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Jan/2019
A utilização da Musicoterapia no tratamento de Dependentes Químicos
Por
Jan/2019
2
Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito necessário para
obtenção de título de Terapeuta em Dependência Química do curso Contexto.
Orientador
Examinador
Examinador
3
Para minha mãe.
4
“ A arte é o único modo de processar a dor,
tornando-a um fortificante para a vida, um
impulso.” (MOSÉ, 2018:34)
5
Sumário
6
Resumo: Este trabalho vem trazendo algumas relações do tratamento de
dependência química com o auxílio da musicoterapia. O objetivo principal da
musicoterapia no tratamento do dependente químico está relacionado as
questões do ego e da Identidade, assim como do restabelecimento das
deficiências, sentimentos e socialização. O uso, o abuso e a dependência são
difíceis de se diferenciar, através de uma linha tênue, são melhores definidas
nos manuais de medicina DSM e CID. Com o apoio da musicoterapia, foi
possível perceber neste trabalho, o desenvolvimento e avanço da percepção
do participante de sua própria identidade e de seu fortalecimento pessoal na
relação com o grupo. A música, sendo uma das principais artes, aposta, como
demonstrado, como sendo um fator fundamental para a manutenção da
humanidade no que se refere as suas relações com seus sentimentos e seu
inconsciente.
A música vem sendo utilizada pelo ser humano como valoroso instrumento de
contato com o místico, com o sobrenatural, com o indizível. Música por certo
pode fazer bem a saúde e este estudo vem buscar a relação da música, no
trabalho exercido pela musicoterapia, no auxilio ao tratamento e a recuperação
de pessoas com dependência em álcool e outras drogas.
Tudo começou, no que se refere ao meu percurso, com minha relação com a
música, desde tenra idade, aproximadamente aos 9 anos quando comecei
aprender as primeiras nota musicais, ao piano, no Conservatório de Música em
Niterói. Segui meu aprendizado tendo contato com outros instrumentos, a
guitarra, o violão, até encontrar aquele que me alçaria ao patamar de músico,
tendo escolhido durante alguns anos ser esta a minha atividade profissional
principal. A bateria e a percussão foram durante anos minha principal atividade
de estudo, prazer e trabalho... Passei pelas principais escolas de música do
Rio de Janeiro e tive aulas particulares com inúmero profissionais do mais alto
nível, comecei a tocar, na noite, acompanhar artistas, formar bandas até que...
7
A maconha entrou na minha vida, aparentemente como socializador, relaxante,
tornar-me parte da turma... os anos foram se passando e ela não me largou
mais, ou melhor, eu não conseguia mais larga-la; busquei ajuda, entrei na
Irmandade de mútua ajuda, comecei a estudar sobre o assunto. Fiquei limpo.
Só Por Hoje.
Após profunda crise na minha vida com o meu pai tendo falecido e meu filho ter
sido levado ilegalmente para morar em outro país, resolvi renascer, digamos,
das cinzas... comecei a estudar... reiniciei meu caminho... fiz prova para o
Conservatório Brasileiro de Música, Pós Graduação em Musicoterapia, entrei
para o Curso de Aconselhamento em Dependência Química da Contexto,
reingressei para um novo curso Universitário, Psicologia...
8
pode mudar profundamente o indivíduo, reestruturando sua vida, seu ego, sua
identidade, lhe dando um novo sentido, valor e posição diante da vida e do
mundo.
1
CAZENAVE, S. Banisteriopsis caapi: ação alucinógena e uso ritual. Rer. Psiq. Clin. 27(1):32-35, 2000.
9
funções do ego, que não estão em condições de estabelecer contato entre o
interno e o externo.” 2
A utilização de drogas de forma nociva para o corpo e para a mente tem sido
alvo de estudos e pesquisas por todo o mundo visto que tal problema é um
dado estatístico importante claramente exposto e tratado pelo mundo afora.
Este problema que afeta a pessoas independente de idade, nível social,
posição hierárquica, leva o indivíduo a um estado de total perda de sua
personalidade. Não existe, no entanto, uma fronteira clara entre o uso e abuso,
ou mesmo a dependência de substâncias químicas.
2
FROHNE. Isabelle, In RUUD Even. Música e Saúde. São Paulo: Summus, 1991.
3
VALENZUELA, C. F. Harris, A Alcohol: neurobiology. In LOWINSON, J. H et al. Substance Abuse: a
comprehensice textbook. 3. Ed. Philadenphia: Williams & Wilkins, 1997. Pag 119-120.
4
FIGLIE, Neliana Buzi; Aconselhamento em dependência / Neliana Buzi Flglie, Selma Bordin, Ronaldo
Laranjeiras. – São Paulo: Roca, 2004.
5
FROHNE, Isabelle In RUDD, Even 1991, 47
10
Como mencionou Frohne, este paciente deve buscar então fortalecer a sua
identidade e através da música tal objetivo pode ser alcançado. É necessário
um processo de diferenciação da identidade que se faz presente numa relação
dialética com o Outro e com o mundo, tornado-nos Sujeito e Objeto do
processo.6 Nesta relação estamos entrando em contato com o mundo interno e
o mundo externo. Por vezes indiferenciado no que se refere ao dependente de
drogas e outras substâncias quando se encontra em um estado avançado e já
desenvolvera outras comorbidades clínicas como a esquizofrenia por exemplo.
Critérios DSM
6
BARCELLOS, Lia Rejane Mendes. Cadernos de Musicoterapia. – Rio de Janeiro: Enelivros, 1992. Pag 11.
7
(VALENZUELA, 1997, 119-120)
8
LARANJEIRA, R. NICASTRE, S. Abuso e dependência de álcool e drogas. In: ALMEIDA, O., DRACTU, L.,
LARANJEIRA, R. Manual de Pasiquiatria. 1. Ed. Rio de Janeiro: Guanabara & Koogan, 1996. Cap 7, p. 83-
112.
11
a. Necessidade de quantidades nitidamente aumentadas de substância
para atingir intoxicação ou efeito desejado.
Critérios CID
12
5. Abandono progressivo de prazeres ou interesses alternativos em favor do
uso da substância psicoativa: aumento da quantidade de tempo necessário
para obter ou tomar a substância ou recuperar- se de seus efeitos.
Além desses critérios o DSM e o CID estabelecem fatores para o Uso Nocivo
de Substâncias, expostos a seguir:
O diagnóstico requer que um dano real tenha sido causado á saúde física e
mental do usuário
Padrões nocivos de uso são frenquentemente criticados por outras pessoas e
estão associados a consequências sociais adversas de vários tipos
Uso nocivo não deve ser diagnosticado se a síndrome de dependência, um
distúrbio psicótico ou outra forma específica de distúrbio relacionado com o
álcool e outras drogas estiver presente.
13
3. A musicoterapia
14
sentido estrito da palavra terapia, vem sendo utilizada como processo de
contato do indivíduo com camadas mais profundas do seu inconsciente,
trazendo para o subconsciente e possivelmente para o consciente, fatores que
levaram a desfragmentação de sua identidade e sua atuação narcisista e
egocentrada. “O objetivo mais importante da musicoterapia com pessoas
dependentes de drogas é: - fortalecer as funções do ego e construir a uma
identidade definida; - realimentar, preencher as deficiências, diferenciar
sentimentos e experiências e socializar o comportamento.” 9
Não é raro acontecer, nas escolhas das músicas pelo dependentes de álcool e
outras drogas, das letras em algum momento citarem alguma ação ou questão
relacionada a drogadição. Pode parecer forçar a barra dizer isso mas não, é
incrível como a música deixar transparecer, sem mesmo que o participante
tenha consciência disso, conteúdos relativos a drogas e atitudes e ou assuntos
relacionados ao seu período de uso de álcool e outras drogas. Até porque não
são poucas as música que tem como conteúdo temas relacionados a estes
assuntos, por exemplo: “Eu bebo sim, e estou vivendo, tem gente que não
bebe e está morrendo”10, ou “De dois mas mantenha o respeito”11... mas não é
só disso que estamos falando, não precisa ser tão obvia assim a mensagem, a
música, com sua história ou sua melodia, diz muito e pode participar da
realidade sonora das pessoas que participam do processo de musicoterapia,
assim, quando a música é trazida a tona, trás consigo uma série de outros
significados, símbolos e signos que podem ser percebidos e avaliados pelo
9
FROHNE, Isabelee in RUUD
10
Eu Bebo Sim – Elizeth Cardoso
11
Mantenha o Respeito – Planet Hemp
15
musicoterapeuta que aponta e intervem demonstrando o que aparentemente
está oculto.
4. O que é música?
12
BARCELLOS, 1992, 13-14, Cadernos de Músicoterapia 2
16
de ser ouvida” 13. Durante as discussões, o mesmo, com seus alunos, levantam
questões sobre intencionalidade, gosto, forma, conteúdo e outros
problematizadores que poderiam ser levados em consideração nas questões e
definições desta forma milenar de manifestação do ser humano.
5. Música e saúde
13
SHAFER, Murray. O Ouvido pensante. – 2.ed.- São Paulo: Ed. Unespe, 2011. Pag. 13-24.
17
criação e destruição; esta ordem é a
música.”14
“A música pode ser definida como uma progressão sonora não linguística
organizada no tempo” assim inicia a definição de música de Borchgrevink, no
livro Música e Saúde organizado por Even Ruud. Segue atentando para o fato
da música ser um meio de comunicação, que transmite, como na maioria das
manifestações artísticas, a emoção. Tal expressão se dá geralmente de
maneira mais direta que através dos códigos verbais quando gera a
ressonância comunicacional no ouvinte, a partir da escuta da música e do
surgimento de impressões correspondentes através desta audição.16
17
BARCELLOS, 1992, 10-13
18
ainda que a mesma não trate deste assunto diretamente, Mosé cita Nietzche e
sua relação com a música como fator crucial no desenvolvimento da
humanidade.
18
MOSÉ, 2018, 97
19
NIETZCHE, F O Nascimento da Tragédia. Op. Cit., af.5 “Pois só como fenômeno estético podem a
existência e o mundo justificar-se eternamente.”
20
FROHNE, Isabelle at RUDD, Even. Música e Saúde – São Paulo: Summus, 1991. Pag.46
19
Através da música o indivíduo expressa o que está acontecendo dentro de si e
nas relações do mesmo com o grupo de trabalho em casos onde as sessões
são em grupo. O término da terapia, segundo relata Frohne, pode ser
percebido quando o grupo tiver desenvolvido uma identidade dinâmica pessoal.
Os participantes, neste caso, devem estar aptos a interagir sem perder contato
com seus próprios sentimentos, conduzir o grupo e também ser conduzido,
sem cair em posições extremas como onipotência e inferioridade, devem estar
aptos a enfrentar a realidade.21
21
FROHNE, Isabelle in RUDD, 1991, 47
22
BARCELLOS, 1992, 26
20
7. Sexo, Drogas e Rock n´ Roll
A música pode ser usada, assim como as drogas, como um possante alterador
da consciência e do estado de percepção do mundo; portanto ela pode ser
usada no tratamento de dependentes de drogas como substituto para as
drogas e sua satisfação narcísica. Esse processo se da pois quanto mais os
pacientes assumem sua identidade durante o processo terapêutico, menos tem
a necessidade da droga. A música tem influência sobre a formação da
identidade do indivíduo e secundariamente sobre os problemas da droga.
Ainda que inicialmente segundo Isabelle Frohne a musicoterapia não influencie
o problema que originou o consumo de drogas, a partir da utilização da palavra,
estimulada pela música, pode se chegar a um estado de observação mais
apurado onde a música tenha partido como meio propulsor para se chegar a
palavra, no caso de uma análise verbal, e consequentemente localizar as
origens do problema que gerou o sintoma do uso abusivo de drogas. 24
23
SEKEF, 2007, 37
24
RUUD, Even. Música e Saúde. – São Paulo: Summus, 1991, pag 47.
21
A música tem potentes efeito no indivíduo e não deve ser dispensado o
conhecimento apurado das técnicas para utilização da música como benefício
para a saúde. Maria de Lourdes Sekeff nos aponta que hoje a música através
de seus sons, podem produzir efeitos alucinógenos, semelhantes a
determinadas drogas, obrigando nos a não dispensar o conhecimento e a
participação de especialistas na utilização da mesma com fins terapêuticos.25
Não foram poucos os artistas que, fazendo-se valer das drogas como alterador
do estado de ânimo, percepção e abstração, para atuar em suas
apresentações ou compor suas obras, caíram nas garras da adicção ativa, ou
seja, a dependência ou uso nocivo de substâncias. No mundo da arte,
romanticamente falando, pressupõe-se que o artista tenha uma espécie de aval
para o consumo de tais substâncias. No entanto seria um erro pressupor que
seria necessário consumi-las para dar origem a criatividade que lhes possibilita
a criação de suas obras. A droga pode sim abrir determinadas portas de
percepção, mas ora abertas podem desencadear o consumo abusivo para que
tal sensação não sesse e cada vez mais serão utilizadas quantidades cada vez
maiores para alcançar os objetivos almejados.
Não gostaria de citar nomes, neste estudo, evito citar nomes tanto de pessoas
que tiveram seus trágicos finais de vida associados ao consumo de drogas
quanto dos pacientes, clientes, os quais atendi durante os estágios com a
musicoterapia. Penso que o anonimato é fundamental neste tipo de análise e
mesmo em se tratando de um objeto de análise e estudo, a figura do indivíduo
deve ser preservada e sua história pessoal mantida em sigilo.
25
SEKEFF, Maria de Lourde. Da música, seus usos e recursos – 2ªed. São Paulo: Editora UNESP, 2007.
22
Casos de overdose, afogamentos, suicídios... não foram pouco ligados ao
consumo abusivo de drogas no meio artístico, tanto em nosso país como no
mundo afora.
A busca por ajuda, por exemplo nas Irmandades de mútua ajuda como
Narcóticos Anônimos e Alcoólicos Anônimos tem sido a alternativa de
encontrar um caminho de recuperação para muitos adictos que tentam largar
as drogas. A partir de uma internação, por exemplo, é sugerido que o paciente
tenha contato com tais grupos quando tenha alta para tentar continuar o
vínculo da recuperação não se distanciando do seu passado e da sua história
que o levou ao consumo desenfreado de substâncias.
Afastar-se da música e optar pela razão foi o caminho que o homem cada vez
mais trilhou em sua jornada civilizatória. E este parece ser para Nietzsche o
maior dos erros. A razão organiza, mas não manifesta a vida. Se o princípio da
vida é este jogo interpretativo, artístico, estético, é a arte e não a razão que
tornam a vida possível. E a música é a maior das artes. Sem a música, ele diz,
a vida seria um erro.27
26
BARCELLOS, 1992, 17.
27
NIETZSCHE. F, Crepúsculo dos ídolos. Op., “Máximas e flechas”, af. 33.
----------------- MOSÉ, Viviane. Nietzsche Hoje, sobre os desafios da vida contemporânea. – Petrópolis, RJ :
Vozes, 2018. Pag. 99.
23
8. As experiências da musicoterapia no sistema público de saúde
CAPES
24
9 - ANEXO I – Algumas das minhas experiências da musicoterapia em clínicas
de recuperação Patter Aldeia e Espaço Clif.
Uma participante chegou a se emocionar dizendo que não sabia que poderia
criar nada; tal fato me fez perceber também a possibilidade a partir da atividade
de fortalecer a auto estima dos que participaram da atividade.
25
característica do trabalho, o desenvolvimento do trabalho em grupo e da
participação da criação coletiva; tal fase propiciou um fator de socialização que
também vem a ser uma dificuldade para o paciente de dependência química
que no estágio avançado da doença já se encontra muitas vezes
absolutamente isolado e a parte do convício social.
A partir daí percebemos em grupo a ideia de que cada um pode oferecer o que
de melhor tem ao grupo. Durante a regência, as dificuldades ficaram mais no
que se refere a controlar a dinâmica do grupo. O retirar e colocar cada
participante, silenciando o ou solicitando que o mesmo retornasse a tocar era
tarefa mais acessível do que controlar a altura dos instrumentos. No entanto a
partir daí pode-se perceber o estado de humor de cada participante bem como
o estado alterado de alguns. Tanto no que se refere a regência como no que se
refere a participação tocando, alguns não conseguiam seguir a proposta do
aumentar ou diminuir a altura do instrumento. Alguns tocavam sempre alto e
outros, sempre baixo.
Paramos para conversar sobre isso e numa nova tentativa obtivemos maior
sucesso. Um clima de felicidade se instaurou, como se estivéssemos evoluindo
na criação musical e na percepção auditiva. A atividade nessa etapa
proporcionou o respeito ao grupo pois percebemos que o conceito de alto e
26
baixo estava diretamente relacionado ao parâmetro que cada um estabelecia
junto ao grupo. Ou seja, qual a altura média que nos basearíamos para a partir
daí definir quando tocar mais alto ou quando tocar mais baixo. A partir dessa
definição optamos por definir três estágios, baixo, médio e alto. O tempo que
cada um ficou como regente foi variável de acordo com a empolgação e a
vontade de participação de cada um, no entanto observei um padrão médio em
que todos ficaram mais ou menos o mesmo tempo na função de regente do
grupo.
Uma participante que ficou pouco tempo na regência foi motivada pelos demais
companheiros a continuar e a mesma aceitou a proposta e seguiu por mais um
tempo. Houve também aquele que se alterava praticamente na função da
regência, principalmente simbolizando o som alto, que combinamos ser com os
braços para o alto. Alguns gesticularam com intensidade, pedindo mais, mais...
conversamos sobre isso e chegamos a conclusão de uma característica do
adicto de querer sempre mais e um dos praticantes disse ter percebido isso
nele, que quando ele começou foi se envolvendo e não queria mais parar...
Optamos então por parar, achamos que a atividade tinha sido concluída e que
a partir daquele comentário seria uma boa observarmos o momento de parar a
música. Conversamos sobre o silêncio, sobre as pausas e sobre os momentos
da vida em que é produtivo parar, nos mantermos quietos e atentos ao que
está se passando ao nosso redor. Um participante trouxe a percepção do
caminho do meio e disse que os momentos em que ele se sentia mais a
vontade eram quando estávamos tocando na altura média. Refletimos sobre
isso e percebemos como é positivo seguirmos a vida sem grandes alterações,
mas como também é necessário estarmos aptos a dar conta das demandas de
sermos mais incisivos, tocarmos mais alto, ou sermos mais cautelosos,
tocarmos mais baixo.
Fizemos uma última apresentação com um regente que foi escolhido pelo
grupo como aquele que tinha melhor exercido tal função. Tal atitude gerou uma
sensação de humildade no grupo.
27
Relatório de estagio Espaço Clif
A partir daí o participante teria um minuto para começar a redigir a sua história
e a partis daí seria interrompido e passaria a folha para o companheiro do lado
esquerdo; assim cada um continuaria a história criada até o momento da sua
folha voltar a sua mão. Foram um total de 6 participantes.
28
Nesta atividade utilizamos sensações e sentimentos ligados ao final de semana
dos pacientes. Em geral o final de semana é muito intenso, seja porque o
paciente foi para sua casa, deixando a internação, seja porque ficando na
internação passa por dias mais tediosos e com menos atividade que são
características do final de semana. Foi solicitado que cada um colocasse no
quadro 3 palavras ligadas ao seu final de semana.
Muitos adictos tem uma relação direta com o “maluco beleza” portanto utilizar
uma canção de Raul foi muito empolgante até porque a escolhida pelo grupo
foi uma canção de cunho motivacional e despertou muitas reflexões no grupo.
A segunda pergunta foi: o que você não gostaria de tentar outra vez? E as
respostas foram diversas cada um em sua história de vida, em geral trágica e
cheia de situações constrangedoras e prejudiciais a si próprio e aos outros.
29
Estávamos em quatro participantes e um senhor contou uma história de como
perdera sua família, se separando de seus filhos e esposa e disse ser a
primeira vez que contava aquela historia para alguém.
30
como onipotência ou inferioridade.28 A partir dessa proposição descrita por
Frohne, a minha proposta junto a oficina fora que cada um cantasse sozinho
uma vez a música acompanhada dos demais companheiros tocando os
instrumentos. A princípio houve uma dificuldade de alguns, medo? Timidez?
Ou dificuldade de se colocar frente ao grupo? Expor sua identidade através da
música? Com isso o paciente é estimulado a colocar a sua voz em pauta, expor
o seu dizer através da sua própria manifestação sonora; dar valor a sua voz.
Meu medo nesse momento foi estar gerando ansiedade no grupo posto que
segundo a autora anteriormente citada, “a terapia de grupo deve proporcionar
diversão e ansiedade. Ouvir música familiar, improvisar em conjunto de
maneira agradável, que garanta apreciação, e todas as possibilidades de
musicoterapia funcional ajudam a desenvolver sentimentos de confiança e de
compreensão entre os componentes do grupo.29
28
FROHNE, Isabelle at RUDD, Even. Música e Saúde – São Paulo: Summus, 1991. Pag. 47.
29
Id. af. 47
31
momentos de silêncio de calmaria, até que alguém me perguntou, podemos
acabar? E eu não respondi, mas comecei a tocar um ritmo no pandeiro, ou
seja, a atividade continuava e a fala não era bem vinda... nesta dinâmica
trabalhamos a forma de se expressar através de comportamentos não verbais,
além de nos incluirmos em atitudes de submissão as regras, nos colocando
como participantes ativos dentro dos contextos estabelecidos pelo que fora
determinado anteriormente.
8º O recarregar de baterias
32
geralmente o responsável pela atividade, José Horácio é quem conduz as
músicas ao piano, mas já houve situação em que um paciente pediu para tocar
ao piano a música tema do filme Titanic... Em outra situação um outro conduziu
ao violão uma música composta por um grupo de pacientes.
Em geral são músicas de todo tipo, rock, samba, MPB e até mesmo
internacionais... Não há um feedback ou conversa com os pacientes sobre os
sentimentos, sobre a atividade, sobre a letra da música, o que a princípio me
estranhou um pouco pois eu esperava poder dar mais ao paciente podendo lhe
colocar em contato com o que a música desperta nele e a princípio ele pode
não perceber sozinho sem o auxílio terapêutico de um profissional. Mas falando
sobre isso com Horácio ele me explicou que naquele momento o objetivo seria
outro, deixar que a música por si só exercesse este papel, já que na internação
os paciente já teriam outras oportunidades de verbalizar suas histórias e
angústias em outras atividades com auxílios de outros profissionais, psicólogos
por exemplo.
Com o tempo Compreendi que através da escuta poderíamos dizer sem revelar
e calar pelo que mostra, como disse Sekeff, não existe música inocente,
através da escuta musical, o contato com o jogo poético da linguagem, permite
ao ouvinte que o mesmo se revele na escuta sem que ele mesmo se dê
conta.30
9 - O atendimento do paciente J.
30
SEKEFF, Maria de Lourdes. Da Música, seus usos e recursos. -2.ed. – São Paulo: Editora UNESP, 2007.
Pag.26
31
SEKEFF, 2007, 27
33
O referido paciente tinha problemas com o consumo de maconha, droga
aparentemente tida como “leve” e que tem trazido inúmeros casos de distúrbios
e comorbidades psiquiátricas. J. entrou calado e falando entre os dentes, sem
abrir a boca... enquanto explicávamos a atividade, J balbuciou alguma coisa,
perguntamos “o que foi J.”? ele respondeu: “-vou surtar!” Perguntamos se ele
queria tocar um violão para relaxar, instrumento que o mesmo já tinha trazido
para a clínica. Perguntou qual música queríamos que ele tocasse, e sugerimos
que ele tocasse as que ele soubesse, então o mesmo pegou um livro de cifras
da banda Red Hot Chilli Peppers e começou a tocar umas músicas e eu o
acompanhei ao Cajon e ao Bongo...
Em uma música ele parou e disse que não lembrava, eu sugeri que
buscássemos o vídeo no youtube, no celular e assim o fizemos... Ele ficou
compenetrado no vídeo um tanto estranho e eu fiquei um pouco preocupado,
comecei a tocar a Cajon no intuito de incentiva-lo a tocar também junto com o
vídeo, no entanto o mesmo continuo com olhos vidrados no vídeo mas
começou a cantar baixinho, o que achei positivo... ao final da música voltamos
ao livro de cifras e J. disse que sabia tocar varias das músicas e eu perguntei
porque ele dizia no passado, sabia, e não sabe mais... ele respondeu que tinha
parado a muito tempo e eu perguntei porque, ele disse que quando começou a
usar drogas ficou sem motivação e eu disse que sabia o que era isso, já havia
passado por isso e que tinha um nome se chamava síndrome amotivacional... o
mesmo se sentiu bem por eu entender a ele, e eu disse que isso era possível
de ser revertido, que ele poderia usar a criatividade que tinha para tocar para
buscar novos caminhos em sua vida e deixar a droga de lado... o mesmo se
emocionou, pediu para sair... perguntou se poderia levar a palheta que fizemos
juntos (pegamos um cartão de crédito velho e cortamos para fazer uma palheta
para o violão... ) senti que J. se sentiu acolhido, ele deve ter aproximadamente
20 anos (17 anos), ainda tem um longo caminho de vida pela frente e sem
dúvida a maconha fez um estrago no desenvolvimento da música que ele
carrega como talento mas que fora interrompido pelo uso abusivo da maconha
e possivelmente outras drogas... O mesmo demonstra ser um profundo
conhecedor das técnicas de plantio e cultivo o que leva a crer que seu
interesse ficou restrito a área relacionada a drogadição.
34
10 - segundo atendimento de J.
Passei pelo pátio da clínica e chamei J. para tocar um violão, ele estava
acompanhado do pai pois na clínica menores de idade devem ter um
acompanhante permanentemente. Começou a tocar Starway to Heaven no
violaõ e eu o acompanhei no Cajon, ele abriu um sorriso ao final, já parecei
melhor um pouco, mais animado, mais motivado, já tinha uma paleta nova, a
antiga feita de cartão de crédito não precisava mais ser utilizada... um sinal de
que alguém de fora da clínica trouxera para ele a paleta, possivelmente um
familiar, ou o terapeuta Antonio; ao final da música perguntei a ele se sabia
tocar outra do Led Zeppelin e ele puxou Imegrated Song, tocamos juntos... ao
final ele parou e eu sugeri que ele compusesse uma música ali na hora,
exercitando a parte de composição, através de uma improvisação livre, afinal,
como menciona Lia Rejane: “Quando, por fim, não encontramos nas músicas
existentes, aquilo que queremos expressar, temos ainda a nossa criatividade
para nos ajudar.”32 Então veio o grande acontecimento da atividade, J.
começou a compor uns acordes ao violão e o estimulei a cantar e ele não
demorou a começar a soltar as primeiras palavras... “ estou aqui cantando...
cantando e improvisando...” foi seguindo até que: “... eu lembro da sequela,
porque eu gosto dela...” e repetiu a frase sem sessar... quando paramos eu o
interroguei sobre o gostar da sequela, e o motivo pelo qual ele havia construído
tal frase... ele disse que não conseguia viver sem a droga, afinal, sequela é
uma expressão utilizada quando se está em estado semelhante a um estado
de sedação e dopagem... eu disse que seria possível sim ele viver sem a droga
e que a música o iria ajudar; que ele deveria investir na música ao invés de
investir na droga... ele pediu para parar de tocar, guardar o violão, senti que o
tema tocou ele... interessante perceber que J. está melhorando mas não
consegue perceber que se voltar a usar piorará novamente, não consegue
associar a sua melhora a abstinência que está passando... sugeri a ele uma
escola de Música, a Villa Lobos, saímos da sala e conversei com o pai dele,
falei do talento de seu filho e sugeri novamente agora ao pai uma uma escola
de música para o filho canalizar as energias e viver longe das drogas.
32
BARCELLOS, 1992, 26
35
11 - Cantando a capela...
Nesta atividade sugeri que cada participante escolhesse uma música que
soubesse a letra de cor. Primeiro conversamos sobre a escolha das músicas,
aparentemente sem sentido, a escolha das músicas pode ter por detrás muito
da história de cada um e pode inclusive apresentar aspectos da drogadição
que não estão a mostra conscientemente. E não poderia ser diferente, foi o que
aconteceu. Por exemplo a participante S. disse que não sabia nenhuma música
de cor e falou meio ironicamente e provocativamente que escolheria “atirei o
pau no gato”33; eu lhe disse que não teria problema, que se esta fosse a
música escolhida por ela estaria tudo bem... No momento de analisarmos o
porque da escolha da música S. disse que apesar de ser uma música infantil
ela tinha percebido uma outra leitura para a música. A gíria “tiro” pode ser
usada como consumir cocaína, “dar um tiro”, “dar um teco” são gírias utilizadas
para dizer cheirar cocaína... ela disse que atirar o pau no gato para ela era
utilizar a cocaína e o gato, a substância, nunca morre, está sempre presente na
vida dela... a mesma disse que no dia anterior tinha tido muita vontade de usar
e não tinha ido a primeira dose por conta da ajuda que o marido lhe dera em
evitar o uso da substância... uma outra música escolhida, por K. “Minha
história”, versão de Chico Buarque34, parecia uma música que como a
participante mencionou, lhe trazia aspectos de lembrança de seu pai, músico,
que a princípio não gostava daquela música... foi quando um outro participante
fez uma indagação, F. disse, mas a música diz “cheirava”, K. relutou e disse
que o mesmo estava surdo e não tinha entendido nada da música... no entanto
a letra realmente diz “Ele vinha sem muita conversa sem muito explicar / Eu só
sei que falava e cheirava e gostava de mar”, ao colocarmos a letra para ouvir
na versão gravada, fizemos isso com todas as músicas após cada um cantá-la
sozinho, K. ficou surpresa e continuou indagando que aquele cheirava não
tinha nada a ver com o cheirar da cocaína... enfim, não podemos afirmar se sim
ou se não, somente o autor da música poderia nos dizer, no entanto aparecer
esta frase na música escolhida pode dizer muito do que o inconsciente está
apresentando através da escolha da música... Uma outra música escolhida foi
33
Música do cancioneiro popular
34
Composição de Chico Buarque / Lucio Dalla / Pallottino
36
“Meu Erro”35 dos Paralamas do Sucesso, F., com sérios problemas de
cognição, não lembrou a música toda, não conseguindo dar conta da proposta,
mas isso não era um problema, cantamos juntos a música após coloca-la na
versão gravada e conversamos cobre qual seria o erro de F., o mesmo se
referiu a uma escolha mal feita em um relacionamento, já que a música tratava
desse assunto, no entanto, podemos perceber outras tantas escolhas erradas
que o adicto faz quando da necessidade insuportável que sente de se drogar...
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Meu Erro composição Herbert Vianna
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10 - Bibliografia
RUUD, Even. Música e Saúde; [tradução de Vera Bloch Wrobrl, Glória Pascoal
de Camargo, Mirian Goldfeder].- São Paulo: Summus, 1991.
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