilidades nesse convite, de que apenas a
reserva das vagas não é o suficiente para que esses estudantes, de fato, usufruam desse
ganho histórico, pois as dificuldades são muitas para se manterem cursando uma graduação,
tanto que desde a implantação da reserva de vagas, em 2009, até 2016 o número de

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formandos indígenas foi de apenas quatro alunos. Ou dado importante que se soma ao
cenário de evasão é o fato de que, apesar de todos os anos acontecer o PSE, até o início do
ano de 2016, estavam ativos na instituição apenas 54 alunos, distribuídos pelas 48 turmas de
graduação da instituição.

Inserção da temática Educação para as Relações Étnico-Raciais (ERER) na Unifesspa


Nesse sentido, é fundamental a atuação do Estado no sentido de garantir direitos aos
grupos indígenas como forma de instrumentalizá-los na luta por implementação de
mudanças institucionais. ARAUJO JUNIOR (2018, p. 191) se refere a essa garantia de direitos
(mencionando a teoria de Kymlicka) como “proteções externas”:
As proteções externas são fundamentais para garantir os modos de
organização dos povos indígenas, enquanto grupo e individualmente.
Nesse sentido, a proteção territorial ganha especial relevância, assim
como todos os aspectos atinentes às suas peculiaridades
socioculturais (trabalho, saúde, educação).

No quesito “educação” mencionado, como um aspecto primordial para o


fortalecimento da luta indígena pela sua existência (condicionada à proteção de suas terra e
suas culturas), já existem um leque de formulações legais que possibilitam essa
instrumentalização (enquanto “proteção externa”) dos povos indígenas na exigência de
melhorias. É por meio desse conjunto de leis e diretrizes que os movimentos indígenas
podem fundamentar o enfretamento ao racismo e gerar novas práticas positivas nas IES (e
que inevitavelmente reverbera na sociedade como um todo), é a adoção da temática
Educação para as Relações Étnico-Raciais (ERER) nos diversos âmbitos que constitui a
universidade, em especial o educacional, o que não exclui os da pesquisa e extensão. Para
tanto há um conjunto de leis, resoluções e pareceres que amparam a aplicabilidade da ERER
nas IES.
O embasamento legal primordial é a Lei Nº 11.645, de 10 março de 2008, que altera a
Lei Nº 9.394/1996 (antes já modificada pela Lei Nº 10.639/2003), que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a
obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Uma das

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conquistas importantes garantidas por essa lei é a adoção de “política de cotas raciais e
outras ações afirmativas para o ingresso de negros, negras e indígenas no ensino superior”.

O Artigo 26 da Convenção No 169 da Organização Internacional do Trabalho Sobre


Povos Indígenas e Tribais garante que “Deverão ser adotadas medidas para garantir aos
membros dos povos interessados a possibilidade de adquirirem educação em todos os
níveis, pelo menos em condições de igualdade com o restante da comunidade nacional”.
A Resolução CNE/CP 01/2004, em seu Artigo 1º, dispõe “que as Instituições de Ensino
Superior incluirão nos conteúdos de disciplinas e atividades curriculares dos cursos que
ministram, a Educação das Relações Etnicorraciais”.
Já o Parecer CNE/CP 03/2004 define que “as Instituições de Educação Superior
devem elaborar uma pedagogia anti-racista e antidiscriminatória e construir estratégias
educacionais orientadas pelo princípio de igualdade básica da pessoa humana como sujeito
de direitos, bem como se posicionar formalmente contra toda e qualquer forma de
discriminação”.
O documento que reúne todas essas orientações e amparos legais para a adoção da
temática educação das relações étnico-raciais é o “Plano Nacional de Implementação das
Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Etnico-Raciais e para o Ensino
de História e Cultura Afrobrasileira e Africana”. Quando as DCN’s foram elaboradas, havia
amparo legal apenas para o Ensino de História e Cultura Afrobrasileira e Africana (Lei Nº
10.639/2003), mas, a partir de 2008, a Lei Nº 11.645/2008 altera as DCN’s incluindo também
os indígenas, de forma que apesar de o Plano Nacional de Implementação das DCN’s não ter
os indígenas incluído em seu título, essa inclusão é garantida em seu conteúdo pela lei de
2008.
Nesse sentido, toca não apenas o povo negro mas também os indígenas as seguintes
orientações do plano nacional para o tratamento da Educação das Relações Etnico-Raciais no
Ensino Superior:
a) Incluir conteúdos e disciplinas curriculares relacionados à
Educação para as Relações Etnicorraciais nos cursos de graduação do
Ensino Superior...

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b) Desenvolver atividades acadêmicas, encontros, jornadas e


seminários de promoção das relações etnicorraciais positivas para
seus estudantes;
(....)
f) Estimular e contribuir para a criação e a divulgação de bolsas de
iniciação científica na temática Educação para as Relações
Etnicorraciais. (BRASIL, 2009, p. 42-43)

O plano ainda faz um reforço importante no que tange ao papel das IES no
enfrentamento do racismo e da adoção da temática étnico-racial
De acordo com o Parecer CNE/CP 03/2004, as instituições de
educação superior devem elaborar uma pedagogia anti-racista e
antidiscriminatória e construir estratégias educacionais orientadas
pelo princípio de igualdade básica da pessoa humana como sujeito de
direitos, bem como se posicionar formalmente contra toda e
qualquer forma de discriminação (...)
As IES são as instituições fundamentais e responsáveis pela
elaboração, execução e avaliação dos cursos e programas projetos
institucionais, projetos pedagógicos dos cursos e programas que
oferecem, assim como de seus planos de ensino articulados à
temática étnico-racial (BRASIL, 2009, p. 53)

Diante dessas atribuições direcionadas às IES, destacamos entre tantas as seguintes


ações recomendadas pelo Plano às universidades: ampliar a oferta de vagas na educação
superior; inserir a Educação das Relações Etnicorraciais de acordo com as orientações do
Parecer CNE/CP 03/2004 e da resolução CNE/ CP 01/2004; produzir e fazer veicular em todos
os cursos material que trate da Educação das Relações Etnicorraciais. Além dessas
recomendações, o plano também deixa clara a necessidade de as IES incluírem em seus
currículos os conteúdos e disciplinas que versam sobre a Educação das Relações
Etnicorraciais.
Quanto à aplicabilidade dessas orientações legais e institucionais na Unifesspa, um
estudo feito em 2016 verificou como os cursos de Letras (Habilitação em Português) e
História adotam a ERER. É importante pesar que o conjunto de leis levantadas deixa claro a
especial atenção que os cursos de licenciatura devem ter quanto à temática etnicorracial e o

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estudo mencionado mostra que ainda há uma carência considerável quanto à aplicabilidade
dessas orientações legais.
A pesquisa revelou que há avanços quanto à aplicabilidade da ERER,
ao se assegurar na estrutura dos cursos a previsão de disciplinas e
conteúdos, no entanto, alguns aspectos precisam ser alvo de atenção
para futuras adequações, como por exemplo, a efetivação de
disciplinas obrigatórias na grade curricular (2016, p. 3).

Diante dessa deficiência nos cursos de licenciatura, é inevitável inferirmos que há um


caminho muito maior a ser percorrido nos demais cursos da universidade, que normalmente
acreditam ser apenas dos cursos de licenciatura a necessidade de inclusão da temática
etnicorracial em suas disciplinas e demais atividades acadêmicas.
O estudo sobre a aplicabilidade da ERER na Unifesspa ainda aponta as seguintes
conclusões:
contatou-se que a inserção cumpriu apenas uma exigência
normativa, uma vez que não há implementação de conteúdos em
outras disciplinas (...) Apesar da quantidade de disciplinas e
conteúdos que abordam a temática no curso, um número
significativo de estudantes não identificou a inclusão da temática nos
assuntos abordados (...) As experiências dos dois cursos, desde o PPC
ao relato de professores/as e estudantes, nos mostram a necessidade
do tratamento da temática nos cursos para que comportamentos e
atitudes sejam direcionados a uma educação antirracista, e
consequentemente, uma sociedade mais justa e igualitária.
(FERNANDES; GUIDO; RODRIGUES, 2016, p. 23-25)

Diante do conjunto de leis que aparam a discussão, reflexão e implementação de


ações na pesquisa, ensino e extensão das IES, somada ao cenário apontada pela pesquisa de
Fernandes; Guido; Rodrigues (2016), evidencia-se aí uma empreitada pertinente ao Nuade,
cabendo-o questionar e propor mudanças estruturais na instituição a fim de concretizar
efeitos nos âmbitos pedagógicos, curriculares e mesmo administrativos para minimizar
práticas racistas e excludentes vivenciadas pelos alunos indígenas na instituição.

Ações afirmativas para alunos indígenas na Unifesspa

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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Como frutos das cobranças do movimento indígena na região sul/sudeste do Pará


para acessar e permanecer na universidade, podemos elencar os seguintes desdobramentos:
 A UFPA (em todos os seus campi) passa a realizar o Processo Seletivo Especial (PSE)
para indígenas, com base na Resolução N°. 3.689/2009, que acrescenta em todos os
cursos da instituição duas vagas para alunos indígenas às vagas já existentes: “Aprova
a reserva de vagas a indígenas nos cursos de graduação da UFPA”. O Art. 1º da
resolução garante que “Fica aprovada a reserva de duas vagas, por acréscimo, nos
cursos de graduação da UFPA a indígenas, via seleção diferenciada”;
 Quando a Unifesspa foi criada em desmembramento da UFPA, o PSE implementado
pela Resolução N°. 3.689/2009 foi adotado pela nova instituição;
 Desde sua criação, a Unifesspa mantém a Divisão de Assistência Estudantil (DAIE), um
departamento ligado à Pró- Reitoria de Extensão (PROEX), que pensa ações de
inclusão e permanência dos alunos indígenas na universidade, assim como
estudantes quilombolas e do campo;
 Todos os alunos indígenas na Unifesspa recebem a Bolsa Permanência, sendo essa
avaliada, tanto pelos alunos quanto pela DAIE, como um fator imprescindível para a
permanência desses alunos na universidade;
 Em 2015 foi ofertado aos alunos indígenas o Programa de Nivelamento Indígena,
uma espécie de monitoria para dirimir dificuldades desses alunos com as disciplinas
nos seus respectivos cursos, tendo o objetivo então de dar condições para que os
alunos não desistissem da graduação por não conseguirem acompanhar o ritmo e a
forma como os conhecimentos eram tratados;
 Com esse mesmo intuito, desde 2017 é disponibilizada aos indígenas monitoria para
ajudar nas dificuldades com as disciplinas da graduação.
 Como exigência dos indígenas, o NUADE foi implantado em abril do presente ano
com o intuito de dirimir as demandas pedagógicas, administrativas e culturais desse
público, sendo depois proposto a ampliação do atendimento desse núcleo para
outros alunos pertencentes a grupos minoritários da sociedade, como os

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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quilombolas, povos do campo e comunidade LGBTI, que possuem forte


representação na Unifesspa.
Ao longo da exposição desses pontos, nota-se que o Nuade é a mais recente ação
afirmativa tomada pela Unifesspa e também a com maior capacidade de impactar a vida dos
alunos indígenas, uma vez que a própria criação do núcleo já viabiliza o registro e a cobrança
por tomadas de ações diante das demandas levantadas pelo movimento de alunos
indígenas. Dessa forma, a criação do núcleo é um avanço na luta local por melhorias
educacionais, fomentando e ampliando as possibilidades de diálogo e resolução de conflitos
gerados pela presença da diferença indígena na instituição.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante desses apontamentos, é notório que a Unifesspa em seus cinco anos de
existência tem se esforçado em promover ações no sentido de buscar construir formas que
melhor atendam os graduandos indígenas, o que evidencia a preocupação da nova
universidade com esses sujeitos.
Com isso, o Nuade foi criado para atuar como uma unidade de funcionamento em
rede na referida universidade, propondo-se a recepcionar demandas advindas dos alunos,
professores e demais servidores, a fim de dirimir os conflitos educacional, sociocultural,
político e epistemológico gerados pelo conflituoso contato entre os mundos indígena e
ocidental na Unifesspa.
Partimos da premissa de que a evasão dos alunos indígenas na universidade está
diretamente relacionada à ideia de universidade como espaço homogêneo e não como um
espaço multicultural, microcosmo da sociedade da mesorregião sudeste paraense onde
estão situadas diversas aldeias indígenas, com culturas e línguas bem distantes das
ocidentais; e é essa ideia de que as universidades são culturalmente homogêneas é o que
estrutura as práticas pedagógico-administrativas que norteiam o ensino acadêmico.
Com isso, evidencia-se à comunidade acadêmica que a relação insatisfatória dos
alunos indígenas com o ensino e a aprendizagem eurocentrados não se trata de uma
deficiência que carregam, mas sim uma decorrência de outros fatores ligados às suas

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diferenças epistêmicas e culturais. Por meio desse fundamento, acreditamos ser necessário
colocar em ação uma concepção pluralista e intercultural das práticas de ensino (já
amparada por leis e diretrizes mencionadas neste trabalho), enfocando atividades situadas
no contexto sociocultural do aluno, no seu universo simbólico, tornando a universidade um
espaço onde a distribuição do poder é problematizada.
Essa perspectiva demanda ações com preocupações para além do ingresso desses
alunos nas universidades, mas que se preocupem também com a permanência dos mesmos
na academia, tendo a consideração da cultura/identidade como uma premissa estruturante
para a formulação de alternativas.
Nesse sentido, tornar mais latente a presença desses sujeitos na instituição e buscar
mais diálogo com o movimento indígena na solução dos problemas que afetam os alunos em
questão são posturas, entre outras, que devem fundamentar as políticas adotadas pela
instituição, o que o recém-criado Nuade tem como missão, propondo e intermediando ações
que minimizem na vivência acadêmica dos alunos indígenas os reflexos negativos do
inevitável conflito entre os mundos indígenas e ocidental.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação. Plano Nacional de Implementação das Diretrizes
Curriculares Nacionais para Educação das Relações Etnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afrobrasileira e Africana. Brasília: MEC, 2009. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=10098-
diretrizes-curriculares&category_slug=fevereiro-2012-pdf&Itemid=30192 Acesso em: 19 de
jun de 2018.

_____. _____. Diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações Etnicorraciais
e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana. Brasília, DF, out. 2004.
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/>. Acesso em: 19 de jun de 2018.

_____. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação


nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 20 dez. 1996.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/l9394.htm>. Acesso em: 19 de
jun de 2018.

_____. Lei nº 10639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de


1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo
oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”,

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ISSN:

e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 9 jan.
2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10639.htm>. Acesso
em: 19 de jun de 2018.

_____. Lei nº 11.645, de 10 março de 2008. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de


1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e
bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a
obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Brasília, DF, 10
mar. 2008. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2008/lei/l11645.htm. Acesso em: 19 de jun de 2018.

ARAÚJO JUNIOR, Júlio José. A Constituição de 1988 e os direitos indígenas: uma prática
assimilacionista? In: CUNHA, Manuela Carneiro da; BARBOSA, Samuel Rodrigues (Orgs.).
Direitos dos povos indígenas em disputa. São Paulo: Editora Unesp, 2018.

FERNANDES, Ana Paula de Souza; GUIDO, Claudiana Gomes; RODRIGUES, Lidiane Neves.
Aplicabilidade da Erer na Unifesspa: um estudo a partir dos nde’s e discentes dos cursos de
Letras e História. 2016. Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização (Especialização
em Políticas de Igualdade Racial na Escola) - Universidade Federal do Pará, Belém. 2016.

LIMA, A. C. Educação superior para indígenas no Brasil – sobre cotas e algo mais. Seminário
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PALADINO, M. Algumas notas para a discussão sobre a situação de acesso e permanência


dos povos indígenas na educação superior. Práxis Educativa, 7 (Especial), p. 175-195, Dez de
2012.

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MEMÓRIA, HISTÓRIA E PATRIMÔNIO: O CASO DA IGREJA DE SÃO MIGUEL


ARCANJO DO POVO POTIGUARA

NASCIMENTO, Miriam Gomes do


Universidade Federal da Paraíba/PROLIND
miriamgustavo@hotmail.com

APOLINÁRIO, Juciene Ricarte


Universidade Federal de Campina Grande
jucieneufcg@gmail.com

Nas últimas duas décadas, são notórios os avanços no campo do Patrimônio Cultural,
onde ocorre uma abrangência conceitual que leva a um novo entendimento sobre o que é o
patrimônio e à criação de novos instrumentos para salvaguarda dos bens culturais. Porém,
apesar destes avanços ainda é possível identificar, na atuação de órgãos como o IPHAN
(Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), permanências de uma perspectiva
mais tradicional ligada a excepcionalidade dos bens passíveis de serem preservados.
Entretanto, paisagens, modos de fazer, ofícios, ritos, mitos e tradições foram
incorporados ao conceito de Patrimônio enquanto práticas imateriais. Na esteira desta
ampliação do campo, experimenta-se também uma inflação patrimonial sendo um dos
sintomas a dificuldade dos órgãos públicos de aplicar e gerenciar, de modo efetivo, todas
estas novas ferramentas e possibilidades de preservação, especialmente o chamado
Patrimônio Material. O caso da Igreja de São Miguel Arcanjo, no município de Baía da
Traição/ PB, parece ser emblemático:
A Igreja de São Miguel Arcanjo, caracterizou-se por muito tempo, enquanto um
espaço de disputas dos interesses colonizadores desde o século XVI, sejam franceses,
portugueses e holandeses. Quanto à data de fundação, acredita-se na possibilidade de ter
sido edificada entre meados do século XVII e XVIII pelos missionários jesuítas, objetivando a
catequese dos parentes Potiguara. É perceptível a beleza única e singela deste templo
católico emblemático para os Potiguara
Na época da chegada dos portugueses, no atual território correspondente a Paraíba,
os Potiguara, pertencentes à grande família Tupi-guarani, habitavam as grandes extensões

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de terra desde Pernambuco até o Maranhão, constituindo-se no maior e mais poderoso de


todos os grupos étnicos do litoral nordestino. Entre as crenças Potiguara cultuavam o sol e a
lua e tinha Deus Tupã como o maioral de toda a coletividade. Tinha na terra a grande mãe,
geradora de vida e de sustento, mediante o cultivo de plantas frutíferas e medicinais.
Com a chegada dos frades Carmelitas, adveio também a imagem de São Miguel
Arcanjo, objetivando a catequização dos Potiguara, com alusão a um santo guerreiro com
armas em punho já que nosso povo era tido no período colonial como exímios arredios e
defensores dos seus territórios. Não obstante, a representação de São Miguel Arcanjo
conseguiu despertar nos indígenas a devoção ao santo, de maneira que escolheram erguer,
no alto do vilarejo, uma igreja, tornando-o Padroeiro dos Potiguara. Dessa maneira, há 311
anos iniciou o novenário em honra a São Miguel, em que os indígenas Potiguara, passaram a
ressignificar o catolicismo incitado pela catequização Carmelita.
Durante seus festejos, nossos antepassados sempre dedicaram seu tempo e
empenho na realização de seu novenário. Atualmente, a Igreja de São Miguel torna real a
trajetória da aproximação entre o ontem e o hoje e por sua vez a história é alimentada pela
memória do Povo Potiguara. Trazendo à tona a existência de uma tradição, contribuindo
para construção de uma identidade religiosa mestiça.
Este trabalho se propõe a desenvolver uma análise da importância do processo
histórico da Igreja de São Miguel Arcanjo, como marco histórico de grande importância para
o Povo Potiguara. Monumento este de arquitetura Barroca de linhas simples, situada na
aldeia com mesmo nome, herança das Missões Jesuítas que hoje perpetua através dos
novenários e festividades em homenagem ao padroeiro dos Potiguara.
A própria localização da edificação é indício das estratégias utilizadas pelas lideranças
religiosas estrangeiras, provavelmente para estabelecer relações de poder e sociabilidade ao
adentrar o território indígena em suas tentativas de dominação e civilização. Além disso,
percebe-se ainda que na escolha do local se pensou uma defesa natural, uma vez que foi
construído em lugar mais elevado em relação ao nível do mar. Nesse sentido, a Igreja de São
Miguel Arcanjo compõe de forma significativa o cenário da Vila de São Miguel integrando a

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paisagem cultural de Baía da Traição, tanto por seus valores estético-paisagísticos, quanto
por sua valorização simbólica e tradicional.

Metodologia
Dentre outros aspectos, a oralidade é considerada fonte de identidade étnica para
povos indígenas, capaz de retratar suas vivências, realidades e o modo de vida em uma
determinada época, nas suas mais variadas sociabilidades. Ressaltando-se que essa
metodologia não só permite a inclusão do indivíduo, mas possibilita a inclusão do sujeito na
escrita da história.
A memória coletiva carrega marcas das práticas identitárias e de historicidade de um
povo construídas ao longo do tempo. Como assevera Le Goff (1994): É na “... memória, onde
cresce a história, que por sua vez alimenta, procura salvar o passado para servir o presente e
o futuro. Devemos trabalhar de forma que a memória coletiva sirva para a libertação e não
para a servidão dos homens”. E é por esta compreensão que acreditamos que valorizar o
patrimônio histórico Potiguara permite que sejamos livres do “esquecimento” muitas vezes
institucional que teima em buscar nos dizimar enquanto grupo étnico.
Diante do exposto, destacamos em nossa pesquisa a história oral. Através desta
metodologia buscamos revisitar o passado do nosso povo. Através da história oral a
memória é perpassada com amplitude, principalmente por camponeses e comunidades
indígenas (MATOS & SENA, 2016, p.58).
Apesar de todas as mudanças culturais ocorridas ao longo dos tempos, os povos
indígenas que narram a sua história adaptam o cenário de seus relatos ao seu próprio meio.
Contudo, preservaram fielmente os principais elementos e fatos que marcaram a sua
história e a história do seu povo sob todos os aspectos, de forma que, a memória preservou
a tradição historiográfica evitando, assim, deformações e distorções acerca da história dos
vencidos ou esquecidos. Neste sentido é que história é sinônimo de memória numa relação
de fusão entre (MATOS, SENA, 2016, p. 59)
Dessa forma nos coloca Le Goff:

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Mnemósine, revelando ao poeta os segredos do passado, o introduz nos


mistérios do além. A memória aparece então como um dom para iniciados
e a anamnesis, a reminiscência, como uma técnica ascética e mítica.
Também a memória joga um papel de primeiro plano nas doutrinas órficas
e pitagóricas. Ela é o antídoto do Esquecimento. No inferno órfico, o morto
deve evitar a fonte do esquecimento, não deve beber no Letes, mas, pelo
contrário, nutrir-se da fonte da Memória, que é uma fonte de imortalidade
(LE GOFF, 1996, p. 438).

A História Oral é um instrumento que surge com o propósito de dar voz a um povo
sufocado pela invasão da cultura contemporânea, dando vez e voz aos menos privilegiados.
Nesse sentido Brigmann diz que:

A História Oral surge nesta corrente para romper paradigmas e dar voz aos
indivíduos menos privilegiados e socialmente excluídos, permitindo por um
lado uma maior abertura à compreensão da temática estudada, e por
outro, propiciando aos historiadores desvelar novos olhares a temas
específicos. No que concerne às pesquisas entre comunidades indígenas, a
História Oral vai ganhar força a partir de 1988, após a promulgação da
Constituição Federal, que garantiu vários direitos aos povos indígenas
brasileiros, especialmente o direito aos seus territórios tradicionais,
gerando grande demanda e valorização das pesquisas diacrônicas sobre os
remanescentes indígenas no país. Isso conduz, inevitavelmente, a reflexões
sobre a relevância social das pesquisas, bem como a uma necessária ética
que deve estar sempre presente nas preocupações do pesquisador
(BRIGMANN, 2012, p.7).

Dentre os principais tipos de entrevistas utilizadas como fontes para


desenvolvimentos das pesquisas que utilizam-se dessa ferramenta, podemos citar: histórias
de vida, entrevistas e trajetórias de vida.
Ainda acerca da definição sobre História Oral, assim coloca Thompson (1992) que:

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A história oral pode dar grande contribuição para o resgate da memória


nacional, mostrando-se um método bastante promissor para a realização
de pesquisa em diferentes áreas. É preciso preservar a memória física e
espacial, como também descobrir e valorizar a memória do homem. A
memória de um pode ser a memória de muitos, possibilitando a evidência
dos fatos coletivos (THOMPSON, 1992, p. 17).

Dessa forma, a história oral representa o revisitar a história de vida de um povo


numa determinada época, ao mesmo tempo em que proporciona uma dimensão viva,
trazendo novas perspectivas à historiografia, pois o historiador, muitas vezes, necessita de
documentos variados, não apenas os escritos.
Partindo dessa afirmativa assim nos coloca Alberti (1990):

A história oral apenas pode ser empregada em pesquisas sobre temas


contemporâneos, ocorridos em um passado não muito remoto, isto é, que a
memória dos seres humanos alcance, para que se possa entrevistar pessoas
que dele participaram, seja como atores, seja como testemunhas. É claro
que, com o passar do tempo, as entrevistas assim produzidas poderão
servir de fontes de consulta para pesquisas sobre temas não
contemporâneos (ALBERTI, 1990, p. 4).

Se observarmos a linha de pensamento do citado autor, a história oral está


diretamente voltada para a memória do homem, bem como sua capacidade de reviver,
relembrar e manter vivo o passado enquanto sendo ele testemunha viva de fatos e
acontecimentos que marcaram a sua história. Sendo assim, podemos entender que a
memória é uma construção psíquica e intelectual de fragmentos que representam a história
vivida em um determinado momento do passado, nem sempre em sua totalidade, mas de
forma fragmentada motivada por estímulos para a sua (MATOS & SENA, 2016). Não se trata
apenas de lembrança isoladas de um certo indivíduo, mas de um indivíduo inserido em um

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contexto familiar ou social, religioso ou étnico, podemos assim dizer, que de tal forma essas
suas lembranças são permeadas por inferências coletivas, moralizantes ou não.
Nesse contexto Halbwachs (2004) afirma que:

Toda memória é coletiva, e como tal, ela constitui um elemento essencial


da identidade, da percepção de si e dos outros. Vale dizer que, de certa
forma, filtramos nossas lembranças, ativando aquilo que queremos, que
nos é significativo. Talvez não possamos impedir que certas lembranças
aflorem, mas podemos controlar a forma como essas lembranças sairão da
esfera do íntimo, do privado, e ganharão vida própria no público.
(HALBWACHS, 2004, p. 85)

A história oral, enquanto método e prática do campo de conhecimento histórico,


reconhece que as trajetórias dos indivíduos e dos grupos merecem ser ouvidas, também as
especificidades de cada sociedade devem ser conhecidas e respeitadas. (MATOS & SENA,
2016, p. 60)
Para melhor compreensão Delgado (2006) assim conceitua a História Oral:

A história oral é um procedimento metodológico que busca, pela


construção de fontes e documentos, registrar, através de narrativas
induzidas e estimuladas, testemunhos, versões e interpretações sobre a
História em suas múltiplas dimensões: factuais, temporais, espaciais,
conflituosas, consensuais. (DELGADO, 2006, p.14)

A história oral foi utilizada como instrumento principal de coleta de dados,


destacando-se como fonte principal de elaboração do trabalho, por se tratar de uma
metodologia de pesquisa que consiste em realizar entrevistas gravadas com pessoas que
podem testemunhar sobre acontecimentos, conjunturas, instituições, modos de vida ou
outros aspectos da história.

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Ressaltando a importância da oralidade como fonte de preservação da cultura


história dos povos indígenas, Bringmann (2012) afirma que:

As palavras têm força de lei e são sinônimos de poder político e religioso. É


através da língua que são passados, de geração em geração todos os
preceitos básicos de cada sociedade indígena, como a identidade, os
costumes, o modo de ser e, porque não, as formas de sobrevivência. A
oralidade continua a ser ainda na atualidade, a modalidade primária de
transmissão e obtenção de cultura para muitos grupos étnicos em diversas
partes do mundo. (BRINGMANN, 2012, p.5)

Dessa forma, seguindo as tradições que ainda são traços marcantes nas culturas
indígenas de um modo geral, os costumes, as crenças e a identidade desses povos são
transmitidas através da oralidade de geração em geração, garantindo que essa cultura
permaneça forte entre os povos e que não se perca com o passar do tempo. A oralidade é
uma característica forte dentro da cultura indígena e não desaparece por completo do
horizonte dessas populações, mesmo para as mais atingidas pelos ideais centralizadores da
cultura ocidental, ela continua importante para manutenção do pertencimento indígena a
um grupo ou à uma comunidade (BRINGMANN, 2012, p. 6).
Faz-se necessário ressaltar que a pesquisa histórica não se baseia unicamente na
utilização de documentos escritos ou em imagens, mas também na narrativa de fatos feito
por pessoas que presenciaram ou que tem conhecimento substancial acerca do que se está
pesquisando.

ALDEIA SÃO MIGUEL: HISTÓRIAS, NARRATIVAS E MEMÓRIAS

Na segunda metade do século XVIII, a situação das aldeias missionárias vai ser
modificada pelo Diretório pombalino que determina a expulsão das ordens missionárias e a
elevação das aldeias à categoria de vilas de índios. Na ocasião, o aldeamento de São Miguel

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de Baía da Traição passou a ser chamado de Vila de São Miguel da Baía da Traição
(APOLINÁRIO, 2006, p 55).
A Aldeia de São Miguel, até os anos 1980 era o principal lugar onde ocorriam as
práticas religiosas dos Potiguara. Os rituais em torno do santo são um dos elementos
fundamentais do catolicismo popular. Todas as práticas religiosas giram em torno do santo,
é objeto de devoção pessoal do pequeno núcleo familiar (oratório), dos pequenos povoados
(capela) ou das grandes massas (santuário). A vida de cada pessoa tem seu centro e seu
referencial nessa devoção. Todas as aldeias esperavam o ano inteiro para participar da Festa
do Padroeiro, por ser uma das poucas vezes que o padre se fazia presente na área indígena.
A Festa de São Miguel era o momento em que todas as aldeias se encontravam para
festejar e celebrar a vida. No último dia da festa de São Miguel, uma multidão assiste à
missa, uns batizam crianças, outros casam e muitos carregam o andor com a imagem do
Santo até a Igreja de Nossa Senhora da Penha no centro da cidade. O Santo está na imagem,
mas não se confunde com ela, nem se identifica, mesmo assim, a imagem está carregada de
poder sagrado.
Na década de 1980, a igreja construída no século XVIII começa a ter sérios problemas
nas suas estruturas físicas devido à ação do tempo. Num primeiro momento, são feitas
algumas reformas provisórias, mas isso não impede o desabamento de todo o telhado da
centenária Matriz. O órgão responsável, na Paraíba, pelo Patrimônio Histórico, prometeu
reconstruir a Igreja. Os índios começaram uma campanha em todas as aldeias para fazer a
restauração e até formaram uma comissão para esse fim.
Em 1986, com a identificação da reconstrução da antiga igreja, começaram a
aparecer assaltantes, tentando roubar os objetos de valor, sobretudo, a imagem de São
Miguel, de modo que foi determinado que ninguém podia mexer na igreja por ordem do
Patrimônio Histórico, porque muita coisa começou a sumir. Os caboclos do Sítio foram até a
Vila São Miguel, onde dia e noite, vigiavam o Santo.
O tempo foi passando, e as lideranças Potiguara em comum acordo com os demais
indigenas, optaram por levar a imagem de São Miguel para a Aldeia São Francisco, até que
fosse restaurada a igreja da Vila São Miguel. Uma multidão de pessoas em procissão,

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animadas com cantos e rezas, sempre saudadas com fogos de artifícios, conduziram a
imagem até o sítio.
Depois de muitas reuniões e diversas arrecadações, os indígenas da aldeia São
Miguel, decidiram construir uma nova igreja. Concluída a nova capela, as lideranças da
Aldeia de São Miguel reivindicaram a volta da imagem do Padroeiro, mas o acordo firmado
era de que São Miguel só voltaria para a aldeia natal depois de reconstruída a velha igreja.
Como isso não ocorrera, São Miguel permanece até hoje em São Francisco. Para contornar o
impasse, os índios da vila São Miguel adquiriram uma outra imagem bem diferente da
original, tanto no tamanho, como no formato e também no material, enquanto a imagem
original, continua na Aldeia São Francisco.

A arquitetura da Igreja de São Miguel Arcanjo é fortemente marcada pelos traços


barrocos. Em termos artísticos, o Barroco via utilizar a escala como valor plástico de primeira
grandeza. Os efeitos volumétricos são também elementos essenciais na arquitetura barroca,
estes traços estão fortemente presentes na Igreja de São Miguel Arcanjo, como se observa
nas imagens (LEMES, 2012, p. 48).
No século XVI, os padres jesuítas se utilizaram de muitos instrumentos para
facilitar a prática da catequese na aldeia São Miguel Potiguara. Os inacianos procuravam
cumprir a contra-reforma católica tentando a todo custo catequisar os indígenas para que
seguissem o modelo de vida cristã. Os indígenas foram inseridos na pedagogização
arquitetônica dos templos católicos, como a capela de São Miguel em destaque as imagens
de santos e os altares preparados enquanto cenário de conversão.
Desta forma, os templos apresentavam uma força e beleza que eram características
do Barroco. Tudo isso objetivando angariarem mais indígenas para que se transformassem
em fiéis e aumentassem o número de seguidores da religião Católica.
Ao analisarmos sua fachada, são as notáveis concepções que introduz o
movimento cenográfico Barroco com uma correção ótica incrível. A construção era a
premissa maior, na sua estrutura arquitetônica da grandiosidade de Deus, do seu amor, e do
seu castigo, visando, através da imponência, a premissa melhor (consciência) do indígena de

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que era pecador, bem como, de que necessitava salvar-se. E nada mais oportuno de que um
Templo, que se impunha majestosamente, uma concretização em pedra, do infinito amor de
Deus.
Portanto a “Casa de Deus” era um elemento vital na configuração da estrutura social
e simbólica do povoado missioneiro e esta riqueza de expressão identificava a força do
processo evangelizador imposto aos Potiguara.
A atual Igreja de São Miguel é tão importante quanto ao atual Coliseu e Acrópole. É o
testemunho da arquitetura jesuítica missioneira. Essa representatividade religiosa na Baía da
Traição estabelece uma relação entre os índios e o santo padroeiro que por sua vez é
bastante significativa, de forma que a identidade étnica nas narrativas sobre o aparecimento
da imagem do santo relatam a transubstanciação de um índio santo.
Até o presente momento, os Potiguara tem lutado e reivindicado pela restauração da
Igreja de São Miguel do Arcanjo, sobretudo, a partir do contato com os órgãos
governamentais. Nesse sentido, foi realizado um levantamento histórico e fotográfico dela
pelo IPHAEP e IPHAN, também fez o levantamento fotográfico. Segundo a arquiteta do
IPHAN que realizou todo esse trabalho, é possível recuperar a Igreja e a gente acredita que
podemos recuperar o tempo perdido e restaurar a nossa Igreja
A Igreja de São Miguel está localizada na Aldeia Potiguara também denominada de
São Miguel – reduto de indígenas em terras sob a jurisdição da FUNAI, no Estado da Paraíba.
Não se pode precisar com exatidão e data de construção da Igreja de São Miguel, pois as
fontes de informações a seu respeito, são bastante controvertidas.
Segundo Jeanne de Laet, em sua história ou Anais dos feitos das Índias Ocidentais,
quando descreve o episódio referentes à permanência dos holandeses, em 1625, na Baía da
Traição, afirma a existência de “um povoado onde tinham os portugueses uma capela”.
Irineu Ferreira Pinto (1708, p.96), em Datas e Notas para a História da Paraíba,
transcreve uma carta régia datada de 09 de maio de 1708, determinando que se construísse
naquele local, uma igreja, com a finalidade de dar assistência aos silvícolas, como também
aos soldados, responsáveis pela guarnição de fertim, existente na histérica praia.

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Sabe-se que nos anos de 1738 e 1746, estiveram em São Miguel missionários e frades
da ordem de Carmo da Reforma, destacando-se pela sua abnegação, o Fr. André de Santa
Catarina.
A lei n. 14, de 12 de novembro de 1840, criou a freguesia de São Miguel da Baía da
Traição, passando aquele templo a categoria de matriz. Trata-se de uma construção jesuíta,
com características barrocas, típicas dos primeiros séculos do período colonial, medindo 26
metros e 40 centímetros de cumprimento por 10 metros e 40 centímetros de largura,
interrompida, talvez, pela saída repentina dos missionários que a construíram.
A capela de São Miguel representa até os dias atuais as lutas e resistências dos
Potiguara, especialmente as primeiras relações interétnicas com os portugueses, marco de
uma época de negociações e conflitos. Apesar dos estragos causados pelo tempo e pelo
esquecimento, é a esperança de milhares de homens e mulheres indígenas Potiguara que
seja efetuado o projeto de restauração. Almejando, um dia poder vê-la recuperada e
revitalizada enquanto representação de espaço de memória do povo Potiguara.
Os resultados alcançados, ficam evidentes diante das opiniões expressas nas
entrevistas realizadas, onde o revisitar e valorizar a memória é condição indispensável para
que possamos garantir e ligar as práticas culturais do passado diante do presente enquanto
legado, pois ela é responsável por salvaguardar o conhecimento e historicidade produzidos
pelos nossos ancestrais.
Pode-se ainda perceber, que valorizar a memória ainda é uma das principais saídas
para o fortalecimento da Identidade Cultural Potiguara.
Dessa forma, seguindo as tradições que ainda são traços marcantes nas culturas
indígenas de um modo geral, os costumes, as crenças e a identidade desses povos são
transmitidas através da oralidade de geração em geração, garantindo que essa cultura
permaneça forte entre os povos e que não se perca com o passar do tempo. A oralidade é
uma característica forte dentro da cultura indígena e não desaparece por completo do
horizonte dessas populações, mesmo para as mais atingidas pelos ideais centralizadores da
cultura ocidental, ela continua importante para manutenção do pertencimento indígena a
um grupo ou à uma comunidade (BRINGMANN, 2012, p. 6).

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Apesar de todas as mudanças culturais ocorridas ao longo dos tempos, os povos


indígenas que narram a sua história adaptam o cenário de seus relatos ao seu próprio meio.
Contudo, preservaram fielmente os principais elementos e fatos que marcaram a sua
história e a história do seu povo sob todos os aspectos, de forma que, a memória preservou
a tradição historiográfica evitando, assim, deformações e distorções acerca da história dos
vencidos ou esquecidos (MATOS, SENA, 2016, p. 59)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo do desenvolvimento deste trabalho, a partir das revisitações das memórias


de homens e mulheres Potiguara, acerca dos relatos e festejos que envolvem de forma tão
harmoniosa todo povo Potiguara, pode-se perceber a partir desses relatos, a importância
desse patrimônio histórico cultural, enquanto marca de etnicidade.
É percebível a emoção com que os entrevistados viajam no tempo, através de suas
lembranças, revivendo experiências interculturais, compartilhadas com muita fé e devoção a
São Miguel Arcanjo, vivenciadas a partir de um determinado contexto de práticas culturais e
de sentimentos de pertencimento.
É importante relembrar que a oralidade trata-se da transmissão através da fala que
os colaboradores acumularam em suas memórias. O que se observa claramente é a
importância do fortalecimento da nossa etnicidade Potiguara que resiste e se perpetua
através de uma oralidade, que revisitada e valorizada como instrumento de herança, uma
maneira de disseminar entre as gerações futuras a história de um povo para garantir, través
da oralidade e tradições sejam mantidas como um Patrimônio histórico cultural potiguara.
Nesse sentido, a potencialidade de multiplicação se amplia. A consciência da
importância de manter viva essa herança patrimonial, como elemento de pertencimento dos
indivíduos á sua cultura, poderá torna-se uma importante atitude para a formação de
verdadeiros agentes guardiões de uma identidade cultural herdada a partir de muita luta e
resistência de nossos ancestrais.

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A religiosidade é bastante forte na cultura Potiguara, os nossos antepassados


mantiveram acessa a chama que permeia até hoje dentro da nossa cultura, a fé que se
apresenta de diversas formas e sob diversos rituais, preservam a história de um povo,
marcada por lutas, não só pela preservação de seu espaço e de seus direitos, mas pela
necessidade de manter vivo para conhecimento da história de um povo que se destaca pela
sua fé e religiosidade.
Não podemos estar inseridos dentro de uma cultura tão diversificada sem conhecer a
sua história, sem contá-las para os nossos filhos, alunos, amigos, etc., que sob a terra que
pisamos e habitamos existe um legado que não pode ser esquecido nem profanado, que
somos responsáveis direto pela preservação da cultura de um povo que nos acolheu como
filhos, que permitiu que fizéssemos parte da sua história. A cultura Potiguara dentro de toda
sua riqueza, nos revela que a fé foi elemento propulsor para a preservação de toda sua
história, os relatos marcantes dos moradores mais idosos da aldeia, demonstram que a
cultura indígena foi preservada dentro de sua essência e que a necessidade maior é não
deixar que essa história se apague, se perca com tempo, perca sua importância e que os
mais jovens sejam conscientes da riqueza cultural que herdaram, e mais, que vivam e sejam
essa cultura.

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AGÊNCIAS INDÍGENAS EM ALDEAMENTOS MISSIONÁRIOS: FACES DOS PODERES


COLONIAIS NA CAPITANIA DE PERNAMBUCO E SUAS ANEXAS (SÉCULOS XVII-
XVIII)

FREIRE, Gláucia de Souza


Universidade Federal de Pernambuco
erierfglaucia@gmail.com

Introdução

Aos 30 de agosto de 1730, o governador da capitania de Pernambuco, Duarte Sodré


Pereira escreveu ao Conselho Ultramarino informando sobre o quadro de aldeamentos e
índios cativos, bem como do controle das terras na região. Uma cópia dessa
correspondência foi anexada a uma carta de 1742 que abordava a questão da liberdade dos
índios, quando o referido governador já não ocupava o cargo, sendo sucedido por Henrique
Luís Pereira Freire. Convencido do bom desempenho de seu papel, afirma estar em controle
das terras que antes eram ocupadas pelos indígenas, agora mortos, aldeados ou fugidos
(AHU_ACL_CU_015, Cx. 56, D. 4884).
A um primeiro olhar, pode-se incorrer no equívoco de se pensar que a extinção dos
índios favorecia aos interesses das elites político-administrativas na colônia de forma
generalizada. Contudo, as perspectivas em relação aos povos indígenas divergiam diante das
conjunturas e sujeitos envolvidos, conforme as fontes referentes ao mundo colonial
possibilitam entender. Exemplo disso são as correspondências hoje abrigadas junto ao
Arquivo Histórico Ultramarino, de Lisboa, trocadas entre indivíduos de diversas posições na
colônia e o Conselho Ultramarino. O tom político-administrativo desses documentos abarca
abordagens transversais, muitas vezes aprofundadas, que tocam em diversos aspectos da
sociedade colonial, inclusive das ações de grupos afastados dos centros de decisão naquela
estrutura de poder (aqui, os sentidos de “grupo” estão além de conotações étnicas e/ou de
gênero, havendo uma variabilidade dentro e fora das redes de poder em relação a essas
características).

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Nesse passo, a mesma carta que recorre à carta de Duarte Sodré pretende considerar
o desempenho da Junta das Missões de Pernambuco e a necessidade, sugerida pelo então
capitão-mor da Paraíba, Pedro Monteiro de Macedo, de se erigir uma independente nessa
última capitania, usando como principal argumento, na ocasião, maus-tratos a índios
aldeados, decorrentes de uma investigação acerca da suposta manutenção de práticas
religiosas tradicionais em um aldeamento da região de Mamanguape (Freire, 2015).
As relações cotidianas estão além de interpretações binárias. Ao contrário, revelam
uma multiplicidade de papéis e protagonismos, de acordo com os mais variados interesses. É
válido continuar a destacar que as relações entre os colonizadores e grupos indígenas, além
de escravizados africanos e seus descendentes, deram-se com base em uma política de
violência sistemática que impôs um genocídio aos primeiros e a exploração contínua dos
últimos (Monteiro, 2001). Ainda assim, conforme vem demonstrando a historiografia nas
últimas décadas, os conflitos e negociações nessa sociedade ilustram sua complexidade no
que se refere a agências individuais e/ou coletivas, que transcendem a resistência por meio
de guerras e fugas, por exemplo.
Para John Monteiro (idem), interpretações polarizadas conduziram à ideia de que os
povos originários não teriam passado nem possibilidade de futuro (embora a imagem do
“índio valente e bom” seja usada tanto pelo império quanto pela república para edificar
símbolos nacionais, inclusive ao lado de representações de bandeirantes). Salienta também
que os estudos sobre os povos indígenas no Brasil foram majoritariamente legados a uma
perspectiva antropológica porque faltava à historiografia a percepção de suas historicidades,
tendo a narrativa oficial se entranhado até mesmo no campo da ciência.
Regina Celestino de Almeida (2013) elenca os diálogos e as interpenetrações da
história e da antropologia, destacando como a primeira foi, a partir da década de 1980,
abrindo-se às histórias e historicidades indígenas em uma perspectiva que se dedicou a
repensar métodos e análises, encarando as agências desses povos, para além das
resistências a outros sujeitos tradicionalmente tomados como protagonistas e antagonistas
em narrativas que acabavam por esmaecer os papéis dos indivíduos não-brancos. Além
disso, estudos como os de Juciene Ricarte Apolinário (2005), Fátima Martins Lopes (2005) e

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Cristina Pompa (2003) demonstram como as perspectivas de análise no pós-contato podem


apresentar olhares diversos para os protagonismos indígenas, prestando novos tons para a
(re)consideração da história local e nacional.
Esta comunicação visa apresentar facetas dessas relações de poder na capitania de
Pernambuco e suas anexas, em processos que se desenrolam por todo o período em que
Portugal espraiou seus domínios no Brasil. Missionários, fazendeiros e autoridades civis e
eclesiásticas, em suas próprias dissensões, adaptavam-se diante das agências dos sujeitos
que pretendiam dominar cultural, política e militarmente. A pesquisa se debruça sobre as
correspondências da alçada do Conselho Ultramarino, a fim de entender como aqueles
movimentos renderam consultas jurídico-administrativas, apontaram reconfigurações das
legislações indigenistas, além das conhecidas disputas por terra e influência entre os sujeitos
do poder político e do religioso.

Atuações indígenas e poderes coloniais

Corria o dezembro de 1739 quando o então governador da capitania de Pernambuco


escreveu mais uma carta ao rei de Portugal, D. João V. Henrique Luis Pereira Freire, como lhe
cabia, constantemente fazia uso desse recurso para tentar estabelecer, entre outros
assuntos concernentes à administração ultramarina, um ordenamento que agradasse os
senhores das terras e, ao mesmo tempo, mantivesse as boas relações com o Bispo. Com este
deveria combinar quaisquer modificações nos assuntos religiosos, principalmente dos
procedimentos nas missões, fosse para algum ajuste em sua administração ou para um
remodelamento das práticas dos missionários, atuantes no governo e catequização dos
indígenas aldeados e da população do entorno dos aldeamentos (AHU_ACL_CU_015, Cx. 55,
D. 4767).
Essas relações entre governador e bispo não eram cortesia de alguma das partes ou
exclusividade de Pernambuco, mas a base legal do Padroado, um tratado em vigor desde o
medievo, de mútua legitimação entre a Coroa e a Igreja Católica Apostólica Romana, e que
adquiriu novos contornos com a expansão ultramarina portuguesa, ficando a cargo das

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autoridades religiosas a administração do que envolvesse a catequese missionária. Ainda


assim, estava também debaixo da alçada dos administradores políticos, inclusive diante da
necessidade de intervenção armada envolvendo os aldeamentos, principalmente no caso de
prisões.
Assim como relatos de viagens e missões, como decretos sobre a exploração de um
novo mineral ou como pedidos por idas a Portugal em busca de tratamento médico, na
constância da comunicação entre a colônia e o reino, essa carta de dezembro de 1739 abre
as frestas que permitem analisar registros de cotidiano político, jurídico, administrativo e
religioso, legando a possibilidade de abrirmos caminhos para investigação desse outro
tempo, deixando rastros das relações mais diversas entre os indivíduos que os produziam.
Em dezembro de 1739, o Bispo de Pernambuco, Frei Luís de Santa Teresa, acordara
com o governador Henrique Luís Pereira Freire a necessidade de se reconsiderar a
organização das missões da capitania, pela escassez de missionários, pela dificuldade em
manter os aldeados em uma conduta de fidelidade ao catolicismo e, não menos importante,
de garantir mão de obra indígena (geralmente mais barata e acessível que a dos
escravizados negros, principalmente para as propriedades dos sertões) nas fazendas e não
apenas nos aldeamentos dos missionários (idem).
A partir de meados do século XVIII, os pedidos dos governadores e capitães-mores,
em consonância com os senhores de terra, majoritariamente, é para se reduzir o número de
aldeamentos e limitar a autoridade dos missionários, que deviam deixar de administrá-los,
cuidando apenas da catequese. Quando Henrique Luis Pereira Freire e o Bispo Frei Luís de
Santa Teresa levantam novamente o assunto, missionários oratorianos e carmelitas se põem
contrários.
O governador de Pernambuco, ao informar a questão ao rei, coloca-se como aliado
da autoridade religiosa, apontando os frades que resistiam às mudanças, por seus próprios
interesses em manter suas lavouras, como uma minoria incômoda, mas pouco significativa.
Para corroborar seus argumentos, anexa uma queixa de índios aldeados sobre o controle
excessivo dos frades, que não os liberavam para o trabalho em outros lugares. Por sua vez,
os curraleiros/fazendeiros alimentavam a ânsia pelo cerceamento da atuação dos religiosos,

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embora não seja raro que se aliassem a muitos deles. No decorrer do século XVIII aumentam
também as denúncias por má conduta dos missionários, por incitação dos índios à
resistência e por castigos físicos a eles, causando o afastamento de religiosos em alguns
casos.
Um dos documentos anexos na carta de Henrique Luis Pereira Freire (1739) era uma
representação de índios aldeados nos sertões da capitania de Pernambuco. As vozes se
faziam ouvir por motivações evidentes, de salientar a necessidade da redução de aldeias,
como queria o governador e os curraleiros, concedendo “maior liberdade” aos índios,
mesmo havendo uma evidente iniciativa do reino em estimular a catequese até então.
Na prática, na maioria das vezes, com a exceção principal daqueles que conseguiam
se embrenhar em sertões mais longínquos e se juntar a grupos que tinham conseguido se
manter libertos dos braços portugueses e luso-brasileiros, isso significava que eles poderiam,
saídos dos aldeamentos, serem levados a procurar serviço nas fazendas, cobrando pouco ou
nada, em troca de não morrerem de fome. Não são poucos os casos de fugas e manutenção
de costumes dos antepassados mesmo debaixo da catequese missionária ou dos olhares dos
fazendeiros (AHU_ACL_CU_015, Cx. 56, D. 4884). Tanto, que os movimentos de resistência
de grupos armados que conseguiam se manter mais ao interior do território continuaram
aparecendo por todo o século XVIII.
Nesse caso, apesar de não saudarem um passado absolutamente belo, os índios
diziam na representação que, diante da exploração e da expulsão das terras de suas aldeias
pelos “brancos” ou sob a alçada de missionários que lhes imputavam castigos físicos
constantemente, preferiam adentrar ao mato e arriscarem ser comidos pelos povos rivais
(AHU_ACL_CU_015, Cx. 55, D. 4767).
Mesmo a lembrança de um passado tantas vezes hostil poderia ser preferível à vida
presente, embora grupos diversos tenham adaptado e se adaptado às novas roupagens dos
contatos pós-1500. Mas a idealização de outros tempos não é exclusividade dos grupos
coloniais. Roger Bastide (1971), ao falar sobre cultos de umbanda pelo Nordeste que
preservavam traços de antigos rituais indígenas, como a dança do Toré (a dança do Toré
remete ao ritual de povos dos sertões, como os Tarairiú Xukuru, que celebravam seus

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antepassados e entidades a partir do consumo do fumo feito das cascas da acácia jurema,
somado ao chá produzido a partir das raízes da mesma planta. Esse ritual foi motivo de uma
dura investigação no aldeamento de Boa Vista, na capitania da Paraíba, quando, em 1739, o
capitão-mor Pedro Monteiro de Macedo denunciou que os aldeados seguiram com seus
antigos costumes, não apenas debaixo dos cuidados dos missionários carmelitas, mas com a
participação desses. AHU_ACL_CU_015, Cx. 56, D. 4884.), retrata o apego a um tempo
sonhado, situado entre o passado e o futuro, onde as posições de dominação se inverteriam
e os brancos seriam dominados pelos povos negros e indígenas.
Esse caso de Boa Vista ganha ainda mais notoriedade entre as autoridades seculares
nas capitanias de Pernambuco e Paraíba porque se imiscuía em disputas políticas entre elas,
que passava pelas articulações junto às autoridades religiosas, apontando caminhos para
que os sujeitos aldeados se fizessem representar nos argumentos que condenavam, por
interesses diversos, a exacerbação da violência contra eles: em um contexto que se disputa o
controle da mão de obra indígena, além das terras dos aldeamentos, a denúncia sobre o
ritual aparece em segundo plano, quando o capitão-mor se queixa dos descuidos dos
missionários, abrindo outros eixos de conflito e negociação. A chave de suas requisições por
maior autonomia da Paraíba em relação a Pernambuco é a denúncia de um massacre no
aldeamento de Boa Vista, o que feria os princípios da legislação indigenista.
É também no interior dos aldeamentos que as agências se edificam em mais um
aspecto além do desafio direto por meio da guerra. A resistência política encontrava nos
aspectos culturais modos de reafirmação e adaptação, inclusive a partir de circularidades
entre indivíduos de povos indígenas diversos, reunidos no processo de catequese (Vainfas,
1995). Na aldeia da Baía da Traição, região de Mamanguape, na capitania da Paraíba, uma
revolta coletiva foi elaborada entre os chamados “caboclos de língua geral” (Pinto, 1977, p.
149). Mas os conhecimentos tradicionais sobre o lugar e sobre as ervas, por exemplo,
possibilitavam outros embates e armas, além das inseridas pelos colonizadores:

O Cappitão Mor da Parahiba Pedro Monteiro de Macedo em carta de dez de setembro do anno
passado da conta a Vossa Magestade por este Concelho [Utramarino] de como antes de chegar

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aquelle Porto os indios da Aldea da Bahia da Traição que he numeroza são atrevidos e orgulhozos
intentarão uma sublevação geral convidando não só para ella as Aldeas daquela Capitania mas ainda
as mais distantes da de Pernambuco fazendo para este effeyto grande prevenção de armas, polvora,
balas e flechas impedindo a comunicação que podião ter com os brancos com rondas de noute pellas
estradas [?] ameaçando com a morte ao Cappitão Mor dela se desse conta como fez por cuja cauza
segurão muitos o matarão com veneno e outros feitiços (AHU_ACL_CU_014, Cx. 9, d. 769).

Tais práticas culturais tradicionais são armas na política da elaboração de agências,


inclusive tentando arregimentar escravizados negros para sua empreitada, como salienta o
capitão-mor Pedro Monteiro de Macedo (idem, ibidem). Em semelhante feita, indígenas
Tarairiú, Canindé e Xukuru, mantiveram a ritualização tradicional com base na jurema
sagrada, mesmo sob administração carmelita, com a presença de religiosos na missão de
Boa Vista (é válido destacar que muitas missões não tinham religiosos afixados nela, mas
eram administradas com visitas periódicas, o que servirá de argumento para pedidos de
autoridades civis pela redução de aldeias durante todo o século XVIII).
Não é à toa que eventos como os retratados pelo capuchinho francês Martin de
Nantes no relato sobre a Relação de uma missão no São Francisco, publicado em 1706, mas
acerca de suas experiências como missionário nas ilhas do São Francisco na década de 1670,
demonstram as possibilidades de organização militar, nesse caso entre os Kariri, mesmo
contra núcleos políticos poderosos, a exemplo da Casa da Torre, na pessoa de Francisco Dias
d’Ávila. Mais uma vez, fazendeiros se esforçavam para afastar missionários acusando-os de
romper com determinações da legislação que limitava o uso de armas de fogo, por exemplo,
como forma de evitar a apropriação dessas vantagens por grupos indígenas aldeados ou não.
Desse processo, demonstrativo da capacidade de articulação de indígenas e
estabelecimento de alianças e adaptações dentro da política de aldeamentos, resulta a
expulsão dos capuchinhos franceses do Brasil, em 1702, uma nova página na tessitura de
redes de poder e conflitos entre aqueles que, em tese, representariam um uníssono nas
iniciativas de colonização, mas que, por fatores políticos anteriores, por interesses
econômicos e, não menos importante, diante das agências dos povos aldeados, divergiam
quanto aos procedimentos a serem adotados. Ouvidos por seus superiores, com denúncias

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investigadas e nos esforços para manter sua própria estabilidade, os missionários tendiam a
ser derrotados nessa disputa com os fazendeiros, arbitrada pelas autoridades civis, o que
culminou nas reformas pombalinas na segunda metade do século XVIII. Estas
reconfigurações marcam uma nova página de um projeto de poder, que lança braços aos
dias atuais, para tentar invisibilizar os povos indígenas no Brasil (Lopes, 2005), ocasionando
em renovadas fontes e perspectivas de luta e agências desses grupos.

Considerações Finais

É nesse caminho, transitando pela então capitania de Pernambuco e suas anexas, um


dos centros de poder no território colonial, que investigo as relações interétnicas entre
indígenas e não-indígenas e as negociações políticas nessas esferas, ao passo em que as
perguntas se renovam, observando as efervescentes relações entre esses grupos e
indivíduos. Entre eles, os conflitos, que se alternavam com alianças, abriram brechas para o
apoio às reformas pombalinas por parte dos senhores das terras, ansiosos pela mão de obra
que as ordens ocupavam em suas próprias lavouras. Esse movimento foi legitimando a
drenagem de poder da Igreja Católica, fazendo com que o Estado Português fortalecesse e
reorientasse suas bases políticas e, sobretudo, econômicas, visto que foi limitada às ordens
religiosas, com destaque à jesuítica, a manutenção patrimônios e fazendas próprias nos
aldeamentos.
Os pedidos de redução de aldeias, por exemplo, foram intensificados entre os fins do
século XVII e a primeira metade do século XVIII, também como uma decorrência dos
conflitos havidos nos sertões e dos assaltos praticados por grupos indígenas, o que acabava
por prejudicar a instalação e desenvolvimento das fazendas e, consequentemente, os lucros
da colonização, interessada a Coroa também nos impostos cobrados dos colonos. Cabe
destacar que os tons sobre missões e missionários são diversificados na documentação do
Arquivo Histórico Ultramarino, revelando como a realidade colonial guardava variáveis em
microescalas, em um contexto que tendia a ganhar corpo: o desejo que os colonos tinham

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de usarem todos os recursos possíveis para o desenvolvimento de suas atividades sem as


interferências dos missionários acerca do trabalho indígena.
Nessa esteira, ao encarar os relatos das fontes sobre a colonização na América
Portuguesa, especificamente na capitania de Pernambuco e suas anexas, entre os séculos
XVI e XVIII, destacamos as agências indígenas diante dos aldeamentos missionários e as
redes de poder tecidas entre esses sujeitos e aqueles que agiam como representantes da
Coroa e de seus interesses, particulares ou institucionais. Missionários, autoridades civis e
fazendeiros negociavam também a partir de ações indígenas que se faziam representar ao
Conselho Ultramarino para atingir objetivos próprios, traçando estratégias e negociações,
reconfigurando usos de recursos dos colonizadores, inclusive para tentar solucionar
questões e disputas pré-coloniais.

Fontes

Manuscritas
CONSULTA do Conselho Ultramarino, ao rei D. João V. 1735, fevereiro, 8, Lisboa.
AHU_ACL_CU_014, Cx. 9, D. 769.
CARTA do governador de Pernambuco, Henrique Luís Pereira Freire de Andrada, ao rei D.
João V. 1739, dezembro, 10, Recife. AHU_ACL_CU_015, Cx. 55, D. 4767.
CARTA do [governador da capitania de Pernambuco], Henrique Luís Pereira Freire de
Andrada, ao rei [D. João V]. 1741, julho, 1, Recife. AHU_ACL_CU_015, Cx. 56, D. 4884.

Impressas
NANTES, Martin de. Relação de uma missão no Rio São Francisco. Tradução de Barbosa
Lima Sobrinho. São Paulo: Companhia Editora Nacional, [1706] 1979.

Referências bibliográficas

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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políticas indígena e indigenista no norte da capitania de Goiás – Século XVIII. Tese de
Doutorado. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2005.
BASTIDE, Roger. As religiões africanas no Brasil. Vol. 2. Tradução de Maria Eloísa Capellato e
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Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. 2 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011,
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FREIRE, Gláucia de Souza. Encontros, diálogos e agências: circularidades culturais entre
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Traducido por Alberto Clavería. Madrid: Anaya & Mario Muchnik, 1993.
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português, c. 1680-1730. . In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima. Na trama das
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ISSN:

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ISSN:

PROJETO DE LEITURA E ESCRITA


HISTÓRIAS EM QUADRINHOS; LINDAS POTIGUARAS

LIMA, Idalina Aparecida Duarte de

Escola Estadual Indígena - PB

INTRODUÇÃO

A realidade atual afasta cada vez mais os nossos alunos do hábito da leitura. Meios
eletrônicos como computadores, vídeo games, televisores e outros, usados de formas
inadequada, são fatores que contribuem e aumentam a dificuldade para criar o hábito e
tomar o gosto pela leitura.
Preocupamo-nos com a construção do ser humano, para que possa enfrentar
desafios que encontrará ao longo de sua vida, principalmente dentro da escola. Por essa
razão, pretendemos trabalhar e desenvolver atividades referentes a leitura e escrita, dentro
do ambiente escolar, visando solucionar os problemas que hora nos afeta.
Diante deste contexto, acreditamos ser urgente e necessário que nossa escola
busque o resgate e o devido valor a leitura, como ato prazeroso e requisito para
emancipação social e promoção a cidadania.
O público alvo são os alunos do 6º ano do ensino fundamental II , onde unimos o útil
ao agradável usando recurso literário; histórias em quadrinhos e trabalhando lendas
potiguara, transformando algumas dessas lendas em histórias em quadrinhos levando aos
alunos a entender melhor essa modalidade.

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A oportunidade de trabalhar esse recurso literário além de aguçar a criatividade o


interesse e o espírito crítico dos alunos, traz bons resultados oral ao conteúdo proposto.
A arte das Histórias em Quadrinhos envolve uma linguagem rica e complexa, que foi se
aperfeiçoando ao longo de mais de um século de existência. Por isso, este projeto visa o uso das
Histórias em Quadrinhos nas salas do 6º ano do Ensino Fundamental por se tratar de um gênero da
Língua Portuguesa, rico em informações implícitas e facilitando ao leitor uma decodificação do que
deseja expressar.
Esses elementos e sua simbologia são tão importantes que, para quem não está acostumado
com ele, pode ser até possível entender a história. Quanto a sua aplicação na escola, proporciona
experiências narrativas, levando os alunos à aquisição de uma nova linguagem seguindo a história do
começo ao fim compreendendo todo o seu contexto.
As lendas potiguara; conhecer e valorizar a cultura; desenvolver a competência e
síntese; promover o trabalho colaborativo; potencializar aspectos colaborativos;
potencializar aspectos da realidade; conceituação do folclore e apresentação da cultura
folclórica Potiguara através de textos e vídeos. Leitura análise e escolhas das lendas.
Pesquisa de imagem que vão fazer parte das ilustrações das lendas.

METODOLOGIA

Quando se fala em leitura especialmente na sociedade brasileira se percebe-se o


grande índice de resistência, principalmente pelos educandos no âmbito escolar, por ser
uma tarefa que exige dedicação, esforço, vontade e acima de tudo persistência em busca do
conhecimento. Ressalta-se que ler não se restringe a decodificação das letras ou palavras,
mas a apreensão de seus significados, ou seja, é preciso aprender a mensagem transmitida
pelo conjunto de palavras que formam frases e textos. Nem sempre é importante que o
aluno conheça todas as palavras do texto. Deixa-lo ler, refletindo sobre as estratégias de
leitura e o contexto do texto, é fundamental.
A leitura parte do interesse do aluno, mas as atividades para desenvolver devem ser
trabalhadas de formas variadas.

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ISSN:

O objetivo deste trabalho é despertar a sensibilidades e o prazer pela leitura, levando


o educando a refletir sobre seus atos, possibilitando que eles participem de situações de
comunicações orais e escritas como, contar e recontar histórias em quadrinhos.
Segundo muitos estudiosos nessa área de educação, os transtornos na leitura podem
ser gramaticais, fonológicos e viso espaciais ocorrendo constituições omissões ou adições de
(preposições, conjunções, verbos...) troca de fonemas, confusões de letras ou inversões das
mesmas.
Podemos recolher um vasto material para análise através de atividades como cópias,
ditado, escrita espontânea, visando não só a avaliação mas a intervenção para solucionar as
alterações digráficas, por exemplo, no ditado, a palavra falada se transformará em escrita,
primeiro acorrerá uma análise acústica dos sons relacionados os fonemas com as palavras,
depois há sistema semântico, ou seja, a atração de sentido, para então a forma ortográfica
que está armazenada no léxico passa ao módulo grafêmico.
Na cópia utiliza inicialmente a análise visual ou identificação das letras ativando o
léxico visual (representação ortográfica das palavras) que finalmente culminaram na fixação
ou armazenamento gráfico estando envolvido os processos motores, ou seja, a utilização de
dados, podendo auxiliar os alunos a ampliar sua consciência de que as letras podem
corresponder a determinados sons dependendo da posição ou contexto.
Para lidar com as dificuldades da escrita em sala de aula, usamos um recurso
metodológico para o processo de ensinar. São as histórias em quadrinhos.
Trabalhar com histórias em quadrinhos na sala de aula não é tão simples quanto
parece. Por muito tempo esse fantástico recurso foi deixado para segundo plano. Ainda
assim, enquanto literatura comtempla diferentes línguas, seu uso ainda é pouco explorado
em sala de aula.
As histórias em quadrinhos têm características próprias que lhe permitem uma
interação com leitor diferente daquela que se obtém por meio de leitura de um livro, por
exemplo.
A leitura dos quadrinhos não se limita ao texto, mas estende-se à imagem, ajudando
a formar habilidades mais complexas de análises e contextualização.

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ISSN:

São estas particularidades, dentre elas a integração entre texto e imagem, que
colocam os quadrinhos como um instrumento valioso para o desenvolvimento e estimulo da
leitura.
Para realização desse projeto é necessário que o professor coloque de maneira clara
informações prévias relativas a histórias em quadrinhos tendo, participação e interação oral
em sala de aula, lendo textos e outros nomes das tirinhas.
As histórias em quadrinhos são conhecidas como COMICS, nos Estados Unidos (pois
as primeiras eram cômicas); bande dessinée (tiras desenhadas), na França; fumetti
(fumacinhas; por que os balões lembram fumaças saindo da boca dos interlocutores), na
Itália; tebeos, na Espanha (por causa de uma revista chamada TBO) Historietas na argentina;
umñequitos, em Cuba, e mangás no Japão.
Um estudioso dos quadrinhos calculou existirem, mas de 1500 formas diferentes de
apresentar uma expressão facial. Somadas as representações das posturas do corpo, elas
oferecem um alto número de possibilidade de representação de ações de sentimentos dos
personagens.
Há também um livro: A arte dos quadrinhos, de Raquel Coelho, editora formato.
O livro mostra o surgimento e a evolução dos quadrinhos chegando aos dias de hoje.
A outra fala da linguagem características das HQs, dos primeiros heróis, dos diversos
estilos, da importância cultural e econômica dessa arte popular no mundo inteiro.
Alguns recursos linguísticos são encontrados nas histórias em quadrinhos como;
interjeição; ação palavras ou grupos de palavras que expressam emoções, sentimentos,
estados de espirito; podem ser empregadas também como forma de saudação e
cumprimento: Ui! Nossa! Credo! Ei! Oi! Psiu! Coragem! Epa! Ave! Ai de mim! Etc. A
onomatopeia é a palavra formada de modo a imitir sons. Por exemplo: glu-glu, au-au, chuá,
boa, bang, atrilm etc.
Esse projeto foi realizado ensinando passo a passo como montar uma história em
quadrinhos. Mostrar os principais tipos dos balões através de xerox e informar que foram
criados especialmente para os HQs.

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Distribuir folhas com tirinhas de histórias em quadrinhos com balões em branco,


pedir para os alunos criarem um texto a partir das imagens observadas.
São personagens que produzem o enredo. Os personagens têm vontades, dramas,
conflitos, ironias e é por meio de suas falas que as histórias são contadas.
Faz-se necessário uma análise a esses traços característico dos quadrinhos para esse público
de leitor. Para elaboração da sequência didática utilizada, expondo a apresentação da fala e
do pensamento ao espaço e o tempo nos quadrinhos, foram trabalhados os itens segundo
Waldomiro Vergueiro. Diz que: A “alfabetização” na linguagem específica dos quadrinhos é
indispensável para que o aluno decodifique as múltiplas mensagens neles presentes e,
também, para que o professor obtenha melhores resultados em sua utilização (VERGUEIRO,
2009, p31).
 A representação da fala e do pensamento – Nesse capítulo o autor expões como a
fala é representada nos quadrinhos e os recursos expressivos utilizados para denotar
sentimentos. Aqui sintetizamos as formas de balões, expondo através de imagens, e
as cargas expressivas mais encontradas nos quadrinhos.
 A oralidade nos quadrinhos – Nesse capítulo, Ramos demonstra que elementos os
autores utilizam para representar a oralidade nos quadrinhos. Ao trabalharmos com
os alunos, primeiro discutimos o que se entende por “oralidade”
 As estratégias mais utilizadas: O papel de onomatopeia e da cor – Aqui o autor expõe
o que é onomatopeia e quais são mais utilizados em determinados contextos;
também discute como a coloração e sombreamento dos quadrinhos ajuda criar
ambientes que sugerem uma interpretação diferente por um leitor atento e
proficiente nesta linguagem.
 A cena narrativa – Neste momento Ramos destaca a importância do contorno dos
quadrinhos para gerar diferentes significados exemplificando os elementos gráficos
em questão.
 O espaço e o tempo nos quadrinhos – Para finalizar o autor demonstra as diferentes
estratégias utilizadas para realizar a passagem nos quadrinhos. Seja através do
contorno dos quadrinhos, da expressão dos personagens, das legendas ou mesmo de

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ISSN:

outras formas inusitadas trazidas pelo autor. Expondo principalmente, as formas


mais incomuns de retratar esta passagem nos quadrinhos aos alunos com o intuito
de mostrar um material diferente do que os alunos diziam ter contatos.
Através das histórias em quadrinhos podemos trabalhar de forma lúdica e
dinamizada. Nessa etapa é lançado aos alunos a criação de uma história em
quadrinhos, baseada no povo Potiguara, cujo o tema sugerido: Lendas Potiguaras.
CONTOS E LENDAS

De caráter fantástico ou fictício, as lendas combinam fatos reais com fatos irreais.
As lendas indígenas são histórias fantásticas cheias de mistério sobrenatural. Algumas
dessas histórias foram criadas a partir de fatos verídicos, acontecidos. Outras referem-se a
flora e fauna da região, pois segundo suas crenças tanto as plantas como os animais, os rios,
os iguarapés, os lagos, as cachoeiras e o mar, possuem seus protetores que exigem respeito
e inspiram temor. Dentre as lendas mais conhecidas: O boi tatá, O boto, O caipora, A cidade
encantada, O curupira, A galinha Grande, A Iara, A lenda da mandioca, O Saci Pererê, O
Guaraná, O lobisomem, A Vitória Regia e o Velho da Praia.
Os contos, causos e lendas formam a cultura oral de um povo. Esses relatos são
transmitidos de geração em geração, através das narrativas feitas principalmente pelos
anciões baseadas nas experiências e no conhecimento público que possuem.
Localizados no litoral note dos municípios de Baia da Traição, Marcação e Rio Tinto,
os Potiguaras são a maioria dos habitantes, dos dois primeiros e uma importante minuria no
ultimo município. Marcam presença nas atividades econômicas, na produção cultural e nas
lutas políticas dessas três cidades.
Seu território foi objeto de seguidos processos de demarcação estando divididos em
três terras indígenas: a terra indígena Potiguara, A Terra Indígena Jacaré de São Domingos e
a Terra Potiguara de Monte-mór, as duas primeiras estão homologadas pelo presidente da
república, e a ultima se encontra na fase de demarcação física. Os Potiguaras vem se
destacando em outras frentes nas quais podem citar a educação a saúde e a produção

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cultural. Eles têm participado de iniciativas de produção cultural premiados pelo Ministério
da Cultura. Entretanto garantir a sustentabilidade da população.
Esse povo guerreiro constituem um grande exemplo de luta no Norte brasileiro. Sua
história de contato com a sociedade não indígena remota ao início da colonização. Hoje
procuram manter vigor de sua identidade étnica por meio do reaprendizado da língua tupí.
Aqui estão algumas lendas pesquisadas na cartilha “Lendas e Causas do Povo
Potiguara”.
Pai do Mangue / Cumade Fulorzinha (caipora do mato) / As Botijas enterradas / A
mão cabeluda / Mãe d`Àgua – Yara / Procissão da Meia Noite / O Lobisomem / As Bruxas de
Coqueirinho / O Batatão / O Peixe Que Reina na Maré / Rasga Mortaia / O Gritador
(assoviador), entre outras lendas.
Ao trazer para a turma diferentes histórias de lendas regionais, e apresentar os
personagens das histórias os alunos deverão dizer quais são seus personagens favoritos e
que gostam mais. No decorrer do desenvolvimento das atividades, colocar para a turma
pequenos grupos para a confecção de televisão de caixa de papelão expondo suas histórias
criadas na aula anterior. A flexão da língua existe nas histórias em quadrinhos, referente as
disciplinas trabalhadas verificando a aplicação dos conteúdos; habilidades comunicativas.
Isto é, compressão e escrita, uso da língua falada escrita, uso da língua falada escrita e as
atividades proposta.

RESULTADOS
A participação e interação com o gênero textual; historias em quadrinhos e lendas, a
partir da escrita, interpretação textual e desenhos construídos pelos próprios alunos. Espera-
se que o fracasso escolar seja recuperado.
Quanto aos acadêmicos envolvidos no projeto, espera-se que adquiram maior
entusiasmo pela profissão de educador construindo suas práxis educativa no contexto
desafiador do aluno com dificuldade de aprendizagem construindo melhores fundamentos e
agregando experiências profissionais docentes. Portanto, é grande a importância de se

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desenvolver esse projeto voltado para a leitura e escrita, trabalhando as histórias em


quadrinhos envolvendo as lendas Potiguara.
Assim podemos propor e analisar o trabalho com o projeto de leitura e escrita dos
alunos do 6 ano do ensino fundamental, como um caminho para formação de leitores e
produtores de textos.
Fica evidente quando concluímos que os alunos por meio desse trabalho podem
vencer suas dificuldades para ler e escrever. Na área do gênero histórias em quadrinhos
podemos observar que aguçou gosto pelo referente gênero textual, assim como também o
interesse em aprender mais sobre as lendas Potiguara contando e recontando histórias dos
seus ancestrais. Com isso foi possibilitado aos alunos que começassem a ganhar autonomia
também no ato de escrever.
Frente a essas considerações, podemos afirmar que o presente projeto alcançou os
seus objetivos, e que os resultados conseguidos por meio dele podem construir-se como
material de ensino e apoio a leitura e escrita no ciclo 1 e 2 do Ensino Fundamental, e
também que ajudem a encontrar um caminho para a formação de leitores e produtores de
textos capazes e autônomos.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

CARVALHO Laiz B.Editora Saraiva, Livro: Jornadas.port.,Língua Portuguesa 2ª edição/São


Paulo/2012 6 ano.
BARBOSA,Alexandre(orgs). Como usar as histórias em quadrinhos em sala de aula.3.ed.São
Paulo: contexto, 2009.
MARQUES Ferreira Cassio, cartilha: Lendas e causos do Povo Potiguara.
ARAÚJO Xavier , CRISTINA Hellena, SIMAS Picanço Simas: Lendas e causos do Povo
Potiguara.

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PROJETO DE LEITURA E ESCRITA: FABULAS POTIGUARA

SOARES, JURACY DAYSE DELFINO


ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA
daysesoaress@hotmail.com

INTRODUÇÃO:

Este presente trabalho tende a mostrar práticas pedagógicas desenvolvidas durante o


projeto de intervenção pedagógica, abordando o gênero fábulas, com enfoque nas fábulas
potiguara, tendo como público alvo alunos do 6º ano, da Escola Estadual Indígena de Ensino
Fundamental e Médio Pedro Poti, situada na aldeia São Francisco, zona rural da cidade de
Baia da Traição- PB.
O objetivo geral do projeto é fazer com que os alunos possam desenvolver melhor a
linguagem oral e a linguagem escrita; contudo investir em ações que oportunizem o
aprender através de diversos gêneros, incentivando o trabalho em equipe, a partilha de
saberes ou a busca de saberes advindos dos antepassados ou dos anciões residentes nas
aldeias, valorizando assim, a cultura e tradição potiguara. Além de melhor preparar os
alunos, a enfrentar e desenvolver diversas atividades escolares que encontram durante o
período estudantil.
Para alcançar o objetivo geral, alencam-se os seguintes objetivos específicos:
 Conhecer o gênero fábula, atentando-se aos conceitos e definições
compostas neste gênero;
 Instigar a leitura, a escrita e interpretação, principalmente da linguagem
ilustrada, através do gênero fábulas;
 Incentivar a produção textual, Pesquisa, criação ou reescrita de fábulas.
 Desenvolver a inteligência emocional e intelectual através da leitura em
público;
Para a execução do projeto, seguiu-se um cronograma com rotinas propostas e teve duração
de cinco dias. E durante a execução do projeto, os alunos foram observados e contemplados

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ISSN:

com uma nota, a partir dos trabalhos realizados em sala de aula, considerando ainda a
participação e interação dos alunos, no quesito trabalhos realizados individualmente e em
equipe.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA:

A ESCOLA INDÍGENA
A escola Estadual Indígena foi fundada no ano de 2003 e desde sua fundação se tem
como proposta um ensino diferenciado, destacando o Bilinguismo e a interculturalidade.
E de acordo com Nascimento (2012) a língua tupi, apresenta-se como componente
curricular essencial nas escolas potiguara do ensino fundamental e médio. E essa iniciativa,
apresenta-se como fator importante no interior do movimento de emergência étnica.
A escola possui um calendário especifico, onde valoriza momentos importantes das
aldeias, a exemplo do dia do índio e ascensão dos padroeiros da aldeia local, que resulta em
grande comemoração.
De acordo com Soler (2012), Os indígenas são cidadãos brasileiros que tem seus
direitos constitucionais reconhecidos e assegurados [...] e vivem e convivem nas aldeias em
território que é patrimônio da união.
Apesar dos seus direitos assegurados, ainda é possível, meio que indiretamente
perceber preconceitos e descriminações advindos por parte da sociedade, no entanto, são
cidadãos que consegue conviver naturalmente com qual quer pessoa, de qual quer raça ou
etnia.

CONCEITO DE FÁBULAS
De acordo com fontes via internet; a fábula é uma narrativa figurada, na qual as
personagens são geralmente animais que possuem características humanas. Pode ser escrita
em prosa ou em verso e é sustentada sempre por uma lição de moral, constatada na
conclusão da história.

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ISSN:

A fábula está presente em nosso meio há muito tempo e, desde então, é utilizada
com fins educacionais. Muitos provérbios populares vieram da moral contida nessa narrativa
alegórica, como, por exemplo: “A pressa é inimiga da perfeição” em “A lebre e a tartaruga” e
“Um amigo na hora da necessidade é um amigo de verdade” em “A cigarra e as formigas”.
Portanto, sempre que redigir uma fábula lembre-se de ter um ensinamento em
mente. Além disso, o diálogo deve estar presente, uma vez que se trata de uma narrativa.
Por ser exposta também oralmente, a fábula apresenta diversas versões de uma mesma
história e, por esse motivo, dá-se ênfase a um princípio ou outro, dependendo da intenção
do escritor ou interlocutor.
É um gênero textual muito versátil, pois permite diversas situações e maneiras de se
explorar um assunto. É interessante, principalmente para as crianças, pois permite que elas
sejam instruídas dentro de preceitos morais sem que percebam.
E outra motivação que o escritor pode ter ao escolher a fábula na aula, no vestibular
ou em um concurso que tenha essa modalidade de escrita como opção é que é divertida de
se escrever. Pode-se utilizar da ironia, da sátira, da emoção, etc. Lembrando-se sempre de
escolher personagens inanimados e/ou animais e uma moral que norteará todo o enredo.

METODOLOGIA:
Para a execução do projeto, foi proposto esse cronograma e os encontros
aconteceram na própria escola indígena, acima mencionada, e a abordagem do tema se
deram através de aulas expositivas e dialogadas.
Para tanto foi necessário o uso de recursos áudios-visuais para a melhor abordar a
temática; além da corroboração dos pais e anciões que apoiaram e ajudaram a engrandecer
a pesquisa de campo dos alunos. Como cita Nascimento (2012); as pessoas idosas são
considerados “guardiões da memória” e das tradições pertinentes a razão da existência da
etnia.

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ISSN:

CRONOGRAMA
Roteiro do dia: 19 / 07 / 17
Apresentação do projeto através de Slaid sobre o gênero Fábulas, onde surgiram,
quais principais características e alguns exemplos de fábulas.
Apresentar as fábulas clássicas mais conhecidas a fim de Instigar a leitura e a
desenvoltura emocional e intelectual em público.
Roteiro do dia: 27 / 07 / 17
Fábula em Filme: a lebre e a tartaruga
Questões e desenhos artísticos relacionadas a fábula em filme: a lebre e a tartaruga
Leitura e interpretação da fábula: o leão e o ratinho
Uso do dicionário
Roteiro do dia: 08 / 08 / 17
Pesquisa sobre alguns autores de fábulas
Pesquisa sobre fábulas
Criação de fábulas com tema indicado: o pescador e o peixe
Roteiro do dia: 14 / 08 / 17
Leitura e interpretação da fábula: o lobo e o cordeiro
Ensaio da encenação da fábula potiguara: o macaco, a onça e o sapo

RESULTADO:

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ISSN:

Ao apresentar a temática a ser estudada aos alunos, foi possível observar que parte
dos alunos já tinha conhecimento sobre algumas fábulas clássicas, no entanto, quando
foram indagados sobre o conceito, estrutura e autores de fábulas, nenhum aluno se dispôs a
responder, e isso fez com que houvesse um interesse maior no momento que se estava
sendo expostos os conteúdos previstos em sala de aula.
Ao longo dos encontros do projeto, foi delegado que os alunos precisariam ir a
campo pesquisar sobre alguma fábula potiguara e trazer para sala de aula, para então
apresentar aos outros alunos. Alguns alunos resistiram no momento da delegação da
atividade, pois acreditavam que seria uma tarefa difícil encontrar alguma fábula potiguara,
mesmo assim, se dispuseram a explorar. E o resultado dessa expedição, resultou em diversas
fábulas e isso se sucedeu graças à participação de anciões das aldeias. Que de acordo com
Nascimento (2012) aprender com os anciões ou “troncos velhos” faz parte da tradição dos
povos indígenas. Acrescenta ainda que os troncos velhos tem grande responsabilidade em
ajudar as novas gerações a se manterem fieis aos princípios deixados pelos antepassados.
E isso enaltece ainda mais a importância dos anciões para a continuação e
preservação do conhecimento e identidade de um povo.
Dentre as fábulas vistas e encontradas, os alunos do 6º ano, ousaram fazer algumas
alterações e reescreveram a seguinte fábula:

A ONÇA, O MACACO E O SAPO


Havia um macaco que vivia a se gabar que era mais esperto do que a onça e contava para
todos os animais que não tinha medo da onça.
Os animais que ouviram tal história e foram correndo para contar a onça.
Vou pegar-lo, quando ele menos esperar será surpreendido. –Disse a onça.
A onça começou a pastorear cada passo do macaco, mas sempre sem êxito algum, pois
quando o macaco percebia a presença da onça, logo fugia.
Então a onça teve uma ideia
Vou fazer um concurso de dança e convidar todos os animais. Vou convidar os melhores
músicos para a festa– Disse a onça

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ISSN:

Sabendo de tal acontecimento, o macaco ficou a pensar: e agora com faço para participar da
festa e não ser pego pela onça? – disse o macaco.
Logo foi pedir conselhos ao Quandú, que lhe disse: vá trajado de folhas e direi a onça que
você é meu compadre.
Mas como posso me trajar de folhas? – indagou o macaco
Procure na floresta uma colmeia de abelha e pode se lambusaro quanto puder de mel, logo
depois se deite nas folhas secas e assim terá a sua fantasia. – Disse o Quandú.
Uhuuuu! Essa ideia é realmente genial! – exclamou o macaco, pulando de alegria.
E no dia da festa o macaco fez tudo o que o Quandú havia lhe dito.
Ao chegar à festa, o Quandú disse: chegou meu compadre folhará! E logo lhe apresentou
para a dona da festa, a onça, que ficou a imaginar de onde era aquele animal e resolveu
convidá-lo para dançar.
E assim foi o macaco dançar com a onça, mas não citou uma palavra se quer, com medo de
ser pego pela onça. E ficou até amanhecer dançado com onça, que não se cansava de tanto
dançar.
Percebendo que o dia já estava amanhecendo, o Quandú, que era o músico da festa,
resolveu chamar a atenção do macaco através de uma canção
- compadre folhará cuidado na vida, O dia tá amanhecendo e os cabelos aparecendo.
Ouvindo tal canção o macaco soltou o braço da onça e saiu correndo da festa e gritando: –
enganei a onça na dança.
A onça disse: - não tem jeito para o macaco não!

Moral: o mundo é dos mais espertos

Dentre as fábulas pesquisadas, ganharam destaques:

A RAPOSA E O JACARÉ
Havia um jacaré que adorava passear até que um dia foi pego por uma armadilha.
Preso na armadilha gritava: - Socorro! Alguém me tira daqui!

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ISSN:

A raposa que estava a passar por alí, ouviu os clamores do jacaré. E resolveu ir ajudar.
Quando o jacaré viu a raposa: -socorro dona raposa!
Se a senhora me tirar daqui, prometo ser justo contigo e darei uma galinha de presente.
A raposa soltou o jacaré e como viu que o jacaré estava machucado o deixou na beira do rio.
O jacaré exclamou: - obrigado dona raposa! Como eu prometi vou te dar uma galinha de
presente.
Tá certo! – disse a raposa.
Venha pegar seu presente aqui, pois eu quero te homenagear – acrescentou o jacaré
No dia combinado a raposa chegou como quem não queria nada e logo foi surpreendida por
cachorros e lá longe ouviu risadas do jacaré, que dizia: coitada da raposa acreditou mesmo
que eu iria te dar um presente.

Moral: o bem só se paga com o mal.

A ONÇA E O SAPO
A onça costumava beber água na beira do rio, quando num certo dia ouviu o grito de alguém
que pedia socorro. Ao chegar perto, percebeu que era o sapo, amarrado e preso dentro de
uma gaiola.
A onça perguntou quem te amarrou e te prendeu ai? Aposto que você aprontou mais uma! –
disse a onça
Dessa vez eu não fiz nada, eu juro! – disse o sapo
Quem acredita em você? - indagou a onça.
Dona onça me ajuda a sair daqui, me permita viver – disse o sapo
Você já aprontou muito comigo, não merece viver, você merece morrer – disse a onça
Se for pra me matar me solte e me mate afogado como morreu meus pais – sussurrou o
sapo
Ah então seu ponto fraco é a água, pois bem vou te afogar agora – disse a onça

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ISSN:

Nãoooo, pelo amor de Deus, na água não! – disse o sapo.


Então a onça pegou o sapo e o desamarrou e se despediu jogando o dentro do rio e quando
menos esperou, o sapo saltou de dentro do rio e disse- era isso que eu queria!
Ah condenado! Se eu soubesse... – disse a onça
Se soubesse, mas não sabia – disse o sapo

Moral: quem muito esperto se acha muito asno lhe parece.

A ONÇA E O MACACO

O macaco que se achava o mais esperto de todos animais da floresta, se perguntara por que
não sou eu o dono da floresta? Mas se a onça morrer, eu posso ser o dono? – indagou o
macaco
Começou dai a planejar a morte da onça. Resolveu cortar uns cipós para fazer uma grande
armadilha para pegar a onça.
Sem desconfiar de nada a onça, viu o intenso desempenho do macaco em cortar os cipós e
perguntou: para que lhe servirá esses cipós
O macaco muito astucioso respondeu: dona onça, vai acontecer uma grande tempestade,
durante o inverno, com ventos muito fortes e esses cipós servirá para me segurar e o vento
não me levar – disse o macaco.
A onça pensou – eu devo me preparar para essa tempestade também.
Senhor macaco você pode tirar uns cipós para mim também? – indagou a onça.
O macaco muito esperto logo respondeu: claro que sim, não vou deixar desamparada a dona
da floresta.
Ao chegar o inverno, o macaco disse para a onça: - dona onça é melhor a senhora se
preparar da tempestade que está por vim, para tal, eu preciso te manter segurar na árvore
mais alta da floresta.
Por que não logo os outros animais e logo eu? – perguntou a onça.

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ISSN:

Por que a senhora é a dona da floresta, precisa ficar protegida em primeiro lugar – disse o
macaco.
Está bem, quando iniciaremos? - perguntou a onça.
Amanhã pela manhã começaremos – disse o macaco
Então no dia seguinte o plano do macaco, começara a se realizar.
Começou a amarrar a onça e ela de nada de desconfiar.
E logo após amarrá-la por completo perguntou o macaco: consegue se mexer daí?
A onça tentou se mexer e não conseguiu.
Muito bem, era isso que eu queria – disse o macaco.
Consegui amarrar o animal mais valente e dono da floresta, agora pode gritar que ninguém
vai e ouvir. Você vai morrer aqui e ninguém vai desconfiar que esteja por aqui. – disse o
macaco
- ah se eu soubesse dessa sua armadilha – sussurrou a onça
- ah! se soubesse, mas não soube! – disse o macaco

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

A Escola Indígena Pedro Poti, já desenvolve o projeto de intervenção pedagógica,


desde 2016, abordando diversos temas e gêneros. E a cada ano, se obtêm resultados
surpreendentes e ideias inovadoras para se fazer algo novo sempre, no entanto, se é
valorizado a participação e o protagonismo estudantil. E apesar das fábulas, já ser um
gênero bastante conhecido, necessita-se de referencial teórico adequado e disponível na
biblioteca da escola, para melhor explorar esse tema na escola. Apesar do desfalque da falta
de material de apoio, a participação interação e participação dos alunos no desenrolar do

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ISSN:

projeto, foi o grande diferencial e nos mostrou que muito se tem para aprender e explorar
também.
Pode ser percebido que os alunos gostaram de conhecer o novo e que conseguem
fazer uso da inteligência emocional e intelectual em público basta ter alguém que consiga
instruir corretamente para tal. Como Cita Nascimento (2012) muitos ensinamentos são de
grande sutileza e precisam de momento certo, do lugar certo e da pessoa certa para serem
repassados, compreendidos e perpetuados.
E foi com esse pensamento, que finalizamos o projeto, com algo novo descoberto e a
vontade de explorar novas ideias para engrandecer ainda mais o nosso conhecimento
enquanto estudante e mais adiante repassar para futuras gerações.

REFERÊNCIAS
NASCIMENTO, Jose Mateus (Org.). Etnoeducação potiguara: pedagogia da existência e das
tradições. João Pessoa: Ideia, 2012.
SOLER, Juan; BARCELLOS, Lusival Antonio. Paraíba Potiguara. João Pessoa: Editora
Universitária UFPB, 2012.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

ANEXOS

Encontros do projeto de intervenção pedagógica

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ISSN:

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ISSN:

Anciã contadora da fábula: a onça, o macaco e o sapo

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ISSN:

GT 6 –DIREITOS INDÍGENAS E DIREITOS HUMANOS NA AMÉRICA


ENTRE O SÉCULO XX AOS DIAS ATUAIS

Prof. Dr. Fernando Antonio de Carvalho Dantas – UFG


Profa. Dra. Hermilia Feitosa Junqueira Ayres

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

A CONSTITUIÇÃO FEDERAL COMO GARANTIA DOS DIREITOS DOS POVOS


INDÍGENAS

ALVES, Álvaro Felipe

Universidade Estadual da Paraíba

GUSMÃO, Hugo Cesar Araújo de

Universidade Estadual da Paraíba

INTRODUÇÃO:

Na atualidade, os direitos dos povos originários tem sido objeto de luta constante,
seja esta defendida pelos próprios povos indígenas, como também por movimentos sociais,
estudiosos e simpatizantes em geral, visto isso, este estudo tem como escopo central
ressaltar a relevância da Constituição Federal como salvaguarda dos direitos dos povos
originários, ela que foi promulgada em 5 de outubro de 1988, é considerada pela maioria da
doutrina como o marco da garantia e do reconhecimento dos direitos desses povos na
América do Sul.

METODOLOGIA:

Através de um processo de análise e interpretação dos principais pontos dos artigos


constitucionais dedicados aos povos originários, baseado na doutrina, construiremos a
fundamentação máxima deste trabalho. É imprescindível destacar também que o presente
estudo foi provocado a partir da participação em inúmeras discussões acadêmicas no
tocante a Carta Magna e pelo sentimento da importância que é tratar sobre os direitos dos
povos originários na atualidade, o que fez surgir a ideia de abordar a relevância desta nos
direitos destes povos, apresentando a nobre garantia que por estes foram conquistadas
através da Constituição Federal.

RESULTADOS E DISCUSSÃO:

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ISSN:

Tomando como partida a análise do caput do artigo 231 da Constituição Federal que
afirma “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e
tradições...” percebe-se primeiramente que o constituinte acolheu as organizações sociais, o
que resulta diretamente na “aceitação” da ordem social própria de cada povo originário,
reconhecendo logo após os costumes, línguas, crenças e tradições, o que deu legitimidade
para esses povos continuarem a seguir suas vidas de acordo com suas culturas, sendo
também considerados como cidadãos.

Dando continuidade no artigo 231 da Constituição Federal “... e os direitos originários


sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo a União demarca-las, proteger e
fazer respeitar todos os seus bens. ”Aqui trata-se de um dos principais pontos de interesse
dos povos indígenas ao longo dos anos que é justamente o direito ao seu território. Este,
assegurado pelos constituintes, na parte em que se refere “direitos originários sobre as
terras que tradicionalmente ocupam” que revela que os direitos sobre suas terras já deverão
ser obrigatoriamente assegurados, já que esses povos já ocupam e são “proprietários”
destas terras desde antes da criação do estado brasileiro. Analisando a parte na qual se
afirma “competindo a União demarca-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”, é
revelada uma conquista que foi e ainda é objeto de muita luta por parte dos povos
indígenas, a saber, a demarcação de terras. Apesar desta se fundar apenas como natureza
declaratória, é de se ressaltar que a União tem considerado seu dever apenas a proteção dos
índios que estiverem em áreas demarcadas ou por demarcar. Os chamados não aldeados
acabam sem reconhecimento ou proteção. O que viola o disposto constitucional, este fato
nos mostra a importância do procedimento de demarcação e da exigência permanente dos
povos indígenas para que a promovam afirma Marés (2013). O artigo mostra um avanço
comparado aos anteriores e também assegura em seus incisos a definição das terras
tradicionalmente ocupadas por povos indígenas (art. 231 § 1º), ao que elas se destinam
(art.231 § 2º), regimento quanto ao aproveitamento de recursos em terras indígenas (art.
231 § 3º), que as terras indígenas são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas
imprescritíveis (art. 231 § 4º), que é vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras,

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ISSN:

salvo algumas exceções (art. 231 § 5º), e os atos que são nulos e extintos, não produzindo os
efeitos jurídicos (art. 231 § 6º).

Já o artigo 232 da Carta Magna, afirma “Os índios, suas comunidades e organizações
são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses,
intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo.”. O constituinte, neste artigo
quis corrigir um erro que era nítido a época, que era a da “voz do índio no direito” no qual se
dava quando os índios sempre “esbarravam” na formalidade dos processos, o que segundo
Marés (2013) na tentativa de correção vai ser inovado na constituição de 1988, atribuindo
legitimidade aos índios, suas comunidades e organizações para estar em juízo em defesa de
seus interesses e direitos. O que resultaria no poder de cada índio, comunidade ou
organizações indígenas ingressar com um processo ou defender-se ou ainda se valer do
Ministério Público Federal. E por fim, ficando necessário, por ser função institucional e
porque assim determinar o artigo 232, para que se evite fraudes ou erros, o
acompanhamento de todas as fases do processo, pelo Ministério Público.

CONCLUSÕES:

Diante o estudo realizado conclui-se que a Constituição Federal foi de extrema


relevância na consolidação dos direitos dos povos indígenas. Reconhecendo o
multiculturalismo, isto é, proporcionar a estes o direito de continuar a ser índio,
reconhecendo também o organismo social e cultural indígena, garantindo o direito de se
relacionarem da forma na qual é de costume, salvaguardando os direitos sobre seus
territórios e por fim, assegurando os direitos individuais dos povos indígenas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BRASIL - Constituição da República Federativa do Brasil (1988), Brasília: Imprensa Nacional,


2005.

CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Coords.).
Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. 2.380p.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

MARÉS DE SOUZA FILHO, Carlos Frederico (2013). Capítulo VIII – Dos Índios. In: CANOTILHO,
J.J. Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz (Coord.).
Comentários à Constituição do Brasil, Série IDP, São Paulo: Saraiva/Almedina, p. 2147 –
2158.

MARÉS DE SOUZA FILHO, Carlos Frederico (1992a). Textos clássicos sobre o direito e os
povos indígenas. Curitiba: Juruá.

AGRADECIMENTOS:

Aos meus professores por oferecerem todo apoio teórico necessário para o alcance ao
conhecimento e em especial ao professor Dr. Hugo César Araújo de Gusmão, que foi o
responsável pela orientação e pelo conhecimento referente a direito constitucional
repassado em suas aulas de teoria da constituição.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

EDUCAÇÃO INDÍGENA E EDUCAÇÃO ESPECIAL DO POVO XERENTE: INTERFACE

LIMA, Simone Maria Alves de


Universidade Federal do Tocantins
simone.uft@uft.edu.br

EDUCAÇÃO INDÍGENA E EDUCAÇÃO ESPECIAL: UMA CONQUISTA

O reconhecimento dos direitos a educação das pessoas com deficiência e dos povos
indígenas é resultado de lutas em que se evidenciam em conquistas gradativas, as quais
conduzem à educação brasileira a ações políticas que se voltem a minimizar a exclusão
social. Interfaces, que se coadunam ante uma política que busca assegurar não apenas o
acesso, mas, a permanência, prevendo financiamento e práticas pedagógicas. Fazer, que
tende a romper com o modelo de educação excludente que desconsiderava a cosmologia,
no caso dos indígenas e que limitava o acesso à sala de aula comum, no caso das pessoas
com deficiência.
Em que pese a importância política desses movimentos no processo de construção da
educação enquanto direito social, se registra, pela primeira vez, a tentativa de um modelo de
educação que considere a língua materna, o espaço, a organização social no que se refere a
educação indígena e a garantia de acesso a escola comum sob a responsabilidade dessa de prover
adequação curricular e arquitetônica, no caso das pessoas com deficiência. Contudo, nem sempre o
disposto na lei é garantia de uma prática. Essa, por sua vez requer ações que atendam as demandas e
superem os desafios que se apresentam tanto no contexto de educação especial quanto educação
indígena
O movimento em prol da educação indígena culmina em mudança de paradigma e

norteia iniciativas. Dentre essas, a política de educação escolar para indígenas reconhecendo
sua diversidade cultural, pensando condições de manutenção dos povos como patrimônio
étnico-cultural.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

A Constituição Federal de 1988 aborda a temática “educação indígena” no capítulo


que trata da educação, mais precisamente no Art. 210, parágrafo 2º, dispõe que “O ensino
fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades
indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de
aprendizagens”, (BRASIL, 1988). Neste ponto, o desafio consiste na formação docente para
atender a comunidade indígena na língua materna. Uma vez que na realidade investigada a
maioria dos professores não são indígenas e normalmente não conhecem e ou não
dominam a língua materna (Akw~e), o que dificulta a prática conforme prevista em lei.
Da mesma forma a Lei, 9.394/96, ao estabelecer no Art. 78, a oferta de educação
escolar bilingue e intercultural aos povos indígenas e ao definir como objetivo: “ I –
proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a recuperação de suas memórias
históricas; a reafirmação de suas identidades étnicas, a valorização de suas línguas e
ciências”, se condiz requer organização curricular que respeite e atenda as especificidades
culturais de um povo.
É de competência do Ministério da Educação a função de coordenar as ações
referentes à educação indígena, em todos os níveis e modalidades de ensino desde que
ouvida a FUNAI, assegurado sob o Decreto de nº 26 de 4 de fevereiro de 1991 (BRASIL,
1991).
Nesse caminhar, o Plano Nacional de Educação, Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de
2001, em seu diagnóstico proclama que:

O abandono da previsão de desaparecimento físico dos índios e da postura


integracionista que buscava assimilar os índios à comunidade nacional, porque os
entendia como categoria étnica e social transitória e fadada à extinção, está
integrado nas mudanças e inovações garantidas pelo atual texto constitucional e
fundamenta-se no reconhecimento da extraordinária capacidade de sobrevivência
e mesmo de recuperação demográfica, como se verifica hoje, após séculos de
práticas genocidas. (BRASIL, 2001).

Em 2010, o documento Referência da CONAE dispõe que:

Como função, cabe reconhecer o papel estratégico das instituições da educação


básica e superior na construção de uma nova ética, centrada na vida, no mundo

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

do trabalho, na solidariedade e numa cultura de paz, superando as práticas


opressoras, de modo a incluir, efetivamente os grupos historicamente
excluídos: negros, quilombolas, pessoas com deficiência, povos indígenas,
trabalhadores do campo, mulheres, entre outros.

Nesse sentido é imprescindível pensar políticas educacionais para os diferentes


níveis, etapas e modalidades de ensino assegurando a efetivação do direito à educação e
a qualidade previstas a todos conforme expressa na Constituição Federal de 1988. No
tema em questão implica garantia da interface educação indígena e educação especial.

DESAFIOS E REALIDADE

O Censo demográfico de 2010 contribui ao estabelecer critérios de identificação


sobre a população, introduz questões que possibilitam informações e a coleta de dados
acerca da população residente nas terras indígenas, indígenas ou não. Permite
compreensões quanto diversidade indígena existente no Brasil e proporcionou
entendimentos quanto à composição sociodemográfica deste segmento populacional. Fato
que contribui significativamente para identificação de demandas e para pensar políticas
públicas de inclusão social e garantia dos direitos previstos em lei.
No estado do Tocantins em 2010, o Censo Demográfico registra um total de 11.784
pessoas residentes em terras indígenas por condição de indígena. Desses, 10.578 se
declararam indígenas, 987 não declararam, mas, se reconhecem como indígena e 185 não se
declararam e não se reconhecem como indígenas.
No que se refere ao povo Xerente, os dados indicam o registro de 2.361 indígenas no
Município de Tocantinia - TO. Desses, 2.333 se declararam indígenas, 24 não declararam,
mas se reconhecem indígena e 4 não se declararam e não se reconhecem indígena.
(BRASIL/CENSO, 2010).
Ao delimitarmos o olhar à população de 10 anos ou mais residentes em terras
indígenas, por condição de alfabetização, destacando somente os indígenas. De acordo com
o Censo Demográfico de 2010, no Estado do Tocantins haviam o total de 7.681 pessoas em

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ISSN:

condições de alfabetização. Dessas, 5.346 encontravam-se alfabetizadas e 2.285 não


alfabetizadas.
O povo Xerente registra o total de 1. 515 pessoas em condição de alfabetização,
sendo 1.101 já alfabetizados e 414 não alfabetizados. Para identificar no contexto
investigado o contingente de pessoas com Necessidades Educacionais Especiais (NEE)
recorremos aos dados do Censo Escolar de 2017, precisamente, os resultados referente à
matrícula inicial em creche, pré-escola, ensino fundamental e ensino médio (incluindo o
médio integrado e normal magistério), e na Educação de jovens e adultos presencial
fundamental e médio (incluindo a EJA integrada à educação profissional) da educação
especial, das redes estaduais e municipais, urbanas e rurais em tempo parcial e integral e o
total de matrículas nessas redes de ensino. (BRASIL/INEP, 2017) e observação.
Os dados coletados junto ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira – INEP, Censo escolar 2017, evidenciam que no município de Tocantinia - TO,
há o total de 74 alunos com necessidades educacionais especiais matriculados em escolas de
ensino regular.
No que concerne à educação especial indígena na aldeia Porteira, constata-se a
presença de 5 crianças indígenas com necessidades educacionais especiais, sendo que 4,
encontram-se matriculadas e frequentam a escola indígena e 1 não efetivou matriculada.
No contexto das comunidades indígenas do povo Xerente, identificamos haver uma
Sala de Recursos Multifuncional (SRM) instalada no Centro de Ensino Médio Indígena
Xerente - Warã (CEMIX). A qual atende 42 alunos com dificuldades de aprendizagem. Desses,
apenas três possui laudo, o que impossibilita precisar quantos realmente se configuram
como público alvo do Atendimento Educacional Especializado (AEE), conforme estabelece a
política de educação especial na perspectiva da educação inclusiva. Ou seja, alunos com
deficiência: aqueles que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual,
mental ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais
pessoas.

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ISSN:

No referido Centro de Ensino, de acordo com o Censo Escolar 2017, encontravam-se


matriculados 150 alunos no Ensino Fundamental II e 156 no Ensino Médio
(profissionalizante) perfazendo um total de 306 discentes. O CEMIX, apresenta uma boa
estrutura física e embora conte com professores indígenas a maioria não são indígenas; há
também um professor de AEE indígena.
No que diz respeito a interface educação especial e educação indígena no item
destinado a educação indígena de acordo com a Conferência Nacional de Educação -CONAE
/2010, No eixo VI, que trata da “Justiça Social, Educação e Trabalho: Inclusão, Diversidade e
Igualdade” ao dispor sobre políticas, menciona a necessidade de “Estimular a interface da
educação especial na educação indígena, assegurando que os recursos, serviços e
atendimento educacional especializado estejam presentes nos projetos pedagógicos,
construídos com base nas diferenças socioculturais desses grupos” (CONAE, 2010, p. 141).
A legislação prevê a efetivação de prática para política de educação especial que
assegure não penas o acesso, mas, a permanecia de pessoas com deficiência nas escolas de
ensino regular e no atendimento educacional especializado independentemente de níveis,
etapas e ou modalidades de ensino. Dispõe acerca da interface ao assegurar a educação
especial como modalidade que perpassa todas as formas de ensino. Ao voltamos o olhar
para o contexto investigado, povo Xerente. Confirmamos que nessa realidade há ações que
atendem em parte a proposta. Contudo, as crianças matriculadas no ensino fundamental I,
da aldeia Porteira, ainda não foram contempladas com AEE. O que agencia a efetivação de
ações que supram a demanda e garanta o direito a educação conforme prevista na lei.
Evidenciamos a importância e a necessidade da aplicabilidade da referida política à todos
que nela se enquadram.
Nesse sentido, ampliar o atendimento educacional especializado à todas as escolas
indígenas de ensino fundamental I, onde há matrículas de alunos com especificidades se
condiz necessário. A defesa fundamenta-se nas considerações de Reily (2006), ao dispor que
para que o educando com dificuldades consiga compreender e elaborar o processo de
aprendizagem/desenvolvimento é imprescindível o uso de ferramenta correta.
Concordamos com a autora e reafirmamos que quando a proposta ou plano de AEE é

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ISSN:

elaborado considerando a especificidade, esse contempla o ensino-aprendizagens e


promove o desenvolvimento do educando. Logo, implementar política é acima de tudo
garantia de ações que visem minimizar as demandas.
Nesse sentido, no contexto analisado, ampliar o AEE às demais escolas indígenas se
condiz em uma política necessária à efetivação da prática inclusiva a qual certamente
contribuirá para minimizar as barreiras atualmente enfrentados por discentes em condição
de especificidades e docentes de AEE e ensino regular.
Os desafios de garantir igualdades de direitos e assegurar às pessoas com deficiência
métodos e práticas educacionais que contemplem aprendizagem e desenvolvimento requer
ajustes curriculares, estratégias pedagógicas, ações e práticas pedagógicas que contemplem
a todos, independentemente de especificidades ou limitações:

A inclusão está fundada na dimensão humana e sociocultural que procura enfatizar


formas de interação positivas, possibilidades, apoio às dificuldades e acolhimento
das necessidades dessas pessoas, tendo como ponto de partida a escuta dos
alunos, pais e comunidade escolar. (BRUNO, 2006, p.11).

Nesse sentido buscamos apreender a singularidade da proposta na interface


educação especial e educação indígena e esquadrinhar questões que envolvem a discussão,
considerando aspectos acerca da política, das práticas, ações, barreiras e dos desafios.

O CONTEXTO INVESTIGADO: MÉTODOS, DADOS E DISCUSSÕES

O presente trabalho trata-se uma investigação qualitativa que teve como aporte
metodológico a observação participante e como procedimentos à pesquisa documental e
pesquisa bibliográfica. A pesquisa documental possibilitou a coleta de dados junto ao
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Ministério da Educação (MEC), Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). A pesquisa bibliográfica
de caráter analítica admitiu revisão da literatura relacionada à temática e direcionou às
observações. A definição, observação participante dá-se pela possibilidade de uso de
recursos variados. A definição dos sujeitos se constitui na identificação de matriculas de

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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alunos com necessidades educacionais especiais em escola indígena, o que admite


identificar a interface educação especial e educação indígena e possibilita análises e
aproximações da proposta política e da efetivação ou não de ações no referido contexto.
Dessa forma, a coleta de dados deu-se em diferentes momentos e espaços.
Segundo Triviños (1990), ao não estabelecer separações estanques entre a coleta e a
interpretação das informações, o autor indica encaminhamentos entre as informações
levantadas e a análise, podendo dar origem a novas questões, e encaminhamentos a novas
buscas de dados.
De acordo com a Resolução nº4 CNE/CEB de 2009 (BRASIL, 2009), que Institui as
Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica,
modalidade Educação Especial no Art. 2º, estabelece que o AEE tem como função
complementar ou suplementar a formação do aluno por meio da disponibilização de
serviços, recursos de acessibilidade e estratégias que eliminem as barreiras para sua plena
participação na sociedade e desenvolvimento de sua aprendizagem. No Parágrafo único,
dispõe sobre os fins destas Diretrizes e consideram recursos de acessibilidade na educação
aqueles que asseguram condições de acesso ao currículo dos alunos com deficiência ou
mobilidade reduzida, promovem a utilização dos materiais didáticos e pedagógicos, dos
espaços, dos mobiliários e equipamentos, dos sistemas de comunicação e informação, dos
transportes e dos demais serviço.
Nos últimos anos registra-se o aumento de matriculas tanto de alunos indígenas
quanto de alunos com necessidades educacionais especiais em escolas de ensino regular e
indígenas. Contudo, a interface que norteia o processo requer pesquisas que denotem na
íntegra essa articulação.
Na realidade pesquisada, identificamos matriculas de alunos indígenas com
necessidades educacionais especiais em escolas indígenas; identificamos a implementação
de sala de recursos multifuncional e a presença de professor de atendimento educacional
especializado. Contudo, insuficiente para atender a demanda. Ou seja, identificamos ações
políticas do AEE, porém, essas contemplam uma parcela do público alvo do AEE localizado

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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no contexto investigado. Da mesma forma cumpre em parte as diretrizes operacionais


proposta para AEE pela Resolução nº 4 CNE/CEB de 2009 (BRASIL, 2009).
De outro modo, confirma-se iniciativas e articulação do poder público estadual na
oferta do AEE no âmbito de uma escola indígena do povo Xerente, instalação de uma sala
de recursos multifuncional e um profissional para o AEE, assegura transporte escolar para
conduzir os alunos de diferentes aldeias ao CEMIX, escola a qual conta com o serviço para
atender os alunos com deficiência das diversas aldeias Xerentes.
Porém, são contemplados os alunos de outras escolas indígenas matriculados
fundamental II e ensino médio, ficando excluso desse atendimento as crianças de outras
escolas indígenas do ensino fundamental I. Fato observado na escola indígena da aldeia
Porteira, que têm 4 alunos em condições de especificidades matriculadas na escola indígena
da referida aldeia. Se é desafiador o trabalho escolar onde há profissional capacitado para
AEE, é ainda mais onde não há professor habilitado para realizar o atendimento, articulação
pedagógica, elaborar o plano de AEE, pensar e organizar recursos e orientar os demais
docentes.
Outro desafio se condiz na proposta bilingue. Primeiramente, porque a maioria dos
professores lotados na instituição não são indígenas e não conhecem ou dominam a língua
akw~e. Se consideramos que o fato já é desafiador no trabalho com os alunos ditos
“normais”, amplia-se imensamente quando estes possuem alguma deficiência e necessitam
de recursos e estratégias apropriados para o processo ensino-aprendizagem. Segundo,
ressalta-se a formação docente, tanto no que concerne a língua materna quanto a educação
especial.
Acredita-se que de posse de conhecimentos específicos para atender ambas
modalidades de ensino os docentes poderiam definir estratégias, organizar recursos e
elaborar propostas de valoração da cultura. Com isso, potencializar o processo ensino-
aprendizagem e promover o desenvolvimento dos educandos público alvo do AEE.
Os resultados apontam que na realidade investigada há uma demanda de
investimento formativo e de implementação de novas salas de recursos e profissionais de
AEE, principalmente, para atender os alunos do ensino fundamental I; A interface educação

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especial e educação indígena ainda não se condiz no contexto da aldeia e se apresenta como
duplo desafio no contexto da educação indígena e não indígena. O que abaliza
redirecionamentos da política para ampliar o atendimento e formação docente em ambos os
contextos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O reconhecimento dos direitos das minorias no Brasil é resultado de lutas que se


intensificaram durante o processo de reconstrução democrática do País e têm fundamentos
em movimentos internacionais, principalmente na Declaração Universal dos Direitos
Humanos organizado pelas Organização das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, e
em outros documentos internacionais.
A tentativa de implementar posturas menos totalitarista e mais humanitária
conduzem o Brasil, no momento de reconstrução democrática, a reivindicações por
reconhecimento de direitos. Dessa forma, a elaboração da Constituição Federal de 1988,
contou com a participação de inúmeros grupos. Participação popular que culminou em
conquistas de direitos individuais e sociais o que concede à referida constituição o título de Constituição
Cidadã.
Inicia-se, uma política de direitos e de reparo de dívidas sociais que vão sendo
retomadas pós constituição com a elaboração de documentos correlatos. Nesse
direcionamento, citamos a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva que em 2008 trata da interface da educação especial na educação
indígena, do campo e quilombola assegurando recursos, serviços e atendimento educacional
especializado, além de projetos pedagógicos elaborados com base nas diferenças
socioculturais desses grupos. Prevê instalações de Salas de Recursos Multifuncionais (SRM) e
a contratação de profissionais capacitados para o atendimento educacional especializado.
Atribui ao professor de AEE a responsabilidade de articular e orientar o processo no âmbito
da escola.
Enquanto modalidade de ensino a educação especial perpassa todos os níveis, etapas
e demais modalidades. Nesse sentido, nas instituições em que tenham matriculados alunos

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com necessidades educacionais especiais deve-se assegurar na forma da lei a oferta do AEE
na perspectiva inclusiva.

Contudo, a pesquisa revela que essa prerrogativa ainda se apresenta como desafio
no contexto da educação indígena, e embora se registre iniciativas políticas no contexto
investigado, essas contemplam apenas parcela da população. Ou seja, as ações políticas para
o atendimento educacional especializado de alunos do povo Xerente, efetiva-se na
implantação de sala de recursos multifuncionais instalada no Centro de Ensino Médio
Indígena Xerente – Warã (CEMIX) o qual atende alunos do 6ª ano ao Ensino Médio.
No entanto, as crianças da educação infantil e ensino fundamental da aldeia Porteira
não são contempladas. O que demanda redirecionamento e ou ajustes da política.
Outros desafios são identificado mesmo na instituição que tem a SRM, esses se
revelam na formação e na prática docente, principalmente nas dificuldades da língua e na
proposta bilingue. Uma vez que a maioria dos docentes que trabalham na referida
instituição não são indígenas e pouco conhecem a língua akw~e. Nesse contexto a distância
entre as aldeias deve ser levada em consideração ao se propor políticas que se voltem a
atender um público com especificidade e ainda em fase de desenvolvimento. O que abaliza
redirecionamento da política, na formação e na prática docente em ambos contextos.

REFERÊNCIAS

BRUNO, M. M. G. Educação infantil: saberes e práticas da inclusão. Brasília: MEC- Secretária


de Educação Especial, 2006.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:


Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de


Educação Especial. Documento elaborado pelo Grupo de Trabalho nomeado pela Portaria
nº 555/2007, prorrogada pela Portaria nº 948/2007, entregue ao Ministro da Educação em
07 de janeiro de 2008. Disponível
em:<http://peei.mec.gov.br/arquivos/politica_nacional_educacao_especial.pdf> . Acesso
em: 13 de mai. 2013.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Marcos político-legais da


educação especial na perspectiva da educação inclusiva. Brasília: Secretaria da Educação
Especial, 2010.

BRASIL, Lei 9.394 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação


nacional. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil]. Brasília, 1996. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em: 12 de mai. 2018.

BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Resolução CNE/CEB n.º
4, de 2 de outubro de 2009b. Institui diretrizes operacionais para o atendimento educacional
especializado na educação básica, modalidade educação especial. Diário Oficial da União,
Brasília, 5 out. 2009, Seção 1, p. 17.

BRASIL IBGE. Censo Demográfico, 2010. Disponível em:<


https://indigenas.ibge.gov.br/graficos-e-tabelas-2.html>. Acesso em: 29 de abril de 2018.
BRASIL. FUNAI. Educação Escolar Indígena. Disponível em:
<http://www.funai.gov.br/index.php/educacao-escolar-indigena > . Acesso em:28 de abril
de 2018.
BRASIL. INEP. Censo Escolar 2017. Disponível em< http://inep.gov.br/censo-escolar> . Acesso
em: 30 de abril de 2018.
REILY, L. Escola inclusiva: linguagem e mediação. Campinas, SP: Papirus, 2006.

TRIVIÑOS, A. N. S. A pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1990.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA GWYRA PEPO: CONFLITOS E RESISTÊNCIAS

MATTA, Amanda Aliende da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo


amanda@damatta.me

“Por que são os juruá quem dizem quais são os nossos direitos diferenciados
indígenas, e não nós Guarani quem dizemos quais direitos diferenciados queremos conceder
aos juruá?”. Esta foi uma das perguntas feitas para um grupo de assistência jurídica
voluntária, em uma conversa na Opy (casa de reza) grande da Tenondé Porã, aldeia Guarani
Mbyá na zona sul de São Paulo, capital. Seu conteúdo denota uma percepção da sutileza
sobre os direitos indígenas diferenciados: ao invés de uma proposta Bem Viverista que
inaugura uma sociedade intercultural, eles são, sim, um reconhecimento da
multiculturalidade do Brasil, mas apenas permitida a avançar dentro de certas estruturas
hegemônicas.

O presente artigo tem como objetivo apresentar reflexões sobre os conflitos e


resistências envolvidos nos 40 anos de história da escolarização da aldeia Guarani Mbyá
Tenondé Porã, e mais precisamente da história de implementação da Escola Estadual
Indígena
Guarani Gwyra Pepo. Todas as entrevistas relatadas no texto foram realizadas pela autora do
presente artigo.

Multiculturalismo e o Bem Viver

SOUZA (2010: 58-74) apresenta uma sistematização dos conceitos de


multiculturalismo para McLaren, que podem ser separados nas topologias a)
multiculturalismo conservador ou empresarial: “as sociedades ‘evoluem’ e se desenvolvem
num mesmo sentido, partindo de um estágio ‘inferior’ para um ‘superior’, apontando para a
perspectiva de uma cultura ~nica a ser atingida no final das etapas evolutivas” (SOUZA

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2010: 62); b) multiculturalismo humanista liberal: “sustenta a premissa de que ‘todos são
iguais perante a lei’” e “desconsidera a produção de desigualdades com base na raça/etnia,
classe social, gênero, dentre outros marcadores identitários” (SOUZA: 2010, 63); c)
multiculturalismo liberal de esquerda: apresenta “caráter essencialista de cultura”, “onde as
identidades são compreendidas como essência do sujeito” (SOUZA: 2010, 64) e d)
multiculturalismo crítico e de resistência / multiculturalismo revolucionário, no qual
entende-se que “as desigualdades são produzidas em contextos sociais, econômicos e
políticos desiguais e expressam relações de poder, assimetricamente construídas no
interior das sociedades” (SOUZA: 2010, 62-63). Ta explica que interculturalidade, segundo
Richter, seria a “inter-relação entre as culturas, que representa a forma que ultrapassa o
âmbito das relações pautadas na dominação, para abrir alternativas ao diálogo e
reciprocidade” (SOUZA: 2010, 61). Já o Bem Viver p definido como a “soma de práticas de
resistência ao colonialismo e às suas sequelas”, em um modo de vida não absorvido pela
“Modernidade capitalista” (ACOSTA: 2016, 70). No capítulo destinado aos povos indígenas, a
Constituição Federal de 1988 prescreve: Art. 231. São reconhecidos aos índios sua
organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as
terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer
respeitar todos os seus bens.

Em seguida, cria as instituições indígenas diferenciadas (direito à terra, educação e


saúde diferenciados). O Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas,
documento oficial de 1998, propõe uma educação fundamentada no
reconhecimento da “1. Multietnicidade, pluralidade e diversidade”, “2. Educação e
conhecimentos indígenas”, “3. Autodeterminação” e “4. Comunidade educativa indígena”.

A partir da Constituição de 1988, supera-se o paradigma integracionista de


multiculturalismo conservador, no qual reconhecia-se a existência dos indígenas, mas como
povos em transição para a integração nacional. Mas, enquanto havia a expectativa da
criação de uma sociedade Bem Viverista intercultural, na qual os povos indígenas teriam o
direito de viver de acordo com sua cultura e cosmovisão, a prática provou que o estado

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conseguiu, no máximo, implementar, de forma questionável, um multiculturalismo


humanista liberal, no qual o indígena é visto como um igual e deve se adaptar à cultura
hegemônica até mesmo para conseguir seus direitos de igualdade.

Uma experiência Guarani: 40 anos de escolarização na Tenondé Porã

De acordo com o Relatório Circunstanciado De Identificação E Delimitação Da Terra


Indígena Tenondé Porã, do Ministério da Justiça e FUNAI, o assentamento dos Guarani no
Morro da Saudade ou Aldeia da Barragem, que dá origem à aldeia Tenondé Porã, ocorre na
década de 50, quando um núcleo familiar Guarani recebe de um juruá (palavra Guarani que
significa "não indígena", "branco") a posse de uma terra no local. Até então, o Morro da
Saudade era local comum de passagem dos Guarani de suas aldeias no interior para as do
litoral, mas não haveria sedentarização. Enquanto eles começavam a construir sua aldeia,
estavam em ebulição as iniciativas indigenistas da sociedade civil: surgem muitas
organizações indígenas e ndigenistas que discutem primariamente a luta sobre a terra, mas
também a educação diferenciada (MEDEIROS: 2013, 43).

Em 1973, é criado o Estatuto do Índio, que previa o ensino bilíngue, e durante as


décadas de 1970 e 1980, “desenvolveu-se um amplo trabalho de difusão de um novo tipo de
escola alternativa à escola oficial, voltada para a afirmação da diferenciação e da
especificidade cultural das sociedades indígenas” (EMITI & MONSERRAT apud MEDEIROS:
2013, 29). A primeira experiência escolar na Barragem é iniciada em 1977, por indigenistas
que, dois anos depois, fundam o Centro de Trabalho Indigenista (CTI).

Em texto produzido por ocasião do Encontro Nacional sobre a Educação Indígena de


1979, Maria Inês Ladeira relata que a situação da aldeia da Barragem em 1970 era grave: os
indígenas, pressionados pelo avanço da cidade e pela deterioração da natureza (poluição da
água e redução do espaço para plantio, por exemplo), estavam padecendo de doenças e
cada vez mais dependentes de assistencialismo da “bem-intencionada” comunidade do
entorno, que no entanto atuava com “inconstkncia e inadequação de mptodos” (LADEIRA,

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1981: 114-115). A escola surge, então, “como um trabalho efetivo e contínuo da própria
aldeia” (LADEIRA,
1981: 114), que pode suprir a necessidade de alfabetização para “que os índios possam
captar a linguagem verbal em português para melhor articulação no seu relacionamento e
nas negociações com a sociedade do branco, da qual dependem e são solicitados” (LADEIRA,
1981: 113).

Tanto nesta época quando mais tarde, em experiência conduzida pela FUNAI na
década de 1990, a alfabetização dos indígenas tinha características de educação popular,
usando palavras do contexto Guarani e respeitando os tempos e costumes da aldeia. A
professora Helena de Biase, que atuou nesta experiência, contou, em entrevista em 2018,
que o cacique José Fernandes queria a escola por dois motivos: para ocupar as crianças,
mantendo-as longe das más influências da sociedade no entorno, e para letrar e numerar os
Guarani, que então teriam melhores instrumentos para se defender dos juruá. O desejo,
segundo De Biase, era por “só um pouquinho de escola, pois entendia-se que escola demais
os tornaria juruá”, e por uma escola que afastasse as crianças do entorno, e não os levasse
mais ainda à cultura do outro.

Em 1987, aldeia da Barragem é declarada de ocupação indígena e sua demarcação


indígena é homologada pelo Decreto nº 94.223.

Em 1998, começa a transição da escola indígena para o aparato estatal, de acordo


com informações coletadas em entrevista, em 2018, com Nanci Moreira do sistema da
Gerência de Viabilidade Técnica / Diretoria de Obras e Serviço da FDE - Fundação para o
Desenvolvimento da Educação, órgão que trabalha com a rede estadual de educação de São
Paulo. A educação escolar indígena passa de responsabilidade da FUNAI para o MEC pelo
Decreto Presidencial nº 26/91; desde 1996, a LDB previa, em seu artigo 78, o dever do
estado de oferecer educação escolar indígena diferenciada, e em 1997 havia sido criado
formalmente na Secretaria Estadual de São Paulo o NEI: Núcleo de Educação Indígena.

A supervisora de ensino da Tenondé Porã, Giselia Moreira, em entrevista em 2018,


relata que nos primeiros movimentos estatais, a escola é conveniada com outras escolas da

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rede estadual: primeiro, em 1998, com a EEPG Belkisse Manhaes, e a partir de 1999 com a
EEPG Joaquim Alvares Cruz. É só em 2001, através do Decreto nº 46.339 do Estado de São
Paulo que se cria a Escola Estadual Indígena Guarani Gwyra Pepó, na Diretoria de Ensino -
Capital/Região Sul 3, da Coordenadoria de Ensino da Região Metropolitana da Grande São
Paulo. Ocorre a cooptação do sistema indígena escolar pelo estado, e sua transformação em
umsistema escolar indígena.

A professora indígena Claudia Jaxuka, da Gwyra Pepó, contou em entrevista em 2018 que
um dos motivos para a escola ser tão importante na comunidade é que a merenda escolar
nela servida (e financiada pela Secretaria Estadual de Educação) atende a toda a aldeia, e
não necessariamente serve apenas à comunidade escolar, o que é especialmente
importante porque a limitação de espaço na Tenondé ainda é muito grande, impedindo que
as família tenham suas roças. De Biase também relatou, em sua entrevista, que antes da
presença da escola na aldeia, não havia acesso a água limpa: desde a década de 1990, a água
da represa Billings já era imprópria para uso. Além disso, desde a realização dos cursos de
formação de professores indígenas (Magistério Indígena, iniciado em 2002 e oferecido pela
SEE-SP, e Formação Intercultural Superior do Professor Indígena, iniciado em 2005 e
oferecido pela USP), a maior
parte dos professores da escola é indígena e é contratada pelo Estado, recebendo um salário
que é dividido por sua família e provê melhores condições de sustento para um grande
grupo.

Escola Estadual Indígena Gwyra Pepo: educação diferenciada?

Se é clara a importância das condições materiais que a escola oferece à comunidade, sua
importância intelectual e de formação tem características dúbias. A escola da Tenondé Porã
é apontada por muitos por ser uma das que conseguiram maior autonomia e diferenciação,
mas em seu interior carrega muito da instituição escolar não indígena tradicional.

A construção da Gwyra Pepó é não indígena, em alvenaria: são três prédios


retangulares, um seguido do outro. Cada sala de aula é atribuída a um ano de ensino, e há
um galpão que abriga materiais didáticos e uma sala de informática. De acordo com as

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informações da Diretoria de Obras e Serviço da FDE e com os fatos relatados pelo TCC da
Formação Superior de Jera, indígena cujo nome juruá é Giselda Pires de Lima, os prédios
foram construídos na década de 1990 por uma parceria entre a prefeitura, sob o governo de
Erundina, e um governo europeu, para abrigarem a escola, mas também um centro de
cultura, que hoje não existe; antes disso, a escola era uma sala de madeira construída pela
comunidade. Os prédios são muito semelhantes a uma escola estadual tradicional, com a
diferença de serem abertos para a comunidade: sem muros ou portões. No horário escolar
apenso à porta da secretaria da Gwyra Pepo, é possível perceber que as disciplinas da escola
são praticamente as mesmas de uma escola estadual não indígena: português, inglês,
matemática, educação física, história, geografia, ciências, artes, e para o Ensino Médio
química, física, biologia, filosofia e sociologia. Como disciplinas diferenciadas, há 2 aulas de
cultura étnica por semana para o Ensino Fundamental II e 2 aulas de língua materna por
semana para o Ensino Fundamental II e para o Ensino Médio.

A disciplina cultura étnica, na verdade, existe no currículo prescrito mas não no real:
na ausência de técnicos para a gestão escolar, seu professor realiza apenas trabalho
secretarial. Já a disciplina língua materna é na prática uma aula sobre cultura indígena em
geral, uma vez que a comunidade da aldeia Tenondé Porã mantém sua língua Guarani Mbyá
como primária e não demonstra grande interesse em tornar o Guarani uma língua
padronizada e escrita. De acordo com a professora indígena Aline, da Educação Infantil, o 1º
e 2º ano do Ensino Fundamental são conduzidos inteiramente em Guarani; mo 3º ano,
entram as aulas de português e no 6º, as de inglês.

Em termos de condutas permitidas ou incentivadas aos alunos em sala de aula,


chama atenção na Gwyra Pepo a coexistência de atitudes aparentemente conflitantes. Não é
raro que a porta de uma sala de aula esteja aberta e adentrem nela animais, principalmente
cachorros da comunidade, que simplesmente deitam no chão ou embaixo das cadeiras dos
alunos e lá ficam. Por outro lado, os alunos em geral sentam nas tradicionais cadeiras
escolares, que são acopladas a uma mesa, e de maneira enfileirada.

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A sala de alfabetização tem muitas crianças, em torno de 30. Ao longo do


Fundamental,
as turmas vão diminuindo em tamanho até chegar no Ensino Médio, que conta com menos
de 10 alunos frequentes para todos os três anos. Durante um trabalho de campo, um
professor indígena conta que são as crianças que escolhem se e quando vão à escola: como
são muito tímidas, é natural que decidam ir apenas quando são um pouco mais velhas; e
quando têm idadepara casar e constituir família (em torno de 15 anos), é comum que
abandonem a escola pelas atividades do lar.

A escolarização não é obrigatória e nem é requisito para que os indígenas possam


conduzir suas vidas adultas, mas a escola em si, com seus salários, comida e água, parece ser
essencial para a vida da comunidade. Assim, ela parece ter mais um caráter assistencialista
de fornecimento de serviços básicos do que um viés empoderador ou formativo. Mas muitos
indígenas da comunidade escolar lutam pela construção da escola Guarani.

Multiculturalismos na escola

Em 2017, estava acontecendo o processo de construção do Projeto Político Pedagógico da


Gwyra Pepo, que se estende por anos e é organizado pela FUNAI em parceria com a SEE-SP.
Em dias de reunião do PPP, as atividades escolares são paralisadas, toda a comunidade é
convidada a participar e muitos de fato participam: professores, lideranças e vários alunos
de diferentes idades. Entre as discussões propostas em um dos dias, os indígenas tinham
que discutir as forças, fraquezas, ameaças e oportunidades da escola na comunidade e de
sua relação com o trabalho. “Trabalho” parecia ter o significado imediato de trabalho juruá,
não indígena. E nesse sentido, o grupo composto por jovens alunos da escola indígena era
muito crítico: o trabalho juruá é escravizante e os Guaranis não devem nele se inserir, a
escola deveria prepará-los para lutar por seus direitos, e não para participar da sociedade
dominante. Sua visão de escola parece ser a que prega o multiculturalismo crítico e de
resistência, e de fato a escola parece ter a capacidade de criar (ou ao menos permitir) esta
visão, afinal seus alunos pensam desta forma.

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Por outro lado, a organização estrutural da escola é uma cópia adaptada ou, nos
dizeres de tpcnicos da Secretaria Estadual de Educação, “empobrecida”, da escola
tradicional: os alunos têm os mesmos tempos e trajetórias escolares, estudam as mesmas
disciplinas. A resistência dos professores é grande, mesmo dos professores especialistas
juruá, e há uma tentativa constante de problematizar os conteúdos e refletir sobre a
realidade indígena no interior de cada disciplina, mas os instrumentos oferecidos
oficialmente pela estrutura estadual são, no máximo, do paradigma multicultural humanista
liberal. É reconhecida uma igualdade capenga: igualdade porque se os juruá tem sua escola,
os indígenas podem também ter a sua; capenga porque a escola é, na prática, criada à
imagem e semelhança da escola juruá. As diferenças são, então, tratadas oficialmente como,
na melhor das hipóteses, essenciais, no paradigma do multiculturalismo liberal de esquerda,
mas não há criação de oportunidades reais para o questionamento sobre como foram
criados os padrões que valoram estas diferenças, ou reflexões sobre a questão que abre o
presente artigo “por que são os juruá quem dizem quais são os nossos direitos diferenciados
indígenas, e não nós Guarani quem dizemos quais direitos diferenciados queremos conceder
aos juruá?”. Se há uma força indígena que pulsa pela indigenização da escola, há uma força
estadual que pulsa ainda pela integração do indígena, por sua liberdade de ser diferente
apenas dentro de impostos limites. As transformações reais pelas quais a aldeia vem
passando nos últimos anos parecem corroborar com este ponto de vista. Relata a professora
Claudia Jaxuka que uma das principais características do nhandereko (modo de vida
tradicional) Guarani é a religiosidade de seu povo, que permeia toda a cosmovisão, e que é
tradicionalmente discutida e incentivada diariamente, pela noite, na Opy. Quando chegou à
Tenondé Porã, em torno de 2000, Claudia conta que a tradição ainda era forte, e que todas
as noites as famílias se reuniam na Opy para ouvir os xeramoy (“avôs”) e xixary (“avós”). No
entanto, o cotidiano da escola, com suas longas
cansativas jornadas para professores e alunos, acabou por afastar da Opy alguns de seus
principais frequentadores: as lideranças comunitárias, que são os professores, e as crianças,
que são “o alvo para sobrevivência cultural de um povo” (JERA, 2008: 31).

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O afastamento progressivo da juventude e das lideranças Guarani de suas vivências


tradicionais criou para a escola a demanda de que, ao contrário do que o líder José
Fernandes gostaria na década de 1990 ("uma escola apenas para ensinar o básico do juruá,
porque o Guarani quem ensina é a vivência e a família", conforme entrevista com De Biase),
ela seja o agente de ensino da cultura Guarani para suas crianças. Assim, em 2018, a escola
passou a ter pelo menos dois dias por mês nos quais todos os alunos e professores se
reúnem não no prédio escolar mas sim na Opy, para aprender e vivenciar a cultura Guarani.

O conceito de permanência/mutabilidade da cultura aparece, então, como chave


para a discussão sobre a escolarização na comunidade indígena. Pierri levanta a hipótese de
que “justamente por que são capazes de incorporar uma narrativa exógena, transformando-
a segundo sua lógica, p que os Mbya conservam um ‘pensamento mítico elaborado e
sutil’’’(PIERRI, 2018: 42), ou seja, é exatamente pela atualização de seus mitos nas condições
fáticas vivenciadas e pela capacidade de incorporação dos elementos exógenos introduzidos
em seus cotidianos às suas narrativas que os Mbya mantém sua cultura e são reconhecidos
como uma das maiores forças de resistência cultural, e não por se absterem de inovações e
se afastarem de outras culturas. Jera, falando sobre outra liderança Guarani, o Tiago, revela
ter como pano de fundo um pensamento como o de Pierri, de que a atualização da
cosmovisão às necessidades atuais seria a força de manutenção da cultura Guarani:

‘O Tiago, por falar o juruá, por ter tido a escolarização, tomou também esse
caminho da liderança, de representar o Guarani. E ele vai diariamente na
casa de reza, não importa o que esteja acontecendo, e isso é muito bonito, ele
faz uma reza forte. É liderança nesse mundo louco de hoje, mas consegue ser
esse Guarani que segue o caminho de nhanderu. Ele é prova concreta pra
mim de que existe o nhanderekuery. Se, desta forma, não é possível dizer que a escola é
bem sucedida em integrar os Guarani à sociedade hegemônica, ou que eles estão se
tornando juruá, a crítica à escola e à forma escolar que ela cria continuam sendo
pertinentes. A forma escolar, entendida como “princípio de engendramento, quer dizer de
inteligibilidade” do que p a escola, inaugura novos tempos e espaços para a educação e,

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consequentemente, “não sem dificuldades, um modo de socialização escolar se impôs a


outros modos de socialização”; ela “p a forma social constitutiva do que se pode chamar
uma relação escritural-escolar com a linguagem e com o mundo” (VINCENT, LAHIRE & THIN,
2001).

Direitos diferenciados: igualdade formal ou real?

Entendendo a escola como instituição que carrega a forma escolar, alterando as relações
sociais de seu entorno, questiona-se sua capacidade apriorística de ser um espaço
intercultural Bem Viverista. Considerando que a conquista constitucional na prática permitiu
a diferenciação das instituições juruá, e não a criação de novas instituições a partir da
própria cultura indígena, será que é possível falar em respeito ao e reconhecimento do
nhandereko? Pela experiência de análise da escola na Tenondé Porã, não parece ter ocorrido
ruptura paradigmática no conceito de direitos dos povos indígenas, mas apenas mudanças
incrementais dentro de um paradigma assimilacionista e liberal, de multiculturalismo sem
verdadeira interculturalidade.

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GT 7 - HISTÓRIAS INDÍGENAS E PERSPECTIVISMOS AMERÍNDIOS

Prof. Dr. Carlos Paz (FCH-UNCPBA/ Argentina)


Prof. Dr. Giovani José da Silva (Unifap/ Brasil)

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SINTAGMAS COSMOLÓGICOS E UM PERSPECTIVISMO AMERÍNDIO:


SOBRENATUREZA E CONHECIMENTO ENTRE OS ÍNDIOS TUXÁ DA BAHIA72

DURAZZO Leandro
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
leandrodurazzo@gmail.com

Introdução

Existem múltiplos modos de falar do mundo, assim como múltiplos meios de habitá-
lo. Na margem baiana do rio São Francisco, os Tuxá de Rodelas, povo indígena
historicamente ocupante da região e, no período colonial, conhecidos por rodeleiros (cf.
Cabral Nasser, 1975; Gomes, 1986; Salomão, 2006), recentemente autodemarcaram um
território de ocupação tradicional na região chamada Dzorobabé. Ali, em sua terra ancestral,
território tuxá desde os antigos, uma nova aldeia começou a ser levantada no ano de 2017,
após sentença judicial favorável aos procedimentos demarcatórios que deverão ser
cumpridos por Funai e União (TRF1, 2017).
Dzorobabé, território também chamado Surubabel, é margem defronte ao local onde
havia uma ilha de mesmo nome, historicamente abalada por uma cheia fluvial no século
XVIII e mais contemporaneamente inundada irremediavelmente após a construção da
hidrelétrica de Itaparica (Salomão, 2006; Cruz, 2017). Dali teriam partido os primeiros índios
aldeados nas missões do Submédio São Francisco, dentre as quais a missão de Rodelas a
montante.
Entretanto, também ali permaneceram alguns dos antigos, ou brabios, antepassados
dos Tuxá que foram capazes de se adaptar à presença missionária na região ou dela se
esquivar. Os brabios, a despeito de sua antiguidade histórica, são entes presentes no
cotidiano contemporâneo tuxá, sobretudo a partir do evento da autodemarcação e da

72
Trabalho apresentado no II Congresso Internacional Mundos Indígenas, Campina Grande, 2018, como parte
do GT 7 – Histórias Indígenas e Perspectivismos Ameríndios, coordenados pelos professores Dr. Carlos Paz
(FCH-UNCPBA/ Argentina) e Dr. Giovani José da Silva (Unifap/ Brasil).

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constituição de uma nova aldeia em um antigo território. Os Tuxá de Dzorobabé, portanto,


convivem e coabitam com os brabios de forma intensa – num cruzamento entre
intensividade e extensividade (cf. Zilberberg, 2006) – e dessa forma reformulam a
intensidade com que se referem a tal estrato cosmológico.
Pela condição cosmológica de diferença entre brabios e índios viventes – diferença
extensiva a outras entidades como encantados, antigos mestres índios ou forças de certa
forma naturais como a Mãe D’Água – o discurso tuxá se refere aos brabios quase sempre por
um sintagma pronominal em que eles opera como núcleo. Em muitas ocasiões ouvimos os
Tuxá falando deles, de relações que com eles mantêm e observâncias de respeito que a eles
devem. Mais que referência a um nome já estabelecido na oração – “dirigimos a palavras
aos mestres encantados e eles responderam...”, por exemplo – o pronome é muitas vezes
autonomizado e autorreferente, guardando para si o direito de ser esquivo quanto à
definição daqueles sujeitos aos quais se refere.

Pronomes cosmológicos e sintagmas pronominais

Em seu clássico artigo sobre pronomes cosmológicos e perspectivismo ameríndio,


Viveiros de Castro (1996) estabelecia o entendimento dos pronomes como formas de
relação entre sujeitos – vistos como pessoas, gentes/povos ou não-pessoas, não-nós,
quando pejorativamente designados por eles (Viveiros de Castro, 1996: 125). A perspectiva
de uso pronominal, em Viveiros de Castro, aponta mais para uma consideração ontológica
das diferenças étnicas – entre humanos, mas também entre humanos e não-humanos – e
menos para o uso propriamente enunciativo dos pronomes enquanto categorias sintáticas.
Quando os Tuxá falam deles, não estão perspectivando posições, mas reconhecendo
relações em tudo assimétricas porque pautadas por posições pouco ou nada
intercambiáveis.
Apesar de haver a possibilidade de diálogo, negociação e equilibração entre viventes
e eles, especialmente quando tais processos são conduzidos por especialistas rituais, a
condição de diferença ontológica permanece fundamental. Eles são outros, ainda que

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possam ter sido iguais aos viventes, em tempos passados. E, sendo outros, eles demandam
tratamentos enunciativos – pela força da palavra – de cuidado e certa evitação, ao menos no
que diz respeito ao estabelecimento categórico do que seriam eles.
Não que não haja a compreensão de definições mais ou menos assertivas sobre suas
condições cosmológicas. Os antropólogos Elizabeth Cabral Nasser (1975), Orlando Sampaio-
Silva (1997) e Ricardo Salomão (2006) dedicaram algumas páginas a estabelecer
categorialmente as condições de mestres encantados, gentios e outros entes cosmológicos
presentes entre os Tuxá, entes sobre os quais apenas cuidadosamente escrevemos. Isso
porque, e aqui talvez seja importante relembrarmos o poder enunciativo, propriamente
performativo (cf. Austin, 1965) do discurso científico e da palavra acadêmica, pronunciar
certos nomes é também dar força à existência e à presença de tais entidades. Se na
autodemarcação de Dzorobabé, onde vivemos os primeiros meses de ocupação tuxá,
pudemos observar o cuidado indígena no trato com tais palavras, com que autoridade as
descreveríamos aqui? Ademais, qual a finalidade de tais descrições e categorizações
antropológicas, senão a abertura de uma possibilidade de entendimento intersubjetivo (cf.
Fabian, 2014)? Pois é justamente nesse ponto tentativo de entendimento que nos
colocamos: se os Tuxá falam deles sobretudo a partir de sua enunciação pronominal, assim
também faremos; e se os Tuxá com quem convivemos tendem a não lhes especificar
características ontológicas e categorias claras e distintas, tampouco o faremos.
A recusa em categorizar o que os índios não categorizam espontaneamente, ao
menos não em situações públicas e certamente não em nossas interlocuções – ou, quando o
fazem, sempre assumindo postura cautelosa e cuidada, para que nenhuma definição sobre
eles me pareça taxativa – faz parte de nossa abordagem tanto por uma questão ética quanto
metodológica. Sua dimensão ética julgamos evidente: se há um cuidado na fala indígena, há
de haver cuidado em nossa escrita antropológica, para que não se desvelem formas de
enunciação e categorização guardadas pelos Tuxá de Rodelas como segredo (cf. Reesink,
2000). E é justamente pela evitação de um esquadrinhamento que, metodologicamente,
abrimos possibilidade de entendimento antropológico daquilo que eles são em suas relações
com os viventes.

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A já anunciada diferença ontológica, presente no quadro cosmológico tuxá, entre os


brabios (eles) e índios viventes (Tuxá sobretudo, por serem descendentes daqueles),
configura certo contexto comunicacional de base. Ao dizerem deles, e ao compreenderem as
relações indígenas com eles, os Tuxá criam e recriam suas possibilidades de relacionamento
com tais entidades, sejam nas observâncias rituais, nos trabalhos da ciência e do oculto –
como chamam suas práticas rituais e religiosas – ou mesmo nos processos de produção e
circulação de conhecimentos nativos, compreendidos também como modelos cognitivos e
representações mentais. Assim, mesmo aqueles índios que nunca tenham visto, ouvido ou
de outra forma feito contato direto com eles são capazes de conhecê-los: pela estrutura
discursiva deferencial (Déléage, 2009) que os Tuxá elaboram ao falarem deles, criam-se
possibilidades de conhecimento indireto de entidades cosmológicas de especial centralidade
para a visão de mundo tuxá. Sobretudo, recordemos, em territórios de forte potência
cosmológica como a terra ancestral de Dzorobabé, onde os brabios permanecem.
Pierre Déléage elabora sua noção de conhecimento deferencial a partir do caso
Xaranaua do oeste amazônico, dando a tal elaboração a propriedade de um conhecimento
que é posto em circulação e apreendido por sujeitos sociais através de outros sujeitos sociais
– viventes, para assumir um termo que temos usado para os Tuxá em relação aos brabios.
Por deferencial, o autor identifica modos de enunciação que estabelecem balizas para tal
socialização de conhecimentos: enunciações performativas, criadoras de realidades sócio-
cosmológicas (por estabelecerem a existência de estratos ontológicos como os deles) e
cognitivas (por permitirem o conhecimento indireto de sua realidade). Não seria preciso ver
um ente sobrenatural para sabê-lo existente: bastaria saber falar sobre ele, e pensá-lo,
competências adquiridas a partir da escuta e de certa imaginação socialmente amparada.
Os processos de circulação de conhecimentos que Richard Bauman identificaria como
entextualização, quando referente às fórmulas discursivas transmitidas e replicadas, e
socialização, quando referente à dimensão de enunciação pública que permite a novos
sujeitos a aquisição de tais conhecimentos (Bauman, 2004), em muito se aproximam desse
conhecimento deferencial. Pensando fórmulas e formalizações discursivas, Bauman indica
que determinados complexos enunciativos – que podemos chamar sintagmáticos, para

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focalizar suas condições de autonomia como nos sintagmas eles, brabios e mestres
encantados – têm a capacidade de circular entre contextos, e carregar consigo formas de
compreensão daquilo que se fala. Assim, aplicando os sintagmas pronominais ou nominais
(eles ou encantados) a diferentes registros discursivos, os Tuxá constituiriam não apenas seu
conhecimento das realidades cosmológicas que partilham, mas também certo modo de
tratamento e decoro adequado para o trato com eles.
Afinal, retomemos a ideia de diferença entre eles e os viventes. Não será suficiente
aos Tuxá conhecerem a realidade deles, ou se esquivarem de pronunciar, com todas as letras
– sobretudo em contextos de interação com não-indígenas – que existem encantados,
mestres e brabios. O conhecimento deferencial de Déléage assume em nosso caso uma
condição fundamental de deferência, pela diferença substancial entre eles e os Tuxá
viventes, tanto no quesito ontológico quanto na proximidade deles com a dimensão cosmo-
ritual da ciência – afinal, eles estão no que por vezes se chama de igrejinha encantada ou
reino dos encantados, ou ainda no juremá, em referência à esfera da religiosidade indígena
que abrange o uso e o culto da jurema (cf. Cabral Nasser, 1975; Sampaio-Silva, 1997;
Salomão, 2006).
Pela deferência, então, temos toda uma dimensão de respeito, reserva e mesmo
humildade que coloca os Tuxá diante deles – de quem sequer os nomes próprios são
pronunciados com facilidade, sobretudo junto a não-indígenas, e cujos sintagmas
pronominais e nominais servem para designar sem classificá-los detidamente. O segredo já
observado quando do trato com a ciência (Reesink, 2000) e a reserva em relação a certas
enunciações, que acima apontamos, passam a ser acompanhados de outras dimensões:
respeito, deferência, cuidado e um entendimento cosmológico específico, advindo tanto da
relação nativa com o complexo sócio-ritual da ciência e da jurema – cujos maiores exemplos
estariam nas práticas e trabalhos acima mencionados – quanto de processos deferenciais
(Déléage, 2009) e de entextualização (Bauman, 2004).
Os sintagmas e pronomes cosmológicos que observamos entre os Tuxá de Rodelas
talvez nos auxiliem a compreender não apenas as relações entre entes viventes e brabios,
não-humanos – como quereria Viveiros de Castro – mas também suas comunicações. Porque

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se tomarmos o caráter cosmologicamente forte de Dzorobabé, onde os brabios se


encontram e com quem os Tuxá pouco a pouco passam a coabitar a partir da
autodemarcação de 2017, teremos campo para pensar os pressupostos ontológicos
(Almeida, 2013) de uma realidade vivida cotidianamente. Mais ainda: pela comunicação
deferente, respeitosa mesmo quando não dirigida diretamente a eles, observa-se no caso
tuxá uma abordagem cosmopolítica polida e consideravelmente diplomática. Sabendo-se
diferentes deles, os Tuxá utilizam de seu poder enunciativo e comunicacional não para trocar
perspectivas, como numa virada ontológica, mas para compreender diferentes posições e
respeitá-las, observando as diversas práticas rituais previstas para tais casos – como os
trabalhos da ciência abertos apenas a indígenas ou o toré, ritual mais performático e
público, espécie de folguedo em que se dança e cantam toantes relacionadas ao complexo
da ciência (cf. Grünewald, 2005).
Haverá nisso, portanto, uma clara evidência das realidades vividas, compartilhadas e
respeitadas pelos Tuxá de Rodelas. Mesmo que consideremos o decoro como aspecto
variável a depender dos grupos e sujeitos indígenas específicos – também diferentes entre
si, e por isso passíveis de abordar a relação com eles de formas mais ou menos abertas – é
impossível desconsiderar a cautela e a evitação como conduta padrão, ainda que inicial.
Evidenciação, desse modo, de pressupostos ontológicos (Almeida, 2013) que dão sentido e
estofo ao mundo habitado pelos Tuxá.
Em se tratando de modos de enunciação decorosos, deferentes, especialmente pela
reserva enunciada nos pronomes e pela manutenção da diferença entre estratos
cosmológicos – nós e eles – é possível considerar tal postura como uma prática
verdadeiramente cosmopolítica (de la Cadena, 2014). Os pressupostos ontológicos são,
desse modo, discursivamente elaborados por meio de “práticas concretas”, como quereria
de la Cadena, e tais práticas ocorrem não pelas mudanças de posicionamento relacional,
mas pela alteração – ou manutenção – de posições geocosmológicas. Em Dzorobabé, lugar
forte no sentido cosmológico de coabitação e manifestação deles e da ciência, os modos de
ocupar o espaço se fazem também pela fala – ou, no limite, por sua ausência e seus
silêncios. O pronome ou os sintagmas genéricos que se dirigem timidamente às dimensões

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cosmológicas dos encantados têm em si o poder de estabelecer a relação comunicacional –


direta ou referente – ao mesmo tempo em que resguardam os viventes de invocações
explícitas à força deles.
Nesses espaços em que “encontros pragmáticos” (Almeida, 2013) são facilitados, a
potência performativa (cf. Austin, 1965) da palavra torna-se ainda mais potente. Como, aliás,
também se tornam outros expedientes performáticos (no sentido estético-musical do rito),
já que balançar um maracá ou entoar determinadas linhas de toré ou da ciência também
seriam práticas passíveis de abalar o equilíbrio – e o repouso – da força do lugar, acionando
canais e contextos de comunicação com eles que talvez não fossem desejados. Para que se
enunciem determinados toantes, as linhas musicais do toré ou da ciência, é necessário que o
contexto (o “enquadre”, nos dizeres de Bateson, 1998) seja propício, para que a deferência
devida a eles e à força do lugar seja mantida. Tal enquadre, contexto propício e também
propiciatório, se dá de formas variadas, mas quase sempre envolvendo especialistas rituais
ou índios envolvidos com a ciência e que “seguram o ponto”, como dizem. Isto é,
estabelecem parâmetros momentâneos para que os presentes compreendam quais práticas
rituais, quais linhas e observâncias religiosas são adequadas àquela ocasião.

À guisa de conclusão

Há um último ponto digno de nota, para que encerremos esta apresentação. Se


dissemos até aqui que os Tuxá de Rodelas tendem a resguardar nomes próprios e
considerações explícitas sobre seus mestres encantados, brabios e outras entidades
cosmológicas, sintagmatizando-os ou fazendo uso extenso de pronomes, isso se dá
sobretudo em contextos discursivos cotidianos. Nas linhas de toré, registro poético e
discursivo relacionado à ciência e às práticas rituais – elas mesmas sendo práticas rituais – há
certas referências mais abertas a histórias sobre antigos índios, ao reino da jurema (ou do
juremá) e entidades cosmológicas de grande poder, mormente figuras de nomes bíblicos e
santos de um catolicismo popular bastante presente no sertão e entre os Tuxá.

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Alguns dos versos são explícitos, mas não nomeiam os personagens-entidades, pelo
que não sabemos se a performance enunciativa faz referência a episódios poéticos, talvez
míticos, ou a invocações de entes cosmológicos presentes no cotidiano do mundo – a modo
deles. Um toante diz “no rio de São Francisco/ do outro lado de lá/ tem duas cabocla índia/
dançando seu toré/ bebendo água do seu coité// oi, cabocla do mato, só vem folgar/ cabocla
do mato só vem folgar”. Já outros designam personagens-entidades de característica
ontológica bem conhecida: “Os anjos que vêm do céu/ vieram cantar na glória” ou “pedindo
a Jesus Cristo/ contrito em meu coração” (ou “com Cristo em meu coração” para uma
variante do segundo verso).
Fato é que mesmo essas linhas abertas e passíveis de serem conhecidas por não-
indígenas – lembrando sempre da natureza pública e de performance interétnica que o toré
mantém – mostram-se variáveis a depender dos contextos e dos sujeitos indígenas
envolvidos nas práticas rituais. Em alguns grupos político-rituais, certas linhas consideradas
de trabalho, e por isso fortes, não são cantadas em espaços fortes sem a devida preparação
– e às vezes nem mesmo com preparação. Em outros grupos, determinados toantes podem
ser ouvidos, pelo que a cosmopolítica dos encontros pragmáticos vai se desvelando
conforme os diferentes grupos vão habitando Dzorobabé e, por meio da fala e da
coexistência, acomodando sua coabitação com eles.
Pela condição relacional que a cosmologia tuxá nos apresenta, e pela indiscutível
diferença entre índios viventes e as entidades não-humanas com que compartilham mundo,
o uso de pronomes e sintagmas cosmológicos nos auxilia a compreender algo de tais
relacionamentos. Porque a diferença também estabelece que os entes não-humanos são,
em certa medida, mais-que-humanos, posto seu vínculo estreito e indissociável com a
ciência e o complexo que estabelece pressupostos de uma sobrenatureza. Pronomes
pessoais (feito eles) assumem, no caso tuxá, verdadeira condição de pronomes de
tratamento: trato diplomático, ritual, cosmológico e deferente, como é comum em mundos
habitados por uma multiplicidade de seres.

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INTERESSES DE UMA ETNO-HISTÓRIA ANCESTRAL,


A CABOCLA BRAVA FRANCISCA GOMES DE SOUSA

SILVA , Jair Soares da


Universidade Federal de Campina Grande
jayrsoaressilva12@gmail.com
APOLINÁRIO, Juciene Ricarte
Universidade Federal de Campina Grande

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Para revisitar a memória da história local indígena do agreste da Paraíba, procuramos


fundamentarmos nas narrativas de descendentes de povos indígenas da região de Lagoa
Seca-PB. São parentes ligados aos índios Bultrins (Kariri) que habitavam a região e trazem na
memoria as histórias e reminiscências de seus bisa e tatára avos que sempre falavam que
tinham partes com os índio.

Fundamentada em relatos orais e fontes escritas sobre o tema, esta pesquisa visa
revisitar a história de minha bisavó, juntamente com o desaparecimento do povo de sua
etnia Kariri, ocorridos entre o fim do século XIX e inicio do século XX na cidade de Lagoa
Seca-PB, no sitio Conceição que esta localizada no agreste paraibano.

Visando compreender minha genealogia e as ligações com os troncos indígenas, que


se deu a partir da minha bisavó, chamada “cabocla braba” índia achada na mata entre os
séculos XIX e XX, segundo relatos contados por minha mãe, parentes e moradores da região
onde ocorreu o fato. Por meios de entrevistas feitas entre os meados de 2016, podemos
constatar as semelhanças dos relatos contados, e pesquisas feitas no Rio Grande do Norte
por Helder Alexandre Medeiros de Macedo (2010) o mesmo fenômeno das Guerras dos
Bárbaros, que constava e fomentava há colonização das terras e a captura dos povos índios.
Helder relata as barbáries e os formas de captura desses povos que trás as expressões de:
pego a casco de cavalo e a dente de cachorro, originando assim o mito dos “cabocos
brabos”, ou “caboclos bravos” nas terras nordestinas.

Uma pesquisa bastante enredada de dificuldades e surpresas, pois haviam


resistências de partes dos entrevistados, colocando ai os valores sentimentais que estavam
sendo rememorados. Mas tínhamos que ir em frente e enfrentar os silenciamentos.
Encontrei, de maneira furtiva, na memória familiar, a mesma trama discursiva que se escuta
no interior de muitas localidades nordestinas que encena o rapto de uma índia. A menina é
levada por um homem branco para longe do seu lugar de vida (a serra, o ‘mato’) e é mantida
isolada dos demais, sendo “amansada” após ter filhos. De um modo geral, a imagem da índia
representada “selvagem” integra-se à representação do mundo natural descrito: o mundo

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feminino corresponderia a um tempo primordial, fornecendo uma explicação sobre a origem


da minha família e a “ascendência indígena” (CAVIGNAC, 2009, p 74).

Deparamo-nos com uma rica tradição oral e um ‘passado mestiço’ cuja evocação
traduz, num modo narrativo e ficcional, as percepções do processo de relações interétnicas
vivida pela minha família e ressignificado nas memórias que se passou de pai pra filho. Para
nosso trabalho nos apoiamos nas fontes orais. Fontes estas que possibilitam que sujeitos
e/ou testemunhos antes excluídos e colocados no anonimato, sem direito à memória,
comum passem a ser protagonizados. O uso da História Oral, bem como das narrativas que
dela se originam, estimulam a escrita de uma História que não é uma representação exata
do que existiu, mas que se esforça em propor uma inteligibilidade, em compreender a forma
como o passado chega até o presente. O que o historiador escreve não é aquilo que se
passou e, sim, uma produção discursiva. Como afirma Paul Veyne: A história é uma narrativa
de eventos: todo o resto resulta disso. Nesse sentido, o historiador etnográfico é aquele que
usa os métodos de pesquisa, não para fazer uma História totalizante do real, tendo em vista
sua impossibilidade, mas aquele que, através dos métodos, especialmente o da História Oral,
constrói o conhecimento histórico na perspectiva da narrativa, permitindo, assim, uma
descrição das representações dos sujeitos que viveram a História ou, de alguma forma, com
ela tiveram contato.

Quando criança eu sempre visitei o sitio Conceição com minha mãe, onde pude ouvir
relatos, uma tradição oral sobre os povos originários que habitavam a região e da avó dela.
No citado sítio, havia uma imensa casa denominada de “casa grande”, que nos fundos
funcionava uma casa de farinha, nela tinha muitos mistérios e curiosidades que na minha
cabeça não passava de uma simples história, não fazia ideia que aquilo no futuro para mim
seria algo extraordinário, pois ali estava parte da história da minha família a partir da mulher
destacável Francisca Gomes de Sousa. Na Casa Grande como era chamada, bem antes de ser
uma casa de farinha, em sua construção, fora feita para abrigar escravos, foi construída para
ser uma senzala, isso em outro período da história que suas paredes foram testemunhas
bem antes de serem demolidas em meados dos anos 90, restando só assim seus registros

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em fotografias, hoje no seu local encima de sua base há uma pequena casa construída que
não remete nada do que era antes.

História essa que é fundamentada em fontes que relatam a passagem de índios na


região de Lagoa Seca, que foram os primeiros habitantes da região bem antes de seu
povoamento em 1929.

Nossa pesquisa também se ampara nos aportes teórico-metodológico da história


local. O estudo de História Local e Regional nem sempre teve importância no mundo
acadêmico, apenas a partir do final década de 1980, surgem trabalhos mais sistematizados
relacionados ao tema. Isso só foi possível graças a uma nova concepção metodológica que
surgiu na França em 1929, denominada de Nova História. Por esta ótica, nota-se a
importância do estudo da História Regional e Local no universo historiográfico, uma vez que
ela aproxima o historiador do seu objeto de estudo. A narrativa deixa de ser fundamentada
em temas distantes para se incorporar aos fenômenos históricos da região,
conseqüentemente do município no caso específico o de Lagoa Seca no estado da Paraíba.
Passa existir a construção de uma história plural, e os excluídos passam a ter voz como as
protagonistas de descendência indígena que destacamos em nossa investigação. O passado
se torna mais imediato, como o afirma o professor Rafael Samuel:

A História Local requer um tipo de conhecimento diferente daquele


focalizado no alto nível de desenvolvimento nacional e dá ao
pesquisador uma idéia mais imediata do passado. Ela é encontrada
dobrando a esquina e descendo a rua. Ele pode ouvir os seus ecos no
mercado, ler o seu grafite nas paredes, seguir suas pegadas nos campos.
(Samuel, 1990, p. 220)

Durante anos da minha vida, em meio de parentes e especialmente da minha querida


mãe, sempre ouvia relatos que foram me intrigando e formando dentro de minha mente
uma construção de um imaginário que ia adquirindo formas e ilustrações contornadas
particularmente na mente criativa e infantil que sempre remetia as histórias familiares dos
meus antepassados de forma ilustrativa. Histórias sobre a minha bisavó Francisca Gomes de

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Sousa, que era uma índia Kariri e fora encontrada abandonada na mata no município de
Lagoa Seca – PB.

A origem do nome Lagoa Seca é permeada por várias versões. Os primeiros habitantes
de Lagoa Seca foram os indígenas Kariri também chamados de "Bultrins". A colonização
pelos não-indígenas possivelmente inicia-se através da implantação de um engenho com
essa denominação, de propriedade do Coronel Vila Seca. Como homenagem ao Coronel
surgiu o nome da cidade. Em uma versão popular muito mais lendária é direcionado a um
fato ocorrido na rua João Lourenço Porto, onde existia uma lagoa, que se encontrava sempre
seca originou o nome.

Fui escutando histórias e peculiaridades sobre o povo indígena que habitava a região
especialmente onde localizava o sitio Conceição entre os municípios de Campina Grande e
Lagoa Seca. Esse local foi onde minha mãe nasceu e viveu por vários anos de sua vida
juntamente com minha bisavó e os demais de sua família antes de se transferirem para a
cidade de Campina Grande , PB no ano de 1975.

Em minha infância tive o prazer de conviver com minha bisavó de origem indígena e
ouvir suas histórias, mais nada que ficasse retratada na minha mente em períodos
convividos, se não somente frase do tipo “no céu é como na terra! Tem governo”, [mas mal
entendia o que ela queria dizer com isso],e seu desafeto com as fantasias de carnaval que
lhe trazia certos medos. [Esse período foi vivido por mim até o ano de 1994, quando eu a vi
em sua cadeira sentada já em óbito]...

Ainda trago as lembranças de quando visitava a Casa Grande no sitio Conceição, com
suas imensas paredes feitas de tijolos manuais, que eram sobreposto de dois em dois de
forma horizontal, subindo assim uma parede bastante larga e resistente com seu imenso
teto, que na minha imaginação não tinha fim, e me perguntava: como será que foi feto?,
quem o fez? Mas a minha mãe sempre falava que desde a sua infância a casa já estava
erguida, e que fora construída pelos índios que abitavam a região (índios Bultrins)
juntamente com escravos negros. Pois a casa grande era no passado uma senzala.

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Nas minhas caminhadas dentro da casa havia um local onde raramente eu ia e evitava
o máximo passear perto da sala, muito escura e larga, sem iluminação elétrica, me causava
bastante medo. Suas varias janelas, onde dava para ficar de pé, via no horizonte o verde das
árvores, e o imenso bananal que me levava a imaginar a infância da minha Mãe: como tinha
sido os tempos de criança, as brincadeiras e o que eles faziam? Caminhando entre os
corredores e os quartos da ‘casa grande’ como era chamada, ao chegar na parte de traz, era
outra surpresa, era onde se encontrava a casa de farinha, para mim, outro mundo ver as
maquinas que eram ultilizadas para a produção da farinha, ali a mandioca era trabalhada
passando por seus vários processos de beneficiamento até obter o resultado final. Ver todo
maquinário que eram manualmente operado e outros que eram movidos por tração animal,
traziam um encanto imenso por ver tudo aquilo que eu não via na cidade onde fui crescendo
e repetidamente ouvia todas as história da casa grande e sua construção, e sobre minha
bisavó que era chamada de caboca.

Revisitando todos estes vestígios de memória é que nos foi despertando a


curiosidade de estudar sobre estes fatos e histórias. Aos poucos fui percebendo que o
contexto em que vivíamos era uma construção familiar de muitas lutas e resistências que
nossos antepassados enfrentaram diante do processo das primeiras relações interetnicas
locais. Dessa maneira nos envolvemos e nos deixamos levar por imaginações, como cita
Carlo Ginzburg: “a história pode nos despertar para a percepção de culturas diferentes para
a idéia de que as pessoas podem ser diferentes e, (...) contribuir para a ampliação das
fronteiras de nossa imaginação”.

Francisca Gomes de Sousa (dona Chiquinha) como era conhecida por todos que
conviveram ao seu lado, tanto em cidade de Lagoa Seca quanto em Campina Grande no
bairro de Bodocongó onde vivera parte de sua vida logo apos ter se mudado para cidade
grande, como era falado na época, isso em 1975.

Foi registrada em Campina Grande, 29 de Setembro de 1975 com uma base de mais
ou menos 74 anos de idade, pois seu registro aponta para uma suposta data de nascimento

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no ano de 1901, mas ela foi encontrada já criança um pouco crescida, então devido às
precariedades da época ela foi registrada com uma idade fictícia para ter uma idade
confirmada. A cabocla Francisca teve irmãos e irmãs, cuja origens e histórias eram parecidas,
foram todos achados na mata, seus parentes “pegos a dente de cachorro” na mesma região
de Lagoa Seca. Criados por um morador da região chamado de Lucas Batista, que era
proprietário das terras onde eles cresceram e viveram certo período da vida. Seus irmãos se
chamavam: Antônio Sousa, Jovi Sousa, Cícera Sousa e Joana Sousa, ambos registrados por;
Manoel Gomes de Sousa e Donara Maria da Conceição, pais arranjados como se fala na
época.

Uma mulher que não frequentou escolas e nunca foi alfabetizada. Mas tinha um rico
conhecimento tradicional, tanto na culinária quanto no artesanato, todo esse adquiridos ao
longo de sua infância e lembranças de seus parentes.

Minha mãe sempre falava de algo que nunca tinha esquecido de fazer que aprendera
com ela, que eram gaiolas de camará (camará ou ainda camarajuba , é um ar-
busto da família das Verbanáceas, muito cultivado por seu efeito ornamental), uma pratica
artesanal herdada da dono Chiquinha, na culinária estava o domínio das raízes, suas
garafadas e seus pratos de origem, como o processo do aproveitamento da mandioca e da
macaxeira e seus usos após passarem pela casa de farinha na famosa casa grande do sitio
Conceição.

Ela também casou, firmando matrimonio com um proprietário de terras da região e


teve filhos. Uma prole com uma herança genética indígena, de sobrenomes Gomes de
Sousa, proveniente dos pais que lhe foi dado o nome de registro, mas havia um de nome
curioso, uma filha chamada de Toró, dando origem ao núcleo familiar mestiço de tronco
indígena proveniente dos índios Bultrins que faziam partes do grupo indígena Kariri, mesmo
sendo registrada pelos Gomes de Sousa.

O esposo da Bisavó Francisca faleceu ainda nos anos iniciais do seu casamento
deixando os seus filhos órfão, travando ai mais uma luta de vida para criar suas três crianças.

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A sua vida sempre traduzida em luta, pois já havia na sua infância enfrentado o abandono e
a solidão entre as matas, já que os colonizadores perseguiram seus pais e os capturaram.
Poderíamos dai imaginar como foi as dificuldades dela e as demais crianças abandonadas em
meio ao matagal, seus enfrentamentos durante a noite com vários animais soltos e o perigo
recorrente de um ataque por qualquer que fosse, o frio, a fome que os castigavam.

A dona Chiquinha sempre se recusava a se render aos costumes da sua atualidade,


não gostava de TV, e sim era apegada a um radio ligado na AM onde ouvia as noticias do dia
a dia, sai muito pouco de casa preferindo ficar na janela a observando a rua, mas nunca viera
a se acostumar com o contexto do que via, sai uma vez e outra para ir ao medico, mas com
muita resistência, preferindo as ervas medicinais para se tratar de alguma enfermidade, não
gostava de ser examinada pelos médicos ao ponto de levantar a mão para bater neles, pois
dizia que era falta respeito o que eles faziam.

Ouve até resistências dela para emitir seus documentos, pois ela falava que não
queria esses papeis, pois quando o povo faziam isso morriam. Faleceu em 1994 na cidade de
Campina Grande-PB no bairro do Bodocongó. Como já citei antes do que eu ouvia falar sobre
minha bisavó Francisca Gomes de Sousa, desde os tempos de criança e como cresci ouvido
relatos e suas histórias. Isso era enigmático, até conhecer histórias sobre os povos indígenas
paraibanos e suas lutas para sobreviverem em meio a colonização que fora devastadora para
com os povos que lutavam para resistirem aos fazendeiros.

Na mudança da Bisa Francisca para Campina Grande, veio também todos que com ela
moravam no sitio Conceição, incluindo um dos filhos, partindo dai uma ramificação e
formação de novos descendentes de índios Bultrins promovendo a ampliação da família
proveniente da cabocla Francisca. Desse modo é fato ver como esta população indígena aos
poucos foi desaparecendo do contexto em meio a população, vagarosamente e em silencio,
deixando só as reminiscências e rastros de memórias revisitadas. Mas, seria um
desaparecimento por completo ou um silenciamento? De fato compreendemos em sua
síntese que essa população indígena ainda existe e está silenciada, partindo desses pontos

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de vista iniciados em uma estrutura étnica e formação familiar, há dona Chiquinha, cabocla
brava achada na mata, formou e deu um prosseguimento a sua linhagem indígena. Entre as
reminiscências de fatos e costumes um orgulho por parte dos que reconhece suas origens e
se consideram parte do povo Kariri paraibano primeiros indivíduos que habitaram as terras
que posteriormente foi denominadas de Lagoa Seca-PB.

De acordo com Juciene Ricarte Apolinário (2016) Kariri é a designação de um


importante grupo étnico do sertão nordestino, descrito com bastante propriedade pelo
padre Martin de Nantes (1979) no século XVII. Esse grupo étnico esteve presente em
diferentes espacialidades das capitanias do Norte, entre as quais Pernambuco, Bahia,
Paraíba e Ceará em maior número às margens do Rio São Francisco e seus principais
afluentes (OLIVEIRA, 2009). De acordo com Beatriz G. Dantas (1982) e Curt Niendajú,
somente quatro das suas línguas ficaram identificadas nos documentos coloniais, a saber –
Kipeá-Kariri, Dzubukuá, Kamuru e Sauyá.

A memórias sobre, Francisca Gomes de Sousa para tanto destacamos os


depoimentos de Maria da Guia Santos Silva, Neuza Sousa Alves, Maria das Dores Soares e
Maria Zilma. Em trechos da entrevista Neuza fala o que ouvira quando criança:

Ô Guia, mamãe, mamãe contava assim: a... a avó da gente, não sei o que
dela! foi achada no mato a dente de cachorro, era isso que mamãe contava,
nera isso...minha, nera isso, minha vó não sei o que dela era índia, noi tem
pacto, quando ele pegava e falava, que mamãe... – você ta pensando que.
Agente tem pacto com índio, minha vó bisavó não sei o que era foi achada a
dente de cachorro ne, tinha uma história, achada no mato ne. Mamãe dizia
isso direto... na mamãe. Ai eu tava escutando sua história... ela contava
mamãe contava, qualquer coisinha ela dizia –você tá pensando o que?
Minha vó... (pergunta sobre quem era a mãe dela).era mamãe a mãe de pai
(resposta; era Cicera a mãe dela)ai mamãe e! era uma misturada mandada.
Eu lembro que mamãe dizia, mamãe dizia que qualquer coisinha que
agente dizia ai achava que ia matar agente que era índio...

Cícera bisavó de Neuza Sousa, era filha de Joana que foi uma das tias da minha mãe,
ligando assim os parentescos entre Joana e Francisca, as duas eram irmãs que deram origem

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há um núcleo familiar de descendência indígena. Como em outras localidades do interior do


Nordeste mulheres de descendência indígena surgem como a matriarca de famílias,
despertando curiosidades e reflexões sobre a história oral das mulheres e suas narrativas
históricas de resistências e lutas. Desse modo as reminiscências vão se mantendo vivas na
mente e na memoria dos nossos parentes mais velhos que forma nosso núcleo familiar nos
dias de hoje. São contos sobre minha bisavó e demais caboclas bravas que viveram na região
de Lagoa Seca. São histórias de vida e de lutas de mulheres que resistiram bravamente em
meio a população não-indígena que as excluíam, por manterem seus costumes até mesmo
após vim morarem na zona urbana, no caso da doma Chiquinha, como relata minha mão a
Sr.(a) Maria das Dores: Vó era muito braba, não saia pra fora de casa, ela tinha medo de
mascara no carnaval, e só usava roupas compridas, dizia que ar mulhe de hoje anda com o
rabo de fora...(Maria das Dores).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do estudo feito para fins, espero ter contribuído para o campo do estudo da
pesquisa sobre a história indígena. As reminiscências indigenas em seus sentidos amplos,
fornecem aspectos que colaboram com a visão e a pesquisa de etnohistória e ao mesmo
tempo que identifica o público que pertence e tem ligações ancestrais indígenas.

Partindo de uma perspectiva para um mapeamento ancestral com relação do índio


com outro seres humanos na formação de famílias de tronco indígena e sua vivencia
despercebida no meio da população que não conhece seu passado de origem e nem faz ideia
da riqueza ancestral que possui. Seguindo assim no cotidiano da vida em anonimato da sua,
origem matando as raízes sem que o outro saiba verdadeiramente que é e quem foi, pondo
um fim e fazendo com que as etnias desapareçam da memoria sem resquícios. Através
deste, espero despertar a memoria familiar e trazer uma valorização das nossas raízes, que
no presente só se mantem na memoria coletiva, desse modo não deixar essas

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reminiscências desaparecerem por completo, já que nas escolas dos municípios não se
trabalha o tema do índio na formação de famílias e sim a sua figura como um ser selvagem.

Ressalto um ênfase maior para a preservação das reminiscências e a valorização da


família enraizadas em troncos indígenas fazendo desse modo um grande e valoroso
conhecimento das nossas ligações com os povos indígenas da nossa região.

Não vi muitos estudos que abordasse o tema na nossa região paraibana, ou até
mesmo falando no próprio município de Lagos Seca, é fato ver que grande parte da
população contemporânea não tem acesso as informações devidas que contribuam para o
conhecimento e para a formação de ideias que possam alavancar os estudos das raízes
indígenas da região, enfatizando esse núcleos para podermos compreender e valorizar a
formação familiar a partir de índios que abitaram nossas terras e que foram perseguidos e
extintos da terra deixando só as reminiscências, que, devem ser preservadas. Pois no
passado foram forçados a abandonares suas estruturas e obrigados a passarem por um
processo de amansamento como se fala no dito popular para terem uma inclusão na
sociedade.

FONTES ORAIS.

COLABORADORAS

MARIA DA GUIA SANTOS SILVA.


MARIA DAS DORES SOARES.
MARIA ZILMA.
NEUZA SOUSA ALVES.

BIBLIOGRAFIA

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ISSN:

ANÁLISE JURÍDICA DOS DIREITOS HUMANOS E DIREITO AMBIENTAL NA


PROTEÇÃO A CULTURA INDÍGENA E O USO DOS RECURSOS NATURAIS EM SEU
MEIO AMBIENTE SUSTENTÁVEL

CAVALCANTI, Maria Luíza Coelho1


Universidade Federal da Paraíba-UFPB
malucoelhocavalcanti@gmail.com

CAVALCANTI, Rafael de Siqueira Tenório2


Universidade Pontifícia Católica do Rio de Janeiro - PUC-RIO
rafaeltcavalcanti@gmail.com

INTRODUÇÃO

Quando pensamos nas populações indígenas e sua relação com o meio ambiente,
chegamos a contornos peculiares, tendo em vista o seu modo específico de organização e de
subsistência essencialmente atrelado à utilização dos recursos naturais advindos do meio
ambiente.
A sociedade indígena, desde séculos passados tem um elo forte em relação ao meio
ambiente e a sustentabilidade, pois era deste meio que viviam e tiravam sua subsistência,
cultivando a terra entre outras áreas e por fim a sua cultura e tradição, para que desta forma
fosse mantidas vivas suas crenças e seus costumes como herança para as futuras gerações.
(CAVALCANTI, M.L.C & CAVALCANTI, R.S.T., 2018)
A preocupação da Constituição da Republica Federativa de 1988 era tão grande que
conferiu expressamente aos índios o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios, e dos
lagos situados em terras indígenas.
Exposto em plano nacional, cita a proteção ao índio, como referida no Capítulo VIII,
sobre a “Ordem Social”, da CF-88, em seus artigos 231 e 232, bem como em se tratando de
proteção ao meio ambiente, ora referida no Capítulo VI, artigo 225 ainda da CF, onde a
mesma irá dizer que: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e
à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”,

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

(BRASIL, 2012, p.59). Além disso, fica claro também o Capítulo II, “Dos direitos e garantias
fundamentais”, Artigo 5º, LXXIII.
Ainda versando sobre o art. 225, o meio ambiente não depende apenas de proteção
das autoridades públicas, é visto como um bem de uso comum do povo e essencial a uma
sadia qualidade de vida também é dever de toda a sociedade, do mundo, protege-lo e
preserva-lo, esclarece Édis Milaré:
“De fato, é fundamental o envolvimento do cidadão no equacionamento e
implementação da política ambiental, dado que o sucesso desta supõe que todas
as categorias da população e todas as forças sociais, conscientes de suas
responsabilidades, contribuam para a proteção e a melhoria do ambiente, que,
afinal, é bem e direito de todos” (MILARÉ, 2005, p.162).

Entende-se, portanto que a sustentabilidade está intimamente ligada à preservação


ambiental, a fim de deixarmos um meio ambiente equilibrado para nossas futuras gerações.
De forma que ter uma vida sustável no século XXI significaria estar em paz consigo mesmo,
com a sociedade e com meio ambiente no qual se vive.
Através de estudos realizados nota-se a interação que a população indígena tem com a
natureza, está em seu meio de sobrevivência encontrado na biodiversidade das cidades nos
dias atuais. Desta forma foram criados órgãos de amparo aos direitos indígenas como, por
exemplo, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e a Organização das Nações Unidade (ONU).
Todavia nesse contexto de arcabouço jurídico onde temos o amparo constitucional e
histórico, pretende-se trazer a relação do povo indígena e sua interação com o meio
ambiente, como forma sustentável, tendo em vista as especificidades culturais dos índios
onde a utilização desses recursos naturais, dentro ou fora das terras indígenas, submete-se,
ou não, ao regramento da legislação ambiental além de abrangermos também os Direitos
Humanos dessas minorias, mostrando a relação do Direito Ambiental como direito
fundamental de proteção ao meio ambiente de uso essencial para tal população.

METODOLOGIA

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

Essa pesquisa a qual pretende realizar uma explanação ao que consiste acerca da
sustentabilidade da sociedade indígena brasileira, bem como refletir sobre a proteção do
meio ambiente e aos direitos humanos relacionados a essa comunidade, escolheu-se utilizar
para tanto o método de pesquisa analítico-dedutivo, pois trouxe vários doutrinadores e
profissionais que trabalham com a questão indígena no Brasil. Além de uma abordagem
descritiva, na qual visa investigar algo que acontece baseando-se em observações, como por
exemplo, levantamentos documentais e legislações que abordam o tema em questão.

DESENVOLVIMENTO

Relatos históricos contam que quando os portugueses desembarcaram no Brasil, os


mesmo se depararam com povos de diversas tribos que lá viviam em florestas adensadas.
Tais povos nativos foram chamados de índios, visto que os portugueses acreditavam ter
chego às Índias como era o esperado pelos navegadores, devido à busca insaciável por
especiarias para o Reino de Portugal, todavia devido que o mercado de especiarias em
determinado momento era monopolizado pelos Estados.
Os índios nativos do território brasileiros já possuíam suas culturas, línguas, tradições e
costumes bem definidos, o que, posteriormente, aos olhos dos portugueses que se alto
declararam descobridores do “Novo Mundo” não era bem visto. Conforme mostra a (Figura
1).

Figura 1 - Watu Ticaba, uma vila Wapisiana, Charles Bentley.[Mulheres indígenas da


Guiana em atividades cotidianas]

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

Fonte: Blog Oridesmjr.

O fato é que notoriamente não se tratava de um descobrimento legítimo, tendo em


vista que naquelas terras já existirem povos permanentes, entendendo assim que a América
não fora descoberta, mas sim, invadida e explorada pelo que se chamavam de novos
colonizadores.

Figura 2 - Influencia na religião e crenças indígenas.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

Fonte: SP Review.

Ao que se pode notar, é que a cultura indígena foi sofrendo gradualmente influencia
desses novos colonizadores, através da implantação na tradição e costume do índio nativo, a
cultura europeia, com seus costumes, religião, como mostra (Figura 2), vestimentas,
educação e até mesmo culinária, (HALLEWELL, 1985). Consequências sofridas nos dias atuais
do século XXI e o ferimento dos Direitos Humanos onde a sociedade indígena por diversas
vezes dependente do estilo de vida da sociedade contemporânea, como por exemplo, o uso
da luz elétrica, água encanada e, em algumas já mais modernizadas tribos, o uso da internet.
Por vez o índio moderno continua sua luta para manter a herança cultural e de subsistência
em meio à sociedade capitalista.
Essa sociedade indígena que ainda sobrevive ardorosamente ao longo dos anos é
protegida por algumas ONG’s, em conjunto com a FUNAI e em parceria com a ONU, que são
órgãos protetores dos direitos indígenas, além de seus direitos humanos no plano nacional e
internacional.
Para o tema escolhido que motivou essa pesquisa a qual pretende realizar uma
explanação ao que consiste acerca da sustentabilidade da sociedade indígena brasileira, bem
como refletir sobre a proteção do meio ambiente e aos direitos humanos relacionados a
essa comunidade.
O método de pesquisa usado para tanto foi o analítico-dedutivo, pois trouxe vários
doutrinadores e profissionais que trabalham com a questão indígena no Brasil. Além de uma

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

abordagem descritiva, na qual visa investigar algo que acontece baseando-se em


observações, como por exemplo, levantamentos documentais sobre o tema em questão.

1. O MEIO AMBIENTE SUSTENTAVÉL E A CULTURA INDÍGENA

O meio ambiente é assunto atual no mundo todo, a partir dos anos 80 a preocupação
ambiental começa a surgir no Brasil, porém as discussões a cerca da “sustentabilidade”
surgiu em 1972 através da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano,
tais questões como poluição e degradação ambiental serviram como base e foram lançadas
para a comunidade internacional através ações de debates.
A consciência ambiental teve uma evolução e foi responsável por criar uma legislação
de proteção ao meio ambiente, elevando-o a categoria de “bem” de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida. (CAVALCANTI, M.L.C & CAVALCANTI, R.S.T., 2018)
De acordo com Fiorillo, o meio ambiente é caracterizado como:
“O meio ambiente natural ou físico é constituído por solo, água, ar atmosférico,
flora e fauna. O meio ambiente artificial é compreendido pelo espaço urbano
construído, consistente no conjunto de edificações (chamado de espaço urbano
fechado), e pelos equipamentos públicos (espaço urbano aberto); está diretamente
relacionado ao conceito de cidade. O conceito de meio ambiente cultural está
previsto no artigo 216 da Constituição Federal do Brasil de 1988, engloba o
patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turístico... O bem que
compõe o chamado “patrimônio cultural” traduz a história de um povo, sua
formação, cultura e, portanto, os próprios elementos identificadores de sua
cidadania, que constitui princípio fundamental norteador da República do Brasil”
(FIORILLO, 2006, p.21).

A ECO-92 que aconteceu na cidade do Rio de Janeiro no Brasil consagrou a declaração


de Estocolmo como a precursora em definir princípios de preservação e melhorias do meio
ambiente, trazendo consigo o conceito de sustentabilidade, unificando o termo meio
ambiente e desenvolvimento, a fim de abrir os olhos da comunidade internacional para as
necessidades de uma vida sustentável e um meio ambiente sadio, (MANÍGLIA, 2011, 40).
O direito ao meio ambiente por sua vez, entende a sustentabilidade, como uma
categoria que elevou o Direito Ambiental, direito esse chamado de 3º dimensão, sendo

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indispensável sua preservação e conservação da natureza e para a vida das presentes e


futuras gerações. Como explica o professor José Afonso da Silva abaixo:
“O ambiente integra-se, realmente, de um conjunto de elementos naturais e
culturais, cuja interação constitui e condiciona o meio em que vive. Daí por que a
expressão “meio ambiente” se manifesta mais rica de sentido (como conexão de
valores) do que a simples palavra “ambiente”. Esta exprime o conjunto de
elementos. O conceito de meio ambiente há de ser, pois globalizante, abrangente
de toda a natureza original e artificial, bem como os bens culturais correlatos,
compreendendo, portanto, o solo, a água, o ar, a flora, as belezas naturais, o
patrimônio histórico, artístico, turístico, paisagístico e arqueológico” (SILVA, 2002,
p.20).

O meio ambiente a cultura e a tradição indígena estão diretamente relacionados,


tendo em vista o cultivo e a subsistência do índio, onde o mesmo ver a terra como a mãe
que fornece os frutos, alimenta o povo, proporciona a vida e o bem estar da tribo. É notória
a interação da comunidade indígena e sua atenção especial com o meio ambiente, os ciclos
climáticos e as estações definidas, pois são elas que irão delimitar o melhor período para as
plantações e cultivo.
Sendo assim não poderíamos pensar em comunidade indígena sem falar na terra, seus
frutos e a sustentabilidade, pois foram eles os precursores por desenvolver em território
brasileiro várias culturas, das quais era desconhecido pelos navegadores e pelos seus novos
colonizadores, um bom exemplo a ser citado é o plantio da Mandioca.
O planeta Terra vem sofrendo contínuas agressões, das quais implica desde a
degradação do meio ambiente, a biodiversidade, destruição da camada de ozônio e dos
recursos naturais, até a monocultura, (SARRETA, 2007, p.100).
Nessa depredação acentuada, a cultura indígena de cultivo vai sendo deixada de lado
uma vez que agricultores e grandes companhias da indústria agrícolas vêm reivindicando a
terra e não respeitando as demarcações indígenas, tais demarcações feitas após acordos
com o governo federal.
A sustentabilidade do índio, a sua cultura com a terra se vê cada vez mais ameaçada ao
passo que sem ter onde plantarem e cultivarem, a sua cultura de subsistência vai sendo
esquecida. De acordo com Canotilho a sustentabilidade para o Estado está:
“Diante de um mundo marcado por desigualdades sociais e pela degradação em
escala planetária, construir um Estado de Direito Ambiental parece ser uma tarefa

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de difícil consecução ou até mesmo uma utopia, porque se sabe que os recursos
ambientais são finitos e antagônicos com a produção de capital e consumo
existente” (CANOTILHO, 2007. p. 149).

Desta forma, Sarreta contextualiza ainda que; com a sustentabilidade inicialmente vem
da ideia de desenvolvimento sustentável, concepção analisada por vários autores e
relacionada ao crescimento econômico, difundida no pós Segunda Guerra Mundial”
(SARRETA, 2007).
Complementado pelo professor, Clóvis Cavalcanti:
“[...] desenvolvimento sustentável representa uma alternativa ao conceito de
crescimento econômico, indicando que sem a natureza nada pode ser produzido de
forma sólida... A natureza deve ser a referencia para a escolha da escala ótima das
atividades econômicas que se detenham dentro daquelas fronteiras.
Evidentemente, o ponto preciso onde a economia se localizará depende de
considerações morais atinentes aos interesses de gerações presentes e futuras. É
dever do governo avaliar as preferencias da sociedade em tal contexto e agir para
colocar a realização das aspirações da presente geração em harmonia com as
aspirações de nossos descendentes” (CAVALCANTI, 1999, p. 38).

Portanto vale ressaltar o papel do governo em garantir elementos para o


desenvolvimento sustentável das sociedades indígenas, uma vez que também requer
transformações nos meios de produção para aqueles que não respeitam as demarcações e
as áreas destinadas aos índios, assim como também meios de punição e sanções especificas
para esses infratores. Para que assim seja garantido o equilíbrio social e financeiro entre
povo indígena e demais membros da sociedade atual, instigando elevar instituições e
políticas sobre o tema indígena para também um sistema responsável do ponto de vista
ambiental, (CASTELL, 2001).

2. A PROTEÇÃO DOS DIREITOS DOS INDIOS E DO MEIO AMBIENTE

Como já mencionado o povo indígena tem direitos reconhecidos e recebe proteção no


âmbito nacional e internacional dos Direitos Humanos, através das Constituição Federal do
Brasil de 1988 e da ONU, organização das Nações Unidas.
De acordo com dados da FUNASA, os quais mostram índices alarmantes em relação ao
indígena de território brasileiro, ou seja, mesmo com proteção internacional e nacional, a
questão do índio não recebe as devidas atenções das autoridades no país.

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Segundo a Coordenadora Regional do Instituto de Estudos Culturais e Ambientais


(IECAM), Denise Wolf afirmou que: “100 a 190 mil índios vivem fora de terras indígenas. No
Brasil, o número de portadores de doenças é de 60,7 para cada grupo de 1.000 habitantes, já
considerado intolerável pela Organização Mundial de Saúde. Porém, entre a população
indígena esse número sobe para 112,7”.
Tal afirmação baseada nos dados comprova a ineficiência dos governos (desde os
primórdios) em garantir ao aborígene o direito a terra para o cultivo de suas culturas, bem
como sua proteção ao ser usufrutuário dessa terra a ele cedida. A realidade existente é que
as terras as quais foram cedidas constitucionalmente à comunidade indígena para seu
usufruto perpétuo, nesse sentido, essa invasão as demarcações indígenas tem feito com que
seu povo se dissemine e misture suas culturas com a dos antigos colonizadores, o que
acarreta doenças para a sua comunidade e perda de parte de suas culturas e tradições,
(ANTUNES, 1998, p.150).

É preciso mencionar o art. 231, caput, da Constituição da República que estabelece o


reconhecimento da organização social, costumes, línguas, crenças e tradições das
populações indígenas, nos seguintes termos:
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social,
costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários
sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União
demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
(...)
§ 2º. As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua
posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do
solo, dos rios e dos lagos nela existentes.
A sociedade indígena tem um modo específico de organização e subsistência,
intrinsecamente relacionado ao meio ambiente. Tendo em vista isso a Constituição
reconhece essa forma de vida peculiar dos indígenas e assegura-lhes, ipso facto, o usufruto
exclusivo das riquezas naturais existentes no território que ocupa.
Sendo assim, entende-se que a caça, a pesca e o extrativismo praticados pelo indígena
como atividades tradicionais, dentre outros modos sustentáveis de subsistência, se inserem
nessa concepção de total interação com os bens ambientais que o sustentam, se
constituindo, além de mero meio de subsistência, em ritual específico de vivência e

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experimentação de suas crenças e tradições, consubstanciando a sua própria organização


socioeconômica diferenciada.
Visando assegurar o respeito à prática dessas atividades tradicionais pelos índios, no
mesmo sentido das disposições constitucionais do art. 231, apresentam-se os arts. 22 e 24
do Estatuto do Índio (Lei n.º 6.001/73), in verbis:
Art. 22. Cabe aos índios ou silvícolas a posse permanente das
terras que habitam e o direito ao usufruto exclusivo das riquezas
naturais e de todas as utilidades naquelas terras existentes.
Parágrafo único. As terras ocupadas pelos índios, nos termos deste artigo,
serão bens inalienáveis da União (artigo 4º, IV, e 198, da Constituição Federal).
(...)
Art. 24. O usufruto assegurado aos índios ou silvícolas
compreende o direito à posse, uso e percepção das riquezas
naturais e de todas as utilidades existentes nas terras ocupadas,
bem assim ao produto da exploração econômica de tais riquezas
naturais e utilidades.
§ 1° Incluem-se, no usufruto, que se estende aos acessórios e seus
acrescidos, o uso dos mananciais e das águas dos trechos das vias fluviais
compreendidos nas terras ocupadas.
§ 2° É garantido ao índio o exclusivo exercício da caça e pesca
nas áreas por ele ocupadas, devendo ser executadas por forma
suasória as medidas de polícia que em relação a ele eventualmente
tiverem de ser aplicadas.
A Constituição e a legislação federal confere o usufruto exclusivo das riquezas do solo,
dos rios e dos lagos nela existentes, com isso decorre a forma e os meios de exercício das
atividades tradicionais dos índios, como a pesca, a caça, o artesanato, o extrativismo, a
agricultura, dentre muitos outros, não podem ser restringidas por regras criadas pelo Estado
tendo como destinatária a sociedade civil comum.
Alguns doutrinadores entendem deste modo às normas e regramentos das atividades
tradicionais praticadas pelos indígenas em prol da sua subsistência e devem ser
estabelecidas pelos seus próprios povos, e não aquelas preconizadas pelo legislador comum,
que não levam em consideração a relação intrínseca e vital existente entre o índio e o meio
ambiente. Porém tal posicionamento é confrontado, como no que fica exposto por Luiz
Fernando Villares, a seguir:
O usufruto exclusivo não quer dizer que o índio possa utilizar as riquezas
naturais presentes dentro ou fora das terras indígenas de qualquer forma. Se a
Constituição protege a organização social, os costumes e as tradições indígenas,
quer dizer que a forma de utilizar qualquer recurso natural é protegida enquanto
ela for compatível com esses atributos. Dentro ou fora das terras
indígenas, a produção consoante com a organização social, os

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costumes e tradições indígenas jamais devem ser limitados. A caça,


a pesca, a agricultura de subsistência, a pecuária, o extrativismo e a
produção de artesanato não podem sofrer restrições, pois são
amparadas constitucionalmente, mesmo que os excedentes dessas
atividades sejam utilizados para comercialização. As regras que
norteiam essas atividades devem ser as regras dos próprios
povos (...). Não pode o Estado exigir aos povos indígenas regras
outras que não as suas nas atividades tradicionais. Exclui-se, assim,
qualquer norma administrativa ou penal sobre a exploração de
riquezas naturais pelos índios.
Complementando o posicionamento de Villares, o Fernando Mathias Baptista diz que:

“Na medida em que a exploração (de recursos naturais) se dê de


acordo com os usos e costumes dos povos indígenas, não estão eles
obrigados a cumprir com as normas e padrões ambientais exigidos para a
população não indígena, pois a Constituição respalda seus usos e
costumes como legítimos e reconhecidos pelo Estado Brasileiro . Caso
passem a explorar seus recursos naturais de forma diversa do que dita suas
tradições e costumes de manejo, então passariam a estar sob o crivo da legislação
ambiental, devendo observar as restrições ambientais para cada atividade
pretendida”.
Além disso Juliana Santilli menciona que:

“A Constituição reconhece aos índios sua organização social, costumes,


línguas, crenças e tradições e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam. Assegura ainda aos índios o direito de usufruto exclusivo
sobre as riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos, e a posse permanente
sobre as suas terras tradicionais. O direito de usufruto exclusivo se destina a
assegurar aos índios meios para a sua sobrevivência e reprodução física e
cultural. Vê-se, portanto, que a Constituição protege o modo de vida
tradicional dos povos indígenas, e que suas atividades tradicionais,
desenvolvidas e partilhadas ao longo de gerações, e reproduzidas segundo
usos, costumes e tradições indígenas, estão claramente excluídas da
possibilidade de aplicação das normas incriminadoras previstas na Lei de
Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98). Atividades tradicionais como caça,
pesca e extrativismo, ainda que realizadas mediante o emprego de
técnicas, métodos, petrechos ou substâncias não permitidas pela
legislação ambiental, estão isentas das penas cominadas aos crimes
ambientais”.

Pode-se imaginar que caso a União tivesse que permitir ou autorizar o uso das
atividades como a pesca para as diversas etnias indígenas existentes em território brasileiro,
regulamentando quais os aparelhos de pesca poderiam, ou não, ser utilizados por cada uma
delas, essa exigência não só seria um abuso absurdo como também iria de encontro à

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Constituição da República: Haja vista a sua manifesta contrariedade aos princípios


constitucionais de reconhecimento dos povos indígenas e de seus costumes e tradições, sem
mencionar a carência total de razoabilidade.
Sem falar que pouco teria probabilidade de efetivação, tendo em vista que grande
parte dos povos indígenas não são conhecedores de nossa legislação, desconhecendo
totalmente a burocracia própria às organizações estatais, já que se organizam internamente.

A Luz da Constituição Federal do Brasil de 1988, artigo 225, acerca do meio ambiente,
define a Constituição como sendo algo que deve ser preservado para os presentes e futuras
gerações, cabendo à coletividade assim como também ao poder público defendê-lo,
preservá-lo, restaurá-lo, controlá-lo e defini-lo de forma que garanta a proteção do bem
coletivo. Diante desse estudo, foi criado o Direto Ambiental, veículo assegurado por
princípios para a melhor aplicabilidade dos meios de proteções ao meio ambiente. Segundo
Celso Antonio Pacheco Fiorillo:
“Dessa forma, observa-se que o direito ambiental reclama não apenas que se
“pense” em sentido global, mas também que se haja em âmbito local, pois
somente assim é que será possível uma atuação sobre a causa de degradação
ambiental e não simplesmente sobre seu efeito. De fato, é necessário combater as
causas dos danos ambientais, e nunca somente os sintomas, porquanto, evitando-
se apenas estes, a conservação dos recursos naturais será incompleta e parcial”
(FIORILLO, 2006, p.46).
Sendo assim, cabe à União, aos Estados, aos Municípios, aos órgãos e entidades da
Administração Indireta, garantir aos indígenas livre acesso aos meios indispensáveis à
existência de suas comunidades, não impondo exigências, muito menos estabelecendo
restrições que não se coadunam com a sua organização social peculiar e com suas crenças,
tradições e costumes diferenciados.
Portanto qualquer conclusão em sentido contrário representaria uma tentativa odiosa
do Estado para sobrepujar a cultura indígena e os seus métodos específicos de subsistência,
quando impostos aos índios hábitos de uma sociedade cujo ele não pertença.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vale salientar que a utilização das riquezas naturais presentes dentro ou fora das
terras indígenas, desde que compatível com seu modo tradicional de vida e organização,
seus costumes e tradições, não pode ser limitado pela legislação ambiental comum,

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regendo-se, ao revés, pelas regras próprias de cada comunidade indígenas, não se impondo
ao índio, nessas condições, qualquer responsabilização de ordem administrativa ou até
mesmo penal pelo exercício desse tipo de atividade.

Entende-se por fim que a atividade tradicional restar exercida pelo índio em regime de
subsistência e atendendo ao seu modo próprio de desenvolvimento não estará seu autor-
índio sujeito a qualquer responsabilização em face da legislação penal, civil ou administrativa
por conta do seu desempenho. Tal exercício exercido sobre a atividade tradicional dentro ou
fora das terras indígenas repita-se, deve ser regida pelas comunidades indígenas e suas
próprias regras.
Sendo assim o índio que tentar explorar atividades em caráter comercial ou lucrativo,
dar-se-á a sua inserção no âmbito de incidência das regras jurídicas de responsabilidade das
condutas lesivas ao meio ambiente.
De acordo com doutrinadores a União, o Estado ou Município, bem como suas
autarquias e fundações, não se mostram razoáveis no que consiste restringir a utilização de
meios tradicionalmente utilizados por determinada etnia indígena para prover a respectiva
subsistência a partir dos recursos ambientais que lhe são disponíveis na natureza.
Nota-se o disposto no art. 2º, incisos IV e V, do Estatuto do Índio (Lei nº 6.001/73),
segundo o qual:
Art. 2º. Cumpre à União, aos Estados e aos Municípios, bem como aos
órgãos das administrações indiretas, nos limites de sua competência, para
a proteção das comunidades indígenas e a preservação dos seus direitos:
(...)
IV – assegurar aos índios a possibilidade de livre escolha dos
seus meios de vida e subsistência;
V – garantir aos índios a permanência voluntária no seu
habitat, proporcionando-lhes ali recursos para o seu
desenvolvimento e progresso.
Ficando desta forma exposto as regras jurídicas acerca das atividades comerciais
indígenas.

CONCLUSÃO

O presente trabalho elucidou as questões da população indígenas sua etnohistória,


tendo como marco inicial à descoberta do território que veio a se chamar Brasil e sua
cultura.

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A relação do índio com o cultivo na terra, o meio ambiente e a sustentabilidade,


mostrando a grande importância para esse povo em ter um meio ambiente equilibrado
devido a sua subsistência.
Porém, as tradições dessa relação do índio com a terra estão cada vez mais distantes,
uma vez que seu território ainda está sendo invadindo pela sociedade de homens brancos,
os quais em pleno século XXI, não respeitam as demarcações indígenas já regulamentadas
pela Constituição Federal Brasileira.
Nesse contexto abordando o Direito Humano dessas minorias e sua proteção através de
órgãos específicos no âmbito nacional e internacional, são várias as ONG’s que unificam suas
forças para assegurar a proteção do índio e seus direitos ao meio em que vivem.
Entretanto essa proteção não é totalmente eficaz uma vez que suas reservas são cada
vez mais diminuídas de extensão e exploradas desordenadamente.
Tal fato faz com que o povo indígena acabe migrando para os centros urbanos e, em
partes, perdendo as suas tradições de cuidado com a terra e de sustentabilidade frente às
culturas nativas cultivadas por seus antepassados.
Observa-se uma visão holística a cerca do meio ambiente, do qual cabe à coletividade
deverá proteger e respeitar, para o bem das presentes e futuras gerações, de forma que
todos os povos e todas as culturas possam ter livres acesso a um ambiente sadio,
equilibrado e qualidade de vida além do que fica exposto na a Constituição Federal
reconhecendo aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições,
atribuindo-lhes, inclusive, o usufruto exclusivo das riquezas naturais do solo, dos rios e dos
lagos.
De forma que os meios de exercício das atividades tradicionais dos índios não podem
ser restringidos por regras criadas pelo Estado tendo como destinatária a sociedade civil não
indígena.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

SANTILLI, Juliana. A lei de crimes ambientais se aplica aos índios? Disponível


em: <http://pib.socioambiental.org/pt/c/terras-indigenas/sobreposicoes/a-lei-de-crimes-
ambientais-se-aplica-aos-indios>. Acesso em 09 de dez. de 2014.
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VILLARES, Luiz Fernando. Direito e povos indígenas. Curitiba: Juruá, 2009. p. 216.

363
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA,
DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

DIÁLOGOS COSMOLÓGICOS: UMA NARRATIVA DA CRIAÇÃO BÍBLICA DO


GÊNESIS ENTRE OS CRISTÃOS E A NARRATIVA DO MITO DA CRIAÇÃO PELOS
ÍNDIOS BRASILEIROS APAPOCÚVA-GUARANI

Alencar, Adriana Monyke Nascimento

Universidade Federal de Campina Grande

drycientista@bol.com.br

Apolinário, Juciene Ricarte

Universidade Federal de Campina Grande

apolinarioju18@gmail.com

1 – Introdução

A Cosmologia estuda a origem, a estrutura e a evolução do Universo ou de partes


componentes deste, tal como um sistema planetário. Muitos foram os intelectuais que
dedicaram as suas vidas ao estudo da descoberta da origem do universo, mas seguindo uma
interpretação científica através da física, da astronomia, da biologia, da matemática, da
química, da metafísica, dentre outras áreas do conhecimento.
Neste trabalho abordamos a história da criação do mundo como uma crença
presente em várias culturas e entre os povos étnicos mais distintos da terra. Refletindo na
premissa de que cada povo conforme a sua crença e a sua tradição possuem uma visão
diferenciada da criação do universo. Enquanto os cristãos partilham da mesma crença da
criação do mundo narrada no seu livro sagrado, a Bíblia. Entre os indígenas brasileiros
Apapocúva-Guarani que não sofreram influência religiosa dos cristãos, a sua crença na
origem do universo se dá diferentemente, com personagens e cenários bem distintos dos
reverenciados pelos cristãos. Nosso objetivo é a partir de uma análise interpretativa mais
atenta destas narrativas e da renúncia aos estereótipos e preconceitos, aferirmos a possível
identificação de semelhanças entre as atribuições e os papeis dos personagens envolvidos
nestas narrativas criacionistas, e dos elementos que compõem a crença indígena Apapocúva-

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

Guarani da criação do mundo e a dos cristãos. Para isso, lançaremos mão da hermenêutica
como recurso metodológico, visando traçarmos um paralelo de relações interpretativas da
criação cósmica contida no livro sagrado dos cristãos, a Bíblia, entre a criação cósmica dos
índios brasileiros Apapocúva-Guarani.
O nome Guarani é um topônimo que se refere a cosmologia e a descrição
geográfica de um lugar. Os Guarani atuais chegaram ao litoral do Brasil no início do século
XX, provenientes do interior da América do Sul (Paraguai, Argentina e do estado brasileiro do
Mato Grosso do Sul), forçados pela invasão de suas terras por colonizadores, pelos conflitos
com outros autóctones, e, principalmente, em busca da “Terra sem Mal”, algo semelhante
ao “paraíso” na crença cristã.
Os Guaranis só consideram como membros da sua tribo aqueles que falam o seu
mesmo dialeto, qualquer diferença, mesmo que seja mínima, no dialeto, caracteriza a
pessoa como estrangeira, ou seja, a pessoa não é reconhecida como membro do grupo.
Segundo Egon Schaden (1982) a população Guarani do oeste do Paraguai, da
Argentina e do Brasil, pode ser dividida em três subtribos: os Nandeva, também conhecidos
como Xiripá, os Mbiá e os Kaiowá.
Os Xiripá são o resultado da unificação de três diferentes grupos Guarani: os
Apapocúva, os Oguauiva e os Taningua (NIMUENDAJU apud CASTRO, 1987). Portanto, os
Apapocúva-Guarani fazem parte de um dos grupos que formam a etnia Guarani. O seu nome
significa: “homens dos arcos compridos”, esta é uma alcunha empregada pela horda no qual
fazem parte.
Segundo Nimuendaju (1987) a habitação original dos Apapocúva situa-se na margem
direita do baixo Iguatemi, no extremo sul do estado do Mato Grosso. Para este etnólogo, a
partir de relatos da tradição dos Apapocúva não se pode afirmar que esta horda tenha sido
submetida ao domínio dos jesuítas, ao menos entre os séculos XVII e XVIII, assim como as
outras hordas estiveram.
2 – A origem da criação do mundo para os cristãos

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ISSN:

Uma breve narrativa da cosmologia bíblica contida no livro do Gênesis, na Bíblia


Sagrada:
No princípio quando nada existia, criou Deus, os céus e a terra. O aspecto
da terra era sem forma e vazia, não havia luz e nem firmamento e as trevas
estavam sobre a face do abismo, entretanto, o espírito de Deus pairava
sobre as águas. Através de sua voz, criou Deus a luz e houve luz, então Deus
viu que a luz era boa, fazendo separação entre a luz e as trevas, chamando-
a de dia e as trevas de noite, passavam-se tarde e manhã, então era o
primeiro dia. No segundo dia criou Deus o firmamento, e separando as
águas debaixo e sobre o firmamento, chamando o firmamento de céu,
houve tarde e manhã, o segundo dia. Disse também Deus, para que as água
se ajuntassem debaixo do céu em um só lugar, chamando o ajuntamento
das águas de mares, e ordenando que a pareça a porção seca chamando
esta porção de terra, e viu Deus que isso era bom. Continuou Deus,
ordenando que a terra produza relva, ervas que dêem sementes e árvores
frutíferas que dêem frutos segundo sua espécie, cuja semente esteja nele,
sobre a terra, e assim se fez, a terra produziu a relva, ervas que davam
sementes estavam nela, e árvores que davam frutos conforme sua espécie.
E viu Deus que isso era bom, houve tarde e manhã e o terceiro dia.
Também disse Deus, haja luzeiros no firmamento dos céus, para fazer
separação entre o dia e a noite, e sejam eles para sinais, para estações e
para dias e anos, e sejam luzeiros no firmamento dos céus para iluminar a
terra. E assim se fez.
Fez Deus dois grandes luzeiros, o maior para iluminar o dia, o menor para
iluminar a noite e fez as estrelas também, e colocou no firmamento dos
céus para iluminarem a terra, para o maior governar o dia e o menor à
noite e fizerem separação entre a luz e as trevas, e viu Deus que isso era
bom, houve tarde e manhã, o quarto dia. Disse também Deus: povoem-se
as águas com serem viventes; e voem as aves sobre a terra, sob o
firmamento dos céus, criou Deus, os grandes, animais marinhos, e todos os
serem viventes que rastejam, os quais povoam as águas segundo suas
espécies; e todas as aves segundo suas espécies e viu Deus que isso era

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ISSN:

bom, abençoando-os, disse Deus que sejam fecundos, multiplicai-vos e


enchei as águas dos mares; e, na terra, se multipliquem as aves,assim
houve tarde e manhã, o quinto dia. Disse também Deus: Produza a terra
seres viventes, conforme a sua espécie: animais domésticos, segundo sua
espécie, répteis da terra, conforme sua espécie, e animais selváticos,
conforme sua espécie, e viu Deus que isso era bom. Também disse Deus:
Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; tenha
ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os
animais domésticos, sobre a terra e sobre todos os répteis que rastejam
sobre a terra. Continuou Deus a sua criação, criando o homem conforme
sua imagem e semelhança, homem e mulher os criou, abençoando-os
ordenou que fossem fecundos e que multiplicassem, para encher a terra e
para que sujeitai-a ; para que dominem sobre os peixes do mar, sobre as
aves dos céus e sobre todo animal que rasteje pela terra , dando Deus
todas as ervas que dão sementes e se acham na superfície de toda a terra e
toda a árvore que há fruto que dê semente; isso será para o seu
mantimento, e todos os animais da terra, e a todas as aves dos céus e a
todos os répteis da terra, em que há fôlego de vida, toda erva verde lhe
será para mantimento, sendo assim feito, vendo Deus tudo o que havia
feito, e eis que era muito bom, houve tarde, e manhã, o sexto dia. Assim,
pois, Deus terminado os céus, a terra e todo o seu exército, havendo Deus
terminado no dia sétimo a sua obra, que fizera descansou neste dia de toda
a sua obra que tinha feito, e o abençoou, Deus o dia sétimo e o santificou;
porque nele descansou de toda a sua obra que, como criador, fizera. Esta é
a gênese dos céus e da terra quando foram criados, quando o Senhor Deus
os criou. (ALMEIDA, 1993, p.1)

3 – A origem da criação do mundo entre os índios Apapocúva-Guarani

Uma parte da narrativa da cosmologia dos Apapocúva-Guarani:

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ISSN:

Nanderuvuçú veio só, em meio às trevas ele se descobriu sozinho. Os morcegos eternos
lutavam entre si em meio as trevas. Nanderuvuçú tinha o sol no seu peito. E ele trouxe a eterna cruz
de madeira; colocou-a na direção do leste, pisou nela e começou (a fazer) a terra. Hoje a eterna cruz
de madeira permanece como escora da terra. Quando ele retira a escora da terra, a terra cai. Em
seguida ele trouxe a água. E Nanderuvuçu achou Nanderú Mbaecuaá junto de si. E Nanderuvuçú
disse a Mbaecuaá: Achemos uma mulher! Então Nanderú Mbaecuaá falou: Como podemos achar
uma mulher? Disse Nanderuvuçu: Nós a acharemos na panela de barro. E ele fez uma panela de
barro e a cobriu. Algum tempo depois Nanderuvuçú disse para Mbaecuaá: Vá ver a mulher na panela
de barro! Nanderú Mbaecuaá: Nanderú Mbaecuaá foi e verificou a mulher na panela de barro. E ele
a trouxe consigo. E Nanderuvuçú fez sua casa em meio à escora da terra. E disse Nanderuvuçú para
Mbaecuaá: Vá experimentar a mulher! Nanderú Mbecuaá foi e provou a mulher. Ele não queria
misturar (confundir) o seu filho com o de Nanderuvuçú e Nanderú Mbaecuaá deu a seu filho um
início especial. E uma é sua mãe: Ela tem o filho de Nanderuvucú e também o filho de Nanderú
Mbaecuaá ambos em seu ventre materno. Então Nanderú Mbaecuaá foi embora. E Nanderuvuçú fez
roça. Enquanto ele ia e a fazia, realizava-se atrás dele a época do milho verde. E ele veio para casa
comer. E disse à sua mulher: Vá na roça, traga milho verde, que iremos comer. E a mulher de
Nanderuvuçú disse a seu marido: Agora mesmo estavas fazendo roça e já me dizes: Vá, traga milho!
E a mulher de Nanderuvuçú pegou o cesto de carregar e foi na roça. E Nanderuvuçú pegou os colares
de peito, o maracá e também a cruz de madeira; o diadema de penas ele pôs sobre sua cabeça. Ele
saiu, rodeou a casa, foi embora. Ele chegou à trilha do jaguar Eterno, plantou a cruz de madeira,
desviou atrás de si a mulher da sua pista. Sua mulher voltou da roça e chegou em casa. Quando ela
chegou, Nanderuvuçú não estava lá. Sua mulher pegou a cabaça, muniu-se também com a taquara
de dança, saiu, rodeou a casa, seguiu seu marido e caminhou à sua procura.

4 – Considerações Finais.

A história da Criação dos Apapocúva-Guarani apresenta alguns pontos de semelhança


com a história da criação bíblica apresentada pelo Gênesis do Livro Sagrado dos cristãos, a
Bíblia.
Percebemos que em ambas as histórias há a presença de um Deus, e estes possuem
atributos semelhantes. Para os índios Apapocúva-Guarani, o seu Deus é Nanderuvuçú - o

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

Grande Pai, enquanto para os cristãos o seu Deus é o Grande Eu Sou. Ambas as crenças
comungam da ação de um Deus criador para a existência do universo.
Para os índios Apapocúva-Guarani, Nanderuvuçú surge como o primeiro, e o faz de
modo verdadeiramente imponente, com a luz resplandecente no peito, ele se descobre
sozinho, em meio às trevas. Nanderuvuçú, sobre um suporte em forma de cruz, “ele dá à
terra o seu princípio” e a provê com água. Assim se dá o processo de criação do mundo
entre os índios Apapocúva-Guaraní. Já para os cristãos, Deus não é um ser criado e sim o
criador, Ele sempre existiu. No momento da criação do mundo, o Gênesis relata que a terra
era sem forma e vazia, que havia trevas sobre a face do abismo, e o Espírito de Deus pairava
sobre as águas. Pelo poder da palavra, através do verbo de ação: “haja”, o Deus cristão,
criou os céus, a terra, e disse: “haja luz; e houve luz". Deste mesmo modo criou todos os
seres vivos que há sobre a terra e todos os astros que há no céu, e todas as coisas que
existem no universo.
Percebemos que na história da criação do universo dos índios, o Deus Nanderuvuçú
acha de repente ao seu lado, Nanderú-Mbaecuaá, que seria seu auxiliar, ao qual
Nanderuvuçú ordena que ache uma mulher. Mas, como Mbaecuaá não possui poder criador,
indaga-lhe e o criador lhe responde: “Na panela”. Portanto, Nanderuvuçú faz uma panela,
cobre-a e passado algum tempo ordena à Mbaecuaá que vá verificar, este encontra de fato
uma mulher e a trás consigo. Aí percebemos o momento da criação da mulher, Nandecý, na
lenda dos índios Guarani. Semelhantemente, aferimos que entre os cristãos, também há a
crença da criação da mulher, Eva. Também notamos a presença do homem, como ser criado,
que conversa com Deus e que também sente a necessidade da presença de uma mulher, o
qual, assim como Mbaecuaá, Adão também não possui o poder para criar a mulher. Porém
ambos, tanto Adão, quanto Nanderú-Mbaecuaá participam diretamente do processo de
criação da mulher. O livro bíblico de Gênesis, relata que o Senhor Deus fez com que caísse
um sono sobre Adão, e ao este adormecer, tomou uma das suas costelas e fechou o lugar
com carne. E a costela que o Senhor Deus tomara ao homem, transformou-a em uma mulher
e lha trouxe.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

Portanto, diante de tudo o que narramos aqui, podemos concluir que, embora os
Apapocúva-Guarani e os cristãos sejam povos de etnias distintas, com culturas e religiões
diferentes, porém comungam de algumas crenças semelhantes em seus sistemas de
representações religiosa, como a fé na existência de um Deus e do dogma na crença do
universo criado do nada, a partir da ação de um grande Deus criador, o que nos leva a
crermos que embora muitos estudiosos dos índios Apapocúva-Guarani, defendam que eles
preservam até hoje as suas crenças pagãs (SCHADEN, 1982, p. 5) e que a sua religião não
sofreu alterações sob influência do cristianismo, mesmo estes povos tendo tido contato com
missionários jesuítas, como defende o etnólogo Curt Nimuendaju, acreditamos que tais
semelhanças seriam uma ressignificação da narrativa cristã da criação, pelos índios
Apapocúva-Guarani, estando tais semelhanças presentes também em suas crenças, ritos e
cerimônias, embora, reconheçamos que os atores sociais envolvidos no cenário religioso
cristão e Apapocúva-Guarani sejam distintos, no entanto, apresentam atributos e funções
semelhantes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Bíblia Sagrada. Traduzida em Português por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada no Brasil.
2 ed. Barueri-SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.

CASTRO, Eduardo Viveiros de. "Nimuendaju e os Guarani", in NIMUENDAJÚ, Curt. As lendas da


criação e destruição do mundo como fundamentos da religião dos Apapocúva-Guarani, São Paulo,
Hucitec, 1987.

SCHADEN, Egon, A Religião Guarani e o Cristianismo: contribuição ao estudo de um processo


histórico de comunicação intercultural. Revista de Antropologia. Vol. 25, p. 1-24, São Paulo, 1982.

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ISSN:

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ISSN:

ENSINO DE LEITURA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES DELÍNGUA PORTUGUESA


À LUZ DE DOCUMENTOS OFICIAIS QUE REGULAMENTAM A EDUCAÇÃO
INDÍGENA

SILVA, Kyara Lígia Rocha Oliveira da


Universidade Federal de Campina Grande
Curso de Licenciatura Intercultural Indígena

Considerações iniciais

Esse trabalho, oriundo de uma pesquisa documental (OLIVEIRA, 2010), foi


desenvolvido com o objetivo de articular as relações entre as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Escolar Indígena, contidas na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (LDB), e o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI),
mostrando o que interpõe cada um dos documentos sobre o ensino de leitura para as
escolas indígenas.
Sua relevância se dá pela possibilidade de escrevermos academicamente sobre os
documentos parametrizadores que norteiam as práticas pedagógicas em contexto indígena,
bem como pela responsabilidade que este artigo nos impõe de discutirmos sobre o ensino
de leitura para a formação de sujeitos indígenas Potiguara cada vez mais crítico de sua
realidade na aldeia e fora dela.
Para o desenvolvimento desta pesquisa que apresentamos como trabalho de
conclusão de curso, tivemos contribuições teóricas de estudiosos como Baumann (1990),
Solé (1998), Perrotti (2007), dentre outros.

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ISSN:

2 A educação indígena

Iniciamos este tópico com a seguinte citação:

As Diretrizes resultam do crescente papel que o protagonismo indígena tem


desempenhado no cenário educacional brasileiro, seja nos diferentes
espaços de organizações de professores indígenas nas suas mais diversas
formas de associações, seja por meio da ocupação de espaços institucionais
estratégicos como as escolas, a representação indígena no Conselho
Nacional de Educação (CNE). LDB (BRASIL, 2013. p. 375)

Com essa colocação nas Diretrizes vemos que os povos indígenas começam a ser
considerados protagonistas de sua própria história, tanto na educação como na cultura. Eles
começam a ser valorizados em relação ao conhecimento empírico que possuem. Por
conseguinte, mostram que foram inseridos nos conselhos que são ligados diretamente à
educação escolar indígena.
Dessa maneira, se busca uma relação mais respeitosa entre os povos indígenas e
órgãos governamentais no tocante a valorizar e priorizar a educação diferenciada para esses
povos, com o reconhecimento de seus costumes, crenças, línguas, entre outros.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena


constituem o resultado de um trabalho coletivo, que expressa o
compromisso de representantes de diferentes esferas governamentais e
não governamentais, com participação marcante de educadores indígenas,
envolvidos com a promoção da justiça social e a defesa dos direitos dos
povos indígenas na construção de projetos escolares diferenciados, que
contribuam para a afirmação de suas identidades étnicas e sua inserção
digna na sociedade brasileira. LDB (BRASIL, 2013. p. 376)

Isso nos mostra um esforço coletivo para a valorização da educação indígena de


forma diferenciada, onde se colocou diversos representantes para ser dada uma
ressignificação a mesma. Tendo em vista o compromisso dos profissionais da área e o
empenho assumido na defesa dos direitos dos povos indígenas, assumindo, para tanto, a

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

identidade e a valorização intercultural em todos os âmbitos do trabalho com a educação


indígena.
As Diretrizes têm como principais objetivos:
- Orientar as escolas indígenas para a educação básica e outros sistemas de ensino
que regem os Estados ou Municípios auxiliando no desenvolvimento, elaboração e avaliação
de projetos educativos diferenciados, onde os mesmos são voltados para educação indígena,
que visam à garantia do desenvolvimento cultural e social;
- Orientar os processos de construção de instrumentos normativos para os sistemas
de ensino, tendo em vista viabilizar a Educação Escolar Indígena um projeto orgânico,
sequenciado e articulado em suas diferentes etapas, porém tendo a garantia da valorização
específica nos processos educativos voltados a diferenciação em relação à educação;
- Assegurar que as escolas tenham princípios particulares no tocante à educação
diferenciada e específica em relação ao bilinguismo ou multilinguismo com fundamento
principal a interculturalidade nos projetos educativos desenvolvidos pelos docentes e
comunidades escolares, tendo como principal objetivo a valorização da sua língua materna,
sua cultura e seus conhecimentos tradicionais voltados ao âmbito escolar;
- Assegurar que o modelo de organização e gestão escolar leve em consideração,
principalmente, as práticas socioculturais e econômicas das comunidades indígenas, levando
em consideração sua forma peculiar de ensino-aprendizagem e seus conhecimentos
empíricos de um modo positivo para se formar sujeitos sociais;
- Fortalecer o regime de colaboração entre o Estado, visando as Diretrizes para a
organização da Educação Indígena no sistema básico educacional, em relação aos territórios
etnoeducacionais;
- Normatizar meios constantes na Convenção 169 sobre a Organização Internacional
do Trabalho, onde foi confirmada no Brasil, por meio de decreto, em relação a educação,
consulta livre e conhecimento prévio;
- Orientar os sistemas de ensino no que se refere à formação de professores
indígenas, também ao funcionamento da Educação Indígena de forma diferenciada, a
colaboração da comunidade indígena com seus saberes específicos e tradicionais como, por

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ISSN:

exemplo, os tocadores de instrumentos da comunidade, artesãos, rezadeiras, pajés,


parteiras, pessoas que possam de uma certa forma enriquecer o ambiente escolar e
contribuir para o seu desenvolvimento, mostrando suas funções e o bem viver para os povos
indígenas e
- Zelar pela garantia do direito das comunidades indígenas por uma educação de
qualidade que valorize a cultura com qualidade social e pedagógica, cultural, linguística,
ambiental, territorial, respeitando os saberes dos povos indígenas.
Tendo em vista esses objetivos, podemos ver com outro olhar a Educação Indígena,
onde se coloca de forma diferenciada e valorizando a cultura, a língua, seu povo
demonstrando um modo de inserção na vida escolar, em que a comunidade assume um
papel de ajuda a escola no sentido de formar cidadãos sociais que adquirem um maior
conhecimento tradicional de seu povo.
Pelas Diretrizes, LDB (BRASIL, 2013, p. 377),

a instituição escolar ganhou, com isso, novos papeis e significados.


Abandonando de vez a perspectiva integracionista e negadora das
especificidades culturais indígenas, a escola indígena hoje tem se tornado
um local de afirmação de identidades e de pertencimento étnico. O direito
à escolarização nas próprias línguas, a valorização de seus processos
próprios de aprendizagem, a formação de professores da própria
comunidade, a produção de materiais didáticos específicos, a valorização
dos saberes e práticas tradicionais, além da autonomia pedagógica, são
exemplos destes novos papeis e significados assumidos pela escola.

A escola passa a ser considerada, a partir destas condições, uma instituição


formadora não mais tradicional, onde tem um papel importante para a continuidade
sociocultural com direitos aos indígenas de ser ensinados levando em consideração sua
cultura e sua língua, em que é valorizado seus próprios processos de aprendizagem e onde
há um empenho na formação de professores da própria comunidade que conhecem os
costumes, saberes e crenças de seu povo e, com isso, promover materiais didáticos próprios
para serem utilizados nas escolas indígenas de forma significativa, valorizando seus
conhecimentos milenares.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

Desta maneira, a escola contribui para a melhoria da condição de vida das


comunidades indígenas, dando garantia à sustentabilidade e promoção à cidadania
diferenciada aos estudantes indígenas.
Se olharmos para o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas – RCNEI
vemos, o que ele aborda em relação a como se era feita a Educação Indígena. Neste
documento parametrizador do ensino, RCNEI (BRASIL, 2005, p. 27, aspas do autor),
encontramos que

o Estado brasileiro pensava uma “escola para os índios” que tornasse


possível a sua homogeneização. A escola deveria transmitir os
conhecimentos valorizados pela sociedade de origem europeia. Nesse
modelo, as línguas indígenas, quando consideradas, deviam servir apenas
de tradução e como meio para tornar mais fácil a aprendizagem da língua
portuguesa e de conteúdos valorizados pela cultura “nacional”.

Vemos que a educação dada aos indígenas era pensada de forma homogênea para
que pudesse haver uma integração cultural e social a do outro, ou seja, não eram valorizados
seus conhecimentos e saberes, nem tão pouco sua língua, o que se requeria eram os
conhecimentos dados pelos europeus e tínhamos a figura do indígena nos livros usados
como algo distante e que tinha ficado no passado.
O idioma indígena era tido como referência apenas para traduções de nomes usados
pelo povo brasileiro e mostrado como algo para facilitar a aprendizagem da língua
portuguesa e valorizar alguns conteúdos da cultura nacional. Nesse período não se pensava
em ensinar o idioma aos povos que o perderam como língua materna, onde podemos tirar a
exemplo o povo Potiguara da Paraíba em relação à Língua Tupi, que foi utilizada pelo povo
anteriormente e perdida. Mas agora ensinada nas escolas indígenas, desde o ano de 2002,
sob o empenho de um pesquisador e Tupinólogo, professor Eduardo de Almeida Navarro
(USP), e um grupo de professores de Língua Tupi por ele formado.
Vemos que, no RCNEI (BRASIL, 2005) existem algumas características para a Escola
Indígena, a saber:
- Comunitária:

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Pelo fato de poder ser decidido seu calendário pedagógico anual, seu espaço onde
podem ocorrer as aulas, o auxílio da comunidade em relação à decisões da escola e à
pedagogia usada nela, aos seus objetivos como escola e unidade formadora, conteúdos
vistos e o quão importantes são para a comunidade indígena, fazendo referência ao
currículo diferenciado da escola.
- Intercultural:
Levar em consideração a diversidade cultural e linguística do povo brasileiro. Com
isso, investir numa valorização cultural e mostrar que nenhuma cultura é superior a outra.
Devemos sempre ter respeito por toda e qualquer demonstração cultural de qualquer tipo
de identidade étnico-racial. Mas sempre vendo as desigualdades sociais existentes entre os
povos.
- Bilíngue ou Multilíngue:
Ver e reconhecer as crenças e costumes religiosos, conhecimentos milenares que
passam de geração a geração, onde na maioria das vezes é feita pela língua falada pelos
nossos ancestrais, mesmo sabendo que não é usada na sua forma contínua, pelo fato do
Brasil hoje ser considerado um país monolíngue, mas sendo estudada nas escolas indígenas
como língua materna.
- Específica e Diferenciada:
Porque ela é feita a partir da perspectiva de cada povo em relação à cultura, língua,
valorizando sua particularidade e autonomia.

3 Ensino de língua portuguesa frente ao RCNEI

Tendo em consideração que a língua instituída no Brasil é a língua portuguesa e que a


mesma rege todos os documentos, ou seja, todo tipo de escrita realizado no território
nacional, vemos a necessidade do ensino da língua para o desenvolvimento social e político
das sociedades indígenas, porque tendo o conhecimento dela os alunos indígenas, que são
cidadãos brasileiros, podem ter o conhecimento de seus direitos e deveres no país.

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Esse conhecimento faz com que os povos indígenas tenham uma relação mais igual
entre a sociedade que os cerca e possam ter um conhecimento melhor na escrita, leitura,
nas produções de textos escritos por autores indígenas, para que com isso o outro possa
conhecer melhor a cultura das sociedades indígenas com seus próprios relatos.
Conforme o RCNEI (BRASIL, 2005, p. 122), a língua portuguesa não tem apenas a
função de “tornar os povos indígenas conhecidos junto aos não-índios: é quase sempre ela
que como língua franca permite que povos indígenas se conheçam e estabeleçam alianças
políticas”.
Sendo assim, a língua portuguesa serve não só para conhecimento da cultura
indígena pelos não-índios para que os próprios indígenas se conheçam, formem alianças,
articulem meios que sirvam como instrumentos de defesa de seus direitos legais,
econômicos e políticos perante a sociedade. Desta forma, um recurso para ser reconhecido e
respeitado, tanto nacional ou internacionalmente, em várias esferas da diversidade,
mostrando ser um canal de extrema relação entre si para firmarem posicionamentos
políticos comuns.
Existem realidades diferentes em relação ao aprendizado da língua portuguesa de
aldeia para aldeia, ou seja, cada comunidade carrega uma realidade diferente no ensino-
aprendizado da mesma. Podemos observar que existem comunidades indígenas que têm a
língua portuguesa como segundo idioma a ser introduzido no currículo escolar. E povos que
tem o português como primeiro idioma, onde é a língua de instrução e disciplina curricular.
Nesse caso, procura-se introduzir o ensino da língua indígena referente à comunidade a que
ele pertence.
O RCNEI (BRASIL, 2005, p. 123) diz que

uma outra situação possível, embora muito mais rara, é aquela em que o
português é a única língua usada na aldeia: é exclusivamente através da
língua portuguesa que alguns povos indígenas elaboram, expressam hoje
suas crenças religiosas específicas, sua cosmologia própria e seu modo de
ser diferenciado. É importantíssimo entender que mesmo tendo perdido
sua língua de origem, um povo pode continuar mantendo uma forte
identidade étnica, uma forte identidade indígena.

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Falando sobre língua indígena relacionando com a língua portuguesa, nos é citado no
Referencial que em situação rara temos o português como única língua usada na aldeia pela
comunidade indígena, que por meio dele algumas comunidades expressam suas crenças
religiosas, costumes, mas a seu modo de ver e sentir. E, mesmo ocorrendo tal situação, o
povo ainda mantém uma grande identidade cultural indígena. Se usarmos como exemplo o
povo Potiguara da Paraíba, vemos que a língua materna é o Tupi Antigo, mas até então
pouco usado pelo seu povo, isso falando em linhas gerais do ensino da língua Tupi e seu uso.
Até hoje nas aldeias é usada a língua portuguesa na comunicação entre os membros
da comunidade. Porém, começamos a ver em rituais religiosos seu uso, seu ensino nas
escolas indígenas onde os mesmos são equivalentes ao ensino de português, com currículo
específico, gramática na língua Tupi, textos atuais com palavras que foram criadas a partir da
atualidade, ou seja, era uma língua não falada pelo povo e considerada morta. Por este
motivo teve que ser atualizada e algumas expressões e palavras adaptadas à sociedade
atual.
Assim, “o papel da escola indígena, no que se refere ao ensino da língua portuguesa,
é possibilitar que o aluno continue a se expressar na variedade local do português,
garantindo, ao mesmo tempo, que ele tenha acesso ao português padrão oral e escrito”
RCNEI (BRASIL, 2005, p. 123).
Entre as variedades linguísticas usadas no Brasil estão a forma padrão e a informal.
Esta primeira é tida por mais prestígio pela classe dominante no país. A escola indígena vem
com o papel principal de formar, preparar o aluno para que o mesmo possa, por sua vez,
saber as duas formas e garantir a ele esse conhecimento, tanto em textos orais quanto em
escritos.

4 Considerações sobre as práticas de leitura na escola indígena

Para começar a falarmos sobre a leitura no contexto da educação indígena,


especificamente com os Potiguara da Paraíba, consideramos pertinentes as palavras de

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Perrotti (2007, p. 02), para quem “a leitura é uma experiência interior magnífica, uma forma
importantíssima e insubstituível de sentidos, de significados, um complexo e esplêndido jogo
entre o texto e o leitor”.
De acordo com o autor, a leitura é compreendida como um jogo entre texto e o
leitor, onde ele dá diversas formas e sentido e a tem como complexa. Este jogo entre o texto
e o leitor vai sendo mostrado de várias formas, visto que a leitura é construída, não
somente, tendo um livro, mas em outros suportes ou eventos, como nas participações
gerais, por exemplo, nas reuniões da comunidade, nas danças de Toré, documentos, atas de
reuniões, fotografias, documentários etc..
Ainda para Perrotti (2007, p. 02),

é preciso reconhecer a leitura que conta, aquela que efetivamente toca,


toma agarra, essa constitui um espaço/tempo interior esplêndido, com
características distintas do mundo físico, concreto, objetivo, em que nos
movemos: memória, imaginação, pensamento, afetos, emoções,
sensibilidade são algumas das forças mobilizadoras dessa leitura que
configura uma experiência única e inigualável. Se gostamos, se somos
arrebatados pelo texto, a viagem interna é grande e, como se diz com
frequência, esquecemos o mundo.

A leitura vista desse modo, que toca o leitor, arrebata, traz uma viagem que ocorre
em um espaço/tempo, que traz à memória imaginação, pensamentos, afetos, emoções,
sensibilidades. Quem não se lembra das histórias e causos contados na infância, que ainda
são vivas em nossa memória, nas viagens literárias que são vivas em nossa historia? É a
concepção de leitura que nos mostra aquela que está viva em cada um de nós, com
sentimentos de saudades, com experiências únicas já vividas, que envolvem desejos e
emoções inigualáveis.
Nesse trecho, a leitura se apresenta como algo livre, algo a ser construído. Se
considerarmos, como exemplo, a leitura que fazemos em nossa infância, com jogos e
brincadeiras, das frutas que pegávamos como animais e até mesmo transformávamos as
mesmas como bonecas. E se tomarmos as histórias de assombração contadas sempre pelos

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mais velhos, e que morríamos de medo com tal causo. Pela descoberta que os livros trazem,
pelas férias, as pessoas que lembram a juventude de uma maneira fascinante, os primeiros
amores vividos, até as primeiras palavras que aprendemos a ler.
Para Verdini (2007, p. 29), “desde que nascemos, diferentes situações nos põem em
contato com as palavras. Elas vão sendo ensinadas para que possamos nomear, reconhecer,
dar sentido ao mundo onde vivemos e que temos necessidade de aprender a desvendar”.
É desse modo que situações vividas no dia-a-dia, como uma simples ida ao
supermercado, um passeio, um culto religioso, coisas simples nos trazem uma maneira de
fazer uma leitura a partir do mundo em que vivemos, fazendo, assim, várias leituras nas
linhas e entrelinhas.
A leitura colocada dessa maneira é o contrário das práticas que acontecem
geralmente no contexto escolar. De fato, a leitura em sala de aula fica sempre presa às
práticas tradicionais, “onde a pedagogização desconsidera a natureza específica da leitura,
que é o ato comunicacional” (PERROTTI, 2007, p. 13).
Quando assumimos uma prática diferente da pedagogização da leitura em sala de
aula, mostramos como é feita a pedagogia cultural, ou seja, sendo capaz de em sala de aula
resgatar conhecimento e trabalhar com os alunos uma maneira diferente de ver a leitura,
isto é, valorizando, principalmente, nossa cultura.
Esse modo de ver está diretamente ligado às práticas de leitura com um outro olhar,
outra concepção, porque em amplo sentido a leitura nos convida a um processo de
curiosidade, nos mostra sentido a algo, ou alguma coisa, e nos ver com outros olhos.
A leitura em si acontece num espaço, mas não falamos aqui em espaço físico, mas
sim na vida, nas trocas que ocorrem nas diferentes sensações que a leitura nos proporciona.
Desse modo, fazemos a seguinte pergunta: o que queremos promover nas escolas, o ato de
leitura ou simplesmente o ato de ler?
Na visão de Perrotti (2007, p. 33),

a decifração mecânica de sinais, é atividade totalmente diversa da ação


voluntária sobre a linguagem implicada no ato de ler. Hábitos estão

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ancorados na repetição mecânica de gestos; atos, na opção, no exercício da


possibilidade humana de articular o agir ao pensar, ao definir, ao escolher.

Assim, precisa acontecer uma mudança nas práticas pedagógicas. Vivemos em um


tempo de mudanças, onde não existe a relação com o conhecimento como algo acabado. O
conhecimento nessa sociedade é algo em construção e desconstrução, em curso.
Em relação à escola indígena, às práticas de leitura vem sempre sendo pautadas,
moldadas para que traga a realidade vivida nas aldeias aos textos apresentados em sala,
textos literários e não literários, vindos de jornais, revistas, encartes, rótulos. Na própria
educação indígena, as primeiras relações com textos estão quase sempre relacionadas às
classes de alfabetização e os primeiros anos ensino fundamental, tendo em vista que os
povos indígenas são conhecidos como povos de tradição oral, mas com o passar do tempo e
o convívio com não indígenas, trouxeram o uso de textos escritos.
Com o decorrer do tempo, alguns materiais foram colocados à disposição na escola
indígena, tal como livros, cartilhas, cds, entre outros, muitos destes materiais produzidos
pelos próprios professores indígenas. Tendo como base o RCNEI (BRASIL, 2005, p. 139),
documento elaborado por professores e professoras indígenas de todo o Brasil, “todo o
trabalho de leitura, desenvolvido na escola, deve ter por objetivo a formação de bons
leitores”. No entanto, vendo esta afirmação, como as escolas indígenas podem formar bons
leitores?
Acreditamos que utilizando de meios simples, a principio, como por exemplo, quando
nos referimos ao RCNEI que nos pede que todo trabalho de leitura seja desenvolvido de
modo a formar bons leitores, isso implica que podemos levar a sala de aula todo material
que disponibilizamos, que podem ser: contos, crônicas, bulas, receitas, listas de
supermercado, relatos, e entre outros meios.
A partir desses textos os professores poderão desenvolver estratégias para
trabalharem tais gêneros em sala de aula, como uma simples receita que pode ser
trabalhada tanto a leitura em toda sua essência como a gramática. Agora se pode perguntar,
como ficaria a formação de bons leitores? O que acontece, de certa forma, nas escolas
indígenas é adaptar-se ou querer ser como as escolas tradicionais e não indígenas. Quando

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tomamos isso como problema, vemos que não é bem assim: a escola indígena vem com
bagagem diversificada de opiniões, sendo que as encontramos também nas escolas
tradicionais, mas o que pesa, em si, seria que, além de tudo isso, temos nossa diversidade
cultural.
De acordo com Baumann (1990, p. 141),

quando há ensino direto, dedica-se tempo suficiente à leitura, os


professores aceitam sua responsabilidade no progresso dos alunos e
esperam que estes aprendam. Os professores conhecem os objetivos de
suas aulas e são capazes de expô-las claramente aos alunos. A atmosfera é
séria e organizada, mas ao mesmo tempo cálida, relaxada e solidária. O
professor seleciona as atividades e dirige as aulas; o ensino não é realizado
por um livro de atividades, livro de texto ou por outro aluno. Geralmente é
realizado em grupos grandes ou pequenos, os alunos obtêm mais êxitos do
que fracassos e estão concentrados na tarefa durante a maior parte do
tempo. O professor está bem preparado, é capaz de prevenir o mau
comportamento, verifica que seus alunos compreendem, corrige
adequadamente e torna a repetir as explicações em caso de necessidade.
Mas o mais importante é que o professor comanda a situação de
aprendizagem, mostrando, falando, demonstrando, descrevendo,
ensinando o que deve ser aprendido.

O autor nos traz a seguinte colocação que quando se tem um ensino direto, ou seja,
quando existe um foco e se trabalha em grupo consegue-se um êxito maior em sala de aula
na relação professor-aluno, no tocante, principalmente, às aulas de leitura, porque, dessa
maneira, as aulas de leitura, consideradas, muitas vezes, cansativas pelos alunos, tornam-se
prazerosas, ao ponto de ver o quanto é bom à leitura, ou seja, o ato de ler e compreender o
que está escrito.
Aqui podemos ver como o autor nos mostra as estratégias que o professor pode
utilizar em sala de aula com seus alunos, onde ele divide em cinco partes: que são
introdução, exemplo, ensino direto, aplicação dirigida pelo professor e prática individual do
aluno.
Então, para formarmos bons leitores nas escolas indígenas não encontremos uma
forma pronta, mas temos que saber que a leitura em contexto indígena nos dá outro lado

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que é do pertencimento de uma comunidade indígena. A leitura a que me refiro não é


aquela mostrada em livros, mas sim, a da vida, das lutas de sobrevivência e existência.
A partir desta concepção de leitura, mostraremos o que é um bom leitor, ou seja,
como se tem, como se constrói um bom leitor, pois temos que aproveitar o conhecimento
de mundo dos alunos.
Dessa maneira, o trabalho de leitura realizado em uma escola indígena, ganha outro
sentido e importância, porque os professores indígenas e seus alunos têm participado da
produção de diversos livros, tanto didáticos e paradidáticos. Deste modo, vemos que não
temos apenas leitores, mas autores, sujeitos provocadores de leituras.

5 Formação de professores indígenas

Quando falamos em professores indígenas temos que levar em consideração que


uma boa parte não teve como passar pela formação de magistério. Tendo os mesmos uma
grande dificuldade em sua maioria na Língua Portuguesa e nos conhecimentos de alguns
conteúdos escolares, mas com um grande conhecimento cultural; já os não índios que
trabalham nas aldeias, mesmo tendo o magistério, tem conhecimento do conteúdo, porém
conhecimento algum em relação à cultura. Vendo neste caso que se torna impossível tratar
educação indígena de forma intercultural. Isso, ocorre simplesmente pelo fato de existir
dificuldades em relação ao acesso adequado a informação de alguns povos indígenas.
Porém, a partir desses problemas encontrados em relação à formação de professores
indígenas vemos no RCNEI (BRASIL, 2005, p. 42):

é importante lembrar que só muito recentemente os sistemas de ensino


deram início à elaboração de propostas para a formação específica dos
professores índios e a de seu próprio pessoal técnico. Essa formação deve
prepará-los, entre outras coisas, para o incentivo à pesquisa linguística e
antropológica e para produção de material didático.

Essa proposta de formação evidencia a valorização cultural frente ao indígena, onde


eles dispõem de oportunidades de produção de seu próprio material didático cultural a ser

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usado nas escolas da comunidade, podendo relatar sua cultura, seus costumes, crenças, de
uma visão do próprio indígena ser passado aos estudantes para um diálogo e
enriquecimento cultural.
Mas para que aja realmente uma formação diferenciada faz-se necessário que esses
professores sejam da própria aldeia, pois eles conhecem as dificuldades que se mostram
tanto no âmbito escolar como cultural para que façam uma parceira entre comunidade-
alunos-professores para que cada um possa contribuir de sua maneira na educação
intercultural.
Considerações finais

Portanto, o presente artigo nos mostra as relações entre as leis que regem a
educação escolar indígena diferenciada: as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Escolar Indígena, contidas na LDB, e o RCNEI. Este compreende a formação de uma educação
indígena intercultural, sua valorização e importância para a sociedade atual.
Tais documentos sugerem que o ensino de leitura considere o saber do outro e seu
olhar cultural, não desprezando a prática tradicional, mas mostrando outros métodos.
Portanto, conclui-se que a educação indígena precisa investir no ensino de leitura
reconhecendo a leitura de mundo, de vida, do cotidiano da aldeia.
Destacamos a relevância de uma pesquisa desta natureza, a documental, pois,
enquanto professores, nos ajuda a lermos criticamente as leis que regulamentam a
educação indígena contemporânea, (re)conhecendo suas concepções sobre a atividade
docente e sobre o processo ensino-aprendizagem como um todo.

Referências

BAUMANN, James F. A compreensão leitora. Madri: Visor, 1990.

BRASIL. Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI). Brasília: MEC,
2005.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

OLIVEIRA, Maria Marly de. Como fazer pesquisa qualitativa. 3. ed. Petrópolis - RJ: Vozes,
2010.

PERROTTI, Edimir. Proposta Pedagógica. In: Espaços de Leitura. Ministério da Educação.


Brasília: 2006.

SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.

TARALLI, Cibele Haddad. Espaços de leitura: Salas de leitura/ Bibliotecas Escolares. In:
Espaços de leitura. Ministério da Educação. Brasília: 2007.

VERDINI, Antônia de Sousa. Espaços de leitura na escola: sala de aula/ cantos de leitura. In:
Espaços de leitura. Ministério da Educação. Brasília: 2007.

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GT 8 – POVOS INDÍGENAS DA AMÉRICA ENTRE O SÉCULO XVI E O XXI:


PROCESSOS DE MESTIÇAGENS, QUESTÕES RELIGIOSAS, IDENTIDADES
E RECONHECIMENTO

Dra. Ofélia Maria de Barros - UEPB/NEAB-Í/CG

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PARTICIPAÇÃO DOS INDÍGENAS ARIÚ PARA FORMAÇÃO DO POVOAMENTO DE


CAMPINA GRANDE

VIEIRA, Erykles Natanael de Lima


Universidade Federal de Campina Grande – UFCG
mr.erykles@hotmail.com
ARAÚJO, Manuela Aguiar Damião de
Universidade Federal de Campina Grande
aguiarmanuela4@gmail.com

Nos últimos anos, desde a geração da primeira geração da Escola dos Annales, houve
grandes avanços na escrita da história, passamos de uma visão histórica positivista que
enaltecia os grandes acontecimentos, os grandes desbravadores, heróis de guerra, em
detrimento aos acontecimentos com uma analise critica e aprofundada. Esse método da
“escola metódica” de fazer história marcou por muito tempo nossa história, muitos escritos
enaltecendo os grandes nomes ilustres marcaram nossa produção historiográfica, este fato
só muda com a nouvelle histoire e mais ainda com os anos 80 do século passado.
Principalmente, o que tange a historiografia sobre os povos originários, que neste artigo irei
tratar grosseiramente como indígenas. A historiografia sobre os indígenas veio ganhar
evidência nas últimas duas décadas, durante muitos anos a historia
indígena ficou esquecida na história e nos estudos historiográficos, a participação dos
indígenas, era tida como de forma secundaria, sem muita importância e mostrando o
indígena sempre subserviente, prestativo de forma passiva aos europeus e vítimas indefesas
ALMEIDA (2010, p.13). Historicamente, a visão do europeu era tida como “verdadeira”,
pois, era a única representação dos indígenas que havia. Hoje nós historiadores buscamos
encontrar uma verossimilhança de como viviam os indígenas, a partir destas visões, e quais
suas eram suas diversidades étnicas, pois muitos foram extintos. O que temos, como narra
Herckmann, de índios preguiçosos que cultuavam o diabo, é uma representação de como
eles viviam dos seus costumes e práticas que é representada pelos olhares
dos europeus, tais representações como cita GINZBURG (2001, p.85) se há uma

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representação, não há algo real através dela, mas se ela existe é, ela torna visível o que está
sendo representado, ou seja, mesmo que a representação seja de um ponto de vista
etnocêntrico e eurocêntrico, seja só retórica ou meramente discurso de legitimação, ela
serve para analisarmos como os indígenas eram representados a partir da visão do
colonizador. Por isso, nós optamos por utilizar o conceito de representação de Carlos
Ginzburg e não o de Roger Chartier, por o conceito ser ambíguo e nos mostrar os dois nados
da representação.
Também levamos em consideração o conceito de memória coletiva de que Jacques Le
Goff trabalha em seu livro História e Memória, no capitulo sobre Memória, ele vai dizer que
a memória coletiva ela é passível de esquecimento voluntário ou involuntário, que existe
senhora da memória e do esquecimento e que a memória ela serve de arma de poder social
para os poderosos dominarem as classes, grupos e indivíduos. Então toda forma de silenciar
a história indígena foi uma forma de apagar ou menosprezar sua participação ou
contribuição na formação do Brasil. Assim aconteceu com o negro, onde diziam que eles não
contribuíram para a formação da sociedade brasileira, por isso surgiram às teorias racialistas
e o branqueamento no século XX, pois uma forma de manipular através do silenciamento e
negação da memória da participação destes indivíduos, na construção histórica e social do
Brasil.
Durante os últimos anos, muitos trabalhos buscam trazer um pouco esse
reconhecimento que muitas vezes foi silenciada, evidenciando os papeis dos indígenas na
formação do Brasil e da sociedade brasileira, buscando sanar lacunas existentes na
história local (o que é bastante difícil, pois o que temos são o que os colonizadores deixaram
em relatos de diários de viagens, documentos oficiais para a metrópole). Neste ponto de
vista, este trabalho também busca trazer em evidenciado papel da participação dos
indígenas Ariús na formação do povoamento de Campina Grande, no fim do século XVII.
Através de fontes de época e da historiografia tradicional, tida como positivista, buscamos
analisar como era a representação dos indígenas, qual a visibilidade e real importância que
estes indígenas tiveram na fundação e formação do povoamento de Campina Grande.
Analisando os conceitos de desbravamento, sertão, povoamento, representatividade, mito

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de origem e aldeamento para os autores Irineu Joffily, Epamonindas Câmara, Elpídio de


Almeida, Elias Herckmans.
Atualmente, historiografia nacional sobre tema indígena vem crescendo, alguns
estudiosos como Juciene Ricarte Apolinário, Manuela Carneiro Cunha, Florestan Fernandes,
Pedro Puntoni entre outros, vem se expandindo nos últimos anos, porém no que concerne à
historiografia campinense sobre o tema, ainda é incipiente e precisa ser estudada mais
profundamente.

Projeto colonizador da Paraíba


A história da Paraíba começa tardia, assim como a exploração do Brasil colonial pelos
portugueses, eles demoraram a colonizar a região litoral da Paraíba que só foi efetivada em
1534 quando se funda a Capitania de Itamaracá, a região que hoje é o estado da Paraíba e
norte de Pernambuco, era muito isolada e pouco habitada. Havia muita insatisfação entre
os lideres de Pernambuco, pois eles não viam com bons olhos os que moravam na capitania
de Itamaracá, principalmente no território da Paraíba, tido como bandidos. Essa marcação
territorial servia além da marcação de área, como uma divisão, do civilizado e não civilizado,
ao norte da demarcação encontrava-se as regiões dos bárbaros e não civilizados, os
indígenas. Entre estes uma relação diferente, pois os índios Potiguaras não mantinham as
relações com os portugueses, mas tinham tais relações com os franceses. O que não era
visto como bom grado pelos portugueses, já que eles viam que a matéria prima e maior bem
comercial o da colônia portuguesa, o pau-brasil ser “roubado”, o pau-brasil da região era
tido como o melhor pau-brasil, pois, se distinguia em qualidade de qualquer outro do na
colônia, pela sua cor contrastante, viva, esse motivo somava-se para que os portugueses se
instalassem com mais austeridade na região. Para conquistar a área o rei D. Sebastião funda
a capitania da Paraíba em 1574. Após a fundação e a instalação a região da Paraíba sempre
foi muito instável pela difícil convivência entre os colonos portugueses e os índios
potiguaras, que habitavam a região, houve muitas guerras e levantes que acirravam ainda
mais a relação dos colonos com os povos nativos GONÇALVES (2007).

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Os que participavam da guerra contra os indígenas, que eram geralmente pessoas


pobres, ao fim da guerra os soldados vitoriosos começaram a povoar a região conquistada e
alguns ganharem títulos de nobreza, mas não era só povoar por povoar, era povoar para
desenvolver a capitania, para que ela fosse rentável economicamente e era também povoar
para domesticar e civilizar os índios. É importante lembrar que o território que era habitado
era muito restrito e era principalmente nas várzeas que os europeus moravam, justamente
na região aonde se era propício o cultivo da cana-de-açúcar, que depois da exploração do
pau-brasil vai ser o principal produto exportado do Brasil para a metrópole.
Os primeiros engenhos foram criados não só para os donatários, mas também para
gente de origem humilde. Embora alguns detentores de títulos de nobreza de
Portugal possuíssem terras e engenhos de açúcar no Brasil, poucos chegaram a pôr
os pés em suas propriedades. [...] mas muitos dos que obtinham sesmarias nas
regiões açucareiras eram plebes capazes, por meio das armas ou do tráfico de
influencias, de obter a terra, o crédito e o capital necessário para iniciar a plantação
de cana

Começou a existir muito trafico de influência nas criações desses engenhos e na


Paraíba como não havia uma massificação para colonizar a região pouco se deu interesse,
mesmo que se ganhassem as terras e os títulos de nobres, pouco se desenvolveu na
economia da cana em comparação com Pernambuco. Havia grande relação de dependência
entre a Paraíba para com Pernambuco por haver poucos moradores na capitania da Paraíba,
nem infra-instrutora como havia na capitania ao sul, o comércio purgante da capitania de
Pernambuco dizia os lideres da Paraíba, prejudicava e ofuscava a capitania da Paraíba que
sofria por não haver um porto com o grande calado, que dificultava o escoamento, tudo
para reforçar a ideia a metrópole que a capitania era desfavorecida e precisava de ajuda
financeira, até que chegou ao ponto de a capitania da Paraíba ser anexada a Pernambuco
para “se desenvolver” indo ate 1753. Então tudo dependia de Pernambuco, os
investimentos, o escumando de produção, como também a luta contra os indígenas. Isso
levou a anexação da capitania da Paraíba em 1755 até os anos de 1799, quando os discursos
ficaram ao contrario que era antes, pois agora a Paraíba começava a perder mercado e

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sofrer com a economia, pois já não lucrava nada, porque seu escoamento agora estava
saindo todo por Pernambuco e não tinham chances de concorrer com Pernambuco.
Todo esse jogo de relação de Paraíba e Pernambuco, só se restringia a região litoral
da Paraíba visto que ainda o sertão era inóspito, principalmente o da Paraíba; primeiro, por
ser árido, bárbaroe impenetrável; segundo, pelos seus habitantes, os índios os Cariris. Esses
dois fatores foi o que contribuiu durante muito tempo para que a colônia não se expandisse
para o oeste. O colonizador não estava apto para desbravar o sertão inóspito e perigoso.
Como já enfatizei no inicio, o que sabemos hoje sobre os índios é o que
é representados deles, em cartas, relatos e escritos dos colonos, imagens a partir da visão do
colonizador, mas que podemos analisar e compreender quem eram, por exemplo, o caso
particular dos índios Cariri. O holandês Elias Herckmann (1961), fala quem eram e aonde
habitavam algumas etnias indígenas que habitavam as regiões dos sertões da Paraíba.
(...) os Tapuias foram um povo que habita no interior para o lado ocidente sobre os
montes e em sua vizinhança, em lugares que são os limites os mais afastados das
capitanias ora ocupados pelos brancos, assim neerlandeses como os portugueses.
Dividem-se em várias nações. Alguns habitam transversalmente a Pernambuco, são
os Cariris, cujo rei se chama Keriokeiou. Uma outra nação reside um pouco mais
longe, é a dos Caruruwasys, e o seu rei se chama Karupoto. Há uma terceira nação,
cujos índios se chamam Carervjouwns(Carijós). Conhecemos particularmente a
nação tapuia chamada Tararyou, Janduwy é o rei e uma parte delas e Cararaca de
outras.

No relado vemos que ele chama os índios de tapuias, que é um termo utilizado para
os índios que não falavam o tupi, mas outros dialetos que eram desconhecidos pelos
colonizadores. A partir da visão do colonizador podemos problematizar como era os índios e
como os colonizadores os via. Sempre com o olhar de superioridade e civilizados, perante o
gentil, inferior e bárbaro, por muitas vezes com o pré-conceito sobre as práticas e a vivencias
do índio, tomando sempre o modelo europeu, etnocêntrico para elaborar a visão do outro.
Como deixa bem expressado Herckmann (1961) quando fala das características do tapuias.
(...) São homens incultos e ignorantes, sem nenhum conhecimento do verdadeiro
Deus ou dos seus preceitos: servem pelo contrário, ao diabo ou quaisquer espíritos

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maus, como tratando com ele termos muitas vezes observado (...) Levam uma vida
inteiramente bestial e descuidosa. Não semeiam, não plantam nem se esforçam
por fazer alguma provisão de deveres.

Essa visão pré-moldada do índio, segundo os padrões europeus, não só foi danosa no
modo de entrar no sertão, mas também nas violentas batalhas que foram travadas com
esses indígenas. Esse método de conquistar, desbravar e povoar a qualquer custo foi
extremamente danoso, não só no sentido físico, mas também no sentindo mental. Muitos
desses indígenas quando não eram mortos, eram feito de escravos para servir aos
“brancos”, o que era muito de sua realidade como mostra o próprio relato
de (Herckmann,1961), “lavam uma vida inteiramente bestial e descuidada. Não semeiam,
não plantam nem se esforçam por fazer alguma provisão de deveres”. Os índios tinham um
modo de ver o mundo totalmente diferente dos colonizadores, viviam de acordo com seus
costumes, ainda do método de coivara e de caçadores-coletores, tendo varias variações de
etnias para etnias.
Outro fato interessante é a religiosidade dos indígenas, os índios são muitos ligados a
natureza a espíritos que se manifestam através dos elementos naturais e está ligada a
natureza de alguma forma, o que para os colonizadores era uma bestialidade,
pois à medida que eles não cultuavam o Deus cristão, a partir dessa visão foi que começou a
ganhar força e justificar a cristianização dos indígenas, como forma de levar o Deus Cristão,
chancelado pelo padroado régio e o aval da igreja católica.
Mas também desbravar e povoar o sertão ganhou mais força, quando começou a
descobrir as variedades de povos étnicos que habitavam os sertões, se os índios conseguiam
viver naquela região árida e inóspita, segundo a visão dos colonizadores, por que eles não
poderiam também adentrar os sertões? A simbologia do desbravamento toma corpo,
o discurso de legitimidade e de poder se estrutura ainda mais, quando o colono doma a
natureza, o meio bárbaro e o incivilizado. E ele consegue adentrar o sertão e levar a
civilização.
Entradas para os sertões

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Os sertões sempre foram uma barreira natural intransponível, tanto pelo que
consegue como já vimos o clima e o relevo, mas também pelas nações tapuias. Em
particular a Paraíba não se tinha nenhum projeto de desbravamento para o interior. O que
existia na colônia era o que se limitava a região litorânea e zona da mata da capitania, não
existia a presença da “civilização” a oeste, neste sentido a civilização é a dominar, subjugar e
docilizar os bárbaros, através da força e da religião, ao passo também dominar e se
estabelecer-se na região do sertão. Mas um fato importante que contribuiu para o interesse
dos litorâneos para com os sertões foi derrocada econômica do açúcar, precisava
encontrar alternativas que viabilizasse uma nova economia na capitania, mesmo que
ainda existissem engenhos de açúcar precisavam encontrar outros meio de lucros para os
senhores de engenhos e viu-se que a região era propicia a pecuária, além da busca por ouro
e pedras preciosas.
Foi na segunda metade do século XVII que começou a adentrar os sertões, os
desbravadores entravam no sertão seguindo os cursos dos rios e o principal foi o rio São
Francisco os desbravadores faziam isso para se orientar e também para ter uma fonte de
água para manter. Segundo ALMEIDA (1962, p.13) os desbravadores adentraram os sertões
por três vias de entrada diferentes: uma que subia pelo rio Paraíba; pelas nascentes do rio
Paraíba e ao logo do rio Piancó. Outro motivo explica o autor para adentrar o sertão, com a
invasão holandesa, os criadores de gado começaram a ter que ir para as regiões mais a oeste
e onde havia rio para alimentar e dar de beber ao gado e com a expulsão dos holandeses no
em 1654 só intensificou a entrada para o sertão.
Segundo a historiografia tradicional, os principais expoentes desses desbravamentos
dos sertões da Paraíba foi à família Oliveira Ledo, que tinha como patriarca e chefe da
família Antônio de Oliveira Ledo. Estes moravam no interior da Bahia e eram contratados
para adentrar os sertões em troca de terras e de títulos, como e de capitão-mor. Antonio de
Oliveira Ledo e sua família saíram de aonde habitavam, subindo e margeando o rio São
Francisco até chegar à parte central da Paraíba, que ligou com a parte leste a capital da
capitania em 1670. Em uma carta de governador manda uma mensagem para o Rei, pedindo
que concedesse terras aos Oliveira Ledo, como forma de pagamento e também de

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povoamento daquela região, não era apenas pelo explorar por explorar, era muito mais
econômico que civilizatório.
(..) Pedem a V. Excelência que lhes faça mercê a eles suplicantes, em nome de El-
Rei Nosso Senhor, dar de sesmarias 30 léguas de terras a todos os referidos
nesta petição a correr pelo rio da Paraíba acima onde acaba a data do Governador
André de Vidal de Negreiros e 12 de largo, com declaração que correrão para o sul
das duas léguas e para norte dez léguas...

A petição acima pede ao Rei a doação de 30 léguas de terras para todo que estão na
expedição de desbravamento do sertão, principalmente os Oliveira Ledo, ele cita sete
pessoas que pedem a doação de 1013,89 km, convertendo léguas em km. A partir disso,
vemos quanto de terras eram doadas para esses desbravadores, que muitas vezes passavam
por cima de territórios indígenas e massacravam quem resistisse ou escravizavam estes
povos. Como cita (ALMEIDA, 1962), “Foi o primeiro signatário Antonio de Oliveira Ledo, [...]
Subiu o rio, descobriu ele uma aldeia de índios da família cariri, [...] tratou de domesticá-los,
em proveito do povoamento e para não ser incomodo na expansão pastoril incipiente”. O
desbravar era também converter ou como diz o autor domesticar para aproveitar esses
próprios índios para a campanha de expansão, visto que ninguém queria adentrar o sertão,
ninguém era capaz aguentar aquela região, a não ser os que já moravam por lá. Mas se eles
moravam lá aquela região não já estava povoada? Apropriei-me do conceito de povoação
que (MARQUES, 1985) “A povoação pode ser constituída por vários lugares adjacentes de tal
modo relacionado entre si que formem um único agregado populacional.” Desta forma,
vemos que os índios segundo o conceito formavam a povoação naquele local, lá existia
diversas etnias, na região dos sertões que eram independentes e outras aliadas. Porém, para
os desbravadores não via desta forma, pois eles não eram aliados dos portugueses, nem
estes tinham controle desses povos, por isso o “domesticar”, o domesticar para dominar,
para exercer a força, tanto física, quanto psicológica. Isso segurava que esses indígenas não
causariam nenhum problema para os desbravadores, já que eles passariam a ser submisso/
subordinado a eles e a fé cristã.
Um fato relevante sobre a narrativa que Elpídio de Almeida faz, é que ele não
problematiza esse “domesticar”, apenas narra os fatos segundo as sua fontes, talvez por não

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ser um historiador, ele não tenha tanta preocupação de levantar essas questões, mas hoje
não podemos nos furtar delas. Ele escreve com um saudosismo, elencando os desbravadores
como heróis e pessoas de “espírito aventureiro”, que não descansava de encontrar terras e
de domesticar esses índios para povoar a região. O que demonstra certa visão grosseira e
vaga do desbravamento do sertão da capitania Paraíba.
Essa subordinação dos indígenas não será sempre amistosa, havia resistência, a
subordinação era o tipo de resistência também, a subordinação levava os indígenas a
ficarem vivos e não serem mortos pelos desbravadores. O que também não era
generalizado, pois muitos se levantavam com armas e guerreavam com os brancos, como
aconteceu com o sobrinho de Antonio de Oliveira Ledo, o Constantino de Oliveira Ledo
quando quase morreu na Guerra dos bárbaros ou confederação dos Cariris, no sertão da
capitania do Rio Grande do Norte. O cargo de Capitão-mor que era exercido por
Constantino, passou a ser exercido pelo seu irmão Teodósio de Oliveira Ledo, após sua
morte em 1694.
Com o passar do tempo só se intensificou as entradas para o sertão e o pedido de
sesmarias pelos desbravadores, mas as resistências ainda continuavam uma solução adotada
por Teodósio de Oliveira Ledo foi trazer índio que já estavam “domesticados” para se
aldearem com os índios que ainda resistiam a “domesticação”. Isso fazia uma mistura
forçada de grupo étnicos indígenas, pois as vezes esses grupos étnicos podiam viver a km de
distancia, ou seja, era uma cultura, práticas diferentes, mesmo que após a domesticação
muitos deixassem de cultuar seus deuses, ainda mantinham práticas alimentares e de
vivencia em grupo, que poderia ser antagônico aos que não faziam parte do seu grupo. Mais
uma vez repito, era uma violência simbólica e psicologia sem dimensão.
E foi assim que aconteceu com a formação da aldeia de Campina Grande, quando
Teodósio de Oliveira Ledo, segundo a historiografia tradicional, no fim do ano de 1697 foi do
interior da capitania da Paraíba para a Capital, levando um grupo de índios tapuias
chamados Airús ou Ariás, que moravam perto do rio Piranhas. Teodósio levava-os para
apresentar ao governador, quando passaram por uma grande campina onde se
aldearam depois que voltavam da capital e fundaram a aldeia de Campina Grande. Quando

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chegaram à capital, causaram muito espanto. Pois eram muito estranhos aqueles homens,
com tropas de burros, tabacudos, que eram totalmente diferentes dos homens que viviam
no litoral. A simbologia toma forma, para estes homens que estava apto a viver nas regiões
do sertão, adaptáveis fisicamente às condições climáticas e geográficas que viviam.
Elpídio de Almeida elenca que as condições geográficas eram favoráveis para a
formação da aldeia e do povoamento de Campina Grande, não podemos mais cair
na idéia do determinismo geográfico, que já foi vencida em nossos debates historiográficos e
geográficos. Sabemos que essa idéia de mito de origem permeia todas as sociedades e não é
diferente em Campina Grande, porém a construção desse mito de origem foi durante muito
tempo tendencioso, visto que só legava aos desbravadores a fundação da aldeia e
povoamento de
Campina Grande, como pode ser sido só os desbravadores responsáveis pelo aldeamento
se haviam poucas famílias que moravam nos sertões? Como só foi legado aos brancos esse
papel de atores principais se quem ficou aldeado foram os índios Ariús? Então o debate é
muito mais profundo, ainda hoje não se sabe das datas do aldeamento, pois os registros
sobre as datas são muito variantes.
Irineu Pinto duvida sobre a data oficial da data, quando ele transcreve uma carta
descoberta por JOFFLY (1892, p.33-34), diz ele: “Parece que foi nesse ano (1967) que se
fundou a aldeia de Campina Grande”. Joffily foi uns dos primeiros intelectuais que buscaram
saber da historia da fundação de Campina Grande, porém ele basear-se em escritos que
foram feitos um século após a fundação. CÂMARA (1942, p.11), vai dizer que, em 1670 havia
um missionário de Santo Antonio, que havia vindo para as missões dos Carris após a vinda de
Teodósio de Oliveira Ledo em 1 de janeiro de 1698.
Outro que vai falar sobre a criação da aldeia é Luiz Câmara Cascudo, CASCUDO (1954,
p. 217), vai falar que existia em Roma um mapa do estado e demais cidade de Frederuck,
nome da capital paraibana quando era possessão holandesa. Existia a cidade de Bultim
no município de Alagoa Nova, que no mapa aparece como uma aldeia de Campina Grande,
que já indica ser um povoamento. Isto em 1698. BORGES (1976, p.9) como pode em 1698
Campina Grande já aparecer em um mapa na cidade de Roma um mês após dela ser

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fundada? E ser colocada como povoamento? Então são se sabe realmente como deu esse
aldeamento dos indígenas.
MONTENEGRO (1910) vai dizer que: “A altera cidade sertaneja teve sua gênese no
aldeamento dos Ariús, após a descida do famoso bandeirante da Paraíba”, ou seja, o que
podemos concluir é que sim, foi através desse aldeamento dos índios que surgiu o
povoamento,
Na carta de Manuel Soares de Albergaria que estava no texto de ALMEIDA (1962,
p.36), vai lançar mais indicações da participação dos indígenas na formação do aldeamento,
na carta ele vai explicar que os índios Ariús, foram aldeados juntamente com os índios cariris
e outros índios que ele vai diz “índios que tirara das aldeias”, que conforme BORGES (1976),
vai dizer eram índios Tupis, que podemos supor que eram índios potiguaras ou tabajaras.
Vemos mais uma vez a complexidade da questão do aldeamento e povoamento e também
como se complexifica a questão do mito de origem da cidade, não era só os Ariús, como
mostra geneticamente a historiografia tradicional, eram três grupos étnicos distintos e mais
o colonizador que estavam na formação deste aldeamento. O autor vai falar de quarto tipos
de etnias que formaram Campina Grande, lançando mão da idéia eurocêntrica e
etnocêntrica, abrindo o leque para que esse mito de origem se enlanguesça e reconheça a
presença de outras etnias, não só a branca, responsáveis pela diversidade étnica do
povoamento de Campina Grande.
Desde a sua fundação portanto, Campina parece ter formado a sua
população com base em tipos étnicos diversos: 1) o português caucásico; 2) o
Brasílido de origem protomalaia; 3) O Láguido – paleomarericano de origem
asiática e 4) o elemento africano, que geralmente acompanhava as bandeiras.

Considerações finais
Após essa exposição vemos como é complexo traçar como foi o aldeamento e
povoamento de campina grande, muito dessa complexidade está na concepção do que
temos hoje na construção do mito de origem. Uma visão eurocêntrica e etnocêntrica, que
eleva os brancos e os desbravadores pela sua coragem e adaptabilidade a condições
extremas que de havia no sertão. E ignorando os papeis dos indígenas nesta formação,

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legando a eles um papel secundário de meramente atores passiveis as vontades e desejos


dos seus algozes.
Mas essa concepção está muito ligada à compreensão que tempo de história, poucos
estudos ainda são feitos para mostrar como foi o papel dos indígenas na formação do Brasil,
parece que aquela idéia de ciclos de mão de obra está muito permeada nos nossos livros
didáticos e na mente de boa parte da população; primeiro, mão de obra indígena; segundo,
mão de mora negra; terceiro, mão de obra livre. Fazendo assim com que esses atores
principalmente os indígenas e negros sejam esquecidos, ou que não exista após sua
“participação” no papel econômico. Muito precisa ser feito para podermos quebrar com
essas idéias que hoje não mais prevalecem na universidade, mas ainda são difundidas no
ensino básico.
Em relação, a memória coletiva de Campina Grande, vê um exacerbamento em
relação da construção da memória dos tropeiros que viam do sertão para litoral, ainda
enaltecendo a questão da geografia determinista. Mas um grande silenciamento no que diz
respeito do papel das minorias como o índio e do negro, isso está exposto nos monumentos
espalhados pela cidade, como monumento dos pioneiros da Borborema, erguido no
centenário de Campina Grande, já outro o monumento de 150 anos que mostra as tropas de
burros dos tropeiros. Sabemos que, segundo LE GOFF (1990) o monumento é uma forma de
documento histórico e serve para registrar e pedagogizar a memória de uma sociedade. Não
vemos então, monumentos que atribuem aos índigos e aos negros, o seus papeis do
aldeamento e povoamento de Campina Grande, salvo o monumento do centenário que tem
a representação genérica de um índio como pioneiro.
Esse trabalho tentou trazer um reconhecimento para o papel dos indígenas na
formação e aldeamento de Campina Grande, porém, que precisa ser aprofundado com
outros estudos, com fontes de época e trabalhos historiográficos tradicionais, para
compreendermos como se dá essa construção da memória coletiva e construção mito de
origem que permeia a história e historiografia da cidade de Campina Grande.

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ISSN:

Este trabalho está no eixo temático: 8) Povos Indígenas da América Entre o Século
XVI e o XXI: Processos de Mestiçagens, Questões Religiosas, Identidades e Reconhecimento.
Do II Congresso Internacional Mundos Indígenas - COIMI

Referencias Bibliográficas:

ALMEIDA, Elpídio de. História de Campina Grande. 2.ed. João Pessoa, UFPB, 1978.
ALMEIDA, M.R.C. O lugar dos índios na história: dos bastidores ao palco. In:______. Osíndios
na história do Brasil. Rio de Janeiro, FGV, 2010. Cap. 1, p.13-23.
BORGES, J. E. B. .Os Arius E A Fundação De Campina Grande. Revista Campinense De Cultura,
Campina Grande, V. 09, P. 8-11, 1976.
CÂMARA. E. A. Datas Campinenses, João Pessoa, 1947, pag. 11.
CARNEIRO, J.C.M. Revista do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba. Ano II, Vol. 2, João
Pessoa, 1910, pag. 477.
CASCUDO, L. C. Geografia do Brasil Holandês. Rio de Janeiro, 1956, p.217.
GINZBURG, Carlos. Representação a palavra, a ideia, a coisa. In:____. Olhos de
madeira: nove reflexões sobre distancia: tradução de Eduardo Brandão. São Paulo,
companhia das letras, 2001. Cap. 3, p. 85-103.
GONÇALVES, R.C. Guerra e Açúcar: a formação da elite politica na Capitania da Paraíba
(séculos XVI e XVII). In: Oliveira, M. S. Medeiros, R. F. (Orgs.). Novos olhares sobre as
capitanias do norte do Estado do Brasil. João Pessoa, PB: UFPB, 2007. P. 23-67.
HERCKMANN, Elias. Discrição Geral da Capitania da Paraíba, João Pessoa, A União, 1961.
Irineu Pinto, Datas e notas para a história da Paraíba. Pág. 90.
JOFFILY, Irineu. Notas sobre a Paraíba. Rio de Janeiro: Typographia do Jornal o Comércio,
1892, p. 33-34.
LE GOFF, Jacques, 1924 História e memória. Tradução Bernardo Leitão [et al.] -- Campinas,
SP, UNICAMP, 1990.

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ISSN:

MARQUES, Bernardo de Serpa. Reflexões em torno do conceito de lugar, povoação e


aglomerado populacional. Revista Faculdade de Letras – Geografia. Porto, Portugal Vol. I,
p.89-110. 1985.

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ISSN:

OS ÍNDIOS XUKURU DO ORORUBÁ E A CONSTRUÇÃO DO XEKER JETÍ NA SERRA


DO ORORUBÁ – PE

MELO, Constantino José Bezerra de


Universidade Católica de Pernambuco
constantinomelo2015@gmail.com

Introdução
O povo Xukuru do Ororubá possui um território de 27.555 hectares, localizado em
Pesqueira/PE, composto por 24 aldeias que foram organizadas pelos índios em três regiões:
Agreste, Serra e Ribeira, para melhor atender e planejar as demandas do povo.
De acordo com os dados da Fundação Nacional de Saúde/ FUNASA de 2007, o povo
apresentava uma população de 10.536 índios (ALMEIDA; MARIN, 2012). Atualmente, fomos
informados que a população ultrapassa os 12.000 habitantes. Este dado nos foi apresentado
durante a XVI Assembleia do povo Xukuru do Ororubá, realizada na Aldeia Pedra d’Água, no
período de 17 a 20 de maio de 2016.
Após o ano de 1990, com o processo de retomada das terras das mãos dos
latifundiários da região, iniciada na Aldeia Pedra d’Água, os índios puderam reconquistar
também os seus espaços sagrados nas matas da Serra do Ororubá e praticar a sua religião
(SILVA, 2008). Segundo Almeida e Marin (2012, p. 5), nos depoimentos coletados do povo
Xukuru do Ororubá, “[...] as retomadas foram importantes para fortalecer nossos rituais.
Primeiro retomamos Pedra d’Água. O terreiro de Pedra d’Água é mãe e pai dos Xukuru. É o
coração da aldeia. Depois vieram as ramas, que são os outros terreiros”.
Os fazendeiros invasores perseguiram os índios Xukuru do Ororubá, os quais foram
silenciados e até presos. Houve uma profunda intolerância e foi negado o direito de
liberdade de culto aos seus “Encantados de Luz”, que são “[...] os espíritos dos seus
antepassados e as forças transcendentais que organizam o seu universo religioso” (PALITOT,
2016, p. 13).
A Religião do Ritual Sagrado do povo Xukuru do Oroubá sofreu um processo de
reelaboração cultural e religiosa desde a chegada dos Missionários Oratorianos em 1671
(SILVA, 2008), o que Cristina Pompa (2003) definiu como “tradução”.

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ISSN:

O que houve foi um processo de negociação ou, pra dizer melhor, da


‘tradução’; o que houve foi a escolha de estratégias para solucionar o
problema, o linguístico e cultural, de reconhecer no ‘outro’ elementos
redutíveis ao mundo cultural do eu (POMPA, 2003, p. 95).

O Ritual Sagrado é uma religião híbrida, influenciada pelo catolicismo e religiões afro-
brasileiras, é celebrada nos Terreiros do povo Xukuru. Há uma devoção a “Tupã”, a “Mãe
Tamaim” e aos “Encantados de Luz”. Os Terreiros são os espaços sagrados onde os
indígenas celebram os seus ancestrais e as forças que comandam a natureza.
Nos Terreiros, os índios cantam os seus pontos acompanhados pelo som dos
maracás, dançam o Toré e fazem a ingestão da bebida sagrada elaborada com a jurema
preta. Um dos pontos mais cantados na abertura das cerimônias da religião do Ritual
Sagrado nos Terreiros e nas festas religiosas é em devoção a jurema:

Na cidade da Jurema às seis horas


Acende a luz (2)
Valei-me Nossa Senhora
E o Coração de Jesus

O termo jurema vem do tupi Yu-r-ema. A jurema é uma árvore típica do Nordeste,
das áreas da caatinga e do agreste, encontram-se duas espécies: a preta (Mimosa hostilis
benth) e a branca (Vitex agmus castus). Elas são utilizadas de forma religiosa para feitura de
banhos, bebidas, defumação e também como remédio para curar doenças e males
espirituais (ASSUNÇÃO, 2010).
Segundo Grunewald (2005), não existe registro do termo Toré no perído da
colonização. O Toré é um rito no qual os indígenas entram em contato com o sagrado, pode
ser considerado um “artefato cultural” (GEERTZ, 2013), um instrumento de consolidação da
etnicidade dos índios do Nordeste. Cada povo indígena reatualiza o Toré a partir das suas
narrativas etnográficas.
No vídeo “Xeker Jetí – Casa dos Ancestrais”, elaborado pelo Coletivo Tekó Poka
(2016), o índio Iran Neves da Aldeia Couro Dantas, tece considerações muito importantes
sobre o valor da jurema para o seu povo:

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A jurema ela é uma planta, e ela é ao mesmo tempo o sagrado [...] na


mesma forma que ela é natureza biológica, ela é a natureza espiritual. Ela é
sagrada, a natureza do mundo dos encantados. [...] Ela é o exemplo claro da
ponte que liga o mundo dos encantados ao mundo sobrenatural.... mundo
natural, ao mundo físico, a matéria. Ela vai ligar, ela permite o diálogo
através do Ritual, do preparo da água, e beber água de jurema, que você
entra nessa conexão com este mundo.[...] A gente dança pra jurema, a
gente canta pra jurema, a gente se orienta pela jurema. Os mestres
juremeiros, os encantados, os mestres juremeiros, os detentores do
conhecimento sagrado, utilizam e se alimentam da jurema, se alimentam
enquanto espiritualidade, enquanto cultura. Então, é uma planta sagrada. É
uma planta mágica. [..] Se você... Dê um exemplo da materialização do
encantamento. O encantamento materializado é a jurema (XEKER JETÍ...,
2016).

O Terreiro da Boa Vista e o Xeker Jetír: A Casa da Cura

Figura 1 – Fotografia do Terreiro de Ritual Sagrado da Boa Vista, Aldeia Couro Dantas,
Pesqueira/PE.

Fonte: arquivo pessoal do autor, 2017.

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A terra indígena é composta por vinte e quatro aldeias. A Aldeia Couro Dantas
(Retomada em 2002) está localizada na área montanhosa, ao norte de Pesqueira, conhecida
como a Região da Serra (CISXO, 2012).
Qual a função do Xeker Jetí para o povo Xukuru do Ororubá?
O Xeker Jetí ou a Casa da Cura é um novo espaço sagrado que compõe o Terreiro de
Ritual Sagrado da Boa Vista, foi construído entre maio e junho de 2016. A obra foi erguida a
pedido dos “Encantados de Luz” para ser um lugar sagrado de concentração e orações, e
ainda funciona em dias de chuva como Terreiro de Ritual Sagrado.
A índia Renata da Hora, professora de biologia, elaborou um projeto intitulado o
“Canto da Cura” para ser implementado na Escola Indígena Nilson e Milson da Aldeia Vila de
Cimbres. A iniciativa teve por objetivo fomentar o debate na escola sobre a tradição religiosa
do seu povo. Foram convidados o Pajé “Seu Zequinha”, rezadores e benzedeiras do povo,
para através do diálogo sensibilizar os estudantes indígenas para a valorização do sistema de
cura tradicional e também da religião dos “Encantados de Luz”.
Segundo o índio Iran Neves, foi a partir deste projeto que surgiu a ideia de construir
uma Casa da Cura na Aldeia Couro Dantas, sendo considerada por ele uma extensão e
materialização do sagrado, corroborando com a ideia de Halbwachs (2013) de que a religião
com seu sistema simbólico se expressa no espaço geográfico.

As religiões estão solidamente instaladas sobre o solo, não apenas porque


esta é uma condição que se impõe a todos os homens e todos os grupos,
mas um grupo de fiéis é levado a distribuir entre as diversas partes do
espaço o maior número de ideias e imagens que defende. Há lugares
consagrados, há outros lugares que evocam lembranças religiosas [...]
(HALBWACHS, 2013, p. 170).

Os membros do Terreiro da Boa Vista realizaram um Ritual Sagrado para consultar os


“Encantados de Luz” sobre onde e como construir o Xeker Jetí. Segundo Dona Maria,
representante religiosa e tuxá do Terreiro da Aldeia Vila de Cimbres, a nova geografia ou
topografia religiosa (HALBWACHS, 2013) proposta pelo Xeker Jetí foi inspirada pela
“Encantada” Cabocla Jacié, que desenhou a Casa da Cura baseado num formato de oca.

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No livro “Xukuru filhos da mãe natureza”, os Professores Xukuru (1997, p. 62)


definem “Tuxás” como “[...] um grupo de mulheres que acompanham o pajé nos seus
trabalhos ligados a religião”. O termo é usado para definir todas as pessoas que entram em
transe permitindo a comunicação dos “Encantados”. Atualmente, observa-se a substituição
do termo “Tuxá” por “médium”.
Foi inspiração da cabocla da jurema branca, o nome dela é Jacié. Ela
trabalha nas matas. Ela tem um canto dela, que ela diz assim:
Eu sou cabocla das matas
Caçada de pé e mão
Na mão direita eu levo
Sete e cinco Salomão
Eu sou cabocla da Serra
Meu nome é Jacié
Me fortifica nas correntes
Daqueles que tem fé (XEKER JETÍ..., 2016).

A construção do Xeker Jetí contou com o planejamento e a execução de um Coletivo


de Trabalho dos índios e com a ajuda de bioconstrutores do Recife. A obra foi construída
com a colaboração de dezenas de índios e de outros parceiros e aliados do povo. Foram
organizados vários mutirões comunitários para a execução da construção, que envolveu a
coleta e transporte de madeiras, pedras, taipas, palhas de coqueiro, o preparo do barro,
como também os serviços de limpeza, montagem e acabamento da obra.

Figura 2 – Fotografia do Xeker Jetí: a Casa da Cura, Terreiro da Boa Vista, Aldeia Couro
Dantas, Pesqueira/PE.

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ISSN:

Fonte: arquivo pessoal do autor, 2017.

Para o Cacique Marcos, “[...] a educação Xukuru se dá a partir do respeito aos


Encantados” (XEKER JETÍ..., 2016). Assim, vários estudantes da Escola Milson e Nilson da
Aldeia Vila de Cimbres, foram convidados para participarem do processo de acabamento da
obra, principalmente com o trabalho de pisar o barro e rebocar as paredes, construídas com
madeira e preenchidas com pedras.

O Xeker Jetí, a Agricultura do Sagrado e o Bem Viver

Participamos da XVI Assembleia do Povo Xukuru do Ororubá intitulada Limolaigo


Toípe – nossa educação é nossa resistência, realizada no Território Indígena na Aldeia Pedra
d’Água de 17 a 20 de maio de 2016. A Assembleia acatou como resultado das discussões nas
plenárias, que envolveu todas as lideranças e indígenas representantes das 24 aldeias, a
apresentação da agricultura como mais um eixo curricular da Educação Escolar Indígena.
Esta inovação pedagógica proposta pelos índios, atribuiu uma dimensão religiosa à
agricultura, a medida que a “mãe natureza” e os “Encantados” passam a fundamentar o
novo eixo temático da agricultura, já sendo denominado por muitos na Assembleia como a

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ISSN:

“Agricultura do Sagrado” ou a “Agricultura dos Encantados”.


Como citado anteriormente, o Ritual Sagrado é uma religião híbrida formada por
cruzamentos, rupturas e justaposições com reelaboração religiosa nas fronteiras e encontros
com a religião católica, afro-brasileira e de outras tradições indígenas – interétnicas
(CANCLINI, 2000).
Identificamos na construção do Xeker Jetí o diálogo intercultural e inter-religioso
também entre a religião do Ritual Sagrado e o Modo do Bem Viver dos povos andinos. Para
Markus (2013), o modo do “Bem Viver" está ancorado na cosmologia de cada sabedoria
ancestral e milenar dos povos indígenas,

Refere-se a um modelo de relações de equilíbrio e reciprocidade entre


todas as formas de vida existentes na natureza, concebendo-as todas como
sujeitos.
O Bem Viver é a concretização do ideal do equilíbrio cósmico, comunitário e
pessoal. O valor da vida é o maior dom e é buscado não somente para as
pessoas, mas também para as plantas, para os animais e para a Terra. O
intercâmbio e a reciprocidade entre as diferentes formas de vida que se
expressa na comunhão com o outro valor fundamental enfatizado no Bem
Viver (MARKUS, 2013, p. 101).
.
Na concepção da agricultora “Bela”, da Aldeia Couro Dantas, os Xukuru do Ororubá
não vivem sem uma alimentação saudável, porque é um fundamento de ligação com a
espiritualidade própria do povo, com o fruto que vem da terra, da “agricultura sagrada”.

É tipo da nossa espiritualidade mesmo. Pra gente ter o nosso espírito forte,
a gente tem que ter maneira de se alimentar, os dias de se alimentar, o que
pode comer, para que nada de ruim nos aconteça, nos pegue. E sem contar
que é uma alimentação saudável. Não é? Sem agrotóxico. Eu sou contra o
agrotóxico (XEKER JETÍ..., 2016).

Corroborando com a agricultora “Bela”, o Cacique Marcos afirmou que a agricultura


Xukuru respeita o meio ambiente, pois a mata é o espaço sagrado do seu povo. Para ele o
que a agroecologia faz atualmente, o povo indígena fazia a milênios (XEKER JETÍ..., 2016).
Segundo Markus (2013), o conceito milenar do “Bem Viver” é uma tradição dos
povos indígenas, principalmente dos andinos. Eles compreendem que é possível criar um

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modo alternativo de vida como reação ao modelo do capitalismo neoliberal que destrói e
devasta a terra, a água, o ar, os animais, as plantas e todo e qualquer ecossistema da
natureza, priorizando o acúmulo de lucros, de poder e do controle mundial da produção.
Para o índio Iran Neves, a agricultura é um processo educacional, a “agricultura do
sagrado” ela ensina como os índios podem viver melhor. A construção da Casa da Cura
representa o trabalho de resgate da memória coletiva do seu povo fundamentada no
respeito pela “mãe terra”, e na mobilização e luta interna através da agricultura enquanto
processo educacional mais amplo contra o sistema neoliberal e o agronegócio, como diz uma
toada Xukuru: “se quiser ver a ciência vá na mata procurar”.

Reativar essa memória coletiva e começar a colocar em prática. [...] Existe


várias formas de lutar contra o sistema. É, eu combater ele diretamente de
mobilização. Vamos pra Brasília, vamos questionar o governo. Vamos brigar
contra o agronegócio. Fora Kátia Abreu e tal. E também outra mobilização
que é interna, ou seja, eu sou contra, mas eu não posso replicar o modelo e
essa filosofia está nos ajudando a isso. Fora Kátia Abreu fora agrotóxico,
então agrotóxico não pode entrar na minha terra, ou seja, se entra é um
processo de colonização, ou seja, é fruto de um processo posterior da
invasão da terra, que é a invasão da mente, a colonialidade, mas a gente
que combater. E é isso que a gente está fazendo, esperando o tempo das
pessoas, esperando o ritmo e respeitando toda essa trajetória histórica.
Mas fazer esse movimento, esse “alevante” interno de combater o uso de
agrotóxico, das sementes transgênicas, da má qualidade da alimentação, os
supermercados eles não podem nos alimentar (XEKER JETÍ..., 2016).

Segundo Halbwachs (2013), toda memória coletiva acontece em um contexto


espacial.
Durante a construção da obra ocorreram várias trocas e oficinas entre o Coletivo de
Trabalho e bioconstrutores do Recife e os índios de várias aldeias, o que proporcionou a
todos uma experimentação de novas formas mais saudáveis de lidar com os alimentos.
Houve o compartilhamento nos mutirões das refeições coletivas, os indígenas provaram do
talo da jaca frita, da carne de jaca, da palma frita, da macaxeira frita, da farofa da casca da
banana, e da recuperação da cozinha tradicional como a maxixada e o xerém casado.

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Assim, entre o povo Xukuru do Ororubá, “poucos são os acontecimentos religiosos


que não tenham uma face voltada para a vida mundana e não tenham ressonância em
grupos leigos” (HALBWACHS, 2013, p. 140).
O projeto de construção do Xeker Jetí possibilitou por meio de pequenas ações, o
entrecruzamento de mudança cultural, política e religiosa, criando no Terreiro da Boa Vista
na Aldeia Couro Dantas

[...] um mundo em que as barreiras seriam cada vez menos naturalizadas e


mais resultado de investimentos culturais fundados em interesses materiais
ou em modos de vida que se que preservar ou expandir. E o sonho de um
mundo novo para todos pode animar uma vez mais nossa relação com o
imperativo absoluto da justiça (BURITY, 2002, p. 60).

Considerações Finais

A religião do Ritual Sagrado praticada no Terreiro da Boa Vista, localizado na Aldeia


Couro Dantas, passa por um processo de “tradução” (POMPA, 2003) ou “hibridação”
(CANCLINI, 2000), a partir da reatualização de ideias propostas pelo “Modo do Bem Viver”
dos povos andinos, que defendem a valorização dos saberes tradicionais da ancestralidade
indígena.
Os índios que participam desta religião neste Terreiro estão desenhando uma nova
forma simbólica no território indígena, materializando uma memória religiosa por meio de
uma nova geografia ou topografia para a religião do Ritual Sagrado.
Desta forma, eles ratificam o que defendia Halbwachs (2013), quando afirmava que
os espaços territoriais religiosos facilitam o encontro das lembranças coletivas. Por certo, o
Xeker Jetí, contribuirá para a formação e manutenção da memória coletiva religiosa do povo
Xukuru do Ororubá.
O processo coletivo da construção da Casa da Cura, envolvendo diversos atores e
instituições sociais como: a escola, o Coletivo de Trabalho, as lideranças e os índios de
diversas aldeias, ratificou a força e união do povo Xukuru do Oroubá e de sua identidade
étnica, comprovando que “[...] a religião é boa para pensar a democracia e a cidadania
(BURITY, 2002, p. 56).

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ISSN:

Referências

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cartografia social dos povos e comunidades tradicionais do Brasil: Xukuru do Ororubá.
Manaus: UEA Edições, 2012.

ASSUNÇÃO, L. O reino dos mestres: a tradição da jurema na umbanda nordestina. Rio de


Janeiro: Pallas, 2010.

BURITY, Joanildo A. Cultura e identidade: perspectivas interdisciplinares. Rio de Janeiro:


DP&A, 2002.

CANCLINI, Nestór García. Culturas híbridas: estratégia para entrar e sair da modernidade. 3
ed. São Paulo: EDUSP, 2000.

CONSELHO INDÍGENA DE SAÚDE XUKURU DO ORORUBÁ – CISXO. Saberes Xukuru: a cura


pela natureza sagrada. São Carlos, 2012.

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2013.

GRUNEWALD, Rodrigo de Azeredo. As múltiplas incertezas do toré. In: . Toré: regime


encantado do índio do Nordeste. Recife: FUNDAJ, Editora Massangana, 2005, p.13-38.

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. 7 ed. São Paulo: Centauro, 2013.

MARKUS, Cledes. O bem viver indígena e a cosmologia indígena. In: KRONBAUER, Selenir
Côrrea Gonçalves; SOARES, Afonso Maria Ligorio. Educação e religião: múltiplos olhares
sobre o ensino religioso. São Paulo: Paulinas, 2003.

PALITOT, Estevão Martins. A produção do território Xukuru: memória, ritual e política.


Disponível em:
<www.cchla.ufrn.br/vivencia/sumarios/33/PDF%20para%internet_33/11_estevao%20martin
s%20palitot.pdf. > Acesso em 04 jun. 2016.

POMPA, Cristina. Religião como tradução: missionários, Tupi e “Tapuia” no Brasil colonial.
Bauru: SP: Edusc, 2003.

PROFESSORES XUKURU. Xukuru filhos da mãe natureza: uma história de resistência e luta.
ALMEIDA, Eliene Amorim de. [org.]. Olinda: Centro de Cultura Luiz Freire/ OXFAM, 1997.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

SILVA, Edson Hely. Xucuru: memórias e histórias dos índios da Serra do Ororubá
(Pesqueira/PE), 1950-1988. Tese de doutorado – Programa de Pós-graduação em História,
Universidade Estadual de Campinas, 2008.

XEKER JETÍ – Casa dos Ancestrais. Direção: Coletivo Tekó Porã. São Paulo, 2016, 1 DVD
(58:36 min), color.

Eixo 8 – Povos Indígenas da América Entre o Século XVI e XXI: Processos de Mestiçagens,
Questões Religiosas, Identidades e Reconhecimento.

“MARACATU NÃO É PAR, É ÍMPAR”: PRÁTICAS CULTURAIS, IDENTIDADES E


ESTRATÉGIAS NO MARACATU RURAL DE PERNAMBUCO (2000-2014)

BRITO, Fabelly Marry Santos


Universidade Federal de Campina Grande

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fabellybrito@hotmail.com)

INTRODUÇÃO
O maracatu é considerado um dos principais símbolos de identidades de
pernambucanidade, propagada através de discursos que enfatizam a riqueza e pluralidade
cultural que caracterizaria o estado. Imagens de personagens dos grupos de maracatu nação
e do maracatu rural, principalmente, o caboclo de lança [protetor das tribos e dos Taxauas, é
o guerreiro que, com uma lança na mão, um cravo nos lábios, sob a máscara de óculos
raiban modernosos, e com o som dos chocalhos, avança para informar que o povo brasileiro
continua sendo gestado (SILVA, 2005, pág. 17)], estampam as campanhas publicitárias de
turismo do estado de Pernambuco.

O maracatu, para além de símbolo da pernambucanidade, é uma manifestação da


cultura popular constituída por diversas práticas culturais e cuja história é marcada por
perseguições e muita luta. Pensar o maracatu é voltar-se para a cultura popular e sua
apropriação por parte da esfera mercadológica, concomitantemente, é pensar as estratégias
daqueles que compõem os grupos de maracatu, para ressignificá-lo e proporcionar vida ao
longo do tempo.

Em Pernambuco, existem duas modalidades de maracatu, o maracatu nação ou de


baque virado, e o maracatu rural, ou de baque solto. Tais grupos se diferenciam em diversos
aspectos. Com relação à música, os maracatus de baque solto abordam, em suas canções,
temas diversos, como quadras, poemas e versos comuns a violeiros, além de, alguns grupos,
realizarem improvisos durante a apresentação, como também, retratar em suas canções a
usina, o açúcar, o amor. Já os grupos definidos por Guerra Peixe como os “tradicionais de
Recife”, ou seja, os maracatus de baque virado, não realizam improvisação, e seus temas
remetem a Luanda, reis, beira-mar, imperial, calunga, gongué (PEIXE, 1955, pág.47).

O presente artigo, fruto de uma pesquisa em desenvolvimento, tem por pretensão


analisar a ascensão dos grupos de maracatu rural de Pernambuco no cenário da cultura
pernambucana, entre os anos de 2000 à 2014, enfatizando o encontro cultural que se deu

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entre os nativos brasileiros “indígenas” e o africano, que promoverá práticas culturais


diversas, ressignificadas ao longo do tempo. Considerando que tal processo é perpassado
por uma trajetória de luta, onde foram decisivas as negociações por parte dos brincantes,
analisar-se-á, também, a partir da problematização de materiais publicitários produzidos
pelo governo do estado de Pernambuco, como os grupos de maracatu rural são
representados.

O ENCONTRO PROIBIDO: “ORIGENS” E PRÁTICAS CULTURAIS DO MARACATU RURAL

Nos últimos anos, o número de estudos voltados para a cultura popular brasileira
tem crescido significativamente. Entretanto, tais estudos encontram-se em concepções
teóricas que, por diversas vezes, implicam procedimentos metodológicos contrastantes,
apresentando-se ora de forma conservadora, ora, na minoria dos casos, numa perspectiva
mais crítica na exposição e interpretação dos dados. (AYALA, Marcos; AYALA, Maria Ignez;
2003). Especificamente, produções cujos temas se referem ao maracatu rural estão mais
presentes em áreas como Comunicação e Ciências Sociais, e, em sua maioria, priorizam a
discussão da apropriação de seus símbolos a partir da lógica do mercado, tratando a cultura
como um rol de traços, objetos ou palavras, perdendo de vista a maneira como as relações
sociais são conduzidas através dela (MINTZ, 2003).
Pensar o maracatu rural enquanto manifestação popular, cuja história é constituída
pela heterogeneidade, implica voltar-se para a cultura como algo de enorme e contínua
variação, frente ao compartilhamento de modelos culturais entre as pessoas. Assim sendo, a
cultura segue um estado de fluxo, distanciando-se da ideia de tradições fixas, transmitidas
do passado (BARTH, 1995).
As clássicas produções que envolvem o maracatu privilegiam a busca pelas origens,
associando-o às festividades de Coroação de Reis e Rainhas do Congo, estabelecendo uma
relação com uma tradição advinda da cultura africana, sem que se considere as
transformações pelas quais passam as manifestações populares. A busca pelas origens vem a
ser um caminho extremamente perigoso, sobretudo porque tal perspectiva tem, em sua

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maioria, por pretensão, traçar uma explicação para o estudo, de forma romantizada,
desconsiderando as circularidades e os conflitos presentes nos processos históricos. No caso
do maracatu, a busca pelas origens remete ao estabelecimento de uma tradição e pureza,
com o intuito de obter a legitimidade e o reconhecimento.
Entre os primeiros trabalhos voltados para o maracatu, destaca os de Gonçalves
Fernandes, Arthur Ramos e Mário de Andrade. Nestes estudos, dá-se um esforço por
descobrir as origens e significados da palavra “maracatu”. Em Pernambuco, o livro de
Francisco Augusto Pereira da Costa, Folk-Lore Pernambucano (1908), traz o maracatu
enquanto reminiscência africana, um instrumento para suportar a saudade e a vida difícil da
escravidão, e que corre riscos de desaparecer (SENA; GONÇALVES, 2015, p.05).
Por volta 1930 e 1940, grupos de maracatu de um novo tipo começam a “aparecer” e
sua recepção no meio intelectual não fora das melhores. Durante muito tempo, o maracatu
rural ou de baque solto era incluído na mesma esfera do maracatu nação ou considerado
uma deturpação deste. A identificação de diferenças veio com a obra de Guerra Peixe
(1955), que distinguiu o “maracatu tradicional” ou “nagô” com as práticas xangôs, do
maracatu de orquestra, que teria entre os seus iniciantes, características que se voltavam
para o catimbó (pág. 21).
O maracatu rural é constituído pela presença de diversas correntes religiosas, como a
jurema, a umbanda, o catolicismo, espiritismo e elementos orientais e esotéricos. Tal
presença se dá de forma interdependente e difusa (SENA, 2014, pág. 04) e torna-se mais
evidente durante o período que antecede o carnaval, quando há a realização de
determinados rituais que objetivam preparar os brincantes.
Para Severino Vicente da Silva (2005), o maracatu rural é fortemente marcado pela
herança indígena, herança esta, perseguida por um longo período na história, e surge do
encontro entre os negros e indígenas que, carregando em comum a história de luta, de
perseguição e exploração, resolveram unir-se:
Nas matas ocorriam encontros de tradições proibidas, quando negros fugidos dos
engenhos eram protegidos por tribos perdidas; nos Quilombos, índios viviam com
negros sedentos de liberdade; e, nas senzalas, crentes de deuses perseguidos
protegiam-se e bebiam do caldo da Jurema, enquanto o Saci-Pererê continuava a
fumar ao lado de uma índia velha. (SILVA, 2005, pág. 21)

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Encontramos no maracatu rural, uma pluralidade cultural que exige uma análise para
além da busca da pureza. É preciso pensar na complexa rede de compartilhamento dos
modelos culturais entre as pessoas (BARTH, 1995). Nesta perspectiva, é possível identificar
no maracatu rural a presença de diversas correntes religiosas, como a jurema, a umbanda, o
catolicismo, espiritismo e elementos orientais e esotéricos. Tal presença de dá de forma
interdependente e difusa (SENA, 2014, pág. 4) e torna-se mais evidente durante o período
que antecede o carnaval, quando há a realização de determinados rituais que objetivam
preparar os maracatuzeiros.
Entre os rituais realizados para a preparação dos brincantes, destaca-se os ritos
advindos da jurema. O culto da jurema é uma prática religiosa de tradição indígena,
especialmente dos grupos étnicos do Nordeste, que reúne elementos da magia europeia, do
catolicismo e da matriz africana (SANTIAGO, 2008). Os grupos de maracatu rural,
geralmente, possuem uma pessoa responsável por realizar os preparos dos brincantes,
livrando-os das forças que querem atrapalhar o desenvolvimento do grupo durante as
apresentações. Vieira (2011), a partir dos relatos da madrinha espiritual de um dos grupos,
nos traz a importância da jurema:
A jurema branca representa também o sentido da limpeza e de defesa para a
brincadeira de maracatu. No mês de setembro a colheita do arbusto com a força de
caboclo, coincide, tradicionalmente, com o ciclo das sambadas. Ensaios de
maracatu onde alguns integrantes das brincadeiras praticam rituais de caráter
mágico-religioso, seja nas sambadas do tipo pé de barraca ou do tipo pé de parede
(VIEIRA, 2011, pág. 548).

No caso de brincantes que necessitam de mais energia, como é o caso do caboclo de


lança, é utilizada a jurema preta. A jurema branca possibilita calma para personagens como
os mestres e o baianal. Para além do uso da jurema, há também, a utilização de elementos
como o sal grosso e amuletos.
A influência indígena é identificada, também, nos personagens que compõem os
grupos. É o caso do caboclo de lança, o guerreiro, e o arreiamá, personagem que, segundo

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SILVA (2005, pág.45), pode remeter ao indígena que confiava no branco, ele é o responsável
pela proteção espiritual de outros personagens, e está ligado aos segredos da religião e da
Jurema. Ao enfatizar a presença dos elementos indígenas no maracatu rural, Severino
Vicente da Silva destaca a história de luta e perseguição sofrida pela cultura indígena.
Reconhecendo que as tradições africanas foram alvos de intolerância e repressão, ressalta
que muitos rituais eram permitidos, certamente diante de interesses, negociações e luta,
mas tal permissividade não ocorreu no caso dos indígenas, cujas tradições foram proibidas,
incompreendidas e condenadas.

DA SOMBRINHA AO CRAVO NA BOCA: A ASCENSÃO DO MARACATU NA CULTURA


PERNAMBUCANA

Durante muito tempo o maracatu rural ou de baque solto, foi considerado uma
deturpação do maracatu nação ou de baque virado, tido até então como o maracatu
tradicional. Apenas a partir dos anos 1970, os grupos de maracatu rural passaram a
conquistar espaço nos eventos públicos, e cuja inclusão só foi possível através do
cumprimento de exigências feitas pela Federação Carnavalesca (VICENTE, 2005, pág.34).

A repressão e tentativa de modelagem dos grupos de maracatu rural, com o intuito


de transformá-los em algo socialmente e, mais ainda, turisticamente aceitável, esteve
presente em vários momentos da história do maracatu rural. Justamente no momento em
que surgiam os grupos de maracatu rural na Zona da Mata de Pernambuco, foi proibida o
uso da fantasia de índio, considerada perigosa em virtude das armas. A criação da Federação
Carnavalesca Pernambucana também é outra intervenção significativa.
Em 03 de janeiro de 1935, foi criada a Federação Carnavalesca Pernambucana,
ficando responsável pela organização do carnaval. Na realidade, a preocupação
maior era intervir, controlar e fiscalizar as atividades culturais e ideológicas
(MEDEIROS, 2003, p.129).

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Entre as exigências feitas pela Federação Carnavalesca Pernambucana, tem-se a


inserção da corte, elemento característico do maracatu nação, para que o maracatu rural
fosse aceito como maracatu. Assim, os organizadores, para receber a ajuda dos governos,
incluíram a corte nas apresentações e, com ela, a boneca, chamada de calunga.

A década de 1990 contará com a explosão do movimento Manguebeat, cujo principal


representante é Chico Sience, e que contribuirá para dar maior visibilidade ao maracatu,
sobretudo por usar a imagem do caboclo de lança no videoclipe Maracatu atômico. O
movimento apresentará uma proposta diferenciada de outros movimentos de valorização da
cultura local ao fazer uso dos recursos midiáticos para consolidar-se.

É principalmente na década de 1990, que se identifica mudanças no que diz respeito


à organização dos grupos, com ênfase no surgimento da Associação de Maracatus de Baque
Solto e nas apresentações dos grupos, cada vez mais presentes em fotografias.

A preocupação em tornar o maracatu cada vez mais visível para além do carnaval
tornou-se objetivo de alguns grupos, que enxergam nas mídias e nos projetos a serem
aceitos pelo governo do estado de Pernambuco, um caminho para conquista de espaço
social. Através de estratégias, os maracatuzeiros buscam não só apoio financeiro, mas
também, aceitação das suas práticas culturais, em específico, de sua religiosidade. No caso
do maracatu rural, a relação com rituais e simbolismos afro-indígenas, em especial, o culto
da Umbanda e o culto da Jurema, segundo alguns integrantes, faz com que os grupos não
sejam bem vistos.

A consolidação do maracatu enquanto ícone da cultura pernambucana possui uma


ligação estreita com a atividade turística. A ligação com o turismo se deu antes de iniciativas
no sentido de formalização de políticas públicas. A institucionalização da participação dos
grupos de maracatus em eventos e o apoio aos mesmos se deu através de ação política
entre o governo e os produtores culturais (SILVEIRA, 2010, pág.115), sobretudo durante a
gestão de Jarbas Vasconcelos.

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Através da gravação de CDs, que possibilitaram o conhecimento do ritmo e de convites


por parte de bandas e artistas consagrados, os grupos de maracatu conseguiram conquistar
visibilidade no cenário nacional. Esse espaço, entretanto, é marcado pelo ocultamento da
conotação afrorreligiosa dos grupos, ao mesmo tempo em que a musicalidade, o ritmo e as
cores foram associados à formação identitária pernambucana.

A inserção do maracatu enquanto atração turística implica uma configuração na


organização e formação dos grupos, que passam a atender o perfil turístico, desvinculando-
se até mesmo da religião, como é o caso dos maracatus artísticos. Além disso, outras
alterações se fazem presentes nas apresentações: investimento nas fantasias, adequação ao
tempo de apresentação e diversificação das danças apresentadas.

Ao mesmo tempo, o maracatu passa a ser utilizado como símbolo da cultura, no


material publicitário, como indica a capa da Revista Cultura.PE, composta por um caboclo de
lança, aparentemente em plena sambada de maracatu.

Figura 1: Capa da Revista Cultura.PE


Fonte:: http://www.cultura.pe.gov.br/pagina/publicacoes-especiais-3/.

A utilização da imagem dos maracatus e, principalmente, do caboclo de lança, busca


representar uma ligação com o passado, remetendo à tradição, à memória, ao exótico,
reforçando a singularidade. Ao mesmo tempo em que enfatiza a pluralidade cultural do

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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estado, característica reforçada, na revista, pelo slogan do portal: “Se faz parte da nossa
cultura, você encontra aqui”.

No material em questão, é perceptível a preocupação em enfatizar aquilo que é mais


tradicional no estado de Pernambuco. A tradição é traduzida por elementos cuja origem
remete a tempos distantes, preservada através da luta contra a desigualdade, as
transformações trazidas pelos novos tempos e contra o esquecimento. No caso dos grupos
de maracatu rural, os selecionados para ocupar espaço nas páginas da revista são aqueles de
fundação mais antiga. Como o Maracatu Estrela de Ouro, da cidade de Aliança.

Figura 2: Maracatu Rural Estrela de Ouro


Fonte: http://www.cultura.pe.gov.br/pagina/publicacoes-especiais-3/

A descrição do maracatu é composta pela ênfase na tradição, expressa pela fundação


do grupo em 1882, passando pela perpetuação das expressões culturais que eram
compartilhadas de geração em geração. Segundo a revista, o grupo Estrela de Ouro não se

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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limitava a promover as festividades carnavalescas e as comemorações entre os


componentes e as pessoas ligadas ao maracatu. A ideia de propagar o folguedo para além
dos limites da região se alia ao objetivo da Secretaria de Cultura de Pernambuco e da
Fundarpe (Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco).

Outro ponto a ser destacado é a escolha das imagens para representar o grupo. Na
página em questão, existem duas imagens e ambas são de caboclos de lança, mesmo que o
maracatu rural seja composto por muitos outros personagens, com simbolismos essenciais
ao folguedo, como aqueles que possuem ligação com a religião. Apesar da configuração do
maracatu rural ser bem mais ampla, no material publicitário, se resume à figura do caboclo
de lança, que assume a imagem de símbolo máximo da tradição e exuberância. Há um
esforço do poder público em criar uma identidade entre governo e maracatus, de forma que
essa representação do Estado vai além dos turistas e é reforçada também entre os
residentes (SILVEIRA, 2010, pág.119).

Segundo Silveira (2010), há uma dualidade quanto à apropriação do maracatu


enquanto ícone da cultura pernambucana. A Fundarpe atua a partir da valorização da
cultura de um modo mais amplo, já a Setur-PE (Secretaria de Turismo de Pernambuco) se
volta para o uso do maracatu segundo as perspectivas do mercado, sem que haja uma
preocupação efetiva com os integrantes dos grupos e a comunidade local.

As apresentações dos grupos de maracatus acontecem de acordo com as necessidades


da Setur-PE, enquanto muitas das ações e dos projetos culturais promovidos pela Fundarpe
não são divulgados em uma escala maior, que chegue até os turistas. Esses projetos, por sua
vez, se tornam a oportunidade principal que os produtores culturais encontram para se
manter. Quanto à Setur-PE, a relação com os brincantes ou com os produtores culturais
consiste apenas no contato, muitas vezes indireto e informal, visando a contratação para
espetáculos.

O governo de Pernambuco, através de órgãos como a Secretaria de Cultura e a


Fundarpe, recorre às estratégias publicitárias, apropriando-se de manifestações culturais,
como o maracatu rural, transformando-as em ícones de identidades de pernambucanidade,

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buscando atribuir a estes ícones, simbolismos de tradição, pluralidade, alegria. Aliada à


atividade turística, uma das principais atividades econômicas do estado, esta apropriação se
dá com fins mercadológicos e moldada pelo processo de globalização promove uma
modelagem dos ícones escolhidos para representar o estado, adaptando-se ao interesse dos
turistas.

Esta análise não implica dizer que os maracatuzeiros atuem em segundo plano. O fato
de os grupos de maracatu rural estarem, cada vez mais, buscando a participação em
eventos, desenvolvimento de projetos com remuneração, gravação de CDs, participação em
campanhas publicitárias, traduz a inserção de culturas tradicionais no universo moderno, e o
seu desenvolvimento graças à transformação realizada.

Por discutíveis que pareçam certos usos comerciais de bens folclóricos, é


inegável que grande parte do crescimento e da difusão das culturas
tradicionais se deve à promoção das indústrias fonográficas, aos festivais de
dança, às feiras que incluem artesanato e é claro, à sua divulgação pelos
meios massivos (CANCLINI, 2008, pág. 217).

O ponto de discussão transfere-se, portanto, da necessidade de preservar as culturais


tradicionais, para a necessidade de se discutir como estas se transformam para interagir com
as forças da modernidade. As contribuições de Michel de Certeau (1998) são significativas
para compreender as estratégias, sendo estas

o cálculo (ou a manipulação) das relações de forças que se torna possível a partir
do momento em que um sujeito de querer e poder (uma empresa, um exército,
uma cidade, uma instituição científica) pode ser isolado. A estratégia postula um
lugar suscetível de ser circunscrito como algo próprio a ser a base de onde podem
se gerir as relações com uma exterioridade de alvos ou ameaças (os clientes, os
concorrentes, os inimigos, o campo em torno da cidade, os objetivos e objetos da
pesquisa etc.). (CERTEAU, 1998, pág.99)

São as estratégias que permitem que se construa uma independência diante da


variabilidade das situações e que se conquiste para si um lugar próprio. Como coloca
Certeau, as estratégias correspondem às ações que os fracos realizam diante das táticas
instituídas pelos fortes.

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Os brincantes dos grupos de maracatu ou seus produtores culturais se utilizam das


oportunidades que surgem, tanto no sentido de projetos culturais como apresentações
turísticas para conquistar, cada vez mais, espaço no cenário cultural do estado de
Pernambuco, lutando pela valorização e reconhecimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os estudos sobre cultura popular têm crescido significativamente, nos últimos anos, tais
estudos, entretanto, estão mais presentes nas áreas como Sociologia e Comunicação, sendo assim,
trabalhos com olhar historiográfico podem contribuir para uma produção diferenciada, que amplie
as discussões. Além disso, é possível observar que muitos trabalhos, ao se lançarem para a cultura
popular, reservam aos atores sociais que a produzem, o segundo plano.

A cultura popular é geralmente associada à construção de identidades, sejam elas, culturais,


nacionais, regionais ou locais. Isso se deve à ideia desenvolvida sobre as manifestações populares
vistas como puras, pois resistiam às transformações trazidas pela modernidade, constituindo-se
enquanto guardiãs dos valores e tradição da sociedade. Seus elementos são utilizados na
construção de discursos que caracterizam determinado povo.

Em Pernambuco, o maracatu rural, por muito tempo, foi considerado uma deturpação
do maracatu nação, tal perspectiva pode ser analisada a partir da incompreensão da
pluralidade cultural presente no maracatu, com forte influência indígena e africana,
sobretudo no que diz respeito à religiosidade. Esta, por sua vez, é constituída por um
conjunto de símbolos que dá sentido e permite aos indivíduos uma leitura da sociedade bem
como de sua ordem (SENA, 2014, pág.8).

Sobretudo a partir da década de 1990, os grupos de maracatu rural passaram a ter destaque
no cenário cultural pernambucano. Isto se deve, entre outros motivos, à intensificação da
atividade turística que tem como suporte a produção de materiais publicitários. Nos anos 2000, as

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estratégias mercadológicas adotadas por instituições do governo de Pernambuco, mais


especificamente, a Secretaria de Cultura de Pernambuco e a Fundação do Patrimônio Histórico e
Artístico de Pernambuco, se caracterizaram, principalmente, pela promoção de eventos e
produção de materiais onde ícones culturais eram tomados como símbolos da tradição, alegria,
diversidade e efervescência cultural.

Segundo Hall (2006), o processo de globalização causou deslocamentos nas identidades. A


partir das conexões, cada vez mais efetivas, o que deve ser observado são os processos de
identificação, através dos quais as pessoas se veem nas mais diversas esferas culturais. Tendo isso
em vista, é possível identificar que os discursos empregados na construção de identidades
modernas buscam envolver uma variedade de elementos, no intuito de envolver o público alvo.

No caso do maracatu rural, sua presença na construção de identidades de


pernambucanidade implicou transformações na organização e apresentação dos grupos, que
deveriam assumir a imagem ideal para o turista. Tal circunstância causa, entre outros fatores, um
distanciamento entre o público e os brincantes, que passam a atuar como atrativos nos
espetáculos, principal oportunidade de propagar sua cultura e obter meios necessários à
manutenção dos grupos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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2003.
BARTH, Frederick. Etnicidade e o Conceito Cultura. In: Antropolítica: Revista
Contemporânea de Antropologia e Ciência Política. n. 1, 2 semestre. Niterói: EdUFF, 1995.
CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas Híbridas. 4ª edição. São Paulo: Editora da Universidade de
São Paulo, 2008.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Editora Vozes,
1998.

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CHARTIER, Roger. Cultura popular: revisitando um conceito historiográfico. In: Estudos


históricos. Vol. 08, n°16. Rio de Janeiro, 1995.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomás Tadeu da Silva,
Guacira Lopes Louro. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.
MEDEIROS, Roseana Borges de. Maracatu Rural: luta de classes ou espetáculo? (Um estudo
das expressões de resistência, luta e passivização das classes subalternas). Dissertação
(Mestrado). Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2003.
MINTZ, Sidney Wilfred. O nascimento da cultura afro americana: uma perspectiva
antropológica. Rio de Janeiro: Pallas: Universidade Candido Mendes, 2003.
PEIXE, Guerra. Maracatus do Recife. Prefeitura da Cidade do Recife/ Irmãos Vitale, 1980, 2ª
edição. [1955]
SANTIAGO, Idalina Maria Freitas Lima. A jurema sagrada na Paraíba. Qualitas Revista
Eletrônica. ISSN 1677-4280, v.7, n.1. Ano 2008.
SENA, José Roberto Feitosa de; GONÇALVES, Antonio Giovanni Boaes. “Que baque é esse?”:
Notas para um debate em torno das “origens” e da “manutenção da tradição” nos
maracatus de baque solto. XV Encontro de Antropólogos do Norte-Nordeste e da Reunião
Equatorial de Antropologia – Rea/Abenne. Maceió: Universidade Federal de Alagoas, julho
de 2015.
_____, José Roberto Feitosa de. Religiosidade popular no maracatu rural pernambucano:
hibridismos, pluralidades e circularidades. 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, Natal –
RN, agosto de 2014.
SILVA, Severino Vicente da. Festa de caboclo. Recife: Associação Reviva, 2005.
SILVEIRA, Carla Borba da Mota. Nós somos o mundo: políticas culturais e turismo em tempos
globalizados. Recife: UFPE, 2010.
VICENTE, Ana Valéria. Maracatu rural – o espetáculo como espaço social: um estudo sobre a
valorização do popular através da imprensa e da mídia. Recife: Ed. Associação Reviva, 2005.
VIEIRA, Sévia Sumaia. “O caboclo velho, antigo, sabe brincar. Vai respeitar!”: a diversidade
dos rituais espirituais na brincadeira do maracatu de baque solto/rural. V Colóquio de

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ISSN:

História. Perspectivas Históricas – historiografia, pesquisa e patrimônio. Recife: UFPE,


novembro de 2011.
Revista Cultura.PE. Recife: Secult.PE, Fundarpe. 2014. Disponível em:
http://www.cultura.pe.gov.br/pagina/publicacoes-especiais-3/. Acesso em: 28/06/2016.

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MEMÓRIA E IDENTIDADE: POVO POTIGUARA DA PARAÍBA

MACEDO, Maria Sonia Barbalho de


Universidade Federal de Campina Grande/ Licenciatura Intercultural Indígena
APOLINÁRIO, Juciene Ricarte
Universidade Federal de Campina Grande
soniabt2010@hotmail.com

Considerações iniciais
A importância de trabalhar este projeto “Memória e Identidade do povo Potiguara
da Paraíba”, é fundamental para a integração e o desenvolvimento dos alunos indígenas
Potiguara na valorização da memória.
Os Potiguara fazem parte dos povos da família linguística Tupi. Hoje, falam o
português e estão revitalizando o tupi na educação escolar indígena. E como todos os povos
que vivem no Nordeste, possuem uma longa história de contato com a sociedade não
indígena.
Os Potiguara provavelmente são os únicos dentre os povos indígenas situados no
Brasil a viver no mesmo lugar desde a chegada dos colonizadores há 500 anos. A bibliografia
e os documentos sobre a história do atual Estado da Paraíba evidenciam, desde as noticias
mais remotas após o descobrimento do Brasil, à presença dos Potiguara no litoral paraibano
e, mais notadamente, na Baía da Traição. A permanência contudo se deu a custa de
resistência as investidas de diversos invasores. Os Potiguara resistiram às tentativas de
conquista de seu território guerreando bravamente e por meio de diversas formas de
resistência e indigenização de elementos da cultura ocidental, do branco.
O projeto trata de incentivar a leitura e a escrita dos estudantes, pois ambos são
instrumentos pelos quais se obtém conhecimento das mais diversas áreas, facilitando então,
a argumentação e vocabulário para produção de texto oral ou escrito. Visando essa
perspectiva me despertou o trabalho com pesquisas. Foi pensando nessa situação, que me
preocupei em trabalhar, a leitura e interpretação de textual, mostrando a importância da
memória Potiguara. Podemos constatar que o ensino da Língua Portuguesa, tem
desenvolvido bastante no processo de aprendizado, como também em outras áreas do
conhecimento.

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A memória e a identidade por sua vez não devem ser vistas, apenas como um
repertório de dados, que deve ser lembrado do passado, mas também um instrumento de
poder.
O projeto constitui-se numa construção a partir de muitas reflexões e
questionamentos, sobre os significados da prática pedagógica dentro da
interdisciplinaridade. E, nessa reflexão que estamos tentando resgatar as memórias do
nosso povo Potiguara, valorizando a participação de cada individuo na formação, na
construção do lugar onde vive numa perspectiva de revitalização dos patrimônios históricos
e ambientais do nosso povo Potiguara. O mesmo tem um caráter natural de incentivar e
valorizar as raízes do indígena Potiguara da Paraíba.
A finalidade é estimular os estudantes, a ter o gosto pela leitura lúdica e prazerosa
de modo a desenvolver a linguagem oral e escrita, através de pesquisas com os anciões, pois
a prática da leitura faz-se presente em nossas vidas desde o momento em que nascemos
começamos a “compreender” o mundo a nossa volta.
No constante desejo de decifrar e interpretar o sentido das coisas que nos cercam,
de perceber o mundo sobre diversas perspectivas, de relacionar a realidade funcional com o
que vivemos, enfim, em todas as situações de uma forma ou de outra estamos fazendo uma
leitura, embora muitas vezes não nos déssemos conta.

Relato da anciã Potiguara Nilda Faustino sobre a Lagoa Encantada

“A lagoa da carnauba
ganhou o nome de lagoa encantada a partir do momento em
que os portugueses não concluíram o trabalho da
construção da igreja no alto do curumim as margens do
Camaratuba, deixando todo o local fechado o trabalho que
seria numa abertura de uma grande porto de navios, onde
concluiria abaixo do rio Tambá.
Sendo impedido por nativos potiguara deixando fechado
toda a localidade onde seria a grande obra sendo do alto do
Tambá a barra de Camaratuba. Deixando a grande lagoa
onde matem contato do lençol freático da água com o
oceano atlântico.
Ficando na lagoa especiarias de minério no fundo das águas,
sendo armar tais como: espingardas, revolveres, rifles, e

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uma grande corrente que seria amarrada de um lado a outro


das margens da lagoa. Nesse local ficou a historia em
memória para os potiguara. Um certo, dia um nativo da
aldeia São Francisco indo para o mangue tendo que passar
pela margem da lagoa, viu que a lagoa estava seca o que
restava era uma grande quantidade de peixes e estava no
centro da lagoa uma grande corrente de ouro e em seu meio
um local com estas especiarias de ouro. O indígena voltou a
aldeia contou a historia aos outros. “Voltaram com quem
avisou teve uma surpresa de que não encontraram peixes
que haveria visto ontem.”

Pedro Poti Guerreiro Potiguara

Pedro Poti indígena Potiguara da Paraíba, grande guerreiro em 1625 escapou do


massacre que os portugueses promoveram em Baía da Traição. Embarcou para Holanda e ali
permaneceram durante cinco anos, suas cartas com seu primo Felipe Camarão em Tupi,
revelam ideias de pátria, religião e liberdade. Expressou e denunciou que em todo o país se
encontram os nossos parentes escravizados pelos portugueses e seriam mais se ele não
tivesse liberto. Onde o mesmo não foi traidor, ele defendia seus ideais e o seu povo das
mãos dos opressores. Em 19 de Fevereiro de 1649, foi preso pelos portugueses e foi posto a
ferros e alimentando-se apenas de pão e água em um calabouço no Cabo de Santo
Agostinho. Após seis meses de torturas açoites mandaram-no para Bahia, mas os planos
eram mata-lo e ali realizaram, preferiu a glória do martírio à desonra do perjúrio. Seu nome
é quase apagado da nossa história porque tomou o partido dos holandeses e não dos
portugueses. A verdade é que Pedro Poti lutou pela liberdade do povo Potiguara o seu grito
e sua voz atravessou o Oceano e libertou muitos. O seu nome tentaram apagar da história,
mas da nossa lembrança da memória dos nossos ancestrais jamais foi esquecida. É com
orgulho que falamos desse herói Potiguara e grande guerreiro.

Igreja de São Miguel

A igreja de São Miguel que fica localizada na Aldeia São Miguel, a 900 metros da
sede do município, um dos mais antigos e importantes redutos indígenas da região, onde os
jesuítas, mais tarde os carmelitas, se estabeleceram, para os serviços de catequese dos
potiguara. O conjunto arquitetônico igreja cruzeiro, construído em pedra e cal, a frente do

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traçado quadrangular, característica das aldeias indígenas apresenta um aspecto


harmonioso de rara beleza.
Os holandeses quando estiveram na Baía da Traição em 1625, encontraram uma
cúpula na localidade, o que se supõe que fosse a igreja de São Miguel, uma vez que lá foi o
centro de catequese dos Potiguara. Foi construída sob a invocação de São Miguel, que tão
bem se identifica com a tradição guerreira dos potiguara.
Seu valor simbólico está na religiosidade aos ritos, festas e comemorações sagradas,
bem como aos mitos que fundamentaram a construção de aspectos importantes da
identidade cultural Potiguara. A igreja de São Miguel foi tombada em 1980 pelo INPHEP
(Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba). Este patrimônio histórico
é de grande relevância para o Povo Potiguara da Paraíba, São Miguel foi e Permanece até
hoje como padroeiro dos Potiguara.
É realizado do dia 20 a 28 de Setembro o novenário em honra a São Miguel, e
termina dia 29 com a procissão saindo da aldeia até a cidade, onde a imagem fica na igreja
Matriz de nossa Senhora da Penha e retorna para aldeia com oito dias.

Relato da anciã Potiguara Dona Joana Ferreira dos Santos sobre São
Miguel

“E esse São Miguel, ele foi encontrado, o nome dele era


Miguel Arcanjo. Era um indiozinho. Naquele tempo chamava
caboco. Ele morava no Tapuia... e então encontraram esse
Miguel Arcanjo morto. Ali era uma mata, ai enterraram. E...
com oito dias, ali era uma mata. Aí a cova tava rachada em
cruz. Aí os índios se reuniram, da Baía mesmo, do tapuia,
laranjeira, aí foram chamar o padre lá de Mamanguape,
Padre João Batista, aí o padre veio... cavaro a cova e tiraro,
que era um Santo, tava formando num santo. Aí levaro para
Roma foi que trouxero esse que ta lá em São Francisco.”
(Aldeia Galego, Agosto 2003)
“Cada pessoa no momento
que evoca lembranças esta trazendo para o presente àquilo
que foi selecionado, pois nossas memórias são seletivas”. (LE
GOFF, 1982)

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O Batismo Indígena
Relato de uma anciã indígena sobre o batismo:
“Se tratando do batismo indígena quando começavam as
contrações após parto a mulher bebia um chá de pimenta do
reino para acelerar as dores do parto. Ao nascer, fazia o
ritual do batismo indígena.
Se procedia de forma a tomar um caco cheio de brasas
acesas, colocava-se sobre as chamas do fogo ervas do
incenso (tais como alfazema, alecrim, malvarosa) para que o
recém nascido ficasse perfumado. Durante este processo
colocava-se a criança acima do fogo e começava a
pronunciar dizeres, desejando fortaleza, resistência e
comprometimento de ser cultural. Depois o bebê não se
alimentava por 3 dias, para se livrar das impurezas do parto
e crescer sadia. Depois do recém-nascido devia ficar durante
os três primeiros dias sem sair para fora até que ficasse
imune ao vento forte e muita claridade. Aos sete dias não
banhava a criança, nem tirava da casa para não dar mal de
sete dias, aos sete meses também. Então a criança ficaria
livre de males espirituais durante a vida. Nisso tornava-se
forte as lutas físicas culturais e espirituais.”

Furnas Potiguara
A furna é um lugar sagrado dos Potiguara, fica na aldeia São Francisco nesse espaço
os indígenas faz seu ritual do Toré onde as correntes espirituais toma conta da
ancestralidade. Realizamos a formatura indígena dos alunos do 3º ano do Ensino Médio da
Escola Estadual Indígena Pedro Poti.

Temos no território Potiguara três furnas, do terreiro em São Francisco - furna do


Guagiru, furna do Capim- Silva do Belém, furna das 18 “bocas” – da Igreja Velha do Gurubu.
A pratica de rituais nas furnas era muito comum, isso faz parte do cotidiano
indígena do nosso povo Potiguara. Segundo Nilda Faustino (2015).

Os canhões da Aldeia Forte


Os canhões são peças de artilharia do Forte, construídos pelos Portugueses sobre o
local histórico Alto do Tambá, de onde se podia descortinar e defender a barra e a enseada
da Baía da Traição. O forte foi guarnecido por soldados vindos do Forte de Santa Catarina em

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Cabedelo – PB e artilhado com peças de ferro, vindas de Portugal. Acredita-se que por volta
de 1625. Os franceses, visando o tráfico do pau-brasil, fundaram uma feitoria na Baía da
Traição, que era o ponto de convergência de todo o madeiramento abatido na região.
Construíram também, um fortim para sua segurança. Estas edificações foram destruídas por
Martin Leitão.

Relatos do ancião Potiguara João Batista Faustino sobre as conquista pelo


território.

“As lutas se eu bem contar


foi se é uma vitória que lembra e nunca sai da minha
memória que é conduzido uma memória pra nós é desse
ponto de vista, que eu digo que sempre meu trabalho tá é
vivo todo dia, toda hora que eu preciso de uma ocasião
dessa eu saber contar, a história a luta foi por causa dos
invasores que tem na linha Norte do Rio Camaratuba e a
linha Sul e a linha Leste e a Oeste porque nós tamos
arrudeado de invasores e na época não houve um chá de
consolação pro índio que não tinha tanta como tem hoje.
Era eu que enfrentava junto com a comunidade porque que
preparei a comunidade porque como diz aquela história que
o cacique não domina ninguém jamais, mas só dele a
liderança fica todo ao lado dele pra o que ele precisar do
que a gente ser agido ele está a liderança lá do lado dele, em
relação com o trabalho pela ação e obrigado o que eu tenho
pra dizer, sempre trabalhei com o meu próprio povo então
minha luta foi essa, nove viagem a Brasília para discutir junto
com as autoridades competentes do órgão oficial com a
presidente da FUNAI, diretamente do Recife com a delegacia
regional era do Recife hoje é superintendência e eu e minha
luta foi essa, pedindo por tudo que as pessoas de alta
categoria, de alto poder de justiça da terra respeitasse o
direito que existe e aceita principalmente nós Potiguara,
então foi essa minha luta, nada fiz porque quem pede a que
tem, quem não tem nada pede a quem tem e quem tem dá
se quiser, mais lutar eu lutei, pra ver a gente ficar livre de
muitos invasores, mais até hoje continuo, hoje a FUNAI junto
as autoridades ficaram vinculada a administração da FUNAI

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que é ministério da justiça que antes era ministério do


interior que era Mario Andreaza que está na administração
da FUNAI então tudo isso foi reunião em 81, 83 e 84 pra que
demarcasse nossa área indígena e foi liberado um grupo do
exercito brasileiro a gente demarcou nossa terra, vinheram
presentear fazer nossa terra um presente dos invasores que
antes já eram invasores que já tinha aquela marcação de
terra marcada cercada, cerca de arame farpado, quer dizer
um sinal de uma posse de terra, que justamente eles
aumentaram muito mais depois de 83, 84 é esse chá de
consolação que eu digo que a FUNAI deu, fez isso pra o índio
se aquetá o cacique não cobrar mais o que cobrou, e eles
hoje estão de parabéns tanto a FUNAI tá de parabém, como
também os invasores tão de parabém porque adquiriram
mais terra passando o limite que eles já diziam que era dele,
o chá de consolação e esse que eu digo ao cacique ficou
calmo não é mais aquele, não foi nem é mais cacique por
isso que não existe cacique, pra mim existe cacique biônico,
cacique marajá que existe por aí nas nossas aldeias,
trabalhando pra manter sua vida numa vida melhor e não vai
enfrentar, lutar pelo bem, isso aí eu posso dizer fui ao Rio de
Janeiro direto no Museu do Índio, adquirir a segunda via do
mapa que mostra os limites original da nossa área, fui ao Rio
de Janeiro no Museu do Índio adquirir foi quando eu botei o
Deputado pra fora de Jacaré de Cesar, esse Deputado disse
que tinha comprado e que era dele e que ele dominava o
que era dele, tudo bem, ele comprou com o dinheiro dele,
tem essa razão de dizer, mais sempre dizendo que ele estava
na área indígena, ele duvidou em mim e foi pra o Rio de
Janeiro e esse trabalho eu fiz e ele saiu dali, hoje é mando
do povo de Jacaré de Cesar o Zé Lima que o demandou de lá
mais que hoje está com Deus aí ficou os filhos e seus
parentes, a minha história de cacique é essa.”

Relato do ancião Potiguara João Batista Faustino sobre o SPI em 1930.

“O SPI (Serviço de Proteção ao Índio), pergunta bem eu


tenho essa história a contar, o SPI chegou aqui em 1930 logo

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a principio chegaro aqui na Baía da Traição a um semi posto


indígena, foi na Baía da Traição foi entregue a um tal de
Vicente Fialho Viana que era enfermeiro, mais com medo da
pessoa lá com certeza já visto pelos representantes do órgão
que era Dr. Dustan de Miranda, e um Dr. Merelo, que foi os
dois que chegou logo na Baía da traição iniciando a
administração do SPI mandado pelo Marechal Mariano
Candido da Silva Rondon, que ele criou esse benefício para o
índio em 1910, quando ele tava no sul do país abrindo
picada daquela grande extensão do continente, ele
encontrou-se com a tribo de índio da tribo dessas pessoas
indígena ele viu a tristeza que era um povo pouco
abandonado, deu trabalho sim pra ele chegar se aproximar
dele, atrás de entender a eles, ele não entendendo os
idiomas deles, a fala nem do índio entendia os Nambiquara
o primeiro índio a primeira tribo que ele encontrou foi os
Nambiquara no sul do país, daí foi quando ele foi se
aproximando, aí ele com muita luta até que foi criado esse
trabalho, foi criado a benefício pra aquelas pessoas que
viviam a benefício da graça divina, era a verdade que nós
hoje vivemos por graças divina. Mas na época chamava-se
arédio, o arédio é aquelas pessoas que como o índio só vivia
numa vida que ele não paensava mais em nada, além de
viver diferente, vivia como uma pessoa que só eles
pensavam como pessoas vividas no mundo que era o índio,
então de continuação o trabalho foi se esbangindo pelo
Marechal com seus auxiliares pessoas de confiança e até que
chegou aqui, vamos adiantar essa história, porque é meia
grande, meia cumprida como diz a história.
Aí foi quando chegou aqui em 1930 o SPI (Serviço de
Proteção ao Índio), então de lá veio pra farmácia daqui pra
São Francisco de Baía da Traição daqui de São Francisco de
Baía da Traição daqui de São Francisco foi quando fez aquele
posto que hoje tem aquele nome de sede não sei bem a
história, não sei se é em 1938 ou é de 1940, aqui o posto foi
feito pra funcionar os trabalhos de administração que até
hoje continua funcionando, então o SPI trouxe muita criação
de porco, peru até pavão, e teve até barco veleiro de nome
Arapurú e canoa naquele rio do Forte e gado tudo isso veio
do SPI autorizado pelo Marechal, aqui movimentado e até

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hoje não é mais como o SPI, como começou mudou mais de


100% o nome de proteção ainda existe mais não é como o
índio ainda espero. Nesse período do SPI houve algum índio
que sofreu repressão por conta do chefe na administração.
Houve em 1948, um chefe
por nome Leonel chefe que trabalhou no posto hoje uma
prisão que prendeu um índio José Calar e por isso aqui no
São Francisco, não só pelos homens mais pelas mulheres se
reuniram jogaram pra os homens a maior parte pro índio,
mais do masculino e se reuniram e foram lá pedir pra soltar
o Zé Calar e logo se agitaram até um pouco e terminou que
não esperava a decisão do chefe e se aproximaram a ele
uma aproximação estranha diferente e bateram nele que ele
ficou prostado no chão quase sem vida, foi em 1948 e daí,
foi quando veio de qualquer maneira tinha que dá as
autoridades graduada que a policia lá as devidas
providências e na época veio, tinha um tenente Selpa de Rio
Tinto que veio buscar o finado Pedro Ciríaco que era o
cacique na época, e levou ele mais doze e chegaram em Rio
Tinto botaram na cadeia e ficou Manoel Ciríaco que era filho
de Pedro sem saber como o filho e o que tinha teria sido o
destino da policia, com aquele povo, se reuniram foram até
passar uns dias em Rio Tinto na casa de um Cícero e que
levou de lá, foram para Usina Monte Alegre, deram um
parecer a ele lá, que ele fosse receber o Deputado Zé
Fernandes de Lima, ele não era Deputado era Prefeito na
época, e foram lá e ele e falaram com Manoel Pedro, e ele
aceitou o que disse e ele entendeu, mandou apanhar eles da
cadeia de Rio Tinto pra cadeia de Mamanguape depois de
não, sei os dias veio ele pra Usina Monte Alegre, veio os
doze eles ficaram lá um tempo e ficaram lá a disposição do
Deputado, então foi essa o que houve em 1948. E também
de lá até agora graças a Deus nunca houve nenhuma revolta
estranha como essa que houve.” (2014)
A memória coletiva se aplica de forma funcional nas
sociedades sem escrita, pois um dos seus interesses através
dessa memória é a identidade coletiva do grupo. A memória
e a identidade exercem grande ligação, sendo a primeira
elemento constituinte do sentimento de identidade, e que

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essa identidade é um elo com a história passada e com a


memória do grupo, onde a identidade é fortalecida através
da memória, sendo que esta ultima mantém a coesão do
grupo (LE GOFF, 1982, p. 16).

Relato do ancião Potiguara João Batista Faustino sobre os avanços da


Educação

“Houve e digo e mostro a realidade hoje o potiguara ele tá


de parabém ele e ela parte masculina, parte feminina o que
antes de minha juventude, eu era um que chorei pra
acompanhar duas prima que estudava com Dona Eunice
Brandão, a minha escola foi cinco animal que papai tinha,
hoje é o que eu digo o que eu tenho ninguém tem, e o que
os outros tem eu não tenho, porque eu era uma das pessoas
que se caso fosse vivo como tou aqui ainda eu tinha com
que debater e exigir e lá na frente cobrar dos órgãos
competente o meu direito não só meu como do meu povo,
mais mesmo assim eu quero dizer o seguinte como eu não
tive esse direito que pai foi me criou como foi criado mais
mesmo assim voltando e continuando sua pergunta o que eu
digo que o potiguara está de parabém é porque preparada
que conhece o mundo assentado como nós estamos aqui,
como é que o índio conhece o mundo assentado é através
da educação através do saber ele, ela se preparou ainda
mais e tá chegando cada vez mais pessoas que ele adquiriu
através da educação, tão cedendo pra aqueles de hoje
pessoas juventude de hoje, você é uma pessoa, pessoa que
tá junto aqui comigo como muitas que já veio aqui me
procurar vocês estão cedendo o que tem com muita luta e
muitas horas que você viajou dias que viajou fora de casa
sabendo que você deveria tá em casa junto com sua querida
mãe que está com Deus, para tomar conta das obrigações de
casa, viajando com muita dificuldade ninguém sabia como
que você tava passando fora de casa, que as consequências
hoje ela é muito forte todo mundo reclama e hoje o que é

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que tem o Potiguara, temos professores, temos técnico


agrícola, temos estudantes estudando vestibular, temos
outros já formado como tenho um neto já se formouse e
outros são motoristas, outros chefe de posto e todo esse
povo é Potiguara, todo esse povo é preparado através da
educação, nós índio Potiguara deve uma homenagem a uma
pessoa que hoje é com Deus Dona a Madre Stefanie que
hoje é com Deus foi ela que deixou essa semente, essa
semente plantada no Potiguara não só na aldeia São
Francisco, mais em toda as outras aldeias que matem um
trabalho de religião e de educação abraçando todos que
chegava no colégio para estudar dependendo de cada um
que se dedicou-se no estudo pensando no seu futuro pela
frente, então esse povo hoje e seus familiares e os mesmos
devem essa homenagem a Madre Irmã Stefanie porque ela
foi quem trouxe para qui com seu lazer, com seu respeito
Potiguara, abraçando todos nós entre filhos, pai e mãe e é o
que eu tenho a dizer em nome da educação usando também
o nome da Madre Irmã Stefanie.” (2014)

Relato do ancião Potiguara Antonio Barbalho Sobre o Toré

“Eu me sinto uma assim,


seguro porque o Toré ele tem uma força divina porque
aquilo ali que o índio hoje recebe, ele recebe de Deus da
força da natureza o índio na verdade ele vê o índio ele não é
evangélico ele não é católico, ele é uma pessoa da natureza,
porque o índio nasceu para terra, então Deus deu um poder
pra ele. Agora ele está em todo lugar é só você respeitar.”
(2014)

Relato do ancião Potiguara Antonio Barbalho Sobre a Educação do


povo Potiguara – PB

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“Olha avançou muito, porque hoje temos indígenas


formados, temos indígenas que tá ensinando o seu próprio
irmão isso foi um avanço muito grande agora, tem uns que
tem amor pelo nosso povo, tem outros que não tem tanto
amor, mais dá para aproveitar porque hoje os colégios que
nós temos dentro da área indígena é uns colégios de
qualidade, agora o que falta mais é o nosso povo se
encontrar mais, conversar porque conversando é que erra
menos tem que conversar pra errar menos.” ( 2014)

Considerações finais

O presente trabalho teve por objetivo mostrar relatos de anciões Potiguara a cerca
de suas memórias e identidades trazidas ao longo de sua vida e vivências cotidianas. Tendo
como base de conhecimento a memória da comunidade tem possibilitado fazer reflexões
criticas os processos de mudanças sociais que ocorrem em função da expansão dos
processos históricos.
Considerando a realidade sociocultural dos alunos com relação ao processo ensino
aprendizagem, observei que é de suma importância enfatizar essa temática na escola, pois
ainda é pouco trabalhado no mundo Potiguara e sabemos que toda memória tem uma
história.

Por isso foquei nesse trabalho buscar fontes documentais e fontes orais. E para
nossas buscas realizamos varias entrevistas com vários anciões Potiguara nesses relatos de
memória procurou-se compreender como esse povo a partir dos depoimentos vivenciados
estabeleceu relações com a história.

Referências Bibliográficas

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo. Centauro, 2004.


LE GOFF, Jaques. História e Memória. Lisboa. Ed. 70, 1982.

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ISSN:

BARCELLOS, Luzival. Práticas educativo-religiosas dos Potiguara da Paraíba. Ed. UFPB. João
Pessoa, 2012.
CARDOSO, Thiago Mota; GUIMARÃES, Gabriela Casimiro. (Org.). Etnomapeamento dos
Potiguara da Paraíba. Brasília: FUNAI/CGMT/CGETNO/CGGAM, 2012. ( Série Experiências
Indígenas, n. 2) 107p. Ilust.
FREIRE, Maria das Neves Padilha do Padro. A Acajutibiró dos Potiguara. João Pessoa, 1985.

Anexo:

Ex – Cacique Potiguara João Batista Faustino – Aldeia São Francisco.

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Ex – Cacique Potiguara Antônio Barbalho – Aldeia Galego

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A Professora Potiguara Maria Nilda Faustino – Aldeia São Francisco

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Anciã Potiguara Joana Ferreira – Aldeia Galego

Igreja de São Miguel – Aldeia São Miguel

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Canhões na Aldeia Forte

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Furna na Aldeia São Francisco

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GT 9 - DIRETÓRIO DOS ÍNDIOS E SUA DIVERSIDADE DE EXECUÇÃO NAS


DIFERENTES CAPITANIAS DO BRASIL E GRÃO PARÁ E MARANHÃO
ENTRE OS SÉCULOS XVIII E XIX

Profa. Dra Vania Maria Losada Moreira – UFRRJ


Prof. Dr. Francisco Cancela - (UNEB)

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O DIRETÓRIO DOS ÍNDIOS E A DINÂMICA SOCIOESPACIAL NA MISSÃO DO


GUAJIRÚ: DE SÃO MIGUEL À VILA NOVA DE ESTREMOZ DO NORTE – CAPITANIA
DO RIO GRANDE

FILHO, Valdemiro Severiano


Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Rio Grande do Norte
mirofilho82@gmail.com

Introdução

Desde o período colonial, várias foram as políticas institucionais destinadas aos povos
indígenas, marcando a trajetória da política indigenista no Brasil. Entre os séculos XVI a XIX,
surgiram políticas assimilacionistas e integracionistas que objetivavam a escravização e
“extinção” dos povos indígenas, bem como desarticulação cultural.
Buscou-se criar uma população brasileira livre e, sob uma ótica mercantilista,
substrato de uma nação viável economicamente para a Coroa portuguesa, cuja principal
preocupação era criar uma balança comercial favorável e acumular riquezas (ARROYO,2004).
Para isso, foi fundamental o domínio territorial de áreas descontíguas da metrópole
(territórios coloniais) e subordinadas a ela, que possibilitou a estruturação da monarquia
portuguesa como império (MORAES, 2005). As terras brasileiras serviam e respondiam aos
interesses da metrópole portuguesa.
A problemática indígena, quando da instituição do diretório pombalino, foi coberta
por batalhas de todas as ordens entre autóctones e europeus, determinando a necessidade
da variável tempo, fazendo com que adotemos a perspectiva diacrônica e processual.
Portanto, partiremos de um estudo histórico das mudanças ocorridas com os povos
indígenas presentes na Missão do Guajirú.

Todo um processo se constituiu em torno dos índios para assimilá-los e fazer com
que fossem introduzidos nas relações de produção e trabalho como mão-de-obra, produtor
e consumidor de bens materiais e valores dos não-índios. O antropólogo João Pacheco de
Oliveira (1998) assim dispôs acerca da política adotada pelo regimento das missões e pelo
Diretório dos índios:

Se as missões — enquanto produto de políticas estatais — conjugavam aspectos que


podemos chamar de assimilacionistas e preservacionistas, o seu sucedâneo histórico
— o “diretório de índios” — pendeu decisivamente para a primeira direção,

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estimulando os casamentos interétnicos e a fixação de colonos brancos dentro dos


limites dos antigos aldeamentos (OLIVEIRA, 1998, p. 57).

O Governo português teve como pretensão “extinguir” os povos indígenas de todo o


território nacional, por ser um obstáculo à expansão portuguesa e a industrialização da
colônia. Assim, era objetivo a cristianização, de modo a “amansá-los” e a miscigenação para
envolvê-los aos “brancos” não-indígenas.
Neste contexto, o espaço fundado na relação intrínseca dos índios com sua “terra”
para sobrevivência cultural, física e social, identificando-os enquanto grupo étnico, uma
espécie de genoespaço, transforma-se num território normativo, fundamentado nas leis,
economia e política, exemplo de um nomoespaço (GOMES, 2010).

Propomos compreender a dinâmica socioespacial da Missão do Guajirú quando da


sua transformação na Vila Nova de Estremoz do Norte a partir da política indigenista
adotada pelo governo português através do Diretório dos Índios (Alvará de 03 de maio de
1757) e das leis de 06 e 07 de junho de 1755, estendidas às demais capitanias pelos Alvarás
de 08 de maio e 17 de agosto de 1758, respectivamente.

A implantação do Diretório dos Índios na Missão do Guajirú e a saída da Companhia e


Jesus

Para a criação de uma população livre por assimilação foram utilizados mecanismos
para acelerar o processo. Como forma de civilizar os povos indígenas, a utilização da língua
portuguesa foi uma determinação presente no Diretório dos Índios que, em seu item 6,
aduziu esta necessidade para, por um lado, banir a “barbaridade dos seus antigos costumes”
e, por outro, promover o afeto e obediência à Coroa.
Conforme exposto no Diretório, abominou-se o permissivo do uso da língua própria
dos povos indígenas, denominada “língua geral”, prática, segundo o documento, “diabólica”,
pois privava a “civilização” dos autóctones, conservando-os em sua rústica e bárbara posição
de incivilizados. Assim, instituiu-se o uso da língua portuguesa aos índios capazes de
receberem esta instrução, vetando, também, a utilização da língua materna destas etnias.

Esta posição advém de uma política modernizadora, própria do projeto civilizatório


com ideias iluministas que introduziu diretrizes laicas e retirou o ideal humanista dos
missionários jesuítas. Todo esse processo de preparação dos índios para receber os tesouros
da civilização consiste numa prática etnocêntrica.

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Os aldeamentos na Capitania do Rio Grande tiveram início no século XVII, a partir das
aldeias Potiguaras existentes (MACEDO, 2009). A Missão do Guajirú originou-se de uma
aldeia potiguara localizada às margens da lagoa do Guajirú, quando a Coroa concedeu a data
102, doada pelo Capitão-Mor Jerônimo de Albuquerque (CASCUDO, 1984). A chegada dos
jesuítas na aldeia data de 1679 e a missão teve seu registro oficial no catálogo da Companhia
de Jesus em 1683 (SEVERIANO FILHO, 2004).

Os jesuítas não tinham uma relação amistosa com a população envolvente da Aldeia
do Guajirú, sobretudo pelo fato de que os padres não permitiam a servidão indígena para os
trabalhos na lavoura e demais serviços. Tanto que os Oficiais da Câmara de Natal precisaram
intervir, através de Carta enviada aos sacerdotes, em 10 de fevereiro de 1703, informando
sobre a Resolução da Coroa que determinava a permissão para o labor dos indígenas. Em
1741, o próprio Rei ordenou que a Companhia de Jesus não negasse o trabalho dos índios
aos moradores do entorno das missões (PORTO ALEGRE, et al, 1994). Não obstante a
existência dos conflitos entre os padres e os colonos, o Rei continuava a reafirmar o poder
temporal e espiritual dos jesuítas nas missões.
Esse quadro mudou a partir do projeto de legislação indigenista no contexto das
reformas pombalinas que, conforme afirmado alhures, estabeleceu um código legislativo
extinguindo o sistema de missões, secularizando a administração dos aldeamentos de índios,
retirando o poder temporal dos padres e expulsando a Companhia de Jesus. O último jesuíta
a deixar a Missão do Guajirú foi o padre Alexandre de Carvalho, no ano de 1759 (CASCUDO,
1984).
O Diretório dos Índios difundiu a importância dos casamentos interétnicos, de modo
a facilitar e promover o matrimônio entre brancos e índios, conforme disposto no item 88 do
Diretório. O Alvará de 04 de abril de 1755 também impôs o permissivo de tais matrimônios
para o povoamento da colônia.
Igualmente o trabalho assalariado foi uma das frentes da política indigenista imposta
pelo Diretório pombalino no intuito de tornar os índios úteis aos colonos e ao Estado
português.
As determinações do Rei buscaram “libertar” os índios, mas verdadeiramente, tratou-
se da domesticação do cotidiano desta população autóctone, violação de sua intimidade e
imposição do trabalho nos moldes europeus, buscando eliminá-los enquanto grupo étnico
diferenciado.

O Diretório dos Índios e as mudanças socioespaciais em São Miguel do Guajirú: da missão


à Vila Nova de Estremoz do Norte

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A política empreendida pelo governo português objetivava o reordenamento


socioespacial das missões, demonstrando o poder coercitivo da Coroa (LOPES, 2009). A
organização social, econômica, política e espacial da Vila Nova de Estremoz do Norte buscou
a vigilância contínua e a desarticulação cultural indígena.
A ofensiva do governo português trouxe insatisfação aos índios da Vila Nova de
Estremoz do Norte. Foram várias as informações sobre uma possível revolta dos indígenas
contra a Coroa em virtude da expulsão dos jesuítas e da repartição das terras da extinta
missão. Os Oficiais da Câmara de Natal, em carta dirigida ao Corregedor, relataram um
levante indígena contra a população branca do local (PORTO ALEGRE, et al, 1994).
Igualmente, o Capitão-Mor João Coutinho de Bragança também informou ao Governador de
Pernambuco sobre a provável sublevação dos índios do Guajirú (MORAIS, 2014).
Oficialmente, não houve qualquer levante indígena, conforme conclusões do
Governador de Pernambuco e do Juiz de fora. Apesar da inexistência de qualquer
insurreição, pode-se depreender que havia tensões entre índios e o poder local, relações
conflitantes relacionadas ao trabalho dos indígenas e à disputa por posse das terras.
Ademais, o Diretório sofreu adaptações locais, cuja tradução de suas determinações ficou a
cargo da Direção com que interinamente se devem regular os índios das novas vilas e lugares
eretos nas aldeias da Capitania de Pernambuco e suas anexas, formulada pelo Governador
Lobo da Silva, datado de 18 de maio de 1759, trazendo duas fundamentais mudanças no
diretório pombalino: a repartição das terras se daria pela hierarquia – graduação e postos
ocupados –, ocasionando uma maior parte aos não-índios; e, a porcentagem dos índios que
poderia trabalhar fora da vila – o Diretório assegurava a possibilidade de metade dos índios,
enquanto que a Direção permitia apenas um terço deles (MAIA, 2011).
O fato é que a primeira vila da Capitania do Rio Grande foi erigida sob o nome de Vila
Nova de Estremoz do Norte, em 03 de maio de 1760, sendo chantado o pelourinho,
geossímbolo do poder colonial, e dado os “três vivas” ao monarca pelo Desembargador
Bernardo Coelho da Gama e Casco, conforme determinação da Carta Régia de 14 de
setembro de 1758.
A vila era pequena e pobre, ao ponto de não ter toalhas para o altar e o pelourinho
ter sido erigido em madeira, segundo carta do Diretor de Estremoz enviada ao Governador
de Pernambuco (LOPES, 2005). Em carta, o Diretor Antônio de Barros Passos listou as
dificuldades da vila: distância dos locais em que se tinha a matéria-prima para construir
(madeira, cerâmica, pedra, etc.) e escassez de mão-de-obra (LOPES, 2009).
No intento de tornar os índios trabalhadores assalariados, bem como de conseguir
divisas para a construção dos prédios públicos, a Coroa portuguesa empreendeu uma
política de pagamento do dízimo sobre a produção agropecuária, sobretudo na venda da
casca do mangue. A prestação de contas da tributação da Vila Nova de Estremoz do Norte,

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em 18 de julho de 1786, apresentava uma lista de 280 indígenas devedores do imposto pelas
roças de milho (PORTO ALEGRE, et al, 1994).
A organização espacial da vila também foi outra determinação contida no Diretório.
Os geossímbolos do poder da metrópole foram edificados no entorno da praça pela
administração portuguesa, incorporando uma identidade europeia ao cotidiano dos
indígenas da antiga Missão do Guajirú.
A estética espacial deu uma nova paisagem à vila homônima da cidade portuguesa do
distrito de Évora, fortalecendo o poder laico através da Casa de Câmara e Cadeia. Ao instituir
uma “geometria civilizatória”, os indígenas foram forçados a construir casas diversas de suas
choupanas. A espacialidade da vila trouxe mudanças sociais de âmbito familiar, a exemplo
da noção europeizada de “família”, operando uma reelaboração cultural, uma vez que os
indígenas se fragmentaram por moradia a partir da “família nuclear” (pais e filhos).
O Diretório possibilitava a concessão de honrarias e títulos aos índios, dando
privilégios aos que ocupavam cargos públicos e inserindo-os numa estrutura hierarquizada, a
exemplo do título de Principal aos índios, uma espécie de chefe do grupo, fazendo parte da
“política do enobrecimento” da Coroa (LOPES, 2009). A Vila de Estremoz teve o índio
Marcelino como Capitão-Mor e Principal. Por um lado, ele mediava a relação entre os
indígenas da vila e o governo português e, por outro, era protegido pelo Governador de
Pernambuco (LOPES, 2005).
Acerca da alfabetização laica, assim como nas outras localidades, na vila de Estremoz
os indígenas foram alfabetizados por meio de aulas régias por mestre escolas que assumiram
o lugar deixado pelos jesuítas. O furriel André Mateus da Costa foi nomeado em 12 de
agosto de 1786 para lecionar na referida vila, secularizando e estatizando a educação do
reino português.
Foram inúmeros os problemas existentes na Vila Nova de Estremoz do Norte, assim
como em outras novas vilas, exigindo uma resposta da Coroa portuguesa que chegou com a
dissolução da política pombalina.
O Diretório dos Índios teve seu termo final em 1798 diante de denúncias de
corrupção e abusos cometidos pelas autoridades, sendo concedida por meio de alvará, a
posse de terras aos índios e sua condição de civil no ano seguinte ao término do diretório
pombalino. Por se encontrarem “misturados” à população envolvente, os índios vão,
paulatinamente, sendo “substituídos” por caboclos na documentação oficial (MACEDO,
2009), já não se falando mais em identidade indígena, permitindo à Coroa criar leis
concedendo terras devolutas aos índios. Ora, se já existiam mais índios, então as terras
voltariam para a Coroa ou seriam distribuídas para a população luso-brasileira!

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Não obstante a luta dos indígenas contra as imposições da Coroa por meio do
diretório pombalino, o fato é que o documento oficial e a política do Marquês de Pombal
trouxeram transformações socioespaciais aos índios ali vilados.

Considerações Finais

Supõe-se que as missões indígenas se esvaziaram gradativamente por imposição do


governo português, promovendo a “mistura forçada” dos grupos étnicos. A miscigenação,
contudo, é uma estratégia para sobrevivência dos povos indígenas. O alegado
“desaparecimento” da população indígena brasileira e a perda da identidade étnica atribuída
por parte da academia devem ser vistos, na verdade, como um processo de adaptação dos
povos indígenas que perdurou por toda a história brasileira.

Os índios aldeados na Missão do Guajirú se envolveram em um processo de


desterritorialização, no sentido de desenraizamento cultural. Tratamos, no presente artigo,
deste processo decorrente da tentativa de miscigenação e assimilação imposta pelo
Diretório dos Índios. Buscava-se aculturar os indígenas, inicialmente vilados na Missão do
Guajirú e, posteriormente, tornados moradores da Vila Nova de Estremoz do Norte,
destituindo-os de seus hábitos, práticas e costumes, incutindo um “espírito” de civilidade,
como se eles fossem bárbaros. Um mecanismo próprio da mentalidade evolucionista dos
europeus da época.
Todavia, o que se deve depreender por trás desta visão limitada de
“desaparecimento” é a ideia de reinvenção da cultura a partir dos elementos trazidos pelo
contato com o outro. Os índios da antiga Aldeia do Guajirú, ao se depararem com novas
sociabilidades, ressignificaram suas maneiras de ser, pensar e agir. Não se trata de uma
invisibilidade indígena e ocultação identitária, mas de uma reinterpretação cultural,
apropriando-se do novo sem destituir-se do velho, que pode ser vista, ainda hoje, através
das danças, culinária e modo de viver, por exemplo.
A existência de uma memória indígena no município de Extremoz, materializada nas
comidas, nas encenações, nas lembranças, e perpetuada pelos moradores, sejam
descendentes indígenas ou não, nos permite afirmar que o caminho percorrido entre a
Aldeia do Guajirú até a atual municipalidade mantém viva a cultura indígena na localidade.

Referências Bibliográficas

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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PROCESSO DE TERRITORIALIZAÇÃO E A POLÍTICA POMBALINA:


APONTAMENTOS SOBRE A EREÇÃO DA VILA DE ÍNDIOS DE PORTALEGRE,
CAPITANIA DO RIO GRANDE DO NORTE (1761)

LEITE, Ristephany Kelly da Silva


Universidade Federal do Rio
Grande do Norte
ristephany.kelly@gmail.com

MAIA, Lígio José de O.


Universidade Federal do Rio
Grande do Norte

INTRODUÇÃO

Pretende-se explorar, no presente trabalho, a construção da vila de índios de

Portalegre, localizada no interior da capitania do Rio Grande do Norte, uma das cinco
missões indígenas que foram elevadas a vila com a aplicação da Direção de Pernambuco,
aparato legislativo criado em 1759 para regulamentar a vida nas vilas de índios do Estado do
Brasil. A Direção adequava à realidade do Estado do Brasil as determinações do Diretório dos
Índios, uma das legislações mais importantes da América Portuguesa, criado em 1757 para
ser executado no Estado do Grão-Pará e Maranhão e que determinava mudanças
significativas na convivência entre índios e não-índios na América portuguesa.

Para compreender as transformações culturais que ocorreram na América


Portuguesa, precisamos entender as dinâmicas estabelecidas pelo contato entre diversos
grupos distintos durante o período colonial, as leis e diretrizes que regimentam a sociedade
e as instituições que agem neste território. Para tanto, precisa-se compreender como

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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ocorreu a constituição das localidades, neste caso específico a Vila Nova de Portalegre, e
quais autoridades atuavam nela. Considerando que este estudo é uma tentativa inicial de
análise da documentação concernente a esta vila, também se vai procurar compreender,
mesmo que minimamente, as interações entre os grupos indígenas e outros atores sociais.

Neste sentido, visa-se analisar a formação da Vila de Portalegre, a partir da


transferência dos índios da Missão do Apodi para a Serra do Regente, e as dinâmicas sociais
estabelecidas entre eles e os outros grupos sociais da vila e das demais localidades que
foram cogitadas para servirem como lugar de construção da vila. Como a quantidade de
famílias encontradas na Missão de Apodi não era suficiente para a constituição da vila, pois o
§ 77 do Diretório estipulava que as vilas tinham que ser constituídas por 150 casais (Cf:
NAUD, 1971), também foram transferidas populações indígenas da Missão dos Icozinhos, na
capitania do Ceará, bem como índios descidos (indígenas que não estavam em missões
anteriormente) e que estavam retidos pelos colonos para serem utilizados como mão de
obra, para a Serra do Regente (LOPES, 2010: 38-39).

Devemos perceber que ocorreram ao menos três mudanças significativas no


processo de elevação e constituição da vila de Portalegre. A mudança de localização da vila,
a integração de outros grupos indígenas a esta comunidade e a abertura que o Diretório
possibilitava para um contato mais sistemático com os moradores não índios da capitania -
já que havia o estímulo no § 80 do Diretório para que estes também ocupassem as vilas de
índios -, demonstram que o Diretório também “instaura uma nova relação da sociedade com
o território, deflagrando transformações em múltiplos níveis de sua existência sociocultural”
(OLIVEIRA, 1998: 54).

OS ÍNDIOS NO RIO GRANDE DO NORTE

No ano de 1825, há relato de dois índios, João do Pêga e Luíza Cantofa, que lideraram
um movimento rebelde contra as autoridades da Vila de Portalegre. Segundo Morais (2003),

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estes índios conseguiram sobreviver a um fuzilamento que exterminou brutalmente outros


setenta índios. Registros como estes nos fazem questionar a alegação consagrada por parte
da historiografia do Rio Grande do Norte de que não havia mais índios na capitania após a
chamada Guerra dos Bárbaros, tendo nomes como Luís da Câmara Cascudo (1984) e
Augusto Tavares de Lyra (1998) como defensores desta teoria.

Trabalhos importantes têm sido elaborados com o intuito de trazer a tona estas
populações há tempos esquecidas pela historiografia. Fátima Martins Lopes contesta o
“desaparecimento” dos índios do Rio Grande do Norte pautada na documentação referente
a estes encontrada em diversos arquivos e reunidas na elaboração de sua tese, intitulada Em
nome da liberdade (2005). Helder Macedo, historiador que pesquisa os índios no sertão da
capitania, percebe as dinâmicas estabelecidas entre as populações indígenas e os demais
grupos sociais que habitavam a Freguesia da Gloriosa Senhora Santa Ana do Seridó em uma
lógica de mestiçagens (MACEDO, 2003).

Como alega João Pacheco de Oliveira, na apresentação do livro Metamorfoses


Indígenas, escrito por Maria Regina Celestino de Almeida,

Deixar de ser índio, para passar a viver entre os colonizadores e negar qualquer
vínculo com sua condição pretérita, ou fugir para as brenhas do sertão, buscando
manter o seu modo de vida em regiões de refúgio, não foram de fato as duas únicas
alternativas possíveis. Fora dessa polaridade, os índios coloniais cristianizados e
mantendo vínculos econômicos com portugueses e brasileiros, circulam na capital e
entre as fazendas, obtêm cargos e distinções, apresentam demandas e petições
(ALMEIDA, 2003: 18).

Ressaltando que os índios da América portuguesa tiveram múltiplas formas de ação


diante da ocupação colonial, não somente a fuga, o combate e a dizimação. É importante
analisar a documentação e compreender que utilizar o aparato colonial a seu favor, quando
necessário, não significa perder sua cultura ou se render ao julgo coloniais. Deve-se tentar

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enxergar as ambições por trás destas petições, que podem significar as sutis estratégias dos
indígenas para aproveitar as vantagens que lhes eram concedidas, já que o texto do
Diretório lhes concede o status de vassalos do rei, sem perder sua cultura tradicional.

O DIRETÓRIO DOS ÍNDIOS E A DIREÇÃO DE PERNAMBUCO

Para entender o funcionamento das vilas de índios no Estado do Brasil é importante


compreender a legislação que decretou a elevação das antigas missões religiosas a vilas de
índios, provocando uma ruptura sem precedentes na relação dos índios com os poderes
coloniais, especialmente no âmbito territorial e identitário, como no caso da Vila de
Portalegre.

Anteriormente ao diretório pombalino, a legislação vigente na América portuguesa e


de extrema importância para a sociedade colonial era o Regimento das Missões, com data
de 21 de dezembro de 1686 (BEOZZO, 1983). Com o processo de conquista portuguesa do
litoral e do interior, os índios passaram a ser submetidos a uma constante imposição dos
costumes católicos e do controle metropolitano. Devido a constantes conflitos envolvendo a
mão de obra indígena, o Regimento das Missões foi estabelecido com o objetivo de
catequizar e civilizar os índios aldeados, contendo regras para o acesso a essa mão de obra e
estabelecendo que a administração desses aldeamentos continuasse sob o controle dos
missionários. Porém, os conflitos entre os missionários que ficaram responsáveis pelos
índios, os colonos que queriam utilizar a mão de obra indígena para fins pessoais, e também
como a constante resistência dos índios aldeados persistiram, o Regimentos das Missões foi
exercido até 1755 quando a Coroa assumiu um novo posicionamento em relação aos
indígenas.

Em 1757, Francisco Xavier de Mendonça Furtado elaborou o texto do DIRETÓRIO que


se deve observar nas Povoações dos índios do Pará, e Maranhão enquanto Sua Majestade
não mandar o contrário, também conhecido como Diretório Pombalino ou Diretório dos

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Índios, que tinha como propósito elevar as antigas missões religiosas do Estado do Grão-Pará
e Maranhão a vilas de índios, e regulamentar a vida dos moradores destas vilas. Esta
legislação regulamentava a chamada lei de liberdade dos índios de 1755.

Em três momentos da história da América portuguesa, a legislação indigenista aboliu


totalmente o cativeiro dos índios com as chamadas de “Leis de Liberdade”: em 30 de julho
de 1609, em 01 de abril de 1680 e, por fim, em 06 de junho de 1755. Embora a liberdade
fosse garantida para todos os indígenas por meio destas leis, o cativeiro foi reestabelecido
em legislação posterior a cada uma delas. (Cf. PERRONE-MOISÉS, 1992: 115-131).

A lei de 06 de junho de 1755, juntamente O alvará em forma de lei de 14 de abril de


1755, que incentivava o casamento entre brancos e índios e o alvará de 7 de junho de 1755,
que abolia o poder temporal dos missionários sobre os índios aldeados e ordenava que os
índios naturais das vilas ocupassem os cargos de Juízes Ordinários e Vereadores (NAUD,
1971: 255), foram sendo elaboradas levando-se sempre em consideração os conflitos com a
administração dos jesuítas, e foram incorporadas ao Diretório. O fato novo trazido pelo
Diretório foi a secularização da administração dos índios, contra o poder temporal dos
jesuítas. A partir daquele momento, no lugar da administração das vilas serem realizada por
missionários, foi estabelecido que esta administração passasse a ser realizada por diretores,
uma figura nova, tal qual o era o Diretório.

O Diretório pombalino versava sobre como administrar e consolidar as vilas,


cristianizar e civilizar os índios. A autora Rita Heloísa de Almeida realizou um estudo mais
detalhado sobre essa legislação, intitulado O Diretório dos Índios: um projeto de “civilização”
do Brasil do século XVIII (1997). Ele foi homologado pelo rei Dom José I por meio de um
alvará de confirmação que o validava também para o Estado do Brasil, em 1758. Embora
tenha sido estendido ao Estado do Brasil, o Diretório fora criado para a realidade dos índios
do Estado do Grão-Pará e Maranhão, gerando dúvidas por parte dos governadores das
capitanias do Norte do Estado do Brasil sobre a forma de agir. Então, foi elaborada uma
adaptação, denominada Direção com que interinamente se devem regular os índios das
novas villas e lugares erectos nas aldeias de Pernambuco e suas anexas, também conhecida

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como a Direção de Pernambuco, que se baseou no Diretório, mas trouxe parágrafos com
modificações e outros que correspondiam à realidade da capitania de Pernambuco,
portanto, não existentes no Diretório. As principais alterações da Direção ocorreram em
relação à repartição das terras e a distribuição do trabalho dos índios. Também procurou
incentivar a agricultura de produtos que seriam mais bem cultivados, considerando as
condições climáticas da região (LOPES, 2005: 83-84).

Na capitania do Rio Grande do Norte, cinco aldeamentos indígenas foram elevados à


condição de Vila de índios, entre eles o aldeamento de Apodi, que se tornou a Vila de
Portalegre. A partir daquele momento, a vila passou a ser administrada por um diretor,
construiu-se uma casa de Câmara e Cadeia, com vereadores e juízes e, com a expulsão dos
jesuítas, o poder espiritual ficou a cargo de padres seculares.

APONTAMENTOS SOBRE A VILA NOVA DE PORTALEGRE

Seguindo as determinações da Direção, em 1761 se erigiu a Vila de Portalegre na


Serra do Regente, mas não sem haver uma falta de consenso entre as autoridades coloniais
e os moradores a respeito da localização da vila, tanto pela alegação das terras baixas da
ribeira serem reservadas para a criação de gado, dificultando o cultivo das terras, quanto
pelos moradores acusarem os índios de matar e comer o gado criado na região (LOPES,
2010: 39).

Quando a missão passou a ser vila, esta deveria ser erigida na mesma localidade, em
Apodi, porém, devido a alegações de roubos de gado por parte dos moradores, foi sugerido
pelo Tenente-Coronel de Cavalaria da Ribeira do Açu, José Gonçalves da Silva, que a vila
fosse estabelecida na Serra de Martins, localizada mais ao sul, seguindo o rio
Apodi/Mossoró.

Embora o Tenente-Coronel tenha sugerido a Serra de Martins para estabelecimento


da Vila de Portalegre, também houve resistência de seus moradores, que ofereceram uma

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quantia em dinheiro para que os índios não se estabelecessem naquele local (LOPES, 2010:
40), dinheiro esse que foi útil no estabelecimento da vila na Serra do Regente. Percebe-se
que uma das principais preocupações dos moradores das duas localidades era se distanciar
dos índios por causa do aumento em sua população.

Mapa das localidades de possível ereção da Vila de Portalegre

Elaborado com base no Google Earth por Adriel Felipe de Alcântara Silva

Embora a solicitação dos moradores da Serra de Martins tenha sido inicialmente


negada pelo governador, a vila foi erguida na Serra do Regente, vizinha a Martins e local
indicado pelos moradores desta última. Ainda não se chegou à uma hipótese que aponte o
motivo que levou o governador a aceitar, após a negação inicial, a construção da vila na
Serra do Regente, mas acredita-se que a contribuição em dinheiro arrecadada na Serra de
Martins e utilizada no estabelecimento da vila na Serra do Regente, além de forças políticas
que estavam estabelecidas naquela Serra, influenciaram na decisão do Tenente-Coronel.

Já os índios Paiacú que estavam na aldeia de Icozinho, na capitania do Ceará, foram


transferidos para somar-se aos que eram advindos da Missão de Apodi, segundo informa

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Guilherme Studart na obra Notas para a História do Ceará (2004), por também não
formarem os 150 casais exigidos pelo Diretório. O autor diz que a ambição e ganância foram
a causa da remoção desses povos, pela qualidade da terra em que estavam aldeados. Relata
ainda que como a remoção dos índios ocorreu em tempos de seca e muitos deles morreram
no caminho. Fica claro que os interesses econômicos perpassavam as alterações de
localidade das novas vilas elevadas pela política pombalina, apesar de esta fala corroborar
com a falsa ideia de que os índios pereceram nas transferências dentre localidades e sob a
má administração das autoridades coloniais e religiosas, como também o afirma Câmara
Cascudo, ao relatar que havia interesse pelas terras que os índios habitavam, iniciava-se

um processo de evidenciar a conveniência de uma mudança para o


grupo. O Ouvidor concordava e a multidão de casais era tocada,
como um rebanho, para fora. Ia uma autoridade guiando a manada.
Escolhida outra paragem. Dava-se nome. Chantava-se o Pelourinho.
Lavrava-se uma Ata. Três vivas a El-Rei Nosso Senhor. Os indígenas
estavam vilados. Outro fazendeiro começava a achar o terreno
magnífico. E ia tomando, devagar. Essa foi a história dos bárbaros
(CASCUDO, 1984: 38).

Esta falsa ideia já foi abordada e demonstrada com dados quantitativos apresentados
por Fátima Lopes (2005), apontando que haviam 280 casais na Vila de Portalegre em 1761,
data de sua criação e que este número era bastante elevado se comparado com outras vilas
do litoral, que já eram habitadas há bastante tempo.

Compreende-se que “a atribuição a uma sociedade de uma base territorial fixa se


constitui em um ponto-chave para a apreensão das mudanças por que ela passa, isso
afetando profundamente o funcionamento das instituições e a significação de suas

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manifestações culturais” (OLIVEIRA, 1993 apud OLIVEIRA, 1998: 54-55). Desta forma, o
estabelecimento da Vila de Portalegre na Serra do Regente constitui um processo de
territorialização dos atores sociais que ali passaram a conviver.

Neste caso, o processo de territorialização ocorre quando a Coroa portuguesa


interfere na organização colonial vivenciada anteriormente na ribeira do rio Apodi e
estabelece limites geográficos bem determinados a um conjunto de indivíduos e grupos que
passaram a conviver na Serra. Com base na ação política adotada pela Coroa,
implementando o Diretório pombalino, grupos étnicos distintos passaram a conviver na vila,
construindo uma nova organização social.

Cabe observar que os indígenas realocados para a Serra do Regente vinham de


localidades e realidades distintas, inclusive de tradições indígenas distintas. A vila foi
composta principalmente por índios Paiacú, etnia predominante no sertão entre as
capitanias do Ceará, Rio Grande e Paraíba, pertencentes à família dos Tarairiú (VICENTE,
2011) conhecida pelos colonizadores, no período de contato, por serem “os mais temíveis
gentios pela sua ferocidade em campo de batalha” (SANTOS JÚNIOR, 2008: 20), mas que à
época já estavam em contato com a cultura ocidental há bastante tempo, inclusive sendo
um dos povos nativos com mais facilidade para o aprendizado escolar, segundo Guilherme
Studart (2004). Outra etnia predominante na vila era os Caborés que “teriam sido aldeados
com os Paiins na zona de Mossoró e Apodi, em 1688” (SANTOS JÚNIOR, 2008: 27), em
decorrência dos conflitos na Guerra do Açu. Todos estes povos sendo realocados para a
Serra do Regente e convivendo com autoridades eclesiásticas, laicas e com os demais
moradores da vila.

Pode-se compreender que a realocação dos grupos indígenas para a Serra do


Regente e o estabelecimento da Vila de Portalegre é também “uma intervenção da esfera
política que associa – de forma prescritiva e insofismável – um conjunto de indivíduos e
grupos a limites geográficos bem determinados” (OLIVEIRA, 1998: 56), o que ocasiona
mudanças socioculturais que possibilitam o estabelecimento de diferentes dinâmicas com os
outros grupos sociais atuantes naquele território. Assim, “esses múltiplos, longos e

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complexos processos resultaram na criação de territórios dos distintos grupos sociais e


mostram como a constituição e a resistência culturais de um grupo social são dois lados de
um mesmo processo” (LITTLE, 2005: 05).

Desta forma, o processo de territorialização é definido como “movimento pelo qual


um objeto político-administrativo – no Brasil as ‘comunidades indígenas’ – vem a se
transformar em uma coletividade organizada, formulando uma identidade própria,
instituindo mecanismos de tomada de decisão e de representação, e reestruturando as suas
formas culturais” (OLIVEIRA, 1998: 56). Neste caso, trabalha-se a Vila de Portalegre como um
território por excelência no qual os grupos indígenas que foram realocados das missões
religiosas de Apodi e Icozinho, com os demais atores sociais se transformam em uma
coletividade organizada, os moradores da vila, tentando perceber a ação dos grupos
indígenas em seus próprios termos, na formulação de suas próprias identidades e interação
com os demais ocupantes não índios.

Por meio das interações sociais dos povos indígenas, percebe-se que eles buscavam
sua inserção em um espaço social, definido por Pierre Bourdieu como uma “realidade
invisível, que não podemos mostrar nem tocar e que organiza as práticas e as
representações dos agentes” (BOURDIEU, 2001: 24). Para Bourdieu, o espaço opera
enquanto um diferenciador de posições que serão determinadas de acordo com as escolhas
práticas dos agentes sociais, que vão distanciá-los ou aproximá-los de outros grupos ou
agentes. Assim, analisam-se as interações realizadas dentro de um espaço social específico
ocupado pelos índios a partir do processo de territorialização pelo qual os grupos indígenas
passaram ao longo do século XVIII, com a política indigenista adotada pela Coroa operando
enquanto diferenciador dos índios aliados à colonização, possibilitando diferentes dinâmicas
entre estes e os demais moradores.

A documentação utilizada nesta pesquisa provém de diferentes instâncias


regulamentadoras da vila estudada, sendo assim, destaca preocupações ligadas às
autoridades que a produziram. No caso dos religiosos, um assunto constantemente tratado
é a situação matrimonial dos indígenas. No Livro de Tombo da Paróquia de Portalegre (1751-

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1768), a preocupação com os concubinatos é expressa em várias partes. O livro de Tombo


ainda versa sobre os costumes e comportamento dos índios, o que os párocos deveriam
evitar que estes praticassem e como os índios deveriam proceder, obedecendo sempre os
preceitos católicos impostos na época. Também nos permite perceber um pouco da inserção
dos índios no espaço social da vila, à medida que mostra casos como o do índio José Nunes
de Souza, que servia como sacristão na igreja da vila e que pede para pouparem-lhe do
pagamento dos banhos do batismo, enterro e todas as outras despesas sacras que ele
pudesse vir a ter.

Sabe-se que a partir da ereção das vilas de índios, os etnônimos não são mais
registrados na documentação colonial, porém, pode-se observar que a incidência da
atribuição da categoria “índio” ainda ocorre, sobretudo quando associada ao trabalho. No
Livro de Sessões do Senado da Câmara da Vila de Portalegre há, por exemplo, o registro de
índios sendo enviados à Itamaracá para buscar tamboretes que pertenciam a Câmara da
Vila, já em 1772.

A vida na vila – uma nova categoria sociocultural - impunha aos indígenas outras
condições de vivência, distintas das praticadas por eles e seus ascendentes na vigência das
aldeias cristãs, sob administração dos missionários. Estes indígenas “vivenciavam
transformações culturais num processo contínuo de mudanças e construção de interesses e
motivações que iam se alterando conforme as circunstâncias e a dinâmica de suas relações”
(ALMEIDA, 2003: 53). Neste sentido, compreender as mudanças ocorridas na relação entre
os grupos sociais que habitavam nesta vila permite compreender quais as dinâmicas sociais
estabelecidas nela, nos fazendo vislumbrar qual o papel que cada um destes grupos sociais
desempenhava na organização social do território.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Nas últimas décadas, vários estudos têm demonstrado o índio também enquanto
agente histórico na sociedade colonial, desmitificando a atribuição de um papel coadjuvante
que foi atribuído aos grupos indígenas na história do Brasil (ALMEIDA, 2010: 13-28). Um
fator determinante que propiciou estes estudos foi a revisão do conceito de “cultura”. No
sentido antropológico, o conceito de cultura envolve “todos os produtos materiais,
espirituais e comportamentais da vida humana, bem como as dimensões simbólicas da vida
social” (ALMEIDA, 2010: 21). Esta noção tem sido utilizada pelos historiadores para entender
os processos históricos por meio dos diferentes significados das ações humanas.
Abandonando a ideia de uma cultura fixa e imutável para, por meio dos processos históricos
de mudança, explicar as transformações das culturas, valorizando a trajetória histórica dos
povos estudados e entendendo-a como fator importante para uma compreensão mais
ampla de suas culturas (THOMPSON, 2001: 227-268).

Neste sentido, foi permitido perceber a inserção dos grupos indígenas no espaço
social de vilas como Portalegre, na capitania do Rio Grande do Norte, e a interação com os
demais grupos de moradores que passam a conviver com eles, sendo incentivados por um
instrumento legislativo régio, proporciona aos atores sociais que habitam a vila a
possibilidade de vivenciar novas experiências históricas, gerando uma reestruturação social
dos grupos envolvidos neste processo.

O primeiro passo para a realização desse processo é o estabelecimento de uma nova


organização social e espacial, que ocorreu com a implementação do Diretório pombalino e a
ereção das vilas de índio. No caso de Portalegre, a junção de diferentes etnias próximo a
localidades habitadas por moradores não-índios foi uma crescente preocupação, levando até
a petições e doações em dinheiro para manter os índios distantes de suas terras. Cabe
ressaltar que interesses políticos e econômicos frequentemente perpassam as decisões
tomadas pelas autoridades coloniais.

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ISSN:

OS INDÍGENAS XUKURU-KARIRI EM PALMEIRA DOS ÍNDIOS/AL: ENTRE


MIGRAÇÕES, RETORNOS E RETOMADAS DO TERRITÓRIO

ROCHA, Adauto Santos


Universidade Federal de Campina Grande
E-mail: adautorocha49@gmail.com
SILVA, Edson
Universidade Federal de Pernambuco
E-mail: ed.edsilva@hotmail.com
Para início de conversa...
Para muitos 1872 é apenas uma data qualquer do século XIX. Para o povo Xukuru-
Kariri representa um marco no período de esbulho territorial legitimado pelo Estado. As
prerrogativas datam do ano de 1850, período em que o governo imperial não mais concedia
sesmarias. Uma elite incontestada com as limitações do poder real começou a pedir terras
para o aumento da criação agropecuária, encurralado, Dom Pedro II sancionou a chamada
Lei de Terras de 1850, um dispositivo jurídico que instituiu uma redistribuição agrária de
modo que as terras indígenas foram os principais alvos dos agropecuaristas (SILVA, 2015) e
(PEIXOTO, 2013, p.49).

Em Alagoas a Lei de Terras materializou-sena extinção dos aldeamentos (ALMEIDA,


1999).Em 1872, por meio dessa usurpação legal, os Xukuru-Kariri em Palmeira dos Índios
foram expulsos dos seus domínios, iniciando-se um grande movimento migratório pela
sobrevivência. Nas serras palmeirenses ocorreu o declínio das plantações de
frutas,substituídas pelo capim e gado de corte. Boa parte dos índios procurou refúgio nas
periferias da cidade e municípios vizinhos, enquanto outros retornaram as terras que
habitavam na condição de vaqueiros e “trabalhadores de aluguel” para os fazendeiros (SILVA
JÚNIOR, 2013).

Um ano após o centenário da extinção dos aldeamentos em Alagoas, foi publicado


em 1973pela Imprensa da Universidade Federal de Alagoas o livro Wakona-Kariri-Xukuru:

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ISSN:

aspectos sócio-antropológicos dos remanescentes indígenas de Alagoas, por Clóvis


Antunesreconhecido antropólogo e professor na UFAL. O local de realização do estudo foi
Palmeira dos Índios, uma cidade aparentemente pacata, mas quenas narrativas históricas
tem uma cortina escondeos conflitos envolvendo os índios Xukuru-Kariri e a oligarquia local
pela possedas terras.

A apresentação do citado livro foi escrita por Luiz B. Tôrres, amigo pessoal do
antropólogo Clóvis Antunes e escritor da história local em Palmeira dos Índios. Em um
pequeno texto o memorialista resumiua obra, ao tratá-la como a concretização de inúmeros
desejos do autor ao unir o útil ao agradável, ou seja, as fontes primárias e os achados
arqueológicos com testemunhos indígenas em uma tentativa de reagrupar fragmentos
culturais do povo Xukuru-Kariri, que originou-se de dois povos distintos: os Xukuru do
município de Pesqueira/PE (antigo Aldeamento de Cimbres) e os Kariri, provenientes do
Baixo São Francisco, atual região do município de Porto Real do Colégio/AL, onde habita o
povo indígena Kariri-Xokó (PEIXOTO, 2013, p. 39-40).

Deve-se reconhecer que é uma das obras pioneiras no tocante a uma escrita da
história Xukuru-Kariri, após seu assentamento em Palmeira dos Índios em meados do século
XX, mas, por tratar-se de um livro próximo a uma abordagem acadêmica, é utilizado
sobretudo nos estudos sobre a história local de Alagoas, sendo também passível de críticas.
Ao referir-se aos índios, o escritor tratou-os como “integrados à civilização” (ANTUNES,
1973, p. 23), corroborando com uma imagem expressa no senso comum, uma representação
genérica do chamado “índio rondoniano”, pois “Basta registrar que a representação do índio
como primitivo, expressa no senso comum, deixa sob forte (e especial) suspeição as
demandas identitárias dos povos indígenas do Nordeste, ao passo que as práticas de tutela e
assistência estabelecidas no indigenismo oficial se revelam particularmente inadequadas
para seus projetos étnicos” (OLIVEIRA, 2004, p. 07).

Os sinais diacríticos dos índios foram, ao que parece, a principal preocupação


norteadora na escrita do antropólogo, pois em algunstrechos do texto o autor enfatizou as

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ISSN:

similaridades entre os Xukuru-Kariri e os não índios, no sentido de que a cor da pele por si
definia o pertencimento a determinado grupo social

Portanto, pouco ou nada se diferem os remanescentes indígenas nordestinos dos


agrupamentos sertanejos, e apenas são indígenas por se considerarem e serem tidos como
tal. Os caboclos palmeirenses indígenas são um grupo integrado, inteiramente dependentes
da sociedade nacional e em um estado de profunda descaracterização linguística e cultural.
Mestiçados, oriundos dos Kariris-Xukurus, de origem desconhecida, não se os distingue da
população rural; percorreram todo o caminho da aculturação (ANTUNES, 1973, p. 24).

Portanto, o povo Xukuru-Kariri foi descritopelo antropólogo como aculturados e


integrados a sociedade nacional, dependentes das forças governamentais e marginais, um
discurso onde os indígenas foram pensados como antagonistas da história, por não estarem
fisicamente e socioculturalmente de acordo com as limitadas definições impostas pelos
colonizadores, um dos meios para justificar a expropriação territorial indígena (ANTUNES,
1973. P.31).

Buscamos discutir a partir da nova escrita sobre a história indígena, com novas
fontes, métodos, questões e lentes de análise, evidenciando oprotagonismo indígena que foi
negado pela escrita da chamada história oficial. Nosso ponto de partida será a análise de
processos migratórios vivenciados pelo povo Xukuru-Kariri, por vezes de forma compulsória
e por outras como marca de resistência, resultando em “emergência étnica” (OLIVEIRA,
2004) e afirmação identitária.

A oligarquia palmeirense e os Xukuru-Kariri na história recente: esbulho territorial e


resistência indígena.

Distante 135 Km da cidade de Maceió o município de Palmeira dos Índios, chamado


“a Princesa do Sertão”, tem uma economia baseada em atividades agrícolas e na pecuária
extensivaem grande parte nas terras indígenas invadidas, práticas comuns daoligarquia que
ocupa espaços no cenário político a nível municipal e estadual, uma situação que em muito
se assemelha em outras regiões.

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No quarto capítulo do livro intitulado Xukuru: memórias e história dos índios na


Serra do Ororubá (Pesqueira/PE), 1959-1988, resultado de uma Tese de Doutorado
defendida na UNICAMP em 2008, o historiador Edson Silvadiscutiu a situação sociopolítica
no interior pernambucano a partir da história oral e de fontes primárias. Evidenciandoas
invasões do território Xukuru pelos latifundiários locais para o aumento do rebanho bovino
e, posteriormente, plantações de tomate e frutas destinadas àsfábricas de doces e conservas
instaladas em Pesqueira. Através da análise documental e das memórias dos indígenas mais
velhos, o autor tratou de inúmeros problemas sociais enfrentados pelos indígenas na Serra
do Ororubá após a implantação das agroindústriascom esbulhos das terras indígenas e o
desmatamento na região.

O texto evidenciou um personagem que ocupava o centro da lógica econômica no


processo de esbulho das terras Xukuru: o boi, eleito como uma “majestade”. Não obstante
os Xukuru-Kariri enfrentaram situação semelhante, a majestade eleita como uma fonte de
riquezas para as famílias tradicionais palmeirenses.

Atualmente, o povo indígena Xukuru-Kariri habita dez aldeias localizadas no entorno


da cidade de Palmeira dos Índios, das quais nove reconhecidas. A outra é autodenominada
por seus integrantes comoXukuru Palmeira, nomenclatura que desagrada seus paresque não
a reconhece como sendo da mesma etnia, além de enfrentarem o mesmo processo por
parte da Fundação Nacional do Índio (FUNAI).A organização dessa nova aldeia ocorreu em
2008 quando índios habitando nas periferias da cidade uniram-se por não serem aceitos nas
outras aldeias, resultando na retomada de uma área denominada Monte Alegre, onde vivem
atualmente (PEIXOTO, 2013).

Das dez aldeias, a Fazenda Canto é a mais antiga, originada a partir da política
assistencialista do antigo Serviço de Proteção aos Índios (SPI).Foi a partir da fixação e de
conflitos internos que surgiram as primeiras mobilizações indígenas com o objetivo de
reestabelecer o território que outrora habitavam (SILVA JÚNIOR, 2013).

Mesmo ameaçados, os índios lograram êxito na empreitada de reivindicações


frente ao Estado com a fundação da Aldeia Indígena Mata da Cafurna.Nesse sentido, a seguir

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ISSN:

descreveremos os movimentos Xukuru-Kariri a partir de migrações dentro e fora de Palmeira


dos Índios, observando os deslocamentosque possibilitarama análise de diferentes contextos
situacionais (MARTINS, 1994) vivenciados pelos índios Xukuru-Kariri.

A conquista do Posto Indígena Irineu dos Santos e a atuação do SPI entre os Xukuru-Kariri

A atuação do SPI em Palmeira dos Índios ocorreu por meio da instalação do Posto
Indígena Irineu dos Santos,após conquista de uma faixa de terras para o assentamento de
índios dispersos, gerando interesses na Igreja Católica Romana e de um político local. A
constituição do campo de ação indigenista na cidade foi a garantia de um templo católico
romano na aldeia Fazenda Canto e a promissora venda de terras malcuidadas pelo
latifundiário e então Prefeito da cidade, Manoel Sampaio Luz, conhecido popularmente
como “Juca Sampaio”, conforme constatado em um Relatório do Posto Indígena Irineu dos
Santos escrito pelo Chefe Mário da Silva Furtado em 1 de dezembro de 1954 descrito no
trecho a seguir: “Fizemos a colheita de cereais. Reconstruímos 200 braças de cercas,
capinamos e replantamos 10 hectares de palma forrageira e rebocamos as paredes externas
da Casa Grande da Fazenda.”

Quando Alfredo Celestino então Cacique Xukuru-Kariri,tomou conhecimento da


atuação do órgão indigenista no estado de Pernambuco procurou meios de relatar a
dispersão de seus parentes e a necessidade de uma terra para se aldearem.Alfredo enviou
uma cartaao Inspetor Geral do citado órgão, José Maria da Gama Marchet (ANTUNES, 1973,
p.76).

Na carta Alfredo Celestino ressaltou a atuação do SPI e citou a situação vivenciada


pelos seus parentes utilizando a metáfora “bolando de rio abaixo que só pedra de
enxurrada”, uma estratégia utilizada para caracterizar o trabalho de aluguel e a
perambulação dos índios. Passados quinze dias após o envio da referida carta, o Cacique
recebeu uma correspondência do SPI acatando o pedido de assentamento e a partir de
então iniciou o processo de aquisição territorial. Ainda havia um grande problema, a falta de
recursos financeiros.Então o Cacique solicitou ajuda de indígenas no Pará e do Monsenhor
Alfredo Dâmaso, Pároco de Bom Conselho, cidade próxima no interior de Pernambuco.

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As ações do religioso remetem aos anos 1920, período em que intermediou a


instalação do Posto Indígena Dantas Barreto entre os Fulni-ô de Águas Belas, um
reconhecimento que resultou em afirmação étnica e estabelecimento de teias, conexões e
alianças políticas, possibilitandoas mobilizações indígenas pelo reconhecimento oficial do
Estado, após a extinção dos aldeamentos no Nordeste(BEZERRA, 2018).

Existiuum jogo de interesses que marcou o assentamento Xukuru-Kariri. A política


assimilacionista do SPI pretendia transformar os índios em pequenos produtores rurais,
Monsenhor Alfredo Dâmaso surgiu com a proposta de edificar um templo católico romano
na nova aldeia e, não menos importante, Juca Sampaio era o principal interessado pela
venda das terras (SILVA JÚNIOR, 2013, p. 81).

A partir do momento em que se pensou na aquisição de um terreno, o SPI entrou


em contato com o então Prefeito Manoel Sampaio Luz para negociarem uma área destinada
aos índios. Foram realizados vários encontros entre as duas partes até que o político local
acordou os valores para venda da propriedade,cujo valor foi aumentado e30% no custo de
cada hectare adquirido, configurando um superfaturamento dovalor pago pelo terreno
(SILVA JÚNIOR. 2013).

Além do mais, o político local tinha interesses pessoais em vender uma parte de
suas propriedades, pois a insuficiência territorial obrigaria os indígenas a retomarem
territórios que estavam sob posse de grileiros do grupo de oposição no cenário político
municipal.Para que a negociação desse certo, o latifundiário prestou um bom atendimento
aos inspetores do SPI, inclusive ao emprestar cavalos onde juntos pudessem andar nos
limites da sua imensa fazenda (SILVA JÚNIOR, 2013, p. 85).

A área negociada para o assentamento dos indígenas foi o recanto das terrasda
citada fazenda, ocorrendo um imbróglio no repasse da área adquirida pelo SPI,pois dos 372
ha adquiridos de Juca Sampaio este entregou 276 aos Xukuru-Kariri, uma situação que
acentuou disputas pela posse de territórios ocupados por fazendeiros locais (MARTINS,
1994).

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Depois de negociada a área destinada aos indígenas,Alfredo Celestino escolheu as


famílias que retornariam para oaldeamento. Existem controvérsiassobre o convite feito pelo
Cacique para os índios que estavam dispersos nos entornos de Palmeira dos Índios e região.
Existe, portanto, uma discussãosobre o convite de Alfredo Celestino para os índios vir a
Fazenda Canto em 1952. Não ficaram evidentes quais os critérios utilizados pelo Cacique
para a escolha das famílias: “De acordo com o Pajé Miguel Celestino, aldeado da Fazenda
Canto, Alfredo teve a liberdade de convocar os índios que ele considerasse merecedores
para se apresentarem quando da realização do levantamento oficial executado por um
inspetor do SPI” (SILVA JÚNIOR, 2013, p. 74).

Portanto, somente os indígenas considerados “merecedores” poderiam retornar para as


terras das quais foram expulsos 80 anos antes.Embora existam questionamentos em relação
aos métodos utilizados pelo então Cacique para classificar os “merecedores” do retorno a
Palmeira dos índios, “decerto Alfredo Celestino utilizou algum critério para realizar este
trabalho, mas estes não estão claros no depoimento de Miguel Celestino, nem tampouco
constam na documentação consultada” (SILVA JÚNIOR, 2013, p. 74).

Embora a citação acima não deixe evidente os critérios utilizados para o retorno de algumas
famílias indígenas, Antônio Ricardovivenciou e ouviu dos seus antepassados como oCacique
na épocaselecionou as famílias que inicialmente formaram a Aldeia Fazenda
Canto.Segundoafirmou havia situação de desespero por parte do líder político Xukuru-Kariri
para habitar o local onde seria criada a aldeia

Ai o finado Alfredo disse: eu tô pensando que um dia vão me passar, mas eu como índio, eu
tenho que deixar, eu vou me passar um dia, mas eu vou deixar um pouco do meu sangue
junto pro povo. Sabe o que eu vou fazer? Eu vou agarrar uma caneta e vou agarrar um
caderno grande e vou sair viajando por aí, aonde tiver, nessa periferia aonde tiver índio eu
vou baixar pra nós arrumar um terreno (Antônio Ricardo, Aldeia Fazenda Canto).

De acordo com Antônio Ricardo, atual Cacique da Aldeia Fazenda Canto,a procura
dos indígenas realizada por Alfredo Celestino antecedeu a aquisição do terreno que
atualmente se configura como Fazenda Canto, por ter convidado as famílias antes da

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negociação do terreno. “É possível a hipótese de que ele tenha convocado apenas as famílias
que o apoiavam, havendo assim uma seleção dos índios a serem aldeados, feita por
representante de um grupo Xukuru-Kariri legitimado pelo Estado” (SILVA JÚNIOR, 2013, p.
74).

Percebe-se então que não existe um consenso entrea pesquisa publicada acerca do
aldeamento e a entrevista de Antônio Ricardo, haja vista que os critérios utilizados pelo
Cacique Alfredo Celestino para selecionar os indígenas dispersos,foram vários e
contraditóriospara a escolha das 13 famílias assentadas na Aldeia Fazenda Canto.

Ao longo dos anos o espaço na Fazenda Cantotornou-se reduzido em razões do


crescimento demográfico e as necessidades básicas de subsistência. Ocorreram divergências
entre as famílias aldeadas e o clima começou a ficar tenso.O estopim para retomadas de
outros territórios foi a pretensão do Prefeito Enéas Simplício em construir uma faculdade e
vender uma área reivindicada pelos indígenas, a partir de então os Xukuru-Kariri começaram
a se mobilizar (MOREIRA, PEIXOTO, SILVA, 2010, p. 37-39).

Retomadas de Território e fundação da Aldeia Mata da Cafurna


Foi retomada pelos índios parte de uma área que em 1979 estava sob posse da
Prefeitura Municipal de Palmeira dos Índios. A retomada foi planejada sob a liderança do
Pajé Miguel Celestino e do Cacique Manoel Celestino (MOREIRA, PEIXOTO, SILVA, p.39).
Naquele momento, as terras do antigo aldeamento “Palmeira” (ANTUNES, 1973) estavam
sob controle de grileiros municipais que pretendiam comprá-las por valores
irrisórios.Inicialmente, cinco famílias alojaram-se na área sem temer as represálias do Estado
e dos grileiros. Abrigaram-se debaixo das árvores e continuaram no local sem proteção até o
recebimento de barracões doados pelo Exército.Foram períodos de resistência e
fortalecimento étnico (PEIXOTO, 2013, p. 101).

Dentre as famílias que inicialmente habitando a Mata da Cafurna está a família


Santana, fundamental no processo de retomada territorial pelas ações de seus integrantes
que migraram da Aldeia Fazenda Canto.A partir de então formou-se entre os Xukuru-Kariri
um grupo de famílias preocupadas em reestabelecer os territórios que um dia lhes

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pertencera, embora sabendo que não seria tarefa fácil, uma vez que os terrenos estavam
ocupados pelas imensas plantações de capim e o gado da oligarquia municipal.

Na Aldeia Mata da Cafurna foi entrevistado o ex Pajé Lenoir Tibiriçá, um dos líderes
do movimento da retomada territorial. Um indígena convicto dos ideais Xukuru-Kariri, que
rememorou inúmeras situações vivenciadas pelos indígenas.Sobre as migrações e retomadas
afirmou:

Quando cheguei aqui a gente só tinha a Mata da Cafurna, fizemos várias retomadas, hoje já
se tem oito retomadas só aqui por parte da Mata da Cafurna. Foi um crescimento do pessoal
de Fazenda Canto, que foi também ampliando e aqui o movimento cresceu, você vê que já
por ali todo mundo já está com terra, aqui em baixo que é a Cafurna de Baixo, o Capela né?!
Foram se expandindo, foram se agrupando (Lenoir Tibiriçá, Aldeia Mata da Cafurna).

Nas afirmações do entrevistado, os processos migratórios e as retomadas de


território foram fundamentais para o reestabelecimento de uma parte das terras
reivindicadas pelos Xukuru-Kariri, antes mesmo da extinção dos aldeamentos em Alagoas em
1872.Os indígenas recém estabelecidos na Aldeia Mata da Cafurna, contando com a ajuda de
seus parentes na Aldeia Fazenda Canto,realizaram mais uma retomada no ano de 1986,
recuperando 154 hectares que estavam sob posse do latifundiário Everaldo Garrote
(MOREIRA, PEIXOTO, SILVA, 2010).

Em 1994 foram retomados 154 hectares em uma área denominada Mata da Jiboia,
território ocupado pelo grileiro Hélio Alves. Dessa vez os Xukuru-Kariri da Mata da Cafurna
contaram com o apoio dos Kariri-Xocó de Porto Real do Colégio, dos Tingui-Botó de Feira
Grande ambos em Alagoas, dos Pankararu e os Xukuru do Ororubá habitantes em
Pernambuco, além de índios da Fazenda Canto (Idem).

Esse processo resultou em pressões para reconhecimento de mais três territórios por
parte da FUNAI, sendo criada a Aldeia Boqueirão e a Aldeia Serra do Capela, esta última
constituída pela família Celestino que migrou da Mata da Cafurna por questões

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envolvendoalém dasmobilizações por ampliação da área indígena, também dissidências


familiares (PEIXOTO, 2013, p. 57).

Um grupo de índios da família Macário realizou em 2016 uma nova retomada


territorial na área conhecida como Fazenda Jarra, constituindo uma aldeia com o mesmo
nome. Os processos migratórios dessa família ocorreram quando saíram da Aldeia Fazenda
Canto em 1997 e foram viver nos entornos da cidade de Palmeira dos Índios.Reivindicaram à
FUNAI a aquisição de uma área, mas como não foram atendidos, retomaram o território
onde permanecem vivendo e afirmando suas expressões socioculturais.

Considerações finais

Buscamosrefletir sobre os processos migratórios indígenas em Palmeira dos Índios e


as retomadas de terras realizadas, procurando evidenciar os protagonismos dos Xukuru-
Kariri enquanto sujeitos da sua história, mesmo em uma região permeada pelos conflitos em
torno da posse de terras.

Nesse sentido, analisamos e procuramos problematizar os distintos processos de


migrações territoriais vivenciados pelos Xukuru-Kariri ao longo dos anos.Processosque
provocaram tensões entre os indígenas, posseiros e o Estado. Refletimos sobre as trilhas e
histórias de migrantes indígenas a partir das memórias dos mais velhos,e como os indígenas
em Palmeira dos Índios vem afirmando a identidade, mesmo diante das perseguições por
parte do poder público e da oligarquia municipal.

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II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA,
DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

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Fontes
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dezembro de 1954. Inspetoria Regional 4, Posto Irineu dos Santos. Caixa 165, planilha 001.
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RICARDO, Antônio. Entrevista realizada na Aldeia Fazenda Canto, Palmeira dos Índios/AL, em
24/09/2017.

TIBIRIÇÁ, Lenoir. Entrevista realizada na Aldeia Mata da Cafurna, Palmeira dos Índios/AL, em
28/10/2017.

“TERRA VERMELHA”: O ENSINO DA HISTÓRIA INDIGENA ATRAVÉS DA FONTE


CINEMATOGRÁFICA.

COSTA, Aluska Wanderleya Gomes da


Universidade Federal de Campina Grande
aluskawanderleya@hotmail.com
APOLINÁRIO, Juciene Ricarte

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

Universidade Federal de Campina Grande

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por proposito apresentar um dos inúmeros meios


metodológicos para auxiliar os professores-educadores a abordarem a temática dos povos
indígenas em sala de aula, ou seja, a utilização da fonte cinematográfica, aqui sendo
utilizado o filme Terra Vermelha (2008) que é inspirado em fatos reais, tendo como direção
Marco Bechis, dessa forma obtendo uma maior atenção por parte dos estudantes, levando-
os a discutir a dita temática e rever alguns conceitos que é posto pela sociedade, até
mesmo a mídia brasileira, que propaga uma série de visões pejorativas atribuída aos povos
indígenas no Brasil, além de condenarem a sua existência a um passado estático, sem levar
em consideração que a história é cíclica e os sujeitos estão em constantes mudanças
culturais, por inúmeras vezes essas visões continuam sendo propagadas em sala de aula, seja
por livros didáticos, educadores, ou até mesmo o esquecimento em que entoa o ensino da
história dos povos indígenas no Brasil, com uma “moldura’ já pronta, uma imagem de um
indígena que vive apenas na Amazônia, que vivem em “ocas”, com atitudes agressivas, sem
vestimentas, utilizando-se apenas de arco e flecha, e pouco contato com o “resto” da
sociedade ou até mesmo nenhum contato, destinado a viverem nas matas amazônicas,
existindo também os que acreditam em que os indígenas são pessoas interesseiras, de
pouca coragem, ladrões e que só visam tomar de posse das terras do agricultor branco, fato
que poderá ser notado com maior ênfase na película cinematográfica que aqui fora
proposta, sem haver a problematização de novos meios do Ser indígena nos dias atuais,
como também a inexistência do conhecimento da maior parte da população sobre a
verdadeira face do que é fazer parte do “corpo” indígena, assim o filme irá ampliar as
discussões sobre o objeto de pesquisa aqui trabalhado, sendo possível fazer uma reflexão

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

por parte dos professores e estudantes, na construção de uma nova sensibilidade sobre o
olhar do que é Ser povo indígena nos dias atuais na sociedade brasileira.

Num primeiro momento, tratamos o cinema como uma fonte histórica, para tal
segmento utilizamos como base o intelectual Marc Ferro, aonde o mesmo traz seus estudos
acerca do cinema, mostrando-o como um testemunho singular do tempo em que está
inserido, pois é no cinema que o controle de qualquer que seja a instância se encontra fora
do mesmo, principalmente o Estatal. Para Ferro, o filme possui uma tensão própria, sendo
possível fazer uma análise da sociedade, seja de quem possui um poder ou não. É no filme,
que o diretor se ver na condição livre para abordar quaisquer temáticas.

Em um segundo momento, tratamos de analisar o Ensino da história Indígena e seus


desafios. Mesmo após a lei 11.645 entrar em rigor, o problema que ainda se apresenta é a
observação, da não implementação da lei citada, seja devido a direção da escola ainda não
terem adotado novas formas de ensinar a temática indígena, como também pela ausência
de conteúdos propostos nas leis durante a sua formação inicial, seja pelo próprio corpo
docente da educação básica sofrer de uma carência extrema nesse quesito. Sendo então,
necessárias novas orientações para as práticas pedagógicas, como um propósito de
desconstruir estereótipos e pré-conceitos que foram construídos e continuam sendo
perpetuados no imaginário popular, principalmente ao tocante dos povos indígenas.

No terceiro e último momento trazemos a tona uma pequena resenha e as


possibilidades do Ensino de História Indígena acerca do Filme “Terra Vermelha”.

2. O CINEMA COMO FONTE HISTÓRICA

Para tal segmento utilizaremos como base o intelectual Marc Ferro, aonde o mesmo
traz seus estudos acerca do cinema, mostrando-o como um testemunho singular do tempo
em que está inserido, pois é no cinema que o controle de qualquer que seja a instância se
encontra fora do mesmo, principalmente o Estatal. Para Ferro, o filme possui uma tensão
própria, sendo possível fazer uma analise da sociedade, seja de quem possui um poder ou

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não. É no filme, que o diretor se ver na condição livre para abordar quaisquer temáticas.
Vejamos

O cinema destrói a imagem do duplo que cada instituição, cada indivíduo se tinha
constituído diante da sociedade. A câmara revela o funcionamento real daquela, diz mais
sobre cada um do que queria mostrar. Ela descobre o segredo, ela ilude os feiticeiros, tira as
máscaras, mostra o inverso de uma sociedade, seus “lapsus”. É mais do que preciso para
que, após a hora do desprezo venha a da desconfiança, a do temor (...). A idéia de que um
gesto poderia ser uma frase, esse olhar, um longo discurso é totalmente insuportável:
significaria que a imagem, as imagens (...) constituem a matéria de uma outra história que
não a História, uma contra-análise da sociedade.

Segundo o autor, será a partir do cinema que conheceremos regiões que antes não
foram exploradas, é um meio que possibilita descobrir novos caminhos, é experimentar
“partes” deixados pelo diretor e o seu produto, ou seja, “partes” essas que não aparecem
diretamente no seu filme, são indicados de maneira inconsciente pelo mesmo. Para Ferro, o
documento fílmico produzido é diferente do documento escrito que possui a mesma origem.

No filme, aprendemos uma “realidade’ que por sua vez, é somente percebida pelo
historiador, cabendo ao mesmo destacar as palavras “registrar” e “revelar”, trazendo à tona
o papel de mediação exercido pelo cinema.

Marc Ferro, afirma que a sociedade é mostrada através de várias vertentes pelo
cinema, onde traz uma leva de informações, gestos, objetos, comportamentos sociais,
discursos, todo um cotidiano que passam a ser transmitidas sem que o diretor queira, ou até
perceba, como também todo um meio de estruturas, organizações sociais, principalmente os
filmes que tem a função de informar.

O cinema entra no mundo do historiador e se faz presente na maioria dos seus


textos, além desse novo meio indicar a originalidade que o seu objeto de trabalho pode ter,
tratando de aspectos culturais que podem ser vistos no cinema deste século, como também
o papel das fontes históricas.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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De acordo com Ferro, o mesmo afirma que o cinema sempre um caráter a parte pelos
historiadores e sociedade, havia um certo distanciamento do historiador com o cinema e
diante de suas informações, como risos, gestos, organizações sociais presente na obra
fílmica, considerados impróprios para o fazer história, dessa forma escapando do olhar do
historiador.

Porém o fato do cinema não ocupar um lugar de destaque nessa reflexão histórica,
fora algo propagado desde muito tempo, relacionado a própria formação do historiador,
onde apenas o documento escrito era considerado uma fonte para se fazer história, digna de
transpassar a verdade. Ao longo do tempo, como o surgimento da Nova História, o olhar do
historiador pode-se deleitar-se por outros meios, outros temas específicos, dessa forma
abrindo espaço para uma aceitação do cinema como fonte histórica, passando a ter em
função de sua nova missão.

Nos dias atuais é bastante comum vermos historiadores que fazem grandes obras
através da utilização do cinema como fonte, seja de um filme especifico, seja do cinema
como espaço físico, como também de um conjunto de obras fílmicas sobre um determinado
assunto, o cinema consegue fazer com que o historiador possa abordar novas temáticas,
apontar novos olhares sobre um objeto que já fora estudado, ou até mesmo apresentar uma
obra que seja pioneira. Dessa forma, o cinema se torna um aliado no quesito fazer história
na sociedade.

Outro meio em que o historiador pode utilizar o cinema, o filme em si como fonte
história é na sala de aula, como um novo meio metodológico do ensinar história, do ensinar
temas que tenham uma certa dificuldade de chamar a atenção dos estudantes, ou que são
poucos escutados na sociedade. Inúmeras possibilidades foram abertas através do ensinar
historia através do cinema, e uma delas é o estudo da temática Indígena que ainda é, tão
pouco disseminada em sala de aula.

3. O ENSINO DA HISTÓRIA INDIGENA E SEUS DESAFIOS

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Mesmo após a lei 11.645 entrar em rigor, o problema que ainda se apresenta é a
observação, da não implementação da lei citada, seja devido a direção da escola ainda não
terem adotado novas formas de ensinar a temática indígena, como também pela ausência
de conteúdos propostos nas leis durante a sua formação inicial, seja pelo próprio corpo
docente da educação básica sofrer de uma carência extrema nesse quesito. Sendo então,
necessárias novas orientações para as práticas pedagógicas, como um proposito de
desconstruir estereótipos e pré-conceitos que foram construídos e continuam sendo
perpetuados no imaginário popular, principalmente ao tocante dos povos indígenas.

O que fatalmente ocorre dentro da escola é uma desvalorização da história indígena,


por vezes mal interpretada ou apenas repassada de maneira acríticas, como vem sendo
reproduzida em alguns livros didáticos. A imagem do Indígena passada por esses livros é
extremamente ultrapassada, são reproduzidos de forma estereotipada, como um povo que
anda nu, que vivem em “ocas” e que vivem apenas da caça e pesca, um indígena que vive na
Amazonas e que só lá pode ser encontrado.

Os alunos ficam horrorizados em saber que existe indígenas próximo de onde vivem,
ou seja, sem ser apenas na Amazônia, que não andam nus, e que tem as suas casa, não
“aceitam” que os povos indígenas possuam celulares, notebooks, saibam falar o português,
fazer contas, terem seus próprios negócios, porque não são esses os detalhes que veem nos
livros didáticos e não são esses assuntos que são focados em sala de aula, ou seja, acaba
ocorrendo um silenciamento cotidiano no currículo, nos planejamentos, consequentemente,
na sala de aula.

Ao tratarmos de questões educacionais relativas a temática indígena, faz-se


necessário vermos alguns detalhes que são equívocos sobre a visão que se tem e que se
nutre de diversas maneiras sobre as populações indígenas e que são propagas no Brasil,
como podemos ver em Freire (2010):

É importante discutir essas ideias equivocadas, porque com elas não é possível
entender o Brasil atual. Se nós não tivermos um conhecimento correto sobre a história
indígena, sobre o que aconteceu na relação com os índios, não poderemos explicar o Brasil

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contemporâneo. As sociedades indígenas constituem um indicador extremamente sensível


da natureza da sociedade que com elas interage. A sociedade brasileira se desnuda e se
revela no relacionamento com os povos indígenas. É aí que o Brasil mostra a sua cara. Nesse
sentido, tentar compreender as sociedades indígenas não é apenas procurar conhecer “o
outro”, “o diferente”, mas implica conduzir as indaga- ções e reflexões sobre a própria
sociedade em que vivemos. (Freire: 2010 p.17).

A Partir dessa citação de Freire, podemos analisar que os povos indígenas foram
taxados erroneamente como um único povo, genérico, como se praticassem e
compartilhassem a mesma cultura, ou seja, a mesma crença, a mesma língua, e segundo
Freire “essa é uma ideia equivocada, que reduz culturas tão diferenciadas a uma entidade
supra-étinica” (2010, p.18).

Por muitos, mesmo que de forma errada, o pensamento é de que a cultura indígena
seja atrasada, primitiva, aquela mesma mostrada nos livros didáticos. Segundo Freire, as
religiões, a arte, a ciência indígenas forma menosprezadas, exotizadas ou negadas, pela
sociedade brasileira, se pautando em estereótipos e no senso comum sobre elas, ou seja,
acreditar também em um “congelamento” das culturas, nesse caso a indígena, como não
fossem sujeitos propícios a mudanças culturais, que essas mudanças causa estranhamento
para a sociedade, ponde em julgamento se o indígena é ou deixou de ser indígena, como se
isso fosse possível.

Para as pessoas quando um “índio” não se enquadra nessa imagem criada pelos
colonizadores e que ainda é perpetuada até os dias de hoje, ele não é visto mais como sendo
indígenas, mas sim como um civilizado, ou seja, a partir do momento que ele entra em
contato com o outro, ou com meios tecnológicos, ele deixa de ser “índio”, passa por uma
“transformação”, tornando-se civilizado.

Diante de tais equívocos, devemos traçar novas práticas educativas como um rumo de
“deturpar” essas ideias que ainda são propagadas acerca do ser povos indígenas, devemos

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traçar também novos meios do ensinar história, com ênfase na temática indígena, refletindo
acerca de tais equívocos e o que pode ser feito para mudar o imaginário popular, enquanto
historiador e educador.

4. TERRA VERMELHA”: O ENSINO DA HISTÓRIA INDíGENA ATRAVÉS DA FONTE


CINEMATOGRÁFICA

A produção cinematográfica intitulada “Terra Vermelha” de 2008, tem por direção e


roteiro de Marco Bechis, e como roteiristas Luiz Bolognesi, Lara Fremder, que tem por
finalidade elucidar a realidade enfrentada pelos índios Guarani-Kaiowá e descrever a perda
espacial de seu território no Mato Grosso do Sul, expropriado pelos Juruás (Homens
brancos).

Vários aspectos podem ser tratados nesse filme, sendo eles, a representação do
indígena, suas vestimentas, os grandes problemas que enfrentam em torno da
territorialidade, um assunto bastante comum e fácil de se ver, tratar de assuntos como
demarcação indígenas, como são tratados e taxados os indígenas pelos “homens brancos”,
consequentemente a sociedade brasileira, esse filme pode nos mostrar um pedido de
socorro por partes dos indígenas que são condicionados a viverem em péssimas condições
de vida diante de uma sociedade capitalista e individualista.

A co-produção ítalo-brasileira Terra Vermelha, é uma obra com teor político. Ele
descreve como a nova geração de índios, isto é, os jovens reagem diante de um novo
sistema que lhe é imposto, onde seu trabalho, cultura e religião não possuem valor algum,
efeitos esses decorrentes das apropriações indébitas de terras que em outrora eram suas
por nascimento, para não utilizar o termo “direito” que nesse caso, não era um saber do
conhecimento indígena, bem como muitos outros saberes cartesianos.

O filme mostra uma desterritorialização dos indigneas, o que provoca neles uma
espécie de angustia social, onde foram “banidos” a viver um pedaço de terra que lhes foram

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“dado”, porém ao se tornar um ambiente não propícios para viverem, por não haver mais
animais para a caça ou pesca, decidem partir em busca de que “são” deles por direito, em
busca de novas terras para poderem viver, são forçados a viverem a beira das estradas e a
depender do sistema capitalistas que os transformam em objetos, comprando sua mão de
obra em troca de alguns trocados .

Os indígenas foram ‘obrigados” dessa forma a criarem uma base de resistências na


proximidade das fazendas, locais que eram “seus” e ali organizaram-se para retomar os
espaços perdidos, os espaços que iriam promover para eles um ambiente mais propícios
para se viverem e criarem os seus filhos e famílias.

. Os indígenas são forçados a ir em busca de uma territorialização a beira das


estradas, ao lado das cercas do dono da fazenda, no caso o chamado “Moreira”, filho do
fazendeiro que ocupara aquelas terras inicialmente, local em que o próprio reclama no filme
como sendo território seus, cuja localização já está inscrita como sendo da terceira geração
o que inclui obviamente seus filhos, no caso sua filha como é por ele mencionada.

O filme também nos mostra que a terra tem diferente papel para os homens brancos,
que é vista como objeto de posse, de um mundo capitalista, que o homem roga para si, um
meio de obter lucro diante da sociedade, diferentemente acontece para os indígenas que
tem uma relação muito mais espiritual como a terra, que tem uma dignidade totalmente
diferente, razão essa pela qual eles se sentem parte da terra, respeitando-a, nutrindo-a.
Mostrando a noção de espaço e terra difere do Indígena para o homem branco.

O diretor também enfatiza a crença religiosa, outro meio que pode ser enraizado em
sala de aula a partir do cinema, do filme “Terra Vermelha”. O xamã ao perceber em um
jovem índios características de um futuro sucessor, inicia-o e começa a espiritualizar lhe,
ensinando-lhe a rezar e processualmente incutindo-lhes as práticas de suas crenças
religiosas, transmitidas de geração para geração.

Enfim, o chefe da aldeia é assassinado por causa de sua resistência, o que nos leva a
presumir que sua morte, é uma morte arquetípica, isto é, ele é emblemático por descrever a

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morte de todos aqueles índios que resistiram à dominação e a desterritorialização


causadoras das mortes dos povos indígenas.

Como vimos ao longo do trabalho, há sim a possiblidade de se trabalhar em conjunto


com o cinema e a história, aqui abordando o temática indígena no filme “Terra Vermelha”,
elencamos alguns pontos em que se pode abordar na sala de aula e desmistificar alguns
pontos que se tem acerca do ser povos indígenas, possibilitando uma nova forma de ensinar
história, e facilitando o ensino-aprendizagem, contribuindo para diminuir as dificuldade que
se tem sobre ensinar a temática aqui proposta.

REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS

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Son/Écran, n. 364, p. 120-121, sept. 1981.

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FERRO, M. Filme: uma contra-análise da sociedade? In: LE GOFF, J.; NORA, P. (Orgs.).
História: novos objetos. Trad.: Terezinha Marinho. Rio de Janeiro: F. Alves, 1976. p. 202-203.

FERRO, M. Image. In: LE GOFF, J. et. al. (Dir.). La Nouvelle Histoire. Paris: CEPL, 1978.

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ISSN:

FREIRE, José Ribamar Bessa. A herança cultural indígena ou cinco ideias equivocadas sobre
os índios. In: ARAUJO, Ana Carvalho Ziller de; CARVALHO, Ernesto Ignácio de; CARELLI, Vicent
Robert (org.). Cineastas indígenas – um outro olhar. Guia para professores. Olinda, PE: Vídeo
nas Aldeias, 2010, p. 17-33.

MOREIRA, Antônio Flávio. CANDAU, Vera Maria. Multiculturalismo: diferenças culturais e


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1994. Dissertação (Mestrado) - Universidade de São Paulo, ECA

LOPES, da S. A Mito, razão, história e sociedade: inter-relações nos universos socioculturais


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RELATO DE EXPERIÊNCIA: ENSINO DA TEMÁTICA INDÍGENA NA FORMAÇÃO


SUPERIOR EM SAÚDE

RIBEIRO, Ana Elisa Rodrigues Alves

Universidade de Franca

email:analisa.rar@gmail.com

BERETTA, Regina Célia de Souza.

Universidade de Franca

MESTRINER JUNIOR, Wilson

Universidade de Franca

INTRODUÇÃO

O Brasil sempre foi um país multiétnico. Dos cinco milhões de


indígenascalculados em 1500, o senso de 2010 revelou uma população de apenas 896 mil,
pertencentes a 305 etnias ou povos e falantes de 274 línguas diversas - um percentual de
0,42% de toda a população do país (IBGE, 2010). Esta redução da população indígena ao
longo da história, de acordo com Ribeiro (2006), foi decorrente do próprio contato com a
civilização européia, da retirada dos mesmos de seu território e de políticas e práticas
excludentes e sinaliza uma dívida sócio-histórica para com estes grupos.

Apesar de uma série de mudanças sociais, as condições socio-políticas atuais dos


povosindígenas podem ser justificadas por uma propagação do padão eurocêntrico
históricamente construído como superior. Este padrão nãoleva em conta os valores
tradicionais indígenas e suas contribuições sociais para a cultura brasileira, estas populações

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são alvo de preconceitos e discriminações e distantes da equidade, tanto em saúde como


nos diversos âmbitos da sociedade (CRUZ & JESUS, 2013).

Segundo Sastre (2009) a escola e o processo de ensino-aprendizagem, não se dão de


maneira independente da sociedade, pelo contrário, se apresentam como uma parte da
mesma que reproduz o todo das relações sociais. É papel das instituições de educação
trabalhar as injustiças sociais, para que não se reproduzam estruturas perversas e se
resignifiquem as relações sociais e de poder.

Na tentativa de se estabelecer ações que contribuam para a redução do preconceito


e corroborando com a inclusão destes grupos, historicamente excluídos, nas diretrizes de
diversas políticas foi sancionada a Lei Nº 11.645, de 10 Março de 2008. Estalei estabeleceu
que fosse incluída no currículo oficial da rede de ensino da educação nacional a
obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. O estudo da
história e cultura destes povos nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino
médio, públicos e privados, deveriacontemplar inclusiveaspectos que caracterizem a
formação da população brasileira a partir desses dois grupos étnicos, comsuas contribuições
nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil.

Tais mudanças na abordagem da temática indígena repercurtiram em inúmeras


instituições de ensino, especialmente na universitária que não estava incluída na
obrigatoriedade da lei. Estas repercussões, contribuíramdiretamente com a formação de
recursos humanos para a saúde indígena, em projetos que já contemplavam tais populações
mas que a despeito do foco das políticas educacionais, tiveram maiores incentivos do
Ministério da Educação.

O Projeto “HukaKatu”, da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto – FORP-USP,


em parceria com o Projeto Xingu da Universidade Paulista de Medicinae o Ministério da
Educação e Saúde, contribuiu para o processo de formação técnica, universitária e de pós-
graduação de profissionais de saúde indígenas e não indígenas, desde 2004. As premissas
do projeto de construção social e conceitual de novas práticas de prevenção e promoção da
saúde, na ótica da diversidade cultural, guardam coerência aosprincípios e diretrizes do SUS,

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da Política Nacional de Saúde Indígena, e das Diretrizes Curriculares para os cursos de Saúde,
e alinhamento com as normativas de diretrizes e bases do Ministério da Educação para a
redução do preconceito instalado nas relações sociais e na relação entre sociedade e escola
e com a proposta da lei Nº 11.645de 2008.

DESENVOLVIMENTO

O contato e a interação dos povos indígenas com a sociedade provocam


transformações sócio-culturais, econômicas e ambientais, que consequentemente geram
impactos negativos na saúde destas populações, uma vez que são considerados pelas suas
particularidades, como grupos vulneráveis. A participação de uma Equipe Multidisciplinar
não indígena com o intermédio delideranças indígenas e agentes indígenas de saúde,
garantiu que estes grupos tivessem acesso aos serviços de saúde como preconizado pelo
princípio da Universalidade do Sistema Único de Saúde Brasileiro (BRASIL 2010).

A Política de Educação Permanente em Saúde elaborada e implantada pelo Ministério


da Saúde (MS) em 2004 é considerada uma estratégia que contribui com a integração entre
as políticas públicas e instituições da saúde e da educação. Ela favorece a intersetorialidade
e a resolução dos problemas resultantes do contato intercultural, caracterizando-se por uma
opção político-pedagógica, também para a saúde indígena (ENSP, 2014).

Corroborando com tais políticas de atenção à saúde, o projeto de formação de


profissionais da saúde“HukaKatu”, dialoga indiretamente,com as premissas da lei Nº
11.645/2008, uma vez que traz para o setor da educação superior,o contexto multiétnico e
cultural indígena. Ele possibilita aos alunos e comunidade científica a ressignificação do
papel destas comunidades no panorama brasileiro, pois trabalha com a discussão das
temáticas: a relação do homem em sociedade; diferentesculturas e o contato social; o
estudo de raças no Brasil; conceitos de cidadania e política; humanização da saúde;
sociologia, antropologia, promoção de saúde e políticas públicas; saúde indígena geral e
bucal e as políticas de atenção à saúde indígena.

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ISSN:

Um ano após a formulação da lei para incentivo da temática indígena na educação,


este projeto foi contempladopelo Edital PROEXT 2009 do Ministério da Educação; Ministério
do Trabalho e Emprego; Ministério da Cultura; Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional pelo convênio n°011 744061/2010 (proposta 84982/2009).

O desenvolvimento do projeto ocorreu no ano de 2011 e se caracterizou por


atividades preparatórias e de campo do ensino superior em odontologia, por meio da
disciplina optativa semestral: Atenção a Saúde Bucal, em populações indígenas cód.8071218,
do currículo oficial da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto, da Universidade de São
Paulo.

Nesta disciplina, a etapa preparatória propôs a noção de competência humana do


cuidado, em sua dimensão ética como um ato social de assumir responsabilidades frente a
situações de trabalho complexas e culturais. Desenvolveram-se encontros temáticos extra
curriculares semanais utilizando-se de recursos de ensino como textos, documentários,
filmes e seminários, sugeridos e listados previamente, pela equipe de docentes. De forma
complementar foram utilizadas a ferramenta digital (Ciber-tutor[1]), com dois cursos, para
acesso a produção presente na literatura em saúde bucal coletiva e cultura indígena.

Em 2011 ocorreram quatro “Etapas de Campo”, nas quais, cinco estudantes e um


docente coordenador do projeto desenvolveram atividades nas realidades concretas de
saúde indígena, atingindo em média, cinco aldeias em cada etapa em um período
aproximado de dezoito dias.

O modelo de atenção à saúde bucal dos povos indígenas assistidos nas etapas de
campo, contou com o compromisso da integralidade em saúde, desenvolvendo ações de
promoção de saúde, preventivas e reabilitadoras. A comunidade foi atendida pela equipe no
seu próprio território (aldeias) e no pólo de saúde local. Após a identificação das
necessidades, por meio de um diagnóstico individual e coletivo das condições de saúde
bucal, com uma cobertura de 2/3 da área correspondente aos pólos base Pavuru, Diauarun e
Wawi, o que contribuiu também para o próprio subsistema de saúde indígena local. Ainda
como ação programática, desenvolveu-se acompanhamento, treinamento e capacitação dos

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

agentes indígenas de saúde bucal nas atividades de promoção, assistência e trabalho


protético, durante todas as entradas.

No total do período contemplado pelo Edital do Ministério da Educação,


inscreveram-se dezessete estudantes, dos quais, cinco concluíram as duas etapas
(preparatória/campo)no primeiro semestre,enquanto que no segundo semestre, a disciplina
contou com vinte e oito inscritos e quatorze deles concluíram as duas etapas.
Independenteda conclusão das duas etapas, a sensibilização intercultural e o contato com o
a realidade indígena atingiu seu objetivo, proporcionando novos olhares sobre estas
populações à quarenta e cinco profissionais da saúde.

Destes alunos contemplados e sensibilizados para a questão indígena, a autora deste


trabalho participou das etapas preparatórias e de campo no segundo semestre.Ao concluir
sua formação, devido à experiência no projeto e ao novo olhar a respeito dos povos
indígenas, se sentiu impulsionada a trabalhar com tais comunidades.

Foi contratada pelo Projeto Xingu da Universidade Paulista de Medicina UNIFESP, em


parceria com a Secretaria Especial de Saúde Indígena, para atuar como cirurgiã-dentista do
subsistema de saúde indígena. Atuou por todo o ano de 2012, no Distrito Especial de Saúde
Indígena do Xingu, como profissional de saúde bucal,responsável pelo pólo-base Pauvuru do
médio Xingu, na promoção, prevenção e assistência à saúde de cinco etnias diversas: Ikpeng,
Kaiabi, Kamayurá, Trumai e Waurá.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A obrigatoriedade do estudo da história e cultura indígena nos estabelecimentos de


ensino fundamental e de ensino médio públicos e privados em todo o país é uma tentativa
de se transformar padrões históricos de colonização e eurocentrismo. Esse passo político é
uma parte de diversas ações em diversas políticas para se trabalhar a questão étnica, o
preconceito e as diferenças raciais no país. Possibilitounovos desdobramentos em inúmeros

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

contextos e gerou novas demandas, tanto nos setores da educação, quanto nos outros como
seria o setor da saúde.

Pode-se elencar como demanda que emergiu da experiência: o desenvolvimento de


recursos humanos, para o contato direto e assistência respeitosa aos valores tradicionais dos
povos indígenas, ou para a preparação de novos cursos de extensão e novas formações que
abordem a história e cultura indígenas. A modificação de padrões culturais já estabelecidos
passa pela capacitação de profissionais para atuarem no contexto da saúde, ou em qualquer
outro, de forma a reduzir estruturas perversas ligadas às raças e grupos.

O retrocesso nos incentivos para a temática indígena, explicitados nas propostas de


reforma do ensino médio, coloca disciplinas como a história em categorias optativa. O corte
do número de cotas e subsídios para as populações indígenas nas escolas e universidades e
até no direcionamento das políticas públicas de educação, são contraditórios à Lei tratada
neste trabalho. Um currículo excludente que não respeite a cultura e formas de viver e fazer
indígena pode perpetuar as inequidades e discrepâncias raciais brasileiras.

As políticas educativas tiveram efeito multiplicador e reflexos positivos na formação e


atuação profissional de indivíduos e comunidades indígenas assistidas ao interagirem com
profissionais capacitados. É salutar que iniciativas destas proporçõesdeveriam ser mais
freqüentes, pois contribuem para a redução de estigmas e da cidadania, além de possibilitar
uma experiência inédita no empoderamento da população indígena e das equipes de saúde,
gerando outras demandas e formas de participação social

REFERÊNCIAS

BRASIL. Fundação Nacional de Saúde. Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos
Indígenas. 2ª edição – Brasília: Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde, 2002.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

_____. Lei 11.645, de 10 de marco de 2008. Disponível


em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm> Acesso
em:2018-06-10

_____. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Secretaria de Atenção à


Saúde. Política Nacional De Promoção Da Saúde.3a edição. Série B. Textos Básicos de Saúde.
Série Pactos pela Saúde 2006, v. 7.Brasília, DF 2010.

CRUZ, CS; JESUS, SS. Lei 11.645/08: A escola, as relações étnicas e culturais e o ensino de
história- algumas reflexões sobre essa temática no PIBID. XXVII Simpósio Nacional de
História. Conhecimento Histórico e Diálogo Social. Natal, Rio Grande do Norte, 22-26 de
julho de 2013.

ENSP. Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP). Formação de Facilitadores
de educação permanente em saúde/organizado por Maria Cristina Botelho de Figueiredo...
[et al], - Rio de Janeiro: EAD/Ensp, 2014. 320p.:il.ISBN:978-85-61-445-98-0.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. IBGE 2010. Folder Brasil Indígena. Em


:<http://www.funai.gov.br/arquivos/conteudo/ascom/2013/img/12-Dez/pdf-brasil-
ind.pdf>acesso em maio 2018.

MESTRINER JÚNIOR, W. Relatório Final Projeto “HukaKatu”. Apresentado à Secretaria de


Educação do Ministério da Educação em cumprimento ao Edital PROEXT 2009 do Ministério
da Educação / Ministério do Trabalho e Emprego / Ministério da Cultura / Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, convênio 744061/2010 - proposta 84982/2009.

RIBEIRO, D. O Povo Brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das
Letras, 2006.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

SASTRE, E. Panorama dos estudos sobre violência nas escolas no Brasil:1980 –2009.
Disponível em: <http://portaldoprofessor.mec.gov.br/storage/materiais/0000015503.pdf>.
Acesso em: 2018-06-11

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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EDUCAÇÃO FÍSICA E CURRÍCULO: POSSIBILIDADES DE (RE)SIGNIFICAÇÃO DA


CULTURA CORPORAL DO POVO INDÍGENA POTIGUARA-PB

OLIVEIRA, André Luis de Freitas

Universidade Estadual da Paraíba

andre.profed@hotmail.com

BUENO, João Batista Gonçalves - Orientador

Universidade Estadual da Paraíba

joaobgbueno@hotmail.com

Introdução

O contexto da Educação Brasileira foi marcado por diversos momentos históricos. Seu
caminho entrecruza com os pensamentos hegemônicos trazidos pelos colonizadores
portugueses.

Durante o processo de evolução a Educação Brasileira foi sendo moldada a partir de


concepções extraterritoriais, as quais tinham como pressupostos a homogeneização de
ideias sobre a cultura, ordenamento social e valores.

A educação escolar para os índios teve início durante a colonização e tinha como
propósito um viés integracionista, fazer com que os índios participassem da sociedade da
época. Todavia, com um real propósito de usurpação das riquezas indígenas, ou seja, suas
terras e cultura. Neste sentido, Zoia (2010, p. 69) enfatiza que:

A história oficial impôs a estes povos um sistema de homogeneização de suas línguas e


culturas, propagando a existência de uma língua e de uma cultura oficial, que é imposta pela
classe dominante e que foi imposta pelos colonizadores aos povos indo-americanos.

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Diante deste ponto de vista, Neira e Nunes (2009), afirmam que o currículo contribui
para moldar as pessoas de forma a construir os cidadãos almejados pelo projeto social. O
currículo pode ser entendido como algo sempre em transformação, que absorve as relações
sociais e culturais dos seus sujeitos, aproximando-os de suas identidades ou, outrora, de
suas diferenças.

O objeto de estudo desta pesquisa refere-se ao currículo da Educação Física no


âmbito da Educação Indígena no Estado da Paraíba, como forma de (re)significar a cultura
corporal indígena como patrimônio histórico do Povo Potiguara.

A Educação Física, como área do conhecimento no âmbito escolar, passou e vem


passando por diversas (re)significações no que se refere ao seu status quo no processo
educacional. Nunes e Rúbio (2008, p. 7) enfatizam que, “a respeito dos currículos da
Educação Física Escolar e a constituição das identidades de seus sujeitos devem ser
realizadas à luz do momento histórico em que foram construídos”.

Ao olhar para o currículo da Educação Indígena Oliveira et al (2014, p.178) referencia


que:

Os desafios na contemporaneidade implicam na efetivação das leis que orientam e


organizam a educação escolar indígena. Diante desses fatos é imprescindível dialogar com
questões de caráter teórico sobre as possibilidades curriculares da organização da escola
indígena, assim como a experimentação dessas teorias curriculares no espaço e tempo da
escola indígena.

As grandes transformações que ocorreram na Educação Indígena estão relacionadas


à organização da legislação, à mudança das políticas públicas e às lutas indígenas e
indigenistas.

Dito isso, a problemática que se apresenta neste estudo é referendada no


questionamento central: Como a cultural corporal indígena é absorvida pelo currículo da
Educação Física na Educação Indígena? Subsequentemente indagações, secundárias tais

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ISSN:

como: a) Qual seria a prática curricular da Educação Física na escola indígena? b) Quais
conteúdos da Educação Física favorecem a cultura corporal indígena?

Como hipótese para a problemática apresentada, entendemos que devido aos


pressupostos curriculares e à abrangência dos conteúdos do currículo oficial, os conteúdos
da cultural corporal indígena sejam colocados à margem do processo neste componente.

No caminho para se buscar as respostas o objetivo geral que norteia esta pesquisa
visa oferecer possibilidades metodológicas para a (re)significação da cultura corporal
indígena como elemento constitutivo do currículo escolar da Educação Física na Educação
Indígena. O que demanda alguns desdobramentos, tais como: a) investigar como é
construído o currículo da Educação Física na Educação Indígena da Rede Pública Estadual
situada no Território Indígena Potiguara, no Litoral Norte Paraibano; b) apresentar a visão da
comunidade escolar sobre os conteúdos da Educação Física e a Cultura Indígena local; c)
elaborar uma proposta metodológica para a Educação Física, com ênfase na cultura corporal
indígena; d) evidenciar a (re)significação da cultura corporal como elemento patrimonial
histórico do Povo Potiguara.

Poder provocar o acesso a um currículo que instigue metodologias que evidenciem a


cultura corporal do Povo Potiguara, fazendo com que se obtenha a remissão do patrimônio
histórico cultural deste povo, se torna a premissa mais relevante deste estudo.

Corroborando com nosso pensamento e evidenciando a relevância científica, Oliveira


et al (2014, p. 175) estabelece que:

É perceptível a necessidade de reconhecer nas matrizes curriculares os fundamentos da


educação escolar indígena como interculturalidade, o bilinguismo, a autonomia na sua
organização comunitária e diferenciada. Pelo exposto há muito que caminhar no sentido de
que a Educação Física na escola indígena seja realmente protagonizada pelos povos
indígenas e que nesse protagonismo seja possível experimentar uma escola com essas
características, distanciando-se de projetos etnocêntricos e colonizadores desenvolvidos nas
escolas indígenas.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

Por tratar de um trabalho no âmbito de um Programa Profissional necessita que


busque soluções que respondam efetivamente os problemas levantados. Assim, o produto
fruto dos encaminhamentos da pesquisa, trata-se de uma Sequência Didática Interativa
(SDI), que contempla o conteúdo histórico patrimonial da cultura corporal indígena, através
dos diversos conteúdos vivenciados no cotidiano desse componente curricular.

Etnografia: uma metodologia possível para o entendimento da cultura corporal como


elemento da Educação Indígena

Este artigo apresenta um recorte da pesquisa desenvolvida no Programa de Pós-


Graduação do Mestrado Profissional em Formação de Professores da Universidade Estadual
da Paraíba (UEPB). Na referida pesquisa utilizamos como campo metodológico a pesquisa
com pressupostos etnográficos.

Flick (2009, p. 7), afirma que, “nos últimos anos, a pesquisa qualitativa tem vivido
um período de crescimento e diversificação, ao se tornar uma proposta consolidada e
respeitada em diversas disciplinas e contextos”. Neste sentindo, a pesquisa etnográfica se
destaca como método que proporciona ao pesquisador e a comunidade científica vislumbrar
o objeto de pesquisa de forma mais aproximada.

Na ótica do Professor e Antropólogo Michel Angrosino (2009), “etnografia significa


literalmente a descrição de um povo” e acrescenta:

É importante entender que a etnografia lida com gente no sentido coletivo da palavra e não
com indivíduos. Assim sendo, é uma maneira de estudar pessoas em grupo organizado,
duradouro, que podem ser chamados de comunidades ou sociedades. O modo de vida
peculiar que caracteriza em grupo é entendido como cultura. Estudar a cultura envolve um
exame dos comportamentos, costumes e crenças apreendidos e compartilhados do grupo.
(ANGROSINO, 2009, p. 16)

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Sendo o objeto de pesquisa deste estudo situado no envolvimento da cultura


indígena, mais precisamente, do Povo Potiguara e o currículo escolar de Educação Física, a
etnografia se torna primordial para o alcance das respostas para os questionamentos
propostos anteriormente.

Por conseguinte, Castro (2015, p.73) ressaltar que:

As pesquisas tipo etnográfico permitem que o sujeito e o pesquisador possam compartilhar


experiências que partem das explicações que os sujeitos constroem sobre si que delineiam
os processos vivenciados por eles. Desse modo, o relato do estudo apresenta uma leitura
vívida das narrativas dos sujeitos e não apenas resultados de pesquisa.

A abordagem etnográfica aproxima o pesquisador e os sujeitos da pesquisa, tal


metodologia traduz com essência as questões pertinentes ao objeto de estudo deste
trabalho. Ainda utilizando o pensamento de Castro (2015, p. 76), “a etnografia da escola
permite ao pesquisador desenvolver um olhar mais sensível para as questões que
constituem o chão da escola”. Portanto, “a partir da abordagem etnográfica, entende-se que
o próprio aluno é sujeito dessa construção”. (Ibid, p. 79).

A abordagem etnográfica tem por definição aproximar o pesquisador e seu objeto de


pesquisa, isto acontece pela a interação múltipla e complexa que discorre durante o
processo.

Para tanto, Erickson (1992, p. 204 apud Castro, 2015, p. 111), lembra que existe
quatro propósito que objetivam a realização de uma investigação envolvendo a atmosfera
educacional. Para o autor, faz-se necessário:

a) descrever processos locais que influenciam o ambiente


escolar de um modo geral;

b) documentar fatos e eventos interativos com uma precisão


ainda maior do que é possível com a observação participante
e com a entrevista;

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ISSN:

c) observar de perto as ações locais e avaliar cuidadosamente


as características da interação e o significado das ações locais
tendo em vista que o participante colabora para o
entendimento da questão pesquisada;

d) identificar as formas como interações rotineiras são


organizadas.

Sendo assim, justificando a utilização da observação participante, o questionário, a entrevista


semiestruturada e os registros de áudio, vídeos e fotografia.

A observação segundo Sampieri et al (2013, p. 419), “implica entrarmos profundamente em


situações sociais e mantermos um papel ativo, assim como uma reflexão permanente, estarmos
atentos aos detalhes, acontecimentos, eventos e interações”. A observação facilitará entender e
vivenciar a cultura do Povo Originário Potiguara, seus costumes e sua educação escolar.

A observação participante na visão de Castro (2015, p. 111):

Possibilita que o pesquisador se integre ao ambiente investigado mesmo por um curto período de
tempo e que desenvolva em sentimento de pertença e de identificação com o grupo de participantes
e o contexto da pesquisa.

Neste contexto a observação constitui um procedimento indispensável para o entendimento


do ambiente pesquisado e uma ferramenta ímpar para coleta de dados, “a observação é sem dúvida
a técnica privilegiada para investigar os saberes e as práticas na vida social e reconhecer as ações e as
representações coletivas na vida humana”. (ECKERT & ROCHA, 2008, p.15).

Todos os passos metodológicos buscam como resposta o entendimento sobre a


construção do currículo da Educação Física na Educação Indígena, objetivando o
fortalecimento da cultura do Povo Potiguara através de práticas da cultura corporal no
cotidiano da Educação Física escolar.

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O conceito de experiência histórica e o currículo: pressupostos etnográficos para a pesquisa


com a cultura corporal indígena

Com intenção de colocar luz sobre o conceito de experiência histórica, apresentado


por Thompson, lançaremos mão de conhecê-lo um pouco. Edward Palmer Thompson é um
historiador inglês, nascido em 1924. Filho de um pastor e uma missionária. Thompson
sempre atuou no movimento de esquerda, definindo-se politicamente como um marxista
humanista.

Segundo Melo Junior (2011, p. 2), “é dentro desse perfil, que Thompson procura
resgatar a formação de ações coletivas originárias de movimentos sociais na Inglaterra do
século XVIII”. Ele busca em suas produções dar voz aos menos favorecidos da sociedade
daquela época.

Crítico incansável Althusser, por este conceber as relações de forma estruturalista,


Thompson procura entender “através da luta de classes a formação de experiências
históricas, como modelo unificador das ações dos trabalhadores”. (MELO JUNIOR, 2011, p.
2).

Thompson ao retratar o conceito de experiência em seu livro “a Miséria da Teoria”,


enfatiza que:

A experiência surge espontaneamente no ser social, mas não surge sem pensamento. Surge
porque homens e mulheres (e não filósofos) são racionais, e refletem sobre o que acontece
a eles a ao seu mundo. [...] Pois não podemos conceber nenhuma forma de ser social
independente de seus conceitos e expectativas organizadoras, nem poderia ser social
reproduzir-se um único dia sem pensamento. O que queremos dizer é que ocorrem
mudanças no ser social que dão origem à experiência modificada: essa experiência é
determinante, no sentido de que exerce pressões sobre a consciência social existente,
propõe novas questões e proporciona grande parte material sobre o qual se desenvolve os
exercícios intelectuais mais elaborados. A experiência, ao que se supõe, constitui uma parte

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da matéria prima oferecida aos processos do discurso científico da demonstração.


(THOMPSON, 1981, p. 16).

Neste sentido, Melo Júnior (2011, p. 3) aponta que o conceito de experiência


histórica tem por objetivo demonstrar que é indissolúvel pensar determinada classe separa
de outra, este processo ocorre a partir das experiências históricas de conquistas e
apreendidas por homens e mulheres concretos.

Pensar o conceito de experiência histórica é imergir num campo onde as


interpretações sejam individualizadas, porém tal individualidade parte de forma coletiva,
sendo assimilada por um conjunto de fatores. A experiência ocorre em um determinado
lugar, tempo e espaço, sendo impossível revisitá-lo.

Aproximando o entendimento de Thompson ao campo educacional Carmo (2007,


p.20) aponta que:

A ideia de experiência que corresponde a um processo realmente vivido pelos seres sociais e
que modifica efetivamente a consciência social e o processo educacional. Pela experiência e
pela educação, há uma relação profunda e dinâmica entre os seres sociais e a consciência
social que altera a todo o momento o que é pensado e sentido na vida social.

Quando se trata de educação institucional o pensamento se estende a abrangência


social. Não há como buscar tal diálogo sem discutirmos os conceitos de currículo.

O campo das teorias do currículo é sem dúvida um complexo cenário de


desdobramentos conceituais, onde os teóricos inserem seus achados e consequentemente
suas teorias. Imergir neste universo produz ao mesmo tempo sensações diferentes, como
abrir a possibilidade de interação com diversas teorias e ao mesmo tempo a angústia de não
se sentir confortável com inúmeras informações.

Tomaz Tadeu Silva apresenta uma sucinta reflexão sobre as teorias de currículo na
visão de suas correntes teóricas, com efeito:

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Temos de forma breve e simplificada, as seguintes visões de currículo e de teoria curricular:


I) a tradicional, humanista, baseada numa concepção conservadora da cultura e do
conhecimento, que se baseia numa perspectiva conservadora da função social e cultural da
escola e da educação; 2) a tecnicista, em muitos aspectos similares à tradicional, mas
enfatizando dimensões instrumentais, utilitárias e econômicas da educação; 3) a crítica, de
orientação neomarxista, baseada numa análise da escola e da educação como instituições
voltadas para a reprodução das estruturas de classe da sociedade capitalista; 4) a pós-
estruturalista, que retoma e reformula algumas análises da tradição crítica neomarxista,
enfatizando o currículo como prática cultural e como prática de significação. (SILVA, 2006, p.
12-13).

O currículo situa toda a discussão emergente no contexto escolar e educacional. Ele é


que norteia o caminho a ser percorrido pelas estruturas educacionais de uma Nação. “O
currículo é também um dos elementos centrais das reestruturações e das reformas
educacionais que em nome da eficiência econômica estão sendo propostas em diversos
países”. (SILVA, 2006, p. 10).

Na visão de Moreira e Silva (2011, p. 7), as teorias de currículo estão engajadas em


buscar respostas concernentes ao conhecimento a ser oferecido aos estudantes e a que tipo
de ser humano será oferecido para um dado tipo de sociedade. Contudo, o currículo é um
elemento de modelagem o qual está engajado a manutenção de uma ideologia articulada
por um ou mais grupos teóricos.

O currículo é resultado de uma seleção, de um amplo universo de conhecimento e


saberes, os quais são selecionados para a construção, do que se conhece materialmente por
currículo. (SILVA, 2015, p. 15). As etnias indígenas em sua história tiveram como bandeira de
luta a educação escolar. Neste sentido, o currículo voltado para a educação indígena deve
acomodar os conhecimentos destes povos, suas tradições e cultura.

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ISSN:

Para o Professor Ivor Goodson, pensar numa história de currículo e sua organização
de conhecimento é entendê-la como artefato social, sendo modificada sob a visão do poder
historicamente construído.

É natural que uma história do currículo nos ajude a ver o conhecimento corporificado no
currículo não como algo fixo, mas como um artefato social e histórico, sujeito a mudanças e
flutuações. [...] O currículo tal como o conhecemos atualmente não foi estabelecido, de uma
vez em algum ponto privilegiado do passado. Ele está em constante fluxo de transformação.
(GOODSON, 2013, p. 7).

Ainda segundo o mesmo autor, “uma análise histórica do currículo deveria, tentar
captar as rupturas e disjunturas, e não apenas olhar os pontos de continuidade”, neste
sentido o historiador inglês Edward Palmer Thompson lança o conceito de experiência
histórica e faz a seguinte reflexão:

A experiência modifica às vezes de maneira sútil e às vezes mais radicalmente, todo o


processo educacional, influencia os métodos de ensino, a seleção e o aperfeiçoamento dos
mestres e os currículos, podendo até mesmo revelar pontos fracos ou omissões nas
disciplinas acadêmicas. (THOMPSON, 2002, p.13).

Não existe nada mais inacabado e descontinuo do que a experiência, assim o


currículo deve encontra-se no campo do “imperfeito”, mas do que no campo das certezas.
Os saberes que abrangem os Povos Originários fazem parte desta experiência histórica e
devem compor o currículo da escola formal indígena.

O currículo deve ser pensado historicamente e socialmente, sendo uma ferramenta


importante na construção de identidade de um povo. A relação com a identidade está
muito relacionada como homens e mulheres se identificam como classe. Com efeito,
Thompson (2001, p.227), apresenta:

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ISSN:

A classe se delineia o modo como homens e mulheres vivem suas relações de produção e
segundo a experiênciade suas situações determinadas, no interior do “conjunto de suas
relações sociais” (destaque do autor), com a cultura e as expectativas a eles transmitidas e
como base no modo pelo qual se valeram dessas experiências em nível cultural.

Para tanto, a historia do currículo tem que ser uma história social do currículo, que
segundo Goodson (2013, p.10) “está centrada numa epistemologia social do conhecimento
escolar, preocupada com os determinantes sociais e políticos do conhecimento educacional
organizado”.

O currículo e a educação estão interlaçados e imergidos em uma política cultural,


sendo um campo ativo de produção de cultura em um terreno contestado. (MOREIRA &
SILVA, 2011, p. 34). Em suma, o currículo deve aproximar as experiências vividas pelos
alunos, sendo estas uma construção histórica e dialética, socialmente modificadas e
enraizadas na cultura de seus povos.

A Cultura Corporal como ferramenta pedagógica de fortalecimento da cultura indígena

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), em seu sétimo volume, oferece


propostas para o Ensino de Educação Física no Ensino Fundamental. Em seu preâmbulo faz
um percurso histórico da Educação Física no contexto da educação formal. Observamos
neste documento que este componente sempre esteve presente no currículo escolar, muito
embora disfarçado com outros nomes, por exemplo, ginástica.

No ano de 1851 foi feita a reforma Couto Ferraz, a qual tornou obrigatória a Educação Física
nas escolas do município da Corte. [...]E, 1882, Rui Barbosa deu seu parecer sobre o projeto
224, Reforma Leôncio de Carvalho, no qual tornou defendeu a inclusão da ginástica nas
escolas e a equiparação dos professores de ginástica aos das outras disciplinas. (BRASIL,
1997, p. 20).

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ISSN:

Durante todo este período a Educação passou por diversas influências, seja nas suas
vertentes pedagógicas, seja na sua visão de currículo e com a Educação Física não foi
diferente.

Darido (2003, p. 2-4), enfatiza que, a Educação Física em seu contexto histórico se
travestiu de diversos corpos pedagógicos, a exemplo, a função higienista-eugênica, que
visava à manutenção da raça humana através de exercícios físicos. Como também, cita a
função esportivista, que girava em torno do slogan Brasil-Potência, ou seja, à medida que o
País obtinha êxito nas competições de alto nível, gerava uma falsa impressão que o Brasil
estava se tornando uma grande potência, com isso amenizava as críticas internas e
estabelecia-se um clima de prosperidade.

Contrapondo a todo este cenário, imerge na comunidade acadêmica a necessidade


de ruptura com os laços mais mecanicista que envolve a Educação Física. A partir, da década
de 80 surgem diversas abordagem pedagógicas pra romper com essas amarras.

Atualmente existe na área da Educação Física várias concepções, todas elas tendo em
comum a tentativa de romper com o modelo mecanicista, fruto da etapa recente da
Educação Física, em um primeiro momento: Desenvolvimentista, Construtivista-
Interacionista, Critico Superadora e a Sistêmica. Em um segundo momento apresento as
concepções Psicomotrisista, Crítico-Emancipatória, Cultural, Saúde Renovada, Jogos
Cooperativos. (Ibid., p. 4).

As abordagens pedagógicas buscam até hoje empreender qual o caminho da


Educação Física na escola ou na Educação escolar. Muito embora, elas digladiem entre si,
para se situarem como a qual mais responde as lacunas pedagógicas da Educação Física e
muitas vezes se anulando em polos antitéticos.

Sairemos do campo das abordagens pedagógicas para imergirmos em uma discussão


mais ampla que gira em torno do currículo. Então, cabem os seguintes questionamentos:
Qual o objeto de estudo da Educação Física na escola? O que seria ensinar e a aprender para

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a Educação Física escolar? Como o currículo da Educação Física absolve os elementos da


cultura trazidos pelos alunos? São perguntas que levam a reflexão sobre os caminhos
pedagógicos desde componente curricular na escola.

No contexto das transformações socioeducaionais, vislumbra-se a necessidade de


alguns apontamentos sobre o currículo, entre eles o entendimento de Silva (2015), que
observa que este tem como características entrecruzar práticas de significação, identidade
social e de poder, sendo considerado um espaço onde se travam lutas decisivas pela
hegemonia, definição e domínio do processo de significação, como também Goodson (2013,
p. 8), de que o currículo passa a ser entendido como um artefato social e cultural constituído
por determinações históricas e pressões sociais.

Neste sentido, Marcos Garcia Neira e Mário Luiz Ferrari Nunes ressaltam que surge o
momento de uma democratização curricular da Educação Física, como área que tem como
objeto de estudo escolar o patrimônio da cultura corporal da humanidade tratado
pedagogicamente.

Portanto, o que se propõe é uma concepção de Educação Física que ofereça a oportunidade
do diálogo por meio do encontro das diversas culturas, proporcionando aproximação,
intenção, experimentação, análise crítica e valorização das diversas formas de produção e
expressão corporal presentes na sociedade, para que os educandos possam reafirmar sua
identidade e reconhecer a legitimidade de outras. (NEIRA; NUNES, 2009, p 19)

Temos assim, a cultura corporal como principal norte para as relações pedagógicas
existentes na Educação Física. Sendo, a cultura como o elo entre o conhecimento científico
oferecido pela a escola e os trazidos pelos alunos. Para Moreira e Candau (2007), cultura
refere-se à dimensão simbólica presente nos significados compartilhados por um
determinado grupo.

Apple (1999), Goodson (2013), Silva (2006, 2015), rejeitam qualquer modelo de
educação que não se fundamente nas vidas e histórias pessoais daqueles que compõem a

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comunidade escolar, a saber, alunos, professores, familiares, funcionários, gestores. Sendo


assim, Moreira e Candau (2007, p. 27), esboçam que, “quando um grupo compartilha uma
cultura, compartilha um conjunto de significados, construídos, ensinados e aprendidos nas
práticas de utilização da linguagem”.

Neste contexto, a Educação Física cumpre seu papel de reverenciar a cultura


corporal, trazendo como linguagem os significados das tradições do corpo indígena,
fortalecendo da cultura corporal Potiguara, ao mesmo tempo em que promove o resgate de
histórias vividas pelo corpo indígena, que seja nas suas danças, seus jogos ou suas
brincadeiras.

Considerações

O processo de colonização provocou a usurpação das culturas indígenas. Desde


então, as etnias indígenas buscam o resgate e o fortalecimento de suas culturas e tradições,
eles encontram no espaço escolar um meio para estas conquistas.

Para tanto, busca nos pressupostos teóricos respostas para os seguintes


questionamentos: a) Como são construídos os currículos da Educação Física na Educação
Indígena? b) Quais elementos da cultura corporal indígena são absolvidos por tais
currículos? c) Como os índios podem percebem sua cultura no cotidiano das aulas de
Educação Física?

Neste contexto, usufrui da pesquisa bibliográfica possibilita olhar para estas


questões, ao mesmo tempo em que concebe o currículo de Educação Física como
possibilidade para a imersão da cultura corporal indígena, usufruindo de suas danças, jogos
e brincadeiras.

Com ênfase, o conceito de experiência histórica e o currículo sendo entendido como


artefato social, permite que a cultura dialogue com suas características para responder
como são construídos tais currículos e como estes elementos fazem parte do cotidiano das
aulas de Educação Física.

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ISSN:

Por fim, este artigo cumpre seu objetivo em oferecer uma reflexão que sirva como
parâmetro para a pesquisa qualitativa envolvendo os Povos Originários e sua cultura.

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A LEI 11.645 NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INDÍGENA

BORGES, Cláudia Cristina do Lago

Universidade Federal da Paraíba

claudialago.rn@gmail.com

INTRODUÇÃO

Numa pergunta simples: qual o sentido da Lei 11. 645 no contexto da Educação
Indígena? Para falar sobre o assunto, o artigo em pauta traz uma reflexão sobre a
importância da lei na vida escolar dos povos indígenas.

Parece estranho pensarmos que uma Lei que insere um objeto de discussão, seja
implantado junto ao próprio objeto, para ser mais específico, como avaliar a importância da
lei que trata da inserção da história, linguagens e artes dos povos indígenas no ensino, seja
abordado junto aos próprios índios. Seria uma relação bastante óbvia, e de certo modo
redundante, mas devemos ver pelo lado da representação das populações indígenas em seu
próprio meio, como expectativa de recuperar uma identidade cultural que fora rejeitada e
extirpada da sociedade pelo dito “homem branco civilizado”.

Desde que a lei foi promulgada em 2008, e nos anos que tem seguido sua
aplicabilidade, muito já vem sendo discutido e analisado sobre como, e se ela tem, de fato,
atuado ou contribuído no contexto da educação no Brasil, em especial se o objetivo dela é
inserir e ampliar o conhecimento sobre a história e a cultura dos povos indígenas e sua
relação com a cultura e a sociedade brasileira. Mas, para adentrar na discussão, precisamos
avaliar qual o contexto da criação da Lei e os efeitos que ela tem causado no sistema de

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ensino como um todo, neste caso, consideraremos os livros didáticos nos seus conteúdos e
imagéticos, e a atuação dos professores na sua formação e metodologias.

Este trabalho é resultado de pesquisas realizadas desde 2016 pelo Projeto ABAIARA –
Grupo de Estudos Indígenas da Paraíba, que entre as suas linhas de pesquisa avalia como a
história e a cultura dos povos indígenas têm sido abordadas no âmbito da educação. Nosso
objetivo aqui é fazer uma breve análise de como a Lei, e mais recentemente a BNCC se
inserem no contexto da educação indígena, e como esses documentos impactam na
formação docente e na produção de materiais didáticos direcionados as escolas indígenas.

UMA LEI PARA ÍNDIO VER?

Historicamente, a leitura que fazemos da questão indígena no contexto da educação


é a da exclusão. Desde a colonização do Brasil que pensar nos índios como senhores das
terras, de seus costumes e de suas próprias vidas era algo inconcebível para uma sociedade
branca, cristã e mercantilista. Em outras palavras, como os índios não se enquadravam nos
padrões civilizatórios, deveriam, portanto, ser educados e catequizados.

Essa percepção de dominação sobre o outro estendeu-se ao âmbito das legislações e


políticas indigenistas, da colônia até a República. Em todos os processos, as políticas que se
caracterizavam como protecionistas, na verdade, revelavam um cunho “civilizador” através
da educação, propiciando assim um possível convívio dos índios com a sociedade. Esse
modelo é bem claro no projeto de catequese das ordens religiosas no Brasil no início da
colonização, e, com o passar dos anos vai ficando ainda mais explícito, a exemplo de, ainda
no Império, José Bonifácio de Andrade e Silva, em seu Projetos para o Brasil, de 1838,
afirmar que “Não se pode dizer que os índios do Brasil sejam incapazes de compreensão e
discurso, porém não são capazes de pensar profundamente e aturadamente” (SILVA, 1998,
p. 133).

Com o início da República, a criação do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), em 1910,
perpetuou-se o discurso do “ensinar para civilizar”. O órgão pensado e administrado pelo

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Estado e sob a direção do Marechal Cândido Rondon, um militar de carreira com experiência
de desbravar os sertões do centro-oeste do Brasil e de estabelecer vínculos com diversas
populações indígenas nessas áreas, algumas delas ainda sem contato, passa também a
vincular a ideia do processo civilizatório a partir da educação dos povos. Esta ideia é
expressa no documento de criação do órgão, que define o sistema de educação nas aldeias
“[...] onde serão estabelecidas escolas para o ensino primario, aulas de musica, officinas,
machinas e utensiliosagricolas, destinados a beneficiar os productos das culturas, e campos
apropriados a aprendizagem agrícola” (DECRETO 8.072, 20/06/2010, Art. 15).

As ações do SPI adentram o período do Estado Novo e ganha um novo fôlego com a
política nacionalista de Getúlio Vargas. Deste modo, mantêm-se a proposta de “[...]pôr em
execução medidas e ensinamentos para a nacionalização dos selvícolas, com o objectivo de
sua incorporação á sociedade brasileira” (DECRETO 736, 06/04/1936, Art. 1º, alínea b). A
propaganda de valorização das raízes nacionais vai adiante no governo varguista, chegando
ao pretenso discurso de reconhecimento da importância dos povos indígenas com o
promulgação do Decreto Lei n. 5.540, de 19 de abril de 1943, o qual estabeleceu esse como
o “Dia do índio”. Um texto curtíssimo, com apenas dois artigos e nenhum preâmbulo,
resume no seu conteúdo qual era a importância que o governo dedicava aos povos
originários do Brasil. Só a título de comparação, o Decreto 24.224, de 11 de maio de 1934,
também de Getúlio Vargas e que instituiu o dia do automóvel e da estrada e rodagem,
possui muito mais textos de consideração da importância da criação desta data do que sobre
os povos indígenas, o qual não possui nenhum “considerando”.

Nos anos de 1960, já no período militar no Brasil, o SPI é substituído pela FUNAI,
mantendo-se a política protecionista aos indígenas. No documento que estabeleceu sua
criação, já no artigo 1º, determinava que o órgão deveria “[...] promover a educação de base
apropriada ao índio visando à sua progressiva integração na sociedade nacional” (LEI 5.371,
05/12/1967). Entretanto, a educação de base nas aldeias indígenas estava pautada, assim
como sob a tutela do SPI, na condição de vigilância e administração do órgão regulador e
pelo Estado do Brasil, ou seja, as diretrizes educacionais a serem aplicadas nas escolas

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indígenas não eram planejadas e determinadas pelos próprios índios, mas por um estado
burocrático, autoritário, apático e indiferente a importância da permanência cultural dos
diferentes povos.

É somente com a redemocratização e a publicação da Constituição de 1988 que os


povos indígenas passam a ter espaço, e não somente na sua representação jurídica, mas, e
principalmente pela sua importância frente as suas lutas e resistências pela manutenção de
seus costumes e suas terras. Mas, até aqui, os povos originários do Brasil foram quase
totalmente extirpados da história do país como um todo. Anos de negação, extermínio,
exclusão e indiferença por parte de uma sociedade que se autodenomina “civilizada” e de
poderes governamentais, acabaram por tornar os povos indígenas invisíveis.

Considerando apenas a ótica que envolve as instituições reguladoras sobre a


educação indígena, essa visão geral e bastante resumida até aqui mostrada, servirá para
chegarmos na discussão da Lei 11.645, de 10 de março de 2008, e mais recentemente da
Base Nacional Curricular. Da mesma forma que os povos indígenas sofreram ao longo dos
anos uma perda na memória histórica do Brasil, os povos africanos também tiveram sua
parcela de rejeição social, cultural e histórica. Entretanto, a escravidão africana parece que
esteve mais presente na memória e discursos escolares e no cotidiano social do que a dos
povos originários da terra brasilis. E a melhor explicação é que temos uma sociedade cuja
cor de pele, claramente, denuncia suas raízes.

Mas por que então não nos identificamos com as raízes indígenas? Costumeiramente,
o índio passou a ser uma figura estereotipada, de cabelos pretos, longos, olhos puxados,
seminus, adornados com plumagens e pinturas corporais, restritos às áreas isoladas ou às
regiões do norte do país. Além dessas atribuições, podemos ainda ver as adjetivações:
selvagens, preguiçosos, analfabetos e assim por diante.

Voltando ao contexto da Constituição brasileira e o reconhecimento das populações


indígenas, inegavelmente foi um espaço conquistado, mas ainda havia um vácuo quanto ao
respeito desses povos frente ao âmbito da educação. De 1988 para cá, algumas medidas
foram sendo tomadas, no sentido de abarcar o discurso nas instâncias da formação social. A

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Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996, que definiu as Diretrizes Curriculares e Bases da


Educação Nacional (LDB), determinou no seu parágrafo 4º do Art. 26 que “O ensino da
História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a
formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígenas, africana e europeia”. O
texto em questão surge como uma expectativa para uma mudança de percepção sobre
quem são os índios do Brasil junto as escolas e instituições educacionais não indígenas. Mas
como a lei se ajustou para as escolas indígenas?

Ao estabelecer a regulação do ensino e da educação indígena na áreas de vivência


das populações locais, respeitando as práticas culturais e linguísticas, as Diretrizes
Curriculares Nacionais abriram espaço para que os diferentes grupos recuperassem sua
história e suas memórias, expandindo assim a produção de materiais didáticos, vídeos,
documentários, sites, e muitas outras oportunidades que pudessem abranger sua própria
identidade cultural.

E é nesse sentido que chegamos a Lei 11.645, de 2008. Em linhas gerais, podemos
afirmar que ela avança de forma mais satisfatória a necessidade de ver a cultura e a história
indígena no âmbito da construção social do Brasil. Ao determinar a obrigatoriedade de
incluir o tema na educação básica, isso acabou se estendendo aos cursos de formação
docente, que tendem a fazer as discussões em seus programas curriculares, bem como na
produção de um material didático mais substancial nesta temática. Entretanto, há questões
ainda a serem abordadas, e que se referem a discussão da lei e sua aplicabilidade.

Ao versar os conteúdos abordados nos livros didáticos da Educação básica, o PNLD


(1985) parece considerar a temática como um todo, acordando assim com a legalidade das
normativas da LDB e da Lei 11.645, entretanto, o que vemos de modo geral nos textos e
imagens representados nos livros é a manutenção das constantes generalizações, conforme
aponta Giovani Silva (2015, p.21):

Ainda hoje, quando são lidos alguns livros didáticos de História, tem-se a impressão
de que as populações indígenas pertencem exclusivamente ao passado do Brasil. Os verbos
relacionados aos indígenas invariavelmente estão no pretérito, e a eles são dedicados

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apenas algumas poucas páginas, geralmente na chamada “pré-história” e/ou no “cenário do


descobrimento”. A partir da chegada dos portugueses ao continente americano, os
indígenas “desaparecem”, e os alunos não fazem a mínima ideia do que teria ocorrido nos
séculos seguintes com os diferentes grupos (bem como com seus descendentes) que
habitavam as terras que viriam a se tornar o território brasileiro.

Do mesmo modo que as escolas não-indígenas são atendidas pelas demandas do


mercado editorial de livro didático, as escolas indígenas fazem parte também deste público
consumidor, e, apesar do Ministério da Educação manter comissões de avaliação dos
conteúdos desses materiais, em geral, a questão indígena acaba escapando para a
superficialidade, e neste ponto, concordamos com a ideia de Grupioni, ao afirmar que

Os autores destes manuais didáticos precisam rever suas fontes e as teorias que seguem,
balizando seus livros em pesquisas mais contemporâneas. As editoras, por sua vez, precisam
ser mais cuidadosas no controle de materiais que elas publicam. E o Governo Federal deve
incentivar avaliações sistemáticas dos livros didáticos beneficiados nos programas de
compra e distribuição de material didático para todo o país. Por fim, cabe aos próprios
índios, e muitos representantes indígenas já estão em condições de manter um diálogo mais
efetivo com a sociedade nacional, “pacificar” e “civilizar” os não-índios (GRUPIONI, 2004,
p.492).

No caso das escolas indígenas, o material distribuído deveria ser, em tese,


diferenciado, em que se considerasse as peculiaridades das diferentes culturas indígenas,
ambientes de ocupação, realidades sociais e econômicas, entre outros. Para situar a análise
dessa questão, um dos resultados provenientes do Projeto Abaiara, do Grupo de Estudos
Indígenas da Paraíba (UFPB), foi o levantamento dos materiais didáticos aplicados nas

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escolas potiguara de ensino fundamental, cujo trabalho culminou no artigo de TCC


apresentado por Simone Maria da Silva (2017).

Em suas análises, a discente chama a atenção para o fato de que “[...] os livros
aprovados pelo PNLD para serem distribuídos nas escolas indígenas não diferem em nada
dos livros distribuídos nas escolas não indígenas, não existe uma editora específica na
produção desses materiais” (SILVA, 2017, p. 14). Em linhas gerais, os livros analisados
apresentam problemas quanto as representações indígenas, seja na discussão temporal, não
demonstrando de forma adequada a relação entre passado e presente, em que ora trata de
práticas culturais como se fossem extintas, como o cultivo da mandioca, ou de alguns ritos e
danças como se ainda fossem praticadas; seja também nas identidades culturais, em que
rementem apenas aos grupos indígenas das regiões Norte e Centro-oeste do país, sem
considerar as diversidades presentes em várias outras unidades da federação.

Deste modo, a autora conclui que

Ao analisarmos estes materiais, conseguimos mensurar o quão os


indígenas ainda são pouco conhecidos e estudados pelos profissionais
do meio editorial, isso é preocupante, afinal, esses autores estão
escrevendo em um período atual em que as discussões sobre essa
temática já avançaram tanto que é inconcebível o tamanho retrocesso.
(SILVA, 2017, p. 26)

Mas, como complementar um conteúdo em sala de aula que surge na sua


superficialidade e que necessita de aprofundamentos? É aí que a figura do professor se
torna essencial. Cabe ao docente mostrar, orientar e conduzir seus alunos ao caminho do
conhecimento, e isso acaba sendo mais urgente se o suporte material não é
satisfatório.Então, aí chegamos em outro problema caso o professor também não tenha

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recebido a formação adequada. Essa questão cíclica deverá ser observada em todo âmbito
da formação docente, independente de qual público ele atuará.

De certo modo, a Resolução 01/2015 do Conselho Nacional de Educação, que


instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores Indígenas em
cursos de Educação Superior e de Ensino Médio, estabeleceu os parâmetros para o perfil do
professor atuante nas escolas indígenas, as perspectivas de formações continuadas,
propostas pedagógicas e curriculares, produção de material didático específico, gestão
escolar e regras e vínculos com a administração pública.

Considerando as proposições dessa lei, numa breve análise de sua exequibilidade, é


possível elencar algumas questões cruciais, tais como a oferta de cursos superior no Brasil
para esse público em específico ou de formação continuada, que, em geral, acontecem fora
das áreas indígenas e dependem das ações e financiamentos das instâncias da administração
pública. Segundo informação do MEC fornecida em 2016, havia, naquele período mais de 20
instituições públicas no Brasil que ofereciam cursos de licenciatura indígena
(http://portal.mec.gov.br/ultimas-noticias/212-educacao-superior-1690610854/35521-
cursos-de-licenciatura-elevam-autoestima-e-fortalecem-cultura-das-populacoes-indigenas),
ao mesmo tempo, a procura e o acesso de indígenas às universidades “cresceu 52,5% de
2015 para 2016, passando de 32.147 para 49.026”
(http://www.justica.gov.br/news/estudantes-indigenas-ganham-as-universidades).

O aumento é bastante significativo se pensarmos que nos anos de 1990 ou mesmo no


início de 2000, a presença indígena em instituições de ensino superior era algo muito
distante de uma realidade necessária, porém, a dificuldade de permanência de muitos
estudantes nos cursos de formação confronta-se com os limites de recursos oferecidos pelos
programas institucionais, tais como o auxílio permanência, residências universitárias,
deslocamento das aldeias até a sede das instituições, entre outros, o que, inevitavelmente,
acabam refletindo na qualidade de formação desses discentes.

Além dos problemas acima elencados, há um outro que também merece atenção: a
questão curricular. Os cursos de licenciatura, no geral, tratam a participação dos povos

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indígenas na composição histórica e social do Brasil, do mesmo que as escolas de ensino


básico, ou seja, discutem o tema de forma superficial, ou no melhor das alegações, de modo
transversal. Nos cursos de História, isto significa que o assunto será trabalhado,
basicamente, na disciplina de Brasil colonial, isto é, os indígenas entram no discurso do
processo da colonização a partir dos confrontos com os exploradores europeus, das
incansáveis tentativas dos jesuítas em converterem os selvagens em cristãos, da captura e
escravização feita pelos “bravos” bandeirantes, e ao longo da introdução do trabalho
africano nas diversas áreas de produção, a figura do índio some, às vezes na virada de um
semestre para outro, de uma disciplina para outra.

E então voltamos para importância da Lei 11.645. Desde a sua promulgação, que os
cursos de licenciatura também têm sido obrigados a abordar a temática em seus currículos,
forçando-os a adotarem novas posturas quanto aos debates e aos conteúdos aplicados em
suas estruturas curriculares. E neste ponto, agora conta-se com mais um reforço: a Base
Nacional Curricular. Após um difícil período de discussão, a BNCC é apresentada no fim de
2017 com mais uma expectativa frente a questão. Como reforço complementar à Lei 11.645,
a Base inclui nos anos iniciais da Educação Básica conteúdos que versam sobre a história, a
cultura, as lutas e resistências dos povos indígenas ao longo desses anos, cujas discussões
não se prendem apenas ao período colonial, mas estende-se até hoje.

Apesar do tema ficar mais restrito ao Ensino Fundamental, as questões indígenas


serão abordadas a partir do 3º ano e culminarão no 9º ano, com “As pautas dos povos
indígenas no século XXI e suas formas de inserção no debate local, regional, nacional e
internacional” (BNCC, 2017, p. 431). No todo, o documento propõe alguns debates que
antes estavam ausentes nos livros didáticos, dentre eles a ação dos estados ditatoriais do
período Vargas e Militar junto aos povos indígenas.

Assim, considerando a importância desses dois documentos, podemos afirmar que


suas implementações incidem de forma direta e indiscutível nos processos de formação
docente e na produção dos materiais didáticos. Basta-nos aguardar em quanto tempo os
resultados serão efetivos.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que buscamos enfatizar nessa discussão da Lei 11.645 é que sua importância não
pode ser analisada de forma individual ou apenas pelo contexto da sua legalidade e
aplicabilidade, é necessário compreendê-la no amplo aspecto que ela envolve, desde uma
mudança na cultura educacional, em que as escolas trabalhem a temática de forma
contundente, corrigindo o olhar cristalizado e estereotipado para uma percepção das lutas e
resistências; dos cursos de formação docente que passam a inserir os aspectos da história e
da cultura indígena, indo para além do contexto da historiografia ou da etnografia, e do
material didático que precisa ser revisado e reelaborado, respeitando as diversidades
culturais e regionais.

Ou seja, de forma ampla, a lei abriu um caminho para que, através do ensino, a
sociedade em geral incorpore a importância dos povos indígenas, entendendo a sua cultura,
suas tradições e sua história, respeitando-os pelas suas práticas originárias, sem tentar
“civilizá-los”. De outro modo, se nos postarmos pelo olhar da educação indígena, a Lei e suas
demais diretrizes, no caso da BNCC, pode recuperar uma parte da história desses povos, que
em grande parte é mostrada apenas pela ótica dos documentos escritos pelas classes
dominantes responsáveis pelas políticas administrativas do Brasil, e assim confrontar com a
memória, as vivências e experiências dos indivíduos que compõem cada grupo.

Nesta perspectiva, o que muitos professores de escolas indígenas têm trabalhado é a


concomitância da história oral com a escrita, possibilitando aos alunos um reconhecimento
de sua pertença cultural e das diversas lutas e confrontos de seu povo. No entanto, a
precariedade orçamentária e estrutural dessas escolas, acabam por limitar as ações de
muitos professores, que buscam, na medida das suas possibilidades, engendrar projetos
pedagógicos que tragam algumas inovações metodológicas.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

Deste modo, evitando a todo custo uma percepção pessimista quanto ao andamento
desse novo processo, devemos considerá-la, de fato, como uma abertura para novos
paradigmas dentro da educação, e que esta não seja mais uma lei, neste caso, para índio ver.

REFERÊNCIAS

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<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=16870-
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1939/decreto-24224-11-maio-1934-557872-norma-pe.html.> Acesso em 08 de junho de
2018.

BRASIL. Lei 11.645, de 10 de março de 2008. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de


1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e
bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a
obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Disponível em
<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2008/lei-11645-10-marco-2008-572787-
publicacaooriginal-96087-pl.html.> Acesso em 08 de junho de 2018.

BRASIL. Lei nº 5.371, de 05 de dezembro de1967. Autoriza a instituição da "Fundação


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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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OLHARES SOBRE EXPERIÊNCIAS NA AULA DE HISTÓRIA INDÍGENA: DESAFIOS,


MEMÓRIAS E ESQUECIMENTOS.

CASTRO, Claudiana Faustino de

Universidade Estadual da Paraíba

claudiana.castro123@gmail.com

PEREIRA, José do Egito N.

Universidade Estadual da Paraíba

egito78@hotmail.com

Introdução:

O artigo que segue é fruto da experiência do componente curricular “Estágio


Supervisionado I”, componente e caminho necessário para a minha formação de graduada
em História prevista para dezembro de 2018, sendo resultado de dois momentos distintos:
primeiro a observação e o segundo a regência de uma aula expositiva na disciplina de
História sobre o indígena na história colonial do Brasil, realizadas em uma escola municipal
do interior do estado da Paraíba, em que observei as aulas da disciplina de história na turma
do 8º ano “A”, no período da manhã, em uma turma composta de 26 alunos matriculados,
com faixa etária de 14 a 17 anos.Este texto tem a co-autoria do Professor do Departamento
de História, José do Egito N. Pereira, que colaborou na revisão historiográfica, tecendo
perspectivas para novos olhares no ensino da história indígena brasileira.

A discussão a seguir, será pautada em dois momentos: um ensaio sobre como a


História e ensino de História indígena fora vista pelos primeiros olhares da historiografia
nacional e os desafios, articulados pelos historiadores para determinar memórias,
esquecimentos e a renovação das versões históricas sobre os indígenas, fazendo
transparecer que a História é sempre filha do seu tempo, como escreveu Braudel, em
Combates pela História. Em seguida, tratarei da experiência adquirida na observação das

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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aulas, e principalmente, na aula sobre história indígena, a qual explorarei meus olhares
sobre a relação dos alunos e professores, e o quanto esta temática nas aulas de histórias
contribui para a construção do aluno cidadão.

Partindo da compreensão de História, enquanto um discurso que produz o passado


como uma enunciação do presente, os acontecimentos foram escolhidos para fornecer
outros caminhos possíveis para contar a experiência indígena no período colonial e
sobretudo, para fornecer uma visão além da violência e da humilhação. Esse debate deve ser
incluído nas discussões escolares para que os estudantes tenham uma visão mais
humanizada sobre os indígenas, perceba-os como sujeitos históricos que são passíveis a
transformação e a resistência que acompanha as continuidades e descontinuidades da
experiência histórica. Afinal, ainda hoje é visível os olhares a-históricos sobre os índios,
defendendo a imutabilidade cultural dos primeiros habitantes do Brasil. Mas, pensemos!
Existe cultura estática? As contribuições da historiadora Maria Regina Celestino Almeida,
apontam que aculturação e resistência não são polos antagônicos, que os povos indígenas
não estavam na Colônia a serviço dos colonizadores e jesuítas; que os indígenas tiveram uma
capacidade extraordinária para fazer alianças, não titubeando em mudar de lado, fazendo
suas próprias escolhas no processo histórico de colonização do sertão brasileiro.

História e ensino de história indígena: entre memória e esquecimentos

Devido os trabalhos historiográficos que visam uma aproximação entre a História e


Antropologia, foi possível fazer uma releitura das relações entre os índios e os outros grupos
da sociedade colonial brasileira, transformando nossa percepção da História indígena, isto é,
do que foi escrito e dito, dos enunciados e discursos sobre os índios. Afinal, todo discurso é
uma prática que constitui sistematicamente os objetos de que se falam, como escreveu o
pensador francês Michel Foucault[1]. Esse fluxo intenso de releituras e reinterpretações do
passado permitiu compreender que os povos indígenas foram capazes de elaborar
estratégias de transformação, negociação e rearticulação dos seus valores culturais em
contato com os europeus. Para fornecer uma visão além da violência, da humilhação e da
criação de mitos e estereótipos históricos, é crucial que esse debate seja incluído nas

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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discussões escolares para que os estudantes tenham uma visão mais humanizada sobre os
indígenas, percebendo-os como sujeitos históricos que são passíveis a transformações e
resistências, que acompanham as continuidades e descontinuidades da experiência
histórica.

No que se refere a participação dos indígenas na história descrita nos livros didáticos
de História, percebemos muitas versões estereotipadas no que se refere ao período colonial,
sendo que, a situação sobre a presença histórica dos indígenas, nos livros didáticos, agrava-
se ainda mais, como o seu gradativo desaparecimento nos períodos posteriores à
Colonização. A Lei Federal Nº 11.645, em 2008, determinou que no ensino fundamental e
médio, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena,
ministradas em todo o currículo escolar, especialmente em Educação Artística, Literatura e
História.

Se os indígenas têm sido parte da tradição do ensino de História, qual sentido da obrigatoriedade
oficial? O ato legal de 2008 pretende introduzir tais conteúdos nas aulas das escolas brasileiras sob
novas perspectivas e abordagens ao recomendar que se deve ressaltar as contribuições dos povos
indígenas “nas áreas social, econômica e política, pertinentes a história do Brasil?” (BITTENCOURT,
2013, p.102).

A Lei 11.645/08, visa uma expectativa para que a proposta da História dos povos
indígenas como parte integrante do ensino de História, apresente mudanças substantivas
tanto nos educadores e intelectuais dedicados ao ensino, e principalmente, para que
tenhamos um ensino mais comprometido com o rompimento de preconceitos e mitos
históricos. Afinal, a perspectiva predominante na produção didática e historiográfica era que
as populações indígenas deviam ser vistas como ingênuas, vítimas de colonizadores,
passivas, cuja sua cultura era a preguiça e a relação com a natureza, como definiu Gilberto
Freyre, são povos da vegetação, uma população rasteira[2]. No que se refere ao livro
didático, ausência de novas perspectivas torna-se ainda mais prejudicial, pois é o principal
suporte de informação em uma escola. Por exemplo, entre o final do século XIX e Idos do

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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século XX, “O livro didático era o responsável exclusivo das “falsas” representações sobre os
povos indígenas. ” (BITTENCOURT, 2013, p.104-105, grifo nosso).

O livro “Lições de história do Brasil para uso das escolas de instrução primária”, de
autoria de Joaquim Manuel de Macedo, refere aos índios como selvagens e incultos. O autor
do livro abordado era professor de História do Brasil do Colégio Pedro II e membro do
Instituto histórico e geográfico brasileiro, ocupando a função de secretário. Logo, sua
intenção era destacar as diferenças entre os povos cristãos e povos nativos, no entanto essa
distinção era legitimar a colonização portuguesa como berço da civilização no Brasil.
“Selvagens [por corresponderem aos] povos que ignoram a arte de escrever, que não tem
polícia, que não tem religião, ou professam religião absurda, e que vivem em plena liberdade
da natureza”( MACEDO apud BITTENCOURT, 2003, p.107).

Gilberto Freyre (2003, Op. Cit.) afirma que os índios eram ‘bandos de crianças
grandes’ sem desenvolvimento e nem resistência, e por serem tão inferiores foram
derrotados pela superioridade dos portugueses. O índio torna-se passivo e submisso ao
domínio português devido a sua incapacidade de transformação, necessitando do contato
com a civilidade europeia.Para Freyreele, na raiz da formação da sociedade brasileira,
encontramos uma demasiada intoxicação sexual, pois, ao descer dos navios, todo lusitano já
escorregava na coxa de uma bela índia nua. Devido ao contato sexual entre os portugueses e
população autóctone, houve uma miscigenação na formação na formação da família
brasileira.

No momento, a concepção predominante é que os índios são povos sem cultura,


incivilizados, preguiçosos e etc. E a Historiografia adotou esta visão por muito tempo, até
meados do século XX, alguns historiadores, como Francisco Adolfo de Varnhagen, que
afirmava que os índios eram povos na infância e não tinham história. Na sua narrativa
histórica fazia uma espécie de elogio a colonização portuguesa. E para este historiador, o
índio não contribui para a história da civilização no Brasil, sua contribuição é resumida no “o
uso da rede e a frequência dos banhos, tomados pelo menos duas vezes por dia, simbolizam

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ainda hoje o trinfo dos usos que pareceram de todo razoáveis. ” (VARNHAGEN apud
BITTENCOURT, 2003, p.112).

A História dos povos indígenas explicada por uma visão de aculturação e


assimilacionista, já não responde aos processos históricos e significativos da experiência do
homem indígena. Pois, a aproximação entre a História e a Antropologia permitiu um olhar
mais complexo sobre a História colonial, e sobretudo História indígena, e assim, percebemos
que os índios em contato com a sociedade colonial elaboravam uma rearticulação e
transformação cultural. Logo, os índios tornaram-se protagonistas da Historiografia, já que
desempenhava esta função na história vivida.

A ideia de que os grupos indígenas e suas culturas, longe de estarem congelados, transformam-se
através da dinâmica de suas relações sociais, em processos históricos que não necessariamente os
conduzem ao desaparecimento, permite repensar a trajetória histórica de inúmeros povos que, por
muito tempo foram considerados misturados e extintos. Não é o caso de desconsiderar a violência
do processo de conquista e colonização. A mortalidade foi altíssima, inúmeras etnias foram
extintas[...]. No entanto, encontraram possibilidades de sobreviver e souberam aproveitá-las.
(ALMEIDA, 2010, p.23. Grifos nossos.).

Durante as relações de contato, em meio à Colonização Portuguesa, formou-se nos


aldeamentos lusitanos uma nobreza indígena, devido a troca de mercês. Várias tribos
indígenas viviam em guerras, sendo que muitos chefes tribais souberam utilizar os
portugueses como aliados fortes para derrotar seus adversários. Foram cristianizados, mas
retornavam às suas terras, e além do mais, exigiam o mesmo tratamento dado a qualquer
cristão. Pensar que eles eram passivos, parece-nos ingênuo nos dias atuais. A criação de uma
nobreza indígenaé uma forma de negociação cultural, elaborada por meio de rearticulação
entre o nativo e o europeu, através de concessão de favores, títulos, patentes militares e
etc. Em troca, os nobres indígenas, em especial as chefias, eram agraciados com o
enobrecimento, desempenhava a função de intermediário entre o mundo ameríndio e
europeu, ajudando a consolidar a hegemonia política e militar nos seus domínios

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ultramarinos. “[...] Para a Coroa portuguesa, desde o século XVI, era importante e necessária
construir relações de amizade e aliança com as lideranças indígenas visando a sustentar e
sedimentar sua hegemonia política e militar nos seus territórios americanos. ” (DUARTE,
2011, p.88). Logo, os indígenas estão longe de ser passivos no processo de colonização da
América portuguesa.

Cabe lembrar que os povos indígenas foram essenciais ao projeto de colonização, sobretudo em seus
primórdios, quando a conquista e a preservação dos territórios se faziam por meio de guerras
violentas, nas quais os índios participavam intensamente, na condição de aliados ou inimigos. Foi
nesse contexto que alguns líderes, como o Arariboia do Rio de Janeiro, se projetaram, adquirindo
enorme prestígio no mundo colonial, conferido por autoridades interessadas em agraciar lideranças
que constituíam importantes agentes intermediários entre o mundo indígena e o mundo colonial.
(ALMEIDA Apud DUARTE, 2011, p.88)

Esboçado um breve trajeto sobre os olhares ao indígena na historiografia, apontando


os estereótipos em relação a cultura indígena, fica evidente que ainda há muito o que
conquistar no que é tocante a história indígena, porém é relevante o papel das novas
tendências historiográficas que deram um espaço mais humano e ativo ao indígena
brasileiro.

Perspectivas de uma professora de história em formação sobre a experiência de história


indígena nas aulas de história

A Escola Municipal de Ensino Fundamental Áurea Correia de Queiroz, na cidade de


Gurjão no estado da Paraíba em que observei as aulas da disciplina de história na turma do
8º ano “A” no período da manhã em uma turma composta de 26 alunos matriculados, com
faixa etária de 14 a 17 anos, fundada no ano de 1977, contava com uma estrutura de duas
salas de aula, dois banheiros e uma cantina. Recebeu o nome em função de sua patrona, por
ter sido umas das primeiras professoras da localidade e pelo trabalho de relevância

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prestado. Atendendo alunos de educação infantil, por sua vez de acordo com o
desenvolvimento local ampliando para a primeira fase, até a 4 série do 1 grau.

A escola foi reconstruída e ampliada pela administração de 1999, modificando seu


nome, passando a receber uma estrutura física de duas salas de aula, ficando um total de
quatro salas de aula, uma sala para professores, uma secretaria e uma área de recreação,
tendo sua reinauguração ocorrida em 02 de janeiro de 1999. A partir de 2001, foi implantada
o Ensino Fundamental II, recebendo o nome atual da escola. O quadro de professores foi
ampliado para atender a demanda do alunado. Em 2001 teve a primeira turma da 5ª série,
atual 6 ano. A Escola recebeu uma turma de 9 ano de outra escola e teve sua primeira turma
concluinte no ano de 2003. Em 2006, a escola foi ampliada sendo construída uma sala de
informática.

Atualmente a escolapossui uma estrutura de porte médio com 04 salas de aulas, 01


laboratório de informática, 01 secretaria, 03 banheiros, 01 cantina,01 almoxarifado, 01 sala
de diretoria, área de recepção e área de recreação. O quadro docente é composto por 12
professores, sendo 02 professores que lecionam a disciplina de História. No início do ano
letivo de 2017, foram matriculados no ensino regular 238 alunos, 43 alunos na Educação de
Jovens e Adultos (EJA), e especificamente na turma 8 anoA 28 alunos. Em novembro, o total
de alunos matriculados no ensino regular é de 210, no EJA correspondem ao total de 29
alunos, e na turma do 8 ano A 26 alunos. A sala da turma do 8 ano A tem ar-condicionado
como as demais salas de aula do município.

No que se refere ao estágio observação exercido na turma do 8 ano A,os alunos são
receptivos e cordiais, grande parte residente na zona rural do município. Os alunos não têm
livro didático de nenhuma disciplina, porém os livros ficam na sala para disposição dos
mesmos durante as aulas. O professor de História da turma, vou chamá-lo de ‘professor X’, é
excelente tanto nas discussões e administração das aulas como no relacionamento com os
alunos.

No decorrer do primeiro momento do Estágio, a observação, fiquei em silencio e sem


nenhuma contribuição discursivas nas aulas. Nenhum contato, além do básico “bom dia”.

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Neste momento de silencio puder observar que o professor X tem durante a ministração das
aulas uma ótima interação entre as teorias históricas (principalmente a perspectiva da Nova
História Cultural) e os conteúdos abordados no livro didático, promovendo uma aula
interessante e sobretudo, reflexiva. Para além disso, o professor tem um excelente
relacionamento com alunos, mesmo que surgisse algum atrito, ele resolvia rapidamente.

No segundo momento do Estágio, a intervenção sobre os indígenas na História


colonial, recorri a uma aula que usasse como suporte o Datashow para que pudesse mostrar
e discutir algumas imagens com os alunos. O eixo-temático fora sobre os índios na colônia
para além da violência, focando na resistência e transformação. A problematização foi
norteada através do enfoque deque os povos indígenas sofreram um processo de
transformação e rearticulação cultural no contato com a sociedade colonial. A aula fora
ministrada a partir dos seguintes procedimentos metodológicos: aula expositiva dialogada
com imagens e fragmentos de textos.

Fotografia I: registro da aula sobre história indígena

Fonte: Arquivo pessoal

O primeiro momento da aula fora sobre como os indígenas criaram estratégias de


sobrevivência e articulação cultural na sociedade colonial, e em seguida fora exemplificado
algumas funções de prestígio as quais desempenhavam. O professor X foi muito solidário e
receptivo, ficou sentado ouvindo a minha aula, e disse que naquele momento também
estava aprendendo porque não conhecia esta nova perspectiva da história indígena. Isto
mostra que a temática indígena sob a ótica do protagonismo ainda é recente e pouco
disseminada nas escolas.

Abaixo a figura de Felipe Camarão, reproduzida pela revista Verde Oliva do exército
de acordo com as informações do site“Navios de Guerra Brasileiros: 1822-2018”, imagem
esta que foi usada para indagar aos alunos: “Quem era?”, “Que função exercia?”, “era um
homem importante”?

Figura I: A grandeza de Felipe Camarão

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Fonte: site do Navios de Guerra Brasileiros: 1822-2018. Disponível em:


http://www.naval.com.br/ngb/F/F015/F015-NB.htm acesso em novembro de 2017.

As respostas foram mais peculiares possíveis, alguns responderam que se tratavam


de um guerreiro, mas que não podia ser no Brasil, outros falavam que era um índio, mas que
a imagem era adulterada. Em todo caso, o personagem Antônio Felipe Camarão, capitão-
mor dos índios do Brasil e político influente na guerra contra os holandeses despertou
interesse nos alunos. Como mediadora, expus a importância significativa que o guerreiro e
político Felipe camarão teve em Pernambuco e principalmente, na guerra contra os
holandeses. A turma, no primeiro momento, hesitou ao ouvir falar de um indígena que fora
muito importante na colonização, ganhando várias honrarias e que desempenhava um
importante papel político, num tempo em que os indígenas ainda formavam grande parte da
população brasileira. Isto mostra que ainda na educação paraibana ainda prevalece uma
visão de aculturação e vitimização do indígena. E quando se fala em uma perspectiva de
protagonismo indígena causa hesitação e até certo espanto, mas que também desperta
interesse por ser trata de abordagens e caminhos desconhecidas.

Ao observar que alguns alunos ficaram surpresos por um indígena ser tratado na
discussão como protagonista do processo colonial, bem como o processo de transformação
cultural ocorrida naquelas relações de contatos, acredito que ficaram até suspeitando da
minha aula devido ao conteúdo ‘novo’, no entanto, tentei mostrá-los que os índios eram
humanos e agentes ativos no processo colonial. E àqueles alunos que perguntavam na aula
do professor X também me indagaram sobre algumas dúvidas e questionamentos.

Quanto ao livro didático, ele não mostra uma história indígena, pelo contrário, os
indígenas são totalmente silenciados. Segundo Bittencourt (2008), o livro didático é o
principal material didático disponível para os professores e principalmente para os alunos,
sendo este na maioria das vezes um único livro que possui em casa. O livro didático é um
depositário dos conteúdos escolares, servindo como intermediário entre o saber acadêmico
e o saber escolar. Apesar disso, vale lembrar também o seu caráter de mercadoria que
obedece a regras e técnicas da lógica do mercado editorial e desempenha a função de

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reprodução de ideologias e saberes oficiais impostos por determinados setores do poder e


pelo Estado. Portanto, podemos dizer que a seleção de alguns conteúdos e sujeitos
históricos e como serão trabalhados é policiado constantemente por instituições de poder
para disseminar discursos normativos. Desse modo, ele não deve ser tomado como uma
fonte inocente e neutra, mas como um espaço de relações de forças, perpassado por
discursos que podem ajudar a formular identidades.

CONCLUSÃO:

Ao término do Estágio Supervisionado I, podemos entender que é preciso, cada vez


mais, o empenho das Universidades em fornecer o contato dos graduandos na área de
educação com as escolas para que eles conheçam a realidade escolar e possam incrementar
no cotidiano das escolhas novas visões sobre a história indígena afim de contribuir para a
constituição do aluno-cidadão e humano. Percebemos que na sala de aula, em especial,
também pode haver reflexão e problematização através de metodologias que instiguem os
alunos. A educação é um processo continuo e integrador, todos devem participar!

As imagens e visões que são atribuídas aos índios atravessam os territórios de


memórias cristalizadas e esquecimentos legitimados pelo discurso vigente nas aulas de
história, contribuindo para disseminar preconceitos arraigados no cotidiano fora e dentro da
sala de aula, como: vítimas, preguiçosos, povos sem históricos, aculturados e etc. Apenas um
ensino de história preocupado em construir cidadãos mais humanos e conscientes em vez de
alunos robôs que estão no ambiente escolar apenas para ouvir discursos elitistas e
preconceituosos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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POR UMA EDUCAÇÃO ÉTNICO-RACIAL: A QUESTÃO INDÍGENA NO ENSINO


FUNDAMENTAL II

VIEIRA,Jadson Pereira–PPGH/UFPB

jadsonpv@gmail.com

SILVA,Eleonora Félix da –PPGH/UFCG

eleonora.felix@hotmail.com

INTRODUÇÃO

Aaprovação da lei n.11.645/08, há dez anos,promoveu uma mudança significativa nas


abordagens da temática indígena no âmbito das escolas brasileiras. Pois, com o surgimento
experiências de práticas desenvolvidas sob a égide da sou promulgação, muito se mudou na
esfera daEducaçãoBásica (ensino infantil, fundamental e médio), na Educação de Jovens e
Adultos (EJA), Educação do Campo e entre outras. Notabilizamos, com isso, um gradativo
crescimento das experiências educativas que envolvem a temática indígena. A experiência
que se segue é portanto, um exemplo das tantas práticas que surgiram neste período.

Nosso lócus para a partilha da experiência com a temática indígena foi na Escola
Municipal de Ensino Fundamental II, Irmão Damião Clemente, em Lagoa Seca-PB, durante os
dois primeiros bimestres do ano letivo de 2018. Ali, partilhamos uma experiência exitosa
com o ensino de História que entra em consonância com a temática indígena. Teoricamente
sustemos nossas ações pedagógicas na História Cultural, conforme escreveu Burke (2005)
para com suas abrangênciaspromover a efetivação de um ensino de História aberto a
diversidade étnica de nosso pais.

Este relato de experiência tem o intuito de partilharnossas experiências,bem como,


discutir as possibilidades e desafios para uma educação para as relações étnico-raciais.Ou

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seja, pensar uma prática que valorize a diversidade étnica e cultural indígena, bem como
desconstrua estereótipos sobre os povos indígenas.Assim, este é um trabalho voltado para
uma prática pedagógica que valoriza a temática étnico-racial e diversidade cultural de nossa
sociedade.

DESENVOLVIMENTO

Quando se fala em “conquista” das sociedades indígenas na América, por parte dos
Portugueses a partir do século XVI, muitos, ainda acreditam que não houve “dominação” dos
moradores desse continente, ou que, a invasão dos europeus foi inclusive benéfica para a
formação de um ideal de “civilidade” da nação brasileira que posteriormente se formaria.
Estas narrativas, no entanto, são questionáveis pois apelam par um caráter preconceituoso e
racista sobre nas várias nas tessituras dos povos indígenas para a nossa História.

Por outro lado, nos abrindo à uma narrativa da aceitação, as contribuições históricas
dos povos originários serão evidenciadas. Adentremos aos protagonismos destes sujeitos,
que forma imprescindível contribuíram para a consolidação de nossa sociedade. Para tanto,
é preciso compreender que deles houveram “resistências”, que não foram suficientes para
conter os avanços das armas e dos extermínios práticos pelos brancos, mas que, ajudaram a
manter viva as suas culturas e Histórias. Deles, vemos as consequências de um processo de
“choque cultural” iniciado a partir do desembarque dos primeiros portugueses e que se
perdura até os dias de hoje. E que sua “diversidade” cultual é tão vasta que se torna
impossível mensurar todas as suas nuances.

Mais de quinhentos anos se passaram, os povos indígenas influenciaram e foram


influenciados culturalmente e ainda hoje continuam precisando se defender. Talvez não
mais contra os colonizadores, mas sim, daqueles que hoje os veem como sujeitos
irrelevantes que não são dignos da mesma cidadania, dada a outros setores sociais. Visto
isto, a proposta deste artigo é mostrar que muitos espaços de resistência foram galgados
pelos povos originários ao longo deste tempo. Hoje, em pleno século XXI, vemos que a

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escola é um espaço de apresentação de uma visão positiva sobre a história e cultura


indígena e que este espaço assim como tantos outros se torna um ambiente de resistência.

Pensamos que esta resistência se consolida a partir do momento quem que


mecanismos e práticas pedagógicas são criadas para a promoção do incentivo da História e
Cultura Indígena, atitudes estas que ganharam força sob a luz da Lei 11.645/08 e seus
desdobramentos teóricos, práticos e técnicos.

Nas últimas décadas as comunidades indígenas têm buscado construir projetos de educação
escolar diferenciada em contraposição à tradição assimilacionista e integracionista de
experiências escolares vivenciadas do período colonial até recentemente. Estas experiências
tinham como uma de suas finalidades o apagamento das diferenças culturais, tidas como
entraves ao processo civilizatório e de desenvolvimento do País. (Diretrizes Curriculares
Nacionais para Educação Indígena, 2013, p. 282)

Claro que estes desdobramentos da sociedade atual, repercutidos na educação, não


são frutos de um mero acaso, ou, de um movimento de vanguarda que surge com a
implantação da lei. O que na verdade notabilizamos são embates entre “explorados” e
“exploradores” que se construíram através dos aspectos econômicos, políticos, culturais ao
longo de nossa História. E que estes ainda perpetuam-se no mundo atual, sendo esta lei na
verdade um fruto de uma intensa luta dos povos indígenas aqui no Brasil e na América Latina
como um todo.

Podemos destacar que nos períodos anteriores a consolidação da lei 11.645/08


houveram a união dos diferentes grupos e confederações indígenas que reuniram as
centenas, mesmo que com muitas dificuldades, pois são povos diferentes localidades do
país. Para através de uma luta institucionalizada, que ganha força a partir da promulgação da
constituição cidadã de 1988 e da Lei 9394/96, que institui as diretrizes e bases da educação
nacional, lutar pela inserção da história e cultura indígena na escola. Usam pontos em
comum para ganhar visibilidade e espaço no ambiente educacional, discutindo temáticas
que interessam a seus pares diretamente. Juntam-se pela atuação, política, jurídica, cultural,

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social no contexto escolar colocando sua história e memorias de uma vez por todas no
currículo formal das escolas do país.

A constituição de 1998, superando a perspectiva assimilacionista que marcara toda a


legislação indigenista precedente, e que entendia os índios como uma categoria étnica e
social provisória e transitória, apostando na sua incorporação à comunhão nacional,
reconhece a pluralidade cultural e o Estado brasileiro como pluriétnico. Delineia-se assim um
novo quadro jurídico a regulamentar as relações entre o estado e a sociedade nacional e os
indígenas (Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Indígena, 2013, p.282)

Podemos concluir que a luta por uma educação voltada para a perspectiva da
história e cultura indígena não pode ser vista como elemento monolítico na luta destes
povos. Para enfrentar os históricos problemas emanados do “silenciamento” das lutas e da
história, outros meios forma encontrados para resistir. Como luta por demarcação ou
preservação de terras, a resistência aumento das fronteiras agrícolas, reconhecimento da
cultura sua cultura como fundamental para a sociedade brasileira, entre tantas outras
batalhas, os grupos indígenas tiveram que travar e aprender vencer para a defesa simbólica
de sus descendentes. Então, falar de educação sobre a perspectiva indígena é sempre falar
de lutas e resistências que transcendem ao ambiente escolar.

Nesse debate faz necessário lembrar que estas lutas não foram e não são, exclusivas
de uma realidade brasileira, outros povos indígenas da América apreenderam não somente
novas formas de resistência, como também novas maneiras de coloca-las em prática dentro
de uma sociedade chamada informacional. Nesse sentido, chama a atenção por exemplo, a
atuação do Ejército Zapatista de Libertacion Nacional – EZLN que se utilizou de dois recursos
muito comuns nos dias atuais para atingir seus objetivos.

Movimento formado por camponeses-indígenas de quatro etnias maias (choles, tzeltales,


tzotziles,tojolabales) localizadas no Estado de Chiapas no México. Tem laços estreitos com o
Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), que representa a continuidade histórica da
vertente radical da Revolução Mexicana encabeçada por Emiliano Zapata. O neozapatismo

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irrompeu na cena contemporânea e diante da opinião pública nacional e internacional em 1°


de janeiro de 1994, justamente a data em que entrou em vigor o neopan-americanista
Tratado de Livre-Comércio da América do Norte (NAFTA) que as empresas transnacionais e
os governos do México, dos Estados Unidos e do Canadá acordaram implementar.(LATINO
AMERICA, Disponível em <http://latinoamericana.wiki.br/verbetes/z/zapatismo> . Acesso
em 21 de Junho de 2018.

A internet e a mídia, ambas usadas para divulgar e expandir as ideias, as


reivindicações, os objetivos pelos quais lutavam e, consequentemente, conseguir apoiadores
e simpatizantes, além de possibilitar troca de informações e de experiências com pessoas
em diferentes lugares do planeta. O que seria o EZLN se não uma arma de resistência ao
modelo de colonização e de repressão que se institucionaliza-se na história México? Seria
este movimento atrelado a uma pratica educacional? A nosso ver sim. Pois a partir do
momento que mídias sociais são utilizadas para sensibilizar a comunidade sobre as
bandeiras de lutas estas práticas também são educativas.

(Em 1994) Liderados pelo comandante Emilio Zapata, tornam-se o símbolo da exclusão das
comunidades camponesas (de origem indígena) pela ordem do libre comercio. A crítica, o
compartilhada por todo o movimento, os membros acrescentaram ao seu desafio, essa nova
ordem global: a projeção do sonho revolucionário socialista para além do fim do comunismo
e da dissolução dos movimentos guerrilheiros da América Central (CASTELLS, 2003, p. 102)

Se nas últimas décadas do século XX e início do XXI, testemunhamos o


desenvolvimento de movimentos sociais que até então pensavam-se improváveis, pois
sacudiram as velhas formas de convivência da estrutura colonial historicamente estabelecida
no México. Por que não no Brasil, movimentos semelhantes não estariam está acontecendo?
A nossos ver, sim, Aqui na década de 1990 e início dos anos 2000, sobretudo com a entrada
ao poder de governos mais progressistas, a institucionalização da História e cultura indígena
começa a ganhar forças.

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Nesta perspectiva, os grupos sociais - sejam eles indígenas ao não - começam a traçar
uma progressiva inserção da temática no contexto escolar. Com muita dificuldade mas com
uma visibilidade que nos anos posteriores a 2008 tornaram mais latente. A História e Cultura
indígena se insere no contexto amplo de busca da cidadania, uma vez que, ser cidadão
requer uma por liberdade, respeito e diversidade. Valorizar a cidadania indígena é também
considerar a lutae a cultura dos povos nativos. Nossos jovens estudantespodem ser cidadãos
mais críticose se tornar agentes históricos protagonistas, quando anarrativa étnica adentra
ao contexto escolar.

Trazer características de uma educação voltada para a diversidade dentro de um de


globalização existente hoje, sem criar estereótipos em que indígenas sejam vitimizados, é
um grande desafio.Mas ao nosso ver, sob a égide dos conhecimentos teóricos trazidos coma
História Cultural, diga-se as leituras de Burke (2005), é possível colocar os povos indignas em
patamares de protagonismo na nossa História, isso se dá quando nos propomos a reescrevê-
la e redimensioná-la em nosso ensino cotidiano.Criaremos elementos fundamentes de uma
nova historicidade possível.

A abordagem interna trata da presente renovação da história cultural como uma reação às
tentativas anteriores de estudar o passado que deixavam de fora algo ao mesmo tempo
difícil e importante de se compreender. De acordo com esse ponto de vista, o historiador
cultural abarca artes do passado que outros historiadores não conseguem alcançar. A ênfase
em “culturas” inteiras oferece uma saída para a atual fragmentação da disciplina em
especialistas de história de população, diplomacia, mulheres, ideias, negócios, guerra e
assim por diante. (BURKE, 2005, p. 4)

Pensar os grupos indígenas, com suas histórias e culturas sob a perspectiva da


História Cultural é recontar uma narrativa, desta vez, colocando-os em um patamar de
protagonismo. Sabendo disto, utilizamos, novas roupagens para o uso e para o Ensino de
História na escola de Ensino Fundamental II, Irmão Damião Clemente, em Lagoa Seca-PB.
Talvez inspirados por um sentimento semelhante ao dos Zapatistas mexicanos, ou mesmo,
apenas cumprindo nosso dever de professores de História, objetivamos construir e

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contribuir para uma nova mentalidade na comunidade escolar da qual fazemos parte.
Mentalidade que olhe para os grupos indígenas, sempre dando-lhes voz, com um discurso
voltado para a aceitação da multiplicidade cultural de nosso pais e dando poder aos seus
projetos e bandeiras de lutas destes grupos.

O conceito de igualdade é um dos ideais mais extraordinários criados pela modernidade. De


fato, os homens e mulheres do mundo não são iguais. Possuímos uma estrutura biológica
diversificada e profundas diferenças culturais e sociais. No entanto, a busca pela igualdade,
assume-se inevitavelmente uma para dos seres humanos como modelo a ser seguido pelos
outro. Se o modelo de se o ocidental, então um fragmento se converte em universal e o
ideal de igualdade se torna uma sobra que impede enxergar o gravíssimo problema da
dominação. (CAVALCANTE NETO, 2011, p. 9)

Com o trabalho que desenvolvemos em nossa escola, pudemos perceber uma outra
questão para nas novas possibilidades de resistência indígena, que é a manutenção da
prática da justiça social, combatendo portanto, a igualdade generalizante pregada pelos que
propagam o ódio no mundo de hoje. Uma igualdade que apenas olha para meritocracia não
nos serve, isto causa mais injustiças e não é nossos objetivo enquanto educadores.

O que pretendemos é fazer da escola no século XXI, um espaço de resistência, de


verbalização e de promoção da cidadania, especialmente quando falamos da questão
indígena, de maneira continua e diversificada.

A nossa proposta é de suma importância no tocante ao aspecto educacional, posto


ser proposta pedagógica da escola Irmão Damiãoa valorização da diversidade cultural e o
combate aos preconceitos e discriminações. Acrescente-se o contexto de comemoração dos
10 anos da aprovação da lei n. 11. 645/08 que determina o ensino de História e Cultura afro-
brasileira e indígena.

É uma questão de cidadania o respeito ao pertencimento étnico e cultural de um


povo. Destacamos o tema transversal “cidadania” interessados na formação cidadã crítica
dos nossos educandos do Ensino Fundamental II.

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MAPEAMENTO DA AÇÕES DESENVOLVIDAS

O trato pedagógico acerca da questão indígena com os alunos foi motivado por
alguns objetivos e ações, listamos abaixo o que desenvolvemos na nossa escola:

· Romper com visões estereotipadas acerca dos povos indígenas através do uso
de múltiplas linguagens no processo de ensino-aprendizagem sobre esses
importantes agentes históricos que são os cidadãos indígenas do Brasil atual e
de tempos passados.

· Apresentar a História e Cultura indígena a partir do olhar das múltiplas


linguagens no ensino, obedecendo assim o tema pedagógico proposto pela
SEDUC(Secretaria Municipal de Educação de Lagoa Seca – PB propôs que o
tema do semestre fosse As múltiplas linguagens no Ensino) para o semestre
letivo.

· Socializar as atividades realizadas em sala de aula envolvendo a temática


acerca da História e cultura indígena como vivência educacional para
comemorar os 10 anos da lei n. 11.645/08.

· Valorizar a diversidade étnica e cultural indígena.

· Conhecer os povos indígenas que viveram em Lagoa Seca, na Paraíba, no


Brasil e na América;

· Para atingirmos nossos objetivos lançamos mão de práticas metodológicas


diversificadas e interdisciplinares no âmbito escolar, a saber;

· Aulas expositivas-dialogadas sobre História e Cultura indígena, bem como


sobre a lei n. 11.645/08;

· Discussões e debates voltados para a temática ao longo desses dois bimestres;

· Questionar imagens estereotipadas reproduzidas no dia 19 de abril sobre o


ser indígena;

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· Formação de GT’s (grupos de trabalho) e oficinas de produção de cartazes


para serem expostos;

· Apresentação oral dos trabalhos produzidos;

· Realização do Cine Conhecimento com exposição cinematográfica dos filmes


“Xingu” e “Tainá 3”;

· Abordagem interdisciplinar com o componente curricular de Geografia para


um estudo cartográfico do território dos povos indígenas;

· Visita ao Museu do Índio em Lagoa Seca-PB com produção de atividade escrita


com relato de experiência, além de exposição fotográfica;

· Análise iconográfica com imagens impressas e em banners;

· Leitura e interpretação de texto sobre a temática indígena;

· Produção de paródias sobre os problemas indígenas na atualidade;

· Colorir grafismos indígenas e reproduzir, através da linguagem dos desenhos,


exemplos de grafismos;

· Conhecer artefatos que fazem parte do cotidiano de nossas vidas e que são de
origem indígena(abano, rede, cestaria, tigelas, cocares, brinquedos, etc.);

· Conhecera a arte plumária e a produção de cocares e braceletes;

· Conhecer o calendário de lutas dos povos indígenas;

· Refletir sobre a escravidão indígena, a partir da análise de imagem;

· “Viajando com a leitura, embarcando na diversidade étnica”: conhecer a


diversidade cultural indígena através da leitura de livros paradidáticos, usando
o acervo da escola e o acervo pessoal dos professores;

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· Estimular a produção escrita através da produção textual baseada nos livros


paradidáticos, bem como o uso da linguagem não-verbal através de desenhos
produzidos sobre os livros lidos.

· Valorizar a linguagem artística com a audição de músicas e produção de


paródia;

· Estimular a produção escrita e a criticidade dos educandos com a produção de


paródias;

· Produzir uma representação de uma lenda indígena; “A lenda da Mandioca”;

· Ouvir a música “Canta Índio do Brasil” para valorização da linguagem artística


e a estética da cultura indígena através da exibição do vídeo da música
mencionada;

· Exibição do vídeo “Índio da cidade” para reflexão sobre as dificuldades


enfrentadas pelos indígenas na atualidade;

· Debate: “Aprendendo a ser um iluminista” aonde discutiu-se as questões


levantadas pelos alunos sobre o cerceamento de direitos dos povos indígenas
no Brasil e a contradição com os valores de cidadania e igualdade social
defendidas pelos filósofos do século XVII;

· Apresentação das músicas “Índio” (banda Farofa Carioca) e “Índio Galdino”


(banda Mira Reggae”;

Apresentação da peça teatral sobre a morte do Índio Galdino;

No decorrer do projeto foi realizada uma avaliação contínua, contando com o


envolvimento dos educandos e as atividades propostas pelos professores, mas verificamos
que os educandos desenvolveram uma autonomia positiva pra criação de suas
representações sobre as lutas indígenas. As atividades educacionais culminaram numa
socialização realizada durante o “II Sarau Poético do I.D.” realizado em junho do corrente

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ano. Nossos trabalhos integraram as atividades artísticas do sarau pelo seu caráter
pedagógico e interdisciplinar.

CONSIDERAÇÕES

Consideramos que o trabalho que ora apresentamos foi bastante proveitoso, uma vez
que foi tecido como uma possibilidade de abordagem sobre a problemática indígena na
atualidade, bem como ter sido construído como viés pra descontruir estereótipos acerca dos
indígenas e, sobretudo, como estratégia para construção de uma mentalidade que combata
preconceitos e racismos com relação aos indígenas no passado e na contemporaneidade.

Sabemos que não se trata de um trabalho pedagógico perfeito e acabado, afinal


nenhum é. Todavia, sabemos das dificuldades para a realização de uma educação para as
relações étnico raciais que tenha pessoas indígenas como protagonistas principais.

No tocante a temática indígena na rede de ensino escolar as dificuldades são muitas.


Há muito ainda o que fazer. Sentimos falta, por exemplo de um contato ou intercâmbio mais
direto com comunidades indígenas, não temos uma comunidade indígena no nosso
município e as dificuldades financeiras e lógicas para visitar uma aldeia nos limita. Mesmo
assim, o nosso compromisso com uma educação que valorize a diversidade étnica e cultural
nos impulsiona a construir propostas para superar tão grande desafio.

Destacamos também o trabalho interdisciplinar como possibilidade pedagógica


positiva, pois não é tarefa exclusiva do componente curricular História fazer esta
abordagem. Todavia o melhor é notarmos o interesse e o envolvimento dos nossos
educandos, que contribuiu para, crescer em nós - e neles - um sentimento e uma consciência
de respeito a todos e diferentes grupos humanos.

REFERÊNCIAS.

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Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e
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CASTELLS, M. A galáxia da Internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Rio


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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

SITE: LATINO AMÉRICA: Disponível em


<http://latinoamericana.wiki.br/verbetes/z/zapatismo> . Acesso em 21 de Junho de 2018.

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ISSN:

AS REPRESENTAÇÕES DOS INDÍGENAS APÓS A LEI 11.645/2008 E AS


ESTRATÉGIAS PARA DESCONSTRUÇÃO DE ESTEREÓTIPOS

ARAÚJO, Jaqueline Oliveira de;

Universidade Federal de Campina Grande

jaaqueline.historia@gmail.com

LIMA, Priscylla Laryssa da Silva;

Universidade Federal de Campina Grande

priscyllalaryssa@hotmail.com

INTRODUÇÃO

Estamos no século XXI, mas as histórias e estórias contadas nas escolas ainda fogem
de um padrão construtivista, tendo em vista que muitos professores tiveram sua formação
voltada para uma educação tradicional. Durante muito tempo nos foi apresentado o
descobrimento do Brasil a partir de uma visão eurocêntrica, excluindo o indígena e
associando-o ao passado, ao não civilizado. “Dessa forma, as contribuições históricas desses
povos para a formação e estabelecimento do Brasil enquanto nação foram deixadas de lado,
desconsiderando-se, assim, a base multicultural e pluriétnica oriundas dessas terras e
antecedentes à chegada do europeu” (ROCHA, 2016).

A lei 11.645/2008 é resultado de lutas, pois falar dos povos indígenas é falar de luta e
não de passividade, pois a sua história não resume-se ao extermínio e à subjugação. A
mesma tornou obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Indígena nas
escolas de ensino fundamental e médio, sejam elas públicas ou privadas, com o intuito de
descontruir estereótipos e imagens discriminatórias acerca desses povos. Os livros didáticos
passaram a ser modificados a fim de incluírem tal temática.

Sabemos que quando a lei foi aprovada em 2008 os profissionais estavam


despreparados para as discussões, tendo em vista que só depois dessa aprovação é que as

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universidades também foram se moldando. Como exemplo temos a criação dos cursos de
Especialização para as Relações Étnico-Raciais. Mas esses livros conseguem dar conta das
lacunas que por muito tempo silenciaram os indígenas? E os professores estão conseguindo,
a partir da lei, elencar a temática e acabar com a imagem que ainda existe de que índio é
aquele que vive na mata, que não usa roupas, internet ou celular? Muitos povos apelam
para que as escolas transmitam uma imagem real e atualizada deles.

Além da problemática em relação ao conhecimento do professor, existia uma


dificuldade em encontrar material didático que apresentasse os conteúdos que a lei
pretendia. Os Parâmetros Curriculares Nacionais foram estabelecidos a fim de proporem as
disciplinas em eixos temáticos, facilitando a aprendizagem do aluno e o ensino abordado
pelo professor. No século passado tínhamos livros didáticos que transmitiam a moral e o
civismo ditatoriais, a partir de então os professores se depararam com conteúdos referentes
à disciplina de fato. Antes os livros didáticos traziam indígenas ocultando suas subjetivações,
como se os mesmos fossem inferiores ao dito civilizado e como sujeitos do passado. O
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) seria responsável por aprovar os materiais
escolhidos pelas escolas.

As mudanças que estavam acontecendo permitiram que surgisse o desejo de


formação cidadã visando os conhecimentos educacionais, bem como o respeito ao ambiente
natural e social habitado em todos os processos que fundamentam a sociedade. Reafirmado
em 2008, a LDB

garantiu aos povos indígenas o fortalecimento de suas culturas e línguas maternas, prestou assistência para
que fosse possível a recuperação de suas memórias históricas, a reafirmação de suas identidades e valorização
de suas culturas (ROCHA, 2016).

As gerações atuais estão mais educadas a pensar nos diversos âmbitos do mundo que
as rodeia, mas ainda não há uma completa familiarização com a realidade social, tendo em
vista que grande parte dos alunos e até mesmo da população como um todo, ainda que
exista uma iniciativa governamental, desconhece a história dos povos indígenas e a

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contribuição dos mesmos para a Nação. Eles são associados ao passado e sua existência é
muitas vezes reduzida à colônia.

Para desenvolvimento do nosso trabalho utilizamos como recurso metodológico a


pesquisa bibliográfica no livro didático, levando em consideração que o mesmo também
pode ser analisado como fonte de informação e documental.

DESENVOLVIMENTO

A história dos vencidos por muito tempo foi silenciada, pois não tinha importância
para um saber eleito como oficial. As representações sobre os indígenas foram produzidas
por um determinado grupo e tidas como reais, sendo transmitidas na sociedade e
absorvidas, influenciando a forma que eram lidas pelos indivíduos. Dessa forma, os
vencedores deixaram de lado aquilo que não consideravam como relevante para a
sociedade.

De acordo com Roger Chartier (1990),

As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à universalidade de um diagnóstico


fundado na razão, são sempre determinadas pelos interesses de grupo que as forjam. Daí, para cada caso, o
necessário relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem os utiliza.

O livro didático acabou veiculando imagens que não condizem com a realidade
indígena, pois o mesmo pauta-se em uma generalização. A maioria dos livros reduzem-se ao
conceito de índios, como se só existisse apenas uma etnia ou que elas partilhassem de uma
cultura única. Os mesmos ainda estão permeados por uma ideia positivista da historiografia
brasileira, no qual os grandes feitos nacionais são mediados por heróis, deixando-se em
segundo plano a participação das minorias, a exemplo de índios e negros.

Os índios aparecem nos livros a partir da chegada do colonizador no Brasil e a partir


desse primeiro contato eles são retratados em sua grande maioria como sendo inferiores. A
vida desses povos antes da chegada dos europeus não parece ser relevante. A impressão
que dá é que aquela chegada representou um ponto de partida, tendo em vista que o
europeu representava a civilidade e os indígenas resumiam-se à selvageria.

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Segundo Pesavento (2004),

As representações são também portadoras do simbólico, ou seja, dizem mais do que aquilo que mostram ou
enunciam, carregam sentidos ocultos, que, construídos social e historicamente, se internalizam no inconsciente
coletivo e se apresentam como naturais, dispensando reflexão.

Alguns livros se apresentam como meros reprodutores de estereótipos e


preconceitos que acabam representando uma verdade absoluta. Os verdadeiros símbolos
são ocultados e o que resta aos povos indígenas é a subordinação e silenciamento. Os
rótulos são diversos, desde a classificação do índio como puro à classificação do índio como
selvagem. Em ambos os casos temos a construção de estereótipos e é justamente a
aprendizagem que permite que essas imagens estereotipadas sejam superadas, bem como a
ideia de que “índio de verdade” anda nu, usa pinturas e penas no corpo, não pode ter
celular, nem internet.

Daniel Munduruku, graduado em História, Filosofia e Psicologia, brasileiro


pertencente à étnica indígena Mundurucu, relata em suas obras os cochichos que ouve de
desconhecidos:

Já descrevi em outro livro como as pessoas costumam me abordar quando me veem andando pelas ruas da
cidade. Muitas delas partem do princípio de que sou japonês ou chileno e, só depois, índio. Ou seja, elas
partem do que pensam ser o mais importante, mais inteligente, mais culto, até chegarem ao nativo
(MUNDURUKU, 2000).

Na obra O banquete dos deuses: conversa sobre a origem da cultura brasileira, Daniel
narra no segundo capítulo uma experiência que teve com uma criança que sentia medo dos
indígenas devido a imagens apresentadas pela professora na sala de aula que passavam um
retrato negativo desses povos. A mesma levou gravuras do século XVI que retratavam
tupinambás fazendo de banquete pernas e braços assados na fogueira. No fim, Daniel
conseguiu mostrar para aquela garota que não precisava ter medo, pois ele também era
gente como ela.

Daniel Munduruku afirma que um dos maiores exemplos de meios de transmissão de


conceitos preconceituosos é o livro didático que “ajuda a formar uma visão distorcida sobre

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os índios, pois trazem uma imagem estereotipada” (MUNDURUKU, 2000). É a força da


educação, segundo Daniel, que ensina um indivíduo a se comportar de determinada
maneira. A escola é responsável por desenvolver ideias positivas e negativas acerca de
determinadas culturas e povos. O professor exercerá um papel fundamental que é o de
mediador, principalmente quando os livros didáticos apresentarem lacunas.

Superar a construção dessas imagens estereotipadas “contribui para a promoção do


conhecimento da diversidade étnica indígenas e o consequente respeito às formas de vida e
cultura desses povos” (SILVA, 2014). Dessa forma, esses povos passam a ter sua cultura
reconhecida dentre as diversas expressões culturais que sobrevivem ao tempo em vários
lugares do mundo.

O livro didático retrata uma construção social por meio de discursos e imagens
históricas cheias de representações sobre os povos indígenas. Muitas vezes essas
representações reforçam estereótipos e contribuem com a invisibilidade dos mesmos na
sociedade que é reforçada pela valorização europeia.

A problemática do “mundo como representação”, moldado através das séries de discursos que o apreendem e
o estruturam, conduz obrigatoriamente a uma reflexão sobre o modo como uma figuração desse tipo pode ser
apropriada pelos leitores dos textos (ou das imagens) que dão a ver e pensar o real (CHARTIER, 1990).

Durante os anos de 2014 e 2016 passamos pela experiência da sala de aula,


através do PIBID, e nesses dois anos vivenciamos as experiências de um professor dentro da
escola, as dificuldades e as conquistas. Como é preparar aula, separar os conteúdos,
promover aulas que chamem a atenção dos alunos e, além da mera transmissão de um
conteúdo, fazer com que ele sirva como lição de vida e no nosso caso como sendo
historiadores, preparar os alunos para entender que esse passado que está colocado no livro
didático tem implicações no nosso futuro.

Nesses dois anos de iniciação à docência, as temáticas dos povos indígenas tornaram-
se eixo de questionamentos. Por que os livros Didáticos só falam desses povos no passado?
Por que os livros não abordam sobre eles no presente? Sobre as inúmeras lutas que são

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travadas todos os dias: Lutas por territórios, Lutas por investimentos por parte do governo,
luta contra o preconceito que coloca a cultura indígena como marginalizada.

O capítulo que vamos analisar intitula-se “A Colonização da América Portuguesa” do


livro de História do segundo ano do Ensino Médio Ser Protagonista, do ano de 2013. Que
tem como objetivo abordar sobre a expedição de Cabral, a exploração da Costa e o escambo
do Pau-Brasil, as Capitanias Hereditárias, a resistência Indígena à colonização e por último
aborda sobre a catequização dos indígenas.

No primeiro ponto do capítulo analisado é usado como fonte a carta de Pero Vaz de
Caminha onde ele coloca os índios como gente inocente, de bons rostos e que não tinham
crenças nenhuma. Nesse ponto os organizadores do livro didático criticam essa visão
construída pelos europeus para descrever os indígenas.“Julgados com base em valores
europeus, os indígenas eram vistos como pessoas sem cultura, prontas para serem
moldados” (VAZ, 2013). Porém, nesse ponto eles não se aprofundam na crítica a essa ideia
do indígena como um povo inocente e já passam para outro tópico do capítulo.

O que poderia ser feito nesse primeiro momento é dedicar-se mais a falar sobre a
história dos povos indígenas, como eram as suas organizações sociais, suas relações com o
ambiente, suas práticas culturais. O que ocorre nesse livro como na maioria dos livros
didáticos é ainda dar uma maior importância às práticas e às histórias dos colonizadores.

Nos tópicos seguintes será abordadocomo se deu a organização política para efetuar-
se de fato a colonização. Primeiramente é abarcada a exploração do Pau-Brasil e a prática
das feitorias e como foi feita a divisão da terra em capitanias Hereditárias e a instalação do
governo geral. Mas uma vez os indígenas estão em segundo plano. Não se aborda nesse
momento sobre as práticas de escravidão que eram realizadas com os indígenas, os casos de
estupros de mulheres, das alianças entre indígenas e portugueses e também as inúmeras
formas de resistência que os verdadeiros donos da terra promoveram, tampouco que existe
uma diversidade étnica, que casa sociedade indígenas possui suas particularidades.

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No final do capítulo é dedicado um tópico para abordar sobre os Indígenas e os


colonizadores. É certo que o livro didático avançou muito sobre a abordagem dos indígenas,
mas ainda são necessárias muitas modificações e nesse tópico percebemos falhas e
conquistas. Umas das conquistas é quando o indígena é colocado como alguém que resistiu
e não foi passivo durante o processo de colonização

Os nativos resistiram de formas variadas ao processo de colonização: ora em conflito aberto contra os
colonizadores (guerras, ataques a povoações e engenhos), ora por meio de migrações para o interior, ou, ainda
no cotidiano, ao darem significados próprios à cultura europeia (VAZ, 2013).

Um fato que deveria ser abordado no livro didático é a dificuldade do colonizador em


se comunicar com o indígena. A língua foi um dos grandes obstáculos para a catequização do
nativo, e também uma forma de resistência para com as imposições portuguesas.

Além de resistência contra os invasores, os indígenas fizeram alianças com os


próprios colonizadores a fim de combater os seus inimigos tradicionais, além de alianças
com outros povos europeus como os franceses e os holandeses, mais uma vez quebrando o
estereótipo de um indígena inocente. E isso é abordado no livro didático mostrando através
do evento das confederações dos Tamois. A esse evento é importante frisar que entre 1554
e 1567, várias nações tupis uniram-se contra a colonização portuguesa e sua prática de
escravidão indígena no litoral dos atuais estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Por meio
dela, os Tupinambá e os Tupiniquim, rivais tradicionais, acompanhados dos Carijós, dos
Goitacá e dos Amore, entre outras etnias, aliaram-se aos franceses na luta contra os
portugueses e seus aliados indígenas: os Guianá, parte dos Tupiniquim e os Temiminó.

A temática da catequização indígena é abordada no livro, como ela se deu, a política


dos aldeamentos como justificativa que esses espaços serviriam para vigiar a conduta
indígena e imposição de uma disciplina rígida. Os nativos eram obrigados a absorver toda a
cultura europeia e hábitos cristãos. O que falta no livro didático é aprofundar mais sobre
essa aspectos da colonização, mostrando mais o papel do indígena nesse processo. Como a
sua cultura foi arrasada, suas práticas religiosas proibidas.

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Os elaboradores dos livros didáticos necessitam também abordar sobre a situação


desses povos no presente, mostrando as suas lutas para manter viva as tradições, as
inúmeras dificuldades que passam algumas aldeias para ter acesso à educação e terra. O que
fica é como se os indígenas sumissem na história a partir do momento que chegam outros
povos que serão tão esquecidos como eles: “os negros”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O livro didático, assim como qualquer obra, é criado com um certo interesse, seja ele
político, cultural, pessoal. O que percebemos nesses dez anos da lei é que muita coisa se
modificou. Os livros didáticos e as produções sobre o mundo indígena avançaram. Os
professores estão saindo das universidades mais preparados para abordar temáticas como
essas em sala de aula.

Na nossa experiência como Pibidianas, aprendemos que o livro didático é apenas


uma das muitas ferramentas para o ensino e que o professor precisa procurar também
outras metodologias como filmes, documentários, imagens e outras leituras para quebrar
visões da história que estão cristalizadas.

No livro analisado percebemos ainda uma invisibilidade, tendo em vista que esses
sujeitos são apresentados como pertencentes ao passado. Como sendo produto de uma
construção social, o livro didático apresenta a visão de um grupo, atendendo interesses
específicos. Ao professor cabe a função de mediador do conhecimento histórico a fim de
esclarecer que aquelas ideias abordadas relatam apenas uma visão de um determinado fato.
Também cabe ao professor a busca por novas metodologias para que a aula vá além da
reprodução de um livro didático.

Algumas lideranças indígenas recusam-se a utilizar o termo índio, afirmando que o


mesmo representa algo folclórico, invenção total. O termo indígena é o preferido, tendo em
vista que o mesmo significa nativo ou natural da terra. Os povos indígenas querem ser

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tratados pelos seus nomes, pelas suas etnias e não por meio de generalizações. Os saberes a
respeito desses povos os dão identidade.

O primeiro passo para acabar com os estereótipos, seria acabar com o folclore em
torno das comemorações do dia 19 de abril. Esse ano, uma escola aqui de Campina Grande
levou lideranças indígenas nessa data para apresentarem aos alunos sua cultura e apagar a
imagem de que índio é aquele que usa cocar ou anda nu. Esses são exemplos a serem
seguidos. A educação precisa seguir esse caminho para que estereótipos sejam
desconstruídos e superados.

A lei 11.645/2008 sem dúvidas representou um grande avanço no que diz respeito às
lutas indígenas. Entretanto, algumas lacunas devem continuar sendo preenchidas, porque a
luta pela causa indígena não chegou ao fim.

REFERÊNCIAS

BORGES, Lukas Magno. Indígenas no livro didático e na sala de aula: estudos de caso CERES-
GO (2011-2012). In: III Congresso Internacional de História da UFG: História e diversidade
cultural, Jataí, 2012.

CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Difel,
1990.

MUNDURUKU, Daniel. Quanto custa ser índio no Brasil? As imagens dos povos indígenas no
inconsciente e no livro didático. In: MUNDURUKU, Daniel. O banquete dos deuses: conversa
sobre a origem e a cultura brasileira. 1ª ed. São Paulo: Editora Angra LTDA, 2000.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica,
2004.

ROCHA, Iara Barbosa da. Entre maneiras de representar e ler: percepção acerca dos
indígenas no espaço escolar (Campina Grande – 2016). Monografia apresentada ao Curso de
Licenciatura em História da Universidade Federal de Campina Grande, 2016.

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SILVA, Marcos Antônio da; FONSECA, Selva Guimarães. Ensino de História hoje: errâncias,
conquistas e perdas. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 31, nº 60, 2010. P. 13-33.

SILVA, Phábio Rocha da. A (in)visibilidade indígena no livro didático de História do Ensino
Médio. In: Anais do XVI Encontro Regional de História da ANPUH-Rio: saberes e práticas
científicas. Rio de Janeiro, 2014.

VAZ, Valéria (editora responsável). Ser protagonista: História – 2º ano. Obra coletiva. 2ª ed.
São Paulo: Edições SM, 2013.

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TÓPICOS EM HISTÓRIA DOS ÍNDIOS NO BRASIL: RELATO DE EXPERIÊNCIA NO


IFRN – CAMPUS AVANÇADO PARELHAS

FRANÇA, João Paulo

Instituto Federal da Paraíba

joao.franca@ifpb.edu.br

INTRODUÇÃO

O presente artigo se insere no âmbito das reflexões e debates acerca da temática


indígena e sua inserção no ambiente educacional. A obrigatoriedade do estudo da história e
cultura destes povos no Brasil, legalmente amparada na promulgação da Lei 11.645/2008,
foi um passo no sentido de lançar luz para a trajetória cultural e a situação desta população
no mundo contemporâneo. Todavia, é importante não perder de vista que esta e outras
legislações reparadoras de silêncios e lacunas históricas, a exemplo da Lei 10.639/2003 que
inseriu o estudo da história e cultura afro-brasileira, são frutos dos reclames, denúncias e
intensa mobilização de movimentos organizados, ativistas sociais e populações atingidas por
tais injustiças há séculos em nosso país.

A promulgação da Constituição Federal no ano de 1988 foi um importante marco da


chamada Nova República e concebeu em seu texto avanços na busca por assegurar direitos a
todos, configurando assim a chamada constituição cidadã. Outras legislações
infraconstitucionais procuraram dar efetividade aos direitos escritos. A Lei 11.645/2008 veio
ampliar este escopo legal e inserir a temática indígena nas reflexões escolares, o que
ampliou a demanda por formação inicial e continuada dos profissionais de educação no país.

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Apesar de sua gênese centenária, remontando a 1909, com a criação das Escolas de
Aprendizes Artífices, os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia se expandiram
fortemente no fim da primeira década do século XXI. Sua institucionalidade atual remonta à
Lei 11.892/2008, ou seja, ao ano de promulgação da lei que instituiu o estudo da história e
temática indígena no currículo oficial da educação nacional.

Uma das marcas deste momento dos institutos federais é a sua forte expansão e
interiorização. É neste contexto que, em 2015 o Campus Avançado Parelhas do IFRN –
Instituto Federal de Educação do Rio Grande do Norte - começa a funcionar com foco no
eixo tecnológico de informação e comunicação e no eixo de recursos naturais, com ofertas
iniciais decursos técnicos de nível médio integrado em informática e mineração na cidade de
Parelhas – RN.Todavia, atendendo às demandas locais e seguindo o princípio da
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, outros cursos e projetos foram
desenvolvidos no campus, em especial, voltados para profissionais de diferentes redes de
ensino e estudantes com interesse nas temáticas abordadas.

É neste cenário educacional que o NEABI – Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e


Indígenas – do Campus Avançado Parelhas no ano de 2017 propôs a realização do Curso
FIC – Formação Inicial e Continuada - em Educação para as Relações Étnico-Raciais,
desenvolvido a partir do PPC - Projeto Pedagógico do Curso – elaborado no Campus Currais
Novos do IFRN, e que foi aprovado pelas instâncias deliberativas do campus parelhense para
ser ofertado à respectiva comunidade escolar.Assim, passamos a descrever o presente
relato de experiência, que tem por foco o componente curricular “Tópicos em História dos
Índios no Brasil”, parte integrante do referido curso. A recepção, apropriação e
ressignificação dos assuntos abordados formaram uma interessante teia de reflexões e
apontamentos de possibilidades de ação pedagógica, que passamos a abordar a seguir.

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RELATO DE EXPERIÊNCIA NO COMPONENTE CURRICULAR “TÓPICOS EM HISTÓRIA DOS


ÍNDIOS NO BRASIL”.

Partindo da compreensão que os institutos federais de educação devem desenvolver


suas atividades em sintonia com a realidade circundante, atendendo às demandas por
formação inicial e continuada dos profissionais que atuam na região, o Campus Avançado
Parelhas promoveu no ano de 2017 sua primeira oferta do curso FIC em Educação para as
Relações Étnico-raciais. É importante compreendermos que o próprio campus ainda está se
estruturando e “afinando” sua missão com os anseios da população local. Neste sentido, os
debates e reflexões acerca das ofertas de cursos e implementação de atividades diversas
ainda estão na ordem do dia.

Após análise de PPC pré-existente, percebeu-se que o curso FIC em Educação para as
Relações Étnico-raciais seria importante para a consolidação da política educacional com viés
humanístico. Assim, no dia 04 de abril de 2017, por meio do Edital nº 01/2017 DG-PASS
(IFRN, 2017, p.1) foram ofertadas 30 vagas para o referido curso, sendo todas preenchidas
em sua maioria por professores das diversas redes de ensino (particular, municipal e
estadual) da cidade de Parelhas-RN, mas também provenientes de outros municípios do
Seridó potiguar, bem como estudantes do ensino superior de outras instituições que se
interessaram pela temática.

Com 159 horas de carga-horária, ministradas de 29 de maio a 15 de dezembro de


2017 e estruturado com sete componentes curriculares que procuravam abordar as
diferentes temáticas do curso Educação para as Relações Étnico-raciais, destacamos neste

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nosso relato de experiência a disciplina “Tópicos em História dos Índios no Brasil”, com
carga-horária de 30 horas, ministradas em 15 encontros presenciais.

Inicialmente, o desafio foi estimular a presença dos 27 educandos inscritos no


componente curricular, para que os mesmos participassem das atividades presenciais, tendo
em vista a escassez de tempo e os compromissos no trabalho escolar de parte da turma.
Apesar do avanço nas leis educacionais brasileiras, que preveem a destinação de parcela da
carga-horária docente para as atividades de formação continuada, na prática tal dispositivo
legal ainda está distante de ser plenamente observado.Destacamos que 22 estudantes
participaram ativamente da disciplina, dos quais 16 concluíram o curso FIC por completo e
foram certificados. O histórico e conhecimento prévio destes educandos acerca da temática
indígena, bem como as impressões, aprendizagens e sugestões dos mesmos foram
observados por meio de avaliação diagnóstica e formulário eletrônico, cujas ideias centrais
apresentamos ao longo do presente relato.

O planejamento inicial, bem como o desenvolvimento das atividades e a construção


do cotidiano do componente curricular “Tópicos em História dos Índios no Brasil”, objeto de
nosso relato, observou a princípio a ementa proposta. A mesma determinava as seguintes
reflexões:

Noções de História dos povos indígenas brasileiros. O mundo colonial e seus conflitos,
destacando o encontro de culturas, enfatizar as relações de dominação na sociedade, em
suas múltiplas formas. Os anos imperiais, as leis e a disputa por terras. A realidade indígena
no século XX e XXI. A legislação indígena brasileira atual. Educação indígena tendências e
perspectivas. (IFRN, 2016, p. 20)

Com os objetivos traçados e os conteúdos previstos no PPC, partimos para ministrar


as aulas previstas. Todavia, como o conhecimento é uma construção constante, fizemos
determinadas adaptações necessárias à realidade que estavam inseridos os educandos. Uma
primeira questão foi inverter a lógica de exclusão das temáticas ligadas aos nativos do
cotidiano escolar ao longo de nossa história, assim, procuramos debater o protagonismo das

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populações indígenas no processo de formação do Brasil, desde o período inicial da


ocupação territorial, passando pelos momentos das invasões europeias de portugueses,
franceses e holandeses, culminando com o contexto dos séculos XX e XXI, da lutadas
diferentes populações indígenas por direitos e cidadania.

Neste sentido, a bibliografia, bem como os vídeos e artigos apresentados para o


debate foram inicialmente de produções de autores indígenas, como Gersem Baniwa. Sua
obra, com o sugestivo título,“O Índio Brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos
indígenas no Brasil de hoje” (BANIWA, 2006), foi instigadora de reflexões acerca da condição
indígena em nossa sociedade. Como o mesmo nos diz:

Esta autobiografia inicial foi traçada para demonstrar a base de experiência que fundamenta
e orienta o olhar, a leitura e a interpretação do mundo indígena e não-indígena, expressa
nas próximas páginas com o intuito de produzir debate e, principalmente, o tão falado e
pouco praticado diálogo intercultural. Não se trata, portanto, de verdades absolutas ou
argumentos certos, mas de um ponto de vista sobre a vida e sobre o mundo, a partir das
múltiplas experiências de pessoas queparticiparam e participam de uma realidade concreta
e o fizeram em determinado período da longa história da humanidade e do mundo.
(BANIWA, 2006, p. 23)

Sua visão de mundo e reflexões foram importantes no sentido de compreender a


temática a partir da voz do próprio indígena, das representações e leituras que os mesmos
fazem de si e de sua cultura. As questões abordadas por BANIWA, como por exemplo o
movimento e a organização indígena, a educação, saúde e economiaindígena foram motes
de diálogos e reflexões que de certo modo perpassaram todo o componente curricular.

Além de artigos de autores indígenas, um recurso didático interessante que


procuramos levar para a sala de aula foram reportagens especiais do tempo presente que
abordaram temas do cotidiano do índio, tais como disputas de terras (Povo Gamela – MA);
suicídios em aldeias (Povo Guarani – MS); indígenas urbanos, pertencentes a diversos povos

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que passaram a viver nas cidades brasileiras nas últimas décadas; índios isolados (Kawahiva
– MT), entre outros temas. Também lançamos mão de documentários com depoimentos e
falas de representantes indígenas com diferentes formações e em diferentes contextos, a
exemplo de episódios da série “Índios no Brasil”, produzida pela TV Escola ou programas de
entrevistas com indígenas como o cacique Luiz Catu, da Comunidade Catu dos Eleotérios, da
etnia Potiguara do Rio Grande do Norte, além de ativistas como Manoela Carneiro da Cunha,
que abordam as lutas indígenas contemporâneas. A cada posicionamento visto, o debate
que se seguia na turma de certo modo aprofundava a compreensão do papel central dos
indígenas na formação da nação brasileira, mas com uma visão de certo modo nova: a
atuação contemporânea destas lideranças, ou seja, o indígena que luta por reconhecimento
e cidadania no presente e não apenas com o papel secundário imposto por certa
historiografia que o silenciou ao longo dos séculos. De certo modo procurávamos atualizar o
discurso de BANIWA:

O compromisso do diálogo travado aqui é com os índios reais, aqueles que vivem no mundo
de hoje, em um esforço de mostrar de forma mais ampla a situação nacional e os desafios
que aguardam a geração de graduados indígenas, além das expectativas do movimento, das
organizações e das comunidades indígenas em relação a esses novos atores, potenciais
lideranças de suas respectivas comunidades e povos. Esperamos que os diversos temas
abordados sirvam para compor novos programas de trabalho, de estudos e de pesquisas que
levem em consideração as demandas, as necessidades e os desejos concretos e legítimos
dos povos indígenas do Brasil. (BANIWA, 2006, p. 23-24)

Também autores ligados a esta temática foram essenciais para apresentar um novo
olhar sobre assuntos aos quais muitos dos educandos ainda não haviam despertado em seu
trabalho cotidiano na sala de aula. Neste sentido Manoela Carneiro da Cunha foi
fundamental para instigar os debates e reflexões.Sobre a importância do indígena em nossa
sociedade CUNHA (2012) nos diz:

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A partir da expulsão dos jesuítas por Pombal, em 1759, e sobretudo a partir da chegada de d.
João VI ao Brasil, em 1808, a política indigenista viu sua arena reduzida e sua natureza
modificada: não havia mais vozes dissonantes quando se tratava de escravizar índios e de
ocupar suas terras. A partir de meados do século XIX, como enfatizou J. Oscar Beozzo, a
cobiça se desloca do trabalho para as terras indígenas (Farage e Santilli in Carneiro da Cunha
[org.] 1992). Um século mais tarde, irá se deslocar novamente: do solo, passará para o
subsolo indígena. (CUNHA, 2012, p. 21)

Como podemos observar, parte do componente curricular “Tópicos em História dos


Índios no Brasil” foi dedicada a reflexão acerca da importância do indígena na construção do
Brasil e como o mesmo se encontra inserido no século XXI nesta sociedade. Assim, passamos
a uma outra adaptação na ementa do curso, que foi o recorte geográfico que propomos. Em
um país com dimensões continentais e com um verdadeiro mosaico de etnias indígenas,
procuramos entender a distribuição destas populações no território nacional, com enfoque
no Nordeste, ou na área aproximada desta região geográfica.Para esta leitura, o texto
“PovosIndígenasnoNordesteBrasileiro:umesboçohistórico” de CARVALHO et all(1992) foi
importante por nos mostrar como os estudos do indígena pode ser realizado na região.
Como nos dizem os autores:

Configurado o Nordeste, para fins de uma história indígena e do indigenismo, como a região
abrangida, grosso modo, pelas bacias fluviais do Paraguaçu, na Bahia, ao Parnaíba, no leste
maranhense - incluindo a porção nordestina da grande bacia são-franciscana – e
caracterizada basicamente pela ação de conquista efetuada quase que totalmente ainda no
período colonial, passamos a um exame dessa história, em caráter exploratório, com o
objetivo básico de apenas delinear suas sequencias principais até os dias atuais, referir o que
há de mais significativo já publicado a respeito e indicar as possibilidades de estudos mais
detidos, sobretudo no que diz respeito às perspectivas de uma melhor abordagem da reação
indígena ao contato,nas diversas situações históricas específicas. (CARVALHO et all, 1992, p.
434)

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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Aproximando mais ainda da realidade vivida pelos educandos, passamos a um


aprofundamento do estudo das comunidades indígenas do atual território potiguar. Neste
sentido, o pesquisador da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte),
HelderAlexandre Medeiros deMacedo foi primordial, haja vista o grande número de artigos
e publicações do mesmo. Entre seus textos, discutimos “O viver indígena na freguesia da
gloriosa Senhora Santa Ana do Seridó: histórias de índios no Rio Grande do Norte, Brasil
(Séculos XVIII E XIX)”. Em resumo, MACEDO (2003) nos diz:

Neste artigo analisamos as histórias de índios na região do Seridó, sertão do Rio Grande do
Norte, entre os séculos XVIII e XIX, junto aos demais grupos sociais (brancos, pardos e
negros) que ocupavam o território da antiga Freguesia da Senhora Santa Ana. A
comprovação da existência de indígenas no Seridó após a Guerra dos Bárbaros nos sugere
que a mestiçagem foi o caminho usado para garantir a sua sobrevivência no mundo colonial.
Essa é uma evidência que se contrapõe aos estudos tradicionais da História do Rio Grande
do Norte, que falam do “desaparecimento” dos nativos após a efetivação da expansão
pecuarística no sertão. (MACEDO, 2003, p.1)

Com certeza um tema tão próximo ao cotidiano vivido pelos educandos instigou
importantes debates, em especial do porquê tais populações indígenas não existiriam mais
na região, ao mesmo tempo que procurávamos elementos remanescentes destas culturas.
Assim, a partir de sugestão da própria turma passamos ao estudo do passado dito “pré-
histórico” onde o curso foi oferecido, ou seja, o Seridó potiguar. Aqui foi importante a visita
técnica ao sítio arqueológico do Mirador. A mesmaaconteceu no dia 22 de julho de 2017,
levando os educandos ao referido sítio, localizado próximo à zona urbana do município de
Parelhas – RN. Aqui, os estudantes refletiram acerca da ocupação inicial da região Seridó,
local onde os mesmos desenvolvem suas atividades. Vejamos uma imagem desta visita:

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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Imagem 1: Sítio Arqueológico Mirador, Parelhas-RN - Acervo pessoal

As inscrições rupestres, bem como a reflexão acerca do estilo de vida das populações
que neste ambiente viveram na “pré-história” brasileira foi um importante mote de diálogo,
além do trabalho interdisciplinar com outros professores do curso, cada um a seu modo,
procurando explorar tal atividade, seja chamando atenção para questões de patrimônio
material, de preservação ambiental, atividades lúdicas para estudantes, etc.

Para a conclusão do componente curricular, procuramos fazer uma revisão dos temas
abordados. Assim, o estudo da história e cultura indígena na formação do Brasil e do
Nordeste, as vivências destas populações ao longo dos séculos no Rio Grande do Norte, bem
como a compreensão da luta atual do movimento indígena, foram grandes eixos que
culminaram com a proposição e realização de mais uma visita técnica. Esta aconteceu no dia
26 de agosto de 2017 e foi destinada à comunidade do Catu dos Eleotérios, na região do
município potiguar de Canguaretama.

A vivência cotidiana, a escola indígena local, apresentada através de sua gestora que
nos explicou um pouco do trabalho lá desenvolvido, a recepção proporcionada junto ao
cacique Luiz do Catu, que contou um pouco da história de luta da população local, foram
momentos de aprendizagem fundamentais para sedimentar os assuntosestudados e
debatidos em sala. A seguir, uma imagem desta atividade:

Imagem 2: Turma do Componente Curricular com o Cacique Luiz Catu. Acervo pessoal

Ao retornarmos às nossas atividades em sala, percebemos que os diálogos travados


na comunidade do Catú dos Eleotérios, as vivências observadas e experiências conhecidas,
qualificaram o conhecimento da turma, que se apropriou de maneira mais adequada acerca
de temas da história, cultura e lutas indígenas no mundo contemporâneo.

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Sobre as visitas técnicas, destacamos as seguintes falas dos educandos ao analisá-


las:a) “possibilitaram uma aprendizagem com uma realidade não apenas teórica. O
acolhimento em uma comunidade indígena e o modo de vida e convivência dessa
comunidade permitiu perceber como se organizam e compartilham tudo, inclusive os
problemas”; b) “a partir delas podemos ter uma melhor visão de quanto é importante a
história que as vezes só sabíamos o que víamos nos livros e que, na realidade, é bem além
que aquilo”; c) “foram excelentes, proporcionou-me um conceito mais amplo sobre a
história dos indígenas e uma riqueza de conhecimento que os mesmos deixaram para nós”.
De certo modo, percebe-se como o conhecimento in locoda realidade indígena
contemporânea permite aos educandos uma melhor compreensão, não só da história e
cultura, mas principalmente das lutas e vivências dos povos nativos do país neste século XXI.

DA TEORIA À PRÁTICA: “TÓPICOS EM HISTÓRIA DOS ÍNDIOS NO BRASIL” EM PERSPECTIVAS


PARA A COMUNIDADE ESCOLAR PARALHENSE.

Após o estudo da história e cultura das populações indígenas, passamos a reflexão de


como tais conteúdos podem ser abordados junto às atividades desenvolvidas pelos
educandos, tendo em vista que o público do curso em sua maioria foi formado por
profissionais e estudantes envolvidos com a educação em diferentes modalidades e etapas
de ensino.

Como subsídio prático para auxílio às ações dos educandos no campo das escolas e
atuação profissional dos mesmos, apresentamos uma série de sites que abordam temáticas
indígenas, sejam de órgãos oficiais, como a FUNAI (http://www.funai.gov.br/) ou de
entidades como o CIMI - Conselho Indigenista Missionário (http://www.cimi.org.br/site/pt-
br/). Todavia, destacamos em especial os portaisproduzidos por comunidades indígenas, a
exemplodo site Índio Educa (http://www.indioeduca.org/ ) que conta com o apoio da ONG
Thydêwá e do Ministério da Cultura.

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Assim, disponibilizamos diversos materiais produzidos sobre as culturas indígenas.


Destaco aqui a obra didática “História Indígena”, cujos “textos foram produzidos pelos
professores índios do Acre e do Sul do Amazonas durante os XIV, XV e XVI Cursos de
Formação, ocorridos nos anos de 1995 e 1996, bem como em trabalhos de pesquisa
desenvolvidos em suas aldeias” (CPI/AC, 1996, p.2). Entre outras histórias apresentadas de
maneira didática a partir da criação dos próprios indígenas, salientamos a versão local em
que o tempo histórico é dividido de maneira diferente: o tempo da maloca, o tempo das
correrias, o tempo do cativeiro, o tempo dos direitose o tempo da História presente(CPI/AC,
1996, p. 28-61). Ressaltamos que apesar desta ser uma divisão histórica dos índios do Acre e
sudoeste da Amazônia, a mesma nos aponta uma maneira diferente de enxergar o tempo
histórico. Ainda desta obra destacamos a visão dopovo Kaxinawá sobre "O jacaré que serviu
de ponte" acerca da ocupação humana no continente americano. Debatemos que mitos
indígenas como este auxiliam a ampliar nosso conhecimento, bem como nos oferecem
subsídios para atuação em sala de aula para além dos livros didáticos e suas já conhecidas
construções das narrativas acerca das populações indígenas.

Ainda tratando de exemplos de materiais escolares que podem ser utilizados para o
estudo do índio, fizemos breve debate acerca das avaliações escolares e a necessidade de
contextualização temática. Neste sentido, foi apresentada e discutida a avaliação escrita
para acesso aos cursos técnicos de nível médio na forma subsequente do IFRN, regido pelo
Edital nº 18/2017 – PROEN/ IFRN (IFRN, 2017, p. 1-10). Esta avaliação foi utilizada como
exemplo de abordagem da temática indígena contextualizada em componentes curriculares
distintos, tais como Português e Matemática. De certo modo, este tipo de avaliação nos
mostra como o assunto pode ser parte do cotidiano escolar e contribuir para o debate e
compreensão do mundo indígena não só ao longo da história, mas também no contexto
contemporâneo.

O componente curricular proporcionou diferentes abordagens e debates entre os


educandos, que ao final foram instigados a produzir materiais para exposição ao público
externo. Um dos frutos do curso FIC foi a preparação de uma sala temática na EXPOTEC 2017

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do CampusAvançado Parelhas, onde os estudantes apresentaram um pouco do que


vivenciaramao longo do curso. Ressalte-se que os educandos assumiram a responsabilidade
pela atividade de maneira independente e realizaram um belo trabalho junto à comunidade
escolar parelhense presente no evento.

De certo modo, o curso FIC“Educação para as Relações Étnico-raciais”, do qual o


componente curricular que abordou a temática indígena foi parte integrante, tornou-se uma
“semente plantada” no âmbito da instituição IFRN - Campus Avançado Parelhas. Com os
acertos, reflexões desenvolvidas, receptividade junto à comunidade externa e possíveis
correções de rumos em eventuais falhas, poderão ser ampliadosos estudos de tais temáticas
de víeis humanístico neste espaço institucional, com a futura instalação de pós-graduação a
nível de especialização das relações étnico-raciais, ampliando assim o alcance das discussões
e aperfeiçoamento dos profissionais e pessoas interessadas na discussão da temática na
região do Seridó potiguar, lócus onde está encravado o campus. Os horizontes são amplos, o
que certamente qualificará e fortalecerá os debates sobre a história e cultura indígena e
afro-brasileira, fins almejados não só pela legislação, mas principalmente pela sociedade que
a cada dia construímos.

Ao questionarmos nossos educandos acerca do porquê se interessaram por um curso


FIC em “Educação para Relações Étnico-raciais”, obtivemos como resposta, entre outras com
o mesmo sentido, que:“o tema em questão ainda é pouco explorado em nossas escolas e
mesmo em meio a nossa cultura. Esse curso abriu um questionamento pessoal de como se
deveria trabalhar com nossos alunos e a sociedade em geral, quebrando mitos”. Se esta era
uma das expectativas iniciais, ao final do componente curricular, segundo os relatos dos
estudantes que responderam ao questionário avaliativo, podemos observar a constatação
de que o mesmo foi positivo nos seguintes aspectos: a) metodologia, material utilizado e os
debates que promoveram um aprendizado bem significativo”; b) “a partir dele houve uma
maior compreensão do tema, muito que não tínhamos conhecimento ou tinha sido
mostrado de maneira às vezes superficial em nossa formação acadêmica e agora temos uma
visão mais ampla e interrogativa”; c) “tivemos abordagens excelentes sobre os índios e, o

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que mais chamou atenção, foi a resiliência desse povo sofrido, que até hoje luta para se
manter num pedaço de terra, quando eles tinham o ‘Brasil inteiro’ só pra eles”. Percebe-se
assim que são constatações importantes, não apenas no viés institucional de oferta e
conclusão de um curso específico, mas de mudanças de perspectivas em relação às novas
abordagens da história, cultura e luta por direitos dos povos indígenas do Brasil.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Discutir a temática indígena no âmbito do IFRN - CampusAvançado Parelhas, em


especial no componente curricular “Tópicos em História dos Índios no Brasil” foi o objeto
central do presente relato de experiência. A compreensão acerca da importância da
formação inicial e continuada nesta temática é algo necessário para as mudanças sociais
almejadas por meio das lutas dos movimentos organizados e pela legislação que se consolida
em nosso país, a exemplo da Lei 11.645/2008.

Ampliar o conhecimento, abrir espaços de debates, inserir a temática do ensino da


história e cultura indígena é algo inerenteà missão dos Institutos Federais de Educação,
ambientes propícios para lançar luzes acerca das mudanças mentais e sociais almejadas pela
educação pública.

Cada curso e turma são únicos em suas individualidades. Características dos


educandos, condições de acesso à informação, conhecimentos prévios, tempo de dedicação,
enfim, as variantes do processo de ensino e aprendizagem são muitas, todavia, não
podemos perder de vista a centralidade nos objetivos propostos, ou seja, apesar das
peculiaridades inerentes a cada local, devemos procurar espaços para a discussão da
temática indígena, mudando focos e ampliando horizontes de formação que proporcionarão
o efeito multiplicador dos estudos. São pequenas transformações que contribuem para a
mudança social.

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O presente relato de experiência abordou a forma como o componente curricular


“Tópicos em História dos Índios no Brasil” foi gestado no âmbito do curso FIC “Educação
para as Relações Étnico-raciais”, mostrando aspectos centrais desta empreitada acadêmica,
bem como as peculiaridades observadas que poderão auxiliarà reflexão
deatividadeseducacionais neste sentido,efetivadas em realidades distintas. Assim,
compreendo que contribuímos para o debate no eixo que aborda o “Ensino da Temática
Indígena e os 10 Anos da Lei Nº 11. 645/2008: Experiências, Discussões e Propostas”.

REFERÊNCIAS

BANIWA, Gersem. O Índio Brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no
Brasil de hoje. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade; LACED/Museu Nacional, 2006.

BRASIL. Lei 10.639, de 09 de janeiro de 2003.Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de


1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo
oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e
dá outras providências. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm. Acesso em 26 mai. 2018.

_______. Lei 11.645, de 10 de março de 2008. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de


1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e
bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a
obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Diário Oficial da
União, Poder Executivo, Brasília, DF. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm. Acesso em: 29
mai. 2018.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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_______. Lei 11.892, de 29 de dezembro de 2008. Institui a Rede Federal de Educação


Profissional, Científica e Tecnológica, cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e
Tecnologia, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF,
Ano CXLV, nº 253, 30 dez. 2008e. Seção 1.p.1-3. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11892.htm . Acesso em 29
mai.2018.

CARVALHO, Maria Rosário G. de, DANTAS, Beatriz G. e SAMPAIO, José Augusto L. Os Povos
Indígenas no Nordeste Brasileiro: Um esboço histórico. In: CUNHA, Manuela Carneiro da
(org.).História dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras; Secretaria Municipal de
Cultura; FAPESP, 1992, p. 431-456.

CPI/AC - Comissão Pró-índio do Acre. História Indígena. Rio Branco, AC: Gráfica KenêHiwe-
CPI/AC, 1996.

CUNHA, Manuela Carneiro da. História dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das
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_______, Manuela Carneiro da. Introdução a uma história indígena In: Índios no Brasil:
história, direitos e cidadania, 1ª ed. São Paulo: Claro Enigma, 2012.

IFRN - Instituto Federal do Rio Grande do Norte. Projeto Político-Pedagógico do IFRN: uma
construção coletiva: documento base. Natal, RN: IFRN, 2012. Disponível em:
http://portal.ifrn.edu.br/institucional/projeto-politico-pedagogico-1/lateral/menu-
1/volume-1-documento-base/view. Acesso em: 16 mai. 2018.

________. Projeto Pedagógico do Curso de Formação Inicial e Continuada em Educação


para as Relações Étnico-raciais – Presencial. Currais Novos, RN, IFRN, 2016.

________.Edital nº01/2017-DG/PAAS/IFRN. Processo seletivo para cursos de formação inicial


e continuada na Modalidade presencial. Parelhas, RN: IFRN, 2017. Disponível em:

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

http://portal.ifrn.edu.br/campus/parelhas/editais/edital-no01-2017-dg-paas-ifrn/view.
Acesso em 29 mai. 2018.

________. Edital nº 18/2017 – PROEN/ IFRN. Cursos técnicos de nível médio na forma
subsequente. Natal, RN: IFRN, 2017. Disponível em:
http://portal.ifrn.edu.br/ensino/processos-seletivos/tecnico-subsequente/edital-18-2017-
tecnico-subsequente-2017.2/provas-e-gabaritos/prova-tecnico-subesequente. Acesso em 14
jun. 2018.

________. Histórico. Parelhas, RN: IFRN, s/d. Disponível em:


http://portal.ifrn.edu.br/campus/parelhas/institucional/historico . Acesso em: 25 mai. 2018.

MACEDO, Helder Alexandre Medeiros de. O viver indígena na freguesia da gloriosa Senhora
Santa Ana do Seridó: histórias de índios no Rio Grande do Norte, Brasil (Séculos XVIII E XIX).
Revista de Antropologia Experimental, número 3, 2003. Disponível em:
revistaselectronicas.ujaen.es/index.php/rae/article/download/2100/1843. Acesso em 31
mai. 2018.

OS POVOS INDÍGENAS NA ESCRITA DA HISTÓRIA DO BRASIL: O ENSINO


SUPERIOR E A RENOVAÇÃO HISTORIOGRÁFICA

PEREIRA, José do Egito N.

Universidae Estadual da Paraíba

egito78@hotmail.com

Introdução

O que você sabe sobre os índios do Brasil? Quais as imagens que construímos sobre
os povos indígenas brasileiros? Você sabe qual o número da população indígena brasileira?
Como as universidades têm construído seus currículos sobre a história indígena no Brasil?

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Como tem sido realizado o debate historiográfico entre os primeiros discursos sobre os
índios brasileiros com a renovação historiográfica contemporânea? O presente artigo, tem
por objetivo responder a estas indagações, estabelecendo um saber que aponta para a
renovação na construção dos discursos historiográficos sobre os índios do Brasil,
colaborando para a formação dos futuros professores de história com vistas que tal
produção de saber chegue às salas de aulas da educação básica brasileira.

Ainda é muito comum, nos dias atuais, pessoas descreverem os índios do Brasil como
sujeitos que pararam no tempo, como coisas do passado. É também comum, ouvirmos das
pessoas que os índios comungam de uma identidade natural, e aí vem aquelas máximas
sobre uma suposta identidade indígena, quando não, diversidade indígena, para se distinguir
dos brancos ou dos negros. Mas sempre aquela diversidade essencializada, ontológica e
cada vez menos histórica. Os discursos mais comuns ignoram às diferenças indígenas, as
rivalidades étnicas que existiam quando o português aqui chegara. As pessoas, em pleno
século XXI, tratam os povos indígenas como identidades que vivem nas florestas e que estão
fadadas ao desaparecimento, diante do progresso ocidental, afinal, a partir do momento que
os indígenas passam a usar roupas, a partir do momento que os indígenas passam a ter uma
motocicleta, deixam de ser índios. Ou seja, os indígenas são representados pela maioria dos
brasileiros como sujeitos que devem viver numa eterna imutabilidade.
Mas, existe cultura estática? A historiadora Maria Regina Celestino Almeida (2009), em
Identidades étnicas e culturais: novas perspectivas para a história indígena, refuta esta
máxima, demonstrando que nenhuma cultura é estática, esta maneira de abordar os povos
indígenas é típica de uma antropologia do século XIX, que enxergava os povos da América
como fósseis vivos. Os povos indígenas do Brasil estabeleceram relações de contato com os
lusitanos, assim como os lusitanos absorveram elementos culturais indígenas (O hábito de
tomar banho diariamente), os indígenas também reformularam suas culturas a partir de
características advindas do continente europeu. Logo, “Nessa perspectiva, aculturação e
resistência deixam de ser polos opostos, podendo caminhar juntas” (ALMEIDA, 2009, p.28).
Defender a imutabilidade das coisas é o mesmo que acabar com nossa historicidade. Somos
históricos, e assim sendo, estamos fadados às mudanças. Contudo, o discurso da

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imutabilidade é somente para os indígenas. Os brasileiros não indígenas podem ter acesso à
internet, provar diariamente de uma coca-cola, ou usar uma blusa calvin Klein, sem jamais
deixar de ser brasileiro, mas, quando um indígena faz uso dos mesmos produtos, aí o
discurso muda de tom, e arremata-se: isto não é índio. Trata-se de um discurso
preconceituoso que temos que levar às escolas. Desde 2015, que venho, na qualidade de
professor substituto da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), abordando estas
temáticas, envolvendo os indígenas do Brasil com o corpo discente, objetivando construir
um saber que refute os discursos preconceituosos sobre os indígenas brasileiros, apontando
que eles vivem, que são mais de 896 mil pessoas distribuídas em 305 etnias e 274 idiomas de
norte a sul do país. Nossos olhares apontam que os indígenas não morreram, não são coisas
do passado, e que estão se multiplicando, desconstruindo as perspectivas científicas,
sociológicas e antropológicas de que os indígenas iriam desaparecer no século XXI.
Resultado: erraram feio! Os indígenas derrubaram todas as teses que apontaram para o seu
desaparecimento: Francisco Adolpho de Varnhagen, o primeiro Historiador do Brasil, dizia
que eram povos na infância, e que não resistiriam ao colonizador civilizado; nem mesmo
Florestan Fernandes, com seu saber marxistas e crítico, acreditou na capacidade indígena,
pois afirmava, ainda na década de 1970, que os indígenas, diante da maldade da sociedade
burguesa e capitalista, faminta por suas terras, não resistiriam ao poderio do homem
ocidentalizado. Contestando estas versões, destacamos os trabalhos publicados pela
historiadora Maria Regina Celestino Almeida, que desde o ano de 2000, vem renovando a
historiografia indígena brasileira, defendendo a extraordinária capacidade indígena de
reinventar-se desde a chegada do europeu colonizador, quando esses dois mundos sociais
passaram a estabelecer as relações de contatos.

Os Povos Indígenas Na Escrita da História: de figurantes a personagens de destaques


na história do Brasil. Como os povos indígenas foram descritos nos idos da historiografia
brasileira? Como os indígenas são abordados nas relações de contato com os portugueses?
Foram povos passivos ou guerreiros? Eram inocentes ou feras? E se invertêssemos estas
perguntas para outro plano: Os povos indígenas souberam estabelecer alianças com as elites
de Portugal? Existiu uma elite indígena que participou do processo de aldeamentos jesuítas

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no Brasil? Algumas tribos indígenas foram respeitadas e bem tratadas pelo Conselho
Ultramarino de Portugal? Nessas relações de contato, os povos indígenas souberam
ressignificar suas culturas e sobreviver em meio ao caos instalado em suas terras? A
renovação da historiografia indígena tem muito a nos apresentar sobre as relações de
contatos entre portugueses e indígenas, enfatizando a extraordinária capacidade dos tupis,
guaranis, pancarurus, tamoios, tabajaras, fulni-ôs e tupinambás em reelaborar suas culturas
durante o processo de colonização e de formação dos aldeamentos jesuítas no Brasil.

A escrita da História do Brasil começa em 1838, quando da criação do IHGB (Instituto


Histórico e Geográfico Brasileiro). O IHBG lançou um edital de Monografia com a seguinte
pergunta? Como se deve escreve a história do Brasil? O vencedor do certame foi o botânico
alemão Karl Friedrich von Martius que acenou para a escrita da história brasileira, a
prioridade de levar-se em conta, a mistura de três raças: “a cor de cobre, ou americana, a
branca ou caucasiana e enfim, a preta ou ethíope” (MARTIUS, 1845, p.3482). Quanto aos
índios do Brasil, Martius fez breves recomendações para o estudo de etnografia indígena,
pois interessava-se no estudo da língua tupi, a língua geral dos índios. Martius não fez um
estudo sobre os indígenas brasileiros, deixou questões, como estas, para as gerações futuras
dos historiadores:
Que povos eram aqueles que os portugueses acharam na Terra de santa cruz, quando estes
aproveitaram e entenderam a descoberta de Cabral? D’onde vieram eles? Quais as causas
que os reduziram a esta dissolução moral e civil, que neles não reconhecemos senão ruínas
de um povo? (Idem, p.385)

O Olhar de Martius sobre os indígenas é típico do colonizador, do europeu civilizado


que lamenta o desaparecimento de um povo em atraso cultural e material. Martius não
reconhece a diferenças dos índios, e dissemina um parecer catastrófico sobre os indígenas
brasileiros e seu passado, concluindo que “O passado da raça Americana trata-se de uma
época coberta de escuridão” (Idem, p. 385).

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O primeiro historiador que vai fazer um estudo científico sobre os povos indígenas do
Brasil será o Francisco Adolfo de Varnhagen, em seu livro História geral do Brasil. Varnhagen
é um historiador da Corte de D. Pedro II, logo, seu trabalho faz um elogio da colonização
portuguesa no Brasil. Quanto aos indígenas, Varnhagen os descreve como povos atrasados,
sem História, como povos bárbaros e incivilizados, um povo da infância. O Heródoto
brasileiro não poupa críticas negativas a falta de humanidade nos índios, pois para ele, tais
gentes não passam de lobos da floresta: “Podemos dizer que a única crença forte e radicada
que tinha era a obrigação de se vingarem dos estranhos que ofendiam a qualquer um de sua
alcateia” (VARNHAGEN, 1975, p. 43).

Diante da ferocidade dos indígenas não restava outra alternativa aos colonizadores,
senão, impor sua superioridade militar. Muito indígenas fizeram relações amistosas com os
portugueses, mas Varnhagen ignora tudo, pois em sua escrita o poder é unilateral e está
com o português. As mortes foram inevitáveis ao processo civilizador da América, e para
tanto, segundo o historiador em tela, é um pouco injusto, crucificar os primeiros colonos em
razão daqueles assassinatos contra os indígenas. Afinal, os indígenas, segundo Varnhagen,
tinha um espírito de vingança, sua verdadeira fé.

Quanto a nós, tem-se clamado demasiado injustamente contra as tendências dos


primeiros colonos de levarem a ferro e a fogo os bárbaros da terra, agrilhoando-os,
matando-os ou escravizando-os. Não sejamos tão injustos com os nossos antepassados, nem
tampouco generosos com os que da nudez dos sepulcros não se podem defender (IDEM,
p.2017).

Este pensamento de abordar os indígenas como povos atrasados e por conseguinte,


inferiores aos europeus perdurou por muito tempo na mentalidade da ciências humanas.
Por exemplo, a antropologia do século XIX, colocava os habitantes da América como povos
primitivos que fatalmente estariam fadados ao extermínio e desaparecimento diante do
progresso europeu. Os indígenas seriam assimilados pela cultura ocidental, não havendo a
possibilidade de existirem no século XX. Logo, tornava-se urgente pesquisar aqueles fósseis
vivos. O sociólogo pernambucano Gilberto Freyre, também abordou o indígena brasileiro

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como uma raça atrasada em relação ao português e lastimou os resultados daquele


encontro, da civilização adiantada, diante da população mais rasteira do continente
americano, afirmando que “com a intrusão europeia desorganiza-se entre os indígenas da
América a vida social e econômica; principia a degradação da raça atrasada ao contato da
adiantada” (FREYRE, 2013, p.157). Ou seja, nos idos do século XX, ainda predominava um
pensamento social voltado para o desaparecimento dos povos indígenas do Brasil. Desde
modo, continuava um discurso, uma vontade de saber e de poder sobre os indígenas
brasileiros, que reservava um lugar bem especial para os primeiros povos do Brasil na escrita
de nossa História: o passado. Contudo,“Deve-se conceber o discurso como uma violência
que fazemos as coisas, como uma prática que lhes impomos em todo o caso; e é nesta
prática que os acontecimentos do discurso encontram o princípio de sua regularidade”
(FOUCAULT, 2002, p.53).
Este discurso, essa discreta leitura de mundo, cristalizou-se em nossas mentes, de modo
que, quando nos referimos aos indígenas, sentimos uma extrema dificuldade em visualizá-
los em nosso tempo presente, haja vista a força dos jogos de linguagem, que chegam até nós
como uma verdade teórica que é inteligível ao mundo, à “realidade” indígena. Porém, a
linguagem, numa perspectiva pós-estruturalista, não é um reflexo da realidade que se deseja
explicar. A linguagem das ciências humanas também carrega uma vontade de desejo (no
sentido de Freud), uma vontade de poder (no sentido foucaultiano) e uma vontade de
potência (no olhar de Nietzsche). Destarte, as teorias que foram difundidas sobre os
indígenas no século XIX e XX, chegaram ao público como descobertas científicas, e tais
saberes, em sua maioria, reservaram o desaparecimento, a imutabilidade e o passado para
os indígenas do Brasil.
Para Freyre, a sociedade brasileira emergiu de uma intoxicação sexual. O sociólogo
pernambucano ignora o caráter das alianças indígenas. Era comum a realização de alianças
entre determinados grupos indígenas. Com um aliado forte, as tribos indígenas poderiam
enfrentar seus adversários e reconquistar territórios perdidos. Foi isso que aconteceu nas
relações de contato entre algumas tribos indígenas do Brasil. Contudo, os europeus tiveram
uma leitura diferente, e admiravam-se com tanta devassidão.

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O europeu salta em terra escorregando em índia nua; os próprios padres precisam descer
com cuidado, senão atolavam o pé em carne. As mulheres eram as primeiras a se
entregarem aos brancos, as mais ardentes indo esfregar-se nas pernas desses que supunham
deuses. Davam ao europeu por um pente ou um caco de espelho (FREYRE, 2013, p.161).
Este pensamento que defendia o desaparecimento da raça ou povo rasteiro diante da
civilização mais adiantada, vigou no Brasil até a década de 1970. Ou seja, até esta década,
muitos historiadores difundiam um discurso fatalista e assimilacionista sobre os indígenas
brasileiros. Assimilacionista, porque muitos defendiam a tese da aculturação dos índios
frente ao europeu civilizado. Já o discurso fatalista, enfatizava a resistência indígena,
afirmando que os indígenas lutaram, foram bravos, mas, lamentavelmente perderam para a
superioridade do europeu, do home branco. Uma névoa cobria o processo das relações de
contato e muitos escritores não identificavam as trocas de mercês, as alianças e o poder de
negociação de uma elite indígena que participou da colonização brasileira como aliados dos
portugueses. Ou seja, muitos indígenas foram derrotados, pois não aceitavam aliar-se com o
homem branco, no entanto, outros grupos indígenas sobreviveram e foram muito bem
tratados pelos portugueses e seus descendentes sobreviveram ao tempo. Um desse índios
foi Arariboia, que fez parte daqueles grupos indígenas que receberam o enobrecimento por
parte de Portugal, em razão dos seus atos de bravura nas guerras contra os tamoios e
temiminóis. Conforme Almeida (2003)

Cabe lembrar que os povos in¬dígenas foram essenciais ao pro¬jeto de colonização,


sobretudo em seus primórdios, quando a con¬quista e a preservação dos territó¬rios se
faziam por meio de guerras violentas, nas quais os índios par¬ticipavam intensamente, na
con¬dição de aliados ou inimigos. Foi nesse contexto que alguns líderes, como o Arariboia do
Rio de Janei¬ro, se projetaram, adquirindo enor¬me prestígio no mundo colonial, conferido
por autoridades interes¬sadas em agraciar lideranças que constituíam importantes agentes
intermediários entre o mundo in-dígena e o mundo colonial.

Um dos historiadores que ignoraram as alianças indígenas com os portugueses foi o


Florestan Fernandes. Fernandes destacou a bravura dos índios nas relações de contato com

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os portugueses. Mesmo lutando e resistindo, mesmo assassinando os portugueses, os índios


perderam, foram derrotados e dizimados. O historiador em destaque afirmava que ao fim do
século XX, não existiria mais índios no Brasil, afinal “O seu heroísmo e a sua coragem não
movimentaram a história, perdendo-se irremediavelmente com a destruição do mundo em
que viviam” (FERNENDES,1976, p.72). Florestan Fernandes subestimou a capacidade de
negociação dos indígenas brasileiros, priorizando o discurso da destruição. Felizmente as
teses de Fernandes caíram por terra, não se confirmaram e os indígenas brasileiros estão
mais vivos do que nunca, multiplicando-se pelo Brasil e lutando pela demarcação de suas
terras. Em 1988, a Constituição Brasileira derrubou a tese do desaparecimento dos índios no
Brasil, quebrando o discurso de que índio é coisa do passado:
Art.231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e
tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam,
competindo à União demarca-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens (CF. Capítulo
VIII, 2002, p.132).

A partir do ano de 2000, novos estudos sobre os indígenas brasileiros foram emergindo na
ordem do saber, ganhando visibilidade a tese da historiadora Maria Regina Celestino
Almeida (2000) que passou a escrever diferente do que se escrevia e a perceber os
indígenas, diferentemente do se enxergava-se. Seu trabalho começou a priorizar as relações
de contato entre os indígenas e os portugueses nos aldeamentos jesuítas, e partir de tais
relações, Almeida percebeu uma extraordinária capacidade dos índios aldeados em
reelaborar sua cultura e sua sobrevivência diante dos colonizadores. Para tanto, Almeida
começou a contestar os discursos da Antropologia do século XIX que apresentava os povos
indígenas como culturas autênticas e originais, como cultura fixa, estável e imutável.
Almeida procurou abordar uma crítica às teses assimilacionistas que defendiam a
aculturação dos indígenas, vistos como povos submissos à dominação lusitana. De acordo
com Almeida, os povos indígenas foram aculturados, mas tiraram proveito dessa
aproximação, logo, aculturação e resistência não são polos antagônicos, pois, os indígenas
souberam utilizar alguns privilégios que eram oferecidos aos súditos do rei. Como explica a

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historiadora, os indígenas “Incorporaram elementos da cultura ocidental, dando a eles


significados próprios e utilizando-os para a obtenção de possíveis ganhos nas novas
situações em que vivem” (ALMEIDA, 2010, p.22).

O discurso de Almeida é moldado para discutir a questão das transformações


indenitárias, pois, saber falar português, compreender os códigos de direito dos homens
brancos, não significa deixar de ser índio. Assim como os portugueses mudaram com alguns
elementos das culturas indígenas, os indígenas também transformaram seus hábitos
culturais com a chegada de outros elementos culturais dos estrangeiros. Assim como os
portugueses não deixaram de ser portugueses, os indígenas não deixaram de ser índios:
todos transformaram-se, afinal: Entendem-se, Hoje, as identidades como construções fluidas
e cambiáveis que se constroem por meio de complexos processos de apropriações e
ressignificações culturais nas experiências entre grupos e indivíduos que interagem” (Idem,
p. 25).

Deste modo, toda a tese de Almeida (2009) caminha por uma perspectiva que
prioriza um olhar para a capacidade dos povos indígenas de reformularem suas culturas,
mitos e compreensões do mundo. Há um destaque para o papel das aldeias indígenas
coloniais como espaço de ressocialização e de reconstrução de identidades para grupos
indígenas diversos que ali se reuniam em busca de sobrevivência. Assim, percebemos com a
tese de Almeida(2009) que os povos indígenas não estavam no Brasil a serviço dos
portugueses, que eles tinham convicções próprias, que sabiam exigir um tratamento especial
por terem sido cristianizados e que, como Arariboia, que passou a receber o sobrenome de
Sousa, receberam tratamento especial por serem súditos do rei. Enfim, “Os índios buscavam
seus próprios ganhos, ainda que fosse através da negociação de perdas (ALMEIDA, 2009,
p.29).

Tópico Especial em Ensino de História: Por uma renovação no ensino de história indígena

Entre os anos de 2016 e 2017, ofertamos como disciplina eletiva o Componente


Curricular: Tópico especial em Ensino de História Indígena, no Curso de Graduação em

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História da UEPB. Nosso objetivo era o de observar os olhares que os estudantes de


graduação traziam sobre os primeiros habitantes do Brasil. Também procurávamos impactar
a disciplina com conceitos diferentes sobre os indígenas brasileiros, abordando-se propostas
e desafios para o estudo e a prática de ensino daquela temática. Nossa principal provação
era a seguinte: índio não é coisa do passado! Eles existem, transformaram-se no tempo, mas
não deixaram de ser índio.
Tivemos duas turmas durante os anos de 2016 e 2017, em que cada turma contava com
cerca de 25 graduandos. Nossas aulas inaugurais iniciava-se com um episódio do
Documentário “Índios no Brasil: 1-Quem são eles? ”Apresentado pelo índio Ailton Krenak, de
uma aldeia do estado de Minas Gerais. A primeira parte do Documentário já abordava algo
de interessante, as diferenças entre tais povos, a partir da música Chegança, de Antônio
Nóbrega e Wilson Freire, que apresenta a seguinte mensagem: “Sou pataxó, sou xavante,
kariri, yanomami, sou tupi, guarani, sou karajá, sou pankaruru, carijó, tupanajé, potiguar sou
caeté, fulni-ô, tupinambá...”(WITTANN, 2015). Com a abertura do Documentário,
começávamos a desconstruir aquela imagem de que índio é tudo a mesma coisa, e
principalmente a de que tais povos ainda vivem no passado.

Nossas aulas partiam das contribuições da nossa Constituição Federal (Artigo 231) e
da LDB (1996) em seu Artigo 26-A, que traz a Lei 11.645/2008, determinando a
obrigatoriedade do ensino de história indígena nas repartições de ensino de nossa educação
básica, e principalmente, das contribuições historiográficas de Maria Regina Celestino
Almeida, que enfatiza em sua tese, a sobrevivência dos povos indígenas do Brasil. As teses
de Almeida, mexeram com as duas turmas, pois, muitos estudantes traziam em suas leituras
imagens de índios a-históricos, congelados no tempo. Muitos chegavam a exclamar em alto
tom: “Índio é para viver no mato”; outros diziam: “O índio que usa um computador não é
mais índio”; e outras falas abordavam aquele olhar essencialista e homogêneo, afirmando
que “os índios eram povos que deveriam viver nus, como suas penas e arco-flechas”.

Estas leituras que os estudantes traziam da educação básica começaram a ser


confrontadas com o arsenal teórico de Almeida, a ponta de dialogarmos com as seguintes

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proposições: Então, o índio que usa uma motocicleta deixa de ser índio? E o brasileiro da
cidade que usa um automóvel de uma montadora japonesa, deixa de ser brasileiro também?
Logo, causava um desconforto entre muitos estudantes que acalorados replicavam: “Não é
assim, o homem da cidade pode mudar, mas o índio não”. E as aulas seguiam neste debate,
sempre acompanhadas pela historiografia do século XIX (assimilacionista), a do século XX
(fatalista e defensora do extermínio indígena) e a renovação de Almeida (defensora de uma
reelaboração da cultura indígena, mesclada a elementos ocidentais).

Durante as aulas vinham provocações de nossa parte: Existe cultura estática? Todos
em coro: “Não”. Então, vinha nosso questionamento: Se o sujeito não é, ele está, logo, a
nossa existência precede a uma essência. Assim, todos os homens e culturas mudam, por
que os índios, que são humanos também, não podem mudar. A mensagem da disciplina
Tópico Especial em Ensino de História Indígena foi a de quebrar os preconceitos sobre os
indígenas do Brasil, principalmente em nossa atualidade. E a mensagem principal foi a de
que estes saberes não devem ficar apenas na academia, mas, devem ser levados à sala de
aula, a partir de projetos de intervenção pedagógicas dos Estágios supervisionados, e por
conseguinte, aplicados nas escolas, quando for acionada nossa prática de ensino, enquanto
professores de História.

Considerações Finais

Os povos indígenas do Brasil não morreram, pelo contrário, eles estão se


multiplicando e insistindo na redundância, a estatísticado IBGE de 2010, em seu último
recenseamento, as populações indígenas somam quase 900 mil pessoas distribuídas 305
etnias e falando 274 idiomas em todo território nacional. Afirmar que os índios são coisas do
passado é continuar defendendo um saber retrógado que não condiz como as estatísticas.
Os povos indígenas estão mais presentes do que nunca em nosso cotidiano social brasileiro.
Eles mudaram, como nós também mudamos o tempo todo neste mundo pós-moderno, logo,
não é de se estranhar ao vermos indígenas advogados ou nas universidades, em cursos de

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sociologia, questionando as demarcações de suas terras, lutando contra os discursos


racistas, sabendo se defender a partir da sua cultura e da cultura do seu outro.

Saber falar português, dirigir um automóvel ou adentrar num litígio jurídico vestindo
uma toga sob um cocar de sua tribo não significar dizer que não é mais um índio. “A
abertura ao contato com o outro é uma característica cultural de muitos grupos indígenas
americanos e especialmente os tupis” (ALMEIDA, 2010, p.26). No contexto de nossa
atualidade, nas palavras de Almeida (2010), os movimentos indígenas deixam bem claro para
os homens urbanos que reivindicar direitos através do sistema judiciário, participar
intensamente da sociedade dos brancos e aprender seus mecanismos de funcionamento não
significa deixar de ser índio, mas sim, a possibilidade de agir, sobreviver e defender seus
direitos.

Referências Bibliográficas

ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os Índios na História do Brasil. Rio de Janeiro: FGV,
2010.

__________.Identidades Étnicas e Culturais: novas perspectivas para a história indígena.


IN:ABREU, Martha; SOIHET, Rachel (Org.). Ensino de História: Conceitos, Temáticas e
Metodologia. Rio de Janeiro: casa da Palavra, 2009.

__________.Os índios Aldeados no Rio de janeiro Colonial: Novos Súditos Cristão do Império
Português. Campinas-SP, 2000. Tese de Doutorado.

__________. Metamorfoses Indígenas – identidade e cultura nas aldeias coloniais do Rio de


Janeiro, Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003.
BRASIL, Constituição Federal (1988).Constituição da República Federativa do Brasil:
promulgada em 5 de outubro de 1988. Brasília:Senado federal, Subsecretaria de Edições
Técnicas, 2002.
FERNANDES, Florestan. Antecedentes Indígenas: Organização social das tribos tupis.IN:

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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HOLANDA, Sérgio Buarque de (Org.). História geral da Civilização Brasileira. Rio de Janeiro:
Difel, 1976.
FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. São Paulo: Global, 2013.
FOUCAULT. Michel. A Ordem do Discurso. 8. ed. São Paulo: Loyola, 2002.
MARTIUS, Karl von. Como se deve escrever a história do Brasil. Revista trimestral de História
e Geographia, ou jornal do instituto histórico e geográphico brazileiro. Nº 24. Janeiro de
1845.
VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brasil: antes da sua separação e
independência de Portugal. São Paulo: Melhoramentos, 1975, Tomo Primeiro.
WITTMANN, Luiza Tombini. Ensino (D)E História Indígena (Org.). Belo Horizonte: Autêntica,
2015.

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EXPERIÊNCIAS IDENTITÁRIAS DOS ESTUDANTES INDÍGENAS NA UFT – CAMPUS


DE PALMAS

SILVA ,Jademilton Cardozo da

Acadêmico do Curso de Enfermagem – UFT

rolor.tor@hotmail.com

SANTOS, José Vandilo dos

UFT- Campus de Palmas

jvandilo@uft.edu.br

Introdução

A presença de vários povos indígenas na região norte é uma marca importante no


quadro da diversidade sociocultural do nosso país e, no Estado do Tocantins, não é
diferente. Fato que por si só, justifica a política de cotas indígenas, que existe na UFT desde
2004, sendo implantada efetivamente em 2005 e conta, até os dias atuais, com programas
de assistênciafinanceira e pedagógica voltadas aos estudantes cotistas com bolsas e apoio
docente através do GTI (Grupo de Trabalho Indígena), e do PIMI (Programa Institucional de
Monitorias Indígenas) criados em 2007.

A permanência dos indígenas na universidade não é uma situação simples, tendo


em vista a realidade acadêmica no que diz respeito a metodologia desenvolvida pelos
professores e os padrões exigidos pela ciência. O aluno indígena ao se tornar universitário se
depara com uma realidade diferente das suas tradições, lógicas de pensamento, costumes e
valores, levando-os a alguns problemas de natureza acadêmica e identitária.Essas
dificuldades, em muitos casos, comprometem a sua permanência na instituição frente a uma
série de dificuldades, tais como:má qualidade na convivência com os colegas e professores,
dificuldades no acompanhamento das atividades e até desistência do curso. O objetivo deste

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estudo é identificar essas dificuldades a partir da visão que esses estudantes têm de si e de
todo o processo vivenciado na universidade, ou seja, de sua experiência enquanto
universitário indígena. Para tanto, os conceitos identidade sociocultural, racismo
institucional, a Lei 11.645 que estabelece a obrigatoriedade da temática “História e Cultura
Afro-Brasileira e Indígena”, além dos depoimentos dos discentes, nos serviram como base
para a nossa discussão e análise dos dados coletados.

A pesquisa abordou estudantes de ambos os sexos, sendo 15 do sexo masculino e 2


do sexo feminino, com idades que variam entre 20 e 28 anos.Destes, 15 são aldeados e
apenas 2 desaldeados. No total foram aplicados 17 questionários com questões abertas
voltadas aos conceitos básicos referentes à temática, para isso buscamos compreender os
principais problemas enfrentados por esses estudantes na sua especificidade, para que, a
partir daí, possamos encontrar novas soluções e ajustes que os ajudem em um melhor
aproveitamento da vida acadêmica. A interpretação dos depoimentos não se deteve apenas
na quantidade dos números apresentados pelos questionários respondidos, mas, sobretudo,
na forma qualitativa de analisar e valorizar as falas dos entrevistados.

Desenvolvimento

Sete etnias compõem a população indígena doEstado do Tocantins, são elas:


Apinajé, Xerente, Krahô, Krahô-Kanela, Xambioá, Karajá e Javaé, mas na UFT temos
estudantes indígenas que pertencem a outras etnias advindos de outros estados, como por
exemplo Pernambuco, representado pelos estudantes das comunidades indígenasAtikum e
Kankará.

Coincidentemente, quando estamos redigindo este texto, foi noticiado um corte


bastante severo no programa de bolsas para os indígenas cotistas pelo atual governo do
presidente Michel Temer, deixando a comunidade acadêmica mais preocupada em relação a
sua permanência na universidade, caracterizando-se assim, como mais um golpe deste

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governo sobre esta parcela da população. Esta medida afeta diretamente a política de cotas
na universidade e compromete todo um trabalho de inclusão social que vem sendo
desenvolvido pelas instituições de ensino superior, visando um maior e mais justo acesso das
populações tradicionais à educação e ao ensino superior gratuito e de qualidade.

Uma experiência identitária diz respeito a convivência em comunidade de um


determinado grupo que compartilha valores e costumes a partir das inter-relações sociais,
culturais, históricas e políticas. O sentido de uma vida em comunidade encontra-se neste
compartilhar, ou seja, no sentimento de pertencimento. Bauman (2003, p. 8), explica o
sentido de comunidade como “um lugar confortável, aconchegante”, e complementa que:
“Numa comunidade podemoscontar com a boa vontade dos outros.Se tropeçarmos e
cairmos, os outros nos ajudarão a ficar de pé outra vez. Ninguém vai rir de nós, nem
ridicularizar nossa falta de jeito e alegrar-se com a nossa desgraça”. Esse sentimento de
pertencimento e convivência entre os iguais existe entre os indígenas na universidade, e é
vivenciado, principalmente,no espaço destinado ao GTI - uma sala específica e convivência,
na qual existe uma estrutura básica de internet, computadores, mesas e cadeiras para
estudo. Lá, os acadêmicos podem ficar à vontade e contam também com uma liderança que
é eleita pelo grupo e ocupa o cargo pelo período de dois anos.

Uma identidade sociocultural tem como características fundamentais a diferença e


o contraste. Ser diferente dos outros grupos deveria ser algo encarado com normalidade,
mas na prática o que ainda predomina no senso comum é o preconceito e a manipulação
das identidades. Silva (2015, p.11), analisa a forma como os povos indígenas do Tocantins
foram apropriados pelo discurso institucional e legitimados como parte constitutiva do
estado”. Ao desenvolver uma análise sobre os termos - índio negado e índio desejado – nos
mostra “a inversão nas representações dos povos indígenas associados à natureza e a
sustentabilidade, quando outrora foram responsabilizados pelo atraso e selvageria do sertão
goiano”. Muitos são os mitos e “ideias equivocadas” que povoam o imaginário popular sobre
os indígenas e até os discursos oficiais de representantes da elite local, que, de maneira
equivocada e estereotipada, pensam que essas populações devem ser simplesmente

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esquecidas e deixados de lado nas suas particularidades, passando, a integrar, no


pensamento destes, a população chamada de brasileira. As ideias equivocadas, segundo
Morais &Demarchi (2015, p. 31), em uma alusão ao texto “cinco ideias equivocadas sobre os
índios” de José Bessa freire (2002) compreendem as ideias do “índio genérico”, das “culturas
congeladas e/ou atrasadas”, de que “os índios pertencem ao passado” e finamente de que
“o brasileiro não é índio”, se apresentam como uma matriz de pensamento finamente
construída a mais de quinhentos anos”.

É de se pensar que a presença de indígenas na universidade ajuda a colaborar com


o rompimento dospreconceitos arraigados nas pessoas de um modo em geral, no entanto,
não é exatamente isso o que acontece.A situação é contradições e muito complexa. Vemos
que o que ainda prevalece é a reprodução de preconceitos, discriminações e muita falta de
informação, embora também exista a preocupação de setores dentro da universidade e
professores comprometidos com a causa, buscando contribuir para banir qualquer atitude
nesse sentido. Para romper com essa situação é de fundamental importância o trabalho
desenvolvido pela instituição através do GTI e do programa de monitorias que colaboram
para a integração desses estudantes na vida acadêmica.

Carvalho (2015, p. 102), aponta que “a UFT foi pioneira no Brasil, quanto a criação
de cotas para estudantes indígenas em seus vestibulares”. Em artigo sobre os 10 anos de
cotas nesta universidade, a autora destaca as dificuldades, são elas: Língua Portuguesa; as
diferenças culturais; o baixo nível educacional dos indígenas aldeados; a discriminação por
parte de colegas; a dependência de bolsas de estudo; moradia e alimentação; e o
envolvimento com drogas”, dificuldades reconhecidas pela instituição no Fórum dos Pró-
Reitores de Graduação em 2007. A autora segue indicando as inciativas que a universidade
tem tomado para resolver ou amenizar o problema, tais como, criação do GTI e do PIMI,
ampliação do programa de bolsas e construção da Casa do Estudante de Palmas e depois
Casa do Estudante Indígena. É importante observar que estas dificuldades continuam
existindo até os dias atuais, como podemos constatar nos depoimentos dos estudantes.

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É provável que os estudantes aldeados tenham mais dificuldade do que os


desaldeados, tendo em vista que convivem menos com outras realidades diferentes da sua
cultura, fator que dificulta a compreensão dos códigos compartilhados na dinâmica urbana
da cidade, onde predomina a diversidade de valores e costumes. A UFT, através da Pró-
Reitoria de Extensão, Cultura e Assuntos Comunitários (Proex), promoveu entre os dias 08 a
10 de maio deste ano, o “III Seminário indígena: diálogos de saberes”, mais uma tentativa de
discutir e sanar questões relativas as dificuldades dos acadêmicos indígenas na universidade
diante das demandas levantadas pelos acadêmicos. De acordo com o site de notícias da UFT,
a organização do evento afirmou que o seminário visa “estabelecer uma maior proximidade
entre os saberes tradicionais e o conhecimento acadêmico , já que as culturas indígenas se
deparam com um conhecimento reificado e assentado nos saberes hegemônicos. Estes,
dissonantes do conhecimento tradicional, por vezes negam os saberes, as cosmogonias e
epistemologias não hegemônicas relegando lugar secundário desses saberes no espaço
acadêmico”.

Analisar os saberes de um povo, significa uma tentativa de entender as questões


que dizem respeito aos valores culturais e os códigos que norteiam a sua visão de mundo, ou
seja, são aspectos que estão diretamente relacionados à identidade sociocultural e que nos
são interessantes, tendo em vista se tratar de elementos definidores de uma identidade e,
ao mesmo tempo, que marcam a diferença entre as culturas.

É preciso saber que existem muitas outras questões que envolvem a entrada dos
indígenas na universidade e que este é um processo histórico em um contexto de luta pela
igualdade de direitos que envolve toda a sociedade brasileira.GersemBaniwa(2014), ao
discutir a lei de cotas como mais um desafio para a diversidade, nos mostra que:

“A política das cotas, assim como todas as políticas de Ações Afirmativas, não pode ser
considerada como um fim em si mesmo e nem como uma solução única para todos os
problemas de desigualdade e exclusão educacional no país. É um ponto de partida para se

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pensar o enfrentamento mais pragmático das desigualdades associadas à exclusão e


discriminação racial, sociocultural, econômica e étnica.

E continua:

O acesso ao ensino superior por indígenas não é apenas um direito é também uma
necessidade deles e um desejo da sociedade brasileira, na medida em que os povos indígenas
administram hoje mais de 13% do território nacional, sendo que na Amazônia Legal este
percentual sobe para 23%”.

Neste sentido, podemos constatar alguns dos anseios, queixas e expectativas de


parte dessa populaçãorepresentada pelos estudantes,a partir dos depoimentos coletados
em nossa pesquisa, que podemnos auxiliare contribuir para uma compreensão mais precisa
sobre acriação de estratégias de ação que nos remetem à questões mais gerais e,
especificamente, discutir a política de inserção na universidade.

De acordo com o portal da UFT em matéria sobre a permanência de estudantes


vulneráveis na universidade, publicado em 14 de maio deste ano, “são disponíveis os auxílios
de: Alimentação, que pode ser por isenção parcial ou integral do valor do Restaurante
Universitário, ou por crédito na conta do estudante; Moradia, que possui a modalidade de
espaço na casa do estudante ou auxílio com o aluguel; Permanência UFT, destinada a
estudantes com vulnerabilidade socioeconômica; Permanência MEC, destinada a estudantes
indígenas e quilombolas; Permanência EduCampo, destinada aos estudantes do curso de
Educação no Campo durante o período letivo; Permanência Temporário, disponibilizado a
cada 2 meses para estudantes com queda abrupta de renda; Saúde, para gastos com
medicação e tratamento psicológico ou psiquiátrico e Apoio de Participação em Eventos, que
depende de verba extra, dada a prioridade dos demais auxílios”.

A maioria dos estudantes indígenas dispõe de bolsa permanência que lhes permite
uma condição financeira mínima para se manter na universidade, algo agora ameaçado
pelos cortes do atual governo federal, como já citamos anteriormente. Embora os cortes

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sejam anunciados para os que irão entrar no ensino superior, se constitui em uma ameaça a
todos que conquistaram esse direito, já que compromete todo um programa que visa
atender a população de comunidades tradicionais, não apenas indígenas, mas também de
quilombolas. A nossa pesquisa mostra que todos se dedicam integralmente ao estudo, fato
que só é possível com o benefício das bolsas de estudo, tendo em vista que o ritmo de
estudo é árduo e contínuo, durante o período em que estão cursando a graduação.

Como já sabemos, existe um diferencial entre os indígenas aldeados e desaldeados,


e este aspecto é importante por que serve para facilitar a compreensão do universo dos
estudantes indígenas na instituição. A vivência na aldeia faz com que se compartilhe saberes
particulares, próprios daquele grupo, sendo um fator a mais entre as dificuldades na
convivência e adaptação destes estudantes quando chegam à universidade, enquanto que,
os que já moravam na cidade apresentam mais facilidade nesse sentido, como afirma uma
estudante: “Como eu já morava no meio dos não indígenas, não senti tanto impacto quando
entrei na UFT, então a experiência não é ruim”. Esta fala demonstra que existe mais
dificuldade para os aldeados que precisam se adaptar à nova realidade, tendo em vista que
os que já estavam na cidade lidam melhor com a situação por estarem mais familiarizados
com a convivência entre pessoas de valores e costumes diferentes dos seus. Os que
afirmaram já teremuma vivência em aldeias, destacam o desafio que é estudar na
universidade, mostrando que no inicio é sempre pior, mas que depois vai se acostumando
ao novo contexto.

O preconceito para com os indígenas aparece como uma fala geral entre os
entrevistados. Tanto por parte dos colegas como de professores e da própria instituição, à
medida que não dispõe de condições plenas de acolhimento ao indígena, isto é algo que está
sendo construído com muitas dificuldades e barreias de forma lenta e gradual. Neste
aspecto podemos dizer que é um tipo de racismo institucional, que começou a ser
combatido nas esferas públicas com políticas afirmativas, mas que as ações de combate a
esse tipo de racismo, são ameaçadas constantemente por quem não entendo como

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prioridade diante do quadro de diversidade cultural que temos no país, no qual as


populações tradicionais sempre foram relegadas ao um segundo plano.

Questionados sobre a sua experiência como indígena na UFT e, confirmando a


nossa análise sobre essa questão, um deles afirma que: “É uma boa universidade, porém
precisa se preparar mais para receber os povos tradicionais”, enquanto outro destaca a
questão do preconceito: “No inicio encontrei muita dificuldade, mas depois fui me
acostumando, mas tem muito preconceito com nós indígenas”.O preconceito aparece na
maioria das vezes em pequenos gestos, muitas vezes por colegas, mas também por
professores que não compreendem as suas necessidade e ritmo de estudo, ou demonstram
não acreditarem em seus potenciais, ignorando-os e contribuindo para o isolamento na sala
de aula. Para sanar essas dificuldades de aprendizagem é que existe as monitorias indígenas,
que são específicas para os estudantes cotistas e contribuem para um melhor
aproveitamento dos conteúdos passados pelos docentes. A procura pelo serviço de
monitoria é significativa. As monitorias têm realizado um trabalho relevante, embora ainda
precise melhorar, tanto na participação dos indígenas em termos de quantitativo, como das
próprias condições de trabalho. Ou seja, o aluno não-indígena que concorre a uma vaga de
monitor visa, na maioria das vezes dispor de uma bolsa ou créditos para o currículo, como
forma de incentivo, mas muitos não percebem que, de toda maneira, é um trabalho que
enriquece a sua experiência como acadêmico.

É importante destacar que os professores que são acusados de serem


preconceituosos, e que desprezam ou criam situações constrangedoras com alunos
indígenas, não estão preparados para a convivência com a diversidade em sala de aula.
Acostumados com turmas homogêneas, geralmente filhos da classe média que
compartilham dos mesmos valores, ao se depararem com a nova realidade precisam de uma
reciclagem pedagógica para desempenharem com mais eficiência a sua função.

Apesar das dificuldades, de um modo geral, os indígenas dizem se sentirem bem


como estudantes na universidade. Em muitos casos, são os primeiros da família a terem
acesso ao ensino superior e isso não deixa de ser algo reconhecido e valorizado.No

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questionamento de como se sente estudando na UFT, destacamos a resposta de uma aluna:


“Em alguns aspectos orgulhosa por ter chegado onde estou hoje”. Enquanto outro
complementa: “Me sinto muito bem, privilegiado”. Portanto, as respostas são positivas e
demonstram satisfação e realização do sonho de se formar, mas por outro lado, também
apresentam queixas que vão desde a saudade da família pela distância de sua região, até os
receios pela desconfiança que as outras pessoas os tratam.

Interrogados sobre o que precisa mudar na UFT, com relação aos indígenas, as
repostas vão quase em sua totalidade sobre mudanças na política de assistência estudantil,
certamente devido a já precária assistência, agora intensificada com os cortes que foram
anunciados pelo governo. Alguns apontam para a necessidade de mais união entre os
indígenas, vejamos: “Os indígenas da UFT precisam ter mais união para que através dessa
união possam lutar e conseguir benefícios do que é do seu direito”, enquanto outro,
acrescenta: “Precisam mudar a forma como somos vistos, pois tem alguns alunos que não
são interessados e acabam generalizando. Deve mudar essa forma de querer generalizar e
dar continuidade as monitorias que são muito úteis”.

Portanto, criar melhores condições de assistência aos acadêmicos através dos


programas institucionais, ações estratégicas dos gestores e mais atenção por parte dos
professores, aparecem como as principais cobranças e expectativas de mudanças que
denunciam diretamente e, de forma mais ampla, a falta de respeito com a população
indígena.

Considerações Finais

O Brasil nos últimos anos tem vivido um período de intensa organização das
minorias, todas em busca de conquistar mais espaço na sociedade que ainda os discrimina e
não oferece as condições apropriadas para que exista igualdade de direitos como prevê a
nossa Constituição Federal. Toda essa organização políticareflete a perspectiva global de luta

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pelos direitos humanos chegando até as comunidades locais que exigem políticas afirmativas
para efetivação de uma vida mais justa.

O programa de cotas nas universidades faz parte da pauta de reivindicações dos


povos tradicionais, ou seja, é parte das suas conquistas, mas não é suficiente para garantir o
processo de inclusão das populações indígena e quilombola na universidade, é preciso mais
comprometimento por parte do governo federal e, agora mais do que nunca, é preciso a
conscientização e empenho dos indígenas e de toda a sociedade para que seja garantida a
manutenção do que já foi,até então, conquistado. Como diz os versos de Milton Nascimento
e Ronaldo Bastos: “Agora não pergunto mais pra onde vai a estrada... Vai ser, vai ser, vai ter
de ser, vai ser faca amolada...”

Referências

ALVES, José Augusto Linhares. Os Direitos Humanos como tema global. São Paulo:
Perspectiva, 2011.

BASTOS, Ronaldo; NASCIMENTO, Milton. Fé Cega, faca Amolada. In: Minas. Rio de Janeiro:
Emi-Odeon, 1975. CD Digital.

BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

______. Comunidade – a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

GOFFMAN, Erving. Estigma – notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4. ed.


Rio de Janeiro : Ed. Guanabara, 1988.

CARVALHO, A permanência dos estudantes indígenas da UFT: 10 anos após a implementação


das cotas. In: SILVA, Reijane Pinheiro(org). Povos Indígenas do Tocantins: desafios
contemporâneos. Palmas: Nagô Editora, 2015.

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NASCIMENTO, Júnio Batista do. Tocantins: História & Geografia. 7. ed. Goiânia:
Bandeirantes, 2011.

SCHWARCZ, M. Lilia e QUEIROZ, Ramos S. (orgs.), Raça e diversidade. São Paulo: Ed. USP,
1996.

WOODWARD, Kathryn. In: SILVA, Tomaz Tadeu da. (Org). Identidade e diferença – A
perspectiva dos estudos culturais. 6. ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 2000.

MORAIS, Odilon; DEMARCHI, André. Mais algumas ideias equivocadas sobre os índios ou o
que não deve mais ser dito sobre eles. In: SILVA, Reijane Pinheiro(org). Povos Indígenas do
Tocantins: desafios contemporâneos. Palmas: Nagô Editora, 2015.

SILVA, Reijane Pinheiro. O índio negado e o índio desejado: a “pacificação” dos indígenas na
construção da identidade do Tocantins. In: SILVA, Reijane Pinheiro(org). Povos Indígenas do
Tocantins: desafios contemporâneos. Palmas: Nagô Editora, 2015.

http://ww2.uft.edu.br/index.php/noticias0/21924-assistencias-estudantis-a-permanencia-
de-estudantes-vulneraveis-na-universidade

http://ww2.uft.edu.br/index.php/noticias0/21929-iii-seminario-indigena-ocorre-hoje-e-vai-
ate-o-dia-10

http://flacso.redelivre.org.br/files/2014/12/XXXVcadernopensamentocritico.pdf

Eixo Temático –O Ensino da Temática Indígena e os 10 Anos da Lei Nº 11. 645/20008:


Experiências, Discussões e Propostas.

12) Josélia Ramos da Silva

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A PRÁTICA DOCENTE À LUZ DA LEI 11.645/2008. UM ESTUDO DE CASO

SILVA, Josélia Ramos da

Universidade Federal de Campina Grande

joseliaagua@hotmail.com

1 Introdução

Esse artigo destina-se à discussão dos dados obtidos na pesquisa realizada em 2014
na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio (EEEFM) Irineu Pinto, localizada no
bairro do Sesi, na cidade de Bayeux – Paraíba. Foi inaugurada em 06 de abril de 1981, no
governo de Tarcísio de Miranda Burity.

Após breve caracterização da escola e dos docentes que ministram a disciplina de


História, que serviram de base empírica à pesquisa, nos deteremos na análise da prática de
ensino dos docentes de história à luz da Lei 11.645/2008, observando da importância do
subsídio para a prática docente: o livro didático.

A pesquisa que realizamos junto à EEEFM Irineu Pinto foi através de nossas
observações e de uma entrevista que fizemos com quatro professores de história para
analisarmos a abordagem da temática indígena na sala de aula. Para a entrevista usamos a
técnica do questionário semiestruturado.

2 Pesquisa de campo

Conforme o Regimento Interno de 2013, a escola está integrada na sociedade civil


distinta, ligada diretamente à Secretaria de Educação do Estado da Paraíba, tendo seus
princípios e fins educacionais consubstanciados à LDBN n. 9.394/1996, nos seus artigos 2º e
3º.

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A Escola Irineu Pinto, administrativamente, é composta por uma Diretoria escolhida pelo
voto eleitoral da comunidade escolar e que gerencia a escola em seus aspectos financeiros,
administrativos e educacional; uma Secretaria; um Conselho Pedagógico que tem caráter
consultivo, e, excepcionalmente, deliberativo; uma Coordenação Pedagógica constituída por
especialistas em educação; um Conselho de Classe, entendido como “um espaço tempo de
formação e de avaliação das aprendizagens dos educandos, do processo educativo e da
dinâmica da prática pedagógica” (Regimento Interno, 2013, Art. 21); um Corpo Docente;
Auxiliares de Serviços; e uma Portaria.

A Escola Irineu Pinto oferece uma Educação Básica em consonância com a legislação
nacional, organizada em dois segmentos: Ensino Fundamental e Ensino Médio, sendo o
Médio nas modalidades regular e educação de jovens e adultos (EJA). Atualmente esses
seguimentos compõem 39 turmas, distribuídas em três turnos, como demonstra a tabela
abaixo.

TABELA 1: Distribuição de Turmas na EEEFM Irineu Pinto em 2014

SÉRIES SEGMENTOS MANHÃ TARDE NOITE

6º ano Fundamental - - -

7º ano Fundamental - 2 -

8º ano Fundamental - 2 -

9º ano Fundamental - 3 -

1ª série Médio 6 3 2 regular e 3 EJA

2ª série Médio 4 2 2 regular e 2 EJA

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3ª série Médio 3 1 2 regular e 2 EJA

TOTAL 13 13 13

Fonte: desenvolvido pela autora, 2014.

A formação curricular da escola Irineu Pinto organiza-se pelas áreas de


conhecimentos que integram a base nacional comum e sua parte diversificada, de acordo
com as leis educacionais vigentes no País. Além disso, integra-se programas nacionais tais
como: Programa Mais Educação; Programa Escola Aberta; Programa Saúde na Escola; e o
Programa de Inclusão por meio da Música e das Artes (PRIMA).

O art. 7º do Regimento Interno citado, no seu parágrafo único, estabelece as


principais finalidades da Educação Básica para os educandos (TÍTULOII – DOS PRINCÍPIOS,
FINS E DOS OBJETIVOS, CAPÍTULOIII). Citamos aqui duas finalidades que consideramos
pertinentes para a nossa pesquisa.

V. compreender a realidade e a diversidade social, cultural e ambiental do mundo contemporâneo,


posicionando-se de forma crítica responsável e construtiva, tomando decisões coletivas para o
desenvolvimento do bem comum;

VII. compreender a produção e o papel histórico das instituições sociais, políticas e econômicas, associando-as
às práticas dos diferentes grupos e atores sociais, aos princípios que regulam a convivência em sociedade, aos
direitos e deveres da cidadania, à justiça e à distribuição dos benefícios econômicos.

Compreender a realidade e a diversidade sociocultural e ambiental, a produção e o


papel histórico dos diferentes grupos e atores sociais implica dizer que uma das finalidades
do processo ensino-aprendizagem é fazer valer a Lei 11.645/2008, visto que essa imputa no
conteúdo programático o estudo da história, da cultura do negro e do índio e a contribuição
desses grupos étnicos nas áreas social, econômica e política na história do Brasil.

O corpo docente da Escola Irineu Pinto é composto por 48 professores (as), sendo
cinco desses da disciplina de história, nos incluindo dentre esses cinco.

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Os docentes da disciplina de história da Escola Irineu Pinto concluíram sua graduação


entre 1985 e 2001 e atuam no mínimo há 12 anos e no máximo há 30 anos no exercício da
docência. Sendo assim, todos(as) tiveram sua graduação acadêmica antes da promulgação
da Lei 11.645/2008, que obriga o ensino da história e cultura indígena nas escolas. No
entanto, todos já participaram de formação continuada, porém apenas um (01) afirmou ter
discutido a temática indígena em uma das formações.

Em termos de conhecimento sobre a Lei 11.645/2008, esses professores(as) de


história são sabedores da existência da lei, porém pela entrevista nos deixam uma lacuna
quanto ao entendimento do seu conteúdo, isto é, do que reza a lei e o reflexo dessa na
prática de ensino de história. Uns responderam de forma superficial e outros fugiram ao
objetivo dos nossos questionamentos.

Ao questionarmos sobre a opinião deles com relação à lei, obtivemos respostas do


tipo

“Importante e fundamental para o desenvolvimento intelectual dos alunos.” (Entrevistado 1).

“É interessante, mas é impossível falar de História do Brasil sem incluir as culturas afro e indígenas, que estão
no sangue do povo brasileiro, desde o início.” (Entrevistado 2).

“As respostas às perguntas formuladas podem ser encontradas na observação da organização sócio política no
Brasil contemporâneo. Nas últimas décadas em novos cenários políticos, os movimentos sociais com diferentes
atores conquistaram e ocuparam seus espaços, reivindicando o reconhecimento e o respeito às
sociodiversidades.” (Entrevistado 3).

Nas respostas citadas acima percebemos que a primeira resposta resume-se a frisar
que a Lei 11.645/2008 é importante e fundamental, porém o que o professor quis ressaltar
sobre o desenvolvimento intelectual dos alunos? Será que a lei remete-se exclusivamente ao
aluno, no entendimento do professor? O professor leu a lei ou alguém falou para ele da lei?

A segunda resposta coloca a lei como fator de miscigenação, no entanto sabemos


que a lei é objetiva quando refere-se ao povo indígena, não deixando ambiguidades sobre
etnias. Deve-se estudar, no caso, o indígena, o africano e o afrodescendente. O povo
brasileiro não é indígena. Para o professor a cultura do povo brasileiro também é cultura

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indígena? Deve-se incluir as culturas afro e indígenas apenas quando se fala de história
colonial brasileira? No entendimento do professor, tratar a temática da miscigenação
abrange a história e a diversidade cultural dos indígenas na forma estipulada pela lei?

Na resposta do terceiro professor desvia-se totalmente do questionamento. O


motivo de tal fuga será por não ter lido o texto da Lei 11.645/2008?

Na visão dos(das) professores(as) o contexto da lei escapa da questão social, política,


econômica, ambiental da sociedade, e limita-se a uma formulação jurídica desconectada do
processo histórico, no qual todos são agentes atuantes.

Percebemos que a abordagem da temática indígena na sala de aula não está em


consonância com a Lei 11.645/2008, visto que os professores, em sua prática de ensino,
tratam da questão indígena com cunho de transversalidade, como, por exemplo, debate
sobre comportamento social-racismo, ou como fato do passado (povos autóctones), ou
simplesmente ignoram e não tratam a questão.

“Uma dessas reflexões que pode ser trabalhada é o debate sobre o comportamento social do brasileiro.”
(Entrevistado 4)

“Que a obrigatoriedade da lei seria desnecessária, diante da consciência de cada brasileiro da miscigenação de
raças, cujas culturas foram inclusas nos nossos hábitos diários. É necessário conhecer nossas raízes.”
(Entrevistado 2)

“Infelizmente não trabalho com essa lei.” (Entrevistado 1)

Percebemos nas respostas um e dois (entrevistados 4 e 2) citada acima que o trato da


questão indígena é desviado do contexto cultural e da História Indígena, visto que, primeiro,
comportamento social brasileiro não quer dizer a mesma coisa de comportamento social
indígena, pois indígena e brasileiro são povos diferentes, com especificidades próprias de
cada povo; segundo, acreditar numa consciência brasileira de miscigenação e que as culturas
foram inclusas nos hábitos diários é afirmar a assimilação dos povos indígenas, negando
assim a existência dos povos brasileiros contemporâneos com suas sociodiversidades.
Conhecer nossas raízes não é o mesmo de reconhecer a História Indígena e sua cultura. A

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resposta três nos deixa um questionamento: o entrevistado não trabalha com a lei por que
não concorda com a mesma ou por que não trabalha com a questão indígena?

Para os(as) professores(as) o livro didático não ajuda em suas práticas de ensino
sobre a temática indígena porque faz uma abordagem muito limitada e alguns textos
desconstroem a perspectiva de resistências dos povos indígenas. Para eles os livros didáticos
deviam auxiliar na compreensão do tema.

“Para mim, atrapalha apenas a limitação das informações, o que faz entender o tempo gasto com pesquisas”
(Entrevistado 2).

“O livro não traz nenhuma referência ao tema, pelo contrário, alguns textos desconstrói toda a perspectiva de
lutas e resistências dos grupos indígenas.” (Entrevistado 1).

Pudemos observar que os docentes demostram um interesse que os livros didáticos


supram o conhecimento sobre os povos indígenas, o que nos leva a algumas indagações:
qual é o entendimento deles sobre livro didático? Eles estudam pelos livros didáticos? Não
enfrentam uma pesquisa por causa do tempo que essa demanda? Essas são questões que
nos remetem a outras pesquisas para além do objetivo desse trabalho. No entanto, sabemos
que: 1º) é impossível um livro didático abordar todos os povos indígenas do Brasil, em toda
sua diversidade sociocultural. Portanto não dá para ter uma compreensão da temática
indígena em um tipo de subsídio didático, tão pouco em uma única obra literária científica.
2º) O livro didático é um recurso, é um subsídio para preparar uma aula metodologicamente.
É uma das várias e possíveis fontes de pesquisas para o aluno, sob a orientação do docente,
não o contrário. A fonte de pesquisa do professor não deve ser o livro didático e sim os livros
científicos e acadêmicos, os artigos de revistas, periódicos, jornais, documentos, etc. Para os
professores os livros devem ser avaliados a partir do conhecimento científico que eles
detêm.

Nesta problemática um professor nos responde que

“Apesar do conhecimento da lei, a prática pedagógica ainda é pouco trabalhada com


a proficiência que compete. Os próprios livros didáticos direcionados ao alunado do
ensino médio abordam muito superficialmente o tema. Já no ensino fundamental há

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uma abordagem mais profunda possibilitando um trabalho mais amplo”


(Entrevistado 4)

A fala do nosso interlocutor nos revela que o norte do seu trabalho é orientado pelo
livro didático. O que questionamos é: qual a importância, a objetividade do planejamento
para o professor? E ainda, como os professores trabalham a questão indígena, pautando-se
pelo livro didático? Que conhecimento é construído, pelo professor junto ao aluno, sobre a
questão indígena, usando só o livro didático? A escola dispõe de outros recursos
informativos sobre a temática em questão?

Partindo do pressuposto que os docentes de história da EEEFM Irineu Pinto dão uma
relevância considerável, pela sua prática de ensino, aos livros didáticos, faremos uma breve
contextualização histórica do livro didático, concernente a temática indígena e quais as
possibilidades do uso desse recurso na prática de ensino.

O art. 31 da Convenção 169 da OIT, que versa sobre educação e meios de


comunicação, ressalta que os livros de história e os demais materiais didáticos devem
oferecer uma descrição equitativa, exata e instrutiva das sociedades e culturas dos povos
indígenas.

Mariano, citando Caimi (1999, p. 26) anota como

a autora aponta algumas das razões para essa centralidade e dependência dos
professores com relação aos livros: “O livro [...] reúne em um único instrumento
textos, documentos, ilustrações, mapas, materiais geralmente de difícil acesso para a
grande parte dos alunos; Oferece sugestões quanto à elaboração do planejamento
anual, trazendo, às vezes, como apêndice, nas suas páginas finais, o plano de ensino
completo; Contempla propostas de atividades extras; Enfim, trata-se de um recurso
facilitador da vida do professor, geralmente obrigado a cumprir cargas horárias e
jornadas de trabalho excessivamente longas”.

O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), criado em 1985 e reestruturado em


1993, é uma política educacional de Estado que tem por finalidade promover avaliação,
compra e distribuição de livros didáticos para a Educação Básica. Em 1996, o MEC formou

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uma Comissão de Avaliação dos livros didáticos em âmbito nacional. De acordo com o guia
de livros didáticos do PNLD 2014

a equipe avaliadora dos livros de história foi composta por um coordenador de área, um coordenador
institucional, um assessor pedagógico, três coordenadores adjuntos e 31 pareceristas que trabalham em
conjunto com técnicos da Secretaria de Educação Básica (SEB) do Ministério da Educação (MEC). (BRASIL, 2013,
p. 12).

Um dos objetivos da avaliação dessa equipe é o cumprimento das leis que


determinam a inclusão nos currículos e nos materiais didáticos de temas como a história e a
cultura dos africanos, afrodescendentes e indígenas (BRASIL, 2014, p. 12).

O livro didático é um recurso muito utilizado, mesmo com toda a amplitude das
Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), nas escolas por alunos e professores no
processo de ensino e aprendizagem. Ele é um instrumento que demanda diferentes gêneros
textuais e é um objeto cultural que denota a atuação de vários sujeitos envolvidos na sua
produção, circulação e consumo.

Os livros didáticos são um dos elementos estratégicos para apresentar


conhecimentos científicos de história e culturas de diversos povos, possibilitando assim uma
construção ou desconstrução de conceitos culturais.

Todos os materiais pedagógicos que são utilizados por professores e alunos são
mediadores muito decisivos da cultura nas escolas, porque são os artífices do que e
do como se apresenta essa cultura a professores e alunos. Ali se reflete de forma
bastante elaborada a cultura real que se aprende. Esta é a razão pela qual os
materiais são elementos estratégicos para introduzir qualquer visão alternativa da
cultura. (SACRISTAN, 1999, p. 89).

Nos chama atenção a abordagem dada à história e à diversidade cultural indígena


registradas nos livros de história. Conforme Bittencourt (2013, p. 131), os livros didáticos de
história procuram respaldo na produção acadêmica e nas indicações das políticas públicas,
garantia de sua circulação. Desconhecimento das culturas indígenas, “mitos” do
desaparecimento, da mistura ou miscigenação desses povos “sem história”, princípios
eurocêntricos perpassam não apenas os livros didáticos, mas a própria historiografia.

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Os povos indígenas, depois da expulsão dos jesuítas e da saga bandeirante, são


relegados ao total esquecimento. O século XIX, analisado sob perspectivas políticas
ou sociais, incluindo nesse período a série de estudos em torno da abolição da
escravidão, nada informa sobre os indígenas. Na fase republicana mais recente, o
silêncio persiste e são alguns livros escolares que passaram, mais recentemente, a
anunciar a atuação de novos “protetores dos indígenas”: Rondon e os Irmãos Villas
Boas. (BITTENCOURT, 2013, p. 131).

Percebemos que muitos livros didáticos de história reproduzem posturas


“tradicionais” (ou ideológicas) sobre os povos indígenas, mantém “concepções
fragmentadas, folclorizadas e cômodas, existem muitos silêncios em volta do assunto e esses
manuais permanecem distantes da realidade histórica” (MARIANO, 2006, p. 94).

Na Biblioteca da EEEFM Irineu Pinto encontramos, especificamente para a disciplina


de História, tais recursos: a) para Ensino Fundamental: Coleção Projeto Araribá, de Maria
Raquel Apolinário, da Editora Moderna; Coleção Projeto Radix, de Cláudio Vicentino, da
Editora Scipione; O Brasil somos nós, coleção organizada pela Editora Grafset; b) para o
Ensino Médio: A escrita da história, de Flávio de Campos e Renan Garcia Miranda, da Editora
Escala Educacional; História Global – Brasil e geral, de Gilberto Cotrim, da Editora Saraiva; c)
Paraíba – Desenvolvimento econômico e questão ambiental, de Antônio Sérgio Tavares de
Melo e Janete Lins Rodriguez, da Editora Grafset; d) Citamos também o livro clássico da
literatura O Guarani.

Além desses, nos foi dado pela coordenação um DVD (cópia única da escola): Projeto
Araribá História, contendo conteúdos multimídia, para o Ensino Fundamental (6º ao 9º ano).

Não encontramos no acervo da Biblioteca outro tipo de subsídio didático, seja


periódico, revistas, paradidáticos ou recursos digitais educacionais, tão pouco na sala de
vídeo, onde só está o maquinário. Portanto o acervo é limitado para pesquisas e análise
comparativa de obras.

Além dessas limitações, os professores de história, da EEEFM Irineu Pinto, afirmam


não serem conhecedores de livros didáticos escritos por professores indígenas. O que nos

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leva pontuar que é de suma importância que devemos buscar informações incessantemente
sobre a história e a atual situação sociopolítica dos povos indígenas não somente por fontes
escritas por especialistas não indígenas.

Citamos aqui alguns recursos didáticos de autoria e coautoria de indígenas, ou de


participação direta de indígenas: a) Livros didáticos: Os Potiguara pelos Potiguara: coletânea
de textos produzidos por professores, alunos e comunidade Potiguara, da Baia da
Traição/PB, 2005. Caderno do Tempo: obra literária de professores indígenas de
Pernambuco/2002 – povos Pankararu, Pipipã, Atikum, Truká, Kambiwá, Xucuru, Fulni-ô,
Kapinawá –, que versa sobre o ponto de vista desses povos em relação ao tempo e o espaço.
Meu Povo Conta: narrativas sobre a visão de mundo, do tempo e do espaço dos povos
indígenas de Pernambuco, produzido por professores indígenas. No Reino da Assunção,
Reina Truká: organizado por professoras indígenas do povo Truká, relata a história do povo
Truká; b) Jornais: PORANTIM, MENSAGEIRO e TUPARI; c) Filmes: Xingu; A Missão; Dança com
lobos; A educação de pequena árvore. Filmes documentários do acervo Projeto Séculos
Indígenas no Brasil.

Frisamos, também, a internet como um recurso indispensável, porém, sabendo que


nem todas as fontes são confiáveis, é necessária uma seleção para uma pesquisa científica.

A prática docente no ensino de história deve pautar fundamentalmente da ação


reflexiva. Tal reflexão não pode desvincular-se de uma contextualização no processo ensino-
aprendizagem. Contextualização entendida aqui em sentido macro, ou seja, ao dar uma aula
de história o professor deve inserir o conhecimento histórico no dia a dia do alunado e ao
mesmo tempo informar o contexto social, econômico, político e cultural desse
conhecimento, levando em consideração seu período temporal e espacial.

É imprescindível, para tanto, a necessidade de conteúdos procedimentais que


exerçam a “observação, a experimentação, a comparação, a elaboração de hipóteses, o
debate oral sobre essas hipóteses, o estabelecimento de relações entre fatos ou fenômenos
e ideias, a leitura, a produção e a interpretação de textos” (SELBACH, 2010, p. 48-49) para
que ocorra a aprendizagem.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

As dificuldades para cumprir a Lei 11.645/2008 resultam da ausência de uma


formação que possa garantir um ensino da História Indígena, pois a Lei por si só e os livros
didáticos não dissipam as lacunas das distorções que cercam a história desses povos.

[...] se juntamente com lei não houver um sério investimento no sentido de preparar
os professores para lidarem com essas questões em sala de aula, se junto com o
desenvolvimento das pesquisas não ocorrer a elaboração de materiais didáticos
adequados, teremos resultados muito negativos que implicam no reforço de
estereótipos e naturalização de práticas discriminatórias e preconceituosas que são
utilizadas no tratamento dos indígenas, estejam eles no passado ou convivendo
conosco no nosso dia a dia. Entendo, portanto, que a universidade tem um papel
fundamental na efetivação dessa lei já que é responsável pelos cursos de formação
dos profissionais que atuam e que atuarão em vários níveis de ensino. (JESUS, 2013,
p.56-57).

É preciso que todos os responsáveis pelo processo educacional (MEC; secretarias


estaduais e municipais, instituições de ensino superior; escolas; historiadores; professores;
autores de livros didáticos; técnicos da educação) assumam seus papeis de coautores na
implementação da Lei 11.645/2008, para que ocorra a efetivação de um ensino de História
Indígena no qual supere os equívocos, os preconceitos e as omissões, pautando-se numa
proposta pedagógica de convivência humana de respeito, colaboração e solidariedade com a
alteridade.

3 Considerações finais

Através dos movimentos indígenas estabeleceu-se uma nova forma de


relacionamento entre os povos indígenas e o Estado brasileiro, tendo como marco a
Constituição de 1988, que garantiu às populações indígenas o direito à cidadania plena, à
identidade diferenciada e sua manutenção, e uma educação escolar diferenciada, específica,
intercultural e bilíngue.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

Com a Constituição brasileira de 1988, o discurso sobre a educação intercultural


ultrapassou o âmbito da educação escolar indígena e adentrou nas escolas não indígenas. A
Lei 11.645/2008 obriga o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena nos
estabelecimentos de ensino fundamental e médio, públicos e privados. A inclusão no
currículo escolar da história e cultura dos povos indígenas provoca questionamentos sobre a
história da sociedade brasileira.

Nesse contexto, ao analisarmos a abordagem da temática indígena na sala de aula à luz da


Lei 11.645/2008, percebemos a não efetivação da mesma, pelas dificuldades enfrentadas
pelos(as) professores(as) em sua prática de ensino devido diversos impasses.

Um primeiro impasse que podemos citar é a desinformação e o desconhecimento da


parte dos (das) professores(as) acerca da Lei 11.645/2008 e da história e culturas dos povos
indígenas contemporâneos no Brasil. Estes precisam primeiro uma capacitação de formação
para depois rever suas concepções a respeito dos povos indígenas. Os (as) professores(as)
ainda vêem o indígena como um povo do período colonial, romantizado, exótico em sua
minoria, e para a maioria é misturado, despossuído dos seus costumes, de sua cultura.

A formação dos (das) professores(as) faz-se urgente para que os mesmos não se
limitem aos livros didáticos, principalmente os de autoria de não indígenas, em suas práticas
de ensino. Vemos a necessidade dessa formação em dois segmentos: o das instituições de
ensino superior, públicas e privadas, e o das esferas governamentais.

No nível das universidades públicas e privadas, concordamos com Silva (2012, p. 32)
da necessidade da “inclusão da cadeira sobre a temática indígena no âmbito das Ciências
Humanas e Sociais, bem como nos demais campos do conhecimento acadêmico incluir a
discussão dos saberes indígenas”.

É imprescindível a inclusão de uma história indígena nos currículos das licenciaturas


em História, já que esta discussão passa longe de boa parte dos conteúdos dos
nossos cursos. [...] As concepções sobre os povos indígenas bem como o lugar que os
mesmos ocupam em nossa história e no ensino de história precisam ser

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

identificados, discutidos e desconstruídos nos nossos cursos de História. (JESUS,


2013, p. 57).

Os professores devem sair das universidades com uma formação que os capacite
para tratar da questão indígena no contexto sociopolítico do período colonial ao período
contemporâneo. Eles devem ser capazes de responder aos questionamentos provocados
pela história indígena e de assumirem uma posição ética, democrática perante situações de
caráter preconceituoso e de intolerância diante da presença indígena, com os quais nos
deparamos em sala de aula e nos demais espaços da nossa sociedade (JESUS, 2013, p. 58).

No nível das esferas governamentais acreditamos que o MEC, além de promover


avaliação, compra e distribuição de livros didáticos para a Educação Básica e de apoiar a
produção de subsídios didáticos com autoria dos próprios indígenas, deve acompanhar e
fiscalizar a implementação da Lei 11.645/2008 nos currículos dos cursos de licenciatura e
formação de professores. Já as secretarias estaduais e municipais de educação devem
viabilizar em suas formações continuadas o debate sobre a Lei 11.645/2008 no que se refere
ao seu conteúdo e o reflexo dessa na prática de ensino de história e sobre o combate ao
racismo nas instituições. Além disso, é necessário que ocorra “com a participação dos
indígenas, de especialistas reconhecidos(as), a promoção de seminários, encontros de
estudo, etc. sobre a temática indígena para professores(as) e demais trabalhadores(as) na
educação.” (SILVA, 2012, p. 32).

A necessidade de uma atualização da formação dos docentes, já graduados e que


estão em exercício da docência, não se restrinja apenas na observância da Lei 11.645/2008,
mas abarque todo o processo que desembocou a sua gênese, isto é, as lutas indígenas, os
movimentos indígenas que reivindicaram e ainda lutam pela efetivação da lei, pelo direito à
diversidade cultural de todos os povos indígenas que ainda vivem num contexto social
opressor.

Um segundo impasse que citamos é a abordagem que os livros didáticos de história


fazem sobre a temática indígena, já que são instrumentos importantes no processo de
ensino e aprendizagem para professores e alunos do Irineu Pinto.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

De acordo com Mariano (2006), percebe-se que os padrões conservadores ainda são
muito presentes nos livros didáticos, reproduzindo posturas tradicionais eurocêntricas. A
temática indígena é tratada de forma superficial, com muita desinformação, folclorizada,
com lacunas temporais históricas, pautando-se por uma visão simplista e genérica, na
maioria das vezes, sobre as sociedades indígenas.

Apesar da Lei 11.645/2008 assegurar o respeito aos povos indígenas e o


reconhecimento das sociodiversidades no Brasil nos currículos escolares, muito pouco se
observa no arcabouço dos livros didáticos adotados pela Secretaria de Educação e Cultura do
Estado da Paraíba (SEC/PB), uma desconstrução da ideia de uma identidade genérica
nacional, regional, o que acaba provocando uma negação das diferenças culturais existentes
no Brasil contemporâneo.

Outro impasse a se colocar é a postura, o posicionamento do corpo docente da


disciplina de história, da EEEFM Irineu Pinto, em relação a sua prática de ensino no trato da
temática indígena. A abordagem da questão indígena restringe-se a momentos isolados no
processo da história brasileira, principalmente ao período colonial, ou em temas
transversais, como por exemplo, racismo, mestiçagem.

Essa prática de ensino reforça uma visão equivocada e omissão sobre os povos
indígenas. Primeiro por relegar os povos indígenas ao passado, negando sua existência
atuante no processo da construção da sociedade brasileira, constituída de uma diversidade
sociocultural. Segundo porque não abarca o estudo da história e cultura dos povos
indígenas, perpetuando o desconhecimento, as desinformações, os preconceitos e os
equívocos sobre os indígenas, entre os discentes.

É preciso questionar o discurso de mestiçagem no Brasil, pois traz consigo o objetivo


de modelar identidades generalizantes. Concordamos com Silva (2013, p. 6) quando coloca
que “afirmar os direitos às diferenças é, pois, questionar o discurso da mestiçagem como
identidade nacional usado para esconder a história de índios e negros na História do Brasil”.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

Em suma, acreditamos que a Lei 11.645/2008, ao tornar obrigatório o ensino de


história e das culturas indígenas nos currículos escolares nas escolas públicas e privadas no
Brasil, foi colocada sem uma estruturação na base. Ou seja, não se preocupou com sua
efetivação, não considerando a formação dos profissionais da educação que são os
mediadores do conhecimento, nem tão pouco fornecendo uma formação adequada que
suprisse seus conhecimentos acerca da diversidade cultural indígena, para desenvolverem
suas práticas de ensino adequadas ao respeito à alteridade. A Lei contribuiu para abrir um
espaço reflexivo sobre diversidade cultural, porém sua implementação precisa de um
conjunto de ações práticas para que se superem os equívocos, o desconhecimento, as
desinformações, os preconceitos, as omissões sobre os povos indígenas.

REFERÊNCIAS

BITTENCOURT, Circe Fernandes. História das populações indígenas: memórias e


esquecimentos. In: PEREIRA, Amilcar Araújo; MONTEIRO, Ana Maria (org.). Ensino de história
e culturas afro-brasileiras e indígenas. Rio de Janeiro: Pallas, 2013, p. 101-132.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, Centro
Gráfico, 1988.

BRASIL. Lei nº 11.645, de 10 de Março de 2008. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de


1996, modificada pela Lei nº 10.639, de 09 de janeiro de 2003, para incluir no currículo
oficial da Rede de ensino a obrigatoriedade da temática história e cultura afro-brasileira.
Brasília, 09 de janeiro de 2003. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11645.htm. Acessado em:
17/11/2013.

BRASIL. Ministério da Educação - Secretaria de Educação Básica; Fundo Nacional de


Desenvolvimento da Educação. Guia de livros didáticos PNLD 2014. Ensino Fundamental -
Anos finais. História. Brasília: ministério da Educação, 2013.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

ESCOLA ESTADUAL DE ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO “IRINEU PINTO”. Regimento


interno escolar. Bayeux, Paraíba. 2013.

JESUS, Zeneide Rios de. As universidades e o ensino de história indígena. In: SILVA, Edson;
SILVA Maria da Penha (org). A temática indígena na sala de aula: reflexões para o ensino a
partir da Lei 11.645/2008. Recife: Editora Universitária/UFPE, 2013, p. 47-67.

MARIANO, Nayana Rodrigues Cordeiro. A representação sobre os índios nos livros didáticos
de história do Brasil. Dissertação de Mestrado em Educação Popular, Comunicação e Cultura
do Centro de Educação UFPB. João Pessoa 2006.

OIT – Organização Internacional do Trabalho. Convenção 169 sobre os povos indígenas e


tribais. Decreto n° 5.051 de 19 de abril de 2004. In: SILVA, Luiz Fernando Villares e (org).
Coletânea da Legislação Indigenista Brasileira, Brasília, DF: CGDTI/FUNAI, 2008, p. 54-63.

SACRISTÁN, J. Gemeno. Currículo e diversidade cultural.In. SILVA, T. T.; MOREIRA, A. F. B.


(org.). Territórios contestados: o currículo e os novos mapas político culturais. 3ª ed.
Petrópolis: Vozes.1999.

SELBACH, Simone (sup.). História e didática. Coleção como bem ensinar. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2010.

SILVA, Edson. História e diversidades: os direitos às diferenças questionando Chico Buarque,


Tom Zé, Lenine... In: MOREIRA, Harley Abrantes (org.). Africanidades: repensando
identidades, discursos e ensino de História da África. Recife: Livro Rápido/UPE, 2012, p. 11-
37.

SILVA, Edson; SILVA Maria da Penha (org). A temática indígena na sala de aula: reflexões
para o ensino a partir da Lei 11.645/2008. Recife: Editora Universitária/UFPE, 2013.

QUAL O ÍNDIO QUE VOCÊ CONHECE? IMAGENS SOBRE OS ÍNDIOS EXPRESSAS


POR ESTUDANTES DO COLÉGIO DE APLICAÇÃO/UFPE

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

VASCONCELOS, Julya Carolina Souza

Universidade Federal de Pernambuco.

julyavasconcelos@outlook.com

SILVA, Edson Hely

Universidade Federal de Pernambuco.

Introdução

Os indígenas do Brasil têm uma data reservada para comemorações, o dia 19 de abril,
quando se comemora no país o ‘’Dia do Índio’’. É comum nas escolas essa data ser lembrada
com as crianças pintadas, utilizando penas e chocalhos, evidenciando imagens
estereotipadas ensinada sobre os povos indígenas. O espaço destinado a história dos povos
indígenas no Ensino Fundamental, principalmente nos anos finais, restringe-se, em sua
maioria ao Brasil Colônia, não reconhecendo os índios como atores sociais da/na História.

Os povos indígenas no Brasil tornaram-se centro de debates acadêmicos a partir das suas
mobilizações sociopolíticas e as demandas políticas. A construção da visão atual sobre os
indígenas fora arquitetada desde a invasão dos portugueses no Brasil no século XVI e
acentuada no século XIX, resumida na afirmação do professor Edson Silva (2015) sendo “a
invenção do índio na invenção do Brasil’’. Pois, segundo o pesquisador: todo o século XIX foi
essencial para criação do imaginário da população brasileira sobre os índios, visão esta que
serviu na criação de categorias e classificações do que é índio e o que não é.

Os indígenas que não correspondiam as imagens indicadas e divulgadas pelo Instituto


Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB), que a partir do seu surgimento em 1838 teve como
principal objetivo ‘’criar uma história do Brasil que unificasse a população do novo estado
em torno de uma memória histórica comum e heroica, iria reservar aos índios um lugar
muito especial: o passado’’, como afirmou Maria Regina Celestino de Almeida, (2010, p.17),

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não tinham a identidade reconhecida. Os intelectuais que integravam aquela instituição


viram na figura do índio como símbolo ideal do país para a História do Brasil que se
formulava. Porém, utilizaram a imagem do indígena do século XVI cristalizado no passado do
início da colonização portuguesa, desconsiderando o dinamismo do processo sociocultural
vivenciado pelos indígenas nas relações coloniais.

O Romantismo literário também contribuiu para a elaboração de tais imagens, tendo em José de
Alencar com seus clássicos O guarani (1857), Iracema (1865) e Ubirajara (1874), cristalizando as
imagens dos índios por várias gerações que utilizaram esses romances como referências sobre a
temática indígena. O que foi ressaltado com as ideias sobre a miscigenação que marcaram o fim do
século XIX e boa parte do século XX. Autores como Sérgio Buarque de Hollanda em Raízes do Brasil
(1936), Gilberto Freyre em Casa grande e senzala (1933) e Darcy Ribeiro em O povo brasileiro (1995),
salientaram a teoria da miscigenação enfatizando a perda das singularidades dos indígenas na
História do Brasil, resultando na grande nação com genérico povo brasileiro formado por índios,
negros e brancos.

As mudanças nessas concepções, ocorreram na década de 1980. Com a Constituição


Federal aprovada em 1988, houve um reconhecimento dos povos indígenas e suas
expressões socioculturais pelo Estado brasileiro. O historiador John Manuel Monteiro trouxe
as discussões sobre a temática indígena para o campo da História, anteriormente mais
discutida no âmbito da Antropologia. Na década de 1990 também entrou em vigor a
autodeclaração identitária nos censos do IBGE, e segundo esse órgão a população indígena
entre 1991 e 2010, expandiu de 34,5% para 80,5% nos municípios do país, a isso deve-se
também a esse processo de autodeclaração. É válido ressaltar ainda, a importância que a Lei
nº 11.645/2008, que diz respeito a obrigatoriedade do ensino da temática indígena na
Educação Básica, para o reconhecimento das populações indígenas em nosso país.

É notório observar a trajetória de afirmação de identidades que populações indígenas vivenciaram


frente ao Estado, onde o Brasil é um país que exclui e não se importa com as sociodiversidades
existentes em seu território. As dificuldades enfrentadas pelos povos indígenas são frutos também
de uma historiografia excludente e preconceituosa quando tratou e ainda aborda a respeito da
trajetória dos mesmos, isso agravando-se quando é abordado os indígenas nos contextos urbanos.

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No estado de Pernambuco, segundo o Censo do IBGE de 2010, existiam 12 povos


indígenas habitantes nas áreas do Agreste ao Sertão, região do chamado Semiárido. O
mesmo Censo também apontou que Pernambuco era o 4º estado com a maior população
indígena no Brasil, e o Recife, a 10ª cidade com a maior população indígena do país, com
3.665 indígenas. Esses dados tornam-se impactantes para a maioria da população
pernambucana, visto que assuntos referidos as populações indígenas não são divulgados
amplamente pelas instituições responsáveis, pelos veículos de comunicação e instituições
educacionais no estado, corroborando assim para a invisibilidade, não apenas dos povos
indígenas, mas também das demandas e reivindicações dessas populações.

Em uma cidade em que a maioria da população não tem conhecimento a respeito dos povos
indígenas, as escolas do Recife são como tantas outras no Brasil, que corrobora com invisibilidade e
os descasos vivenciados por essas populações. A formação educacional ao invés de descontruir as
ideias errôneas sobre os índios, acabam enfatizando os estereótipos, a crianças crescem não tendo
entendimento suficiente quando se depara com indígenas que não se apresentam das formas pelas
quais foram ensinadas nas escolas, ao usarem relógios, aparelhos eletrônicos e afins.

Recife é uma cidade em que os indígenas inseridos no contexto urbano e até mesmo
os vindos dos territórios/aldeias precisam afirmar que são ‘indígenas de verdade’ e que
estão ocupando os espaços. Enfatizar que estão presentes e que são cidadãos
pernambucanos, tornando-se ainda mais dificultoso o processo de políticas públicas que
atendam às necessidades para uma vida com menos indiferenças e mais reconhecimento,
isso poderia ser quebrado com um incentivo a uma revisão as metodologias aplicadas, as
fontes ultrapassadas e a abertura aos a debates que vise construir uma ideia que confere
com a realidade atual dos indígenas.

O Colégio de Aplicação da UFPE, tem uma proposta diferente com relação a outras
instituições educacionais. Procurando atender o que determina a Lei nº 11.645/2008,
referente a obrigatoriedade do ensino da temática indígena na Educação Básica é ofertada
para seus estudantes do 6º ano uma cadeira de PD (Parte Diversificada) semestral intitulada
‘’Os índios na História’’, ministrada pelo Prof. Edson Silva, favorecendo debates para

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desconstruir as ideias e imagens cristalizadas e atualizar discussões sobre os povos indígenas


na atualidade.

Metodologia

O objetivo dessa comunicação é apresentar as imagens que os estudantes do CAp


expressam após cursar a PD “Os índios na História” a partir das entrevistas com respostas do
questionário com discentes atualmente no 6º ano. A abordagem da coleta de dados foi de
natureza quali-quantitativa. Foram entrevistados 10 estudantes das turmas dos 6º anos A e
B com idade entre 11 e 12 anos. Foram analisados textos, solicitados aos alunos e alunas no
início das aulas na referida cadeira. Os textos, com no mínimo 30 linhas, respondia a
pergunta ‘’O que você conhece sobre os índios?’’. E após o encerramento das aulas da PD,
foi aplicado um questionário com 5 perguntas: 1- Qual a primeira ideia que você pensa ao
ouvir a palavra índio?; 2- Qual a importância de estudar a PD “Os índios na História”?; 3-
Descreva as principais informações que você aprendeu e achou mais importante sobre os
índios?; 4- O que você aprendeu sobre os índios que ainda não sabia ou que era diferente do
que conhecia?; 5- Descreva o que você aprendeu sobre povos indígenas que habitam em
Pernambuco. A partir das respostas observamos as diferentes imagens e discurso dos
discentes referente aos povos indígenas, que antes das aulas da PD eram geralmente
carregadas de estereótipos, e como os debates nas aulas provocaram mudanças.

Resultados e discussão

Ao analisar as entrevista e questionários aplicados com discentes das turmas dos 6º


anos do Colégio de Aplicação da UFPE, tendo como base as discussões a respeito da
temática indígena na PD “Os índios na História”, percebemos quão é importante para
formação dos alunos e alunas ter a disposição debates que evidenciam as expressões
socioculturais e as trajetórias dos povos. Cabe ressaltar que a historiografia tradicional
brasileira, por muito tempo, corroborou para essa invisibilidade indígena, enfatizando
estereótipos influenciando e muito as reflexões na Educação e no ensino, o que favoreceu
na criação das imagens deturpadas, expressas pelos estudantes no início da vida escolar.
Como constatamos ao analisar as redações dos/as estudantes no início das aulas da PD.

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As imagens iniciais expressar pelos estudantes, relaciona-se com as concepções do


senso comum, veiculadas em geral pela mídia. Nos relatos analisados, observamos discursos
onde os indígenas foram citados como inocentes, ingênuos ou até mesmo sendo utilizado o
adjetivo ‘’burros’’, fazendo menção as trocas e relações com os portugueses no início da
colonização do Brasil. Além de afirmarem que os indígenas vivem em florestas, nus ou com
tangas, com cabelos lisos e “olhos puxados”; pintados e com penas, vivendo em sua maioria
na Amazônia, não podendo gozar das inovações tecnológicas, como aparelhos telefônicos e
computadores; com uma religião politeísta, tendo um pajé como líder religiosos e o cacique
como líder político, e que estavam à beira da extinção. Relatos carregados de visões que não
correspondem com a situação atual dos povos indígenas em nosso país.

Após as aulas da citada cadeira, ocorreu uma mudança substancial nessas imagens
cristalizadas, anteriormente cultivadas pelos estudantes. A partir da análise dos
questionários, percebemos que os discentes expressaram um discurso com teor enfático na
desconstrução dos estereótipos. Foram expressas outras imagens, criticando as
discriminações vivenciada pelos povos indígenas e a pouca importância sobre suas
atuações/participações na História do Brasil. Os indígenas foram considerados também
como pessoas que estão inseridas no século XXI, com direto de acessos as inovações na
atualidade e não como povos estáticos, como anteriormente foram pensados ou ainda nas
imagens da Literatura Brasileira.

Contudo, as mudanças acarretadas foram possíveis em razão dos textos,


documentários, imagens, debates realizados em sala e as problematizações, além de uma
excursão pedagógica ao território Xukuru do Ororubá (Pesqueira e Poção/PE), realizadas
pelos estudantes como atividade da PD. Abordagens que possibilitaram, repensar as
trajetórias dos povos indígenas, negando-os como protagonistas da/na História.

Conclusões

Diante dos dados obtidos concluímos que: 1) é possível outras percepções e uma
mudança de imagens a respeito dos povos indígenas pelos estudantes, desde que que
ocorram novas abordagens; 2) salientar a importância de uma abordagem diferente para o

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ensino da temática indígena; 3) Por fim, inspirar-se em experiências semelhantes que


ocorram em outras instituições de ensino, com novas abordagens sobre a temática indígena,
em outras práticas pedagógicas não romantizadas ou estereotipadas, para docentes e
estudantes construírem imagens mais próximas da situação dos povos indígenas.

Referências

SILVA, Edson; SILVA, Maria da Penha da. (Orgs.). A temática indígena na sala de aula:
reflexões para o ensino a partir da Lei 11.645/2008. 2ed. Recife: EdUFPE, 2016.

ALMEIDA, M. Regina Celestino de. Os índios na História do Brasil. Rio de Janeiro, FGV, 2010.

BANIWA, Gersem dos S. L. O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos
indígenas no Brasil de hoje. Brasília: MEC/Secad: Museu Nacional/UFRJ, 2006.

BERGAMASCHI, Maria Aparecida (Org.) Povos indígenas e Educação. Porto Alegre, Mediação,
2008.

MONTE, Edmundo; SILVA, Edson. Índios no Nordeste: informações sobre os povos


indígenas<http://www.indiosnonordeste.com.br>. Acesso em: 15/10/2017.

CUNHA, Manuela Carneiro da. História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das
Letras.

WITTMANN, Luisa Tombini. (Org.). Ensino (d)e história indígena. Belo Horizonte, Autêntica,
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ALBERTI, Verna. Ouvir contar: textos em História Oral. Rio de Janeiro, FGV, 2004.

ANDRELLO, Geraldo. Cidade do índio: transformações e cotidiano em Iauaretê. São Paulo, UNESP,
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OLIVEIRA, João Pacheco de. (Org.). A presença indígena no Nordeste: processos de territorialização,
modos de reconhecimento e regimes de memória. Rio de Janeiro, Contra Capa, 2011.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

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ISSN:

ÍNDIO EDUCA: NOVAS TECNOLOGIAS PARA O ENSINO/APRENDIZAGEM DA


HISTÓRIA INDÍGENA NO ENSINO BÁSICO BRASILEIRO

LINS, Liliane Aparecida Freitas

Universidade Estadual da Paraíba

lili.af.lins@gmail.com

NEVES, Laís de Oliveira

(Universidade Estadual da Paraíba

lais_oliveiraneves@hotmail.com

ARAÚJO, Aline Praxedes de

Universidade Estadual da Paraíba

alinepraxedes3@outlook.com.br

INTRODUÇÃO

O presente texto tem por intuito debater a história indígena da perspectiva dos
ameríndios brasileiros e como essa(s) história(s) pode(m) ser trabalhada(s) no ensino básico
brasileiro por meio de novas tecnologias, tão presentes no cotidiano de alunos (as) de todo o
país, buscando dessa maneira saídas para que o modelo do ensino de história nas escolas
deixe de ser aquele tão utilizado no século XVII pelos jesuítas, e passe a ser condizente com
o tempo presente, onde as tecnologias são uma parte fundamental na vida não só de
alunos(as) e professores(as) como da sociedade como um todo. Além da necessidade por
inserção de novas tecnologias em ambiente escolar, através da lei 11.645/2008, fica
declarado em âmbito judiciário que, os(as) professores(as) devem ensinar aos discentes
sobre povos indígenas.

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Segundo a Constituição (2008): “§ 2º Os conteúdos referentes à história e cultura


afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o
currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história
brasileiras.” (BRASIL, Lei 11.645/08) Tendo em vista que, no mundo globalizado em que
encontra-se a atual sociedade, a internet é uma ferramenta de grande valia, com inúmeras
plataformas podem auxiliar o docente em suas aulas; uma dessas plataformas é o site “Índio
Educa”, produzido pela Thydêwá, uma Organização não-governamental formada por índios e
não-índios. Dessa maneira os(as) professores(as) podem e devem levar aos alunos(as) uma
nova maneira de 2 se encarar a história desses povos, que por tantos momentos são
encarados como seres que encontram-se estagnados no espaço e tempo. A sociedade não
índia tem um ideal de índios não podem fazer uso de ferramentas da sociedade moderna,
sendo inconcebível no imaginário de alguns grupos sociais que, os indígenas falem
português, possuam bens materiais de valor e utilizem tecnologia. Dessa forma a análise
aqui feita buscou mostrar que o site Índio Educa é uma plataforma rica em dados, mas de
compreensão e navegação fácil, o que auxilia os docentes e os discentes em suas pesquisas e
aprendizado, além de desmistificar o estereótipo do índio pré-colonial e colonial tão
fortemente construído para e pela população através das décadas e que perdura até os dias
atuais.

A HISTÓRIA AFIRMAVA O DESAPARECIMENTO DO GRUPOS INDÍGENAS BRASILEIROS

Estudar os povos indígenas brasileiros é perceber uma história de inúmeras lutas,


onde diversas etnias tiveram por incontáveis momentos suas vozes silenciadas, tendo em
vista que para a historiografia povos ágrafos não possuíam uma cultura a ser pesquisada.
Segundo Manuela Carneiro da Cunha (1992), quando, durante o século XIX, o evolucionismo
teve lugar cativo em meio científico, acreditava-se que algumas sociedades haviam
permanecido fixas nos primórdios da história humana, seriam esses povos então fósseis
vivos para a sociedade ocidental. Por incontáveis momentos pareciam servir apenas aos
interesses dos ditos conquistadores da terra. O nativo era visto como um ser aculturado
pelos europeus, o pensamento vigente é muito bem exemplificado pela fala de Varnhagen,

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onde ele diz que: “de tais povos na infância não há história: há só etnografia” (Varnhagen
apud Cunha, 1992, p.11).

Por um longo período, a antropologia e a história acreditavam que para um povo ser
puro deveria manter-se arraigado a sua cultura original, estáticos com seus costumes, ou
seja, os povos de origem deveriam ser os mesmos sujeitos do século XVI, presos no espaço e
tempo, sem conhecimento sobre as tradições e principalmente as leis da sociedade não
indígena. E por um longo período os povos nativos eram vistos como personagens
secundários, que estavam ali para o bel prazer dos colonizadores, desempenhando a figura
do ingênuo ou de guerreiros arredios, que viviam em constante guerras sem sentido. 3
Schwarcz (1993) relata que, quando a história brasileira foi escrita por von Martius, a pedido
do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), para o alemão a humanidade surgira do
que ele chamava de tronco negro, a posteriori viria o vermelho e por fim os brancos, e que
da mesma forma que a evolução ocorreu nessa sequência, a extinção das etnias humanas
seguiria a mesma ordem. Todavia os anos foram passando e mesmo que a comunidade
acadêmica afirmasse um desaparecimento indígena, isso não ocorreu.

Maria Regina Celestino Almeida (2010) afirma que “os índios, nos anos 1980,
contrariando as previsões acadêmicas, davam sinais claros de que não iriam desaparecer.”
(Almeida, 2010, p.18) E com esse não cumprimento das previsões surge a questão de “o que
caracteriza uma comunidade, um indivíduo como indígena?” Por um longo tempo para a
Antropologia e para a História, ser índio era sinônimo de se manter estagnado no tempo,
segundo Almeida (2010): [...] entre os antropólogos, a concepção de que os processos
históricos portadores de mudança não eram importantes para a compreensão de seus
objetos de estudo. Ao contrário, eram vistos como propulsores de perdas culturais
sucessivas que levavam à extinção dos povos estudados. Afinal, se a cultura era vista como
algo fixo e estável, relações de contato, principalmente com povos de tecnologia superior só
poderiam desencadear processos de aculturação que conduziriam necessariamente a perdas
culturais e à extinção étnica. (Almeida, 2010, p.15-16)

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Com o advento da globalização e a presença maciça das comunidades em esferas


políticas, em mídias alternativas, cada vez mais o espaço é forçado por eles, para que suas
vozes sejam escutadas, todavia há quem acredite que essas etnias passam a ser aculturadas,
entretanto é justamente o oposto que ocorre, porque as particularidades de cada etnia são
reforçadas, fator de suma importância para essas sociedades, pois desmistifica a ideia de
que todos os grupos indígenas são de um mesmo tronco, no caso brasileiro, o grupo Tupi. E
assim como Almeida (2010) relata: Desde os anos 1970 esse conceito vem sendo
problematizado [...], as ideias de apropriação e ressignificação cultural tem sido mais
utilizadas e realmente são mais adequadas [...]. Ao invés de vítimas passivas de imposições
culturais que só trazem prejuízos, os índios passam a ser vistos como agentes ativos desses
processos. Incorporam elementos da cultura ocidental, dando a eles significados próprios e
utilizando-os para a obtenção de possíveis ganhos nas novas situações em que vivem.
(Almeida, 2010, p.22) 4 Os índios que nunca pararam de lutar, mesmo quando considerados
extintos, pressionavam o governo brasileiro desde a década de 1970, para que a lei os
reconhecesse como grupos vivos e atuantes, que mereciam respeito e possuíam o direito de
ter terras para suas comunidades, isso porque segundo os latifundiários os povos nativos
não poderiam possuir direitos sobre a terra, pois eram comunidades que já não possuíam
nenhum costume tradicional, sendo assim não deveriam ser reconhecidos como índios.

Chegado o ano de 1988, entretanto o Estado brasileiro reconheceu os povos


indígenas e os seus costumes, tradições, demarcando assim suas terras, porém se fora uma
vitória essa ação, também desencadeou o ódio de muitos, acirrando assim antigos conflitos,
violências e mortes causadas por invasores das áreas pertencentes aos índios. Por meio da
pesquisa é perceptível quantos estereótipos sempre existiram e ainda existem acerca do
mundo indígena e o quanto esses povos precisam estar sempre lutando e resistindo para
terem direitos básicos garantidos. Dessa maneira é de suma importância que exista o ensino
sobre história indígena não apenas nas séries de base como também no ensino médio e
superior.

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O ENSINO SOBRE CULTURA AMERÍNDIA APARTIR DA LEI 11.645/08 ATRELADA AO


USO DO SITE “ÍNDIO EDUCA”

A partir do ano de 2008 ficou entrou em vigor a lei 11.645/08, sancionada pelo
presidente Luiz Inácio “Lula” da Silva, alterando assim a Lei 9.394/1996, modificada pela Lei
10.639/2003, a qual estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no
currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e cultura afro-
brasileira e indígena”. Todavia mesmo passados dez anos, ainda há resistência para se
trabalhar a cultura afro-brasileira e a indígena nas escolas brasileiras. O foco do presente
trabalho é a história indígena, dessa maneira vamos nos ater ao discurso de tal, e é
perceptível nos livros didáticos que o índio sempre está representado nos capítulos iniciais,
onde a temática são os povos antigos, do período culturalmente chamado de pré-história,
ou seja, período aquele em que a escrita não existia em determinadas sociedades, é o caso
dos povos nativos que aqui habitavam quando os europeus aportaram na costa do que viria
a ser o Brasil. E em um segundo momento são trabalhados no dia 19 de abril, considerado
segundo a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) como “Dia do Índio”, e também neste dia os
docentes 5 trabalham com a imagem de um índio pré-histórico, que não compreende os
costumes do mundo moderno e faz sons não compreensíveis.

Silva (2002) diz que: O desconhecimento sobre a situação atual dos povos indígenas,
está associado basicamente à imagem do índio que é tradicionalmente veiculada pela mídia:
um índio genérico com um biótipo formado por características correspondentes aos
indivíduos de povos nativos habitantes na Região Amazônica e no Xingu, com cabelos lisos,
pinturas corporais e abundantes adereços de penas, nus, moradores das florestas, de
culturas exóticas etc. Ou também imortalizados pela literatura romântica produzida no
Século XIX, como nos livros de José de Alencar, onde são apresentados índios belos e
ingênuos, ou valentes guerreiros e ameaçadores canibais, ou seja, “bárbaros, bons selvagens
e heróis”. (Silva apud Silva, 2002, p. 01) Através da inquietação por perceber que o índio é
sempre retratado como o “bom selvagem” e que pouco se trabalha a figura dele em sala
como um contemporâneo dos(as) alunos(as) foi feita a pesquisa para saber, em meio

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eletrônico, como esse índio é apresentado e representado, além de se pensar em como


trabalhar o tema em um meio tão conhecido, se não por todos, mas por uma parcela
significativa dos jovens, eles que passam tanto tempo em meio ao universo virtual, e
reclamam de não o poder usar na escola, segundo Gafuri (2014) Os alunos presentes, hoje,
em nossas escolas, são de uma geração onde a informação se propaga muito rápido pelos
meios de comunicação e internet, ambos como fruto do crescimento e expansão das
tecnologias, por isso, é fundamental que o professor estabeleça uma relação entre os
educandos e tal fenômeno, de forma que abranja a sua realidade, para assim produzir novas
formas de pensar, agir e se comunicar no cotidiano. (Gafuri, 2014, p.01) Então por que não
atrelar o ensino de história indígena com o universo tecnológico? A utilização de novas
tecnologias amplia as fontes do(as) professores(as) e alunos(as), além de dinamizar o
processo de aprendizado, de maneira que o ensino não seja apenas unilateral, onde apenas
o(a) professor(a) fala e seus alunos(as) recebem o conhecimento pronto e acabado, o ganho
pedagógico é enorme, pois além da turma perceber que a história não é um tema morto e
que não tem finalidade, eles(as) aprendem como realizar uma pesquisa e a serem críticos,
não aceitando tudo o que lhes é posto.

Também há possibilidade de se trabalhar assim o uso da chamada história oral, assim


como Ferreira (2002) relata que “As transformações que têm marcado o campo da história,
abrindo espaço para o estudo do presente, do político, da cultura, e reincorporando o papel
do indivíduo no processo social, vêm portanto estimulando o uso das fontes orais [...]”.
(Ferreira, 2002, p.328). Dessa maneira quebra-se um velho tabu, de que a história é apenas
aquela que está nos documentos oficiais, ou seja, aqueles escritos, valor esse tão 6 pregado
pela historiografia do século XIX. Dessa maneira o corpo discente começa a perceber que a
história está em constante movimento, e que ela possibilita a reflexão do presente através
do passado escrito ou não, mas que possui em novas fontes formas de se conhecer uma
comunidade, e não a perceber apenas por meio da história dos ditos vencedores. A pesquisa
teve início então, por meio da visualização de vídeos online. Foi possível conhecer melhor a
atuação das comunidades indígenas. Por meio das mídias digitais, essas comunidades
mostram fatos do seu cotidiano, apresentam tradições, características sobre a própria

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cultura e dessa maneira desmistificam o estereótipo do índio pré-histórico, ou seja, aquele


de índio só o é se, andar nú, falar apenas a língua da própria aldeia, caçar e cultivar seu
próprio alimento, estando aquém do mundo, dito, moderno. Todavia, o objeto central desse
estudo foi o site “Índio Educa”. O projeto foi ganhador de um edital fruto da parceria entre a
BrazilFoundation e a Embaixada dos Estados Unidos da América no Brasil, atendendo ao
Plano de Ação Conjunto Brasil – Estados Unidos para a Promoção da Igualdade Racial e
Étnica (JAPER). O site surgiu em setembro de 2011 e tem por política trabalhar com história
cultural indígena contada a partir da visão dos grupos nativos. A plataforma tem uma
interface simples, todavia rica e chamativa (como é possível observar na imagem abaixo),
algo que facilita a pesquisa sobre os diversos assuntos abordados.

Para os(as) professores(as) que trabalham com o ensino básico é importante essa
praticidade, além de ser bom para o alunado, quando não contarem com a presença de seus
professores(as).

Fonte: print screen da aplicação do sistema operacional Windows 8.1. O site possui
um detalhe interessante, cada aba tem a imagem de um índio com características
tradicionais, todavia cada um está fazendo algo contemporâneo da sociedade moderna, tal
como utilizar uma câmera fotográfica, uma filmadora, fones de ouvido. É um fato
interessante no tocante que, a tradição não é deixada de lado, porém também mostra ao
visitante que os índios são sim sujeitos do tempo presente e se utilizam da tecnologia, para
poderem dar voz as suas histórias. É satisfatório perceber que há possibilidade de se
trabalhar a história indígena com os novos recursos tecnológicos, e que os povos indígenas
mostram suas histórias por meio do sistema global de redes de computadores interligados,
onde diferente do que podem muitos afirmar, os indígenas não estão perdendo sua
identidade ao utilizar plataformas digitais, pelo contrário, eles se afirmam enquanto agentes
da sua cultura, trazendo uma quebra de paradigmas e sendo donos daquilo que desejam
repassar para as comunidades não indígenas, e é por meio desses pequenos artifícios que
docentes poderão levar de maneira atrativa a história daqueles que construíram o que hoje
é o território brasileiro.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

É perceptível como existem ricos materiais em meio eletrônico, como mostrado


nesse texto, com seu eixo principal no “Índio Educa”, porém por vezes os docentes não se
utilizam de tais ferramentas, nem sempre por não querer, mas sim porque a estrutura
oferecida não permite tais ações. A escola precisa buscar se adaptar ao novo, já que a 8
educação brasileira ainda trabalha com o mesmo modelo do século XVII, enquanto os(as)
alunos(as) vivem o século XXI. O saber deve estar em constante crescimento, junto com seus
principais atores, que são os docentes e o alunado. É necessário que ocorra uma quebra do
paradigma de que a boa escola é aquela tradicional, onde a história vista é sempre a dos
vencedores, tal como o texto mostrou sociedade excluídas podem e devem ter voz, pois são
elas que dão origem e base para a identidade presente e futura de um país tão diversificado
como é o Brasil. Eixo temático: 10) O Ensino da Temática Indígena e os 10 Anos da Lei Nº 11.
645/20008: Experiências, Discussões e Propostas.

REFERÊNCIAS

BRASÍLIA. Luiz Inácio Lula da Silva. Câmara dos Deputados. LEI Nº 11.645, DE 10 DE MARÇO
DE 2008. 2008. Disponível em: . Acesso em: 05 abr. 2018.

ÍNDIO EDUCA (Brasil). Ong ThydÉwÁ. Índio Educa. 2011. Disponível em: . Acesso em: 12 abr.
2018.

FANY PANTALEONI RICARDO (Brasil) (Org.). Povos Indígenas no Brasil. 1997. Disponível em: .
Acesso em: 22 maio 2018.

FERREIRA, Marieta de Moraes. História, tempo presente e história oral. Topoi (Rio J.), Rio de
Janeiro, v. 3, n. 5, p. 314-332, dez. De 2002. Disponível em . Acesso em 22 de abril de 2018.
http://dx.doi.org/10.1590/2237-101X003006013.

PARANÁ. Renice Cecilia Gafuri. Secretaria da Educação. O USO DE TECNOLOGIAS NO ENSINO


DE HISTÓRIA: NOVAS PERSPECTIVAS E ABORDAGENS. Os Desafios da Escola Pública
Paranaense na Perspectiva do Professor Pde, Paraná, p.01-19, 2014. REVISTA HISTÓRIA
HOJE. São Paulo: Anpuh, v. 1, n. 2, 2012. Semestral. Disponível em: . Acesso em: 24 maio

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2018. 9 SILVA, Edson. POVOS INDÍGENAS E ENSINO DE HISTÓRIA: subsídios para a


abordagem da temática indígena em sala de aula. História & Ensino, Londrina, n. 8, p.45- 62,
out. 2002.

A FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DO PROFESSOR QUE ATUA NA


EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS INDIGENAS

SILVA, Maria Alda Tranquelino da


Universidade Federal da Paraíba

Introdução

Embora discuta-se muito sobre a formação dos professores no cenário educacional,


percebemos que no que se refere a formação de professores para atuarem na modalidade
da Educação de Jovens e Adultos Indígenas a discussão ainda são tímidas, uma vez que os
cursos oferecidos a nível de licenciaturas destacam de maneira mais efetiva a atuação
docente na educação infantil, no ensino fundamental e médio, deixando a EJA, na maioria
das vezes a margem das discussões educacionais.

Muitos professores que lecionam nas escolas indígenas de origem indígenas ou não
indígenas (brancos) não possuem formação voltada para questões interculturais ou bilíngue,
realidade que se estendem a EJA Indígena.

Embora o RCNEI aponte para necessidade de haver educadores indígenas, com


magistério intercultural as escolas indígenas contam com a presença de docentes índios e
não índios sem a devida formação para aturem com este público. Discorrendo sobre os
fatores que contribuem para essa realidade, manifesta-se o RCNEI (1998, p. 9-10):

Entre os muitos desafios que enfrentam os povos indígenas para a progressiva


qualificação de sua educação escolar, está o da preparação de professores indígenas no

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magistério intercultural. Assim, novos programas de formação devem possibilitar aos


professores já em serviço e aos futuros professores completar sua educação básica e, ao
mesmo tempo, realizar a formação no magistério intercultural de nível médio e superior,
para o desempenho qualificado da sua importante função. Isso, sem dúvida, requer muita
atenção dos órgãos governamentais responsáveis pelos serviços educacionais nas terras
indígenas do país.

Dentre os indígenas, muitos professores que atuam no magistério ainda não possuem
titulação para exercer a função, como exige a LDB 9394/96, no Art. 62. Ao longo dos anos,
eles procuram se qualificar, para atender às exigências da legislação vigente, no que se
refere à titulação, a fim de permanecerem em sala de aula.

O presente artigo é recorte de uma pesquisa, em nível de mestrado, que objetivou


conhecer e discutir a formação inicial e continuada oferecida aos professores que atuam
nesta modalidade.

Este artigo está ancorado no campo da etnografia da educação. Esta abordagem


imprime as bases para a compreensão das diversas faces que envolvem os povos indígenas.
O estudo com abordagem etnográfica, pretende desenvolver vivências etnográficas, que
aproxime o pesquisador do seu objeto de estudo. Para André (2005, p. 25),

A pesquisa etnográfica busca a formulação de hipóteses, conceitos, abstrações, teorias e não


sua testagem. Para isso faz uso de um plano de trabalho aberto e flexível, em que os focos
da investigação vão sendo constantemente revistos, as técnicas de coleta reavaliadas, os
instrumentos reformulados e os fundamentos teóricos, repensados. O que esse tipo de
pesquisa visa é a descoberta de novos conceitos, novas relações, novas formas de
entendimento da realidade.

Ainda, segundo André (2005), uma das contribuições dessa abordagem para um trabalho de
pesquisa diz respeito à riqueza de detalhes que é possível utilizar em uma investigação. A
partir dessa abordagem foi possível descrever situações, pessoas, ambientes, depoimentos e

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diálogos, que foram reconstruídos em forma de palavras, gestos, silêncios, choro, pausas,
entre outras reações que surgiram na convivência cotidiana. Todos esses elementos
presentes no nosso campo de pesquisa nos ajudaram a compreender a formação inicial e
continuada que possuem os professores que atuam na modalidade da EJA, na Baía da
Traição-PB.

O município, lócus da pesquisa, está localizado em território indígena, formado pelos


municípios de Rio Tinto, Marcação e Baía da Traição. Os três juntos possuem 32 aldeias.
Localizada no Litoral Norte, a 54 km da capital paraibana, essa região conta com uma
população de 25 mil indígenas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE, 2010).

Como campo de pesquisa foi selecionada a Escola Estadual Indígena de Ensino


[1]
Fundamental e Médio Akajutibiró , localiza na aldeia Akajutibiró, no município da Baía da

Traição.

A pesquisa é de natureza qualitativa, do tipo estudo de caso, uma vez que, este tipo
visa a descoberta, enfatizam a interpretação em contexto, buscam retratar a realidade de
forma completa e profunda, procuram representar os diferentes e às vezes conflitantes
pontos de vista presentes numa situação social (LÜDKE; ANDRÉ 2005).

Como procedimento para a coleta de dados utilizamos as seguintes técnicas: a


entrevista semiestruturada, a observação participante e a análise de documentos.

Para analisar os dados, optamos pela técnica de Análise de Conteúdo (AC). Bardin
(2011) afirma que a sutileza dos métodos da análise de conteúdo colabora para a superação
da incerteza das primeiras leituras.

Os sujeitos da pesquisa foram oito professores indígenas potiguaras da Educação de


Jovens e Adultos Indígena, sendo cinco mulheres e três homens.

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Desenvolvimento:

Pode-se dizer que a EJA Indígena tem suas raízes no período colonial, com a chegada
dos portugueses ao Brasil, entre eles, os jesuítas, que tinham como propósito catequizar os
índios. Para isso, iniciaram-se as primeiras atividades de escolarização. Maciel e Neto (2008)
informam que os jesuítas tinham como missão catequizar e converter o gentio ao
cristianismo, motivo formal da vinda deles para a colônia brasileira. Estavam empenhados na
transformação do indígena em “homem civilizado”, segundo os padrões culturais e sociais
dos países europeus. Esse tipo de educação destinava-se aos adultos indígenas, como forma
de pacificação e domesticação, uma vez que, civilizados, não ofereceriam resistência ao
projeto da corte, tornando-se assim, mais fácil a ocupação do território e o uso da mão de
obra indígena.

A partir da década de 1970 os movimentos indigenistas ressurgem no cenário


nacional, ganham mais visibilidade e passam a discutir de modo mais sistemático a
necessidade e a preocupação de escolas que pudessem atender à população indígena, essa
pauta torna-se recorrente nas lutas dos movimentos indígenas.

Contudo, somente a partir da 1988, de fato é assegurado aos povos indígenas,


através da constituição federal nos artigos 210 e 215, o direito à educação diferenciada.

No entanto, não bastava apenas haver escolas no território e nas aldeias, sendo necessário
refletir, depois de décadas de colonização, acerca do tipo de escola ofertada pelo Estado e
do tipo de escola almejada pelos indígenas. Segundo Silva (2007, p. 382), os movimentos
indígenas, no tocante à escola, tem o seguinte posicionamento: “não queriam uma escola
como funciona para os brancos, mas sim uma escola que faça com que o índio queira
continuar a ser índio e não ficar desejando abandonar a aldeia”.

O movimento indígena teve um papel fundamental na implementação da educação


escolar indígena, sendo o responsável pelos primeiros passos na organização das escolas
gestadas a partir das especificidades e das necessidades dos índios. Ainda segundo Silva
(2007, p. 382), na implantação das escolas indígenas,

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O que define e delimita essa nova fase histórica é a questão da criação e autogestão dos
processos de educação escolar indígena. Essa é sua especificidade: os próprios povos
indígenas discutirem, proporem e procurarem, não sem dificuldades, realizar seus modelos e
ideais de escola, segundo seus interesses e necessidades imediatas e futuras. Seria, de fato,
a tentativa concreta de transformar a ‘educação escolar para o índio’ em ‘educação escolar
do índio’.

A Educação Escolar Indígena é uma pauta política permanente e relevante para os


índios e para os movimentos que defendem a causa indígena. Deixou de ser um tema
secundário e tornou-se o centro das discussões, à medida que mobiliza diferentes atores,
instituições e recursos, na construção de um modelo de escola gestada a partir da realidade
indígena.

Atualmente, não se discute se os índios devem ter ou não escolas nas áreas
indígenas, mas, sim, qual o tipo de escola? Como deve ser a educação dos indígenas? Que
tipo de formação é oferecida aos professores? Essas e outras questões são pertinentes e
frequentes nas discussões sobre a educação escolar indígena no país.

Ao discutir a educação escolar oferecida a população indígena e de modo especifico a


Educação de Jovens e Adultos indígena, é necessário refletirmos acerca da formação inicial
e continuada oferecida aos docentes que atuam com esse público, nesta direção os dados
apresentados pelo censo indígena através do INEP/MEC (2006), apontam considerações
importantes sobre a radiografia da formação dos professores que atuam em escolas
indígenas.

Os dados do Censo do INEP/MEC, em 2006, mostram que a oferta da educação


escolar indígena cresceu 48,7%. Para atender a esse crescimento com profissionais do
magistério, na época a SECADI procurou garantir investimentos específicos para a formação
de professores indígenas, tanto em nível médio, como em nível superior nas licenciaturas

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interculturais (INEP/MEC, 2006). De acordo com esse mesmo Censo “nos últimos dez anos
foram formados (ou ainda estão em formação) em cursos especiais de magistério indígena
cerca de 9.100 professores indígenas em quase todos os estados do Brasil.

Os programas para o Magistério Indígena destinam-se a formar um tipo de professor que, na


maior parte dos casos, já atua na escola de sua comunidade e tem pouca experiência de
escolarização formal: ele sempre traz em sua bagagem um amplo domínio dos
conhecimentos acumulados por seu povo, mas seu conhecimento sobre os nossos saberes
acadêmicos é restrito. (MAHER, 2006, p. 25)

Os professores que não possuem formação específica e atuam em territórios


indígenas buscam sua qualificação profissional, em outras licenciaturas não específicas, em
universidades púbicas ou privadas, uma vez que, o número de vagas nesses cursos, são
insuficientes.

Nesse sentido, identificamos que a formação de professores na educação escolar


indígena também é um desafio que precisa ser superado. O professor indígena com nível
superior, para atuar na educação básica e nos espaços em nível superior, necessita de uma
formação específica que acompanhe os princípios da escola indígena, para que de fato seja
respeitado o modelo de escola almejado por eles, onde sejam contemplados seus saberes
culturais, sua tradição e seus conhecimentos. A escola precisa incorporar pedagogias
indígenas no seu processo de ensino e aprendizagem. Isso só será possível se a formação dos
professores seguir a mesma linha de raciocínio e princípios que orientam a educação escolar
indígena.

Ao mencionar a formação do professor Pimenta (2012, p. 33) afirma: “Trata-se de


pensar a formação do professor como um projeto único englobando a inicial e a contínua”.
Portanto, é preciso pensar não apenas na formação inicial, que tipo de formação deve ser
oferecida aos futuros professores, mas também que tipo de formação continuada deve-se
oferecer aos professores indígenas que já estão na docência. Não é possível pensar na

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formação do professor no singular, única, genérica, com um currículo aplicável em qualquer


contexto. As maneiras de educar são distintas, como também são distintas as culturas. Logo,
é para essa diferença que a instituição escolar e a formação ofertada aos docentes precisam
estar abertas.

Na região Nordeste, segundo o Referencial para Professores Indígenas, em 2002, os


professores que atuavam nas escolas nessa modalidade representavam 87,7%. Com
referência ao gênero, o número de professores do sexo masculino, 52%, predominava sobre
o do sexo feminino, 48%. Esse quadro muda, quando se toma como referência os
professores não índios, onde a presença feminina era de 81,6%, constituindo maioria em
todas as modalidades de ensino.

A realidade educacional de escolaridade vivenciada pelos indígenas no Brasil


repercute na docência, na qual os homens têm uma escolaridade superior à das mulheres, o
que evidencia um aumento no número de professores homens em detrimento do número
de professoras. Concernentemente à formação desses professores, as situações são
diversas: alguns educadores possuem magistério na modalidade normal; outros possuem
magistério para atuar nas escolas indígenas, nos anos iniciais e na educação infantil; outros
ainda possuem licenciatura em disciplinas específicas e alguns estão em processo de
formação, como pode ser comprovado no Censo Escolar Indígena, realizado pelo INEP/MEC,
2008.

Contudo, essa realidade do professor sem formação atuando em áreas indígenas


ainda persiste, como se pode observar na Tabela 1. Entretanto não se pode deixar de
reconhecer os avanços atinentes à titulação e à formação desses professores, considerando
que houve crescimento na profissionalização, com a obtenção do grau de licenciatura plena.

Tabela 1: Formação dos professores na educação indígena

Fonte: MEC/INEP. Disponível: http://www.consed.org.br/ Acesso em: 28 de junho de 2016.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

Os dados demonstram que, nos anos inicias do ensino fundamental, 21,6% dos
professores possuem o ensino fundamental, 18,7%, o ensino médio, 36,4%, o ensino médio
– magistério na modalidade normal –, enquanto 12,5 % possuem licenciaturas.

Quanto aos professores que atuam no ensino fundamental, nos anos finais, eles têm
a seguinte formação: 18,0% possuem o ensino fundamental, 18,4%, o ensino médio, 31,3%,
o ensino médio – magistério na modalidade normal – e 21,2% possuem licenciaturas. Dos
professores do ensino médio: 1,4% tem apenas o ensino fundamental, 16,2%, o ensino
médio, 20,5 %, o ensino médio na modalidade magistério e 51,0% possuem licenciatura.

Os percentuais alusivos à formação dos professores no magistério indígena nas


modalidades diversas são os seguintes: ensino fundamental, anos iniciais, 10,5% dos
professores possuem formação no magistério indígena; ensino fundamental, anos finais,
10,1%, e ensino médio, 8,2% dos professores.

Os dados apresentados demonstram, ainda que, em relação à formação profissional


para atuar nos anos iniciais e finais do ensino fundamental e no ensino médio, existe um
contingente de professores que não conseguiram alcançar o que determina a LDBEN nº
9394/96. No seu Art. 62. Por outro lado, como dado positivo, constata-se o aumento no
número de professores com licenciatura evidenciando, portanto, o aumento da qualificação
dos professores indígenas para atuar nessa modalidade.

Em relação dos professores que atuam na Escola Estadual Indígena de Akajutiró, no


município da Baía da Traição-PB na EJA, podemos perceber que a formação inicial apresenta
situações diversas como podemos comprovar no quadro 1.

Quadro 2– Professores da Escola Akajutibiró da EJA indígena.

OBY-ETÉ. Azul em Tupi. Professor graduado em Letras com especialização

em Psicopedagogia.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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PYRANGA. Vermelho em Tupi. Na época estava cursando a graduação em


Matemática

ÍUBA. Amarelo em Tupi. Professor graduado em Geografia.

TINGA. Branco em Tupi. Professor graduado em Matemática.

OBY. Verde em Tupi. Na época cursando a graduação em Pedagogia.

UNA. Preto em Tupi Na época graduada em História. Também cursava a


licenciatura indígena, pelo PROLIND em Letras

YBY. Marrom em Tupi. Na época estava cursando a licenciatura indígena,


pelo

PROLIND em Pedagogia

NARÃ. Laranja em Tupi. Na época cursando graduação em Letras.

Fonte: Elaborado pela autora, com base nos dados da entrevista com os participantes da
pesquisa.

No que diz respeito à formação inicial, podemos comprovar no quadro que os


professores apresentam diferentes níveis de escolaridade, abrangendo professores que
cursam graduação e até pós-graduação, em nível de especialização. No que tange à
formação especifica indígena, apenas 2 professores estão concluindo curso de nível superior
em Licenciatura Indígena; 1 já possui licenciatura, sendo esta a segunda; As licenciaturas são
em Etno-História e Arte e Cultura, oferecida pela UFCG, através do Curso de Licenciatura
Indígena em nível superior – PROLIND, 03 docentes tem formação em nível médio, sendo
essa a 1ª graduação, Letras, pedagogia e Matemática são ofertadas pela UFPB –Campus VI.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

Realidade semelhante a nível nacional, onde podemos comprovar a partir dos dados
do INEP, no quadro1, que a formação inicial dos professores que atuam na educação
indígena, apresenta lacunas que precisam ser superadas.

Em se tratando da formação continuada oferecida aos professores para atuar na


modalidade da EJA, percebemos que persistem a ausência de formação para essa
modalidade como podemos comprovar nas falas dos professores que atuam na EJA indígena.

Uma das questões norteadora da entrevista buscou conhecer que tipo de formação os
professores recebiam ao ingressar na modalidade EJA para atender as especificidades dessa
modalidade. Vejamos os depoimentos abaixo.

Para a EJA Indígena? A gente nunca recebeu formação voltada para EJAI Indígena. Eu fiz
minha graduação na Universidade, mas lá a gente vê mais como trabalhar com criança; eu
mesmo, faz 4 anos que estou trabalhando na EJA. Me identifico muito, mas, muita coisa a
gente aprendeu no dia a dia mesmo, na prática. Como eu falei, eu procuro e pesquiso . De
início eu comecei a ver o perfil dos meus alunos, que é essencial para qualquer trabalho que
você queira desenvolver, porque a gente sabe que é difícil, porque tem uma evasão muito
grande... (Grifos da pesquisadora)

OBY-ETÉ, em 10/11/2016

Muita coisa a gente aprende na prática, no dia a dia e com os colegas que têm experiência,
mais tempo na escola e mais tempo na profissão; tem professor que é muito criativo. Tem os
planejamentos,nesse momento, cada um coloca suas ideias, A formação oferecida pelo
Estado é sempre a nível geral para educação indígena, só para o ensino regular, até hoje
nunca participei de uma formação voltada para EJA (Grifos da pesquisadora)

PYRANGA, em 13/10/2016

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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Os depoimentos dos professores denunciam, entre outras coisas, a ausência de


formação para trabalhar na EJA indígena. Esse é um fato comum à modalidade, como
afirmam Arroyo (2006), Soares (2008) e Oliveira (1998). No depoimento do professor
indígena Oby-Eté, é ressaltado que ainda existe uma lacuna no que tange a formação do
professor para atuar na EJA indígena, uma realidade comum em várias regiões do Brasil,
como destaca Arroyo (2006), ao discutir sobre a formação do professor para essa
modalidade.

Logo, a partir da constatação da ausência de formação para o professor que atua na


modalidade “[...] a compreensão das especificidades da EJA, das necessidades e
possibilidades dos seus alunos, será construída no processo de trabalho” (VARGAS;
FANTINATO, 2011, p. 4). Isto porque, o ingresso de professores na modalidade sem
preparação é algo recorrente, sendo necessário que eles busquem capacitação teórico-
metodológica para se instrumentalizar e construir uma identidade própria de educador da
EJA.

A professora indígena Pyranga, destaca ainda que, “Muita coisa a gente aprende na
prática no dia a dia e com os colegas que tem experiência, mais tempo na escola e mais
tempo na profissão”. Esses saberes ressaltados dizem respeito aos saberes experienciais
apresentados por Tardif (2014) e Pimenta (2012), ou seja, são aqueles obtidos no cotidiano
da prática escolar de sala de aula, bem como do contato com os colegas professores mais
experientes.

Embora reconheçamos os saberes experienciais como um elemento importante na


prática pedagógica dos professores da EJA indígena, não podemos negar a importância da
formação inicial e continuada para estes profissionais, uma vez que, a primeira propiciará ao
futuro educador as “[...] condições para o exercício da profissão docente, a partir da
aquisição de saberes e competências considerados básicos para este exercício” (SILVA, 2011,
p. 48), e, a segunda, apresenta como um de seus propósitos o desenvolvimento “[...] tanto
pessoal como profissional, capaz de atender as expectativas de uma escola e de uma
sociedade, em um novo contexto de informação, comunicação e interculturalidade, bem

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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como de espaço produtivo cada vez mais complexo” (SILVA, 2011, p. 52). No entanto não
devemos esquecer que essas experiências vivenciadas na prática por esses professores
devem estar aliados a teoria e conceitos que lhes possibilitem construir novos
conhecimentos.

Nessa perspectiva, Alves (2010) assegura que a formação inicial e continuada precisa
ser voltada para a racionalidade crítica, indo além das bases dos conhecimentos científico e
cultural. A racionalidade crítica deve promover nos atuais e futuros professores, uma
formação que articule os conhecimentos científicos e os práticos, de modo que eles estejam
preparados para enfrentar a complexidade do ambiente escolar e dos sistemas educativos,
utilizando-se do contexto e do local de trabalho para, num exercício de reflexão coletiva e de
pesquisa e ação colaborativa, produzam saberes necessários à superação dos problemas que
afetam o trabalho e a prática docente.

Outro aspecto mencionado se faz presente na fala do professor Oby-Eté e tem a ver
com a valorização do perfil do educando, como critério para se construir conhecimento na
prática pedagógica. É certo que compreender a realidade do educando é algo muito
significativo na EJA Indígena, pois, a partir daí o professor extrairá dos alunos os
conhecimentos que cada um traz para articular melhor os conteúdos curriculares, gerando
aprendizagens significativas e contextualizadas que, segundo Freire (2011), possibilita a
inserção dos sujeitos nas discussões corajosas sobre sua realidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se que educar é uma tarefa difícil exigindo dos professores uma formação
inicial, contínua e permanente de atualizações de temáticas, inovações de estratégias,
reflexões sobre a prática pedagógica, que em um movimento coletivo entre colegas de
trabalho e discentes, elaboram competências e habilidades profissionais profícuas para o
exercício da sua prática pedagógica.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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Percebemos que a formação inicial e continuada para trabalhar com essa modalidade
ainda é um desafio, principalmente no que diz respeito ao público indígena os quais sempre
ficaram a margem da sociedade e do cenário educacional, no entanto vislumbramos alguns
avanços como podemos comprovar a partir de dados apresentados pelo INEP/MEC, onde
percebemos um avanço significativo no que tange a formação dos professores indígenas a
nível de Brasil e também na Baía da Traição, onde os professores que lecionam e não
possuem curso superior encontra-se em formação.

Em relação aos professores indígenas da Baía da Traição da Escola Indígena


Akajutibiró, que atuam na EJA, os resultados da pesquisa apontam que não é oferecida
formação continuada para atuar na modalidade, na ausência desta são construídos
conhecimentos e saberes, por meio das experiências que vão sendo adquiridas no seu
cotidiano e no próprio chão da escola, através dos planejamentos escolares e das atividades
realizadas pela escola, com seus pares e com os discentes. Esses saberes se constituem em
um arcabouço de conhecimentos que o professor lança mão e vai utilizando a partir das
necessidades de acordo com a realidade.

Ao nos referirmos à modalidade da EJA Indígena, identificamos que existe uma


lacuna na formação desses professores. Mesmo possuindo formação inicial a nível superior,
e experiência na docência, falta-lhe formação para atuar na modalidade em foco. Em
decorrência disso, este professor busca construir estratégias, metodologias e técnicas
diferenciadas capazes de atender à especificidade do público que ensina.

Sendo assim, nossa pesquisa aponta a importância da formação inicial e continuada


para os professores que atuam nesta modalidade, considerando elemento essencial para a
realização de práticas exitosas no exercício da prática pedagógica e consequentemente, nos
resultados de aprendizagens com esse público. Portanto, acreditamos que a formação
continuada contextualizada com a realidade dos povos indígenas pode contribuir para uma
escola que valorize o indígena nos seus diversos aspectos.

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Disponível:http://www.scielo.br/pdf/es/v36n131/1678-4626-es-36-131-00299.pdf, Acesso
em: 24/03/2016.

ARROYO, Miguel. Formar educadores e educadoras de Jovens e Adultos. In: SOARES,


LEÔNCIO (Org.). Formação de educadores de jovens e adultos. Belo Horizonte: Autêntica/
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BARDIN, Lawrence. Análise de conteúdo. Trad. Luís Antero Reto, Augusto Pinheiro. São
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http://indigenas.ibge.gov.br/Acesso em: 27 de junho de 2016

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Acesso em: 15 de janeiro de 2016.

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http://portal.inep.gov.br/basica-censo Acesso em :26 de junho de 2016.

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Disponível em: http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/leis/L9394.htm/ Acesso; 27/10/2016

LÜDKE, Menga e ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São


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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

MAHER, Terezinha Machado. A Formação de Professores Indígenas: uma discussão


introdutória. In: GRUPIONI, Luís Donisete Benzi (Org.). Formação de professores indígenas:
repensando trajetórias. Brasília 2006 Ministério da Educação, Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade. Disponível em: www.dominiopublico.gov.br Acesso
em: o6 de julho de 2016

PIMENTA, Selma Garrido (Org.). Saberes Pedagógicos e Atividade Docente. São Paulo:
Cortez, 2012.

REFERENCIAIS PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES INDÍGENAS, Secretaria de Educação


Fundamental Brasília: MEC; SEF, 2002. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/Acesso: em
15 de marco de 2016.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional.

[1] Significa em tupi, caju azedo ou bravo.

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A PRESENÇA DA TEMÁTICA INDÍGENA NA EDUCAÇÃO BÁSICA:


PROBLEMATIZANDO PRÁTICAS PEDAGÓGICAS EM ESCOLAS PRIVADAS, DEZ
ANOS APÓS A LEI Nº 11.645/2008

ALCANTARA, Thyara Freitas de

Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)

thyarafreitas@hotmail.com

Objetivamos evidenciar por meio de uma análise que apesar da Lei nº 11.645/2008
completar dez anos de publicação, as práticas pedagógicas na Educação Básica nas escolas
privadas pouco mudaram, permanecendo em sua maioria uma postura de folclorização e
reprodução de estereótipos acerca das populações indígenas, com a genérica
“comemoração” do “Dia do índio”, sempre ocorrida sistematicamente no dia 19 de abril.
Apesar das três escolas analisadas estarem localizadas em contextos sociais distintos, onde
uma delas estar situada na divisa de dois bairros periféricos, com estudantes residentes nas
proximidades, Escola A; a segunda escola também se localiza em um bairro periférico, porém
com um público menos empobrecido que a escola anterior, nela frequentam estudantes
com um maior poder aquisitivo e sendo em números a com maior número de discentes
dentre as três escolas, Escola B; e a terceira escola é uma instituição tradicional católica,
localizada em um ponto essencialmente turístico com estudantes e professores em sua
maioria da classe média alta, Escola C. Todas apesar de estarem inseridas em contextos
sociais distintos apresentaram práticas semelhantes nas abordagens sobre a temática
indígena.

Foi observado que não existe a preocupação por parte das docentes das escolas
pesquisadas em problematizar a data 19 de abril como o “Dia do índio”, pelo contrário,
tratam essa data como um“marco histórico”, e disperdiçam a oportunidade de assim como
afirmou o indígena professor Edson Kayapóem transformar esta data em uma inquietude e

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oportunidade de debates insubmissos.A figura do índio vem sendo apresentada como


singular: “o povo indígena”. Sem levar em consideração as diversidades dos povos indígenas.

“Brincar de Índio”

São reproduzidos estereótipos por meio de práticas que predominantemente


consistem em despir crianças da Educação Infantil, fazendo-as colorir imagens retiradas da
internet de desenhos esteriotipados de figuras que remetem à indígenas, em seguida,
deixando-as apenas usando fraldas cobertas por penas, pintar seus rostos com tinta guache,
em referência às pinturas de urucum e jenipapo usadas pelos indígenas; confeccionar
chocalhos para serem utilizados enquanto dançam a música infantil “brincar de índio” da
cantora e apresentadora de TV Xuxa Meneghel, enquanto batem com a mão na boca
produzindo a onomatopeia uh uh, a semelhança de índios norte-americanos. Consolidando
ainda mais a imagem dos indígenas enquanto singular, tendo em vista, que não ocorre
diferenciação entre as expressões socioculturais de indígenas brasileiros e norte-americanos.

No que se refere à música “brincar de índio”, é necessário ressaltar que esta referida
cançao é a mais utilizada nas escolas no “Dia do Índio”. Sendo utilizada a cerca de mais de 20
anos, ou seja, gerações de estudantes do Ensino Infantil, ao ouvir essa música associaram
todas sua concepções acerca da temática indígena ao que afirma a letra da canção infantil. É
explícito que a canção reforça noções generalizantes e contribui para a construção de
preconceitos presentes na sociedade na formação do imaginário infantil.

Como afirma a autora Maria da Penha da Silva, o título da canção “Brincar de índio”
remonta a uma brincadeira infantil comum entre as décadas de 1950-1990, inspirada nos
filmes de faroeste norte-americanos, nos quais os personagens centrais eram o índio como
bandido e o homem branco como “mocinho”; (SILVA, 2015. P. 236) também é presente na
canção o uso do termo “tribo” que coloca as sociedades humanas em hierarquia, no qual, as
“tribos” ocupam uma posição inferiorizada pois estas sociedades concebidas enquanto
“tribais” são associadas às formas de viver consideradas rudimentares, como a pesca, a caça,
o criatório de animais domésticos e a agricultura familiar, sendo considerada atrasadas
comparadas com as demais formas de economia moderna (GODELIER, 1978. p. 101). Outras

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partes da música também se mostram problemáticas, como por exemplo: “Pego meu arco e
flecha, minha canoa e vou pescar. Vamos fazer fogueira, comer do fruto que a terra dá”,
resumindo à concepção de ser índio como um ser tribal, ignorando a sociodiversidade
presente nos 305 povo indígenas habitantes do território brasileiro (IBGE, 2010).Esses
trechos da canção tornam-se ainda mais problemático se levarmos em cosideração que 37%
da população indígena brasileira vive em contextos urbanos diversificados (IBGE, 2010).

É válido lembrar que por meio dessas práticas o índio é colocado como um ser do
passado histórico e totalmente distante da atualidade e de nossa sociedade. Porém, o
discurso defendido pelas escolas e seus docentes para tais práticas generalizantes e
ultrapassadas, é que estas representam uma “homenagem ao índio, o primeiro habitante do
Brasil” onde novamente trata-se de um discurso genérico e romantizado que coloca os
indígenas novamente na posição de um passado distante.

Práticas analisadas

Imagem1: Prática pedagógica utilizada pela Escola A. Fonte: Da autora. 18/04/2018.

Imagem2: Prática pedagógica utilizada pela Escola B. Fonte: Facebook. [Acesso: 19/04/2018]

Imagem3: Prática pedagógica utilizada pela Escola C. Fonte:Facebook. [Acesso: 19/04/2018]

Comunicação com as escolas analisadas

A comunicação com a Escola A ocorreu no período em que eu lecionava as matérias


de História e Geografia na instituição, e ao ser questionada por um estudante qual atividade
referene ao “Dia do Índio” eu realizaria em sala de aula, eu o respondi que enquanto
indígena e professora de História tinha por obrigação realizar uma atividade a fim de
desconstruir ideias pré-concebidas acerca dos povos indígenas, sobretudo, as noções de que
estas populações possuem hábitos iguais, sem variações socioculturais. Após a conversa com
esse estudante a dona da instituição convocou uma reunião de prefessores com todos os
professores da instituição presentes, e afirmou que posturas arrogantes de um professor
para com outro não seriam toleradas, e citou como exemplo que uma professora de História
não ter mais competência que uma professora de pedagogia e por tanto um professor não

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deveria interferir no trabalho realizado por outrem. Por tanto, ficou implicito nas entrelinhas
que a minha postura em buscar a desconstruição de esteriótipos negativos acercas das
populações indígenas foi recebida pelas professoras de pedagogia e dona da instituição
como uma postura arrogante, que deveria ser evitada.

A comunicação com as escolas B e C, ocorreu através das redes sociais. Fui aluna de
ambas instituições, e acompanho seus respectivos trabalhos via Facebook. No dia 19 de
abril, as duas instituições publicaram fotos da “Comemoração do Dia do Índio” (imagens 2 e
3), ao ficar incomodada com as práticas pedagógicas das instituições, me comuniquei via
bate-papo disponível na rede social, questionando suas práticas adotadas e indicando o site
http://axa.org.br/2015/04/dia-do-indio-10-sugestoes-de-atividades-para-escolas/ que se
trata de uma matéria que tem por objetivo o auxiliar docentes para que a temática indígena
não seja trabalhada de maneira generalizante. A escola B foi a primeira a me responder
afirmando que agradecia a sugestão e que esta seria encaminhada ao setor pedagógico da
escola. A escola C, não me respondeu diretamente, mas após minha mensagem e segestão,
convidaram índios do povo Fulni-ô para palestrarem na insituição e dançarem Toré. Foram
publicadas fotos desse momento no dia 25 de abril, e a instituição afirmou que percebeu a
importância do protagonismo que deve ser atribuído à pessoas indígenas para que estas
explicitem suas reinvidicações de direitos.

Imagem4: Comunicação com a Escola B. Fonte: Da autora. 19/04/2018.

Imagem 5: Comunicação com a Escola C. Fonte: Da autora. 19/04/2018.

Imagem 6: Indígenas do povo Fulni-ô dançam Toré com estudantes que na Imagem3
apresentavam-se vestidos com fraudas e penas. Fonte: Facebook. [Acesso 25/04/2018]

Considerações Finais

Concluímos que com a pesquisa realizada ficou evidente queApesar da Lei nº


11.645/2008 completar dez anos de publicação,as práticas pedagógicas na Educação Básica
nas escolas privadas pouco mudaram, ainda que as três instituições analisadasestarem
inseridas em contextos sociais distintos apresentaram práticas semelhantes nas abordagens

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sobre a temática indígena, permanecem em sua maioria uma postura de folclorização e


reprodução de estereótipos acerca das populações indígenas, através da genérica
“comemoração” do “Dia do índio”. Práticas ultrapassadas como pintar crianças e despí-las,
dançar batendo na boca e ouvir a canção “Brincar de índio”, ainda são os mais comuns a
serem postos em prática, não havendo preocupações por partes nem de docentes, nem das
próprias instituições em problematizar a data do 19 de abril, nem em desconstruir
estereótipos negativos que possam ser criados nessas situações na formação acadêmica das
crianças envolcidas.

Felizmente, ao entrar em contato com as três instituições, duas delas, as Escolas B e


C, mostraram-se dispostas a mudar estas práticas. A escola B, aceitando a sugestão da
autora e encaminhando-a para o setor pedagógico da instituição. E a escola C, no dia 25 de
abril, convidando indígenas do povo Fulni-ô para que estes podessem falar sobre suas
reivindicações e aspectos culturais, estes que se distinguem de outrem, ainda havendo uma
roda de Toré.

Bibliografia

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reflexões para o ensino a partir da Lei 11.645/2008. 2ª ed. Recife, Edufpe, 2016.

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(Dissertação Mestrado em Educação Contemporânea).

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Dias de (Coord.) História: Ensino Fundamental. Brasília: Ministério da Educação, 2010, p.
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primitivas: marxismo e evolucionismo. In: CARVALHO, Assis Edgard. (Org.). Antropologia
econômica. São Paulo: Ciências Humanas, 1978. p. 101-135.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

SAÚDE, DIVERSIDADE E CULTURA: A EXPERIÊNCIA DAS RODAS SOBRE SAÚDE


DOS POVOS INDÍGENAS

BEZERRA, Vandicley Pereira73

LUNA, Willian Fernandes74

Universidade Federal de São Carlos

pereirabezerrav@gmail.com

Introdução

Este trabalho busca apresentar o que foi desenvolvido no âmbito do Projeto de Extensão
“Rodas de Conversa sobre Saúde dos Povos Indígenas” no ano de 2017, realizado na
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Trata-se de um Curso Introdutório sobre Saúde
Indígena, composto por encontros presenciais, tendo iniciado suas atividades em 2016 em
parceria com o PET-Indígena Ações em Saúde e em 2017 esteve sob a coordenação de dois
docentes do curso de Medicina, médicos de família e comunidade com experiência em
atuação em áreas indígenas, e duas estudantes indígenas, uma da Psicologia e uma da
Medicina.

Parte-se de do pressuposto de que os profissionais que atuam na atenção à saúde


indígena nos diferentes Distritos Sanitários Especiais de Indígenas (DSEI) têm trajetórias
profissionais e processos de formação bastante heterogêneos, mas muitas das vezes pouco
específicos para atuar na atenção à saúde dos povos indígenas (DIEHL; PELLEGRINI, 2014).
Uma parte importante destes profissionais teve seus primeiros contatos com essas
populações quando foram atuar nas aldeias, sendo que apenas uma parte bem pequena
escolheu a saúde indígena por motivações pessoais e identificação com esse campo de

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Estudante de Medicina; Indígena do Povo Atikum-Umã;
74
Médico de Família e Comunidade; Professor do Departamento de Medicina.

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atuação (OLIVEIRA, 2005).Dessa forma, muitos não possuem as competências necessárias


para lidar com as especificidades dessas populações (DIEHL; PELLEGRINI, 2014).

Assim, este Projeto de Extensão buscou trabalhar a partir da identificação dessa lacuna
importante na formação de profissionais de saúde, reconhecendo como essencial o
despertar da sensibilidade para reconhecer a diversidade e lidar com situações de diálogo
intercultural. Em suas atividades, buscou construir um espaço para conhecer e refletir sobre
a complexidade da saúde das comunidades indígenas, dialogando sobre as diferentes
culturas, sistema de saúde específico, concepções do processo saúde-doença, propiciando
aproximação inicial sobre o contexto de saúde indígena no Brasil.Nas atividades
desenvolvidas neste Projeto de Extensão foi considerado o universo de diferentes
comunidades indígenas no Brasil, com distintos processos históricos e construções culturais,
sendo também foco deste espaço reconhecer que a atuação nas aldeias indígenas é uma
possível escolha dos atuais estudantes da área da saúde.

Desenvolvimento

As Rodas de Conversa sobre Saúde dos Povos Indígenas aconteceram mensalmente, com
participação de profissionais, graduandos, indígenas e não indígenas, que tinham interesse
em aprender sobre a saúde destes povos, sendo oportunizada a ampliação de
conhecimentos a respeito e sensibilização para a diversidade cultural. Baseado nos Círculos
de Cultura de Paulo Freire (FREIRE, 1999) e outras metodologias ativas de ensino-
aprendizagem, os encontros foram realizados no espaço físico do Departamento de
Medicina da UFSCar, num total de cinco encontros em 2017, com duração de quatro horas
cada. Em cada encontro havia uma temática principal guiada por uma questão orientadora,
que inicialmente foram mais específicas sobre a saúde indígena e que ao longo dos
encontrosforam ampliadas para outros temas afins e importantes para o contexto em que
vivem as populações indígenas e que de forma indireta envolvem também o campo da
saúde.Em ordem cronológica, as questões orientadoras foram: 1) O que é ser indígena?;2)

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ISSN:

Há relação entre saúde e cultura?; 3) Saúde indígena enquanto direito: é necessário?; 4)


Quais as aproximações entre cosmologia e saúde?; 5) Por que o indígena na UFSCar?

Os encontros tiveram uma estrutura geral padrão, iniciando com um acolhimento dos
participantes com uma fala inicial de boas-vindas e apresentação feita pelos coordenadores;
apresentação individual de cada participante expondo as expectativas em relação à
atividade; seguido por uma atividade disparadora da temática, ainda em grande grupo,
como assistir a um vídeo, utilização de tarjetas, ou troca de ideias inicial; depois os
participantes eram divididos em quatro pequenos grupos, que se reuniam em salas
diferentes. Em cada pequeno o pequeno grupo discutia a questão central, quando cada
pessoa trazia suas vivências, reflexões, fazia a leitura de pequenos trechos de texto, sempre
com foco em fazer relações com o tema. A síntese da discussão em pequeno grupo era
registrada em cartolinas, papel A4 ou em tarjetas. Terminado esse momento, todos os
participantes se reuniam novamente em grande grupo, quando cada pequeno grupo
compartilhava suas sínteses com o grupo maior, possibilitando novas reflexões e mais
diálogos através dessa nova síntese coletiva, no movimento da espiral construtivista (LIMA,
2017).

Além dos encontros presenciais, foi criado um blog desde de 2016 (UFSCAR, 2016), onde
a cada encontro foram disponibilizados conteúdos complementares, compostos de livros,
artigos, filmes e músicas, que propiciaram aos participantes um maior aprofundamento e
discussão a respeito da temática da Roda. Também no blog havia um campo chamado de
“Diário da Atividade”, onde os participantes poderiam postar uma síntese individual
reflexiva, registrando o que aprendeu durante a Roda e buscando responder a provocações
apresentadas ali.Para os participantes que estiveram presentes em 75% dos encontros e que
realizaram as atividades à distância, foi conferido um certificado de participação no Curso
Introdutório. No próximo item apresentamos uma síntese detalhada de cada encontro:

A primeira Roda foi realizada em 16 maio, com a Questão Orientadora: O que é ser
indígena? Contou com 41 participantes eutilizou-se vídeos como provocadores (ISA, 2017;

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ISSN:

TV BRASIL, 2017). Através dessa Roda, foi possível discutir sobre os processo histórico no
encontro de indígenas e não-indígenas no Brasil;aproximação inicial sobre preconceitos com
indígenas;avançando para pensar no indígena na atualidade, levando em consideração a
situação contemporânea dos indígenas que vivem nas aldeias ou na cidade, superando a
compreensão do indígena apresentado nos livros didáticos em grande parte das vezes
(BATISTA; GOMES JUNIOR, 2016).Chegou-se nas diferenças com os termos: indígena, índio,
silvícola, nativo, buscando descontruir o conceito de indígena genérico (COLLET; PALADINO;
RUSSO, 2014), gerando a possibilidade dos participantes não considerarem os saberes
indígenas como atrasados, primitivos ou menos evoluídos, mas como diferentes.

Dando continuidade, a segunda Roda foi realizada em 13 de setembro, com a Questão


Orientadora: Quais as relações entre saúde e cultura? Teve uma participação de 23 pessoas,
podendo-se discutir os conceitos de saúde, cultura, buscando identificar suas relações em
busca de competência cultural. Nesse contexto, valorizou-se o debate sobre o relativizar de
valores e as diferenças entre a experiência da doença de cada pessoa (KNAUTH; ARSEGO DE
OLIVEIRA; CASTRO, 2014). Também se buscou a compreensão sobre a construção
sociocultural da doença, compreendendo que a doença não é apenas biomédica, como
muitas vezes os profissionais de saúde a consideram, mas também está relacionada à
comunidade, sendo necessário superar a visão etnocêntrica fornecida na formação em
saúde (LANGDON, 2005). Assim, insistiu-se na compreensão da cultura como dinâmica e não
como estática, utilizando-se um vídeo a este respeito (JUNQUEIRA, 2015).

A Roda 3 teve como questão orientadora: Saúde indígena enquanto direito, é


necessário? Foi realizada no dia 04 de outubro, com um total de 35 presentes. Como foco na
discussão os direitos dos povos indígenas no Brasil, partiu-se da trajetória da criação das
políticas de saúde indígenas, antes e depois da Constituição de 1988, no sentido de entender
os significados de uma atenção diferenciada a partir do subsistema (BRASIL, 2002). Também
pode-se ampliar a discussão sobre outros povos originários ameríndios, principalmente no
tocante à superação sobre a tutela para o indígena cidadão (ONU, 2008). Foram utilizados
pequenos vídeos do site Índio Cidadão (GUARANI KAIOWÁ, 2014) em grande grupo, sendo

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ISSN:

que em seguida cada participante foi convidado a escrever em tarjetas aspectos que
achavam relevantes sobre a trajetória e a continuidade da luta para obtenção dos direitos
indígenas. A partir das tarjetas foi construído uma síntese do grupo em relação à luta
indígena pelos direitos à terra, à saúde, educação, reconhecendo quais as conquistas e quais
os retrocessos.

A Roda 4 foi realizada com 24 participantes em 08 de dezembro, tendo como questão


central: Quais as aproximações entre cosmologia e saúde?Partiu-se do pressuposto de que
há uma grande diversidade de formas de ver e entender o mundo, e essas compreensões
estão relacionadas à saúde e processos de adoecimento. Foram utilizados trechos de textos
que trazem especificidades de alguns povos, trazendo especificidades dos Kamaiurá
(JUNQUEIRA, PAGLIARO, 2009), Wari (VILAÇA, 2000), Yanomami (ALBERT, 1989) e Baniwa
(GARNELO, 2007). O grupo foi dividido em 3 grupos menores nos quais buscou-se discutir
sobre a cosmologia dos diferentes grupos indígenas (cada grupo ficou responsável por
analisar um dos textos citados acima), sintetizando em cartolina o que o grupo pensou. De
volta ao grande grupo, cada grupo apresentou suas ideias e em seguida a atividade encerrou
com apontamentos, síntese do tema abordou-se a cosmologia a partir das cosmovisões
destes povos indígenas, buscando identificar suas relações com a saúde, além de reflexões
sobre como é o encontro entre o serviço de saúde e trabalhadores da saúde com essa
cosmologia (DIEHL; PELLEGRINI, 2014). O filme “O Corpo e os Espíritos” (CORREA, 1997) que
também trata da temática foi utilizado como um material suplementar.

A última Roda de Conversa de 2017 foi realizada com 24 participantes no dia 06 de


dezembro, trazendo como questão orientadora: Por que indígenas na UFSCar? Buscou-se
neste encontro conceituar e contextualizar as ações afirmativas no Brasil e no âmbito da
UFSCar, dialogando sobre equidade, diversidade e o processo histórico dessas ações
(UFSCAR, 2006). Após o acolhimento inicial o grupo foi dividido em 3 grupos menores nos
quais a pergunta: "Por que o indígena na UFSCar?" foi debatida e depois sintetizada em
cartolinas. Cada grupo apresentou suas ideias e em seguida foram realizados apontamentos,
síntese do tema trabalhado, destacando-se os enfrentamentos que os estudantes indígenas

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têm realizado, suas dificuldades, potencialidades e enfrentamentos a serem realizados. Por


ser o último encontro do ano foi realizada uma atividade de avaliação, na qual foi distribuído
um questionário de avaliação para os participantes, seguida de confraternização de
encerramento do ano.

Considerações Finais

Este Projeto de Extensão teve sua primeira edição durante o ano de 2016, a partir de
uma demanda dos próprios participantes do Programa de Educação Tutorial Indígena (PET-
Indígena) Ações em Saúde e desde então vêm ganhando um número maior de interessados.
Houve um aumento progressivo no número de participantes do ano de 2016 para 2017,
saltando de 35 para 115 respectivamente, sendo frequentado por indígenas e não indígenas,
estudantes e professores da UFSCar, profissionais da área da saúde e educação do
município, pesquisadores da região, entre outros. Foram espaços de reflexão, discussão e
diálogos muito ricos, com troca de conhecimentos e experiências e relatos das vivências
pessoais. Não foi possível realizar atividades em todos os meses devido a processos de greve
na Instituição e alterações no calendário escolar, o que levou a acontecerem apenas cinco
Rodas.

No último encontro foi realizada uma avaliação da atividade através de um questionário


com perguntas abertas distribuído aos participantes, que buscou identificar os principais
aprendizados construídos neste espaço, seus aspectos positivos e suas fragilidades.Como
aprendizados destacados pelo grupo, foram citados o compartilhamento de ideias e novas
perspectivas entre indígenas e não indígenas; reafirmação dos conhecimentos tradicionais;
identificação da situação contemporânea de povos de várias regiões do Brasil; construção de
saberes em meio as diversidades; quebra de estereótipos sobre o indígena genérico;
desenvolvimento da tolerância, do respeito e de uma visão mais ampla sobre as pessoas; e
o favorecimento da militância e resistência indígenas.Os aspectos positivos avaliados pelos
participantes foram a identificação do espaço das Rodas como oportunidade de ouvir, falar e
trocar saberes, conhecimentos e opiniões, num encontro entre indígenas e não indígenas,

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estudantes e profissionais de diversas cursos e áreas do saber, com uma interação rica entre
todos. As fragilidades identificadas foram a pouca participação de docentes; pouca
participação de pessoas externas à Universidade; melhorar a divulgação; e cuidar para o
término dos encontros não se estenda no horário. Houve também sugestões para
manutenção dos encontros em 2018 e manutenção das metodologias que favorecem a
participação de todos os presentes.

Nesses dois anos o processo de atividades foi sendo desenvolvido de forma progressiva,
com avaliações e planejamentos permanente, tentando avançar de acordo com as
necessidades do grupo. O uso de metodologias ativas buscou a integração entre os
participantes, favorecendo uma construção a partir das experiências anteriores e lacunas
individuais, além de suscitar a colaboração dos que participam menos. As temáticas
inicialmente mais restritas à saúde foram sendo ampliadas e tomaram um corpo mais amplo
e abrangente. O planejamento é de continuar os trabalhos de forma permanente, mantendo
encontros mensais e construindo novos espaços sobre saúde indígena na UFSCar.

O formato de discussão em Rodas de Conversa sobre as temáticas da saúde indígena


proposta possibilitou a construção de novos saberes interdisciplinares através da imersão
dos participantes no contexto complexo da saúde nestes territórios, abordando temas sobre
as políticas públicas, as relações dos conflitos de terras e a saúde pública e luta por direitos,
e o quanto tudo isso tem implicações diretas sobre a saúde dos povos indígenas. Outro
resultado dessa atividade foi dar visibilidade a temática sobre as questões de saúde
indígena, colaborando em suas qualificações e podendo despertar o interesse dos
profissionais de saúde para as questões das especificidades étnico-culturais. Este diálogo
aponta ainda para possibilidades de inserção da temática da saúde indígena nas matrizes
curriculares dos diferentes cursos de graduação na área da saúde da UFSCar, para que
favoreçam o desenvolvimento de competência cultural para o futuro profissional de saúde,
independentemente de seu cenário de atuação.

Agradecimentos

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ISSN:

Agradecemos aos demais construtores deste trabalho, que desenvolveram todas as


etapas destas atividades durante o ano de 2017, Cecilia Malvezzi, Karla Caroline Teixeira,
Dayane Teixeira Almeida.

Referencias:

ALBERT, Bruce. A Fumaça do Metal.Historia e Representações do Contato entre os


Yanomami. 1989

BATISTA, Johann Butler da Silva; GOMES Junior, Cleonildo Mota. A história dos povos
indígenas nos livros didáticos de acordo com PNLD 2011 e 2014. Revista Cadernos de
estudos e Pesquisas na Educação Básica. Recife, v.2, 23, 2016.

BRASIL. Fundação Nacional de Saúde. Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos
Indígenas. - 2ª edição - Brasília: Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde, 2002. 40
p

COLLET, C; PALADINO, M; RUSSO, K. Quebrando preconceitos: subsídios para o ensino das


culturas e histórias dos povos indígenas. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria; Laced, 2014

CORREA, Mari. O Corpo e os Espíritos. 54min. 1997. Disponível em


https://vimeo.com/226223449

DIEHL, Eliana Elisabeth; PELLEGRINI, Marcos Antonio. Saúde e povos indígenas no Brasil: o
desafio da formação e educação permanente de trabalhadores para atuação em contextos
interculturais. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro , v. 30, n. 4, p. 867-874, Apr. 2014

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 23ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1999.

GARNELO, Luiza. Cosmologia, ambiente e saúde: mitos e ritos alimentares baniwa. História,
Ciências, Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v.14, supl., p.191-212. 2007.

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JUNQUEIRA, Carmem. Especialização em Saúde Indígena UNASUS. Entrevista com Carmem


Junqueira. Universidade Federal de São Paulo, 2015. Disponível em
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JUNQUEIRA, Carmen; PAGLIARO, Heloisa. O saber Kamaiurá sobre a saúde do corpo.Cad.


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ISSN:

GT 11 - AUTONOMIAS, ETNICIDADE E NAÇÃO. OS NOVOS MOVIMENTOS


INDÍGENAS NA AMÉRICA LATINA A PARTIR DE 1980

Celso Gestermeier do Nascimento – UFCG

Antonio Carlos Amador Gil – UFES

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ISSN:

LA GUERRA DE CONQUISTA SOBRE EL CAMPO MEXICANO: RESISTÊNCIAS,


IDENTIDADE E TERRITORIALIDADE ZAPATISTA

GUERRA, Rodrigo de Morais

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

rodrigo.morais.guerra@gmail.com

Introdução

Como, certa vez, definiu Héctor Alimonda: “a história do México sintetiza


tragicamente os dramas da identidade latino-americana” (ALIMONDA, 1986, p. 05). Esta
história que traz consigo todos os pré-requisitos de um grande drama – escravidão,
colonização, ditadura, Revolução, greves, rebeliões, sangue, suor e lágrimas –, incluiu, já no
fim do movimentado século XX, mais um capítulo para dar continuidade à sua sina histórica.
No dia 1 de janeiro de 1994 – data simbólica que representara o grande dia da festa
neoliberal em territórios norte americanos, pois, neste dia, o México aderira ao Tratado
Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA), desta forma, cedendo ao neoliberalismo e aos
interesses dos poderosos, um dos pilares dos enfrentamentos zapatistas –, desafiando todos
os prognósticos que apontavam para o fim da luta armada latino-americana,
surpreendendo, até mesmo, a própria esquerda, os indígenas de Chiapas, cobrindo seus
rostos com pasamontañas e empunhando pesadas armas, anunciaram o seu “ya basta!” e
reivindicaram demandas como: liberdade, teto digno, terra, trabalho, saúde, alimentação,
educação, democracia, independência e justiça.

Alegando serem produto de mais de 500 anos de exploração, o que os mesmos


caracterizaram como la larga noche de los 500 años, os zapatistas insurgem para o mundo
em nome não apenas dos indígenas de Chiapas, não apenas em nome das insatisfações da
conjuntura política e social na qual eles estão inseridos no ano de 1994, mas em nome de
toda a história e identidade indígena que eles representam e que resiste a toda sorte de

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expropriações – desde as mais comuns como a da terra, às mais complexas como a


expropriação epistemológica, como Boaventura de Sousa Santos aponta em “Epistemologias
do Sul”, de modo que, “o colonialismo, para além de todas as dominações por que é
conhecido, foi também uma dominação epistemológica, uma relação extremamente
desigual de saber-poder que conduziu à supressão de muitas formas de saber próprias dos
povos e/ou nações colonizadas” (SANTOS, 2009, p. 13) – e violências nos últimos séculos.

Com a consolidação do levante e a expansão do movimento México afora, os


indígenas de Chiapas começaram a galgar posições na luta pelas suas demandas e, com
paciência e alegre rebeldia, foram tendo cada vez mais suas vozes ouvidas e, por intermédio
de seus discursos, construindo sua própria realidade. No tocante ao discurso zapatista, a
figura do Subcomandante Insurgente Marcos – subcomandante, pois não é índio – se
sobressai. Marcos aparece para o mundo como o grande porta-voz do Exército Zapatista de
Libertação Nacional. Digno de uma retórica literária que despertou o interesse e afeição de
grandes escritores de renome mundial como José Saramago, Manuel Vásquez Montalbán,
Eduardo Galeano (o qual, inclusive, trocou correspondências com Marcos), entre outros, o
Subcomandante – que passou, até mesmo, a ser reconhecido como um verdadeiro maestro
na ordenação de ideias e palavras, conferindo-lhe a alcunha de um grande literato – constrói
no discurso zapatista um dos pilares de sua luta, constituindo-se a arma da palavra. No
presente trabalho, portanto, tomamos como missão explorar um dos manifestos do
Subcomandante Marcos, datado de março de 2007 e intitulado como “La guerra de
conquista sobre el campo mexicano. El nuevo despojo... 5 siglos después”, no qual
exploramos como os indígenas de Chiapas têm resistido às pressões capitalistas neoliberais
sobre seus territórios, os interesses envolvidos nesses conflitos e a construção de uma
territorialidade autônoma, essencialmente vinculada a uma identidade zapatista, como
alternativa de resistência e de desenvolvimento.

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Desenvolvimento

Para desenvolvermos o debate acerca da territorialidade zapatista, partimos de uma


concepção de território social, ou seja, para além das definições simplistas e corriqueiras
junto ao senso comum, o território aqui é entendido como, fundamentalmente, um espaço
definido e delimitado por e a partir de relações de poder. Todavia, isso não quer dizer que a
cultura, a identidade, a economia, as relações ali desenvolvidas, não sejam de grande
importância ou não sejam abarcadas com a conceituação de território aqui trabalhada.
Dessa forma, território consiste em um processo que envolve o exercício de relações de
poder e a projeção dessas relações no espaço, levando em consideração, a importância das
demais instâncias sociais.

Dito isso, se faz importante ressaltarmos, ainda para introduzirmos este debate, a
noção de territorialidade e a “descoisificação” do território. Por muito tempo, seguindo
vieses tradicionalistas que atendem a interesses ideológicos, a noção de território esteve
sempre atrelada a um substrato espacial material e, em grande medida, ao Estado-Nação – o
que se enraizou no senso comum –, no entanto, como afirma Marcelo de Lopes Souza

Ele [o território] não precisa e nem deve ser reduzido a essa escala ou à
associação com a figura do Estado. Territórios existem e são construídos (e
desconstruídos) nas mais diversas escalas, da mais acanhada (p. ex., uma
rua) à internaional (p. ex., a área formada pelo conjunto dos territórios dos
países-membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte - OTAN);
territórios são construídos (e desconstruídos) dentro de escalas temporais
as mais diferentes: séculos, décadas, anos, meses ou dias; territórios
podem ter um caráter permanente, mas também podem ter uma existência
periódica, cíclica” (SOUZA, 1995, p. 81).

Portanto, a conformação do território zapatista irá consistir na ocupação de determinado


espaço concreto, o qual será apropriado, ocupado, e dado sua significação através de
projeções relações de poder, relações identitárias, culturais, enfim, através da criação de
raízes naquele dado espaço. Mais uma vez recorrendo à Souza

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O território será um campo de forças, uma teia ou rede de relações sociais


que, a par de sua complexidade interna, define, ao mesmo tempo, um
limite, uma alteridade: a diferença entre "nós" (o grupo, os membros da
coletividade ou "comunidade", os insiders) e os "outros" (os de fora, os
estranhos, os outsiders). (SOUZA, 1995, p. 87)

Logo, ao elegerem o estado de Chiapas, os indígenas zapatistas dão significado àquela região
ocupada e constroem o seu território. Não mais o território amorfo e sem brio, escondido
nas sombras do Estado-Nação mexicano, mas um território essencialmente zapatista,
repleto de identidade, cultura e relações de poder construídas para e pelos zapatistas para
gerir o seu próprio território. Porém, a ousadia dos indígenas de Chiapas não seguirá um
rumo calmo e pacífico. A ideia de um território identificado com indígenas rebeldes afronta a
“soberania nacional” e os interesses do capital. O que será refletido na guerra de conquista
sobre el campo mexicano.

No ano de 2007, os zapatistas surgem com um comunicado que denuncia uma guerra
cada vez maior não apenas contra os indígenas de Chiapas, mas contra os indígenas e
camponeses de todo o mundo. Guerra esta encabeçada não por uma “superpotência”, ou
por um exército em espeífico, mas por algo que possui o alcance e a capacidade de
regeneração muito maior: o neoliberalismo. Nas palavras do Subcomandante Marcos

Describimos a grandes rasgos la ruta que seguiria y sigue el capitalismo em


su fase actual. Entonces la definimos como uma ruta de guerra, de guerra
de conquista, uma guerra mundial, la Cuarta, totalmente total. Una guerra
que superaba a las otras em brutalidade, pero repetia las pautas de uma
guerra tradicional de conquista: destruir y despoblar, para luego reconstruir
y repoblar. (MARCOS, 2007)

A Quarta Guerra Mundial, desta forma, configura-se na dessacralização, na vulgarização, na


fulanização da terra, mãe de todos os povos originários, transformando-a em pura e simples
mercadoria, visando atender às exigências do mercado, ou seja, do neoliberalismo. E não
apenas da terra, mas também da água, do ar e de todas as “coisas” que antes lhes faltavam
valor de mercado, como afirma o próprio Subcomandante, ainda na mesma declaração.

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Diante desta conjuntura de guerra, portanto, na qual “el “enemigo” es el planeta


mismo, no sólo sus habitantes mayoritarios, también todo lo que contiene: la naturaleza”
(MARCOS, 2007), há a necessidade dos indígenas zapatistas resistirem e protegerem o seu
território, tendo em vista a sedução do estado de Chiapas para os interesses do capital. De
acordo com dados levantados por Emilio Gennari (2005), Chiapas concentra 82% de toda a
indústria petroquímica do México e suas hidroelétricas produzem 20% da energia de que o
país precisa, o estado também detém 35% da produção mexicana de café, além de que, de
suas florestas saem madeiras nobres e matérias-primas para as indústrias de biotecnologia,
sem falar nas jazidas de petróleo, gás e urânio ainda não exploradas. Portanto, este estado
localizado no sudeste mexicano, se materializa como o Eldorado moderno, aos olhos dos
interesses neoliberais.

“Latinoamérica es ya uno de los nuevos escenarios de la guerra de conquista y, por


tanto, los Pueblos Indios de América tendrán, como hace 500 años, el papel protagónico em
la resistencia”, defende o Subcomandante Marcos, no documento aqui explorado. Logo,
uma dessas formas de resistência que se faz protagonista é a construção de uma
territorialidade autônoma – o que acontece, no ano de 2003, quando os indígenas de
Chiapas tomam o município de Sán Cristóbal de Las Casas e proclamam: “devemos nos
organizar como verdadeiros rebeldes e não esperar que alguém nos dê permissão para
sermos autônomos, sem lei ou com a lei. De tal forma que, assim, devemos pôr para
funcionar nossas autoridades em rebeldia e nos autogovernar” (GENNARI, 2005, p. 109) e
assim fundam seus municípios autônomos, ou “caracóis”. Partindo do conceito inicial de
território aqui proposto, vimos que território é, essencialmente, constituído através de
relações de poder. Entretanto, se faz de suma importância nos desvincularmos da noção
tradicional, reducionista, de poder, a qual o atrela a algo ruim. Como defende Hannah
Arendt: “O ‘poder’ corresponde à habilidade humana de não apenas agir, mas de agir em
uníssono, em comum acordo. O poder jamais é propriedade de um indivíduo; pertence ele a
um grupo e existe apenas enquanto o grupo se mantiver unido” (ARENDT, 1985:24, apud,
SOUZA, 1995, p. 80). Sendo assim, se faz mister “ampliar a ideia de poder e,
simultaneamente libertá-la da confusão com a violência e da restrição à dominação,

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permitindo assim conjugar ideias de poder - e, por extensão, território - e autonomia”


(SOUZA, 1995, p. 80). Com isso, as relações de poder projetadas no território zapatista
apontam para a conformação de um território visando uma gestão autônoma,
desvinculando-se da relação heterônoma de poder com o Estado nacional, a qual propõe um
caminho em direção ao desenvolvimento. Sendo esta uma tática de resistência à Quarta
Guerra Mundial que vai de encontro aos interesses de vida indígena.

A construção de uma territorialidade autônoma, desse modo, será crucial para um


desenvolvimento amplo, vinculado não somente a questões economicistas, mas a questões
de justiça social, inclusão e liberdade. A territorialidade autônoma zapatista está
fundamentalmente associada aos valores identitários e culturais imbrincados naquele
território, o que Paul Little irá tratar como a cosmografia do território, ou seja

Os saberes ambientais, ideologias e identidades – coletivamente criados e


historicamente situados – que um grupo social utiliza para estabelecer e
manter seu território. A cosmografia de um grupo inclui seu regime de
propriedade, os vínculos afetivos que mantém com seu território específico,
a história da sua ocupação guardada na memória coletiva, o uso social que
dá ao território e as formas de defesa dele. (LITTLE, 2002, p. 254)

Em suma, constituindo-se no lugar zapatista – “lugar” aqui compreendido na explanação do


geógrafo Yi-Fu Tuan sobre espacialidade, por conseguinte, compreendemos o espaço através
da experiência, buscando na dicotomia espaço-lugar as relações criadas entre o meio e o
indivíduo, através do seu intelecto e sua ressignificação, tornando-se um lugar, com seus
significados e sentidos, como base de suas representações e identidades. É na defesa do seu
lugar, que se confunde com a defesa de sua história, que os zapatistas irão nutrir a
resistência ao que o Subcomandante Marcos destaca como a Quarta Guerra: uma
territorialidade autônoma, dotada de identidade e que, apesar de não constituir um
movimento separatista, destaca-se da imposição hegemônica da conformação territorial do
Estado-Nação e busca um maior desenvolvimento para os seus pares. Destarte, a

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territorialidade zapatista materializa-se em forma de resistência preservando sua natureza,


seu povo e sua história.

Considerações finais

Como produto de uma longa duração histórica que atravessa 500 anos, desde a
chegada do colonizador até o tempo presente, os zapatistas de Chiapas permanecem em
resistência, permanecem em luta pela terra. Resistência essa que já se manifestou nas
guerras dos povos indígenas contra os colonizadores, nas guerras entre os camponeses e o
poder institucional, no Plan de Ayala, e que, hoje, para preservar sua história, se traduz na
construção de um território social autônomo. A Quarta Guerra mundial repercute na
realidade indígena de modo inegável, o Estado mexicano, e demais governos latino-
americanos, se convertem nos capitães de reconquista dos territórios que vieram florescer
as civilizações dos povos originários destas terras, como anuncia o Subcomandante Marcos;
o interesse nos recursos naturais para transfigurá-los em mercadoria é evidente e, com isso,
os indígenas se vêm no dever de, uma vez mais, preservarem a sua terra.

A ênfase que damos à “terra” é proposital. Terra não constitui apenas o solo. Terra
não é a estrutura física por onde, simplesmente, caminhamos. Para o indígena a terra é
símbolo da sua história, a terra é a sua mãe. Utilizando as palavras de Sebastião Vargas

Tem que se ter em mente que a terra é entendida pelos camponeses mais
que mero meio de produção: a terra e seu cultivo vinculam o ser humano
com o ciclo vital das plantas e dos animais, e, assim, com o próprio ritmo
cósmico que determina o seu lugar nele. Terra significa, então, não apenas
a condição básica para a subsistência individual e familiar, mas também a
provedora dos elementos necessários para a manutenção da organização
social, a reprodução da identidade coletiva, e a sustentação do universo
inteiro - coisa que demonstram tantos estudos antropológios sobre o papel
da festa - onde concorrem precisamente todos estes aspectos. No

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movimento zapatista, por sua ligação com tradições mitológicas maias, isso
é muito claro de observar. (VARGAS, 2007, p. 252)

Portanto, terra é o núcleo da história, quando se pensa nos povos originários da América,
lutar, resistir, combater as ameaças à sua terra é, concomitantemente, lutar pela sua
história, pelas suas raízes, pela sua madre.

Como afirma Marcos na declaração “La guerra de conquista sobre el campo


mexicano”, o caminho para este povo de baixo ser livre não está, sequer, feito, todavia, esse
caminho será construído pelos “sin nombre y sin rostro que, com sus luchas, van probando
uma y outra ruta hasta llegar a donde quieren llegar”. Uma dessas rotas em direção a
liberdade se passa pela construção da autonomia e que, esta plena autonomia, caminha
percursos distintos da hegemonia territorial do Estado, a qual, através de relações
heterônomas, se impõe e distancia o caminho em direção ao pleno desenvolvimento. Ao
pleno desenvolvimento que oferece a possibilidade de liberdade, teto digno, terra, trabalho,
saúde, alimentação, educação, democracia, independência e justiça. “En la Chiapas de
nuestros dolores y esperanzas, las comunidades indígenas zapatistas demuestran que otro
mundo es posible. Y que es posible levantarlo sobre la base de la cultura indígena, su
concepción de la tierra y el território”, diz Marcos, e finaliza seu manifesto enfatizando que
tudo isso se trata “de ser dignas y dignos”.

Esta foi a luta dos indígenas mexicanos que perpassou a larga noite dos 500 anos,
está é a luta dos indígenas mexicanos que resiste à Quarta Guerra mundial. A territorialidade
zapatista aponta, desse modo, para uma nova perspectiva sobre a questão territorial
indígena no mundo pós-Guerra Fria, mundo este marcado pela globalização e por uma Nova
Ordem mundial que propõe um mundo restrito aos seus interesses. A complexidade das
relações espaciais indígenas, suas cosmologias de mundo, seus sentimentos e identidade,
tornam a problematização e o aprofundamento na compreensão deste debate uma
discussão essencial para o tempo presente. Se faz de suma importância buscar nessa
problemática novas possibilidades em um mundo regulado por relações de poder
hegemônicas e por interesses do capital, suprimindo a possibilidade de um mundo pautado

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pela pluralidade e novas possibilidades de relações de poder no âmbito territorial. Os


indígenas têm direito à vida, bem como à história, e um dos caminhos para isso consiste em
trabalhar na construção de um mundo plural, ou como os zapatistas defendem, um mundo
onde caibam muitos mundos.

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“AQUI É TODO MUNDO ÍNDIO KARIRI”: PROCESSO DE AUTOAFIRMAÇÃO ÉTNICA


DE MORADORES DO SÍTIO POÇO DANTAS NA CIDADE DE CRATO-CE

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SILVA, Miscilane Costa

Universidade Regional do Cariri-URCA

misciciso@gmail.com

INTRODUÇÃO

Este trabalho almeja realizar uma análise do processo de construção identitária

vivenciado por moradores do Sítio Poço Dantas, localizado no distrito de Monte Alverne

situado a aproximadamente 25 km da sede da cidade de Crato. Estes sujeitos se identificam

como pertencentes à etnia Kariri, grupo indígena que habitou durante muito tempo a região.

Segundo relatos dos mesmos, esse processo de mobilização teve início em 2007 com a

chegada de uma pesquisadora que, durante os anos de 2007 a 2014, auxiliou-os na

articulação coletiva em prol do alcance desse reconhecimento e da constituição de uma

entidade representativa.

O estímulo para entender como estes sujeitos estão agenciando e, porque não

dizer, construindo uma identidade política, chegou em mim como um daqueles acasos

perdidos no tempo e no espaço com os quais nos deparamos e que, por vezes, nos

passam despercebidos. Foi em meio a um destes acasos que fui participar da defesa do

trabalho de SANTOS (2016). As discussões levantadas na ocasião chamaram muito minha

atenção. Falava da existência de um grupo indígena no Crato, o que para mim foi uma

surpresa.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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Até aquele momento eu já tinha ouvido relatos da presença de povos indígenas no

estado do Ceará, mas nada sabia sobre o assunto, e de certo modo achava que falar em

índios aqui seria se remetendo a uma presença não mais existente. Saber que tão perto

de onde resido existiam pessoas lutando para serem reconhecidas como indígenas me

inquietou bastante. Mesmo sem interesse acadêmico procurei conhecer mais a fundo o

assunto.

Ao fazer um levantamento na internet sobre os índios Kariris, já que eram assim


que os moradores se denominavam, fiquei surpresa com a pouca informação que
consegui encontrar, achando apenas algumas notícias que tocavam por alto no assunto,
não respondendo nem mesmo as minhas indagações mais simples como: quem eram
esses indígenas Kariris? Como, e onde eles residiam? Em que condições eles se
encontravam? Confesso que tais inquietações surgiram de uma visão distorcida e
estereotipada de uma representação figurativa desses índios que estava a procurar.

Nutria comigo uma ideia estática sobre determinadas especificidades e


características da figura do índio, arraigada em uma visão extremamente essencialista.
Aventurar-me nessa pesquisa foi, antes de tudo, rever certas visões e romper com a ideia
essencializada sobre o que esperava encontrar na comunidade. No entanto, atingir essa
reflexão só se tornou possível ao passo que me defrontava com leituras e imagens que
confrontavam o ideário que havia construído sobre os índios Kariris contemporâneos.

Senti-me instigada a compreender esse processo frente à possibilidade de pensar


no campo das Ciências Sociais tal questão. Deparei-me então no campo antropológico
com vários estudiosos que se debruçaram na compreensão de processos de afirmação
identitária indígena. Então, percebi que tal temática se apresenta com inúmeros campos
de possibilidade e que, ao longo do tempo, tais discussões foram assumindo diferentes
configurações, principalmente no que diz respeito à compreensão dos processos de
emergência étnica desencadeados pelos indígenas do Nordeste.

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Em Poço Dantas, as reivindicações de um reconhecimento étnico estão sendo


desempenhadas e protagonizadas por pessoas pertencentes a um mesmo grupo familiar
(Família Cariri) por meio de uma rede tecida em função de um processo de articulação
coletiva e da tentativa de legitimação de uma memória. Com essa linha de raciocínio, me
propus a compreender como esses sujeitos pertencentes à Família Cariri estão agenciando o
processo de autoafirmação na busca pelo reconhecimento dessa identidade indígena.
Pensando nas redes desencadeadas durante o mesmo, busco perceber como e quais relações
de forças que estão sendo tensionadas e articuladas na construção de uma memória
amparada na etnicidade.

Para desenvolvimento do trabalho optei pela atuação frequente na comunidade com


um calendário de visitas quinzenais. A partir dessas visitas tem sido possível tecer diversos
diálogos com moradores e personagens externos que estão diretamente ligados a essa
mobilização, e neste sentido, temos como principal aparato metodológico o uso de
entrevistas semiestruturadas com caráter individual e grupal.

Conforme Tim May, na entrevista semi-estruturada “As perguntas são


normalmente especificadas, mas o entrevistador está mais livre para ir além das
respostas” (2001, p.148). Optamos por esse método exatamente por possuir um caráter
mais aberto e ser advindo de uma profundidade qualitativa, fazendo com que, “As
pessoas respondam mais nos seus próprios termos do que as entrevistas padronizadas”
(MAY, 2001, p.148). As entrevistas vêm sendo realizadas em momentos em grupos e em
outros separados, pois ao meu ver, dependendo da ocasião e do tema a ser questionado,
um método funciona melhor que o outro.

TRILHANDO OS PRIMEIROS CAMINHOS

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O campo de estudos sobre a busca por reconhecimento, vivenciada por diversos


grupos étnico-indígenas nordestinos após a década de 1980, tem se firmado nos debates
das Ciências Sociais. Nele, eclodem diferentes discussões referentes ao surgimento dessas
novas formas de organizações políticas e de estratégias de afirmação baseadas na
etnicidade. Para Poutignat e Fenart “mais que um domínio de pesquisa, o conceito de
etnicidade indicaria um desvio para novas questões teóricas e empíricas nas Ciências
Sociais” (2011, p. 29).

Visando a compreensão do processo de construção identitária em torno da etnia


Kariri em Poço Dantas, procuro analisar como os que ali residem e que se identificam
como tal estão operacionalizando e agenciando a busca por reconhecimento identitário e
o processo de autoafirmação de uma identidade indígena. Para realizar tal análise, passo
a compreender todo esse movimento que está sendo efetuado na localidade como um
processo de etnogênese, o qual segundo Bartolomé pode ser percebido “como processo
de construção de uma identificação compartilhada, com base em uma tradição cultural
preexistente ou construída, que possa sustentar a ação coletiva” (2006, p.43).

Cabe ressaltar que processos semelhantes ao experienciado em Poço Dantas


foram e estão sendo vivenciado por vários grupos indígenas nordestinos, (Tuxas,
Tremembés, Truká, Kanindé, Potyguara, etc.) o que leva ao que Grünewald (2008),
mesmo considerando as especificidades vivenciadas e agenciadas por cada grupo,
acentua como existência de uma “indianidade” nordestina. Mas, afinal, o que há de
comum entre esses grupos?

Assim como em outros estados

No Ceará cristalizou-se a ideia da não existência de índios no estado. Os


grupos indígenas, neste contexto, vivem um contínuo jogo de luta
simbólica em torno de sua afirmação étnica. A consolidação de um
discurso de negação da indianidade destes povos se dá de forma mais
premente a partir da lei de terras, n° 6001, de 1850, que tratava de

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medidas relativas à ordenação da estrutura fundiária no Brasil imperial


(TÓFOLI, 2009, p.214).

Conforme Oliveira (1998), “Antes do final do século XIX, já não se falava mais em
povos e culturas indígenas no Nordeste”. Tal silenciamento perdurou por boa parte do
século seguinte e aos poucos foi sendo rompido. Assim, essas novas formas de lutas
étnicas passam a ganhar visibilidade principalmente na década de oitenta do século XX,
momento em que alguns grupos étnicos começam a lutar pelo reconhecimento e pela
garantia do acesso à terra.

No Ceará, as primeiras emergências destes grupos acontecem em paralelo a este


contexto mais amplo, conforme expresso a seguir:

No Ceará, tais grupos começaram a organizar-se nos anos oitenta do


século passado, momento de grande efervescência política no Brasil e
em toda a América Latina. As mais diversas categorias mobilizavam-se
pela reivindicação dos seus direitos civis perante o Estado (movimentos
rurais, de gênero, etc.), entre elas o movimento indígena. Foi nesse
contexto histórico que os índios do Nordeste romperam com mais de um
século de silêncio, aparecendo perante o estado e a sociedade civil para
exigir direito ao reconhecimento étnico e aos seus territórios. A
constituição de 1988 veio como uma resposta a tais pressões sociais,
muito embora, até hoje, muito pouco tenha sido feito por parte do
Estado no intuito de garantir os direitos previstos por lei para tais povos.
Para entender o processo de organização política dos índios do Nordeste
brasileiro atualmente, é preciso considerar que eles foram submetidos a
uma situação de contato desde o século XVI, o que ocasionou
transformações muito intensas em todos os âmbitos da vida indígena
(GONDIM, 2009, p.302).

Ainda hoje, as tensões sobre a legitimidade identitária desses grupos se fazem


presentes, impossibilitando esse reconhecimento, muitas vezes entre os próprios
antropólogos, ainda que alguns estudos estejam conseguindo superar tal realidade. Esse
fenômeno se dá em função da crença essencialista de que, se comparados com os grupos

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indígenas no Norte do Brasil, os indígenas do Nordeste são vistos como meros


descendentes e remanescentes, não podendo assim serem reconhecidos como
coletividades e possuidores de uma herança cultural consistente; são tidos como
populações marginais, totalmente aculturadas e que perderam uma legítima e suposta
pureza cultural originária. Bartolomé expressa isso com clareza:

Todavia, a Antropologia e as políticas públicas tenderam a esquecer, ou a


não reconhecer, essas presenças étnicas não mais redutíveis aos
arquétipos indígenas nacionais representados pelas aldeias amazônicas.
Assim as etnogêneses nordestinas não foram se não a emergência política
de identidades étnicas antes irreconhecíveis para o exterior devido à
transfiguração cultural (2006, p.49).

A compreensão do processo de formação identitária dos índios do Nordeste se


deu, entre outros motivos, em função de uma variação teórico-metodológica assumida
por pesquisadores antropólogos. Estes passam a atuar com a inserção desses novos
sujeitos políticos, até então invisibilizados por uma literatura que muitas vezes acabava
por essencializar a figura do índio. Estereótipos criados a partir dessa ideia essencialista
permeiam até hoje o nosso imaginário social. Esses índios eram figurados como seres
isolados, que viviam da caça, da pesca e com traços físicos distintos, negando o
reconhecimento político e a inserção desses “novos” agentes como “objetos” a serem
estudados.

Ao analisar como os estudos sobre etnicidade ganharam espaço dentro do campo


antropológico, Oliveira (1998) acentua que nos processos de reconhecimento identitário
vivenciados por diferentes grupos, a identidade deve ser percebida sob o referencial do
“reconhecimento político”. Novos sujeitos políticos aparecem a partir do momento que
eclodem e que se reconhecem como tais. As identidades étnicas devem ser percebidas
em decorrência da oposição, do contraste, da negação de alguns traços que identificam o
“outro”, e que, por sua vez, reafirmam essa identidade e articulação coletiva.

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A identidade contrastiva parece se constituir na essência da identidade


étnica, i.e., à base da qual esta se define. Implica a afirmação do nós
diante dos outros. Quando uma pessoa ou um grupo se afirmam como
tais, o fazem como meio de diferenciação em relação a alguma pessoa
ou grupo com que se defrontam. É uma identidade que surge por
oposição. Ela não se afirma isoladamente (OLIVEIRA, 2003, p. 120).

Grünewald (2008), ao explanar sobre a constituição de uma etnologia nordestina, faz


refletir sobre pontos chaves na construção do objeto e no planejamento sobre o melhor
caminho a ser percorrido durante a pesquisa. Acentuando que, ao trabalhar com o processo
de mobilização dos indígenas que residem no Nordeste, o pesquisador antropólogo deve levar
em conta como estes sujeitos significam suas identidades indígenas, o que para mim é um
caminho mais instigante. Por isso que proponho-me a conhecer mais a fundo o processo, de
perceber quais os sentidos e as significações em torno dessa identidade que permeiam o
imaginário dos mesmos.

SITUANDO A QUESTÃO

Mediante o trabalho de campo realizado até o presente momento, serão


pontuadas algumas considerações que apresentam-se como chaves para reflexão sobre o
processo de construção identitária dos índios Cariris de Poço Dantas.

O primeiro ponto a ser destacado consiste em refletir sobre a articulação desses


sujeitos, levando em conta que se trata de um processo relativamente recente, visto que a
mobilização e afirmação como indígenas, segundo alguns relatos, se deu de fato em 2007.
Ciente disso se faz necessário refletir sobre quais os processos que possibilitaram a
emergência dessa identidade.

Em algumas falas, aparece como marco impulsionador no processo de mobilização


desses sujeitos a inserção de uma pesquisadora na localidade, que lhes estimulou a
enxergar a necessidade de tal mobilização. Mas afinal, quem era essa pesquisadora? Até

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então não consegui identificá-la. As pessoas que entrevistei evidenciam a importância da


mesma, mas pouco sabe sobre quem era ou qual a finalidade real da inserção da mesma
na localidade. Nos relatos deles prevalece um discurso parecido com o exposto a seguir:

Um certo dia eu estava na secretaria e fui recebida por uma moça


chamada Rose, que foi uma das primeiras pessoas que chegou lá e que
buscou essa identidade, [...] ela faz parte de uma associação de São
Paulo, que é associação dos índios Kariris, certo? E aí ela já veio de lá, ela
também parece que participa de alguns trabalhos relacionado a FUNAI, e
ela já vinha de lá com esse mapa traçado de que a aqui no Cariri,
especificamente na cidade do Crato existiam remanescentes indígenas.”
(Vanda Lucia Roseno Batista, Entrevista realizada no dia 26 de setembro
de 2017 no Colégio Estadual Wilson Gonçalves)

Assim como a pesquisadora, outros agentes aparecem nas falas de alguns dos
entrevistados, sendo qualificados como possibilitadores ou impulsionadores da articulação
destes sujeitos. Dentre os nomes listados estão: Patrício Melo, Reitor da Universidade
Regional do Cariri e incentivador da fundação da Associação; Marcos professor da rede
municipal de ensino do Crato; Vanda Lúcia, Professora da Rede estadual do Ceará, e ex
moradora da comunidade. Diante do mencionado, enxergo como necessário para
compreensão da operacionalização do processo de construção identitária, identificar por
meio do tensionamento da atuação destes agentes externos, as relações de forças que ali
estão sendo desenvolvidas.

Como entender então essa identidade frente a esses processos? Novaes acentua
que considerando que a identidade é uma “condição forjada a partir de determinados
elementos históricos e culturais” (1993, p. 24), cabe ao antropólogo (a) verificar como ela
é construída e em qual contexto é evocada. Principalmente ao se tratar de uma
“identidade ampla” evocada por um grupo “que reivindica uma maior visibilidade social
em face de um apagamento a que foi historicamente submetido” (NOVAES, 1993, p.25).

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Cientes disso, os anos de 2007-2008 são percebidos como o momento de inflexão para a
emergência de uma “identidade coletiva”, na localidade de Poço Dantas.

Durante o ano de 2007, ganha visibilidade no Ceará um movimento de busca por


fortalecimento da memória e legitimação dos grupos étnicos do estado. O mesmo foi
amparado por conferências e alguns projetos que podem ter influenciado na a
emergência dessas reinvindicações em Poço Dantas. Dentre eles destacam-se: A criação
de “Programas de apoio às culturas indígenas, ciganas, quilombolas e outras minorias
étnicas” (CEARÁ, 2007, p.12); Fundação do Memorial das culturas indígenas no Ceará;
Projeto Emergência Étnica, realizado pela Secretaria de Cultura do Estado do Ceará
(SECULT) em parceria com o Instituto de Memória do Povo Cearense (IMOPEC).

Porque opto em falar em termos de uma identidade coletiva? Alerto está ciente de
que nem todos que residem em Poço Dantas se reconhecem como indígena, que o
desenrolar desse processo se faz, sobretudo pelo protagonismo de uma família, “família
Cariri” e que existem pessoas que pertencem a essa família, moram na localidade,
entretanto não se identificam como tais. Esse outro lado não será descartado ao longo da
pesquisa.

No entanto, estou pensando na constituição de um discurso construído e


partilhado em cima de um “nós” Índios Kariri, que mesmo que não exista na prática, está
sendo apresentado nas falas dos atores sociais. Por exemplo, quando indaguei a Rosa
Cariri, umas das primeiras interlocutoras que tive contato em minhas visitas em Poço
Dantas, se ela se considerava índia, ela me respondeu “somos Índios Kariri”. A primeira
vista pensei estar se referindo a si e a seus filhos, mas em outro momento quando fiz a
mesma indagação à Ivoneide Cariri idem, ela me respondeu de modo semelhante: “todo
mundo aqui é Índio Kariri”, o que para mim possivelmente demonstra a necessidade de
reiteração dessa representação de um todo coletivo. Santos (1998) afirma que as
identidades coletivas podem ser percebidas “não só de um agregado de interações
sociais, mas também da razão político-estratégica de atores sociais” (p.1). As

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especificidades da reiteração e de acionamento desse “nós” índios Kariri é mais uma


questão a analisar. Ao meu ver ela está diretamente ligada à necessidade de construção e
de disputa por ascensão de uma memória da Família Cariri, considerando que,

A noção de identidade, que rompe com as dicotomias entre indivíduo e


sociedade, passado e presente, bem como entre ciência e prática social,
está tão associada à idéia de memória como esta última à primeira. O
sentido de continuidade e permanência presente em um indivíduo ou
grupo social ao longo do tempo depende tanto do que é lembrado,
quanto o que é lembrado depende da identidade de quem lembra. Da
mesma forma que a identidade, a memória também deixou de ser
pensada como um atributo estritamente individual, passando a ser
considerada como parte de um processo social em que aspectos da
psique se encontram interligados a determinantes sociais. A memória
deixou, portanto, de ser considerada como fenômeno individual,
passando a elemento constitutivo do processo de construção de
identidades coletivas (SANTOS, 1998).

Nas falas, é recorrente o discurso de que antes da chegada da pesquisadora os que


hoje se afirmam como indígenas viviam imersos em um estado de silenciamento dessa
identidade, por afirmarem existir no imaginário das pessoas que residiam na localidade e
em sítios vizinhos uma certa visão estereotipada em cima da família, conforme expresso a
seguir:

Essa minha descoberta, dessa identidade enquanto indígena, né, remanescente


indígena, ela tem pouco tempo, ela tem aproximadamente uns 15 anos, acho que
não chega nem a isso né? E assim… (pausa por alguns segundos) Em primeira mão
eu me questionava muito a respeito de não entender o porquê de nossa família, a
família Cariri ela ser tão discriminada naquele lugar, ou seja, vai casar com as pessoa
dos índios Kariris, ah... é filha dos Cariri, entendeu? Tudo que tinha sentido
pejorativo estava se referindo à nossa família, e eu me questionava porque,
entendeu? Que a

gente era tão, tão, era vista de forma tão negativa naquele lugar (Vanda
Lucia Roseno Batista, entrevista realizada no dia 26 de setembro de 2017
no Colégio Estadual Wilson Gonçalves).

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Ivoneide relata que quando seus filhos eram mais novos, não gostavam quando
sua avó dizia a eles que eram índios, afirmavam que por isso eram vítimas de chacotas
dos seus amigos e que hoje são eles os responsáveis por relatar a história da família Cariri,
reafirmando a existência da descendência indígena. Mediante as entrevistas realizadas
até o presente momento, é possível perceber que antes da atuação e inserção dos vários
agentes externos, existia naquele espaço uma identidade que vinha sendo negada e que
passa a ser positivada com a inserção dos mesmos, ciente de que “ É a partir da
descoberta e reafirmação - ou mesmo criação cultural - de suas semelhanças que um
grupo qualquer, numa situação de confronto e de minoria, terá condição de reivindicar
para si um espaço social e político de atuação”( NOVAES, 1993 p.24).

Para que conseguissem de fato se articular, tiveram de passar por algumas


formações, uns aceitaram de imediato e outros não. Toda essa movimentação aconteceu
em paralelo a um processo de “resistência” entre os próprios moradores. Rosa ressalta
que tiveram que inicialmente buscar se legitimar no próprio espaço em que residiam,
buscando primeiramente o alcance de demandas simples

Fizemos uma grande mobilização o dia todo, e aí, nós dissemos o que
era que queríamos, qual era as prioridades para comunidade entendeu?
o que é queremos mesmo é água que a comunidade não tem, que
necessitamos muito. E a associação, e nós entendemos também que a
associação ela seria um instrumento legal pra gente articular com outras
instituições como URCA, FUNAI e etc, pra gente conseguir

realmente legalizar a questão da identidade” (Rosa Cariri. Entrevista


realizada no dia 13 de outubro de 2017, na comunidade de Poço
Dantas).

Ela também me relatou que só a partir do contato com algumas comunidades


indígenas da região, foi que eles realmente perceberam como “atuar” enquanto indígenas
que buscam reconhecimento, e dois eventos marcaram esse processo. O primeiro, realizado
em 2008, foi o

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III Encontro do Povo Indígena Kariri, na cidade de São Benedito – CE, na aldeia de Carnaúba.
E o segundo, I Encontro dos Índios Cariri no Cariri, este realizado em Poço Dantas também
aconteceu no ano de 2008, no qual receberam a visita de etnias vindas da Carnaúba e
Crateús. Lá foram realizadas inúmeras oficinas e reuniões nas quais os povos vindos de outras
regiões e que já passaram pelo processo de reconhecimento, auxiliaram a mobilização na
comunidade.

Assim, atravessados por diversos processos e planos de significações, esses


sujeitos passam a se reinventar mediante o contato com estas outras comunidades e com
a inserção de pesquisadores e de outros agentes externos. A formação de nossas
identidades se dá o tempo

todo por meio de um “jogo de espelhos”, já que “Identidades são inscritas através de
experiências culturalmente construídas em relações sociais” (BRAH, 2006).

Mesmo a pesquisa estando em andamento, conseguimos observar alguns pontos


relevantes a serem analisados no decorrer do trabalho. Pensar e refletir sobre a
emergência dessas novas identidades é imprescindível, olhar e descrever as relações
feitas e refeitas por tais agentes nos possibilita identificar as “controvérsias” que lhes
dotam de visibilidade, encontrando assim a possibilidade, no quadro de pesquisa, de um
maior leque de possibilidades e estratégias diferenciadas de atuação.

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REFERÊNCIAS

BARTOLOMÉ, Miguel Alberto. As etnogêneses: Velhos atores e novos papéis no cenário


cultural e político. Mana, v.12, n.1, p. 39-68, 2006.

BRAH, Avtar. Diferença, diversidade, diferenciação. Cadernos pagu, v.26, jan./jun,2006.


FERREIRA, Luiz Gustavo.S. “Fui pegada na mata a dente de Cachorro”: A construção e
afirmação da etnicidade Kariri. URCA/CH/ Curso de Licenciatura Plena em Historia, 2014.

GONDIM, Juliana. Corpo e ritual: práticas de cura e afirmação identitária nos Tremembé
de
Almofala. In: PALITOT, Estêvão Martins (org.). Na mata do sabiá: contribuições sobre a
presença indígena no Ceará. Fortaleza: SECULT/ Museu do Ceará/ IMOPEC, 2009. p.301-320.
GRÜNEWALD, Rodrigo de Azeredo. Cultura indígena no Nordeste em panorama. Revista
de Ciências Humanas e Artes ISNN, v.14, n, 1/2, jan/dez., 2008.

POUTIGNAT, Philippe; FENART, Jocelyne. S. Teorias da etnicidade: seguido de


grupostnicos e suas fronteiras de Fredrik Barth. 2.ed. São Paulo: Unesp, 2011.
NOVAES, Sylvia Caiuby. Jogo de Espelhos: Imagens da representação de si através dos
outros. São Paulo; USP, 1993.

OLIVEIRA, João Pacheco. Uma etnologia dos “Índios Misturados”? Situação colonial,
territorialização e fluxos culturais. Mana, Rio de Janeiro, vol.4, n.1, p.47-77, 1998.

SANTOS, Myrian Sépulveda. Sobre a autonomia das novas identidades coletivas: alguns
problemas teóricos. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, vol.13, n.38, 1998.

TÓFOLI, Analu. Retomadas de terras Tapeba: entre a afirmação étnica, os descaminhos da


demarcação territorial e o controle dos espaços. In: PALITOT, Estêvão Martins (org.). Na mata
do sabiá: contribuições sobre a presença indígena no Ceará. Fortaleza: SECULT/ Museu do
Ceará/ IMOPEC, 2009. p.213-232.

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GT 12 - PATRIMÔNIO CULTURAL E QUESTÕES INDÍGENAS: ARQUIVOS,


MUSEUS E BIBLIOTECAS NA TESSITURA DAS MEMÓRIAS

Sônia Mattos – UFES

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A COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA EM JOGO: UM DEBATE ENTRE HISTÓRIA PÚBLICA


E JOGOS DIGITAIS

LIMA, Hezrom Vieira Costa


Universidade Federal da Paraíba

Introdução: É possível jogar o passado?

Uma aproximação entre a História e os Jogos Digitais tem se tornado mais evidente
nos últimos anos. As possibilidades de investigação para a historiografia concebem suas
abordagens em três aspectos: 1) a temática da cultura digital nas sociedades
contemporâneas, 2) as possibilidades de ensino de história com os jogos75 e 3) a percepção
dos jogos como produtores de memórias sobre determinados acontecimentos históricos76.
Estes aspectos apesar de parecerem distintos, no cerne das discussões que são tecidas,
tentam dar conta de um mesmo processo, a percepção de um conhecimento sobre o
passado que se relacione com o presente, conforme a definição de consciência histórica
proposta por Rüsen (2001). Rüsen (2001, p.57) define a consciência histórica como “a suma
das operações mentais com as quais os homens interpretam sua experiência da evolução
temporal de seu mundo e de si mesmos, de forma tal que possam orientar,
intencionalmente, sua vida prática no tempo”.
Os historiadores espanhóis Romera e Ojeda (2015, p.7) chamam a atenção para as
transformações exercidas pelos Jogos Digitais na contemporaneidade, no que diz respeito ao
conhecimento sobre o passado, inclusive relacionando o conteúdo desses artefatos culturais
no campo da historiografia.

O que originalmente apareceu como uma forma de entretenimento


enraizada na dimensão lúdica de cada um de nós como real ou potencial,
foi transformado, dentro do contexto sociocultural contemporâneo, em um
artefato gerador de conteúdos e capaz de deslocar, do ponto de vista

75
Um panorama sobre as relações possíveis entre Ensino de História e Jogos podem ser percebidos em Silva
(2010), Arruda (2011), Neves (2011), Telles (2017) e Lima (2017).
76
Na historiografia brasileira as pesquisas de Santos (2013), Santos (2014), Fornaciari (2016), Bello (2016).

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historiográfico, o discurso científico do conhecimento do passado e seus


eventos determinantes. (tradução nossa)77.

Há de se destacar que os Jogos Digitais já se configuram como um campo de estudos


interdisciplinar, percebidos através de um modelo tripartido78, conforme já destacou
Aarseth (2003). Na literatura especializada sobre essa temática, os jogos que abordam
questões históricas, em se tratando de enredo, aspectos materiais, narrativa e até no
contexto histórico, são denominados history games (NEVES, 2011).
Destaca-se também que apesar de facilitar a delimitação, a utilização desta
nomenclatura deve ser problematizada, uma vez que o aspecto histórico do jogo não condiz
necessariamente com a historiografia, ampliando o conhecimento do passado para
memórias e outras recordações79. O aspecto histórico do jogo a ser tratado pelos
historiadores diz respeito a sua possibilidade de “estimular a reflexão histórica”. (VIANNA-
TELES; ALVES, 2016, p.176)
Nesse sentido, estes jogos estão sendo utilizados pelos historiadores como fontes,
uma vez que, apesar de não possuírem em seu conteúdo inicial uma “iniciativa pedagógica”,
tendo como base principal o entretenimento, transmitem memórias e visões
historiográficas, tornando-se interlocutores entre a história pública e a história do tempo
presente. A partir dessa fenda, os historiadores analisam qual visão de mundo é repassada
pelos desenvolvedores e produtores dos Jogos Digitais.
Vale a pena ressaltar as discussões expostas por Kapell e Elliott (2015, pp.1-29), os
quais afirmam que a historiografia se encontra em um momento, após quatro décadas de
debates, em que não é mais relevante discutir se o conteúdo histórico do jogo é verdadeiro
ou não, cabendo ao historiador perceber: 1) com qual visão historiográfica os produtores

77
Lo que en su origen aparecía como una forma de entretenimiento radicada en la dimensión lúdica de cada
uno de nosotros como intervinientes reales o potenciales, se ha transformado, dentro del contexto sociocultural
contemporáneo, en un artefacto generador de contenidos y capaz de desplazar, desde un punto de vista
historiográfico, el propio discurso científico del conocimiento del passado y sus aco ntecimientos definidores.
78
O pesquisador norueguês Espen Aarseth (2003, p.11) chama a atenção para a percepção dos jogos digitais a
partir de três elementos, gameplay, cujo foco é a jogabilidade, game-structure, a estrutura das regras do jogo, e
game-world, onde são analisados o mundo ficcional, incluindo aí a narrativa.
79
Sobre essa questão ver Vianna-Telles e Alves (2016, p.125-146).

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tiveram contato, 2) por quais motivos e 3) como elas interferem nas representações
presentes no produto final.
Dessa forma o que é importante para o historiador é entender como ocorreram as
pesquisas sobre o conteúdo histórico existente no jogo, identificando os profissionais que
prestaram o serviço de consultoria – sejam historiadores ou memorialistas; contextualizar a
visão historiográfica que aparece no jogo e como os personagens são retratados, sejam eles
sujeitos individuais ou coletivos; e, partindo desses pressupostos, perceber como o jogo,
entendido como o resultado de uma colcha de retalhos com visões distintas, reflete e
dialoga com o passado, aproximando-se ou distanciando-se em níveis distintos das visões
elucidadas tanto pela historiografia quanto pela memória.
Essa relação com o passado existente nos jogos digitais que tratam de um conteúdo
histórico, traz à tona um questionamento: É possível jogar o passado? A noção de “Jogar o
passado” e todas as implicações presentes nesse processo encontram-se em duas obras de
língua inglesa, as quais levantam essa questão já no título, trata-se da obra, já citada, de
Elliot e Kappel “Playing with the Past” (2013) e “Playing with the Past”, de Erik Champion
(2011), além das discussões tecidas pela historiografia brasileira, propostas por Vianna-Telles
(2016) e Carreiro (2013).
A ideia de um passado jogável em um mundo virtual onde as escolhas históricas
podem ser repetidas ou redefinidas de acordo com o interesse do jogador amplia o
horizonte para um número incontável de possibilidades. Se essa afirmativa levantada nesse
momento for considerada verdadeira, estamos diante de um outro Regime de Historicidade
(HARTOG, 2015) que não se encaixa no modelo de historia magistra vitae, no regime
moderno ou no presentismo.80
Para Hartog (2015, p.28), os regimes de historicidade são “em uma acepção restrita,
como uma sociedade trata seu passado e trata do seu passado. Em uma acepção mais
ampla, regime de historicidade serviria para designar a modalidade de consciência de si e de
uma comunidade humana”. Além do que este regime “não é uma realidade dada. Nem

80
Atualmente, de acordo com Hartog (2015, p.14-15) o regime de historicidade dominante é o presentismo, na
qual “o presente é estagnante e o futuro é entendido como ameaça”. Sobre essa questão ver Hartog (2015) e
Rousso (2016).

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diretamente observável nem registrado nos almanaques contemporâneos; é construído pelo


historiador”. E é justamente a partir dessas perspectivas, sob a possibilidade de jogar o
passado e as implicações decorrentes dessa relação com a própria memória, que as
questões e apontamentos aqui presentes serão elaboradas.
A relação entre jogos eletrônicos e história é rica e complexa. Para exemplificar essa
questão, a seguir discutirei os elementos ideológicos transmitidos pelos jogos lançados para
o computador, entre os anos de 1989 e 2008, que abordam a temática da colonização da
América. A ideia da “colonização do Novo Mundo” é um aspecto apresentado em diversas
facetas nos jogos para computador, tendo seus primeiros títulos lançados no final da década
de 1980 e, a partir de então, ao longo dos últimos 25 anos, foram produzidos diversos jogos
do mesmo segmento.
O objetivo principal consiste, portanto, em analisar os jogos que abordam a temática
da colonização da américa e perceber como a lógica da colonização europeia do continente
americano é demonstrada e justificada no jogo, problematizando dentro do game os
aspectos que legitimam as ações dos colonizadores europeus, percebendo um elogio ao
caráter do colonizador enquanto superior, as representações dos povos nativos e o
ambiente em geral no qual essa questão é desencadeada.
No primeiro momento há um trajeto histórico dos jogos lançados, relacionando o
período histórico no qual o jogo foi lançado e as rememorações sobre “comemoração do
descobrimento”, buscando demonstrar quais são os usos do passado aos quais os jogos
estão submetidos socialmente. Em seguida é identificado um elogio aos colonizadores,
presente em três jogos, Gold of the Americas, Sid Meier’s Colonization e Age of Empires III,
contando a história da colonização a partir de um olhar eurocêntrico, impossibilitando
outras análises e interpretações sobre esse fenômeno a não ser aqueles vistos sob o olhar
do colonizador. Por fim são feitas considerações acerca da representação dos povos
ameríndios e como os mesmos são percebidos como o “outro” a ser combatido, colonizado
e exterminado, para que o jogador possa obter êxito na sua aventura, ou seja, vencer o jogo.
A escolha por analisar essa questão diz respeito a uma dupla familiaridade com a
temática, primeiro porque cresci jogando jogos com essa temática, o que me fascinou ao

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ponto de escolher ser historiador. E o segundo porque enquanto historiador passei a


questionar aqueles elementos que pareciam tão naturais nos jogos, como a lógica da
colonização e as representações dos colonizadores e nativos presentes nestes jogos.

O Novo Mundo em Pixels: Os Jogos Eletrônicos para computador com temática de


colonização

No ano de 1989 é lançado para PC o jogo Gold of the Americas: a conquest of new
world (Strategic Studies Group, 1989) [Ouro das Américas: A conquista do novo mundo], um
jogo de estratégia por turnos, em que o jogador deve colonizar o continente americano
escolhendo controlar uma das potências europeias disponíveis: Espanha, Portugal, França e
Inglaterra.
No ano de 1990, outro jogo com um título também sugestivo é lançado, trata-se de
Galleons of Glory: the secret Voyage of Magellan (Brøderbund Software Inc., 1990) [Galeões
da Glória: a viagem secreta de Magalhães], um jogo de aventura, no qual é possível controlar
um marinheiro que embarca na aventura do Novo Mundo. Ao longo da viagem tarefas
deverão ser realizadas, como ajudar o cozinheiro com os vegetais, provar o valor de
liderança para o capitão ou, até mesmo, ajudar o padre com sermões para os marujos.
Em Galleons of Glory, cujo objetivo do jogo é tentar reproduzir as condições das
expedições marítimas, alguns personagens históricos, além do próprio Magalhães que já é
apresentado no título, são retratados, como é o caso do Capitão Gaspar de Quesada, que foi
acusado de traição. Neste, de uma forma didática, através dos diálogos e situações
propostas, percebe-se como a ideologia da colonização aparece implícita, adquirindo um
caráter de necessidade, o que significa dizer que para o jogo é importante que a colonização
ocorra de modo efetivo. Sendo assim, o jogo só é vencido caso o jogador assuma a postura
do colonizador, contribuindo com o bem maior, ou seja, embarcar na expedição marítima,
provar o valor durante a travessia e auxiliar no aparato ideológico colonial.
Dois anos se passam e outros dois títulos somam a produção de jogos com a temática
da expansão ultramarina europeia. O ano de 1992 é emblemático porque remete aos 500

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anos da chegada de Cristóvão Colombo ao continente americano81. Em meio a esse contexto


é lançado Columbus Discovery (Gamos, 1992) [Descobrimento de Colombo].

Figura 1: Contato entre Colonizadores e Colonizados em Columbus Discovery

O jogo foi lançado para o PC e se encaixa no estilo puzzle [enigma/quebra-cabeças]. O


objetivo é desembaralhar peças para formar imagens que remetem à conquista e
colonização do continente americano. Conforme a imagem acima demonstra, bem como
outras que estão presentes no jogo, a colonização da América é entendida como um evento
que só fora possível graças ao ímpeto de Colombo, bem como as imagens remetem a uma
cultura visual sobre o “descobrimento” que retratam os colonizadores em posições heroicas
e os nativos como curiosos e encantados por estarem em contato com os europeus.
Também no ano de 1992 é lançado Discovery: In the steps of Columbus (Impressiones
Software, 1992). Mais uma vez o nome de Cristóvão Colombo é rememorado, fazendo
alusão à celebração ao momento histórico no qual o jogo fora produzido. O jogo conta com
um total de seis nações europeias jogáveis, portugueses, ingleses, holandeses, espanhóis,

81
Sobre a relação entre História e Memória são imprescindíveis os apontamentos de Le Goff (2013), sobretudo
aqueles presentes na Quarta Parte – A Ordem da Memória (p.387-492).

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franceses, genoveses e prussianos. Porém, apesar do número considerável de potências


europeias controláveis, o jogo não possibilita que sejam comandadas as nações ameríndias.
Três títulos lançados no ano de 1994 enfatizam a questão da colonização da América.
O primeiro deles, Discovering America: the adventure of Spanish exploration (Lawrence
Productions, 1994) [Descobrindo a América: a aventura da exploração espanhola], o
segundo é Exploration: Voyages of Discovery (Software 2000, 1994) [Exploração: Viagens do
Descobrimento] e o terceiro, que será analisado de forma mais detalhada a seguir, foi Sid
Meier’s Colonization (MicroProse, 1994) [Sid Meier Colonização].
Sobre o primeiro, Discovering America, o estilo do jogo também é point and click,
onde a trama do jogo é demonstrada através de diálogos e imagens e o jogador deve tomar
decisões que afetam o caminhar da história. O desenrolar do jogo segue o enredo de uma
caveira mágica que é trazida por Colombo após sua terceira viagem. O jogador se encaixa no
perfil de um aventureiro do século XVI que deve seguir essas pistas em busca de fama e
fortuna, viajando em naus e enfrentando perigos, como cavernas e nativos selvagens e
cruéis.
O segundo título, Exploration, é um jogo de estratégia que se concentra no
desenvolvimento colonial, sob a ótica do colonizador europeu, onde são abordados aspectos
que vão desde a partida da Metrópole e as situações que podem ocorrer durante a
navegação até a chegada em terra firme e o contato com os nativos.
Durante esse processo o jogador deve financiar viagens, recrutar a tripulação para os
navios, enviar exploradores por terra e por mar, fundar colônias e disputar com as demais
potências europeias a posse do novo mundo. Aqui, como os demais títulos, a ótica da
colonização é unilateral, impossibilitando que o jogador possa controlar as populações
ameríndias ou que obtenham êxito no jogo caso a empreitada colonial seja infrutífera.
Em 1996 é lançado Conquest of the New World (Interplay Entertainment Corp, 1996)
[Conquista do Novo Mundo], trata-se de um jogo de estratégia por turnos. O diferencial
deste em relação aos outros diz respeito tanto ao estilo de jogo como também à forma de
batalha utilizada, que acontece em um campo de batalha de 3x5 quadrados, onde as
unidades são posicionadas e podem se mover.

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Figura 2: Batalha entre franceses e iroqueses em Conquest of the New World

A vitória pode ser obtida de dois modos, nas batalhas após derrotar o exército
inimigo ou capturando a bandeira do adversário. Destacam-se os modelos utilizados para as
tropas dos colonizadores e também para a população nativa, pois até o lançamento deste
jogo, com exceção de Sid Meier’s Colonization, nenhum outro jogo tinha demonstrado em
aspectos visuais, um contingente tão diferenciado em relação aos povos nativos. As
transformações na qual me refiro são aquelas decorrentes do contato com o colonizador
como unidades montadas e índios armados com rifles e até elementos da cultura nativa,
como totens e pinturas de guerra. Destaco esses elementos porque em se tratando de um
jogo os aspectos visuais são essenciais para as representações presentes no jogo, e como
nos outros estavam ausentes eram traduzidos em uma invisibilidade do protagonismo
indígena.
As partidas são iniciadas com a tripulação dentro de um barco, o qual deve navegar
pelo oceano atlântico até encontrar terra. Após essa primeira etapa ser vencida, a aventura
colonial tem início, uma vez que esta terra não é desabitada e a população nativa não
aceitará passivamente a incursão de estrangeiros em suas terras ancestrais.

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A colônia passa a se desenvolver mediante as atitudes que são tomadas pelo


administrador colonial, que é controlado pelo jogador. A partir de suas decisões, os recursos
são administrados e podem ser utilizados para comprar mantimentos e produzir unidades,
como soldados que comporão o exército, ampliando o poder de fogo do jogador e tornando
a empreitada colonial mais fácil.
Somado a isso, estruturas físicas podem ser produzidas para gerar recursos, como
fazendas para produção de alimentos, fortes que auxiliam na defesa da colônia, a qual será
constantemente atacada tanto por nativos quanto por outras potências europeias.
Quatro anos se passam até outro título com a temática de colonização ser lançado,
trata-se da expansão de Age of Empires II: The Age of Kings (Ensemble Studios, 1999) [Era
dos Impérios II: A Era dos Reis]. Este fora lançado originalmente em 1999 enfocando o
período medieval. Já a sua expansão, lançada um ano depois, é intitulada Age of Empires II:
The Conquerors (Ensemble Studios, 2000) [Era dos Impérios II: Os Conquistadores] e amplia o
período histórico retratado no jogo para a época das grandes navegações, incluindo como
nações jogáveis os Astecas, Maias e Espanhóis, além dos Coreanos e Hunos que não se
encaixam na nossa análise.
Em 2003 inspirado no jogo Sid Meier’s Colonization é lançado FreeCol (The FreeCol
Team, 2003), um jogo em código aberto que pretende ser uma versão mais moderna do
Colonization original, com melhorias gráficas e mecânica de jogo mais próximas do contexto
atual. Como é um jogo de código aberto, o mesmo é distribuído de forma gratuita e
qualquer usuário pode contribuir para a sua melhoria, seja nos aspectos de tradução,
mecânica, conteúdo histórico ou na parte de programação. Atualmente está na sua versão
0.11.6, lançada em 17 de outubro de 2005.
O contexto da colonização da América foi retomado pela série Age of Empires cinco
anos após o lançamento daquela expansão. Em 2005 é publicado o terceiro jogo da série,
Age of Empires III (Microsoft Studios, 2005), tomando como ponto de partida o período da
expansão ultramarina europeia, enfocando o período aproximado de 1492 até 1876, a
perspectiva do jogo remodela os gráficos e mecanismos de jogo da própria série.

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ISSN:

Por fim, em 2008 é publicado um remake do Sid Meiers Colonization original, trata-se
de Sid Meier’s Civilization IV: Colonization (2K Games, 2008), basicamente o jogo é uma
releitura utilizando a engine do Civilization IV. As modificações ocorridas dizem respeito a
identidade visual, como a parte gráfica e mecânica do jogo, aproximando o jogo dos
modelos de jogos de estratégia condizentes com o século XXI. Os 12 títulos apresentados
colocam a colonização e todas as implicações contidas nesse processo como algo passível ser
vivenciado, transformando o passado em uma condição jogável. Entretanto algumas
questões, como a visão acerca dos colonizadores e dos colonizados, devem ser analisadas.

O Elogio da Colonização em Gold of the Americas, Sid Meier’s Colonization e Age of


Empires III

Na capa do jogo de Gold of the Americas: A Conquest of New World são destacados
os seguintes aspectos: a parte central conta uma caravela em alto mar, com velas vermelhas
e composta por 12 tripulantes, apresentando o título do jogo em letra dourada no topo; na
parte inferior esquerda conta com as informações requeridas para o jogo rodar e do lado
direito os nomes dos criadores Stephen Hart e Jan Crout.

Figura 3: Colonizadores controláveis em Gold of the Americas

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ISSN:

O objetivo do jogo é desenvolver e tornar próspera uma colônia europeia em solo


americano. Para que o objetivo seja alcançado o jogador deve, a cada turno, descobrir o
território nativo, efetivar a posse do território, enfrentar a população nativa, incentivar a
compra de mercadorias, produzir mantimentos, comprar escravos e enfrentar as outras
potências europeias que também estão presentes nessa empreitada colonial82.
Todas as ações são controladas pelo mouse e na tela aparecem os subsídios
necessários para o jogador, como o mapa, localizado no lado esquerdo, onde são destacadas
as descobertas territoriais, em verde, e aquelas que ainda necessitam de exploração,
marcadas com cinza. Por ser um jogo de estratégia por turnos, cada jogador toma um
conjunto de ações por vez, sendo possível administrar a colônia e conquistar o território dos
inimigos, sejam eles nativos ou as demais potências europeias.
O jogo tem a premissa de possuir um conteúdo histórico, buscando uma aproximação
com a realidade que ocorreu no passado. Nesse sentido, a instituição da escravidão africana
desenvolvida no comércio atlântico está presente no jogo. Ao longo deste, o jogador tem a
possibilidade de adquirir recursos para serem administrados e ampliar os domínios coloniais,
bem como a prosperidade da colônia, um destes recursos é o escravo negro africano, o qual
possui um valor inicial de $ 500, aumentando progressivamente baseado no modelo de
oferta e procura.

Figura 4: Escravidão e passividade negra em Gold of the Americas

82
A percepção da colonização é traçada por adjetivos sobre os outros colonizadores, que não devem conquistar o
território que deve ser do jogador. Caso o jogador escolha uma nação as demais serão percebidas como
treacherous spanishs [espanhóis traiçoeiros], diabolical frenchs [franceses diabólicos], perfidious englishs
[ingleses perfidiosos] e deceitful portugueses [portugueses enganosos].

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ISSN:

Há de se destacar que o ícone que representa a escravidão são duas mãos negras,
com punhos cerrados, presas por um grilhão. Essa imagem passa a ideia de passividade do
africano frente a escravidão, pois em nenhum momento do jogo os escravizados, que são
controlados pela inteligência artificial, rebelam-se ou tomam alguma atitude que vá de
encontro à administração colonial, reforçando essa ideia de passividade negra, visão que
desde os anos 1980, no Brasil, vem sendo contestada pela historiografia.
No desenrolar da partida, a cada turno, são apresentadas informações que dizem
respeito à administração colonial, dessa forma o jogador, que assume a empreitada da
colonização, encarrega-se de gerenciar os recursos a fim de dar cabo da organização das
colônias no novo mundo. Para tanto, o balanço das receitas é apresentado, mostrando se
houve lucro ou perda de recursos financeiros a cada começo de um novo turno.
Também são apresentadas as condições sociais e climáticas das colônias. Por
exemplo, quando um novo território é descoberto, a expedição que fora enviada para tomar
conhecimento e posse do novo território não retorna, é apresentada uma imagem com os
ossos de uma cabeça bovina, uma espada e uma cruz cavadas no chão e por cima desta um
urubu, elementos que simbolizam morte e abandono. Essas figuras reforçam a ideia de que
o território é selvagem e hostil ou desabitado, em ambos os casos a justificativa das ações é

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a mesma, a necessidade da colonização. A busca por novos territórios é incentivada pelo loot
[saque], uma vez que determinados territórios podem proporcionar recursos para os
colonizadores, cujos valores variam entre $ 800 e $ 1200, tornando-se além de uma etapa
para vencer o jogo uma fonte de riqueza.
Além disso são destacadas as relações entre Coroa e administração colonial, pois a
cada turno o jogador é obrigado a doar uma parte dos produtos para os cofres da
Metrópole, momento em que aparece a sugestiva imagem de um rei feliz por sua colônia
gerar riquezas.
Outro aspecto destacado diz respeito ao Secret Service [Serviço Secreto], uma espécie
de rede de espionagem, em que agentes frequentam as cortes e colônias rivais das outras
potências europeias e roubam segredos administrativos, como mapas e rotas desconhecidas
para o jogador, como por exemplo, o Pacífico.
Outro jogo que também se encaixa nessa perspectiva de elogio à colonização
europeia no continente americano é Sid Meier’s Colonization83. Na capa do jogo está
presente o título e uma imagem, uma nau aparece como figura central, porém com um
elemento diferente, as velas possuem o formato e as cores da bandeira dos Estados Unidos,
na qual alguns tripulantes a escalam. Acima do título está a inscrição “The Tradition of
Civilization Continues” e logo abaixo um chamado “Create a New Nation”. O primeiro termo
adquire um significado ambíguo, pois pode ser interpretado tanto como a continuação do
estilo de jogo criado por Sid Meier, Civilization, como um significado simbólico, na medida
em que a tradição da civilização deve continuar, uma vez que, na lógica da colonização, o
colonizador percebe-se como superior ideológico, étnico e militarmente, subjugando o
colonizado. E a segunda inscrição confirma essa ideia, uma vez que é necessária a criação de
uma nova nação em uma terra que, apesar de possuir habitantes, deve ser colonizada.

83
Para uma compreensão mais sistemática da História dos Jogos Eletrônicos para o Computador, os
historiadores devem perceber a importância das produções desenvolvidas por Sid Meier (Sidney K. Meyer). Ele
foi responsável pelo desenvolvimento de inúmeros jogos que marcaram época e modificaram de forma
considerável o desenvolvimento de jogos para o computador, pois ainda hoje servem de inspiração para diversos
outros títulos e gêneros distintos. Sid Meier tem aproximadamente 50 títulos desenvolvidos, mas só para ficar
com aqueles que levam o seu nome podemos citar Railroad Tyccon, Civilization, Pirates Colonization, Air
Patrol.

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O enredo do jogo encaixa-se no período da Expansão Ultramarina Europeia, o marco


temporal que inicia as partidas é o ano de 1492 – mesmo ano da chegada dos europeus ao
“Novo Mundo”. A premissa do jogo é controlar uma das 4 nações disponíveis, fundar e
desenvolver uma colônia no continente americano.
Assim como em Gold of the America, em Sid Meier’s Colonization o jogador tem a sua
disposição quatro potências europeias jogáveis, podendo escolher
entre Inglaterra, França, Espanha e Holanda (que substitui Portugal no outro jogo). Cada
uma delas possui um bônus específico que remete a um tipo de prática colonial
desenvolvida em contato com os nativos. Por exemplo, os ingleses recebem bônus
por imigração – o que garante mais pessoas livres dispostas a emigrar, já os franceses
ganham o bônus da cooperação – que melhora a relação com os nativos na compra de terras
ou na conversão destes, por sua vez os holandeses possuem o bônus do comércio – o que
facilita as relações comerciais com a Metrópole, as outras potências e com os nativos, e por
fim os espanhóis têm o bônus da conquista – que adiciona vantagens militares no
enfrentamento contra os indígenas, fortalecendo os ataques dos conquistadores .
As partidas podem ser disputadas em dois tipos de mapas: histórico ou novo mundo.
O primeiro é o original do jogo, uma representação do continente americano, com a
presença dos povos nativos em suas especificações geográficas, como, por exemplo, os Tupis
no Sul e os Apache no Norte. E o último é o modo aleatório que pode ser personalizado em
alguns aspectos como clima e relevo, dando a escolha ao jogador de descobrir um novo
mundo que é moldado de forma aleatória pela inteligência artificial, colocando os nativos
em posições diferenciadas.
Começando com um barco e duas unidades somente, temos no horizonte o imenso
oceano, que vai se revelando na medida que o barco navega, removendo o fog of war
[poeira de guerra]. Quando, finalmente, é descoberta a terra – o que leva em média 2 ou 3
turnos, ela pode ser batizada com um nome que fica a critério do jogador, afinal a ideia do
jogo, como o próprio nome sugere, é a colonização.
Em Colonization cada unidade pode dar origem a uma nova colônia, o que facilita o
aumento de recursos e a expansão pelo território. As colônias vão crescendo e melhorando

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cada vez mais, ao ponto de tornarem-se autossuficientes – o que é bem difícil, pois o Rei de
cada nação aumenta os impostos e exige cada vez mais o pagamento deles. Quando a
colônia não paga os impostos, o comércio daquele produto específico com a metrópole fica
impedido, e a monarquia sabendo dos interesses da colônia aumenta as tropas, evitando
uma provável revolta colonial.
Pela lógica da expansão ultramarina outras nações também compartilham do
interesse de colonizar o “novo mundo”, e esse aspecto também se faz presente no jogo. A
nação escolhida pelo jogador não fica sozinha na partida, as outras três também estão
presentes, disputando a relação com os nativos, o comércio transatlântico e a posse da terra
– essas tensões ampliam a dificuldade do jogo.
O objetivo do jogo é a independência colonial, aumentando os anseios de liberdade
na mesma medida em que são cortadas as dependências com à Metrópole. Porém, como
bem destacaram Mir e Owens (2013, p.94), os jogadores estão fadados a “reenact the
colonial history of the United States of America. While players cannot avoid this win
condition84” (MIR; OWENS, 2013, p.94), impossibilitando uma nova leitura do período citado.
Quando as colônias estiverem financeiramente prósperas, os anseios por liberdade
se tornarão cada vez mais possíveis, para isso basta ter uma boa relação com os vizinhos,
nativos ou outras potências coloniais, o que favorece o comércio, e, principalmente, um
exército bem equipado. A guerra pela independência será total, a metrópole moverá todos
os meios e tropas possíveis para conter a revolta, inclusive as demais opções de produção
serão canceladas, mobilizando o jogador para a independência.
Na capa de Age of Empires III aparece o título do jogo com o numeral três em
algarismos romanos divididos por três perspectivas distintas. O primeiro conta com um
nativo americano portando uma machadinha na mão direita e um rifle na esquerda, no meio
um soldado colonial inglês, e na terceira letra um conquistador espanhol, atacando. O plano
de fundo da capa é um campo de batalha onde são representadas tropas britânicas
enfrentando exércitos rebeldes das 13 colônias, que estão lutando por sua independência.

84
Reencenar a história Colonial dos Estados Unidos da América. Enquanto os jogadores não podem evitar essa
condição de vitória (tradução nossa)

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Em Age of Empires III o jogador é levado a controlar oito civilizações disponíveis,


Espanhóis, Ingleses, Franceses, Portugueses, Holandeses, Russos, Alemães e Turcos-
otomanos. Posteriormente são lançadas duas expansões, a primeira em 2006 acrescenta
três povos ameríndios, Astecas, Apaches e Siouxs como nações maiores e a segunda em
2007 acrescenta três nações asiáticas, Japoneses, Coreanos e Indianos.
O jogo conta com uma diferenciação acerca dos povos, divididos em nações maiores
que são controladas pelo jogador ou pela inteligência artificial, com organização social,
estruturas e unidades próprias e as nações menores, que fazem parte de determinados
mapas e possuem alguns benefícios para o jogador, como bônus e unidades individuais,
porém não se configuram como uma nação jogável especificamente.
Dentre as nações menores estão Caribenhos, Cheroquis, Comanches, Crees, Incas,
Iroqueses, Lakota, Maias, Nootka, Seminoles e Tupis. Na primeira expansão foram
acrescentados Zapotecas, Hurões, Cheienes, Mapuches, Navajos e Klamaths.
Os jogos destacados enfatizam a visão e a versão da colonização por um olhar
eurocêntrico e unilateral, uma vez que, com raras exceções, a visão dominante diz respeito
ao processo de colonização sob a ótica do conquistador, que deve efetivar a posse do
território e subjugar a cultura do outro, independente das adversidades que são impostas ao
longo do jogo. Dessa forma o passado é pensado como um processo visto apenas sob o olhar
do vencedor, impossibilitando outras interpretações e favorecendo o lado do colonizador,
pois as regras dos jogos e as visões históricas presentes nos mesmos colocam a colonização
e a derrota dos nativos como um processo necessário para que o jogador vença a partida.

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Tabela 1: Estados-Nações controláveis nos Jogos analisados

Espanha França Holanda Inglaterr Itália Portugal Prússia


a

Gold of the
Americas X X X X
(1989)

Galleons of
Glory X X X X X
(1990)

Discovery in
the Steps of
X X X X X X X
Columbus
(1992)

Exploration*
X X X X X
(1994)

Sid Meiers
Colonization X X X X
(1994)

Conquest of
the New X X X X
World (1996)

AOE II: The


Conquerors X X X X
(2000)

FreeCol **
X X X X X
(2003)

Age of
Empires III
*** X X X X X X

(2005)

Civilization
IV: X X X X
Colonization

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ISSN:

(2008)

* Em Exploration o jogador pode escolher um navegador que representa as nações. Dentre eles estão Cristovão
Colombo (Espanha), Vasco da Gama (Portugal), Le Maire (Holanda), James Cook (Inglaterra) e Bougainville
(França).
** Além das citadas, FreeCol acrescenta Dinamarca, Suécia e Rússia.
*** Além das nações destacas Age of Empires III conta com a presença da Rússia e Turquia. Além do que a
Prússia é retratada como Alemanha.

Ameríndios

Em Gold of the Americas as populações nativas são colocadas como inimigos em


comum ao objetivo final do jogo, que consiste no processo de conquista, posse e colonização
do continente americano. Nesse jogo os ameríndios são tratados de forma genérica,
possuindo apenas duas diferenças, a localização geográfica e a nomenclatura, salvo essas
duas características, os mesmos são retratados como inimigos a serem derrotados,
impossibilitando outra forma de contato, seja de forma pacífica ou estabelecendo relações
comerciais. Temos como exemplo os Tupinambás na Bahia, Potiguares em Pernambuco,
Tupis na Amazônia e Ciboneis nas Índias Ocidentais, sem nenhum outro aspecto que os
distinga, histórico ou social.
Já em Sid Meier’s Colonization aparece uma mudança significativa em relação as
representações dos povos nativos, uma vez que estes são diferenciados em aspectos
distintos, como perfil, psicologia, identidade visual e organização própria.
Colonization possibilita o contato com oito povos nativos diferentes: Tupis, Aruaques e Incas
na parte meridional da América e Apaches, Sioux, Astecas, Cheroquis e Iroqueses na parte
setentrional do continente.
Dentro do jogo, os nativos são categorizados de acordo com um perfil, por exemplo
os Astecas e Incas destacam-se por serem mais evoluídos, possuindo mais riquezas e um
número maior de cidades. Já os Tupis são os mais violentos, qualquer atitude do colonizador
pode ser interpretada como um sinal de guerra, e são tratados como traiçoeiros, atacando a
colônia sem “nenhum motivo aparente”.
Essa diferenciação também remete a determinados aspectos ideológicos. Um deles,
destacado por Mir e Owens (2013), diz respeito à mudança no modelo dos nativos após o

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contato com os europeus, possibilitado através de duas vertentes, bárbaro e civilizado. No


primeiro, o personagem é modificado através do contato com os mosquetes e também com
os cavalos, o que aumenta o poder de fogo da unidade, e o segundo é quando alguma
unidade se converte, abandonando a aldeia e partindo para a colônia, adotando roupas que
seguem o padrão do colonizador, ou seja, aceitando a lógica do colonizador.
Outro aspecto a ser destacado diz respeito a uma hierarquia tecnológica sobre a
população nativa presente no jogo. Sob a ótica da organização social os povos são
categorizados como nômades, seminômades e evoluídos. Os primeiros são os tupis e os
últimos são os Astecas e Incas, porque encontram-se em cidades, colocando o modelo de
organização citadina como superior as demais formas de organização social.
Apesar do jogador navegar, comercializar e conquistar novos territórios, este
continua sendo estrangeiro em um solo desconhecido, e os donos da terra reagirão
conforme as atitudes tomadas pelo jogador. Inicialmente, o contato com os nativos é
pacífico, entretanto o líder indígena deixa claro que os estrangeiros são bem-vindos desde
que respeitem a terra e continuem em grupos pequenos.
A relação com os nativos pode ser desenvolvida de duas formas distintas, de uma
maneira amigável ou na forma violenta. Na primeira delas os nativos oferecerão presentes
em troca de produtos que eles não possuem – a prática do escambo, ampliando as relações
comerciais e o desenvolvimento das colônias. Porém, também existe o caminho da violência,
que por motivos morais é desaconselhada pelos desenvolvedores do jogo, uma vez que a
cada povoado indígena destruído o jogador soma pontuações negativas no score final da
partida.
De todos os jogos apresentados, Age of Empires III85 apresenta uma maior
pluralidade de nações indígenas. Ao todo o jogo possui 20 povos indígenas, divididos em três
nações maiores (Astecas, Sioux e Apaches), controlados pelo jogador enquanto civilizações e
17 nações-menores, divididas de acordo com a opção do mapa, incluindo benefícios e
unidades extras para os jogadores.

85
Em Arruda (2009) é possível perceber como alguns jogadores relacionam o conteúdo histórico aprendido em
sala de aula durante as aulas de História com estratégias desenvolvidas durante as partidas para obterem sucesso
no jogo.

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Figura 4: Aldeia Tupi com uma feitoria em Age of Empires III

Essa representatividade contrasta com a ideia de contato intercultural presente no


jogo, apesar do elogio da colonização e toda a violência material e simbólica implícita nesse
processo, em Age of Empires III as relações com os povos nativos são amenizadas, pois
quando o jogador controlando a unidade do explorador entra em contato com alguma nação
menor ele pode construir uma feitoria, uma estrutura que possibilita ter acesso aos
benefícios e tecnologias daquele povo.
A questão levantada diz respeito ao processo de romantização dessas relações, uma
vez que as tensões sociais envolvidas nesse processo são diluídas, transformando as nações
menores em sujeitos passivos da vontade colonial, além do que a troca é feita de maneira
unilateral, na medida em que somente os colonizadores adquirem benefícios nessas trocas,
as nações menores ficam imóveis, sem passar por um processo de expansão ou troca
material com os colonizadores.

Considerações Finais

Jogos Digitais com temáticas históricas estão se transformando em objetos de estudo


dos historiadores por terem alcançado uma grande progressão em meio ao público em geral,

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podendo ser entendidos como um aspecto do debate atual sobre história pública e
ampliando também o leque de discussões contemporâneas da história do tempo presente.
Os títulos sugestivos dos 12 lançamentos realizados entre quase três décadas (1989-
2008) remetem a uma visão historiográfica em que é valorizado o processo de colonização
europeia no continente americano, assemelhando a Expansão Ultramarina Europeia com um
período de aventura, onde a “descoberta de um novo mundo” despertou o interesse de
indivíduos ousados e dotados de um sentido colonizador, e estes aspectos devem ser
explorados, pois a busca por riquezas e tesouros em uma terra diferente levará ao poder e
riqueza daqueles que se aventurarem nessa empreitada.
A possibilidade de jogar um acontecimento repleto de controvérsias como a
expansão ultramarina europeia enfatizando os aspectos da colonização da América
demonstra como a sociedade se relaciona com o seu passado. Estamos diante de um novo
regime de historicidade? Ou esses posicionamentos demonstram uma outra faceta do
presentismo? As questões levantadas aqui não pretendem responder essa questão, mas sim
levantar novos questionamentos que fomentam o debate sobre essa temática.
Dessa forma os jogos são uma fonte indispensável para entendermos como nos
relacionamos com o nosso passado, buscando compreender como a história de um povo ou
de um evento, como a colonização da América, é contada em outros aspectos que não sejam
o campo historiográfico. No campo da História, os Jogos com temáticas históricas estão
sendo analisados e entendidos não como apenas uma forma de entretenimento que data do
final do século XX e início do século XXI, mas também porque demonstram como a
consciência histórica de uma sociedade é formada, ou seja, a forma como uma sociedade
entende e se relaciona com o seu passado.

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Livros e Capítulos de Livros

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

UM OLHAR SOBRE O MUSEU INDÍGENA JENIPAPO-KANINDÉ: MEMÓRIA E


IDENTIDADE ÉTNICA

FREITAS, Thaynara Martins


Universidade Federal de Campina Grande
thaynara_mf@hotmail.com

Introdução

No decorrer das últimas décadas, um novo elemento tem surgido ou sido adotado por
diversos grupos étnicos no Brasil, o museu de gestão comunitária. O museu teria sido
“descoberto pelos índios” como uma potencial ferramenta de reconstrução da memória,
contribuindo no processo de reelaboração e fortalecimento da identidade étnica, sendo
assim, um mobilizador político e educacional. A proposta do presente artigo é apresentar
um breve resumo da pesquisa antropológica realizada durante o mestrado pelo Programa de
Pós-Graduação em Antropologia da Universidade da Paraíba, e que teve por objeto a
experiência museológica vivenciada pelos Jenipapo-Kanindé, grupo indígena situado no
município de Aquiraz, Região Metropolitana de Fortaleza.
Portanto, o foco deste trabalho é uma síntese de alguns pontos abordados no resultado
final da dissertação que se centraliza no Museu Indígena Jenipapo-Kanindé, compreendido
como uma experiência museológica idealizada e gerida pelos próprios membros da
comunidade, junto a parceiros especialistas e indigenistas.
Conceitos como ecomuseus, território musealizado, gestão comunitária e o processo de
idealização e constituição do museu em questão, serão aqui pincelados. Iniciaremos com
uma breve exposição da relação entre antropologia e museus para melhor contextualizar a
temática, até chegarmos a discussão proposta, Museu Indígena Jenipapo-Kanindé.

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1. Antropologia e museus

Inicialmente, a relação entre antropologia e museu versava sob a busca da primeira


de se reafirmar enquanto ciência, em detrimento às ciências naturais e o positivismo. Nesse
contexto, os estudiosos tinham nos “objetos nativos” as evidencias empíricas que
comprovavam os resultados das pesquisas sobre a existência de culturas “inferiores”,
provando a teoria da evolução. Assim, esse primeiro período da relação entre ciência e
museu é denominado por Abreu (2007) como “antropologias reflexivas e museu de ciência”.
Posterior a este primeiro período, surge o que Abreu (2007) denominou como
“antropologias da ação e museus como instrumento de políticas públicas”. Essa nova relação
entre antropologia e museu aparece a partir da mudança na perspectiva antropológica, na
qual passa a valorizar os aspectos simbólicos das culturas, exaltando assim a diversidade
cultural. Sob essa nova perspectiva, a antropologia e o museu seriam instrumentos de luta
política e estariam preocupados em mostrar os problemas vividos pelos povos nativos do
país. Desta maneira, não focaria em apresentar os povos indígenas como “exóticos” ou
“inferiores”, mas, abordavam através dos objetos, como os diferentes povos indígenas
enfrentavam seus problemas e buscavam a sua subsistência dentro da realidade das regiões
em que habitavam.
O terceiro e último momento da relação entre antropologia e museu é apresentado
pela autora como “antropologias nativas e museus como estratégias de movimentos
sociais”, trata-se da “descoberta” do museu pelos índios. Esse momento é o vivenciado
atualmente por diversos grupos indígenas do Brasil, a constituição de museus dentro das
comunidades indígenas.
A partir de diferentes intervenções, parcerias e orientações, os espaços museológicos
têm sido construídos dentro de comunidades indígenas e minoritárias, e gerenciados por
eles. Ou seja, os grupos indígenas participam diretamente do processo constitutivo do
museu e de sua gestão. Todos os objetos que constituem estes espaços são pensados e
selecionados a partir de estudos históricos documentais e orais, com buscas nas memórias
locais, através de conversas e entrevistas com os guardiões, são selecionados objetos que
representem as experiências vivenciadas pela comunidade.

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Essa experiência museológica se encaixa no que Clifford (2003, p. 269) define como
“museologia cooperativa” que se contrapõe a “museologia colonial”, característica dos
museus históricos tradicionais. A “museologia cooperativa” pressupõe que há um
compartilhamento das decisões e ações sobre o museu, assim, a comunidade não apareceria
apenas como “informantes” a serem consultados, mas haveria uma parceria entre indígenas
e profissionais envolvidos na constituição e administração do museu.
Estes museus se caracterizam por serem espaços em que a comunidade é
protagonista do que se conta, se diferenciando dos museus tradicionais que, muitas vezes,
omitem, modificam, “primitizam”, ou secularizam a participação desses grupos na história
da formação do Brasil.
Assim, o museu enquanto instrumento de representação de uma história, cultura,
identidade e memória, ganha uma nova roupagem. Não mais os museus históricos tem o
domínio sobre a história nacional, os diferentes povos minoritários e/ou indígenas
perceberam no museu um forte aliado para afirmar, reafirmar e apresentar seu
protagonismo histórico, sua cultura, história e identidade. O museu indígena surge no
cenário social como um elemento fortalecedor da luta política e da organização social desses
povos indígenas.
O Museu Indígena Jenipapo-Kanindé se insere nesse novo contexto da museologia. A
partir da parceria e orientações de diferentes personagens e instituições foi constituído este
museu como lócus de memória em que se apresenta e representa a história, a cultura, os
modos de fazer e saber, portanto, elementos que formam a identidade étnica Jenipapo-
Kanindé, através de objetos selecionados especificamente e cuidadosamente para este fim.

2. Museu Indígena Jenipapo-Kanindé

O Museu Indígena Jenipapo-Kanindé, segundo os próprios responsáveis pela página


virtual do museu no site de relacionamentos Facebook, é um processo em construção da
comunidade indígena, onde a identidade étnica é ressignificada através das memórias
imaterial e material (objetos expostos que representam a cultura indígena Jenipapo-
Kanindé). Este texto exposto na rede social se trata de um trecho retirado do projeto

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elaborado em diálogo com os mediadores do Projeto Historiando e submetido ao edital


Ponto de Memória do Instituto Brasileiro de Museus – IBRAM, afirma que:

O Museu Indígena Jenipapo Kanindé é um processo em construção no


interior de nossa comunidade, onde a nossa identidade étnica indígena é
ressignificada através da memória dos/nos objetos. Nossas ações e projetos
estão relacionados com processos educacionais, de mobilização política e de
organização sócio-comunitária, não se constituindo como um museu “sobre”
os Jenipapo Kanindé, mas dos próprios Jenipapo Kanindé. A terra herdada de
nossos antepassados, a Lagoa da Encantada, junto com sua mata
circundante, são as fontes de nossa sobrevivência física e cultural, espaços
sagrados onde moram nossos mitos e encantos ancestrais. Assim, não
restringimos nosso museu às nossas salas de exposição, é parte dele tudo o
que existe sobre o nosso território e no seio da nossa comunidade, são
nossos saberes e fazeres, nossas lendas e encantamentos, nossas celebrações
e rituais, nosso jeito de ser e viver.
(http://www.facebook.com/pages/Museu-Ind%C3%ADgena-Jenipapo-
Kanind%C3%A9/451868561507747)

Para Gomes e Vieira Neto (2009), os museus indígenas se aproximam dos chamados
ecomuseus. Para definir o que são ecomuseus, os autores citam a museóloga Cristina Bruno,
que também é citada por Duarte Cândido, definindo-o como “um processo estabelecido a
partir das seguintes variáveis: o território, o patrimônio multifacetado constituído sobre este
espaço e uma comunidade, uma população, que viva nesse território interagindo com esse
patrimônio”, ou seja, ecomuseus são:

espaços que interpretam a natureza como parte da cultura e


o homem como parte da natureza. Nessa perspectiva, a
comunidade é vista como patrimônio que também deve ser
preservado, assim como seus saberes e modos de fazer. A
preservação ocorre de maneira integrada e a comunidade
vive num território musealizado (GOMES E VIEIRA NETO,
2009, p. 27)

Apesar dos museus indígenas serem uma proposta de criação e gestão feita pelas
próprias comunidades, não se pode deixar de refletir sobre a participação e influência das
políticas públicas de incentivo a memória e a cultura do Estado, destaca-se aqui o próprio

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Museu Indígena Jenipapo-Kanindé que, como apresentado anteriormente, submeteu um


projeto ao edital do Programa Ponto de Memória, política pública de incentivo a criação e
manutenção de espaços de memórias comunitárias. O que foi pontuado anteriormente,
através da definição de Clifford (2003) “museu cooperativista”.
Além da característica de “museu cooperativista”, o Museu Indígena Jenipapo-
Kanindé também se apresenta por ser um museu comunitário, significa que, apesar de
receber instruções e orientações de profissionais de museologia e áreas afins, a
administração do museu e suas atividades se concentra em membros da comunidade, ou
seja, gestão comunitária.
O Museu Indígena Jenipapo-Kanindé, como os demais museus com estas orientações,
teria a finalidade de apresentar ao público, indígena e não-indígena, o discurso histórico a
partir da ótica e memória de experiências vividas por cada comunidade, desta forma,
descentralizando o monopólio do discurso histórico, sempre proferido por uma classe
dominante que podem desvirtuar, omitir ou vitimizar a participação dos diversos grupos
indígenas na história brasileira. Assim, os índios “querem deixar de ser apenas um objeto
“musealizável”, para se tornarem também agentes organizadores de sua memória” (FREIRE,
2003, 250).

1.1 A experiência do Museu Indígena Jenipapo-Kanindé

De acordo com Heraldo Alves, o Preá, coordenador do Museu Indígena Jenipapo-


Kanindé, a idéia de se criar um espaço de memória dentro da área indígena dos Jenipapo-
Kanindé teria surgido com a Cacique Pequena, porém, este desejo não teria tido
oportunidade de ser colocado em prática.
A partir da participação de alguns membros representantes da comunidade no
“Seminário Emergências Étnicas: índios, negros e quilombolas construindo seus lugares de
memória”, realizado em 2009 - que consistiu em discutir a criação de memoriais e museus,
potencializar e estruturar centros culturais já existentes e deliberar propostas de políticas
públicas acerca de museus, patrimônio e memória referentes às comunidades étnicas no
Ceará, além de realizar um diagnóstico participativo dos museus étnicos até então existentes

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no estado com o objetivo de apresentar propostas de reorganização e reestruturação desses


espaços -, que o interesse entre os Jenipapo-Kanindé em criar o museu foi potencializado.
Durante o seminário foi apresentado por Alexandre Gomes o diagnóstico
participativo, coordenado por este e por João Paulo Vieira Neto, realizado entre os anos de
2008 e 2009 pelo Sistema Estadual de Museus do Ceará, vinculado à Secretária de Cultura –
Secult. As comunidades visitadas por esse primeiro projeto participaram deste evento maior
com o objetivo de elaborarem propostas encaminhadas à Secult que recebeu recursos
financeiros do Governo do Estado do Ceará destinados à construção de espaços museais e
memoriais destas comunidades envolvidas no seminário. Nesta primeira oportunidade o
projeto elaborado pelos Jenipapo-Kanindé não foi contemplado.
Entretanto, a partir de outra parceria, se deu início ao trabalho de sensibilização e
articulação para a criação do museu na comunidade. Em abril de 2010, através do convite da
Associação de Amigos do Museu Sacro São José do Ribamar de Aquiraz e do Museu do
Ceará, foi realizada uma pesquisa que resultou na exposição De Cabeludos da Encantada à
Jenipapo-Kanindé: cultura, memória e organização étnica no Ceará Contemporâneo e no
seminário homônimo, realizado devido ao Dia do Índio em 2010.
A exposição de objetos, fotografias e documentos foi montada no anexo do Museu
Sacro São José de Ribamar, entre o período de abril a junho de 2010 e divido em três
módulos: memória, história e organização étnica. Registrava e divulgava a memória indígena
no Ceará, tanto do passado como do presente, a partir da trajetória dos “Cabeludos da
Encantada” e de sua diferenciação cultural, até o processo de organização étnica e política
dos Jenipapo-Kanindé.
A partir dessa primeira iniciativa prática de exposição da memória deste grupo
étnico, se deu início ao processo que desencadeou na criação e construção do Museu
Indígena Jenipapo-Kanindé.
A segunda articulação importante para a criação do espaço de memória dos
Jenipapo-Kanindé se deu a partir da parceria entre o Projeto Históriando, a Rede Tucum
(Rede Cearense de Turismo Comunitário) e Terramar que visava a elaboração da pesquisa sobre
e patrimônio cultural em comunidades litorâneas no Ceará. Tal pesquisa tinha o objetivo de

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construir espaços de memória locais. Assim, em julho de 2010, se deu início ao curso
Historiando os Jenipapo-Kanindé que envolvia jovens e adultos da comunidade e buscava
registrar a memória local através de conversas e entrevistas com os guardiões da memória,
pesquisas com documentos históricos e jornalísticos, localizados na Pastoral Indigenista, no
Jornal o Povo e no Acervo da Associação Missão Tremembé, além da coleta de objetos e
fotografias que representam a identidade étnica e a luta política deste grupo, formam o
acervo constituído no museu hoje. Portanto, se tratava de pesquisas históricas coletivas a
fim de elaborar um inventário participativo do patrimônio cultural da comunidade.
Posteriormente, se iniciou o processo de estruturação do espaço físico que abrigaria todos
os objetos e demais artefatos coletados durante o curso Historiando os Jenipapo-Kanindé.
O espaço físico do museu foi reformulado e montado com recursos recebidos através
do Prêmio Ponto de Memória, em 2011, projeto do IBRAM, que premia projetos
relacionados à cultura e ações socioeducativas, tanto de entidades já existentes ou em fase
de construção.
Assim, os objetos da primeira exposição De Cabeludos da Encantada à Jenipapo-
Kanindé: cultura, memória e organização étnica no Ceará Contemporâneo foram
incorporados às fotografias, painéis de caráter histórico e outros objetos obtidos durante o
curso, completando o acervo a ser exposto no Museu Indígena Jenipapo-Kanindé. A partir da
política educacional proposta pelo Projeto Historiando, a nova exposição de longa duração
foi escolhida de forma colaborativa entre os mediadores do projeto e os índios Jenipapo-
Kanindé participantes do curso.
Como parte do curso ofertado por meio do Projeto Historiando houve a formação de
20 jovens educadores. Participaram também do Curso em Museologia Social, ministrado por
João Paulo Vieira Neto, realizado pela ADELCO e patrocinado pela Petrobrás, através do
Projeto Etnodesenvolvimento – Ceará Indígena, que capacitou os jovens envolvidos, com o
projeto Qualificação do Museu Indígena Jenipapo-Kanindé para o Turismo. Outros cursos de
capacitação como de inglês, história, ministrado pela Cacique Pequena e tupi foram
ministrados por meio do mesmo projeto.

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A inauguração do Museu Indígena Jenipapo-Kanindé foi realizada no dia 03 de


setembro de 2010 e anualmente se realiza a Festa do Museu Indígena Jenipapo-Kanindé, em
comemoração a inauguração do museu. A quarta festa, realizada em 2014, se caracterizou
pela presença de representantes de instituições indigenistas, da Petrobrás, de outras etnias
do Ceará e estudantes. Inicialmente, foi apresentado o histórico da criação do museu,
exposto neste capítulo, em seguida se abriu espaço para breves falas dos convidados
presentes a mesa de abertura, formada pelos representantes das instituições e dos grupos
indígenas. Por fim, se realizou uma intensa roda de Toré com a participação de todos os
presentes na festa e findou com comidas típicas e mocororó.

1.2 Descrição do Museu Indígena Jenipapo-Kanindé

Resumidamente, pode-se apontar que a TI Lagoa Encantada se constitui em uma


região de extremos atrativos naturais, litorânea, com dunas, mangues, praias paradisíacas e
algumas isoladas, se concentrando, assim, numa área potencial para o turismo, atraindo
grandes investimentos turísticos. Desta forma, o grupo indígena Jenipapo-Kanindé, inserido
nesta realidade, de maneira involuntária, cercado por empreendimentos turísticos, passou a
investir, através de algumas parcerias, no turismo comunitário. Assim, uma pequena
estrutura física foi instalada, como a construção de uma pousada, trilhas ecológicas que tem
os lugares tradicionais como pontos de referencias, além de divulgação por meio virtuais,
capacitação de jovens educadores. E o Museu Indígena Jenipapo-Kanindé está inserido nessa
experiência turística.

O Museu Indígena Jenipapo-Kanindé se encontra numa sala da pousada comunitária


e elegida para este fim, abarca a exposição de caráter permanente de objetos, painéis e
fotos selecionados para representar a memória, história e cultura dos índios Jenipapo-
Kanindé, assim como apresentado, anteriormente, no processo constitutivo do museu.
Desta maneira, reforça a aproximação com a característica de ecomuseu salientada
por Gomes e Vieira Neto (2009), a natureza preponderante no território Jenipapo-Kanindé,

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aliada aos lugares sagrados, modos e fazeres da comunidade, são tidos como patrimônio
integralizados, além do próprio museu, formando assim, o chamado território musealizado.
O Museu Indígena Jenipapo-Kanindé está constituído de alguns poucos objetos
localizados na parte central para o final da sala e, nas quatro paredes da mesma, estão fotos
de lideranças; de fazeres da comunidade, como a pesca; de lugares sagrados e outras
regiões do TI Lagoa Encantada, além de painéis com textos informativos, jornalísticos e um
mapa que localiza as comunidades dos grupos indígenas do estado. Já os artefatos, se
caracterizam por representar um pouco das atividades culturais e econômicas da
comunidade, como por exemplo, uma panela de barro antiga, encontrada e doada por uma
anciã, rede de pesca, almofadas de renda, chocalhos e outros instrumentos musicais e de
caça. Os objetos, fotos e painéis expostos, contemplam os aspectos culturais, históricos e a
liderança feminina, assim, a coleção exposta no museu documenta a história e cultura
Jenipapo-Kanindé.
O museu surge como experiência “descoberta” pelos índios, de diferentes etnias e
lugares do mundo, como ferramenta que reforça a identidade étnica Jenipapo-Kanindé, pois
ele representa e sintetiza, através de objetos e seus significados, a cultura e a história de um
povo, guardada em sua memória social e oral pelos chamados guardiões.
Clifford (2003, p. 271) aponta algumas características que marcam o “museu tribal”,
sendo assim, resumidamente, as propostas apontadas pelo autor e que podem ser aplicadas
ao Museu Indígena Jenipapo-Kanindé são:
1. ser um museu de resistência, os artefatos expostos refletem experiências de um
passado e combates atuais;
2. a distinção entre arte e cultura é frequentemente considerada fora de proposito ou
abolida;
3. existe interpelação entre a história geral/local e a história da comunidade;
4. a coleção não procura incorpora-se ao patrimônio nacional ou de arte.

O Museu Indígena Jenipapo-Kanindé tem por coleção, objetos que representem a cultura
e história vivenciada, guardada na memória social da comunidade que se fazia oral por seus

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membros mais velhos, com a não tradição da documentação escrita, o museu surge como
elemento de salvaguardo desta memória, com o intuito de não a deixar “perder”. Assim, os
objetos expostos representam a situação de resistência vivida por estes, tanto do passado,
exemplificados por algumas poucas peças e painéis históricos, como do presente,
representados principalmente e em painéis jornalístico e fotografias.
Expõe-se uma história e cultura que busca ser midiatizada para que se tenha a
oportunidade de ser conhecida e reconhecida, para que sua experiência e identidade étnica
diferenciada sejam aceitas e respeitadas, e que seus direitos sejam cumpridos. Assim, o
museu indígena expressa uma política de resistência da comunidade.
Enquanto a noção estética ou de arte, esta não aparece como importante dentro do
Museu Indígena Jenipapo-Kanindé, ao que se foi observado, não tem seus artefatos como
obras-primas, mas surgem como representantes históricos, expressando a tradição, a
cultura, a identidade e a política local, e não como objetos artísticos.
O dialogo entre história local e história da comunidade se faz presente na exposição
do museu, principalmente nos painéis históricos que abordam um pouco da história local,
enfatizando a descendência dos índios Jenipapo-Kanindé, a negação da presença indígena no
Ceará, o processo de emergência étnica que acontece no estado e o contexto mais atual no
qual o grupo está inserido, como o movimento politico de luta e resistência. Todo esse
arcabouço histórico, apresentado no museu, serve para explicar e comprovar que os grupos
indígenas não são uma invenção ou que eles não existem mais, seja porque um dia já foi
confirmado a sua não existência, seja porque não possuem mais as características esperada
para o “ser índio”.
Destacar a história e mostrar através de documentos, artefatos, mapas e jornais, é
um meio de se “comprovar” algo e constatar a experiência vividas por eles, atestando que
ser índio não é passado, não é ter uma cultura engessada ou ter alguns elementos culturais
não mais praticados, demonstra que a cultura é dinâmica, que os fluxos entre grupos sociais
e culturais existem, que são passiveis de sofrerem influencias, mas que essa realidade social
não anula a manutenção de sua identidade étnica.

Considerações finais

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Desta forma, a primeira percepção clara sobre o Museu Indígena Jenipapo-Kanindé é


que este se apresenta como lócus de salvaguardo de memória, representação da história e
cultura de um grupo que tem por diferencial a sua identidade étnica que se diferencia à
nacional, não necessariamente negando uma identidade nacional, mas reafirmando uma
identidade indígena Jenipapo-Kanindé. Assim, o museu aparece enquanto representante de
uma identidade étnica diferenciada, em que a memória, anteriormente apenas oral, a
cultura, a história e os modos de saber e fazer estão apresentados através de objetos, fotos
e painéis que transmitem uma parcela do que vivenciaram e vivenciam os Jenipapo-Kanindé,
enquanto grupo étnico.
Com essa perspectiva de lócus de representação de uma identidade, o museu surge
como elemento que auxilia e fortalece a luta política dos Jenipapo-Kanindé em busca do
reconhecimento, respeito e cumprimento de seus direitos à demarcação, educação e saúde
diferenciada, dentre outros. Ou seja, o Museu Indígena Jenipapo-Kanindé se configura como
ferramenta que incrementa o Movimento Indígena Jenipapo-Kanindé, aparecendo como
conquista importante também para o movimento a nível estadual, quiçá nacional.
Além do seu papel de salvaguardar e representar a memória, a história, a cultura e
por representar a identidade étnica de seu grupo através de objetos, o Museu Indígena
Jenipapo-Kanindé tem papel fundamental na divulgação dessa comunidade. Como elemento
divulgador, tanto buscando o reconhecimento, quanto o respeito por sua identidade
diferenciada, o museu torna os Jenipapo-Kanindé mais visíveis à sociedade. Assim, ao ser um
elemento a favor do movimento de luta política Jenipapo-Kanindé, seu museu aparece como
ferramenta que dá, ou ao menos, presta assistência à visibilidade da comunidade perante a
sociedade envolvente.
Esse conhecimento sobre quem são e/ou porque são Jenipapo-Kanindé, pode ser
transmitido pelo papel educativo do Museu Indígena Jenipapo-Kanindé. Por representar e
expressar uma história, cultura e modos de saber e de viver de um grupo social pouco
conhecido ou quase omitido da “história oficial” do Ceará, o museu funcionaria como
ferramenta de transmissão do conhecimento sobre os Jenipapo-Kanindé, e de maneira
diferenciada do que poderia ser ensinado a partir do ensino da história pela educação

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tradicional ou por museus históricos. Esse saber sobre os Jenipapo-Kanindé passa a ser
repassado a partir da ótica, da memória, do que vivenciaram e vivenciam os próprios
Jenipapo-Kanindé.
Importante salientar que o Museu Indígena Jenipapo-Kanindé não pode ser limitado
ao seu espaço físico próprio e os objetos que o compõem, o Museu Jenipapo-Kanindé deve
ser compreendido como o todo que faz parte e forma a comunidade que representa.
Pensando desta maneira, o Museu Indígena Jenipapo-Kanindé deve ser compreendido
enquanto o próprio museu, a comunidade, seu cotidiano, seu território, seus lugares
sagrados e a paisagem natural que a cerca, assim, o Museu Indígena Jenipapo-Kanindé deve
ser visto como o todo território musealizado dos Jenipapo-Kanindé.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

HISTÓRIAS INDÍGENAS E MITOS RESTAURADORES:


RUÍNAS, SANTOS E FESTAS NA ETNOGÊNESE DO POVO POTIGUARA

BRAGA, Emanuel Oliveira


(PPGA/UFPE; Iphan/PB; eobraga@yahoo.com.br)

O trabalho ora apresentado propõe a compreensão das experiências de criação e


transformação indígena dos espaços e dos tempos considerados históricos/míticos nas
aldeias Vila São Miguel e São Francisco, Terra Potiguara, Paraíba, a partir de eventos
marcantes como contato colonial/aldeamento, lutas para assegurar o território e
reconhecimento de monumentos religiosos como patrimônio cultural. Embora não seja
consenso, as lideranças e famílias da aldeia São Francisco se destacam no processo de
reafirmação étnica Potiguara, especialmente na dinâmica de diálogos e pressões sobre os
poderes públicos na esfera local, regional e nacional, universidades e demais instituições
atuantes na terra indígena. Ao longo desse processo de lutas por terras, muitos elementos
que marcam diacriticamente a identidade étnica Potiguara estão espacialmente situados na
aldeia São Francisco como: 1. a realização anual do Toré do Dia do Índio; 2. a presença de

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alguns dos troncos familiares mais antigos; 3. aldeia “tida como a mais conservadora e hostil
à intervenção oficial”; 4. o fato de ser de “difícil acesso” para visitantes, distando “légua e
meia do Forte”; 5. o constante contato com pesquisadores, professores e defensores da
causa indígena; 6. e a posse da imagem barroca de São Miguel Arcanjo, padroeiro dos
Potiguara. Até a década de 1970, a referida imagem estava guardada no nicho central da
igreja (hoje em ruínas) de São Miguel Arcanjo, templo tombado pelo Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Estadual da Paraíba – Iphaep (e em processo de tombamento pelo
Iphan) e localizado na aldeia Vila São Miguel (mais próxima à cidade de Baía da Traição). Em
2011 a paróquia local e representantes indígenas acionaram uma ação civil pública junto ao
Ministério Público Federal – MPF exigindo urgente “restauro” (refazimento) da igreja. A ideia
de São Francisco como “aldeia-mãe” é contestada, sobretudo, por lideranças da aldeia Vila
São Miguel que se afirmam como os “mais antigos” considerando que estão situados no
histórico aldeamento de São Miguel de Baía da Traição onde, ao longo dos primeiros séculos
de colonização, se estabeleceram os jesuítas, franciscanos e depois os carmelitas no projeto
de catequese católica e domínio colonial. É nessa aldeia que se realiza, no entorno das ruínas
da igreja velha tombada, um altar ao ar livre, a grande celebração religiosa Potiguara, a Festa
de São Miguel Arcanjo, ocorrida todos os anos entre os dias 20 e 29 de setembro. Desde que
o santo original fora levado (em procissão ou por “sequestro”) da São Miguel para a São
Francisco, a festa ocorre nas duas aldeias que disputam, por meio de histórias indígenas e
mitos restauradores, os elementos étnicos e patrimoniais fundadores do Povo Potiguara.

HISTÓRIA E MEMÓRIA DA AFRO-JUREMA: O TOMBAMENTO DO SÍTIO DE ACAIS


(ALHANDRA-PB)

SOUZA, Pedro Tiago de86


Universidade Federal da Paraíba

1. INTRODUÇÃO

86
Graduando do Curso de Licenciatura Plena em História da Universidade Federal da Paraíba,
pedrotiagodesouzacosta@gmail.com

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Em 2015, como único tombamento de identidade religiosa Afro-Brasileira do Estado,


é então registrado como bem cultural o Sítio do Acais no município de Alhandra-PB. Este
sítio ligado às raízes culturais de expressão da religiosidade dos povos tradicionais de
terreiro da chamada Jurema Sagrada, que nasceu na região e antes era chamada de
Catimbó-Jurema. Porém, seu reconhecimento enquanto patrimônio não foi de maneira fácil,
sendo um processo que durou conflitos, destruições no terreno, discriminações e ações de
intolerância que até hoje predomina na região e que se encontram viva nas memórias dos
seus moradores. Em visitas realizadas junto ao IPHAEP, analisando por etapas as cartas,
informações nos blogs, correspondências e pareceres contidas no processo do tombamento
0202/2008/IPHAEP até o então decreto nº 36.445 de 07 de dezembro de 2015, que foi
publicado em Jornal Diário Oficial, se percebe os conflitos dentro e fora da memória, assim
os descrevendo para percebê-los enquanto a memória exercendo elemento de poder.

Pensamos que a imagem de passado para a memória entra em conflito questões


advindas do avanço do moderno e as imposições das instituições de tradições
conservadoras. Também como definiu Pollak é necessário o enquadramento da memória,
percebê-la enquanto resultado de disputas e ressignificações que lhes são presentes, pois
está inserida nas relações de classes, práticas e estratégias do cotidiano, silenciamentos e
esquecimentos.

A fronteira entre o dizível e o indizível, o confessável e o inconfessável,


separa, em nossos exemplos, uma memória coletiva subterrânea da
sociedade civil dominada ou de grupos específicos, de uma memória
coletiva organizada que resume a imagem que uma sociedade majoritária
ou o Estado desejam passar e impor (POLLAK. 1989, p. 6).

Nosso objetivo aqui é pensar em um método que seja de ação política, como já
criticava CERTEAU (1995), para assim desmascarar os discursos científicos que ocultam o
caráter da cultura [popular] – a qual ele denomina de “a beleza do morto”.

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Para isto propomos refletir sobre a experiência do Acais, em como esta memória
popular da Jurema é utilizada e significada pela população e pelo órgão de preservação do
Patrimônio no Estado da Paraíba

2. PROCESSO DE TOMBAMENTO DO SÍTIO DO ACAIS EM ALHANDRA-PB

No IPHAEP todo requerimento de proteção de bem patrimonial cultural que é pedido


é organizado em formato de processo e feito para averiguação. Primeiro faz-se um
levantamento histórico, arqueológico e sua relevância social, um grupo de profissionais do
instituto é responsável de fazer todo o levantamento da área, um trabalho de
principalmente historiadores e arquitetos, que quando concluído é levado ao CONPEC e lá se
fara novo parecer em reunião, para retornar a decisão ao IPHAEP.Enfim, que seja assegurado
o tombamento e expedido para publicação em principal jornal do Estado a informação de
sua de sua decisão,informando a população em geral e principalmente aos herdeiros que
não se pronunciaram até então. Sendo cada processo contido no IPHAEP, todas as ações que
aconteceram até o decreto que preveja o tombamento, o documento, possui um grande
material de fotos, mapas, cartas, recortes de revistas, atas de reuniões e assinaturas. Os
principais agentes dos processos são os que fazem o pedido de proteção e são os mais
interessados pela conservação do bem patrimonial. No documento que diz respeito ao
tombamento do Sitio do Acais de Alhandra ele contém todas estas características, mas tem
uma peculiaridade: as disputas, as destruições ou “ações antrópicas negativas” (impactos de
destruições ambientais causadas pelo homem). As principais entidades, a Sociedade
Yorubana de Cultura Afro-Brasileira do Rio de Janeiro, O Quilombo Cultural Malunguinho de
Pernambuco, e a Federação de Cultural Paraibana de Umbanda, Candomblé e Jurema (FCP-
UMCANJU) de João Pessoas serão as principais protagonistas, sendo esta última bastante
participativa em momento que começam as primeiras passeatas contra a intolerância
religiosa, assumindo a responsabilidade total do processo e disputando contra os demais
órgão, tendo grande parte do processo documentações suas, que enviou para chamar a
atenção do IPHAEP, de diversas formas. O processo contém 176 páginas de diferentes
fontes.Analisandoo modelo de processo existente, percebemos alguns percalços.

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O processo introduz sobre o dia 6 de outubro de 2008, no qual a diretora executiva


do IPHAEP, a Dra. Luciana Martins Araújo Rocha, recebe uma carta de uma entidade não-
governamental chamada de a Sociedade Yorubana de Cultura Afro-Brasileira, cujo fundador
Eduardo Fonseca Jr., que dizia em seus objetivos eram o de codificar e normatizar as
heranças africanas e nativas ameríndias. Através do decreto nº 7.819 do instituto vai
requerer a proteção e salvaguarda da área de 6 ha da denominada “Acais”, dizendo ser o
lugar de referência do culto da jurema sagrada, sincretismo da tradição de culto indígena e
afro-brasileiro. Até então, o IPHAEP desconhecia seu culto, sua história e não sabia de
parecer nenhum sobre o tema.
A área se localiza ao oeste de Alhandra, ao sul da zona litorânea paraibana. Já se
falava dos bens naturais do sítio de mangueiras e jaqueiras e do risco de destruição da
capela, a antiga casa (da Mestra Maria do Acais) e do coreto da fazenda.Se enxergava que,
por pertencer aos descendentes do último regente dos índios do litoral sul da Paraíba se
constitui de material simbólico da memória e da prática da cultura religiosa e possuía
imenso valor, estando diante de perigo por descaracterização e de sua provável perda se
esta não fosse preservada, sendo lembrada a importância do reconhecimento histórico e
cultural da área em seu aniversário na época de 250 anos de formação da Vila de Alhandra,
primeira vila paraibana formada.
Esta carta foi elaborada juntamente com Alexandre L’OmiL’Odò87, e que reconhecia a
importância do lugar e seu risco de perder sua memória pelo desinteresse da atual família
em preservar o espaço. Ele vai escrever um texto intitulado “O Silêncio dos Mestres: Sobre a
destruição do patrimônio em Alhandra”. No texto que será anexado ao processo, está a
justificativa histórica e antropológica da preservação da identidade religiosa da Jurema
Sagrada na Região de Alhandra-PB.

Alhandra, antiga aldeia Arataguy, esteve diretamente ligada a esta história,


tendo se tornado em 1758, a primeira vila da capitania. Ao norte do referido

87
Juremeiro de Recife e ativista cultural, que fazia parte do chamado Quilombo Cultural Malunguinho

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município, está localizada a propriedade do Acais. Trata-se de uma das duas


propriedades que pertencem a tradicional família do último indígena do
litoral sul da Paraíba Inácio Gonçalves de Barros, pai da prestigiosa mestra
Maria do Acais, falecida em 1937. (IPHAEP, PROCESSO Nº 0202, 2008, p. 4).

A segunda propriedade também pertencente a tradição da jurema de Alhandra e que


possuiu relações pessoais com a família da Mestra Maria do Acais é o Templo da Mestra
Jardecilha, localizada na Rua José Januário Nunes, nº 26, aonde também existe hoje a
Associação Espírita dos Juremeiros de Alhandra (AEJA).

É entendida que a região tem forte tradição do cultuo da Jurema devido ao


fenômeno religioso ter fortes traços e aspectos reminiscentes da memória de um passado
indígena, um “typo indígena puro” (que só se encontrava em Alhandra e na Baía da Traição),
nas suas tradições simbólicas e rituais. Na propriedade do Acais foram desenvolvidos
importantes estudos sobre o tema feitos por nomes como Gonçalves Fernandes, Roger
Bastide, Arthur Ramos, como também Vandezande na década de 70 e Salles nos anos de
2010.

O Acais é visitado frequentemente por pesquisadores e religiosos, vindos de


diversas partes do Brasil e até de outros países. A fazenda está localizada ao
oeste de Alhandra, as margens da antiga estrada João Pessoa/Recife. Possui
uma casa grande, um coreto e, na parte mais alta da fazenda, a capela de
São João Batista. Por trás da capela encontra-se uma escultura de um tronco
de Jurema, feita em concreto na década de 1950, sobre o túmulo do mestre
Flósculo, filho de Maria do Acais. Por trás da casa grande, vê-se uma das
“cidades” da jurema mais antiga, com aproximadamente um século de
existência. No local encontram-se raízes de antigas juremas, que são
mantidas junto aos novos arbustos (IPHAEP, PROCESSO Nº 0202, 2008, p. 5).

Ao final do texto fala-se sobre o “silêncio”. Em agosto de 2008 o problema de um


suposto novo proprietário da fazenda, que após a morte da neta de Maria do Acais, a
senhora Maria das Dores, a parte importante da fazenda foi destruída, a parte da

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propriedade e os pés de jurema (as “cidades” do acais). Só parte oposta do resto da fazenda
que é separada pela estrada (e visível a quem passa de carro) foi mantida. Como proposta
buscava-se reerguer a antiga casa, buscar auxílio dos mestres juremeiros locais para
reerguer as cidades encantadas plantando novos pés de jurema, por fim sendo receber
cuidados próprios de patrimônio com placas informativas, segurança, manutenção e estar
inserida que incluísse a comunidade local e a implementação de uma educação patrimonial
na região.

Em resposta ao documento, em despacho de 20 de novembro feito pelo


Coordenador de Arquitetura e Ecologia do IPHAEP, é pedido então ao professor Prof. Carlos
Azevedo para fazer visita, objetivando a identificar e instrumentalizar o espaço para fins de
tombamento, e a funcionaria RoseneLacet para acompanha-lo e produzir diário. No laudo de
visita é descrito como os dois vão a Alhandra no dia 5 de dezembro do ano de 2008 e
tiveram por presença Heleno Silva, servidor da Prefeitura de Alhandra e da senhora Ivete
Mendes, aonde foram a propriedade do Acais. Lá, observam a estrutura arquitetônica da
capela de São João Batista e o túmulo do mestre Flósculo. Descrevem como lá encontraram
as ruínas da casa de Maria do Acais e o corte dos pés de jurema que antes ocupavam junto a
outros pés de árvores plantadas, que então deram lugar um plantio de cana de açúcar.

O sítio é entendido como um “lugar de memória”, pois ainda eram feitas práticas de
culto religiosos do Catimbó e da Umbanda no entorno do túmulo do mestre Flóculo88. Vê-se
a necessidade de proteção através do tombamento dos espaços da Capela de São João
Batista e dos cinco hectares em torno da igrejinha. Também, o de plantar um bosque de
jurema e jucá, que são identificadas como sagradas do cultuo, porém não se vê uma
discussão da participação da comunidade local nem de nenhum mestre juremeiro neste
processo. São tiradas várias fotos que identificavam os objetos contidos dentro e fora da
igrejinha, além das ações de degradação e destruição dos lugares. É de destacar o uso das
mídias digitais como fonte de se conhecer o apelo ao combate à destruição da jurema na

Mestre de Jurema representa alguém que foi um grande conhecedor de ervas e que, ao morrer se “encantou”
88

como divindade que retorna a vir nas mesas de cultuo.

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região, e também como fonte de informação para o IPHAEP. O órgão reconhece a


importância cultural do sítio, porém desconhece a respeito da dimensão a dimensão do
cultuo da jurema ou fontes de pesquisa. Sobre as cidades encantadas:

As “Cidades da Jurema” (árvores sagradas, onde antigos mestres e mestras eram


enterrados debaixo, conhecidos como trunqueiras, onde se mantém um culto
permanente à pessoa ali enterrada e encantada) em Alhandra, nas terras da
Juremeira Maria do Acaes, já eram da espécie Accaciafarnesiana (L) Wild: Syn.,
simbolizando e demonstrando já o sincretismo botânico no local do último
aldeamento dos índios arataguis, na Paraíba.89

Em parecer à Diretoria Executiva, é autorizada para que a Coordenadoria de


Arquitetura e Ecologia (CAE) para vistoriar o imóvel e seu entorno e assim subsidiar o pedido
de cadastramento para que posteriormente fosse deliberado pelo CONPEC. Assim, devido as
tramites de inventários para os fins de tombamento e feito o Relatório de Atividade em
andamento pela CAE-2009.1 que trouxe nova ordem de execução dos serviços relacionados
e pediu envio em forma de comunicado ao interessado do processo, no caso a Sociedade
Yorubana Teológica de Cultura Africana.

Então, no ano de 2009 haverá mudanças também na diretoria executiva do IPHAEP,


assume o professor Damião Ramos Cavalcanti. Acontecerá também a dia 20 de junho, num
sábado, um movimento de apoio às manifestações religiosas de preservação dos espaços de
Jurema, no ato público de Umbandistas sob o lema ‘‘Passeata da Paz em Alhandra’’, sob a
coordenação da Federação Cultural Paraibana de Umbanda, Candomblé e Jurema – FCP
UMCANJU90, organizado pelo Juremeiro Pai Beto de Xangô, que se intitulava ‘Guardião da
Jurema Sagrada’. O local sediado em Alhandra, mas teve saída de concentração com alguns
ônibus no bairro de mangabeira da cidade de João Pessoa às 8 horas da manhã. Às 9 horas
teve parada no memorial do Mestre Zezinho do Acais aonde houve fumaçada, em seguida

89
OLIVEIRA, Alexandre Alberto Santos de (L’OmiL’Odò). Teologia da Jurema, existe alguma? In: V Colóquio
Perspectivas Históricas, 2011. Pág. 083-1105. Link <http://www.unicap.br/coloquiodehistoria/wp-
content/uploads/2013/11/5Col-p.1083-1106.pdf>Acesso dia 10 de outubro de 2017.
90
Para não precisar repetir constantemente usarei a sigla FCP – UMCANJU no texto para me referir a
Federação.

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parada na Igreja Nossa Senhora Menina do Acais (que fica em frente as terras do Acais) e no
túmulo do Mestre Flósculo, aonde também houve fumaçada. Às 10 horas a concentração se
deu na Entrada de Alhandra onde seguiu em caminhada até o Templo da Mestra Jardecilha,
onde após a gira dos mestres, reunidas muitas pessoas e entidades (como o grupo
Malunguinho de Recife). O Pai Beto de Xangô fez uma fala sobre a necessidade da união dos
juremeiros em proteger seu culto. Na ocasião seu motivo principal foi devido o avanço no
estágio de desmatamento do sítio do Acais, decorrente da preparação das terras para
cultivos diversos. Houve a participação do Conselheiro representante Kleber Moreira da
Associação Paraibana de Amigos pela Natureza – APAN, que tirou fotos o local.

E viu-se a necessidade de incluir o processo nº 0202/2008/IPHAEP na pauta de


Sessão Ordinária do CONPEC, a realizar-se no dia 01 de Julho de 2009 às 14:30 no IPHAEP,
com o objetivo de dar celeridade aos procedimentos de proteção legal, resultado tanto da
formulação inicial do pedido de tombamento como das pressões das comunidades
tradicionais de terreiro.

Na reunião do conselho de Proteção dos Bens Históricos Culturais, sessão 1077º/2009, no


dia 1 de julho, que tratará sobre o Cadastramento e Tombamento da área de 6 (seis) ha da
Fazenda do Acais situada no município de Alhandra/PB, Kleber Moreira descrevera em
relato/parecer ao CONPEC seu voto favorável ao tombamento da fazenda do Acais.

Em defesa, colocará Alhandra como referência de religiosidade Afro-Indígena, berço


da Jurema oucapital da Jurema. Apresentando-a como sendo sua a influência em Estados
vizinhos a Paraíba, como em Pernambuco e sendo local de relações e filiações do culto.
Também, seus vários espaço físico-territoriais e “os signos arraigados no plano do
inconsciente coletivo de seus moradores”. Se destacará a “FAZENDA DO ACAIS”, como uma
das “sete cidades sagradas da jurema”. Por motivo destacada importância do seu espaço,
mereceria parecer ao pedido de cadastramento e tombamento, colocando o papel de
mantimento de suas tradições sendo graças aos metres e mestras locais.

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Este tombamento será destacado em relação aos demais sob proteção e preservação
do IPHAEP, pois seria o primeiro território da religiosidade afro-indígena a ser protegido pelo
Estado. Será tombada a Fazenda do Acais num território de 6 (seis) ha, em que se inscreverá
a Capela de São João Batista, o túmulo do Mestre Flósculo Guimarães, as fundações da casa
da Mestra Maria do Acais para se tornar marco de referência histórica e memorial do Acais,
bem como a busca de recomposição da vegetação existente, a jurema (Mimosa hostilis) e o
jucá (Caesalpinia férrea), e outras plantas frutíferas do pomar. Destaque também será o
pedido de extensão do tombamento junto ao CONPEC para abranger ao memorial do mestre
Zezinho do Acais91 que se localizava a curta distância do sítio e o reconhecimento de
absoluta legitimação de participante do processo junto à Sociedade Yorubana Teológica da
Cultura Afro-Brasileira, do Rio de Janeiro, da FCP UMCANJU. É de se observar que se dá uma
atribuição a federação que talvez seja pela sua maior participação e visita junto ao Iphaep,
pois além do mesmo estar localizado na capital seu representante, o Pai Beto de Xangô
começou a visitar mais frequentemente o Instituto e o Sítio.

A decisão será publicada em diário nos jornais de maior circulação e no site do


governo, no dia 2 de outubro de 200992. A notícia foi comemorada na capital ao som de
toques ritmados de tambor (ilú) e euforia por parte do diretor executivo do Iphaep o
professor Damião Cavalcanti. Em votação, foi aprovada por unanimidade pelo seu
tombamento, e igualado a bens culturais como dos candomblés de salvador. Entretanto,
entre alguns habitantes de Alhandra a notícia não foi muito bem aceita, para alguns
juremeiros o sítio continuava com suas juremas destruídas e para a grande maioria
neopentecostal a imagem de “capital da jurema” era mal vista.

Em deliberação nº 0025/2009, o Processo nº 0202/2008/IPHAEP que se refere ao


Tombamento do Acais foi aceito para que os técnicos do IPHAEP e do IPHAN procedesse
levantamento na área do Sítio do Acais. Esse levantamento será designado ao Kleber

91
O Memorial do Zezinho do Acais lembra de sua morte em 1968. Também era frequentador do bar “Barracão
da Fazenda Subauma “, que fica próximo as imediações. No lugar de sua morte dizem os juremeiros em geral
que foi aonde ele se “encantou” para então voltar como mestre da jurema.
92
Site: <http://paraiba.pb.gov.br/iphaep-aprova-o-tombamento-do-sitio-acais-solo-sagrado-da-jurema/> Acesso
10 de outubro de 2017.

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Moreira da APAN, que foi juntamente relator do processo na reunião do CONPEC e


acompanhou a passeata. Pedirá o seu proceder como também próximas visitas ao local para
fazer o levantamento corretamente da área. As visitas serão realizadas com o arquiteto
Raglan Rodrigues Gondim, Professor Carlos Azevedo “in loco” na Fazenda e nas adjacências.
Contou com a colaboração da Superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (IPHAN) na Paraíba, com a gerência do Instituto do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) na Paraíba, e da Superintendência de Administração
do Meio Ambiente (SUDEMA/PB). Em razão da justificativa nas carências de informações
apresentados no processo, foram acrescentadas informações de levantamento das áreas
junto ao relato/parecer que havia sido apresentado na Sessão do CONPEC nº 1078/2009.

No mês de outubro do ano de 2009 será enviada também em ofício nº


0040/CONPEC/IPHAEP estará também registrados os informes repassados a Eduardo
Fonseca Júnior, fundador da Sociedade Yorubana de Cultura Afro Brasileira do Rio de
Janeiro. Também ao Pai Beto de Xangô, presidente da FCP UMCANJU). A pedido da
Sociedade Yorubana Afro Brasileira será feito o seu reconhecimento junto ao tombamento e
a proteção do patrimônio cultural em divulgar o acontecimento a nível nacional. Na presente
data o governador era o então Dr. Jose Tarjino Maranhão. A FCP – UMCANJU trará em
informações que os mesmos afirmam que obtiveram através de proprietários de glebas e
chácaras das imediações das terras da Fazenda do Acais o nome dos proprietários e seus
respectivos contatos.

Em um ano de 2010 no processo não haverá movimentação, não explicado o motivo.


No ano de 2011, do dia 31 de janeiro começará uma longa investigativa do IPHAEP e ações
contra o Cartório de Registros Públicos, Velton Braga, em localizar o nome dos proprietários
da Fazenda do Acais. Sem o nome dos proprietários e por ser imóvel pertencente a
particular(es), não se teria como publicar em diário oficial do Estado, em aviso sobre o
processo de tombamento do Sítio do Acais conforme havia ocorrido em deliberação do
CONPEC de N. 0036/2009, do ano de 30 de setembro de 2009.

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Será estendido por 3 meses até que em resposta não foi cedida a informação do
nome do proprietário. A Sociedade Yorubana de Cultura Afro-Brasileira ira solicitar ao
IPHAEP para que a autorizasse, conforme procedimento institucional do tombamento, que
pleiteasse a demanda Judicial de obrigação de fazer em face do citado Cartório. A FCP –
UMCANJU no mesmo ano, em mês de 28 de junho ira reivindicar enquanto ao IPHAEP
reforma da capela São João Batista e do túmulo do Mestre Flósculo para o dia 30 de
setembro. Por iniciativa particular fazem a reforma do Memorial do Zezinho do Acais e
retiram as placas de identificação colocadas pela Sociedade Yorubana Brasileira do RJ e do
Quilombo Cultural Malunguinho, mobilizando através das redes sociais em eventos
marcados93. Irá começar a também existir uma competição entre eventos organizados por
Pai Beto de Xangô e Alexandre L’OmiOdò. Esta disputa também será uma disputa em como
ou quem iriapreservar a Jurema, trazendo divisões entre juremeiros e juremeiras que ora
apoiam Beto, ora apoiam Alexandre.94

Em carta enviada ao IPHAEP o Pai Beto de Xangô em nome da FPC – UMCAJU


reivindicará diversas medidas. Colocará que a proprietária da Igreja São João Batista tenha
sido a senhora Dona Maria de Lourdes, que trabalhava nas terras há mais de 15 anos em
contribuição para a família Guimarães, e que antes da morte de Dorinha, teria sido
beneficiada por doação verbal estas terras devido ao tempo dedicado a sua família. E que o
fato seria de conhecimento por outros moradores da comunidade que também trabalhavam
para a família, e por isto que a chave estava em posse de Dona Maria de Lourdes. Também
alertará para uma ameaça de desabamento do santuário devido a erosão das chuvas,
rachaduras nas paredes e infestações de cupins. Ele pontuara três questões: A primeira de
que nas proximidades poderia ter mais mestres enterrados e pede que o IPHAEP se
certificasse. A segunda seria o alvo do patrimônio a ataques e conspirações de outras
religiões intolerantes, como evangélicos da localidade. O terceiro ponto de que pode haver

93
Site <http://lassuncao.blogspot.com.br/2011/01/recuperacao-do-memorial-de-zezinho-do.html> Acesso em 10
de outubro de 2017.
94
A exemplo nos dias aonde coincidiam os eventos, como divulgação. Site
<http://profangelico.blogspot.com.br/2012/08/encontro-de-juremeiros-e-kardecistas-na.html> Acesso em 10 de
outubro de 2017.

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imóveis construídos de forma ilegal como forma de tentar posse. Pede-se também
segurança pessoal a senhora Dona Maria de Lourdes Vitorino, pois a mesma diz sofrer
ameaças por conta de seu conhecimento sobre a família Guimarães e a história dos mestres
e mestras do Acais.

A partir de então, no dia 30 de outubro de 2011, se organizará o I Encontro de


Juremeiros, Juremeiras e Kardecistas em Alhandra, promovida pela FCP – UMCANJU
juntamente com o Centro Espírita Kardecista de Alhandra, como forma de debater a luta
contra a intolerância religiosa baseada na Lei 7. 716 da Constituição Federal e pela luta da
restauração da área do Sítio do Acais, dito em convite que havia sido tombada em
30/09/2009. A data apresentada em si não confere com o dia 2 de outubro, a que realmente
aconteceu o tombamento. A distorção da data poderia ter acontecido como forma de
manipular a memória do evento ou um erro desproposital.

Em anexo foi colocada a programação do encontro, que contaria com o prefeito de


Alhandra, o representante da câmera municipal de Alhandra, representante dos Kardecistas,
Ministério Público, o IPHAN, IPHAEP, IBAMA, INTECAB, CENARAB, Secretaria das mulheres e
uma diversidade local. Contaria com apresentações culturais de Grupo de Capoeira Birimbau
Dourado do Mestre Colorau, Tribo de Caboclinho de Pena e Flecha Tupã de Caaporã, do
Renato Dantas Magalhães na música Kardecista, e por fim o grupo de maracatu Nação Pé de
Elefante e uma Gira de Jurema. Como debates temas sobre ações no sítio do Acais e uma
palestra sobre intolerância religiosa.

Outro evento que impactará acontecerá no dia 10 de abril de 2012. Em comunicado


de infração feito ao IPHAEP, foi feita uma denúncia do corte de três pés de jurema do
Templo Espírita Mestra Jardecilha, sem motivo aparente ou informação de autorização por
parte da proprietária Nina.

Em 2012 vai se mobilizar novamente uma campanha para a preservação das juremas
em Alhandra e novamente as ações de Pai Beto de Xangô ao IPHAEP e aos sítios e juremas
da região, se colocando como representante único para todos. Colocará em pedidos de

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ações do IBAMA e do governo estadual para a proteção das árvores, ao IPHAEP o


tombamento das árvores sagradas de jurema que estão plantadas no templo e pedirá
urgência nas ações referidas ao sítio.

Vai também em reunião pedir autorização ao IPHAEP o modelo de placas de


identificação do patrimônio, uma articulação a uma audiência pública com vereadores e
entidades civis e a câmera municipal de Alhandra para discussão sobre intolerância religiosa
e a restauração do sítio do Acais, a revisão em prazo mais estreito do pedido de
tombamento das árvores feito pela FCP – UMCANJU e reunião com o governador do Estado
da Paraíba com o IPHAEP e a FCP – UMCANJU sobre os encaminhamentos do tombamento
do Acais. Sem aguardo de resposta, observa-se no documento que a própria instituição vai
tomando medidas e posicionando frente processo como articuladora, detentora e salvadora
do patrimônio e da memória dos juremeiros de Alhandra. Em 4 de maio pegaraas chaves do
sítio das mãos da senhora Maria de Lourdes Vitoriano que zelava a Igreja de São João Batista
e manterá em sua posse. Enviará oficio justificando-se sua atitude como medida para
proteção contra a possibilidade de furtos das imagens contidas dentro do espaço. O
documento constituirá de fotos e xérox autentificada em cartório de declaração e assinatura
a punho em que a senhora Maria de Lourdes autorizaria a entrega da chave ao senhor
Eriberto Carvalho Ribeiro (ou Pai Beto de Xangô). No mês de junho também será enviado
boletins de ocorrência aonde se faz denunciante de que houve o arrombamento por
desconhecidos da porta da igreja São João Batista, porém nada havia sido extraviado, mas
reforça a falta de segurança no lugar.

Pedira junto ao IPHAEP as placas de identificação e também a título de maiores


liberdades de iniciativas dentro do espaço. E buscando também desqualificar as posições das
outras entidades, da Sociedade Yorubana que diz estar apenas interessada no tombamento
e do Quilombo Cultural Malunguinho, aonde se refere ao seu representante Sandro de Jucá
como “...pessoas de outros Estados, que não assumem como um todo nossa luta, ao
contrário, deixam bastante a desejar se sintam no direito de vir aqui traçar este tipo de
crítica destrutiva” (IPHAEP, PROCESSO Nº 0202, 2008, p. 145).

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Em 2012, acontecerá a discussão sobre a posse do sítio e intensificará os conflitos


contra o Quilombo Cultural do Malunguinho de PE. Em ofício a FCP – UMCANJU trará que o
senhor Joselito Braga haveria procurado a federação com documento alegando ser sua mãe
herdeira da propriedade tombada. Apresentará este documento ao IPHAEP, contudo o
instituto o reconhecerá como não tendo valor jurídico, pois não possuía a assinatura do
imóvel e seu registro.

Em 2013, no dia 20 de outubro, será organizada pela FCP – UMCANJU o III Encontro
de Juremeiros e Kardecistas. Nas discussões manteve-se o tema de intolerância religiosa e
apresentação da luta de preservação da memória da jurema sagrada, como protagonista o
Pai Beto de Xangô. Nas falas apenas o Pai Beto e Raquel como representante Centro Espírita
Kardecista de Alhandra são seus locutores, com destaque ao primeiro. As apresentações
culturais com o Grupo Cultural Sementes da Jurema e o grupo de Maracatu Nação Pé de
Elefante, e por fim o toque de Jurema como encerramento.

Em ano de 2013 o IPHAN95 irá contribuir junto a divulgação da cultura da Jurema na


região de Alhandra. Desenvolverá em catálogo com fotos e pequenos textos informações
sobre a cultura local de Alhandra, como também sobre a tradição local da Jurema. A partir
deste material haverá mais interesses em produzir material em vídeo com o tema de
religiosidade e cultura popular, para entrevistar e pesquisar sobre a prática da Jurema e sua
cosmologia.

Em 2014 vão se intensificar os conflitos. Há uma tentativa de utilizar o veículo da FCP


- UMCANJU em criticar as ações do Quilombo Cultural Malunguinho. Por também, a
indignação dos representantes de Pernambuco sobre a posse da chave com o Pai Beto.

Será expedida pelo IPHAEP a busca da chave que estava em posse do Pai Beto. Em
evento peculiar, o caso na delegacia entre Pai Beto e a senhora Eliane, em que se discutiam

95
Referências Culturais: Alhandra – Paraíba / Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Superintendência do Iphan na Paraíba; Textos. Daniella Lira e Fabricio Rocha – João Pessoa: Iphan, 2013. Link
disponível em <https://issuu.com/daniellalira/docs/referencias_culturais_alhandra> Acesso dia 10 de outubro de
2017.

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a quem devesse a estar com a chave. A dona Eliane se apresentará como proprietária do
lugar, enquanto Pai Beto como doação de terras e sua proprietária Dona Lourdes (a quem
lhe teria concedido as chaves), apresentando as documentações das mesmas que
apresentou ao IPHAEP, alegando veracidade jurídica da posse das chaves. O caso não
prosseguiu e ambos retornara à suas residências.

Outro fato, que indignados pela situação de posse das chaves, e da obstrução de
visitas a Igreja, moradores e juremeiros de Alhandra vão arrombar a porta e trocar as
fechaduras. Em documento a FCP – UMCANJU alegará ter sido grupos evangélicos que
haviam entrado no lugar. Novamente irão reivindicar andamento no processo jurídico no
andamento de reconhecimento de posse das terras.

Será em 2015 que se receberá do cartório o nome de listagens dos diversos


proprietários do lugar, ou como foi justificado pelos funcionários do IPHAEP. Na gestão da
então diretora Cassandra Eliane Figueirêdo, que já trazia ações que dinamizassem a
proteção e divulgação do patrimônio do estado. A diretora encaminhará deliberação nº
0039/2009/CONPEC sobre o tombamento do Sítio do Acais em Alhandra-PB feito pela então
Sociedade Yorubana de Cultura Afro-Brasileira na ata do conselho do CONPEC, com
informações de da decisão da reunião e delimitação do espaço a ser preservado e
recomposição da vegetação.

Em dia de 29 de dezembro de 2015 será publicado em Diário Oficial a decisão do


governador, em assinatura de Ricardo Coutinho, em que por decreto:

Art. 1º - Fica homologada a Deliberação Nº 0036/2009 do Conselho de


Proteção dos Bens Históricos Culturais – CONPEC de 30 de setembro de
2009, declaratória do Tombamento do SìtioAcaís, localizado no Município de
Alhandra/PB pela importância cultural e histórica
Art. 2º - Para efeito do Tombamento a que se refere anterior, o Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba – IPHAEP, tomará as
providencias cabíveis, em cumprimento à legislação vigente;

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Art. 3º - Este Decreto entra em vigor, na data de sua publicação, revogadas


as disposições em contrário.
PALÁCIO DO GOVERNO DO ESTADO DA PARAÍBA, em João Pessoa, 17 de
Novembro de 2015; xxx.º da Proclamação da República.
(Publicado em DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DA PARAÍBA, 29 DE DEZEMBRO
DE 2015. JOÃO PESSOA)

A decisão que se arrastou no ano de 2015 será efetivada. Entretanto, ainda se há


entre alguns a desinformação de que o Patrimônio encontrava-se destombado, ou de posses
de proprietários particulares. Ainda há desinformação e disputas no espaço.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O IPHAEP buscou garantir, para os bens móveis e imóveis, proteção enquanto sua
utilização indiscriminada, o direito de propriedade sobre a função social e educativa de
determinado bem. Contudo, para o historiador Almir Félix de Oliveira (2010) continua a
exercer função de agente sacralizador do patrimônio histórico paraibano, seja na forma
como se vê através dos decretos de tombamento. Apesar da gestão atual, da então diretora
Cassandra de buscar discutir novas formas de enxergar o Patrimônio paraibano, com
debates sobre preservação (como sobre o pixo e a vandalização), e sobre os bens de
natureza imaterial e trazendo formações de professores de alunos do nível médio nas
escolas do centro da cidade, falta ainda propor medidas que estimulem a sociedade a
enxergar os usos sociais do patrimônio, alémda perspectiva memorial dos bens culturais
arraigados a materialidade dos monumentos de ‘’Pedra e Cal’’
Em refletir sobre as categorias de patrimônio é necessário, pensar o entendimento
das comunidades Afro-Brasileiras e Afro-Indígenas, osjuremeirose como eles entendem seu
patrimônio religioso e cultural é uma saída para uma nova abordagem de educação
patrimonial afro-paraibana.

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REFERÊNCIAS

FONTE DOCUMENTAL

IPHAEP/ GOVERNO DO ESTADO DA PARAIBA. PROCESSO TOMBAMENTO DO SITIO ACAISNº


0202, João Pessoa, 2008, p. 176.

BIBLIOGRAFIA

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paraíba do norte oitocentista. In: GOMES, Valéria; GOMES, Flávio. Religiões Negras no
Brasil: Da abolição à pós- emancipação. 1º Ed., São Paulo: Editora Selo Negro, 2016, p. 266-
279.
LIMA SEGUNDO, Francisco Sales de. Memória e tradição da ciência da Jurema em Alhandra
(PB): a cidade da mestra Jardecilha. 2015. 171 f. Dissertação (Mestrado em Antropologia) -
Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2015.

OLIVEIRA, Almir Félix Batista de. Memória, História e Patrimônio Histórico. 1 Ed. São
Cristóvão: Editora UFS, 2010.

PALITOT, Estevão Martins. Questões que diariamente ali se agitam; IN: Cadernos do Leme,
Campina Grande, vol. 5, n. 1, 2013, p 60-92. Link disponível em
http://leme.ufcg.edu.br/cadernosdoleme/index.php/e-leme/article/view/97/63 Acesso em
12 de junho de 2016.

POLLACK, Michael. Memória, Esquecimento, Silencio; IN: Estudos Históricos, Rio de Janeiro,
vol. 2, n. 3, 1989, p. 3-15. Link Disponível em
http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2278/1417 Acesso em 12 de
junho de 2016.

SALLES, Sandro Guimarães. À Sombra da Jurema Encantada: Mestres Juremeiros na


Umbanda de Alhandra, Recife: UFPE, 2010.

SILVA, JUNIOR, Luiz Francisco. A Jurema Tombada: Memorias de uma experiência religiosa.
In: X Encontro Nacional de História Oral, 2010, Recife. X Encontro nacional de História Oral:
Testemunhos, História e Política. Recife: Editora Universitária, UFPE, 2010. Link disponível
em
http://www.encontro2010.historiaoral.org.br/resources/anais/2/1270300760_ARQUIVO_Aj
urematombada.pdf Acesso em 10 de julho de 2016.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

SILVA, JUNIOR, Luis Francisco; ANDRADE, Vivian Galdino. Alhandra: A cidade Jurema da
Paraíba, Revista Espaço Acadêmico, 06 julho. 2007. Link disponível em
http://www.espacoacademico.com.br/074/74andradejunior.htm Acesso em 10 de julho de
2016.

VANDEZANDE, René. 1975. Catimbó. Dissertação de mestrado. Recife: UFPE, p. 49-114.

BLOGS DA INTERNET:

II ENCONTRO DE JUREMEIROS E JUREMEIRAS EM ALHANDRA – PARA UNIR E FORTALECER


NOSSO POVO DA FUMAÇA. Link <http://alexandrelomilodo.blogspot.com.br/2015/04/ii-
encontro-de-juremeiros-e-juremeiras.html> Acesso dia 10 de outubro de 2017.

DESTRUIÇÃO DA CIDADE ENCANTADA DO ACAIS. Link:


http://acaiscidadeencanta.blogspot.com.br/2008/08/arvore-do-juc-o-que-sobrou-do-juc-
casa.html Acesso em 11 de julho de 2017.

IPHAEP APROVA O TOMBAMENTO DO SITIO DO ACAIS, SOLO SAGRADO DA JUREMA. Link:


http://paraiba.pb.gov.br/iphaep-aprova-o-tombamento-do-sitio-acais-solo-sagrado-da-
jurema/ Acesso em 11 de julho de 2017.

NA PANCADA DO GANZÁ! ENCONTRO DE JUREMEIROS E KARDECISTAS NA PARAIBA E VII


KIPUPA DO REI MALUNGUINHO EM PERNAMBUCO. Link:
http://profangelico.blogspot.com.br/2012/08/encontro-de-juremeiros-e-kardecistas-
na.html> Acesso em 10 de outubro de 2017.

O SILÊNCIO DOS MESTRES. SOBRE A DESTRUIÇÃO DE UM PATRIMÔNIO EM ALHANDRA. Link:


http://alexandrelomilodo.blogspot.com.br/2008/08/o-silncio-dos-mestres-sobre-destruio-
de.html Acesso em 11 de julho de 2017.

RECUPERAÇÃO DO MEMORIAL ZEZINHO DO ACAIS. Link:


http://lassuncao.blogspot.com.br/2011/01/recuperacao-do-memorial-de-zezinho-do.html>
Acesso em 10 de outubro de 2017.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

S.O.S. MESTRA JARDECILHA – ALHANDRA/PB. Link:


<http://qcmalunguinho.blogspot.com.br/2012/05/sos-mestra-jardecilha-allandrapb.html>
Acesso em 10 de outubro de 2017.

SITES DA INTERNET:

Site: ISSUU: Referências Culturais - Alhandra/PB. Link disponível em


<https://issuu.com/daniellalira/docs/referencias_culturais_alhandra> Acesso dia 10 de
outubro de 2017.

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ISSN:

GT 13 - HISTÓRIA AMBIENTAL E ETNOHISTORIA INDÍGENA

José Otávio Aguiar (Pós-Doutor – UFCG)


Taciana de Carvalho Coutinho (Doutora – UFAM)

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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ANÁLISE JURÍDICA DOS DIREITOS HUMANOS E DIREITO AMBIENTAL NA


PROTEÇÃO A CULTURA INDÍGENA E O USO DOS RECURSOS NATURAIS EM SEU
MEIO AMBIENTE SUSTENTÁVEL

CAVALCANTI, Maria Luíza Coelho1


Universidade Federal da Paraíba-UFPB
malucoelhocavalcanti@gmail.com

CAVALCANTI, Rafael de Siqueira Tenório2


Universidade Pontifícia Católica do Rio de Janeiro - PUC-RIO
rafaeltcavalcanti@gmail.com

INTRODUÇÃO

Quando pensamos nas populações indígenas e sua relação com o meio ambiente,
chegamos a contornos peculiares, tendo em vista o seu modo específico de organização e de
subsistência essencialmente atrelado à utilização dos recursos naturais advindos do meio
ambiente.
A sociedade indígena, desde séculos passados tem um elo forte em relação ao meio
ambiente e a sustentabilidade, pois era deste meio que viviam e tiravam sua subsistência,
cultivando a terra entre outras áreas e por fim a sua cultura e tradição, para que desta forma
fosse mantidas vivas suas crenças e seus costumes como herança para as futuras gerações.
(CAVALCANTI, M.L.C & CAVALCANTI, R.S.T., 2018)
A preocupação da Constituição da Republica Federativa de 1988 era tão grande que
conferiu expressamente aos índios o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios, e dos
lagos situados em terras indígenas.
Exposto em plano nacional, cita a proteção ao índio, como referida no Capítulo VIII,
sobre a “Ordem Social”, da CF-88, em seus artigos 231 e 232, bem como em se tratando de
proteção ao meio ambiente, ora referida no Capítulo VI, artigo 225 ainda da CF, onde a
mesma irá dizer que: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e
à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”,

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ISSN:

(BRASIL, 2012, p.59). Além disso, fica claro também o Capítulo II, “Dos direitos e garantias
fundamentais”, Artigo 5º, LXXIII.
Ainda versando sobre o art. 225, o meio ambiente não depende apenas de proteção
das autoridades públicas, é visto como um bem de uso comum do povo e essencial a uma
sadia qualidade de vida também é dever de toda a sociedade, do mundo, protege-lo e
preserva-lo, esclarece Édis Milaré:
“De fato, é fundamental o envolvimento do cidadão no equacionamento e
implementação da política ambiental, dado que o sucesso desta supõe que todas
as categorias da população e todas as forças sociais, conscientes de suas
responsabilidades, contribuam para a proteção e a melhoria do ambiente, que,
afinal, é bem e direito de todos” (MILARÉ, 2005, p.162).

Entende-se, portanto que a sustentabilidade está intimamente ligada à preservação


ambiental, a fim de deixarmos um meio ambiente equilibrado para nossas futuras gerações.
De forma que ter uma vida sustável no século XXI significaria estar em paz consigo mesmo,
com a sociedade e com meio ambiente no qual se vive.
Através de estudos realizados nota-se a interação que a população indígena tem com a
natureza, está em seu meio de sobrevivência encontrado na biodiversidade das cidades nos
dias atuais. Desta forma foram criados órgãos de amparo aos direitos indígenas como, por
exemplo, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e a Organização das Nações Unidade (ONU).
Todavia nesse contexto de arcabouço jurídico onde temos o amparo constitucional e
histórico, pretende-se trazer a relação do povo indígena e sua interação com o meio
ambiente, como forma sustentável, tendo em vista as especificidades culturais dos índios
onde a utilização desses recursos naturais, dentro ou fora das terras indígenas, submete-se,
ou não, ao regramento da legislação ambiental além de abrangermos também os Direitos
Humanos dessas minorias, mostrando a relação do Direito Ambiental como direito
fundamental de proteção ao meio ambiente de uso essencial para tal população.

METODOLOGIA

Essa pesquisa a qual pretende realizar uma explanação ao que consiste acerca da
sustentabilidade da sociedade indígena brasileira, bem como refletir sobre a proteção do
meio ambiente e aos direitos humanos relacionados a essa comunidade, escolheu-se utilizar

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para tanto o método de pesquisa analítico-dedutivo, pois trouxe vários doutrinadores e


profissionais que trabalham com a questão indígena no Brasil. Além de uma abordagem
descritiva, na qual visa investigar algo que acontece baseando-se em observações, como por
exemplo, levantamentos documentais e legislações que abordam o tema em questão.

DESENVOLVIMENTO

Relatos históricos contam que quando os portugueses desembarcaram no Brasil, os


mesmo se depararam com povos de diversas tribos que lá viviam em florestas adensadas.
Tais povos nativos foram chamados de índios, visto que os portugueses acreditavam ter
chego às Índias como era o esperado pelos navegadores, devido à busca insaciável por
especiarias para o Reino de Portugal, todavia devido que o mercado de especiarias em
determinado momento era monopolizado pelos Estados.
Os índios nativos do território brasileiros já possuíam suas culturas, línguas, tradições e
costumes bem definidos, o que, posteriormente, aos olhos dos portugueses que se alto
declararam descobridores do “Novo Mundo” não era bem visto. Conforme mostra a (Figura
1).

Figura 1 - Watu Ticaba, uma vila Wapisiana, Charles Bentley.[Mulheres indígenas da


Guiana em atividades cotidianas]

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Fonte: Blog Oridesmjr.

O fato é que notoriamente não se tratava de um descobrimento legítimo, tendo em


vista que naquelas terras já existirem povos permanentes, entendendo assim que a América
não fora descoberta, mas sim, invadida e explorada pelo que se chamavam de novos
colonizadores.

Figura 2 - Influencia na religião e crenças indígenas.

Fonte: SP Review.

Ao que se pode notar, é que a cultura indígena foi sofrendo gradualmente influencia
desses novos colonizadores, através da implantação na tradição e costume do índio nativo, a
cultura europeia, com seus costumes, religião, como mostra (Figura 2), vestimentas,
educação e até mesmo culinária, (HALLEWELL, 1985). Consequências sofridas nos dias atuais
do século XXI e o ferimento dos Direitos Humanos onde a sociedade indígena por diversas
vezes dependente do estilo de vida da sociedade contemporânea, como por exemplo, o uso
da luz elétrica, água encanada e, em algumas já mais modernizadas tribos, o uso da internet.
Por vez o índio moderno continua sua luta para manter a herança cultural e de subsistência
em meio à sociedade capitalista.

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Essa sociedade indígena que ainda sobrevive ardorosamente ao longo dos anos é
protegida por algumas ONG’s, em conjunto com a FUNAI e em parceria com a ONU, que são
órgãos protetores dos direitos indígenas, além de seus direitos humanos no plano nacional e
internacional.
Para o tema escolhido que motivou essa pesquisa a qual pretende realizar uma
explanação ao que consiste acerca da sustentabilidade da sociedade indígena brasileira, bem
como refletir sobre a proteção do meio ambiente e aos direitos humanos relacionados a
essa comunidade.
O método de pesquisa usado para tanto foi o analítico-dedutivo, pois trouxe vários
doutrinadores e profissionais que trabalham com a questão indígena no Brasil. Além de uma
abordagem descritiva, na qual visa investigar algo que acontece baseando-se em
observações, como por exemplo, levantamentos documentais sobre o tema em questão.

3. O MEIO AMBIENTE SUSTENTAVÉL E A CULTURA INDÍGENA

O meio ambiente é assunto atual no mundo todo, a partir dos anos 80 a preocupação
ambiental começa a surgir no Brasil, porém as discussões a cerca da “sustentabilidade”
surgiu em 1972 através da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano,
tais questões como poluição e degradação ambiental serviram como base e foram lançadas
para a comunidade internacional através ações de debates.
A consciência ambiental teve uma evolução e foi responsável por criar uma legislação
de proteção ao meio ambiente, elevando-o a categoria de “bem” de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida. (CAVALCANTI, M.L.C & CAVALCANTI, R.S.T., 2018)
De acordo com Fiorillo, o meio ambiente é caracterizado como:
“O meio ambiente natural ou físico é constituído por solo, água, ar atmosférico,
flora e fauna. O meio ambiente artificial é compreendido pelo espaço urbano
construído, consistente no conjunto de edificações (chamado de espaço urbano
fechado), e pelos equipamentos públicos (espaço urbano aberto); está diretamente
relacionado ao conceito de cidade. O conceito de meio ambiente cultural está
previsto no artigo 216 da Constituição Federal do Brasil de 1988, engloba o
patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turístico... O bem que
compõe o chamado “patrimônio cultural” traduz a história de um povo, sua

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formação, cultura e, portanto, os próprios elementos identificadores de sua


cidadania, que constitui princípio fundamental norteador da República do Brasil”
(FIORILLO, 2006, p.21).

A ECO-92 que aconteceu na cidade do Rio de Janeiro no Brasil consagrou a declaração


de Estocolmo como a precursora em definir princípios de preservação e melhorias do meio
ambiente, trazendo consigo o conceito de sustentabilidade, unificando o termo meio
ambiente e desenvolvimento, a fim de abrir os olhos da comunidade internacional para as
necessidades de uma vida sustentável e um meio ambiente sadio, (MANÍGLIA, 2011, 40).
O direito ao meio ambiente por sua vez, entende a sustentabilidade, como uma
categoria que elevou o Direito Ambiental, direito esse chamado de 3º dimensão, sendo
indispensável sua preservação e conservação da natureza e para a vida das presentes e
futuras gerações. Como explica o professor José Afonso da Silva abaixo:
“O ambiente integra-se, realmente, de um conjunto de elementos naturais e
culturais, cuja interação constitui e condiciona o meio em que vive. Daí por que a
expressão “meio ambiente” se manifesta mais rica de sentido (como conexão de
valores) do que a simples palavra “ambiente”. Esta exprime o conjunto de
elementos. O conceito de meio ambiente há de ser, pois globalizante, abrangente
de toda a natureza original e artificial, bem como os bens culturais correlatos,
compreendendo, portanto, o solo, a água, o ar, a flora, as belezas naturais, o
patrimônio histórico, artístico, turístico, paisagístico e arqueológico” (SILVA, 2002,
p.20).

O meio ambiente a cultura e a tradição indígena estão diretamente relacionados,


tendo em vista o cultivo e a subsistência do índio, onde o mesmo ver a terra como a mãe
que fornece os frutos, alimenta o povo, proporciona a vida e o bem estar da tribo. É notória
a interação da comunidade indígena e sua atenção especial com o meio ambiente, os ciclos
climáticos e as estações definidas, pois são elas que irão delimitar o melhor período para as
plantações e cultivo.
Sendo assim não poderíamos pensar em comunidade indígena sem falar na terra, seus
frutos e a sustentabilidade, pois foram eles os precursores por desenvolver em território
brasileiro várias culturas, das quais era desconhecido pelos navegadores e pelos seus novos
colonizadores, um bom exemplo a ser citado é o plantio da Mandioca.

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O planeta Terra vem sofrendo contínuas agressões, das quais implica desde a
degradação do meio ambiente, a biodiversidade, destruição da camada de ozônio e dos
recursos naturais, até a monocultura, (SARRETA, 2007, p.100).
Nessa depredação acentuada, a cultura indígena de cultivo vai sendo deixada de lado
uma vez que agricultores e grandes companhias da indústria agrícolas vêm reivindicando a
terra e não respeitando as demarcações indígenas, tais demarcações feitas após acordos
com o governo federal.
A sustentabilidade do índio, a sua cultura com a terra se vê cada vez mais ameaçada ao
passo que sem ter onde plantarem e cultivarem, a sua cultura de subsistência vai sendo
esquecida. De acordo com Canotilho a sustentabilidade para o Estado está:
“Diante de um mundo marcado por desigualdades sociais e pela degradação em
escala planetária, construir um Estado de Direito Ambiental parece ser uma tarefa
de difícil consecução ou até mesmo uma utopia, porque se sabe que os recursos
ambientais são finitos e antagônicos com a produção de capital e consumo
existente” (CANOTILHO, 2007. p. 149).

Desta forma, Sarreta contextualiza ainda que; com a sustentabilidade inicialmente vem
da ideia de desenvolvimento sustentável, concepção analisada por vários autores e
relacionada ao crescimento econômico, difundida no pós Segunda Guerra Mundial”
(SARRETA, 2007).
Complementado pelo professor, Clóvis Cavalcanti:
“[...] desenvolvimento sustentável representa uma alternativa ao conceito de
crescimento econômico, indicando que sem a natureza nada pode ser produzido de
forma sólida... A natureza deve ser a referencia para a escolha da escala ótima das
atividades econômicas que se detenham dentro daquelas fronteiras.
Evidentemente, o ponto preciso onde a economia se localizará depende de
considerações morais atinentes aos interesses de gerações presentes e futuras. É
dever do governo avaliar as preferencias da sociedade em tal contexto e agir para
colocar a realização das aspirações da presente geração em harmonia com as
aspirações de nossos descendentes” (CAVALCANTI, 1999, p. 38).

Portanto vale ressaltar o papel do governo em garantir elementos para o


desenvolvimento sustentável das sociedades indígenas, uma vez que também requer
transformações nos meios de produção para aqueles que não respeitam as demarcações e
as áreas destinadas aos índios, assim como também meios de punição e sanções especificas
para esses infratores. Para que assim seja garantido o equilíbrio social e financeiro entre

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povo indígena e demais membros da sociedade atual, instigando elevar instituições e


políticas sobre o tema indígena para também um sistema responsável do ponto de vista
ambiental, (CASTELL, 2001).

4. A PROTEÇÃO DOS DIREITOS DOS INDIOS E DO MEIO AMBIENTE

Como já mencionado o povo indígena tem direitos reconhecidos e recebe proteção no


âmbito nacional e internacional dos Direitos Humanos, através das Constituição Federal do
Brasil de 1988 e da ONU, organização das Nações Unidas.
De acordo com dados da FUNASA, os quais mostram índices alarmantes em relação ao
indígena de território brasileiro, ou seja, mesmo com proteção internacional e nacional, a
questão do índio não recebe as devidas atenções das autoridades no país.
Segundo a Coordenadora Regional do Instituto de Estudos Culturais e Ambientais
(IECAM), Denise Wolf afirmou que: “100 a 190 mil índios vivem fora de terras indígenas. No
Brasil, o número de portadores de doenças é de 60,7 para cada grupo de 1.000 habitantes, já
considerado intolerável pela Organização Mundial de Saúde. Porém, entre a população
indígena esse número sobe para 112,7”.
Tal afirmação baseada nos dados comprova a ineficiência dos governos (desde os
primórdios) em garantir ao aborígene o direito a terra para o cultivo de suas culturas, bem
como sua proteção ao ser usufrutuário dessa terra a ele cedida. A realidade existente é que
as terras as quais foram cedidas constitucionalmente à comunidade indígena para seu
usufruto perpétuo, nesse sentido, essa invasão as demarcações indígenas tem feito com que
seu povo se dissemine e misture suas culturas com a dos antigos colonizadores, o que
acarreta doenças para a sua comunidade e perda de parte de suas culturas e tradições,
(ANTUNES, 1998, p.150).

É preciso mencionar o art. 231, caput, da Constituição da República que estabelece o


reconhecimento da organização social, costumes, línguas, crenças e tradições das
populações indígenas, nos seguintes termos:
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes,
línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer
respeitar todos os seus bens.

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(...)
§ 2º. As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua
posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos
rios e dos lagos nela existentes.
A sociedade indígena tem um modo específico de organização e subsistência,
intrinsecamente relacionado ao meio ambiente. Tendo em vista isso a Constituição
reconhece essa forma de vida peculiar dos indígenas e assegura-lhes, ipso facto, o usufruto
exclusivo das riquezas naturais existentes no território que ocupa.
Sendo assim, entende-se que a caça, a pesca e o extrativismo praticados pelo indígena
como atividades tradicionais, dentre outros modos sustentáveis de subsistência, se inserem
nessa concepção de total interação com os bens ambientais que o sustentam, se
constituindo, além de mero meio de subsistência, em ritual específico de vivência e
experimentação de suas crenças e tradições, consubstanciando a sua própria organização
socioeconômica diferenciada.
Visando assegurar o respeito à prática dessas atividades tradicionais pelos índios, no
mesmo sentido das disposições constitucionais do art. 231, apresentam-se os arts. 22 e 24
do Estatuto do Índio (Lei n.º 6.001/73), in verbis:
Art. 22. Cabe aos índios ou silvícolas a posse permanente das terras que
habitam e o direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as
utilidades naquelas terras existentes.
Parágrafo único. As terras ocupadas pelos índios, nos termos deste artigo,
serão bens inalienáveis da União (artigo 4º, IV, e 198, da Constituição Federal).
(...)
Art. 24. O usufruto assegurado aos índios ou silvícolas compreende o
direito à posse, uso e percepção das riquezas naturais e de todas as utilidades
existentes nas terras ocupadas, bem assim ao produto da exploração econômica
de tais riquezas naturais e utilidades.
§ 1° Incluem-se, no usufruto, que se estende aos acessórios e seus
acrescidos, o uso dos mananciais e das águas dos trechos das vias fluviais
compreendidos nas terras ocupadas.
§ 2° É garantido ao índio o exclusivo exercício da caça e pesca nas áreas
por ele ocupadas, devendo ser executadas por forma suasória as medidas de
polícia que em relação a ele eventualmente tiverem de ser aplicadas.
A Constituição e a legislação federal confere o usufruto exclusivo das riquezas do solo,
dos rios e dos lagos nela existentes, com isso decorre a forma e os meios de exercício das
atividades tradicionais dos índios, como a pesca, a caça, o artesanato, o extrativismo, a
agricultura, dentre muitos outros, não podem ser restringidas por regras criadas pelo Estado
tendo como destinatária a sociedade civil comum.
Alguns doutrinadores entendem deste modo às normas e regramentos das atividades
tradicionais praticadas pelos indígenas em prol da sua subsistência e devem ser

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estabelecidas pelos seus próprios povos, e não aquelas preconizadas pelo legislador comum,
que não levam em consideração a relação intrínseca e vital existente entre o índio e o meio
ambiente. Porém tal posicionamento é confrontado, como no que fica exposto por Luiz
Fernando Villares, a seguir:
O usufruto exclusivo não quer dizer que o índio possa utilizar as riquezas
naturais presentes dentro ou fora das terras indígenas de qualquer forma. Se a
Constituição protege a organização social, os costumes e as tradições indígenas,
quer dizer que a forma de utilizar qualquer recurso natural é protegida enquanto
ela for compatível com esses atributos. Dentro ou fora das terras indígenas, a
produção consoante com a organização social, os costumes e tradições indígenas
jamais devem ser limitados. A caça, a pesca, a agricultura de subsistência, a
pecuária, o extrativismo e a produção de artesanato não podem sofrer restrições,
pois são amparadas constitucionalmente, mesmo que os excedentes dessas
atividades sejam utilizados para comercialização. As regras que norteiam essas
atividades devem ser as regras dos próprios povos (...). Não pode o Estado exigir
aos povos indígenas regras outras que não as suas nas atividades tradicionais.
Exclui-se, assim, qualquer norma administrativa ou penal sobre a exploração de
riquezas naturais pelos índios.
Complementando o posicionamento de Villares, o Fernando Mathias Baptista diz que:
“Na medida em que a exploração (de recursos naturais) se dê de acordo
com os usos e costumes dos povos indígenas, não estão eles obrigados a cumprir
com as normas e padrões ambientais exigidos para a população não indígena,
pois a Constituição respalda seus usos e costumes como legítimos e reconhecidos
pelo Estado Brasileiro. Caso passem a explorar seus recursos naturais de forma
diversa do que dita suas tradições e costumes de manejo, então passariam a estar
sob o crivo da legislação ambiental, devendo observar as restrições ambientais
para cada atividade pretendida”.
Além disso Juliana Santilli menciona que:
“A Constituição reconhece aos índios sua organização social, costumes,
línguas, crenças e tradições e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam. Assegura ainda aos índios o direito de usufruto exclusivo
sobre as riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos, e a posse permanente
sobre as suas terras tradicionais. O direito de usufruto exclusivo se destina a
assegurar aos índios meios para a sua sobrevivência e reprodução física e
cultural. Vê-se, portanto, que a Constituição protege o modo de vida tradicional
dos povos indígenas, e que suas atividades tradicionais, desenvolvidas e
partilhadas ao longo de gerações, e reproduzidas segundo usos, costumes e
tradições indígenas, estão claramente excluídas da possibilidade de aplicação das
normas incriminadoras previstas na Lei de Crimes Ambientais (Lei nº
9.605/98). Atividades tradicionais como caça, pesca e extrativismo, ainda que
realizadas mediante o emprego de técnicas, métodos, petrechos ou substâncias
não permitidas pela legislação ambiental, estão isentas das penas cominadas aos
crimes ambientais”.

Pode-se imaginar que caso a União tivesse que permitir ou autorizar o uso das
atividades como a pesca para as diversas etnias indígenas existentes em território brasileiro,
regulamentando quais os aparelhos de pesca poderiam, ou não, ser utilizados por cada uma

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delas, essa exigência não só seria um abuso absurdo como também iria de encontro à
Constituição da República: Haja vista a sua manifesta contrariedade aos princípios
constitucionais de reconhecimento dos povos indígenas e de seus costumes e tradições, sem
mencionar a carência total de razoabilidade.
Sem falar que pouco teria probabilidade de efetivação, tendo em vista que grande
parte dos povos indígenas não são conhecedores de nossa legislação, desconhecendo
totalmente a burocracia própria às organizações estatais, já que se organizam internamente.

A Luz da Constituição Federal do Brasil de 1988, artigo 225, acerca do meio ambiente,
define a Constituição como sendo algo que deve ser preservado para os presentes e futuras
gerações, cabendo à coletividade assim como também ao poder público defendê-lo,
preservá-lo, restaurá-lo, controlá-lo e defini-lo de forma que garanta a proteção do bem
coletivo. Diante desse estudo, foi criado o Direto Ambiental, veículo assegurado por
princípios para a melhor aplicabilidade dos meios de proteções ao meio ambiente. Segundo
Celso Antonio Pacheco Fiorillo:
“Dessa forma, observa-se que o direito ambiental reclama não apenas que se
“pense” em sentido global, mas também que se haja em âmbito local, pois
somente assim é que será possível uma atuação sobre a causa de degradação
ambiental e não simplesmente sobre seu efeito. De fato, é necessário combater as
causas dos danos ambientais, e nunca somente os sintomas, porquanto, evitando-
se apenas estes, a conservação dos recursos naturais será incompleta e parcial”
(FIORILLO, 2006, p.46).
Sendo assim, cabe à União, aos Estados, aos Municípios, aos órgãos e entidades da
Administração Indireta, garantir aos indígenas livre acesso aos meios indispensáveis à
existência de suas comunidades, não impondo exigências, muito menos estabelecendo
restrições que não se coadunam com a sua organização social peculiar e com suas crenças,
tradições e costumes diferenciados.
Portanto qualquer conclusão em sentido contrário representaria uma tentativa odiosa
do Estado para sobrepujar a cultura indígena e os seus métodos específicos de subsistência,
quando impostos aos índios hábitos de uma sociedade cujo ele não pertença.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Vale salientar que a utilização das riquezas naturais presentes dentro ou fora das
terras indígenas, desde que compatível com seu modo tradicional de vida e organização,
seus costumes e tradições, não pode ser limitado pela legislação ambiental comum,
regendo-se, ao revés, pelas regras próprias de cada comunidade indígenas, não se impondo
ao índio, nessas condições, qualquer responsabilização de ordem administrativa ou até
mesmo penal pelo exercício desse tipo de atividade.

Entende-se por fim que a atividade tradicional restar exercida pelo índio em regime de
subsistência e atendendo ao seu modo próprio de desenvolvimento não estará seu autor-
índio sujeito a qualquer responsabilização em face da legislação penal, civil ou administrativa
por conta do seu desempenho. Tal exercício exercido sobre a atividade tradicional dentro ou
fora das terras indígenas repita-se, deve ser regida pelas comunidades indígenas e suas
próprias regras.
Sendo assim o índio que tentar explorar atividades em caráter comercial ou lucrativo,
dar-se-á a sua inserção no âmbito de incidência das regras jurídicas de responsabilidade das
condutas lesivas ao meio ambiente.
De acordo com doutrinadores a União, o Estado ou Município, bem como suas
autarquias e fundações, não se mostram razoáveis no que consiste restringir a utilização de
meios tradicionalmente utilizados por determinada etnia indígena para prover a respectiva
subsistência a partir dos recursos ambientais que lhe são disponíveis na natureza.
Nota-se o disposto no art. 2º, incisos IV e V, do Estatuto do Índio (Lei nº 6.001/73),
segundo o qual:
Art. 2º. Cumpre à União, aos Estados e aos Municípios, bem como aos
órgãos das administrações indiretas, nos limites de sua competência, para a
proteção das comunidades indígenas e a preservação dos seus direitos:
(...)
IV – assegurar aos índios a possibilidade de livre escolha dos seus meios de
vida e subsistência;
V – garantir aos índios a permanência voluntária no seu
habitat, proporcionando-lhes ali recursos para o seu desenvolvimento e
progresso.
Ficando desta forma exposto as regras jurídicas acerca das atividades comerciais
indígenas.

CONCLUSÃO

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ISSN:

O presente trabalho elucidou as questões da população indígenas sua etnohistória,


tendo como marco inicial à descoberta do território que veio a se chamar Brasil e sua
cultura.
A relação do índio com o cultivo na terra, o meio ambiente e a sustentabilidade,
mostrando a grande importância para esse povo em ter um meio ambiente equilibrado
devido a sua subsistência.
Porém, as tradições dessa relação do índio com a terra estão cada vez mais distantes,
uma vez que seu território ainda está sendo invadindo pela sociedade de homens brancos,
os quais em pleno século XXI, não respeitam as demarcações indígenas já regulamentadas
pela Constituição Federal Brasileira.
Nesse contexto abordando o Direito Humano dessas minorias e sua proteção através de
órgãos específicos no âmbito nacional e internacional, são várias as ONG’s que unificam suas
forças para assegurar a proteção do índio e seus direitos ao meio em que vivem.
Entretanto essa proteção não é totalmente eficaz uma vez que suas reservas são cada
vez mais diminuídas de extensão e exploradas desordenadamente.
Tal fato faz com que o povo indígena acabe migrando para os centros urbanos e, em
partes, perdendo as suas tradições de cuidado com a terra e de sustentabilidade frente às
culturas nativas cultivadas por seus antepassados.
Observa-se uma visão holística a cerca do meio ambiente, do qual cabe à coletividade
deverá proteger e respeitar, para o bem das presentes e futuras gerações, de forma que
todos os povos e todas as culturas possam ter livres acesso a um ambiente sadio,
equilibrado e qualidade de vida além do que fica exposto na a Constituição Federal
reconhecendo aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições,
atribuindo-lhes, inclusive, o usufruto exclusivo das riquezas naturais do solo, dos rios e dos
lagos.
De forma que os meios de exercício das atividades tradicionais dos índios não podem
ser restringidos por regras criadas pelo Estado tendo como destinatária a sociedade civil não
indígena.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ISSN:

A GUERRA DOS BÁRBAROS: LEVANTE INDÍGENA E HOLOCAUSTO NO NORDESTE


COLONIAL. POESIA E RESISTÊNCIA NOS FOLHETOS POPULARES.

LEITE Lucas Santos Ribeiro

UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE

lucassrleite1973@gmail.com

LIMA Marinalva Vilar de

UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE

iramlima@ig.com.br

INTRODUÇÃO
No presente artigo tentamos explanar o processo narrativo e histórico sobre a
ocupação e expansão do Império português no Brasil, utilizando como aporte a Guerra dos
Bárbaros, considerada por muitos pesquisadores, o maior levante indígena no Nordeste
Colonial. O conflito tem início com as tentativas de expansão territorial realizadas pelos
colonos para o cultivo do gado na região do Rio Grande do Norte, os atos de violência que
acompanharam esse movimento despertaram a revolta dos povos nativos. A autora Marysa
Santos Silva (2014), em sua monografia, nos aponta deficiências no tocante às pesquisas
históricas sobre a guerra.O primeiro apontamento é referente à produção "A Guerra dos
Bárbaros", de Afonso de Taunáy, este que trata dos conflitos de forma descritiva, apenas
traduzindo os principais acontecimentos com severas lacunas no tocante ao debate
histórico. Faz apontamentos acerca das pesquisas de Maria Idalina da Cruz Pires, Resistência
Indígena e conflitos no Nordeste colonial, obra que trata os antecedentes do conflito, o
desenvolvimento da pecuária e o povoamento no interior como sendo as principais causas
da guerra e, posteriormente, a disputa por posse da terra pelos próprios agentes

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colonizadores. (SANTOS, 2014, p.3). A autora discorre sobre a tese de doutorado de Pedro
Putoni e ressalta semelhanças no tocante ao trabalho analítico da obra anteriormente
mencionada, mas que, dá ênfase a questão da organização e distribuição espacial das várias
tribos que habitavam o nordeste do país. Também é mencionado o trabalho de Denise
Mattos Monteiro Introdução à história do Rio Grande do Norte, no capítulo sobre resistência
indígena no sertão, pautado na concepção metodológica da Nova História, que a partir da
década de 1960 passou a despertar o interesse em pesquisas relacionadas à história dos de
baixo, nesse caso temos os povos nativos, sujeitos com menor visibilidade ao pensarmos em
uma trajetória de pesquisas anterior. (SANTOS, 2014, p.6)

Mediante a escassez de pesquisas que abordam as questões indígenas na literatura


de folhetos e na tentativa de explanar a reprodução poética de um dos mais conflitos
envolvendo nativos e colonos no século XVII e início do século XVII, produzimos esse artigo.
Trabalhamos o conceito de resistência em um duplo aspecto: o primeiro é referente à luta e
resistência dos povos nativos, em um processo histórico que ficou conhecido como A Guerra
dos Bárbaros. O segundo se refere à resistência na literatura de folhetos, postura essa que
têm sido tomadas pelos poetas populares desde a década de setenta, a partir do momento
em Medeiros Braga, se apropria de uma temática histórica para dar luz as pautas sociais
contemporâneas. (MAXADO, 2011) Sobre o autor, Medeiros Braga ou Luzimar Medeiros
Braga, já exerceu as profissões de jornalista e professor. É formado em economia,
atualmente trabalha como romancista e poeta popular. Nasceu na cidade de Nazarezinho
em 20 de abril de 1941, na Paraíba. Durante o período que se estendeu até sua idade adulta
morou na zona rural. Sua aproximação com a literatura se deu a partir do contato com uma
irmã mais velha, esta que, estudava em fortaleza e levava livros de autores consagrados
como Machado de Assis, José de Alencar, Castro Alves, para o poeta. Mesmo na condição de
homem do campo, Medeiros Braga manteve contato com grandes expoentes da cultura
letrada. (ALFAOMEGA, 2018)

Quando jovem, Medeiros Braga, exerceu a profissão de professor, lecionava uma


cadeira chamada “economia de mercado”, foi jornalista junto ao diário da Borborema,

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assessor técnico da Federação dos Trabalhadores na Agricultura-FETAG, técnico de


desenvolvimento rural junto a comunidades de pequenos produtores, dentre outras
funções. Sua trajetória enquanto trabalhador forneceu os alicerces ideológicos para uma
escrita pautada na luta do homem do campo, nos problemas relacionados às estruturas
agrárias, na desigualdade social e na insurgência contra as elites dominantes. Atuou como
militante político de esquerda no processo contínuo de educação popular. Participou da
fundação da Associação de Imprensa de Patos e da criação da Associação dos Economistas,
da mesma região. (ALFAOMEGA, 2018). O poeta possui uma vasta produção de folhetos
voltados para o trabalho de conscientização política, obras que tratam de personagens
históricos e temáticos como: O Quebra-Quilos, A revolução Russa, Karl Marx, Guerra Civil
Espanhola, Ligas Camponesas, Zumbi dos palmares, Antônio Conselheiro, Patativa do Assaré,
Castro Alves, Saramago, D. Pedro, Margarida Maria Alves, Inácio da Catingueira, dentre
outros. Consideramos o contexto de produção e o percurso do poeta Medeiros Braga
de total importância, para que possamos compreender as intencionalidades ou postura
ideológica, que se escondem por trás de sua produção literária. (CHARTIER, 2003) Uma vez
que, ao escrever uma obra sobre resistência indígena, o autor representa um processo
histórico sobre o Sertão Nordestino do período colonial, nos seus próprios termos. É comum
encontrar expressões como “mão de obra operária”, “elite”, dentre outros termos que
fazem menção as relações modernas de trabalho. Em determinadas circunstâncias, a crítica
social faz parte de um engajamento político maior, característico do protagonismo e da
causa política que o autor representa. No entanto, consideramos que a expressão critica se
faz também na esfera das emoções, e que a poesia traz à tona a desigualdade social.
(BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2009) Todo um processo de injustiças sociais que acometem o
homem do presente toma espaço na literatura de folhetos de autores como Medeiros Braga,
e para além da dicotomia entre classes, o folheto é uma grande ferramenta de
conscientização. Daí a função social do poeta, traduzir em termos comuns todo quadro de
insatisfação para o maior numero possível de leitores. Selecionamos o folheto intitulado A
Guerra dos Bárbaros, Holocausto Brasileiro Dominação – Exploração – Extermínio, que
reporta aos gêneros: De bravura ou heróicos, Histórico e Biográfico, segundo a classificação

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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elaborada acerca da literatura de folhetos por Franklin Maxado, para discussão dessa
problemática. (MAXADO, 2011)

POESIA POPULAR: NARRATIVA DE GUERRA

O Poeta popular inicia uma narrativa sobre os conflitos no Nordeste do período


Colonial ressaltando que a história da humanidade é marcada pela exploração do
trabalhador. Retrata a história do império americano, esta que nasceu nos braços da
escravidão, a partir da expansão do império ultramarino português e todo processo
desumano. Como nos aponta o verso:

A história do Universo
É a história dos tiranos,
É a história da Conquista
De escravos africanos;
A história dos Juízes
Que invadiram países
Se tornando soberanos.

O Brasil com tantos outros


Não foi nada diferente,
Portugueses aportando
Com munição e corrente
Trataram de se apossar
Das terras e escravizar
O seu dono e residente (p.3, est. 3,4)

Sobre a questão da resistência Indígena e todo processo de luta envolvendo os donos


da terra e os colonizadores, exploramos pesquisas que tratam da rebelião Tapuia, do
processo de apropriação de terras pertencentes aos nativos e as consequências irreparáveis
que marcaram anos de conflito. A rebelião ocorreu
em uma área que atualmente corresponde à boa parte do sertão nordestino, tem início na
região da Bahia, percorre as áreas das antigas capitânias, até chegar ao Maranhão. Temos

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como antecedentes as tentativas das comunidades indígenas de impedir o avanço do


europeu no sertão, momento de ruptura com a coexistência entre os dois povos durante o
período da extração do pau-brasil. A partir do momento em que os portugueses
desenvolveram uma empresa mercantil, com base na conquista de territórios, na montagem
da agroindústria e do cultivo de gado, atividades estas que tinham como base da
produtividade a mão-de-obra escrava, foram minadas qualquer tipo de convivência entre os
grupos. A ocupação inicial se fez no litoral, momento marcado pela política exploratória e
agressiva característica do final do século XVII, e culminaram com o massacre das principais
tribos tupi-guarani, os Kaeté, Tabajara, os Amoipeia e os Potiguaras. Estas que, por sua vez,
entraram em conflito com os europeus na costa Brasileira desde o século XVI. (SANTOS,
2014, p.19) Para compreender a relação entre a literatura e meio ambiente, ou
melhor, a forma como a paisagem é apresentada no corpo narrativo do folheto,
necessitamos de algumas reflexões acerca da história ambiental. Temos nos processos de
conquistas, guerras e resistência, fenômenos estes que acompanharam a luta indígena no
nordeste colonial do século XVII, uma apresentação acerca de um espaço físico onde os
sujeitos se organizam e reogarnizam suas vidas. (WORSTER, 1991, p.185-215)

Seguindo com a reflexão anterior, o conceito de paisagem pra Milton Santos (2004) é
apresentado como o resultado de um processo de acumulação do tempo, ou seja, é um local
passível de mutações que acompanha as transformações sociais. Quando estudamos o
sertão percebemos que a literatura de folhetos acompanha esse processo de
transformações do homem, sendo ele produtor de cultura e sujeito social. Com o decorrer
do tempo novas identidades são atribuídas à região. Os produtores literários recriam novas
paisagens a cada página, em um processo de produção de livretos populares que perdura há
séculos na região do Nordeste.

Percebemos a importância da paisagem no sertão para o encaminhamento dos


acontecimentos da guerra, ao mesmo tempo em que fazemos ressalvas à descrição do meio
ambiente na literatura de folhetos. Temos como exemplo na obra em questão, a descrição
da paisagem e a distribuição espacial das tribos:

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ISSN:

Muitas tribos habitaram


Em diferentes ribeiras,

Os pegas ou ariús
Viviam na ribanceiras
Lá pelo Rio Piranhas
Até o Açu sem manhas
Com suas sagas Guerreiras

Jenipapo e Canindé,
Habitavam o ceará,
Penatis já pelo rio
Piancó a desaguar,
Os cariris com seu lema

Na Serra da Borborema
D’onde veio a emigrar

Habitavam muito tempo


O Rio Grande tão-só,
Pelos Rios Apodi,
O Açu e o Mossoró,
Os tapuias, resistentes
E janduís valentes
Surgidos do Seridó. (p.6 est. 26, 27,28)

Os conflitos no litoral ou guerras de Restauração coincidiram com a expulsão dos


holandeses, e com a ordem régia assinada por D. João IV em 29 de abril de 1654 concedendo
sesmarias aos soldados e oficiais que lutaram na guerra, nesse sentido, percebemos uma
intensificação massiva relativa ao povoamento das áreas do Sertão. Na região da Paraíba, de
1655-1657, temos um processo de conflitos travados entre João Fernandes Vieira e os
Janduí, um dos primeiros grupos a se rebelar. A partir de 1670, impulsionados pelas
concessões de sesmarias, o conflitos se tornaram mais freqüentes. Os sertões de Rodelas, na

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ISSN:

região de Pernambuco, foi palco de disputas por três anos, marcados pelas ofensivas
organizadas pelos Tapuias e Kariris. A região do Piauí, com a concessão de terras doadas pelo
governador Fernão Coutinho a Francisco Dias de Ávila e Domingos Afonso Mafrense. As
principais zonas de resistência foram o Sertão de Rodelas em Pernambuco, a ribeira do
Jaguaribe no Ceará, a Serra da Borborema na Paraíba e a Ribeira do Açu no Rio Grande do
Norte. (SANTOS, 2014, p.21) Seguindo esse histórico, vai ser a partir de 1676, na ribeira do
Açu no Rio Grande do Norte, um dos lugares onde o povoamento aconteceu de forma mais
expressiva. As intencionalidades dos colonos na região do Açu não se resumiam apenas a
criação de gado. Um dos motivos da ocupação era limitar o com os contrabandistas de
outras nações européias. A partir de 1687, temos uma grande proporção de documentos,
cartas e concessões de terra, isso mostra que com o decorrer do tempo o conflito foi se
agravando cada vez mais. (SANTOS, 2014, p.22) . A guerra dos Bárbaros teve inicio na
capitânia do Rio Grande do Norte, sendo um dos eventos de maior importância do século
XVII. Além do movimento de ocupação territorial para pecuária a necessidade de mão-de-
obra para cultura agrícola foi fator decisivo para o conflito. A falta dos recursos para compra
dos escravos de além mar fez com que os povos indígenas fossem capturados para atender a
demanda. (SANTOS, 2014, P.23) Como nos apontam os versos:

Eram colonos que tinham


Todo apoio militar
Mas, queria mão de obra
Para com ela Criar
Gado vacum pelo pasto
Sem vir a ter muito Gasto
No seu tempo de criar

Já se via o Rio Grande

Com vocação de valor

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ISSN:

Na criação, e devia
Se estender ao interior,

Para isso precisava

Dessa gente semi-escrava

Feita em trabalhador. (p.5, est. 17,18)

Em fevereiro de 1687, uma carta dirigida ao governador da capitania de Pernambuco,


João da Cunha Souto Maior, relatava que na região do Açu os Tapuias já haviam matado
mais de cem pessoas, destruído áreas de cultivo e o gado. Os portugueses não possuíam
recursos para lidar com as investidas. Nesse mesmo ano, foi realizado um pedido a Matias
da Cunha, governador geral do Brasil, este que enviou duas companhias lideradas por
Camarão e Henrique Dias. Além disso, foi solicitado apoio ao capitão-mor da Paraíba, Amaro
Velho, que enviou o coronel Antônio de Albuquerque da Câmara, para contribuir na
expedição. (SANTOS, 2014, p.23) No folheto percebemos a descrição sobre o início do
conflito e suas consequências:

Em mil seiscentos e oitenta


O problema se agravou,
Os tapuias, bravos índios,
Com coragem e com fervor,
Sem hesitar um instante
Entravam, pois, constante

Os passos do invasor.

Com as concessões de terra


No Rio grande do Norte

As coisas se agravaram,
Confrontava-se a sorte;
Dos dois povos diferentes
Os embates inclementes

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ISSN:

Se acabavam sempre em morte. (p.8, est. 45,46)

Os conflitos tiveram continuidade e na medida em que ocupação dos colonos


adentrava o sertão as lutas se intensificavam. Os tapuias, muito provavelmente, sabiam que
a presença do homem branco se expandiria cada vez mais até tomar o controle de toda
região. Protegidos com armas de fogo, os colonizadores tomaram de forma progressiva a
terra dos indígenas, em um processo histórico de dominação marcado pela morte e
escravização. (SANTOS, 2014, p. 22). Após de 30 anos de guerra chegaram reforços
significativos das capitanias da Paraíba e Ceará, no entanto, os esforços foram em vão e
serviram apenas para intensificação da resistência indígena. Os tapuias só foram contidos
quando os bandeirantes paulistas alcançaram a região, com mais reforços e armas prontos
para contenção dos ataques indígenas. (SANTOS, 2014, p.23)

Para tal esses colonos


Tinham apoios pluralistas
De grupos de Mercenários
E das forças “legalistas”
E ainda com fervores
Dos indígenas traidores
E bandeirantes paulistas

Nas entradas, bandeirantes


Onde passavam, deixavam
A marca da crueldade
Pelos índios que matavam;
E de forma desmedida
A natureza ferida
Ante as matas que queimavam

Foram tais requisitados


Pelos colonizadores
Pela fama que levavam
De ser Grandes matadores;
Pela fama de Valente
E, sobretudo, inclementes
Com os seus opositores (p.10, 11, est. 62, 66, 67)

Medeiros Braga elabora um critica sobre a participação dos bandeirantes nos


conflitos. Após o fracasso das expedições locais, Mathias da Cunha, até então governador,

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ISSN:

recebeu a notícia de que a forças locais lideradas pelo coronel Antônio de Albuquerque e o
capitão da infantaria André Pinto teriam fracassado. Em setembro de 1688, os bandeirantes
paulistas são convocados e apontados como únicos capazes de trazer uma resolução para o
conflito. (SANTOS, 2014, p.25)

Os sujeitos enaltecidos pela historiografia oficial têm seus crimes denunciados pelo
poeta. Temos uma representação narrativa acerca dos principais lideres dos bandeirantes
que travaram batalhas na região do sertão: Afonso Maranhão foi um deles, responsável
pelas investidas contra os canindés nas margens do Rio Seridó; Domingos Jorge Velho,
famosos pela sua participação na derrocada dos palmares, sertanista e conhecedor da região
e das táticas de luta utilizados pelos nativos, foi também um dos protagonistas do massacre,
como nos mostram os versos:

Mathias da cunha vendo


Como governo o tabu
Convocou Domingos Jorge
Em troca de Algum Zebu
E mais terras por abonos
Para salvar os colonos
Nas ribeiras do Açu

O Domingos Jorge Velho


Que vinha de outros ares,
Bandeirante enaltecido
Pela Ueda dos Palmares,
De terras a possuir
Dispunha no Piauí
De milhões de Hectares.

Chegou ele ao Rio Grande


Com vários destacamentos
Para aclamar pela força

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Grandes descontentamentos
Conter a indignação
Dos índios que havia, então,
Contra os povoamentos. (p.12, est. 76,77,78)

A presença dos Bandeirantes ficou marcada pelos atos de selvageria e culminou nas
etapas finais do conflito. O interesse dos posseiros nas terras do sertão, associados à política
local, contribuíram para disseminação de uma ideologia de guerra. O governo legalizou o
cativeiro indígena, se esforçou para manter os soldos dos bandeirantes, dando
consentimento e legitimando todas as atrocidades cometidas por esse grupo. O jogo de
interesses das elites locais foi repercutido em práticas, nos moldes do que poderíamos
chamar de guerra justa. (SANTOS, 2011, p.26) Como ressalta o poeta:

Muito Colonizador
Dizia de voz pausada
Se existe “guerra justa”
É aquela a ser travada
Com o demônio em pessoa
Por isso que pela proa
Precisa ser extirpada.

Com os títulos de selvagem,


De demônio, canibal
E a afirmação do índio
Ser pior que animal;
Todos os ditos profanos
Incentivavam colonos
Ao extermínio total. (p.18, est. 25,27)

CONCLUSÃO: LITERATURA DE FOLHETOS ENQUANTO RESISTÊNCIA

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No contexto das sociedades americanas os tapuias protagonizaram uma batalha


singular. Tiveram como estratégias os assaltos, as emboscadas, os saques realizados nas
fazendas de gado, dentre um processo de estratégias capaz de minar as forças monárquicas
de repressão. Formaram uma unidade de luta contra a força militar da colônia, foram
necessários inúmeros destacamentos para conter a fúria desses povos. (SANTOS, 2011, p.30)
A resistência dos tapuias foi uma das mais longas do Brasil no período colonial. As
consequências do conflito foram irreparáveis para as tribos indígenas, chegando ao fim em
1713. Atualmente na região do Rio Grande do Norte poucos grupos de nativos
sobreviveram, alguns migraram para outras regiões do sertão enquanto outros se
integraram ao processo de mestiçagem. (SANTOS, 2011, p.30)
Percebemos nos versos narrados pelo poeta e no diálogo estabelecido por
pesquisadores sobre o conflito, um grande movimento de insurreição e resistência. Isso se
deu pelo fato de que a guerra dos bárbaros durou aproximadamente cinco décadas. Houve
alianças entre os povos tapuias, janduís, paiacus, caripus, icós, caratiús e cariris, eles se
uniram formando unidades políticas, estas nas palavras proferidas pelos portugueses:
Confederação dos Cariris ou Confederação dos bárbaros. (BUENO, 2003, p.66)
Ao trabalhar com essa narrativa percebemos que a história das guerras é a história
do gênio humano aplicado à destruição. A teoria da guerra nasce na china. Os escritos mais
antigos que fazem menção a guerra e ao conjunto de estratégias desse processo enquanto
aparato filosófico, este desenvolvido por Sun Tzu, em aproximadamente 330-400 a.C. “a arte
da guerra é de vital importância para o estado, é a província entre a vida e a morte” é uma
estrada para segurança ou para própria ruína, e por isso não pode ser negligenciada. (TZU,
2011, p.39). Nas palavras de Magnoli (2006), os europeus consideram a guerra uma etapa do
fluxo incessante de relações internacionais. Essa visão cínica pautada na disputa por
territórios e na rivalidade das dinastias, moldado a partir da postura filosófica de Maquiavel,
que em tese separa a moral política da moral comum, não foi capaz de minar o horror diante
o sofrimento humano. (MAGNOLI, 2006, p.11). A pesquisa elabora dá ênfase à rebelião dos
tapuias, enquanto povos de caráter irredutível, concepção essa que acompanha a
historiografia e também o imaginário do poeta popular Medeiros Braga. Elaboramos um

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ISSN:

trabalho de resistência que se faz no plano das idéias. Trabalhamos com a representação
acerca da temática indígena enquanto prática cultural. Analisamos como a prática literária
que associa a causa social à resistência indígena se desloca no fluxo do tempo até atingir a
contemporaneidade. (CHARTIER, 1990) Concluímos que, as lutas por terra no Brasil ainda
seguem com ritmo incessante, novas vítimas são acometidas diariamente, os interesses dos
posseiros e do governo brasileiro continuam ameaçando as comunidades que resistem. Por
esse motivo, devemos considerar as pesquisas que retratam as guerras de tamanha
importância, assim como o papel do historiador, de trazer luz a novas reflexões sobre essas
questões.

REFERÊNCIAS

ALFAOMEGA. Biografia: Medeiros Braga. Disponível em :


<https://site.alfaomega.com.br/autores/medeiros-braga>. Acesso: 15/06/2018
BRAGRA, M. A Guerra dos Bárbaros O Holocausto Brasileiro. João Pessoa, 2014.
BUENO, E. Brasil: uma história. São Paulo: Ática, 2003.
BOLTANSKI, L. CHIAPELLO, E. O novo espírito do capitalismo. São Paulo. Martins Fontes,
2009.
CHARTIER, R. A História Cultural: entre práticas e representações. Lisboa. DIFEL, 1990.
––––––––.
Formas e Sentido. Cultura escrita: entre distinção e apropriação. Campinas. Mercado das
Letras, 2003.
MAGNOLI, D. História das guerras. São Paulo. Contexto, 2006.

MAXADO, F. O Que é Cordel na Literatura Popular. Mossoró, Queima-Bucha, 2011

SANTOS, M. Pensando o espaço do homem. São Paulo: Editora da USP, 2004.


SANTOS, M. A Resistência Indígena no Rio Grande 1688-1720. Monografia disponível
em:<http://www.edufrn.ufrn.br/bitstream/123456789/314/1/A%20RESISTÊNCIA%20INDÍGE
NA%20NO%20RIO%20GRANDE%201688-1720.pdf>. Acesso: 10/06/2017. UFRN, 20014.
TZU,S. A Arte da Guerra. São Paulo. Hunter Books, 2011.

WORSTER, D. Para fazer História Ambiental. Revista Estudos Históricos, v. 04, n. 08, Rio de
Janeiro, 1991.

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ISSN:

REFLEXÕES SOBRE A ESCRITA DA HISTÓRIA AMBIENTAL REFERENTE À CAÇA


AS BALEIAS NO BRASIL COLONIAL

ANDRADE, Rodrigo Ribeiro de

Universidade Federal de Campina Grande

rod_ribeiro@outlook.com

APOLINÁRIO, Juciene Ricarte

Universidade Federal de Campina Grande

1 A ESCRITA DA HISTÓRIA AMBIENTAL: PASSADO E PRESENTE

Mergulhando nas reflexões da historiadora Regina Orta Duarte, reafirma-se que no


mundo em que vivemos, a questão ambiental tornou-se um dos mais relevantes impasses a
serem enfrentados pela humanidade. A história, ao se voltar para o tema de forma
sistemática e minuciosa, cumpre um importante papel. O vigor e a promessa dessa nova
perspectiva é o fato de que ela poderá servir prioritariamente à vida e, mais que à sua mera
conservação, ela poderá constituir-se em prol da afirmação de sua abundância, ligando-se ao
tempo presente e aos homens presentes (DUARTE, 2005). Elucidando as palavras de uma
das mais importantes historiadoras da historia ambiental no Brasil,

A História permite o encontro com outras possibilidades de existência


humana e com os diversos significados atribuídos à natureza por outras
sociedades. Se, por um lado, não podemos compreender o outrora e o
alhures da humanidade a não ser em função de nossas próprias categorias, a
operação historiográfica viabiliza, em compensação, retornar tais categorias,
repensá-las, compreendê-las e, principalmente, transformá-las. Tornamo-
nos, assim, capazes de entrever novas formas dos homens se inter-
relacionarem, mas também outras maneiras de significar o meio natural
(DUARTE, 2008).

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Os historiadores que trabalham com a história e a natureza são confrontados pela


detecção de espaços nos quais as escolhas humanas se mantêm preservadas, não obstante
as inegáveis influências do clima, da vegetação, do solo, dos microorganismos, e até das
tendências genéticas, em suas variadas manifestações genotípicas e fenotípicas. É certo que
a natureza e os fatores sociais e históricos influenciam nossas escolhas até certo ponto, sem,
entretanto, determiná-las em absoluto.

A história dos historiadores ambientais é, contudo, bem mais recente que a do


interesse da disciplina pelas questões que envolvem natureza e cultura. Embora a
antiguidade do interesse pelo tema não seja, frequentemente, reconhecida pelos norte-
americanos que cunharam o termo, ela é, como veremos, patente. Uma recente história
ambiental tem hoje nascido de uma crítica à geografia tradicional, que marcou em seu
sistema interpretativo uma clivagem estática entre os domínios do homem e aqueles do
chamado mundo físico: o dos eventos geológicos, fitogeográficos e climáticos.
Frequentemente, para a maioria dos que leem um livro acadêmico de história, sejam eles
provenientes ou não dos ambientes intelectuais ligados à nossa arte, a natureza, no que
concerne ao mundo social e histórico dos homens não passa de um cenário como aqueles de
cinema, imóvel, estático ou, alimentado por uma vida virtual e meramente coadjuvante.
Isso, porque a história da humanidade costuma ser escrita sem levar em conta o mundo
natural. (AGUIAR, 2011)

Para boa parte dos historiadores que iniciaram na década de 1970 um movimento
em favor da escrita de uma história ambiental, esses exemplos podem ser relevados frente à
sua nova e surpreendente proposta. Será, por isto, que estes autores estariam ousando ou
inovando tanto assim? Certamente que não. Marc Bloch, Fernand Braudel, Emmanuel Le Roy
Ladurie, Georges Duby, e, atualmente, Keith Thomas e Raymond Willians – que, inclusive,
não se definem como historiadores ambientais – trabalharam, cada um a seu turno, a
influência das mudanças do clima, do regime de chuvas, dos solos, das marés e das
paisagens sobre os deslocamentos, as respostas e as construções culturais humanas.

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Há, ainda, a vasta obra dos brasileiros Capistrano de Abreu, Sérgio Buarque de
Holanda e Caio Prado Júnior que não devem ser encarados como precursores de uma
história ambiental no Brasil, mas, simplesmente, como historiadores atentos à vida e ao
cotidiano dos homens no tempo.

Não obstante o fato de não se auto-intitularem historiadores ambientais, os


construtores dessas análises privilegiaram a transformação cultural e histórica do meio
natural e contribuíram para transformar a nossa perspectiva sobre a história das sociedades
humanas (DUARTE, 2005).

O fato é que a maioria dos pensadores sociais dos séculos XVIII, XIX e da primeira
metade do século XX corroborou em seus estudos uma tendência para a compartimentação
entre os saberes que envolvem o homem – as chamadas ciências humanas – e os que
concernem ao mundo biológico e geológico – as ciências naturais. Nos termos de Durkheim,
fatos sociais só podem ser explicados por outros fatos sociais. Sociólogos norte-americanos
como W. Catton e R. Dunlap, como nos lembra José Augusto Drummond, adotaram um
paradigma caracterizado pela ideia da imunidade humana (human exepcionalism paradigm)
aos diversos fatores do mundo natural. A sociedade e a cultura humanas só poderiam ser
decodificadas com base em seus próprios dados, em sua própria clausura (DRUMOND,
1997). Um historiador ambiental deve analisar a inter-relação de fatores vários como a
paisagem, a tecnologia, a economia, a organização social e política, as representações
simbólicas, etc. As paisagens, por exemplo, podem ser estudadas e comparadas em
diferentes momentos para a avaliação de suas modificações pela ação humana ou por
elementos naturais independentes dela. Elementos da paisagem como relevo, solo,
hidrologia, clima e fauna permitem trabalhá-la como um documento a ser lido com o auxílio
das ciências naturais.

Enfocando as assertivas de Donald Woster:

A história ambiental é, em resumo, parte de um esforço revisionista para


tornar a disciplina da história muito mais inclusiva nas suas narrativas do
que ela tem tradicionalmente sido. Acima de tudo, a história Ambiental

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rejeita a premissa convencional de que a experiência humana se


desenvolveu sem restrições naturais, de que os humanos são uma espécie
distinta e “super-natural”, de que as conseqüências ecológicas dos seus
feitos passados podem ser ignoradas. A velha história não poderia negar que
vivemos neste planeta há muito tempo, irias, pôr desconsiderar quase
sempre esse fato, portou-se como se não tivéssemos sido e não fôssemos
realmente parte do planeta (WOSTER,1991).

O diálogo entre história, etnologia e etnografia também contribui significativamente


para o enriquecimento dos instrumentos de análise. Podemos destacar ainda as análises das
práticas agrárias do feudalismo por Marc Bloch, ou mesmo a história dos camponeses
medievais realizada por Georges Duby. Podemos também mencionar Jacques Le Goff com
seus estudos do imaginário medieval sobre a natureza maravilhosa dos lugares distantes da
Europa (LE GOFF, 1985).

O historiador norte-americano Simon Schama, embora reconheça que a história do


ambiente seja uma das mais originais e instigantes que estão sendo escritas hoje, destacou o
fato de os historiadores ligados a esse novo campo de abordagem exibem o mesmo quadro
desanimador e lamentarem a anexação da natureza pela cultura como constituinte de uma
calamidade irremediável e predeterminada. Embora não neguem que a paisagem possa ser
um texto em que as gerações escrevem suas obsessões recorrentes, eles não exultam com
isso. Schama, demonstra que, ao longo dos séculos, formaram-se hábitos culturais que nos
levaram a estabelecer com a natureza uma relação outra que não a de simplesmente
explorá-la até a morte, que o remédio para nossos males pode vir de dentro de nosso
universo mental comum.

Mais recentemente, discutindo a necessidade de se reorientar as relações entre os


homens e os outros animais, o filósofo e ativista australiano Peter Singer (2000) passou a
escrever sobre a necessidade de minimizar o sofrimento dos bichos, garantindo-lhes direitos
de existência independente e libertando-lhes de uma escravização domesticadora. Uma
extensão da trajetória histórica de submissão dos animais é o que Singer chama de
“especismo”, preconceito arraigado contra aqueles que não são membros da nossa espécie.
Este tipo de visão moral, no Mundo Ocidental pós Revoluções Burguesas, parece vir da

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filosofia utilitária desenvolvida por filósofos ingleses oitocentistas Bentham e John Stuart
Mill (1806- 1873): “causar o mínimo de dor aos homens e aos animais”. Seguindo a
percepção sugerida por Peter Singer, os olhares que se lançam para analisar as relações
entre os homens e os animais deveriam se afastar de certa ética de superioridade e
dominação humana, inspirada e edificada num sentido religioso de que os animais existiriam
para o usufruto dos homens, seja para ajudá-los em sua labuta ou para refestelá-los em sua
alimentação. Esta percepção foi reforçada pela doutrina mecanicista cartesiana do século
XVII, que instrumentalizava ainda mais os bichos em contraste com os seres humanos.

Todavia, há uma estruturação e construção de bases teórico-metodológicas e


consolidação de uma disciplina acadêmica denominada de História Ambiental. Em 1970, na
Universidade da Califórnia (Santa Bárbara), o primeiro curso de nome próprio foi realizado. A
partir disto, arestas começaram a ser aparadas e a estruturação de metodologias aplicadas.
Donald Woster (1988), estrutura três níveis em que esta nova história funcionara, são três
conjuntos de questionamentos que procurando responder e aplicando os métodos próprios
a história ambiental versaria. O primeiro nível envolve a natureza. Em um sentido
propriamente dito, os organismos que compõe o mundo natural, o ecossistema, a matéria
orgânica e inorgânica, incluindo o homem. Nesse nível o objetivo é ressignificar o passado
dos ambientes naturais, fazendo a história do mundo biofísico ao longo dos tempos. Em um
segundo nível, trata-se dos domínios socioeconômicos. Tenta-se, nesse nível, perceber a
interação da sociedade com a natureza e como se dar essa relação - mútua - em suas
diferentes estruturas e ambientes. Cada sociedade, grupo, comunidade tem uma (co)relação
distinta com os elementos naturais, nesse nível estas diferentes realizações, materiais, das
percepções e recepções sobre natureza são consideradas. Em um terceiro e último nível,
está as relações de caráter cognitivo, mental e cultural, percebendo as incursões das
percepções sobre a natureza, são as ideologias, os valores, as cosmologias, ou seja, o que os
grupos humanos pesavam sobre o meio natural e como esta percepção afetava a vida
humana e vice-versa. Assim a história ambiental constitui-se de um complexo conjunto de

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estudos dinâmicos no qual a natureza, o pensamento humano sobre, a organização social e


econômica, os anseios e desejos se inter-relacionam numa investigação única, singular.

1.1 Ressignificando a escrita da história ambiental no Brasil

Valorizando alguns trabalhos sobre história ambiental no Brasil destaca-se o de José


Augusto Pádua, Um sopro de destruição: pensamento político e crítica ambiental no Brasil
escravista (1786-1888) destaca-se na historiografia brasileira devido as suas reflexões sobre
a questão da racionalidade econômica na extração e no uso dos recursos naturais. É um
trabalho que desperta discussões acalentadas fornecendo a contraprova do padrão de
pensamento e conduta das elites políticas, econômicas e intelectuais quanto à exploração e
ao uso dos recursos naturais no Brasil (PADUA, 2002).

Na obra Florestas Anãs do Sertão: O Cerrado na História de Minas Gerais (2005), o


sociólogo Ricardo Ferreira Ribeiro, sob uma perspectiva de história ambiental e
etnoecologia, enfoca o processo e as inter-relações entre a sociedade do Sertão mineiro e o
seu ambiente natural, o Cerrado. Investigando as continuidades e descontinuidades nas
influências mútuas entre os vários grupos sociais e aquele bioma, o autor revela como a
ocupação antiga do Cerrado se traduziu em um processo de adaptação ao meio cujas
possibilidades de sobrevivência oferecidas se alteraram com as transformações
experimentadas tanto no espaço, com as mudanças nas áreas por ele ocupadas, como no
tempo, com as modificações climáticas e ambientais ocorridas no transcurso de milhares de
anos.

2. NARRATIVAS, HISTÓRIAS SOBRE A PESCA DA BALEIA NO BRASIL

2.1 A pesca da baleia nos discursos de cronistas e viajantes

A história da exploração das baleias na costa brasileira remonta ao período em que o


país ainda era uma colônia portuguesa. Numa época em que praticamente toda a riqueza de
Portugal era produzia em suas colônias de além-mar, a chamada “pesca da baleia” se constituiu

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em um empreendimento econômico importante, responsável por fazer fortuna para aqueles


que se prontificavam a arrendar da Coroa Portuguesa os riscos da empreitada.

Nos primórdios da colonização do território brasileiro, além do pau-brasil, cana de


açúcar, tabaco, algodão, ouro e café, e de uma infinidade de outros produtos de menor valor, a
caça de animais silvestres e marinhos ajudou a compor o quadro de exploração econômica e de
degradação ambiental levada a cabo pelos colonizadores portugueses a partir do século XVI.
Neste aspecto, a caça à baleia no litoral brasileiro se constituiu como atividade econômica
importante para manutenção, expansão e consolidação do espaço costeiro da colônia, além de
ter sido importante para ampliar e diversificar a exploração dos recursos naturais no Brasil.
(FILHO, 2011)

A utilização da baleia, que alcançou os mares do Brasil a partir do início do século XVII,
se enquadrou no processo de exploração colonial. A lógica do empreendimento é identificada
na acumulação mercantil, no monopólio da atividade e na riqueza advinda dos seus derivados
para os comerciantes e para o estado metropolitano português. A motivação para a ampliação
e manutenção do negócio ligado a caça à baleia por mais de três séculos foi essencialmente
comercial. O relativo sucesso da atividade baleeira deveu-se à valorização gradativa dos
principais derivados dos cetáceos no mercado regional e estrangeiro, especialmente o óleo que
era produzido a partir da extração das densas camadas de gordura desses animais e possuía
grande importância comercial96.

Antes de ser introduzida a caça da baleia no Brasil, o principal produto extraído desse
cetáceo - o óleo - era obtido apenas quando os mamíferos encalhavam na praia ou na ocasião
da importação de Cabo Verde ou da região de Biscaia por intermédio da cidade portuguesa
Viana do Castelo. O “azeite de peixe”, como era comumente conhecido na Colônia, era usado
especialmente como combustível para iluminação pública e para garantir o funcionamento
noturno dos engenhos de cana-de-açúcar. Num período da história em que o petróleo ainda
não havia se constituído na principal matriz energética do mundo, cidades inteiras como

96
Depois de estruturada a atividade baleeira no Brasil colonial, um exemplo que ilustra bem a importância para a
economia da época, especialmente do principal produto extraído da baleia, o óleo, era sua exportação que seguia do
Brasil para Portugal e depois chegou a ser comercializado para países como Espanha e Inglaterra.

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Salvador, Rio de Janeiro e Buenos Aires, eram iluminadas com combustível processado a partir
das grossas camadas de gorduras das baleias capturadas. Outros produtos derivados das
baleias, carnes, toucinho, farinha de ossos e barbatanas, também eram extraídos, processados
e comercializados no interior da Colônia ou vendidos para outros países, consolidando, para
comerciantes locais e para o estado metropolitano português, essa atividade econômica entre
os séculos XVII, XVIII e XIX. (ELLIS, 1969)

A atividade baleeira embora considerada marginal, quando comparada a outras


atividades econômicas de maior interesse metropolitano, não passou despercebida de
viajantes, cronistas e pensadores que visitaram ou residiram no Brasil da época. Homens como
Gabriel Soares de Sousa (1540-1592), Frei Vicente do Salvador (1564-1635), Louis-François de
Tollenare (1780-1853) e José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838) estão entre aqueles que
produziram relatos, histórias e crônicas sobre a caça à baleia, deixando registradas informações
sobre as finalidades e as técnicas utilizadas nesse tipo de extrativismo animal praticado na
Colônia. Esses homens também revelaram em seus escritos, cada um ao seu modo,
importantes informações sobre economia natural, biologia das espécies e a vida cotidiana e
social de um Brasil em processo de formação e de organização administrativa e política. (FILHO,
2011)

Mesmo precariamente, crônicas e informações sobre o inicio da colonização portuguesa


no Brasil dão conta de dados biográficos e literários sobre a obra de Vicente Rodrigues Palha.
Esse primeiro interlocutor era conhecido como Frei Vicente do Salvador, religioso jesuíta que
nasceu em Matuim, Bahia, no ano de 1564. Considerado um homem instruído para sua época,
foi educado no colégio de São Salvador e depois estudou Direito na Universidade de Coimbra.
Voltando ao Brasil, ordenou-se sacerdote, chegou a Cônego da Sé baiana e Vigário-Geral.
Conta-se que aos trinta e cinco anos ordenou-se frade, vestindo o hábito de São Francisco e
trocando o nome de batismo pelo de Frei Vicente do Salvador. Nome pelo qual entrou para a
História do Brasil.

Frei Vicente do Salvador concluiu no ano de 1627 “Histórias do Brazil”, obra densa com
38 capítulos e 267 páginas que registram aspectos da vida política, social, econômica e do

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cotidiano de um Brasil em processo de gestação. Este livro é considerado por especialistas


como primeiro trabalho de cunho histórico sobre um Brasil recém conquistado pelos
portugueses. Discorre Salvador em sua obra, dentre outros acontecimentos, sobre guerras
entre brancos e índios, expondo os esforços dos colonizadores para consolidar o domínio sobre
o território e sobre o trabalho de índios e escravos negros nas primeiras décadas do século
seguinte à ocupação lusitana. Dentre as várias temáticas abordadas em seu livro, encontram-se
ainda aspectos relacionados à atividade baleeira na Bahia que, segundo ele registrou, foi
introduzida pela primeira vez em 1603 na região do Recôncavo Baiano. (ELLIS, 1969)

Em “História do Brazil”, Vicente do Salvador (1627, p.172) atribuiu à necessidade de


importação de alguns produtos o impulso determinante para o início da atividade baleeira no
Brasil. Seus escritos atestam que durante a União Ibérica97 (1580-1640), havia a necessidade de
se ter atendida uma demanda local por alguns produtos para a agroindústria açucareira e para
uso diário dos moradores da Colônia. Um desses produtos era o óleo ou “azeite de peixe” como
era também conhecido. Segundo Frei Vicente do Salvador (1627:171), coube ao então
governador da Bahia recém chegado à capital baiana, Diogo Botelho do Reynó, encontrar
alternativa no interior da Colônia à importação desses produtos, permitindo, com o
consentimento do rei Felipe II, que em 1603 estrangeiros oriundos da Baía de Biscaia caçassem
baleias nos mares brasileiros na medida em que se cumprissem as exigências contidas em
Alvará Régio. O objetivo principal dessa medida era proporcionar aos luso-brasileiros a
aprendizagem sobre estratégias e técnicas de caça aos grandes mamíferos marinhos com o
intuito de suprir a demanda interna da Colônia e com vistas, posteriormente, à exportação,
caso fosse possível, de alguns derivados que tivessem aceitação no mercado estrangeiro:

Era grande a falta que em todo o Estado do Brasil havia de graxa ou azeite de peixe,
assim pera reboque dos barcos e navios, como pera se alumiarem os engenhos,
que trabalhão toda a noite, e se houverão de alumiar-se com azeite doce,
conforme o que se gasta, e os negros lhes são muito affeiçoados, não bastara todo

97
Com a morte do rei de Portugal, D. Sebastião I, na batalha cruzadista de Alcácer-Quibir, no Marrocos em 1578,
ocorreu uma crise dinástica no país. Portugal e suas colônias ficaram sob domínio da Espanha por sessenta anos
(1580-1640). Inclusive quem assinou o Alvará Régio que permitiu a caça às baleias na costa brasileira em 1602 foi o
rei espanhol Felipe III.

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o azeite do mundo. Algum vinha do Cabo vender e de Biscaia por via de Vianna,
mas era tam caro e tão pouco, que muitas vezes era necessario usarem do azeite
doce, misturando-lhe destrouto amargoso, e fedorento, para que os negros não
lambessem os candeeiros, e era huma pena como a de Tantalo padecer esta falta,
vendo andar as beleâs, que são a mesma graxa, por toda essa Bahia, sem haver
quem as pescasse, ao que acudio, Deus que tudo rege e prover, movendo a
vontade a hum Pedro de Orecha, Biscainho, que quisesse vir fazer esta pescaria;
este veio com o Governador Diogo Botelho do Reyno no anno de mil seiscentos e
três .98 SALVADOR, 1627

O relato de Frei Vicente do Salvador sobre esse tipo de “pesca” no Brasil, fornece
indícios para se entender como esta atividade econômica passou a ser estruturada com base
inicialmente no atendimento de uma demanda local e, posteriormente, como se tornou objeto
de interesses mercantis e metropolitanos crescentes após o domínio dos colonos luso-
brasileiros de técnicas necessárias para caçadas mais intensas e mais frequentes dos cetáceos
que margeavam o litoral brasileiro. Domínio de técnicas que não tardou a ocorrer, pois já em
1612 a Coroa Portuguesa estabeleceu o monopólio estatal sobre a atividade baleeira que
iniciou a partir de então um processo de expansão para outras áreas da costa do Brasil. O
negócio tornava-se lucrativo e não tardou para que a Coroa Portuguesa, por meio de Tratados
de Concessão, expandisse a atividade baleeira para outras áreas do litoral da Colônia. Quanto
aos primeiros caçadores biscainhos, ao que tudo indica, após o término do tempo estabelecido
pelo rei de dez anos voltaram para a Europa, deixando no Brasil certa estrutura e mão-de-obra
com certo grau de especialização que pudesse dar continuidade ao empreendimento.
(SALVADOR,

Já no século XVIII, a caça à baleia na Bahia foi objeto de considerações de um


estrangeiro: Louse-Françoes de Tollenare (1780-1853). O viajante francês, nascido em Nantes,
esteve no Brasil entre os anos de 1816 e 1818 e escreveu sobre vários aspectos do cotidiano e
das atividades econômicas desenvolvidas na Colônia. Em suas Notas Dominicais, o viajante

98 Embora Frei Vicente do Salvador em sua obra indique o ano de 1603 como aquele em que foi introduzida
a atividade baleeira no Brasil, o Alvará de Felipe III, rei da Espanha, autorizando Pêro de Urecha e seu sócio
Julião Miguel, biscainhos, a caçar baleias no Brasil por um período de dez anos, data do ano de 1602,
conforme se pode atestar no documento “Inventário dos Manuscritos da Coleção Pombalina” da Biblioteca
Nacional de Lisboa; In Miscelânea, 635.

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presenciou um dos momentos de caça ao cetáceo na Ilha de Itaparica, na Bahia, e descreveu


detalhes da batalha dos caçadores para matar sua presa, fazendo menção ao espetáculo que
era a luta do homem para dominar e matar os enormes mamíferos marinhos:
Um dos espetáculos mais interessantes que oferece a residência na Bahia é o da
pesca de baleias. Esta pesca se faz no próprio ancoradouro e até no meio dos
navios fundeados diante da cidade. Pode-se apreciá-las das janelas de casa; mas,
para melhor observá-la cumpre transportar-se à praia que separa a cidade do cabo
de Santo Antônio (...). O arpoador, sempre de pé na proa, indica ao patrão todos
estes movimentos e este governa de acordo; a luta perigosa entre o poderoso
monstro e a frágil embarcação dura de trinta minutos até três a quatro horas, e
apresenta um espetáculo aterrador. O arpoador repete os seus golpes, a baleia
avermelha as águas com o seu sangue, dá pancadas com a sua formidável cauda,
arrasta a chalupa até duas e três léguas mar em fora, e morre sem ter podido
desembaraçar-se dos terríveis ferros que a prendem.

Como se pode aferir de praticamente todos os relatos da época, a caça à baleia no Brasil
Colônia se reveste, para os dias de hoje, como sendo praticada de maneira cruel, desumana e
sem limites. A caça chamava a atenção pela violência com que era praticada e pelo espetáculo
que produzia para os mais curiosos, numa intensa ação humana com suas estratégias e seus
aparatos técnicos contra a força dos enormes mamíferos marinhos que precisavam ser
capturados para o atendimento de uma demanda econômica. Chama a atenção, pelo menos
nos primeiros anos da “pesca”, a completa falta de preocupação com a manutenção dos
estoques para futuras explorações. A quantidade de cetáceos avistados na costa do Brasil dava
a impressão, como ocorreu com o pau brasil99 e vários outros produtos no início do século XVI,
que esses recursos eram inesgotáveis. A esse respeito, é oportuno transcrever um relato de
Gabriel Soares de Sousa, em que o mesmo discorre sobre a abundância de baleia em águas da
costa da Bahia, primeiro local aonde viriam a ser arpoadas os primeiros cetáceos na costa
brasileira alguns anos depois:

se à Bahia forem Biscainhos ou outros homens que saibam armar as baleias, em


nenhuma parte entram tantas como nelas, onde residem seis meses do ano e mais,
de que se fará tanta graxa que não haja embarcações que possam trazer a Espanha.
SOUSA, 1587, p. 57

99
BUENO, Eduardo. Pau brasil. Rio de Janeiro, Editora Axxi Mundi,, 2003.

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É importante acrescentar que a matança de baleias na Colônia para a extração de seus


derivados, com o intuito de atender uma demanda local e o mercado externo não foge à lógica
de outras atividades econômicas desenvolvidas pelos portugueses ao longo dos mais de
trezentos anos de exploração colonial. Assim como fora feito com o pau-brasil, a cana-de-
açúcar e o ouro, que foram explorados ao limite, o extrativismo animal tendo a caça à baleia
como atividade central, representou para os comerciantes da época e para a Metrópole um
negócio lucrativo, cuja consequência em médio prazo foi à exaustão dos estoques de
determinadas espécies de baleias que migravam anualmente das águas frias da Antártica para
se acasalarem nas águas quentes da costa brasileira e eram mortas. (DIAS, 2010)

2.2 A caça à baleia no discusso de José Bonifácio de Andrade e Silva

Além dos viajantes estrangeiros e crônistas que no Brasil presenciaram aspectos da caça
à baleia durante o período colonial e imperial, José Bonifácio da Andrada e Silva, brasileiro
nascido em Santos-SP, talvez tenha sido quem melhor descreveu os aspectos sociais,
econômicos e ambientais da atividade baleeira praticada em sua época. Naturalista, estadista e
poeta, José Bonifácio foi testemunha ocular da caça predatória e fez análises e reflexões sobre
a atividade que era feita pelos portugueses no litoral brasileiro, principalmente quanto ao seu
caráter irracional, destrutivo. Coube a José Bonifácio, homem culto ligado ao governo de
Portugal, chamar a atenção da sociedade e do governo de sua época sobre os mecanismos e as
práticas predatórias como este tipo de recurso natural estava sendo explorado no Brasil. Em
tom de denúncia e de preocupação com a forma predatória e irracional como as baleias eram
abatidas no litoral da Colônia, José Bonifácio em 1790, pouco mais de duzentos anos depois de
Gabriel Soares de Sousa chamar a atenção para a abundância de cetáceos no litoral baiano,
denunciava que a persistência das práticas de extermínio das baleias no litoral brasileiro havia
levado à decadência essa atividade nos empreendimentos montados no século XVII e XVIII no
litoral da Bahia e do Rio de Janeiro. Comentado [U1]: Citar a fonte bibliográfica para a
construção da vossa reflexão.

José Bonifácio de Andrada e Silva, que mais tarde se tornaria o mais famoso dos irmãos
Andrada, influenciado pelo pensamento ilustrado, fez severas críticas, em fins do século XVIII, a

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forma de exploração destrutiva dos recursos naturais no território português e no seu império
ultramarino. Seu texto “Memória sobre a pesca da baleia e a extração do seu azeite”, editado
pela Academia das Ciências de Lisboa em 1790, é analisado e identificado, Pádua (2004),
quanto a quatro elementos teóricos que irão marcar o conjunto de sua obra ao longo de sua
vida pública: a visão do mundo fundada na economia da Natureza; a defesa do progresso
econômico como instrumento civilizatório; a apologia da racionalização das técnicas produtivas
através da aplicação pragmática do conhecimento científico; e a crítica da exploração destrutiva
dos recursos naturais.

Conhecido pela enorme importância e prestígio junto à Coroa portuguesa, José


Bonifácio expôs em seus escritos a necessidade de se racionalizar a prática baleeira na costa
brasileira em favor do aumento da produtividade com o objetivo de ampliar os lucros obtidos a
partir desse empreendimento, como garantia para que a economia baleeira não entrasse em
colapso, em face da forma pouco racional como se dava o abate e a captura dos animais.
Dentre as várias observações feitas por José Bonifácio estavam presentes em sua “memória
sobre algumas alternativas da se racionalizar e recuperar a “pesca da baleia". O naturalista
aventou a possibilidade de criarem-se novas armações baleeiras ao longo do litoral do Brasil,
estendendo a área de atuação dos barcos baleeiros mais para o sul da Colônia, em direção a
então América espanhola. Condenou e sugeriu o encerramento da prática de matar os filhotes
durante as operações de caça. Propôs racionalizar o uso de barcos na empreitada da caça e
melhorar as técnicas de abate e captura, com o intuito de reduzir as perdas da carne e do óleo
quando do transporte do mar para o continente. (FILHO, 2011)

As ideias expressas por José Bonifácio são representativas para o discurso reformista-
ilustrado que se constituiu em Portugal em fins do século XVIII e início do século XIX e que
voltou sua critica para a forma predatória e irracional de se explorar os recursos naturais,
principalmente quanto à derrubada de florestas, uso inadequado do solo e extermínio de
animais e plantas. Não se tratava de um discurso ambientalista, formação intelectual muito
posterior, mas, de um discurso voltado à manutenção das fontes de recursos naturais para
utilização futura.

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Sob a ótica de José Bonifácio, o caráter retrógrado, irracional e por isso, improdutivo do
emprego das técnicas de captura, morte e exploração das baleias no litoral do Brasil se
constituíram - assim como quase todas as atividades econômicas coloniais associadas à
escravidão – em entraves ao desenvolvimento social e econômico do país. Por esse motivo, foi
objeto de críticas contundentes desse pensador que discutia, já nessa época, a necessidade de
se racionalizar o uso dos recursos naturais. Acreditava Bonifácio que os recursos naturais
encontrados no Brasil deveriam ser explorados sem que fosse comprometida à reprodução de
seus estoques. O desenvolvimento e o progresso de um povo, de uma nação, passavam pela
conservação, pelo uso adequado dos seus recursos naturais. (FILHO, 2011)

O “Patriarca da Independência”, como depois da Independência do Brasil 1822 foi


alcunhado, entendia que os recursos naturais, principalmente dada à enorme diversidade de
flora e fauna encontrados no Brasil, continham grandes potencialidades econômicas para o
estado português, mas claramente precisavam ser melhor explorados. A utilização baleeira,
nesse sentido, deveria ser feita racionalmente para que a escassez não pusesse fim, como mais
tarde veio a ocorrer com a drástica redução dos estoques, à lucratividade do empreendimento.
Aliás, sobre a crise da economia baleeira, é bastante conhecido um trecho de “Memória sobre a
pesca das baleias...” quando, fazendo referência à crise já latente da atividade baleeira na Bahia
e no Rio de Janeiro em fins do século XVIII, José Bonifácio prenuncia seu fim em virtude da
forma pouco racional de caça aos grandes mamíferos na costa do Brasil. A morte dos baleotes,
como estratégia dos baleeiros para se capturar os grandes cetáceos, prejudicava a perpetuação
das espécies, portanto, merecia ser descartado:

Deve certo merece também grande contemplação a perniciosa prática de


matarem os baleotes de mama, para assim arpoarem as mães com maior
facilidade. Têm estas tanto amor aos seus filhinhos, que quase sempre os
trazem entre as barbatanas para lhes darem leite; e se porventura lhos matam,
não desamparam o lugar sem deixar igualmente a vida na ponta dos arpões: é
seu amor tamanho, que podendo demorar-se no fundo da água por mais de
meia hora sem vir respirar acima, e escapar assim ao perigo que as ameaça,
folgam antes expor a vida para salvarem a dos filhinhos, que não podem estar
sem respirar por tanto tempo. Esta ternura das mães facilita sem dúvida a
pesca: e o método de matar primeiro os baleotes pequenos para segurar as
mães, que enraivecidas muitas vezes viram as lanchas, parece visto a vulto

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excelente, mas olhando de perto é mau, e trará consigo, a não se prover nisso, a
ruína total desta tão importante pescaria. 100

Entre outros aspectos abordados por José Bonifácio quanto à atividade baleeira, é
importante citar a concorrência comercial existente entre países como Inglaterra, Holanda e os
Estados Unidos da América. Citando números que demonstravam a eficiência econômica dessas
nações, principalmente dos holandeses que haviam ampliado seu raio de ação para além dos
mares situados no hemisfério norte, excluindo por conseguinte outros países dos enormes
lucros obtidos dos derivados de baleias, Bonifácio escreveu nota onde se destaca o seguinte
comentário:

Os vasconços foram os primeiros que partido de França iam pescar as baleias ao


Mar Glacial, e ao longo das Costas de Groelândia e Islândia: e nos fins do XVI
século, e no começo do XVII se apossaram os ingleses desta pesca nas costas de
Spitzberg, que por muitos anos forcejaram por excluir as outras nações. Os
holandeses porém pela sua economia, e grande destreza na arte de pescar, vieram
quase de todo a excluí-los; e de presente são os que fazem a maior e mais lucrosa
pesca...101

As críticas e sugestões feitas por José Bonifácio, mesmo reconhecendo sua importância
política em momentos cruciais da história do país, não se traduziram efetivamente em ações
governamentais que limitaram ou racionalizaram a exploração dos recursos naturais no Brasil.
A continuidade da caça e exploração da baleia, mesmo depois de José Bonifácio continuará
fazendo parte do cenário socioeconômico e degradação ambiental no Brasil.

De acordo com Pádua (2004), um dos méritos da obra de José Bonifácio, e de outros
contemporâneos desse autor, onde também se pode perceber certa preocupação com os
recursos naturais, é o de trazer em seu bojo, traços de ideias e concepções que podem ser
consideradas precursoras do conservacionismo, corrente do ambientalismo que tomará corpo
na segunda metade do século XX no Brasil, mais precisamente nos anos de 1960 e 1970.

100
CALDEIRA, 2002, p. 54 apud BONIFÁCIO, 1790.
101
Esta nota pode ser encontrada no texto original de Bonifácio intitulado “Memória sobre a pesca das
baleias...” onde ele faz alusão ao estágio mais avançado de desenvolvimento da indústria baleeira de alguns
países da Europa, principalmente da Holanda, em contraposição ao atraso das técnicas e estratégias dessa
atividade feita na costa do Brasil no século XVIII.

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http://www.revista.ufal.br/criticahistorica/index.php?option=com_content&view=category
&id=64:dossie-ambiental&Itemid=60&layout=default Acesso em 22 de jan. 2018.

AGUIAR, J. O. DUARTE FILHO. (2011) História, sociedade e natureza: rediscutindo aspectos


da atividade baleeira no Litoral Norte da Paraíba. Revista Porto, Ano I, Nº 1, Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), 2011.

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ANDRADA E SILVA, José Bonifácio de, 1763-1838. José Bonifácio de Andrada e Silva. (Org).
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DRUMMOND, José Augusto. A História Ambiental: temas, fontes e linhas de pesquisa.


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(1980-2000). Tese de doutorado. UFCG. 2011

GINZBURG, Carlo. Sinais: raízes de um paradigma indiciário. In.: Mitos, emblemas e sinais:
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ISSN:

ANÁLISE QUALITATIVA E QUANTITATIVA DOS LAUDOS DE CITOLOGIA


CERVICAL DE 2016 DA POPULAÇÃO INDÍGENA ALDEADA DE ETNIA POTIGUARA
DO ESTADO DA PARAÍBA.

CORRÊA, Marcio Dênis


Universidade Federal de Pernambuco

CORRÊA, Wanessa Barbosa Costa


Universiade Federal do Rio de Janeiro

INTRODUÇÃO

O câncer de colo do útero - CCU é uma patologia iniciada com transformações intra-
epiteliais progressivas que podem evoluir para um processo invasor num período que varia
de 10 a 20 anos. É uma doença prevenível por meio da citopatologia oncótica, graças à lenta
progressão, é possível a detecção precoce de lesões pré-malignas ou malignas e o seu
tratamento oportuno. (PEREIRA et al., 2011).
O Ministério da Saúde (2015) diz que os índices mundiais em relação ao câncer de
colo do útero - CCU são alarmantes, pois se aproximam a 530 mil casos novos, sendo o
quarto tipo de câncer mais comum entre as mulheres, correspondem por 265 mil óbitos
anuais, ficando como a quarta causa de morte por câncer nas mulheres.
Mendonça et al (2008) enfatiza dizendo que, apesar da melhora na cobertura do
exame citológico no Brasil, esta ainda é considerada insuficiente para reduzir a mortalidade
por CCU no País. O exame Citologia Cervical do Trato Genital Feminino - TGF pelo método
de Papanicolau, detecta as alterações precoces dessa neoplasia permitindo reconhecer
modificações celulares no colo uterino. Segundo as Diretrizes do Ministério da Saúde, o
exame preventivo deve ser realizado, pelas mulheres entre 25 a 64 anos de idade, que já
tiveram início na relação sexual. Os dois primeiros exames devem ser realizados com
intervalo de um ano, se os resultados forem normais, o exame passará a ser feito a cada três
anos, (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2011).

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ISSN:

No Brasil, o exame citopatológico é a estratégia de rastreamento recomendada pelo


Ministério da Saúde. Silva Neto (2012) descreve o exame de Citologia Cervical - TGF pelo
método de Papanicolau consiste na coleta do material das células do colo uterino através de
espátula e ou escova de Ayres, após realiza-se a fixação do material coletado, coloração e
posterior análise morfológica ao microscópico por um profissional devidamente capacitado
e qualificado, sendo que este diagnóstico citopatológico deve ser confirmado pelo exame
histopatológico, que consiste na análise das células coletadas no exame preventivo.
O estudo realizado foi baseado nos laudos de Citologia Cervical - TGF pelo método de
Papanicolau obtidos entre os meses de janeiro a dezembro de 2016, na qual teve como
objetivo realizar uma análise qualitativa e quantitativa dos laudos de citologia cervical, bem
como levantar o número de exames realizados, Identificar as alterações celulares e os
principais agente patogênicos nos laudos de Citologia Cervical TGF da população indígena
aldeada de etnia Potiguara dos municípios de Rio Tinto/PB, Marcação/PB e Baia da
Traição/PB, onde a Atenção a Saúde Básica desta população é de responsabilidade também
do Distrito Sanitário Especial Indígena - Potiguara.

Figura 1: Mapa geográfico dos municípios e das aldeias da população indígena etnia Potiguara no
estado da Paraíba.

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O Distrito Sanitário Especial Indígena - Potiguara (DSEI-POTIGUARA) tem como


divisão a sua área de abrangência no estado da Paraíba nos municípios de Rio Tinto
(população estimada segundo IBGE 2017 de 24.154 pessoas), Marcação (população
estimada segundo IBGE 2017 de 8.586 pessoas) e Baia da Traição (população estimada
segundo IBGE 2017 de 9.070 pessoas) onde se encontra aproximadamente 14.000 indígenas
aldeados distribuídos nas 32 aldeias divididas nestes municípios conforme (FIGUARA 1), as
Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena (EMSI), tem como integrantes: 1 médico, 1
enfermeiro, 1 odontólogo, 1 técnico de enfermagem e 1 auxiliar de saúde bucal e também
tem como apoio psicólogos, assistente social, nutricionistas, farmacêuticos e agente de
saúde indígena, essas equipes trabalham nos mesmos moldes do Programa de Saúde da
Família conforme preconizados pelo Ministério da Saúde.

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ISSN:

O DSEI-Potiguara encontra-se dividido em 3 Polos Base, onde possuem duas EMSI em


cada, distribuídos nos Polo Base de Rio Tinto, Polo Base de Marcação e Polo Base de Baia da
Traição, totalizando 32 aldeias.

DESENVOLVIMENTO

Este estudo foi realizado com base na análise de dados secundários disponibilizados
pelo Programa Controle do Câncer do Colo de Útero (PCCCU), foi feito uma avaliação
qualitativa e quantitativa dos laudos de Citologia Cervical do TGF, referente ao ano de 2016
tendo um total de 291 laudos avaliados, da população indígena aldeada da etnia Potiguara
do estado da Paraíba nos municípios de Rio Tinto, Marcação e Baia da Traição.

Para a análise dos dados procedeu-se a tabulação das seguintes variáveis:


quantitativo de exames realizados por Polo Base; número de mulheres sexualmente ativas
por idade; tipo de alterações celulares encontradas e principais agentes patogênicos, com
isto construíram-se os gráficos e tabelas.

O cálculo da porcentagem foi feito da seguinte maneira:

Para o Gráfico 1, na qual apresenta o número de mulheres aldeadas por idade:

𝑛ú𝑚𝑒𝑟𝑜 𝑑𝑒 𝑚𝑢𝑙ℎ𝑒𝑟𝑒𝑠 𝑎𝑙𝑑𝑒𝑎𝑑𝑎𝑠 𝑝𝑜𝑟 𝑖𝑑𝑎𝑑𝑒


𝑥 100
𝑡𝑜𝑡𝑎𝑙 𝑑𝑒 𝑚𝑢𝑙ℎ𝑒𝑟𝑒𝑠 𝑎𝑙𝑑𝑒𝑎𝑑𝑎𝑠 𝑝𝑜𝑟 𝑖𝑑𝑎𝑑𝑒

O Gráfico 2 apresenta o tipo de alteração celular:

𝑡𝑖𝑝𝑜 𝑑𝑒 𝑎𝑙𝑡𝑒𝑟𝑎çã𝑜 𝑐𝑒𝑙𝑢𝑙𝑎𝑟


𝑥 100
𝑡𝑜𝑡𝑎𝑙 𝑑𝑒 𝑎𝑙𝑡𝑒𝑟𝑎çõ𝑒𝑠 𝑐𝑒𝑙𝑢𝑙𝑎𝑟𝑒𝑠

Os dados populacionais bem como o quantitativo da população de mulheres


sexualmente ativas foram retirados do Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena
– SIASI. O SIASI é composto de dados primários vindos da atenção primária à saúde prestada
pelas Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena - EMSI no Subsistema de Atenção à
Saúde Indígena - SasiSUS, gerenciado pela Secretaria Especial de Saúde Indígena - SESAI do
Ministério da Saúde. (Portal Ministério da Saúde).

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ISSN:

Os laudos foram realizados por laboratórios conveniados com os municípios e estado,


o material é coletado pelas EMSI e enviados aos laboratórios conveniados, após análise do
material os resultados voltam para o DSEI - Potiguara, onde ficam arquivados pela
Responsável Técnica pelo Programa de Saúde da Mulher do DSEI-Potiguara. A análise dos
laudos foi previamente autorizada pelo Coordenador do DSEI-Potiguara, uma vez que este
material é sigiloso e o acesso ao arquivo é apenas com autorização do coordenador.

De acordo com a Tabela 1 demonstra o quantitativo de exames realizados no ano de


2016, sendo que foi subdividido por meses e em quais municípios foram coletados o
material para ser enviado para análises, com esta tabela pode-se notar a grande diferença
dos números de exames de Citologia Cervical TGF entre os municípios.

No ano de 2016 obteve-se os dados de 291 exames de Citologia Cervical do Trato


Genital Feminino - TGF (Papanicolau), onde a grande maioria destes exames foram coletado
pelo Polo
Base de Marcação, onde o município disponibiliza a cópia dos resultados a EMSI para que a
mesma possa dar continuidade no tratamento da usuária indígena aldeada.
Já nos municípios de Rio Tinto e Baia da Traição a população não procura com maior
frequência o exame de citologia cervical nas aldeias com as EMSI, alegando a demora do
resultado dos exames.
Os laudos nem sempre são disponibilizado pelos municípios para as EMSI, uma vez
que os municípios por não possuírem o serviço de Citologia Cervical do TGF, os mesmos
dependem de contratos e convênios com laboratórios privados, acarretando também a
demora dos resultados por questões burocráticas e pagamentos dos contratos e convênios.

O Gráfico 1 apresenta a subdivisão da população indígena aldeada do sexo feminino


por idade e por municípios. A população de mulheres com idade de 12 anos – 24 anos, 11
meses e 29 dias com um total de 1.373 mulheres, onde no Polo Base de rio Tinto apresenta
cerca de 44,43% desta população, já no polo Base de Marcação temos 43,77% e no Polo
Base de Baia da Traição apenas 11,80%.

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Pólo Base de Pólo Base de Baia da Traição


Pólo Base de Rio Tinto
Marcação
Janeiro 4 5 0

Fevereiro 0 37 0

Março 3 23 0

Abril 1 14 0

Maio 0 1 0

Junho 5 22 0

Julho 17 34 0

Agosto 13 21 0

Setembro 1 44 0

Outubro 0 14 0

Novembro 4 27 1

Tabela 1: Quantidade de exames de Citologia do Trato Genital Feminino, realizado nos Polos Base de
Rio Tinto, Marcação e Baia da Traição no ano de 2016.

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ISSN:

Dezembro 0 0 0

Fonte: Laudos dos exames de Citologia Cervical TGF, arquivados pelo DSEI – Potiguara.

Já nos dados de mulheres com idade entre 25 anos – 64 anos, 11 meses e 29 dias
(gráfico 1) com um total de 2.680 mulheres, notou-se uma mudança no quantitativo entre os
Polos Base, no Polo Base de Baia da Traição apresenta 36,53% desta população, em segundo
vem o Polo Base de Rio Tinto com 32,95% e por último temos o Polo Base de Marcação com
um total de 30,52%, pode-se notar que o perfil traçado de mulheres aldeadas a sua maior
concentração se encontra nesta faixa etária.

Enquanto as mulheres com idade de 65 anos – 80 anos, 11 meses 29 dias (gráfico 1)


com um total de 282 mulheres, observou uma quantidade mais homogênea em cada Polo
Base, sendo os Polos Base de Marcação e Baia da Traição possuem a mesma porcentagem
de usuárias 35,10%, enquanto o Polo Base de Rio Tinto tem 29,79%, constatou que nesta
faixa etária tem o menor percentual de mulheres aldeadas.

GRÁFICO 1: Número de mulheres aldeadas cadastradas no SIASI das aldeais pertencentes ao Polo
Base de Baia da Traição, Marcação e Rio Tinto.
1200
1000
800
600
400
200
0
12 - 24 11M e 29D 25 - 64 11M e 29D 65 - 80 11M e 29D
Pólo Base de Baia da Traição 162 979 99
Pólo Base de Baia de Marcação 601 818 84
Pólo Base de Baia de Rio Tinto 610 883 99

Fonte: Laudos dos exames de Citologia Cervical TGF, arquivados pelo DSEI – Potiguara.

A grande maioria de alterações celulares encontradas no exame de citologia cervical


TGF, são as consideradas benignas: inflamação, reparação, metaplasia escamosa imatura,
atrofia com inflamação e radiação.

No Gráfico 2 foi confirmada as alterações celulares mais encontradas no exame de


Citologia Cervical - TGF, pelo método de Papanicolau, a alteração mais encontrada foi a

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Inflamação, onde foi detectada cerca de 58,07% dos laudos, em seguida vem resultado
Dentro dos Limites da Normalidade totalizando 23,71%, já as Inflamações com Metaplasia
Escamosa Imatura foi 15,12% dos laudos e a Atrofia com Inflamação na qual apresentou
3,09% dos resultados encontrados, essas alterações foram encontradas em 291 laudos
realizados no ano de 2016.

GRÁFICO 2: Número de alterações celulares em relação ao tipo de alteração encontradas no ano de


2016.

Tipo de alteraçãos celulares


180
NÚMERO DE CASOS

160
140
120
100
80
60
40
20
0
INFLAMAÇÃO
DENTRO DOS
COM METAPLASIA ATROFIA COM
INFLAMAÇÃO LIMITES DA
ESCAMOSA INFLAMAÇÃO
NORMALIDADE
IMATURA
QUANTITATIVO 169 44 9 69

Fonte: Laudos dos exames de Citologia Cervical TGF, arquivados pelo DSEI – Potiguara.

Os agentes microbiológicos mais comumente encontrados são: Lactobacillus sp,


Cândida sp, Bacilos supracitoplasmáticos (sugestivo de Gardnerella / Mobiluncus), Cocos,
outros Bacilos, sugestivo de Clamydia sp, Actinomyces sp, efeitos citopáticos compatíveis
com o grupo Herpes, Trichomonas vaginalis, outros.

Entendesse que o câncer de colo uterino representa um grave problema de saúde


pública, atingindo em geral todas as classes sociais, (INCA, 2018).
O câncer do colo do útero, também chamado de cervical, é causado pela infecção
persistente por alguns tipos de Papilomavírus Humano - HPV. Esta infecção genital pelo HPV
é muito frequente e assintomática na grande maioria das vezes. Entretanto, em alguns
casos, podem ocorrer alterações celulares que poderão evoluir para o câncer, as alterações
de nível celular são facilmente detectadas no exame de citologia pelo método de
Papanicolau, e tem um grande percentual de cura na quase totalidade dos casos. Por isso é

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importância na realização periódica deste exame. Este tumor é o terceiro mais frequente na
população feminina, atrás do câncer de mama e do colorretal, e a quarta causa de morte de
mulheres por câncer no Brasil. Estimativas de novos casos: 16.370 (2018 - INCA)
Na região Nordeste, estimou-se um risco de 19,49 casos, sendo que o CCU é o
segundo mais incidente nesta região - sem considerar os tumores de pele não melanoma.
No ano de 2016, no estado da Paraíba, foi estimado 330 novos casos, com um risco
aproximado de 16,21 casos para cada 100 mil mulheres. A estimativa para a capital
paraibana é de 19,39 casos a cada 100 mil mulheres. (INCA, 2016).

Nos países onde a citologia oncótica foi ampliada para a maior parte da população,
pode observar uma diminuição importante no caso da mortalidade por esse tumor.
Infelizmente, mesmo em países desenvolvidos, com ampla cobertura da população por
programas de prevenção, ainda existe uma porcentagem importante de mulheres que
continuam sucumbindo à doença devido a falhas do teste de citologia cervical pelo método
de Papanicolau. (LINHARES; VILLA, 2008).

Koss; Gompell (2006) afirma que as mulheres de países em desenvolvimento, o


carcinoma de útero é o mais comum entre a população feminina. Em países industrializados,
onde os programas de prevenção citológica são realizados frequentemente, os casos do
câncer cérvico-uterino diminuíram, mas mesmo assim não foi possível eliminar
completamente a doença.

Dos 291 laudos analisados, obteve-se 289 laudos negativo para Malignidade, 1(um)
laudo apresentou atípica em células escamosas: lesão intraepitelial de baixo grau
(compreendendo o efeito citopático pelo HPV e neoplasia intraepitelial cervical grau I) e
1(um) teve o parecer de atípica em células escamosas: lesão intraepitelial de alto grau, não
podendo excluir microinvasão. obs: necessária correlação histológica para complementação
diagnóstica.

CONCLUSÃO

Uma das principais finalidades deste estudo foi traçar o perfil epidemiológico
encontrado nos laudos de citologia cervical desta população, bem como servir de

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instrumento para sensibilização dos gestores públicos quanto à importância e o baixo custo
deste exame visando a implantação do serviço de Citologia Cervical TGF no DSEI-Potiguara,
ao qual é de suma importância para o Programa da Saúde da Mulher, no sentido de poder
facilitar a realização dos exames diminuindo o tempo entre a coleta da amostra e o laudo,
pode ser implantado tal diagnóstico separadamente pelo DSEI-Potiguara e ou em consórcios
com os municípios, deste modo tendo um melhor prognóstico das pacientes, onde hoje é
realizado em convênio com alguns laboratórios de grande porte na capital em João
Pessoa/PB e ou com a Secretaria de Saúde do Estado da Paraíba com isso os
resultados/laudos tem um prazo muito mais longo para sua entrega.

Após todo estudo realizado houve relatos da Responsável Técnica do Programa de


Saúde da Mulher bem como do restante da EMSI do DSEI-Potiguara, sobre a deficiência do
serviço no quesito demora dos laudos e não adesão ao exame de citologia do TGF pela
população Indígena aldeada, devido o grande tempo de espera dos resultados de Citologia
Cervical – TGF, isso foi fato determinante para a realização desta pesquisa.

Apesar das limitações do exame de citologia cervical pelo método de Papanicolau


ainda sim é um exame de suma importância devido seu custo x beneficio.
Com a implantação do serviço de Citologia Cervical do TGF do DSEI-Potiguara poderá
aumentar o quantitativo realizado de citologia cervical do TGF, garantindo não somente
uma diminuição de inflamação causada por microorganismos associados, mas também
provavelmente irá diminuir a incidência de possíveis lesões pré-malignas e malignas do colo
uterino, pelo controle indireto das lesões.
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AVALIAÇÃO DAS ANÁLISES BACTERIOLÓGICAS DA ÁGUA DAS ALDEIAS


INDÍGENAS DE ETNIA POTIGUARA DO MUNICÍPIO DE BAIA DA TRAIÇÃO NO
ANO DE 2016.

CORRÊA,Wanessa Barbosa Costa


Universidade Federal do Rio de Janeiro
(wanessa.costa@saude.gov.br)
CORRÊA, Marcio Dênis
Universidade Federal de Pernambuco
(marcio.denis@saude.gov.br)

1 INTRODUÇÃO

Segundo os dados de saúde (WHO, 2012) 2,5 bilhões de pessoas não tem
saneamento básico e mais de 780 milhões de pessoas não tem acesso a fontes de água
tratada. A região do Nordeste apresenta desafios quanto ao acesso à água para a sua
população, tanto no que diz respeito a sua qualidade e quantidade. Entende-se que a
qualidade da água estar diretamente relacionada com a saúde da população, sendo ela o
principal vetor de transmissão de doenças infecciosas, TSUTYA (2006).
Considerando a situação precária do acesso à água para consumo humano em locais
de difícil acesso e se tratando a população indígena, esta realidade é retratada de acordo
com as Diretrizes para Monitoramento da Qualidade da Água para Consumo Humano em
Aldeias Indígenas - DMQAI, na qual este documento afirma que o programa de
monitoramento da qualidade de água nas aldeias indígenas, é de responsabilidade da
Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), por meio da lei n° 12.314, de 19 Agosto de
2010, na qual foi regulamentada pelo decreto n° 7.336 de 19 Outubro de 2010 que
estabeleceu as ações de execução de saneamento ambiental em áreas indígenas e que
compete à Secretaria Especial Indigena (SESAI/MS), executar, as ações de vigilância e
controle da qualidade da água para consumo humano nos sistemas nos sistemas e soluções
alternativas de abastecimento de água das aldeias indígenas (DMQAI 2014).
O Distrito Sanitário Especial Indígena – DSEI, é a unidade gestora
descentralizada do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena – SasiSUS. Trata-se de um

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modelo de organização de serviços – orientado para um espaço etnico-cultural dinâmico,


geográfico, populacional e administrativo bem delimitado, que contempla um conjunto de
atividades técnicas, visando medidas racionalizadas e qualificadas de atenção à saúde,
promovendo a reordenação da rede de saúde e das práticas sanitárias e desenvolvendo
atividades administrativo-gerenciais necessárias à prestação da assistência, com controle
social. No Brasil são 34 DSEI’s divididos estrategicamente por critérios territoriais e não,
necessariamente, por estados, tendo como base a ocupação geográfica das comunidades
indígenas.

O DSEI Potiguara, através do Serviço de Edificação e Saneamento Indígena -SESANI,


realiza o monitoramento da qualidade da água nos Sistemas de Abastecimento de Água das
aldeias realizando coletas e análises de amostras de água sob a perspectiva de risco a saúde
da população, o agentes indígenas de saneamento - AISAN é o responsável pela cloração e
manutenção da rede de abastecimento e distribuição de água na aldeia.

O Monitoramento da Qualidade da Água nas Aldeias Indígenas consiste no conjunto


de ações dotadas continuamente (mensalmente) pela Química Responsável Técnica do
programa, para garantir que a água consumida pela população indígena atenda ao padrão e
normas estabelecidas na legislação vigente, bem como avaliar os riscos que a água
consumida representa para a saúde. (DMQAI 2014).

A água é considerada contaminada quando apresenta bactérias de poluição fecal,


devido ao risco da presença de miocroorganismo enteropatogênicos. Neste estudo sobre a
análise bacteriológia foram incluídos dois determinantes principais de poluíção da água para
consumo humano. A Escherichia Coli e os Coliformes fecais. A E. coli é encontrada em
esgoto, efluentes tratados e águas naturais e solos sujeitos a contaminação fecal de
humanos, animais domésticos, selvagens e pássaros, e, sua presença requer providências
imediatas. Quanto aos coliformes fecais, são bacilos Gram-negativos, sendo as bactérias
que possuem a enzima B-galactosidase, sua presença na água tratada indica tratamento
inadequado, contaminação após o tratamento ou excesso de nutrientes que favoreçam seu
crescimento. Diante do exposto, este estudo teve por objetivo avaliar os padrões de
potabilidade da água utilizada para consumo humano através dos exames bacteriológicos E.
coli e Coliformes totais, sobre o método qualitativo (presente/ausente), realizadas
mensalmente atravéz do programa de monitoramento da qualidade da água desenvolvida

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pelo Distrito Sanitário Especial Indígena Potiguara do município de Baia da Traição


referente ao ano de 2016.

DESENVOLVIMENTO

As aldeias indígenas da Paraíba estão concentradas no litoral norte, parte dela está
situada no município de Baia da Traição (quadro 1). As aldeias são abastecidas por
mananciais subterrâneas de tubulação profunda, somente a Aldeia Vila São Miguel é
abastecida pelo poço subterrâneo e pela Estação de tratamento do município de Baia da
Traição, estas passam pelo processo de desinfecção da água atravéz do clorador de pastilha
de hipoclorito de cálcio a 65%, onde é realizado um monitoramento diário do cloro residual
pelos agentes indígenas de saneamento - AISAN, pelo método cloro residual livre dietil-p-
fenilenodiamina (DPD), e mensalemente é realizado o monitoramento da qualidade da água
em todas as aldeias do DSEI, tanto para análise bacteriológica como análise físico-química.

Tabela 1: Distribuição da população do Polo de Baia da Traição, DSEI Potiguara.

Aldeia População

Akajutibiró 370

Bemfica 165

Bento 51

Cumarú 283

Forte 556

Galego 673

Lagoa do Mato 83

Laranjeira 226

Santa Rita 207

São Francisco 983

Vila São Miguel 873

Silva 212

Tracoeira 179

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ISSN:

Total 4.861

Compreender as implicações sobre o uso da água nas comunidades indígenas,


focando na qualidade da água para consumo humano, requer agrupar uma série de dados e
variáveis. Iniciou-se com a identificação das comunidades por meio do trabalho já realizado
pelo DSEI-Potiguara atravéz do programa MQAI. Primeiramente foi realizado a leitura do
cloro residual livre, para verificar se a água havia passado pelo processo de cloração, em
seguida proceguiu-se com todos os critérios de assepsia das torneiras, após efetuou-se a
coleta das amostras para análises bacteriológicas, utilizando sacos plásticos estéreis,
contendo 1(um) comprimido de tiossulfato, com a finalidade de neutralizar a ação do cloro
residual.
As coletas das amostras foram realizadas nos meses janeiro à Outubro de 2016,
totalizando 78 amostras bacteriológicas e 39 amostras de cloro residual livre (que foi
realizada apenas para verificar se havia tratamento), mensalmente (tabela 2), considerando
os pontos Meio de rede (os grupos de grande fluxo de habitantes como: grupo escolar e
posto de saúde) Saída do tratamento (saída do reservatório), e final de rede.

Tabela 2: Descrição do Plano de Coleta de água mensal, conforme o MQAI - 2016.

Cloro Residual Coliformes


Escherichia coli
Município Aldeia Livre Totais

M.R. S.T. F.R. M.R. S.T. F.R. M.R. S.T. F.R.

Baia da 01 01 01 01 01 01 01 01
Akajutibiró 01
Traição
Baia da 01 01 01 01 01 01 01 01
Bemfica 01
Traição
Baia da 01 01 01 01 01 01 01 01
Bento 01
Traição
Baia da 01 01 01 01 01 01 01 01 01
Cumarú
Traição

Baia da 01 01 01 01 01 01 01 01 01
Forte
Traição

Baia da Galego 01 01 01 01 01 01 01 01 01

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Traição

Baia da Lagoa Do 01 01 01 01 01 01 01 01 01
Traição Mato
Baia da 01 01 01 01 01 01 01 01 01
Laranjeira
Traição
Baia da 01 01 01 01 01 01 01 01 01
São Francisco
Traição
Baia da 01 01 01 01 01 01 01 01 01
Santa Rita
Traição
Baia da 01 01 01 01 01 01 01 01 01
Silva
Traição

Baia da 01 01 01 01 01 01 01 01 01
Tracoeira
Traição

Baia da Vila São 01 01 01 01 01 01 01 01 01


Traição Miguel

13 13 13 13 13 13 13 13 13
TOTAL
39 39 39

Foi utilizado o COLILERT® como técnica para qualificar os coliformes totais e E. coli
nas amostras de água, na qual são preconizadas no Standard Methods for the Examination
of Water and Wastewater (APHA, 2012). Este método tem como princípio a identificação
dos micro-organismos pela análise de suas enzimas típicas. O meio contém dois substratos
para identificar as enzimas: o cromôgenico orto-nitrofenil-β-D-galactopiranosídeo (ONGP) e
fluorogênico 4-metilumbeliferil-β-D-glucoronídeo (MUG), que detectam as bactérias do
grupo coliforme total e E. coli em amostras de água (IDEXX, 2015; MARQUEZI, 2010; SILVA
et al., 2010).

Observa-se no (gráfico 1), que as aldeias Bento, Forte, Lagoa do Mato e Tracoeira,
apresentaram-se em conformidade com a Portaria MS nº 2.914/2011, sem nenhum tipo de
contaminação bacteriológica na água.

Quanto as aldeias Akajutibiró, Bemfica, Cumarú, Galego, Laranjeiras, São Francisco,


Santa Rita e Silva (gráfico 1), estas apresentaram uma porcentagem de 1% a 11% sendo 1 a
7 casos positivos de Coliformes totais, distribuído em 10 messes, um quantitativo tolerável,

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ISSN:

pois sabe-se que a contaminação deste pode-se se dar por inúmeros fatores inclusive por
tratamento inadequado ou até mesmo contaminação após o tratamento, ÔZLER e AYDIN
(2008).

Quanto a contaminação por E. Coli. (Gráfico 1), as aldeias Akajutibiró, Laranjeira nos
referidos messes de contaminação Abril e Julho (gráfico 2), houve relato do AISAN que o
clorador estaria quebrado e que o mesmo já havia realizado distribuição de hipoclorito de
sódio 2,5% em toda comunidade.

É sabido que os valores aceitáveis seriam 0% de contaminação tanto de Coliformes


Totais como para de E. Coli. .ÔZLER e AYDIN (2008) relata que a presença E. Coli. nas
amostras de água pode acarretar inúmeras doenças, principalmente a bebês, crianças e
pessoas com imune severamente comprometida.

É protocolo do programa MQAI, em todas as visitas nas comunidades principalmente


nos dias de coleta e em que a rede de distribuição não apresente cloração ou o teor de cloro
estar acima do preconizado pela Portaria MS nº 2.914/2011, procurar o AISAN, para que
seja realizado qualquer tipo de correção, seja por falta ou excesso de cloro, em casos de
qualquer dano ou falha nos equipamentos de cloração, montar estratégia de distribuição de
hipoclorito de sódio 2,5% com urgência para que a comunidade não seja exposto a nenhum
tipo de contaminação.

Gráfico 1: Número de casos positivos de Coliformes totais e E. Coli, referente aos


meses de Janeiro a Outubro, conforme o MQAI - 2016.

15% 15%
10
9 11,6%
8
7
Número de casos positivos

6
5 5% 5% 5%
4 3,3% 3,3% 3,3%
3 3,3% 3,3%
1,6%
2 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0% 0%
1
0

COLIFORMES TOTAIS E. COLI

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Nas aldeias Akajutibiró (Abril e Junho), Laranjeiras (Janeiro e Fevereiro) e São Miguel
(Abril, Maio, Junho, Julho e Setembro) (gráficos 1 e 2) os resultados das amostras
apresentaram contaminação para E. Coli. nestes messes o clorador estava quebrado, já
estava sendo providenciado a troca do mesmo e já havia sido realizado a distribuição de
hipoclorito de sódio 2,5%, segundo relatos dos AISAN`s no dia da coleta, as amostras não
estão em conformidade com a Portaria MS nº 2.914/2011. Este tipo de contaminação
indica a presença de dejetos humanos ou de animais na água, porém conforme relato não
houve prejuízo a saúde da comunidade pois foi utilizado o método alternativo de cloração.

A aldeia São Miguel (gráfico 1 e 2), apresentou maior número de contaminação 15%,
para Coliformes Totais e E. Coli, em um total de 9 casos positivos, porém está possui uma
particularidade, onde a mesma é abastecida tanto pelo poço subterrâneo como superficial,
o que dificulta o tratamento da rede de abastecimento. Por se tratar de captação de água
superficial (ETA município) a comunidade estar mais vulnerável a contaminações por E. Coli,
por este motivo se realiza um trabalho mais específico de distribuição de hipoclorito de
sódio 2,5% casa a casa nos dias em que a comunidade se encontra sem tratamento na rede
de distribuição.

Gráfico 2: Número de casos positivos de Coliformes totais e E. Coli mensal, conforme o


MQAI - 2016.

8% 7%
6
5 5% 5% 5%
Número de casos positivos

4 4% 4% 4% 4%
3 2% 2%
2 1% 1% 1% 1% 1%
1 0% 0% 0% 0%
0
JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT
COLIFORMES TOTAIS E. COLI

A variação observada mensalmente nas análises bacteriológicas das amostras da


rede da tratamento de água se dá por inúmeros fatores, seja pela falta do tratamento
diário (saída do profissional da comunidade), pane nos equipamentos de coloração, falta de
comprometimento do profissional responsável pelo tratamento e etc. Ainda assim a água é

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considerada própia para consumo humano, pois a falta de tratamento na rede de


distribuição se dar por problemas pontuais na qual foram resolvidos no decorrer dos
messes e em alguns casos no mesmo dia da coleta das amostras.

CETESB (2014), ressalta que a preservação da qualidade da água é a necessidade


universal que exige séria atenção por parte das autoridades sanitárias e órgãos de
saneamento, particularmente em relação aos mananciais e águas destinadas ao consumo
humano, tendo em vista que sua contaminação por excretas de origem humana ou animal
pode torná-los um veículo de transmissão de agentes de doenças infecciosas e parasitárias
nas comunidades.

CONCLUSÕES
Com base na Portaria MS nº 2.914/2011, Foi realizado uma avaliação em 13 aldeias
Potiguaras, sendo que em quatro (04) destas, Bento, Lagoa do Mato, Tracoeira e Forte, os
resultados encontrados nas análises bacteriológicas foram totalmente satisfatórias,
atenderam 100% o padrão de potabilidade. Já em seis (06) comunidade: Bemfica, Cumaru,
Galego, São Francisco, Santa Rita, Silva, revelou-se comprometimento pontual quanto a sua
potabilidade, apresentaram-se positivo apenas para coliformes totais, devendo-se ao fato
de não possuir cloro na rede de distribuição no dia da coleta.

Quanto as aldeias Akajutibiró, Laranjeiras e São Miguel, apenas três (03)


apresentara-se E. Coli., por ter apresentado o clorador quebrado no mês da coleta. Vale
ressaltar, que foram tomadas todas as providências cabíveis de correção quanto a falta de
cloro na rede de distribuição, troca de cloradores e distribuição de hipocloritos (para as
aldeias com os cloradores quebrados).

Os resultados obtidos levam a considerar como satisfatórias as condições


bacteriológicas da água utilizada na comunidade, pois observa-se problemas pontuais e de
fácil solução, o tratamento alternativo (distribuição de hipoclorito de sódio 2,5%) é a técnica
de tratamento que visa diminuir ao máximo possíveis riscos de ocorrência de enfermidade
de veiculação hídrica, até que o sistema de distribuição de água volte a operar
normalmente.

Faz-se necessário continuar com as ações de vigilância em saúde ambiental,

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apresentando medidas a serem tomadas para se ter um processo eficiente e eficaz no


controle da qualidade da água, visando minimizar os riscos à saúde humana decorrentes do
consumo da água imprópria e garantir a população indígena acesso a água com qualidade,
compatível com o padrão de potabilidade estabelecido na legislação vigente, evitando deste
modo possíveis contaminações na água de consumo vindo a causar diversa patologias como
parasitoses e infeções intestinais dentro outras doenças.

REFERENCIAS

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of water and wastewater. 1995, ed. 19.
BRASIL. Ministério da Saúde. Fundação Nacional da Saúde. Manual de Saneamento. s/d,
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BRASIL. Ministério da Saúde. Normas e Padrão da potabilidade de água destinada ao
consumo humano. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, D.F., 26 de
março de 2004.

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Saúde).

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CAVALCANTE, R. B. L. Ocorrência de Escherichia coli em fontes de água e pontos de


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Preservação de Amostras de Águas para Consumo Humano e Dseinfecção de
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Funasa. Ministério da Saúde (BR). Manual Prático de Análise de Água. 2. ed. Brasília (DF):
Assessoria de Comunicação e Educação em Saúde, 2006.
IDEXX LABORATORIES: Disponível em https://www.idexx.com/pdf.

MARCONI, M.A. LAKATOS, E. M. Técnicas de pesquisa: Planejamento e execução de

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

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Ministério da Saúde (BR) Portaria n. 2914 de 12 de dezembro de 2011. Norma de qualidade
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OPAS/OMS - Organização Pan Americana de Saúde. Coleção água: água e saúde. Brasilia,
1988.

ÔZLER, H. M.; AYDIN, A. Hydrochemical and microbiological quality of groundwater in


West Trace Region of Turkey. 2008. V. 54.
RUIZ, J. A . Metodologia Científica: guia para a eficiência nos estudos. S.o Paulo, Atlas,
1996.

TSUTYA, Milton Tomoyuki. Abastecimento de água - Departamento de Engenharia


Hidráulica e Sanitária da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo- 3 edição São
Paulo, 2006 XIII, 643 p.

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OS AMBIENTES E A ECOLOGIA DOMÉSTICA ENTRE OS POTIGUARA DA ALDEIA


JARAGUÁ, PB.

ARAÚJO, Marianna de Queiroz


Universidade Federal de Pernambuco

1- INTRODUÇÃO

Para Moonen (2008) são denominados de Potiguara os índios que habitavam


durante o Século XVI parte do litoral do Nordeste brasileiro. Tomando como base o mapa
geográfico atual do Brasil, esses índios se localizavam aproximadamente entre, a atual
cidade de João Pessoa, capital da Paraíba e a atual cidade de São Luís, capital do Maranhão.
Entretanto devido a diversos fatores históricos, boa parte dessa população indígena foi
dizimada, e hoje segundo Palitot (2005), eles se encontram distribuídos em 32 aldeias nas
áreas urbanas das cidades de Baía da Traição (PB), Marcação (PB) e Rio Tinto (PB). Além de
apresentarem alguns contingentes habitando outros municípios como Mamanguape (PB),
João Pessoa (PB), Cabedelo (PB), Vila Flor (RN), Canguaretama (PB) e até mesmo o Rio de
Janeiro (RJ).
Os Potiguaras apresentam importantes riquezas geográfica, histórica, ambiental,
ecológica, turística, religiosa e cultural. Diante dessa grande riqueza, sentiu-se a necessidade
de desenvolver um estudo mais detalhado sobre como se dar a relação de interação do
povo Potiguara com o seus ambientes, que são afetados diretamente pela ação humana
desde muito tempo. O conhecimento desse povo sobre esse meio e os seus respectivos
recursos naturais, já é consequência do acumulado de experiências de séculos de ocupação
desse espaço.
Para entender toda essa dinâmica de transmissão de conhecimento e as relações de
interações com o meio, a que os Potiguara estão inseridos, adotou-se como objeto de
estudo os grupos domésticos Potiguara. Para muitos estudiosos o mesmo é considerado
uma unidade analítica e descritiva, segundo Wilk (1997,1984) o grupo doméstico constitui,
deste modo, uma unidade de descrição e análise privilegiada para, a um nível micro,
aprender os principais vetores da mudança, onde a partir deles as relações sócias mais
abrangentes vão se entrelaçando, ativando estratégias, transmitindo formas de pensar e de
fazer.

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É diante desse contexto que a pesquisa se insere, tendo como finalidade a


compreensão, com base na estrutura dos grupos domésticos potiguara, das relações
existentes entre esse povo e o meio que os circundam, tomando como referencial a
ecologia do grupo doméstico, definida como o estudo da relação de apropriação e gestão de
recursos que está centrada na noção de Household Ecology (WILK,1997). Esta, não é
compreendida aqui de modo estático, sui generis e imutável, mas como produto de
circunstâncias e contextos temporais com os quais os Potiguara se defrontam. Nesses
termos, analisar os grupos domésticos e as habilidades com as quais seus membros lidam
com as características ambientais, que incluem fauna, flora, aspectos físicos e químicos é
fundamental para compreender não apenas os itinerários, mas também a organização do
trabalho que é influenciada pela ecologia.

2- DESENVOLVIMENTO

Para o desenvolvimento da pesquisa, previamente foram realizadas leituras que


possibilitaram a percepção de questões pertinentes. Em seguida, partimos para o trabalho
de campo e a observação participante foi fundamental para estabelecer aproximação com o
universo investigado. Entrevistas semiestruturadas por vezes gravadas também foram
utilizadas. O método genealógico, voltado à construção de diagramas de parentesco foi
empregado para reconstruir trajetórias familiares e extensões de redes de alianças.

Não cabe recuperar longamente o histórico desde os séculos XVIII e XIX, que fontes
históricas indicam como aqueles em que os Potiguara foram reduzidos na Paraíba em dois
aldeamentos, assistidos pelos missionários do Carmo da Reforma de São Miguel da Baía da
Traição no litoral e o da Preguiça, situado a cerca de 24 km da costa (PALITOT 2005).

Na segunda metade do século XVIII tais aldeamentos (de São Miguel e Baía da
Traição) vão ser modificados pelas leis Pombalinas, que determinam a expulsão das ordens
missionárias e a elevação das aldeias à categoria de vilas de índios. Após a promulgação da
Lei de Terras, de 1850, os descasos das autoridades associados à precária condição dos
índios fizeram com que houvesse constantes usurpações e compras das terras indígenas
(PALITOT 2005). Este autor argumenta que os Potiguara se viam cada vez mais recuados

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ISSN:

pela espoliação territorial, tendo fundamental relevância, já nas primeiras décadas do


século XX, duas grandes agências: o Serviço de Proteção aos Índios (SPI) na Baía da Traição,
que estabeleceu um regime tutelar de controle do território indígena, e a Companhia de
Tecidos Rio Tinto, propriedade da família latifundiária Lundgren. Por um lado, a agência
indigenista oficial se pautava pela ideologia da incorporação desses grupos à sociedade, por
outro a intensificação das frentes de ocupação dos territórios tradicionais dos Potiguara se
dava de forma intensa pelos Lundgren.

Tais agentes e agências promoveram, assim, aquilo que Oliveira (2004, p.22) definiu
como processo de territorialização, que implica:

i) a criação de uma nova unidade sociocultural mediante o estabelecimento de uma


identidade étnica diferenciadora; ii) a constituição de mecanismos políticos
especializados; iii) a redefinição do controle social sobre os recursos ambientais; iv) a
reelaboração da cultura e da relação com o passado.

O monopólio dos Lundgren na cidade de Rio Tinto era sustentado pelas relações de
poder que estabeleceram. A companhia possuía muitos domínios, desde as ofertas de
trabalho, moradia, lazer, religião e saúde. Somente os trabalhadores mais velhos da fábrica
podiam trabalhar em cultivos próprios e para a Cia. Era-lhes cedido um pequeno pedaço de
terra para o “roçado” com alimentos que eram impostos e controlados pela Cia. Esses
produtos tinham um preço regulado e era comprado por ela, que então os revendia em seu
“barracão”, a preços altos. Para os trabalhadores que cultivavam em terras ditas da
Companhia era cobrado um dia de trabalho semanal gratuito na fábrica, como pagamento
do aluguel da casa e do terreno.

Na década de 1980 grande parte das terras da Cia. foram vendidas para usinas de
açúcar e sobretudo de álcool, com o “Programa Nacional do Álcool” (Proálcool). As usinas
investiram nas áreas antes exploradas pela Cia., comprando e/ou arrendando-as, o que
tornou as condições de reprodução social dos moradores ainda mais difíceis, com
contingenciamentos cada vez maiores no acesso aos recursos.

Os desmatamentos empreendidos para o plantio de cana transformaram o cenário


físico das relações sociais. A espoliação das terras e o avanço deste cultivo foram geradores
de amplo descontentamento, levando os indígenas, já na década de 1980, a se organizarem
pela demarcação de suas terras. As chamadas “retomadas” foram feitas com a substituição

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dos canaviais pelo plantio de roça (macaxeira). Os reivindicantes plantavam as roças que
eram posteriormente destruídas a mando dos usineiros. Todas essas estratégias de
resistência à dominação, incluindo iniciativas para recuperação e defesa do território
garantiu a realização de atividades produtivas e a mudança das relações de poder
subjacentes às relações espaciais. Paulatinamente, graças às “retomadas” das terras os
Potiguara foram ocupando as áreas com atividades agrícolas e pecuária antes vetadas pela
Cia. e pelos usineiros.

Importa nunca perder de vista que a ocupação e uso do espaço é sempre um


processo dinâmico, que envolve diversos agentes. Antes que se estabelecessem dinâmicas
próprias do desenvolvimento capitalista, com exploração de mão de obra e de recursos dos
territórios, os Potiguara podiam desenvolver suas atividades num ambiente que satisfazia
suas necessidades. Com o tempo reduziu-se drasticamente a biodiversidade nos espaços
territoriais dos grupos domésticos. Para isto, a “Companhia” e as usinas tiveram um papel
determinante.

O desmatamento massivo dos espaços em questão não acarretou simplesmente


numa drástica diminuição das populações animais e vegetais (tanto em número de
indivíduos quanto em variedades de espécies); este fenômeno provocou também
significativas modificações na rede hidrográfica, como indicado. Mas os grupos domésticos
desenvolveram estratégias para adaptar-se as situações sociais mais amplas. Dentre tais
estratégias tem-se o fato de que por falta de espaços produtivos para o plantio, algumas
household passaram a adaptar áreas de mangue alagáveis desmatadas, aterrando-as.
Igualmente, materiais industrializados, articulados com outros de origem vegetal (por
exemplo), passaram a ter papel importante na construção e na aquisição de artefatos, tais
como vassouras e redes de pesca (ARAÚJO 2015).

A realização das atividades é possibilitada, em última análise, pelo conhecimento que


os indivíduos constroem sobre o ambiente em suas rotinas diárias definidas em parte em
termos ecológicos (Evans-Pritchard 2005). Este conhecimento se manifesta sob a forma de
compartilhamento dos saberes (além dos fazeres) entre homens, mulheres e crianças de
uma household, de modo a estabelecer relações entre fauna, flora, aspectos físicos (como a
variação de marés, fundamental para a atividade de pesca) e químicos, como a
decomposição de matéria orgânica do mangue, que constituem um conhecimento local

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tradicional (INGOLD E KURTILLA 2000), que associa saberes acumulados ao longo do tempo
mas numa constante atualização, dependendo das próprias condições ecológicas (além de
políticas, etc.), permitindo classificações de materiais, técnicas e informações. Este estoque
cultural de conhecimento (BARTH 2000 e 2005) que os indivíduos organizados em seus
grupos domésticos continuamente constroem (e transmitem) na interação com os
elementos presentes no território vem a par com uma atitude de responsabilidade e
sentimento de pertença a este território (ARAÚJO 2015), e daí uma capacidade de lidar
adequadamente com tais elementos.

3- CONSIDERAÇÕES FINAIS

A propósito da questão inicialmente apresentada, sobre como se dá a relação entre


os Potiguara da aldeia Jaraguá e os ambientes em que estão inseridos, podemos dizer que a
interação com os diversos ambientes se dá por meio dos conhecimentos procedentes não
apenas da experiência produtiva na busca por recursos, mas de um cuidado que gera uma
relação de responsabilidade e pertença diante os ambientes, uma ecologia doméstica que
inclui a capacidade de lidar adequadamente com as características ambientais e do cosmos,
trata-se de um saber-fazer apreendido no contexto doméstico, por meio dos processos
educacionais que permitem o engajamento em atividades diárias como aguar, mexer na
terra, transportar o gado de um lugar para outro, coletar plantas medicinais, pescar etc.
Essas atividades exigem mobilidades especificas e o desempenho de um conjunto de
aptidões, e esta é uma constatação fundamental deste estudo.

4- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAÚJO, Marianna de Queiroz. 2015. Entre terreiros, roçados e marés: Um estudo sobre a
organização doméstica entre os Potiguara do Litoral Norte da Paraíba. Monografia
(Graduação em Antropologia). UFPB.

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EVANS-PRITCHARD, E. 1978. Os Nuer. Uma descrição do modo de subsistência e das


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INGOLD, Tim & KURTTILA, T. 2000. “Perceiving the environment in Finnish Lapland”. In:
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colonial, territorialização e fluxos culturais”. In: J. P. de OLIVEIRA (org.), A Viagem da volta:
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Capa Livraria, 2ª. ed. pp. 13-42.

PALITOT, Estevão Martins. Os Potiguara da Baía da Traíção e Monte-Mór: história,


etnicidade e cultura. 2005. Dissertação (Mestrado em Sociologia) –Universidade Federal da
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LOUIS-FRANÇOIS DE TOLLENARE – (1816 - 1818) E SEUS OLHARES SOBRE OS


ÍNDIOS

ARAGÃO, ÉVERTON ALVES


Universidade Federal de Campina Grande
everton01588@gmail.com)2

AGUIAR, JOSÉ OTÁVIO


(otavio.j.aguiar@gmail.com)1
Universidade Federal de Campina Grande

INTRODUÇÃO

Muito se tem pesquisado sobre as ideias de nação e história produzidas pelos


viajantes europeus que estiveram no Brasil no início do século XIX. Com base nesses
estudos, podemos perceber que esses viajantes tiveram papel fundamental na construção
de um imaginário sobre os povos indígenas e os modos de inscrevê-los no tempo e no
espaço. No intuito de contribuir com a referida temática, esta pesquisa tem como principal
objetivo investigar os relatos do viajante francês Louis-François de Tollenare em suas
apreciações sobre os índios. É cabível dizer que essa pesquisa faz parte de um projeto
maior. Nele analisamos a obra Notas Dominicaes, escrita pelo Tollenare no alvorecer do
século XIX. No referido projeto, valorizamos as considerações do viajante no que dizem
respeito aos aspectos hídricos do planalto da Borborema. Ou seja, é feito, a partir de seus
relatos, uma análise sistêmica do ambiente natural. Porém, ao investigar suas Notas
Dominicais, foi possível perceber, além das características do ambiente – dos rios –, os
olhares étnicos que Tollenare registra em suas anotações. Logo, o desenvolver dessa
pesquisa se torna analisar de forma panorâmica a maneira a qual os indígenas (entre eles os
caetés) são representados na escrita desse francês.

METODOLOGIA

Inicialmente o projeto partiu de uma premissa: compreender parte da história da


relação entre os homens e rios na antiga Capitania da Paraíba e de Pernambuco –
delimitando o recorte espacial entre os atuais estados da Paraíba e de Pernambuco, sendo
mais especifico: o planalto da Borborema –, tendo os relatos dos aspectos naturais,

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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averiguados a partir da obra do viajante Louis-François de Tollenare, como elemento central


dessa jornada.
Além de conhecer aspectos gerais da realidade social e ambiental das principais cidades do
interior das Capitanias da Paraíba e Pernambuco (hoje os estados da Paraíba e Pernambuco)
– partindo de Campina Grande e da Bacia do Rio Paraíba – através de uma pesquisa
documental e bibliográfica. Para assim, identificar a complexidade hídrica do Planalto da
Borborema, bem como uma suscetível análise histórica. Pois, nessa região a falta de água é
uma característica desde os rincões da história.
Todavia, nos meses de abril e maio, a partir da divulgação do Congresso Internacional
Mundos Indígenas, passei a me inquietar no que tange as representações do indígena na
literatura de viagem de Tollenare – passei a ler essas considerações com outros olhares.
Nesse ínterim, levei essas novas pontuações ao professor Dr. José Otávio Aguiar (orientador
dessa pesquisa), reconhecendo essa inquietude histórica, foram indicadas algumas leituras
teórico-metodológicas acerca da História Ambiental ou Ecológica; sobre a temática História
Indígena ou Etno-História Indígena, em forte diálogo entre História e Natureza; e leituras
documentais da época da transição política e administrativa entre colônia e império, as
quais tratam sobre os aspectos dos povos indígenas.
Simultaneamente, foi realizado uma leitura dos relatos de viagem de Louis-François de
Tollenare, agora, reconhecendo as representações e os olhares do viajante sobre os
indígenas. Logo em seguida, esboçamos um panorama das representações indígenas nessa
obra.

Por fim, após o desenvolvimento desse panorama houve uma análise desses relatos,
comunicando-se com as leituras teóricas, e partindo para produção de um texto, na forma
final de painel, sobre essa temática.

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FONTE: TOLLENARE, Louis-François de. Notas Dominicais. Trad. Alfredo de Carvalho. Instituto
Arqueológico e geográfico pernambucano, Recife, 1906.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A partir de um esforço bibliográfico, sobre a História do Brasil, é corrente que antes do
século XIX só era permitida a exploração do território brasileiro a viajantes, cientistas e
administradores ligados ao reino de Portugal. Porém, no ano de 1808 com a vinda da família
real para o Brasil, uma das primeiras providências tomadas pelo rei de Portugal, dom João
VI, foi a abertura dos portos a todas as nações amigas de Portugal. Esse ato possibilitou a
entrada de vários viajantes europeus que, movidos por objetivos de natureza científica e
econômica, buscavam explorar as potencialidade dessa parte da América. Nesse contexto, a
Coroa não hesitou em instalar em sua nova corte poderosos instrumentos de investigação
do mundo natural (gráfica, biblioteca, escola de medicina, laboratório de análises químicas
etc.). (DEAN, 2004, p. 140).
Com isso, não tardou até que esses viajantes chegassem ao Brasil na primeira metade do
século XIX. Os relatos de inúmeras expedições foram publicados na Europa, para leitores
ávidos de notícias sobre um Brasil até então desconhecido. Os relatos de viagem produziam

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representações sociais e geográficas para europeus que, a partir daí, construíram sua
identidade em oposição ao que passou a ser “o resto do mundo”. Como em um movimento
de trocas culturais, a auto representação europeia criou-se nesse confronto com a imagem
do outro. (DUARTE, 2002, p. 268).
Entre esses relatos, temos conhecimento de um escrito – entre os anos de 1816 a 1818 –
por um francês comerciante chamado Louis-François de Tollenare. Essa obra é composta
por uma série de notas de viajem que foram redigidas pelo autor em suas pausas nos
domingos, sugerindo, então, o nome dado ao livro: Notas Dominicaes (tradução do início do
século XX) ou Notas Dominicais (adequado à reforma ortográfica ratificada em 2008).
Trabalhando-se com o relato de viajem de Tollenare emanada da sua visitação ao atual
Nordeste brasileiro, não há dúvidas de que existem possibilidades de construção de uma
nova visão histórica no que diz respeito ao indígena. Essa possibilidade surge da própria
desconstrução desse documento: o que justifica, naquele contexto, o Tollenare, que
certamente tinha aspirações iluministas (pelo fato de ser contrário à escravidão), no seu
trato depreciativo aos índigenas.
Sabendo disso, a partir desses relatos, é possível tecer algumas considerações sobre a
escravidão indígena e seu cativeiro (aldeamento). Além disso, Tollenare aponta os índios
como um povo pobre (a peble brasileira). Apresenta também a ganancia insassiavel por
terras, por parte dos proprietarios de engenhos. Além de indicar os índios como mizeraveis
e preguiçosos, afirma que sob influência do clima são ociosos. Sendo assim, chamar alguém
de cabloco é uma grande onfesa à honra. Bem como apresentar posições e características
de algumas aldeias indígenas localizadas no planalto da Borborema. Também são descritas
em sua obra as relações entre indígenas e o poder da Coroa (no que se refere à cessão de
terras) e a relação que os indígenas mantinham com a natureza.
Contudo, sabemos a partir de outros documentos que inúmeras práticas de resistência indígenas
foram empreendidas ao longo dos anos de colonização, como, por exemplo, as fugas individuais e
coletivas, o suicídio, o assassinato dos senhores e colonos, a destruição das fazendas de gado e das
plantações dos colonos, entre outros. (MEIRA & APOLINÁRIO, 2010, p. 90).

CONCLUSÕES

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Afora as muitas inevitáveis inexactidões dum viajante de


passagem, que não era propriamente um erudito nem um
artista, antes um viajante de commercio, possuindo
conhecimentos deficientes sobre o passado e mesmo o
presente do paiz que percorria e observava. (LIMA, 1905 apud
TOLLENARE, 1906, p. 7).

Diante da análise, podemos concluir que: a) Apesar das inexatidões é imprescindível


utilizarmos dos relatos de viagem como recurso para novos olhares históricos; b) Torna-se
fundamental desconstruir os documentos que tratam etnograficamente os povos indígenas,
pois esses documentos são entendidos, por nós, como instrumentos de percepções entre o
“Eu” (nós) e o “Outro” (os indígenas); c) Por fim, devemos construir a partir das fontes
históricas a resistência e luta dos povos indígenas, compreendendo as representações que
tais indivíduos tem de si mesmos.

REFERÊNCIAS
FONTES
TOLLENARE, Louis-François de. Notas Dominicais. Trad. Alfredo de Carvalho. Instituto
Arqueológico e geográfico pernambucano, Recife, 1906.
LIMA, Manoel de Oliveira. Prefácio, 1905. In: TOLLENARE, Louis-François de. Notas
Dominicais. Trad. Alfredo de Carvalho. Instituto Arqueológico e geográfico pernambucano,
Recife, 1906.
BIBLIOGRAFICAS
DUARTE, Regina Horta. Olhares estrangeiros. Viajantes no vale do rio Mucuri. Revista
Brasileira de História. São Paulo, v. 22, nº 44, pp. 267-288, 2002.
RODRIGUES, André Figueiredo. Literaturas de viagem: fauna, flora e etnografia brasileira /
André Figueiredo Rodrigues, José Otávio Aguiar, Wilton Carlos Lima da Silva. – São Paulo:
Humanitas, 2013.
SALLAS, Ana Luisa Fayet. Narrativas e imagens dos viajantes alemães no Brasil do século
XIX: a construção do imaginário sobre os povos indígenas, a história e a nação. História,
Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.17, n.2, abr.-jun. 2010, p.415-435.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os índios na história do Brasil. Rio de Janeiro: Editora
FGV, 2010.
DEAN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. 1. ed.
São Paulo: Cia. das Letras, 2004.
MEIRA, Jean Paul Gouveia. APOLINÁRIO, Juciene Ricarte. História indígena no sertão da
capitania da Paraíba no século XVIII. Cadernos do LEME, Campina Grande, vol. 2, nº 1, p. 75
– 94. jan./jun. 2010.

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GT 14 - PROTAGONISMO INDÍGENA E INQUISIÇÃO NA AMÉRICA

Almir Diniz de Carvalho Júnior - UFAM

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ÍNDIGENAS MADINGUEIROS DENUNCIADOS AO SANTO OFÍCIO NA CIDADE DO


NATAL: O CASO DE JOSÉ RODRIGUES MONTEIRO E MANUEL PEDRO (1755-
1762)

PAIVA, Alan Abel Cavalcante102


Universidade Federal do Rio Grande do Norte
alanabelcavalcantepaiva@gmail.com

INTRODUÇÃO

O continente americano foi marcado por se constituir em um particular cenário de


sincretismos e miscigenações no período moderno. Como ressalta o historiador Ronaldo
Vainfas (1989, p. 36), em termos de religião, costumes, vida material, gentes e dimensões
geográficas, a América possuía profundas diferenças, se comparada a outras partes do
mundo. Nesse sentido, pode-se levantar a hipótese de que durante todo o processo de
expansão marítima, o cotidiano colonial foi responsável por apresentar adeptos de novos
tipos de crenças, como é o caso dos mandingueiros, indivíduos que portavam bolsas de
mandinga.

“O termo ‘mandinga’ vem dos mandingas ou malinkês, povo habitante do vale do


Níger, no reino do Mali, em torno do século XIII, e que tinha por hábito o uso de amuletos
pendurados ao pescoço” (BASTIDE, 1974, p. 204, apud, CALAINHO, 2008, p. 96). Com
relação às bolsas de mandinga encontradas no contexto da América portuguesa, de maneira
geral, consistiam em saquinhos pequenos, que geralmente eram levados no pescoço, como
uma espécie de amuleto, e podiam conter desde orações, trechos da bíblia, partículas de
hóstias, até mesmo olhos de gato, pedaços de ossos, sangue, dentre outras coisas.
Acreditava-se que elas simbolizavam a proteção contra ataques físicos e também espirituais,
proporcionando ao indivíduo que as usasse um “corpo fechado”. Nesse sentido, como
ressalta Daniela Calainho Buono (2008, p. 80), em uma sociedade em que a medicina era
ainda pouco desenvolvida, os mais simples conhecimentos, fundamentados em um
misticismo exacerbado, serviam como explicação para diagnosticar doenças e sintomas,
assim como os remédios que pudessem os prevenir ou curar.

102
Orientadora: Carmen M. Oliveira Alveal

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Segundo Laura de Mello e Souza (1986, p. 210-211), esse objeto simbólico era
carregado de um intenso misticismo, e conseguiu unir aspectos religiosos do cristianismo e
das religiões de matriz africana, como também traços da cultura indígena, além de
corresponder à forma mais tipicamente colonial de feitiçaria. Por ser categorizada como um
tipo de feitiçaria e um sacrilégio, aos olhos da Igreja, os indivíduos que fossem vistos
portando esse objeto eram considerados hereges, consequentemente, poderiam ser alvos
de denúncias ao Tribunal do Santo Ofício.

É interessante perceber como a circulação desse objeto, oriundo do continente


africano, conseguiu ultrapassar as fronteiras oceânicas, durante o processo de escravização
das populações africanas, chegar até a América, ganhar novas conotações, adotar novos
elementos, com ênfase nos católicos, e influenciar na religiosidade dos moradores da
Colônia, ao passo em que ganhava novos adeptos de seu uso. Dentre esses novos adeptos,
destacam-se os indígenas Manuel Pedro e José Rodrigues Monteiro, moradores da Capitania
do Rio Grande, que foram denunciados à Inquisição por possuírem uma bolsa de mandinga.
O objetivo deste trabalho será analisar essas denúncias e interpretar os discursos presentes
nelas.

SÍMBOLOS, PRÁTICAS E INTERPRETAÇÕES

O primeiro caso selecionado diz respeito a uma confissão do índio José Rodrigues
Monteiro, homem solteiro, morador na aldeia do Mipibu, filho de Francisco de Lima. Sua
confissão foi registrada em 4 de fevereiro de 1755 na cidade de Natal, Freguesia de Nossa
Senhora da Apresentação. Com base no documento, o dito índio, quando fora se confessar
junto ao padre Fidélis de Partana, superior do dito aldeamento, teve seu pedido recusado
por ele, recebendo a orientação deste para que primeiro fosse depor perante Manoel
Correia Gomes, vigário do Rio Grande, por aquele portar uma bolsa de mandinga.

No que se refere a Mipibu, localidade onde José Rodrigues morava, de acordo com
Fátima Martins Lopes “é somente em 1736 que a aldeia de Mipibu torna-se Missão com a
presença fixa de missionários capuchinhos e uma nova demarcação de terras, instalando a
Missão no local de São José de Mipibu atual” (LOPES, 1998, p.365).

Segundo Maria Celestino de Almeida (2010, p. 71), essas aldeias eram vistas, até
pouco tempo, pela historiografia, apenas do ponto vista do colonizador. Como

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consequência, eram entendidas, simplesmente, como espaços de dominação sobre os


índios, que durante o processo de submissão eram inseridos na cultura do colonizador,
deixando de ocupar o papel de protagonistas de sua própria história, ao passo em que se
tornavam agentes passivos desta. O caso de José Rodrigues tem papel fundamental na
desconstrução dessa visão.

De acordo com o documento, José Rodrigues relatou perante o vigário, para


desencargo de sua consciência, que “tomava mandinga para ser valente e não lhe entrar no
corpo ferro nem chumbo e que para isso tomava sangue de seu corpo da banda esquerda,
com o qual passava escrito ao demônio entregando-lhe o seu sangue” (ANTT, IL, Promotor,
fl. 60). Ainda segundo o relato de José Rodrigues, Antônio Ferreira, homem solteiro,
morador no lugar de São José da freguesia ou paragem do Rio do Peixe do bispado de
Pernambuco, lhe havia entregado a dita bolsa e ensinado essa prática e, posteriormente,
aquele vendeu a bolsa para um moço do Jaguaribe, cujo nome não é mencionado no
documento, pelo valor de dois mil réis.

As informações que podem ser analisadas nesse relato são, inicialmente, a recusa do
padre Fidélis de Partana em receber a confissão de José Rodrigues, optando apenas pela
orientação do indígena a se dirigir perante o Vigário. Pode-se supor que as práticas
manifestadas pelo índio já eram conhecidas por outras pessoas, inclusive pelo dito padre.
Algumas das hipóteses que podem ser levantadas são, primeiramente, a de que, devido ao
fato de ele ser índio e, possivelmente, ser um cristão neófito, ou seja, que fora
recentemente convertido à fé católica, poderia haver uma maior “tolerância” com relação a
seus crimes, visto que ele poderia ser considerado um indivíduo ainda “ignorante”. Além
disso, de acordo com Luís Rafael Araújo Corrêa,

Não podemos esquecer que as dificuldades inerentes ao esforço de


evangelização e o duplo processo de tradução-recepção característico do
trabalho de conversão levado a cabo pelos missionários, fizeram com que
muitas das faltas e desvios da fé cometidos por índios fossem relevados,
havendo, então, maior condescendência para com os mesmos. [...] convém
salientar também que os próprio missionários, assim como os colonos que
eram servidos por índios escravos ou aldeados, evitavam denunciar os
indígenas, já que a interferência do Santo Ofício poderia afetar a
autoridade dos mesmos em relação aos nativos.(CORREA, 2017, p.211).

Nesse sentido, relacionando com o referido caso do índio José Rodrigues, a Igreja
estaria falhando com a sua principal função, no caso, a orientação e inserção na fé, de seus

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fiéis na vida e nos preceitos cristãos. Outro ponto a ser destacado é que, possivelmente, o
padre Fidélis de Partana era servido pela força de trabalho deste indígena, por isso, optou
por não o denunciar, preferindo apenas orientá-lo.

A segunda hipótese que pode ser levantada é a de que o índio José Rodrigues
detinha laços, fossem eles de amizade ou solidariedade, com capitães, padres, camarários,
enfim, pessoas que fossem influentes dentro daquela sociedade. Dessa forma, poderia
existir uma relação de cumplicidade e caso o dito índio fosse interrogado pelo Santo Ofício,
este poderia listar outros nomes, além do de Antônio Ferreira, de pessoas que pudessem
estar envolvidas de alguma forma com práticas desviantes. É importante ressaltar que essa
era uma das principais estratégias da Inquisição.

É importante notar que o índio José Rodrigues afirmou que tanto a bolsa quanto as
práticas mencionadas por ele lhe foram ensinadas por um homem chamado Antônio
Ferreira, o que pode sustentar a hipótese de cumplicidade, mencionada anteriormente.
Além disso, as ausências podem dizer muito, visto que ele não mencionou o nome do
indivíduo para o qual vendeu o referido objeto, apenas revelou que a venda ocorreu no
Jaguaribe e que o valor pelo qual a bolsa foi vendida foi de dois mil réis. Dessa forma, pode-
se questionar também a respeito de qual era o vínculo existente entre ele e esse moço, pois,
ao afirmar que não se lembrava de seu nome, José Rodrigues estaria o protegendo de uma
investigação da Inquisição. Por fim, é interessante perceber que, embora fosse aldeado,
esse indígena circulava bastante, assim como se relacionava com muitas pessoas, de
diferentes localidades.

O índio José Rodrigues Monteiro aparece novamente nos documentos inquisitoriais.


Desta vez, o caso encontra-se na forma de um sumário de culpas, que consistia em um
documento que apurava as culpas de um indivíduo, com base em relatos de testemunhas, e
decidia se a investigação deveria prosseguir ou não. Esse sumário trata de uma nova
denúncia contra o índio José Rodrigues, envolvendo também o porte de uma bolsa de
mandinga. Por meio desse sumário, registrado entre os anos de 1760 a 1762, outros
detalhes são revelados a respeito das práticas cometidas pelo acusado e também das
relações existentes entre ele e as testemunhas do caso.

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No sumário consta que José Rodrigues foi preso, depois de ter furtado, no Jundiaí,
algumas partículas de hóstias, e depois foi enviado para uma cadeia da Vila de Recife, e,
após ordens de oficiais do Santo Ofício, do Tribunal de Lisboa, solicitou-se que ele fosse
solto da cadeia em que se encontrava preso. Um dos principais motivos que influenciaram
nas ordens de soltura do acusado foi um fato já bastante mencionado: ele era um indígena.

Portanto, consta no documento que devido “[à] qualidade e ignorância do


delinquente, como um índio, tudo concorrem a favorecê-lo, não permitindo a boa reta e
igual administração da justiça que sem delito provado, ou em graves indícios, sejam
castigados aqueles a quem se imputam os crimes” (ANTT, IL, Promotor 125, Liv. 315, f.386).
Sem contar o fato de José Rodrigues ser um índio, possivelmente, recém-inserido nos
valores cristãos, o crime pelo qual ele estava sendo acusado, não possuía provas suficientes
para que o mantivessem preso, visto que não se havia certeza se as hóstias, encontradas
dentro da bolsa portada por ele, eram consagradas ou não.

Consta também, neste sumário, que quatro testemunhas foram convidadas a depor
sobre este caso. Dentre essas testemunhas estavam: o reverendo padre coadjutor João
Tavares da Fonseca, morador de Jundiaí, cuja idade não é mencionada; o reverendo padre
Manoel Cardoso de Andrade, sacerdote do hábito de São Pedro, morador também em
Jundiaí, de idade de 67 anos; Amaro Gomes de Figueiredo, homem casado, soldado de
Infantaria, de idade de 56 anos, cuja localidade onde residia não é citada; e o reverendo
doutor Teodósio da Rocha Vieira, sacerdote do hábito de São Pedro, também morador em
Jundiaí, de idade de 29 anos.

De acordo com o depoimento do padre Manoel Cardoso, durante a celebração de


uma missa na Capela do Jundiaí, celebrada pelo padre João Tavares da Fonseca, este viu
algumas partículas de hóstias machucadas dentro de uma bolsa, e duvidou se elas estavam
consagradas ou não, e afirmou ainda que “tinha a dita bolsa [também] uma agulha e que ele
testemunha logo queimou o dito papel e as cinzas lançou na pia batismal com água para se
consumir pelo sumidouro” (ANTT, IL, Promotor 125, Liv. 315, f.390). Como forma de sanar
sua dúvida a respeito das hóstias, depois de acabada a referida missa, este soube que um
índio, chamado José Rodrigues, fora preso por um furto de algumas partículas, encontradas
em uma bolsa. Semelhantes informações são relatadas por outra testemunha, o padre João

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Tavares, com alguns acréscimos. Segundo ele, o índio havia sido preso antes, por ordens do
Capitão-mor desta capitania, após ter furtado hóstias.

Essa informação é relevante, pois, podem-se levantar suposições interessantes com


base dela. A primeira delas é de que a intervenção do Capitão-mor (na época, João Coutinho
de Bragança), nas ordens de prisão de José Rodrigues, foi realizada pelo fato de o índio ser
um indivíduo reincidente, ou seja, havia cometido crimes semelhantes em um momento
anterior e, possivelmente, suas ações estavam perturbando a ordem daquela região. A
segunda suposição, porém, diz respeito às motivações escondidas nessa intervenção.
Mesmo que o índio estivesse contribuindo para a desordem na região, o crimo pelo qual ele
estava sendo acusado é, teoricamente, simples, o que não justificaria essa intervenção, a
não ser que José Rodrigues possuísse alianças de solidariedade com indivíduos ou grupos
que pudessem prejudicar a estabilidade da autoridade do dito Capitão-mor ou de indivíduos
que fizessem parte de redes com esse.

Retornando aos depoimentos, de acordo com o reverendo Teodósio da Rocha Vieira,


ele testemunhou o Coronel Francisco da Costa de Vasconcelos tirar do pescoço do índio José
Rodrigues uma bolsa azul de pano fino, a qual tinha dentro algumas partículas de hóstias
quebradas, que foi entregue aos padres Manoel Cardoso e João Tavares, que trataram de
livrar-se das mesmas, por não haver certeza se eram ou não consagradas. Isto também foi
confirmado por Amaro Gomes de Figueiredo, que afirmou também ter testemunhado as
partículas em posse dos referidos padres, que antes estavam em uma bolsa vista no pescoço
do índio José Rodrigues. A riqueza de detalhes presente nesses relatos, como, por exemplo,
a descrição da cor da bolsa e do tipo de tecido, são algumas das informações que tornam
essa documentação tão especial.

Neste primeiro momento, é importante entender o contexto da acusação feita


contra o indígena. Relacionando os relatos das testemunhas, pode-se entender que o
Coronel Francisco da Costa de Vasconcelos retirou a bolsa que estava no pescoço do
acusado e entregou aos padres Manoel Cardoso e João Tavares, que se livraram,
posteriormente, do conteúdo presente nesta, que correspondia a algumas partículas, que
não se sabia se eram consagradas ou não, e que continha também um pedaço de papel e
uma agulha. Sabe-se que esse fato foi testemunhado pelo reverendo Teodósio da Rocha e
por Amaro Gomes. Embora os relatos tenham complementado-se, transparecendo, dessa

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forma, uma sensação de veracidade, deve-se questionar a respeito dos vínculos existentes
entre esses indivíduos e, se por um acaso, nutriam alguma inimizade velada contra o
acusado. Outra informação em comum é a de que o índio José Rodrigues afirmou para as
testemunhas que a bolsa havia sido dada a ele por outro indivíduo, que fora para o sertão.
De acordo com Janaína Amado,

No Brasil colonial, ‘sertão’ tanto designou quaisquer espaços amplos,


longínquos, desconhecidos, desabitados ou pouco habitados [...] como
adquiriu uma significação nova, específica, estritamente vinculada ao
ponto de observação, à localização onde se encontrava o enunciante, ao
emitir o conceito. (AMADO, Janaína, 1995, p. 148).

Pode-se levantar a hipótese de que seja esse o sentido atribuído ao termo sertão,
utilizado por José Rodrigues. De acordo com o testemunho do Padre João Tavares da
Fonseca, o indivíduo que integrou o referido objeto chamava-se Bento e era um índio. O
padre também afirma que esse referido índio encontrava-se em uma fazenda, cujo local não
é mencionado, do Coronel Francisco da Costa Vasconcelos, o mesmo que, segundo Teodósio
da Rocha, havia retirado o objeto do pescoço do índio.

É interessante notar, com base no testemunho do Padre João Tavares da Fonseca,


que aparentemente essas práticas, categorizadas como feitiçaria, detinham uma relativa
adesão, assim, como domínio comum, por parte dos indígenas. Entretanto, é importante
reforçar, de acordo com Ronaldo Vainfas (1995, p. 36-37), que embora esses indígenas
tenham adotado elementos cristãos ou africanos ao seu cotidiano, eles possuíam sua
própria visão de mundo, ao passo em que também se adaptavam às circunstâncias da
Colônia, como forma de resistência.

Por fim, no dia 11 de março de 1762, na Vila de Santo Antônio de Recife,


Pernambuco, o índio José Rodrigues apareceu perante o reverendo doutor Antônio Álvares
Guerra, comissário do Santo Ofício. Consta no documento que foi dito ao indígena que

“[os] ilustríssimos e reverendíssimos senhores inquisidores pela sua


costumada compaixão e piedade, o absolviam da prisão e mais penas em
que tinha incorrido, pelo desacato e irreverência e pouco temor de Deus
[...] cujo motivo fazia digno de um exemplar e rigoroso castigo, porém
inclinando-se os ditos senhores inquisidores a piedade o absolviam da
prisão e mais penas o obrigando-se o dito delinquente índio José Rodrigues
a assinar termo prometendo com toda a asseveração e firmeza de não usar
mais de bolsas proibidas nem outras semelhantes irreverências e de não

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faltar com o respeito e veneração ao santíssimo Sacramento e as mais


coisas sagradas” (ANTT, IL, Promotor 125, Liv. 315, f.396).

Apesar de o índio José Rodrigues ter sido absolvido de seus crimes, é importante
frisar que, socialmente, os impactos causados por esta denúncia e, posteriormente, prisão
poderiam arruinar a vida deste, pois, os moradores poderiam o associar, constantemente, a
figura de um indivíduo que não prezava pelo respeito à religião católica, tornando-se
também, dessa forma, uma ameaça.

Com relação à denúncia feita contra o índio Manuel Pedro, corresponde ao terceiro
e último caso encontrado, relativo ao porte de bolsas de mandinga na Capitania do Rio
Grande. A denúncia realizada contra o índio Manuel Pedro, ocorreu em 03 de dezembro de
1755, na cidade do Natal, freguesia de Nossa Senhora da Apresentação do Rio Grande do
Norte. Diferente dos casos que envolveram o índio José Rodrigues, que apresentam
informações sobre a localidade onde este residia, a paternidade deste, assim como
informações a respeito da circulação deste pelos espaços coloniais, infelizmente, o mesmo
não ocorre com o caso do índio Manuel Pedro.

Segundo a descrição do documento, o Capitão Francisco Xavier de Souza, homem


casado, morador na Utinga, sítio da dita freguesia, apareceu perante o Vigário Manoel
Correia Gomes (o mesmo que recebeu a confissão do indígena José Rodrigues) e decidiu
delatar para desencargo de sua consciência, que após ter ouvido de uma mulher, preta,
chamada Thomázia da Costa, viúva do preto Timóteo, havia visto em sua casa uma bolsa,
que continha dentro orações, uma partícula e outras coisas que ela julgava tratar-se de
feitiçaria. Dessa forma, o Capitão Francisco de Souza resolveu fazer uma denúncia contra
um índio chamado Manoel Pedro, pois, segundo os relatos de Thomázia, a dita bolsa
pertencia a este, e ao questioná-lo a respeito do conteúdo presente dentro dela, ela
afirmou que Manoel Pedro irritou-se e sumiu tendo em posse a referida bolsa. É
interessante perceber que o conteúdo presente dentro desta bolsa é semelhante ao da
bolsa encontrada com José Rodrigues.

De acordo com a denúncia, foi feita por um Capitão, chamado Francisco Xavier de
Souza, que para desencargo de sua consciência denunciava o índio Manoel Pedro. Com base
nisso, atenta-se para a relevância de uma denúncia, visto que, quando um processo era
aberto por esta causa, havia uma preocupação por parte do delator, devido ao medo e

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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respeito que o Tribunal exercia sobre as pessoas. “Isso equivale a dizer que muitos
indivíduos, com medo de verem seus mais íntimos erros descobertos, acabavam atribuindo
culpas a outras pessoas como uma forma de ter a sua consciência um pouco mais aliviada”
(CIDADE 2009, p. 54). Nesse sentido, havia também o receio de uma possível excomunhão,
que reforçava esse medo e a intolerância. Dessa forma, uma das hipóteses que podem ser
levantadas é de que Thomázia, depois de ter cometido um determinado desvio, procurou
livrar-se de uma possível denúncia ao Santo Ofício, e informou ao Capitão Francisco que a
bolsa pertencia ao índio Manoel Pedro, quando na verdade ela seria a dona do referido
objeto.

Outro ponto que pode ser levantado é de que o próprio Capitão estava envolvido
com alguma prática desviante. Além disso, questiona-se também a respeito do vínculo
existente entre Thomázia e Manoel Pedro, visto que esta afirmou que a bolsa de mandinga,
supostamente pertencente ao indígena, fora encontrada em sua casa. Percebe-se que, de
fato, o índio frequentava a casa de Thomázia.Sendo assim, provavelmente, esse vínculo
pode ser real.

Ao denunciar o índio Manuel Pedro diante do vigário, ambos, Thomázia e o Capitão


Francisco, poderiam garantir que a denúncia não prosseguiria e, com isso, o caso poderia
ser encerrado. Como já foi citado no caso anteriormente analisado, um indivíduo, por ser de
origem indígena, poderia ter seus crimes de fé aliviados pela Inquisição. Porém, é
importante perceber que ainda assim os índios poderiam ser alvos constantes de denúncias.

Por outro lado, essas hipóteses podem desmoronar quando, ao final do relato, feito
por Thomázia ao Capitão Francisco, esta afirma que o índio Manoel Pedro sumiu junto com
a bolsa de mandinga, provavelmente, temendo cair nas malhas do Santo Ofício. Isso
demonstra um medo legítimo diante dessa instituição, comum a todos, independente de
sua origem ou posição social. Pode-se supor também, assim como no caso de José
Rodrigues, que este se tratava de um indivíduo reincidente, ou seja, não era a primeira falta
cometida pelo indígena. As possibilidades de este ser considerado culpado do referido
crime, aumentara consideravelmente com essa informação.

Parafraseando Angelo Adriano Faria de Assis (2013, p. 58-59), esses relatos geravam
um ambiente de insegurança e desconfianças generalizado. Mesmo que os relatos fossem

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infundados ou tivessem ocorrido há bastante tempo, poderiam impactar consideravelmente


na vida de um indivíduo, independente de sua origem e posição social, visto que, caso fosse
denunciado, processado e condenado pelo Santo Ofício, este poderia ser multado, ter seus
bens confiscados pela instituição, ser humilhado e menosprezado socialmente, por ser
considerado um indivíduo herege, portanto uma ameaça à ordem e à moral, além de
receber punições físicas e, em casos mais graves, ser sentenciado à pena de morte e
executado pelo poder secular.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisando ambos os casos, concluiu-se que nenhum dos dois indígenas chegou a ser
processado pelo Tribunal do Santo Ofício. Porém, embora não tenham sido processados por
esta instituição, pôde-se perceber, após as análises dos relatos, os impactos causados pela
Inquisição na vida dos indígenas José Rodrigues Monteiro e Manoel Pedro, culminando,
respectivamente na prisão do primeiro e no medo de ser denunciado pelo último. Um fato
interessante é que, até o presente momento, estes foram os únicos indivíduos encontrados
na documentação inquisitorial, registrada na Capitania do Rio Grande, que foram acusados
de estarem portando uma bolsa de mandinga. Com base nessa informação, pode-se supor
que o uso desse objeto não era tão comum nesta Capitania.

Outra hipótese que pode ser levantada é a de, com base na presença dos indígenas
nas denúncias analisadas, pode-se inferir que estes pareciam dispor de um relativo
conhecimento de práticas associadas em sua maioria à feitiçaria. Isso demonstra o papel
ativo desses povos no ambiente colonial, pois, revelam-se, por meio desses relatos, algumas
das formas de resistência, apropriação e adaptação as circunstâncias presentes na Colônia.
Dentre essas circunstâncias, destacam-se as ações do Santo Ofício na Colônia e,
particularmente, Rio Grande.

“Foi possível aos índios rearticularem seus valores, tradições e mitos no processo
histórico para atender a novos objetivos e interesses que iam surgindo com as situações”
(ALMEIDA, 2010, p. 96). Destaque para o índio José Rodrigues Monteiro, pois com base nas
denúncias feitas contra ele, pôde-se comprovar que, mesmo estando aldeado e sendo
convertido ao catolicismo, este não deixou de agir e pensar segundo suas próprias
convicções, mantendo assim relações com outros indivíduos e nutrindo outras crenças.

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Com relação à suposta “tolerância” para com os indígenas denunciados ao Santo


Ofício, pôde-se concluir, com base nos documentos, que embora existisse um discurso de
proteção e orientação na fé para com estes indivíduos, eles ainda assim eram denunciados,
assim como sofriam com a intolerância dos moradores da Colônia, por possuírem crenças e
hábitos diferentes. Além disso, a categorização dos índios como indivíduos ignorantes,
inocentes ou como inconscientes de suas ações, demonstra um dos muitos preconceitos
construídos durante o processo de colonização.

Por fim, ainda com relação às denúncias, de fato o presente trabalho ainda carece de
uma análise mais aprofundada no que se refere aos indivíduos que as realizaram, assim
como aqueles que as receberam. Além disso, outro fator prejudicial foi não terem sido
encontrados outros documentos que fazem menção aos indígenas denunciados. Entretanto,
a pesquisa prosseguirá na busca de resolver esses empecilhos, além de trazer novas
interpretações e análises para o tema. Este trabalho corresponde a apenas uma, das
inúmeras formas que essa documentação pode ser trabalhada.

FONTES

Portugal/Torre do Tombo/Tribunal do Santo Ofício-Inquisição Lisboa /030/0310, ANTT, IL,


Caderno do Promotor, liv. 310, fl. 60-60v.
Portugal/Torre do Tombo/Tribunal do Santo Ofício-Inquisição Lisboa/030/0315, ANTT,
Inquisição de Lisboa. Caderno do Promotor 125, liv. 315, f. 386-396.
Portugal/Torre do Tombo/Tribunal do Santo Ofício-Inquisição Lisboa/030/0310, ANTT, TSO,
IL, Promotor, liv. 310, fl. 64.
REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os índios na história do Brasil. Rio de Janeiro: Editora
FGV, 2010. 161 p.
AMADO, Janaína. Região, sertão, nação. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 8, n.
15, p.145-151, 1995. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.
php/reh/article/view/1990/1129>. Acesso em: 23 mar. 2018.
ASSIS, Angelo Adriano Faria de. Um oceano de culpas (?)... Réus e perseguidos do Brasil na
Inquisição portuguesa. In: MATTOS, Yllan de; MUNIZ, Pollyana G. Mendonça (Org.).
Inquisição e Justiça eclesiástica. Jundiaí: Paco Editorial, 2013. Cap. 2. p. 58-59.
CALAINHO, Daniela. Metrópole das mandingas: Religiosidade negra e Inquisição portuguesa
no Antigo Regime. Rio de Janeiro: Garamond, 2008. 320 p.

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ISSN:

CIDADE, Rodrigo Ramos Amaral. Direito e Inquisição: O processo funcional do Tribunal do


Santo Ofício. Curitiba: Juruá, 2009. 102 p.
CORREA, Luís Rafael Araújo. Feitiço Caboclo: um índio mandingueiro condenado pela
Inquisição. 2017. 271 f. Tese (Doutorado) - Curso de História, Instituto de Ciências Humanas
e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2017. Cap. 4. Disponível em:
<http://www.historia.uff.br/stricto/td/1873.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2018.
LOPES, Fátima Martins Lopes. Colonização e Resistência. In:_____.Índios, colonos e
missionários na colonização da capitania do Rio Grande do Norte. Natal: Instituto Histórico
e Geográfico do Rio Grande do Norte, 1998. Cap.5. p. 356. Disponível em:
http://indiosnonordeste.com.br/wp-content/uploads/2014/11/182061675-Indios-Colonos-
e-Missionarios.pdf. Acesso em: 03 jun. 2018
SOUZA, Laura de Mello. O diabo e a terra de Santa Cruz. São Paulo: Companhia das Letras,
1986. p. 210
VAINFAS, Ronaldo. A Contra-Reforma e o além-mar. In:_____.Trópico dos Pecados: moral,
sexualidade e Inquisição no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Campus, 1989. Cap.1. p 36
_______. Santidades e Idolatrias em perceptiva histórica. In:_____.Heresia dos Índios:
Catolicismo e rebeldia no Brasil colonial. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p.
36-37

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O PROTAGONISMO INDÍGENA: AS TRANSFORMAÇÕES CONCEITUAIS NO


DECORRER DO TEMPO ATRAVÉS DO CINEMA

Alberto Barbosa Sousa


Universidade Federal de Campina Grande
Alberto_mdias@hotmail.com

Juciene Ricarte Cardoso


Universidade Federal de Campina Grande
apolinarioju@hotmail.com

INTRODUÇÃO
A história e o cinema já vêm se relacionando a um bom tempo, porém o cinema
mostra sua importância como fonte histórica e passa a se destacar somente a partir do
século XX quando, começou a ganhar espaço como objeto de análise do historiador.
Neste período o cinema era visto como reflexo da realidade social e podendo
estabelecer uma relação direta entre o filme e meio em que produziu.

O filme em análise foi desenvolvido através de fontes históricas baseado nas


cartas de Colombo, Mostra mais sobre o contexto de sua produção do que “de fato
aconteceu”, pois é uma leitura de debate de fatos em si social e cultural entre os
indígenas e espanhóis no contexto do fim do século XV.

A pergunta que ocorre quando se trata de utilizar o cinema como fonte


histórica é: O que isso traria de diferente na perspectiva de aprendizagem da história
através do filme e o que se perderia no conceito de ensino da história para aqueles
que assistem?

Tira isso e coloca O filme pode passar quase a mesma informação que estaria
presente em qualquer livro de acordo com os estudos pautados em autores teóricos,
eles afirmam que a única diferença é é que vai se apresentar com características
próprias como sons e imagens entre outros efeitos que podem complementar as
informações, além do ponto de vista do diretor que está produzindo.

Ou seja, os filmes se utilizam de gesticulação para acrescentar ao discurso, coisas


que não seriam possíveis na leitura de um livro.

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A posição de Rosenstone em relação ao cinema parece ser,


exatamente, esta: o filme permite estabelecer com a história
uma relação talvez mais intensa do que aquela propiciada
apenas pela leitura das palavras impressas no papel. [...] “eles
fazem isso explorando as grandes potencialidades de sua mídia
dando-nos a ilusão de que, por um curto período,
testemunhamos, ou até mesmo vivenciamos, os problemas,
iras, medos, alegrias e dores de outras vidas ambientadas em
outras épocas. (ROSENSTONE, 2010, p. 223)

Sendo assim, o nosso trabalho justifica-se pela importância do cinema se


caracterizar enquanto uma importante fonte para o historiador / pesquisador bem
como um importante recurso didático que apresenta novas possibilidades
metodológicas para o ensino da história.

Ao observar o cinema como fonte histórica ou representação similar,


encontramos na história descrita nos documentos das cartas de Colombo, um embate
cultural no encontro entre os espanhóis e os indígenas, isso fica claro a partir da
linguagem que é distinta, as crenças e atitudes.

O filme a Conquista do Paraiso de 1992 dirigido por Ridley Scolt é um filme


épico e histórico de ação que descreve a aventura de Cristóvão Colombo, que vai da
Espanha a procura de um rota alternativa para a Índia, foi um grande desafio do
navegante para convencer: o rei da Espanha, a Igreja, e sua própria embarcação.

Colombo quando chegou na América se deparou com várias dificuldades


como por exemplo a relação com os nativos, o idioma, a cultura, e ainda se preocupar
a procurar metais preciosos e a rivalidade dos Espanhóis, o que desencadeou um

afastamento da coroa e como consequência da instabilidade que o cercou o


reconhecimento como almirante do mar aconteceu apenas anos mais tarde.

No filme A Conquista do Paraiso os protagonistas mais sofredores e explorados


são os indígenas, os que deveriam ser glorificados por serem os primeiros habitantes
do continente terminaram sendo escravizados.

Podemos dizer que existe uma replicação nessas atitudes, muitos tempo depois
no Brasil, os indígenas são explorados e escravizados pelos europeus e obrigados

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assim, pelos Jesuítas a aceitarem um estilo de vida e crença religiosa, na qual a igreja
católica era sua única forma de salvação.

Agindo como soldados, os jesuítas tinham um único objetivo -


converter o maior número de selvagens possível, obrigá-los a
mudar seu estilo de vida e aceitar a religião católica como única
forma de salvação [...] Com o crescimento das Reduções
Jesuíticas, surgiria a figura dos guaranis missioneiros, que, a
partir do sincretismo com elementos jesuíticos, dariam forma e
cor à utopia cristã-ameríndia das Missões.[...] No entanto, é
grande a probabilidade de que os chamados "habitantes das
matas" nunca tenham perdido totalmente o contato com os
guaranis missioneiros, mantendo, de alguma forma,
intercâmbios de bens, informações e até mesmo de pessoas
através do parentesco com estes.

A imagem que temos dos nativos é de um povo explorado, estuprado e em


muitas ocasiões dizimados pelo europeu, durante a pesquisa historiograficamente
encontramos um povo que no início realmente era dessa visto desta forma, porem
também vemos um povo guerreiro, com uma cultura riquíssima, e que sempre lutaram
para proteger seus ideais, conquistar o seu espaço e ter a sua liberdade restaurada.

A retratação do indígena na história, não parou na escrita, mas passou da


literatura para o cinema através de vários filmes com versões diferentes que
descrevem a vida do indígena no início e no decorrer do tempo.

METODOLOGIA
Este trabalho apresenta leitura interpretativa, analítico-crítica, visual e verbal
que ampliamos sobre a referida produção cinematográfica. Durante este artigo foi
analisado o protagonismo indígena, abordando a imagem dos nativos no filme A
Conquista do Paraíso (1492) abarcando suas representações no cinema durante o
desenvolvimento histórico, para tanto a pesquisa está caracterizada sob natureza
bibliográfica.

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Um dos aspectos importantes do cinema são suas peculiaridades, entre elas


existe uma essencial, é a visão analítica diante da construção do objeto fílmico,
levando em consideração que para desenvolver um filme precisa diretamente das
premissas do diretor, deixar claro que nem tudo que existe no filme é literal, mesmo
sendo um produto da ficção, pois em algum momento da construção apresentaram-se
os ideais deste diretor.

Ou seja, querendo ou não o enfoque da mensagem que o filme vai passar será
relacionado ao desejo da visão histórica do diretor, isso não chega a ser um problema
desde que seja mantido a originalidade da mensagem encontrada na fonte histórica.

Mesmo porque essa identificação do ponto de vista do diretor só será possível a


partir de um olhar crítico e após observar diversas vezes o mesmo filme atentando-se
para os diversos critérios de construção do cinema.

Para a análise da ideologia presente implicitamente no filme, Ferro propõe


que se parta do conteúdo aparente, ou seja, como o filme é visto num
primeiro momento. [...] A produção cinematográfica é, portanto, um
fenômeno complexo influenciado pelos mecanismos políticos, econômicos e
sociais do momento histórico que o contextualiza. Ele testemunha as
formas de agir, pensar, sentir da sociedade que o produziu e para o qual foi
produzido. Nessa concepção o filme seria um “agente da história”,
vinculado diretamente com o meio produzido. Para a análise da ideologia
presente implicitamente no filme, Ferro propõe que se parta do conteúdo
aparente, ou seja, como o filme é visto num primeiro momento. A partir daí,
deve-se conjugar essa primeira impressão com as análises das imagens e de
outros conteúdos que compõe o filme, tal como som, roteiro, cenário,
traçando um paralelo com o contexto histórico em que é produzido. Só
então, se pode chegar ao que Ferro denominará conteúdo latente, ou seja,
algo que não é percebido a primeira vista, mas que através do exercício
anterior, vem à tona. Assim, chega-se à zona do não visível, que guarda
características de uma dada zona da realidade social. Isso quer dizer que os
filmes são construções, que foram idealizadas por um indivíduo e, portanto,
não são o espelho da sociedade e muito menos reproduzem a história do
modo como aconteceu. São sim, uma interpretação dela. Nem mesmo os
historiadores são capazes de contar os fatos da história tal como eles são,
pois ainda não foi inventada a máquina do tempo. Assim sendo, não
podemos nem devemos achar que ao ver um filme estamos vendo a
verdade, mas sim entender que aquelas imagens e o processo através do
qual foram feitas e montadas definem uma atitude social e por isso também
fazem parte da história. (Cinema e História: abordagens e metodologia.)

A seguir veremos um pouco de como é representada a imagem dos indígenas


no cinema no decorre do tempo.

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DISCUSSÃO E RESULTADOS
A realidade e a ficção andam de mãos dadas a muito tempo, o cinema é uma
ponte entre as pessoas que não tem acesso a história e literatura assim como as
pessoas que são especialistas na área também veem o meio cinematográfico como
espaço de estudo histórico de várias áreas, pelo o cinema ser considerado
representante de fatos históricos no decorrer do tempo, é a arte de representar a
ficção ou não ficção para o mundo, sendo assim o cinema se torna extremamente
importante como fonte histórica.

Ao investigar o cinema como fonte histórica ou representação similar,


encontramos na história descrita nos documentos das cartas de Colombo, um embate
cultural no encontro entre os espanhóis e os indígenas, isso fica claro a partir da
linguagem que é distinta, as crenças e atitudes.

O filme conta a história do navegante Cristóvão Colombo que é um sonhador e


tem esperanças de encontrar um caminho mais curto para as índias, porém não
consegue patrocínio da coroa espanhola, depois de muita luta convence a rainha que o
ajuda, ele faz a viagem mas invés de chegar as índias ele chega a América, local repleto
de Indígenas existe um aceitamento de ambas as partes, então ele tenta construir lá
uma cidade nova para ser patrimônio da Espanha, contudo ocorrem atritos, por fim
termina destruída a cidade por uma grande tempestade, ele é obrigado a voltar para
Espanha é preso pela falha da administração e o reconhecimento pela descoberta em
seu nome só ocorre muitos anos mais tarde.

No Brasil, especificamente apresentando personagens indígenas, temos no


cinema um levantamento da representação dos nativos relacionada a cada época que
foi publicada. Nas primeiras aparições em filmes, os indígenas eram representados
como personagens terciários, como identificamos no filme Nos Sertões do Mato
Grosso de 1914 de Luis Thomas Reis, um documentário que o ponto principal era o
assentamento das linhas telegráficas do Mato Grosso ao Amazonas, mostrando a
natureza e o espaço percorrido pelo Coronel Rondon, apenas, na quinta e sexta parte

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do filme é que mostra, os costumes dos Iambiquara e sua adaptabilidade ao meu


civilizado e do mesmo diretor em 1916 foi publicado o filme a Expedição Roosevelt
dando ênfase ao trabalho de pesquisa de Marechal Cândido Rondon e Theodore
Roosevelt, pesquisa científica em busca de novas espécies, exploração do meio
ambiente, animais e alimentos, mais uma vez o índio como um personagem
participativa e não principal, sendo elencados somente os seus costumes ainda na
mesma situação temos o filme no Paiz das Amazonas de Silvino Santos de 1922.

O indígena só obteve seu primeiro papel cinematográfico como protagonista


após ser enaltecido pela literatura de Jose de Alencar que publicou o romance
“Guarani” em 1857, Iracema em 1865 e Ubirajara em 1874. Foram essas obras que
deram início a representação do índio no cinema, dando a ponte ao lançamento dos
respectivos filmes que seguiam o enredo da literatura.

Sendo assim em 1919 foi lançado o filme O guarani tendo como protagonista o
índio Peri, o filme mostra a traição do índio com seus irmão para proteger um branco,
através do amor não correspondido, com a presença de ataques indígenas, e mortes.
No mesmo ano temos o filme Iracema, também lançado em 1919 traz o índio como
protagonista, este por sua vez é uma representação da submissão do indígena ao
colonizador português, devido a índia Iracema abandona seus irmãos para viver o
amor com Martin homem branco, deixando claro o índio como submisso a cultura
branca.

Na mesma saga temos o filme Ubirajara é um filme que tem a função de


resgatar nacionalidade, o índio protagonista da história, defendendo sua cultura,
enaltecendo seus valores (bravura, valentia e lealdade), evidencia as diferenças entre
indígenas e europeus e culpa os europeus pela perda da identidade cultural indígena a
partir do processo de colonização, criticando os valores trazidos pelos europeus. Os
três filmes tiveram outras versões que seguem a mesma sequência de conteúdo, (O
Guarani 1920,1926, 1950, 1979, 1996), (Iracema 1931, 1949,1976,1979), (Ubirajara
1975).

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Após a estreia dos filmes baseados na obra de Jose de Alencar, passasse a ver
mais os filmes com a presença do indígena como participante ativo, não mais como
figurante, como podemos observar nos filmes que se segue.

Em 1932 o filme O caçador de Diamantes 1932 de Vitorrino Capelaro mostra o


índio como protetor das riquezas naturais pedras preciosas e revidam matando os
Bandeiras, porém no final, um índio entrega pedras para um branco, que não desejava
o mal dos indígenas.

Em 1937 o filme O Descobrimento do Brasil de Humberto Mauro é uma


retratação, de como foi a descoberta do Brasil, seguindo informações dos textos
extraídos da carta de pero Vaz de Caminha chegando a costa brasileira em 1500,
mostra um encontro amistoso entre indígenas e europeus, mostrando no final o
aculturamento do índio ao aceitar a religião católica.

Casei-me com um Xavante 1957 de Alfredo Palácio, mostra um branco que sofre um
acidente e fica em uma aldeia xavante no Xingu por 5 meses e lá se torna cacique e se
adapta ao meio indígena. Até aqui os filmes mostram como eram a convivência do
indígena com os brancos, como se protegiam da exploração, as guerras que tinham
que travar para sobreviver, e o aculturamento de ambas as partes dependendo da
situação. Mas ainda vemos um índio submisso ao branco, principalmente submisso ao
poder central da Igreja Católica em 1971 com o filme de Nelson Pereira dos Santos
“Como era Gostoso o meu francês” é a primeira vez que vemos um filme com a
intenção de desmistificar a imagem do índio apresentando uma abordagem realista e
distante da visão eurocêntrica, o Francês é a personagem principal, porém o
protagonismo é da narrativa apresentada pelo olhar da etnia do grupo indígena
Tupinambás.

Sabemos que em 1973 o Estatuto do Índio Lei nº 6001/1973 era um serviço de


proteção ao índio mantido pela (FUNAI), por que segundo a lei os índios eram
“relativamente incapazes” até eles estarem integrados a sociedade Brasileira.
Curiosamente, talvez não por acaso os filmes desde então começaram a mostrar os

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índios, ativos lutando por seus direitos por exemplo o filme Uirá, um índio em busca de
Deus de Zelito Vianna 1973 que baseado em um livro de Darcy Ribeiro, o filme foca a
trajetória do índio na busca pela terra sem males e com o filme Ajuricaba: O rebelde da
Amazônia, essa luta fica evidenciada quando eles tentam proteger a natureza e seu
habitat de invasores, num período em que a região vive disputada por piratas
espanhóis, holandeses e os portugueses na cidade de Manaus.

Aprofundando mais ainda esta situação temos o filme Terra dos índios, de
Zelito Viana em 1979, mostra a realidade, através da reunião de depoimentos de
índios brasileiros sobre os interesses da FUNAI das multinacionais e dos latifundiários
por trás da desastrosa política de emancipação indígena. Desde então vemos uma
busca para denunciar, de forma ficcional ou não o que vinha acontecendo com os
índios.

Em Índia, a filha do Sol 1982 de Fábio Barreto, além de mostrar a mudança do


índio ao seguir o branco, o desrespeito que o branco tinha com o índio a partir das
atitudes do cabo do exército com a companheira indígena, o abuso sexual e o
assassinato brutal do índio pela mão do branco. Também no mesmo ano temos
“Republica guarani” de Silvio Back que traz o registro da cultura e da história dos
Guaranis e do que fizeram com eles, sua montagem meticulosa e que resultou na
versão, agressivo e hostil aos Jesuítas, por exemplo de que esclarece que a figura e a
função do Cacique entre os Guaranis foram impostas pelos padres que afastam a
liderança dos pajés guias espirituais e curandeiro das Tribos.

Depois da constituição de 1988 na qual é reconhecido o direito de manter a sua


própria cultura, podendo para sua defesa entrar em juízo contra o próprio estado,
observamos os filmes agora com mais clareza em seus objetivos, a luta pelos direitos
persistem como encontramos em “Capitalismo selvagem” 1993 de André klotzel a luta
de uma jornalista para evitar a extração de ouro das terras indígenas. Temos
retrospectiva do cinema em o Yndio do brasil 1995 de Silvio Nack apresenta uma
Colagem de dezenas de filmes nacionais e estrangeiros de ficção, Cine jornais
documentários revelando como cinema ver o índio brasileiro, desde quando começou
a ser filmado.

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Mesmo após conquistarem alguns direitos os indígenas ainda sofrem muito


por tentativas de explorações, estupros de suas mulheres, representado no filme
“Brava gente brasileira 2000” lúcia Murat, continuam com versões do descobrimento
do Brasil agora de forma mais cômica encontrada no filme “Caramurú a invenção do
brasil” 2001 Guel Arraes, e eles mantem a imagem de estarem sempre lutando para
protegerem a natureza de acordo com o filme “Tainá uma aventura na Amazônia”
2001 Tania Lamarca e Sergio Bloch, no mesmo contexto temos em 2004 “Tainá 2 a
aventura continua” de marco lima e depois “Tainá a origem” 2013 Rosane Syartzman.

Em 2004 para mostrar a existência considerável de índios Joel Pizzini estreia o


filme 500 almas, que através de documentos e entrevistas demonstra como vivem os
índios canoeiros que tem uma relação muito próxima com a água.

Os filmes no decorrer do tempo como estudamos acima mostra a imagem do


índio algumas vezes como herói, como assassino, explorado, humilhado e quase
destruído pelo Branco. Os filmes que tem a presença dos nativos por mais que tentem
mostrar a realidade do indígena a verdade é que, ainda assim são filmes feito pela mão
do não – índio, o que torna mais difícil reconhecer verdadeiramente as dificuldade e o
sofrimento assim como as qualidades e capacidade que o indígena tem de se moldar,
construir e reconstruir suas vidas.

Hoje já podemos ver os filmes, feito pelas mãos dos próprios indígenas e
divulgados em ambientes como a segunda edição da Aldeia SP-Bienal do Cinema
Indígena que ocorreu de 7 a 12 de outubro de 2016, coordenado pelo indígena Ailton
Krenak que classificou as atuais produções como um cinema de combate e resistência.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho deteve-se a demonstrar a importância do cinema como fonte


histórica e através da análise do filme A Conquista do Paraíso 1492 de Ridley Scoot
identificar o protagonismo da personagem indígena no cinema. A Conquista do Paraíso

é um filme épico repleto de aventuras e suspense baseado nos documentos da cartas


de Colombo enviadas ao rei da Espanha, as cartas descrevem como eles chegaram a
encontrar a américa e quando encontraram todas as desventuras que tiveram em
contato com os nativos, as dificuldades que tiveram que enfrentar com o encontro de
culturas, um ambiente novo repleto de perigos e belezas exuberantes.

Após fazer a análise da obra entendemos que o filme mostra um encontro


amistoso de culturas, branco mostra aceitação da cultura do indígena quando se
caracteriza como nativo daquela tribo, também mostra que no desenvolvimento da
cidade de Isabel elaborada para aquele lugar contou com a ajuda dos índios
espontaneamente, vemos os nativos aceitarem a religião católica, mas, no final se
refugiarem em sua cultura protegidos pelo seu Deus supremo “A Natureza”.

Neste filme, encontramos os indígenas como protagonizadores pois tudo o que


acontece após chegar na América que é o ponto principal do filme, tudo acontece em
volta dos nativos seja suas ações ou suas omissões, terminam sendo o comandante
daquele navio “América”, e temos a certeza disto porque no final quando Colombo
pede ajuda ao nativo Utopan ele responde que os europeus nunca aprenderam o
idioma deles, eles sim aprenderam o do europeu e neste caso eles conhecendo a outra
cultura e a forma de ação dos mesmos, eles “os nativos” conseguiram se sobressair
sobre todas as situações impostas pelos europeus.

Os índios não eram considerados capazes de se manterem e protegerem por


isso em 1873 surgiu a proteção da FUNAI até que fossem considerados parte da
sociedade Brasileira, desde então começamos a observar nos filmes sempre uma
denúncia do que estava por trás dos bastidores na realidade através da ficção, depois

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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após a constituição de 1988 passamos a ver um povo que tem o direito de lutar para
proteger sua cultura e seu povo até mesmo contra o estado se necessário, então
encontramos um povo mais assíduo envolvido numa luta mais social utilizando armas
eficazes como a palavra e a lei.

Podemos concluir que a imagem do índio no cinema foi se modificando com o


passar dos anos e com os preceitos políticos envolvidos, temos um indígena que
passou de figurante para protagonista da própria história, lutando com suas próprias
mãos e defendendo o que tem mais importante a natureza. Hoje já existem os filmes
feitos pelos próprios nativos e retratam com veracidade o que eles passam e como são
suas vidas nas tribos, vemos um indígena com acesso aos estudos e a tecnologia
contudo na realidade cruel e nua sabemos que ainda existem explorações, existe uma
falta de respeito por muitos poderes que não aceitam todos os direitos que os
indígenas verdadeiramente tem e a exploração de vez em quando saem nas mídias,
uma escassez de oportunidade que os nativos precisam arrancar com muito apelo
como sempre com muita luta, mostrando fielmente os guerreiros que são.

E que o cinema é imensuravelmente importante como fonte histórica, não


passa contar a história literalmente de acordo com o veículo do livro mas para atentar
todos os que assistem de fatos que naquele período ajudaram a construir a história,
além de ser um meio midiático de fácil acesso e provocador tendo a capacidade
através das interpretações e todos os artifícios utilizados neste espaço tocar e
sensibilizar toda uma sociedade.

REFERÊNCIAS

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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GT 15 - INDIGENAS E QUILOMBOLAS NO BRASIL: RESISTÊNCIA,


IDENTIDADE, CULTURA E TRADIÇÃO

Prof. Dr. Jorge Eremites de Oliveria-UFP

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A FORMAÇÃO DO GRUPO DE PRODUÇÃO AUDIOVISUAL BURDUNA FILMES

MAIA, Carolina Toscano Maia


caroltmaia@gmail.com
Universidade Estadual da Paraíba
MACHADO, Glauco Fernandes
glauco.imagem@gmail.com
Universidade Federal da Paraíba; Cesrei.

Introdução

Iremos apresentar neste artigo algumas considerações sobre a formação do grupo de


produção audiovisual Burduna Filmes, pertencente à comunidade indígena Kapinawá,
estabelecida entre os municípios de Buíque, Tupanatinga e Ibimirim, no interior do Estado
de Pernambuco. De acordo com o levantamento de Machado (2009), esta comunidade é
formada pelas seguintes aldeias: Mina Grande, o Tabuleiro, Pau do Ferro Grosso, Ponta da
Várzea, Riachinho, Quiri d´Alho, Lagoa do Puiú, Marias Pretas, Santa Rosa, Areia Grossa,
Julião, Maniçoba e Maçaranduba em áreas demarcadas. O autor acrescenta que existem
aldeias como: Coqueiro, Baixa da Palmeira, Carnaúba, Colorau, Caldeirão, Cajueiro,
Malhador, Batinga e outra Quiri d´Alho, que estão em processo de demarcação e ainda serão
reconhecidas como aldeia.
A aldeia principal fica onde está o posto indígena da Fundação Nacional do Índio
(Funai) e se chama Aldeia Mina Grande, a qual Albuquerque (2005) afirma que é a aldeia
onde os Kapinawá se identificam como “rama nova”, categoria nativa que significa serem
descendentes de índios que foram aldeados na Serra do Macaco, no século XVIII, e
formaram a Aldeia Macacos.
Manifestando sinais de alteridade expressos nos rituais, na organização política e na
reelaboração cultural, os Kapinawá têm suas expressões culturais fundadas na oralidade,

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remetendo à prática religiosa do canto de benditos (Aqueles/as que se tornaram


abençoados/as e sacralizados/as para devoção), das rezas católicas, do samba-de-coco e das
novenas, nas quais construíram a base atual do seu toré — denominação empregada a uma
prática por meio da qual é realizada um encontro da dança, da musicalidade (como toantes)
e da espiritualidade indígena para o ritual. Para o grupo, a música, o cantar, o “puxar”, o
“tirar” benditos, os sambas e os “toantes” não estabelecem uma prática meramente
musical, mas estão associados com todos os elementos constituintes do ritual, relacionados
à sua espiritualidade (cf. PEREIRA, 2005).
A idealização para a formação do grupo de produção audiovisual veio da parceria
com o produtor de audiovisual indígena Diego Xukurú, além de apoiadores/as da causa
indígena que oferecem suporte ao grupo da Burduna Filmes: o coletivo de produção
audiovisual Ororubá Filmes; pesquisadores/as que produziram trabalhos sobre cinema e/ou
movimento indígena; assim como o grupo Casa de Cinema de Olinda que foi contemplado
com o edital de cultura para desenvolvimento de ações na área do audiovisual junto à
indígenas.
Este grupo é composto por 12 integrantes indígenas e indigenistas. Desde a sua
fundação, o núcleo iniciou as atividades reservando o espaço disponível na região para
desenvolvimento das produções, a casa sede da comunidade, localizada no caminho da
aldeia Malhador, perto do Vale do Catimbau, onde também se conciliam as atividades
relativas ao museu e a escola Kapinawá.
O objetivo maior desta iniciativa foi o de despertar a comunidade indígena a criar
conteúdo audiovisual próprio, não se limitando, portanto, ao mero consumo. Atraindo para
si, vários aspectos relacionados à autonomia e a visibilidade da sua realidade.
As atividades do grupo foram iniciadas em julho de 2017, com o convite a vários
profissionais da área, em sua maior parte, composta de pessoas não índias, para realizarem
capacitações na comunidade. As oficinas realizadas contemplaram conteúdos tais como:
Manuseio de câmeras profissionais de vídeos; Utilização do registro de som e Imagens
aéreas com utilização de drone, entre outras.

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Após quase um ano de existência, apontaremos, de forma breve, alguns pontos da


trajetória do núcleo, ilustrando os percursos traçados, as dificuldades encontradas e as
conquistas alcançadas. Além disto, iremos propor, baseados nas experiências vivenciadas
durante as oficinas ministradas por um dos autores deste artigo, a discussão de elementos
relevantes para o efetivo alcance pelos povos indígenas Kapinawá de Pernambuco à
produção do audiovisual.

Desenvolvimento

Como dito anteriormente, o principal objetivo da formação do grupo Burduna, termo


associado à arma ou adereço decorativo simbólico de vários povos indígenas, foi a do
estímulo à produção audiovisual independente na comunidade Kapinawá concentrada em
Pernambuco. Muitos desses povos utilizam o termo borduna, entretanto a forma de escrita
adotada pelos jovens Kapinawá do coletivo de produtores de audiovisual, é da escrita com
U, formando a palavra Burduna. Em menos de um ano, eles têm realizado um movimento
relevante em sua comunidade, apesar de conviverem com algumas limitações na estrutura
física e no acesso a equipamentos adequados para a criação audiovisual, a sua razão de ser
supera qualquer dificuldade e nos inspira a divulgar o que vem sendo feito por lá.
Compreendemos que esta formação está diretamente ligada ao sentimento de
sobrevivência como grupo, além do fortalecimento deles/as como indígenas Kapinawá nas
redes. A prática da produção audiovisual na comunidade possibilita a utilização de uma
importante ferramenta de comunicação colaborativa nas aldeias. Através dela é possível
criar um conteúdo próprio onde se propagam ideais, valores e perspectivas de forma
autônoma, superando a relação de espectador. Esta ferramenta também promove, aliada a
outras, uma importante visibilidade a comunidade, uma vez que, naturalmente, é possível
reproduzir o mesmo conteúdo fora dos limites da aldeia nos mais variados canais de
distribuição existentes na internet.

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Ao fazer um breve resgate da trajetória do grupo, há que se registrar que uma das
principais limitações desta iniciativa é primordial para a sua própria existência, uma vez que
a comunidade não dispõe de equipamentos próprios para constante utilização, mantendo-se
dependente da presença dos/as profissionais para ter acesso aos equipamentos.
Assim como nesta e em tantas outras esferas da sociedade brasileira, o fato é que o
investimento financeiro para o desenvolvimento do audiovisual em iniciativas deste tipo
continua insuficiente. Outra problemática existente é o próprio acesso à informação, para
tanto, há que se buscar, constantemente, uma renovação de saberes e de fontes de
conhecimento para seguir em frente.
A escolha por estudar essa área se deve à forma como vem sendo discutida a
apropriação das imagens produzidas e avaliadas por indígenas no Campo das Ciências
Humanas. Um caso conhecido que podemos destacar foi o do projeto Vídeo nas Aldeias, que
tem realizado desde 1987 uma iniciativa pioneira no Brasil: produzindo, distribuindo e
oferecendo a formação audiovisual à indígenas. O idealizador desse empreendimento é o
cineasta Vincent Carelli, que realiza a experiência de intervenção e coloca à disposição de
algumas comunidades indígenas informações e tecnologias que permitem entre os indígenas
a manipulação de sua própria imagem, construindo um intercâmbio entre as aldeias,
incentivando a interação e capacitando os/as indígenas com o equipamento videográfico
(GALLOIS; CARELLI, 1995).
Este campo vem se destacando, na pesquisa contemporânea, com a apropriação dos
recursos metodológicos numa relação entre suas disciplinas. Isso suscita uma maior
interdisciplinaridade e reflexões acerca das implicações da inter-relação entre sujeitos
estudados em contexto social. Dentro desta perspectiva, o uso das imagens inseridas
enquanto fonte de pesquisa — como filmes, vídeos e fotografias — traz, hoje na pesquisa, a
interface entre saberes complementares, como na Antropologia, História, Comunicação,
entre outras, áreas do conhecimento que nos auxiliam na busca por melhor compreender a
temática que estamos discutindo neste trabalho.

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Uma vez autorizados pelas lideranças da comunidade, a pesquisa aponta para uma
discussão sobre aspectos da produção de imagens para o audiovisual, enquanto
representação do grupo indígena videografado. Assim, o conteúdo da imagem estimula os
mecanismos identitários que são acionados para mobilização política e de
autorreconhecimento.
Vários/as indígenas investem na iniciativa de produção de registro pelo fato do ganho
de visibilidade que esses grupos podem conseguir com o intuito de reivindicação de políticas
públicas e experiências com instrumentos tecnológicos de registro, compartilhamento e
exibição de imagem. Outro incentivo que os grupos indígenas possuem é o
compartilhamento e armazenamento de memórias e história dos/as entes queridos/as e de
lideranças, por exemplo, enfatizando a luta do movimento indígena, a constituição da
formação como povo, e características dos saberes voltados às crenças, medicina, forma de
organização e paisagens de lugares.
Os vídeos contêm a opinião deles/as, as suas visões de mundo, permitem
interpretações e uma maior observação do envolvimento emocional do grupo de jovens
Kapinawá, fornecendo critérios sobre o consenso emergente e as maneiras como as pessoas
lidam com as divergências. As entrevistas existentes nos vídeos deles/as, desse modo,
estabelecem “os sentidos ou representações que emergem são mais influenciados pela
natureza social da interação do grupo, em vez de se fundamentarem na perspectiva
individual” (GASKELL, 2002, p. 75). Constituindo constantes reformulações e interações com
outros grupos: índios e não índios.
A produção de imagens para o audiovisual realizada pelo grupo Burduna Filmes
descreve os rituais e a história da comunidade, ilustra as suas especificidades, revela as suas
críticas, registra memórias e aponta perspectivas, uma vez distribuída na rede, e justamente
por isso, acessível a uma enorme parcela da sociedade, incluindo, obviamente, as pessoas
que se dedicam a pesquisar essas manifestações culturais, e aqui nos incluímos, nos instiga a
refletir sobre as características desse processo. A forma como produzem e distribuem,

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comunica muito, através desta produção nos sentimos atraídos/as por tentar desvendar ou
perceber os aspectos materiais e imateriais envolvidos no processo.
Nesta tentativa, outra importante interação nos chama a atenção, pois é perceptível
que elementos existentes na produção audiovisual são influenciados pela mediação e a
midiatização, ambas inerentes ao processo. A compreensão destes dois conceitos é
importante para percebermos o impacto que desempenham, como dito, um é a mediação e
o outro, a midiatização.
Por mediação, imaginamos que esta se estabeleça no intervalo do processo
comunicativo que se dá entre a emissão e a recepção. Para Schulz (2004), a “midiatização é
um conceito que tanto transcende como inclui os efeitos dos meios de comunicação”. Além
disto, hoje em dia, existe um importante esforço teórico reflexivo que vem desenvolvendo-
se nas apropriações dos meios visuais e suas significações no discurso científico. A questão
simbólica da imagem, ou seja, dos vários significados provenientes dela, ocupando o lugar
central na discussão, na hermenêutica, em torno de suas capacidades e limites através da
participação dos sujeitos, valorizando o caráter dinâmico e criativo da mediação dialógica
entre seus interlocutores (GADAMER, 1997).
Já a midiatização, inclui a mediação, para Braga (2006), “a midiatização ocorre em
dois âmbitos sociais. No âmbito microssocial a midiatização trata de instituições ou
instâncias que incorporam elementos da medialidade. No âmbito macrossocial a
midiatização refere-se ao processo de adaptação e simulação da própria sociedade à lógica
medial.
Outra reflexão sugerida por Fausto Neto, Maria Ângela Mattos e Ricardo Costa Villaça
(2011, p.12), afirma que:

Assumindo a midiatização como nova ordem comunicacional na qual as mídias não


são mais uma variável dependente, estudiosos/as desse fenômeno o encaram
como processo que atinge não apenas determinados âmbitos das sociedades, mas
que se desenvolve e engloba todas as instâncias sociais, chegando a constituir-se
como nova forma de sociabilidade. O termo sugere mudança de perspectiva em
relação ao lugar ocupado pelas mídias no funcionamento das sociedades e na
construção dos parâmetros pelos quais essas sociedades criam suas realidades.

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Nos anos recentes, percebe-se como a apropriação da imagem é adquirida como


parte integrante no universo do cotidiano, no ensino e na pesquisa. No Brasil, por exemplo,
observam-se grupos indígenas sendo cada vez mais autores de seus próprios filmes
etnográficos. Eles discutem os filmes dos outros grupos e o que já fizeram sobre sua história
e seus costumes.
Nesta prática da produção audiovisual, em que se registra crenças e costumes, entre
tantos outros aspectos da vida cotidiana, a relação entre a mídia e a sociedade,
exemplificada pela comunidade Kapinawá, vem transformando a forma como os/as
próprios/as indivíduos/as comunicam e interagem seja individualmente ou coletivamente
em sua realidade.
Ao utilizarem as tecnologias digitais como mediadoras do seu comportamento, esse
grupo indígena supera os limites dos recursos tecnológicos e transfere para a sua realidade,
a lógica, o formato e o ritmo das ferramentas existentes na internet por exemplo. Sendo
assim, o que antes existia no mundo digital, naturalmente passa a ser, de certa forma,
reproduzido no mundo real. E assim, as relações são processadas por meio das tecnologias.
Para Sodré (2002, p. 21), os arquétipos da internet, principalmente por meio dos
mecanismos de interação, registram uma “tendência à ‘virtualização’ ou telerrealização das
relações humanas, presente na articulação do múltiplo funcionamento institucional e de
determinadas pautas individuais de conduta com as tecnologias da comunicação”.
A forma como este grupo cria conteúdo audiovisual e o divulga na rede, nos faz
refletir sobre as transformações desta influência da cultura digital em seu comportamento.
Pois, como destacamos anteriormente, esta relação contempla o intercâmbio entre as
aldeias e a interação com a sociedade, a reivindicação de políticas públicas, as experiências
de registro, compartilhamento e exibição de imagem, etc., ações que sempre existiram na
história deste povo, mas que agora possuem novos formatos e alcances, pois equivalem a
uma nova forma de sociabilidade.
Soma-se a essa reflexão o fato de que as constantes reconstruções do grupo
Kapinawá, suas formas de constituição e reapropriação do conjunto de características que,

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em relação a outros grupos, contribui para formar a alteridade desses índios, que passaram
e ainda passam por uma constante reelaboração de valores. É o que aponta Arruti (1995), ao
explicar que os povos indígenas da região Nordeste, para conseguirem seu reconhecimento
como grupo étnico, passam a recriar sua realidade, resgatando imagens e relações
esquecidas, produzindo ritos e construindo mitos.
Por isto mesmo este trabalho compreende a possibilidade de estabelecer uma
reflexão sobre o processo de elaboração de produtos audiovisuais pelos/as próprios/as
indígenas e o entorno destes para os/as representados/as pela imagem e seu
compartilhamento. Pois sabemos que antropólogos/as e documentaristas fizeram parte do
processo de produção e apropriação das imagens que incorporam práticas e narrativas
desses/as nativos/as nas pesquisas. Mas agora, os/as próprios/as índios/as estão, também,
produzindo suas próprias imagens, influenciados pelos mais variados aspectos da
comunicação e lógica digitais.
Em outras palavras, as compreensões do simbolismo e do seu sentido, no caso do uso
das imagens, é tema a ser debatido num olhar interdisciplinar, que enriquece as propostas
das pesquisas. Sobretudo, daqueles fenômenos históricos e culturais, que surgem a partir da
imagem capturada, produzida e vivenciada entre o pesquisador e os pesquisados, em que as
imagens se valem de suas formas discursivas, bem como das circunstâncias da sua
interpretação (cf. ECKERT; ROCHA, 2006).
Outro aspecto é que a reprodução e a distribuição dessa produção passam a ter uma
dimensão de alcance imensurável, chegam a diversos grupos da sociedade e são percebidos
das mais variadas formas. Até que ponto a lógica digital colabora na promoção da
autonomia, visibilidade, representatividade e resistência da comunidade Kapinawá, não
saberemos dizer, no entanto, destacamos a importância de considerarmos as possíveis
influências que a produção audiovisual e as consequentes, mediação e midiatização,
presentes nas formas de criação e interação do grupo, possam nos comunicar a respeito da
realidade destes/as indígenas em sua nova forma de sociabilidade, por assim dizer.

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Pois como disse Breton (1997, p. 137 – 139) sobre a possível influência que falamos a
pouco dos elementos da produção audiovisual, mediação e midiatização, "Eles são
concebidos para ajudar os homens a comunicar melhor. Eles são a resposta à consciência
aguda que nós temos de uma separação social, de um distanciamento uns/umas dos/as
outros/as, acompanhado de uma necessidade de aproximação."
Após destacarmos um pouco do percurso traçado pelo grupo, descrevendo a sua
fundação e a sua busca pelos objetivos que citamos no início deste trabalho, além de
enfatizarmos algumas das suas conquistas, tais como a autonomia, visibilidade e resistência,
apesar das limitações em relação aos equipamentos, espaço físico etc., e, ainda, relacionar
elementos existentes na produção audiovisual com a mediação e midiatização, queremos
lembrar que há uma série de desafios a serem alcançados, tanto por parte dos/as índios/as,
como pelos/as não índios/as que se envolvem com esta causa, além da sociedade em geral,
que deve voltar mais a sua atenção a causa dos povos indígenas, para o efetivo alcance
deles/as à produção audiovisual.
Esta discussão é extensa por sua complexidade e dinâmica. Existe a contribuição na
esfera acadêmica, a dos órgãos vinculados à proteção dos direitos indígenas e especialmente
a governamental, que possui o poder de garantir as melhorias em maior escala. Mas, do
maior para o menor, também gostaríamos de lembrar que cada um/a de nós, ainda que
minimamente, pode contribuir para este movimento, reconhecer a existência e a luta dos
povos indígenas certamente é um começo para tal.

Considerações Finais

No que se refere à prática da produção, acreditamos que existem possibilidades para


que se superem algumas das limitações do grupo Burduna Filmes na comunidade Kapinawá,
especialmente concentrada no estado de Pernambuco. O grupo, que é composto por
indígenas e indigenistas, com apoios de outros incentivadores supracitados, se mantém

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sempre em busca de fontes alternativas de conhecimento e encara de forma criativa o


enfrentamento das suas dificuldades.
A realização das oficinas com profissionais da área audiovisual possibilita o domínio
das técnicas aos integrantes da comunidade, mas para superar a falta de equipamentos, há
que se utilizar equipamentos mais precários, como celulares, algo que já é mais acessível na
contemporaneidade. Outra preocupação dos idealizadores do grupo, é a de buscar os/as
amigos/as indigenistas, pesquisadores/as e pessoas da cidade (não-índias), em suas visitas a
Terra Indígena Kapinawá, para utilização dos seus equipamentos de registro audiovisual.
Nota-se nos depoimentos recebidos em algumas das oficinas de orientação
tecnológica para o audiovisual, vivenciadas por Glauco Machado, um dos autores deste
artigo, a importância que os Kapinawá dão aos vídeos. Trata-se de um tipo de valorização
das suas ações e da própria documentação do processo de reelaboração cultural de que eles
têm consciência. As dinâmicas e as formas de abordagens privilegiadas são consideradas
elementos significativos e estimulantes na atualização histórica da diferença socialmente
construída
Dentro desta perspectiva, a memória além de ser um espaço privilegiado de
conhecimento da realidade social do grupo, torna-se um importante elemento de
negociação para a afirmação da alteridade. Ela é operacionalizada para atender às
demandas dos que compõe a coletividade; fato percebido nas articulações do grupo a partir
das suas interpretações sobre as imagens assistidas.
Os produtos audiovisuais criados pelo grupo estão carregados de significados
simbólicos que nos provocam a refletir sobre a importância das suas representações, além
de nos inspirar com a sua resistência.

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II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA,
DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA,
DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

ESCOLA KIRIRI COMO LUGAR DE RESISTÊNCIA: ESPAÇO ARQUITETÔNICO NA


CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA

YERMALAYEVA FRANCO, Volha


Universidade Federal da Bahia
yermalayeva@gmail.com

Com a presente comunicação oral estamos propondo uma discussão interdisciplinar


acerca da apropriação do espaço escolar construído a partir da implantação dos projetos
padronizados do MEC, pelo povo Kiriri, sendo este um lugar de fronteira, lugar de
resistência, transmissão da cultura e tradição e do fortalecimento da identidade do povo.
Apresentamos uma pesquisa elaborada com o cruzamento de conhecimento e experiências
da disciplina Relações étnico-raciais em arquitetura, urbanismo e cidade, ministrada pelo
docente Fábio Macêdo Velame no semestre 2017.2 no Programa de Pós-Graduação em
Arquitetura e Urbanismo da UFBA, e da ACCS Educação diferenciada e revitalização de
línguas indígenas, ministrada pelo docente Marco Tromboni de Souza Nascimento e cursada
no mesmo semestre.

A abordagem metodológica sobre arquitetura das escolas indígenas foi feita a partir
de três componentes: o território, a cultura e a etnicidade. Para isso, fizemos uma
observação histórica acerca da relação do povo Kiriri com seu território, desde o início da
colonização até a demarcação do território indígena em 1990, e também da implantação da
escola indígena, traçando relação com a cultura do povo junto com a definição e
fortalecimento da identidade étnica, trazendo o conceito de etnicidade relacional de
Fredrick Barth (1997). Cruzando os referenciais teóricos das duas atividades e adicionando a
experiência de campo, observamos a importância da escola diferenciada no fortalecimento
da identidade étnica e trazemos uma análise das transformações dos espaços escolares no
território, percebendo a apropriação dos espaços pelo povo Kiriri, através da ressignificação
destes a exemplo de realização de rituais e pinturas, criadas a partir dos desenhos da pintura

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

corporal e representação das histórias do povo Kiriri. Foram abrangidas pelo estudo,
especificamente, duas escolas de ensino médio, a Escola José Zacarias, no povoado de
Mirandela, e a Escola Florentino Domingos de Andrade, no povoado de Araçás.

A origem do povo Kiriri antecede a invasão portuguesa e a sua história é marcada


pela luta, resistência e estratégias de sobrevivência na sua terra ocupada pelos colonos. Este
povo habitava um vasto território do nordeste brasileiro, desde o litoral norte da Bahia até
as margens dos rios Itapicuru e São Francisco, passando, também, pelo sertão baiano, sul do
Piauí, Ceará e oeste de Sergipe, sendo perseguido pelos capitães do mato e coronéis desde o
início da expansão da colonização portuguesa do litoral para o interior do continente. A
perseguição provocou a divisão em grupos menores, conflitos e doenças causadas pelo
contato com forasteiros. Segundo o educador Dernival Kiriri, alguns desses grupos se fixaram
na região de Saco de Morcego (atual aldeia Mirandela), e por causa das invasões dos
senhores de engenho, o então rei de Portugal D. João VI, deu, por meio de um alvará, aos
Kiriri um território em forma octogonal com raio de uma légua (aproximadamente 6.600 m),
destinado à missão Senhor de Ascenção do Saco dos Morcegos (KIRIRI, 2014a).

Tecnicamente este alvará nunca caducou, apesar da posterior invasão da terra por
não-indígenas, depois da expulsão dos jesuítas do Brasil em 1759. Portanto, este território
foi levado como justificativa e referência para a demarcação do atual Território indígena
Kiriri já na história contemporânea do Brasil, em 1990 (Figura 01).

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

Figura 01. Mapa ilustrativo do território indígena Kiriri elaborado pelo povo Kiriri, autoria
desconhecida. As casas representam as aldeias, a figura da igreja no meio representa a aldeia
de Mirandela com a sua Igreja do Senhor da Ascenção, cujo cruzeiro é o marco zero do território
indígena Kiriri.

Foto da autora, 2017.

No século XVII, os padres jesuítas, chegando ao território, “levantaram” as aldeias e


as igrejas, juntando a população originária para catequizar e “civilizar”, justificando suas
ações com a desculpa de proteger esses povos dos massacres e da escravização pelos
fazendeiros e senhores de engenhos. O antropólogo Marco Tromboni Nascimento ressalta
que uma grande parte do povo “preferiu submeter-se à catequese dos padres e juntar-se
uns aos outros, no que entrava em consideração, mais do que apenas a crença na nova fé, a
própria sobrevivência” (NASCIMENTO, 1994).

Em 1701, a Igreja do Nosso Senhor da Ascenção foi construída pelo povo Kiriri a
mando dos padres jesuítas na aldeia Saco dos Morcegos (atual Mirandela). A Igreja recebeu
em 2013 o tombamento provisório como patrimônio estadual, pelo Instituto do Patrimônio
Artístico e Cultural da Bahia (IPAC-BA) e se encontra em uma situação de risco, tendo seu

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

telhado desabado e esperando as obras de cobertura provisória, as quais foram anunciadas


pela prefeitura de Banzaê ainda no mesmo ano de 2013, mas ainda não foram realizadas
(Figura 02).

Figura 02. À esquerda, a Igreja do Senhor da Ascensão em Mirandela, construída em 1701 pelo
povo Kiriri no centro do aldeamento jesuíta Saco dos Morcegos, e o seu cruzeiro, marco zero do
território indígena Kiriri. À direita, o interior da mesma igreja, com o telhado desabado.

Fotos da autora, 11 de novembro de 2017.

Provavelmente, devido a numerosidade do povo Kiriri e a inteligibilidade da sua


língua por outros povos da região, os padres jesuítas tomaram a decisão de utilizar esta
língua para catequizar. Iniciado pelo padre João de Barros, o qual tinha começado sua
atuação no sertão em 1666, o estudo do idioma foi continuado pelo padre Vicencio
Mamiani, o qual concluiu duas obras, Arte de grammatica da língua brasílica da naçam Kiriri,
em 1698 (MAMIANI, 1877), e o Catecismo da doutrina christãa na lingua brasilica da naçam
Kiriri, em 1699, sendo o principal objetivo destas obras o ensino deste idioma, chamado no
texto pelo nome Kipeá, para os padres que iriam catequizar os povos originários com o
intuito de estes substituírem com tempo sua língua pelo português, portanto Mamiani
caracterizava sua obra como “o remédio das almas dos índios” (MAMIANI, 1942).

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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Após a expulsão dos jesuítas do país, durante o período da invasão da terra Kiriri
pelos fazendeiros, o povo Kiriri, assim como outros povos originários no Nordeste, sofreu
opressão e preconceito, sendo chamado de “caboclo”, que deixou de ser “índio” e foi
“aculturado”, tendo sua identidade étnica negada. Depois de décadas de luta pela retomada
da sua terra, o povo Kiriri teve seu território demarcado em 1981 e homologado em 1990,
pelo Decreto 98.828 - 15/01/1990, então dentro do município de Ribeira do Pombal, e
atualmente situado dentro dos municípios de Banzaê (sendo cerca de 95% do território
indígena localizado neste município), Quijingue e Ribeira do Pombal. A população do povo
Kiriri, de acordo com o censo Siasi/Sesai, 2014 era de 2498 habitantes, ocupando uma área
de 12.299,873 hectares (KIRIRI, 2014a).

A retomada do território foi fortemente relacionada ao processo de (re)construção


da identidade étnica do povo. As lutas pela demarcação da terra foram precedidas pela
retomada da organização política, com a instituição do capitão do povo Kiriri e,
posteriormente, os caciques e pajés, e também, pela retomada, em 1976, do Toré, o ritual
do povo, através do qual acontece a comunicação com os encantados, os ancestrais (KIRIRI,
2014a). Conforme ressalta a pesquisadora da UFBA Vanessa Coelho Moraes, os encantados
podem se comunicar na língua que o povo identifica como sua língua de origem. Desse jeito,
para o povo é importante retomar a língua, reaprendê-la, inclusive para dialogar com suas
entidades sagradas (MORAES, 2018).

Portanto, a retomada da língua é vista pela comunidade como o próximo passo na


construção identitária, sendo um assunto debatido na escola Kiriri, e os professores estão
fazendo um trabalho de documentação e análise dos registros feitos por jesuítas. A partir da
solicitação deles, foi criada na Universidade Federal da Bahia e está acontecendo há dois
semestres, a Ação Curricular em Comunidade e em Sociedade (ACCS) Educação diferenciada
e revitalização de línguas indígenas, dentro da qual a turma acadêmica está ajudando aos
professores e às professoras Kiriri a se familiarizar com os conceitos linguísticos e os
princípios de documentação linguística que podem ser aplicados ao processo da retomada
do idioma.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

A implantação da escola diferenciada indígena virou um assunto da agenda do


Ministério da Educação e Cultura e das Secretarias Estaduais de Educação desde a última
década do século XX, por pressão das próprias comunidades indígenas, das ONGs e das
universidades. “A idéia de que a escola poderia ser um instrumento favorável à autonomia
indígena – e não uma instituição colonizadora – começa a ganhar força a partir desse novo
cenário”, – ressalta o antropólogo José Valdir Jesus de Santana (SANTANA, 2011). Vale
lembrar que a presença da escola nas comunidades indígenas desde o período da
colonização estava fortemente ligada com o apagamento da identidade do povo e a
catequização. No entanto, atualmente, existe a possibilidade de utilização da escola como
ferramenta de empoderamento na sociedade e de fortalecimento da identidade étnica. É
deste jeito que o povo Kiriri enxerga suas três escolas de ensino médio que funcionam no
território, nos povoados de Mirandela, Araçás e Segredo.

A Constituição Federal de 1988 assegurou, além do reconhecimento das terras


indígenas, o direito a educação e o princípio de igualdade de condições para o acesso a
permanência na escola. O artigo 210 da Constituição ainda garante uma educação
diferenciada para as comunidades indígenas que podem também utilizar suas línguas
maternas e processos próprios de aprendizagem (CONSTITUIÇÃO, 1988).

Na década de 2000, começou a ser implantado pelo Ministério da Educação e


Cultura o projeto das escolas indígenas e quilombolas. Este projeto visa atender as
demandas da educação diferenciada para os grupos étnicos distintos, sendo que nem os
povos indígenas nem quilombolas são grupos homogêneos e têm histórias, situações atuais
e demandas diferentes. Na prática, essas diferenças são visíveis na aplicação do projeto. As
escolas indígenas conquistaram o direito de capacitar professores indígenas para trabalhar
nas próprias comunidades, diferentemente dos quilombolas. Se uns povos indígenas optam
por uma educação na língua materna que não é portuguesa, outros exigem a educação
bilíngue, e alguns povos escolhem o ensino de português, sendo essa a língua materna do
povo ou não.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

No caso das escolas indígenas, existe de fato uma educação diferenciada do


“padrão” brasileiro, na ementa das disciplinas, a qual inclui as matérias Língua indígena e
Cultura indígena. Mesmo no caso do povo Kiriri, que atualmente tem português como
primeira língua, essas matérias existem e são ensinadas. Há uma certa dificuldade na
elaboração do programa e do material didático para estas disciplinas, sendo isso a
responsabilidade do próprio quadro docente da escola.

Elaborando as atividades para alunos, os professores utilizam os dados coletados


com as pessoas mais antigas, conhecedoras da história do povo; os estudos da gramática e
do catecismo editados pelo padre Mamiani, as histórias do povo Kiriri. Assim, ainda em
2000, foi publicado o livro Histórias Kiriri, organizado pela pesquisadora Erimita Motta,
utilizado nas aulas tanto para aprender sobre a cultura do próprio povo quanto para praticar
leitura em português (MEC, 2000).

O cacique Manoel, comentando uma atividade escolar fora da escola, explica que
na sua visão, a educação diferenciada fortalece “a convivência do indígena dentro do seu
território. Fortalece a convivência na prática e também aprende na escrita. Quando eles
chegar em sala de aula, eles vão tar relatando e escrevendo (sic)" (KIRIRI, 2014b).

Existe uma preocupação de afirmar e fortalecer a identidade étnica. Iniciando o


projeto de retomada do idioma, professores Kiriri relatam que o sonho deles seria ver as
crianças aprenderem a língua do povo.

Nestas atividades podemos perceber uma relação especial do povo com o seu
território. A própria configuração do território Kiriri, como mencionamos no início do
presente artigo, possui um formato octogonal e essa representação é encontrada nos
materiais didáticos utilizados para jogos nas escolas. A mesma base é representada num
espaço da escola, uma espécie de coreto, na Escola Florentino Domingos de Andrade, no
povoado de Araçás (Figura 03).

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Figura 03. Construção com cobertura de palha e com a base octogonal que lembra a
configuração do território demarcado do povo Kiriri, na Escola Florentino Domingos De
Andrade, no povoado de Araçás

Foto da autora, 13 de novembro de 2017.

À primeira vista, pode parecer que o pátio da outra escola, José Zacarias, em
Mirandela possui um formato de base parecido e tem alguma relação com a arquitetura
tradicional do povo. Pode-se perceber uma certa semelhança, com as construções Kijemes,
do povo Pataxó, que frequentemente tem em base um hexágono ou octógono, conforme a
descrição do arquiteto Fábio Velame (VELAME, 2013). Porém, esta construção é uma
aplicação do projeto padronizado do Espaço Educativo Urbano e Rural do MEC, amplamente
aplicado em diferentes escolas indígenas, quilombolas e outras, como podemos ver na
Figura 04, comparando-a com a vista de satélite da escola José Zacarias, no povoado de
Mirandela.

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ISSN:

Figura 04. Acima, o projeto do Espaço Educativo Urbano e Rural de 6 Salas de Aula destina-
se à construção de escola de um pavimento, a ser implantada nas diversas regiões do Brasil.
O edifício tem capacidade de atendimento de até 360 alunos, em dois turnos (matutino e
vespertino), e 180 alunos em período integral. Em verde escuro está representado o bloco
pedagógico, em laranja, o bloco administrativo, e em verde-claro, o bloco de serviço. No
meio está o pátio hexagonal. Fonte: FNDE, 2017a. Abaixo, a Escola José Zacarias, no
povoado de Mirandela, vista de satélite.

Fonte: Googlemaps, 2018.

De fato, é uma prática comum de aplicar um projeto do MEC, sendo que o apoio
técnico e financeiro na construção das escolas é garantido pelo Artigo 5 do Decreto Nº
6.861, de 27 de maio de 2009, o qual dispõe sobre a Educação Escolar Indígena (DECRETO Nº

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ISSN:

6.861, 2009). Ainda em 2005, segundo o Censo Escolar, uma grande parte das escolas não
possuía espaço próprio, desenvolvendo suas atividades em ambientes inadequados,
portanto uma aplicação de projetos padronizados foi vista como uma solução rápida, mesmo
que não fosse a mais adequada.

Embora seja um projeto padronizado, na utilização do espaço escolar, o povo Kiriri


estabelece suas próprias relações com o espaço, afirma sua presença enquanto uma etnia,
ressignificando o espaço com as pinturas, criadas a partir do desenho da pintura corporal
que vem da tradição do povo, e da imagem da maraca, instrumento musical presente nos
rituais de Toré e, portanto, importante no imaginário do povo. Podemos observar estas
pinturas na Figura 05.

Figura 05. Pinturas no espaço da Escola José Zacarias, no povoado de Mirandela.

Fotos da autora, 13 de novembro de 2017.

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ISSN:

O pátio da escola ainda é utilizado no ritual, que tivemos privilégio de assistir


quando visitamos a escola com um seminário organizado pela ACCS Educação diferenciada e
revitalização de línguas indígenas, da UFBA. As professoras e os professores da escola,
juntos com as lideranças do povo, dando boas vindas, fazem um ritual que lembra as danças
e as músicas do Toré, rodando no pátio da escola. Embora isso não podia ser previsto pelo
MEC, já que o projeto padrão não foi pensado para atender as necessidades específicas da
escola Kiriri, o povo se apropria do espaço e o utiliza para a afirmação da sua identidade. A
fronteira étnica permanece definida.

Podemos perceber uma atitude diferente na Escola Florentino Domingos de


Andrade, no povoado de Araçás, já mencionada antes neste trabalho. A escola foi construída
também a partir de um projeto padronizado, mas de um Espaço Educativo Rural de 2 salas
de aula, como podemos perceber, comparando o projeto com a imagem da escola na Figura
06.

Figura 06. Acima, O projeto padronizado de Espaço Educativo Rural de 2 salas de aula, a ser
implantado em assentamentos ou pequenas comunidades rurais nas diversas regiões do
Brasil. O edifício tem capacidade de atendimento de até 120 alunos, em dois turnos
(matutino e vespertino), e 60 alunos em período integral. Fonte: FNDE, 2017b. Abaixo, a

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ISSN:

Escola Florentino Domingos de Andrade, no povoado de Araçás.

Fonte: acervo da autora, 2018.

No caso da Escola Florentino, podemos lembrar das construções adicionais, como o


mencionado acima espaço aberto com a base octogonal. Além disso, podemos observar as
pinturas no muro, realizadas dentro das atividades educativas de cultura indígena,
representando as histórias do povo Kiriri e cenários da sua terra, como as serras, os campos
e as árvores, como podemos ver na Figura 07.

Figura 07. As pinturas no muro da Escola Florentino Domingos de Andrade, no povoado de


Araçás, representando “contadores de histórias da aldeia Segredo”, as paisagens típicas do
território e ilustrações das narrativas das histórias do povo Kiriri.

Foto da autora, 13 de novembro de 2017.

Importante lembrar que o espaço da escola indígena é um espaço diferenciado e


tem um papel significativo na educação das crianças enquanto um povo, com sua história e
consciência étnica. Para o povo Kiriri, que durante muito tempo foi visto como “caboclo”, é
mais uma ferramenta de se reafirmar enquanto nação e passar essa mensagem para as
gerações mais novas, mantendo as fronteiras étnicas. Por isso, os professores Kiriri se
apropriam do espaço arquitetônico das escolas, ressignificando-os de maneiras que
pudemos perceber neste trabalho, através da realização de rituais e pinturas, criadas a partir
dos desenhos da pintura corporal e representação das histórias do povo Kiriri.

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ISSN:

O trabalho é proposto para o Grupo temático: Indígenas e Quilombolas no Brasil:


Resistência, Identidade, Cultura e Tradição.

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Educativo Urbano - 2 salas. 2017. Disponível em:
<http://www.fnde.gov.br/programas/par/eixos-de-atuacao/infraestrutura-fisica-
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KIRIRI, Dernival. Narrativa Indígena. 2014a. Povos Indígenas do Brasil. Disponível em:
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Kiriri. Lisboa. Edição fac-similar. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1942[1698]. 236p.

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II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA,
DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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VELAME, Fábio Macêdo Velame. Kijemes Em Trânsito: A arquitetura e a construção
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879
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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

MESTIÇAGEM EM PERSPECTIVA: O MOVIMENTO DOUTRINÁRIO VALE DO


AMANHECER SUAS INFLUÊNCIAS AFROBRASILEIRAS E INDIGENAS

SANTOS, Jessica Kaline Vieira de103


Universidade Federal de Campina Grande
kalinejessica@hotmail.com
JUNIOR, José Pereira de Sousa
Universidade Federal do Rio Grande do Norte

O Vale do Amanhecer, movimento doutrinário espiritualista cristão, instituído no


Brasil em fins da década de 60, na cidade satélite do Distrito Federal, Planaltina, foi criado
por Neiva Chaves Zelaya, conta com seu templo sede na referida cidade, este chamado pelos
adeptos de Templo Mãe, e com templos espalhados em todos os estados federativos
brasileiros, bem como com templos internacionais, em países como Espanha, Portugal,
Inglaterra e Canadá. Totalizando aproximadamente 800 mil integrantes.

Informação que também pode ser verificada no Inventário Nacional de Referências


Culturais, elaborado no ano de 2010:

“Atualmente, a doutrina do Vale do Amanhecer, tem cerca de 800 mil médiuns


ativos no Templo-Mae e em mais de 600 templos localizados em todos os estados
da Federação e em outros países, como Estados Unidos, Portugal, Espanha,
Alemanha, Japão e Bolívia.” ( INRC P.6)

Seus rituais e a composição de suas preces, e de suas indumentárias são marcadas


por um grande hibridismo cultural e religioso, e que envolve aspectos da cultura africana e
afro-brasileira, como também aspectos da cultura indígena e cigana, dentre outras. Contudo,
o objeto de análise desse estudo é a influência das culturas africanas e indígenas na história
do movimento e nas representações que o constitui.

103
Mestranda do programa de Pós Graduação em História da Universidade Federal da Paraíba-UFCG. Graduada
em história pela Universidade Estadual da Paraíba – UEPB.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

A primeira comunidade do Vale do amanhecer foi na serra do Ouro, próximo à cidade


de Alexânia – GO, logo após mudou-se para Taguatinga, e a partir de 1969 situa-se dentro de
uma área de zona rural na Cidade Satélite de Planaltina, território que pertence ao Distrito
Federal. Após a aceitação total de sua capacidade mediúnica de Clarividência104, e de ser
como acredita-se dentro do movimento, ensinada e desenvolvida com espíritos de Luz que
integram a gama de entidades do movimento, Neiva, caminhoneira que trabalhava na
construção da capital brasileira, passa a construir a nova doutrina, e além dela, o espaço
templário que compreende o movimento. Em torno do templo, forma-se uma cidade, que
nos dias atuais conta com cerca de 25 mil pessoas, e está dentro de uma área de proteção
ambiental.

1.Imagem da área templática, onde é feito o trabalho de Estrela Candente. Disponível em: http://nino-
valeamanhecer.blogspot.com.br/p/trabdo-amanhecer.html

104
Neiva era clarividente, capacidade tal que permitia o seu desdobramento em vários planos, saía do seu
corpo e passava a integrar outros mundos, no momento em que esse fato acontecia, era como se estivesse
dormindo.

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2. Tia Neiva. Disponível em: http://temploabavano.blogspot.com.br/2009/06/tia-neiva.html

Além do aspecto físico da doutrina no que diz respeito aos seus templos, os trabalhos
realizados, as indumentárias, dentre outros. O aspecto espiritual é ainda mais característico.
O Vale do Amanhecer é caracteristicamente hibrido tanto no seu aspecto cultural, bem
como no seu aspecto religioso, mistura traços de culturas e religiões distintas e chega a ser
bastante ecumênico no que diz respeito a sua formação.

Histórias transcendentais: o surgimento do Vale do Amanhecer a partir de Pai Seta Branca.

Para os adeptos desse movimento doutrinário, o Vale do Amanhecer, tem como


principal entidade religiosa abaixo de Jesus Cristo, Pai Seta Branca, que está dentro do
movimento representado como esteve na terra em sua última encarnação, na figura de um
Índio dos Andes, mais precisamente na fronteira entre os países Bolívia-Brasil que no século
XVI nos episódios de conquista espanhola na América salvara os guerreiros de uma tribo
Inca. Os espanhóis na sua empreitada civilizatória ao tentar conquistar o território da tribo,
acabaram por encontrar Pai Seta Branca e seus 800 guerreiros que já estavam a postos
aguardando as tropas. Na ocasião, Seta Branca diante das duas forças prontas para o
combate começou a falar, e quando terminou, a tropa espanhola deixa o local, sem que
tenha havido o conflito armado. Abaixo está uma das representações de Pai Seta Branca,
comumente encontrada dentro dos Templos da Doutrina:

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1: Pai Seta Branca. Disponível em: http://exiliodojaguar.blogspot.com.br/2014_09_01_archive.html

Outros exemplos de representação indígena estão nas figuras dos “caboclos e


caboclas das matas”, que incorporam forças nativas, fazendo uma manipulação com gestos
vigorosos. Dentro da doutrina, eles são incorporados para realizar um trabalho de limpeza,
retirando os prováveis resquícios de energias que ficaram esparsas durante os trabalhos. São
inúmeros deles, pois para cada um de seus integrantes que tem como função a incorporação
dentro do templo, existe um espirito que é considerado como seu guia, as vezes os nomes
destes podem até se repetir, mas segundo os integrantes, mesmo com nomes iguais, a
representação deles sempre será diferente.

2.Caboclo Tupinambá. Disponível em:http://abevano.webs.com/apps/photos/photo?photoid=131025754

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3.Cabocla Jupira. Disponível em: http://abevano.webs.com/apps/photos/photo?photoid=131025720

Pretos Velhos – Os Enoques.

Já no que diz respeito aos negros, a roupagem dos mentores espirituais que ali se
fazem presentes por meio da incorporação105 também está a figura dos Pretos Velhos e
Pretas Velhas. Com gestos e linguagem simples, são os responsáveis por acolher aqueles que
chegam até o Vale do Amanhecer. Responsáveis também por orientar aqueles que procuram
o movimento. São representados dentro dos templos em sua maioria como Negros, vindos
da África para servirem de mão-de-obra escrava no Brasil Colonial.

Cada mestre que integra o movimento e que tem como capacidade mediúnica de
incorporação, possui um preto velho como seu protetor, um espécie de anjo da guarda,
assim como citado acima com os caboclos e caboclas. E mesmo com uma quantidade
considerável de representações, para entendermos um pouco da transcedentalidade negra
no movimento citaremos apenas dois mentores, que estão diretamente ligados a estrutura
organizacional do movimento, como acreditam seus integrantes.

Pai João e Pai Zé Pedro “Os Enoques” são dois mentores ligados a estrutura
organizacional do movimento, Pai João de Enoque é para os integrantes o Executivo da
Doutrina nos planos espirituais, ele é o responsável pela execução dos projetos e das
autorizações espirituais, dentro do Vale do Amanhecer. De acordo com o movimento, Pai
João e Pai Zé Pedro, vieram da África para o Brasil colonial, aproximadamente no ano de

105
Espécie de transe mental, ao qual o médium mestre da doutrina se submete.

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1700, para serem escravos, e assim cumprirem os seus carmas, pois segundo “A Cachoeira
do Jaguar” história contada por Tia Neiva, fizeram grande mal ao seu povo, no Egito, sendo
Faraós.

Abaixo temos a representação dos dois mentores Pai João de Enoque e Pai Zé Pedro
de Enoque respectivamente:

4.Pai João de Enoque. Disponível em:http://oganordoamanhecer.blogspot.com.br/p/fotos-mentores.html

5. Pai Ze=é Pedro de Enoque. Disponível em:http://exiliodojaguar.blogspot.com.br/2011/04/tolerancia-de-preto-


velho.html

A representação desses e de muitos outros espíritos, são uma parte singular de uma
das características do Vale do Amanhecer, elas estão espalhadas dentro dos templos,

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estampadas em pequenas imagens que os mestres carregam consigo como sinônimo de


proteção, que estão muitas vezes presentes nos Aledás106 dentro das casas dos integrantes,
e o nome desses e de mais mentores como são saudados recorrentemente nos trabalhos
espirituais que a doutrina realiza. Como também são proferidas das orações, nas preces, e
nos cânticos que são imantrados dentro dos trabalhos mediúnicos e na área templária.
Assim como as figuras dos pretos velhos e dos indígenas, muitas outras figuras, orientais,
ocidentais, afro-ameríndias, bem como os aspectos de culturas religiosas espalhadas pelos 4
cantos do mundo estão presentes dentro desse movimento.

Chartier, afirma que a representação faz ver uma ausência, a representação faz
“vivenciar” e ver um objeto ou pessoa que não mais está presente naquele meio, sendo
assim a representação é o indicativo de como aquela pessoa ou objeto era enquanto existia,
e se fazia presente. De acordo com trecho do seu trabalho citado abaixo:

“À palavra “representação” atesta duas famílias de sentido aparentemente


contraditórias: por um lado, a representação faz ver uma ausência, o que se supõe
uma distinção clara entre o que representa e o que é representado, de outro é uma
presença , a apresentação pública de uma coisa ou uma pessoa(...) A relação da
representação – entendida como uma imagem presente e um objeto ausente uma
valendo pelo outro porque lhe é homologa.” (CHARTIER 1991 p.184)

Outra característica pertinente é que aliado a essas imagens e ao universo da


formação do movimento doutrinário, são somadas simbologias católicas, judaicas, espiritas,
da ubanda e do candomblé por exemplo, caracterizando o hibridismo religioso e cultural
contido na doutrina do Vale do Amanhecer, essas simbologias podem ser encontradas nos
elementos que constituem a sua formação e que se fazem presente no dia-a-dia da doutrina
e de seus rituais. Nesse movimento Doutrinário, todos os elementos se entrelaçam para
constituir os valores e os costumes daqueles que integram e fazem parte da doutrina. Assim
como afirma Teixeira Coelho:

A hibridização refere-se ao modo pelo qual modos culturais ou partes


desses modos se separam de seus contextos de origem e se recombinam

106
Espécie de santuários, contidos na casa dos adeptos, lugares apropriados para oração dentro de casa.

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com outros modos ou partes de modos de outra origem, configurando, no


processo, novas práticas. (COELHO, 1997, p. 125-126)

Todo esse hibridismo cultural e religioso, dentro do movimento, e para seus


integrantes, é explicado a partir do que chamamos de engrenagens de sentido, estão
interligados, em uma teia, que é explicada a partir das mensagens e das histórias deixadas
por Tia Neiva.

Enfim, mesmo que de forma breve, pretendemos exemplificar um pouco de como se


dá a representação dos povos afro-ameríndios dentro do movimento, no sentido de mostrar
como o Vale do Amanhecer é rico em seus detalhes, caracterizando-se como um objeto de
estudo diverso, no seu sentido mais amplo. Tratando-se de um culto dos mais híbridos
contidos na esfera brasileira, assim como afirma José Jorge de Carvalho.:

“Aqui trata-se do culto tido como o mais sincrético de toda a experiência religiosa
Brasileira de sua origem colonial até os dias de hoje: O Vale do Amanhecer. Apesar
de seu caráter universalista, a base doutrinal do Vale é sem dúvida o sincretismo
clássico brasileiro: espiritismo, catolicismo, tradição afro-brasileira.”(Carvalho p.80
s.d)

Nesse sentido é que esse estudo pretendeu se desenvolver, mesmo que de forma preliminar
de uma pesquisa que ainda está em seu andamento.

Referências bibliográficas:

ÁLVARES, Bálsamo. Tia Neiva – Autobiografia Missionária. Brasília: s/n, 1992. .

CAVALCANTE, Carmen Luisa Chaves. Xamanismo no vale do amanhecer: o caso tia Neiva.
Annablume Editora, 2000.

COELHO, Teixeira. Culturas híbridas. In: _____. Dicionário crítico de política cultural: cultura
e imaginário. São Paulo: Fapesp; Iluminuras, 1997.

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

ISSN:

OLIVEIRA, Amurabi. Dinâmicas culturais e relações de reciprocidade no Vale do Amanhecer:


um estudo de caso sobre o templo de Campina Grande–Pb. Campina Grande. Diss.
Dissertação (Mestrado e Ciências Sociais), Universidade Federal de Campina Grande, 2008.

OLIVEIRA, Amurabi Pereira. Nova Era à brasileira: a new age popular do Vale do Amanhecer.
Interações-Cultura e Comunidade, v. 4, n. 5, p. 31-48, 2009

ZELAYA, Carmem Lucia, Os símbolos na doutrina do Vale do Amanhecer: Sob os olhos da


Clarividente.Tia Neiva Publicações, S.l, 2009.

Endereços eletrônicos:

https://.dicio.com.br
http://exiliodojaguar.blogspot.com.br
http://lucenodoamanhecer.comunidades.net
https://nino-valeamanhecer.blogspot.com.br
http://odevanto.blogspot.com.br/
http://oamanhecerdojaguar.blogspot.com.br/2012/02/o-amanhecer-das-princesas-na-
cachoeira.html
http://oganordoamanhecer.blogspot.com.br
http://virusdaarte.net/espiritualismo-espiritualidade-e-espiritismo/
https://valedoamanhecer.com.br
https://valedoamanhecer.org
http://valedoamanhecerbrasil.blogspot.com.br

A GUERRA, OS QUILOMBOS E OS CORONÉIS DE PRINCESA: PERCURSOS DE


MEMÓRIA E RESISTÊNCIA

MELO, José Anchieta Bezerra de


Universidade Federal da Paraíba (PPGS-UFPB)

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anchietapb@gmail.com

Esta comunicação é construída a partir de fontes escritas e orais, e busca discutir


alguns aspectos históricos, políticos e contemporâneos da cidade de Princesa Isabel que,
antes da divisão de parte do seu território em outros municípios, abrigou os quilombos de
Livramento, localizado hoje em São José de Princesa, Domingos Ferreira, em Tavares, e
Fonseca, em Manaíra. Ainda bem próximo, o quilombo de Águas Claras, no município de
Triunfo no vizinho estado de Pernambuco. A proposta é analisar narrativas orais e escritos
de memorialistas e historiadores locais que retrataram as conseqüências e a participação
desses quilombos na chamada Guerra de Princesa, um movimento armado, ocorrido no
sertão da Paraíba em 1930, e que envolveu, de um lado, os comandados do “coronel” José
Pereira Lima e, de outro, as tropas da Polícia Militar da Paraíba.
No Estado da Paraíba existem hoje 38 comunidades quilombolas catalogadas, propomos
aqui, analisar os três quilombos que se localizam na extrema porção oeste do antigo
território de Princesa, na zona fisiográfica do sertão, mais especificamente no Planalto da
Borborema, divisa entre os estados da Paraíba e de Pernambuco, próxima a um dos pontos
culminantes do Nordeste, o Pico do Papagaio, com 1.360 metros de altitude, distantes 390 a
480 kmda capital João Pessoa.
Dentre os quilombos em análise, Livramento é o mais antigo, tendo sua fundação
ocorrido no final do século XVII, quando três famílias de negros chegaram fugidas da
hostilidade e do trabalho escravo dos canaviais de Alagoas.
Depoimentos orais atestam que em Livramento, o quilombo nasceu do livramento da
escravidão que alguns negros fugidos alcançaram naquele alto de serra, e por terem
conquistado a liberdade, batizaram-no de Livramento. Tendo a altitude como fator
primordial para a escolha e a permanência no local, contam que os primeiros negros a
chegarem vieram de Alagoas. Inicialmente viveram em locas de pedras, abundantes no local.
A dificuldade de acesso, configurando um local estratégico para refúgio, possibilitou a

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permanência dos antigos nesse local, que sobreviviam a base de catolé e de animais que
conseguissem capturar. A narrativa de como chegaram ao lugar é uma história não
contatada pelos mais antigos, que tinham medo de serem descobertos.
Os estudos sobre Livramento, Domingos Ferreira e Fonseca, estão todos baseados na
memória de seus moradores. Os estudos mais recentes se valem da metodologia da História
Oral, e estão sintetizados em Suzeli de Almeida, ‘Pacto do Silêncio’ – o Livramento dos
negros, uma comunidade no Sertão do Pajeú – PE’, trabalhos publicados por Aécio Villar de
Aquino, no livro Os Quilombos na Dinâmica Social do Brasil, organizado por Clóvis Moura, e
diversos trabalhos publicados por Janine Menezes. De modo geral, esses trabalhos tomaram
como referência o livro ‘Achados de Perdição’ do historiador e memorialista Paulo Mariano.
Nos três quilombos os registros orais dão conta de que não havia escravidão e que havia
casas de farinha e produção de louças de barro, além da agricultura de subsistência e
prestação de serviço na forma de trabalhão alugado, que devido a precariedade da relação
trabalhista e do pagamento oferecido, era configurado, pelos próprios negros, como uma
discriminação e exploração, caracterizando um estado de servidão.
No aspecto lingüístico a influencia do modo banto no Brasil. Os moradores não
pronunciam palavras em português composta de consoante + consoante + vogal, mas no
padrão consoante + vogal + vogal. Um interessante estudo a esse respeito é feito pela pela
etnolinguista e doutora em língua africanas Yeda Pessoa de Castro. Na dança, a presença do coco
de roda e o nego nagô.Em Livramento, especificamente ainda a presença do slim, que se
dançava em par, como uma valsa, no intervalo do coco, para se descansar ou, como se diz
em Livramento, para “tomar uma fuga”.
O quilombo de Livramento foi reconhecido pela Fundação Palmares como
remanescente de comunidade quilombola no ano de 2007. Abriga atualmente cerca de 50
famílias, que residem em casas rústicas a exemplo de pedras, cipós e barro.
O comunidade quilombola do Domingos Ferreira, esta localizada no município de Tavares,
teve origem por volta do século XVIII, quando chegaram nesta localidade os primeiros
habitantes, guiados por “Seu Domingos” que demarcou os limites territoriais do Sítio e se

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fez proprietário das terras. A tradição local conta que Seu Domingos era ferreiro de
profissão e que tornou-se bastante conhecido na região. O povoamento só ocorreu
posteriormente, com a chegada de José Vieira e, logo após, Marco Vieira e sua
numerosa família. Todos se dedicaram ao trabalho na agricultura, nos engenhos e
casas de farinha. Com o passar do tempo, o sítio foi sendo chamado de Domingos Ferreira,
como uma homenagem ao seu primeiro habitante e dono das terras, Domingos Ferreiro.
Observa-se que houve uma corruptela do verdadeiro nome do proprietário.
É considerada hoje uma das comunidades mais populosas do município de Tavares,
tendo aproximadamente 40 famílias reconhecidas como descendentes, ou remanescentes,
de quilombolas. Tal processo de reconhecimento é burocrático e segue uma sistematização
que começa com o processo administrativo de regularização dos territórios quilombolas
e é constituída por relatório antropológico, relatório agronômico-ambiental,
levantamento fundiário, mapa e memorial descritivo da área e relação das famílias
quilombolas cadastradas pelo INCRA.
No caso do Domingos Ferreira, a certidão da Fundação Cultural Palmares foi emitida
em 04/08/2008 e o processo de RTID aberto em no INCRA em 2011. A fase final de todo
procedimento foi a regularização fundiária, com a concessão do título de propriedade
coletiva, pró-indiviso em nome da Associação Remanescentes de Quilombo Sitio Domingos
Ferreira.
Situado entre os sítios Riacho do Meio, Chapada, Anjo Félix, Lage de Onça e
Macambira, o Domingos Ferreira é cortado pelo Riacho de Zé Gabriel, que corta os sítio e
demarca o limite com o Riacho do Meio. Além da família Vieira, a mais numerosa, também
destacam-se as famílias Gabriel, Lopes, e Silva.
Em Manaíra, município emancipado de Princesa Isabel em 21 de dezembro de 1961,
localiza-se em sua zona rural a Comunidade Quilombola Fonseca, reconhecida em 2009.
Situada em meio à caatinga, vegetação típica da região, a comunidade é composta por
aproximadamente 40 famílias. Situada numa área de difícil acesso, a comunidade possui
grande fragilidade socioeconômica. A maior parte da fonte de renda das famílias provém de

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auxílios do governo como o Bolsa Família e o seguro safra, além da migração para trabalhos
temporários, como o corte da cana em São Paulo.
No aspecto histórico, um acontecimento marcante, não apenas para estas comunidades,
mas para o país, em se tratando das configurações políticas na República Velha, vai definir
memórias e trajetórias de vida.
Em 1930, o município de Princesa Isabel, foi um dos cenários da “Guerra de
Princesa”, um conflito armado que durou cinco meses e deixou um rastro de
destruição e mortes em toda a região (RODRIGUES, 1978; 1981); (ANDRADE, 1980);
(LELIS, 1930). Tal acontecimento culminou com a proclamação de “independência” do
então município de Princesa, que na época abrangia além de Tavares, as cidades de Água
Branca, Juru, Imaculada, Manaíra e São José de Princesa. Tal acontecimento teve
implicações diretas sobre a vida de todos os munícipes, sejam da zona urbana ou rural.
A Guerra de Princesa, ou Revolta de Princesa, como ficou conhecida, foi um
movimento armado que teve início no dia 24 de fevereiro de 1930 e se prolongou até 26 de
julho do mesmo ano, data da morte do presidente João Pessoa. O conflito teve início com o
rompimento político-partidário de um grupo de coronéis monopolizadores da economia do
Estado, representados na pessoa do coronel José Pereira Lima, e João Pessoa Cavalcanti de
Albuquerque, então presidente do Estado.
Para eclosão do movimento concorreu uma série de fatores, dentre eles a
própria investidura de João Pessoa no governo do Estado, que ocorreu por determinação de
Epitácio Pessoa, seu tio e principal líder político da Paraíba. As medidas renovadoras
implementadas pelo então presidente do Estado tinham dois focos de atuação,
promover o sistemático desprestígio aos coronéis e reerguer as finanças do Estado. Para
isso:

(…) destituiu chefes políticos, demitiu juízes e promotores, removeu delegados e


chefes de Mesas de Rendas, coletorias estaduais, promoveu cuidadosa
triagem na nomeação dos novos prefeitos, desprezando a velha praxe de
compadrio. Atingia, assim, alguns esteios do prestigio e da liderança dos
detentores do mandonismo local, como a faculdade de impedir a apreensão,
pela polícia, de armas de seus protegidos e de promover a sua restituição, bem

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como a poderosa influencia sobre jurados e testemunhas. (RODRIGUES, 1978, p.


1981).

O combate ao cangaço e o desarmamento geral foram, indiretamente, parte de


um conjunto de medias que visavam o desprestigio aos chefes políticos locais. Ressaltando
às que empreendeu objetivando melhorar a crítica situação financeira do Estado e que
ensejou a “chamada guerra tributária” a partir da criação do imposto de importação.
O tal imposto incidia de forma majorada sobre produtos comercializado nas divisas do
Estado, com exceção dos que fossem importados via Porto de Cabedelo, medida que
prejudicava o comércio de algumas cidades sertanejas, incluindo Princesa.
As medidas, como se pode perceber, tinham impacto direto sobre o município,
núcleo de atuação dos coronéis. Num estado pobre, com predominância de uma estrutura
agrária à base do latifúndio, e cujos senhores eram os chefes políticos locais, quaisquer
medidas que fossem de encontro a essa estrutura, ensejaria esperada reação. É nesse
quadro, que se insere o movimento de Princesa, como uma reação às forças contrárias ao
mandonismo local.
Em Tavares, a época integrante do município de Princesa Isabel, foram travadas
as mais importantes lutas entre os “libertadores” de Princesa e as tropas policiais. A guerra
civil dentro do Estado durou 146 dias e deixou um rastro de destruição e morte em
vários municípios da região. Os relatos da época dão conta que durante a Guerra, muitas
famílias foram embora do pequeno povoado para se refugiar nas cidades pernambucanas
vizinhas. A memória do medo e as imagens da tragédia permaneceram nos sobreviventes
que quase nada sabiam das causas da luta.
O quilombo de Livramento também participou da Revolta de Princesa. A memória do
quilombo nos revela as atrocidades do referido coronel, e estão registradas em cantigas
ainda hoje lembradas pelos mais velhos. Em Livramento, em cujas terras os cangaceiros se
refugiavam e lutavam, incluindo os quilombolas na luta, seja do lado amigo ou do lado
oposto. Essa memória do medo dificulta a obtenção de informações sobre esse período dos
moradores do Fonseca.

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Em Tavares, nos anos de 2006 e 2007, durante a realização de um estudo


socioantropológico, junto à comunidade quilombola de Domingos Ferreira, foi possível
compreender a participação, ou os as consequências da guerra na comunidade. Em
entrevista gravada em 18/07/2007, a senhora Maria Antônia da Conceição, conhecida por
Preta de Ananias, oficialmente a mulher mais velha do município, nos contou um
pouco da sua história de vida e da comunidade. Era contundente ao afirmar sua origem
negra e resgatar a memória dos seus antepassados. Dona Preta, ou Mãe Preta, era filha de
uma escrava, que foi pega a dente de cachorro, e afirmava que seus avós falavam que
vieram fugidos de lugares distantes, e outros negros fugidos se instalaram em várias
partes da pequena região. Para ela, era possível a existência de muitos parentes morando
em outros sítios do município de Tavares.
Ao longo da entrevista, Dona Preta, evidencia a imagem de João Pessoa como alguém
perverso que queria invadir Princesa. Para ela, o povo havia sido chamado pra defender a
terra do inimigo, um homem poderoso e mal e que iria trazer sofrimento para todos. Nesse
sentido, ainda perdura no imaginário social local, a ideia de que João Pessoa era o
presidente da República e que o coronel Zé Pereira, lutou contra toda a nação. Dois versos
de autoria do poeta e cantador de reizado Mané de Laíde, citados na epígrafe do
texto, evidenciam um pouco do imaginário que se formou em torno destes personagens da
Guerra de Princesa.
Os relatos mostram uma comunidade assustada e profundamente amargurada
diante da sua cidade completamente devastada. A igreja, por exemplo, foi completamente
destruída, o que afetou a vida da comunidade profundamente religiosa. Eis a narrativa de
Dona Maria de Genival.
Tem que usar a roupa branca. A gente vinha do [sítio] Domingo Ferreira de
a pés, chegava aqui na rua e ia pra casa de algum conhecido pra lavar
os pés e trocar de roupa, porque num ia vim do sítio já vestida na roupa
branca. E era eu e as outras tudim. Aquele mundo de gente, tudo de pés pelas
estrada pra vim pra missa do Coração de Jesus. E é assim até hoje, a
roupa branca já foi deixado marcado pra usar, a gente tem que usar. Eu
merma sempre vou de branco nas primeira sexta e com a fita no pescoço.
Olhe quando você reparar você conhece assim, a fita larga é zelador e a
estreita e dos associados. Eu sou zeladora, minha fita é larga, pode ver aqui.

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Mais no tempo da guerra foi sufrimento. Derrubaram a igreja. Assim o povo


conta. Foi tempo ruim (Maria de Genival, 26/06/2010).

Os depoimentos que temos, em relação à Guerra de Princesa, nos fazem


perceber a sensibilidade de um espírito de consciência coletiva. No fundo, todas as
memórias vão contribuindo na elaboração de uma identidade que alimenta todo um
imaginário social. O ato de (re)lembrar, longe de constituir um ato puro e simples, permite
confrontar os territórios do passado e o espaço conquistado, ao mesmo tempo em que
legitima as experiências vividas.

A guerra travada naquelas terras provocou nos habitantes do lugar, a criação de


um conjunto de representações e sentimentos carregados de paixões e emoções em torno
da luta e da figura do coronel José Pereira. Essas representações dão contornos diverso ao
conflito que, para a população em geral, assume outras motivações.

Conclui-se, portanto, que a memória dos indivíduos é (re)construída sob


um fundamento comum, concordando permanentemente com as memórias dos demais
indivíduos e apoiando-se nos diversos pontos de contato entre si. Assim, Halbwachs
(Op. cit., p.34) aponta a necessidade de uma comunidade afetiva, como sendo um fator
vital para subsistência do grupo, ou seja, nenhuma memória pode existir se os
indivíduos não mantêm vínculos pessoais entre si. Sendo assim, o afastamento do grupo
e dos pontos de concordância com as memórias dos indivíduos que o compõem, geraria
o esquecimento, que aqui, constitui uma parte do desaparecimento da coletividade. Na
compreensão de Pollak, (1989, p.7-8) a construção da memória coletiva seria uma
forma de manutenção da coesão de grupos e instituições, definindo e reforçando
sentimentos de pertença e fronteiras sociais entre grupos distintos dentro da sociedade.

A memória estaria então relacionada aos grupos dos quais fez parte, melhor
dizendo, a memória do homem seria produto do seu processo de interação com os

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DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.

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diversos grupos, família, classe social, escola, grupos com os quais tivesse
mantido uma relação de pertencimento.

Esse seria o ponto chave para pensar a inserção da história oral no campo da
memória ou as dificuldades em separar uma da outra. Isso porque, embora a história oral
se constitua como recurso privilegiado na captação das lembranças desses velhos
zeladores/rezadores, tornando essa memória uma fonte alternativa para a
interpretação da história local e das mudanças sociais consideradas a partir da lógica
dos sujeitos que as vivenciaram ela é sempre uma história do tempo presente. De fato, a
história oral é um documento que não se projeta para um passado longínquo, mas que
possibilita trazer para o plano do pesquisador o registro da própria reação vivida dos
acontecimentos e fatos históricos (MONTENEGRO,1994). Como resultado, teremos um
documento fundamental para este estudo, a fala do narrador, que ao recompor sua vida
pessoal traz à tona, com a sua lógica própria, a dimensão da coletividade.

FONTES ORAIS:
Maria de Genival. Entrevista gravada em 26/06/2010.

Preta de Ananias. Entrevista gravada em


18/07/2007.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA,
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GT 16 - HISTÓRIA INDÍGENA E ARQUEOLOGIA NAS AMÉRICAS

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II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA,
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ISSN:

Prof. Dr. Jorge Eremites de Oliveria-UFP

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