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C APÍTULO 5

Modelos e Organização de Currículo na


Educação Básica

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

33Caracterizar dois modelos clássicos do currículo: Tyler e Freire, analisando


seus impactos para a educação básica brasileira e no mundo.

33Identificar outros modelos de organização de currículo com base em enfoques


globalizadores (apresentados por ZABALA), visando à compreensão dos
aspectos interdisciplinares e transdisciplinares do currículo escolar para a
Educação Básica.
Estruturas Curriculares - Inter e Transdisciplinaridade

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Modelos e Organização de Currículo
Capítulo 5
na Educação Básica

Contextualização
Conforme já vimos no primeiro capítulo, há uma polissemia em torno do
que comumente se entende por currículo escolar. Historicamente, o currículo
tem sido compreendido como um conjunto de disciplinas com os respectivos
conteúdos a serem estudados. Obviamente, isso não impede que se tornem
elementos integrantes de um currículo escolar.

No entanto, há diferentes formas ou modelos de organização curricular.


Quando tratamos do histórico do currículo, passamos por vários movimentos
do campo, mas não necessariamente pelas suas formas de organização, foco
deste capítulo. Já que conhecemos uma série de definições para o currículo,
vamos identificar o currículo escolar por aquuilo que, atualmente, não o resume:

[...] o currículo não é mais entendido, simplesmente, como


sendo a relação e distribuição das disciplinas, com a sua
respectiva carga horária. Não é, também, o número de horas-
aula e dos dias letivos. [...] não se constitui apenas por uma
seriação de estudos [...] ou uma listagem de conhecimentos
e conteúdos [...]. O currículo não deve ser concebido apenas
como uma relação de conteúdos ou conhecimentos delimitados
ou isolados, estabelecendo tópicos estanques, numa relação
´fechada´, sem uma integração envolvente e ampla com
todas as dimensões do conhecimento. [...] O currículo não
é algo restrito somente ao âmbito da escola ou da sala de
aula. (MENEGOLLA; SANT ANNA, 1993, p. 50-51).

Diante desta compreensão de currículo, fica o desafio: Como organizar


um currículo, de modo que contemple os conteúdos e as necessidades
da comunidade escolar? Existem modelos mais ou menos adequados?
Neste capítulo, o que se pretende é apresentar dois modelos clássicos de
organização do currículo: o modelo Tyler e o modelo Freire. Ambos já foram
citados nos capítulos anteriores; no entanto, aqui pretendemos explorá-
los quanto às etapas de organização de um currículo. Além destes dois
modelos, apresentaremos outros modelos considerados por Zabala (1998)
como enfoques globalizadores e que são organizados numa perspectiva
interdisciplinar e transdisciplinar. Conhecer estes diferentes modelos é
fundamental para os profissionais da educação, pois, no momento em que
forem organizar algum programa ou currículo escolar, terão elementos teóricos
e práticos para fazer sua seleção, justificando sempre o seu processo de
escolha por um ou por outro.

Então, vamos lá! Convidamos você a se ligar neste processo, para melhor
aproveitar seus estudos e melhor desenvolver suas práticas.

Diante deste elenco de coisas que não se resumem a um currículo escolar,


vamos recuperar um pouco daquilo que já estudamos no primeiro capítulo,

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Estruturas Curriculares - Inter e Transdisciplinaridade

na tentativa de entender melhor o que poderia ser um currículo escolar e os


modelos teórico, epistemológico e prático. Por exemplo, para Menegolla e
Sant`Anna (1993, p. 51),

[...] o currículo é algo abrangente, dinâmico e existencial. Ele


é entendido numa dimensão que envolve todas as situações
circunstanciais da vida escolar e social do aluno. [...]; é a
escola em ação [...]; é o interagir de tudo e de todos que
interferem no processo educacional da pessoa do aluno.

Neste momento, talvez você esteja pensando: existe um modelo


adequado? Ou, quais são os modelos existentes e o que representam?

Atividade de Estudos:

Vamos pensar um pouco sobre isso. Use o espaço a seguir e faça


os seus registros, a partir das questões reflexivas anteriormente
referenciadas.
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Difícil, não? Bom, continuemos! Vamos fugir dos binarismos e assumir


que não há modelos certos ou errados. No entanto, há modelos que trazem
subjacentes diferentes de ver o mundo, estar no mundo e de ser no mundo.
Ou seja, cada modelo traz implicitamente formas didáticas e pedagógicas
de explorar o conhecimento, concepções de aprendizagem, de ensino, de
avaliação, de relação professor X aluno, entre outros. Isso significa dizer que
cada um representa um conjunto de valores, crenças e ideologias, que vão
sendo incorporadas pelos alunos no fazer pedagógico de sala de aula ou de
qualquer ambiente de aprendizagem da escola.

É com este objetivo que vamos apresentar alguns modelos neste


capítulo, ou seja, de compreender que ênfases cada um traz em seu bojo e
que escolhas iremos fazer na escola, dependendo do tipo de seres humanos

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Modelos e Organização de Currículo
Capítulo 5
na Educação Básica

que pretendemos formar. Dito de outra maneira, que tipo de personalidades


pretendemos construir, formar ou deformar. Às vezes, o trabalho da escola traz
impactos muito negativos em nossas subjetividades ou personalidades.

Dito isto, é importante dizer que, nesta primeira parte do capítulo, vamos
apresentar dois clássicos do campo: o primeiro, o modelo Tyler, que representa
uma concepção tradicional de currículo e se situa num paradigma técnico-
linear. O segundo, o modelo Freireano, que representa uma concepção crítica
e de ruptura com o modelo anterior, situando-se num paradigma dinâmico-
dialógico. Ambos os paradigmas já foram tratados no capítulo 2.

Modelos Clássicos de Currículo: Tyler e


Freire
O modelo Tyler é representado em sua obra imortal, intitulada: Princípios
básicos de currículo e ensino. Foi publicado em 1949, logo após a Segunda
Guerra Mundial, e se destacou como a produção teórica mais utilizada no
desenvolvimento de currículos, nos Estados Unidos e no mundo, incluindo o
Brasil. Seu modelo e sua obra se destacam pela objetividade e concisão. “[...] ele
apresenta a sequência e os procedimentos para planejarmos, organizarmos e
avaliarmos os currículos, com base em objetivos ou propósitos pré-determinados
por especialistas” (GESSER, 2002, p. 76). Sua imortalidade está associada,
segundo Pedra (1997, p. 40), a uma simples premissa: “[...] a clareza e a
linearidade da base racional, elaborada por Tyler, o que o torna um guia simples e
seguro para a elaboração, o desenvolvimento e a avaliação do currículo.”

Obra Clássica:

TYLER, Ralf W. Princípios Básicos de currículo e Ensino.


Porto Alegre: Ed. Globo, 1974 (edição esgotada).

Em outras palavras, podemos dizer que esta obra de Tyler consiste em


orientações sobre “[...] como selecionar os objetivos e como selecionar as
estratégias de aprendizagem, como organizar essas experiências e como
avaliar sua eficácia” (SANTOS; MOREIRA, 1995, p. 48). Isso é colocado em
seu texto, em forma de quatro questões básicas, e que

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Estruturas Curriculares - Inter e Transdisciplinaridade

[...] devem ser respondidas quando se desenvolve qualquer


currículo e plano de ensino. Ei-las aqui: 1. Que objetivos
educacionais deve a escola procurar atingir? 2. Que
experiências educacionais podem ser oferecidas que tenham
probabilidade de alcançar esses propósitos? 3. Como
organizar eficientemente essas experiências educacionais?
4. Como podemos ter certeza de que esses objetivos estão
sendo alcançados? (TYLER, 1974, p. 1).

Para elaborar uma Com base nisso, seu modelo se resume em questões bastante técnicas,
proposta curricular conforme vimos no esquema que elaboramos no primeiro capítulo. Por
devia-se levar em exemplo, para elaborar uma proposta curricular devia-se levar em conta três
conta três fontes: fontes (aluno, sociedade e matéria) de onde se definiriam os objetivos
aluno, sociedade educacionais de forma ampla; isto é: seria preciso fazer um diagnóstico
e matéria. sobre os próprios alunos, sobre o cotidiano na sociedade e sugestões de
especialistas nas matérias do currículo. Esta primeira etapa geraria uma
imensidão de objetivos. Por isso, estes seriam submetidos a dois grandes
filtros teóricos: a filosofia e a psicologia da aprendizagem.

A partir desses filtros, então, seriam definidos “objetivos educacionais


precisos” a serem ensinados pela escola. Tal precisão estava relacionada
às mudanças de comportamentos, que deveriam ser observados nos alunos,
no final de uma unidade. Sendo assim, Gesser (2002) afirma que a proposta
curricular de Bobbit e de Tyler guardava semelhanças, pelo seu caráter
técnico, embora houvesse distinções em ambos. Com base nos “objetivos
educacionais precisos”, já definidos, haveria a necessidade de identificar que
experiências educacionais seriam capazes de proporcionar o alcance desses
objetivos (comportamentais). Após essa identificação, estas experiências que
deveriam ser eficientemente organizadas, seriam rigorosamente avaliadas
em função dos objetivos previamente determinados.

É fundamental salientar que o modelo curricular elaborado por Tyler foi o


mais influente no campo curricular nas décadas que o sucederam e, até hoje,
se constitui num marco na história do currículo escolar, em todo o mundo. Nem
os americanos conseguem eleger outro. (MOREIRA, 1990). De acordo com
Pedra (1997, p. 39), esta não era a pretensão de Tyler, até porque ele instigava
seus estudantes de currículo a buscar e desenvolver outras propostas. No
entanto, sua pretensão era a de desenvolver uma base racional “[...] para
considerar, analisar, e interpretar o currículo [...].” Eis o modelo Tyler!

Pense por um instante na sua escola, seja como profissional


da educação ou como aluno. Você consegue identificar, no
currículo dessa escola, alguma evidência do modelo Tyler?

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Modelos e Organização de Currículo
Capítulo 5
na Educação Básica

Em contraposição ao velho e clássico modelo Tyler, apresentamos o


modelo de Paulo Freire. Em busca de um modelo de escola democrática, que
dá vez e voz a seus atores, ele o concretiza nos preceitos da coletividade, em
que a participação é premissa para o processo de mudança acontecer. Nesta
ótica, Freire (1987, p. 43) argumenta que

uma das grandes, se não a maior, tragédia do homem


moderno, está em que ele é hoje denominado pela força dos
mitos e comandado pela publicidade organizada, ideológica
ou não, e por isso vem renunciando cada vez mais, sem
o saber, à sua capacidade de decidir. Vem sendo expulso
da órbita das decisões. As tarefas de seu tempo não são
captadas pelo homem simples, mas a ele apresentadas por
uma “elite” que as interpreta e lhes entrega em forma de
receita, de prescrição a ser seguida.

Diante disso, sugere o que se faz há muito tempo, até que se possa pensar
em algo novo. Acreditar no melhor para nossos alunos é investir no diferente,
é também duvidar daquilo que se acredita saber fazer corretamente. Para
isso, Freire (1987) considera a palavra mais que instrumento, ela representa
a origem do diálogo. Ela abre a consciência para o mundo e com o mundo. A
palavra na coletividade deve ser criadora, do contrário, a palavra repetida é
monólogo das consciências que perderam sua identidade, ficando submissa
ao silenciamento. Nesta perspectiva, diz o autor:

É próprio do pensar certo a disponibilidade ao risco, a


aceitação do novo, que não pode ser negado ou acolhido
só porque é novo, assim como o critério de recusa ao velho
não é apenas o cronológico. O velho [sic] que preserva
sua validade, ou que encarna uma tradição, ou marca uma
presença no tempo, continua novo. (FREIRE, 1996, p.35).

Segundo Costa (2009), diferentemente do “silêncio que escuta” e sua


importância no espaço da comunicação, na conquista da dialogicidade
o importante é a construção participativa do currículo. Isso se confirma em
relação aos modelos tradicionais de currículo, pois, como afirma Freire (1987),
é intolerável aceitar a educação “bancária”, na qual a possibilidade de ação
oferecida aos alunos é a de receptores ou de depositários.

É intolerável o direito que se dá a si mesmo o educador


autoritário de comportar-se como o proprietário da verdade
de que se apossa e do tempo para discorrer sobre ela.
Para ele, quem escuta sequer tem tempo próprio pois o
tempo de quem escuta é o seu, o tempo de sua fala. Sua
fala, por isso mesmo, se dá num espaço silenciado e não
num espaço com ou em silêncio. Ao contrário, o espaço
do educador democrático, que aprende a falar escutando,
é cortado pelo silêncio intermitente de quem, falando, cala
para escutar a quem, silencioso, e não silenciado, fala.
(FREIRE, 1996, p. 117).

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Estruturas Curriculares - Inter e Transdisciplinaridade

O modelo freireano tem como propósito a conscientização dos sujeitos,


para que possam refletir criticamente sobre sua situação, seu modo de ser e
estar no mundo e, desta forma, superar as desigualdades e injustiças sociais,
buscando a humanização da sociedade.

Para tanto, novos currículos são necessários, pois

o conteúdo curricular, para se constituir em instrumento


de conscientização e emancipação do oprimido, precisa
corresponder à reapresentação organizada, sistematizada e
desenvolvida, aos indivíduos, das coisas que eles desejam
entender melhor. Como consequência, o ponto de partida
da seleção e organização do conteúdo curricular deve
ser a situação existencial presente e concreta dos alunos.
(MOREIRA, 1990, p. 129).
Para Freire (1996), a
prática curricular crítica
envolve “o movimento Para Freire (1996), a prática curricular crítica envolve “o movimento
dinâmico, dialético, dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer”. Segundo este
entre o fazer e o autor, os sujeitos envolvidos nesta prática são “epistemologicamente curiosos”
pensar sobre o fazer”. e, por estarem “pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem, [é] que
se pode melhorar a próxima prática”. Em sua perspectiva, os professores e
alunos, bem como toda a comunidade escolar, se constituem agentes ativos
no processo de desenvolvimento do currículo.

Diante desta reflexão, percebemos que “[...] a prática pedagógica [e


curricular] é uma práxis, não uma técnica. E investigar sobre a prática não
é o mesmo que ensinar técnicas pedagógicas” (SÁCRISTAN, 2002, p. 82).
O mesmo acontece com o currículo escolar. Segundo Freire (1995, p. 98),
“nem a educação e tampouco o desenvolvimento do currículo [...] é redutível à
técnica, mas não se faz educação sem ela.” Sendo assim, ao propor à prática
curricular que os agentes de seu desenvolvimento e implementação façam a
leitura e a compreensão a partir de um diagnóstico das práticas pedagógicas,
buscamos romper com a mera transmissão/repasse de técnicas pedagógicas,
o que não é a prática, como salienta o autor. A prática é ação, a qual dispõe de
um conjunto de técnicas e recursos que possibilitam seu desenvolvimento no
processo de ensino e de aprendizagem, e que se constitui na e pela intenção.
Segundo Haas (2001), é a ação exercida que passa por uma elaboração
teórica sempre em construção, sempre realizada, praticada com os autores,
com os sujeitos que re-constroem/re-elaboram o conhecimento; é um
movimento dialético, uma ação que identifica o praticante, dá sentido ao seu
modo de ser, agir e sentir.

Ramalho, Nuñez e Gauthier (2004) afirmam que, para dar conta dos
desafios postos ao campo, a organização curricular precisa pensar em novas
dinâmicas de construção da profissão, como redes complexas, que nos

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Modelos e Organização de Currículo
Capítulo 5
na Educação Básica

levam a novas concepções sobre as disciplinas, as relações disciplinares e a


formação de competências.

O currículo, mais que um conjunto de “competências


que devem ser formadas”, constitui-se de experiências
significativas, nas quais se constrói o fazer-pedagógico,
em um contexto sócio-histórico dado, que se organiza de
diversos modos para aproximar-se à intenção formativa
do “modelo profissional” de cada agência formadora como
O currículo, numa
espaço de inovação pedagógica. (RAMALHO, NUÑEZ E
GAUTHIER, 2004, p.136). perspectiva
problematizadora
[...], não é uma
É nesta linha de pensamento que se articula um processo de
doação ou uma
desenvolvimento curricular com base no modelo Freireano. Seu foco está
imposição [...], mas a
situado na problematização e na investigação, por exemplo, a partir de
devolução organizada,
temas gerados no contexto da escola da sua comunidade. O currículo, numa sistematizada e
perspectiva problematizadora [...], não é uma doação ou uma imposição [...], acrescentada, ao
mas a devolução organizada, sistematizada e acrescentada, ao povo, daqueles povo, daqueles
elementos que este lhe entregou de forma desestruturada.” (FREIRE, 1987, elementos que este
p. 83-84). Assim, seus principais princípios para o desenvolvimento curricular, lhe entregou de forma
segundo Gesser (2001) são: contextualização, problematização da prática desestruturada.”
escolar, construção e reconstrução coletiva, autonomia, projeção crítica, (FREIRE, 1987, p.
processo democrático, diálogo, autêntica relação professor-aluno, 83-84).
solução de problemas, transformação social e humanização.

Diante desses princípios, que devem ser levados em conta no processo


de organização curricular, este processo deveria se constituir de várias etapas,
de acordo com Freire (1995) e Gesser (2001):

• No primeiro momento, especialistas de várias áreas do conhecimento


devem reunir-se para estudar os diferentes movimentos educacionais.

• No segundo momento, estes especialistas devem reunir-se para dialogar


com as escolas e suas comunidades. Estas duas primeiras etapas irão
compor o primeiro nível deste processo, o qual consistirá no diagnóstico
das necessidades e desejos desses sujeitos. Além do diagnóstico, é o
momento de problematização e sistematização, envolvendo todo o
sistema na determinação de objetivos e estrutura básica.

• No terceiro momento, este se daria em cada escola, se construiriam os


projetos pedagógicos de cada unidade escolar, com apoio dos especialistas
necessários. Nesta etapa, a partir dos objetivos e estrutura definida para
o sistema como um todo, cada escola definiria sua metodologia e
prática de currículo. Freire (1987) sugere como processo de seleção e
organização dos conteúdos, os temas geradores como um caminho viável,
entre outros possíveis.

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• Por fim, a avaliação da implementação deste currículo deve se constituir


como um processo sistemático continuo, com base num programa intenso
e continuo de formação continuada.

Eis ai um modelo alternativo para o desenvolvimento do currículo, com


base em Freire e nas teorias críticas deste campo. Você deve estar pensando:
Seria isto tão simples quanto sugerir? Obviamente que não! No entanto,
pesquisas e experiências já realizadas mostram que este modelo é uma
possibilidade e uma realidade em alguns lugares.

Atividade de Estudos:

Use o espaço a seguir para registrar a síntese desta parte do capítulo.


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Enfoques Globalizadores de Currículo


A educação e o mundo contemporâneo sofrem transformações estruturais
significativas com o advento das novas tecnologias por meio dos avanços da
Ciência. O processo histórico do desenvolvimento da ciência e da tecnologia
universalizou os meios de vida do homem moderno, proporcionando
situações objetivas para que ele seja, simultaneamente, universal e local.
Essas transformações vivenciadas pela humanidade, neste novo milênio,
estão diretamente ligadas com o desenvolvimento das novas tecnologias da
comunicação e da informação que, atualmente, ganham ênfase a partir do
movimento de aproximação entre as diversas indústrias do setor tecnológico
(de equipamentos, eletrônica, informática, telefone, cabos, satélites,
entretenimento e comunicação). Esta situação potencializa as condições de
comunicação entre as pessoas e as organizações empresariais ou educativas,
nos mais diversos setores do contexto global e local. No entanto, como em toda

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Modelos e Organização de Currículo
Capítulo 5
na Educação Básica

era de transição, coexistem, neste mesmo período de tempo e espaço, valores


antigos (ligados aos velhos paradigmas da sociedade, do currículo, etc) com
os valores deste mundo em transformação; ou seja, valores conectados com
paradigmas da sociedade emergente ou da emergência de novos modelos
curriculares. Tais transformações, na argumentação de Moraes (1997),
estão relacionadas com a emergência de uma sociedade global e digital não
percebida anteriormente.

Na concepção de Moraes (1997, p. 125), “a interconectividade que se


observa na sociedade atual vem sendo multiplicada, sem precedentes, na
história da humanidade, em virtude de uma globalização cada vez maior
que, apesar de enfrentar obstáculos e tentativas de interrupção, continua o
seu processo em marcha”. Este contexto tem evidenciado sinais marcantes
de um novo ciclo para a humanidade, ampliando os espaços de convivência
com a cultura, com a informação, com os meios produtivos e com as redes de
conhecimento em toda a esfera do globo

Diante desse contexto, marcado por inúmeras transformações, as práticas


curriculares escolares entram em pauta como um dos mais importantes
aspectos a serem discutidos em torno da escola. Embora estejamos
vivenciando esse contexto de transformações no cenário mundial e local,
pelas pesquisas que temos recentemente realizadas, o currículo parece ter
sido pouco transformado. A prática de currículo que se observa ainda nas
escolas, especialmente na educação básica, constitui-se por um paradigma
epistemológico positivista, o qual se configura por aspectos de um saber pronto
e acabado em si mesmo, organizado e sequenciado linearmente e transmitido,
na maioria das vezes, verbalmente pelo professor (modelo Tyler). Diante disso,
verificamos a importância de se refletir sobre esta prática de currículo, ainda
em curso, pelo fato de estarmos vivendo em tempos pós-modernos, o que
significa dizer que necessitamos de práticas ou modelos que tenham por base
outro paradigma; ou seja, que concebam os conhecimentos e práticas como
espaço conceitual, no qual se constroem novos saberes, como: resultados
sempre contraditórios de vários processos históricos, culturais, sociais, etc.
(CUNHA, 2005). Nesse cenário de constantes modificações que se tem
refletido na escola, é que nos propomos a apresentar modelos curriculares
menos autoritários, e mais comprometidos com os processos de ensinar e
aprender. Portanto, o currículo e o ensino podem ser caracterizados

[...] como prática reflexiva [que está] estabelecida como


uma tendência significativa nas pesquisas em educação,
apontando para a valorização dos processos de produção
do saber docente a partir da prática e situando a pesquisa
como um instrumento de formação de professores, em que
o ensino é tomado como ponto de partida e de chegada da
pesquisa. (PIMENTA, 2002, p. 22).

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Estruturas Curriculares - Inter e Transdisciplinaridade

É neste momento que iremos apresentar alguns modelos que, segundo


Zabala (1998), se apresentam como modelos por métodos globalizadores
do conhecimento e com o qual preconizam práticas interdisciplinares e
Os centros de
transdisciplinares no âmbito das escolas. Por conseguinte, os desejos de
interesse, os projetos,
a investigação do seus construtores e implementadores do currículo constituem ferramenta
meio e os projetos de fundamental. São eles: Os centros de interesse, os projetos, a investigação
trabalho. do meio e os projetos de trabalho. Para Zabala (1998, p. 142), esses métodos
globalizadores não tomam as disciplinas como finalidade básica do ensino;
elas se constituem, sim, como meios ou instrumentos, que têm como papel
subsidiar o alcance dos objetivos educacionais.

Nos métodos globalizados, a aproximação ao fato educativo


se realiza a partir da perspectiva de como os alunos
aprendem e, secundariamente, do papel que devem
desempenhar as disciplinas e a maneira como os alunos
podem aprendê-las melhor. [...]Trata-se de perspectivas
totalmente diferentes, mas estreitamente vinculadas, já que
nem no caso um se prescinde das disciplinas, nem no outro
se esquece dos alunos. (ZABALA, 1998, p. 142).

Nesta linha de organização curricular, o aluno é o principal protagonista.


Os Centros de Interesse, por exemplo (de Decroly), partem “[...] de um núcleo
temático motivador para o aluno e, seguindo o processo de observação,
associação e expressão, integram diferentes áreas do conhecimento.” Já o
método de Projetos (de Kilpatrick) consiste basicamente “[...] na elaboração
e produção de algum objeto ou montagem (uma máquina, um audiovisual,
um viveiro, uma horta escolar, um jornal, etc).” De forma mais sistemática e
científica, o Estudo do Meio (do MCE – Movimento de Cooperazione Educativa
de Itália) [...] busca que meninos e meninas construam o conhecimento através
da sequência do método científico (Problema, hipótese, experimentação).”
E, por fim, os Projetos de Trabalhos Globais, que têm como finalidade [...]
conhecer um tema: tem de se elaborar um dossiê como resultado de uma
pesquisa pessoal ou em equipe” (ZABALA, 1998, p. 146).

Seu modus operandi também está fundado no método científico.


Identifique seus pontos de partida e etapas de realização no quadro a seguir:

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Modelos e Organização de Currículo
Capítulo 5
na Educação Básica

Quadro 5: Síntese das fases de realização dos


enfoques Globalizadores de ZABALA

PROJETOS DE
CENTRO DE PROJETOS INVESTIGAÇÃO
TRABALHOS
INTERESSE DE KILPATRICK DO MEIO
GLOBAIS

PONTO DE Situação real. Situação real. Situação real. Situação real.


PARTIDA - Tema a ser Projeto a ser Perguntas ou Elaboração de
INTENÇÃO conhecido realizado questões dossiê
- Escolha
- Motivação
do tema

- Perguntas
- Planeja-
- Observação
mento
- Suposições
- Associação:
- Busca de
- Intenção - Medidas de
informação
. espaço informação
- Preparação
- Sistemati-
. tempo - Coleta de
FASES zação da
- Execução dados
informação
. tecnologia
- Avaliação - Seleção e
- Desenvol-
. causalidade classificação
vimento
do índice
- Expressão - Conclusões

- Avaliação
- Expressão
e comu-
- Novas
nicação
perspectivas
Fonte: Zabala, 1998, p. 145.

Leia mais detalhes sobre estes enfoques em:

ZABALA, Antony. Enfoque globalizador e Pensamento


complexo: uma proposta para o currículo escolar. Porto Alegre:
ARTMED Editora, 2002.

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Estruturas Curriculares - Inter e Transdisciplinaridade

Para melhor compreensão, vamos ao detalhamento do que consiste cada


fase; ou melhor, como realizar cada fase de cada método (ZABALA, 1998, p.
147-154):

Centros de Interesse: Conforme quadro apresentado anteriormente, os


Centros de interesse constituem-se em três fases distintas:

a) Observação: constitue-se de um conjunto de atividades que têm por


objetivo colocar os alunos em contato direto com os fatos, as coisas, os
seres, os conhecimentos, para identificar, por meio de atividades de cálculo,
experimentação, expressão oral e escrita, desenho, entre outros, o principal
ou os principais temas de interesse dos alunos.

b) Associação: Constituído pelos exercícios de associação. As crianças


relacionam suas observações com outras situações e realidades, não-
suscetíveis de contato e observação direta. Por exemplo, atividades de
associação no espaço e no tempo, vinculadas às áreas de geografia e
história; atividades de associação com as tecnologias e de relação com
às necessidades sociais mais amplas, bem como associações de causa e
efeito.

c) Expressão: Consiste na demonstração e sistematização dos dados


adquiridos mediante a observação e os exercícios de associação de
maneira concreta. Na expressão, podem ser utilizados trabalhos manuais,
trabalhos escritos e falados, bem como artísticos, como a música, o
desenho, e outras formas de representação e tradução dos conhecimentos
adquiridos. Ela expressa a sistematização das aprendizagens.

O Método de Projetos de Kilpatrick: De acordo com o quadro


anteriormente apresentado, este método se configura a partir de quatro fases:

a) Intenção: Consiste num debate com os alunos e coordenado pelos


professores sobre diferentes possibilidades de projetos a serem
desenvolvidos. Juntos escolhem o que e como organizar: em grupos
pequenos, toda a classe ou individual. Além disso, mapeiam as caraterísticas
gerais do que querem fazer e os objetivos que pretendem alcançar.

b) Preparação: Consiste na montagem ou realização do projeto. Define-se


com precisão o projeto que se quer realizar. Além disso, definem-se as
etapas para sua realização e os diferentes meios e/ou recursos, materiais,
informações para o alcance do previsto em tempo hábil.

c) Execução: Agora, de posse do planejamento, inicia-se a execução do


projeto, conforme foi estabelecido. Técnicas e habilidades de diferentes
áreas serão envolvidas em função das demandas que vão sendo originadas
pelo próprio projeto.
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Modelos e Organização de Currículo
Capítulo 5
na Educação Básica

d) Avaliação: Após a conclusão ou montagem do projeto, comprovar-se-á a


validade do produto realizado. Será analisado como foi a realização de todo
o processo, inclusive a participação dos alunos em cada atividade projetada
e realizada.

A Investigação do meio: Este método compreende dez fases para sua


realização completa. Trata-se de um método mais abrangente e compreensivo,
sendo, por isso, de maior complexidade científica. Suas fases são:

a) Motivação: Esta fase consiste em colocar os alunos diante de situações


relacionadas às suas experiências de vida, com o objetivo de os incentivar
e desafiar nos seus interesses e motivações. Um debate sobre essas
situações levará o grupo à definição de temas ou de um tema escolhido
para o estudo.

b) Perguntas ou Problemas: Consiste em identificar, a partir do debate,


perguntas ou problemas que deverão ser resolvidos. Em grupo (maiores,
menores) ou individualmente, serão selecionados e classificados os
problemas ou perguntas que se constituirão objeto de pesquisa.

c) Respostas Intuitivas ou hipóteses: Consiste nas suposições ou respostas


que os alunos já trazem, intuitivamente, a partir de seus conhecimentos
prévios. Elas funcionam como estímulos que os conduzirão à pesquisa e
podem orientá-los quanto aos meios e instrumentos que poderão utilizar na
realização da mesma

d) Determinação dos instrumentos para a busca da informação: Consiste


em definir, de acordo com a natureza dos objetos de pesquisa, os
instrumentos (visitas, entrevistas, experimentos, etc) e fontes de informação
(artigos, livros, dados estatísticos, mapas, etc), para a busca de informações
que possam responder aos problemas ou perguntas da pesquisa, contando
inclusive com as informações/aulas dos professores.

e) Fontes de Informação e planejamento da investigação: Consiste em


planejar as etapas e formas de busca das informações, com esboços
previamente conhecidos e um planejamento que possa prever ajustes, caso
seja necessário.

f) Coleta de Dados: Esta fase trata efetivamente da coleta dos dados ou das
informações necessárias, de acordo com o planejamento prévio, realizada
pelos estudantes por meio dos diferentes meios e fontes, com o objetivo de
juntar informações que respondam ao objeto de pesquisa em questão.

89
Estruturas Curriculares - Inter e Transdisciplinaridade

g) Seleção e classificação dos dados: De posse das múltiplas informações


e dados coletados, será o momento de sistematizar, pela seleção e
classificação das informações mais relevantes colhidas, para responder às
questões ou problemas iniciais levantados. É o momento em que os alunos
já começam a formular conclusões acerca do objeto estudado.

h) Conclusões: Consiste em confirmar ou validar as suposições iniciais


acerca do problema em estudo. Trata-se de explicar, a partir dos dados,
as principais conclusões possíveis e, desta forma, ampliar seu campo de
conhecimento.

i) Generalização: Nem sempre é possível generalizar os resultados de


uma pesquisa. No entanto, esta etapa consiste em descontextualizar
os resultados encontrados e tentar estender sua aplicação para outros
contextos.

j) Expressão e Comunicação: Consiste na socialização dos resultados da


pesquisa realizada em outros espaços, para além da sala de aula, por meio
de diferentes formas. Os resultados deste trabalho também deverão constar
nos cadernos de registros ou dossiês individuais de cada aluno participante
do projeto.

Os Projetos de Trabalhos Globais: Conforme quadro anteriormente


apresentado, este modelo constitui-se de sete fases distintas, porém, inter-
relacionadas. São elas:

a) Escolha do tema: Deve ser feita a partir de conhecimentos prévios,


de algum fato ou atualidade. Parte-se do pressuposto de que os alunos
devem trabalhar sobre algo e de uma determinada maneira. Por isso, são
propostos temas e alunos e professor, em conjunto, decidem qual será o
tema para o novo projeto.

b) Planejamento: Tendo escolhido o tema, em grupo ou individualmente,


elabora-se um sumário dos diferentes tópicos relacionados ao tema, que
farão a composição de um dossiê. Também se organizam o tempo e as
atividades que serão necessárias para a busca das informações que
responderão a cada tópico do sumário do dossiê. Com base nisso, o
professor determinará os objetivos de aprendizagem e conteúdos que
pretende trabalhar para expansão do tema.

c) Busca da Informação: O sumário comum que se construirá para o tema vai


configurar o roteiro do trabalho. Tendo definido os meios e as formas mais
apropriadas e possíveis, os alunos irão coletar as informações necessárias,
em grupo ou individualmente.

90
Modelos e Organização de Currículo
Capítulo 5
na Educação Básica

d) Tratamento da Informação: Este é o momento crucial do modelo. Do


volume de informações coletadas, os alunos deverão reconhecer e
selecionar o que é indispensável; identificar hipóteses, teorias, opiniões e
pontos de vista; desenvolver estratégias para trabalhar a diversidade de
meios e formas; classificar e organizar a informação de maneira lógica; tirar
conclusões e descontextualizar processos para generalizar resultados, caso
seja possível e, por fim, propor perguntas que suscitarão novas buscas.

e) Desenvolvimento dos tópicos do sumário: Com base nas informações


já selecionadas e organizadas, se elaboram os conteúdos, sínteses dos
diferentes tópicos que compõem o sumário.

f) Elaboração do Dossiê de síntese: Nesta etapa se realiza o que para todos


os alunos sintetiza o produto do projeto; ou seja, o que conduziu todas as
fases anteriores.

g) Avaliação: Consiste na avaliação das atividades internas, entre os alunos,


os quais reconsideram cada etapa, visando elencar o que aprenderam;
também avaliam-se , com a ajuda do professor , numa perspectiva de
caráter externo, os alunos, os quais têm de se aprofundar no processo
de descontextualização, tentando aplicar suas conclusões para situações
diferentes. Desta forma, se exercita a habilidade de estabelecer relações,
comparações e/ou generalizações que permitam a conceituação.

h) Novas perspectivas: Por fim, os resultados deste projeto abrem No entanto,


perspectivas para a continuidade de um novo projeto, ampliando, todos os métodos
desta forma, o grau de inter-relação e significados dos processos de globalizadores
aqui apresentados
aprendizagem.
possibilitam um
trabalho interdisciplinar
Em suma, estes não são os únicos modelos alternativos possíveis e
e, por vezes,
existentes. No entanto, todos os métodos globalizadores aqui apresentados transdisciplinar,
possibilitam um trabalho interdisciplinar e, por vezes, transdisciplinar, pois, em pois, em todos, a
todos, a característica básica é o interesse e a curiosidade dos alunos e não as característica básica
disciplinas. Estas, sim, se constituem como meios e processos que os levam às é o interesse e a
descobertas, a partir de diferentes abordagens, tanto do ponto de vista teórico, curiosidade dos alunos
quanto do aspecto prático. No item a seguir, vamos explorar melhor essas e não as disciplinas.
abordagens: multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade.

91
Estruturas Curriculares - Inter e Transdisciplinaridade

Atividade de Estudos:

Você conseguiu vislumbrar novos horizontes em termos de


modelos de organização do currículo escolar, a partir destes
enfoques? Esperamos que sim.

Para melhor sistematização de suas ideias, sugerimos que elabore


um texto -síntese deste item, no espaço que segue.
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Abordagens Interdisciplinares e
Transdisciplinares de Currículo
Uma reforma da educação para a cidadania envolve também
uma reforma dos educadores. Essa é a tarefa política,
cuja finalidade é fazer dos educadores cidadãos melhor
informados e agentes mais eficazes de transformação da
sociedade maior [...] ajudar os estudantes a desenvolver
uma consciência social maior, e uma preocupação social.
(GIROUX, 1986, p. 255).

A contribuição relevante de Giroux (1986) está na materialização de uma


abordagem emancipatória. Sua teoria tem com objetivo impedir práticas
hegemônicas, ou seja, práticas que visam a reprodução de uma ordem. Ele
reconhece que a ‘subjetividade’ é inquestionável no processo de conhecer e a
história tem visão de ‘possibilidade’; é um constante vir-a-ser, pois a pedagogia
crítica tem como principal objetivo autorizar os estudantes a intervirem na
própria autoformação. Isto é possível através da reflexão feita sobre o relato
da própria vida, pois, a partir do momento em que o sujeito passa a conhecer-
se, a refletir, analisar e apropriar-se da história, da própria história, sabe como
as subjetividades são produzidas e verifica como algumas marcas legitimam
um tipo particular de vida.

92
Modelos e Organização de Currículo
Capítulo 5
na Educação Básica

Giroux (1986) vê a pedagogia como espaço de “reconstrução social do


conhecimento”, bem como uma “esfera da política cultural”. Para esse autor,
confrontar os “tempos históricos” é relevante para pensar uma sociedade
fundamentada na esperança, libertadora, pois o campo de tensão é um espaço
de possibilidades e de resistência. Sinaliza os problemas reais como ponto de
partida para respostas que necessitam ser construídas pelos estudantes em
sua formação, na medida em que os indivíduos, segundo Giroux (1997, p. 15),
são ”tanto produtores quanto produtos da história”. Sendo assim, se o homem
faz sua história, pode transformá-la.

As escolas devem ser o locus onde as relações sociais democráticas


se tornem parte das experiências vividas. Assim, o fundamento desse
currículo deve ser tão profundamente histórico quanto crítico. Deve dirigir-
se às experiências pessoais e concretas, bem como reconhecer as múltiplas
linguagens e as formas de capital cultural. O currículo deve abandonar a
pretensão de ser isento de valor, e essa nova racionalidade terá que subordinar
os interesses técnicos às considerações éticas. Portanto, o currículo tem
que ser construído com ‘significado’ para o futuro, no qual se possam gerar
possibilidades de ‘emancipação’.

Nesse sentido, é relevante um currículo que cultive o discurso teórico-crítico


e reconheça a ‘singularidade’ e a necessidade individual dos sujeitos-alunos como
parte da realidade social específica. O aspecto ‘dialético’ do conhecimento
precisa ser desenvolvido como parte de uma pedagogia radical: desvelar
o oculto, clarificar as relações de poder, a cultura e a ideologia, considerar
as diferenças culturais individuais dos alunos, pois eles pertencem a grupos
econômicos e sociais distintos e não apenas às crenças e rotinas da escola.

Portanto, o currículo não está desconectado da realidade, do social, pois


é um ato político, cultural e historicamente determinado. Assim, o professor- Currículo não está
coordenador, organizador e instigador do processo educativo, precisa ser desconectado
um intelectual transformador, um político, para que o pensar, o ser e o fazer da realidade, do
educação aconteça em meio ao diálogo entre a história e a historicidade, social, pois é um
tanto dos seres, quanto do conhecimento que se pretende veicular no espaço ato político, cultural
educativo. Um conhecimento que passa a ser construído pelo caminho da e historicamente
determinado.
teoria e da prática, entrelaçadas pelas experiências individuais dos sujeitos
que se põem a conhecer. Giroux (1997) reconhece que a subjetividade é
inquestionável no processo de conhecer; a história para ele tem visão de
possibilidade, de vir-a-ser.

No prefácio da obra de Giroux, “Os professores como intelectuais”,


McLarem (1997) apresenta argumentos contra a visão tradicional do ensino e da
aprendizagem, como sendo um processo neutro ou transparente, afastado da
conjuntura de poder, da história e do contexto social. Questiona a escola como

93
Estruturas Curriculares - Inter e Transdisciplinaridade

sendo um mecanismo para o desenvolvimento da ordem social democrática e


igualitária. Salienta a importância de uma pedagogia que se impõe contra as
práticas ideológicas e sociais, que não objetivam a preparação de estudantes
para serem cidadãos críticos, participativos, ativos e capazes de correr riscos.
Nesse sentido, faz-se necessário pensar e selecionar abordagens, a partir
das quais os educadores possam desenvolver o relacionamento entre ensino
escolar e as relações sociais mais amplas dos sujeitos.

Para Giroux (1997, p. 15), a pedagogia crítica tem como principal


objetivo autorizar os estudantes a intervirem na própria autoformação.
Para tanto, os problemas reais devem ser tomados como ponto de partida
para respostas que necessitam ser construídas pelos estudantes em sua
formação, visto que os indivíduos são ”tanto produtores quanto produtos da
história”. Assim, precisam usar o conhecimento crítico para mudar, muitas
vezes, o próprio curso dessa história.

Nesse sentido, McLarem (1997) sinaliza a relevância de ter ressonância


entre os conteúdos que se trabalha na escola e as experiências da vida
dos alunos, tornando-a problemática, contextualizando política, histórica e
socialmente as próprias experiências. O comprometimento do professor com
uma abordagem emancipadora se faz necessária. Uma prática que prima
pela reconstrução social do conhecimento, ou seja, uma prática em que seja
possível confrontar os tempos históricos e perceber a tensão presente entre
o silêncio estruturado pela história e a luta libertadora fundada na esperança.

Nessa linha de pensamento, Santomé (1998, p. 150) ratifica esta


abordagem, ao mencionar que a educação democrática e não excludente

[...] não é aquela que trabalha com conteúdos culturais


fragmentados, que representam apenas a história, tradições,
produtos e vozes dos grupos sociais hegemônicos (em geral,
a denominada cultura européia, que representa os interesses
e valores dos grupos sociais com poder econômico, social,
político, militar e religioso). Ao contrário, uma educação
antimarginalizadora tem de ser planejada e desenvolvida
com base na revisão e reconstrução do conhecimento de
todos e cada um dos grupos e culturas do mundo.

Diante dos conhecimentos prévios dos nossos alunos, seus conceitos,


experiências de vida, concepções de vida, seus preconceitos, devem ser
tomados como ponto de partida para o trabalho de antimarginalização.
Esses conhecimentos, assimilados praticamente de maneira passiva,
devem ser submetidos à crítica, ao diálogo, construídos e reconstruídos
democraticamente, considerando-se as perspectivas de classe social,
gênero, sexualidade, etnia e nacionalidade. Nesta perspectiva, Costa
(2009) explica que para a construção de um modelo de currículo

94
Modelos e Organização de Currículo
Capítulo 5
na Educação Básica

antidiscriminatório faz-se necessária a reconstrução da história e da cultura


dos povos minoritários. Para que isto aconteça, é preciso promover debates
sobre as interpretações conflituosas do presente, identificar suas próprias
posições, interesses, ideologias e pressuposições. É preciso também
compreender como é elaborado, difundido e legitimado o conhecimento e
quais as influências na seleção e organização: os preconceitos, referenciais
e posições de poder inerentes.

Esta autora argumenta, ainda, que os propósitos de Williams,


Kress e Santomé (apud MOREIRA; SANTOS, 1995) sobre a seleção do
conhecimento escolar, demonstram, a preocupação hoje emergente em
nossa sociedade, de trabalhar com ênfase na diferença, na especificidade
e no pluralismo cultural. É perceptível como a seleção do currículo escolar
perpassa conflitos, lutas e negociações, nos quais emergem os saberes
escolares. O cuidado deve também ser dado às atividades que envolvem
estes saberes, que desenvolvem tanto conhecimentos e habilidades, como
consciência, disposições e sensibilidades, que forjam comportamentos
e estruturam a personalidade. Portanto, as aprendizagens que ocorrem
como resultado das relações que se constroem nos espaços, contribuem à
formação de personalidades, identidades, como também o desenvolvimento
de aspectos relativos à subordinação e à obediência dos alunos. Como
uma trama complexa, o currículo envolve os rituais e as práticas escolares,
as relações hierárquicas desenvolvidas na escola e, até mesmo, as
características físicas do ambiente escolar.

Essa abordagem crítica de perceber o currículo nos remete a uma outra,


que se reporta ao que Apple (1986) denomina de currículo oculto. Conforme
vimos no primeiro capítulo, o currículo oculto se refere àquilo que é ensinado
pela escola, de forma intencional ou não, mas que não está prescrito e não
necessariamente há consciência do professor em relação a isso. Por isso, há
a necessidade de novas abordagens para colocar em suspense aquilo que
temos como verdade ou como prática, para uma reconstrução reflexiva e
crítica da realidade consagrada pelo trabalho coletivo. Precisamos desocultar
as vozes silenciadas no currículo, pois

não se trata de episodicamente permitir que algumas dessas


vozes se façam ouvir através das benevolentes vozes dos
dominantes, mas sim de se privilegiarem as subjetividades
e os discursos até aqui reprimidos e de se reduzir ao
mínimo o processo de silenciamento. Daí a importância de
uma cuidadosa análise do que a literatura vem chamando
currículo nulo ou vazio – o que a escola elimina dos seus
planos e atividades, bem como dos elementos do currículo
oculto que validam a desigualdade e a opressão. (MOREIRA,
1997, p. 26)

95
Estruturas Curriculares - Inter e Transdisciplinaridade

Para Costa (2009), salientar a importância do currículo oculto, no


desenvolvimento de uma abordagem crítica, se faz necessário para que na
prática se construa uma noção de crítica, que seja capaz de investigar os
pressupostos que dão normas tanto à sua lógica como ao discurso. Devemos
Explica que o
analisar não apenas as relações sociais que se dão em sala de aula, mas
currículo oculto é o
também as relações que advêm de outros contextos e que impactam na
resultado de uma
trama complexa, que organização do conhecimento escolar. Segundo Santomé (1994), a forma
envolve os rituais e as de organização escolar e os mobiliários também participam da rotina e da
práticas escolares, as monotonia escolar, desenvolvendo aspectos relacionados à subordinação e à
relações hierárquicas obediência dos alunos. Em concordância, Silva (1992) explica que o currículo
desenvolvidas oculto é o resultado de uma trama complexa, que envolve os rituais e as
na escola e as práticas escolares, as relações hierárquicas desenvolvidas na escola e as
características físicas características físicas do ambiente escolar. Em estudo recente, Costa (2009)
do ambiente escolar. identificou vários dispositivos e rituais que dão materialidade ao currículo
oculto, ao mesmo tempo em que vozes são implicitamente silenciadas no
currículo. Por exemplo:

• O diagnóstico escolar, como ritual que segrega e estigmatiza: aluno fraco e


forte, não aprende porque é pobre, aptos e inaptos, adiantados e atrasados,
etc.

• O planejamento escolar, como ritual de massificação, que ignora a


diversidade, as diferenças pela realização do processo de homogeneização
dos alunos;

• A relação professor-aluno, como ritual de domesticação, por colocar o


professor no centro, com o controle do processo de ensino e aprendizagem
através da avaliação;

• A avaliação do rendimento escolar, como ritual de seletividade, que identifica


os estudantes competentes dos demais;

• A disciplina escolar, como ritual do silenciamento, que estabelece rotinas


para sua imposição;

• O espaço-temporal da escola, como ritual de disciplinamento dos corpos,


diante da disposição das mobílias, de corpos, no ambiente escolar;

• A ausência das novas tecnologias, como ritual do descompasso à


participação efetiva dos alunos nos espaços sociais informatizados -
analfabetismo computacional;

• As filas, que instituem a ordem, organização, servem também para silenciar;

96
Modelos e Organização de Currículo
Capítulo 5
na Educação Básica

• As homenagens cívicas e os desfiles, sinônimos de civismo, de patriotismo,


que também demonstram o disciplinamento de corpos, uma atuação, às
vezes, sem crítica;

• “Ideais curriculares”, o velho com roupagem nova, que interfere nas


atividades escolares, ao consentir que a educação ande em círculo;

• O sino, o controle do tempo de cada indivíduo, condiciona o que fazer


“estímulo-resposta”, ensaio à sociedade capitalista, à ‘fábrica’;

• A entrega de boletins, documento que legitima o trabalho da escola,


resposta dada a alunos e pais por ora sem perguntas. Crise família & escola
& sociedade;

• As tarefas de casa, por vezes, não condizem à vida fora dos muros da
escola.

• O livro didático, que substitui o ato de planejar, declara o que ensinar de


forma linear.

• O projeto político pedagógico, construção coletiva a atender as diferentes


vozes que compõem o todo escolar;

• A formatura, ato que legitima quem coube na “fôrma” denominada escola.


(COSTA, 2009, p. 61-62).

Para a autora, essa correspondência se processa, fundamentalmente,


por meio da hierarquia escolar e pela estrutura de relações de trabalho
estabelecidas. Subordinação entre direção e os professores e entre os
professores e os alunos, que os prepara para as relações de trabalho na
sociedade atual capitalista, que os adapta. O currículo oculto refere-se,

[...] às conseqüências não intencionais do processo de


escolarização. Os educadores críticos reconhecem que as
escolas modelam os estudantes através de situações de
aprendizado padronizado, e através de outras agendas,
incluindo regras de conduta, organização de sala de
aula e procedimentos pedagógicos informais usados
por professores com grupos específicos de estudantes.
O currículo oculto também inclui estilos de ensino e
aprendizado enfatizados na sala de aula, as mensagens
transmitidas ao estudante pelo ambiente físico e instrucional
como um todo, estruturas de liderança, expectativas do
professor e procedimentos de avaliação. (MCLAREN, 1997,
p. 216).

97
Estruturas Curriculares - Inter e Transdisciplinaridade

Uma outra abordagem em relação ao currículo se refere ao projeto


arquitetônico da escola. A sala de aula, por excelência, o lugar usual da
atividade instrutiva, também necessita de atenção, de repensar sua concepção
e estrutura arquitetônica. Para Costa (2009) designar, demarcar espaços
específicos às atividades de ensino e aprendizagens sequenciais, ordenadas,
é um ritual que persiste como um mecanismo seguro do trabalho do professor.
Investir num espaço flexível e propício as atividades escolares exige do
professor uma “visão arquitetônica” diferenciada:

[...] significa fazer do mestre ou professor um arquiteto,


isso é, um pedagogo e, da educação, um processo de
configuração de espaços. De espaços pessoais e sociais,
e de lugares. Ao fim e ao cabo, o espaço – assim como a
energia, enquanto energia – não se cria nem se destrói,
apenas se transforma. A questão final é se se transforma
em um espaço frio, mecânico ou em um espaço quente e
vivo. Em um espaço dominado pela necessidade de ordem
implacável e pelo ponto de vista fixo, ou em um espaço que,
tendo em conta o aleatório e o ponto de vista móvel, seja
antes possibilidade que limite. Em um espaço, em suma
para a educação, um âmbito que não pertence ao mundo da
mecânica, mas ao mundo da biologia, ao mundo dos seres
vivos. (FRAGO; ESCOLANO, 1998, p. 139),

Para Mognol (2005), a reflexão sobre a representação dos espaços e do


currículo na escola incide sobre o olhar necessário aos elementos da linguagem
arquitetônica e do modo como as características desses espaços disciplinam
O espaço, onde se
a disposição dos corpos e a atitude humana. Tendo em vista que nenhum
desenvolvem ações
espaço é neutro, representam formas de pensamento e relações de poder. O
educativas, é pleno de
significados; nele se espaço, onde se desenvolvem ações educativas, é pleno de significados; nele
realizam, se produzem se realizam, se produzem e reproduzem aprendizagens ocultas e significados
e reproduzem sociais.
aprendizagens ocultas
e significados sociais. Conforme argumenta Silva (1999, p. 80):

[...] a coisa toda consiste, claro, em desocultar o currículo


oculto. Parte de sua eficácia reside precisamente nessa sua
natureza oculta. O que está implícito na noção de currículo
oculto é a idéia de que, se conseguirmos desocultá-lo, ele
se tornará menos eficaz, ele deixará de ter os efeitos que
tem pela única razão de ser oculto. Supostamente, é essa
consciência que vai permitir alguma possibilidade de
mudança. Tornar-se consciente do currículo oculto significa,
de alguma forma, desarmá-lo.

Segundo Libâneo (2006, p. 866), seus objetivos estão relacionados com


“[...] a mediação de saberes e modos de agir, que promovam mudanças
qualitativas no desenvolvimento e na aprendizagem das pessoas, [...] a se
constituírem como sujeitos [...] para viver e agir na sociedade e na comunidade”.

98
Modelos e Organização de Currículo
Capítulo 5
na Educação Básica

Como se pode perceber, as abordagens curriculares escolares não podem ser


confundidas com ações repetitivas e improvisadas que, em muito, ainda vem
se observando nas escolas. É fundamental nos pautarmos em abordagens
que recusam o trivial, o passivo, o que reproduz e perpetua modelos. Esta é
uma abordagem, segundo Alves (2002), que configura um modelo de currículo
como árvore. A abordagem que se busca é a ideia de currículo em rede, na
qual a tessitura de conhecimentos de faz a partir dos cotidianos escolares
e dos contextos que os constituem. De acordo com Beanne (2002), esta
abordagem se configura pela ideia de currículo integrado, o qual se constitui
a partir de uma rede de relações que se estabelecem entre temas, áreas do
conhecimento, contextos, cotidiano escolar, relação professor-aluno-escola,
entre outros. Esta perspectiva vai para além da interdisciplinaridade, que já
representa avanços para o currículo. Aqui já adentramos numa concepção
transdisciplinar a qual transcende todas as fronteiras entre as disciplinas,
apesar da imensa necessidade de se conhecer, profundamente, as áreas que
compõem o conhecimento de cada disciplina.

Diante disso, é necessário decifrar as distinções entre multidisciplinaridade,


interdisciplinaridade e transdisciplinaridade.

A multidisciplinaridade é a organização dos conteúdos mais A multidisciplinaridade


tradicionais. Os conteúdos escolares são apresentados é a organização
por matérias independentes umas das outras. O conjunto
de matérias ou disciplinas é proposto simultaneamente,
dos conteúdos mais
sem que apareçam explicitamente as relações que podem tradicionais.
existir entre elas. Trata-se de uma organização somativa.
A interdisciplinaridade é a interação entre duas ou mais
disciplinas, que podem ir desde uma simples comunicação A interdisciplinaridade
de idéias até a integração recíproca dos conceitos é a interação entre
fundamentais e da teoria do conhecimento, da metodologia e duas ou mais
dos dados da pesquisa. [...] A transdisciplinaridade é o grau disciplinas.
máximo de relações entre as disciplinas, daí que supõe uma
integração global dentro de um sistema totalizador. Este
sistema favorece uma unidade interpretativa, com o objetivo A transdisciplinaridade
de constituir uma ciência que explique a realidade sem é o grau máximo de
parcelamento. (ZABALA, 1998, p. 143-144). relações entre as
disciplinas.

99
Estruturas Curriculares - Inter e Transdisciplinaridade

Atividade de Estudos:

Considerando sua realidade profissional, pense em um tema gerador


e elabore uma atividade com enfoque multidisciplinar. Na sequência,
adapte a mesma atividade para os enfoques inter e transdisciplinares.
Utilize o espaço a seguir para realização desta atividade.
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Estas abordagens podem orientar tanto a organização dos currículos


quanto as práticas pedagógicas das escolas. Por exemplo, o professor pode
ter uma postura norteadora do processo ensino-aprendizagem, levando
em consideração que sua prática pedagógica em sala de aula tem papel
fundamental no desenvolvimento intelectual de seu aluno. Desta maneira,
ele pode ser o responsável pelo crescimento ou pela introspecção do seu
aluno, em virtude da forma como conduz a sua prática pedagógica. Assim,
o professor se constitui em um mediador do conhecimento diante do aluno,
que é o sujeito da sua própria formação. Neste sentido, os professores, por
meio de suas práticas, não só ajudam o aluno a transformar a informação em
conhecimento e em consciência crítica, mas também ajudam na formação de
personalidades e de currículos.

Afinal, quais são as tendências atuais e o que se pretende? As


tendências atuais estão anteriormente referenciadas e o que se pretende é
formar alunos críticos, autônomos e protagonistas, instrumentalizados para
múltiplas leituras e possibilidades de intervenção em sua realidade. Tal tarefa
exige esforço conjunto dos sistemas escolares, dos professores e das escolas.
Formados em sua maioria em cursos nos quais as dicotomias teoria/prática e
ensino/pesquisa eram a tônica, nossos professores têm dificuldade para refletir,
confrontar e reformular suas práticas curriculares e pedagógicas. Não se trata
de culpabilizar o professor, nem de dar a ele o rótulo de vítima impotente. No
entanto, não podemos ignorar as dificuldades (currículos lineares, espaços
e tempos rígidos, a escassez de recursos, a desarticulação entre os colegas
e equipes, os instrumentos tradicionais de avaliação, entre outros). Apesar
disto, é importante que vislumbremos as diferentes possibilidades de superá-
las, visto que as novas demandas sociais levaram a escola a assumir novas
características e novos papéis.

100
Modelos e Organização de Currículo
Capítulo 5
na Educação Básica

Diante de tais transformações, é necessário que os sistemas de ensino


e seus professores investiguem e reflitam sobre suas práticas curriculares
e pedagógicas, buscando intencionalmente modificá-la. Considerando a
importância da prática reflexiva, é interessante retomar as ideias de Schön
(1992), que apresenta o paradigma do professor reflexivo, e de Alarcão
(2000), da escola reflexiva. Para ambos, a reflexão ocorre na ação.

Assim, talvez, possamos contribuir para (re)significar práticas, espaços


e tempos escolares, fatores fundamentais para romper com a linearidade e
fragmentação dos currículos e, consequentemente, das práticas pedagógicas
ainda em foco.

Atividade de Estudos:

Que tal, você ainda está nos acompanhando? Utilize o espaço,


que segue, para sintetizar os principais aspectos desta seção, que
finaliza o capítulo.
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Algumas Considerações
Caracterizar dois modelos clássicos do currículo: Tyler e Freire, analisando
seus impactos para a educação básica brasileira e no mundo, foi um dos
objetivos deste capítulo. De maneira bem sintética, podemos afirmar que:

• O modelo Tyler se resume em questões bastante técnicas. Por exemplo, para


elaborar uma proposta curricular, deve-se levar em conta três fontes (aluno,
sociedade e matéria), de onde se originam os objetivos educacionais de forma
ampla; ou seja, um diagnóstico a ser feito sobre os próprios alunos, sobre o
cotidiano na sociedade e sugestões de especialistas nas matérias do currículo.
Esta primeira etapa gera uma imensidão de objetivos. Por isso, eles devem
ser submetidos a dois grandes filtros teóricos: a filosofia e a psicologia da
aprendizagem. A partir desses filtros, então, serão definidos “os objetivos
educacionais precisos” a serem ensinados pela escola. Tal precisão está
relacionada às mudanças de comportamentos que deverão ser observados
nos alunos, ao final de uma unidade. Sendo assim, Gesser (2002) afirma que
101
Estruturas Curriculares - Inter e Transdisciplinaridade

a proposta curricular de Bobbit e a de Tyler, embora com várias distinções,


guardam semelhanças, pelo seu caráter técnico. Com base nos já definidos
“objetivos educacionais precisos”, colocam a necessidade de identificar que
experiências educacionais são capazes de proporcionar o alcance desses
objetivos (comportamentais). Estas, por sua vez, devem ser experiências
eficientemente organizadas e, por fim, rigorosamente avaliadas em função
dos objetivos previamente determinados.

• O modelo de Freire coloca seu foco inicial na problematização e na


investigação; por exemplo, a partir de temas gerados no contexto da escola,
da sua comunidade. Seus principais princípios para o desenvolvimento
curricular são: contextualização, problematização da prática escolar,
construção e reconstrução coletiva, autonomia, projeção crítica,
processo democrático, diálogo, autêntica relação professor-aluno,
solução de problemas, transformação social e humanização.

Identificar outros modelos de organização de currículo com base em


enfoques globalizadores (apresentados por ZABALA), visando à compreensão
dos aspectos interdisciplinares e transdisciplinares do currículo escolar para a
Educação Básica, foi o outro objetivo que tínhamos para esta unidade. Zabala
(1998) apresenta quatro enfoques, conforme segue:

• O Centros de Interesse, por exemplo, (de Decroly), partem “[...] de


um núcleo temático motivador para o aluno e seguindo o processo de
observação, associação e expressão, [e] integram diferentes áreas do
conhecimento.”

• Já o método de Projetos (de Kilpatrick) consiste basicamente “[...] na


elaboração e produção de algum objeto ou montagem (uma máquina, um
audiovisual, um viveiro, uma horta escolar, um jornal, etc).”

• De maneira mais sistematizada e científica, o Estudo do Meio (do MCE


– Movimento de Cooperazione Educativa de Itália) busca que meninos e
meninas construam o conhecimento através da sequência do método
científico (problema, hipótese, experimentação).

• E, por fim, os Projetos de Trabalhos Globais, tem como finalidade [...]


conhecer um tema e elaborar um dossiê, como resultado de uma pesquisa
pessoal ou em equipe.” (ZABALA, 1998, 146).

Em todos os enfoques o aluno é o principal protagonista e todas essas


propostas têm caráter interdisciplinar e/ou transdisciplinar. Obviamente, estes não
são os únicos modelos alternativos possíveis e existentes. No entanto, todos estes
métodos globalizadores aqui apresentados possibilitam um trabalho interdisciplinar
e, por vezes, transdisciplinar, pois em todos a característica básica é o interesse
e a curiosidade dos alunos e não as disciplinas. Estas, sim, se constituem como
102
Modelos e Organização de Currículo
Capítulo 5
na Educação Básica

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