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Coesão textual
Um texto será coeso se as suas diferentes partes constitutivas estiverem articuladas e interligadas, garantindo a sua unidade semântica. A
coesão textual pode ser assegurada através dos seguintes mecanismos linguísticos:
— cadeias de referência;
— repetições;
— substituições lexicais;
— conectores interfrásicos;
— compatibilidade entre informações temporais e aspectuais.
Cadeias de referência
Estamos perante uma cadeia de referência quando, num texto, há um ou vários elementos textuais sem referência autónoma. A sua
interpretação está, por isso, dependente de outra expressão presente no texto.
(1) Amava, amava as mulheres com sensualidade, estima e ternura. Sinceramente me julgava, perante elas, um sensual, um sentimental e um
idealista. Decerto me não tinham inspirado grande ternura ou respeito as que até então fisicamente amara. Mas até essas, não pudera amar
(amar da maneira que qualifiquei) sem uma ponta de afectividade e umas veleidades de moralista regenerador. (J. Régio, O Vestido Cor de
Fogo)
A expressão nominal as mulheres e os pronomes elas, as e essas, tal como a elipse do pronome pessoal elas antes do complexo verbal
tinham inspirado, formam uma cadeia de referência, uma vez que o referente dos pronomes é o mesmo do da expressão nominal. Todas as
expressões reenviam para a mesma entidade extralinguística.
Podem integrar as cadeias de referência as anáforas, as catáforas, as elipses e a co-referência não anafórica.
Anáfora: expressão cuja interpretação depende de uma outra expressão presente no contexto verbal anterior.
(2) Ao longe, no alto mar, há ainda o exercício da pesca. Há lá homens. Não os vejo. (V. Ferreira, Até ao Fim)
O pronome pessoal oblíquo os remete para uma expressão referida anteriormente no discurso (homens), sendo, por isso, uma anáfora.
Catáfora: expressão cuja interpretação depende de outra presente no contexto verbal que vem imediatamente depois.
3) Com o meu irmão tudo foi diferente, sabe, as mulheres preferem-nos, aos filhos. (A. P. Inácio, Os Invisíveis)
O pronome pessoal os (nos) remete para uma expressão que aparece posteriormente no discurso (os filhos), sendo, por isso, uma catáfora.
Elipse: omissão de uma expressão recuperável pelo contexto, evitando assim a sua repetição.
Co-referência não anafórica: existe co-referência não anafórica quando duas ou mais expressões linguísticas remetem para o mesmo
referente, não havendo dependência referencial de uma em relação a outra(s).
(6) A morte de Raul Vilar foi muito lamentada. Todos os jornais consagraram longos artigos ao grande escultor. (M. Sá-Carneiro, Loucura)
Tanto Raul Vilar como grande escultor remetem para a mesma personagem. No entanto, ambas as expressões têm referência autónoma.
Coesão lexical
Repetição: por não ser possível a sua substituição, a repetição da mesma unidade lexical ao longo do texto pode revelar-se necessária para a
coesão do texto.
(7) Professor riu. Assim passaram a manhã, Professor fazendo a cara dos que vinham pela rua, Pedro Bala recolhendo as pratas ou os níqueis
que jogavam.(J. Amado, Capitães da Areia)
Neste exemplo, a repetição do nome Professor é necessária para evitar a ambiguidade.
Substituição lexical: para evitar repetições desnecessárias, pode substituir-se uma unidade lexical por outras que com ela mantenham
relações semânticas de sinonímia (8), antonímia (9), hiponímia e hipernonímia (10).
(8) O treinador referiu que o jogo correu bem. Disse ainda que estava orgulhoso da sua equipa.
(9) A maior parte das vítimas de violência doméstica são mulheres. Os homens, quando agredidos, raramente denunciam a situação.
(10) Na semana passada, encontrei um gatinho. O animal estava cheio de fome e sede.
Coesão interfrásica
A coesão de um texto depende da interdependência semântica entre as frases que o constituem, podendo ser assegurada através de
diferentes tipos de conectores.
Desempenham a função de conectores palavras ou expressões que asseguram a ligação significativa entre frases/orações ou partes do texto,
especificando o tipo de conexão existente (causa, tempo, contraste...). Assim, estes elementos são pistas linguísticas que guiam a
interpretação do leitor ou ouvinte.
11) Quem tem a bola é o João. É ele quem vai marcar a grande penalidade.
Sem o conector, são possíveis várias interpretações, por isso a sua utilização é importante para conduzir a interpretação do leitor / ouvinte, tal
como se pode verificar nos exemplos seguintes:
(11 a) Quem tem a bola é o João, porque é ele quem vai marcar a grande penalidade.
(1 l b) Quem tem a bola é o João, por isso é ele quem vai marcar a grande penalidade.
Enquanto em (1l a) o conector introduz uma relação de causa, em (ll b) introduz uma relação de consequência.
Para Usa-se
…articular ideias de contraste, oposição, restrição Mas, porém, todavia, contudo, no entanto, apesar de, ainda que, embora, mesmo que,
por mais que, se bem que…
…adicionar e agrupar elementos e ideias E, além disso, e ainda, não só…mas também / como ainda, bem como, assim como,
por um lado…por outro lado, nem… nem…
…introduzir uma conclusão a partir da ideia Pois, portanto, por conseguinte, assim, logo, enfim, concluindo, em conclusão…
principal
…resumir, reafirmar Por outras palavras, ou seja, em resumo, em suma…
…exemplificar Por exemplo, isto é, ou seja, é o caso de, nomeadamente, em particular, a saber,
entre outros…
…comparar Como, conforme, também, tanto… quanto, tal como, assim como, pela mesma
razão…
…indicar uma consequência Por tudo isto, de modo que, de tal forma que, daí que, tanto… que, é por isso que…
…dar uma opinião Na minha opinião, a meu ver, em meu entender, parece-me que, do meu ponto de
vista…
…exprimir dúvida Talvez, provavelmente, é provável que, possivelmente, porventura…
…insistir nas ideias já expostas Com efeito, efectivamente, na verdade, de facto…
…esclarecer, explicar uma ideia Quer isto dizer, isto (não) significa que, por outras palavras, ou antes, isto é, ou
melhor…
…organizar as ideias por ordem sequencial Em primeiro lugar, num primeiro momento, antes de, em seguida, seguidamente,
(tempo ou espaço) depois de, após, até que, simultaneamente, enquanto, quando, por fim, finalmente, ao
lado, à direita, em cima, naquele lugar…
…introduzir raciocínios que apresentam a Com o intuito de, para, para que, a fim de, com o objectivo de, de forma a…
intenção, o objectivo com que se produz o que é
descrito anteriormente
…anunciar uma ideia de causa Pois, pois que, visto que, já que, porque, dado que, uma vez que, por causa de…
…indicar uma hipótese ou condição Se, caso, a menos que, salvo se, excepto se, a não ser que, desde que, supondo
que…
…exprimir um facto dado como certo Com certeza, naturalmente, é evidente que, certamente, sem dúvida que…
…evidenciar ideias alternativas Fosse… fosse, ou, ou… ou, ora… ora, quer… quer
Coesão temporo-aspectual
Para que um texto seja temporalmente coeso, tem de existir compatibilidade entre informação sobre a localização temporal (expressa
sobretudo pelos tempos verbais) e informação aspectual (exprime o ponto de vista do enunciador relativamente à situação expressa pelo
verbo, apresentando o modo como decorre essa situação). Para que essa coesão se verifique, são necessárias as seguintes condições:
COERÊNCIA TEXTUAL
A coerência de um texto é assegurada por um conjunto de mecanismos linguísticos que fazem dele um todo com sentido, permitindo
ao interlocutor compreendê-lo e interpretá-lo correctamente. Para isso o texto deve:
dar informações que estejam conformes ao mundo real;
apresentar situações relacionadas entre si e ordenadas logicamente, segundo uma estrutura adequada;
respeitar a relação entre o significado das palavras que constituem as frases; respeitar as regras sintácticas (ex. pessoa verbal,
concordância e conectores adequados);
não apresentar contradições que lhe retirem a coerência (ex. Cresci imenso, os ténis do ano passado ficam-me grandes.).
COESÃO e COERÊNCIA - exercícios
1. O texto seguinte aparece baralhado. Trata-se do primeiro parágrafo de uma crónica do humorista Ricardo Araújo Pereira, “Comédia
de investigação”, a propósito do estatuto dos Açores.
Ordena-o respeitando a sequencialização das ideias. Atenta também nos termos anafóricos sublinhados em d. e. e f. que, remetendo
para antecedentes, te ajudam a organizar o texto.
a. É mais útil do que o jornalismo de investigação porque, na maioria das vezes, Portugal é mais fácil de compreender por intermédio
da comédia do que do jornalismo.
b. O leitor conhece, de certeza, o jornalismo de investigação.
c. Pois bem, eu proponho encetar hoje um novo género na nossa comunicação social: a comédia de investigação.
d. Mas o certo é que já ouviu falar dele.
e. É o que acontece, parece-me, no caso do estatuto politico-administrativo dos Açores.
f. É possível que o conheça apenas de vista, porque actualmente ninguém o pratica.
Esgalhada e seca, os seus frutos eram cadáveres ou corvos. Ninguém se lembrava que tivesse dado folhas nem flor, a árvore
enorme que havia séculos servia de forca.
3. Reescreve o texto seguinte, utilizando os mecanismos mais adequados para lhe dar coesão.
A palmeira mais conhecida possui folhas que se abrem exactamente no tronco da palmeira, semelhantes aos dedos de uma
mão aberta. Mas existem mais de mil espécies de palmeiras e nem todas as palmeiras são árvores. Algumas palmeiras são
arbustos e outras palmeiras são trepadeiras. A maioria das palmeiras cresce em climas quentes.
As palmeiras são plantas úteis. Fabricam-se tapetes e cestos com as folhas das palmeiras.
4. O texto que se segue é um excerto de uma história da escritora angolana Maria Eugénia Neto. Dirigindo-se a todos os animais da
floresta, o leão resume a história da Terra, referindo o aparecimento do Homem.
Ao texto foram retirados os conectores seguintes, que deverás colocar nos respectivos lugares.
9. Lê o texto abaixo apresentado e, tendo em atenção as relações estabelecidas entre os elementos linguísticos, indicadas entre
parênteses, completa os espaços com conectores apropriados, de modo a tornar o texto coeso.
O Português é um misto de sonhador e de homem de acção, ________ (alternativa) melhor, é um sonhador activo a que não falta certo
fundo prático e realista. A actividade portuguesa não tem raízes na vontade fria, ________ (oposição) alimenta-se da imaginação, do
sonho, ________ (causa) o Português é mais idealista, emotivo e imaginativo do que o homem de reflexão. Compartilha com o
Espanhol o desprezo fidalgo pelo interesse mesquinho, pelo utilitarismo puro ________ (adição) pelo conforto, ________ (comparação)
o gosto paradoxal pela ostentação de riqueza e pelo luxo. ________ (oposição) não tem, como aquele, um forte ideal abstracto, nem
acentuada tendência mística. O Português é, sobretudo, profundamente humano, sensível, amoroso e bondoso, sem ser fraco. Não
gosta de fazer sofrer e evita conflitos, ________ (oposição), ferido no seu orgulho, pode ser violento e cruel. A religiosidade apresenta o
mesmo fundo humano peculiar ao Português. Não tem o carácter abstracto, místico ou trágico próprio da espanhola ________
(oposição) possui uma forte crença no milagre e nas soluções milagrosas.
Jorge Dias, “Os elementos fundamentais da cultura portuguesa”, Estudos de Carácter Nacional Português, 1971