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VOLUME IX
TRANSFORMANDO O PODER
PÚBLICO: A BUSCA DA EFICÁCIA
Banco de
Desenvolvimento de
Minas Gerais
Apresentação 1
2 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
BANCO DE DESENVOLVIMENTO DE MINAS GERAIS S.A. - BDMG
Conselho de Administração
José Augusto Trópia Reis - Presidente
Murilo Paulino Badaró - Vice-Presidente
Edgard Martins Maneira
Elvira Fonseca Garcia
Fábio Proença Doyle
José Pedro Rodrigues de Oliveira
Diretoria
Murilo Paulino Badaró - Presidente
Francisco José de Oliveira - Vice-Presidente
José Lana Raposo
Ignácio Gabriel Prata Neto
Júlio Onofre Mendes de Oliveira
Coordenação do Projeto
Tadeu Barreto Guimarães - Coordenação Geral
Marco Antônio Rodrigues da Cunha - Coordenação Executiva
Marilena Chaves - Coordenação Técnica
Apresentação 3
As idéias expostas nos textos assinados são de responsabilidade dos autores,
não refletindo necessariamente a opinião do BDMG.
Editoração de Textos
IDM / Técnica Composição e Arte
Criação da Capa
Fernando Fiúza de Filgueiras
Revisão e Normalização
Dila Bragança de Mendonça
Elzira Divina Perpétua (Coordenação)
Marlene de Paula Fraga
Raquel Beatriz Junqueira Guimarães
Vicente de Paula Assunção
Virgínia Novais da Mata Machado
CDU: 338.92(815.1)
4 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
VOLUME 9
Coordenação do Projeto
Tadeu Barreto Guimarães - Coordenação Geral
Marco Antônio Rodrigues da Cunha - Coordenação Executiva
Marilena Chaves - Coordenação Técnica
Apresentação 5
6 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ................................................................................................................................................................ 9
Apresentação 7
8 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
Apresentação
Apresentação 9
No caso de Minas Gerais, a reforma das finanças estaduais implementada no início da
década de 1970 serve como exemplo de que Minas Gerais pôde ser pioneira na retomada do
desenvolvimento, e que o equilíbrio das finanças públicas, embora não suficiente, é imprescindível
ao desenvolvimento. Após sintética radiografia da máquina pública mineira, de seus principais
componentes, são apresentadas as linhas de ação para transformar a administração pública do
Estado. Destaca-se a proposta de gestão por programas, que dinamiza a administração pública e
cria mecanismos de verificação de resultados e incentivos. Mas o fortalecimento do planejamento
figura, certamente, como uma das principais propostas apresentadas. Planejamento em moldes
diferentes do observado no passado, pois se propõe claramente a definição das prioridades ou
metas após a identificação dos recursos existentes, atenuando-se o risco de se criar peças de
ficção.
O capítulo 3 Resgatando as finanças públicas decorre da conclusão obtida no capítulo
anterior sobre a necessidade premente de equilibrar as finanças públicas. O capítulo mostra a
realidade das finanças públicas em Minas Geras e aponta o problema: a previdência dos servidores
estaduais. O trabalho tem a virtude de desmistificar algumas questões, como o impacto da dívida
pública no déficit estadual, que, ao contrário do que pensam alguns, não é o nó górdio das finanças
estaduais. Em outras palavras, a redução nos encargos com a dívida, embora importante, não
representa solução definitiva.
Outro apontamento importante do trabalho é com relação à forma de ajuste que vem sendo
implementada. O engessamento das finanças mineiras, isto é, a impossibilidade de redução nas
despesas e reordenamento nas receitas têm feito com que o ajuste se dê na conta de custeio. Os
níveis atuais de gastos com custeio inviabilizam o funcionamento eficaz da máquina pública, nos
moldes delineados no capítulo 1, em que as funções coordenadora e reguladora do Governo
Estadual são essenciais.
A questão previdenciária, em Minas Gerais, no Brasil e em outros estados, permanece na
pauta como um dos principais problemas, de curto e longo prazos, enfrentados pela administração
pública. Em Minas, como demonstrado no capítulo, se nenhuma nova medida for tomada, nos
próximos 10 anos alcançaremos uma situação de insustentabilidade, com prejuízos à eficácia da
máquina pública e, principalmente, com riscos para os ativos e inativos do Estado. É dever do
Estado zelar pelo bem-estar dos que contribuíram e ainda contribuem para seu funcionamento,
mas só um esforço conjunto, com a participação dos servidores, pode equacionar a questão.
No capítulo 4 Políticas Públicas do Estado de Minas Gerais para a Região Metropolitana
de Belo Horizonte as políticas para a RMBH são analisadas em duas dimensões: local e global. Na
dimensão local, os principais problemas econômicos e sociais da Região Metropolitana são apontados.
e propostas para superá-los são sugeridas. É analisada, também, a RMBH como fonte de insumos
trabalho especializado, serviços de alta tecnologia, etc. para outras regiões do Estado.
Do ponto de vista global, a Região Metropolitana é tratada como o portal de Minas para o
mundo, o locus de atração do Estado, nesse mundo globalizado, de pessoas e instituições dos
setores tradicionais e, principalmente, dos modernos e emergentes setores.
O fomento ao desenvolvimento foi identificado como uma importante tarefa do governo
Estadual. O capítulo 5 O financiamento do desenvolvimento: o papel das agências de
fomento e o BDMG pretende delimitar a atuação do Estado, em particular do BDMG, no
fomento econômico, indicando as necessidades de ação para a agência mineira nesse novo contexto
de desenvolvimento. O alinhamento às políticas federais, aos fatores exógenos, e o apoio aos
setores produtivos essenciais ao desenvolvimento sustentável devem ser os focos das políticas de
fomento.
10 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
O trabalho apresentado do capítulo 5 mostra que, além da indústria de transformação,
setor-chave da economia mineira, o sistema de fomento mineiro deve olhar com atenção para o
desenvolvimento tecnológico, a infra-estrutura e o meio ambiente, e as micro e pequenas empresas.
Novos mecanismos são propostos, como as parcerias público-privado e project finance na infra-
estrutura, adoção do protocolo verde pelo BDMG no meio ambiente e apoio às micro e pequenas
empresas nas aglomerações locais de maior potencial.
O BDMG, ao ousar em um trabalho tão amplo sobre Minas Gerais, sobre a Minas Gerais do
Século XXI, não poderia deixar de falar de si, de forma transparente e sem caráter reivindicativo.
Propõe-se, para a agência de fomento mineira, entre outras coisas, uma medida nacionalmente
inovadora na administração pública estadual: o estabelecimento de um contrato de gestão entre o
governo estadual e o BDMG. O contrato de gestão permite que a sociedade, através do governo,
estabeleça metas para o BDMG, fornecendo-lhe os meios. Isso representa um importante mecanismo
de incentivo para o BDMG e, permite que se justifique para sociedade a existência da agência
mineira de fomento.
Apresentação 11
12 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
MINAS GERAIS DO SÉCULO XXI
VOLUME IX
TRANSFORMANDO O PODER
PÚBLICO: A BUSCA DA EFICÁCIA
CAPÍTULO 1
DESENVOLVIMENTO:
MISSÃO DE TODOS
públicas vis-à-vis a empresas privadas, o que importa é que o ambiente parece estar definido, isto é,
não existe atualmente o espaço para o Estado empresário observado no passado, seja por uma
opção político-ideológica, seja por restrições fiscais.
Nesse novo ambiente, é preciso redefinir, de fato e não de jure, o papel das unidades
federativas, partindo do que cada ente da Federação pode e deve fazer para induzir o
desenvolvimento econômico e social. Com base no que se pode esperar da União, dos estados e
dos municípios no tocante ao desenvolvimento é que se deve cogitar a reformulação da máquina
pública estadual, com o estabelecimento do arcabouço institucional e das medidas gerenciais que
a alinhem com a divisão de trabalho nos demais entes da Federação. A manutenção do aparato
público estadual não articulado com os novos desafios do Estado representa um entrave ao
desenvolvimento.
Na seção seguinte, busca-se delinear a evolução do pensamento sobre desenvolvimento,
seus principais determinantes e o papel do Estado, em sentido amplo. A seção 1.3 mostra
qual o papel das unidades federativas nesse modelo de desenvolvimento, e especifica os
instr umentos desejáveis para o alinhamento da máquina pública estadual ao novo
desenvolvimento. A seção 1.4 mostra os papéis das classes políticas, de empresários e do setor
não-governamental no desenvolvimento. E a seção final tenta brevemente sintetizar as conclusões.
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1.2. Desenvolvimento: a evolução do
pensamento econômico contemporâneo
Mudanças nas conjunturas nacional e internacional vêm determinando a necessidade de
pensar novos modelos, tanto para o desenvolvimento quanto para o Estado. No tocante aos
modelos de desenvolvimento, a primeira observação é de que, aplicados indistintamente a diferentes
países, têm grande probabilidade de fracasso. O que serve para um, possivelmente não serve para
os outros, pois não há um caminho único para o progresso. A história, as normas sociais, as
instituições, o ambiente econômico, político e sociocultural de um país, condicionam e determinam
a trajetória de seu crescimento (Hoff e Stiglitz, 2001).
A primeira geração do pensamento sobre o desenvolvimento, gestada na década de 50,
considerava o crescimento da riqueza per capita do país como o principal indicador e meta para
alcançar o desenvolvimento. Essa geração enfatizava a acumulação do capital físico como principal
fonte de crescimento econômico. A idéia de que o crescimento da economia deveria suplantar o
crescimento populacional para gerar um aumento na riqueza per capita é a base dos modelos de
desenvolvimento da década de 501 .
Acreditava-se, à época, que a taxa de poupança e o investimento associado em capital
físico eram os principais determinantes do crescimento econômico. Países com taxas mais altas de
poupança cresceriam mais, e a desigual distribuição de renda, sob algumas condições, seria benéfica
ao crescimento (Lewis, 1954). A idéia de que os capitalistas poupam mais do que os trabalhadores
e de que, em função disso, maior parcela da renda nas mãos dos primeiros significa maior
crescimento chegou a ser aceita por algum tempo.
Em relação ao papel do Estado, essa primeira geração do pensamento sobre o
desenvolvimento, ainda sob os efeitos do rápido crescimento proporcionado pela reconstrução do
capital físico do Plano Marshall na Europa, apostava na intervenção do Estado através da
programação e do planejamento. Para os países em desenvolvimento, a receita era mais severa em
relação à intervenção estatal. Presumia-se, para aqueles países, entre outras falhas de mercado,
uma ausência de capacidade empreendedora e um sistema de preços não confiável. A receita
proposta incluía mudanças estruturais, tendo o Estado como principal agente nesse processo.
Surgem daí as políticas industriais, de substituição de importação e de alocação de recursos
externos ou não , coordenadas e implementadas pelo Estado através do planejamento.
Note-se que essa conformação do Estado negligenciava o papel de outros atores sociais
nas políticas de desenvolvimento, isto é, cabia ao Estado definir a alocação de recursos, o rumo
da economia. Pode-se afirmar que a primeira geração do pensamento sobre o desenvolvimento
colocava este como uma missão do Estado.
Embora a racionalidade econômica para a intervenção do Estado na economia fosse
supostamente a presença de falhas de mercado, houve uma constatação de que muitas vezes as
falhas de governo predominavam. Essas falhas de governo estariam associadas à oferta e demanda
por intervenção do Estado, isto é, a grupos de interesse que demandam políticas favoráveis e
àqueles que obtêm políticas favoráveis. As constatações de que nem sempre o bem-estar social
1
Os principais modelos da década de 50 são o de Harrod-Domar, o modelo de estágios de desenvolvimento de Rostow, o dual de
Lewis, o de crescimento balanceado de Nukes, o big push de Rosenstein-Rodans e a hipótese sobre termos de troca e substituição
de importações de Prebisch-Myrdal-Singer.
20 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
Esse receituário deu origem ao célebre Consenso de Washington, ápice do pensamento
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neoliberal, corrente ideológica associada ao Estado minimalista que guiou por algum tempo as
orientações do FMI e do Banco Mundial. Na ideologia neoliberal, o desenvolvimento, com efeito,
era uma missão do mercado.
A experiência mostrou que uma receita única para todos os países, em geral, não resultava
nos resultados esperados. Surgiram, no início da década de 90, hipóteses para explicar as diferenças
no desenvolvimento entre países, denominadas por Méier (2001) de novas falhas de mercado e
falhas institucionais.
As novas falhas de mercado são o reconhecimento da existência de informação imperfeita,
mercados e contratos incompletos e custos de transação. Além das falhas de mercado já
reconhecidas principalmente as externalidades e as falhas na competição as novas falhas de
mercado determinam novos mecanismos corretivos no ferramental do Estado. O setor financeiro
e a agricultura, em alguma medida negligenciados pela primeira geração do pensamento sobre
desenvolvimento, foram reconhecidos como fundamentais para o crescimento e o desenvolvimento
dos países.
No setor financeiro, por exemplo, a taxa de poupança, embora seja um importante
determinante do crescimento dos países, não determina automaticamente o investimento, pois
existem imperfeições no mercado de crédito. O papel do Estado, nesse caso, é garantir que os
custos de transação e os riscos dos poupadores sejam baixos, o que implica alto retorno. Contudo,
recentes desenvolvimentos das teorias de crescimento mostram que uma melhor distribuição de
renda, ao contrário do que se pensava na década de 50, pode ter efeitos positivos no crescimento
econômico, (Hoff e Stiglitz, 2001).
O acesso ao crédito depende dos bens e propriedades que o tomador pode oferecer, ao
agente de crédito, em garantia da operação. Países com distribuição muito desigual da renda têm
mercados de crédito ineficientes e, como crédito tem um papel fundamental na geração de
investimentos, o crescimento econômico acaba sento prejudicado. Isso porque indivíduos com
boas oportunidades de negócios, mas sem riqueza para dar como penhor, não têm acesso ao
mercado de crédito. Importa notar que o efeito de exclusão do acesso ao crédito, determinado
pela má distribuição de renda, tende a se reproduzir no tempo. Os recentes programas de
microcrédito tentam remediar essa imperfeição no mercado de crédito, criando um efeito catalítico
sobre o crescimento econômico.
É a terceira geração ou nova geração do pensamento sobre o desenvolvimento que reconhece
a existência das falhas institucionais como gargalos para o desenvolvimento. Mas o principal avanço
dessa nova geração é, na definição de desenvolvimento, seus indicadores e metas.
O crescimento da riqueza da riqueza per capita , os indicadores não monetários de
desenvolvimento como o Índice de Desenvolvimento Humano , a redução da pobreza e o
estoque de capital humano compõem as metas de desenvolvimento presentes na primeira e,
principalmente, na segunda geração do pensamento sobre desenvolvimento. A nova geração mostra
que o desenvolvimento é um processo não-linear, multifacetado, com diversos caminhos e
determinantes. Não existe um critério único para mensurar o desenvolvimento e nem uma receita
universal para alcançá-lo. O desenvolvimento depende da história (condições iniciais do país),
dos aspectos socioculturais e políticos e das instituições formais e informais (Adelman, 2001).
Embora não exista um único critério para mensurar o desenvolvimento, Amartya Sen (1999)
destaca que a liberdade é o objetivo primário do desenvolvimento e o principal meio de alcançá-
lo. Segundo Sen, o desenvolvimento não pode estar desconectado da vida que as pessoas vivem e
22 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
1.2.1. O pensamento sobre o desenvolvimento no Brasil
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Seguindo a evolução mundial, desde meados do século passado, o desenvolvimento figura
com destaque na agenda política nacional. Três grandes correntes de idéias formaram-se em torno
da matéria, conforme apontado por Bielschowsky (2000). A primeira, liderada por Eugenio Gudin
e Octavio Bulhões, era de feição tipicamente neoliberal. A segunda, que abrangia os chamados
desenvolvimentistas, apresentava caráter heterogêneo. Dela participavam grupos distintos: os
desenvolvimentistas do setor privado e os do setor público, estes últimos divididos entre os
economistas não nacionalistas e os nacionalistas . A terceira corrente era constituída pelos
socialistas.
A questão chave que estruturou o debate entre essas correntes e em torno da qual se
nuclearam suas posições referia-se ao papel da industrialização. Os neoliberais não se opunham
diretamente ao processo de industrialização, mas consideravam o equilíbrio monetário e financeiro
condição essencial para a promoção do desenvolvimento do País. Consonante com essa premissa,
advogavam a redução da intervenção do Estado, e eram visceralmente contrários a políticas
públicas para apoiar a industrialização, embora não vetassem medidas governamentais para sanar
as imperfeições do Mercado ou para lidar com as fases de depressão da economia (Bielschowsky,
2000, p.37).
Os desenvolvimentistas opunham-se radicalmente a essa posição, especialmente a corrente
ligada aos setores empresariais. Segundo Roberto Simonsen (Bielschowsky, 2000, p.83), esses
defendiam incondicionalmente a industrialização porque seria esse o processo que fornecia as
bases para o progresso da civilização.
O legado do desenvolvimentismo
Em meados dos anos 50, a corrente dos desenvolvimentistas havia-se tornado hegemônica
no País. Desde então, as políticas adotadas pelo Estado brasileiro para descontar o atraso e promover
a expansão da economia foram moldadas a partir das premissas dos desenvolvimentistas. Ora
prevaleceu uma de suas divisões, ora outra, mas a tônica da política foi marcada fundamentalmente
pela crença de que a tarefa do desenvolvimento deveria ser liderada pelo Estado, e não deixada às
forças espontâneas do mercado.
Forçoso reconhecer que, apesar das diferenças entre as correntes desenvolvimentistas, havia
um núcleo de pontos convergentes, quais sejam:
I. a necessidade do planejamento;
II. a defesa da intervenção estatal no desenvolvimento deveria ser liderada pelo Estado
e não deixada às forças espontâneas do mercado, seja por meio de inversões em
infra-estrutura, seja por meio de investimentos diretamente produtivos em setores
estratégicos, para suprir a insuficiência do capital nacional ou por subsídios;
III. a participação do capital estrangeiro no processo;
IV. a subordinação da política cambial e monetária à de desenvolvimento.
2
Sobre a relação entre educação e desigualdade de renda, ver Barros, Henriques, & Mendonça, 2002.
24 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
Inegáveis progressos têm ocorrido, nos últimos anos, na área educacional, depois que se
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instituiu a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação e o Fundef, contudo isso não tem sido
suficiente para compensar a defasagem do setor. Ínfima parcela das crianças em idade escolar
encontra-se fora da escola, mas a qualidade da educação no ensino fundamental é ainda um
problema. Adicionalmente, o segundo grau e o ensino técnico precisam ser significativamente
incrementados.
Encontrar meios para financiar a educação, incrementá-la, aumentar os anos de escolaridade
da população e elevar a qualidade do ensino e da aprendizagem são, talvez, os maiores desafios
que confrontam o desenvolvimento do País. Com os novos requerimentos de conhecimento exigidos
pela transformação tecnológica dos nossos dias, saber ler, escrever e contar não é suficiente. À
política educacional é preciso propor metas mais ousadas.
Ignorar o nexo causal entre educação e desenvolvimento foi, sem dúvida, o maior equívoco
das políticas de desenvolvimento postas em prática no Brasil. Perseverar nesse erro agora significaria
comprometer definitivamente o futuro do País.
Ao lado da educação, a saúde é o outro pilar do novo desenvolvimento. Por um longo
tempo as questões sanitárias foram tratadas de forma residual entre nós. Ignorou-se sua contribuição
para o desenvolvimento. Um direito social instituído pela Constituição de 1988, a saúde traz
ganhos para a produtividade da educação, eleva a renda nacional, ao diminuir os dias perdidos de
trabalho, e concorre para a redução da pobreza (Macroeconomics, 2001). A saúde está ligada à educação,
saneamento, alimentação, enfim, às condições de vida. Mas enquanto não é possível sanar os
problemas com os determinantes da saúde, é preciso remediá-los.
A criação do SUS, no bojo da nova Carta Constitucional, representou um avanço, mas
também trouxe novos dilemas. Com o novo sistema, as responsabilidades dos entes federativos
pela política foram melhor definidas, cabendo à União a provisão dos recursos, e, aos municípios,
a prestação de serviços. Os estados, entretanto, ficaram emparedados e difusos, competindo-lhes
complementar a atuação do poder público municipal e algumas outras funções.
O SUS paga ainda o preço da juventude, magnificado pela grandeza dos números e a
complexidade dos problemas. Se trouxe ganhos, como os decorrentes da descentralização, a
separação entre provisão e produção dos bens de saúde, entre outros, carece de reformulações e
melhor aproveitamento de suas potencialidades.
Outra área, que também deve integrar a linha de frente das políticas de desenvolvimento
do País, é a da proteção ao meio ambiente. Embora tenha havido avanços desde meados dos anos
70, quando o tema veio à baila em encontro da ONU em Estocolmo e entrou na agenda dos
países, entre nós a política ambiental tem-se dado em bases fragmentárias, marcada pela oscilação
na prioridade que lhe concedem os governos.
Conflitos de várias ordens, entre agentes produtivos que competem pelo uso de um
determinado recurso, entre produtores e consumidores, entre habitantes das diferentes localidades
onde se dá a produção e os depósitos dos resíduos, entre os que querem produzir e os que querem
conservar, tornam inviável a solução dos problemas ambientais só via mercado.
Ademais, no âmago da questão está o dilema do quanto e de como extrair as riquezas
naturais para propiciar a satisfação atual das necessidades dos indivíduos, sem comprometer os
processos de regeneração da natureza e sem prejudicar as gerações futuras. Em vista dessas
razões, é inevitável a regulação do Estado3 .
3
Ver a detalhada análise sobre o assunto, vol. VII.
4
Ver, a propósito do assunto, Meio Ambiente e Desenvolvimento, neste Estudo.
5
Neste Estudo, no capítulo referente ao meio ambiente (volume VII), são apresentadas diferentes concepções do desenvolvimento
sustentável. Ver também a Agenda 21, documento do governo brasileiro a ser apresentado em reunião da Eco3, a se realizar em
2003 em Joanesburgo, que se encontra disponível no site do Ministério do Meio Ambiente.
26 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
QUADRO 1
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40 anos
O "VELHO" E O NOVO DESENVOLVIMENTO
VELHO DESENVOLVIMENTO
NOVO DESENVOLVIMENTO
Período Kubistcheck Milagre Brasileiro
Papel do Estado Hegemônico. Hegemônico. Regulador, garantidor da
estabilidade, articulador e
mobilizador da sociedade
organizada.
Planejamento do De cima para baixo, com De cima para baixo. Horizontal e participativo.
desenvolvimento mobilização política a
posteriori.
Eixos da ação Capital físico. Capital físico, apoio à Estabilidade, capital humano
desenvolvimentista indústria de base, e capital social.
Estado-empresário.
Instrumentos de Investimentos públicos. Investimentos públicos, Regulação, privatizações,
política reservas de mercado, concessões, alianças e parceria
investimentos produtivos com os setores organizados da
com controle integral sociedade.
do Estado.
Financiamento do Poupança pública Poupança do Estado Poupança pública (limitada),
desenvolvimento (abundante), (abundante), investimentos privados.
investimento estrangeiro poupança privada
(abundante). compulsória (abundante),
capital externo,
(abundante).
Atores do Técnicos e políticos. Técnicos e organizações Técnicos, políticos, empresários
desenvolvimento de grupos empresariais. e organizações estruturadas da
sociedade.
Estado
Desde o princípio dos anos 90, em resposta às transformações no quadro externo e interno
do país, vêm ocorrendo mudanças na organização e no modo de atuação do aparato do Estado
brasileiro, com reflexos diretos sobre o estilo e o modelo de desenvolvimento.
A crise fiscal e financeira por que vem passando o País praticamente inviabilizou a estratégia
levada a cabo na era desenvolvimentista da presidência Kubitscheck e no período do milagre.
Desde meados dos anos 80, o poder público não conta com folga de recursos e nem pode recorrer
à clássica solução da poupança compulsória, porque a carga tributária já se encontra em patamar
muito elevado (Giambiagi, 2002).
Paralelamente, a inserção crescente do Brasil no quadro da economia globalizada impõe
modificações e restrições às políticas de desenvolvimento que limitam a possibilidade de o Estado
lançar mão de instrumentos clássicos de financiamento do desenvolvimento, como, por exemplo,
os subsídios. Acordos internacionais, como os estabelecidos com a participação na Organização
Mundial do Comércio, reduzem cada vez mais o uso desses mecanismos.
De fato, o modelo do Estado empresário, ápice da filosofia desenvolvimentista, não tem
mais lugar no cenário atual do País e do mundo. Ainda que se possa tentar justificá-lo no passado,
pelas peculiaridades do desenvolvimento tardio ou periférico, pelas limitações do capital nacional,
os baixos fluxos de capital internacional ou pela pequena atratividade do Brasil para os investidores
estrangeiros, hoje tal arranjo não mais se sustenta.
A visão predominante considera que o espaço de atuação do Estado, em sentido amplo, é
determinado principalmente pela presença de falhas de mercado, situações em que o mercado
fracassa em alocar eficientemente os recursos. As falhas de mercado são muitas externalidades,
falhas na competição, informação imperfeita, mercados e contratos incompletos e, com efeito,
existe um grande espaço para a atuação do Estado, seja através de mecanismos regulatórios com
possibilidade de imposição de taxa, subsídios e outros controles, seja, em alguns casos, através da
provisão pública de bens e serviços6 .
Dessa análise constata-se que visões maniqueístas, que tentam colocar, de um lado, o
Estado empresário, e, de outro, o Estado minimalista, não incorporam os preceitos básicos da
teoria econômica (Rodrik, 2002). O Estado pode e deve atuar quando há falhas de mercado;
contudo, muitas vezes, é difícil identificar essas falhas e determinar quais são as melhores formas
de intervenção do Estado na economia. Esse é o maior desafio que enfrentamos.
O modelo do Estado empresário brasileiro exauriu-se no início da década de 90. Os ganhos
que dele poderiam advir são mais que sobrepesados pelas desvantagens que acarretam na atualidade
ou carregam para o futuro, tanto em termos econômicos quanto sociais. Isso não quer dizer que o
Estado deva abdicar de exercer papel ativo na busca do desenvolvimento. Ao contrário, as carências
da economia brasileira e o déficit social do País não foram eliminados, e o mercado, superior na
alocação de recursos em muitos casos, não saberia nem teria como responder a esses desafios
sozinho. Por outro lado, a globalização, com suas exigências de abertura do comércio e dos fluxos
de capitais e de informação, somada à intensa revolução de base científico-tecnológica, sepultou
de vez a quimera do desenvolvimento autárquico.
6
Laffont e Tirole (1993) discutem as vantagens e desvantagens da provisão pública vis-à-vis à provisão privada regulada. O
principal resultado mostra que só uma análise caso a caso pode concluir em direção a uma ou outra forma de provisão.
28 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
O País não encontrou ainda o molde certo para sua inserção na nova ordem econômica
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40 anos
internacional. Não somos mais a nação rural e agrária dos anos 40, que tinha no café o item
principal de sua pauta de exportações. Temos uma base industrial sólida e diversificada, que, nos
últimos anos, à medida que se dava a abertura comercial, tornou-se competitiva, mesmo não
contando com subsídios e tratamento governamental privilegiado. A própria agricultura expandiu-
se e modernizou-se, e apresenta hoje elevado nível de competitividade. Mas isso não significa a
viabilidade de um projeto de desenvolvimento autônomo e fechado.
Frente às circunstâncias históricas atuais, agravadas pela debilidade da economia brasileira,
e considerando o estágio de crescimento alcançado no País e as exigências de participação e
legitimidade políticas criadas com a consolidação da democracia entre nós, a missão do
desenvolvimento exige um Estado eficiente e organizado em bases novas. Cabe-lhe, antes de mais
nada, propiciar as condições e o ambiente para que floresçam os investimentos e o progresso. Tais
exigências tornam imperiosa a estabilidade, não apenas a econômica e financeira, que requer a
administração prudente dos recursos públicos, mas a estabilidade em seu sentido amplo, com a
institucionalização de regras críveis, para que se alcance a previsibilidade de negócios, o que
permitiria, assim, decisões com horizonte de tempo mais largo.
Avulta nesse quadro o papel institucional e regulador que o Estado deve assumir entre nós.
Mercado e Estado não são antípodas. Aquele precisa das garantias deste para operar. Só a confiança
entre as partes não assegura o cumprimento dos contratos. A interação dos agentes econômicos
seria caótica, se não houvesse leis, marcos institucionais e credibilidade para mediá-la. Tudo isso
só se conquista a longo prazo, pois leva tempo para os agentes crerem que os governos não
romperão ou não revisarão unilateralmente contratos frente a contingências ou pressões políticas
inesperadas. Se, como se acredita atualmente, as instituições e a regulação determinam o
desenvolvimento econômico, o desenho dessas instituições pode ser benéfico ou prejudicial ao
desenvolvimento.
A regulação pública não é, pois, invasão descabida dos mercados. Na realidade, é condição
sine qua non para que os mercados existam, sejam completos e funcionem efetivamente. Códigos
de consumidores ou legislações sobre sociedades anônimas que incentivem o disclosering são
instrumentos indispensáveis para fazer valer o que foi pactuado, para proteger as relações entre os
agentes econômicos e impedir que prevaleça a lei do mais forte. Contudo, mais uma vez, não
bastam leis, marcos institucionais ou boas intenções, já que os mercados respondem a incentivos.
Incentivos, de fato, são determinantes desse novo ambiente, pois representam a resposta de todos
os agentes a uma ação governamental.
Com efeito, incentivos podem ser ou não bem-sucedidos na promoção do desenvolvimento.
O estabelecimento de instituições e o desenho de contratos, incluindo contrato implícitos entre o
governo e a sociedade, são condições necessárias para colocar o País na rota do desenvolvimento.
Complementarmente, o que costuma ser denominado atualmente de capital social normas,
redes de informação, mecanismos de reputação, sanções sociais e todos os outros contratos
estabelecidos informalmente pela sociedade têm importantes efeitos sobre o desenvolvimento
econômico e social. O capital social, claramente, depende da história do País, mas pode ser
desenvolvido através de políticas que aumentem o conhecimento da sociedade. Por exemplo, a
violência urbana, que gera efeitos indesejáveis no desenvolvimento, pode ter como um dos
determinantes a ausência de capital social. O enforcement fazer cumprir das leis depende do
capital social associado, ou seja, dos contratos implícitos que a sociedade estabelece.
A função das instituições, da regulação e do capital social é solucionar os problemas de
coordenação que propiciam mercados incompletos. As justificativas para a correção das falhas de
É contra o pano de fundo dessas considerações que se propõe que o governo de Minas Gerais
se estruture e formule sua estratégia de desenvolvimento para o Estado. O estágio desse processo
no País e em Minas, as lições do passado, somadas às circunstâncias internas e externas do presente,
com suas restrições, indicam a necessidade imperativa de reciclar o papel do Estado. Entretanto,
falta definir qual é o papel das unidades federativas nessa nova idéia de desenvolvimento. As políticas
indutoras de desenvolvimento delineadas até aqui são, em grande medida, de incumbência da esfera
federal do governo. Resta definir o papel das unidades federativas, em particular de Minas Gerais,
no novo desenvolvimento.
30 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
1.3.1. Minas Gerais e o novo desenvolvimento
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Com a Constituição de 1988, os estados ficaram espremidos e emparedados entre a União
e os municípios: estes últimos, guindados, pela primeira vez, à condição de entes autônomos da
Federação brasileira. Matérias, como as relativas ao meio ambiente, que pela Carta de 1946 pertenciam
exclusivamente à órbita estadual, passaram a ser compartilhadas com a União e com os municípios.
Por outro lado, os estados perderam autonomia em relação a outras questões que passaram a ser
detalhadas na Constituição Federal, como as pertinentes à organização administrativa. Apesar disso,
o poder público estadual continua a ter um papel de relevo no tocante ao desenvolvimento de seu
território. Cabe a ele proceder de forma própria e independente, mas também supletiva à União,
explorando primeiro as potencialidades que lhe conferem seu papel constitucional e tratando de tirar
partido das brechas e lacunas da atuação do Governo Federal e dos municípios, buscando com isso
encontrar um nicho que lhe seja pertinente para participar desse processo.
Em princípio, à União compete, primordialmente, propiciar as condições de ambiência
estável para o desenvolvimento, induzir, aglutinar e articular a ação em prol do crescimento em
âmbito nacional, combater a pobreza e a desigualdade social e promover a igualdade de
oportunidades e a redução das disparidade regionais.
Aos estados incumbe atuar supletiva e complementarmente à União, exercer a regulação
que lhes foi destinada pela Constituição, garantir a segurança pública, desempenhar com eficiência
e efetividade os papéis que lhes são atribuídos na saúde, na educação e na proteção ao meio
ambiente, explorar e potencializar os recursos dormentes ou pouco aproveitados em seu território,
mobilizar e catalisar as forças sociais e regionais em prol do desenvolvimento e reduzir as diferenças
entre as diversas áreas e municípios que integram seu território. Adicionalmente, cabe à unidade
federativa garantir a estabilidade e credibilidade das instituições para assegurar os incentivos ao
investimento.
Aos municípios, guindados à condição de ente federativo pela Constituição de 1988, foram
destinadas, principalmente, a jurisdição sobre as matérias locais e grande parte da responsabilidade
pela prestação dos serviços públicos básicos.
Para desincumbir-se das tarefas que lhes tocam em relação ao desenvolvimento, é
indispensável que os governos estaduais se aparelhem para lidar com os seguintes desafios:
I. aproveitar as oportunidades criadas com as políticas nacionais;
II. identificar os potenciais de crescimento próprio e desenvolver estratégias para
potencializá-los;
III. coordenar e integrar as ações dos municípios para suprir deficiências de escalas na
produção de bens ou serviços de responsabilidade do escalão municipal de governo,
para sanar falhas de comunicação e informação na implementação de políticas
públicas prestadas localmente e para complementar decisões municipais que têm
alcance regional e apresentam interdependência com relação a iniciativas de outros
municípios que integram um mesmo espaço articulado;
IV. criar mecanismos que assegurem o afluxo de capital para região;
V. garantir um nível de educação básica à população, de modo a permitir a formação
de mão-de-obra minimamente qualificada.
A realização desses objetivos requer, por uma parte, que a estrutura organizacional e o
modo de atuação do poder público estadual sejam alinhados com o Governo Federal e, por outro,
que se reconheçam os papéis, os limites e os constrangimentos para a atuação de cada instância
governamental.
7
O vol. VIII do Minas Gerais do Século XXI contempla trabalhos sobre Saúde, Habitação, Segurança, Educação Pobreza e Emprego.
32 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
Uma das oportunidades endógenas para o desenvolvimento de Minas vincula-se à existência,
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no território mineiro, de numerosas aglomerações produtivas, com diferentes graus de dinamismo
e em distintos estágios de consolidação. Cabe ao Governo Estadual apoiá-las e estimulá-las,
reforçando a oferta de capital humano de que precisam, levantando suas carências, inventariando
seus recursos, oferecendo informação e espaço institucional para a integração dos agentes políticos
econômicos locais e das lideranças das organizações comunitárias estruturadas, e mediando e
intermediando a solução dos problemas que podem tolher seu crescimento.
Nos últimos anos, a economia mundial alcançou nível sem precedentes de articulação e
interdependência. Consumidores e produtores, crescentemente separados geograficamente,
encontram-se cada vez mais próximos. Os fluxos financeiros passaram a se mover em velocidade
instantânea. A produção se globalizou e a competição, agora, é de todos contra todos, ou de
blocos contra blocos, e acirrada. Em conseqüência, mudou a ordem econômica internacional,
provocando crises, mas ensejando também oportunidades.
No plano das empresas teve lugar processo semelhante. A organização vertical da produção
cedeu lugar à terceirização e a formação de cadeias produtivas. A grande empresa volta-se cada
vez mais para o seu core business, e a questão da eficiência e da inovação tecnológica não se põe
apenas para ela, mas para toda sua cadeia de produção, com diferentes fornecedores e empresas.
Sobrevive nessa etapa nova da organização econômica mundial quem detiver vantagens
competitivas.
Diante desse quadro, o objetivo do desenvolvimento de Minas deve ser o aumento da
competitividade de sua plataforma econômica; o alvo, as cadeias produtivas e as aglomerações de
base territorial; e o instrumento principal, a mobilização dos atores organizados nas comunidades
locais e regionais. O objetivo maior deve ser o de transformar as vantagens comparativas de
Minas Gerais em vantagens competitivas reais e duradouras, com impacto além de suas fronteiras
físicas dentro do Estado8 .
Isso não quer dizer que o governo de Minas deva deixar de fazer investimentos em capital
social básico que se afigurarem necessários para o progresso do Estado. Deve buscar fazê-lo
preferentemente por meio de parcerias, ou delegando a tarefa através de concessões, ficando a
seu cargo apenas nos casos em que, por razões de escala, não houver economicidade para
capitais privados.
A nova dinâmica do desenvolvimento mineiro reclama a contrapartida de mudanças no
aparato público mineiro. Para responder à nova exigência, é preciso reestruturar a máquina
governamental de Minas, fortalecendo o planejamento não o planejamento compreensivo e
com pretensões oniscientes e onipotentes, mas o planejamento adaptativo ou um muddling through
articulado e deliberado , redesenhando suas instituições e organizações e aprendendo a operar
em moldes participativos, e não por decreto ou por um fiat governamental.
A nova dinâmica do desenvolvimento de Minas requer, além de um estilo novo de atuação
do Estado, a inclusão ativa a esse processo da classe política, dos empresários, do poder público
municipal, das lideranças organizadas das comunidades e das organizações não-governamentais.
Tais mudanças respondem a necessidades trazidas pela redemocratização do País e pelas exigências
da construção-consolidação da ordem democrática entre nós. Dentre essas exigências novas estão
a transparência, o controle social do Estado e a participação. Na ambiência do desenvolvimento
democrático, os mecanismos da ação do Estado precisam ser porosos e aptos a abrigar os reclamos
dos protagonistas desse processo.
8
As idéias aqui expostas beneficiaram-se de sugestões discutidas com William Penido e Glaucia Penido.
9
A Ciência Política dispõe de métodos e técnicas para fazê-lo, mas eles não existem quando se trata da classe política mineira.
34 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
Entretanto, apesar desse desequilíbrio do arranjo federalista, sobram espaços para o poder
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legislativo dos Estados atuarem, e a Assembléia de Minas pode e deve fazer muito pelo
desenvolvimento mineiro. Antigamente conhecida como lei de meios, o orçamento é peça de
elaboração conjunta do Executivo e Legislativo estaduais. É nele que estão contidas as provisões
de recursos financeiros para as atividades do poder público.
A feitura do orçamento estadual deve alinhar-se ao esforço desenvolvimentista. Mas o
papel do Legislativo não deve ficar adstrito ao exame e à aprovação da proposta orçamentária do
Executivo, legitimando-a ou não. Compete-lhe ir além e acompanhar e avaliar a execução dos
programas nela contidos, verificando se os efeitos que deles se esperavam foram alcançados,
ouvindo autoridades responsáveis por sua execução e os públicos-alvo supostamente por eles
beneficiados, para verificar o acerto das medidas, os desvios de rotas e os erros porventura
cometidos tanto em sua concepção quanto em sua implementação.
A intervenção na realidade social e econômica, através de políticas, programas e projetos,
é tarefa complexa e sujeita a incertezas de várias ordens. Boa parte dos problemas atacados é
pouco conhecida, e a teoria, argumento ou idéia subjacente às medidas públicas para saná-los têm
caráter quase experimental. A avaliação dos programas, ao apontar os erros e ao identificar os
acertos, concorre decisivamente para a aprendizagem requerida para melhorar a ação do Estado.
Não é só por esse ângulo que a tarefa do Legislativo de avaliar as políticas públicas estaduais
se faz necessária e possível. A implementação de políticas não é um processo automático. Decisões
tomadas em instâncias mais altas da burocracia são interpretadas e podem ser distorcidas; e,
quando há a intervenção de diversos agentes, é necessária a coordenação, o que pode retardar o
processo e alterá-lo. O trabalho do Legislativo, monitorando e acompanhando de perto as ações
do Executivo, é fundamental para identificar falhas de execução, problemas não antecipados e
conflitos de interesses que porventura se manifestem no curso da implementação de políticas.
Entretanto, não apenas por isso se postula a participação da classe política no
desenvolvimento mineiro. A estratégia que se preconiza para esse processo em Minas, com ênfase
em ações integradas e prioridade concedida para as aglomerações de atividades produtivas, supõe
a mobilização do capital social das comunidades locais, a mobilização de suas lideranças formais
e informais e das organizações não-governamentais com atuação na região. Os representantes
políticos dessas comunidades no parlamento estadual não poderiam ficar ausentes.
A atuação do Estado, nos moldes acima delineados, implica de fato a criação de novas
instâncias públicas de decisão. Excluir, ou não contar com a presença ativa de parlamentares
junto a essas arenas novas de deliberação política, poderia levá-las a colidir ou a entrar em conflito
com as instituições formalmente encarregadas da representação da vontade popular no Estado.
Sabe-se que, apesar da inexistência da representação por distritos e embora a legislação
eleitoral propicie a escolha de representantes votados em todo o território estadual, grande parte
do corpo de legisladores estaduais de fato representa regiões e sub-regiões do Estado. Em outras
palavras, os deputados, tanto federais quanto estaduais, são, na sua maioria, também deputados
distritais. Não bastassem ao deputado outras qualificações advindas de seu papel como
representante político da população, essa, por si só, já o torna um interessado nas questões locais,
com direito a assento nas novas instâncias de deliberação que vierem a ser criadas para a mobilização
das comunidades em prol do desenvolvimento de Minas.
Colocados frente a frente com as lideranças locais e as entidades das comunidades que
representam, os parlamentares teriam todas as razões para se comprometerem com o que for
decidido e se empenharem com o encaminhamento da solução junto a outras instâncias, inclusive
e principalmente, a Assembléia Legislativa de Minas.
Entre 1969 e 1975, a economia mineira experimentou vigoroso impulso. US$4,3 bilhões
foram aplicados em novas plantas ou na expansão da capacidade industrial existente no Estado
no período (Diniz, 1978 e Andrade, 1980).
A atração de investimentos deveu-se não só às condições propícias do quadro econômico
nacional, mas também, e principalmente, em virtude do aparato institucional montado pelo governo
mineiro.
Havia um projeto de desenvolvimento para Minas10 , respaldado por um arranjo de órgãos
e instituições da administração estadual. A Secretaria de Estado da Fazenda, o BDMG, o INDI, o
CDI e a Fundação João Pinheiro foram ativos protagonistas desse processo e constituíram o
diferencial de Minas na competição com outros Estados.
Tal modelo esbarra hoje nas incertezas da conjuntura nacional, nas barreiras legais à guerra
fiscal e na oposição de significativas correntes da opinião pública que teme distorções na política
estadual de atrações de investimentos. Isso não significa que a única via aberta é a do
desenvolvimento autóctone. O Governo Estadual deve continuar a luta para atrair capitais e
empresas de fora, mas procurando vender as vantagens comparativas de Minas, e concedendo
subsídios apenas nos casos de projetos com grande impacto na economia das regiões e nas cadeias
produtivas do Estado.
A viabilidade do desenvolvimento estadual assenta-se, principalmente, nas potencialidades
de sua base territorial. Minas conta com 40 aglomerações produtivas distribuídas em quase todas
as suas regiões 11 . Essas aglomerações encontram-se em diferentes estágios de maturação e
consolidação e precisam de ser alavancadas para que alcancem patamares crescentes de
competitividade e possam sobreviver e crescer. Para lograr esse objetivo, é imprescindível contar
com a participação e o apoio dos segmentos empresariais.
Há quase quatro décadas, o BDMG lançou as chamadas Jornadas para o Desenvolvimento,
encontros com pequenos empresários locais, em que buscava despertá-los para as oportunidades
de investimento nas comunidades. A experiência não foi bem-sucedida e logo seria abandonada
pelo Banco. Há que se pensar se seria viável agora. Para tal, um dos pontos de análise é com
relação ao principal problema apontado pelos técnicos das Jornadas: a falta de empreendedorismo,
ou de mentalidade empresarial, dos envolvidos. de que se queixavam à época os técnicos das
Jornadas não seria mais problema?
Seria um equívoco supor que as Jornadas para o Desenvolvimento eram equivalentes à
dinâmica do desenvolvimento a partir das aglomerações produtivas e com base territorial. As
Jornadas visavam garimpar os talentos empresariais locais e despertá-los para o aproveitamento
das oportunidades que a economia do município ou da região lhes ofereciam. O foco era, portanto,
o indivíduo. Ademais, tais esforços limitavam-se a encontros, precedidos de um mapeamento das
potencialidades, e não havia seqüência nesse trabalho. Na atualidade, o quadro é bem diverso.
Muitas micro, pequenas e médias empresas que respondem por significativa parcela da produção
e do emprego gerado em Minas encontram-se nucleada em aglomerações produtivas que seriam o
alvo prioritário da nova dinâmica do desenvolvimento mineiro.
10
O projeto de desenvolvimento de Minas não coincidia com as recomendações e estratégias formuladas no Plano Mineiro de
Desenvolvimento Econômico e Social (PMDES), conforme se pode depreender da análise de Andrade (1980).
11
Ver Volume VI deste Estudo.
36 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
As Jornadas fracassaram porque partiam do pressuposto de que ao empresário bastava
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apenas o conhecimento das oportunidades de empreendimento para que se decidissem a fazer o
seu aproveitamento e exploração. O micro e o pequeno empreendedor, contudo, precisam de ser
apoiados para se engajarem no processo de desenvolvimento nos moldes delineados (Olson Jr.,
1968), que é essencialmente um jogo de cooperação envolvendo uma ação coletiva da qual
participam o Estado, as lideranças locais formais e informais e representantes dos segmentos
organizados da comunidade local. Isso porque, para superar as barreiras que tolhem o seu
crescimento, as organizações produtivas de uma aglomeração precisarão contar com recursos não
apenas materiais e financeiros, mas de outra ordem, parte dos quais depende da ação concertada
entre eles e deles com o poder público local, o Estado e as lideranças e agentes comunitários.
Amiúde, costuma-se retratar o empresário mineiro como pouco empreendedor ou carente,
até mesmo de espírito ou mentalidade empresarial. As causas apontadas para esses alegados defeitos
são difusas, equivocadas e preconceituosas e resvalam quase sempre para o campo cultural.
Esse estereótipo não se aplica na prática. O empresariado mineiro é, em geral, formado
por numeroso grupo de pequenos proprietários, com interesses atomizados, especialmente nas
cidades do interior. Sua mobilização e participação em ações coletivas, como de resto a de todo
ator social ou político com grande contingente de membros, só ocorrem quando são
convenientemente incentivados(Olson Jr., 1968). No tocante ao empresário mineiro, não há,
pois, razões para duvidar que responderá positivamente às iniciativas de desenvolvimento
projetadas.
Deriva daí a necessidade de criar espaços institucionais no nível local ou sub-regional,
combinados com estímulos, para induzir o empresário a participar, logrando, assim, o
desenvolvimento almejado. Tais espaços e mecanismos serão tratados e discutidos
detalhadamente no próximo capítulo deste estudo, quando se abordar a reestruturação da máquina
pública mineira.
12
Esta seção é uma compilação literal do trabalho de Teodósio (2002), elaborado especificamente para este Estudo.
matizes. Eis alguns exemplos de organizações que podem ser definidas como pertencentes ao
Terceiro Setor:
associações comunitárias;
organizações não-governamentais (ONGs);
instituições filantrópicas;
fundações;
igrejas e seitas;
organizações sociais (OS, conforme definição da proposta de reforma do Estado);
projetos sociais desenvolvidos por empresas;
sindicatos.
O ponto de convergência entre as várias organizações que comporiam o Terceiro Setor
parece ser a ausência do lucro como finalidade central em sua orientação gerencial e a objetivação
de benefícios para toda a comunidade ou grupos sociais específicos. Dentre os fatores articuladores
desses grupos/organizações encontram-se variáveis não excludentes, como localização geográfica,
etnia, ideologia, condição socioeconômica, interesses econômicos, políticos e sociais, orientação
religiosa, opção sexual, dentre outros.
Por detrás da atenção crescente da mídia e da academia com relação ao Terceiro Setor,
encontram-se algumas concepções modernizantes das políticas sociais. Ora estando mais próximas
do cidadão, ora provendo políticas públicas com maior eficiência, eficácia e efetividade, as
organizações da esfera pública não-governamental apresentariam as seguintes virtudes:
maior proximidade do cidadão, tendo maiores chances de fornecer os serviços e benefícios
públicos que a população deseja e não aqueles que o Estado lhes deseja oferecer (Ioschpe,
1997; Tenório, 1997);
maior agilidade e desburocratização, visto que apresentariam estruturas de funcionamento
reduzidas, ágeis e não submetidas aos rigores legais que imperam na esfera pública estatal
(Morales, 1999; Barreto, 1999);
melhor utilização das verbas, dado o fato de que não gastariam recursos com folhas de
pagamento muito extensas, sofisticação tecnológica ou estruturas físicas gigantescas,
canalizariam todo o dinheiro para a ponta dos projetos sociais (Ioschpe, 1997; Barreto,
1999);
desenvolvimento mais profundo da cidadania, na medida em que envolveriam pessoas
da comunidade, principalmente na condição de trabalhadores voluntários, na solução
dos problemas sociais, rompendo com uma postura comodista, fatalista e imobilista da
sociedade (Ioschpe, 1997; Álvares, 2000);
valorização de soluções da própria comunidade, que seriam não só mais baratas e fáceis
de aplicar, mas, muitas vezes, mais eficientes do que as grandes soluções idealizadas e
implementadas através de políticas públicas centralizadas (Teodósio, 2000);
rompimento do assistencialismo, ou seja, a quebra de uma posição de paternalismo com
relação aos pobres. Isso se daria principalmente pelo fato de os projetos sociais no Terceiro
Setor sempre buscarem algum tipo de contrapartida por parte do cidadão beneficiado
(Melo Neto & Froes, 1999);
38 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
geração de emprego e renda, através da criação de trabalho remunerado em projetos
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sociais. Para muitos, o Terceiro Setor seria a saída para o desemprego, ao incorporar a
mão-de-obra expulsa do Primeiro e do Segundo Setor pelos processos de reestruturação
organizacional implementados por grandes corporações privadas e pelo Estado (Rifkin,
1995; Salomon, 1998);
controle sobre o Estado, cobrando uma atuação direta sobre os problemas sociais, coibindo
a corrupção, exigindo a modernização das políticas públicas e avaliando os resultados
dos programas sociais (Barreto, 1999).
Trata-se, muitas vezes, de organizações que conseguiram resolver um dos grandes dilemas do
Terceiro Setor: a captação de recursos.
Dentre as estratégias para se conseguir provimento regular de recursos encontram-se
desde a comercialização de produtos ligados à luta social empreendida até o recolhimento de
doações. Porém essas estratégias de captação de recursos podem incorrer na perda de foco no
objetivo principal da organização ou movimento social, despendendo energias e recursos mais
para a sobrevivência própria do que no ataque aos problemas sociais. A tendência a voltar-se
mais para a sobrevivência organizacional, desprendendo-se das demandas da base comunitária,
longe de ser um fenômeno residual, é uma das categorias centrais de análise dos movimentos
sociais, remetendo ao dilema micheliano da chamada Lei de Ferro das Oligarquias (Azevedo
& Prates, 1991).
Por fim, em algumas organizações do Terceiro Setor existem as tentativas de influência
nos processos decisórios, quer seja do Legislativo ou do Executivo. Percebe-se que o universo
do Terceiro Setor é bastante heterogêneo em relação a essa capacidade de ação. Pode-se encontrar
desde ONGs com significativo poder de intervenção na definição de agendas internacionais,
fato bastante comum entre algumas organizações de alcance planetário, até movimentos sociais
desprovidos de capacidade de articulação política.
Nesse aspecto, um ponto importante de reflexão diz respeito à focalização exagerada das
políticas públicas em decorrência da ação de grupos de representação dos interesses de
organizações do Terceiro Setor. Ainda que o clientelismo e a disputa por recursos públicos
possam ser inerentes ao processo democrático, pode-se reproduzir, com o fortalecimento do
Terceiro Setor, uma verdadeira lei da selva, na qual apenas os melhor aparelhados, política e
gerencialmente, obterão recursos, em detrimento de projetos sociais relevantes mas poucos
estruturados para a disputa política e econômica.
Ressalte-se, contudo que, dentro da lógica da ação coletiva, e a partir da constatação de
que os grupos de interesse mais bem organizados historicamente não representavam o desejo
da coletividade, a presença do Teceiro Setor pode ser bastante benéfica, uma vez que proporciona
maior equilíbrio ao jogo político, organizando interesses de grupos mal organizados, usualmente
numerosos e mal informados, isto é, em larga medida, excluídos da decisão política.
Organizações não-governamentais se constituíram, nos últimos anos, tanto no Brasil
quanto no cenário internacional, como atores sociais extremamente relevantes nos processos
políticos. Questionamentos à legitimidade de suas ações, como nos recentes episódios envolvendo
ONGs internacionais na Amazônia, que culminaram na instauração da chamada CPI das
ONGs, ou mesmo nos escândalos de desvio de verbas no Rio de Janeiro durante década de
80, parecem não ter maculado sua centralidade nas discussões sobre o provimento de políticas
públicas e a imagem construída pela mídia em torno das virtudes cívicas das organizações não-
governamentais.
Nesse sentido, não é exagero afirmar que o imaginário social construiu uma percepção
extremamente positiva acerca dessas organizações, associando-as a uma profunda legitimidade
social, a representação de eficiência dos interesses públicos, ao trato correto dos recursos públicos
e, principalmente, ao alto conteúdo de participação popular em suas atividades, propostas e
estruturas organizacionais.
É justamente na caracterização da natureza gerencial das ONGs que se encontram os
principais fatores para análise da ação dessas organizações. A forma como as ONGs delimitam
40 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
para si a questão social fundamenta-se em sua dinâmica econômica-gerencial-institucional.
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Nesse sentido, cabe questionar como é exercido o poder para fora e para dentro de sua
estrutura organizacional, ou melhor, como se constrói a participação popular em seus mecanismos
internos e quais são seus desdobramentos sobre sua ação externa (Teodósio, 2000).
Percebe-se que a concepção da participação como panacéia para a gestão de políticas públicas
e o rompimento dos impasses da democracia no Brasil podem gerar efeitos indesejáveis sobre as
metas propostas. O espaço da gestão pública apresenta-se como construto social inacabado, fundado
tanto na preparação técnica quanto no exercício da política.
A consolidação de práticas participativas na gestão de políticas públicas têm como caminho
tanto a democratização dos bens quanto a gestão do poder. Essas duas faces de uma mesma
moeda, chamada democracia, indicam não só que ganhos valorativos devem vir acompanhados
de avanços materiais, pois se reforçam continuamente. Indicam, antes de mais nada, que na esfera
da gestão pública faz-se necessário o esforço contínuo e a autocrítica dilacerante, visto que as
possibilidades de modernização se fazem sempre acompanhadas de dilemas e impasses. Nesse
sentido, cabe lembrar as palavras de Putnam et al. (1996, p. 194): Criar capital social não é fácil,
mas é fundamental para fazer a democracia funcionar.
1.5. Conclusões
42 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
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1.6. Referências Bibliográficas
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46 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
MINAS GERAIS DO SÉCULO XXI
VOLUME IX
TRANSFORMANDO O PODER
PÚBLICO: A BUSCA DA EFICÁCIA
CAPÍTULO 2
REFORMULANDO A MÁQUINA
PÚBLICA
Caio Marini
(Administrador público, Assessor do SERPRO e Professor colaborador da Fundação Getúlio Vargas)
(Organizador: D.PE/BDMG)
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................................................ 51
A crise mundial dos anos 1970, que provocou iniciativas de reestruturação econômica e
a reconfiguração das estratégias empresariais em todo o mundo, também introduziu no debate
sobre o Estado questões relativas às necessidades de incorporação de novos papéis, de abandono
de outros e, sobretudo, a exigência de sua reorganização. O enfrentamento de tais questões se
aprestava, já nos anos 80, como pontos fundamentais para enfrentar a crise econômica e para
adequar o Poder Público aos novos requerimentos.
Esta crise, em que pese a preponderância da dimensão financeira (incapacidade de gerar
poupança pública para a realização dos investimentos sociais e de infra-estrutura), colocava em
questionamento o modo tradicional de organização e gestão governamental, a partir do
esgotamento do modelo burocrático de administração pública vigente. Como conseqüência,
vinha produzindo um profundo déficit de desempenho em termos da baixa qualidade (e
quantidade) na prestação dos serviços ao cidadão, que é a dimensão percebida pela sociedade.
Esse cenário colocava um caráter emergente à necessidade de reformar o Estado e, mais
particularmente, o seu aparato administrativo, a partir de três movimentos centrais:
Busca permanente do aumento da eficiência da máquina pública, por intermédio da
racionalização e do incremento de produtividade (fazer mais com menos).
Melhoria contínua da qualidade na prestação dos serviços públicos, visando a atender
aos requerimentos da sociedade no que diz respeito às demandas sociais básicas
(fazer melhor).
Resgate da esfera pública como instrumento de expressão da cidadania e fórum do
aprendizado social (fazer o que deve ser feito).
Tratava-se, assim, de uma mudança radical na maneira pela qual a administração pública
devia organizar-se. Não era, entretanto, uma mudança visível, pois envolveria mudanças de
mentalidade e de práticas cotidianas, uma transformação no modo pelo qual os governos se
relacionam com os cidadãos.
O alvo era o estabelecimento de uma gestão empreendedora em contraponto ao modelo
tradicional no qual administração é tida como rotina: o administrador, tido como aquele que
aplica a norma, e o empreendedor, como aquele que inova. As duas funções, agora, tendem, cada
vez mais, a se fundir.
52 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
2.1.1. Iniciativas em outros países
40 anos
BDMG
Inicialmente na Grã-Bretanha, e depois adotada quase que de forma generalizada em diversos
outros países, essa estratégia de enfrentamento ficou conhecida como a Nova Gerência Pública
(New Public Management, ou NPG)1 . As principais influências foram extraídas das teorias da Escolha
Pública (Public Choice2 ) e, principalmente, da Agente-Principal3 , que pressupõe a existência de
relações contratuais entre atores.
Nesse caso, o Estado (Principal) contrata empresas privadas (Agente) quando da concessão
de serviços públicos;o mesmo modo, os cidadãos (Principal) contratam políticos (Agente) para
representar seus interesses;políticos contratam burocratas, etc. Nessa perspectiva, o objetivo
da reforma é o de aperfeiçoar as relações contratuais entre as partes que estabeleçam mecanismos
de incentivos e, destarte, de prestação de contas e verificação de resultados, para os diferentes
atores.
Adicionalmente, o movimento da NGP recebeu igualmente influências dos avanços da
gestão contemporânea (notadamente da gestão empresarial).
As principais iniciativas nessa direção, em alguns países, a partir dos anos 80, colocaram
em marcha mudanças relevantes em seus respectivos modelos institucionais e de gestão, pública,
podem ser resumidas conforme QUADRO 1.
QUADRO 1
PAÍS INICIATIVAS
Grã-Bretanha Redução de gastos: privatizações; enxugamento e escrutínios (breves diagnósticos
visando racionalização dos órgãos públicos).
Melhoria da eficiência: consciência de custos (value for money) e sistemas de
informação e avaliação de desempenho institucional com mecanismos de incentivo.
Consolidação da reforma: intensificação de mecanismos de mercado,
desconcentração, criação das Agências Executivas (separadas do núcleo
formulador de políticas e administradas por contrato de gestão) e os Citizens
Charter (declaração pública de metas, padrões de serviço e responsáveis).
Estados Unidos Instalação do NPR – National Performance Review (iniciativa do Executivo), com o
objetivo de melhorar o funcionamento da Administração Pública, reduzir custos e
mudar o padrão de gerenciamento para melhoria do desempenho governamental.
GPRA: Government Performance and Results Act: lei aprovada pelo Congresso
inspirada na idéia da gestão por resultados (iniciativa do legislativo).
Focos:
• Integração de programas e orçamentos, com ênfase no gerenciamento de custos
e provimento de informações gerenciais para apoio à tomada de decisão.
• Reforma da legislação contábil/financeira e da legislação tecnológica para a
integração de custos, orçamentos e resultados.
Nova Zelândia Redução de custos via enxugamento, transferência das atividades comerciais para
as corporações públicas; maior autonomia para os administradores seniores e
redução de monopólios.
Contratualização e equiparação dos mercados de trabalho (público e privado).
(Continua...)
1
Segundo Barzelay (2001), a NGP é, antes de tudo, um âmbito de debate (diálogo) profissional sobre a estrutura, gestão e
controle da administração pública, envolvendo a comunidade acadêmica e funcionários e, como tal, deve descartar a tentação de definições
formais, concentrando o debate na busca de respostas, segundo determinadas circunstâncias, para as questões de como estruturar, gerenciar
e controlar os sistemas burocráticos públicos.
2
Ver, a esse respeito, Buchanan & Tullock (1965).
3
Ver, a esse respeito, Salanié (1996).
PAÍS INICIATIVAS
Austrália Melhoria da eficiência, criação da carreira de administrador sênior, nova política de
carreiras.
Consciência de custos, mecanismos de mercado, autonomia e criação das
Agências de Ombudsman.
França Contratualização: contratos de gestão com os estabelecimentos públicos.
Descentralização: transferências de competências e recursos aos níveis
subnacionais.
Desconcentração: transferências de competências e recursos aos níveis
operacionais dentro da administração central; centros de responsabilidade,
projetos de serviço, programas de qualidade.
FONTE: Elaboração própria.
54 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
fortalecimento de canais de relacionamento Estado/sociedade, a partir de iniciativas
40 anos
BDMG
orientadas para a melhoria da qualidade na formulação das políticas públicas, busca de
maior participação cidadã, introdução de mecanismos de controle social, melhoria na
entrega de serviços públicos e maior envolvimento do terceiro setor;
aperfeiçoamento do marco legal visando à eliminação de entraves de natureza burocrática
que impedem a adoção de modelos de gestão orientados a resultados com maior
flexibilidade e autonomia;
recuperação da capacidade financeira (racionalismo econômico), a partir de iniciativas
voltadas para a melhoria da eficiência e introdução da cultura da responsabilidade
fiscal;
desenvolvimento das capacidades institucionais dos órgãos da administração pública
incluindo o fortalecimento do planejamento estratégico como ferramenta de gestão,
programas de reestruturação administrativa, desenhos de contratos, intensificação do
uso da tecnologia da informação e a terceirização de serviços de apoio;
desenvolvimento do capital intelectual, a partir de iniciativas voltadas para a
profissionalização e modernização do serviço civil, intensificação de programas de
capacitação de servidores e de lideranças, ética na administração pública, adoção de
mecanismos inovadores de remuneração de funcionários e introdução da gestão do
conhecimento.
O Brasil, no início de 1995, guardava várias semelhanças com outros países latino-
americanos, caracterizando-se, assim, pelo aprofundamento da crise do Estado e pela urgência de
reformas estruturais. Na verdade, algumas delas já haviam sido iniciadas poucos meses antes da
posse do Presidente, em 1995, com o Plano de Estabilização Macroeconômica (Plano Real). De
todo modo, durante a campanha presidencial eram apresentadas como prioritárias a flexibilização
de monopólios, as mudanças na previdência social, a reforma tributária, a reforma política e
outras, uma indicação de que muito teria que ser feito para adaptar o Estado brasileiro aos novos
princípios do desenvolvimento. Já se destacava, além disso, a necessidade de repensar a
Administração Pública, a partir de sinais de evidente esgotamento do modelo burocrático vigente.
Entretanto, do lado dos estados federados, o comportamento não foi homogêneo, apesar
de a maioria deles se apresentar a essa época com graves desequilíbrios em suas finanças, além de
deficiências já evidentes no desempenho de suas funções tradicionais.
56 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
Atividades não-exclusivas: aquelas de alta relevância em que o Estado atua
40 anos
BDMG
simultaneamente com outras organizações privadas e do Terceiro Setor na prestação de
serviços sociais.
Produção de bens e serviços ao mercado: que corresponde ao setor de infra-estrutura
onde atuam as empresas, públicas ou privadas, reguladas pelo governo.
As principais iniciativas, nesse primeiro período, foram orientadas para: revisão do marco
legal (reforma constitucional e da legislação corrente); proposição de uma nova arquitetura
organizacional (agências reguladoras, executivas e organizações sociais); adoção de instrumentos
gerenciais inovadores (contratos de gestão, programas de inovação e de qualidade na
Administração Pública); disponibilização de boletins estatísticos sobre quantitativos e
distribuição dos recursos humanos na administração federal e valorização do servidor (nova
política de Recursos Humanos, fortalecimento de carreiras estratégicas, revisão da política de
remuneração, realização de concursos públicos e intensificação da capacitação de funcionários
visando promover a mudança cultural).
Em 1998, o MARE foi extinto, sendo suas funções absorvidas pelo Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão, num esforço de integração dos principais
instrumentos de gerenciamento governamental: planejamento orçamento gestão. A
esse respeito, Bresser Pereira (2002) argumenta que o desafio seguinte o de
implementação não poderia ser atribuído a um ministério pequeno desprovido de
Poder Executivo, daí a recomendação feita (inspirada na experiência chilena) de passar
a responsabilidade ao novo ministério. Nesse novo contexto, o planejamento
governamental, a partir do lançamento do PPA Plano Plurianual 2000/2003 (também
conhecido como A VANÇA BRASIL), assumiu papel protagonista.
O Plano foi elaborado com base em diretrizes estratégicas do Presidente da República,
destinadas a consolidar a estabilidade econômica com crescimento sustentado a partir de uma
nova visão estratégica espacial baseada no estudo dos eixos nacionais de integração e
desenvolvimento, tendo como referência todo o território nacional e o fluxo real de bens e
serviços. Essa nova visão é traduzida em um leque de oportunidades de investimento, tanto
para o setor público como para o setor privado nacional e estrangeiro.
Além disto, foi adotado um novo conceito de programa, segundo o qual as ações e os
recursos do governo são organizados de acordo com os objetivos a serem atingidos e foi instituída
a figura do gerente de programa como elemento central no processo. Ainda no âmbito federal,
merecem ser destacadas as iniciativas de intensificação do uso da tecnologia da informação
orientadas para a melhoria do atendimento ao cidadão no relacionamento com o setor privado,
transparência e modernização da gestão interna (governo eletrônico, comprasnet, receitanet,
quiosques, rede governo, sistemas corporativos de gestão).
federalismo predatório, salientado pelos autores como um marco institucional importante para
entender a trajetória dos estados e as respectivas crises fiscais durante toda a década de 80 e até o
início da de 90.
A emergência desse federalismo predatório, segundo Abrúcio e Costa (1999), está ligada
à direção dada ao processo de redemocratização no Brasil, nos anos 80, que foi conduzido pelos
governadores, na condição de principais fiadores do governo federal até 1995. A influência dos
governadores esteve fortemente amparada na lógica da carreira política vigente no Brasil: os
parlamentares, muito dependentes dos governadores para consolidar suas bases eleitorais,
demonstravam pouca disposição para aprovar medidas que conflitassem com os interesses
imediatos dos estados. Consolidou-se, então, um federalismo marcado pela grande heterogeneidade
entre os estados e pela inexistência de um arranjo institucional que estimulasse a colaboração
entre os diferentes atores. Na falta desse arranjo, os estados tomavam suas decisões maximizando
seus interesses individuais e imediatos, desconsiderando os efeitos de suas ações para o conjunto
da federação.
Tal situação teve efeitos bastante negativos sobre as finanças públicas federais. Na
inexistência de mecanismos eficazes de controle, os estados tendiam a gastar excessivamente,
endividando-se via bancos estaduais e repassando os custos para a União. Como o
governo federal dependia das bancadas estaduais para suporte político, ficava difícil a
aprovação de medidas visando controlar a ação dos estados. Portanto, os governadores
tinham poder de barganha para renegociar suas dívidas, repassá-las à União e continuar
gastando acima dos seus recursos (Barreira e Roarelli, 1995). Essa prática, à época, colocava
dificuldades insuperáveis para o ajuste fiscal e controle da inflação. Ressalte-se que a
estrutura institucional não estimulava uma mudança de comportamento. A um Estado,
isoladamente, não interessava fazer o ajuste, visto que o comportamento predatório dos
demais continuaria a alimentar a fogueira do déficit público e da inflação.
Um importante componente desse federalismo predatório é a guerra fiscal entre
os estados, visando a atração de investimentos e a proteção de suas empresas. Essa
prática, que, na verdade, já se fazia presente desde os anos 70, tem continuidade nos
anos 80, apesar de a União ter estabelecido normas visando coibi-la. Como Abrúcio e
Costa (1999) enfatizam, a guerra fiscal ocupa o vácuo deixado pela crise do Estado
desenvolvimentista. O mesmo ponto é destacado por Affonso (2000), que enfatiza a
redução da capacidade da União em soldar interesses e a ausência de uma política
regional como componentes importantes do contexto que leva os estados a amplificarem
os mecanismos de renúncia fiscal na tentativa de atrair investimentos.
Importa observar que, também durante os anos 80, os estados tiveram a possibilidade
de aumentar suas receitas, na medida em que houve alterações relevantes nos fundos de
participação de estados e municípios. Com a Constituição de 1988, os estados são ainda
mais beneficiados com ampliação da base do ICMS, que passa a incluir áreas antes de
incidência de impostos federais (combustíveis; energia elétrica; transporte e comunicações).
Uma evidência das várias iniciativas que beneficiaram as receitas públicas estaduais é o
fato de que entre 1987 e 1991 os estados aumentam sua participação no total dos recursos
fiscais, de 25,2% para 31,1%.
58 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
No entanto, a despeito desse aumento de participação na receita, as despesas
40 anos
BDMG
correntes e de pessoal cresceram significativamente. Os gastos com pessoal continuaram
crescendo nas décadas de 1980 e 1990, favorecidos por um contexto institucional que
não colocava limites rígidos à capacidade de gastos dos estados 4 . Assim, por exemplo,
na transição dos governos em 1994-1995, os salários dos funcionários foram, no
apagar das luzes, fortemente elevados. As dificuldades eram ampliadas pelo déficit
da Previdência, que se expandia ano a ano.
No início dos anos 90, as finanças estaduais sofrem ainda mais com a recessão e
com a redução ulterior dos investimentos federais (Abrúcio & Costa, 1999). Acrescenta-
se a esse quadro uma dificuldade inédita decorrente do Plano Real: a administração
financeira e fiscal em regime de estabilização monetária. No período de inflação alta,
os estados obtinham fortes ganhos financeiros com o adiamento das despesas e
aplicação dos recursos no mercado financeiro e também com ganhos inflacionários
dos bancos estaduais. Essa importante fonte suplementar de receitas é eliminada com
a estabilização. Além disso, o aumento substancial da taxa de juros, efetivada nos
anos seguintes ao Plano Real, teve efeitos explosivos sobre as dívidas estaduais.
Em síntese, as dificuldades financeiras dos estados brasileiros, que iriam se
revelar insustentáveis nos anos 90, têm início nos anos 80, quando as finanças estaduais
sofrem com a redução na arrecadação, com o aumento dos juros e com a queda dos
investimentos federais e das empresas estatais. Os incentivos, implicando considerável
renúncia fiscal, tiveram também papel importante nesse contexto. Do lado das despesas,
os incrementos nos gastos de pessoal e no déficit previdenciário se revelaram,
principalmente na década de 1990, principal fonte de desequilíbrio nas contas públicas
estaduais.
Em face das dificuldades fiscais e financeiras, que se tornaram evidentes na
metade dos anos 90, diversas medidas foram adotadas por alguns estados no intuito
de melhorar as contas públicas. Entre elas, a reestruturação ou venda de empresas
estatais, a extinção de cargos comissionados, controle ou extinção de gratificações e
outras vantagens, monitoramento da folha de pagamentos, demissão de pessoal não
concursado, limitação ou veto a novas contratações, proibição de acúmulo de cargos,
alterações nos planos de carreira e no regime jurídico aplicável ao funcionalismo,
recadastramento de servidores e treinamento de pessoal (Abrúcio & Costa, 1999).
O que os parágrafos anteriores procuraram mostrar é que a crise dos estados é
um fenômeno nacional, verificado, em diferentes graus, para todos. Todavia, a trajetória
seguida pelos estados federados não foi uniforme, com alguns avançando mais; outros,
porém, como é o caso de Minas Gerais, com iniciativas e resultados ainda muito
frágeis.
O QUADRO 2 sintetiza algumas iniciativas estaduais relevantes.
4
As despesas de pessoal no decênio 1982-1991 aumentaram, em média, 2% ao ano.
ESTADOS INICIATIVAS
Bahia Reordenamento administrativo (extinção de órgãos e cargos em comissão).
Saneamento das finanças públicas e rigoroso controle do gasto.
Privatizações (COELBA, BANEB, concessão de rodovias).
Novo modelo de gestão (3 organizações sociais, 1 agência reguladora, 13 hospitais
terceirizados e gerenciamento por programa).
Valorização do servidor (criação de carreiras, capacitação, remuneração por
produtividade e portal do servidor).
Atendimento ao cidadão (disseminação do padrão de atendimento SAC: 8 na capital
e 14 no interior, SACnet, SACmovel, SACsaúde, SAJ judiciário).
Maranhão Saneamento das finanças públicas (com ajuste de folha), modernização dos
sistemas administrativos e democratização do acesso do cidadão aos serviços.
Reestruturação administrativa baseada na regionalização: criação de 8 gerências
centrais responsáveis pela formulação e avaliação das políticas públicas e divisão
do estado em 18 gerências regionais responsáveis pela execução.
Criação do 10 centros de atendimento integrados (Viva Cidadão).
São Paulo Saneamento das finanças públicas.
Atendimento ao cidadão (Poupa Tempo).
Criação de Organizações Sociais na área de saúde.
Uso da tecnologia da informação na modernização da gestão pública.
Ceará Saneamento das finanças públicas.
Adoção do Pacto de Cooperação envolvendo os diversos níveis do poder público,
universidades, movimentos comunitários, empresários, trabalhadores e
organismos nacionais e internacionais com o objetivo de repensar o Estado.
Criação de Organizações Sociais (Lei 12781/97).
Pernambuco Medidas de contenção de despesas de pessoal (centralização e auditoria da folha,
definição de subteto, recadastramento, desligamento voluntário e por nulidade de
contrato, eliminação de vantagens indevidas e publicação de boletim estatístico).
Programa de valorização do servidor (modernização da previdência, novo modelo
de assistência médica e criação da escola de governo).
Medidas para a contenção de despesas de custeio (redução de repasse, dos
contratos terceirizados etc).
Privatização, extinção e fusão de empresas estatais.
Programa de modernização administrativa (enxugamento, redução de cargos e
criação de Organizações Sociais: Casa do estudante e Porto Digital).
FONTE: Elaboração própria.
60 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
administração tributária e financeira dos estados brasileiros (agora estendido aos municípios), a
40 anos
BDMG
partir da adoção de um modelo inovador, estruturado em rede (Ministério da Fazenda e secretarias
estaduais de finanças), uma vez que, além de realizar atividades de apoio financeiro e assistência
técnica, trabalha a perspectiva educacional com iniciativas de sensibilização da sociedade para a
conscientização fiscal (via campanhas e projetos nas escolas).
Por fim, um ponto de grande relevância nas discussões atuais sobre reformas nos estados
federados é o CONSAR Conselho Nacional de Secretários de Administração. Com o objetivo
de sistematizar a troca de experiências estaduais na área de gestão pública os secretários estaduais
de administração, promovem regularmente fóruns nacionais de discussão. Depois de
aproximadamente 40 encontros, decidiram constituir o CONSAR com visando promover a
articulação entre as diversas secretarias. A agenda básica proposta (Carta de Maceió novembro
2000), contém os seguintes destaques:
Pode-se concluir, assim, que no mundo e no País, e em vários de seus estados, há,
efetivamente, esforços e experiências vitoriosas no sentido de permitir ao Poder Público
adequar-se aos novos papéis e funções a ele atribuído, pela sociedade, em um novo
modelo de desenvolvimento. Contudo, mais do que nunca, há urgência no aprofundamento
desse processo, ainda mais porque, no nível dos estados federados, o movimento se
encontra relativamente atrasado, particularmente em Minas Gerais.
Minas Gerais
Reformas administrativas têm sido uma constante no Setor Público. Com maior ou menor
intensidade, com caráter mais circunstancial do que estrutural, o Estado de Minas Gerais
implementou, ao longo dos anos, alterações importantes ou marginais em seu aparato
institucional. Todavia, decidiu-se tomar a de 1972 como ponto de referência para esta seção
por ter sido a mais completa e a melhor estudada dentre as iniciativas de modernização do
aparato público mineiro. Ademais, corresponde a período em que a ação do governo estadual
foi considerada decisiva para o desenvolvimento do Estado, situação bastante apropriada para
valer-se como referência para a análise que se pretende desenvolver nas seções subseqüentes.
Ressalte-se, entretanto, que as circunstâncias e o contexto do desenvolvimento na
atualidade são radicalmente distintos das que prevaleciam na década de 1970. O País vivia,
então, sob a égide do autoritarismo; hoje, experimenta a democracia, e a ação do poder público
requer negociação, participação e a formação de consensos; havia crescimento naquela época,
enquanto a fase atual é marcada por incertezas, e acanhadas são as taxas de expansão da
economia; antes a capacidade de investimento do Estado era suficiente, hoje é modesta, em
razão da crise fiscal.
A análise do desenvolvimento de Minas nos anos 70, a ser tratada a seguir em maior
detalhe, mostra que o governo estadual foi ator decisivo no processo àquela época. Mostra
também que não basta dispor de diagnósticos realistas ou de planos bem concebidos para alcançar
os resultados almejados, se não são acompanhados de mudanças profundas na estrutura e no
estilo de atuação da máquina pública estadual.
Soluções pretéritas, ainda que vitoriosas, dificilmente se prestam a repetições. O desafio
do desenvolvimento muda com as novas conjunturas nacionais e internacionais e reclama novos
argumentos que fundamentem e subsidiem a formação das políticas, assim como novos arranjos
institucionais que as viabilizem.
A nova dinâmica de desenvolvimento que se propõe para Minas precisa ser articulada a
uma nova arquitetura do aparato público estadual. Ao Estado cabe, como se delineou no
capítulo anterior, não o papel que desempenhou no passado recente, de líder ou de executor
principal do processo, mas o de articulador e mobilizador dos diferentes atores sociais
interessados no desenvolvimento e de catalisador das forças e recursos existentes em seu território.
Além disso, é imprescindível que o Estado ordene suas finanças, equilibre-as, recupere a
capacidade de investir, para que possa fazer a sua parte no novo processo de desenvolvimento
de Minas.
Nas considerações que a seguir se fazem busca-se aprender com a experiência de
desenvolvimento de Minas nos anos 70, não para copiá-la, mas para extrair suas lições. Nela se
evidencia que a arrumação das finanças publicas do Estado foi fator crucial para colocar a
economia mineira na rota do crescimento econômico. A seção 2.3.2, por sua vez, fará o
contraponto com essa situação dos anos 70, procurando, exatamente, indicar a necessidade de,
mais uma vez, realizar uma reforma não apenas marginal, mas, sim, com os propósitos de
reordenar a máquina pública como condição fundamental para garantir a eficiência e a eficácia
do Setor Público Estadual.
62 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
2.3.1. As lições do desenvolvimento de Minas: bases de uma política
40 anos
BDMG
para o setor público
Na década de 70, a economia de Minas Gerais experimentou um boom de industrialização.
Cresceu a taxas expressivas, com a grande massa de investimentos que se localizaram em seu
território, aproveitando-se da expansão da economia brasileira, da desconcentração industrial
que se verificava no País e de uma conjuntura internacional favorável.
Esse surto de desenvolvimento não foi espontâneo. Ao contrário, foi induzido pela
ação do Estado mineiro que, desde meados dos anos sessenta, havia instituído inovadora
estrutura de planejamento e fomento, que soube tirar partido das condições favoráveis da
conjuntura nacional. Naquela época, foram criados o Instituto de Desenvolvimento Industrial
INDI , a Fundação João Pinheiro, a Companhia de Distritos Industriais CDI, que,
juntamente com o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais BDMG, instituído em
1962, formaram forte aparato institucional de apoio e fomento ao desenvolvimento do Estado.
Tão ou mais decisivo para a atuação desenvolvimentista do governo de Minas foi a
reforma fazendária, levada a cabo a partir de 1969, que retirou a Secretaria da Fazenda da
órbita da política tradicional, modernizou-a e saneou as finanças do Estado. A reforma do
Tesouro surgiu no BDMG, em seu então Departamento de Estudos e Projetos DEP, e
correu paralela à grande reforma administrativa deflagrada pelo então Conselho de
Desenvolvimento.
Até então, a cobrança dos impostos era feita por meio de coletorias, a Secretaria não
dispunha de informações sobre a arrecadação e muitos dos exatores retinham o que coletavam
nos seus municípios, para garantir o pagamento dos servidores públicos locais 5 . A reforma
fazendária estabeleceu o pagamento de tributos pela rede bancária, centralizou a arrecadação,
instituiu o caixa único e o sistema de quotas para o custeio e o investimento dos órgãos da
administração estadual, dando às autoridades fazendárias o controle real das finanças do
Estado. Com tais medidas, as despesas foram comprimidas e o Estado adquiriu capacidade
de investir.
Quando os ventos do desenvolvimento começaram a soprar sobre a economia brasileira,
as finanças públicas de Minas estavam saneadas e o Estado havia recuperado a capacidade de
investir. O INDI, o BDMG, a CDI e a FJP, que integravam a arquitetura institucional criada
para promover o desenvolvimento da economia mineira, tiveram, então, recursos e condições
institucionais para lançar-se ao papel de tirar Minas do atraso que os profetas da catástrofe,
os jovens economistas do BDMG, haviam revelado no Diagnóstico da Economia Mineira de
1967/1968.
Com as finanças arrumadas e escorado por uma rede de instituições de fomento do
desenvolvimento, o Estado estava pronto para captar boa parte dos investimentos gerados
pelo boom do milagre econômico e pelas políticas de diversificação industrial promovidas
pelo PND II6 .
5
Ver, a propósito, Andrade (1980).
6
Ver, a propósito, Diniz (1978).
A partir dos anos 80, refletindo, em parte, a conjuntura nacional marcada pela crise do
Estado e pela desaceleração econômica, o aparato de planejamento e fomento de Minas Gerais
começou a perder substância e efetividade. Não logrou redefinir seu papel e estilo de atuação
e, além disso, passou a ter a concorrência de outros estados que implantaram instituições
similares, reduzindo as vantagens de Minas para atrair novos investimentos.
Antes de atacar as questões da reformulação da máquina pública mineira, para que
possa voltar a contribuir para a retomada do desenvolvimento do Estado, é preciso retomar
as mudanças por que vem passando o País nos últimos 15 anos e que são diretamente
pertinentes para esse processo.
Três fenômenos assumem importância decisiva: a grande crise fiscal que atingiu a maior
parte dos estados brasileiros; a reforma do Estado federado, incluindo a redefinição de seu
papel na economia nos termos examinados no capítulo anterior; e modificações no pacto
federativo. Tais mudanças, combinadas com a abertura comercial do País e os novos
paradigmas da economia internacional, colocam desafios à tarefa de reestruturar a máquina
pública estadual.
Conforme observado na seção 2.2.2, as dificuldades financeiras dos estados brasileiros
têm origem no início dos anos 80, dada a conjugação de diversos fatores e permaneceram ao
longo da década de 1990, a despeito de várias iniciativas, inclusive constitucionais, que
permitiram a elevação das receitas estaduais. Ressaltam-se, já na segunda metade dos anos
90, medidas no âmbito do governo federal destinadas a impor maior controle às administrações
estaduais em relação às suas finanças, que acabou culminando na Lei de Responsabilidade
Fiscal.
No entanto, conforme salientado, apesar de alguns estados terem, de fato, se esforçado
na implementação de suas próprias reformas, existem diferenças importantes entre eles
resultando graus diferentes de endividamento, de maior ou menor relação servidor/habitante,
entre outros indicadores, indicando capacidade ou disposição diferente para realizar os ajustes.
Minas Gerais, além de não ter feito ajuste significante, sofre por ter uma dívida muito superior
à média nacional.
Estados que têm hoje obtido relativo sucesso em estratégias regionais de
desenvolvimento, como Bahia e Ceará, são os que conseguiram reduzir os constrangimentos
colocados pela crise fiscal e avançaram na modernização da máquina pública. Assim, embora
outras reformas sejam também necessárias, o ajuste financeiro é condição essencial para a
recuperação da capacidade de fomento do governo mineiro.
64 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
dos inativos beira a 45% dos dispêndios com pessoal, sendo que este número tende a aumentar.
40 anos
BDMG
Além disso, os gastos com o funcionalismo crescem de forma vegetativa, em função dos
qüinqüênios e outras vantagens e a isso se somam os atuais 13% da receita corrente líquida
destinados ao pagamento da dívida com a União. Os compromissos com fornecedores vêm
sendo postergados e só com extrema dificuldade e grande esforço está sendo possível honrar os
salários do funcionalismo. O déficit operacional anual supera, atualmente, R$1,0 bilhão.7
Em conseqüência, o Estado ficou, praticamente, sem recursos para outros custeios e
para investimentos. O engessamento das despesas, principalmente no tocante ao funcionalismo
e inativos, obriga-o a reduzir os gastos de custeio, o que implica severos obstáculos à eficiência
da máquina pública.
Tal situação precisa ser superada. Ou o Estado promove o ajuste em suas finanças públicas,
reequilibrando receita e despesa, adquirindo capacidade mínima de investimento e custeio, no
curto prazo, e equacionando a solução para a conta dos inativos como fizeram, aliás, outros
estados ou pouco lhe restará a fazer no tocante ao desenvolvimento. A gravidade de tal
situação indica serem as finanças públicas um dos pontos cruciais da reforma do Estado em
Minas Gerais, e conforme evidencia a análise específica sobre o tema, a busca de soluções não
pode ser pensada apenas pelo lado da renegociação da dívida, mas sim, pela combinação de
esforços em todos os componentes, ou seja, nas receitas, despesas e dívida.
O dilema não é entre fazer ou não o ajuste, mas como e por que meios realizá-lo. O
governo de Minas precisa dispor de poupança própria, ainda que modesta, para recuperar a
capacidade de investir. Todavia, por mais urgente e necessária que seja, e é, a superação do
quadro desfavorável das finanças estaduais, isso não pode ser o objetivo único da reforma do
Estado.
7
Ainda neste volume, o capítulo que se segue dedica-se, exatamente, a avaliar a situação das finanças públicas em
Minas Gerais, enfatizando, além disso, a grave situação da Previdência, apontando-a como o principal fator de
ajuste.
8
Entre eles, por exemplo, a Polícia Militar, o Corpo de Bombeiros, a Procuradoria Geral e a PRODEMGE.
9
São 18 autarquias, 16 empresas e 15 fundações.
10
Os sistemas operacionais são arranjos institucionais, por meio dos quais os órgãos da Administração Direta,
entidades da Administração Indireta e empresas públicas, com funções e atividades finalísticas, são vinculados a
uma Secretaria de Estado, que funciona como a cabeça do sistema. Em contraponto, órgãos e entidades da
administração, do planejamento e da fazenda formam os chamados sistemas centrais.
11
Minas conta hoje com uma secretaria para cada um dos seguintes setores: Turismo, Meio Ambiente, Habitação,
Comunicação Social, Minas e Energia, Governo e Assistência aos Municípios, Cultura, Ciência e Tecnologia; e ainda
com as tradicionais de Saúde, Educação, Segurança Pública, Justiça, Indústria e Comércio, Transportes e Obras.
12
Ver SEPLAN (1979). Esse breve diagnóstico dos sistemas operacionais baseia-se em entrevistas diretas com
especialistas, participantes ou ex-participantes de cada um dos setores examinados.
66 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
experimentado. Esse contraste leva a acreditar que, tal como nos anos 70, a nova dinâmica
40 anos
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de desenvolvimento que se propõe hoje para Minas precisa ser articulada a uma nova
arquitetura do aparato público estadual.
(O sistema)... sofre de relativa contradição de papéis, pois precisa combinar o desempenho
de função tradicional, como recurso político, vital no atendimento das lideranças políticas
que a pressionam em vários níveis, com o desempenho de função mais moderna de
provedora do capital humano.(Fundação João Pinheiro, 1975, p.17).
13
O sistema de distribuição dos recursos do FUNDEF tem penalizado o Estado: como os recursos do fundo são
repassados com base no número de matrículas e estas diminuíram na rede estadual com a municipalização,
recursos aportados pelo Estado ao FUNDEF foram transferidos para os municípios em igual proporção. Em conseqüência,
o Tesouro Estadual recebeu menos do que contribuiu para o Fundo, uma vez que o Estado está tendo dificuldades para compartilhar
com municípios os custos do processo, como permite a legislação aplicável. Por essa razão, depois de 1998, em vista da perda de
receita, o Estado deixou de estimular a municipalização.
68 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
A Secretaria, como líder do sistema, desempenha dois grandes papéis: a gestão de suas
40 anos
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escolas e a supervisão da rede municipal. Sua estrutura é pesada. Na sede trabalham mais de
mil funcionários, que, somados aos das 42 regionais, compõem um total de 6.400 servidores,
entre efetivos e os que exercem cargo de recrutamento amplo. O corpo docente é formado de
240 mil professores, aos quais se somam 70 mil aposentados.
A descentralização por que passou o sistema educacional a partir de 1991 melhorou a
administração da escola, porque conferiu autonomia a sua direção, dando-lhe possibilidade de
tomar decisões sobre numerosos e pequenos problemas do seu dia-a-dia sem precisar percorrer os
longos caminhos burocráticos da sede. Contudo, essa mudança não foi acompanhada de outras
medidas de modernização. Apesar de vários avanços, a gestão ainda ocorre por processo e não por
resultados.
O maior problema configura-se na administração de pessoal, problema esse que não reside
apenas no número de servidores no corpo docente, mas sobretudo na inflexibilidade do regime de
trabalho. Até muito recentemente, os concursos públicos eram realizados especificando o local e,
por vezes, até o estabelecimento escolar em que o professor prestaria serviço. Em conseqüência,
remanejamentos dentro de uma mesma cidade esbarram em obstáculos legais, embora ocorram, e
mudança de pessoal docente de uma cidade para outra é praticamente impossível.
Se a rigidez na administração dos recursos humanos não constituía problema no passado,
porque a demanda por ensino fundamental era crescente, agora já começa a sê-lo. Nos últimos
anos, há uma queda no número de matrículas tanto na rede estadual quanto na municipal, que
vem gerando um excedente de professores no sistema estadual. A estimativa da Secretaria é de
que haja hoje cerca de 2.000 professores sem classes, por falta de aluno. O regime de trabalho é,
portanto, uma camisa-de-força que impede a otimização dos recursos humanos da Educação.
Pode-se concluir, assim, que, não obstante os avanços alcançados, há ainda muito a ser
feito para conferir ao sistema da educação os contornos necessários à sua função, dispensável
dizer, imprescindível ao desenvolvimento do Estado, considerando o interesse público e o grande
volume de recursos envolvidos. Acrescente-se a esse desafio suas novas iniciativas em relação ao
ensino médio e ao ensino superior.
anos 90 foi criado o Instituto Mineiro de Agropecuária IMA, e em 2000, o Instituto de Terras
ITER. Ressalte-se, além disso, que, se antes necessárias, com o passar do tempo, à medida
que a iniciativa privada foi ganhando corpo no setor, grande parte das tarefas anteriormente
desempenhadas pelas entidades do sistema foram perdendo importância como função pública
estadual.
Com relação às funções de assistência rural, embora não possa ser caracterizada nem
como um bem público nem como um bem de mérito, como é o caso da saúde ou da educação,
tem sido atividade tradicional do poder público. O grande empresário dispõe de meios próprios
e dispensa a ajuda do Estado, mas para o pequeno e médio produtor rural, a assistência pública
faz a diferença em termos das possibilidades de sua inserção no mercado. As funções
desempenhadas pela EMATER podem ser consideradas, assim, necessárias, e sua atuação pode
ser de grande valia para o modelo de desenvolvimento centrado nas aglomerações produtivas
locais e regionais. Sua experiência de lidar com comunidades, acumulada desde os tempos da
antiga ACAR, constitui recurso crítico que precisa ser mobilizado na resolução direta ou indireta
dos problemas identificados nessas áreas e que se relacionem com a assistência técnica aos
produtores de baixa renda ou a questões afins.
Todavia, a empresa precisa passar por processo de reestruturação, no sentido de
desvincular-se da atuação direta em vários municípios, aprofundando a articulação com os
municípios; considera-se, para isso, a possibilidade de as prefeituras municipais sustentaram
parte dos gastos relativos às funções realizadas pela empresa nos respectivos municípios.
A pesquisa agrícola é instrumento crucial para o progresso da agricultura. O
desenvolvimento de novos cultivos, de novas técnicas, e o emprego da biotecnologia têm
propiciado avanços revolucionários na produção, na produtividade e na qualidade dos produtos
agrícolas. A EPAMIG foi concebida para atuar complementarmente à EMBRAPA, focalizando a pesquisa
em problemas e produtos que afetam a agropecuária mineira não cobertos por sua congênere
federal. Todavia, A EPAMIG não escapa à sina dos órgãos de pesquisa do Estado, que vêm perdendo
quadros, vivendo à mingua dos escassos e erráticos recursos dedicados à pesquisa. Em um
contexto em que o desenvolvimento tecnológico se apresenta como elemento-chave para o
desempenho de todas as atividades produtivas, as funções de pesquisa agrícola, principalmente
se eficientemente associadas à difusão e disseminação, revelam-se essenciais. Cabe, assim, ao
Estado procurar equacionar o modelo institucional mais adequado para realizá-las com a eficiência
necessária.
Por outro lado, a RURALMINAS (carro-chefe do Sistema Operacional da Agricultura nos
anos 70, quando sob seu encargo ficava a política de colonização, irrigação e legitimação de
terras) perdeu substância e é hoje pálida imagem da entidade poderosa que foi. Sob seu comando
estiveram os projetos especiais que marcaram o esplendor do sistema operacional da Agricultura,
como por exemplo, o Plano Noroeste, o PADAPE, o PRODEMATA, o PROVÁRZEAS, o
PROJETO JAÍBA, dentre outros. Recentemente, perdeu a política fundiária para o novo ITER
e, na atualidade, sobra-lhe, praticamente, a tarefa de irrigação, onde a presença do Estado não
é mais tão indispensável como foi em outras épocas. Para agravar essa trajetória, a
RURALMINAS padece dos mesmos males que a crise fiscal do Estado vem produzindo em
outras entidades estaduais: escassez de recursos, envelhecimento do quadro técnico e perda de
capacidade operacional. Trata-se, como se depreende, de um organismo que deve ser
urgentemente revisto em uma necessária reforma institucional do Estado.
70 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
Criado há dez anos, o IMA contrasta com os demais órgãos da Agricultura atualmente.
40 anos
BDMG
Sua trajetória é ascendente e suas funções são reconhecidas como necessárias e até
indispensáveis: a defesa sanitária, a fiscalização, a certificação de produtos, de mudas e viveiros
e de feiras agropecuárias. Tais papéis, por garantirem a segurança alimentar e a qualidade do
produto pontos essenciais para competitividade e inserção no mercado internacional , são
vitais para agropecuária. O IMA dispõe de poder de polícia e exerce funções indelegáveis. Recebe
remuneração pelos serviços prestados, mas isso não lhe garante recursos para atuar com a eficácia
e eficiência que dele se espera. Tendo em vista sua essencialidade para a melhoria da
competitividade da agropecuária mineira, o governo estadual não pode decuidar-se de garantir
ao Instituto condições de trabalho adequadas.
14
Ver neste Estudo, o trabalho Inovação Tecnológica e Desenvolvimento, que compõe o volume VII deste Estudo.
de nanoscopia. O CETEC tem sobrevivido, a duras penas, com as receitas de testes e análises
que realiza para o setor industrial. Não dispõe de meios materiais e de recursos humanos para
apoiar tecnologicamente a pequena e média empresa, desenvolver produtos ou aperfeiçoar
processos em suas áreas de atuação.
O Instituto de Pesos e Medidas IPEM, encarregado das funções de metrologia em
Minas, é outra entidade do sistema estadual de Ciência e Tecnologia. Conta com recursos próprios,
advindos da cobrança dos serviços prestados, o que lhe possibilita condições para se equipar.
Desincumbe-se a contento de suas tarefas, embora sofra também com a baixa remuneração de
seu pessoal.
O Instituto de Geociências Aplicadas IGA tem a seu encargo as funções ligadas à
cartografia no âmbito do Estado de Minas Gerais. Mapas são elementos básicos para o
planejamento dos municípios e do próprio Estado. Minas conta com 853 municípios, uma centena
dos quais resulta de desmembramento recente, o que ampliou a necessidade de plantas
cartográficas para dirimir disputas territoriais e indefinições quanto à cobrança de impostos e
prestação de serviços. O IGA, como os demais organismos estaduais de pesquisa e planejamento,
vive em estado de penúria, que limita substancialmente suas possibilidades de atuação.
A Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de Minas Gerais FAPEMIG foi instituída
pela Constituição Estadual de 1989, em resposta às demandas da comunidade científica mineira,
que de longa data reclamava a existência de um organismo estatal, nos moldes da FAPESP,
para apoiar o desenvolvimento científico e tecnológico no Estado. Desde o início a fundação
se vê diante dos problemas de escassez de recursos e a instabilidade dos repasses do Tesouro
Mineiro previstos em lei. O resultado é que o órgão é forçado a agir conservadoramente, para
não ficar inadimplente com os bolsistas com pesquisas aprovadas e contratadas. Nos últimos
dois anos, além do financiamento tradicional à demanda espontânea, a FAPEMIG lançou linha de
apoio à demanda induzida, estabelecida pela Secretaria e o CONECIT.
72 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
substância e mostrou-se incapaz de se adaptar à realidade atual. Muitos fatores explicam as
40 anos
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dificuldades enfrentadas pelo Instituto. Nas últimas décadas, sofreu forte redução de quadros,
uma vez que não houve substituição dos técnicos que se desligavam. Além disso, com as
mudanças institucionais na CEMIG, o INDI vem perdendo suporte financeiro. Sofre, portanto,
hoje, grandes problemas orçamentários, que comprometem sua capacidade de ação.
As atividades que desempenhou junto aos meios empresariais, contudo, foi e é ainda
necessária para o desenvolvimento de Minas. A promoção industrial, levando as oportunidades
de negócios existentes em Minas a várias partes do mundo, é uma exigência em um cenário de
grande competição por novos investimentos. A intermediação entre os investidores e os órgãos
do Estado, que o instituto executou com eficiência no passado, simplifica consideravelmente
os circuitos burocráticos, levando aos empresários informações sobre as linhas de crédito,
programas de incentivos concedidos pelo Estado e a legislação de meio ambiente.
Além disso, a entidade acumula ampla e detalhada gama de informações sobre os setores
da economia e sobre os municípios mineiros cruciais para auxiliar o empresário nas suas decisões
de investir em Minas e promover o aproveitamento das potencialidades do Estado. Pode-se,
assim, afirmar que faz-se necessária uma reestruturação, capaz de prepará-lo para uma ação
mais em sintonia com as práticas recentes de fomento regional.
A Companhia de Distritos Industriais CDI tinha, como enfatizado, grande papel no
aparato de fomento ao desenvolvimento vigente nos anos 70. Os recursos eram fartos e, em
muitos casos, a instalação dos distritos industriais se antecipava à demanda. Muitos dos distritos
que a companhia administra hoje foram instalados naquela década. A CDI tinha, então, mais de
300 técnicos.
Sua função era, e continua sendo, a de projetar e comercializar terrenos, dotando-os de
toda infra-estrutura necessária para a implantação de atividades industriais. A companhia realiza
estudos que indicam a melhor área do município para localização de um distrito industrial. Sua
avaliação inclui condições de topografia, análise de mapas, localização viária e análise econômica,
de forma a extrair o máximo da área venal do terreno. A CDI organiza um amplo cadastro das
áreas disponíveis para implantação dos distritos industriais, constituindo rico conjunto de
informações sobre mais de 300 municípios. A ação da companhia centra-se, hoje, em parceria
com as prefeituras, que oferecem o terreno e prestam infra-estrutura externa ao distrito, ficando
a infra-estrutura interna por conta da CDI. Suas operações são financiadas essencialmente com
recursos próprios, através da venda dos terrenos nos distritos e de uma pequena taxa de
administração. Atualmente, seu quadro técnico conta com 60 profissionais
Recentemente, a CDI vem passando por dificuldades financeiras. Apesar das modificações
na importância relativa do tipo de serviço prestado pela CDI, sua ação pode ser considerada
relevante para o Estado, sobretudo no apoio às políticas de interiorização da indústria assentadas
em aglomerações produtivas locais, desde que não onerosas ao Estado e efetivamente
compartilhados os custos com os municípios. O know-how acumulado e o grande cadastro dos
municípios mineiros constituem importantes elementos de apoio aos investimentos estaduais,
além da possibilidade de colaboração com políticas municipais de ordenamento urbano.
Por sua vez, a cabeça do sistema, a Secretaria de Indústria e Comércio, desempenhava,
nos anos 70, uma ação mais política, em contato direto com o Governador e mais centrada na
atração de grandes projetos para o Estado. Tinha um quadro de pessoal e recursos bem inferiores
Essa tendência não se modificou essencialmente nas últimas décadas, a despeito da redução
de quadros e de recursos da CDI e do INDI. A Secretaria sofreu substancial redução de
quadros técnicos e suas ações têm-se concentrado na execução das deliberações do Conselho
de Industrialização (COIND), particularmente na gestão dos fundos estaduais. Isso não a
impede de desempenhar algumas funções de divulgação e coordenação de ações voltadas
para fomentar o parque industrial e os fluxos interestaduais de comércio. A interação com o
INDI é, em geral, articulada e sem conflito de competências. Em uma situação na qual a
interação política e institucional com órgãos federais de desenvolvimento industrial apresenta-
se como de grande relevância, o reforço ao papel político e coordenador da Secretaria adquire
grande importância.
Embora o BDMG, do ponto de vista institucional, não faça parte do Sistema Operacional
da Indústria e Comércio, é indispensável fazer algumas considerações sobre o órgão, estratégico
para o planejamento e fomento econômico do Estado. Nos anos 60, o BDMG teve papel
decisivo na elaboração de estudos que balizaram a ação do Estado no sentido de recuperar
certas indústrias e promover outras consideradas estratégicas para o desenvolvimento estadual.
Como indicam vários estudos, o Banco desempenhou papel de centro pensante do
desenvolvimento econômico do Estado.
Nos anos 70, os empréstimos e operações do BDMG cresceram rapidamente. Diniz &
Ferreira (1994) estimam que eles atingiam cerca de 5% da formação bruta de capital fixo do
Estado. No entanto, Diniz (1988) nota que o Banco passa a assumir cada vez mais, nos anos
80, características de uma agência financeira, deixando em um segundo plano seu papel de
centro pensante do desenvolvimento do Estado.
A partir dos meados dos anos 80, o Banco passou por vários reveses e dificuldades.
Modificações na regulamentação determinadas pelo Governo Federal, mudanças na sistemática
de repasses do BNDES e falta de recursos estaduais contribuíram para forte redução dos
recursos do órgão. Além disso, o Banco sofreu com a grande proporção de empréstimos
duvidosos em sua carteira e com a inadimplência de alguns clientes importantes.
Nos anos 90, o BDMG passou por certa reestruturação. Desempenhou papel importante
no esforço do Estado para obter recursos externos e assumiu a gestão de uma série de fundos
estratégicos para o desenvolvimento regional. Administra hoje importantes fundos estaduais
que visam fomentar setores tecnológicos intensivos e outros considerados importantes para a
modernização industrial, além de linhas de financiamento a pequenas e médias empresas.
O BDMG, dado seu grande conhecimento da realidade do Estado, tem papel estratégico
na definição de uma política de desenvolvimento estadual. Suas linhas de crédito e capacidade
de repassar recursos de outras instituições têm papel decisivo para a superação de pontos de
estrangulamento e financiamento de investimentos com fortes efeitos multiplicadores para a
economia do Estado. Além do reforço às suas atividades mais típicas, é imperativo que o
Banco dê continuidade e mesmo reforce seu papel na definição das linhas de desenvolvimento
para o Estado.
74 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
2.4.6. O Sistema de Planejamento
40 anos
BDMG
Compõem este sistema a Secretaria de Planejamento e Coordenação Geral, a Fundação
João Pinheiro, o BDMG (já destacado na seção anterior), além do Instituto de Terras ITER e
do Instituto de Desenvolvimento do Norte e Nordeste de Minas Gerais IDENE, criados
recentemente. De um modo geral, nos últimos anos, o Sistema Estadual de Planejamento não
tem sido bem-sucedido no sentido de garantir que os objetivos prioritários para o desenvolvimento
do Estado guiem a ação da máquina pública. Problemas institucionais, limitações no quadro técnico
e problemas fiscais vêm reduzindo a eficácia do planejamento estadual e impedindo uma ação
mais coordenada e eficiente.
A SEPLAN, seguindo determinação da Constituição, elabora o Plano Mineiro de
Desenvolvimento Integrado (PMDI) e o Plano Plurianual de Ação Governamental (PPAG),
planos que têm o objetivo de determinar as linhas mestras para o desenvolvimento do
Estado. No entanto, mesmo quando bem elaborados e efetivos no sentido de apontar
direções prioritárias para o desenvolvimento estadual, os planos não têm sido instrumentos
eficazes para guiar a ação do poder público. Muitos fatores colaboram para esse resultado.
Inicialmente, o governo enfrenta forte crise financeira e o Orçamento, embora uma referência
importante, acaba não determinando as prioridades para a liberação de recursos. Dada a crise
financeira, a alocação dos recursos é feita segundo disponibilidade de caixa e urgência. A própria
Junta de Programação Orçamentária e Financeira JPOF, que cumpria papel importante de
compatibilização das diretrizes do orçamento com a disponibilidade financeira, deixou de funcionar
em anos recentes.
Em segundo lugar, as Assessorias de Planejamento e Coordenação (APC), que deveriam
garantir a coordenação dos diferentes sistemas a partir de direções delineadas pelo planejamento,
não têm funcionado. Como reconhecido em documento recente da SEPLAN, as Assessorias de
Planejamento e Coordenação (APC), estruturas operacionais do sistema de planejamento, deixaram
de cumprir tal função e passaram a assumir atribuições diferenciadas ligadas às rotinas das
instituições das quais fazem parte15 .·
Em tal contexto, torna-se difícil organizar o aparato estadual no sentido de seguir algumas
direções prioritárias estabelecidas pelos planos. Mesmo havendo vontade política e acreditando-
se na relevância do plano, o que não é trivial, os obstáculos tendem a ser substanciais, o que acaba
levando ao abandono de alguns objetivos estruturantes para o desenvolvimento estadual. Dadas
as dificuldades, os quatro anos de governo tendem a não ser suficientes, e a descontinuidade pode
trazer sérios danos.
Experiências recentes mostram como um grau razoável de coordenação foi atingido devido
ao papel de pessoas estratégicas que ocuparam as secretarias e postos-chave do governo. No
entanto, a construção de um sistema de planejamento eficaz requer um arranjo institucional que
torne o funcionamento de certas agências e secretarias menos dependente das pessoas nomeadas
para os respectivos cargos. Em outras palavras, faz-se necessária a geração de certo grau de
coerência interna que permita o funcionamento adequado das agências e a preservação de certa
rotina, independentemente do governador ou do secretário que ocupem os cargos.
15
Ver, a esse respeito, SEPLAN (2001, p.17).
16
Um bom exemplo é a ausência de informações sobre as decisões de investimento no Estado e a realização estrita
de levantamentos de campo, uma vez que, na maioria dos casos, as informações publicadas originam-se de
dados secundários.
76 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
2.4.7. Outras observações sobre a máquina pública mineira
40 anos
BDMG
Vários dos problemas apontados nas análises anteriores podem ser também observados em
outros sistemas. Assim, por exemplo, a carência de pessoal qualificado, os sucessivos cortes de
custeio que vêm dificultando a execução de várias políticas públicas e a fragilidade de uma ação
coordenadora eficaz são circunstâncias presentes nos sistemas analisados e em outros.
Acrescentam-se os graves problemas decorrentes da estrutura salarial, que têm feito com
que a remuneração de grande parte dos funcionários especializados se encontre bastante defasada,
se comparada aos parâmetros de mercado, ao passo que a remuneração de funcionários de nível
elementar se apresenta, na maioria das vezes, superior. Tal situação é um claro desestímulo à
permanência e melhoria dos quadros técnicos, com evidente perda de eficiência.
Um dos principais entraves a uma política salarial que incentive os servidores é a atual
vinculação constitucional de vencimentos entre ativos e inativos. Essa vinculação, dado o atual
peso dos inativos na folha total, impede qualquer aumento aos ativos. Alternativas, como uma
política de premiação por resultados, são propostas no capítulo seguinte deste volume. De todo
modo, encontra-se na ordem do dia, em nível federal, a discussão dessa e de outras questões
previdenciárias.
Um bom exemplo, nesse sentido, são os administradores públicos formados pela Escola de
Governo da Fundação João Pinheiro, com alta formação profissional, que, ao concluir o curso,
são incorporados ao serviço público sem uma política deliberada para tirar partido de suas
habilidades e da vontade de servir de que se acham imbuídos. O resultado é que, com alguns anos,
muitos deles abandonam a administração pública, com graves perdas para o Estado, não apenas
com relação aos recursos investidos.
O mais importante, contudo, é a qualidade dos serviços prestados à população.Mesmo com
várias iniciativas tomadas nos últimos anos, ainda há muito por fazer. Um exemplo evidente é a
defasagem em relação às possibilidades criadas pela revolução tecnológica17 . É interessante observar
que a utilização dos serviços informatizados, aliás, não apenas na administração pública, mas
também nas empresas, começou pelas áreas-meio e, só recentemente, tem atingido as áreas-fins.
Pode-se, entretanto, afirmar que, comparativamente à União e a outros estados, Minas Gerais
encontra-se atrasada, principalmente em relação à utilização do chamado governo eletrônico.
A racionalização na prestação dos serviços públicos essenciais é, também, premente. Demandas
relevantes podem ser encontradas nas áreas de justiça e segurança pública. Assim, por exemplo, em
um procedimento básico, como o registro de uma ocorrência policial, o cidadão enfrenta vários
problemas, que, não raramente, acabam por funcionar como um desestímulo a fazê-lo. Como as
delegacias são especializadas e, não raramente, a definição do crime é ambígua, o reclamante é
levado a deslocamentos, em circunstâncias penosas e com elevado custo psicológico, até que ele
seja ouvido e a ocorrência seja feita.
17
Ressaltem-se iniciativas importantes em Minas Gerais, implantadas nos anos 90, foram o SIAFI (Sistema Integrado de Administração
Financeira), que atualmente vem sendo complementado pelo SIMG (Sistema Integrado de Minas Gerais), um
aperfeiçoamento do sistema anterior, o SIPAG (Sistema de Programação Acompanhamento e Avaliação da Ação
Governamental), além da informatização das áreas administrativas dos órgãos e entidades. Está em atividade,
também, o LIG-MINAS (Linhas de Informação do Governo), de atendimento ao cidadão, e o PSIU (Posto de Serviço
Integrado Urbano), com 25 postos no Estado.
mineiro convive com a existência de um número elevado de detentos que já cumpriram pena, ou
que poderiam cumpri-la em outro regime, como já demonstraram diversos estudos. Todavia, a
lentidão nos exames dos processos e nas providências cabíveis vêm-se colocando como um dos
fatores agravantes dessa situação. Além de injusto, essa ineficiência acarreta a sobrecarga de
delegacias e de presídios, configurando, muitas vezes, como motivos de rebeliões. Tudo isso, além
de dificultar a ação da polícia, contribui para o aumento da impunidade, uma vez que a falta de
vagas no sistema prisional leva ao não cumprimento de outras ordens de prisão.
No tocante à burocracia interna, o quadro não é diferente: aposentadorias de professores
tramitam por um ou dois anos antes que o processo chegue a bom termo; a informação sobre o
servidor é precária e de difícil obtenção; a relação entre contribuintes e o Erário Público, mesmo
com a simplificação de procedimentos, ainda pode ser melhorada muito, em especial no que diz
respeito às obrigações acessórias.
78 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
2.5. Algumas diretrizes para a reformulação da
40 anos
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máquina pública mineira
80 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
2ª) A melhoria da eficiência dos sistemas operacionais
40 anos
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A eficácia de uma nova estrutura organizacional depende, em muito, da eficiência do
modo de funcionamento das diversas instituições que a compõem.
O desenvolvimento das capacidades institucionais dos órgãos da administração pública,
incluindo o fortalecimento do planejamento estratégico como ferramenta de gestão, os
programas de reestruturação administrativa, entre outras, conforme apontado anteriormente,
são iniciativas em curso na União e em vários estados, no contexto das reformas que vêm
sendo implementadas.
Um ponto importante na busca da melhor eficiência do funcionamento da máquina
pública é a necessária articulação entre os diversos órgãos. Em Minas, atualmente, os sistemas
operacionais encontram-se descaracterizados. Inexiste a coordenação dos organismos
vinculados pela Secretaria e, salvo uma ou outra exceção, cada qual formula suas metas e
objetivos e executa programas e projetos de forma independente. O desperdício, a dispersão
de esforços e a perda de eficiência são inevitáveis, assim como se torna ineficiente a
coordenação.
A revitalização dos sistemas operacionais requer, como condição sine qua non, o
revigoramento da Administração Direta, ou seja, das próprias secretarias, de modo a permitir
que o núcleo estratégico tome decisões mais corretas e efetivas e que seus serviços, tanto os
exclusivos (que funcionam diretamente sob o seu comando), quanto os competitivos (exercidos
pela Administração Indireta), operem de forma mais eficiente.
Isto significa garantir maior governança, ou seja, maior capacidade de governar, maior
condição de implementar leis e políticas públicas. Significa governar com efetividade e
eficiência, voltando a ação dos serviços públicos para o atendimento dos cidadãos. Para isso,
é necessário substituir a administração pública voltada para o controle a priori dos processos,
pela administração pública baseada no controle a posteriori dos resultados. Dentro deste
princípio, a administração indireta deve ter sua autonomia preservada, com ampla liberdade
para administrar seus recursos humanos, materiais e financeiros, desde que atinjam os objetivos
qualitativos e quantitativos previamente acordados com a Administração Direta.
Em outras palavras, a revitalização e a integração dos sistemas operacionais devem ser
buscadas para garantir um mínimo de ordem, unidade e coerência às ações dos membros do
sistema e não como um fim-último ou como um objetivo per se. Pode-se lançar mão de algum
tipo de arranjo formal ou institucional, mas a integração deve ser obtida, principalmente, a
partir de ações que visem à solução de problemas comuns, necessários para o desenvolvimento
do Estado.
À luz dessas considerações, para revitalizar os sistemas operacionais, são sugeridas
algumas medidas:
(a) Fortalecimento das ações de planejamento e controle, tanto da Secretaria quanto
das entidades vinculadas, para que funcionem como núcleos do planejamento
setorial nas respectivas entidades e passem a se integrar em rede.
(b) Institucionalização de mecanismos efetivos e sistemáticos de acompanhamento e
avaliação de políticas. Planos são propostas de intervenção na realidade social e
econômica visando a realização de objetivos desejados. Baseiam-se em argumentos
18
Em 1972, com o I PMDES tentou-se o planejamento em moldes globais ou compreensivos em Minas. A economia
mineira cresceu espetacularmente no período, mas não em razão do PMDES, que não foi seguido. Ver Andrade (1980).
82 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
1ª) Programas estratégicos
40 anos
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Planos nos moldes do I PMDES dos anos 70 são inadequados à atualidade e podem levar ao
insucesso. São excessivamente abrangentes em escopo, supõem vasta massa de informações e exigem
capacidade de coordenação que só os países com regimes de planejamento centralizado pareciam
dispor. Partem de lista de necessidades e carências, organizadas sob diferentes rótulos e classificações,
mas falta-lhes estratégia tanto para lidar com os problemas de escassez quanto para contornar os
obstáculos colocados pela máquina pública, heterogênea, frouxamente articulada e com órgãos de
diferentes dinamismos.
Em lugar deles, propõe-se que o Planejamento atue com base em programas estratégicos,
que têm foco em torno de um único ou de poucos objetivos, com as linhas de execução e
coordenação delimitadas e não gerais. Dessa forma, os requerimentos de integração são menores
e a execução das metas é mais visível.
A concepção dos programas estratégicos é atacar todos os elementos que formam a cadeia
de um problema, identificando, inicialmente, os pontos de estrangulamento, levantando os
investimentos para superá-los, caso necessário, ou as medidas para desatar seus nós e buscando a
necessária integração e coordenação dos agentes públicos responsáveis envolvidos.
Crucial para o planejamento por programas estratégicos é o controle dos recursos para sua
implantação, que servem de contrapartida para induzir a adesão dos órgãos executivos da administração
estadual aos programas. Para cuidar da gestão dos programas estratégicos recomenda-se a criação de
grupos executivos, utilizados com sucesso pelo Plano de Metas do governo Kubitscheck e também
pela administração federal na implementação dos programas do Avança Brasil.
A figura do Gerente de Programa, já experimentada com sucesso em outros estados,
pode aumentar a eficácia dos programas ao permitir uma avaliação precisa do seu andamento e
atenuar o problema do carona, que existe quando muitas pessoas estão encarregadas do programa.
Destarte, a atuação integrada é essencial para a ação de governo. Os problemas que mais
afligem a população, ou cujas soluções trazem mais dividendos para o desenvolvimento, raramente
abrangem só uma dimensão ou cabem inteiramente no território institucional de uma única agência
governamental. Soluções integradas, que supõem a ação conjunta de dois ou mais protagonistas
da administração pública, esbarram, entretanto, em vários obstáculos. O que é vital para um
órgão, pode ser acessório para outro. Rivalidades institucionais ou a competição pelo comando de
projetos e programas integrados podem levar a descompromisso ou até ao não engajamento dos
órgãos executivos, atrasando ou inviabilizando a realização dos objetivos perseguidos com o projeto.
A atuação por programas estratégicos, sob comando direto do Planejamento, facilita a tarefa
da coordenação e evita os problemas apontados.
lançado em 1995, planejar envolve, principalmente, coordenar, mas não toda a máquina. Isso
seria fonte potencial de conflito político com outros setores da administração, muitos deles não
necessariamente localizados no caminho crítico do plano. A coordenação deve recair sobre as
áreas em que interseções de políticas, e, para não se tornar intervenção com altos custos e
poucos benefícios, deve-se dar em torno de objetivos e programas definidos.19
19
Governo do Estado de Minas Gerais (1995).
84 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
A análise sobre as especificidades de Minas Gerais, realizada na seção 2.4.7, indicou ser
40 anos
BDMG
urgente a atuação direta sobre as cadeias dos serviços do Estado para melhorar-lhes a qualidade e o
acesso a eles, racionalizar o uso dos recursos, visando assegurar um governo eficaz, eficiente e
democrático. Afinal, uma burocracia pública operosa e eficiente não se justifica apenas pelos ganhos
financeiros que pode proporcionar ao Estado. É, principalmente, peça importante para a consolidação
da democracia e garantia dos direitos do cidadão.
Para a consecução dos objetivos de reestruturação da administração pública estadual
propõem-se ações em quatro grandes linhas: a racionalização de procedimentos na prestação
dos serviços públicos; a utilização maciça dos recursos do chamado governo eletrônico,
e uma nova política de recursos humanos.
20
Ver a respeito o capítulo 5 deste volume.
21
Ver neste volume o capítulo 3, referente ao financiamento do desenvolvimento.
86 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
Entretanto, embora os incentivos financeiros e fiscais continuem vigorando como parte
40 anos
BDMG
fundamental de uma política regional, a essas práticas vêm-se somando outras, tão ou mais
relevantes, que, efetivamente, têm o poder de conferir competitividade a um Estado ou região.
São os casos da oferta de serviços estratégicos e do estímulo à inovação, além, obviamente,
de investimentos em infra-estrutura. É premente, portanto, a necessidade de reconfiguração
do sistema estadual de fomento, preparando-o para desempenhar novas funções mais em
sintonia com as ações que vêm sendo praticadas em vários países, ressaltando sua interação
com um sistema eficiente de inovação 22 . Algumas ações apresentam-se como essenciais nesse
sentido.
22
Ver, no volume VII deste estudo, um capítulo específico sobre o tema e as proposições para o funcionamento de um sistema desse
tipo.
88 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
40 anos
BDMG
2.6. Referências Bibliográficas
90 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
MINAS GERAIS DO SÉCULO XXI
VOLUME IX
TRANSFORMANDO O PODER
PÚBLICO: A BUSCA DA EFICÁCIA
CAPÍTULO 3
RESGATANDO AS FINANÇAS
PÚBLICAS
3.3. PREVIDÊNCIA PÚBLICA: BASES PARA UMA AÇÃO REALISTA DO ESTADO ............................... 108
3.3.1. Previdência Pública versus Previdência Privada ............................................................................................... 110
3.3.2. A situação do Estado de Minas Gerais .............................................................................................................. 112
3.3.3. Lei Complementar n. 64, de 25 de março de 2002 ....................................................................................... 115
3.3.4. Considerações finais ............................................................................................................................................... 119
Gerais1
Esta seção avalia a situação atual das finanças públicas em Minas Gerais, visando identificar
os problemas que o Estado enfrenta e apresentar alternativas que possam contribuir para o seu
fortalecimento. Com esse objetivo, está estruturado em três itens. No primeiro, é feito um balanço
da situação atual, examinando a gravidade do quadro e os elementos que mais têm contribuído
para explicar seus desequilíbrios. No segundo, é apresentada uma estratégia para o ajuste das
finanças públicas, focada tanto em ações voltadas para aumentar a eficiência do gasto, à luz das
restrições orçamentárias atuais, como para melhorar o desempenho da receita, combinadas com
medidas destinadas a reduzir o comprometimento das receitas com o pagamento de algumas despesas
de caráter obrigatório e com o serviço da dívida. O terceiro item, à guisa de conclusões, apresenta
uma síntese da discussão realizada e destaca a importância do ajuste das contas públicas para
permitir, ao governo estadual, a implementação de programas de ações voltados para o atendimento
das demandas da sociedade.
1
Seção elaborada por Fabrício Augusto de Oliveira.
96 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
bilhões em dezembro de 2001. Projeções realizadas pela Secretaria da Fazenda indicam que esses
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40 anos
valores poderão atingir R$ 38 bilhões até o final de 2002, caso as receitas não sejam suficientes
para permitir ao governo estadual quitar uma série de compromissos (aí incluídos os salários do
funcionalismo) com educação, saúde, fornecedores, etc., tendo de transferi-los para a rubrica
restos a pagar.
TABELA 1
2
A propósito, o Acordo da Divida, firmado com a União em 1998, contemplou condições análogas dos custos de seus encargos
para todos os estados, diferenciando-as, entretanto, em relação às taxas de juros cobradas, de acordo com o percentual inicial de
pagamento do débito renegociado de cada um: 6% ao ano para os que a renegociaram, pagando 20% de seu estoque, e 7,5% para
os que só conseguiram abater 10%.
natureza pró-cíclica do principal imposto estadual, o ICMS: a receita tributária cresceu 14% em
2001 em comparação aos níveis registrados em 1999, praticamente a mesma expansão observada
para o ICMS. Todavia, apesar dessa elevação da receita, não foi ela suficiente para fazer frente ao
aumento ocorrido nos gastos e aos compromissos que o governo teve de assumir em relação ao
pagamento ampliado dos encargos da dívida renegociada com governo federal.
No tocante aos gastos, a mesma TAB. 2 apresenta a evolução de algumas categorias de
despesas que ajudam a entender o motivo pelo qual a elevação das receitas não foi suficiente para
que o equilíbrio fiscal fosse atingido. Como se observa, embora as medidas adotadas tenham
permitido garantir, no biênio 1999-2000, a geração de superávits primários, que contribuíram
para a redução do déficit operacional, essa situação não mais ocorreria em 2001.
O exame do comportamento desses componentes de despesa revela que apenas os gastos
com custeio apresentam redução em relação a 1998, devido ao ajuste que foi realizado, nesse
item, em 1999, apoiado no conceito de custeio crítico, necessário para o funcionamento da
máquina, com o qual criaram-se espaços para a promoção de uma série de cortes nesse componente.
Já os gastos com pessoal (o principal componente da estrutura das despesas públicas estaduais,
que absorve atualmente cerca de 74% de sua Receita Corrente Líquida) apresentaram contínua
expansão, explicada pelo crescimento vegetativo da folha de salário do funcionalismo e pelo
reajuste a ele concedido no ano 2000.
É possível perceber, pelos dados da mesma tabela, que, em virtude da elevação da receita
e do ajuste promovido nos gastos de custeio, o Estado conseguiu gerar, nos anos de 1999-2000,
superávits primários correspondentes a R$ 468 e R$ 366 milhões, respectivamente, o que já não
ocorreria no ano 2001. Mas também que esses superávits foram insuficientes para garantir o
pagamento dos encargos da dívida, que saltaram de R$ 750 milhões, na média de 1997-1998, para
R$ 1 bilhão, também em média, no biênio 1999-2000, e R$ 1.213 milhão em 2001. Como resultado,
o déficit operacional situou-se em R$ 620 milhões em 1999, R$ 553 milhões no ano seguinte, e R$
1.354 milhões em 2001, impactando sobre o estoque da dívida pública.
TABELA 2
98 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
Assim, apesar do crescimento das receitas, os gastos em elevação, notadamente com a
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40 anos
folha de salários do funcionalismo (ativos e inativos), não permitiram ao Estado realizar um
ajuste de equilíbrio, embora tenha sido capaz de transformar uma situação de geração de déficits
primários em superávits no biênio 1999-2000, insuficiente, entretanto, para retirar a dívida de sua
trajetória de crescimento.
Mais grave é que, de acordo com projeções realizadas pela Secretaria de Estado da Fazenda
de Minas Gerais veiculadas na imprensa, o déficit nominal poderá atingir R$ 1,6 bilhão em 2002,
enquanto, com as estimativas contidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2003
apreciada pela Assembléia Legislativa, projeta-se um desequilíbrio de R$ 2,3 bilhões para o próximo
ano. Isso confirma o agravamento da situação financeira do governo estadual e as maiores
dificuldades que o próximo governo terá de enfrentar para administrar suas finanças e implementar
seu programa de ações. Acrescenta-se um quadro macroeconômico altamente desfavorável que se
prenuncia para o País, coadjuvado com um orçamento federal altamente apertado e com maiores
esforços fiscais sendo exigidos dos estados e municípios para garantir a meta acertada com o FMI
de geração de um superávit primário mínimo, do setor público consolidado, de 3,75% do PIB.
Preocupante, nessa situação, é que o orçamento fiscal do Estado se encontra com um grau de
engessamento muito elevado, à medida que, comprometido previamente com o pagamento de despesas
obrigatórias, praticamente não deixa espaços para ajustes de curto prazo pelo lado das despesas.
Considerando as despesas com pessoal, com as quais o Estado deve comprometer cerca de 74% de sua
Receita Corrente Líquida em 2002 (cerca de 44% desse total com o pagamento de benefícios dos
inativos), os encargos da dívida com o governo federal (que absorvem 13% da RCL) e os gastos com
custeio, que se encontram no osso, e que representam cerca de 8% dessa receita, chega-se a um nível
de comprometimento da receita em torno de 95%, restando apenas cerca de 5%, com otimismo, para
a realização de investimentos e para o financiamento de outras atividades por ele desenvolvidas.
É essa a situação que deverá ser enfrentada se se pretende criar as condições necessárias
para a recuperação de sua capacidade de financiamento e para dar ao governo condições de atender
às demandas da sociedade. Apesar de difícil, e de exigir a adoção de medidas impopulares e
desgastantes politicamente, a solução é possível, considerando que, passada essa etapa, poderão
ser colhidos benefícios dessa política, mais do que compensando a população com o aumento da
oferta e a melhoria da qualidade de bens públicos a ela destinados.
Deve-se, entretanto, observar que ajustes bem-sucedidos são realizados primordialmente
pelo lado das despesas, considerando que elevações de receitas não somente são deletérias para a
atividade econômica, mas que, também, podem frustrar-se com o comportamento do quadro
macroeconômico, sobre o qual os governos estaduais têm pouca influência. Isso não significa que
não deva ser dada importância à receita, principalmente no que diz respeito às perdas decorrentes
de renúncias tributárias injustificáveis e da prática de sonegação, que impedem a entrada de recursos
substanciais para os cofres do Estado. Por isso, para o ajuste/ saneamento das finanças do governo
do Estado de Minas Gerais, é necessária uma estratégia que contemple tanto a revitalização da
receita, como a redução das despesas e dos encargos da dívida. É sobre essas questões que algumas
reflexões são desenvolvidas em seguida.
os ajustes com maiores chances de êxito, tem-se tornado cada vez mais problemática com o peso
que têm assumido, no orçamento fiscal, as despesas de caráter obrigatório, protegidas por alguma
regra constitucional e/ou dispositivo legal, os compromissos financeiros com programas de duração
continuada ou gastos obrigatórios de outra natureza. O ajuste pela dívida nem sempre é suficiente,
por si, para equacionar os desequilíbrios existentes. De acordo com os dados contidos na TAB. 2,
se, em um exercício hipotético, o governo estadual deixar de pagar os encargos da dívida (R$ 1,21
bilhão em 2001), ou se vier a ser beneficiado com alguma medida dessa natureza por parte do
governo federal, ainda assim incorreria em um déficit primário da ordem de R$ 140 milhões, o que
significa que não existiriam recursos adicionais para o financiamento de outras atividades.
Uma estratégia bem-sucedida, para o caso de Minas Gerais, deve conter, assim, medidas
que contemplem, conjuntamente, os componentes das receitas, das despesas e da dívida. E, mais
ainda: considerando o quadro atual de restrições orçamentárias, embora não somente por essa
razão, e a ausência de recursos para investimentos em capital social básico, também há busca de
alternativas para aumentar a eficiência do gasto público, de forma a otimizar a aplicação dos
escassos recursos existentes, visando aumentar a oferta de bens públicos para a população e melhorar
sua qualidade.
A Receita
Para a expansão das receitas o melhor ingrediente é o crescimento econômico. Este,
entretanto, encontra-se travado no País desde 1999, dado o seu elevado nível de endividamento,
sua grande vulnerabilidade externa, bem como os compromissos assumidos no acordo recentemente
renovado com o FMI, em termos de metas inflacionárias, geração de superávits primários, resultados
da balança comercial etc. Caso essas restrições não sejam removidas, não se pode contar com
crescimento significativo da economia pelo menos no próximo ano (3%, de acordo com o
Memorando Técnico de Entendimento entre o Brasil e o FMI, e com o Orçamento da União,
encaminhado, em agosto, para apreciação do Congresso Nacional) e, portanto, com um campo
favorável para o aumento da arrecadação.
Mesmo que se consiga viabilizar o crescimento apoiado nas exportações, para reduzir a
vulnerabilidade externa do País, seus frutos serão limitados para as finanças públicas estaduais.
Isso porque, de uma maneira geral, essa atividade é isenta da cobrança de impostos, e os esquemas
de ressarcimentos das perdas que se encontram em vigor3 são insuficientes para cobri-las. Assim,
pelo menos até o momento em que o mercado interno não receber as influências positivas do
aumento das exportações, e que puder, através, por exemplo, da melhoria do poder de compra da
população, impactar as vendas internas, muito pouco se pode esperar dos efeitos de uma política
nacional de estímulo às exportações sobre a arrecadação tributária dos estados.
Nessa situação, devem ser realizados esforços para a revitalização da receita em algumas
frentes que apresentam grandes potencialidades, quais sejam:
a) Implementação de programas mais rigorosos de combate à sonegação, mesmo
com eventuais desgastes políticos causados por essa política junto ao empresariado.
3
Criado com a Constituição Federal de 1988, o IPIex, alimentado com 10% da arrecadação do Imposto sobre Produtos
Industrializados, destina-se a compensar os estados das perdas de arrecadação provocadas pela isenção do ICMS na exportação de
produtos manufaturados. Já a Lei Kandir, de 1996, visa também compensá-los dessas perdas decorrentes da isenção que passou
a ser concedida, a partir daquele ano, nas exportações realizadas pelo Estado de produtos primários e semi-elaborados e também
na utilização de créditos decorrentes da aquisição de bens de capital.
100 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
Nos últimos anos, foram implementados programas bem-sucedidos para reduzir o grau
BDMG
40 anos
de sonegação existente no Estado e aumentar a arrecadação, tendo sido alcançado
resultados satisfatórios. Sabe-se, contudo, que, devido ao elevado grau de sonegação
existente no País e no Estado, ainda é grande o espaço para ser trabalhado com essa
política; deve-se evitar, entretanto, que se configure como uma política de terrorismo
fiscal, que termine colocando, numa mesma trincheira, sonegadores e contribuintes
sem problemas com o fisco o que inviabilizaria ações efetivas nessa direção, como já
ocorreu outras vezes.
b) Revisão das atuais renúncias tributárias, que representam, de acordo com a Lei de
Diretrizes Orçamentárias (LDO), de 2002, 15% da receita total do Estado e 25% de
sua receita tributária. Ressalte-se, todavia, que tal revisão deve ser cuidadosa e seletiva,
procurando combinar estímulos ao desenvolvimento econômico do Estado com
fortalecimento das receitas estaduais. Nota-se, assim, que não se propõe a renúncia da
utilização de instrumentos tributários para a promoção do desenvolvimento do Estado,
através da concessão de incentivos. Isso seria impensável, pelo menos enquanto
continuar em curso a guerra fiscal travada entre os governos estaduais para a atração
de empresas, já que, nesse caso, o Estado poderia ser prejudicado não somente com a
fuga de empresas como também pela incapacidade de exercer algum poder de atração
sobre as que se encontram instaladas no restante do País. O que deve ser feito é uma
avaliação dessas renúncias, dos custos e benefícios que representam para os cofres
públicos e a sociedade, inclusive pela sua dimensão, e a redefinição de uma nova
estrutura que tenha preocupação em combinar instrumentos eficazes voltados tanto
para o apoio ao processo de desenvolvimento do Estado como para a revitalização de
suas receitas.
c) Adoção de iniciativas voltadas para reverter perdas de receitas impostas ao Estado
pelo governo federal, com mudanças na estrutura tributária voltadas para os objetivos
de política econômica, sem os devidos ressarcimentos. O caso mais emblemático nos
anos recentes foi a Lei Complementar n. 87, editada em 13 de setembro de 1996,
também conhecida como Lei Kandir. Com o objetivo de incentivar as exportações,
sem ter de alterar, à época, a política cambial, e de estimular os investimentos internos,
foram desonerados da incidência do ICMS as exportações de produtos primários e
semi-elaborados e assegurada a utilização dos créditos decorrentes da aquisição de
bens de capital, da compra de energia elétrica e serviços de comunicação, numa primeira
etapa, e, em uma segunda etapa, de todo material de uso e consumo feito pelas empresas,
visando reduzir o custo-Brasil. Para compensar a perda de receitas que representaria
para os estados, instituiu-se o chamado seguro-receita, um mecanismo com o qual se
pretendia garantir a manutenção dos níveis anteriores de arrecadação do ICMS antes
da entrada em vigor da Lei. Na realidade, entretanto, o sistema de apuração do seguro-
receita revelou-se incapaz de evitar perdas de receitas para os estados, tendo essas
sido mais elevadas naqueles onde são maiores as exportações com produtos semi-
elaborados, casos mais notórios de Minas Gerais e do Pará. Estudo realizado por Riani
& Pontes de Albuquerque (2001) estima que essas perdas para Minas Gerais teriam
atingido, no período de 16 de setembro de 1996 até junho de 2001, o expressivo valor
de R$ 2,109 milhões, o correspondente a 7% da receita desse imposto no mesmo
período, ou cerca de R$ 400 milhões, em média. E, o que é mais grave, sem terem
identificado estímulos importantes adicionais para o aumento das exportações
realizadas pela economia do Estado para os produtos desonerados. Nem mesmo a
revisão feita nos parâmetros de cálculo desse ressarcimento, a partir de agosto do ano
a elas pôs um ponto final, já que a redução ocorrida foi, segundo concluem esses
autores, inferiores às expectativas criadas sobre as mudanças e às projeções realizadas
sobre os seus ganhos, com as finanças do Estado continuando a ser penalizadas ao
serem manejadas para os objetivos da política econômica nacional. Por isso, o
desenvolvimento de ações estratégicas com outros estados, para equacionar essa questão
e pôr cobro às perdas que representa para os cofres públicos estaduais, reponta como
medida vital para a revitalização da receita tributária.
d) Fortalecimento da capacidade de autofinanciamento dos órgãos da administração
indireta. A autonomia de que desfrutam esses órgãos contempla, também, a possibilidade
de cobrança dos custos de seus serviços, fato nem sempre explorado quando o Estado
operava sem restrições orçamentárias e conseguia acomodar as pressões por recursos
sem grandes problemas. Com a mudança desse quadro, progressos têm sido feitos nessa
direção, restando, entretanto, espaços para serem explorados cuja identificação exige a
realização de um diagnóstico sobre a situação financeira desses órgãos e de sua dependência
de recursos do Tesouro, sobre a natureza de seus serviços e sobre as receitas que podem
gerar e que ainda não estão sendo cobradas. Para o ajuste pretendido, é indispensável a
contribuição deste segmento, visando reduzir/aliviar as pressões por recursos sobre o
Tesouro estadual para o financiamento de suas atividades.
e) Introdução de novas taxas na administração direta para serviços específicos.
f) Acompanhamento atento da retomada das discussões a respeito da reforma
tributária, que deverá ser levada à frente pelo próximo governo federal, e avaliação/
estimativa dos impactos que as distintas propostas em discussão provocará sobre suas
finanças, visando influenciar a definição da nova estrutura e não ser prejudicado com
a que for aprovada. Reformas tributárias, que modificam o desenho da incidência de
impostos, tendem a gerar efeitos desconhecidos sobre a arrecadação, podendo provocar
perdas diferenciadas entre os entes federativos. Por isso, a necessidade de uma ação
pró-ativa na sua definição, com a realização de estudos e simulações sobre os resultados
dos projetos apresentados e de suas repercussões sobre as finanças do Estado, para
que não se aprove, às pressas, projetos que poderão revelar-se, mais tarde, prejudiciais
do ponto de vista da arrecadação.
A Despesa
A despesa representa, como discutido anteriormente, o nó górdio das finanças estaduais.
Os componentes gastos com pessoal, encargos da dívida e custeio totalizam, atualmente,
quase 100% da Receita Corrente Líquida, pouco restando para financiamento de outras necessidades
da máquina pública e para a realização de investimentos, praticamente inexistentes nos últimos
anos. Por isso, a necessidade e urgência de encontrar alternativas para torná-las sustentáveis,
visando garantir um ajuste fiscal confiável e duradouro.
Os gastos de custeio encontram-se reduzidos a cerca de 7% a 8% da Receita Corrente
Líquida do Estado, depois do esforço de ajustamento que foi realizado no início de 1999, com o
qual praticamente fecharam-se os espaços, nesse item, para a realização de novos cortes.
Ao contrário da visão predominante sobre a natureza desses gastos, associados, usualmente,
a uma idéia de desperdício para os cofres públicos, estes gastos podem se tornar uma variável
chave, especialmente numa situação de severas restrições orçamentárias e de ausência de recursos
102 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
para investimentos, tendo em vista os objetivos de melhorar a eficiência e a qualidade do gasto
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40 anos
público, podendo contribuir para suprir deficiências que poderiam não ser removidas mesmo com
grandes investimentos.
Quando se pensa em programas de governo, estes se encontram, geralmente, associados à
realização de investimentos, para os quais não se conta, na atualidade, com recursos suficientes.
Gastos com custeio costumam ser associados, de uma maneira geral, a desperdício da máquina
pública, nas figuras, sempre lembradas, do cafezinho, do material de consumo, do combustível
que movimenta os carros oficiais, da luz nunca desligada, dos telefonemas intermináveis e
desnecessários, e assim por diante, passíveis, por isso, de cortes e de economia. Por isso, quando
se esgotam as possibilidades de se utilizar os gastos com investimentos como variável de ajuste,
as atenções deslocam-se rapidamente para os de custeio. Essa é, entretanto, uma visão que
merece reparos, principalmente em vista das modificações por que tem passado o Poder Público
em geral, decorrente de seu novo papel.
Para isso, é necessário diferenciar duas categorias de custeio: a que atua como uma espécie
de atividade-meio, na qual se enquadram, entre outros gastos, os exemplos acima apontados, e a
que funciona como diretamente vinculada a uma atividade-fim, já que os gastos são parte integrante
da própria atividade que sustentam. É o caso, por exemplo, dos combustíveis para o abastecimento
dos carros de patrulha da polícia militar e órgãos de segurança pública; da merenda escolar para
alunos da rede estadual; de medicamentos para a saúde; da alimentação para os presos; da
contratação de quadros técnicos especializados para a atividade de planejamento e a realização de
estudos voltados para a melhoria da qualidade de ensino da rede estadual, etc., para ficar com
alguns exemplos.
No caso dos gastos de custeio ligados à atividade-meio, de fato sempre haverá espaços para
medidas visando sua redução, obviamente dentro de certos limites, sempre com o propósito de
diminuir ao mínimo os desperdícios e de promover, ao máximo, a eficiência. Todavia, no caso de
custeios ligados à atividade-fim, o reforço de recursos pode ser tão ou mais importante, e gerar
melhores resultados, do que a realização de investimentos nessas áreas, contribuindo para melhorar
a oferta e a qualidade dos serviços prestados. Porque pouco adiantará investir na aquisição de
novos carros para a polícia se não houver recursos suficientes para combustíveis; na construção
de escolas, se poucos forem os recursos para garantir a merenda escolar; na de hospitais, se não
existirem medicamentos para os doentes; e assim, por diante. O melhor aproveitamento dos recursos
públicos, nesses casos, aponta para o reforço dos gastos de custeio, e não para seus cortes. O
contrário significa não a desejada austeridade fiscal, mas, sim, a má utilização ou o desperdício do
capital já investido, além de perdas não justificáveis para a sociedade.
Por isso, antes de se implementar políticas de redução de gastos, via contenção indiscriminada
do custeio, é necessário, primeiramente, fazer um levantamento da natureza desses gastos, por
órgãos, secretarias, etc., classificá-los, de acordo com as categorias sugeridas, examinar sua
importância dentro dos contextos das políticas públicas que integram os programas de governo e
melhorar o aproveitamento de suas potencialidades, para torná-las mais eficientes e efetivas,
especialmente em situações de graves restrições orçamentárias e inexistência de recursos para
investimentos.
Afinal, o novo papel que tem sido atribuído ao Estado nas suas relações com a sociedade
no contexto atual de desenvolvimento tem resultado na redução de seu papel de interventor
direto na economia e na construção de infra-estrutura e, em contrapartida, no aumento de suas
funções de regulador/coordenador das atividades econômicas. Assim, justifica-se com mais clareza
a maior ênfase nos gastos com custeio, típicos dessas tarefas, do que com investimentos diretos.
ter a importância que tinha em outras épocas, quando ao Estado, efetivamente, cabia a função de
responsabilizar-se inteiramente por ela, ao mesmo tempo em que gastos de custeio, especialmente
os vinculados às atividades-fins, passam a assumir relevância cada vez maior na execução das
políticas públicas. Não podem, portanto, continuar sendo passíveis de cortes lineares apenas por
se apresentarem como a variável mais fácil de um processo de ajuste das contas públicas.
Os gastos com pessoal (ativos e inativos), por sua vez, absorvem, atualmente, cerca de
74% da RCL. Desse total, de 42% a43% são destinados para o pagamento dos inativos, e o
restante, para os funcionários ativos. Algumas considerações devem ser feitas a respeito destes
dois contingentes e do comprometimento desses níveis de receita com o seu pagamento.
No caso dos ativos, à primeira vista, o espaço, se existe, é pequeno para a redução dos
gastos. Esta é, aliás, uma questão que só pode ser tratada com a realização de um estudo mais
aprofundado sobre as necessidades de pessoal para garantir o funcionamento eficiente da máquina
pública e dos serviços prestados à sociedade. Isso porque, atualmente, os funcionários das áreas
de educação, saúde e segurança, áreas consideradas altamente essenciais, respondem por mais de
80% do conjunto dos servidores públicos, o que dificulta, inclusive, operar ajustes para se chegar
aos limites estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), através de demissões do
funcionalismo, como é por ela facultado. Acrescentam-se os problemas, já detectados, de grandes
distorções na estrutura de vencimentos de diversas categorias de funcionários públicos.
Por isso, se esforços tiverem de ser desenvolvidos nessa direção, é indispensável que venham
acompanhados de uma reforma administrativa racionalizadora da máquina e dos órgãos públicos,
combinando economia de gastos com aumento na eficiência de serviços prestados. Cabe, de
qualquer forma, chamar a atenção para o fato de que se resolvida ou atenuada, do ponto de vista
financeiro, a situação dos inativos do Estado, os ativos deixariam de se apresentar como o maior
problema, já que respondem por pouco mais de 40% da RCL do Estado, enquadrando-se
perfeitamente dentro dos limites de gastos permitidos pela LRF.
No caso dos inativos, a situação é bem mais complexa e se encontra longe de ser resolvida.
Ao contrário do que se imagina, o Fundo Previdenciário agrava a situação das finanças públicas
mineiras no período de transição e não garante o equilíbrio atuarial do novo sistema no longo prazo,
como se discute na seção que se segue. A adoção de medidas que reduzam o atual déficit previdenciário
(elevação da receita de contribuição dos ativos, redução da contribuição do Estado, por exemplo) e
reprogramem as exigências do Fundo Previdenciário em relação ao aporte de recursos para sua
constituição, como ali é discutido, é indispensável para aí, sim, garantir o pagamento futuro dos
benefícios dos aposentados e pensionistas e evitar que os desequilíbrios atuais levem o sistema e as
finanças estaduais a uma situação de inadimplência geral. Sabe-se que as medidas que terão de ser
adotadas para resolver essa questão são altamente impopulares.Por essa razão, torna-se necessário
desenvolver um trabalho de esclarecimento junto ao funcionalismo com vistas a persuadir-lhes de
que, se essas medidas não forem tomadas, são grandes os riscos de, em algum momento, não mais
existirem recursos para o pagamento desses benefícios e de que, também, o governo do Estado não
mais disponha de condições para continuar ofertando serviços públicos essenciais à população.
Importantes para um período de transição e arrumação da casa, do ponto de vista
financeiro, são os ganhos que se podem obter em relação aos encargos representados atualmente
pela dívida, que foi renegociada com o governo federal em 1998. Atualmente, esses encargos
drenam cerca de 13% da RCL, o equivalente a algo em torno de R$ 100 milhões ao mês. Numa
situação de transição e de implementação de uma política de ajuste, é importante desenvolver
ações que possam gerar ganhos nessa frente. Pela importância que representam nesse processo, a
questão é tratada no item seguinte.
104 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
A dívida e os seus encargos
BDMG
40 anos
Os gastos com encargos da dívida têm representado, em média, cerca de 15% da RCL anual
do Estado, incluídos os que não se referem à dívida renegociada com a União. Chama-se a atenção
para o fato de que, conforme apontado anteriormente, somente a sua redução ou até mesmo sua
extinção não resolve o problema dos desequilíbrios financeiros do Estado e o coloca em condições
de aumentar a oferta de serviços públicos para sociedade. Isso não significa, entretanto, que se
deva abrir mão de obter ganhos nessa frente, mesmo porque, somados aos que poderão ser
conseguidos em relação às receitas e despesas, esses serão importantes para permitir-lhe caminhar
para a realização do ajuste necessário de suas contas. Por isso, a retomada das negociações com a
União, a principal credora do Estado, visando rever algumas condições do contrato firmado em
1998, reponta como indispensável para esse objetivo. Entre essas condições, as seguintes merecem
atenção:
a) Proposta de redução do nível de comprometimento da RCL dos estados para o
pagamento dos encargos da dívida com a União dos atuais 13% para algo em
torno de 7% a 8%, pelo menos durante o período de realização/implementação do
programa de ajuste das finanças do Estado. Cabe lembrar, a esse respeito, que continua
em tramitação, no Congresso Nacional, uma proposta apresentada pelo Senador José
de Alencar, de Minas Gerais, de redução desse percentual para 7%, o que pode favorecer
esse processo.
b) Reavaliação/ revisão do índice que corrige a dívida com o governo federal, o
IGP-DI, que espelha mais expectativas de inflação do que a inflação efetiva, já
que,é contaminado pelo índice de preços do atacado (IPA), altamente influenciado
pelo comportamento da taxa de câmbio. Deve-se lembrar que, nos anos em que o
quadro macroeconômico se tornou altamente volátil, como em 1999, o IGP-DI atingiu
o nível de 20%, garantindo uma correção da dívida de cerca de 27%, já que seus
encargos são também agravados com uma taxa de juros real de 7,5% ao ano. Nesse
mesmo ano, o IPCA/IBGE, o índice oficial da inflação, situou-se em reduzidos 9%.
c) Revisão das taxas de juros da dívida para Minas Gerais e Pará (7,5%), que fizeram
um abatimento inicial de seu estoque equivalente ao percentual de 10%, enquanto
outros estados que estavam em condições de abaterem os 20% requeridos ficaram
com taxas de juros correspondentes a 6%.
Deve-se ter clareza, entretanto, de que existem restrições legais e financeiras, que terão de
ser enfrentadas para viabilizar mudanças dessa natureza. Em relação às restrições legais, a Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF) proíbe expressamente, em seu art. 35, a concessão de novos
refinanciamentos por parte do governo federal e a modificação dos contratos em vigor, sendo
necessária a aprovação de Lei Complementar para alterá-lo. Isso significa a necessidade de se
contar com 257 votos na Câmara dos Deputados e de 41 no Senado Federal (maioria absoluta),
caso se queira criar condições legais para a revisão de seus termos, exigindo intensas negociações,
caso o próximo governo não consiga maioria no Congresso4 .
No tocante às restrições financeiras, o alívio que pode ser dado às finanças dos estados
com essas mudanças implicará maior aperto para o Orçamento da União. Isso porque o governo
4
De acordo com o art. 35 da LRF (Lei Complementar n.101, de 4 de maio de 2000), é vedada a realização de operação de crédito
entre um ente da Federação, diretamente ou por intermédio de fundo, autarquia, fundação ou empresa estatal dependente, e
outro, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que sob a forma de novação, refinanciamento ou postergação da
dívida contraída anteriormente.
PIB em 2003, teria, para garanti-lo, de aumentar a sua contribuição, prevista em 2,25% do PIB, já
que o segmento de estados e municípios, nesse caso, tenderá a produzir um superávit menor do
que os 0,95% do PIB para ele projetado. E isso só poderia ser alcançado através do aumento da
carga tributária, já bastante elevada, ou com redução de gastos no orçamento, que conta com
reduzida participação de despesas de caráter discricionário e, portanto, com pouca margem de
manobra para cortes. Essas medidas devem gerar inevitáveis resistências para implementação.
Cabe lembrar, a propósito, que a turbulência que se abateu sobre a economia brasileira
neste final do ano 2002 e as projeções mais pessimistas sobre o crescimento do PIB, a trajetória da
taxa de câmbio e dos juros variáveis que afetam diretamente a relação dívida/PIB , indicam
a necessidade de geração de superávits primários mais elevados do que os assumidos no acordo
com o FMI para garantir a meta da dívida, estabelecida em termos nominais. Tal situação, com
certeza, impõe maiores dificuldades para a flexibilização dos percentuais de comprometimento da
Receita Corrente Líquida dos estados com o pagamento dos encargos de seus débitos.
106 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
Ênfase também foi dada ao papel importante da renegociação da dívida com a União para
BDMG
40 anos
a realização desse ajuste, embora chamando a atenção para o fato de que somente com a redução
ou extinção da dívida não se resolve o problema dos desequilíbrios financeiros nem se garante a
recuperação da capacidade de financiamento do Estado. E também que ações nesse sentido devem
enfrentar não poucas dificuldades colocadas por restrições de ordem legal e por compromissos
assumidos, pelo País, de geração de um superávit primário mínimo de 3,75% do PIB em 2003.
Por fim, procurou-se mostrar que o nó górdio das finanças do Estado é representado pelos
desequilíbrios no seu sistema de Previdência, que compromete a absorção de 31% da Receita
Corrente Líquida e que, embora as demais propostas feitas para viabilizar o ajuste das contas
sejam importantes, a solução para essa questão é vital para seu êxito. Por isso, uma discussão mais
aprofundada dessa questão e das alternativas que existem para seu equacionamento é realizada
em seguida.
realista do Estado5
A previdência tem sido o ponto central de discussão de muitos países nos últimos anos. A
importância do setor está tanto na questão social, por representar a fonte de renda da maioria da
população em idade mais avançada como pelo fato de ocupar sempre uma fatia substancial dos gastos
públicos dos países. No Brasil, a previdência privada paga benefício a 20,6 milhões de pessoas e movimenta
um total de recursos, entre arrecadação e despesa com benefícios, de cerca de R$ 140 bilhões.
À medida que aumenta a expectativa média de vida da população, um novo desafio se
coloca para a previdência em todo o mundo: adequar-se à nova realidade e garantir a saúde financeira
do sistema, de modo que os participantes tenham seu direito à aposentadoria assegurado.
A aposentadoria deve ser vista como uma proteção ao trabalhador quando da perda de sua
capacidade laboral e não como uma renda adicional. Assim sendo, à medida que aumenta o período
no qual os trabalhadores permanecem em atividade, é necessário que os parâmetros da previdência
se adaptem a esse novo perfil.
No Brasil, bem como no resto do mundo, a expectativa de vida tem crescido constantemente.
Os avanços na área de saúde, saneamento e tecnologia têm representado importantes ganhos para o
aumento da idade média da população. Em 1930, a expectativa de vida do brasileiro ao nascer era de
apenas 41 anos, enquanto que em 1999 passou a ser de 68,6 e a expectativa de vida para alguém
com 50 anos evoluiu para 75,5 anos. No Estado de Minas Gerais observa-se a mesma tendência,
com a expectativa de vida ao nascer passando de 54,9 anos em 1970 para 68,4 anos em 1999.
A evolução do perfil demográfico da população brasileira ressalta a importância de revisão
dos parâmetros vigentes em nosso sistema de previdência, tais como idade de aposentadoria,
alíquota de contribuição, tempo de contribuição, dentre outros. Nos últimos 30 anos, a expectativa
de sobrevida6 nas idades acima de 50 anos cresceu em média 5 meses ao ano. Essa evolução tem
apresentado conseqüências imediatas nos custos de financiamento do sistema de previdência.
Além da questão demográfica, fatores como o aumento da produtividade, a redução da
estrutura administrativa do Estado, a privatização, a informalização do mercado de trabalho,
dentre outros, têm levado à redução contínua da relação entre contribuintes ativos e inativos no
sistema de previdência. No setor privado (INSS) essa relação se encontra, no ano de 2002, em
torno de 1,21 e no setor público, em 1,05. A relação existente torna-se ainda mais preocupante se
levado em conta que ambos os regimes estão estruturados na repartição simples7 .
Diante desse cenário, a previdência no Brasil tem passado por um profundo processo de
reestruturação. Nos últimos anos, o País teve o arcabouço legal da previdência alterado pela
Emenda Constitucional n. 20 e sua posterior regulamentação. A criação do fator previdenciário
para o cálculo das aposentadorias dos trabalhadores do setor privado, a idade mínima e a
5
Seção elaborada por Solange Paiva Vieira
6
Análises estatísticas dos dados de expectativa de vida no Brasil mostram que as expectativas de vida tendem a convergir nas idades
mais avançadas independente da amostra utilizada. Partindo desse pressuposto, foi utilizada neste trabalho a expectativa de vida
da população de Minas Gerais como proxi da expectativa dos servidores públicos do referido Estado.
7
Entenda-se por regime de repartição simples aquele em que a geração dos atuais ativos contribui para que a geração de
aposentados receba sua aposentadoria.
108 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
contribuição dos inativos do serviço público foram questões discutidas na esfera federal, sendo
BDMG
40 anos
algumas delas implementadas, e outras, não.
Apesar do avanço alcançado com a implantação do fator previdenciário8 na previdência
dos trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), que deverá trazer um
maior equilíbrio atuarial para as contas do INSS ao longo do tempo9 , a derrota da idade mínima,
para o Regime Geral (INSS), no Congresso, e da contribuição dos inativos, para o setor público,
no Supremo Tribunal Federal, são retrocessos que permanecem como questões importantes a
serem equacionadas na previdência brasileira.
A idade mínima como condição de elegibilidade à aposentadoria na previdência tem sido sempre
uma questão polêmica e, embora no setor público tenha sido estabelecido um limite para os que forem
contratados a partir de 1998, este será um referencial inapropriado daqui a 30 anos, quando esses
servidores estiverem exercendo seu direito de aposentadoria, o que torna a medida ineficaz.
Em 1998, com a reforma da previdência, tentou-se estabelecer um limite de idade para os
trabalhadores celetistas (INSS) mas, ao que parece, sociedade e Congresso não estavam convencidos
da importância dessa questão. Basicamente, políticas que impõem perdas concentradas em grupos
privilegiados de pessoas e benefícios difusos na sociedade são de difícil implementação, pois a
perda per capita dos pequenos grupos, bem organizados, tende a superar o ganho marginal que é
distribuído entre a maioria.
Quase a totalidade dos países do mundo possui, nos seus regimes de previdência, limites de
idade compatíveis com os seus respectivos padrões de envelhecimento. México e Argentina fixaram
em 65 anos a idade mínima para o recebimento de benefícios de aposentadorias. Nos Estados
Unidos, esse limite está fixado em 60 anos, com tendência de elevação para os próximos anos. Na
Europa, essa idade se encontra entre 65 e 67 anos, também com perspectivas de aumento.
No Brasil, no entanto, a questão não tem evoluído de forma compatível com as mudanças
demográfica. O INSS permanece sem limite de idade. No regime público, somente os servidores
que ingressaram a partir de 1998 têm idade mínima fixada em 55 anos para as mulheres e 60 anos
para os homens e a previdência dos militares continua sem limites preestabelecidos.
Aposentadorias em idades precoces, associadas ao aumento da expectativa de vida da
população, e a existência de uma baixa correlação entre contribuição e benefício têm conseqüências
imediatas no financiamento do sistema de previdência e são fatores agravantes dos problemas
financeiros existentes, que podem levar a previdência para soluções drásticas, como as medidas
adotadas na Argentina ao longo dos últimos 2 anos.
Nesta seção serão abordados os principais pontos que permeiam o debate sobre a previdência
em Minas Gerais. Inicialmente será salientada a questão da previdência pública frente à previdência
privada e a grande transferência de renda existente entre ambas, em prejuízo desta última. A
seguir, serão analisados dados da previdência mineira, sua posição frente aos outros estados, bem
como as opções existentes na literatura sobre uma solução para a questão. O quarto item se detém
nos principais pontos da Lei n. 64, instituída em Minas em março de 2002. Finalizando, serão
apresentadas algumas opções para a questão previdenciária em Minas Gerais.
8
Para maiores detalhes sobre o fator previdenciário e a reforma da previdência, ver Ornelas & Vieira (1999).
9
Ver em Pinheiro & Vieira (1999).
TABELA 3
10
Todos os dados de previdência pública apresentados neste texto incluem os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário e excluem
os militares. No caso de Minas Gerais, excluem a Polícia Militar.
110 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
GRÁFICO 1
BDMG
40 anos
FONTE: OCDE
Com a Emenda Constitucional n. 20, abriu-se espaço para que o Estado pudesse contratar
servidores como empregados públicos, regidos pelo regime celetista e, portanto, vinculados à
previdência privada (INSS). Por outro lado, para aqueles que continuarem a ser contratados como
servidores públicos, será possível também que a União, os estados e municípios instituam o regime
de previdência complementar para salários que excedam o teto do INSS11 , desobrigando-se do
pagamento do último salário como aposentadoria.
Com o novo Projeto de Lei Complementar (PLC n. 9), os servidores públicos passam a ter
o limite máximo do Regime Geral de Previdência Social (INSS) garantido como benefício básico,
e a complementação do que exceder este valor, assegurada através do fundo de previdência
complementar a ser constituído através da acumulação das contribuições efetuadas pelo servidor
e pelo governo. No entanto, o referido Projeto de Lei se encontra na Câmara dos Deputados desde
1999 aguardando votação. O atraso na votação do PLC n. 9 demonstra uma clara dificuldade da
sociedade em entender a questão da previdência pública como um mecanismo de seguro para o
trabalhador e tem como objetivo a proteção de sua perda de capacidade laboral. Najberg e Ikeda
(1999) observam que a Previdência, no Brasil, não era entendida como um seguro que visava
garantir renda para o indivíduo ou grupo familiar quando da perda da capacidade laborativa. Os
benefícios não estavam estreitamente vinculados às contribuições, daí o princípio da eqüidade
individual não ser atendido.
A previdência pública tem sido tratada como um componente da folha de salário do
trabalhador e como tal provoca inúmeras distorções no processo produtivo do serviço público.
Esse fenômeno é claramente observado nos estados, municípios e no governo federal à medida
que as informações referentes ao pagamento dos aposentados estão contidas na folha de pagamento
dos ativos, ou seja, as aposentadorias são tratadas como pagamento de salário, e não como um
benefício oriundo a partir da acumulação prévia de poupança pelo trabalhador.
Trabalhadores ativos recebem salário, em média, menores do que os que estão em inatividade,
o que faz com que exista um forte incentivo, inerente ao sistema, para que o trabalhador entre em
aposentadoria. Em Minas Gerais o salário médio dos inativos no primeiro semestre de 2002 ficou
56% maior do que o dos servidores ativos.
11
Dados do Governo de Minas Gerais de novembro de 2000 apontam que cerca de 90% dos servidores do Estado ganham abaixo
do teto do INSS, o que, de certo modo, faz com que as alterações proporcionadas pelo PLC n. 9 sejam de baixa efetividade para
o Estado.
do esperado à dinâmica macroeconômica de alocação de recursos como um todo, uma vez que os
trabalhadores passam a ter maior poder de compra quando ingressam na inatividade. Esse fenômeno
pode provocar, inclusive, alteração da propensão a poupar dos trabalhadores, visto que a tradicional
poupança keynesiana, por motivo precaucional, não se faz necessária, frente à garantia, já
estabelecida previamente, de renda futura12 .
A previdência pública brasileira, nos moldes atuais, tem efeitos socialmente indesejáveis,
pois, ao garantir uma renda futura aos servidores públicos, incompatível com os recolhimentos
previamente efetuados, provoca o agravamento do nível de endividamento do Estado, a redução
da renda líquida dos trabalhadores ativos, bem como da capacidade de poupança desse grupo.
A renda líquida dos servidores ativos tem-se reduzido tanto pelo aumento da alíquota de
contribuição para fazer frente ao sistema de repartição existente, onde há uma solidariedade inter-
geracional, como pela própria redução do salário real colocada pelo Estado como mecanismo para
amenizar os custos, cada vez maiores, da folha de pagamento. Nesse caso, a vinculação entre os
salários de ativos e inativos faz com que políticas de pessoal voltadas para a produtividade e
busca de maior eficiência sejam completamente distorcidas. O salário real dos atuais ativos, que
na maioria das vezes são representantes de uma geração que pagou as maiores alíquotas até então
existentes e usufruem dos menores salários reais, comporta-se como a variável de ajuste do sistema
para que os gastos com os inativos sejam suportados.
O déficit crescente da previdência pública reflete uma geração que contribuiu com alíquotas
reduzidas para o sistema e hoje usufrui do benefício do último salário como aposentadoria, sem, contudo,
ter realizado o aporte de recursos necessários para tal, e sendo o custo, portanto, transferido para toda
a sociedade através de déficits públicos crescentes e, conseqüentemente, uma sobrecarga de impostos.
Ao final de 2000, a previdência dos servidores públicos apresentava um total de 2,4 milhões
de beneficiários, o que totalizava uma despesa com benefícios de 4,8% do PIB, enquanto que no
INSS o total de benefícios pagos era de 20 milhões, correspondendo a uma despesa de 6% do PIB.
As mudanças que têm sido traçadas para a previdência dos servidores públicos federais, estaduais
e municipais sinalizam o avanço da sociedade na direção de um sistema mais justo, em que o caráter
contributivo e a correlação entre contribuição e benefício passam a representar pontos fundamentais
do sistema. É importante para a justiça social e para uma alocação eficiente dos recursos que os
servidores públicos passem a ser tratados da mesma forma que os trabalhadores do setor privado.
Essa alteração no sistema de previdência pública proporcionará ao Estado maior capacidade
de financiamento, liberando-o de obrigações que foram constituídas por um sistema de previdência
paternalista, que entendia a previdência como uma continuidade do fluxo de pagamento de salários
do servidor, e não como uma poupança constituída pelo trabalhador com o objetivo de resguardar
a sua velhice.
12
Acrescenta-se o fato de que o sistema de previdência dos servidores públicos é de benefício definido e, portanto, não apresenta
nenhuma volatilidade na renda percebida pelo servidor.
112 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
pontos percentuais ao ano, de acordo com os dados do Governo do Estado de Minas Gerais
BDMG
40 anos
(nov. 2000) a idade média dos aposentados é de 62 anos, e dos ativos, de 42 anos, o que reflete
um perfil ainda jovem do sistema.
De acordo com Moraes (2000) até 2020 o Brasil se beneficiará do chamado bônus demográfico,
gozando neste período da menor razão de dependência (relação entre dependentes e população em
idade ativa) de toda a sua história: é um momento único para reverter o deficit e acumular provisões
para os tempos difíceis, com a distribuição paulatina dos sacrifícios entre diversas gerações.
GRÁFICO 2
FONTE: Governo do Estado de Minas Gerais/Secretaria de Estado de Recursos Humanos e Administração (SERHA/MG)
13
Foram realizados testes empíricos que mostraram ser razoável assumir uma distribuição normal em torno da média de idade de
51 anos para os servidores ativos.
14
Todos os dados de expectativa de vida e sobrevida para Minas Gerais têm como fonte a UFMG/CEDEPLAR.
uma análise comparada com outros estados mostra que o Estado já apresentava no ano de 2000 a
quarta pior relação entre ativo/inativo, e o segundo maior déficit em valores absolutos (Anexo 1).
GRÁFICO 3
FONTE: Governo do Estado de Minas Gerais/Secretaria de Estado de Recursos Humanos e Administração (SERHA/MG).
TABELA 4
15
Constituição Federal, em seu artigo 40, garante aos servidores inativos as alterações de remuneração que os servidores ativos
vierem a receber.
114 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
É interessante ressaltar como a atual geração de servidores públicos e a própria sociedade
BDMG
40 anos
têm sido complacentes em manter o status quo da geração de servidores hoje aposentados. Geração
esta que apresenta um histórico de alíquotas de contribuição próximas de zero e um salário real
médio muitas vezes maior que o atualmente vigente. Hemming (1999, p. 79) destaca que a carga
que uma geração de trabalhadores suporta, como conseqüência de aposentadorias, é determinada
pelo que deve ser pago e não pela forma em que são financiadas. Se uma geração julga que os
herdeiros reclamam demasiado do que ela produz, não irá querer respeitar essa reclamação, seja
qual for a forma de financiamento. Não parece que no Brasil a geração atual já tenha se dado
conta do esforço financeiro e fiscal que tem sido feito em prol dos inativos.
TABELA 5
Mês/Ano Inativos/total
dez/94 35,38%
dez/95 34,61%
dez/96 37,59%
dez/97 39,80%
dez/98 42,52%
dez/99 44,13%
dez/00 41,56%
dez/01 42,76%
FONTE: SERHA/MG
16
Regime de capitalização é aquele em que os recursos para pagamento da aposentadoria dos trabalhadores devem ser acumulados
durante a vida ativa do mesmo grupo de trabalhadores.
17
Por contribuição definida pode-se entender o plano de benefício que assegura aos participantes contribuições fixas, enquanto que
o valor do benefício (aposentadoria) a ser recebido será variável, de acordo com o total de recursos acumulados e a rentabilidade
dos mesmos.
18
Entenda-se por benefício definido o plano que assegura previamente aos participantes que o valor do benefício (aposentadoria)
e as alíquotas de contribuição devem ser ajustadas de modo a garantir tal valor.
não é possível dizer que no sistema de repartição as obrigações futuras trazidas a valor presente
não são capazes de fazer jus aos compromissos existentes, uma vez que é esta a idéia que está
presente no sistema de repartição. Ou seja, apenas no caso do regime de repartição não suportar o
aumento das alíquotas de contribuição é que faria sentido falar que o valor presente de direitos e
obrigações não se equivalem.
Alguns especialistas do setor de previdência tendem a polarizar a discussão da reforma da
previdência e o equilíbrio do sistema na forma de financiamento do mesmo, ou seja, repartição ou
capitalização. Não nos parece apropriado creditar o equilíbrio do sistema a tal questão, mesmo
porque um sistema de capitalização estruturado na forma de benefício definido terá quase sempre
os mesmos riscos demográficos do sistema de repartição, uma vez que as tábuas de vida que
determinam a alíquota de contribuição necessária na capitalização têm que ser ajustadas da mesma
forma que as alíquotas do sistema de repartição. A diferença na repartição é que os ajustes nas
alíquotas são distribuídos entre gerações diferentes, enquanto que na capitalização ele é feito
dentro de uma mesma geração.
O regime de repartição, se for estruturado de forma a manter estreita correlação entre
benefício e contribuição, tenderá a produzir o mesmo equilíbrio atuarial que a capitalização. Seria
ingênuo supor que o sistema de capitalização produz por si só uma solução mágica para as alterações
demográficas pelas quais os diversos regimes de previdência atravessam. Na verdade, o que a
capitalização faz é explicitar, mais claramente do que na repartição, os custos das aposentadorias.
No que concerne à questão de sistemas estruturados em planos de contribuição definida e
benefício definido, poderíamos dizer que o ajuste, e eventuais desequilíbrios, é facilitado pela flexibilidade
existente no valor das aposentadorias, quando o tipo de plano for de contribuição definida.
O plano de benefício definido, ao assegurar previamente ao aposentado um valor de
aposentadoria, dificulta a distribuição dos riscos demográficos, especialmente se for levado em
conta que na maioria das vezes o Poder Judiciário, no Brasil, tem interpretado o benefício de
aposentadoria como um direito imutável, não sujeito a ajustes intrínsecos à própria dinâmica do
sistema de previdência.
A LC 64 representa um passo importante de Minas na direção de um regime de previdência
mais equilibrado, especialmente no que se refere à vinculação entre contribuição e benefício.
Entretanto, ainda serão necessárias inúmeras mudanças para o equacionamento da questão
previdenciária no Estado.
A nova lei coloca seu foco na alteração da previdência de uma estrutura de repartição para
capitalização. Estrutura-se o Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais
(IPSEMG), criam-se normas gerais de contabilidade e atuaria, institui-se o Fundo de Previdência
do Estado de Minas Gerais (FUMPEMG), estabelece-se que os recursos provenientes de
contribuições previdenciárias serão utilizados exclusivamente para o pagamento de benefícios
previdenciários após um período de transição de 11 anos19 , ou seja, criaram-se as bases para que
fosse instituído o sistema de capitalização. No entanto, como aponta Hemming (1999, p. 83),
o problema previdenciário não está associado à forma de financiamento do sistema mas antes de
tudo a vontade política de realizar mudanças consistentes com as necessidades existentes. Onde
foi manifestada a vontade política de efetuar importantes ajustes nas pensões se demonstrou que
as finanças do sistema de repartição podem caminhar para situações sustentáveis.
19
Foi estabelecida uma regra de transição em que haverá um acréscimo gradual do repasse das contribuições efetuadas pelo servidor
e o Estado, tendo o repasse total atingido em 2012.
116 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
Não é pelo simples fato de se criarem contas individuais para os servidores e instituir um
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40 anos
sistema com base na capitalização que se pode dizer que foi alcançada uma solução para a
previdência. A tarefa de alterar um regime de previdência calcado na repartição simples para
outro de capitalização gera um esforço fiscal para a sociedade, devido à interrupção do fluxo de
receita existente, que na maioria das vezes inviabiliza tal opção. Na verdade, um regime de
capitalização com base em uma estrutura de benefício definido gerará os mesmos problemas do
regime de repartição, ou seja, se os parâmetros atuariais forem mal dimensionados, o total de
recursos acumulados não será suficiente para fazer jus aos compromissos assumidos de
aposentadoria.
A mudança para a capitalização pode, ainda, trazer a explicitação de uma dívida não desejada,
a saber, o fluxo futuro de aposentadorias assumidas pelo Estado. Fluxo este que, a princípio,
estava diluído ao longo do tempo e passa a compor o estoque de dívida presente, se a mudança de
regime for realizada.
Na idéia de capitalização, adotada em Minas, a contribuição do Estado (22%) foi instituída
em um contexto de um regime de previdência que já funcionava em um sistema de repartição e
apresentava despesas anuais da ordem de 3,36 bilhões ao ano20 . Como onerar ainda mais a sociedade
criando um fundo em que o Estado terá que fazer um esforço adicional para obter recursos, dado
que as aposentadorias já existentes continuam a ser pagas? Esta é uma das respostas que a nova
lei não contempla.
Não é claro como será equacionada a questão entre fluxo e estoque de aposentadorias, nem
mesmo se tal opção é viável em médio prazo, visto que os dados indicam que a situação mais
crítica da previdência mineira deve ocorrer por volta do ano de 2012.
A proposta da nova lei coloca o Estado responsável por todas as aposentadorias concedidas
até 2009, além de impor uma transferência progressiva das contribuições do Estado e dos servidores
para o novo fundo. Essa combinação acarreta dois novos problemas. O Estado passa a ter uma
nova obrigação, que estava anteriormente diferida ao longo do tempo, e o novo fundo, por sua
vez, começa a operar já com um desequilíbrio atuarial preestabelecido, dado que a transferência
de recursos para o fundo será progressiva.
Destaca-se, ainda, que a tendência na previdência complementar em todos os fundos
patrocinados por empresas públicas tem sido a de estabelecer uma contribuição paritária entre
empregado e empregador. A paridade é colocada com o objetivo de reduzir o ônus que os fundos
de pensão de empresas estatais representavam para a sociedade. Frente a este novo direcionamento,
é no mínimo inapropriado que tenha sido proposta em Minas Gerais uma alíquota de contribuição
em que o Estado contribua com o dobro do servidor21 .
Se for levado em conta os outros estados do País, observa-se que Minas, seguida por apenas
mais dois estados de Federação, instituiu a alíquota patronal mais elevada existente, e que em sua
maioria, diferentemente de Minas Gerais, os estados estabeleceram alíquotas de contribuição
paritárias (Anexo 2).
Além de abrir mão do fluxo de contribuições dos servidores, o Estado passa a ter que pagar
uma taxa de administração de 2% da folha e a efetuar uma contribuição crescente para o novo
fundo instituído, sendo que esta contribuição alcançará o seu cume em 2012 (22%).
20
Estimativas do Governo do Estado de Minas Gerais apontam para um esforço fiscal de cerca de 47 bilhões para a mudança do
regime de repartição para capitalização.
21
Lei 9717, de 27 de novembro de 1998 estabelece que o máximo que União, Estado, Distrito Federal e municípios podem
contribuir é o dobro da contribuição do segurado.
compromisso de realizar um aporte adicional de 22% da folha ao fundo capitalizado, ser onerado
em 2% da folha como taxa de administração, combinado com o período em que o relação inativo/
ativo tenderá a atingir seu ápice (2012) parece uma situação insustentável, criada pela nova lei, e
que provocará uma explosão na dívida pública.
Cabe, ainda, ressaltar que existem dúvidas quanto à efetividade das alíquotas adotadas no
que se refere ao equilíbrio atuarial do regime de previdência. Apesar da nova lei colocar o caráter
contributivo na base do sistema, alterando a alíquota de contribuição dos servidores que ingressarem
a partir de 2002, dos até então 8,3% para 11%, e de instituir a alíquota de 22% para o patrocinador
(governo), estas alíquotas podem ser insuficientes, especialmente se forem levadas em conta as
variações das taxas de juros.
Uma análise preliminar da capitalização das contribuições dos servidores e do Estado,
levando-se em conta uma alíquota de contribuição total de 33%, mostra que os resultados são
muitos sensíveis às hipóteses utilizadas. Se levarmos em conta, por exemplo, que a taxa de juros
real é de 6%, 5% ou 4%, o sistema tenderá a ser superavitário para o caso de uma contribuição
com salário constante ao longo dos 35 anos de contribuição, conforme observado na TAB. 6. No
entanto, se a taxa de juros real se reduzir para 4%, e o salário apresentar uma taxa de crescimento
equivalente a taxa de juros, o resultado seria um déficit a partir do vigésimo quarto ano de
aposentadoria do segurado. Por outro lado, se a hipótese for de crescimento salarial equivalente ao
da taxa de juros mais um crescimento22 salarial de 88% ao longo de 35 anos de trabalho, nesse
caso, somente com taxas de juros iguais ou superiores a 6% é que o sistema ficaria superavitário23 .
TABELA 6
Nota-se na tabela anterior que os resultados obtidos na capitalização podem ser muito
diferentes, dependendo das hipóteses adotadas. Tem-se que quanto maior a dispersão entre o
salário inicial e final maior deverá ser a taxa de juros que remunera os recursos acumulados, para
que seja alcançado o equilíbrio entre contribuição e benefício. Por outro lado, se a taxa se reduzir,
será necessário uma alíquota de contribuição mais elevada. Levando-se em conta que os cálculos
apresentados tomam por base apenas a aposentadoria por tempo de contribuição, eventuais custos
de benefícios não programáveis devem ainda ser adicionados à alíquota existente.
É importante ressaltar que, além das variações salariais pertinentes a cada categoria, a LC 64,
seguindo o arcabouço legal federal, aceita que funcionários que ingressem no serviço público
tragam consigo o tempo de contribuição existente no regime celetista (INSS). Apesar de estar
22
Dados do Governo de Minas Gerais/ Secretaria de Estado da Educação, junho de 2001, indicam que a variação entre o salário
inicial e final das professoras no Estado é de 87,85%.
23
Para efeitos de simplificação, todos os cálculos foram efetuados sem que fosse levados em conta os benefícios não programáveis.
118 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
definido que serão efetuadas compensações financeiras entre os diferentes regimes, é importante
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40 anos
ressaltar que a contribuição dos trabalhadores do setor privado está limitada ao teto do INSS,
enquanto que, no serviço público, não existe nenhum limite preestabelecido. Essa peculiaridade
pode acarretar uma distorção ainda maior entre o salário de contribuição do servidor e sua
aposentadoria, agravando assim o desequilíbrio atuarial.
Os dados apresentados ao longo do texto apontam para uma explosão do sistema a partir
de 2012. Hoje o grau de comprometimento da receita corrente líquida de Minas com os inativos já
é de 32%, portanto é fundamental que se tenha consciência de que eventuais alterações no regime
de previdência devem ser efetuadas não apenas no fluxo mas também no estoque de ativos existentes,
uma vez que as alterações buscam o equacionamento não apenas do futuro, mas também da
situação já existente.
Nesse contexto, são fundamentais alterações na alíquota de contribuição dos atuais
servidores, alteração da idade mínima de aposentadoria, desvinculação do salário do funcionário
ativo do inativo, e uma base de cálculo da aposentadoria mais realista, que foque não apenas o
último salário, mas também o histórico contributivo de cada servidor.
24
O Estado de São Paulo já constituiu jurisprudência sobre essa questão no Supremo Tribunal Federal em casos semelhantes.
é ainda maior. A majoração da alíquota dos ativos até o nível de 14% é uma opção. Medidas
administrativas que criem incentivos para que os servidores posterguem sua aposentadoria também
podem ser adotadas, tais como políticas salariais em que o salário variável represente a maior
parte da parcela do salário do servidor, ou a criação de mecanismos que dificultem a volta do
servidor aposentado para a vida ativa.
Ingerências sobre as novas contratações, de modo a direcionar o perfil dos novos servidores,
também podem ser adotados, seja para alterar a distribuição dos atuais ativos, seja com o objetivo
de alterar o volume de aposentadorias especiais concedidas.
Na esfera do Governo Federal, além das mudanças constitucionais, tem-se, ainda, o Projeto
de Lei Complementar n. 9, que permite a criação de previdência complementar para os servidores
públicos estruturada em planos de contribuição definida, o qual se encontra na Câmara dos
Deputados, esperando pela votação de vários destaques.
Apesar de pouco ter sido alcançado em termos quantitativos, o debate previdenciário tem
se tornado cada vez mais transparente, com a sociedade discutindo questões que, por serem muitas
vezes incômodas e de pouca popularidade, eram relegadas a um segundo plano. Essa capacidade
de trazer à tona tais questões e de discuti-las, imprimindo maior transparência na forma de
administração pública é, provavelmente, um dos maiores avanços obtidos no processo e fica
como um marco do fortalecimento da democracia, seja ela em Minas Gerais ou no País.
120 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
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3.4. Referências bibliográficas
122 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
INFORMAÇÕES ESTATÍSTICAS
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40 anos
QUANTIDADE DE SERVIDORES ATIVOS, INATIVOS E PENSIONISTAS POR ESTADO - 2000
Data da
UF atualiza- ATIVOS INATIVOS PENSIO- ESTADO Legislação Vigente e Informações
ção NISTAS Complementares
AC 30/07/02 8% (para Lei Complementar n. 39, art. 270, de 18 jan.1994.
remuneração A Lei Compl. n. 52 revogou a contribuição
até duas patronal da Lei Compl. n.39, e a Portaria
vezes - - - n. 1309/00 suspendeu a contribuição dos
o valor da inativos, também prevista na LC nº.39.
menor
remuneração
paga pelo
Estado)10%
acima disso
AL 30/07/02 11% - - 11% Lei n. 6.288 de 28 mar. 2002.
AM 30/07/02 14% - - 14% LC n. 30, de 27dez. 2001, arts. 50 e 53.
A cobrança das alíquotas dos inativos e
pensionistas (14%) foi suspensa em 04/11/99,
após decisão do STF de suspender a
cobrança dos inativos da União.
AP 30/07/02 8% 8% 8% 5% Lei n. 0448, de 07 jul.1999, art. 15.
BA 30/07/02 2001: 8% 2001: 8% 2001: 8% 2002/ Lei 7943, de 05 de novembro de 2001, que
2002: 9,5% 2002: 9,5% 2002: 9,5% 2005 - 15% alterou a redação da Lei n. 7249, de 07 de
2003: 11% 2003: 11% 2003: 11% 2006: 16% janeiro de 1998, no tocante a alíquota patronal..
2004: 12% 2004: 12% 2004: 12% 2007: 17,5%
2008: 19%
2009: 20%
2010: 21%
CE 30/07/02 11% - - - Lei Complementar n.º 12 de 23/06/99, art. 5º,
alterada pela LC nº 17, de 20/12/99.
Não há previsão para o Estado.Até outubro
de 99 cobrava-se 8,5% apenas dos ativos.
DF 30/07/02 11% - - Lei Complementar n.º 232, de 13/07/99, art. 1º,
sendo que o artigo 2º prevê isenção para
inativo e pensionista.
ES 30/07/02 10% 10% - 10% Lei Complementar nº 109, de 17/12/97, art. 34.
GO 30/07/02 11% - - 22% Lei nº 13.903/01, art. 95 remete ao art. 31 da
Q Lei Complementar n.º 29, de 12/04/00.
MA 30/07/02 Até Até Até Até Lei Complementar nº 42, de 31/03/99, art. 1º
R$300 R$300 R$300 R$300 que alterou o art. 9º da Lei Complementar
8% - Acima 8% - Acima 8% - Acima 8% - Acima nº 40 de 29/12/98.
de R$ 600 - de R$ 600 - de R$ 600 - de R$ 600 -
9% - Acima 9% - Acima 9% - Acima 9%Acima
de R$ 1.200 - de R$ 1.200 - de R$ 1.200 - de R$ 1.200 -
9% - Acima 9% - Acima 9% - Acima 9% - Acima
de R$ 1.800 - de R$ 1.800 - de R$ 1.800 - de R$ 1.800 -
10% 10% 10% 10%
MG 30/07/02 11% 4,8% - 22% p/ ativo Lei Complementar nº 64, de 25/03/2002.
2,4% p/ inativo
MS 30/07/02 2001/2002 - 14% em 2001 Lei n.º 2.207, de 28/12/2000, art. 14. O parágrafo
9% mais 1% ao 2º do mesmo artigo isenta os inativos.
2003 - 10% - - ano até atingir
20%
MT 30/07/02 8% até 8% até 8% até - Lei Complementar nº 56, de 22/01/99, art. 2º.
R$260,00 R$260,00 R$260,00 A partir de julho de 1999, muitos trabalhadores
12% acima de 12% acima de 12% acima de obtiveram liminares na justiça restituindo a
R$260,00 R$260,00 R$260,00 cobrança de acordo com as alíquotas antigas:
8% até 3SM; 8,5% entre 3 e 5SM; 9% entre 5
e 7SM e 9,5% acima de 7SM.
PA 30/07/02 8% - - 16% Lei Complementar n.º 39, de 09/01/2002, art. 84.
PB 30/07/02 8% - - 8% Decreto n.º 5.144 de 28/10/70, c.c. o Decreto nº
20.974, de 30/03/00.
PE 30/07/02 13,5% - - 13,5% Lei Comp. n.º 28 que institui a cobrança de 13,5%
dos servidores ativos para custeio de
aposentadorias e pensões. Inativos e
pensionistas não mais contribuirão.
(continua...)
124 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
ANEXO 2 (Continuação)
BDMG
40 anos
PLANILHA DE ALÍQUOTAS DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DOS ESTADOS E DISTRITO FEDERAL
Atualizado em 30/07/2002
Data da
UF atualiza- ATIVOS INATIVOS PENSIO- ESTADO Legislação Vigente e Informações
ção NISTAS Complementares
PI 30/07/02 8% até - - 8% até Lei n.º 5.078, de 26/07/99, art. 1º que deu nova
R$280 - 10% R$280 - 10% redação ao art. 50, I e II, da Lei 4.051/86.
de R$280 a de R$280 a
R$1200 R$1200
12% acima 12% acima
de R$1200 de R$1200
PR 30/07/02 10% até 10% até 10% até 10% até Lei nº 12.398, de 30/12/98, arts. 78 e 83.
R$1200 R$1200 R$1200 R$1200
14% sobre a 14% sobre a 14% sobre a 14% sobre a
parcela que parcela que parcela que parcela que
ultrapassar ultrapassar ultrapassar ultrapassar
R$1200 R$1200 R$1200 R$1200
RJ 30/07/02 11% 11% - 11% Lei n.º 3.189/99, art. 33.Até 13/01/2000
a contribuição de 11% atingia os aposentados
e pensionistas, suspensa por decisão do TJ.
RN 30/07/02 8% - - 7% Lei 5.693/87 prevê alíquota patronal e a Lei n.º
2.728, de 01/05/62, art. 28, com redação pela
Lei nº 4.937 de 30/05/80 estabelece alíquota
do servidor.
RO 30/07/02 8% - - 8% Lei Complementar 228, de 10/01/00, art. 72.
Antes desta Lei, ativos, inativos e pensionistas
contribuíam com 8%.
RR 30/07/02 11% - - 2002 - 11% A Lei Complementar nº 54, de 31/12/2001,
2003 - 12% art. 128, "caput" e §4º, e anexo único.
2004 - 14%
2005 - 16%
2006 - 18%
2007 - 20%
2008 - 22%
RS 15/07/02 5,4% 5,4% 2% sobre a - Alíquotas previstas no art. 42 da Lei n.º 7.672,
(+ 2% de (somente p/ remuneração de 18/06/82, art. 42, especificadas pela Lei
contribuição pensão) líquida Complementar nº 10.588, de 28/11/94, alterada
suplementar) pelo Decreto nº 41.232, de 26 de novembro de
2001 que separou as alíquotas p/ saúde.
SC 15/07/02 8% até 1 x a 8% até 1 x a - - Lei Complementar n.º 129, de 07/11/94,
mr (menor mr9% de 1 art. 16, alterada pela Lei Complementar 179 de
remuneração) até 4 x a mr 23/06/99 que suspendeu a cobrança dos
9% - 1 a 4 x a 10% de 4 até pensionistas.
mr.10% - 8 x a mr11%
4 a 8 x a mr de 8 até 14 x
11% - 8 a a mr12%
14 x a mr acima de
12% mais de 14 x a mr
14 x a mr Apenas
Apenas p/ p/ pensão
pensão
SE 15/07/02 10% sobre o 10% - 10% Lei 4413/2001 - Art. 1º.
salário de
contribuição.
-Estado: 10%
incidente
sobre o total
da folha de
pagamento
dos
servidores
estatutários.
SP 15/07/02 6% p/ pensão 6% p/ pensão - 6% Lei Complementar nº 180, de 12/05/78.
TO 15/07/02 11% 3% em 2002 Lei 1246, de 06/09/2001, arts. 74 e 76, com
4% em 2003 redação pela Lei 1324/02.
+ 1% ao ano
até chegar
em 11% em
2011.
126 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
MINAS GERAIS DO SÉCULO XXI
VOLUME IX
TRANSFORMANDO O PODER
PÚBLICO: A BUSCA DA EFICÁCIA
CAPÍTULO 4
POLÍTICAS PÚBLICAS DO ESTADO
DE MINAS GERAIS PARA A REGIÃO
METROPOLITANA DE
BELO HORIZONTE (RMBH)
Ajudaria, talvez, para o entendimento desta versão do texto, qualificar sumariamente sua
gênese e algumas hipóteses de trabalho:
As regiões metropolitanas, em todo o mundo, articuladas em rede, em graus variados,
administram funções e fluxos aos quais se subordina o desempenho próprio das economias nacionais.
Consoante tal nexo, este trabalho procura abordar a Região Metropolitana de Belo Horizonte
(RMBH) do ponto de vista, preferencialmente, da formulação de políticas públicas metropolitanas
pelo ator Governo de Minas Gerais (Estado). O universo das políticas preconizadas e seu
substrato analítico incidem sobre variáveis, predominantemente, da categoria usualmente trabalhada
pelos analistas do desenvolvimento econômico.
Promove-se incursão paradigmática, procurando estabelecer alguma causalidade entre o
processo de globalização, a estrutura produtiva e a forma urbana da RMBH, examinando os eixos
manifestos da competitividade sistêmica e da exclusão social na região. Tal exploração suporta a
concepção e a proposição de diretrizes para políticas públicas metropolitanas.
Como exposto, e pelo entendimento da missão original, a abordagem adotou o partido da
visão prospectiva vista de fora, isto é, em boa medida aquela do planejamento estadual
Tampouco tentou explorar a via da metrópole de vocação única, reconhecendo, não obstante,
do ponto de vista do ente político-administrativo Estado de Minas Gerais, o caráter estratégico da
RMBH para o desenvolvimento estadual sustentado de longo prazo.
Nesse sentido, as ações do Estado devem convergir para a promoção social de uma
organização produtiva territorial capaz de abrigar níveis crescentes de competitividade e inclusão
social metropolitana.
A conciliação desses propósitos é imperativa, porque inevitável e desprovida de alternativas,
isto é, exceto o fracasso, o que não se cogita como opção.
Emergem, contudo, estratégias possíveis e derivadas de experiências vitoriosas e saudável
base conceitual. Trata-se, em última análise, no nível metropolitano, de acelerar, inovadoramente,
a transição dos arranjos produtivos existentes para sistemas produtivos territoriais. Ou seja, da
gradual e sustentada construção de um sistema de acumulação suscetível de garantir o equilíbrio
tenso e criativo da cooperação, da competição e da inserção social.
Num ambiente, como o brasileiro, marcado pelos limitantes macroeconômicos e a saliência
dos conflitos de interesse, as políticas do Estado para a RMBH deverão se pautar pelo protagonismo
pluralista, pela visão inovadora na reorganização dos sistemas produtivos e pela captura criativa
das sinergias possíveis dos ganhos de competitividade e da inclusão social. Tais constatações dão
lugar a uma pauta de ações convergentes, designadas Agenda Vermelha (inclusão) e Agenda Azul
(competitividade). Os veículos e instrumentos para administrar tal convergência existem.
Existem as pessoas, as idéias, as organizações estaduais, metropolitanas e locais. Sintonizá-
las, coordená-las, criar novas institucionalidades e pô-las em marcha é uma tarefa política. Que
ocorra!
Capítulo 4 - Políticas públicas do Estado de Minas Gerais para a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) 131
BDMG
40 anos
O ímpeto inicial para a ocupação permanente da RMBH data das primeiras décadas do
século XVIII. A razão fundamental, à época, era a da exploração dos aluviões auríferos nas bacias
dos afluentes dos rios das Velhas e Paraopeba. Daí a gênese de lugares centrais como Sabará,
Caeté, Nova Lima, Rio Acima e outros. A partir da atividade motriz da mineração advieram
demandas novas e correlatas por bens agropecuários e industriais incipientes. Contagem,
Esmeraldas e Betim qualificariam o primeiro caso; Santa Luzia o segundo. Ainda, a reorientação
espacial protagonizada pela implantação ferroviária (final do século XIX) e pelo ciclo rodoviário
do pós-guerra viria a reconfigurar e/ou reforçar a paisagem de lugares centrais da região
(Brumadinho).
A espontaneidade foi a característica marcante da ocupação territorial da região durante os
dois primeiros séculos. As ações de estado (comando) limitavam-se, em ambos os regimes, colonial
e imperial, à administração da justiça, manutenção da ordem pública, precária administração de
caminhos e coleta de rendas fiscais. Qual seja, a prevalência de nexo liberal clássico para a gestão
pública.
O último quartel do século XIX foi marcado por iniciativas firmes e pioneiras de políticas
públicas associadas ao desenvolvimento do território hoje correspondente à RMBH. Tais iniciativas
originaram-se, então, no âmbito dos dois entes políticos superiores, o Governo Federal e o Governo
Estadual, na acepção contemporânea, com a preponderância programática e operativa do último.
O grande impulso adveio com a implantação deliberada da nova capital do Estado, Belo
Horizonte, inaugurada em 1897. À época, tal feito incorporava várias dimensões de políticas
públicas.
A implantação dos equipamentos urbanos básicos, numa paisagem agreste, configurou a
indústria da construção, nas várias modalidades, como atividade motriz ao longo das primeiras
décadas do século XX. A par do lançamento progressivo da rede viária urbana, dos edifícios
públicos, de residências para parcela da burocracia, das obras mínimas essenciais de saneamento
básico e ambiental, das redes de eletricidade e telecomunicações, completou-se a trama ferroviária
de acesso à nova capital.
Quase todas essas ações, em larga escala, foram financiadas através do orçamento estadual.
As políticas públicas para a região assumiram, assim, já na transição para o século XX, certa
feição keynesiana, com o agente indutor estadual na primazia do comando das políticas de geração
de renda e emprego via orçamento. Eram, não obstante, tais políticas, durante as quatro primeiras
décadas, centradas, em larga medida, na provisão dos equipamentos essenciais ao funcionamento
das funções públicas inerentes à nova cidade-capital.
Do ponto de vista da difusão espacial, sobre o território hoje definido pela RMBH, os
efeitos, até a Segunda Grande Guerra (2ªGG), decorrentes da implantação progressiva do projeto
da nova capital, foram limitados. De um lado induziu-se demanda crescente por produtos primários
132 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
para uma população urbana em expansão. Com isso configuravam-se novas zonas e cinturões de
BDMG
40 anos
produção agropecuária, de materiais de construção, etc. Em tais circunstâncias, inaugurava-se o
ciclo da progressiva devastação da cobertura florestal residual de matas ciliares e da poluição
hídrica nas bacias ribeirinhas locais.
A implantação progressiva da nova capital permitiu, do ponto de vista das políticas públicas
do Estado para com a região, uma gradual redução do perfil minimalista prévio. Seja pela
aludida feição keynesiana do impulso empreendedor público, seja, sobretudo, pela diversificação
na produção e incentivo ao consumo de certos bens coletivos: educação pública com razoável e
crescente oferta, saúde pública preventiva (vacinação e saneamento básico), habitação para parcela
seletiva da burocracia estadual, transporte público de baixo custo, etc. Tudo isso, a par de
considerável expansão do emprego público, nos três níveis de governo, na região.
Ainda nessa fase, adstrita à primeira metade do século XX, o processo decisório, associado
à formulação das políticas públicas para a capital, era confinado a limitado e seleto número de
atores detentores do poder público estadual. Programas e projetos eram essencialmente definidos
de cima para baixo, com recurso apenas marginal, se tanto e eventual, ao escrutínio de empresários,
agências da sociedade civil e população em geral.
Destarte, até a eclosão da Segunda Guerra Mundial, a marca característica da estrutura
espacial do território atual RMBH era a da ausência de contigüidade física.
O início do processo de conurbação dinâmica crescente, que desde os anos 50 vem marcando
o espaço metropolitano, guarda relação causal com significativas alterações de rumo na formulação
das políticas públicas estaduais para a região.
O primeiro evento de realce teve lugar ainda durante a guerra, com a implantação do
Complexo da Pampulha. Medido pelas possibilidades orçamentárias e o arrojo dos propósitos de
então, tratou-se de efetiva mudança de patamar para a intervenção do poder público. Além dos
efeitos projeto, decorrentes do impacto de grandes obras pontuais, para os padrões da época,
sobre a atividade econômica regional, tratava-se, deliberadamente, de, através de incentivos
públicos, criar equipamentos essenciais para uma ainda inexistente industria regional do turismo e
lazer. Buscava-se, com extraordinário pioneirismo, configurar a individualidade cultural da cidade
(região) através da gestação programada e criativa de ativos artísticos, paisagísticos e de lazer. A
elaboração e a exploração de peculiaridades culturais regionais para os fluxos de turismo constitui,
hoje, premissa expressiva das recomendações para incrementar, num contexto globalizado, a
competitividade local/regional.
O impacto do Complexo da Pampulha sobre a forma urbana da futura Região Metropolitana
foi considerável. Consolidou-se a contigüidade urbana de Belo Horizonte para o norte, extravasando-
se em conurbação pronunciada, na segunda metade do século XX, na direção de Ribeirão das
Neves, Vespasiano, Santa Luzia, Lagoa Santa e Pedro Leopoldo.
Como ação de estado, a implantação do complexo da Pampulha revelou, pioneiramente,
um Estado criativo, desinibido e motivado para a promoção industrial, isto é, não limitado à
produção de bens públicos urbanos tradicionais. Ademais, configurou-se, explicitamente, o caráter
pró-ativo do empreendimento, visando à constituição deliberada de um pólo de atração turística e
de lazer conectado com o ambiente econômico externo.
O caráter pró-ativo das políticas públicas mineiras, relativamente ao território do entorno
imediato de Belo Horizonte, expandir-se-ia ainda mais nos anos imediatamente seguintes à Segunda
Guerra. A criação da Cidade Industrial Juventino Dias, no município de Contagem, pressagiaria
um ciclo mais enérgico e afirmativo da política industrial para a região.
Capítulo 4 - Políticas públicas do Estado de Minas Gerais para a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) 133
A par da promoção direta de infra-estrutura e concessão de terrenos industriais, com a
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40 anos
implicação subjacente dos subsídios atribuídos diretamente à atividade produtiva privada, avultou
a presença primeira do estado-empresário, como produtor de insumos energéticos para a nova
empreitada industrial.
A política de distritos industriais e incentivos seletivos para o fomento expandiu-se, sobretudo
a partir dos anos 70, para outros municípios da região. Já na esteira do primeiro distrito industrial
(Contagem) ampliou-se a conurbação na direção oeste, configurando novo e expressivo patamar
demográfico regional.
O ativismo das políticas industriais do Estado, com impacto sobre o território da RMBH,
tornou-se ainda mais pronunciado, já no início dos anos 70, com a efetiva participação estadual
no planejamento, incorporação, implantação e co-gestão de empreendimentos industriais de porte
e escala. Tal foi o caso da instalação do primeiro pólo automobilístico nacional fora da Região
Metropolitana de São Paulo (RMSP). No contexto, o foco da política industrial estadual foi o de
deflagrar processo acelerado de crescimento regional, a partir da operação da indústria motriz
dinâmica.
O ativismo empresarial do Estado na região, desde a implantação do primeiro distrito
industrial, ensejou, ao nível do processo decisório, a participação seletiva e crescente da sociedade
civil, particularmente, das representações empresarias e das firmas médias e grandes.
Também, em síntese com a iniciativa pioneira do Estado provedor de insumos energéticos,
advieram novas instâncias pró-ativas, relativamente à Região Metropolitana, identificadas pela
constituição de agências de planejamento, pesquisas e fomento do desenvolvimento metropolitano.
Todavia, já a partir do início dos anos 80, e em progressão acelerada, o ativismo industrial
do Estado relativamente à RMBH declinou até a quase completa exaustão da inspiração, da vontade
política e dos recursos e meios autônomos disponíveis para a formulação e implantação de políticas
industriais metropolitanas.
A crise nacional dos anos 80 e as seqüelas macroeconômicas dos anos 90 refrearam o
ímpeto desenvolvimentista do Estado para com a RMBH.
O QUADRO 1 sumariza a retrospectiva histórica das políticas regionais do Estado e da
União relativamente à RMBH. A globalização vem promovendo novas limitações para as ações
keynesiana e pró-ativas do Estado na promoção do desenvolvimento metropolitano. Novos desafios
e oportunidades surgiram. Há que examiná-los, criativamente, e adotar, coletivamente, um partido
para a ação. As tendências correntes ilustram elenco de políticas regionais de sucesso
internacional e suscetível de aplicação pelo Estado.
134 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
QUADRO 1
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40 anos
PARADIGMAS DAS POLÍTICAS REGIONAIS APLICÁVEIS
1
As referências essenciais são encontradas em HOOVER (1948), HIRSCHMANN (1958), TIEBOUT (1956), ISARD (1956).
2
O conceito de distrito industrial remonta a A. Marshall, no contexto de padrão organizacional industrial inglês do final do séc.
XIX. Ver MARSHALL (1925). Ver, também, HIRSCHMANN (1958), PERROUX (1955), PAELINCK (1963), HANSEN
(1967), FRIEDMANN (1972).
3
FREEMAN (1995), PORTER (1990; 1998), SCHIMTZ & NADVI (1999), AYDALOT (1986). Ver, ainda, CASSIOLATO &
LASTRES (2000), LASTRES et al. (1998)
4
As polícas regionais referidas lastreiam-se em práticas exitosas relativamente recentes e corpo de doutrina já elaborado. Regra
geral, tais políticas, prioritariamente dirigidas para Micro, Pequenas e Médias Empresas (MPME), procuram acelerar a metamoforse
dos arranjos produtivos locais em sistemas produtivos locais. As concepções subjacentes são evolucionistas e fundadas na noção
de inovação e no instrumental das capacitações inovativas.
5
Distintamente das políticas regionais clássicas, predominantemente dependentes de iniciativas macroeconômicas, as tendências
correntes atuam a partir de nexo mesoeconômico, em que o papel do Estado é de aglutinação / coordenação, com foco na
construção de entornos inovadores.
Capítulo 4 - Políticas públicas do Estado de Minas Gerais para a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) 135
4.2. Avaliação sumária de alguns indicadores da
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40 anos
TABELA 1
%
ENTE Serviços Indústria Agropecuária Total
Belo Horizonte 33,1 15,7 - 22,8
RMBH 42,8 33,8 1,4 35,2
FONTE: FJP/Elaboração WSPV
Qual seja, da preeminência de Belo Horizonte, lugar central com maior número de funções
urbanas no território estadual, na formação do PIB mineiro de serviços. No caso da capital, os
setores do comércio varejista e da administração pública, combinados e em proporções equivalentes,
contribuiriam com cerca de 45% do PIB local, ou, ainda, com cerca de 11% do PIB estadual.8
Analogamente, do ponto de vista municipal e regional, a composição do PIB seguiria a
mesma intensidade em serviços (TAB. 2):
6
ALMG, Lei Complementar n. 56, de 12 jan. 2000. Pela ordem alfabética, os seguintes municípios foram incorporados: Baldim,
Belo Horizonte, Betim, Brumadinho, Caeté, Capim Branco, Confins, Contagem, Esmeraldas, Florestal, Ibirité, Igarapé, Itaguara,
Jaboticatubas, Juatuba, Lagoa Santa, Mário Campos, Mateus Leme, Matozinhos, Nova Lima, Nova União, Pedro Leopoldo,
Raposos, Ribeirão das Neves, Rio Acima, Rio Manso, Sabará, Santa Luzia, São Joaquim de Bicas, São José da Lapa, Sarzedo,
Taquaraçu de Minas, Vespasiano. A Lei Complementar n. 63, de 2002 incorporou o município de Itatiaiuçu à RMBH.
7
A base de dados utilizada para as estatísticas metropolitanas referida a: FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Informações Básicas
da RMBH (1998); FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Boletim de Pesquisa de Emprego e Desemprego na RMBH. (1999).
8
Fontes complementares de informação metropolitanas encontradas em Fundação João Pinheiro. Homepage; IBGE. Pesquisa
Nacional por Amostra Domiciliar. (1999).
136 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
TABELA 2
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COMPOSIÇÃO DO PIB RESPECTIVO - 1999
%
ENTE SERVIÇOS INDÚSTRIA AGROPECUÁRIA
Belo Horizonte 71,5 28,5 -
RMBH 59,8 39,8 0,4
Minas Gerais 49,2 41,4 9,4
FONTE: FJP/Elaboração WSPV
9
FJP (1998).; FJP. Homepage. Dados trabalhados num contexto de planejamento estratégico metropolitano são acessíveis em:
INSTITUTO HORIZONTES. Plano Estratégico da Grande BH. Ver também: IBGE. Atlas do Desenvolvimento Humano no
Brasil (1998).
10
IBGE (1999).; FJP (1999).
11
FJP (1999); IBGE (1999) ; SEBRAE-MG. Perfil das Micro e Pequenas Empresas de Minas Gerais. (1997).
Capítulo 4 - Políticas públicas do Estado de Minas Gerais para a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) 137
Dentre as atividades produtivas registradas na Região Metropolitana, assinalam-se:
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138 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
Na outra extremidade situam-se as pequenas atividades produtivas informais, de um ou
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40 anos
mais empregados, trabalhadores por conta própria e autônomos, em geral de baixa qualificação,
com tênues laços de conexão, via mercado, com o estrato acima. Topologicamente, entre esses
dois estratos, localiza-se um segmento produtivo amplo e diversificado, constituído por micro e
pequenas empresas que produzem em larga medida para o mercado metropolitano e que encontram
obstáculos gerenciais, tecnológicos, mercadológicos e de acesso ao crédito, para incrementos
substanciais de competitividade.
Essas diferentes categorias suscitam formas de intervenção distintas e complementares,
em termos de políticas públicas e programas de apoio. O segmento constituído por setores e
empresas dinâmicos, inseridos no contexto globalizado, solicita políticas de incremento da
competitividade global. Um elenco dessas políticas é de cunho macroeconômico e afeito ao espaço
de decisões da União política industrial, de ciência e tecnologia, tarifas e defesa comercial,
acordos de livre comércio, reforma tributária, redução do custo-Brasil, etc.
No outro extremo, o segmento constituído por empreendedores informais, autônomos e
trabalhadores por conta própria reivindica medidas básicas de intervenção pública, para geração
de trabalho, renda e inclusão social. Intermediariamente, encontra-se o grande contingente de MPE,
em busca de soluções dos problemas estruturais de sobrevivência empresarial e associados ao capital
de giro, gestão e acesso à informação, ao crédito, aos mercados, à administração pública, etc.
Neste contexto, e para o benefício da simplificação do discurso, identificam-se, em
justaposição ao continuum dos segmentos produtivos, duas agendas não exclusivas, interativas,
sinérgicas e orientadas para as políticas públicas de foco metropolitano: a Agenda Vermelha,
voltada para a atenuação da exclusão social metropolitana, e a Agenda Azul, focada na construção
de maior competitividade territorial para a RMBH. Não se trata de estratificar o planejamento ou
ainda de dualizar o espaço das políticas públicas. Trata-se apenas de concessão metodológica
para a análise. Na prática da política e do planejamento metropolitano participativo, tais agendas
se interpenetram e a praxis decorrente será o resultado da habilidade e do poder negocial dos
atores relevantes sob o escrutínio aglutinador do Estado.
Capítulo 4 - Políticas públicas do Estado de Minas Gerais para a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) 139
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40 anos
12
Atualmente, nos termos da Lei Complementar nº 63, de 10 de outubro de 2002, o Colar Metropolitano é formado pelos seguintes
municípios: Barão de Cocais, Belo Vale, Bonfim, Fortuna de Minas, Funilândia, Inhaúma, Itabirito, Itaúna, Moeda, Pará de
Minas, Prudente de Morais, Santa Bárbara, São José da Varginha e Sete Lagoas.
140 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
Ainda, a transposição do mesmo modelo político de gestão municipal para a esfera
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40 anos
metropolitana tende a reduzir significativamente a presença e o interesse da sociedade civil no
processo decisório. No âmbito da provisão regional de serviços públicos de interesse comum,
as disfunções já se fazem óbvias. Tome-se o caso, por exemplo,do saneamento básico, com evidentes
assimetrias nos interesses dos distintos municípios relativamente à proteção de aqüíferos e
mananciais, tratamento de efluentes, composições tarifárias, etc. Daí, emergem obstáculos às
soluções mais eficazes pela ausência da representatividade melhor desenhada no corpo legislativo
metropolitano.
Tais circunstâncias tendem a se agravar quando se levam em consideração os novos
paradigmas para o desenvolvimento regional, com ênfase crescente no empoderamento da sociedade
civil, sustentabilidade, novas institucionalidades e interatividade. Aqui, certamente, residem
solicitações eloqüentes para a revisão e o aprimoramento do modelo deliberativo preconizado
para a gestão metropolitana.
Retrospectivamente, ao longo das últimas três décadas, o processo decisório metropolitano
evoluiu, com referência aos marcos políticos e institucional, da prevalência inicial da norma federal
(1965/75), através da intensa estadualização do problema (aprox. 1976/1989), para a
municipalização fragmentada (anos 90) corrente.
Como tal, a AMBEL, composta por quase uma centena de representantes detentores de
mandatos políticos municipais e coerente com o seu desenho legal, tende a sobrevalorizar os
municípios de baixa massa demográfica, enquanto, no sentido oposto, subvaloriza aqueles de
peso populacional.
Avultam-se, assim, certos efeitos perversos para a boa gestão metropolitana. A incapacidade
da definição de agenda inclusiva e democrática para o planejamento estratégico metropolitano é
um caso em pauta. A própria inexistência, distintamente do passado (PLAMBEL), de espaço
legitimado e eficaz para a resolução das questões técnicas do cotidiano metropolitano situa outra
disfunção. Enquanto isso, repercutem os problemas de relacionamento metropolitano: (a) entre
os municípios; (b) entre municípios, Estado e agentes coletivos estaduais; (c) entre municípios e
a União, etc.
Em face de tais disfunções, também características de outras regiões metropolitanas do
país e de outros ambientes nacionais, propõem alguns analistas a implantação de um quarto nível
de poder público metropolitano suscetível de amenizar e mesmo retificar tais desvios. A
questão é complexa e transcende o nível da competência constitucional estadual. Esta última,
contudo, poderia abrigar soluções político-administrativas criativas. Como por exemplo, a
implantação de sistema bicameral metropolitano que abrigasse, simultaneamente, uma câmara
alta que garantisse a representatividade política dos municípios constituintes, a par de uma câmara
de gestão, dotada de representatividade demográfica e comprometida com procedimentos (v.g.
comissões especializadas) para a boa gestão técnica e administrativa da RMBH.
Tais questões estão em aberto e exigirão iniciativas e articulações políticas para a formulação
de novos diplomas legais e rumos para o processo decisório formal metropolitano.
Capítulo 4 - Políticas públicas do Estado de Minas Gerais para a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) 141
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40 anos
13
A jusante da interação dialética entre tecnologia e sociedade, o concerto de capitalismo informacional incorpora, além da lógica
das sociedades em rede, novas arquiteturas dos movimentos sociais e do Estado. A concepção é derivada de; CASTELLS, M.
(1989; 1996).
142 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
A globalização vem intensificando, sobremaneira, a estratificação social do espaço urbano.
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40 anos
Enquanto as manchas dinâmicas exibem os critérios de pertinência à rede global, os buracos
negros da marginalidade periférica são confinados, em certa medida, à geração de atividades
irrelevantes ou não-competitivas, consoante valoração da rede global, e/ou gravados pela ruptura
social (legal x ilegal, formal x informal).
Mais que em qualquer outro período de sua trajetória, o território da RMBH exibe agora as
marcas da disrupção entre o núcleo dinâmico e a periferia. Tais evidências incorporam, dentre
outros aspectos, desigualdades crescentes na renda, no consumo, nas estatísticas vitais, na oferta
de equipamentos públicos, nas habitações, nos comportamentos e atitudes, na visão do mundo,
no exercício da cidadania, nas taxas de escolaridade e evasão escolar, etc. A disrupção excessiva
promove efeitos deletérios sobre o tecido social.14
A governabilidade e a estabilidade social num estado democrático exigem patamares mínimos
para a ineqüidade e a disrupção urbanas. Ademais, o crescente dualismo metropolitano promove
a intensificação de deseconomias de aglomeração em escala suscetível de afetar seriamente a
própria competitividade da RMBH na rede global.15
Distintamente das regiões metropolitanas na Europa, e em certo grau, da América do Norte,
onde a inclusão social crescente, ao longo do século XX, reduziu consideravelmente o dualismo
urbano, o impacto da globalização sobre as regiões urbanas do Terceiro Mundo vem ampliando,
extraordinariamente, o processo de exclusão social. Tal intensificação coloca para as elites regionais
a necessidade de administrar tensões sociais complexas.
A fragmentação da metrópole, com a segregação de zonas e populações urbanas, agrava o
problema da inserção social. A dualidade metropolitana crescente solicita a presença do poder
público marcado por qualidades criativas e humanas de gestão da crise. De um lado, a marca
progressista da tolerância, pluralismo, integridade e da transparência. Destarte, a competência
para a negociação de conflitos, a busca de novas práticas de planejamento (inclusivas) e
metodologias de elaboração de planos.1 6
A despeito da crescente disrupção metropolitana, o fato central é que a RMBH é o pólo
dinâmico da economia mineira, integrando-a na rede global. A RMBH e a cidade de Belo Horizonte
em particular vêm assumindo, além das funções tradicionais centro de serviços, atividades
governamentais, etc. para as quais foi, inclusive, projetada, outras funções dinâmicas e
integradoras. É o caso, primacialmente, do seu papel estratégico como centro de inovação. Isto é,
como nó privilegiado de recepção, produção, intercâmbio e difusão da inovação. Cidades ao longo
da história têm desempenhado tal função, desde os albores da Revolução Agrária. Nunca,
presumivelmente, na intensidade e ritmo correntes.1 7
14
Como bem observado por Zukin, a articulação do centro (elites) contraposta à segmentação da periferia (massas) constitui
mecanismo de dominação social, em que o espaço urbano / metropolitano desempenha papel predominante. Ver ZUKIN (1991);
ver também CASTELLS (1989).
15
As severas implicações do novo modelo de divisão internacional do trabalho para a exclusão social urbana são contempladas em
RODGERS (1995).
16
A despeito do progresso considerável na inclusão social verificado, ao longo do século XX, nas regiões urbanas da Europa e da
América do Norte, observa-se, mais recentemente, estancamento na progressão de certos indicadores sociais relevantes. Tal
fenômeno guarda relação com o aumento das disparidades entre os pólos urbanos e suas periferias, simultaneamente com a maior
coesão da rede global. O aspecto foi destacado por CAPPELIN(1991); ver também RODGERS (1995).
17
Além de suas funções urbanas clássicas centros de comércio, serviços e poder político , as grandes cidades assumem novas
formas de funcionamento, no contexto da globalização. É o caso, por exemplo, da produção de inovações para o sistema
financeiro internacional e os serviços especializados. Vale contrapor duas concepções densas e ricas acerca do papel das cidades
na história humana. Ver MUMFORD (1961), SASSEN (1991) e PENIDO VALE (1985).
Capítulo 4 - Políticas públicas do Estado de Minas Gerais para a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) 143
A globalização ampliou o papel estratégico da RMBH para a economia mineira. Trata-
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40 anos
se de elo privilegiado para a inclusão estadual nos fluxos globalizados. A despeito do crescente
dualismo urbano (e decorrentes externalidades negativas de aglomeração), a RMBH dispõe
das vantagens locacionais convencionais. O estoque de capital localizado (imobiliário,
produtivo) desincentiva abandono. A qualidade e o custo médio de vida são atraentes em
comparação com outras áreas metropolitanas brasileiras. A oferta de equipamentos
(insubstituíveis) de educação, lazer e saúde é razoável, para os estratos de renda média, em
contraposição a outras alternativas. O mesmo se dá para grande parte das atividades produtivas
e de governo.
Vale ressaltar que a globalização não aboliu boa parte das economias convencionais de
aglomeração. Os contatos pessoais ainda continuam imprescindíveis no mundo dos negócios,
do lazer, da política, da cultura, da arte e da ciência.18
Reside certa perversidade na lógica que explica o papel estratégico das regiões
metropolitanas na economia globalizada. De um lado realça a RMBH seu papel polar, para a
economia mineira, como centro de dinamismo cultural, econômico, tecnológico e social. A
despeito do etos interiorano (pequena cidade / vila), Belo Horizonte é, de fato, o grande
produtor cultural da mineiridade, sobretudo for export.
Em contrapartida, a arquitetura da nova economia em rede, primordialmente articulada
através dos nós metropolitanos, redesenha e reconstrói a forma e estrutura urbana da RMBH
e, como tal, privilegia as funções urbanas dinâmicas, enquanto descarta as funções
irrelevantes, os grupos sociais periféricos e as manchas urbanas desprovidas de valor. Erige-
se, assim, barreira social alentada entre os atores incluídos na rede global e a maioria da
população (suas atividades e seus locais) metropolitana. 19
A RMBH, como outras congêneres, dispõe de enorme potencial de ganhos ou perdas
com a continuidade do processo de globalização. Regiões metropolitanas localizadas
estrategicamente e marcadas por influência geográfica tendem a comandar importância
geopolítica, ou seja, posição hierárquica superior na rede global. Em contrapartida, regiões
metropolitanas em desvantagem geográfica encontram dificuldades para competir na economia
globalizada, vale dizer, na produção e comercialização de bens e serviços.
Ademais, com a redução dos níveis de autonomia e comando das economias nacionais,
num contexto globalizado, grande parte da exposição ao ciclo internacional (volatilidade) se
transfere para o desempenho das regiões metropolitanas. Algo como um industrial mix de
maior vulnerabilidade parece afetar a estabilidade dos principais setores dinâmicos desses
entes.
Portanto, o caráter assimétrico e heterogêneo da globalização é detectado de maneira
particular nas regiões metropolitanas. Do ponto de vista das políticas metropolitanas
concebíveis nas esferas estadual e federal, a tarefa reclamada é de duplo sentido. Há que se
ampliar a competitividade metropolitana, essencial à promoção do desenvolvimento nacional.
Há também que se reverter a dualidade e a exclusão social metropolitana. Nesse particular há
que se evitar a tentação das agendas políticas simplistas do localismo ingênuo ou da
globalização glorificada. Retórica à parte, o primeiro procura restringir o desempenho do
sistema metropolitano aos atores e atividades endóg enas. A segunda propõe a
18
Ver INSTITUTO HORIZONTES (2002). Além do inventário dos equipamentos urbanos que conferem extinção e singularidade
à região, o trabalho dispõe bibliografia de apoio sobre o tema.
19
Ver Cappelin (1991).
144 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
internacionalização do mercado como via única para o desenvolvimento, exibindo como
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premissa a inserção submissa a qualquer custo. Existe, neste início de século globalizado,
uma importante questão premindo a sociedade civil brasileira. Diz respeito a evolução da
democracia e sua incidência sobre o modelo de desenvolvimento do povo brasileiro.2 0
Do ponto de vista metropolitano, nesse cenário, constitui missão estratégica de estado a
liderança do processo social amplo focado na reabilitação das funções urbanas marginalizadas, na
inclusão dos grupos sociais subordinados e no resgate dos territórios desvalorizados. Tal agenda
(Agenda Vermelha) repercutiria sensivelmente sobre a redução das expressivas e cumulativas
distâncias socioculturais prevalentes entre comunidades contíguas, culturas adjacentes e funções
hierarquizadas.21
Também se imporia a formulação de agenda conexa (Agenda Azul), centrada no incremento
da competitividade metropolitana, basicamente, uma articulação criativa e persistente entre
empresas, ONGs, governos federal, estadual, metropolitano e locais, instituições de pesquisa,
ensino, agências da sociedade civil, etc., visando: (a) a difusão e a incorporação do progresso
técnico; (b) a criação de capital social; (c) a formação do capital humano e a reciclagem da força
de trabalho; (d) a implementação dos equipamentos coletivos essenciais à expansão da
competitividade.2 2
O grande contributo das lideranças políticas estadual e federal seria o do discernimento e
visão das duas agendas como não excludentes, tampouco dicotômicas, mas integradas no mesmo
projeto de desenvolvimento democrático, participativo e realista.
20
Vale uma vez mais contrapor concepções opostas, acerca das possibilidades e promessas para a inclusão social urbana, derivadas
do processo acelerado de globalização. De um lado, a proposta otimista de Harris (1987) prenunciando o fim do Terceiro
Mundo. Destarte, em contraposição, as verificações empíricas de Rodgers (1995) e Lustig (1995) sugerem cautela e protagonismo
ativo dos atores locais / regionais na defesa dos seus interesses. Neste contexto ver; NIGEL (1987), RODGERS (1995),
LUSTIG (1995), STIGLITZ (2002), CACCIAMALI (2000), CEPAL, (2002), NARAYAN (2000).
21
Dentre outros, POCHMANN (2002), LAUTIER (1994); DE SOTO (2002), POCHMANN(2001).
22
A respeito, vale recorrer ao relato de BENTON (1992) acerca da experiência espanhola de descentralização econômica e política
associada à ampliação das alianças locais para incremento da competitividade regional. Ver BENTON (1992), LASTRES &
CASSIOLATO (2002).
Capítulo 4 - Políticas públicas do Estado de Minas Gerais para a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) 145
4.5. RMBH : pressupostos para as políticas
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40 anos
públicas
Para a concepção e o desenho das políticas públicas possíveis para a RMBH, há que se ter
em conta os limites que atuam sobre o Estado nacional brasileiro. O balanço crítico do ambiente
macroeconômico globalizado, onde o Brasil se insere, sinaliza, desde o início dos anos 90, certos
limites precisos para as políticas públicas federal e estaduais.
Num trabalho recente, acerca das fronteiras da Economia do Desenvolvimento, Joseph
Stiglitz e Shahid Yusuf propõem, de maneira inequívoca, o elenco das questões doutrinarias já
estabelecidas entre os especialistas na área. Destacam eles, como requisitos para o
desenvolvimento sustentado, a estabilidade macroeconômica e a abertura no comércio
internacional. Tais requisitos constituem parte do que é usualmente referido como Consenso de
Washington. Na visão dos autores, em contraposição a outras visões mais conservadoras, tais
requisitos constituiriam apenas condições de primeira ordem (necessárias), e não suficientes, para
o desenvolvimento sustentado.2 3
A prevalência desses condicionantes no passado recente ilustra o limitado espaço de ações
possíveis para as políticas públicas convencionais dirigidas para as regiões metropolitanas. A
conjugação das políticas macroeconômicas prevalentes metas de inflação, saneamento das finanças
públicas e câmbio flexível com o ciclo internacional dos negócios vem repercutindo, nos anos
recentes, sobre a ampliação das disparidades sociais, espaciais e, sobretudo, intrametropolitanas.
Isso, de resto, vem promovendo redução de eficácia da governabilidade e das instituições do Estado.
Realisticamente, a convivência da sociedade brasileira com os requisitos mínimos
macroeconômicos, aludidos por Stiglitz, parece provável.2 4
Qual o espaço de ações possível para a política metropolitana em tal contexto? O desafio
é manejável e a solução repousa sobre formas novas e criativas de mobilização e participação
social.
Um ponto de partida é o conhecimento de que na sociedade em rede as possibilidades de
sucesso são operadas em territórios específicos. Tratam-se dos nós, hierarquizados, da rede onde
a RMBH se insere. Distinguem-se os fatores endógenos cruciais para o sucesso: base tecnológica,
infra-estrutura e equipamentos coletivos, recursos humanos qualificados e sistema de gestão flexível.
Evidenciam-se fatores sobre os quais as ações conjugadas Estado / União e mesmo ações autônomas
estaduais podem operar criativamente. Mesmo a despeito dos limitantes macroeconômicos, resta
um espaço aberto e administrável, mesoeconômico. Por exemplo, a constatação, na sociedade
em rede, de que interessa não apenas a operação otimizada isolada da firma ao nível de sua função
de produção relevante, mas, também, os ganhos de produtividade dos fatores produtivos
metropolitanos, tais como conectividade, flexibilidade e inovação. Nesse sentido, o global abre
possibilidades para o local, uma vez que não são necessariamente antagônicos, mas,
complementares.25
A doutrina constitucional brasileira prevalente (1988) remeteu aos estados o poder
legiferante sobre as regiões metropolitanas. De fato cabe ao Estado a coordenação dos esforços
23
Ver MEIER & STIGLITZ (2001). Trata-se de alentado tomo reunindo trabalho de especialistas de notoriedade acerca da
economia do desenvolvimento.
24
Ver RODGERS (1995) e LUSTIG (1995).
25
BRASIL. Constituição Federal de 1988, art.25, § 3º.
146 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
para desenvolver vantagens competitivas metropolitanas. Isso, particularmente, pela mobilização
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40 anos
dos demais níveis de governo, sociedade civil e setor privado, para constituir os equipamentos
coletivos essenciais à competitividade equipamentos públicos, bens e serviços coletivos, canais
e fóruns para a mobilização da sociedade civil, sobretudo do empresariado, e outras agências do
Terceiro Setor.
A exploração criativa da própria heterogeneidade do espaço metropolitano pode ensejar o
surgimento de novas vantagens competitivas, através de assimetrias ecológicas, manejo ambiental,
valores culturais, artísticos e/ou de lazer. Tal foi o caso, por exemplo, da Pampulha nos anos 40,
ou de Bonito (MS) nos anos 90.26
Variáveis de natureza mesoeconômica, no âmbito estadual e num contexto de recursos
públicos escassos, podem ser, criativamente, manejadas. É a esfera, por excelência, da difusão e
incorporação do progresso técnico, em íntima sintonia com o segmento empresarial e as instituições
de ensino e pesquisa, estendendo-se ao desenvolvimento dos sistemas (meios) de inovação,
formação do capital humano e reciclagem da força de trabalho.
É importante sublinhar que a via preferencial (e possível) para a criação de valor na esfera
metropolitana é aquela constituída pelo tecido institucional articulado pelo Estado em sintonia
com os governos municipais, metropolitano, empresas e ONGs. A missão superior do Estado é a
da articulação: (a) entre micros, pequenas, médias, grandes empresas e provedores de serviços;
(b) entre empresas, governo metropolitano e governos locais; (c) entre instituições de produção e
adaptação do conhecimento e empresas; (d) entre agências de produção cultural e artística,
empresas e governos locais; enfim, (e) entre todos os atores intra e extrametropolitanos com
interesse na ampliação da capacidade competitiva da RMBH.27
O papel da articulação do Estado se estende também à redução das tensões oriundas da
disrupção metropolitana. Há que se ampliar, consideravelmente, o protagonismo da sociedade
civil metropolitana através da participação: (a) na arbitragem de divergências e consensos sobre
ajustes de interesses; (b) nos pactos sociais vinculantes sobre políticas de Estado; (c) na criação
de capital social / cívico / institucional; e (d) na articulação entre políticas sociais e geração de
empregos.
A articulação inteligente e persistente do Estado com a sociedade civil metropolitana é o
caminho seguro para a superação da política regional como jogo de soma zero. Nesse sentido, e
para atenuação da disrupção metropolitana, há que se reabilitar o ser humano local na sua condição
múltipla de cidadão, produtor, contribuinte e consumidor. De especial interesse, nesse contexto,
emerge o esforço da convergência público-privado, tendo em vista o reforço da identidade e da
coesão social. Também avulta a captura de sinergias entre o metropolitano, o nacional, o local e o
global. Isso, de molde a reforçar o papel do local / metropolitano como centro de inovação e
geração de relações comerciais, tecnológicas e culturais em escala internacional.
Depreende-se do exposto que as políticas públicas estaduais para a RMBH são
imprescindíveis, urgentes, limitadas por restrições macroeconômicas e confrontadas por duas classes
de problemas formidáveis; a busca da competitividade e a disrupção metropolitana. Como atores
primordiais desse nexo, os agentes públicos superiores estaduais (os eleitos e seus burocratas)
26
Ampliar o valor agregado pelas MPE constitui elemento comum às Agendas Vermelha e Azul. Como tal, elemento construtivo de
círculo virtuoso do desenvolvimento regional. Nesse contexto, um componente relevante busca apropriar, para o processo de
produção, intangíveis como o da vinculação geográfica, que em última análise propiciaria uma agregação de valor cultural.
Organizações da sociedade civil, como SEBRAE-NAC, SEBRAE-MG, FIEMG, já vêm trabalhando na busca da identificação e
valorização de atributos (brasilidade / mineiridade, etc.) agregáveis a produtos. SEBRAE-NAC (2002).
27
Ver BENTON (1992), DINIZ (2001).
Capítulo 4 - Políticas públicas do Estado de Minas Gerais para a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) 147
terão que promover, com a brevidade possível, a modernização da máquina pública, ou pelo
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40 anos
menos daquelas agências de contato direto com a questão metropolitana, adaptando-as ao trânsito
exitoso para a gestão do planejamento metropolitano (realmente) participativo e que alcance o
interesse e a inclusão majoritária em um novo contrato social.
O desafio maior dessa modernização (mudança de atitude) é o da superação do modelo
tradicional do planejamento metropolitano decisões definidas a priori pelo Centro pela adoção
de uma agenda de ação coletiva, negociada entre os eleitos, o setor privado e os movimentos
sociais.
A viabilidade dessa nova abordagem, isto é do desenvolvimento a partir do plano
metropolitano, requer alguns requisitos. Primeiro, o da sustentabilidade política, lastreada pela
identificação dos diferentes sujeitos de cada programa / projeto, tornando-os participantes da
ação coletiva focada no desenvolvimento com coesão social. Segundo, o do compromisso, que
permitiria incorporar os interesses dos vários segmentos sociais. Terceiro, o da interação entre os
atores para a resolução dos problemas. Quarto, o da continência, que pressupõe a utilização eficiente
dos recursos financeiros disponíveis.
Uma mudança de atitudes como a preconizada, no âmbito da administração pública, não
poderá evadir a questão ética. Uma linha de conduta deverá ser balizada pelos preceitos da ONU
para a Boa Governabilidade Urbana, quais sejam: (a) sustentabilidade, (b) subsidiariedade (como
se relacionam, face às questões metropolitanas, os vários níveis de governo); (c) equidade; (d)
eficácia; (e) transparência e responsabilidade; (f) engajamento cívico (participação); e, (g) segurança.
A questão da ética pública deve ser, ainda, incluída num programa sério e permanente, a
exemplo do Open System (Região Metropolitana de Seul, Coréia do Sul), cujas linhas gerais incluem:
(a) medidas preventivas mudanças na legislação; (b) medidas punitivas tolerância zero com a
corrupção; (c) transparência abertura ao público dos processos, via internet e imprensa; e, (d)
participação pública, através do comprometimento das autoridades com o Pacto de Integridade,
criação do Pacto Cidadão e do ombudsman.
148 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
4.6. Concepções para políticas públicas de
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40 anos
inclusão social na RMBH (Agenda Vermelha)
28
As interações entre estilos da administração pública pró-ativa e inclusão social podem ser examinadas em: FARAH& BARBOZA
(2000).
29
Cf. BENTON (1992) e FARAH (2000).
Capítulo 4 - Políticas públicas do Estado de Minas Gerais para a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) 149
disponibilidade, generosa, de recursos públicos, dados os padrões correntes de gestão, não bastaria
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40 anos
30
Nesse particular, vale recapitular a experiência internacional, a par de brasileira. Ver, por exemplo, CASAROTTO FILHO &
PIRES (1999), GEGLIE & DINI (1999), ROVERE (2001) COURAULT& TROUVE (2000).
150 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
transportes metropolitano há de incluir: planejamento do uso do solo, promoção do transporte
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40 anos
público, inibição do uso de automóvel. Como tal o transporte público deve ser encarado no marco
referencial de políticas públicas e ordenamento territorial metropolitano, instrumentos poderosos
para a inclusão social e para suporte à competitividade da região.
O desenvolvimento sustentável, ainda confinado ao marco da boa referência teórica,
deve ser incorporado na prática da implementação dos planos e políticas públicas metropolitanas.
Estes devem ter na qualidade de vida metropolitana um critério decisivo para a escolha social. A
projeção do futuro deverá manter sintonia com os requisitos da sustentabilidade e do equilíbrio
ambiental da região. Isso significaria, provavelmente, a impossibilidade, com a tecnologia conhecida
e presumível, da reprodução dos padrões de produção e consumo metropolitanos dos EUA e da
Europa Ocidental.31
No combate à pobreza metropolitana, amplificada pela disrupção recente, o papel do Estado
é insubstituível. A redução da pobreza passa por decisões políticas. A sociedade civil, ONGs,
associações e empresários não podem se ausentar da participação. Seria ilusório, contudo, nesse
tema, considerar como factível que tais atores venham a substituir o Estado. Cabe, sim, a este
aglutinar participantes e gerar sinergias com o concurso daqueles. Até onde cabível, do ponto de
vista dos recursos disponíveis, quaisquer políticas compensatórias e redistributivistas, se
implementadas, deverão estimular a contrapartida da solidariedade ativa, ou seja, que conduzam
à pobreza ativa. Isso significa estimular e desenvolver capacidades individuais evitando a dissociação
anômica entre renda e trabalho.32
Experiências internacionais de relativo sucesso no combate à pobreza metropolitana têm
dado realce às vantagens da universalização da abordagem, em contraposição à categorização, ou
seja taxonomização da pobreza. Essa última abordagem tende a ser excludente e menos eficaz.
Tais experiências metropolitanas, no presente contexto, apresentam alguns vetores da experiência
comum acumulada, quais sejam: extensa participação comunitária, territorialização metropolitana
das ações, integração das iniciativas municipais e superação do caráter compensatório.33
As experiências mencionadas promoveram, em geral, no combate à pobreza, objetivos
multidimensionais. A dimensão social, por exemplo, incorpora a saúde popular, reabilitação, ações
socioeducativas, de saúde pública, etc. A dimensão econômica envolve a formação profissional,
incubação de cooperativas e novos negócios, concessão de microcrédito e complementação da
renda, onde cabível. A dimensão urbana, por sua vez, compreende a implantação de infra-estrutura
comunitária, incluindo equipamentos de lazer, melhoria habitacional e regularização fundiária.34
O problema habitacional ocupa destacado nicho na dimensão urbana da inclusão social. Também
aqui, a experiência internacional, e, sobretudo, a experiência (rica) brasileira acumulada sugerem linhas
para a ação. É essencial a participação da iniciativa privada na produção habitacional de interesse
social. Isso deve ser promovido, dentre outros meios, através de incentivos fiscais estaduais,
metropolitanos e municipais, legislação específica para os empreendimentos e agilização de processos
de aprovação. A ampla participação dos atores interessados associações comunitárias, empresários,
ONGs, etc. e aglutinados pelo Estado, com o concurso de todos os níveis de governo, também é
requisito essencial. Destarte, um ponto focal deverá ser o da urbanização de favelas, assegurando
integração com os programas de combate à pobreza, geração de trabalho e regularização fundiária.35
31
Ver SACHS (2000).
32
POCHMANN (2001); ver também MATTOSO (2001). De interesse particular, pela contribuição da experiência de equipe
da Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura de São Paulo, a coletânea voltada para políticas
públicas inclusivas, POCHMANN (2002).
33,34,35
POCHMANN (2002); ver também CARDOSO, FRANCO & OLIVEIRA (2000).
Capítulo 4 - Políticas públicas do Estado de Minas Gerais para a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) 151
4.7. Diretrizes gerais para a implementação da
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36
Dentre outros, RECH (2000), UNCTAD (2001), YUNUS (2001), SINGER & SOUZA (2000).
37
POCHMANN (2002); ver também BUARQUE (1999), GIDDENS (1999)
152 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
A partir daí caberia ainda ao Estado o principal papel aglutinador para a construção dessas
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40 anos
territorialidades.
O sucesso da inserção dos estratos e atividades excluídas no processo produtivo
metropolitano depende de alianças e parcerias entre os três atores relevantes; o poder público, o
setor privado e a sociedade civil. Tal sucesso transcenderia a dimensão ética e de justiça, uma vez
que ampliaria, no largo horizonte, as possibilidades de inserção da própria RMBH na rede
globalizada, ampliando um círculo virtuoso de inclusão social e competitividade.38
38
O Plano Diretor Estratégico do município de São Paulo (Prefeitura Municipal de São Paulo, 2002) situa propostas e diretrizes
para a interação entre os atores mencionados, no âmbito da geração do trabalho, emprego e renda. Ver também SEN (2001).
Capítulo 4 - Políticas públicas do Estado de Minas Gerais para a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) 153
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40 anos
Na rede globalizada, o sucesso das economias nacionais depende do desempenho dos seus
territórios competitivos, quais sejam, aqueles ocupados pelas atividades, fluxos e atores apreciados
como dominantes na rede global. Nessa acepção, a construção de territórios competitivos e
inovadores constitui foco privilegiado da estratégia do desenvolvimento nacional. Observam-se,
nesse contexto, a convergência das políticas públicas para o desenvolvimento preconizadas por
estados nacionais e agências internacionais de fomento em escala global.
O caráter de pivô atribuído à empresa motriz para o desenvolvimento regional / nacional na
teoria clássica da economia espacial encontra agora sucedâneo no papel crítico concedido à
competitividade territorial. Nesse sentido, menor importância estratégica se concede ao conceito de
empresa competitiva, individualmente, a menos que inserida numa cadeia produtiva capaz de alavancar
valor setorial-regional.39
A RMBH, enquanto nó reconhecido na rede globalizada, exerce sua maior ou menor
conectividade consoante seu nível de competitividade sistêmica. Esta por sua vez, depende,
preliminarmente, de certos fatores críticos intraterritoriais: (a) a infra-estrutura física e os equipamentos
coletivos; (b) a base tecnológica; (c) a qualidade do estoque de recursos humanos; e, (d) a flexibilidade
do sistema, notadamente público, de gestão.
Vale ressaltar que, distintamente dos preceitos da teoria e da prática convencionais, no âmbito
do desenvolvimento econômico, os governos locais metropolitano e municipais dispõem de mais
flexibilidade para implantar redes de cooperação e buscar objetivos comuns com as empresas privadas.
Os gestores públicos locais dispõem de mais latitude (e conhecimento dos específicos) para aglutinar
a interação dos vários atores incluídos em esquemas produtivos inovadores e competitivos.40
Dentre os níveis de aglutinação referidos e essenciais para assegurar a competitividade,
destacam-se os arranjos produtivos metropolitanos, formados por um conjunto denso de empresas
de atividades afins em um determinado espaço territorial. Nesse contexto, é fundamental promover-
se, no espaço público de ações, a articulação: (a) entre MPE e as grandes empresas; (b) entre empresas
e os vários níveis de governo; (c) entre empresas, níveis de governo e os centros de adaptação e
geração de conhecimentos; (d) entre empresas e as várias entidades de apoio empresarial, voltadas
para a formação empreendedora e a capacitação técnico-gerencial; (e) entre empresas e os sistemas
de financiamento e crédito. A par disso, incumbe também à iniciativa do Estado catalisar o processo
de fortalecimento das identidades culturais locais, buscando, tanto quanto possível, a peculiaridade
como vantagem competitiva. Onde não se tem cria-se, seja o modernismo ousado da Pampulha,
o ecologismo mágico de Bonito (MS), o kitsch excitante de Disney World (EUA), a paisagem de
porcelana pintada do Rio Li (Guilin, China), a aventura exótica do Treetops (Kenya), etc.41
39
Acerca das características, possibilidades e limitações do modelo fordista de desenvolvimento, BOYER (1990), ver também, no âmbito
correlato dos novos marcos de divisão do trabalho, PIORE & SABEL (1984).
40
Acerca das vantagens decorrentes da descentralização política e administrativa para a coordenação das alianças produtivas locais, ver
BENTON (1992) e SABEL (1992).
41
Novamente repercutem aqui as vantagens competitivas associadas à competente e coletiva apropriação das peculiaridades geográficas /
paisagísticas / culturais herdadas ou construídas. A ousadia do empreendimento Pampulha há que ser, naturalmente, aferida à época de
sua realização - anos 40 - no interior do Brasil. O fato relevante é que a peculiaridade se associa à indicação geográfica, constituindo-se, como
os exemplos sugeridos atestam, intangível robusto para conceder a produtos locais alto valor cultural agregado. SEBRAE (2002).
154 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
Em conseqüência, as políticas públicas estaduais para a RMBH, sempre em articulação
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40 anos
com os atores metropolitanos, deverão privilegiar: (a) o desenvolvimento sustentável com visão
de território, isto é, com realce dos limites ecológicos, do manejo ambiental e das especificidades
culturais; (b) a ampliação da capacidade competitiva, através dos arranjos produtivos
potencialmente vencedores, para maior integração na rede global; e, (c) a exploração criativa das
novas formas de representação social no manejo do espaço público constituído pelos equipamentos
coletivos (saúde, cultura, segurança, lazer, transportes, habitação).
Em certo sentido, pelo menos do foco da RMBH, a tarefa primacial do governo estadual
seria a de induzir sinergias entre o global / nacional / estadual / metropolitano / local para
reforçar e transformar o papel da RMBH como centro de inovação e geração de relações comerciais,
culturais, financeiras, tecnológicas e políticas na escala (e intensidade) mais ampla possível.42
Vale ressaltar que o incremento sustentado da competitividade metropolitana depende do
sucesso das políticas de inclusão social. E vice-versa. Várias, e complementares, são as dimensões
de competitividade territorial que a literatura e a prática do planejamento distinguem. A
competitividade empresarial, per se, compreende boa parte do corpo das doutrinas microeconômicas e
da administração dos negócios. A concepção do chamado ambiente de negócios dá visão
aproximada da dimensão competitividade estrutural, com a inclusão de variáveis macroeconômicas,
variáveis de mercado, clima político, etc. A competitividade social incide sobre os meios de inovação
talentos, saberes, conhecimento, etc. suscetíveis de mobilização para a geração de articulações
sinérgicas dos fatores de produção. Ainda, avulta a busca da interatividade associada ao chamado
capital social.43
O capital social, de reputação crescente na literatura do desenvolvimento territorial, a
despeito de algumas questões metodológicas, não é ente metafísico. Existiria, diga-se, na tessitura
do sistema social. Consistiria numa dimensão de coesão social de valor positivo. Maior
disponibilidade do capital social significaria melhores resultados, caeteris paribus. Seria algo como
uma franquia de confiança, difusa na sociedade, permitindo aos atores anteciparem suas ações
na crença da participação num jogo de soma positiva. Como tal, a cooperação entre agentes e a
formação de grupos com agendas comuns é facilitada. A provisão de capital social seria, como tal,
requerida para o sucesso da participação voluntária e do associativismo, seja nos processos de
inclusão social, seja naqueles focados na competitividade territorial. Mesmo porque essa última
distinção, retoricamente dicotomizada, deve ser integrada num propósito unificado, a partir da própria
atuação do capital social (e vertentes similares, capital cívico / institucional / psicossocial / sinérgico).
A inclusão social e a competitividade caminham juntas. A redução do hiato centro / periferia
(intrametropolitana), para fortalecer a identidade e a coesão social, é fator de fortalecimento da
competitividade regional.
O capital social, como bem público intangível, tende a ser subproduzido sem a intervenção
explícita do poder público. A despeito da fluidez teórica do construto, a evidência empírica mostra
o impacto salutar, sobre a competitividade regional, das iniciativas lideradas pelo poder público,
para expansão da educação cívica de base, do associativismo, da participação comunitária, etc.44
42
BENTON (1992) e SABEL (1992).
43
A concepção de capital social não é exatamente nova, remontando, por exemplo, a A. Tocqueville e J. Jacobs. Muito embora
tenha, nos anos recentes, irrompido na literatura do desenvolvimento, a partir dos trabalhos de BOURDIEU (1986), PUTNAM
(1995) e DASGUPTA e SERAGELDIN (1999). Reduzido à sua simplicidade extrema, o conceito diz respeito à ampliação
social da cooperação. BOURDIEU (1986), PUTNAM (1995), DASGUPTA, P. e SERAGELDIN (1999).
44
Uma discussão crítica, em profundidade, acerca do conceito de capital social foi percorrida, recentemente, por SOBEL (2002).
Capítulo 4 - Políticas públicas do Estado de Minas Gerais para a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) 155
4.9. Diretrizes para as políticas de incremento da
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40 anos
45
Subjacente a tal convergência reside a expectativa da ação sustentada de longo prazo, dos vários agentes do desenvolvimento, na direção
de um regime de acumulação que, inovadoramente, garanta o equilíbrio da cooperação, competição e inclusão. Ver BECATTINI (1994).
156 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
Dos fatores de sucesso acima listados, todos, sem exceção, são suscetíveis de, em maior ou
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40 anos
menor grau, moldarem-se à vontade política da sociedade organizada. Com voluntarismo
deliberado afirma-se que todos aqueles fatores, confinados pelo espaço possível de políticas
públicas, podem ser aprimorados.
Há que se ressaltar que uma agenda mínima de ações, derivada da observação do desempenho
de outras regiões metropolitanas vencedoras e da própria história local, deveria incluir ao nível
programático certas iniciativas, tais como:
(a) traduzir e facilitar alianças estratégicas entre os atores relevantes para a formação de
cadeias produtivas, tendo em vista a ampliação do emprego e do bem-estar, a
modernização do aparato produtivo, a inovação tecnológica e a pesquisa científica, a
maior rentabilidade dos negócios;
(b) ampliar a base e a oferta de informações econômicas, comerciais, financeiras,
mercadológicas, científicas, tecnológicas, etc. para os agentes produtivos metropolitanos;
(c) reforçar as bases produtivas sociais, buscando gerar identidade do produto com a RMBH
(personalidade, certificado de origem, made in Lagoinha, etc.);
(d) utilizar o poder de compra estatal, em vários níveis de governo, para favorecer as
MPEs;
(e) reforma tributária e adequação de normas e posturas municipais em proveito das MPEs,
desburocratização, descentralização da administração municipal, simplificação dos
registros, licenças e emissões de documentos;
(f) reforçar as vantagens comparativas associadas às vocações e à oferta de recursos locais
tais como; disponibilidade de terrenos e regularização fundiária, qualificação e reciclagem
profissional, infraestrutura física, etc.;
(g) estimular o mercado interno local, sobretudo nas zonas urbanas de maior densidade
demográfica;
(h) fortalecer a base exportadora da região, a partir daquelas atividades produtivas com
porte mínimo para inserção estadual / nacional / global;
(i) estimular e garantir a criação de bases socioinstitucionais locais para integração dos atores
relevantes, incluindo a modernização da gestão pública, sobretudo em face das MPEs;
(j) descentralizar atividades de apoio ao setor produtivo, tais como acesso ao crédito e ao
microcrédito, serviços de informação, apoio e extensão às MPEs e aos novos
empreendedores;
(k) estimular a criação de fóruns, instâncias e interfaces para a negociação e a interação
entre o poder público, as entidades de classe, empresas e sociedade civil;
(l) estimular a cooperação empresarial, através de iniciativas que promovam, para empresas
de setores e/ou localizações específicas, ganhos de aglomeração, tais como cooperativas,
centrais de compras, consórcios, etc.
(m) estimular a criação de espaços para a valorização e promoção dos produtos locais,
como incubadoras de base tecnológica, incubadoras culturais, etc.;
(n) induzir e persuadir os vários níveis de governo a participarem da agenda da
modernização da gestão pública, inclusive do Código de Ética, lastreado pelos princípios
da ONU para a boa governabilidade urbana;
(o) tolerância zero com a corrupção.
Capítulo 4 - Políticas públicas do Estado de Minas Gerais para a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) 157
4.10. RMBH: conclusões para um novo papel do
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Estado
46
Ver BOYER (1990).
47
Ver BENTON (1992).
158 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
Ainda, é nítida a confluência e a sobreposição das políticas públicas requeridas para a
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inclusão social (Agenda Vermelha) e o incremento da competitividade metropolitana (Agenda
Azul). Ambas as dimensões são congruentes e resultam em via única. Sem inclusão social não
existirão ganhos de competitividade substancial para a RMBH no largo prazo; e também a recíproca.
Assim, a agenda resultante é única
e Verde.
Ainda mais, o Estado de Minas Gerais tem sua inserção na rede global, em grande parte
condicionada ao sucesso (ou não) da RMBH. A globalização ampliou o papel estratégico da RMBH
para a economia mineira. Trata-se, como mencionado, do principal elo para a inclusão estadual
nos fluxos globalizados. Destarte, a RMBH deverá ocupar parte substancial da energia, do vigor e
do compromisso da administração estadual.
Enfatiza-se, finalmente, a necessidade do redesenho institucional do processo decisório da
RMBH ou mesmo da implantação do quarto nível de poder público - metropolitano - como
condição sem a qual não se observerá sucesso nas políticas metropolinas. O atual processo decisório
implica o esvaziamento do alcance político e representatividade normativa dos projetos
metropolitanos.
Capítulo 4 - Políticas públicas do Estado de Minas Gerais para a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) 159
4.11. Referências Bibliográficas
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MINAS GERAIS DO SÉCULO XXI
VOLUME IX
TRANSFORMANDO O PODER
PÚBLICO: A BUSCA DA EFICÁCIA
CAPÍTULO 5
O FINANCIAMENTO DO
DESENVOLVIMENTO: O PAPEL DAS
AGÊNCIAS DE FOMENTO E O BDMG
(D.PE / BDMG)
Departamento de Planejamento, Programas e Estudos Econômicos do BDMG*
170 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
5.2. A importância do financiamento de longo
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40 anos
prazo para o desenvolvimento
marcado pelo elevado endividamento bancário e participações cruzadas entre bancos e indústria,
que foi um dos pilares do processo de industrialização acelerada desses países. O sucesso dessa
estratégia esteve associado, igualmente, ao rígido controle do sistema financeiro, com a
canalização dos recursos, internos e externos, para o setor produtivo. Assim, os países periféricos
que mais avançaram no processo de catching up com as nações industrializadas adotaram políticas
distintas do padrão anglo-saxão (Cunha, 1998).
As transformações financeiras profundas, observadas desde o final dos anos 70, alteraram
completamente o quadro institucional no qual se baseava a tipologia de Zysman. Desapareceram
o enquadramento de crédito e o sistema de taxas de juros administradas praticados na França e
no Japão, bem como a segmentação institucional existente nos Estados Unidos e no Reino
Unido. Mesmo assim, um amplo mercado de capitais e a presença relevante de investidores
institucionais (fundos de pensão e seguradoras) ainda permanecem como características
distintivas desses dois países. Todavia, essa tipologia conserva seus méritos, ao identificar padrões
distintos de desenvolvimento associado a formatos financeiros específicos.
A partir da segunda metade dos anos 80, os países centrais e periféricos vêm enfrentando
uma pressão crescente para a liberalização dos sistemas financeiros domésticos e para adesão
ao princípio da livre mobilidade dos capitais, como parte do processo de globalização financeira.
A despeito de todas as mudanças engendradas pela desregulamentação e liberalização
financeira, a grande maioria dos países centrais e periféricos continua a utilizar diferentes arranjos
institucionais para apoiar aquelas atividades e setores essenciais para o desenvolvimento
econômico e social que, pelas razões acima mencionadas, não conseguem se financiar nos
mercados privados de crédito e de capital. Na Alemanha, por exemplo, o banco de
desenvolvimento Kredit für Wiederaufbau (KfW) e a agência federal Deutsche Ausgleichsbank (DtA)
desempenham um papel essencial na promoção econômica dos Estados do Leste após a
unificação do país. Igualmente, atuam no apoio às empresas emergentes de base tecnológica e
estimulam o desenvolvimento de investimentos de risco (venture capital) pelo setor privado,
concedendo empréstimos e garantias.
No caso dos países periféricos, a relação entre crescimento econômico e existência de
condições de financiamento adequada é apontada nos dados das TAB. 1 e 2. Observe-se que os
países que mais cresceram são exatamente aqueles em que o crédito ao setor privado é expressivo.
Os países do Sudeste asiático, que enfrentaram forte crise financeira em 1997, voltaram a
apresentar taxas expressivas de crescimento econômico. Já os países latino-americanos, onde o
crédito bancário é pouco expressivo (com exceção do Chile), apresentaram taxas mais modestas
de crescimento real do PIB, quando não negativas, como é o caso da Argentina em grave crise
econômica e financeira.
172 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
TABELA 1
BDMG
40 anos
EVOLUÇÃO % DO PIB REAL PAÍSES SELECIONADOS - 1994/2002
(1) (2)
1994-1999 2000 2001 2002
Argentina 2,9 -0,5 -4,9 -12,2
Brasil 2,8 4,5 1,4 2,1
Chile 5,6 5,4 2,8 2,9
China 9,4 8,0 7,3 7,3
Cingapura 5,3 10 -2 4,0
Coréia do Sul 5,6 9,3 3 5,6
Hungria 3,2 5,2 3,8 3,5
Índia 6,6 4,0 5,4 5,7
Indonésia 2,1 4,8 3,3 3,4
Malásia 5,6 8,5 0,4 4,2
México 3,1 6,9 -0,3 1,7
Polônia 5,6 4 1,1 1,3
República Checa 1,6 2,9 3,5 3,2
Tailândia 2,5 4,4 1,8 3,4
FONTE: BIS – 72nd Annual Report, 2002, july, p. 34.
Nota: (1) Média do Período.
(2) Posição em maio.
TABELA 2
emissões. Por essa razão, nesta seção optou-se pela análise da atuação das instituições oficiais de
fomento. Em especial, são examinadas as experiências específicas do México e da Coréia do Sul.
Sem perder de vista a institucionalidade monetária e financeira singular de cada país, procura-se
destacar os instrumentos e as modalidades de ação que aportem subsídios para a discussão do
financiamento de longo prazo no Brasil.
No México, a Nacional Financeira (Nafin) destaca-se como a principal instituição financeira
de desenvolvimento. Criada em 1934, com o objetivo de promover o mercado de valores mobiliários
e a mobilização da poupança financeira para as atividades produtivas, tem sua história marcada
por várias etapas de reorientação de suas estratégias operacionais. Em 1940, uma nova lei orgânica
lhe atribuiu a tarefa de promover, criar e auxiliar financeiramente empresas industriais consideradas
prioritárias, em particular, as indústrias de base, ao mesmo tempo que ficou incumbida de atuar
como agente financeiro do Governo Federal. Com essa nova lei, a instituição foi transformada em
uma instituição de fomento no sentido estrito do termo (Nafin, 2002).
No período 1945 a 1980, a Nacional Financeira orientou sua atuação a partir de três eixos
principais: o fomento à industrialização, em consonância com o modelo de substituição de
importações; a promoção do mercado de valores mobiliários e o apoio à consolidação do sistema
financeiro doméstico. Para estimular a industrialização, além da concessão de financiamento, a
Nafin desenvolveu projetos industriais que deram origem a importantes empresas estratégicas
para o desenvolvimento da economia mexicana, prestou assessoria e auxiliou na escolha de
tecnologias. A partir de 1975, com sua transformação em banco múltiplo, a Nacional Financeira
ampliou sua fonte de recursos, mediante a captação de depósitos à vista e a prazo e, como agente
financeiro do Governo Federal, teve acesso ao mercado internacional de crédito. Na década de
80, a economia mexicana enfrentou uma grave crise, que também afetou seu principal banco de
fomento. Nesse período, a Nacional Financeira reorientou suas atividades para o saneamento
financeiro de empresas consideradas estratégicas, em particular, nos setores de siderurgia, transporte
e mineração (Nafin, 2002).
No contexto de uma ampla reforma financeira implementada no início dos anos 90, a Nafin
passou por profundas transformações e teve sua ação reorientada para a promoção de micro,
pequenas e médias empresas, através da concessão de financiamento, treinamento e participação
acionária direta sob a forma de venture capital (Dias, 1991).
Através da prestação de serviços, tais como a assessoria e assistência nas ofertas públicas
de títulos e ações e no desenvolvimento de estratégias e montagens de operações para captação
de recursos no mercado de capitais, a Nafin passou a gerar renda própria, de forma a ampliar sua
base de funding e reduzir, assim, sua extrema dependência por recursos provenientes dos organismos
internacionais. Igualmente, passou a realizar emissão de títulos de longo prazo, denominado Bônus
de Desenvolvimento Industrial, tanto no mercado financeiro doméstico como no mercado
internacional.
A abertura externa da economia mexicana, a partir da adesão ao Acordo de Livre Comércio
das Américas (ALCA ) em 1992, conduziu a Nacional Financeira a redefinir seu foco de atuação,
privilegiando a promoção da competitividade das empresas domésticas, bem como a integração
de micro e pequenas empresas nos grandes consórcios. Nesse sentido, buscou adequar seus
instrumentos à nova realidade macroeconômica do país, marcada pela volatilidade dos juros e do
câmbio. Dentre os novos instrumentos destacam-se: a concessão de crédito a taxas fixas de juros,
o fornecimento de garantia complementar de crédito às pequenas empresas, a realização de leilões
de dólar para os bancos privados que financiam operações internacionais das empresas, e o programa
174 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
de desenvolvimento de fornecedores, que busca promover a integração e o crescimento conjunto
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40 anos
da grande empresa com os seus fornecedores nacionais. Ao mesmo tempo, a instituição modificou
sua estratégia operacional, de forma a evitar desequilíbrios financeiros, que se traduzissem na
necessidade de aportes de recursos orçamentários pelo Governo Federal (Nafin, 2002).
Em abril de 2002, no âmbito de uma ampla reforma financeira, foram promulgadas novas
leis orgânicas para os estabelecimentos de crédito privado e para a Nacional Financeira e demais
bancos de fomento, como o Banco de Comércio Exterior, em consonância com as 25 diretrizes
formuladas em 1997 pelo Comitê da Basiléia para uma efetiva supervisão bancária (Basle
Committee, 1997). Os principais objetivos do novo marco legal relativo às instituições públicas
de fomento são:
Pela nova legislação, a Nacional Financeira deverá se adequar aos padrões internacionais
de supervisão e regulamentação bancária, estabelecendo um fundo de fideicomisso com aporte de
recursos próprios para fortalecer o capital. Igualmente, deverá publicar periodicamente informações
sobre as operações realizadas. Também deverá criar comitê de apoio ao conselho de administração
para tomada de decisões em relação aos salários e à gestão dos riscos.
A Coréia do Sul é, dentre os países em desenvolvimento, aquele que possui o maior número
de instituições especiais de crédito. Além de instituições de desenvolvimento, tais como o Korea
Development Bank (KDB), existem vários bancos com funções especiais, que atuam na promoção
de setores e atividades específicas, como é o caso do banco de comércio exterior, Export-Import
Bank of Korea (Korea Exim) e da agência para pequenas empresas Small and Medium Business
Administration (SMBA). Essas instituições operam com recursos públicos e com fundos obtidos
através da emissão de bônus e debêntures tanto no mercado doméstico quanto no mercado
internacional.
Criado em 1954 pelo Korean Development Act, o KDB, a maior instituição financeira coreana,
desempenha um papel central no financiamento do capital de giro e de investimentos fixos dos
setores considerados de interesse nacional pelo Governo. Adicionalmente, opera através da
subscrição de títulos, da concessão de garantia e efetua participação acionária em empresas
prioritárias.
No âmbito internacional, o banco coreano segue a estratégia de utilizar diferentes
instrumentos em diferentes mercados, de forma a reduzir o seu custo de captação e ampliar sua
base de investidores. Um dos principais instrumentos de captação do KDB são os Bônus de
Financiamento Industrial (IFB). Pela legislação em vigor, pode emitir bônus até 30 vezes o seu
capital integralizado e suas reservas. Estes, garantidos ou comprados pelo governo coreano estão
excluídos, desse limite. (KDB, 2002, p. 45). Ademais, o banco capta depósitos à vista, a prazo e
de poupança no mercado doméstico em won e em moeda estrangeira, e emite certificado de depósito
negociável em moeda estrangeira.
1
Este item foi elaborado a partir de FREITAS e PRATES (2001a).
2
O Grupo dos 10 é formado por Alemanha, Bélgica, Canadá, Estados Unidos, França, Holanda, Itália, Japão, Luxemburgo e
Reino Unido.
176 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
As crises financeiras dos países periféricos de 1997/1998 revelaram, mais uma vez, as
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40 anos
dificuldades enfrentadas na regulamentação das atividades dos bancos internacionais. Essas crises
tiverem impactos menos adversos sobre essas instituições do que a crise da dívida externa latino-
americana de 1982, devido, em grande medida, à adoção pelos países do Grupo dos 10 das regras
de adequação de capital do Acordo de Basiléia de 1988, que resultaram numa maior capitalização
do sistema e, assim, numa maior capacidade de resistência às crises. Contudo, os eventos de 1997
e 1998 explicitaram as deficiências nos sistemas internos de monitoramento do risco de crédito e
a inadequação dessas regras no sentido de conter a assunção excessiva de risco pelos bancos, o
que motivou a apresentação, em junho de 1999, pelo Comitê da Basiléia de uma proposta de
reformulação das regras de ponderação de risco do Acordo de 1988, para discussão junto aos
supervisores dos países membros e também junto às instituições representativas dos bancos (Basle
Committe, 1999).
TABELA 3
mundo dinâmico e complexo só podem ser obtidas com a combinação de supervisão, disciplina de
mercado e efetiva administração interna dos bancos. De acordo com esta visão, a racionalidade do
novo acordo apóia-se na necessidade de construir um arcabouço com maior flexibilidade e
sensibilidade aos riscos, mais adequado às constantes transformações dos mercados financeiros e
das práticas de supervisão e gestão.
O documento final, que o Comitê espera divulgar no último trimestre de 2003 e implementar
a partir do final de 2006, deverá ser diferente do divulgado em junho de 1999 e modificado em
janeiro de 2001. Todavia, a leitura dos documentos preliminares permite uma avaliação dos
impactos das novas regras para os países periféricos, como será discutido a seguir.
178 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
Por um lado, a maior parte das operações são realizadas por sindicatos de bancos que, por
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40 anos
serem um grupo coeso, têm mais condições de fazer valer um contrato e maior facilidade de
renegociar dívidas do que os detentores de bônus (grupo numeroso e heterogêneo). Por outro
lado, os bancos estabelecem relações de longo prazo com os devedores e têm acesso a informações
privilegiadas, o que amplia tanto a capacidade de monitoramento dos projetos quanto a avaliação
do risco de crédito dos devedores (Eichengreen & Mody, 1999).
A adoção dos ratings externos como critério de adequação do capital reforçará a tendência
de diluição das fronteiras entre esses dois segmentos do mercado financeiro. Uma das dimensões
da globalização financeira será reforçada e, assim, as particularidades do mercado de crédito
bancário que contribuem para reduzir a volatilidade e o patamar dos spreads pagos por governos,
empresas e bancos dos países em desenvolvimento devem desaparecer. Outro efeito provável
dessa tendência será uma maior seletividade desse mercado. Várias empresas, com boa saúde
financeira e potencial de crescimento, que tinham acesso ao crédito bancário graças às relações de
longo prazo estabelecidas com os bancos, podem ser excluídas desse mercado por não serem
avaliadas pelas agências e, assim, não terem rating externo.
Também a adoção dos sistemas internos implicará um aumento significativo do requerimento
de capital para corporações classificadas abaixo de BBB, ou seja, não investment-grade. Em função
do método de cálculo dos requerimentos de capital no caso da adoção dos sistemas internos,
detalhado na proposta de 2001, haverá uma divergência significativa nos pesos de risco (e, assim,
no aprovisionamento de capital) entre tomadores investiment-grade (acima de BBB), concentrados
nos países centrais, e aqueles classificados como speculative-grade, como prevêem Griffith-Jones
& Spratt (2001).
Além dos efeitos, possivelmente perversos, sobre os fluxos de capitais para os países
periféricos, a adoção das novas regras possivelmente terá impactos sobre os sistemas bancários
domésticos, na medida em que o grau de internacionalização desses sistemas, especialmente dos
países latino-americanos, aumentou expressivamente nos últimos anos. Já há constatação, pelo
Bank for International Settlements (BIS, 2001, p. 48), que o crédito bancário contraiu-se em termos
reais na maioria dos países dos países latino-americanos.
Por outro lado, a adoção dos sistemas de riscos internos pelos grandes bancos internacionais
deve resultar numa intensificação do processo de internacionalização dos sistemas bancários
periféricos mediante fusões e, sobretudo, aquisições, de instituições locais de médio e pequeno
porte. Isso porque, em função do seu menor grau de sofisticação, enfrentarão uma competição
ainda mais acirrada dos grandes bancos, pois serão obrigados a utilizar, por um período de tempo
significativo, os ratings externos como critério de adequação de capital (como os bancos
internacionais de pequeno porte), o que demanda um maior aprovisionamento de capital do que
os sistemas de rating internos.
No caso específico das instituições de desenvolvimento, a aplicação do requerimento de
capital mínimo ponderado pelo risco representa um obstáculo adicional ao financiamento de certos
setores e atividades que necessitam de condições especiais, como são os casos das micro e pequenas
empresas e dos investimentos de pesquisa e desenvolvimento de inovação tecnológica.
brasileiro
180 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
às necessidades de financiamento da economia brasileira, com o necessário alongamento dos
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40 anos
prazos das aplicações financeiras e das operações de crédito.
Nessa seção, cujo propósito principal é o de discutir tal questão, o primeiro ponto
abordado é a reestruturação do sistema bancário público estadual, haja vista a relevância do
tema para o caso mineiro em particular. Segue-se uma análise da evolução recente do crédito
no Brasil, no que se inclui o papel do BNDES e algumas considerações sobre a TJLP e o
custo do financiamento. Foram feitas, também, algumas considerações sobre o mercado de
capital no Brasil, como uma das alternativas para o financiamento de longo prazo, enfatizando,
porém sua pequena dimensão, problemas e perspectivas de crescimento de sua importância.
No último item, procura-se resgatar os pontos principais das abordagens anteriores, como
forma de apresentar algumas reflexões sobre as perspectivas de financiamento de longo prazo
no Brasil.
O processo de ajuste do setor bancário público pode ser ainda melhor visualizado pelo
exame da TAB. 4, que apresenta a evolução do número de instituição e agências para as diferentes
categorias de bancos: privados, públicos e estrangeiros.
TABELA 4
182 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
5.3.2. A evolução recente do crédito no Brasil
BDMG
40 anos
O crédito bancário, que após a introdução do Plano Real expandiu às taxas crescentes, em
particular no segmento de pessoas físicas, entrou em trajetória de declínio, e posterior estagnação,
a partir de 1995.
Temendo as ameaças de contágio da crise mexicana, as autoridades monetárias optaram
por aumentar a já elevada taxa de juros básica da economia, o que aumentou sobremaneira a
inadimplência e implicou a adoção de uma postura de cautela dos bancos na concessão de crédito.
Embora o patamar dos juros tenha declinado desde então, com exceção do período de contágio
das crises asiática e russa em 1998 e 1999, continua bastante elevado para os padrões internacionais,
o que desestimula o endividamento das empresas e famílias, e inibe o investimento e o consumo.
Um dos aspectos que se destaca na análise do crédito bancário no Brasil é a sua magnitude
reduzida em comparação com outros países em desenvolvimento, em particular os do Sudeste
asiático e do Leste europeu. (TAB. 2). Isso significa que, se a economia retomar a trajetória de
crescimento, o crédito bancário destinado ao setor privado tem um grande espaço para expansão,
sem comprometer os limites de alavancagem dos bancos. Dados mais recentes mostram que o
crédito no País continua caro, escasso e de prazo reduzido. As operações de crédito do sistema
financeiro, correspondentes a 27% do PIB em julho de 2002, encontram-se praticamente estagnadas
nesse patamar há três trimestres (GRAF. 1).
GRÁFICO 1
Duas razões explicam o elevado custo do crédito no Brasil: o custo de captação bancária
dado o elevado patamar dos juros básicos da economia, e o alto spread bancário; o País se destaca
como aquele em que o diferencial entre a taxa de captação e a taxa de aplicação é um dos mais
elevados do mundo.
184 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
Ao mesmo tempo, houve recuperação nos financiamentos do Banco para alguns ramos da
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40 anos
indústria no âmbito de programas específicos direcionados para os setores industriais fragilizados
pelos processos de abertura externa e valorização, como calçados, têxtil e autopeças.
Posteriormente, em 1999, foram criados programas para indústria de software, equipamentos de
telecomunicações, exploração de petróleo e energia elétrica.
TABELA 5
TABELA 6
Ramos Industriais 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001
Papel,Celulose e Produto de Papel 9 4 5 5 3 2 2 1 5
Metalurgia Básica 6 4 4 6 5 4 5 7 7
Produto Alimentício e Bebida 9 9 14 9 8 6 8 5 8
Máquina e Equipamento 4 4 5 3 2 4 3 3 3
Veículo Automotor 1 2 3 3 1 4 7 7 5
Outros Equipamentos de Transporte 2 1 2 1 3 6 9 12 13
Refino Petróleo Coque e Álcool 1 1 3 2 1 1 1 0 0
FONTE: BNDES, elaborado a partir de Monteiro Filho (2002).
processos de privatização e de concessão de serviços públicos (TAB. 7). Foram criados programas
de financiamento diferenciados para os setores de transporte rodoviário, energia elétrica e
telecomunicações, de forma a atender as necessidades de recursos de cada setor, que são bastante
distintas entre si.
TABELA 7
186 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
TABELA 8
BDMG
40 anos
BNDES – DESEMBOLSO (1) POR MODALIDADE OPERACIONAL E NATUREZA DA EMPRESA EM %
TABELA 9
BNDES (TAB. 10). Instituído em 1990, é um fundo de poupança compulsória formado a partir
das contribuições do PIS/PASEP. Foi criado com o objetivo de financiar o programa de seguro
desemprego e incentivar projetos geradores de emprego. A Constituição de 1988, que havia
determinado a sua constituição, também estabeleceu que 40% dos novos fluxos de recursos desse
fundo fossem direcionados para o Banco. Além desses recursos, o funding do BNDES é composto
pelos recursos de retorno das operações realizadas e recursos captados no exterior. A captação no
mercado financeiro internacional mediante a emissão de títulos, embora crescente, corresponde a
13% dos recursos totais do Banco.
O BNDES também administra três fundos, cujas aplicações têm destinação predefinida, o
Fundo da Marinha Mercante (FMM), o Fundo Nacional de Desenvolvimento (FND), já comentado,
e o Fundo de Participação Social (FPS).
TABELA 10
Em suma, na segunda metade dos anos 90, o BNDES retomou sua função inicial de financiar
os setores de infra-estrutura, atualmente dominados sob a forma de concessão ao setor privado
pelas empresas de capital estrangeiro. Assim, essa instituição, que estimulou e sustentou não
apenas o processo de expansão dos setores de insumos básicos e infra-estrutura sob liderança das
empresas estatais, como também o aumento da presença das empresas de capital nacional na
cadeia produtiva, se converteu, nos anos 90, num agente fundamental do processo de desestatização
da economia brasileira. De forma secundária, o Governo reforçou a atuação de caráter
compensatório do BNDES, que passou a apoiar os setores fragilizados pela intensificação da
concorrência externa, bem como setores exportadores, diante da necessidade de redução do déficit
em transações correntes, que impõe sérios constrangimentos à política macroeconômica.
188 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
As taxas dos financiamentos do BNDES sempre foram mais baixas do que as instáveis e
BDMG
40 anos
muito elevadas taxas de juros de curto prazo vigentes na economia brasileira. Até o final de 1994,
os financiamentos do BNDES eram, em geral, regidos pela TR (Taxa de Referência), a mesma
taxa que serve como indexador das aplicações em depósitos de poupanças. Todavia, após o Plano
Real, o custo das linhas de crédito do BNDES foi alterado. Desde dezembro de 1994, o custo
básico das linhas FINAME e BNDES-automático é a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), que é
também a taxa de retorno dos recursos do FAT destinados ao BNDES.
Até dezembro de 1998, essa taxa correspondia à rentabilidade nominal média, em moeda
nacional, dos títulos da dívida pública externa (bradies) e interna, verificada no período
imediatamente anterior ao de sua vigência. O objetivo dos formuladores da TJLP era reduzir o
custo do financiamento interno de longo prazo. Definida a partir desses parâmetros, a TJLP passou
a ser fixada trimestralmente.
Até a crise da Rússia, em agosto de 1998, a TJLP apresentou uma tendência decrescente
(de 18,34% ao ano no trimestre março a maio de 1996, a TJLP declinou continuamente, alcançando
9,40% ao ano no final de 1997 em 9,4% ao ano). No segundo semestre de 1998, essa tendência
reverteu-se. Diante da deterioração das expectativas em relação à sustentabilidade da valorização
da taxa de câmbio, após a moratória russa, os investidores residentes e não-residentes iniciaram
um movimento de fuga de ativos brasileiros, que atingiu o mercado de títulos bradies. A elevação
abrupta da taxa de juros desses títulos contaminou a TJLP, que passou de 11,68% no trimestre
setembro-novembro de 1998, para 18,06% em dezembro daquele ano. Devido ao impacto da
crise cambial de janeiro de 1999, seria inevitável uma grande elevação adicional, o que só não
ocorreu porque a sistemática de cálculo da TJLP foi alterada.
Diante dos protestos dos setores produtivos contra a elevação abrupta da TJLP no final de
1998, o Conselho Monetário Nacional decidiu alterar a fórmula de cálculo dessa taxa. Os objetivos
da mudança foram os de evitar que o excessivo custo do financiamento interrompesse o fluxo de
investimentos na economia e amortecer as bruscas oscilações da taxa de longo prazo. Com a nova
fórmula, a TJLP foi fixada em 12,85% para o primeiro trimestre de 1999.
A Medida Provisória n.º 1.790, de 29/12/98, regulamentada pela Resolução do Conselho
Monetário Nacional n.º 2.587, estabeleceu que a TJLP deveria corresponder à média aritmética
simples da TJLP registrada nos 12 meses anteriores, multiplicada por 1,1, quando essa média for
inferior à taxa obtida a partir do método original. Dessa forma, a taxa tornou-se menos suscetível
à volatilidade das taxas de juros internas e externas.
Os níveis de taxas de juros dos financiamentos de longo prazo prevalecentes desde a criação
da TJLP até 1999 podem ser considerados excessivos em comparação com as taxas de retorno
esperadas para investimentos na economia real e muito acima das taxas que vigoravam em outros
países. Com efeito, tomando-se como deflator das taxas nominais o Índice Geral de Preços (IGP-
DI), as taxas reais médias dos financiamentos do BNDES nesse período foram, aproximadamente,
de 11% a 14%, para, respectivamente, operações diretas e operações indiretas, cujos spreads oscilam
em média entre 4,5% a 7,5%.
Em setembro de 1999, o Governo voltou, contudo, a alterar a metodologia de cálculo da
TJLP, que passou a depender das expectativas de inflação e do risco país. Com a mudança, a taxa
caiu de 14,05% para 12,05%. Na época, essa a mudança foi aprovada pelo mercado, pois conferiria
uma maior estabilidade na regra de fixação da TJLP.
O argumento utilizado era que do lado do componente expectativa de inflação, o Brasil
havia adotado o sistema de metas de inflação (inflation target) como guia para a política monetária
externa brasileira, este varia em função das avaliações por parte dos mercados financeiros e agências
de avaliação de risco internacionais. Somente em situações de crise aguda essas avaliações
apresentam flutuações acentuadas.
De fato, tal mudança promoveu a redução da TJLP, que atingiu no final de 2001 seu patamar
mais baixo 9,25%. Todavia, a inclusão do risco país no cálculo da TJLP recolocou o problema da
suscetibilidade dessa taxa às condições de liquidez internacional, as quais se tornaram adversas
para o Brasil em 2002, em conseqüência do agravamento da crise argentina e dos movimentos
especulativos dos mercados financeiros no contexto da sucessão presidencial.
Ademais, persistem, também após a última mudança do sistema de cálculo da TJLP, os
spreads elevados que incidem sobre ela para formar o custo final do financiamento de longo prazo.
Esse problema é da mesma natureza (embora não da mesma magnitude) do enorme diferencial
existente na intermediação bancária brasileira, entre as taxas básicas de curto prazo e as taxas
pagas por empresas e consumidores tomadores de financiamentos.
Adicionalmente, o custo final do financiamento do BNDES embute o risco cambial, pois
exige das empresas um compulsório sob a forma de um percentual de financiamento indexado à
cesta de moeda.3
3
Em 13/01/87, mediante a Resolução n.º 635, o Conselho Monetário Nacional definiu que os financiamentos concedidos pelo BNDES
com recursos captados no exterior teriam como indexador a média ponderada das variações cambiais de todas as moedas nas quais o
BNDES efetua captação no mercado internacional. Esse indexador, a Unidade Monetária do BNDES, tem sua composição alterada
sempre que o BNDES efetua novas captações externas e/ou amortiza as operações existentes (BNDES, 2002b).
190 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
A abertura financeira da economia brasileira teve como principal eixo a flexibilização da
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40 anos
entrada de capital estrangeiro no mercado brasileiro, mediante os investimentos de portfólio no
mercado doméstico, como destaca Prates (1999). Ele explica os impactos dessa mudança:
O grau de concentração dos negócios na Bovespa não diminuiu na década de 90, pois os
investidores estrangeiros adquiriram, essencialmente, ações de empresas estatais devido
à perspectiva de valorização após a privatização. Assim, a abertura financeira não
resultou num aumento do valor de mercado e da liquidez das ações das empresas
privadas, o que desestimulou a demanda dos investidores e a realização de novas
colocações pelas empresas. Foi criado um círculo vicioso, pois o pequeno volume de
emissões primárias implicou uma redução da participação relativa das ações dessas
empresas no mercado secundário, contribuindo para a concentração das negociações nos
papéis mais líquidos (Prates, 1999, p.54)
De igual modo, os processos de fusão e aquisição, com participação ativa de investidores
estrangeiros também contribuíram para desestimular os processos de aberturas de capital, pois os
controladores optaram, na maioria dos casos, por negociar o controle ao invés de abrir o capital.
Evolução recente
A partir de 1994, ocorreu uma contínua redução do número de emissões de ações, uma
tendência observada também no mercado de debêntures a partir de 1995. Isso significa que, em
princípio, houve um menor interesse na emissão de novas ações pelas empresas, o que pode ser
explicado pela baixa liquidez da maioria dos papéis e pelo fato das ações e debêntures concorrerem
no mercado com títulos públicos de renda fixa com remuneração atraente.
A dimensão reduzida do mercado de emissões primárias no Brasil não apenas compromete
o crescimento do mercado acionário, como também limita, de forma considerável, a possibilidade
de constituição e crescimento dos fundos de capital de risco, a despeito das iniciativas positivas
realizadas nesse sentido pelo Ministério de Ciência e Tecnologia, mediante a destinação de recursos
dos fundos setoriais para a constituição de fundos de capital de risco destinado ao financiamento
de empresas de base tecnológica, e pela FINEP em parceria com o SEBRAE.
A retração do mercado acionário brasileiro também pode ser comprovada pela redução no
número de empresas listadas, em 2001, na principal bolsa de valores do País, a BOVESPA, que, de
um total de 570 em 1991, possuía apenas 438 listadas.
4
Como assinala Ferreira (1995), o project finance não é meramente um financiamento concedido a um empreendimento, mas,
sobretudo, uma mudança no perfil de risco do projeto, tornando-o adequado aos padrões de risco de bancos e investidores.
192 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
Após o Plano Real, o BNDES continuou sendo o principal provedor de recursos de longo
BDMG
40 anos
prazo para a expansão e modernização do parque industrial e melhoria da infra-estrutura. A
expectativa de que a estabilização monetária seria acompanhada pelo desenvolvimento de um
mercado privado de crédito de longo prazo não se concretizou. A expansão dos bancos
internacionais no mercado doméstico ainda não repercutiu no crédito de longo prazo para
investimento industrial ou de infra-estrutura. O papel desempenhado por esses bancos, no
período recente, concentrou-se na captação de recursos no mercado internacional e ao
fornecimento de operações de hedge, cambial e de juros, para um período de até cinco anos,
porém a grande maioria desses contratos ainda permaneceu de um a dois anos.
As operações de repasse de recursos externos, sob o amparo da Resolução nº 63, por bancos
estrangeiros ou nacionais, incluem a variação da taxa de câmbio e da taxa de juros doméstica, esta
última muito elevada, e se circunscrevem a prazos muito curtos. De modo geral, as operações no
setor financeiro privado doméstico permaneceram predominantemente de curto prazo, no máximo
de 90 dias, com altas taxas de juros (atualmente da ordem de 20% a.a.) e o funding continuou
direcionado para o financiamento da dívida pública, com risco nulo (exceto em uma eventual
moratória). No que se refere às garantias, perpetuou a tradição da fiança bancária, que é inadequada
para projetos de longa maturação, com elevados custos.
Por sua vez, no mercado de capitais, as debêntures giraram em torno de 30% a.a. Não
foram e tampouco serão, num futuro próximo, um instrumento relevante para os projetos de
investimento industriais ou de infra-estrutura. O mercado de ações permaneceu altamente
concentrado em poucos papéis, e o número de empresas listadas em bolsa reduziu-se.
Conseqüentemente, o grau de alavancagem das empresas brasileiras permaneceu muito baixo, e o
investimento, quando ocorreu, no contexto de baixo dinamismo econômico, foi financiado, em
grande parte, pelas receitas próprias (autofinanciamento).
Com a nova Lei das Sociedades por Ações, a adoção de regras de governança corporativa e
a criação de novos segmentos de listagem na Bolsa de Valores, espera-se que, num cenário de
retomada de crescimento, o mercado acionário brasileiro possa se tornar uma alternativa efetiva
para as empresas em busca de recursos para viabilizar os seus projetos de investimento.
Na avaliação de vários economistas, a resolução do problema de financiamento de longo
prazo no Brasil passaria pela estabilidade duradoura da economia. Nesse contexto, as taxas de
juros cairiam, e os recursos hoje aplicados em títulos da dívida pública naturalmente seriam
canalizados para o financiamento de longo prazo.
Seguindo essa linha de raciocínio, a possibilidade de diversificação das fontes internas de
financiamento de longo prazo dependeria da redução das taxas de juros de curto prazo para um patamar
em torno de 7% a.a. em termos reais, para que os títulos de longo prazo pudessem ser remunerados a
uma taxa média entre 12% e 14% a.a. Apenas nessas circunstâncias determinando uma yield curve
positiva seria possível contar com as instituições financeiras e com os investidores institucionais no
financiamento de longo prazo e, portanto, da indústria e da infra-estrutura no Brasil.
Não há dúvida de que uma taxa de juros básica no patamar vigente nos últimos anos inviabiliza
não só a retomada do crescimento, como o financiamento, tanto de curto quanto de longo prazo,
dos diferentes setores da atividade econômica, bem como inibe o consumo das famílias. A
experiência histórica demonstra, contudo, que a dinâmica do mercado privado não cobrirá as
demandas financeiras impostas pelas necessidades do desenvolvimento econômico e social, mesmo
que em um contexto de yield curve positiva, exigindo, assim, um papel ativo das instituições públicas,
como fazem as diferentes instituições de fomento de diversos países desenvolvidos e em
desenvolvimento.
194 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
Em relação às micro e pequenas empresas, o acesso ao crédito público e privado e ao
BDMG
40 anos
mercado de capitais carece de indução ainda maior. Não basta simplesmente a criação de
linhas de crédito e fundos de aval. Para que os recursos efetivamente cheguem aos empresários,
é necessário criar estímulos diretos, o que exigiria uma ação direta e ativa por parte do Banco
Central e do Ministério da Fazenda.
É importante, ainda, ampliar o sistema de crédito paralelo ao sistema financeiro
tradicional, com entidades não-financeiras, tais como fundos de crédito, bancos do povo,
cooperativas de crédito, incubadoras de empresas, etc., que desenvolvesse sistemas de
microcrédito, por meio de organizações especializadas, com mecanismos de aval comunitário.
Já existem experimentos em curso nesse sentido em várias partes do País, com a participação
de instituições públicas, como é o caso do BDMG, Banrisul e do Banco Nossa Caixa, e que
devem ser ampliados.
196 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
Ao mesmo tempo, ficou estabelecido que as agências de fomento ou desenvolvimento
BDMG
40 anos
deveriam observar permanentemente o limite mínimo de capital realizado e patrimônio líquido
ajustado de R$ 4 milhões. Ademais, deveriam constituir, com recursos próprios, um fundo de
liquidez equivalente, no mínimo, ao resultado da ponderação dos seus ativos pelo risco
correspondente, o qual deveria ser mantido sob a forma de títulos públicos federais.
Em dezembro de 1998, a citada Resolução foi substituída pela de nº 2.574, cujas
principais alterações foram a supressão do termo agência de desenvolvimento (referindo-se,
assim, exclusivamente às agências de fomento) e a ampliação das atividades a elas facultadas.
Além de financiamento ao capital fixo e ao capital de giro associado, às agências de fomento
foram anexadas as funções de:
a) prestação de garantia, utilização de alienação fiduciária em garantia e de cédulas de
crédito comercial e industrial e cobrança de encargos nos moldes praticados pelas
instituições financeiras;
b) prestação de serviços de consultoria, agente financeiro e administração de fundos
de desenvolvimento.
O marco legal das agências de fomento foi novamente alterado em março de 2001, quando
da promulgação da Resolução nº 2.828, atualmente em vigor. A principal alteração foi torná-las
instituições financeiras integrantes do Sistema Financeiro Nacional. Outras mudanças introduzidas
por essa resolução referem-se às operações ativas facultadas às agências; à proibição de participação
societária no País ou no exterior, direta ou indireta, em instituições financeiras ou empresas coligadas
ou controladas pela unidade da federação; e à definição do fundo de liquidez.
Em relação às atividades operacionais, a Resolução nº 2.828 facultava às agências de
fomento:
a) realizar operações de financiamento de capital fixo e giro, associadas a projetos no estado
onde tenham sede;
b) conceder garantia na forma da regulamentação em vigor;
c) prestar serviços de consultoria e atuar como agente financeiro;
d) administrar fundos de desenvolvimento.
198 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
As externalidades, de fato, existem, pois, em geral, tais projetos geram retornos privados
BDMG
40 anos
inferiores ao retorno social, ou seja, para a sociedade esses projetos são desejáveis, apesar da
insuficiente rentabilidade privada ou financeira muitas vezes observada.
As imperfeições no mercado são resultado, principalmente, das assimetrias de informações
que implicam racionamento de crédito privado para agentes com insuficientes garantias ou com
pouco relacionamento com o agente financeiro, independente da qualidade do projeto. Esse
racionamento, com efeito, é mais severo para micro e pequenos empreendedores com boas
oportunidades de negócios.
Poder-se-ia argumentar que o BNDES pode remediar essas falhas de mercado não sendo,
assim, necessários agências ou bancos regionais de fomento. Por esse ponto de vista, haveria
uma duplicação ineficiente de estruturas federal e estaduais, ou seja, uma deseconomia de
escala. Contudo, esses argumentos não consideram possíveis vantagens das agências regionais
associadas à:
informações mais detalhadas sobre as potencialidades e carências regionais e desejos da
coletividade regional, enfim, sobre o impacto dos potenciais projetos no desenvolvimento;
maior habilidade no desenho de programas estratégicos regionais;
incremento da competição por fundos (federais, de instituições financeiras nacionais,
internacionais/multilaterais) entre as agências regionais que se instalam nos Estados.
Esse aumento na competição melhora a qualidade dos projetos, diversifica o risco para
os agentes repassadores e reduz a possibilidade de ingerências políticas sobre a aplicação
dos recursos dos repassadores para as agências e destas para os tomadores finais, uma
vez que a avaliação relativa de desempenho torna-se determinante na obtenção de
recursos;
menores valores mínimos para concessão de financiamento (atualmente o BNDES atua
em operações acima de R$ 10 milhões);
menor custo na aquisição de informações sobre os tomadores finais, avaliação de garantias,
enfim, na formação de um banco de dados com classificações de risco dos agentes,além
do relacionamento mais próximo com o tomador final. Em conseqüência, são menores
os custos de cobrança e níveis de inadimplência;
maior capacidade de alinhar as políticas de desenvolvimento nacional às regionais e de
coordenar os atores regionais, especialmente os empresários, o setor público municipal e
o terceiro setor;
direcionamento eficiente da poupança do setor público estadual, através dos fundos
estaduais administrados pelas agências de fomento seguindo as orientações dos governos
estaduais.
Somam-se a esses argumentos as transformações ocorridas no Sistema Financeiro Nacional,
já analisadas nas seções iniciais desse trabalho, o estrangulamento das finanças públicas,
especialmente nos Estados, e a privatização dos bancos comerciais estaduais, que retirou dos
Estados a capacidade de direcionamento direto de poupança privada.
Obviamente, essas vantagens dependem da gestão eficiente dessas agências, voltada para
maximização do bem-estar social, restringida ou limitada pelo seu equilíbrio financeiro. De fato,
ao contrário de alguns anos atrás, a existência de agências de fomento, e do BDMG em especial,
não é mais uma verdade absoluta e imutável, aceita inquestionavelmente pela sociedade e pela
5
Ver, a este respeito, Carraro (2002).
200 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
Programas para micro e pequenas empresas desenhados a partir do conceito de
BDMG
40 anos
aglomerações produtivas locais. Tais programas devem ser direcionados para as
aglomerações de maior potencial econômico e social, com o objetivo de promover o
desenvolvimento e reduzir as desigualdades regionais. Programas de microcrédito,
importantes na redução das disparidades de renda, também devem ser incentivados e
implementados em parcerias com organizações do terceiro setor. O BDMG, por exemplo,
já possui experiência de sucesso, nestes moldes, com o programa de crédito popular
CREDPOP.
Programas de incentivo à produção científica e inovação tecnológica direcionados para
projetos de maior potencial, como os projetos de incubadoras tecnológicas, de centros
de pesquisa e daqueles setores produtivos chaves no desenvolvimento regional: Percebe-
se que os atores envolvidos no processo de inovação (empresas, centros de pesquisa e
terceiro setor) devem trabalhar em conjunto, para que a produção científica se efetive em
inovações, sendo papel da agência de fomento a articulação da coordenação entre esses
atores. Adicionalmente, o desenho dos contratos de financiamento, nesse tipo de programa,
em virtude da grande incerteza associada, devem ser criativos, bonificando o sucesso
dos projetos para incentivar o esforço dos agentes envolvidos e criando mecanismos que
minimizem os riscos do emprestador.
Programas de apoio a projetos de infra-estrutura e meio ambiente: Nessas áreas, são
fundamentais as parcerias com o setor privado, com os municípios, Governo Federal e
agências multilaterais. A infra-estrutura (energia, telecomunicações, habitação popular,
transporte, logística e saneamento) e o meio ambiente têm, em geral, características de
bem público sendo, assim, necessária a intervenção do Estado na provisão direta ou
regulação da provisão privada. A agência de fomento pode participar no assessoramento
do poder concedente, no desenho de regulações adequadas e na estruturação financeira
dos projetos (Carrara, 2002). Portanto, em programas desse tipo, as agências de fomento
têm atividades que vão desde os estudos de viabilidade econômica (social e privada) do
projeto e estudos sobre mecanismos regulatórios, isto é, prestação de serviços ao poder
concedente, passando pela articulação de mecanismos de financiamento até a forma de
gestão pública, privada ou do terceiro setor da operação dos ativos infra-estruturais
instalados.
Prestação de outros serviços ao poder público estadual, ao setor privado e ao terceiro
setor, principalmente nas seguintes atividades: reestruturação de ativos e passivos de
empresas que enfrentam dificuldades conjunturais; análise de mercado para empresas;
assessoramento de fusões e aquisições; subscrições de títulos e ações; e, prestação de
serviços financeiros como gestão de ativos, recuperação de créditos, privatizações, serviços
de cobrança e outros (Carraro, 2002).
A economia mineira atravessa, como o restante do País, graves dificuldades, tais como
desemprego elevado e infra-estrutura econômica e urbana deteriorada. Além disso, tanto os
setores industrial e agropecuário precisam ser reestruturados com vistas à ampliação da
competitividade, seja no mercado interno, seja no mercado internacional.
Manter o caráter de instituição financeira do BDMG, nos termos da regulamentação
atual aplicável às agências de fomento, é essencial para que possa dar continuidade ao seu
objetivo precípuo de promover o desenvolvimento econômico e social. Dadas as limitações
orçamentárias e a Lei de Responsabilidade Fiscal, que inibem uma atuação direta do Governo,
essa é uma condição fundamental para que se possa estimular o financiamento de médio e
longo prazo e, dessa forma, atrair novos investimentos, visando o aumento da competitividade
e a redução das disparidades sociais e regionais.
Não parece crível que a implementação de políticas de fomento nos Estados possa
estar em contradição com os objetivos definidos em âmbito nacional, a despeito das
especificidades locais e regionais. O próprio BNDES tem programas regionais que buscam
atender a tais especificidades. No caso particular de Minas Gerais, cabe ao BDMG tornar-se
o agente financeiro preferencial para repasse de tais recursos.
Embora não possua a capilaridade de instituição financeira privada, o BDMG tem
conhecimento profundo das necessidades e das especificidades locais. Nesse sentido, poderia
ampliar sua atuação através de parcerias com cooperativas e associações empresariais, de
modo a atender as demandas por financiamento em qualquer localidade do Estado, por mais
remota que seja. Levar o Banco até os clientes potenciais é uma estratégia que pode ser
adotada, como meio de ganhar capilaridade, agilidade e de democratizar o acesso aos serviços
e produtos.
O Estado de Minas Gerais, em particular o BDMG, já avançou em muitos pontos aqui
mencionados. Em outros, a atuação do Estado é incipiente ou inexiste. Diante do novo papel
das agências de fomento, analisam-se a seguir as funções e atividades já exercidas pelo BDMG
e aquelas que merecem maior atenção indicando, no último caso, as principais linhas de ação.
202 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
TABELA 11
BDMG
40 anos
BDMG - FINANCIAMENTOS E IMPACTOS DOS PROJETOS FINANCIADOS PELO BDMG
NO PERÍODO 1963-2002* (R$ MILHÕES - SET./2002)
6
Destacam-se o PRODECER II e os vários financiamentos aos setores siderúrgico e sucro-alcooleiro com aval da Siderbrás e do
Instituto do Açúcar e Álcool.
204 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
Realização e financiamento de estudos para subsidiar a atuação do BDMG e do Governo
BDMG
40 anos
de Minas Gerais. Estudos amplos, como este, e periódicos, como o Cadernos BDMG,
incentivam a produção científica do Estado e subsidiam as ações do BDMG e do Governo.
O BDMG historicamente tem cedido pessoal de alta capacidade técnica para posições
chave do Governo Estadual. Atualmente, também participa da formação de pessoal
técnico qualificado para o Estado de Minas Gerais através do Programa Altos Estudos
BDMG, direcionado aos quadros técnicos do Estado.
TABELA 13
Nesses setores, foram aprovadas, entre 1998 e 2002 mais de 120 operações de financiamentos
acima de R$ 1 milhão, para empresas que formam a base produtiva do Estado.
I. Modelo Institucional
A primeira definição diz respeito à transformação em agência de fomento e do momento de
efetivar essa mudança. Em termos práticos, para transformação do BDMG em agência de fomento
são necessárias apenas a deliberação da Assembléia de Acionistas e a efetivação do acordo com a
STN para receber os recursos do fundo de liquidez, que lhe será garantido na efetivação do seu
novo modelo institucional. É fundamental, como mencionado, seu funcionamento como instituição
financeira, sendo desejável a manutenção da proibição de captação junto ao público e acesso a
empréstimos de liquidez do Banco Central. As operações no mercado interbancário, como
emprestadora líquida, e na emissão de títulos de longo prazo para instituições que demandam
esse perfil de aplicação (fundos de pensão e bancos de investimento), atualmente não-autorizadas
pelo Banco Central, podem gerar recursos indispensáveis à atuação da agência de fomento.
206 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
III. Definição da Estratégia de Negócios
BDMG
40 anos
As agências de desenvolvimento enfrentam um dilema estrutural, pois têm que apoiar
segmentos não-atrativos ao setor privado e, ao mesmo tempo, manter o equilíbrio financeiro. Com
efeito, devem buscar recursos em algumas áreas e aplicá-los de forma prudente em outras. A partir
desse dilema, deve-se construir a estratégia do BDMG para o futuro.
A partir do que o Banco vem fazendo e das novas funções das agências de fomento elencadas
previamente, apresentam-se, a seguir, sugestões de linhas de ação que o BDMG deve buscar:
Por tudo isso, conclui-se que as agências de fomento, em especial o BDMG, serão atores
fundamentais nesse novo cenário em que o desenvolvimento sustentável é o objetivo a ser alcançado.
O BDMG, como exposto, está preparado para esse desafio, pois muitas das funções desejáveis
para as agências de fomento já são realidade na agência mineira. Cabe, portanto, ampliar essas
ações e implementar outras que colocarão Minas Gerais no caminho do desenvolvimento
sustentável.
208 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
BDMG
40 anos
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214 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
40 anos
BDMG
MINAS GERAIS DO SÉCULO XXI
VOLUME IX
TRANSFORMANDO O PODER
PÚBLICO: A BUSCA DA EFICÁCIA
POSFÁCIO
(D.PE / BDMG)
Departamento de Planejamento, Programas e Estudos Econômicos do BDMG
Posfácio 215
40 anos
BDMG
216 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
40 anos
BDMG
Posfácio
Difícil encontrar adjetivos para qualificar a situação das finanças estaduais. Há bom
tempo, o Estado encontra-se em situação de paralisia, sem capacidade de executar
minimamente suas funções. Essa situação não pode ser creditada a um único governo,
pois é resultado de desequilíbrios que atravessam anos, possivelmente décadas. A questão
previdenciária, por exemplo, cerne dos problemas atuais das finanças estaduais, levou
anos para emergir. De todo modo, chega um momento em que a situação de inércia
torna-se insustentável. Atingimos.
De fato, o peso da dimensão financeira a coloca como fator mais urgente da
necessidade de uma reforma do Estado. Assim, a crise fiscal vivenciada em vários estados
e no governo federal vem sendo comumente apresentada como a principal justificativa
para uma reforma do Estado. Entretanto, advoga-se aqui que, embora importante e
urgente, pois evidencia os problemas imediatos, a crise fiscal não é o único elemento.
Não basta ao Estado, nos níveis federal, estadual e municipal, ajustar suas contas e
permanecer com os mesmos modos de organização e gestão. Nem tampouco seria suficiente
promover reformas institucionais com o propósito único de sanear as finanças públicas. O
papel do Estado mudou nas últimas duas décadas e sua forma de operar deve, portanto,
ser repensada. Já foi dito, em outros estudos que compõem este volume, que visões que
tentam contrapor o Estado-empresário principal ator do desenvolvimento ao Estado
minimalista estão equivocadas, pois são insuficientes para analisar e propor saídas para
os problemas de hoje.
O Estado tem fundamental papel a desempenhar na economia, nas políticas sociais,
enfim, na promoção de ações que possam elevar a qualidade de vida. A questão que se
coloca é como o Poder Público deve fazer para alcançar seus objetivos. Às unidades
federativas, em particular, essa questão é de mais difícil resposta, haja vista a crise de
identidade vivenciada nos últimos 15 anos. O emparedamento dos estados entre União
e Municípios é real, pois, em larga medida, a primeira centraliza a arrecadação e o
segundo executa as políticas.
Mas o Governo Federal, nesse país-continente, não é capaz de reconhecer os desejos
da coletividade das diferentes regiões, e os municípios, de todos os tipos e tamanhos,
com interesses próprios e locais, não têm habilidade suficiente para executar políticas
regionais, principalmente aquelas que abrangem um conjunto deles e que requerem
coordenação para alcançarem eficácia. As políticas sociais são um claro exemplo de
como a ausência de coordenação pode levar a resultados indesejáveis. Se um único
município adota políticas compensatórias, habitacionais, educacionais ou mesmo de saúde,
eficazes, possivelmente haverá uma imigração descoordenada que comprometerá tais
políticas. O resultado é previsível e pode ser observado atualmente: nenhum município
tem incentivos para investir suficientemente em políticas sociais. O papel da unidade
federativa, portanto, é fundamental. Só ela é capaz e tem legitimidade para coordenar
municípios, em especial nas regiões metropolitanas, aproveitando as economias de escala
de vários serviços públicos e, o mais importante, incentivando os municípios a investirem
coordenadamente em políticas sociais.
Posfácio 217
De fato, a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) foi apresentada neste
40 anos
BDMG
1
Ver, no capítulo 3 deste volume, TAB. 2, a estrutura e evolução das receitas e despesas do Estado, no período recente.
218 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
Custeio, ressalte-se, não é somente gastos com cafezinho ou viagens desnecessárias, como
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comumente é apresentado, mas está relacionado com tudo aquilo que a máquina publica precisa
para operar as políticas públicas sob sua responsabilidade. Entretanto, em processos de ajuste
fiscal, normalmente, constitui a variável mais fácil para se impor os cortes. Afinal, não existem
restrições legais, e os ônus políticos são mais baixos. Considerando as restrições orçamentárias
atuais e os poucos recursos disponíveis para investimentos, bem como o papel que tem sido
atribuído ao Estado nas suas relações com a sociedade, mais como regulador e coordenador das
atividades econômicas do que executor de obras, os gastos com custeio adquirem papel
essencial nas suas tarefas, tanto quanto os investimentos, podendo potencializar seus resultados,
se manejados com o foco no aumento da eficiência e da qualidade do gasto público.
Além do custeio, fala-se muito em reduzir os atuais encargos da dívida, que consomem
13% das receitas correntes líquidas, através de uma renegociação com o Governo Federal.
Pleito certamente justo, uma vez que existem margens para negociação de alguns pontos do
Acordo, mas claramente insuficiente para equilibrar as contas públicas estaduais, pois, mesmo
se os gastos com pagamentos relacionados à dívida deixassem de existir, o déficit nas contas
públicas permaneceria. Enfim, não adianta mais buscarmos aquelas soluções que vêm sem
ônus no curto prazo, sem esforços conjuntos, sem coragem.
Em uma reforma estrutural do Estado, impõem-se duas frentes de atuação: gestão e
previdência. Qualquer reforma duradoura da máquina pública tem que passar por um choque
de gestão e uma reforma previdenciária. Choque de gestão não é apenas melhorar o que vem
sendo feito, mas fazer o que deve ser feito da melhor forma possível. Precisamos implementar
o novo papel do Estado, identificar o que lhe cabe na missão do desenvolvimento e redesenhar
a máquina pública mineira. Não é pouca coisa, e um ponto importante refere-se à estrutura
institucional do Estado.
A máquina pública estadual, atualmente, é composta por um grande número de secretarias,
órgãos autônomos, conselhos, além de várias entidades da Administração Indireta e empresas.2
De fato, algum esforço de racionalização da máquina estadual vem sendo implementado, com
maior ou menor intensidade ao longo do tempo, incluindo privatização de algumas empresas e
federalização de outras. Mas, para uma estrutura que historicamente foi sendo construída e
reconstruída sem um princípio norteador, com a criação de órgãos a cada nova demanda que
surgia, muito falta para ser feito. Não se trata, reitera-se, de uma questão apenas financeira. A
eficácia do governo de Minas depende de uma profunda revisão de sua estrutura, com base no
apontamento do que realmente é tarefa do Estado. Nesse contexto, inclui-se a necessidade de
dotar as entidades de maior flexibilidade para atender às novas demandas da sociedade que
surgem em velocidade cada vez maior.
Afinal, conforme afirmado no estudo específico sobre o tema, organizações públicas não
podem ter o dom da imortalidade, que acabam adquirindo, pela inércia ou descaso das
administrações ou, simplesmente, em virtude dos custos políticos de extinção. São instrumentos
criados para atender demandas determinadas pela sociedade. Essas têm sua existência justificada
enquanto durarem as necessidades para as quais foram criadas. Mas, se as necessidades mudam
ou deixam de existir, ou podem ser mais bem cumpridas pelo setor privado ou organizações não
governamentais e, além disso, se os diversos órgãos não se reciclam e não conseguem adquirir
capacidade para exercer outras funções públicas, não há razões para mantê-las da forma em que
estão.
2
Ver, no capítulo 2 deste volume, a descrição e um breve levantamento sobre a situação atual da máquina pública
mineira.
Posfácio 219
Revigorar o planejamento é condição essencial para o realinhamento da máquina pública,
40 anos
BDMG
mas em moldes distintos dos que vêm vigorando. De pouco adianta planos abrangentes, com
vasta lista de necessidades ou carências, sem estudos de viabilidade técnica e econômica que os
sustente e sem um eficiente sistema de implementação e acompanhamento. O planejamento pode
ser mais eficaz, conforme demonstram outras experiências, se baseado em programas estratégicos,
com objetivos delimitados e mensuráveis, previsão de recursos e mecanismos de avaliação dos
resultados.
Mas, para que qualquer medida tenha resultado, a administração direta, as secretarias em
particular, devem recuperar sua função coordenadora e integradora dos sistemas operacionais que
compõem a máquina pública. Isso, de maneira alguma, representa perda de autonomia para os
órgãos da Administração Indireta.
O estabelecimento de contratos de gestão explícitos entre as secretarias e seus órgãos
vinculados, com metas passíveis de verificação e mecanismos que estimulem os esforços das
pessoas envolvidas, mantém a autonomia de uma gestão responsável. Cada instituição do Governo
Estadual deve justificar sua existência para a sociedade através de avaliações constantes de seus
resultados vis-à-vis as metas estabelecidas.
Existem, é verdade, entraves legais e institucionais à adoção dessas medidas, em função,
principalmente, da rigidez da política de recursos humanos, que não premia resultados. Esse ponto
figura-se, assim, como um grande desafio, exigindo discussões e encaminhamentos políticos visando
superá-lo. É preciso reconhecer que esse não é um esforço isento de pesados custos políticos, do
que não se pode esperar resultados no curto prazo. Mas o principal entrave é cultural. A inércia
vigente na máquina pública mineira deve ser interrompida, sob pena de esta e as futuras gerações
perderem o orgulho de serem mineiras.
A outra frente de atuação no contexto de uma reforma estrutural do Estado refere-se à
Previdência dos servidores públicos, que, conforme demonstrado pelos estudos que compõem
este volume, é o nó górdio das finanças públicas estudais. Trata-se, entretanto, do problema de
mais difícil solução.
De fato, conforme abordado no estudo que trata deste tema3 , a previdência dos servidores
públicos tem sido a principal questão com que estados, municípios e governo federal têm se
defrontado nos últimos anos. Por um lado, ela representa um grande avanço do Estado no aumento
do bem-estar da população, mas, por outro, o vilão das contas públicas, responsável pela redução
dos gastos com investimentos e estrangulamento do orçamento. Em Minas Gerais, os números
mostram que quase 32% da receita corrente líquida está comprometida com gastos com inativos,
e a tendência é de que a situação se agrave nos próximos anos.
A situação da previdência mineira, tal como na União e em outros estados, traduz um
quadro em que a aposentadoria foi, na maior parte das vezes, entendida como uma extensão do
salário do funcionário ativo e cujo caráter contributivo foi relegado a um segundo plano. Em
Minas Gerais, por exemplo, as primeiras contribuições de caráter previdenciário ocorreram somente
a partir do final dos anos 80. Além disso, a concepção dos proventos da aposentadoria como
salário está na origem de conceitos como a sua vinculação aos salários dos servidores ativos e na
própria forma de apresentação dos demonstrativos de gastos com pessoal do Estado, que incluem
os gastos com inativos como uma de suas rubricas.
3
Ver seção 3.2 do capítulo 3 deste volume.
220 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
Vários outros argumentos foram alinhados no estudo específico como indicativos e
40 anos
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justificativas da necessidade premente de se promover a reforma da Previdência dos
servidores públicos, em todos os níveis de governo. Um deles diz respeito à magnitude da
necessidade de financiamento do sistema, que apresenta, atualmente, um déficit expressivo.
Nos estados, incluindo Minas Gerais, a necessidade de financiamento chega a 1,5% do
PIB; nos municípios, 0,5%, e na União, 2,4%, totalizando, assim, um montante equivalente
a 4,3% do PIB que vêm sendo financiados com recursos do Setor Público, para completar
os recursos originários das contribuições. Por outro lado, no sistema previdenciário do
setor privado, com cerca de sete vezes mais beneficiários, o déficit é de 1,2% do PIB.
Esses dados são, antes de tudo, resultado da grande desproporção entre salários e
aposentadorias dos dois regimes, pois enquanto no setor público uma aposentadoria
equivalente a 100% do último salário, no setor privado esse percentual é de 70%. Adiciona-
se, ainda, que a estrutura de concessão do benefício no regime público é pautada no
salário do servidor e não em sua contribuição previdenciária.
Outra justificativa, já relacionada ao caso específico de Minas Gerais, é a
desproporcionalidade entre o salário de inativos e ativos, de aproximadamente 56%.
Além disso, com uma expectativa de vida sempre crescente e uma idade média de
aposentadoria hoje em torno de 51 anos, estima-se que em 2012 o sistema de Previdência
mineiro presencie sua pior crise, com a relação entre ativos e inativos no serviço público
alcançando seu nível mais baixo.
Desse modo, equacionar a questão da Previdência significa, para a população de
modo geral, a possibilidade de proporcionar melhores condições de financiamento e
novos investimentos para o Estado, e de um Estado que tenha recursos para executar suas
atividades básicas. Representa, além disso, a garantia, para aqueles que se aposentam, de
que receberão de fato suas aposentadorias. Para os atuais servidores ativos, representa a
possibilidade de se aposentarem, futuramente, em condições dignas e garantidas e a
possibilidade de planos de carreira ajustados à importância e funcionalidade das diferentes
categorias profissionais. Com uma população total de, aproximadamente, 17,8 milhões e
460 mil servidores públicos, entre aposentados e ativos, é essencial que esta parcela de
2,6 % de servidores públicos esteja consciente de que sua aposentadoria deveria ser mais
um resultado de seu esforço contributivo do que um ônus a ser distribuído por toda
sociedade mineira.
Minas Gerais se insere dentro de um contexto nacional, no qual a questão de
reforma da Previdência pública passa por mudanças fora de seu controle direto, incluindo
alterações constitucionais, sendo as mais importantes delas a vinculação do salário de
ativos e inativos, a idade mínima e a flexibilização das contribuições. Complementarmente,
o Governo Estadual deve encontrar mecanismos que atenuem o problema ou que,
principalmente, não o agrave.
Frente a uma situação como essa, é fundamental que se desenhe, o mais rápido
possível, alternativas para um equacionamento da questão. Adiar uma solução pode
representar o custo político de servidores sem aposentadorias e/ou um Estado sem recursos
financeiros para a execução de suas atividades básicas. Essa reforma se apresenta, assim, como
inevitável para qualquer governante que pense na possibilidade de realizações substantivas, em
que pese o ônus político das reformas necessárias.
Por fim, uma característica que deve permear o Governo Estadual, os Poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário, é a transparência. A sociedade tem o direito de estar sempre esclarecida
Posfácio 221
das reais condições, metas e realizações daqueles que estão ali para servi-la. A população, quando
40 anos
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bem informada, entende e apóia medidas que permitirão uma melhor qualidade de vida para os
mineiros no futuro. Nesse desenvolvimento, missão de todos, é missão de todos os mineiros lutarem
pela eficácia da máquina pública. E os instrumentos, não é necessário dizer, existem.
Essas são, assim, condições essenciais para permitir ao Estado cumprir de forma eficaz sua
suas várias tarefas na busca do maior desenvolvimento do Estado, conforme levantado nos vários
volumes deste estudo.
Por fim, um depoimento sobre o BDMG, instituição que teve a coragem de realizar o
Diagnóstico da Economia Mineira, em 1967 e, outro documento similar, em 1989. Nos reservamos,
aqui, o direito de, pela primeira vez nas mais de 2 mil páginas que compõem este estudo, não
sermos isentos. Dos estudos citados, surgiram muito mais que idéias, surgiram também pessoas
que contribuem para o desenvolvimento do nosso Estado.
O BDMG, como a maioria das instituições do Estado, passou por sérios problemas, que
vieram à tona no final da década de 1990. Foi capaz, contudo, de se reestruturar, sair de uma
situação de potencial liquidação para alcançar o equilíbrio financeiro atual. Sensibilizamos o
Governo Estadual e o Governo Federal quanto à importância desta instituição, o que, aliás, foi
também analisada neste volume. Estamos reformulando a instituição dentro dos mais modernos
princípios de gestão de negócios. Muito falta a ser feito. Mas a mensagem que fica é de esperança.
Se conseguimos avançar, com trabalho, competência e coragem, é possível ao Estado seguir
caminho semelhante, caminho que colocará Minas nos trilhos do desenvolvimento.
222 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia
MINAS GERAIS DO SÉCULO XXI
40 anos
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Patronos
Frederico Penido de Alvarenga - Secretário de Estado do Planejamento e Coordenação Geral - SEPLAN
José Augusto Trópia Reis - Secretário de Estado da Fazenda - SEF
Mauro Santos Ferreira - Secretário de Estado de Recursos Humanos de Administração - SERHA
Murilo Paulino Badaró - Presidente do Banco de Desenvolvimento S.A. - BDMG
Consultor Especial
João Camilo Penna
Consultores Orientadores
Antônio Barros de Castro
Caio Márcio Marini
Clélio Campolina Diniz
João Carlos Ferraz
Luis Aureliano Gama de Andrade
Paulo Roberto Haddad
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Evando Mirra de Paula e Silva
40 anos
BDMG
O Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais S.A. BDMG, agradece a todos aqueles que, de forma direta e indireta,
contribuíram para o enriquecimento da obra Minas Gerais do Século XXI, através de suas participações em Workshops e
no Seminário de Integração.
Agradece ainda, a todas as Instituições públicas e privadas, que auxiliaram na construção dos diversos volumes que
compõem este Estudo.
224 Minas Gerais do Século XXI - Volume IX - Transformando o poder público: a busca da eficácia