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Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil

Sustentabilidade das Organizações da Sociedade Civil

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 1


2
Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil
Sustentabilidade das Organizações da Sociedade Civil

Realização: Aliança Interage


Copyright © 2010
Todos os direitos reservados à Aliança Interage

Edição: Aliança Interage


Organizadores: Rubén Pecchio e Domingos Armani
Coordenação Executiva: Rubén Pecchio
Produção Executiva: Domingos Armani, Rubén Pecchio,
Rafael dos Santos, Ana Karenine Sá, Karol Britto, Paula Lubambo

Sistematização:
Domingos Armani
Rubén Pecchio
Rafael dos Santos

Design Gráfico e Revisão de Texto:


Semente Una – COMDESIGN
Victor Farat - projeto gráfico, ilustrações e arte final
Rita Monte - revisão

Apoio: Oxfam GB

Impressão: Gráfica Provisual


500 exemplares impressos

Recife/PE, março de 2010

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 3


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SUMÁRIO
Agradecimentos 07

Apresentação 11

Artigos e Apresentações 17
• Panorama socioeconômico Brasileiro e do Nordeste: 19
Tendências e desafios pós-crise global. Tania Bacelar de Araujo

• Organizações da sociedade civil: sustentabilidade e democracia. Domingos Armani 45

• Marco legal: em busca do aprimoramento da regulação de ONGs no Brasil. 65


Lisandra Arantes

• Negócios sociais: como aproximar distâncias entre setores. Vivianne Naigeborin 75

• Desenvolvimento do plano de mobilização de recursos da CESE. Lia Silveira 87

• Parcerias com empresas e doação de recursos por pessoas físicas: a experiência 103
do Movimento de Organização Comunitária (MOC)
Klaus Minihuber/ Naidison Baptista

• Articulação no semiárido (ASA): avanços e desafios da relação com o 117


setor privado e com o setor público. José Aldo dos Santos

Feiras de Ideias 129


• Relações entre empresas e organizações sociais 130
• Desenvolvimento institucional das OSCs 132
• Fundos públicos e Marco Legal 134
• Comunicação e mobilização de recursos 136
• Agências da cooperação internacional, fundações e institutos empresariais 137

Anexos 141
Anexo 1: Carta do Recife 143
Anexo 2: Proposta de Marco Legal (Abong) 151
Anexo 3: Organizações participantes do seminário 167

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 5


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AGRADECIMENTOS
Esta publicação só foi possível porque muitas pessoas e instituições acreditaram
que realizar um seminário sobre a sustentabilidade das organizações da sociedade civil
no Nordeste e publicar suas discussões representava um caminho frutífero para a busca
de convergências estratégicas.
A estas pessoas e instituições que disponibilizaram seu tempo, suas vivências e suas
preocupações, de forma gratuita e competente, nosso muito obrigado.
Em primeiro lugar, queremos agradecer às pessoas que realizaram palestras ou
compartilharam suas experiências no Seminário, as quais posteriormente escreveram e/
ou revisaram seus textos para esta publicação.
Tania Bacelar (Consultora - Recife – PE)
Domingos Armani (Consultor - Porto Alegre - RS)
Lisandra Arantes (ABONG - Brasília DF)
Deputado Paulo Rubens Santiago (PDT - PE)
Vivianne Naigeborin (Consultora - São Paulo - SP)
Janaína Jatobá (Instituto C&A)
Maria Íris (Lia) Silveira (CESE - Salvador - BA)
Jose Aldo dos Santos (ASA e Centro Sabiá - Recife - PE)
Klaus Minihuber e (MOC - Feira de Santana - BA)

Também queremos agradecer às pessoas que moderaram as Feiras de Ideias, de


onde surgiram muitos debates interessantes e propostas desafiadoras.
Silvio Sant’ Ana (Fundação Esquel - Brasília - DF)
Jorge Lyra (Inst. PAPAI - Recife - PE)
Helena Rondon (Inst. FONTE - São Paulo - SP)

8
Valeria Landim de Carvalho (CHAPADA - Araripina - PE)
Ivan Moraes Filho (CCLF - Olinda - PE)
Márcia Larangeira (Consultora - Recife - PE)
Reginaldo Alves (CAATINGA - Ouricuri - PE)
Ted-Lago (ICE-MA São Luis do Maranhão - MA)

Foram muito importantes no processo de realização do Seminário nossos parceiros


institucionais:
Claude St. Pierre – Oxfam GB
Anja Czymmeck – Fundação Konrard Adenauer
Magnífico Reitor Dr. Pe. Pedro Rubens Ferreira Oliveira – Universidade
Católica de Pernambuco

Mas nada teria acontecido sem a contribuição de vários/as profissionais de apoio


que deram seu melhor para que o Seminário fosse um sucesso.
Ana Célia Floriano (assessora de Comunicação DED)
Rafael dos Santos (apoio técnico e sistematização)
Catherine Michica (Serviço Internacional I.S. Brasil)
Fernanda Meira (Aliança Interage)
Ana Karenine Sá (Aliança Interage)
Catarina Freitas (Aliança Interage)
Paula Lubambo (Aliança Interage)

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 9


Danielle Duarte (transcrição do material)
GTP+ (apoio logístico)

Por fim, nosso agradecimento aos representantes do Diálogo Cooperação Interna-


cional e da Aliança Interage, que alimentaram e realizaram a ideia do Seminário e desta
publicação.

Heike Friedhoff – Serviço Alemão de Cooperação DED (Diálogo C.I.)


Janaína Jatobá – Instituto C&A (Aliança Interage)
Luca Sinesi – Serviço Internacional I.S. no Brasil (Aliança Interage)
Neylar Vilar Lins – Fundação AVINA (Aliança Interage)
Raimunda da Silva – Kinder Not Hilfe - KNH (Diálogo C.I)
Salvador Soler Lostao – UNICEF/Recife (Diálogo C.I)

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APRESENTAÇÃO
Esta publicação é um convite para a reflexão sobre a sustentabilidade das organizações
que lutam por direitos e por democracia no Brasil.
A oportunidade desta iniciativa está ligada à convicção de que sem organizações sociais
fortes, autônomas, qualificadas e com capacidade de mobilizar a sociedade civil na defesa e
promoção dos Direitos Humanos e na luta contra as desigualdades, não se poderá ampliar os
limites socioeconômicos e políticos de nossa democracia.
Esta convicção não nasceu agora. Ela já tem uma trajetória longa e diversificada em
diferentes campos de ação social no Brasil.
Muitas instituições e redes sociais brasileiras, organizações internacionais e institutos e
fundações empresariais tem debatido o tema e desenvolvido iniciativas neste sentido nos últi-
mos anos.
Entretanto, o cenário atual está a exigir mais de todas elas.
Observa-se que as condições de sustentabilidade institucional do campo das organiza-
ções da sociedade civil comprometidas com a perspectiva dos direitos têm se tornado progres-
sivamente mais difíceis. Isto tem feito com que algumas organizações fechem suas portas, que
muitas tenham sua capacidade de ação reduzida, e que o futuro seja cada vez mais nebuloso
para elas.
Várias organizações internacionais importantes têm deixado o Brasil. Outras tantas, e
não são poucas, têm reduzido o escopo e abrangência de sua atuação no país.
A ação de empresas, institutos e fundações empresariais tem crescido no país, mas ainda
são limitadas a interlocução e a sinergia interinstitucional em torno do tema da sustentabilidade
institucional das organizações da sociedade civil.
Não se tem no Brasil um marco legal integrado e adequado para regular de forma ágil
e transparente as relações de apoio público a organizações da sociedade civil.
Tudo isso tem contribuído para criar uma situação de crescente dificuldade e instabilida-
de nos esforços para tornar mais sustentável a luta por direitos e democracia na sociedade civil.

12
O capital social representado pelo campo ético-político das organizações de defesa
de direitos está em processo de deterioração no Brasil. E isto representa uma perda poten-
cialmente irreparável para as chances de futuro da nossa democracia.
Acreditamos que parte da resposta a este desafio está no apoio aos esforços das
organizações para mobilizar recursos locais. O que implica desenvolver comunicação
institucional que interpele setores sociais relevantes, incidindo no processo de formação
de opinião e realizando educação cívica-cidadã. Implica, ainda, mobilizar grupos de pes-
soas para o apoio a ações sociais e políticas e, também, para se tornarem apoiadores e
colaboradores das organizações. E implica, ainda, o desafio de preparar as organizações
mesmas para este contato mais próximo, denso e orgânico com a sociedade, o que exige
“casa aberta” e “café no bule”.
Outra parte da resposta está no diálogo, na convergência e na construção conjunta
de estratégias de ação focadas neste desafio por parte de organizações sociais brasileiras,
agências internacionais e institutos e fundações empresariais.
Foi com base nessas preocupações que um conjunto de organizações internacio-
nais, institutos e fundações empresariais com presença no Nordeste decidiu tomar a ini-
ciativa de realizar o Seminário “Sustentabilidade e Mobilização de Recursos para Orga-
nizações Sociais do Nordeste - Uma Visão Política Estratégica” em setembro de 2009, no
Recife/PE, com o apoio da Oxfam GB, Fundação Konrad Adenauer e da Universidade
Católica de Pernambuco.
O processo teve origem ainda em 2008, quando um conjunto de organizações 1 Formavam parte:
Serviço Alemão de Coopera-
internacionais com escritórios no Nordeste formou um coletivo institucional para debater ção DED, a Kinder Not Hilfe
questões comuns, denominado Diálogo Cooperação Internacional1. Uma das questões –KNH, o Serviço Internacional
na agenda do Diálogo era a da saída iminente de algumas delas do Brasil e a preocupa- IS Brasil e a UNICEF/ Recife
2 Instituição formada
ção com qualidade e responsabilidade do processo de saída. pela Fundação Avina, o Inst.
C&A, o Inst. Arcor Brasil, o
Esta preocupação ensejou, no início de 2009, que se agregasse ao grupo a Aliança
Serviço Internacional IS Brasil
Interage2, colegiado institucional formado por organizações internacionais e por institutos e a Save the Children UK.

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 13


e fundações empresariais, com uma trajetória de ações e programas sobre as temáticas do
desenvolvimento institucional para organizações sociais e do relacionamento intersetorial.
Deste metabolismo interinstitucional nasceu a idéia de realizar o seminário focado
no tema que era preocupação de todos – a sustentabilidade das organizações sociais
parceiras após a retirada de várias entidades internacionais.
O seminário então debateu as questões das novas realidades nordestinas e das no-
vas condições de sustentabilidade das organizações, mobilizando os setores interessados:
organizações sociais, organizações internacionais e institutos e fundações empresariais.
O resultado de três dias de apresentações e debates chega agora a suas mãos.
Esperamos3 que seja uma contribuição à reflexão e à busca de alternativas de ação
interinstitucionais em prol da sustentabilidade da luta por direitos e por uma democracia
mais inclusiva e efetiva no Brasil.
Boa leitura!

3 As organizações
que assinam esta apresen-
tação conformaram a partir
do processo do seminário A
Articulação D3 – Diálogo,
Direitos e Democracia, e vem
se reunindo periodicamente
para definir ações estra-
tégicas sobre o tema aqui
exposto.

14
Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 15
ARTIGOS
pergunta 1

Como sua
instituição está
vivendo as
implicações da
saída das Agências
de Cooperação
Internacional
do Brasil?
Tania Bacelar de Araujo
Panorama socioeconômico Brasileiro e do Nordeste:
Professora do Programa de
Tendências e desafios pós-crise global1 Pós-Graduação em Geogra-
fia (PPGEO), da Universida-
de Federal de Pernambuco;
Agradeço o convite para estar com vocês na abertura desse seminário e informo Sócia da CEPLAN.
que o meu papel aqui, pelo que me foi pedido pela coordenação, é o de traçar o panora-
ma socioeconômico brasileiro e do Nordeste na qual se inserem as ONGs na atualidade.
É isso que eu vou tentar fazer na minha análise, olhando para as tendências recentes e
para além da crise.
Começo pela trajetória brasileira num contexto de mudanças mundiais importantes
e em seguida coloco o olhar para além da crise financeira mundial, vez que o Brasil já
começou a sair dela. Depois virei para o Nordeste, também destacando mudanças recen-
tes e terminando com uma reflexão sobre perspectivas do ambiente pós-crise, colocando
antigos e novos desafios. É esse o meu roteiro.

Ambiente Brasil
O ambiente macroeconômico brasileiro mudou muito. Se tivéssemos no país na
década de 1990 estaríamos agora discutindo a vulnerabilidade externa do país, o ônus
da divida externa, a crise aguda do setor público. Mas, o Brasil, de fato, nesse começo
do século XXI conseguiu estabelecer um bom equilíbrio no seu ambiente econômico. A
inflação, por exemplo, está sob controle desde meados da década de 1990. Isso é uma
1 Este texto é a
coisa boa porque mantém o poder de compra da população, especialmente beneficiando versão revista da apresen-
os mais pobres, que não têm meios para enfrentar a corrosão do poder de compra pro- tação realizada pela autora
na sessão de abertura do
vocado pela inflação.
seminário “Sustentabilidade
Por sua vez, a crise crônica do setor público está sendo domada. O indicador que e Mobilização de Recursos
para OSCs”, realizado em
os economistas usam para observar o desempenho desse setor é a relação dívida pública/ setembro de 2009 no Recife.

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 19


PIB, que relaciona quanto é que o país produz e quanto é que seu governo deve. Essa re-
lação chegou a 55% em 2003 e atualmente representa 36%. Com esse indicador próximo
a 1/3 do PIB, o governo já consegue fazer política anticíclica, como a que foi realizada
recentemente em resposta à crise financeira mundial.
A superação da vulnerabilidade externa também foi outro fator de estabilização
da economia brasileira. Esse, que é um problema sério e recorrente no Brasil e foi bem
visível na década de 1990, exacerbado nos anos do imediato pós Plano Real (que usou
o câmbio fixo para segurar os preços internos e com isso gerou enorme déficit nas contas
externas do país). Consequência: Quando o Sudeste da Ásia tremeu, o Brasil se abalou...
A moratória russa, por sua vez, desequilibrou o Brasil a ponto de se precisar recorrer ao
FMI. Por que isso ocorria? Por que o país era vulnerável nas suas relações com o mundo
exterior. Devíamos mais do que tínhamos condições de pagar: o saldo do comércio não
pagava nossas contas nas transações com serviços (incluídos os gastos com a dívida ex-
terna). Cada crise nos fazia depender dos aplicadores de curto prazo ou até do FMI para
fechar nossas contas externas. Nos anos recentes, ampliamos o superavit da balança co-
mercial. Temos saldos positivos ou negativos, mas pequenos, na balança das transações
correntes. A dívida externa está completamente sob controle, portanto saiu da agenda.
Por outro lado, temos reservas internacionais da ordem de US$ 200 bilhões. Perdemos
um pouquinho no final do ano passado, mas já recuperamos, e retomamos o crescimento
da economia.
De 2004 em diante a economia brasileira voltou a crescer. Mas não é a existência
de taxas de crescimento maiores o fato mais relevante. O que acho importante ressaltar
é que o motor do crescimento inicial (mercado externo dinâmico nos anos iniciais deste
século) foi substituído por outro: o consumo interno das famílias brasileiras. E se come-
çava a retomar a dinâmica do investimento (público, mas especialmente o privado) antes
da crise mundial. Ou seja, o crescimento da economia do Brasil passou a ser explicado,
sobretudo, pelo dinamismo do consumo interno e, mais recentemente, pelo investimento.
Não é pelas exportações, que é a opção alemã. A Alemanha hoje opta por crescer sua
economia puxada pelas exportações. O Brasil fez a opção estratégica oposta: movimen-

20
primeira resposta
tou sua economia a partir do atendimento ao grande potencial que representa o consumo O Centro Dom Hel-
insatisfeito de amplas camadas de sua população, com destaque para a classe média. der Camara de Estudos e
Ação Social – CENDHEC é
Isso é importante, e por conta dessa dinâmica o país conseguiu enfrentar melhor a crise um Centro de Defesa de
que estourou com a eclosão da “bolha imobiliária americana” que abalou, ainda abala Direitos Humanos, espe-
cializado na defesa dos
e vai abalar por algum tempo o ambiente econômico mundial. Os países que dependiam
direitos de crianças e
muito de exportações (caso do Japão) sentiram mais os impactos da brutal queda do adolescentes e na defe-
comercio mundial que se deu no ambiente da crise recente. O Brasil, ao contrário, tem sa do direito à moradia.
Hoje o CENDHEC passa
mostrado uma razoável capacidade de enfrentar essa adversidade e começa a sair dela,
por um momento de re-
segundo as informações disponíveis. ordenamento no desen-
volvimento de algumas
É importante não desconsiderar esse momento da economia mundial que tem refle- ações, especialmente
xos globais e impacta evidentemente no Brasil. Mas não quero focar nesta crise financeira. aquelas desenvolvidas
Prefiro falar de algumas significativas mudanças que vêm acontecendo no mundo e no diretamente com a po-
pulação. Temos o exem-
Brasil. Tratar de outras mudanças importantes que ajudam a entender a transição pela plo do nosso projeto de
qual passamos e permitem se posicionar melhor frente à conjuntura. São outras “crises” defesa jurídico-social de
(no conceito Gramsciano de crise como momento em que o velho está morrendo, mas o crianças, adolescentes
e suas famílias em situ-
novo ainda não consegue se impor). ações de violências (do-
Vocês das OSCs atuam em especial com problemas estruturais do Brasil, daí a im- méstica, sexual, tortura
e extermínio), no qual o
portância deste olhar menos conjuntural. Então, é preciso observar tendências, como as CENDHEC realiza a defe-
que a seguir destacarei. sa jurídica, ações sociais
com as famílias e acom-
panhamento psicológico
das vítimas.
Mudanças estruturais relevantes (outras “crises”)
Mesmo com o re-
Uma tendência estrutural a ser considerada é a mudança do perfil da população conhecimento que nosso
brasileira, que já está em curso. Está caindo a taxa de natalidade, ao mesmo tempo em trabalho tem, é no cam-
po da defesa dos direi-
que também está ocorrendo uma redução na taxa de mortalidade. Então, o perfil da so- tos humanos de crianças
ciedade brasileira está mudando. Aquele país de jovens que se constituiu até o século XX e adolescentes em que
vai mudar e vamos ser crescentemente uma sociedade com menos jovens e mais pessoas mais se expressa o re-
batimento do reordena-
com mais de 50 anos, o que deverá redefinir demandas da sociedade. Já é possível iden- mento das prioridades

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 21


da Cooperação Interna- tificar, no Nordeste rural, lugares onde está sobrando escola de primeiro grau. Por outro
cional, exigindo do CEN- lado, é provável que vamos ter mais instituições e mais serviços voltados para quem tem
DHEC uma redefinição
de suas ações. Tal rede- mais de 50 anos. E do ponto de vista da população economicamente ativa, essa mudança
finição é um processo também é importante, porque agora está entrando no mercado de trabalho gente que
difícil, porque estamos
nasceu há 20 anos, mas, nas próximas duas décadas, vai entrar no mercado de trabalho
tratando de um número
considerável de famílias, gente que está nascendo hoje, e vai nascer menos gente hoje do que nasceu há 20 anos;
crianças e adolescentes ou seja, vamos ter uma pressão menor sobre o mercado de trabalho nas próximas déca-
e, muito além dos núme-
das. Neste momento, estamos no auge da pressão anterior. Ainda bem que o auge está
ros, são histórias de vida
com as quais o CENDHEC ocorrendo frente a condições mais favoráveis internamente no Brasil.
está comprometido e não
pode “descartar” por
Outra mudança importante para o País é que o processo de urbanização continua,
conta das novas brisas in- mas tem uma novidade que é importante destacar: as cidades médias brasileiras estão
ternacionais. crescendo a taxas maiores do que as grandes cidades. O quadro abaixo registra tal ten-
Assim como outras dência para o período 2002 – 2005, considerando o porte demográfico dos municípios.
ONGs, o CENDHEC imple-
menta uma rigorosa po-
lítica de diminuição de TAMANHO DO TAXA DE CRESC. TAXA DE CRESC. CRESCIMENTO
gastos  e cuida estrategi- MUNICÍPIO DO PIB DA POPULAÇÃO DO PIB/HAB
camente de sua política
de gestão institucional.  + DE 500 MIL 1,55% 1,43% 0,42%
HABITANTES

ENTRE 100 MIL 4,71% 2,06% 2,85%


E 500 MIL HAB.

- DE 100 MIL 3,22% 1,15% 2,08%


HABITANTES

Fonte dos dados básicos: IBGE

É um Brasil diferente. O Brasil do século XX crescia fortemente nas grandes cidades.


Valeria Nepomuceno Essa é uma mudança importante, estrutural. Portanto, temos que prestar atenção às nos-
Coordenadora Executiva sas cidades de 100, 200, 500 mil habitantes, porque elas ainda não têm os problemas
do CENDHEC das que possuem três milhões ou mais. Se cuidarmos delas agora, podemos ter um Brasil
valeria@cendhec.org.br diferente lá na frente. É esse o alerta. E a oportunidade.

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Por outro lado, há uma retomada e um redirecionamento do crescimento econô-
mico. E isso é muito importante. O Brasil voltou a crescer sua economia nesta primeira
década do século XXI, como mostram os dados do gráfico a seguir apresentado.
Brasil: Taxas anuais de crescimento do PIB
6,0 5,7 5,7
5,1
5,0 4,0 4,0
4,0 3,2
2,8 2,5
3,0
2,0
1,0
0,0
Média Média 2004 2005 2006 2007 2008 Média
1984-93 1994-03 2009-12*
Fonte: IBGE

No que se refere ao motor deste crescimento, primeiro o País aproveitou a conjun-


tura favorável que antecedeu o estouro da bolha americana. E, reafirmando um maior
grau de competitividade, pôde sair de um quadro de quase estagnação e voltar a crescer
através das exportações. Na sequência, gradualmente, passou a crescer pelo impulso do
consumo interno.
Vale destacar que o Brasil é muito competitivo na produção de grãos e outras
commodities. Aproveitou, assim, o “boom” da China e exportou bastante minério, grão,
carne, fruta, avião... Assim como também ampliou os destinos das exportações para a
África, América Latina e Europa. Então, iniciou o século XXI aproveitando o ambiente favo-
rável que estava lá fora. Gradualmente, o ambiente externo foi se deteriorando, e o Brasil
mudou a sua opção estratégica, passando a apostar num outro ponto forte: o potencial de
crescimento de seu amplo mercado de consumo de massa. Isso é uma coisa importante
para compreender o Brasil recente, porque parte importante da elite brasileira – empresa-
rial, política e acadêmica - não acreditava nesse potencial.
O Brasil do século XX foi um país que cresceu muito apostando no mercado interno,
tanto que até hoje exporta cerca de 10% do que produz. Então, quem fez o Brasil que
temos foi o mercado interno. Só que se organizava o mercado interno olhando para o

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 23


consumo da classe média para cima. Essa foi a mudança estratégica: a aposta no po-
tencial de consumo enorme no nosso país que está nas classes intermediárias. É o que se
pode chamar de consumo insatisfeito da maioria da população brasileira. Foi essa aposta
estratégica que o País fez nos anos recentes, e isto tem dado resultados muito interessan-
tes. Acreditamos na tese do indiano Prahalad2 - a riqueza está na base da pirâmide – e o
resultado é muito positivo.
O estímulo ao consumo interno, em especial às classes de renda mais baixa, acio-
nou a máquina de crescimento da economia brasileira. Isso gerou empregos formais
(cerca de 12 milhões de novos postos entre 2003 e 2009), e levou um país como o nosso
– uma das maiores bases produtivas do mundo - a mudar a dinâmica da sua economia.
Essa foi uma opção muito importante, feita de 2004 para cá. E a opção tem a ver
com uma mudança importante: a renda do trabalho nas faixas menores vem crescendo
mais rápido que nas maiores. Isso fica claro nos dados a seguir apresentados.
Brasil: variação da renda do trabalho entre julho de 2002 e julho de 2008

FAIXAS DE JULHO 2002 JULHO 2008 VARIAÇÃO


RENDA

0 - 2 SM 337,00 369,00 +10%

0 - 4 SM 833,00 889,00 + 7%

4 - 10 SM 1.830,00 1.874,00 + 2%

10 - 20 SM 4.069,00 4.160,00 + 2%

+ 20 SM 10.815,00 10.904,00 + 1%
2 Prahalad, C.K. A
Fonte: IBGE/PNAD Valores corrigidos pelo IPCA de JUL/08
riqueza na base da pirâmide.
Ed. Bookman.

24
segunda resposta
Se este quadro fosse montado com dados do século XX, seria o oposto: o maior O CAATINGA vem
sentido os impactos da
crescimento se dava nas classes de mais altas rendas. Os dados acima vão até julho de saída das agências inter-
2008, antes de a crise mundial eclodir com força, e são comparados com 2002. Segundo nacionais mais fortemen-
as informações indicadas, a renda dos que percebem de 0 a 2 salários mínimos registrou te nos últimos cinco anos.
Gradativamente, fomos
um crescimento médio anual entre 2002 e 2008 da ordem de 10%. Um crescimento perdendo parceiros im-
“chinês”. Já o extrato de renda de 2 a 4 salários mínimos expandiu-se a 7% a.a.; e quem portantes e estratégicos,
e não conseguimos articu-
ganhava mais de 20 salários mínimos cresceu apenas 1% a.a.. Isso é o oposto do Brasil lar novas parcerias para
do século XX, onde a renda crescia mais no topo da distribuição de renda da população suprir  as necessidades
financeiras. As maiores
do que na sua base. Ou seja, a renda passou a se expandir mais na base da pirâmide implicações ocorrem nos
social, a produção voltou-se para atender ao consumo insatisfeito da maioria da socieda- aspectos administrati-
vos e de manutenção da
de brasileira, que passou, consequentemente, a ter uma maior perspectiva de ascensão equipe. De um total de
econômica. Esta foi uma aposta estratégica importante. catorze  contratos, temos
apenas três com agências
Nesse novo momento da economia brasileira atrelou-se a melhoria de renda à ex- internacionais, os demais
estão relacionados a  re-
pansão do crédito, porque quem conhece os brasileiros sabe que crédito aqui funciona. cursos federais, via minis-
Porque o brasileiro não faz contas de taxa de juros, ele faz conta do tamanho da presta- térios ou órgãos da admi-
ção. A pergunta é simples: cabe no salário do mês? Cabe! Então vamos comprar... Se o nistração direta.  Temos,
então, um cenário onde
preço dobra, não importa. os contratos por hora téc-
nica nos levam a estabe-
Então, aumentar a oferta de crédito é importante. Gera no consumidor a expecta- lecer relações que não
tiva de que tem ampliada sua capacidade de compra. Se a taxa de juros é alta, o alon- trazem segurança para
os/as contratados/as nem
gamento do prazo de pagamento resolve a equação. E o crédito no Brasil se ampliou para a instituição. Acredi-
significativamente, passando de 25% do PIB para pouco mais de 40% entre 2002 e 2009. tamos que a flexibiliza-
ção dos convênios, per-
Aumento significativo de programas de transferências de renda (em especial o Bolsa mitindo pagamentos de
salários administrativos,
Família) aliado ao aumento do emprego e ao maior ritmo de expansão real do salário mí- minimize este impacto.
nimo foram elementos impulsionadores do dinamismo da renda nas camadas mais pobres Contudo, ainda teremos
problemas de contrata-
da população. Muita gente passou da classe E para a D e para a C. ções no campo técnico.
O quadro a seguir mostra o rápido aumento do peso das famílias de renda média Outra implicação
que percebemos está re-
(rendimentos de R$ 550,00, a preços de 2008), o que representa quase metade dos do-
lacionada à falta de co-
micílios do país. bertura de custos voltados

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 25


para o desenvolvimento Brasil: Composição das famílias brasileiras segundo níveis de renda familiar per capita
de tecnologias ou estudos
específicos da conjuntura
local. A Cooperação  In- % DOS DOMICÍLIOS
RENDIMENTO DOMICILIAR
ternacional durante anos
exerceu papel importan- PER CAPITA MÉDIO, DE TODAS
te no desenvolvimento AS FONTES (R$ 2008) 2003 2008
de diversas tecnologias
de convivência com o 2504,00 8,3 10,4
Semiárido, tais como as
barragens subterrâneas,
550,00 38,6 49,2
barreiro trincheira, bar-
reiro lonado, entre tan- 198,00 26,4 24,4
tas outras. Atualmente, a
grande maioria  dos con- 75,00 26,7 16,0
tratos/convênios é volta-
da para atendimento de - 100,0 100,0
metas, às vezes para im-
plantação de tecnologias, Fonte: IBGE/PNAD
e muito pouco  voltada
para o desenvolvimento Nesse contexto, o consumo de alimentos, vestuário, calçados, produtos de higiene e
de tecnologias ou pro- limpeza, eletrodomésticos, eletroeletrônicos, entre outros, se expandiu fortemente.
cessos de sistematização
do conhecimento, este O consumo insatisfeito destes brasileiros era enorme. Atendê-lo deu base para um
último de acesso mais
facilitado quando asso- crescimento da economia muito interessante. É mais difícil fazer isso em país rico, onde o
ciado à sistematização, consumo básico já está quase plenamente satisfeito.
implementação ou for-
mação. Contudo, vemos Outra transformação importante é o processo de desconcentração geográfica da
com dificuldade o acesso
a recursos públicos para
produção brasileira. O Brasil do século XX resolveu ser um país industrial e conseguiu. Só
desenvolvimento ou va- que concentrou 80% da produção industrial no Sudeste (dado de 1970), sendo que quase
lidação de tecnologias a metade da indústria ficou na cidade de São Paulo.
partir das ONGs.
No início da década de 1970, o Brasil chegou ao auge desta concentração. De lá
Reginaldo Alves para cá, desde o II Plano Nacional de Desenvolvimento feito nos anos Geisel, a produção
Coordenação do vem se desconcentrando geograficamente.
Programa de Des. Regional e
Na desconcentração, outras regiões que não o Sudeste ganham importância relati-
Políticas Pub. do CAATINGA
va na produção industrial. Mesmo assim, essa região ainda detém 60% do total nacional.
www.caatinga.org.br

26
terceira resposta
O Nordeste dobra sua participação. O Sul, por sua vez, passa de 12% para 20%. A tabela Nem todas as
a seguir mostra esta tendência desconcentradora. agências internacionais
em cooperação com a
Brasil: localização regional da indústria e agropecuária (1970-2005) CESE estão saindo do
Brasil. Temos acompa-
nhado de perto a di-
VALOR DA TRANSFORMAÇÃO VALOR DA PRODUÇÃO versidade de processos
INDUSTRIAL AGROPECUÁRIA vividos por agências de
REGIÕES
cooperação ecumênica:
1970 2005 1970 2005 fusão; descentralização;
redefinição de áreas de
NORTE 0,8 4,8 3,1 7,0 atuação; diminuição de
recursos governamentais
NORDESTE 5,7 9,2 18,3 14,3 e/ou de campanhas jun-
SUDESTE 80,7 61,8 37,3 29,7 to às suas sociedades;
redefinição de priorida-
SUL 12,0 20,5 33,8 28,2 des geográficas etc. O
que enfrentamos direta-
CENTRO-OESTE 0,8 3,7 7,5 20,8 mente é a diminuição do
volume de recursos da
BRASIL 100,0 100,0 100,0 100,0 cooperação para o Bra-
Fonte dos dados básicos: IBG sil motivada por várias
razões, além das impli-
Do ponto de vista da agropecuária, a tendência é a mesma. O Norte Edobra, o cações dos processos de
reorientação já assinala-
Nordeste perde um pouquinho, o Centro-Oeste triplica, o Sul e sudeste perdem peso
dos. Identificamos, entre
relativo. O Nordeste representa um desafio especial porque ele perde participação na eles, a crise mundial e
produção agropecuária, mas mantém o seu peso na população ocupada na agricultura. queda nas arrecadações
das agências na Europa
O Nordeste tem 28% da população total do Brasil e 43% da população economicamente
e América do Norte, de
ativa atuando na agropecuária do país. Quase metade de quem trabalha na agricultura onde vem a maior parte
no Brasil está no Nordeste. Por isso que em todo mapa da pobreza rural o Nordeste está dos recursos da CESE e a
visão que prevalece, no
na frente. Porque 43% da população ocupada só produz 14% da produção nacional. Por-
exterior, sobre o Brasil
tanto, quem estiver achando que o quadro socioeconômico do Nordeste está resolvido, hoje, como um ator-cha-
está muito enganado. ve no cenário político
global e o governo Lula
Outro aspecto que chama atenção é a ocupação do interior do Brasil nas décadas como um governo capaz
mais recentes. Isso pode ser visualizado no mapa abaixo, tirado de estudo do Ministério de implementar políticas

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 27


bem-sucedidas de cresci- do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG). Nele se pode perceber a presença de
mento econômico e en- numerosas cidades médias no “miolão do Brasil”. É impressionante como esse Brasil do
frentamento à pobreza.
interior, do Centro-Oeste, do Norte, do Oeste, do sul do Piauí, do sul do Maranhão, está
Diante desse qua-
dro, a CESE tem procura- gerando cidades médias interessantes. A ocupação litorânea que se construiu durante cin-
do se manter em diálogo co séculos arrefeceu, e o País agora está se voltando para ocupar sua porção mais interior.
constante com as agên-
cias, inclusive incidindo Brasil : pólos urbanos relevantes
nos processos de descen-
tralização pelos quais
várias delas vêm optan-
do, como é o caso da
ICCO e de Christian Aid.
Tem participado também
de discussões referentes
a fusões, como no caso
de EED/PPM (agências
alemãs) e do diálogo
multilateral através do
PAD - Processo de Di-
álogo entre agências
ecumênicas européias
e parceiros brasileiros.
Concretamente, como
ações, temos buscado a
diversificação de fontes
e voltado para a mobili-
Fonte: MPOG – Estudo da dimensão territorial do planejamento, 2007.
zação de recursos nacio-
nais junto a igrejas e à
Quem trabalha no Centro-Oeste sabe do que eu estou falando. Então, é preciso
sociedade civil. A CESE
iniciou em 2001 a Cam- olhar para este movimento, porque aí existe uma tendência de crescimento muito interes-
panha Primavera para sante.
a Vida e em 2008 “Uma
Ação para Crianças”. Outra mudança importantíssima no Brasil é o começo da redução das desigualda-
Tem procurado melhorar des. Começo porque é uma diminuição ainda muito incipiente, mantendo-se ainda um
sua comunicação com a
sociedade e sua visibi-
nível bem elevado. Mas não se pode deixar de assinalar isso, porque, para uma sociedade
lidade, além de aper- como a brasileira, na qual a principal marca é a desigualdade, começar a observar uma

28
inflexão da tendência é muito importante. Ainda é modesta, mas a tendência de reversão feiçoar seu sistema de
está em curso. avaliações, para melhor
aferir efeitos e impactos
É possível identificar, por exemplo, uma diminuição do índice de GINI, indicador de seu trabalho.
muito usado para analisar desigualdade de renda. Segundo dados do IBGE, o índice de
Gini no Brasil caiu de 0,58 em 1997 para 0,52 em 2007.
Para mim, a melhor explicação que se tem para essa inversão da tendência da
redução da desigualdade é o avanço das políticas sociais, desde a redemocratização, em
especial a ação da Constituinte que gerou a Constituição cidadã de 1988.
A sociedade brasileira abandonou falsos debates e assumiu a importância de se
ter boas e amplas políticas sociais. Desde a Constituinte, resolvemos que o País precisa
sim ter políticas sociais competentes, bem estruturadas e de bom tamanho. Os problemas
sociais são muitos e de grandes proporções, logo as políticas têm que ter recursos sig-
nificativos. E acho que o Brasil está aprendendo a fazer isso. Esse é um dos pontos que
vocês têm para refletir no ambiente em que atuam. As instituições não governamentais,
os movimentos sociais, a sociedade civil organizada tem sua parcela de responsabilidade
nessa mudança.
A Constituição de 1988 indicou, por exemplo, que a “população rural tem que
ter previdência”. Parte das elites estrebuchou, achou a Constituinte inviável (ouvia-se de
muitos que “vai estourar com o País”). Não estourou e o País melhorou. E fico pensando
o que é que seria do Recife, de Salvador, de Fortaleza... se a Constituinte não tivesse
decidido isso. Porque na mesma época em que a sociedade tomou esta decisão através
da Constituinte, o algodão acabou no Nordeste Semiárido, e quem conhece o Nordeste
Semiárido sabe que o algodão era a única fonte de renda monetária da maioria da popu-
lação. Pois a única fonte de renda monetária simplesmente desapareceu. Nossas cidades Eliana Rolemberg
teriam estourado. Quem segurou? A previdência social rural. Ainda bem que se teve a Diretora Executiva da CESE
lucidez de levar a previdência rural ao Nordeste rural. Metade dos beneficiários está no Coordenadoria
Semiárido nordestino. Ecumênica de Serviço
www.cese.org.br

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 29


quarta resposta
Na verdade nós so- Construímos a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), o Sistema Único de Saúde
mos uma das Agências de
Cooperação Internacional
(SUS) e muitas outras políticas sociais relevantes. A LOAS é uma conquista da sociedade
deixando de trabalhar no do Brasil. E resolvemos passar do assistencialismo ao direito dos cidadãos, o que é uma
Brasil a partir de Janeiro grande novidade no Brasil. Quem conhece o Brasil sabe do que eu estou falando. Porque
2011. Sou Diretora Regio-
nal para América do Sul é um País cuja tradição era fazer das políticas sociais, políticas assistenciais. Política social
(Brasil, Bolívia e Peru) de no Brasil era sinônimo de política de dominação dos ricos sobre os pobres. E de lá pra cá,
Terre des Hommes Holan-
da. Da mesma maneira desde a redemocratização, mudamos esse rótulo. Assumimos que política social é coisa
que às Organizações Na- séria, é política pública e é direito das pessoas. Para mim isso é uma mudança importan-
cionais, esta decisão de
nosso escritório central tíssima, é uma conquista significativa da sociedade brasileira, e vocês que estão aqui têm
nos toma de surpresa, a ver com isso. Vou voltar a falar sobre isso mais a frente.
resultado de uma crise
financeira internacional
sentida mais fortemen-
te nos países Europeus. Um olhar sobre o pós crise
Sem muitas vezes ter-
mos poder de decisão ou Quero falar um pouco olhando para a crise mundial atual e para o futuro. Acho
de mudança de decisões
tomadas pelos nossos es-
que da crise financeira o Brasil escapou, mas eu queria dizer o seguinte: esse diagnósti-
critórios centrais, temos co que o Brasil melhorou da década inicial do século XXI, é um diagnóstico correto, nós
que seguir nossa linha de
efetivamente melhoramos. E tem mais, temos tudo pra melhorar ainda mais daqui para
consciência e responsabi-
lidade com o trabalho de frente. Então quem estiver trabalhando com um cenário negativo, eu acho que está erra-
tantos anos de apoio ao do. Vamos ter que trabalhar com um cenário positivo. O Brasil está bem, e tem tudo para
desenvolvimento no País.
A decisão não pode ser melhorar. O que nós construímos no século XX foi um país urbano-industrial. Um país
retrocedida, mas limites muito desigual e com ampla camada de pobreza, mas uma potência industrial importante.
e imposições para este
caminho foram acorda- Daqui a pouco eu volto a isso.
dos. A saída foi avisada
às organizações parceiras Mas quando nós olhamos para o mundo de hoje e para o potencial brasileiro
com dois anos de ante- verificamos que o país vai ser revisitado. Constatamos, por exemplo, que o mundo vai
cedência, o que sabemos
não ser muito, dado o precisar de alimentos. A Índia e a China têm, juntas, mais de 2 bilhões de pessoas e esta
contexto nacional e in- população está melhorando seus níveis de renda. Estão comendo mais. Isso representa
ternacional que se ins-
tala, mas estes dois anos
cerca de 1/3 da humanidade, por baixo, comendo mais. Então, se ninguém melhorar, isso
foram trabalhados com já dá uma pressão importante na demanda mundial por alimentos. Mas a América Latina
as organizações parcei- também melhora assim como vários países africanos. Tanto que esta pressão por alimen-

30
tos já estava instalada antes da crise financeira. A pressão gerava inflação nos alimentos ras no sentido de refletir
como atingir sustentabi-
(além do componente especulativo sobre algumas commodities). Porque na economia é lidade dos projetos, das
assim: aumentou a demanda e não aumentou a oferta, o preço resolve. Então vai ter uma organizações, das cau-
demanda crescente - a FAO estima um aumento de 50% na demanda de alimentos nas sas de lutas de tantos
anos. Tentamos reverter
próximas três décadas. Esta instituição tem uns estudos muito interessantes que mostram a notícia negativa da
que quando a renda da população melhora, a primeira coisa que as pessoas passam a saída impulsionando as
organizações nacionais a
comer é proteína, e a segunda é fruta. O Brasil é competitivo em proteína e competitivo trabalhar o tema susten-
em fruta. Além disso, o Brasil tem água que vai ser um recurso escasso no século XXI, o tabilidade institucional,
sustentabilidade da cau-
Brasil tem cerca de 100 milhões de hectares de terra fértil. Sem usar a Amazônia a gente sa, projetos sustentáveis
pode praticamente dobrar a capacidade produtiva da agropecuária brasileira. Somos para seus beneficiários...
Apoiando o fortalecimen-
competitivos em grãos, em carne, em açúcar, em café, em fruta e por aí vai. Temos água, to institucional e o de-
terra e tecnologia. Exportamos tecnologia agrícola. E além de alimentos, a nova matriz senvolvimento de Planos
de Sustentabilidade des-
energética que emerge vai valorizar as fontes limpas e renováveis e a energia vinda da sas Organizações. Tema
biomassa sinaliza mais uma vez para o Brasil. que, na realidade, desde
muito deveríamos estar
No campo, se viveu nos anos recentes uma mudança importante: o Brasil está co- vendo mais fortemente
meçando a aprender a fazer uma boa combinação entre agricultura patronal e agricultura como base de trabalhos
institucionais, mobiliza-
familiar. Eu digo que isso é importante porque eu sou de uma geração que quando se fa- ção de recursos e susten-
lava em agricultura familiar não se encontrava respaldo, ao contrário havia muita crítica. tabilidade.
Ouvia-se logo a elite empresarial, elite política e elite acadêmica se colocar contra qual-
quer apoio à produção familiar. A palavra de ordem era: isso é inviável, é coisa de pobre.
Não existe. Nós vamos ter uma agricultura patronal moderna, tecnificada, com 5% da
população ocupada na agricultura e está resolvido. Os movimentos sociais negaram essa
visão das elites. Não foi o governo, foram os movimentos sociais que, na era FHC, – justo
quando se estava desmontando o Estado brasileiro – que se conseguiu criar um Ministério
Márcia Iglesias
do Desenvolvimento Agrário (MDA) para apoiar a agricultura familiar. Na época, se criou
um modesto programa de apoio à agricultura familiar (gastava-se R$ 2 bilhões/ano). Diretora Regional
para América do Sul (BRasil,
Nós não tínhamos nem números para defender outra posição. Agora a FIPE fez uma Bolívia e Peru) de Terre
pesquisa sobre agricultura familiar e o novo Censo Agropecuário (feito em 2006) desagre- des Hommes Holanda,
www.tdh-holanda.org
gou informações importantes, o que gerou uma massa de informações novas. Descobriu-

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 31


quinta resposta
Save the Children se, por exemplo, que 60% dos bens da cesta básica do Brasil vêm da agricultura familiar
Suécia é uma das orga-
e que cerca de 50% do consumo de alimentos do Brasil vêm da agricultura familiar. A
nizações a deixar o País.
Até maio de 2010, o es- participação em alguns produtos é amplamente majoritária, como em mandioca (88%),
critório sub-regional, feijões (69%), leite de vaca (56%), suínos (51%), milho (47%).
sediado no Rio de Janei-
ro, deve encerrar suas Como é que isso não tem consistência econômica? Isso tem consistência econômi-
atividades. Entretanto,
Save the Children Suécia ca e isso emprega, e os movimentos sociais têm razão. Eles querem um Brasil rural com
acredita que deva man- gente e não um Brasil rural vazio de gente e as cidades inchadas de pobres e miseráveis.
ter vínculos com Brasil,
Entre 1996 e 2006 a população brasileira aumentou em 33 milhões de pessoas (passou
continuando com seu
objetivo de fortalecer de 154 milhões para 187 milhões) e o total de residentes no mundo rural se manteve es-
as capacidades locais ao tável (cerca de 31 milhões de pessoas). Mas o peso deste setor no emprego total do País
mesmo tempo em que
se enquadra no novo de- caiu de 26% para 19% , entre 1996 e 2006, e quem segurou o emprego foi a agricultura
senho internacional de familiar, que em 2006 respondia por 74,4% dos ocupados totais nesse segmento produti-
Save the Children. Assim,
optou por manter, até o
vo do País (12,3 milhões de pessoas, contra 4,2 milhões na agropecuária patronal) .
fim do ano corrente, os Portanto, os movimentos sociais têm razão. E esta é a novidade daqui para frente.
convênios com seus par-
ceiros locais e, a partir Queiramos ou não, a sociedade brasileira vai colocar esse tema na sua agenda, porque
de 2011, apoiar uma úni- o mundo quando for discutir produção de alimentos vai olhar para nós. Não tem como
ca organização brasilei-
ra, membro da Aliança não olhar para o Brasil, dado nosso grande potencial.
Internacional Save the
Children. Embora as ra- Mas tem outra mudança. Estamos no fim da era do petróleo e a outra fonte de
zões desta decisão este- energia importante vai ser a biomassa, e aí, de novo, quando observamos o debate mun-
jam vinculadas a uma es- dial e olhamos para o mapa, está lá o Brasil. Tem água, terra, tecnologia, já sabe fazer,
tratégia operacional não
financeira, sabemos que então vamos ter que discutir esse papel do País. O Brasil do século XX resolveu ser um país
a questão dos recursos urbano-industrial. O Brasil do século XXI vai ter que colocar na sua agenda o desenvolvi-
orçamentários contribuiu
de forma contundente na mento rural, e vai ter que mudar a sua cultura sobre o mundo rural. O lado ruim do século
escolha desse caminho. XX não foi que expandimos o mundo urbano-industrial, foi que desvalorizamos o mundo
Ricardo Souza rural. Não sei se vocês já notaram, mas os políticos quando falam do voto que vem do
Coord. de Programa mundo rural usam nomes que chocam. É o voto do “fundão” do Brasil, é o voto dos “gro-
e Assessor Regional para tões” do Brasil. Vejam que palavras grosseiras. É porque o rural não era valorizado, não
Emergências de Save the
Children Suécia, era lugar para se morar. Um país deste tamanho, com um potencial rural que tem, faz isso
do ponto de vista cultural!
www.scslat.org

32
Vamos ter que rever nossos valores se quisermos construir um país aproveitando esta
oportunidade que o cenário mundial nos sinaliza. O mundo da biomassa tem lugar para
o Brasil. O mundo da produção de alimentos tem lugar para o Brasil. Então devemos ter
clareza para olhar adequadamente e construir um País produtor agroindustrial e agroener-
gético socialmente justo. Este é o grande desafio.
E um país ambientalmente responsável. Porque como isso vai vir com muita força
para o Brasil, o debate sobre sustentabilidade ambiental aqui vai ter uma batalha mui-
to importante, mundialmente falando. Uma derrota no Brasil neste aspecto prejudica o
mundo. Aqui vai ser um dos lugares onde a aplicação desse conceito (sustentabilidade)
vai ser muito importante, porque o estrago ainda não está feito. Poderá ser feito, porque
a pressão do mercado para responder rapidamente à demanda que vem de fora vai ser
muito grande. Então, vai ser necessário ter lucidez diante desta oportunidade que é, ao
mesmo tempo, uma ameaça.
Mas o Brasil tem tudo para continuar sendo um país urbano-industrial. A estrutura
que nós construímos no século XX continua importante. O Brasil construiu uma base indus-
trial que chegou a ser a oitava base industrial do mundo, com uma estrutura diversificada.
O País produz de avião até moda, e temos tudo para participar bem do cenário mundial
em termos industriais. Não estou dizendo que vamos voltar a ser um país agrário. O Brasil
vai ser uma sociedade mais complexa e que vai manter esse patrimônio que foi construído
no século passado, e vai poder ampliar este patrimônio para o mundo rural, que é esse
que começa a ser ocupado agora em novas regiões, além das antigas.

Um olhar para o Nordeste


A economia do Nordeste está crescendo mais que a do Brasil. Todos os números
mostram isso. O consumo se dinamizou e está atraindo investimentos privados, além da
importância de certos investimentos públicos (especialmente via PAC).
Mas o mais importante não é isso. Quando o Brasil resolveu apostar na melhoria de

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 33


renda na base da pirâmide, o Nordeste agradeceu. Foi uma das regiões que mais se bene-
ficiou com essa opção estratégica que o Brasil fez. Isso pode ser constado por vários dados
como o que mede a queda na desigualdade de renda, avaliada pelo índice de GINI.
Desigualdade de renda, medida pelo Índice de GINI (PNAD-IBGE)

2002 2007 VARIAÇÃO

BRASIL 0,553 0,521 0,032

NORDESTE 0,598 0,528 0,070

O Brasil passa de 0,553 pra 0,521 (variação de 0,032), enquanto no Nordeste


verifica-se uma redução de 0,70. Ou seja, o Nordeste reduziu mais rápido a concentra-
ção da renda.
O outro dado relevante que pode ser observado é o que retrata as pessoas em
miséria extrema, gente com menos de 1/4 do salário mínimo de renda mensal. Eram 34
milhões no Brasil, em 2002 e são 20,7 milhões em 2007, ou seja, ocorreu uma redução
de pouco mais de 13 milhões. O Nordeste respondia por 19 dos 34 milhões em 2002 e
em 2007 eram 12,5 milhões, segundo a PNAD/IBGE. O fato é que 48% da redução foi
feita no Nordeste.

2002 2007 REDUÇÃO

BRASIL 34.265.812 20.768.638 13.497.174

NORDESTE 19.086.311 12.572.933 6.513.378

A curva do gráfico a seguir, apresentado pelo IPEA com base nos dados da PNAD,
mostra a mesma coisa. A curva verde é o Brasil, a curva vermelha é o Nordeste. A queda
é mais acentuada no Nordeste do que na média do Brasil, e isso reduz o hiato entre a
região e o País.

34
sexta resposta
Brasil e Nordeste: redução da pobreza (*) O Brasil mudou e
hoje é um grande prota-
53,7 gonista no cenário mun-
50,1
48,2 dial, com índices de cres-
46,8 45,1
43,8 cimento impressionantes
39,8 e avanços significativos
35,3
na redução das desigual-
30,3
28,9 28,0 dades. Apesar disso, o
29,8
26,6
24,5 Serviço Internacional não
24,7 24,6
23,7 23,2
17,6
vai sair do Brasil. Enten-
20,5
13,8 13,1
demos, assim como en-
11,5
14,3 tendem nossos parceiros,
1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 que ainda não têm sido
alcançadas as condições
Brasil Nordeste para a sustentabilidade
das Organizações da So-
(*) Parcela da população vivendo com menos de ¼ do SM per capita. Em SM, a preços de 2007. ciedade Civil (OSCs) que
lutam pela afirmação dos
No mercado de trabalho, houve crescimento do emprego formal - o Brasil criou 10 direitos. O governo e o
milhões de empregos pela CAGED – Ministério do Trabalho e Emprego de 2003 a 2008 - setor privado, embora
comecem a contribuir
e o Nordeste se beneficiou desta tendência. Quem se lembra dos debates dos anos 1990 com este tipo de organi-
não acredita nisso. Porque nos anos 1990, o Brasil discutiu o seguinte: não tem emprego zação, ainda não consti-
tuem um fator suficiente
para todo mundo. Lembro de muita gente boa dizendo: “quem não tem 2º grau não é em- para a continuidade de
pregável. Contrário a isto, o Brasil retomou a criação de empregos e voltou a formalizar. um trabalho tão impor-
tante para a implemen-
E quem acha que não ter carteira assinada é irrelevante, pergunte a alguém que não tem tação dos direitos e no
carteira assinada o que é que isso significa. Chegar no Magazine Luíza, querer comprar controle social. Muitas
uma roupa e o vendedor perguntar, “você trabalha onde? Cadê a carteira?” ONGs fundamentais na
luta pela democratização
Esta é uma mudança importante, e o Nordeste participou dela. O emprego formal deste pais e que ainda
exercem um papel fun-
no Nordeste cresceu 39% entre 2002 e 2008, segundo a RAIS/CAGED/MTE. Esta taxa damental na sociedade
situa-se acima da média do Brasil (36%). civil estão com o risco de
fechar. E nós não quere-
mos que isso aconteça.
NOVOS EMPREGOS 2003/08 CRESCIMENTO Luca Sinesi

BRASIL 10.375.775 36% Diretor do Serviço


Internacional (IS) no Brasil
NORDESTE 1.912.057 39% www.isbrasil.org.br

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 35


sétima resposta
Como agência de Então, quem está dizendo que o Nordeste melhorou está certo.
cooperação, estamos vi-
vendo a mesma conjun- Outro dado significativo foi o crescimento real da renda do trabalho. Segundo o
tura de muitas outras IBGE/PNAD, a taxa de crescimento real da renda do trabalho foi de 6,8% no Brasil e
que se retiraram ou mu-
daram o foco geográfico
15,5% no Nordeste. Isto inclui o impacto positivo que teve na região o aumento significa-
da sua atuação. Isso tam- tivo do salário mínimo.
bém aconteceu com o
DED - Serviço Alemão de
Cooperação. Encerramos % CRESCIMENTO 2003/07
no final de 2009 o nosso 6,8%
BRASIL
programa junto aos par-
ceiros no Nordeste de- NORDESTE 15,5%
pois de mais de 40 anos.
A atuação do DED se foca
a partir de 2010 somente Eu também sou de uma geração que, quando se defendia 100 dólares de salário
na região amazônica. mínimo, o mundo parecia que ia cair. Toda vez que aparecia isso era uma calamidade. A
A saída do Nordes- manchete nos jornais poderosos do Brasil era: “Vai falir a previdência e todos os peque-
te já havia sido comuni-
nos e médios municípios vão quebrar”. O salário mínimo hoje é R$ 415,00 e o dólar não
cada desde 2007 e, as-
sim, tivemos tempo para está nem a R$ 2,00. Mas vamos dizer que o dólar não tivesse caído tanto. Ou seja, caso
dialogar com as organiza- o dólar ficasse entorno de R$ 3,00, ainda assim passaríamos dos 100 dólares. E isso nem
ções parceiras sobre as
arrombou a previdência, nem acabou com município nenhum. Ao contrário, os brasileiros
necessidades até o final
da cooperação. consumiram mais e mobilizaram a economia brasileira. E o Nordeste agradeceu, porque
Entendendo que a região tem 28% da população total do Brasil, mas tem metade das pessoas ocupadas
temos uma responsabili- que ganham um salário mínimo. Logo, podem aumentar o salário mínimo real que o Nor-
dade em apoiar os nossos deste agradece, porque o impacto aqui é maior pela quantidade de pessoas que ganha
parceiros nessa discussão
de garantir a sua sus- esse salário.
tentabilidade depois da
O aumento do emprego formal, crescendo acima da média no Nordeste, a dimi-
saída ou redução da co-
operação, iniciamos um nuição da pobreza (o Nordeste tem metade dos pobres cobertos pelo programa Bolsa
diálogo entre agências de Família e a segunda região é o Sudeste, com 25%), o aumento real do salário mínimo
cooperação com sede no
e o avanço do crédito dinamizaram o consumo na região. Isso se verifica com dados da
Recife e que tem atuação
no Nordeste, no final de evolução das vendas no comércio varejista, entre 2003 e 2008, em pesquisa feita men-
2007 (Diálogo CI). Um re- salmente pelo IBGE (a PMC).

36
VOLUME DE VENDAS EM DEZEMBRO DE 2008 (2003=100) sultado dessa articulação
foi o seminário organi-
160,0 zado em parceria com a
152,7 151,6 Aliança Interage, cujos
145,1
140,2 140,0 resultados estão sendo
140,0
127,9 publicados nesse livro.

120,0

100,0
NORDESTE NORTE CENTRO BRASIL SUDESTE SUL
OESTE
O gráfico acima demonstra que o Nordeste e o Norte é que lideram a dinâmica das
vendas no varejo do País. O atendimento ao consumo dos mais pobres beneficiou essas regiões.
Por outro lado, o crédito não cresceu só no consumo. Os empréstimos dos bancos,
no total, cresceram bastante. Fator relevante, pois não basta aumentar a renda. Como
a nossa renda ainda é baixa, tem que olhar sempre para o crédito. E o crédito cresceu.
O gráfico indica com clareza que o crédito oficial (BNDES e BNB) cresceu bastante nos
últimos anos.
EMPRÉSTIMOS CONTRATADOS PELO BNDES E BNB
VALORES DE OUTUBRO DE 2008 (INFLACIONADOS PELO IPCA)

18.000
BNDES 16.352 15.913
16.000 BNB
14.000 Total
14.754
12.000
10.080 10.766
R$ milhões

10.000 Heike Friedhoff


7.878
8.000 Coordenadora
6.820
6.000 do Programa
4.000
Fortalecimento da
Democracia - DED Brasil
2.000
www.dedbrasil.org.br
0
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 (*)

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 37


oitava resposta
A Fundação Cesvi, Fica claro, então, que não tem fundamento a afirmação de que o “ Bolsa Família só
entidade de cooperação
internacional italiana, cria desocupados”. Ele aumentou o consumo na região (junto com outros fatores, como
decidiu em 2008 abrir um já se disse) e o consumo aumentou o investimento. A Nestlé fez uma estratégia especial
escritório no Brasil depois
de 15 anos de apoio ex- de distribuição olhando para o Nordeste. A Bauducco adaptou os biscoitinhos, fez uma
clusivamente financeiro fábrica na Bahia e está preparando outra, as grandes redes de supermercados se expandi-
às OSCs brasileiras. Esta
decisão foi tomada em ram, abrindo novas lojas ... E estou me referindo às grandes corporações multinacionais.
contra-tendência, já que Aumento de consumo atrai produção também para a região. Com isso, o Nordeste viu
o panorama da Coopera-
ção Internacional mostra crescer na região segmentos da economia que se dinamizaram a partir do aumento do
um declínio constante consumo, mas recebeu também bases produtivas novas.
dos recursos internacio-
nais destinados ao Bra- Um exemplo é o setor de petróleo e gás, que cresceu no Nordeste. Pernambuco
sil, com um desempenho
sempre mais forte das é um exemplo disso. Aí não foi consumo de bolsa família, de salário mínimo... Aí foi a
organizações nacionais. Petrobrás que, como vai aumentar a produção, está colocando em marcha o programa
As principais motivações
que justificam a abertura de implantação de novas refinarias. A Petrobrás, até a década de 1990, só expandia as
do escritório da Cesvi no refinarias já existentes. Agora tem um amplo programa de novas refinarias. O Nordeste
País são: i) apoiar as OSCs
na mobilização de recur- vai ter três, a de Pernambuco, a do Ceará e outra no Maranhão. Mas a Petrobrás mu-
sos locais, sobretudo na
articulação com o setor
dou outra política, o que foi muito importante, que é a política de compras. A política de
privado; ii) apoiar o de- compras da Petrobrás deixou de ser guiada apenas pelo menor preço. A Petrobrás é um
senvolvimento da coope-
ração Sul-Sul, através de comprador muito importante e definiu, por exemplo, que ia usar suas compras para recu-
apoio técnico (Cesvi está perar a indústria naval do Brasil. E o Rio de Janeiro, o Rio Grande do Sul, e Pernambuco
trabalhando no Haiti, em
Moçambique e em outros agradecem. E a Bahia está disputando um novo empreendimento na indústria naval. Por-
países que são prioritá- que com o pré-sal , a Petrobrás vai comprar muito mais. Nesse contexto, vamos recuperar
rios para a cooperação
brasileira); e iii) apoiar a indústria naval que estava se acabando no País, e parte dela veio para o Nordeste. Isso
empresas transnacionais porque a região tinha condição de localizar esses novos empreendimentos. Logo, há mui-
brasileiras na aplicação
de políticas de RSE em ta coisa nova acontecendo.
outros países.
Uma coisa importante que aconteceu no Brasil nos anos recentes foi o País ter uma
Andrea Ferrari Bravo política industrial. Nos anos 1990, os neoliberais diziam que o Brasil não precisava mais
Representante da ter política industrial. Bastava ter estabilidade macroeconômica que o mercado resolvia.
Fundação CESVI
E isso é um absurdo para um país como o Brasil. Então, se resolveu ter política industrial
www.cesvi.ue e de inovação. Nela, cinco setores foram considerados estratégicos no Brasil, que foram

38
definidos a partir de pesquisas como os que o País tem condições de disputar mundial-
mente. Em dois desses, o Nordeste tem possibilidade de disputar: fármacos e tecnologia
da informação. E o Nordeste está disputando empreendimentos nesses segmentos indus-
triais de ponta. Pernambuco está sediando o começo de um polo de fármacos. O que está
certo, pois temos plenas chances de sediar um polo desses.
Outra mudança é a expansão da base da C&T do País, o que é muito importante,
bem como a duplicação do número de escolas de ensino médio. O governo federal atual
criou 12 universidades novas, e, dessas, quatro estão no Nordeste (em cidades do interior,
como Mossoró). Também, o governo está com um programa de ampliação das escolas
técnicas em que o Nordeste entrou bem. E o Nordeste está abrigando importantes insti-
tutos nacionais de tecnologia, o que é uma novidade. Os centros nacionais de ciência e
tecnologia no Brasil eram muito concentrados de Belo Horizonte para baixo. Um exemplo
é o Instituto Nacional de Fármacos, liderado pela UFPE, ou o Instituto de Neurociências,
situado no Rio Grande do Norte.

Considerações Finais
Quero chegar ao final da minha fala dizendo o seguinte. Primeiro, quem acha que
todas essas mudanças dispensam política social no Nordeste está muito enganado. Este
é o começo de um processo de mudança, um modesto começo de um processo de mu-
dança.
Em 2007 (data da contagem populacional feita pelo IBGE), o Nordeste tinha 28%
da população e continua com 13% do PIB nacional. O Norte, que tem 8% da população,
responde apenas por 5% do PIB nacional. Na outra ponta, o Sudeste tem 42% da po-
pulação, e 56% do PIB nacional. Então, apenas começamos a desconcentrar... Estamos
melhorando, mas a herança estrutural da desigualdade é muito pesada e não se resolve
numa década. O desafio continua. O tamanho do desafio é muito maior do que a gente
pôde andar nessa década.

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 39


Com relação à mortalidade infantil, por exemplo, e considerando as Metas do Milê-
nio, verifica-se que esse indicador está caindo no País e no Nordeste. O gráfico abaixo, com
base nos dados do DATASUS, mostra o Nordeste com taxa maior que o dobro da nacional.

Outro ponto é a questão do analfabetismo. Os dados da PNAD 2007, por Unida-


de da Federação, mostram a distância que separa o Nordeste (em vermelho) da média
do País e do Sul e Sudeste. Enquanto em Alagoas o analfabetismo supera os 25%%, no
Distrito Federal registra taxa de 3,7%, e situa-se próxima dos 4% em estados como Santa
Catarina, Rio de Janeiro e São Paulo.
Todos os estados do Nordeste estão muito além da média, no analfabetismo. O
Nordeste rural tem taxa de analfabetismo de 33%. Isso no século XXI.
Então, o que é que eu quero dizer para terminar, são duas coisas.
O tamanho da desigualdade social, da miséria, da herança de iniqüidade do Brasil
não acaba em dez anos. Nós melhoramos, estruturamos bem a economia, melhoramos o

40
nona resposta
quadro social, temos condição de avançar daqui para frente, mas ainda temos um desafio Nos últimos cin-
co anos observamos um
muito grande. Por exemplo, o sistema de assistência técnica rural é algo estratégico para o processo de importante
Nordeste. Quem se dedica a isso está no caminho certo. A região tem 46% da população redução dos investimen-
ocupada na agropecuária do País, e responde por apenas 14% da produção agrícola na- tos sociais destinados à
América Latina por gran-
cional. Fica evidente que se tem uma agricultura de baixa produtividade. Torna-se, assim, des fundações privadas
importante melhorar os padrões técnicos dessa agricultura. E se melhora com conheci- internacionais e agências
de Cooperação Interna-
mento, educando as pessoas, transferindo conhecimento tecnológico para essa atividade. cional, agravado mais
Então, pode acabar o sistema de assistência técnica pública no Sudeste? Pode. O setor recentemente em razão
dos efeitos da crise finan-
privado dá conta. Mas aqui não. Aqui tem que haver um sistema de assistência técnica ceira sobre as receitas
ainda muito importante, e público. Não estou dizendo só governamental. dessas organizações.

Outro ponto é o seguinte. No Nordeste que melhorou, parte não avançou com
Bauducco e Nestlé. A melhoria se deu pela ação de pessoas que empreenderam na re-
gião: com pequenas unidades produtoras de castanha de caju, mel de abelha, confecção,
flores tropicais, entre outros. Existe uma grande riqueza de iniciativas na região, algumas
incipientes, começando a nascer, aproveitando esse tipo de ambiente mais favorável,
mas que não está consolidado, de um lado, e que pode ser muito ampliado, do outro. E,
portanto, precisa de apoio das políticas públicas e das agências de fomento e assistência.
Um desafio neste caso é o de articular melhor os investimentos. Recebemos alguns inves-
timentos, mas é muito atomizado. Vocês que trabalham na base devem sentir isso. Tem
tanta gente fazendo coisa parecida ou até atuando uns contra os outros. O Brasil ainda
precisa aprender a articular esse tipo de política.
Finalmente, o Nordeste tem que pensar na América do Sul. O Brasil fez um reposi-
cionamento estratégico à escala mundial, hoje faz parte do G20, sendo uma das nações
que está sendo revisitada neste início de século. É inegável que o Brasil se recolocou no
contexto mundial e um dos reposicionamentos estratégicos importantes é a sua inserção
Neylar Vilar Lins
na América do Sul. Pela primeira vez, o País está olhando para os demais países deste
continente sul-americano. O Brasil só olhava para Europa ou para os Estados Unidos. Representante Brasil da
Fundação Avina
Agora está priorizando as relações sul-sul, em especial a América do Sul. O Nordeste
tem que pensar esse diálogo com a América do Sul. Não sei se vocês conhecem bem a www.avina.net

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 41


décima resposta
A articulação com
outras fundações, insti-
tutos e agentes de coope-
ração nos parece um ca- Di st ri to Fede ra l 3,7
minho fundamental. Esse Go iá s 8,8
diálogo nos possibilitará
Ma to Gr os so 10,1
pensar coletivamente
em uma resposta estra- Ma to Gr os so do Su l 8,3
tégica ao novo contexto Taxa Nacional=
que resulta da saída da Ri o Gr ande do Su l 5
cooperação internacio- Sa nt a Ca ta ri na 4,4 10,0%
nal do Brasil, de modo a Pa ra ná 6,5
que se possa transformar
este momento de crise Sã o Pa ul o 4,6
em oportunidade para Ri o de Ja ne ir o 4,3
fortalecer as instituições Es pí ri to Sa nt o 8,5
tradicionalmente finan- Mi na s Ge ra is 8,9
ciadas com recursos do
exterior. Ba hi a 18,4
Promover o desen-
UF

Se rg ip e 16,8
volvimento institucio- Al agoa s 25,1
nal das organizações da Pe rn am buco 18,5
sociedade civil já é, há Pa ra íb a 23,5
alguns anos, uma preocu- Ri o Gr ande do No rt e 19,6
pação do Instituto C&A, Ce ar á 19,1
mas ainda não se pode
Pi au í 23,4
dizer que esta seja uma
Ma r anhã o 21,4
causa que arregimente
muitos adeptos. No nosso
entendimento, trata-se Tocant in s 14,2
de um trabalho com re- Am ap á 6,7
flexos diretos no desen- Pa rá 11,7
volvimento da sociedade Ro ra im a 10,3
civil brasileira, tornando- Am az ona s 7,9
a mais organizada para Ac re 15,8
resolver seus pleitos, seja Ro ndôni a 9,7
por ação sobre as deman-
02 ,5 57 ,5 10 12,5 15 17,5 20 22 ,5 25 27 ,5
das sociais, seja por meio
de posicionamentos polí- Taxa de analfabetismo
ticos que permitam uma
maior conjugação com o

42
literatura latino-americana. Ler sobre a realidade de países como Bolívia e Colômbia é poder público. E o Insti-
tuto C&A tem todo o in-
como se estivéssemos lendo sobre o Nordeste. Temos grandes afinidades com os povos teresse em compartilhar
sul-americanos. Este é um desafio interessante para o futuro. sua experiência e seus
métodos nessa área, bem
Com relação ao seminário de vocês eu vou terminar fazendo uma reflexão sobre como em sensibilizar
duas palavras. A primeira é recurso. Recurso não é recurso financeiro somente. Apareceu seus pares para investir
no desenvolvimento ins-
na Mesa de Abertura essa idéia e acho que ela merece uma boa reflexão. Saber fazer titucional das organiza-
(know how), por exemplo, também é um recurso. Grande parte do que as organizações ções sociais.
não-governamentais fizeram teve a ver com recurso financeiro, mas também teve a ver
com metodologias, com formas de realização de projetos, com maneiras de dialogar com
a sociedade. Isso é um patrimônio. Nós não podemos deixar que esse patrimônio se perca
por falta de recursos financeiros. No Brasil do século XXI, com o potencial que se tem, não
podemos perder esse patrimônio. Então, se eu fosse vocês, eu explorava bastante essa
palavra “recurso”, porque “recurso financeiro” empobrece o conceito que está por trás.
A segunda noção é política pública. A grande maioria de vocês faz políticas sociais
que são políticas públicas. Uma das coisas que nós estamos aprendendo a duras penas
no Brasil é separar público de governo. Nem tudo que é público é governo. Embora seja
muito importante restaurar o Estado brasileiro, um dos debates que vamos ter no século
XXI vai ser sobre o novo papel do Estado.
Este debate vai voltar à agenda. Não estamos mais na década de 1990, em que
dominava a visão de que o mercado resolvia tudo. A crise recente deixou na defensiva os
apologistas do mercado. E nós não devemos querer, no Brasil, voltar ao Estado autoritá-
rio, desenvolvimentista-conservador que foi o que construímos no século XX. A sociedade
brasileira está mais amadurecida, já fez vários debates e está no caminho do bom debate.
Mas qual é mesmo o papel do Estado? Então esse debate é o debate de vocês,
na minha leitura, porque nem toda política social é política governamental. Pode até ser Paulo Castro
financiada pelo governo, mas não precisa ser toda praticada, concebida, implementada Diretor Presidente do
e financiada pelo governo. Até porque o governo sozinho não dá conta do tamanho e da Instituto C&A
complexidade dos desafios. www.institutocea.org.br

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 43


Vai ser necessário ter calma e lucidez para fazer a transição do Brasil vulnerável,
capengando, para esse Brasil que se reposiciona. Eu sou otimista porque acredito que na
definição do marco regulatório do pré-sal, por exemplo, sinalizamos para essa postura de
calma, com os olhos no futuro, sem açodamentos desnecessários. A forma como estamos
discutindo o pré-sal me anima, porque estamos olhando o pré-sal primeiramente como
uma fonte de riqueza esgotável; assim não podemos pendurar a estratégia futura do Brasil
no pré sal. O petróleo do pré-sal também vai acabar. Ele vai só fazer o Brasil participar
com destaque do final da era do petróleo. Como é esgotável, vamos a isso com calma, e
vamos com calma para deixar um legado positivo depois que esse recurso acabar. Então,
está certo combinar concessão com partilha, porque a partilha permite-nos ter o coman-
do do uso. E é muito importante ter o comando do uso. A história está repleta de país
petroleiro que torrou seu petróleo e hoje compra petróleo a preço alto, porque perdeu o
controle da exploração. Então, eu acho que está certo fazer o que está sendo feito, prio-
rizando o uso dos recursos públicos que advirão do pré-sal para melhorar a educação, a
saúde, a vida da população do País.
O que o Brasil precisa é educação e redução da miséria. Se não agirmos para
enfrentar essas duas questões, não teremos um país diferente na frente. Portanto, o patri-
mônio de vocês tem forte aderência com a proposta atual do Brasil.

44
Domingos Armani
Organizações da sociedade civil: sustentabilidade e
Sociólogo, Mestre em
democracia1 Ciência Política (UFRGS) e
consultor em desenvolvi-
mento institucional.

As condições de sustentação política e financeira das organizações da sociedade


civil brasileira modificaram-se completamente nos últimos anos. Já não é possível manter
sustentável uma organização sem inovar nas estratégias de ação e de mobilização de
recursos, e sem mudar a sua cultura institucional.
Entre os anos 1980 e meados dos 1990, muitas organizações da sociedade
civil brasileira experimentaram o auge das relações com a cooperação internacional
não governamental 2.
Havia recursos relativamente abundantes e existia muito interesse no processo social 1 Este artigo é a
versão revista e ampliada da
e político brasileiro. O Nordeste e o Sudeste eram as regiões preferidas de trabalho e a apresentação realizada pelo
maior parte das organizações internacionais estabeleceu seus escritórios nestas regiões. autor na sessão de abertura
do seminário “Sustentabilida-
O enfrentamento da pobreza e das desigualdades, a partir de novas abordagens de e Mobilização de Recursos
conceituas e metodológicas, juntamente com o processo de construção e fortalecimento para OSC”, realizado em
setembro de 2009, no Recife.
de movimentos sociais de envergadura nacional, em meio às vicissitudes da construção
2 Veja-se, como
democrática, se constituíram em fortes atratores da cooperação internacional. ilustração, o caso do Ibase
que, em 1992 tinha cerca de
Tal situação pode ser caracterizada como de “forte sustentação” institucional destas 35 parceiros internacionais,
organizações da sociedade civil, mas não de “forte sustentabilidade”. Isto porque, havia responsáveis por 80% do
um alto grau de dependência de um único tipo de fonte de recursos (a cooperação inter- seu orçamento, número que
em 1996 foi reduzido a 17,
nacional) e uma baixa interpelação e mobilização da sociedade brasileira. cobrindo 37% do orçamento.
Como resultado das modificações ocorridas no contexto nacional e na cooperação Ver: Grzybowski, Cândido.
O Ibase em busca de novas
internacional nos anos 1990, este ciclo chegou ao fim. A cooperação internacional segue formas de financiamento. Rio
importante política e financeiramente para muitas organizações no Brasil, mas já são cada de Janeiro, maio de 1997.


Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 45
vez menos comuns os casos em que esta é responsável por mais do que 50% das receitas
anuais de uma organização.
Abre-se a partir de então, a oportunidade para um novo ciclo, mais propenso à bus-
ca da sustentabilidade com base no estabelecimento de diversos tipos de parcerias locais.
Este ciclo, por desafiar as organizações a tornarem o contexto nacional mais favorável à
sua presença duradoura, poderá contribuir de forma significativa para o seu fortalecimen-
to como sujeitos políticos autônomos e para a radicalização da nossa democracia.

Dificuldades na sustentabilidade das organizações


Há inúmeros sinalizadores das mudanças nas condições de sustentabilidade das
organizações da sociedade civil e de suas dificuldades para trafegar nesta transição de
um ciclo a outro.
Embora este seja um processo que afeta todo o país, os efeitos são sentidos de
forma desigual regionalmente. O Nordeste parece ser a região que está sentindo as dores
mais fortes desta transição neste momento. A região Sul já viveu isto há 15 anos, quando
parte da cooperação internacional decidiu não mais atuar na região.
Uma das evidências mais claras de que algo importante está mudando no contexto
da sustentabilidade das organizações é a crescente dificuldade para a sua sustentação
financeira. O cenário da estabilização ou mesmo redução de receitas nos anos recentes
tem sido generalizado. Muitos designam a situação como “crise”.
3 O PAD - Processo
de Articulação e Diálogo é
Não existem pesquisas amplas sobre a situação financeira das organizações da
uma rede formada por sete sociedade civil no Brasil. No entanto, a percepção generalizada dos atores é de que as
agências ecumênicas euro- receitas das organizações já viveram dias melhores.
péias de distintos países e por
diversas entidades parceiras Duas pesquisas relativamente recentes, ainda que restritas quantitativamente, são
no Brasil, representantes de
significativas neste sentido, uma vez que dizem respeito ao campo das organizações de
movimentos sociais, entida-
des ecumênicas e organiza- defesa de direitos com fortes vínculos com a cooperação internacional (afiliadas ao PAD -
ções não-governamentais. Processo de Articulação e Diálogo3 e à Abong – Associação Brasileira de ONGs).

46
Em levantamento recente no âmbito das organizações do PAD4 indicou-se que (i)
das 256 organizações integrantes da articulação em 1998, praticamente todas com par-
cerias internacionais à época, restaram ativas na rede PAD apenas 140 em 2008, sugerin-
do a perda de contato de boa parte delas com o circuito da cooperação internacional; (ii)
nada menos do que 94% das respondentes afirmava viver problemas na sua sustentação
financeira; e que (iii) a principal medida para enfrentar as dificuldades financeiras era o
“controle do orçamento”, no que figuravam medidas tais como: a redução de pessoal 4 PAD, GT Sus-
tentabilidade Institucional.
administrativo e técnico, a redução de carga horária, mudanças na forma de contratação
Sustentabilidade das ONGs e
do quadro fixo para prestação de serviços e redução de espaço físico. Tudo isso para “re- Movimentos Sociais do cam-
duzir ao máximo possível os gastos com a estrutura da organização, para pagar dívidas po PAD: crise e alternativas.
Novembro 2008. Um total de
e mantê-la em funcionamento com condições mínimas para execução dos seus projetos”.
34 organizações (81% delas
Em outra consulta relativamente recente, esta da Abong em 20065, 17 das 24 res- ONGs) respondeu à consul-
ta.
pondentes, afirmaram ter algum tipo de déficit orçamentário. A pesquisa indicou também 5 PDI Abong. Abong
que as organizações com menor número de fontes de recursos (até duas) sofriam mais mapeia causas da crise fi-
com problemas financeiros. nanceira em ONGs. Pesquisa
realizada pelo PDI da Abong
Dentre as várias implicações das dificuldades financeiras vividas por muitas organi- (Programa de Desenvol-
vimento Institucional) em
zações hoje, destacam-se:
2006, a partir de convite a
• A adoção de medidas de contenção de despesas, as quais tendem a 32 associadas, das quais 24
responderam o questionário
reduzir a capacidade de ação;
enviado.
• A redução do escopo, do âmbito territorial e do número de pessoas desti- 6 A pesquisa da
natárias da atuação institucional; Abong com suas associadas
• A redução da equipe de trabalho, com a perda das pessoas mais experi- em 2004 revelou que entre
2001 e 2004: (i) houve pou-
entes e mais qualificadas, e a maior precarização dos vínculos contratuais6;
ca elevação do gasto com
• Crescente sobrecarga de trabalho e superposição de responsabilidades; pessoal dentre as maiores
• O risco crescente da busca por recursos de qualquer natureza a qualquer organizações; e (ii) redução
custo, como forma de manter a organização ativa; do gasto dentre muitas das
menores. Ver Abong. ONGs
• Tendência à estabilização da remuneração, aumento da rotatividade de
no Brasil – Perfil das Associa-
pessoal e menor capacidade de atração e integração duradoura de profis- das à Abong 2005 (acessível
sionais qualificados; em http://www.abong.org.br).

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 47


• Por fim, em alguns casos, tem-se até mesmo o encerramento total das ativi-
dades da organização.
Dentre as implicações com sinal positivo, salienta-se a tendência à maior coorde-
nação e atuação conjunta (indicada tanto na pesquisa da Abong como do PAD), o com-
partilhamento de equipamentos e infraestrutura, e a maior propensão para enfrentar os
nós-críticos do desenvolvimento institucional.
O acesso das organizações da sociedade civil aos recursos públicos não tem sig-
nificado maior sustentabilidade institucional do setor. Para que isso fosse verdade, seria
necessário que o repasse de recursos à sociedade civil fosse regido por um marco regu-
latório jurídica e administrativamente adequado, que conferisse clareza, transparência,
previsibilidade e fiscalização e controle públicos ao processo.
Para compreender os constrangimentos ao avanço regulatório do financiamento pú-
blico às organizações da sociedade civil, é importante reconhecer que as relações Estado
– Sociedade se tornaram foco de disputas político-partidárias desde o início da gestão Lula.
Isso tem feito com que as forças políticas conservadoras e boa parte da grande
mídia busquem exercer pressão sobre os gestores públicos, os órgãos de controle, como
o TCU (Tribunal de Contas da União), a CGU (Controladoria Geral da União) e o Minis-
tério Público, e também busquem diluir na percepção da população os fins públicos das
organizações de defesa de direitos.
Se nos anos 1980 e 1990 a atuação das ONGs era vista pela opinião pública
como fundamentalmente positiva – lembremo-nos da ECO 92 e da Campanha Contra a
Fome (1993) – agora, no final da primeira década do séc. XXI, já não é mais assim.
Como resultante deste quadro, o sentido e o valor, do ponto de vista do interesse
público, da existência de organizações autônomas na sociedade civil que defendem direi-
tos é algo que está em disputa no espaço público.
As relações entre o setor empresarial e as organizações da sociedade civil, por sua
vez, crescem e se qualificam progressivamente, com número crescente de diálogos e ini-

48
ciativas de caráter mais estratégico. Identifica-se, porém, importantes desafios como o do
apoio ao desenvolvimento institucional das organizações (e não somente a projetos), e o
da articulação de estratégias intersetoriais.
Três fatores parecem ser relevantes para o futuro das relações entre organizações da
sociedade civil e setor empresarial. O primeiro é o grau e o ritmo de avanço das práticas
de responsabilidade social das empresas; o segundo é a superação do desconhecimento
e do preconceito ideológico mútuo entre ambos setores; e o terceiro é a identificação por
parte dos dois setores de que a maior efetividade das ações sociais e a maior sustenta-
bilidade das organizações não governamentais tem muito a ganhar com a aproximação
estratégica entre eles.
Este conjunto de dificuldades indica que a sustentabilidade do campo das organiza-
ções da sociedade civil de defesa de direitos está longe de ser satisfatória, e parece estar
piorando ao invés de melhorar. As dificuldades de ordem financeira são evidentes e gene-
ralizadas; há várias agências internacionais saindo ou reduzindo suas operações no país;
o acesso a recursos públicos é incerto e arriscado; inexiste um marco legal adequado às
necessidades de acesso aos recursos públicos; a simpatia da opinião pública não é mais
gratuita, e o apoio do setor empresarial é ainda limitado diante da demanda potencial e
pouco tematizado em âmbitos interinstitucionais do ponto de vista mais estratégico.
É importante reconhecer que as adversidades do contexto para a maior sustentabilidade
do campo das organizações da sociedade civil não são suficientes para explicar a situação.
Há que considerar também a capacidade de adaptação e inovação das organi-
zações frente às mudanças de contexto, sem o quê, tais dificuldades poderão se tornar 7 Ver, por exemplo,
intransponíveis para muitas delas. os casos inovadores de
mobilização de recursos em:
Infelizmente, os avanços neste sentido têm sido lentos e pontuais. Algumas orga- Armani, Domingos. Mobi-
nizações conseguem instaurar processos de mudança de estratégias e mesmo de cultura lizar para Transformar – a
mobilização de recursos nas
institucional, buscando inovar tanto nas formas de intervenção, como na interlocução e organizações da sociedade
mobilização da sociedade, com vistas a ampliar sua visibilidade, credibilidade e capaci- civil, São Paulo: Peirópolis;
dade para mobilizar recursos7. Recife: Oxfam, 2008.

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 49


Outras, porém, mal conseguem “fazer mais do mesmo” – colocando mais e mais
energia institucional na elaboração de projetos para participar de editais, mas sem refletir
sobre suas formas de ser e de fazer como ator social.
Estes elementos sugerem um padrão de sustentabilidade institucional frágil, cujos
fundamentos são o foco quase exclusivo na intervenção socialmente focada via projetos
(em detrimento da interpelação e mobilização da sociedade) e a dependência de poucas
fontes de apoio e parceria.
Se, por um lado, é verdade que a vida das organizações da sociedade civil que
defendem direitos está mais difícil e que a sustentabilidade do seu próprio campo está em
questão, por outro, esta situação indica que parte da responsabilidade está no padrão de
sustentabilidade e de gestão das próprias organizações.

Um olhar sobre a cooperação internacional no Brasil


É consenso hoje no campo social brasileiro que a cooperação internacional com o
Brasil está passando por mudanças substanciais.
A recente crise econômica internacional tem afetado o mundo da cooperação, mas
este já vinha processando mudanças importantes há mais de dez anos.
Sobre isso, é interessante observar que na pesquisa recente do Instituto Fonte sobre
8 Silva, Rogério
o impacto da crise econômica sobre a cooperação com o Brasil, foi constatada “a dificul-
Renato; Vargas, Ana Caro- dade dos entrevistados em distinguir entre o que seriam efeitos diretos da crise econômica
lina Comin. Efeitos da crise atual de efeitos da “crise” anterior da cooperação internacional do Brasil”8.
econômica 2008/2009 sobre
as agências de cooperação É muito difícil precisar se o volume de recursos financeiros alocados ao Brasil dimi-
internacional que atuam no nuiu efetivamente nos últimos anos e, se sim, em quanto.
Brasil. Relatório de Pesquisa.
São Paulo: Instituto Fonte; Dentre as associadas à Associação Brasileira de ONGs - Abong, por exemplo, hou-
2009.
ve redução da proporção do orçamento coberta por recursos internacionais – eram cerca
9 Ver Abong, 2005,
op. cit. de 82% em 1993, 53% em 2000 e 42% em 20039.

50
Há informações dando conta da saída de muitas agências internacionais do País e
da redução do âmbito das operações de algumas delas.
Levantamento informal realizado no processo preparatório desta publicação indicou
que dez organizações internacionais de ajuda ao desenvolvimento e outras duas da ajuda
oficial haviam saído recentemente ou já tinham data definida para sair do País10.
10 As dez menciona-
A Fundação Kellogg, dos Estados Unidos, decidiu deixar o país, mas está articulan- das são: CordAid (Holanda),
do a criação de um mecanismo de apoio à equidade racial no Nordeste como forma de Catholic Relief Services-CRS
(Estados Unidos), Intermon
processar uma saída responsável. A Novib (Oxfam Holanda), que também está deixando o
(Espanha), Novib (Holanda),
Brasil, discute no momento a possibilidade de criar um fundo de apoio a projetos no País. Trócaire (Irlanda), TDH (Ho-
landa), Save the Children (Su-
O DED (Serviço Alemão de Cooperação Técnica e Social) deixou a região Nordes- écia), SCIAF (Escócia), Volens
te em 2009 para focar seu trabalho apenas na Amazônia doravante, com escritório em (Bélgica) e Fundação Kellogg
Belém/PA. A Save the Children (Reino Unido) também deixou Recife para se incorporar à (Estados Unidos). Em 2010,
Save the Children Suécia fe-
Fundação Abrinq – Save the Children (novo nome da F. Abrinq), em São Paulo. chará seu escritório no Brasil
e manterá suas ações no
Por outro lado, há notícias também da chegada de novas organizações internacio-
país a partir de seu escritório
nais, seja no campo ambiental, seja no do desenvolvimento. regional, em Lima. E, a partir
de 2011, poderá manter suas
Há vários anos representantes de organizações internacionais tem relatado a cres- ações apoiando à Fundação
cente dificuldade interna para manter os mesmos níveis orçamentários para o Brasil, ou Abrinq - Save the Children. As
mesmo, para manter o País na lista dos que devem ser apoiados. duas agências da coope-
ração oficial que deixam o
O principal argumento para a eventual saída ou redução orçamentária tem sido o país são o DFID/Reino Unido
(só apóia indiretamente,
fato de o País ter deixado para trás a condição de país de baixa renda (Low Income Coun-
por meio de organizações
try), sendo então, comparativamente, não prioritário para a ajuda internacional. internacionais) e a CIDA/
Canadá (2011). Algumas
Como o Brasil é hoje considerado um país de renda média alta pelo Banco Mundial
organizações internacionais
e figura desde 2007 no grupo de países de alto IDH, está fora da lista de países prioritá- reduziram suas operações no
rios a receber ajuda oficial internacional. Com isso, as organizações não governamentais Brasil recentemente (ICCO/
Holanda, Oxfam-GB/Reino
internacionais que recebem aporte financeiro de seus governos não podem utilizar pro-
Unido, Plan International/
porções significativas destes recursos públicos para a ajuda ao Brasil, tendo de fazer uso Inglaterra, PPM/Alemanha,
de outros tipos de recursos para isso11. Solidariedade/Holanda).

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 51


Isto tem sido reforçado nos últimos anos pelo fato de o Brasil ter se tornado um
provedor de ajuda internacional, com maior destaque para a África, e por ser reconhecido
nas esferas oficiais como um global player.
O montante geral de recursos da cooperação internacional oficial (Overseas De-
velopment Assistance – ODA) dos países da OCDE (Organização para a Cooperação
e o Desenvolvimento Econômico) nos últimos anos tem aumentado, apesar da retração
recente forçada pela crise internacional12. O mesmo vale para os recursos da cooperação
internacional dos Estados Unidos13. O que de fato está sofrendo redução é o grau de
prioridade do Brasil para continuar a ser um país recipiente de ajuda.
Deve-se lembrar também de dois fatores conjunturais que têm afetado negativa-
mente o fluxo de recursos internacionais para o Brasil. Um deles é a valorização cambial
do Real em relação ao Euro e ao Dólar, a qual tem significado (i) perda de receitas por
parte de organizações brasileiras que têm contratos em moeda estrangeira; e (ii) redução
11 No caso da do volume de recursos destinados ao Brasil nos casos de organizações internacionais que
Cooperação Holandesa, por
exemplo, o governo estipulou têm seu orçamento Brasil em Reais.
que pelo menos 60% dos
O segundo fator foi a crise econômica internacional iniciada no segundo semestre
recursos públicos destinados
às ONGs holandesas sejam de 2008, a qual acarretou perdas importantes para muitas organizações internacionais e
canalizados para os países fez estacionarem e/ou recuarem novas iniciativas e investimentos de risco.
listados como prioritários
(onde não figura o Brasil). Há alguns anos se vive, especialmente na Europa, um ambiente de questionamento
12 Ver: OECD. Deve- sobre o sentido e os efeitos da assim chamada “ajuda ao desenvolvimento”.
lopment aid at its highest level
ever in 2008 disponível em Tal questionamento emerge tanto a partir das mudanças sociais e econômicas –
http://www.oecd.org crescimento da pobreza e do desemprego em alguns países, desafio da inserção dos
13 Ver: Benoît Cherva-
lier, Joseph Zimet. American imigrantes, crise do Estado de Bem-Estar Social etc. – como pelo crescimento das forças
Philanthropic Foundations: políticas à direita no contexto europeu.
Emerging Actors of Globa-
lization and Pillars of the Esta situação levou as agências internacionais a fazer opções que tiveram implica-
Transatlantic Dialog. January ções para seu posicionamento estratégico, seus modelos de gestão, suas estratégias de
2006 (disponível em http://
ação e, também, nas políticas, prioridades e condicionalidades para com as organizações
www.cfr/publications).

52
parceiras. Elas passaram então a se preocupar como nunca antes com a construção de 14 Pão para o Mundo
(PPM) se juntará à EED até
parâmetros que possibilitassem a avaliação e a demonstração de resultados. 2012; ambas aprovaram
documento programático con-
Uma das implicações deste quadro de crescentes dificuldades foi a tendência ao junto 2010-14 em novembro
agrupamento e/ou fortalecimento de redes nacionais e internacionais de organizações. de 2009, no qual se referenda
a continuidade do apoio ao
Isto favoreceu a maior nitidez da identidade e maior coerência nas formas de atuar dos
Brasil.
diversos campos político-institucionais, conferindo-lhes também maior visibilidade e capa- 15 Aprodev foi criada
cidade para mobilizar recursos. em 1990 e articula 17
organizações de cooperação
Na Holanda, por exemplo, seis organizações independentes de cooperação se uni- ligadas ao Conselho Mundial
de Igrejas (www.aprodev.net).
ficaram na “Aliança ICCO”; na Alemanha, outras cinco se unificaram como “EED” (Ser- 16 A aliança interna-
viço das Igrejas Evangélicas na Alemanha para o Desenvolvimento) em 2001. A elas se cional Cidse foi criada em
1967 e articula 16 organiza-
juntará proximamente a PPM (Pão para o Mundo)14, designação que passará a nomear o ções católicas de cooperação
conjunto delas. na Europa e na América do
Norte (www.cidse.org).
Ao nível internacional, reforçaram-se as articulações por campos identitários, como a 17 Há atualmente 74
organizações na aliança ACT
APRODEV (Association of World Council of Churches related Development Organisations in Development com 39.000
Europe)15 no campo protestante e o CIDSE (Cooperação Internacional para o Desenvolvi- funcionários trabalhando em
mais de 130 países com um
mento da Solidariedade)16 no campo das organizações de cooperação católicas. O campo orçamento total de cerca de
protestante, incluindo aí o Conselho Mundial de Igrejas, agências de cooperação interna- U$ 2.100.000.000. Em 2010
cional e organizações do movimento ecumênico, criou em 2007 a ACT Development17 (Ac- está prevista a fusão com ACT
International, voltada à ajuda
tion by Churches Together for Development), organismo voltado à erradicação da pobreza, humanitária, totalizando então
da injustiça e do abuso dos direitos humanos. 165 organizações, com o
nome de ACT Alliance.
Outro fenômeno deste período foi a criação ou ampliação de organizações e redes 18 Oxfam International
é composta por 14 organi-
internacionais, como a Oxfam International18, a ActionAid International19, a International zações nacionais. No Brasil,
Save The Children Alliance20, a Solidaridad21 etc. Oxfam-GB (Grã-Bretanha)
está presente desde a década
O novo contexto da cooperação tem exercido pressão sobre as organizações inter- de 60, com escritório em
Recife.
nacionais no sentido de seu conhecimento dos contextos onde atuam e sua presença no 19 ActionAid Interna-
terreno, assim como em relação à qualidade das parcerias estabelecidas. Por conta disso, tional é a rede de ActionAid
nacionais criada em 2003.
muitas organizações decidiram ampliar seus escritórios nacionais ou então fazer uso re- ActionAid existe no Brasil
desde 1998.

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 53


gular de empresas locais de consultoria para acompanhamento e avaliação e projetos22.
Por fim, outra implicação do novo contexto da cooperação, é o processo de “na-
20 A International Save cionalização” de organizações internacionais. Isto é uma resposta tanto ao desafio acima
The Children Alliance foi criada indicado de maior proximidade e inserção nos contextos locais, assim como ao desafio da
formalmente em 1989, articu-
lando hoje 29 organizações mobilização de recursos, já que as organizações tornadas nacionais passam a mobilizar
nacionais, e contando com recursos nestes países.
cerca de 14.000 funcionários
(www.savethechildren.net). No Alguns exemplos no Brasil são: a ActionAid Brasil criada já em 1998 como orga-
Brasil, a entidade membro hoje nização brasileira; a Care Brasil, criada em 2001 e a Save the Children, que fechou seu
é a Fundação Abrinq (www.
escritório em Recife para passar a integrar a Fundação Abrinq (que se torna a Save the
fundabrinq.org.br).
21 Solidaridad é uma Children Brasil). Outras organizações internacionais discutem no momento a conveniência
fundação de desenvolvimento de se tornarem organizações brasileiras.
com sede na Holanda que
atua no Brasil há mais de 20 Mesmo fora do campo das organizações de cooperação este fenômeno acontece,
anos. Atualmente, se encon- como é o caso do Greenpeace Brasil23 e do WWF Brasil24.
tra em fase de transformação
em uma rede internacional Algumas lideranças de ONGs brasileiras, ainda que não contrárias a este movimen-
com 09 escritórios e presen-
to, tem manifestado preocupação, já que existe o risco destes processos se darem sem a
ça em 19 países em África,
Ásia e América Latina (www. transferência de expertise em mobilização de recursos para as organizações nacionais.
solidaridad.nl).
22 Dois casos recentes
Este processo da nacionalização de organizações internacionais é um movimento
são os da Solidaridad (previs- que está ocorrendo em nível mundial; uma Ong mexicana (Rostros y Voces), por exemplo,
to para 2010) e da Aliança recentemente se transformou na Oxfam México, passando a integrar a Oxfam International.
ICCO (previsto para 2010).
23 O Greenpeace Há ainda outros fatores relevantes para compreender o novo quadro de desafios
Brasil foi criado em 1992,
vivido pela maior parte das organizações de ajuda ao desenvolvimento.
sendo integrante do Gre-
enpeace International (http:// Um é o fato de que estas organizações têm tido maiores dificuldades para mobilizar
www.greenpeace..org.br).
24 O WWF Brasil
recursos e para manter sua autonomia em termos de opções estratégicas. E isto está as-
foi criado em 1996, sendo sociado a dois fatores: (i) certa fadiga da ajuda internacional, depois de mais de meio sé-
um dos 27 organizações culo, e (ii) o envelhecimento da população em geral e especialmente da geração que deu
nacionais autônomas da rede
mundial WWF International
origem e sustentação política e financeira ao movimento de solidariedade no pós-guerra.
(http://www.wwf.org.br). Outro fator ainda é que o crescente ceticismo da opinião pública quanto aos im-

54
pactos da ajuda internacional não tem sido acompanhado por convincentes esforços de
demonstração do sentido da ajuda. Esta ainda mostra fôlego quando se trata de situações
de emergências ou no combate à pobreza nas regiões e países mais pobres, mas já não
tanto quando se trata de padrões de desigualdade menos óbvios ou familiares.
Esta conjugação de fatores levou a que as organizações internacionais de ajuda ao
desenvolvimento se tornassem cada vez mais dependentes dos recursos públicos governa-
mentais (bilaterais e multilaterais), o que exerce forte pressão sobre seu campo de escolhas
(países, temáticas, presença no terreno, formas de atuação, exigências de monitoramento
& avaliação, perfil de profissionais etc.).
E aí talvez resida outra dificuldade das organizações internacionais – o apelo por
recursos junto à população nos respectivos países foi, por muitas décadas, mais fácil e
mais produtivo quando baseado em argumentos de pobreza extrema, vividas “ultramar”,
longe, sem relação alguma com o processo de globalização e com a dinâmica geopolítica
e comercial do mundo globalizado.
Não era incomum em organizações internacionais que a mensagem pública de
apelo por recursos junto à população não guardasse nenhuma relação com a complexa
análise sociopolítica realizada por ela do contexto. Este hiato entre o porque do pedido
de ajuda e o tipo de apelo feito não contribuiu para a maior politização das bases sociais
destas organizações25.
Nota-se, no entanto, que no período mais recente, têm sido mais comuns as cam- 25 Ver crítica ao
comportamento das agên-
panhas de mobilização de recursos com um apelo mais político e mobilizador. As organi-
cias diante da tendência de
zações ambientais conseguiram fugir com maior facilidade desta lógica. redução do fluxo de recursos
oficiais à América Latina em
Neste sentido, deve-se reconhecer e valorizar o processo de maior ativismo político das Políticas de las ONGs euro-
organizações internacionais, por meio de ações de lobby e de advocacy, as quais têm contri- peas para América Latina:
buído para a maior politização do contexto da ajuda ao desenvolvimento. Tendencias y perspectivas
recientes, de Kees Biekart.
Outro elemento crítico em relação às organizações da cooperação internacional Instituto de Estudios Sociales
(ISS), La Haya, Países Bajos,
é sua pouca permeabilidade à influência de um de seus stakeholders estratégicos – as
abril 2005.

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 55


organizações da sociedade civil dos países do Hemisfério Sul. Os processos de internacio-
nalização (por meio de redes e alianças globais) e de nacionalização (tornando-se ONGs
nacionais) ora em curso, tem aberto novas possibilidades neste sentido, mas ainda há
muito por ser feito26.
O contexto da cooperação internacional com o Brasil está mudando rápida e pro-
fundamente como parte do processo de reconfiguração do campo da cooperação inter-
nacional num mundo em processo de mudança.
A pobreza, força motriz que justificou a solidariedade internacional ao País por
várias décadas, já não se mostra argumento suficiente para manter a atuação das orga-
nizações internacionais aqui no futuro.
A região Nordeste, que assiste hoje à retirada de várias organizações internacionais,
tem sido região prioritária da cooperação internacional, especialmente devido ao grau de
pobreza aí verificado. Entretanto, o movimento de saída e a priorização da Amazônia por
parte de muitas organizações internacionais, oportunizam que a simbologia negativa rela-
tiva ao atraso/fome/pobreza/violência da região, até hoje utilizada para mobilizar ajuda
internacional, seja crescentemente associada à sua contraface positiva – a da capacidade
de inovação, de adaptação ao contexto, de desenvolvimento de alternativas.
Talvez o maior apelo nacional à cooperação internacional resida no processo de
26 Ver, por exemplo,
ALOP. La Cooperación Inter- decifrar o que se pode chamar de “enigma brasileiro”: por que, apesar de sua pujança
nacional al Desarrollo desde econômica, de sua liderança em termos de legislação, dos avanços em termos de políticas
la Perspectiva de las Organi-
públicas e da riqueza e ativismo de sua sociedade civil, o País não logra superar pata-
zaciones Sociales de América
Latina. Reality Check/América mares históricos inadmissíveis de pobreza, desigualdade, violência, negação de direitos e
Latina. The Reality of Aid, degradação do meio ambiente27?
México, Agosto 2008.
27 Conforme enun- A resposta a esta questão é de interesse mais geral e não só brasileiro, porque ela
ciado no documento Brasil: encerra os dilemas e dificuldades globais contemporâneos da busca por um desenvolvi-
desafios e oportunidades da
Aliança ICCO 2010-2014, mento inclusivo, democrático e sustentável.
da Aliança ICCO no Brasil,
As respostas que a sociedade brasileira for capaz de construir para enfrentar este
em 2009.

56
enigma contribuirão como efeito demonstrativo no plano global de que um outro tipo de
desenvolvimento é de fato possível e viável.
Por isso, as organizações da sociedade civil brasileira terão de valorizar mais em
termos internacionais sua condição de ator político e de “laboratório social”, onde são
produzidas experiências e conhecimentos de referência mundial, muitas das quais se tor-
nam políticas públicas, no Brasil e também no exterior.
É isso que pode manter o Brasil como país estratégico para muitas organizações
internacionais por muito mais tempo e mesmo atrair novas organizações para atuarem
no País.

Sustentabilidade institucional e democracia


As mudanças no contexto nacional, associadas às mudanças da cooperação inter-
nacional com o Brasil, acima indicadas, têm sinalizado para a fragilização da sustentabili-
dade do campo das organizações da sociedade civil voltadas à defesa de direitos.
Veja-se que não se está falando do conjunto das organizações da área social, mas
sim do campo daquelas organizações críticas ao atual modelo de sociedade e de desen-
volvimento no Brasil, que fundamentam seu trabalho na defesa e promoção de direitos
como condição de avanços duradouros.
As dificuldades de ordem política (limitada percepção pública sobre o valor social
das organizações), jurídica (inexistência de marco legal regulatório adequado) e financei-
ra (déficits orçamentários e maior instabilidade) vividas por este campo de organizações
tornam o contexto nacional mais refratário à sua existência duradoura e efetiva.
As perdas experimentadas nos últimos anos – redução dos recursos financeiros, per-
da de pessoas qualificadas, redução do escopo e da abrangência do trabalho, limitação
do número de pessoas beneficiadas pelo trabalho, retração do investimento em iniciati-
vas inovadoras, limitação da participação em redes, fóruns e conselhos, e outras – têm

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 57


significado a progressiva corrosão das bases de sustentação duradoura deste campo de
organizações.
Esta situação tem produzido uma ameaça muito efetiva à capacidade de um sem
número de organizações da sociedade civil de contribuir para tornar visíveis conflitos so-
ciais, para apoiar processos de mudança, para manifestar voz crítica e para articular o
interesse público.
Tais mudanças, por fim, podem vir a pôr em questão a representatividade e a força
política de um campo ético-político importante para o processo sociopolítico brasileiro.
Isto porque há um claro vínculo entre as condições de sustentabilidade deste campo
de atores autônomos na sociedade civil e a amplitude e qualidade de nosso desenvolvi-
mento e de nossa democracia.
É necessário reconhecer que a busca da sustentabilidade institucional deste tipo de
organização envolve disputas em torno das estratégias de combate à pobreza e à desigual-
dade, e também sobre o sentido da participação delas na promoção do desenvolvimento.
As chances de sustentabilidade de uma organização em particular, e do seu campo
como um todo, dependem de um processo complexo de interação e de disputas sobre as
visões de desenvolvimento, as estratégias de enfrentamento da pobreza e das desigualda-
des, o papel atribuído ao Estado e às políticas públicas, as formas jurídicas e os instrumen-
tos administrativos de financiamento e de controle social público sobre as organizações
28 Este parágrafo e os
três seguintes foram extraídos não-governamentais, as formas de as empresas realizarem sua responsabilidade social, a
e ligeiramente modificados percepção pública sobre o lugar e o valor das organizações sociais no processo social, a
de: Armani, Domingos. permanência de certos temas no debate público e assim por diante28.
Sustentabilidade – desafio
democrático. In: Sustenta- Ao se falar em sustentabilidade, está-se, assim, tocando em uma questão mais pro-
bilidade: Aids e sociedade
funda e complexa do que a sustentação institucional das organizações da sociedade civil.
civil em debate. Secretaria de
Vigilância em Saúde, Coor- Está-se, sim, tematizando a questão dos parâmetros éticos, culturais, políticos e técnicos
denação Nacional de DST e que governam as concepções e formas como a sociedade enfrenta a problemática da
Aids. Brasília: Ministério da
pobreza e da desigualdade e da promoção do desenvolvimento. Quer dizer, é da própria
Saúde, 2004, p. 09-14.

58
relação Estado – Sociedade, da relação entre economia e sociedade, do papel social das
organizações não-governamentais vis-à-vis o Estado, as políticas públicas e a responsabi-
lidade das empresas, enfim, é da própria qualidade da democracia que se trata.
Se, no nível micro de uma organização em particular, a sustentabilidade pode ser
definida como a capacidade de sustentar de forma duradoura o valor social do projeto
institucional, no nível macro, a sustentabilidade pode ser tomada como o grau de corres-
pondência (legitimação social-pública) entre a ação coletiva das organizações sociais e as
concepções, políticas e mecanismos (públicos e privados) de enfrentamento da pobreza e
das desigualdades e de promoção do desenvolvimento.
Esta abordagem da questão da sustentabilidade institucional faz referência e ex-
plicita, assim, o grau de interlocução pública e de aproximação ao que possa ser consi-
derado o “interesse público” quanto ao “lugar” das organizações sociais no tocante ao
enfrentamento da problemática social e à promoção do desenvolvimento e à ampliação
da democracia.
Esta perspectiva indica que a sustentabilidade do campo das organizações da socie-
dade civil requer o desenvolvimento de estratégias de mobilização de recursos capazes de
propiciar maior visibilidade, credibilidade e interlocução com a sociedade.
Mobilizar recursos, neste enfoque, expressa o processo pelo qual uma organização
promove, em um mesmo movimento, educação cidadã, mobilização social e mobilização
de apoio material, técnico e financeiro. Assim, as estratégias de mobilização de recursos são
também mobilizadoras de consciência social democrática e cidadã29.
Cabe às instituições interessadas na luta contra a pobreza e as desigualdades no
Brasil, como as organizações internacionais e as instituições empresariais, dar maior valor
ao desenvolvimento institucional e à sustentabilidade das organizações da sociedade civil
como condição de defesa de direitos, de melhor desenvolvimento e de melhor democracia.
A elas se coloca a oportunidade e a necessidade de contribuir com tarefas urgentes,
tais como: 29 Armani, Domingos,
2008, op. cit.

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 59


• O desenvolvimento de iniciativas articuladas de educação cívico-cidadã da
sociedade brasileira, especialmente no tocante à importância da doação e do
apoio ao campo das organizações de defesa de direitos;
• A articulação de propostas de avanço do marco legal regulatório do repasse
de recursos públicos às organizações da sociedade civil, para que elas possam
acessar tais recursos para ações de interesse público, com facilidade, transpar-
ência e controle social; e
• O aprimoramento, o intercâmbio e a produção de conhecimento acerca das
estratégias e dos instrumentos de mobilização de recursos aptos à maior inter-
locução com a sociedade.

Este tipo de ação estratégica, porém, só terá sentido e chances de ter efetividade,
se organizações internacionais e instituições empresariais, fazendo uso de sua representa-
tividade, força política e expertise, se articularem com organizações e redes da sociedade
civil brasileira e com gestores públicos federais, para se engajarem em processos articu-
lados de ação estratégica.
Como imaginar maior efetividade por parte de organizações voltadas ao campo
social, assim como avanços duradouros em termos da qualidade do desenvolvimento e
da democracia, sem o concomitante fortalecimento de um campo ético-político de atores
autônomos comprometidos com a luta por direitos?

60
62
CAMINHOS ESTRATÉGICOS
PARA FORTALECER O AMBIENTE
DA SUSTENTABILIDADE
DAS OSCs NO BRASIL

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 63


pergunta 2

Quais são os
desafios e caminhos
que se tem para
fortalecer as OSCs
no futuro?
Lisandra Arantes
Marco Legal: em busca do aprimoramento da
Assessora jurídica da
regulamentação de ONGs no Brasil. Abong, acompanha a pauta
sobre o Marco Legal das Or-
ganizações Sem Fins Lucra-
A problemática tivos no Congresso Nacional
e junto ao Poder Executivo
Segundo a legislação atual, são duas as formas possíveis de constituir uma organi- e representa a Abong no
Fórum Nacional de Direi-
zação: associações e fundações. É certo ainda que não há qualquer diferenciação entre tos  Humanos (FENDH).
organizações constituídas sob a forma de associações e fundações de outras com nature-
zas absolutamente distintas como os estados e municípios.
De acordo com a pesquisa sobre Fundações e Associações Privadas Sem Fins Lu-
crativos no Brasil (FASFIL)1, realizada pela ABONG, IBGE, IPEA e GIFE, o Universo das
organizações sem fins lucrativos alcança 338 mil organizações, de formas, objetivos e
características diversas.
Não bastasse a legislação não estabelecer diferenciação entre as organizações es-
sencialmente diversas, há ainda um verdadeiro arcabouço jurídico no que se refere à
regulamentação dessas. As relações entre Estado e Sociedade vêm sendo pautadas por
incompreensões especialmente no que se refere ao acesso aos recursos públicos, instru-
mentalizando, ou oportunizando a instrumentalização do trabalho das organizações.
Na tentativa de estabelecer uma mudança neste arcabouço jurídico a Abong vem
trabalhando na defesa de uma mudança que avance no fortalecimento da sociedade civil
em uma perspectiva de ampliação de direitos e do controle social das políticas públicas.

Movimentações da ABONG com o objetivo de estabelecer uma nova relação


1 Pesquisa disponível
entre Estado e Organizações sem fins lucrativos: na íntegra em: www.ibge.gov.
br/home/estatistica/econo-
A discussão na Abong sobre o Marco Legal das ONGs teve inicio quando da sua
mia/fasfil/2005

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 65


fundação, em 1991, inicialmente sobre o formato institucional que deveria assumir. Op-
tou-se por criar uma associação civil, formalizada, cujo quadro associativo seria constitu-
ído por outras associações e fundações.
Em 1997, por meio de uma iniciativa do Conselho de Comunidade Solidária, liga-
do à Presidência da República, o governo federal realizou uma Rodada de Interlocução
Política, na qual a Abong participou e cujo tema era o Marco Legal do Terceiro Setor.
Esse processo ocasionou uma série de debates internos na Abong sobre as propostas
formuladas pela Comunidade Solidária e o posicionamento das organizações associadas
foi apresentado à Rodada, o qual defendeu que a nova legislação avançasse no forta-
lecimento da sociedade civil em uma perspectiva de ampliação de direitos e do controle
social das políticas públicas.
Neste momento, no entanto, o principal objetivo do governo era criar uma re-
gulamentação que permitisse uma maior flexibilização, com menor burocracia e maior
controle, para que as associações e fundações sem fins lucrativos assumissem maiores
responsabilidades na execução de políticas públicas.
Em 1999, foi promulgada a Lei 9790, instituindo a qualificação com OSCIP, Or-
ganização da Sociedade Civil de Interesse Público, para associações e fundações do
País. Essa nova legislação baseava-se no repasse de recursos públicos para que as orga-
nizações executassem políticas públicas, reforçando uma concepção de sociedade civil
organizada instrumentalmente para a execução de políticas públicas. Pouco se avançou
na construção de um Marco Legal que possibilitasse o fortalecimento efetivo das organi-
zações da sociedade civil brasileira, em especial de grupos populares, essenciais para o
processo de redução das desigualdades e fortalecimento da cidadania no Brasil.
As críticas geradas pela aprovação da Lei das OSCIPs (Lei 9790/99), aliada à Lei
do Voluntariado (Lei 9608/98) e à Lei das Organizações Sociais (Lei 9637/98), geraram
uma série de questionamentos por parte das organizações associadas à Abong, tanto com
relação a duvidas com relação às mudanças, quanto em relação à busca de novas estra-
tégias e propostas coletivas de aprimoramento do Marco Legal das ONGs.

66
Internamente, esse processo foi impulsionado pela criação, em 2001, do Programa
de Desenvolvimento Institucional e pelo Programa de Mobilização de Recursos da Oxfam
GB2, que possibilitou a realização de diversas oficinas e seminários sobre o tema nas
regionais da Abong, envolvendo inúmeras ONGs em todo Brasil, estimulando diversas
publicações e artigos sobre o ambiente legal em que as ONGs estão inseridas.
A Abong publicou, no período entre 2001 e 2005, a série Manual de Fundos Públi-
cos , trazendo informações sobre programas, fundos e políticas públicas, gerando dados
3

que contribuíram para o controle social do orçamento público e seus programas.


Em 04 de maio de 2005, juntamente com outras redes e organizações da socieda-
de, a Abong promoveu o seminário “Marco Legal das ONGs em debate no Congresso 2 OXFAM é uma
Nacional”, realizado no Auditório Nereu Ramos, na Câmara dos Deputados e que contou organização com mais de 50
anos de experiência e com
com a presença de mais de 300 representantes de organizações da sociedade civil e par- atuação em 70 países dedi-
lamentares daquela casa. cada a incentivar as ações de
desenvolvimento e combate à
Ainda em 2005, a Abong lançou a publicação “Ação das ONGs no Brasil”4 que pobreza.
trouxe informações sobre o que são ONGs, como se constituem, como mobilizam recur- 3 Manual de Fundos
sos e quais os princípios norteadores para a construção de um novo marco regulatório, Públicos 2004 - Controle
social e acesso aos recursos
dentre outras informações. públicos:
Por cinco anos consecutivos,
Neste mesmo ano o governo federal publicou um decreto que obrigava as orga-
a Abong em parceria com
nizações a efetuarem pregão eletrônico todas as vezes que fossem contratar bens ou o PAD, publicou o Manual
serviços dentro de um projeto financiado por recursos públicos federais. Essa legislação contendo a descrição dos
recursos no campo do desen-
dificultou muito os processos internos das organizações por estabelecer diversas outras
volvimento social e humano
regras e obrigações que impediam a continuidade de seus trabalhos, por não haver pos- no Brasil e as formas de aces-
sibilidade de cumpri-las integralmente. so a eles. Essa informação
possibilita o monitoramento
Diante disso, organizações da sociedade civil, inclusive Abong, se articularam do orçamento público pela
para buscar alternativas e, a partir do amadurecimento do debate, estabelecer estraté- sociedade civil como forma
de garantir sua transparência
gias para influenciar o Poder Executivo no sentido de buscar uma legislação mais ade- e controle social.
quada às demandas apresentadas. Foram feitas diversas reuniões com Secretaria Geral 4 Publicação disponí-
da Presidência da República e Ministério do Planejamento. Porém, o resultado de árdua vel em: www.abong.org.br

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 67


primeira resposta
Em nossa compre- negociação foi a publicação do Decreto 6.170/07 que pouco ou em nada atendeu a
ensão, os principais de- demanda das organizações.
safios que estão postos
para as ONGs hoje são: A principal novidade trazida pelo Decreto 6170/07 foi a criação de um Sistema de
demonstrar a pertinên-
cia do seu trabalho para
Convênios, Repasses e Termos de Parceria (SICONV) no qual todos os procedimentos de
a sociedade brasileira; seleção, repasse e prestação de contas devem acontecer. Para participar da seleção, as
mobilizar recursos da so- organizações devem ser cadastradas no sistema e apresentar contrapartida financeira ou
ciedade local e recursos
internacionais; e conti-
por meio de bens e serviços, dentre outros requisitos e exigências.
nuar contribuindo com A inadequação da legislação à realidade das organizações, bem como às suas dife-
o fortalecimento da so-
ciedade civil organizada rentes características geram extrema dificuldade no que se refere ao acesso a recursos públi-
nos espaços públicos de cos, afetando diretamente a sustentabilidade e capacidade de existência das organizações.
formulação de políticas
e nos fóruns e redes es- Diante da necessidade de redefinir a relação estabelecida entre Estado e Socieda-
pecíficas do segmento. de, a Abong vem desenvolvendo uma série de iniciativas e ações, visando amadurecer
Os caminhos para ONGs
o debate e influenciar para a existência de uma regulação que identifique o campo das
enfrentarem o novo con-
texto passa pelo investi- organizações sem fins lucrativos pautadas na promoção, universalização e reconhecimen-
mento em um processo to de direitos, além de estabelecer regras para que essas organizações acessem recursos
de gestão institucional
públicos de forma diferenciada e transparente.
dinâmico e participativo,
que consiga agregar pes- A Abong monitora, ainda, as propostas legislativas sobre o tema em trâmite no
soas e outras instituições
ao cumprimento de sua Congresso Nacional. Existem inúmeros projetos de lei visando regulamentar o campo
missão institucional, e a das organizações sem fins lucrativos. Atualmente são seis proposições no senado federal,
permanente análise de sendo três de autoria da CPI das ONGs, de 2003. Na Câmara dos Deputados são 12
conjuntura que vislum-
bre as oportunidades de proposições principais, sendo 11 Projetos de Lei (PL) e um Projeto de Emenda Constitu-
mobilização de recursos. cional (PEC).
No Senado Federal, está instalada desde 2007 a CPI das ONGs, destinada a apu-
rar a liberação pelo Governo Federal, de recursos públicos para Organizações Não Go-
Valeria Nepomuceno vernamentais - ONGs - e para organizações da sociedade civil de interesse público - OS-
Coordenadora CIPs, bem como a utilização, por essas entidades, desses recursos e de outros por elas
Executiva do CENDHEC
recebidos do exterior, a partir do ano de 1999.
valeria@cendhec.org.br

68
A Abong, além de monitorar e acompanhar todo o andamento da CPI, participou
da sessão realizada pela comissão em 25 de outubro de 2007, representada pela Direto-
ra Executiva Tatiana Dahmer. A participação se deu na qualidade de informante e não de
depoente. A exposição, questionamentos e debate foram sobre o conceito e amplitude do
campo das organizações não governamentais, suas formas de financiamento e acesso a
recursos públicos, especialmente aos recursos públicos federais.
Em 13 de novembro de 2007 o advogado Alexandre Ciconello, na condição de
especialistas no tema Organizações Não Governamentais também participou de sessão
meramente informativa. Alexandre foi coordenador do escritório de Brasília da Abong
desde a sua criação até junho de 2006. O prazo final previsto para o encerramento da
comissão era 21 de fevereiro de 2010.

O debate sobre Marco Legal na Abong e as estratégias traçadas


Paralelamente às articulações com outras organizações, e ao monitoramento do
Congresso Nacional, bem como do Poder Executivo, a Abong veio amadurecendo o de-
bate sobre o Marco Legal durante mais de uma década, propondo mudanças institucio-
nais e normativas na relação das ONGs com o Estado Brasileiro.
Todo o caminho percorrido indicou a necessidade de elaborar um projeto de lei
estabelecendo uma nova forma de relação entre Estado e Sociedade Civil. A criação de
uma nova legislação é a alternativa que nos permite participar da criação novas regras
adequando os processos a serem cumpridos às necessidades tanto quanto às possibili-
dades das organizações, primando sempre por relações austeras, transparentes e éticas.

Proposta de Projeto de Lei Abong


5 Publicação disponí-
Em 2007 foi finalizada e lançada no II Fórum Social Nordestino a publicação “Um novo
vel para download em http://
Marco Legal para as ONGs no Brasil – Fortalecendo a cidadania e a participação democrática”5. www.abong.org.br

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 69


A partir dos subsídios contidos na publicação, foram sendo desenvolvidos debates
regionais e destes para o Conselho Diretor da Abong. O acúmulo destes debates foi siste-
matizado e gerou uma proposta de projeto de lei a ser apresentada ao Poder Legislativo e/
ou Executivo, esta proposta dialoga com as demandas das organizações sem fins lucrativos,
pautadas pela defesa, promoção e reconhecimento de direitos e as incorpora a fim de
apresentar uma solução no que diz respeito à regulamentação das organizações sem fins
lucrativos, especialmente no que diz respeito às regras para o acesso à recursos públicos.

A proposta de Projeto de Lei da Abong


A principal alteração, em relação ao Decreto 6.170/07 na proposta elaborada, é
a criação do Termo de Financiamento Público Direto (TFPD) como um instrumento a ser
firmado entre poder público e organizações da sociedade civil, viabilizando o acesso dife-
renciado à recursos públicos federais.
A proposta de projeto se destina apenas às associações e fundações de direito privado
sem finalidade lucrativa (OSFL), inclusive as qualificadas como Organizações da Sociedade
Civil de Interesse Público (OSCIPs), bem como às Organizações Religiosas.
Os principais requisitos para acessar o recurso via Termo de Financiamento Público
Direto são ter, no mínimo, dois anos de existência e de funcionamento regular, além de ter
como objetivo social construir, promover e/ou fortalecer direitos humanos constitucionais e
ações para o aprofundamento da democracia em determinadas áreas temáticas, quais sejam:
I. Assistência social;
II. Cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico;
III. Educação;
IV. Saúde;
V. Segurança alimentar e nutricional;
VI. Direitos sexuais e reprodutivos;
VII. Defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do
desenvolvimento sustentável;

70
VIII.
Promoção do direito à igualdade étnico-racial e combate às discriminações;
IX. Promoção e defesa de direitos relativos à igualdade de gênero;
X. Participação política cidadã em esferas públicas institucionais;
XI. Desenvolvimento econômico e social e combate às desigualdades;
XII. Experimentação de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas alter-
nativos de produção, comércio, emprego e crédito;
XIII. Defesa e promoção de direitos estabelecidos e construção de novos
direitos, inclusive os coletivos, difusos e emergentes;
XIV. Promoção da ética, da paz, da cidadania, da democracia e de outros
valores universais;
XV. Estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produ-
ção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos
e atividades de formação que digam respeito às temáticas mencionadas
neste artigo;
XVI. Assistência e orientação jurídica gratuita;
XVII. Promoção e defesa de direitos de pessoas com deficiência.
Segundo a proposta, o recurso público repassado por meio do Termo de Financia-
mento Público Direto deverá custear todas as despesas que guardem relação com o projeto
apresentado, inclusive equipamentos permanentes, estrutura fixa e despesas trabalhistas,
que atualmente não podem ser custeados com esse recurso.
O repasse deverá ser feito em até 60 dias da assinatura do Termo de Financiamen-
to Público Direto, evitando que o dinheiro não chegue a tempo de executar o projeto e
não será permitida a exigência de contrapartida financeira, que atualmente é exigida para
que seja viável o repasse de recurso.
Por fim, e com o objetivo de não haver divergências na interpretação da nova norma
entre os ministérios, a proposta estabelece o Ministério do Planejamento como responsável
pela uniformização de procedimentos ou regulamentação necessária.
Firmado o Termo de Financiamento Público Direto, repassado o recurso e realiza-

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 71


das as atividades do projeto, deverão ser prestadas contas com o relato qualitativo das
atividades e produtos realizados e análise dos resultados alcançados com avaliação do
êxito obtido, bem como um relato financeiro e cronograma do desembolso praticado.
Eventuais justificativas de despesas havidas e não previstas, bem como quaisquer outras
que porventura tenham alcançado valor diverso do previsto no projeto, também deverão
constar da prestação de contas.

As estratégias:
De proposta em mãos, o desafio a ser enfrentado agora pela Abong e demais or-
ganizações da sociedade é aprofundar o debate, incentivar a participação na tentativa de
colocar o projeto6 em discussão no Congresso Nacional
Neste sentido, as articulações com parlamentares afetos ao tema e a apropriação
dos termos da proposta pelas organizações e sociedade é de suma importância para que
possamos avançar no debate em busca de uma nova regulamentação para o acesso a
recursos públicos por parte das Organizações Não Governamentais.
Independentemente da estratégia que for traçada, o envolvimento dos regionais e
associadas da Abong, bem como de outras organizações, será de suma importância para
que tenhamos força política no debate e alcancemos a aprovação da proposta.
Para isso a mobilização nas bases eleitorais dos/as parlamentares é fundamental
para influenciar nos Estados de origem os/as parlamentares integrantes da Comissão Te-
mática em que a proposta estiver sendo debatida.
Difundir o debate e possibilitar a apropriação desta discussão nas organizações é o
desafio atual e a partir dele influenciar o nosso estado para alcançar uma legislação que
reconheça a diversidade dentre as organizações sem fins lucrativos, bem como a possibi-
6 Ver Proposta de lidade de acesso a recursos públicos de forma simples e transparente, estabelecendo uma
Marco Legal da Abong – nova relação entre Estado e Sociedade Civil organizada.
ANEXO 1 desta publicação

72
segunda resposta
A Abong monitora todos esses processos pela assessoria jurídica em Brasília, que Acreditamos que o
maior desafio é ajustar-se
poderá orientar e prestar mais informações por meio dos contatos disponíveis em sua a esta nova realidade de
pagina eletrônica www.abong.org.br. mobilização de recursos,
bem como a esta relação
governo/sociedade e, ain-
da, a identificação e con-
quista de novos parceiros
internacionais. Estamos
apostando em vários ca-
minhos. Primeiramente,
uma mudança interna
quanto à compreensão
de mobilização de recur-
sos externos e também
quanto à mobilização de
recursos internos, espe-
cialmente a partir da va-
lorização do que se tem.
Acreditamos que a mobi-
lização é algo que deve
estar inserido em toda a
equipe, com envolvimento
tanto na identificação de
fontes de financiamento,
quanto na elaboração de
propostas, nos processos
de comunicação e no zelo
pelo patrimônio institu-
cional. Um outro caminho
que se deve seguir é a or-
ganização entender e se
apropriar dos diversos ins-
trumentos de gestão dos
contratos/convênios com
recursos públicos.
Acreditamos que,
para o futuro, é impor-
tante saber lidar com a
burocracia em torno dos
recursos públicos; ter uma
equipe ciente da necessi-

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 73


dade de identificar novas
fontes de financiamento,
associadas aos objetivos e
missão institucionais, in-
serindo neste contexto a
iniciativa privada, até en-
tão pouco acessada pelo
universo das organizações
do campo do desenvolvi-
mento rural; e ter a comu-
nicação como instrumento
capaz de visibilizar a ação
institucional, entendida
como um elemento de for-
te contribuição ao proces-
so de mobilização de re-
cursos. Não descartamos,
contudo, a associação a
outras organizações, no
sentido de pautar propos-
tas de ação consorciada,
especialmente aqueles de
abrangência inter-regio-
nal ou interestadual. Para
isso, é extremamente re-
levante a proximidade
institucional quanto aos
objetivos e campos de de-
fesa política.

Reginaldo Alves
Coordenação do
Programa de Des. Regional e
Políticas Pub. do CAATINGA
www.caatinga.org.br
Vivianne Naigeborin
Negócios sociais: como aproximar distâncias
Especialista em negócios
entre setores. sociais e assessora de
estratégias e projetos para
diversas organizações da
Vivemos hoje em uma sociedade cada vez mais integrada e interconectada. Apesar sociedade civil

disso, ainda operamos em setores compartimentados e independentes, como se habitás-


semos mundos distintos. As diferenças ficam evidentes quando comparamos, por exem-
plo, as lógicas e finalidades que orientam os setores privado e social.
Organizações sociais desenvolvem projetos para reduzir a pobreza, a desigualdade
e preservar o meio-ambiente. Mas, por não terem finalidade de lucro, sua sustentabilidade
financeira depende de doações, o que restringe seu escopo de atuação e o resultado de 1 Utilizar mecanismos
suas ações. Empresas privadas, por sua vez, são orientadas para a obtenção de lucro. de mercado significa dizer
Criadas para poder oferecer produtos e serviços para servir a sociedade, hoje só conse- que estes negócios devem
funcionar sob as mesmas re-
guem atender a pouco mais de 1/3 da população mundial. gras comerciais de qualquer
outro negócio, isto é, operar
Ambas, por suas lógicas e finalidades limitadas, sofrem para cumprir seu papel na
pela lei da oferta e demanda
sociedade. O resultado é um planeta em desequilíbrio, com altas taxas de pobreza, de- do mercado. Além disso,
gradação ambiental e mudanças climáticas que ameaçam a sua sobrevivência. devem ser planejados para,
após um período de tempo,
Para construir uma sociedade verdadeiramente desenvolvida e superar os desafios gerar os recursos suficientes
existentes, é necessário criar instituições que integrem o econômico, social e ambiental em para cobrir 100% de suas
operações e ainda contribuir
benefício de todas as pessoas e do planeta. para seu crescimento. Podem
É nesse contexto que surge um modelo bastante inovador: instituições que buscam até receber doações no início
de suas atividades, mas não
soluções de mercado1 para superar alguns dos grandes problemas sociais e ambientais podem ficar dependentes dis-
que o mundo enfrenta2. Onde o lucro não é um fim em si mesmo, mas um meio para so para manter sua viabilida-
gerar soluções que contribuam para reduzir a pobreza, a desigualdade social e a degra- de econômica. Um negócio
social deve visar lucro e, por
dação ambiental. isso, nunca deve sacrificar
sua capacidade e interesse de
Negócios sociais, negócios inclusivos, empresas sociais; são muitas as denomina-
ser rentável.

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 75


ções usadas para definir este novo modelo3. Em comum, o desejo de utilizar estratégias de
negócio para melhorar a qualidade de vida de pessoas de baixa renda.
Negócios sociais são iniciativas rentáveis que através da sua atividade principal4
brindam soluções para problemas sociais, utilizando mecanismos de mercado.5

2 Aqui é importante Esta nova tendência surge simultaneamente entre diferentes atores da sociedade:
destacar que os negócios
a. Empreendedores e lideranças sociais que buscam mais autonomia financeira,
sociais devem educar para o
consumo sustentável e não novas formas de expandir suas ações e/ou novos modelos para intervir no
devem incentivar o endivida- mercado tradicional;
mento para o consumo.
b. Empresas e empreendedores de negócios que buscam modelos que lhes per-
3 Outras nomencla-
turas encontradas são: Sector mitam agregar benefício social ou ambiental, oferecendo produtos e serviços a
2.5, For-benefit organizations, uma população ainda não atendida pelo mercado;
BOP (Bottom of the Pyramid)
c. Fundações, órgãos multilaterais e universidades que fomentam o debate sobre
Enterprises, Social-Business
Ventures, etc. o tema, por meio da produção de conhecimento, pesquisa de casos e inves-
4 É importante enfa- timentos em modelos piloto. Exemplos: Artemisia, Fundação Avina, Banco
tizar que a atividade principal
Interamericano de Desenvolvimento (BID), Programa das Nações Unidas para
(core business) deve ter como
foco gerar impacto social o Desenvolvimento, etc.
positivo. Este é o principal
diferencial entre o negócio
social e um negócio social- Os novos modelos de negócio ganham força especialmente entre a nova geração.
mente responsável. São muitos os exemplos de negócios sociais liderados por jovens empreendedores, que,
5 Fonte: Artemisia –
Modelos de Negócios Sociais insatisfeitos com as limitações dos modelos tradicionais, criam modelos híbridos que inte-
– www.artemisia.org.br gram a geração de lucro com benefício social, rompendo as tradicionais fronteiras entre
6 Para mais informa- os diferentes setores.
ções, ler a matéria comple-
ta; “Tendências: Negócios Uma reportagem recente da revista Pequenas Empresas Grandes Negócios6 apre-
Sociais – Eles têm menos de
senta sete empreendedores de negócios sociais, todos com menos de 30 anos, compro-
30 anos e estão mudando o
mundo” – Novembro 2009 / vando a força desse fenômeno na nova geração e a origem de sua motivação.
Ed. Globo.
7 Para mais informa-
Um deles é Tiago Dalvi, 23 anos, fundador da Solidarium7, empresa paranaense de
ções: www.solidarium.com.br comércio justo de artigos de decoração e moda, que diz: “Desde os tempos do curso de

76
administração, eu planejava abrir meu próprio negócio. Mas não qualquer negócio. (...).
Buscava algo com impacto social. Desse sonho, surgiu, em 2007, a Solidarium. Nossos
produtos, de bolsas a portas-caneta, são produzidos por estúdios de design e confeccio-
nados por 270 produtores de baixa renda. A maior parte são mulheres organizadas em
associações cooperativas ou grupos de trabalho. Elas recebem até 3,5 vezes mais do que
ganhariam se trabalhassem sozinhas. (...) Estamos prevendo um faturamento de cerca de
R$500 mil para 2010.”
Outro depoimento bastante ilustrativo é o de Omar Haddad, 25 anos, criador do
Sementes da Paz, cooperativa paulista de produtos orgânicos: “Éramos cinco estudantes
de Ciências Sociais e Geografia da USP e tivemos a ideia de inverter a lógica tradicional
do comércio. Em vez de produzir primeiro para vender depois, colocamos no mercado
nossos produtos, só depois de criar a demanda. Reunimos 150 famílias paulistanas que
encomendam frutas e hortaliças orgânicas. Com esse sistema, pequenos agricultores po-
dem planejar o plantio e aumentar seu rendimento em até 100%.”
Os negócios sociais podem ter diferentes estratégias para alcançar impacto social positivo:
1. Promover inclusão social, por meio da oferta de oportunidades de trabalho
para melhorar a renda de pessoas mais pobres - incluídas aqui também pes-
soas com deficiência, de populações marginalizadas ou de comunidades
alternativas.
2. Oferecer produtos e serviços - de qualidade e a preços acessíveis - que direta- 8 Neste caso, os
produtos e serviços contribuem
mente melhoram a qualidade de vida das pessoas mais pobres: para o bem-estar das pessoas
2.1. porque atendem às suas necessidades básicas - habitação, alimentação, de formas diversas: permitem
saúde, água potável, saneamento, energia. acesso à informação (compu-
2.2. ou porque abrem oportunidades de melhoria de sua situação socio- tadores, celulares), reduzem
a vulnerabilidade (seguros de
econômica8 – telefones celulares, computadores, serviços financeiros, jurídicos, vida, serviços jurídicos fundi-
seguros, etc. ários), aumentam a eficiência
3. Oferecer produtos e serviços que melhoram a produtividade dos mais pobres, no uso do tempo e dinheiro
contribuindo indiretamente para o aumento de suas rendas – acesso a crédito (serviços bancários à distância,
serviços de poupança de fácil
produtivo, venda de tecnologias e equipamentos de baixo custo, etc. utilização e baixo custo), etc.

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 77


Exemplos inspiradores:
Um exemplo de negócio que promove inclusão social (item 1) é a El Arca, comer-
cializadora não tradicional de Mendoza, na Argentina. Ela permite a interação virtuosa
entre pequenos produtores locais e consumidores responsáveis, baseada nos princípios
de comércio justo. A estrutura de governança é participativa e inclui representantes dos
diversos grupos envolvidos. O negócio tem como premissa estimular a economia e o de-
senvolvimento locais. Os excedentes financeiros são 100% investidos na própria empresa
ou em projetos da comunidade.9
A instituição trabalha com cinco áreas de produção: têxtil, agrícola, alimentos, ar-
tesanato e serviços. 150 produtores de baixa renda das zonas periféricas da cidade estão
vinculados à El Arca para comercializar seus produtos, negociando preço e atributos di-
retamente com os consumidores. A produção é feita sob demanda, garantindo segurança
nas vendas. A rede de consumidores inclui famílias (cerca de 300 pessoas), 15 empresas
e 20 organizações sociais e estatais.
Outros exemplos de negócio inclusivo são a Padaria e o Catering Integral – Delícias
da Granja, ambos da Associação Granja Andar, localizada em Moreno, na periferia de
Buenos Aires. Com instalações próprias, a quase totalidade de seus funcionários é de
jovens de baixa renda com deficiência mental. São 70 ao todo. Reconhecidos pela exce-
lente qualidade e pelos preços competitivos de seus produtos, a Granja Andar lidera hoje
o mercado de pães nesta região.
O Catering Integral surgiu em 2007 e já ofereceu 13.000 refeições, 6.000 cafés-
da-manhã, 550 coffee-breaks, entre outros. A Padaria foi criada em 2000 e, desde 2006,
fornece diversos tipos de pães e pizzas para 50 escolas municipais de Moreno (13.000
crianças e jovens), além de famílias da região. A produção diária é de 500 kg de pão, 15
mil brioches, 400 pizzas pré-prontas e 100 kg de pão ralado. A instituição já prepara a
abertura de mais duas padarias e de seu primeiro café, que ampliarão a oferta de vagas
9 Para mais informa- para pessoas com deficiência.
ções: www.elarcamendonza.
com.ar Os planos da Granja Andar vão mais além do que ter negócios sociais bem-suce-

78
didos. Sua visão é converter-se em um modelo exemplar de negócio inclusivo para que
outras indústrias possam criar unidades de negócio, operadas por uma maioria de pesso-
as portadoras de deficiência10.
No que se refere à venda de produtos e serviços que melhoram a qualidade de vida
das pessoas (item 2), um exemplo interessante de negócio social é a ASEMBIS, rede de 8
clínicas de serviços e produtos médicos de baixo custo, atendimento ágil e alta qualidade,
criada há 18 anos pela empreendedora Rebeca Villalobos11, na Costa Rica. Os serviços
médicos oferecidos incluem consultas, exames de diagnóstico por imagens e cirurgias
sofisticadas nas áreas de oftalmologia, otorrinolaringologia e odontologia, entre outros.
Além disso, vende óculos, lentes de contato e aparelhos auditivos a preços até 60% mais
baixos que os do mercado tradicional.
Outro diferencial importante são as campanhas subsidiadas de atendimento a pes-
soas em situação de vulnerabilidade em zonas rurais marginalizadas, centros penitenciá-
rios, casas de idosos e clínicas públicas. Além disso, a ASEMBIS é a única instituição do
país que, mediante convênio com o Ministério de Educação, realiza prevenção e atendi-
mento em escolas da Costa Rica.
Com 170 funcionários e um orçamento anual de mais de seis milhões de dólares,
a instituição dependeu de doações somente nos três primeiros anos de existência. Desde
então, é uma instituição que se mantém com seus próprios recursos e que, hoje, atende,
em média, 360.000 pessoas por ano, mantendo a sua missão original de “ser uma em-
presa social de saúde que brinda serviços médicos a toda a população, através de centros
de atenção com alta tecnologia, preço justo, pessoal atencioso e qualificado.”
Por último, um exemplo de negócio social que, além de melhorar a qualidade de
vida de seus clientes, também contribui indiretamente para o aumento de suas rendas
(item 3) é o IDEAAS. Fundado em 1997 no Rio Grande do Sul, a instituição comercializa, 10 Para mais informa-
na forma de consórcio, placas de energia solar a custo acessível em comunidades rurais. ções: www.productosdeandar.
blogspot.com
O que chama a atenção neste modelo de negócio foi a lógica de precificação utili- 11 Para mais informa-
zada para permitir que pessoas de comunidades pobres pudessem adquirir a placa solar, ções: www.asembiscr.com

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 79


sem impactar negativamente seu orçamento. Por ter um custo alto para aquisição, optou-
se pelo sistema de aluguel. O valor mensal a ser pago, foi calculado a partir da economia
mensal que cada família teria ao não mais necessitar de outras fontes de energia (velas,
12 Para mais informa- óleo para lampiões, querosene, pilhas etc.). O valor economizado passou a ser o valor
ções: www.ideaas.org.br
13 Para conhecer as
mensal do aluguel da placa.
duas correntes, recomenda- Além da melhoria na qualidade de vida das famílias, a instalação das placas solares
se a leitura do Relatório “Fair
Business with Poor - Report on nas pequenas propriedades permitiu a instalação de bombas de água e cercas elétricas,
the debate between Muham- contribuindo para melhorar a produção agrícola e pecuária, o que gerou um aumento
mad Yunus and Michael adicional de renda para as famílias beneficiadas pelo sistema.12
Chu organized by the World
Microfinance Forum Geneva
on the occasion of its 1st
International Symposium, 1-2 Aspectos em debate no campo de Negócios Sociais
October 2008”.
14 Muhammad Yunus, Uma questão interessante a ser considerada nos negócios sociais é a distribuição ou
nascido em Bangladesh, é não de lucro. No campo de negócios sociais hoje, existem duas correntes13. A primeira,
o criador do Grameen Bank liderada por Muhammad Yunus14, defende que, em um negócio social, os investidores só
– primeiro banco de micro-
podem recuperar o capital investido, sem direito a lucro e dividendos. Os lucros devem
crédito do mundo. Foi Prêmio
Nobel da Paz em 2006 e é ser totalmente reinvestidos na empresa e destinados à sua expansão, melhoria do produto
um dos pioneiros na dis- ou serviço, maior eficiência de processos, pesquisa e desenvolvimento (P&D), introdução
seminação do conceito de de novas tecnologias, inovações no marketing e distribuição ou acesso a camadas ainda
negócio social. Para conhecer
mais pobres.
melhor suas ideias, reco-
menda-se a leitura do livro Outra corrente, representada, entre outros, por Stuart Hart15 e Michael Chu16, de-
“Um Mundo sem Pobreza: a
fende a distribuição de lucro por entender que esta abordagem possibilita atrair mais
Empresa Social e o Futuro do
Capitalismo” de Muhammad investidores e permite a criação de novos negócios sociais na velocidade necessária para
Yunus – Ed. Ática. superar os desafios sociais existentes no mundo. Além disso, alega que a comunidade
15 Stuart Hart é empresarial não aceita a idéia de criar negócios sem lucro.
Professor de Administração
na Universidade de Cornell Por tratar-se de um novo campo, precisaremos de algum tempo para observar quais
e autor de vários trabalhos são as implicações e resultados de cada um dos modelos. Em qualquer um dos casos, o
acadêmicos sobre sustentabi-
importante é ter certeza de que o foco principal do negócio é o impacto social e não a
lidade e negócios com a base
da pirâmide. maximização do lucro.

80
Outro tema interessante diz respeito ao potencial de crescimento do negócio social
e, consequentemente ao seu potencial de geração de impacto social e de lucro. Nos mo-
delos existentes, ela ocorre de duas formas diferentes: pela expansão do negócio a partir
de uma estrutura própria, ou pela replicação do modelo para outros parceiros, sócios ou
franqueados. A escolha tem muita relação com o perfil do empreendedor e sua capacida-
de/intenção de gerenciar um grande negócio versus seu desejo de consolidar o modelo e
transferi-lo para outros para, muitas vezes, iniciar um novo empreendimento. 16 Michael Chu é
professor da Harvard Business
Os resultados apresentados pela ASEMBIS nos seus 18 anos de existência de- School e sócio-fundador do
monstram que sua empreendedora optou por expandir o negócio, num modelo de ges- Ignia Fund, empresa de capi-
tal de risco de Monterrey, no
tão centralizada. México, que investe em pro-
Já a comercializadora El Arca tem como pressuposto a consolidação de seu modelo jetos rentáveis que atendam
a pessoas de baixa renda
em âmbito local e sua posterior replicação para outras regiões do país, por meio da iden- com necessidades básicas de
tificação e capacitação de outras organizações locais. Neste caso, a escala se dá, como moradia e serviços de saúde,
gosta de dizer seu empreendedor fundador Pablo Ordoñez, “pela soma de vários pequenos entre outras.
17 Para mais informa-
parceiros e não pelo crescimento de uma única instituição”. ções, recomenda-se a leitura
do artigo “A governança nos
Por último, é importante falar da governança nos negócios sociais. É sempre im-
negócios sociais” de Vivianne
portante lembrar que um negócio social não deve apenas servir à baixa renda, mas sim Naigeborin, que apresenta as
buscar trabalhar com ela para promover mudanças no mundo.17 conclusões de debate realiza-
do entre empreendedores de
O campo dos negócios sociais é fértil para o surgimento de novos modelos de negócios sociais da rede Arte-
governança, porque tem como pressuposto a criação de negócios que possam distribuir misia Brasil e Ashoka América
Latina em Outubro de 2009
poder entre mais – e diferentes – pessoas18. Ao mesmo tempo, o negócio social deve evitar -–http://tech.ashoka.org
criar estruturas organizacionais muito complexas que tornem a tomada de decisões lenta 18 Inovações no mo-
e pouco eficiente. delo de governança podem
ocorrer: no acordo de quotis-
tas, no sistema de remunera-
ção e distribuição de lucros,
Principais desafios no campo dos Negócios Sociais nos processos de tomada
de decisão, na relação com
Por tratar-se de um campo novo, são muitas as barreiras e desafios a serem supera- clientes e stakeholders, nas
dos. Entre os principais iremos destacar dois: políticas de transparência, etc.

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 81


1. Falta de legislação específica e instrumentos jurídicos que amparem este novo
modelo de empresa social. Organizações que iniciam negócios sociais adotam estrutu-
ras jurídicas das mais variadas – empresas comerciais, associações civis, cooperativas,
OSCIPs – buscando a forma que melhor lhes sirva para atuar com seu duplo propósito:
comercial e social. Para garantir a legalidade, às vezes é necessária a abertura de duas
instituições – uma lucrativa e outra sem fim de lucro –, o que aumenta a complexidade do
negócio, especialmente pela duplicação de custos e de esforços nos âmbitos gerencial,
financeiro e contábil.
Igualmente crítica é a falta de modelos de instrumentos jurídicos (estatutos, contra-
tos sociais, acordo de quotistas etc.) que contemplem as especificidades do novo modelo,
salvaguardando seus propósitos.
Neste sentido, um grupo formado por empreendedores de negócios sociais, investi-
dores, advogados e especialistas no campo de negócios sociais reuniu-se em São Paulo,
no 2º semestre de 2009, para elaborar um modelo de contrato social e um guia para
auxiliar a elaboração do acordo de quotistas. Para isso, utilizaram como referência o ins-
trumento existente para empresas, adaptando-o para garantir que o negócio tivesse como
foco principal o impacto social positivo.19
2. Acesso a financiamento adequado. Por sua natureza inovadora, os negócios so-
ciais necessitam de mecanismos de financiamento diferenciados que combinem de forma
equilibrada e positiva as lógicas de investimento dos setores privado e social.
19 As organizações
co-autoras deste documento Os negócios sociais, ao contrário de uma organização social que não gera receita,
foram: Aliança Empreendedora,
Artemisia, Eletrocooperativa,
não precisam ficar restritos a convênios ou doações. Por terem capacidade de pagamen-
Instituto Papel Solidário e Mat- to, dependendo de sua natureza jurídica, podem também tomar créditos combinando
tos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. diferentes mecanismos de oferta de capital: participação acionária, empréstimos de risco,
e Quiroga Advogados.
20 No Brasil, podemos
empréstimos a juros baixos, etc.
citar dois exemplos surgidos Neste sentido, é crescente o surgimento de investidores, em busca de negócios
nos últimos dois anos: Sitawi
www.sitawi.net e Vox Capital sociais que aceitem receber financiamentos com previsão de retorno, seja na forma de
www.voxcapital.com.br empréstimos ou de participação acionária.20

82
Contudo, a criação destes novos mecanismos ainda requer uma mudança de cultu-
ra de ambos os lados: das instituições e dos financiadores. Hoje, ainda existem diferentes
compreensões e expectativas entre potenciais investidores e lideranças de negócios sociais
quanto a como valorar e calcular o retorno social e econômico do investimento oferecido
e o prazo adequado para que ele ocorra.
Por fim, é importante lembrar que o campo de negócios sociais está em construção,
o que significa que há poucas referências e, por isso mesmo, muito ainda a ser aprendido
e desenvolvido.
A consolidação dos negócios sociais emergentes, a incorporação de novos atores,
a criação de centros de estudos nas universidades e fora dela, certamente contribuirão
para o avanço da compreensão do significado deste novo modelo para o mundo e de sua
capacidade de contribuir para a solução dos graves desafios sociais e ambientais que a
sociedade já enfrenta.

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 83


84
INICIATIVAS E LIÇÕES APRENDIDAS
EM BUSCA DA SUSTENTABILIDADE

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 85


Lia Silveira
Desenvolvimento do plano de mobilização de recursos
Supervisora Administrativo-
da CESE1. financeira da Coordenado-
ria Ecumênica de Serviço
- CESE.

Origem e Perfil institucional


A Coordenadoria Ecumênica de Serviço - CESE é uma associação civil sem fins
lucrativos, criada no dia 13 de junho de 1973. Tem como associadas: a Igreja Episcopal
Anglicana do Brasil - IEAB, a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil - IECLB,
a Igreja Presbiteriana Independente do Brasil- IPIB, a Igreja Presbiteriana Unida do Brasil
- IPUB e a Igreja Católica Apostólica Romana- ICAR. Conta com o reconhecimento de
utilidade pública nos âmbitos municipal, estadual e federal; é registrada no CNAS - Con-
selho Nacional de Assistência Social. Sua sede e foro é a cidade do Salvador, Bahia. Atua
em todo o Brasil, com prioridade para as regiões Norte e Nordeste.
Em sua origem, a CESE fundamentou-se nas diretrizes de ação que orientaram o
Encontro-Consulta Sobre Ajuda Inter-Eclesiástica Norte-Nordeste do Brasil, realizado na
cidade de Salvador, no ano de 1972, sob o estímulo do Conselho Mundial de Igrejas.
Participaram da fundação da entidade: Igreja Cristã Reformada do Brasil; Igreja Episcopal
do Brasil; Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil; Igreja Evangélica Pentecostal
“O Brasil para Cristo”; Igreja Metodista; Missão Presbiteriana do Brasil Central e a CNBB
– Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.
1 Artigo elaborado
A CESE, criada no auge da ditadura militar, quis ser um sinal de esperança ao optar para o Seminário “Susten-
tabilidade e Mobilização de
por uma diaconia que, afrontando os obstáculos, se colocasse como serva dos que não
Recursos para os OSCs. Uma
tinham voz. Visão Político-Estratégica
para o Desenvolvimento
Na primeira década de sua existência, a CESE viveu o autoritarismo e viu os pri- do Nordeste”, de 30/09 a
meiros passos da abertura política. Empregou todos os seus esforços para dar suporte 02/10/2009 – no Recife.

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 87


terceira resposta
O grande desafio aos grupos e organizações do movimento popular, então incipiente. Naquele momento
do conjunto das orga- formulou a idéia básica de que sua ação deveria concentrar-se nos pequenos projetos,
nizações e movimentos
sociais no Brasil, no mo- que poderiam melhorar as condições de vida do povo e estimular sua participação efetiva
mento atual, é o da ca- nas lutas pela democratização do País. Para tanto, estabeleceu parcerias internacionais e
pacidade de manter sua
constituiu o fundo de apoio a pequenos projetos.
sustentabilidade finan-
ceira com as mudanças No início da década de 1980, o Brasil estava saindo das sombras da ditadura e se
já em curso no âmbito
da Cooperação Interna-
empenhava por retornar a um Estado de Direito. As forças progressistas articulavam-se;
cional. Seu enfrenta- grupos e entidades populares estavam em plena atividade em todo o País. Naquele mo-
mento exige um esforço mento a CESE atendeu à demanda desses grupos e, com o fito de contribuir para a sua
conjunto e troca de ex-
periências. Alguns pon-
articulação e capacitação, implementou o PEP – Programa Especial de Projetos, por meio
tos específicos, a nosso do qual passou a dar apoio institucional a entidades de assessoria ao movimento popular.
ver, merecem atenção
particular, como: a ne- Data dessa época o nascimento do Movimento Nacional de Direitos Humanos –
cessidade de melhorar a MNDH; do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua – MNMMR; do Movimen-
forma de comunicar os to Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, com os quais a CESE manteve e
resultados e impactos
do trabalho das organi- mantém profícuas relações de parceria.
zações brasileiras e das
Sempre atenta aos ditames da conjuntura e afinada com as lutas do movimento po-
agências apoiadoras para
a promoção de Direitos pular, em 2002, após um processo de avaliação, a CESE decidiu constituir o PAE- Programa
Humanos; e a importân- de Apoio Estratégico de atuação de rede, com objetivo de “apoiar projetos inovadores de
cia de atualizar e divul-
intervenção social, implementados por um conjunto de organizações da sociedade civil,
gar de maneira clara os
desafios que se colocam visando o desenvolvimento com democracia e justiça”.
no cenário político e eco-
nômico brasileiro atual, Ao longo de 36 anos de existência a CESE já apoiou cerca de 9.500 projetos, be-
seja a permanência de neficiando um número aproximado de nove milhões de pessoas, em todo o Brasil.
velhos desafios, como o
enfrentamento às desi- Em paralelo aos programas de apoio a projetos, a CESE foi construindo sua rede de
gualdades, ou novos de- relações colocando-se num lugar de convergência entre igrejas, agências de cooperação
safios, como os impactos
e movimentos populares. O compromisso ecumênico que norteou e norteia sua atuação
ambientais dos grandes
projetos de desenvolvi- é o mesmo referencial das igrejas e das agências que buscam a unidade entre si e com os
mento. No tocante ao movimentos populares, na luta pela superação das injustiças.

88
Contribuições para o desenvolvimento da CESE acesso a recursos gover-
namentais no Brasil, per-
Foram e são pontos fortes para o desenvolvimento da CESE, desde a sua criação siste o desafio do marco
e ao longo dos seus 36 anos de existência: o fato de ter sido constituída por um grupo legal e, nesse campo, é
fundamental o reforço
de igrejas que se uniram ecumenicamente para afirmar a vida, com base no ideal de
ao processo iniciado pela
Direito, Justiça, Paz e Integridade da Criação; ter definido, desde o início, os princípios e Abong juntamente com
critérios norteadores de sua ação; ter contado com o apoio do CMI - Conselho Mundial alguns movimentos popu-
lares, pela elaboração e
de Igrejas e, por meio deste, ter-se articulado com o movimento ecumênico internacional;
aprovação de um projeto
ter proposto uma mudança na lógica da cooperação ecumênica internacional, sugerindo de lei que simplifique os
que passassem do apoio a grandes projetos localizados nas regiões Sul e Sudeste do Bra- trâmites de acesso e uti-
lização desses recursos.
sil, para pequenos projetos, que pudessem ser idealizados e implementados diretamente
pelos beneficiários, em todo o País, com prioridade para as regiões Norte e Nordeste; ter
implementado e mantido um fundo para pequenos projetos; ter criado mecanismos de
escuta e viabilizado o intercâmbio de experiências entre os grupos apoiados, mediante a
realização de consultas e encontros de agentes de projetos, o que lhe conferiu a capaci-
dade de convocação de diferentes para discussão de problemas comuns; ter colaborado
com as agências ecumênicas nas discussões de suas políticas para o Brasil, especialmente
no âmbito do Programa de Articulação – PAD; ter construído um PMA (planejamento,
monitoramento e avaliação) de Programa; ter construído um sistema integrado de banco
de dados, controle financeiro e contabilidade, garantindo mecanismos de registro, con-
trole e transparência na gestão dos recursos, além de ter contado, desde o princípio, com
auditorias externas.

Principais Ações - O serviço de projetos, diálogo e articulação.


O serviço de projetos da CESE compreende os seguintes programas:
Eliana Rolemberg
1 - PPP – Programa de Pequenos Projetos - este é o principal programa da CESE Diretora Executiva da CESE
e tem os seguintes objetivos: Coordenadoria
Ecumênica de Serviço
• Fortalecer grupos populares e outras organizações da sociedade civil, em suas
www.cese.org.br

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 89


quarta resposta
Trabalhar os temas ações relacionadas, especialmente, ao direito a terra e água, direito à cidade,
Mobilização de Recursos direito a trabalho e renda, e direito à identidade na diversidade;
e Sustentabilidade com
as OSCs no Brasil não é • Fortalecer e promover o diálogo e a ação articulada de grupos populares e
nada fácil. Existe uma outras organizações sociais, entre si e com igrejas e agências, na defesa, ga-
resistência grande de
rantia e promoção dos Direitos Humanos;
parte das OSCs em es-
pecializar-se ou dedicar- • Fortalecer grupos populares e outras organizações da sociedade civil para a
se a estes temas. Assim incidência em políticas públicas.
como também vemos as
áreas administrativa e
financeira das OSCs sem Com recursos do PPP são apoiados, por ano, cerca de 400 projetos, com uma mé-
uma grande preocupa-
ção de profissionaliza-
dia de apoio no valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais) por projeto.
ção. A mesma medida Grupos de todo o Brasil podem solicitar apoio no âmbito do PPP, durante todo o ano.
que elas se especializam
nos temas técnicos em A equipe de assessoria responsável pela análise, decisão e acompanhamento dos projetos
que trabalham, pecam reúne-se uma vez por semana para apreciar e decidir sobre as propostas em pauta.
em não se profissiona-
lizar nestes temas tão
prioritários para a vida e 2 – PAE – Programa de Apoio Estratégico – São objetivos do PAE:
independência da organi-
zação e prosperidade de • Contribuir para o desenvolvimento institucional das redes apoiadas;
seu futuro. Outro desafio • Estimular e fortalecer ações sociais inovadoras, articuladas em redes de or-
importante é a conscien-
ganizações da sociedade civil, que visem à intervenção em políticas públicas,
tização das classes média
e alta brasileiras de seu com ênfase nas Políticas Referenciais;
sentido de cidadania e • Estimular a produção e difusão de conhecimentos que sejam capazes de
responsabilidade social.
subsidiar ações da sociedade civil, nas suas lutas pela defesa, garantia e pro-
Os problemas sociais pa-
recem passar longe de moção dos DH;
serem problemas dos • Contribuir para qualificar a ação da CESE em temas estratégicos, a partir de
cidadãos brasileiros, de
experiências de intervenção de redes em políticas públicas.
todos nós. Estaremos nós
trabalhando na chamada
área social, utilizando-
nos de metodologia cor- 3 – PDP – Programa Dupla Participação - Este Programa é fruto de uma recente
reta de conscientização parceria estabelecida com quatro organizações holandesas: International Child Support,
dos cidadãos de nosso Kid’s Rights, Gansos Selvagens e net4kids. Esse programa, cujo público-alvo é de crian-

90
ças e adolescentes, prevê que grupos de mobilização de recursos, em diferentes regiões país para sua responsa-
do País, animados pela CESE, organizarão atividades de mobilização de recursos para bilidade para com estes
problemas sociais? De-
beneficiar projetos de organizações populares de todo o Brasil. Os grupos mobilizadores fesa de direitos? Quais
de recursos são compostos por comunidades de igrejas, profissionais liberais, estudantes, novas metodologias de-
vem adotar as OSCs para
enfim, pessoas que comungam com a CESE os mesmos valores e princípios. A quantia
conquistar e conscienti-
mobilizada por um grupo será dobrada pela CESE, com o apoio da cooperação holande- zar novos apoios às suas
sa, e o total dos recursos será destinado a determinado projeto. causas? Em verdade, são
causas de todos os cida-
dãos brasileiros.. Mas es-
tes estão alheios a elas!
Aplicação de Fundos Eventuais - AFE
Além dos programas – PPP, PAE e PDP, a CESE tem uma modalidade de apoio a pro-
jetos, denominada AFE- Aplicação de Fundos Eventuais, que permite acolher solicitações
não previstas de agências para repasse a projetos por elas definidos, mas que necessitam
de um intermediador de recursos.

Desafios da sustentabilidade financeira


De modo muito objetivo, podemos dizer que o principal desafio da sustentabilida-
de financeira da CESE é encontrar meios de fazer a transição entre o momento de pleno
apoio da cooperação ecumênica internacional para a realidade da escassez desse tipo de
recursos, sem colocar em grande risco a estrutura construída até agora e, ao mesmo tem-
po, atuar na construção de novas parcerias visando à mobilização de recursos nacionais.

Mobilizar recursos por quê? Márcia Iglesias


Desde sua criação, em 1973, a CESE mantém o seu objetivo de fortalecer os grupos Diretora Regional
e organizações populares em suas lutas por transformações políticas, econômicas e sociais. para América do Sul
(Brasil,Bolívia e Peru) de
A partir da sua criação, marcadamente nas duas primeiras décadas de existência, a Terre des Hommes Holanda,
CESE discutiu ideias e construiu relações de apoio político e financeiro com o CMI e com www.tdh-holanda.org

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 91


quinta resposta
O novo desenho um conjunto de agências multilaterais de cooperação que se empenhavam em contribuir
da Cooperação Interna- para a superação das desigualdades e para a promoção e defesa dos direitos humanos
cional, aparentemente,
não tem retorno. Como no Brasil.
fazer com que isso não se
transforme em um preju-
Se traçássemos um gráfico da variação dos recursos da cooperação internacional
ízo às organizações locais para a CESE veríamos uma linha ascendente que chega ao cume em 1996 e começa a
brasileiras é o que deve decrescer até atingir seu ponto crítico em 2007.
ser pensado. Acredito
que um direcionamento Mas isto não aconteceu inesperadamente. Nos primeiros anos da década de 1990,
de esforços em direção os parceiros internacionais começaram a alertar para as mudanças nos rumos da coo-
à qualificação dos doa-
dores locais, não só de peração, mudanças essas condicionadas, em grande parte, pela nova configuração ge-
Save the Children, mas opolítica após a queda do muro de Berlim, quando os ventos da globalização já não
de todas as agências – encontravam barreiras.
deixando ou não o País
-, poderia surtir um efei- No III Encontro das agências que atuam no Brasil, em abril de 1997, onde estive-
to mais sustentável que
ram presentes vinte representantes de organismos de cooperação e cinco representantes
aquele que alcançaría-
mos concentrando esfor- de entidades nacionais que administravam Fundos de Pequenos Projetos, analisou-se o
ços exclusivamente nas novo contexto europeu no mundo globalizado, ficando clara a tendência à estagnação de
ONGs parceiras ou em
recursos da cooperação internacional, principalmente em função da crescente preocupa-
quaisquer outros tipos de
organizações da chamada ção com as questões internas e com os problemas sociais causados pela reestruturação
sociedade civil. O Brasil produtiva desse novo contexto. Por outro lado, os efeitos do Plano Real, a política cambial
tem recursos suficientes
do Brasil e o aumento do dólar americano em relação às moedas européias vinham in-
para manter as ações so-
ciais internas e participar fluenciando negativamente os recursos enviados para os parceiros.
de ações de Cooperação
Internacional. Portan- Antecipando-se a um quadro de crise, a CESE, desde o ano anterior, 1996, come-
to, dever-se-ia advogar, çou a refletir sobre a conveniência, a oportunidade e a possibilidade de mobilizar recursos
junto às agências de Co- nacionais, públicos e privados, para garantir a continuidade do seu trabalho.
operação Internacional
e organizações locais, o Em diversos momentos reuniu seu corpo de funcionários, em outros participou de
fato de que devemos en-
consultas e seminários com parceiros, e até mesmo de seminários de terceiros, tentando
tender que o apoio inter-
nacional pode e deve ser definir sua possibilidade de atuação na ampliação da mobilização de recursos, com ên-
mais bem aproveitado fase na captação no Brasil.

92
Assim, podemos dizer que desde 1996 a CESE tem dado passos para construção do hoje como apoio político
Plano de Mobilização de Recursos Nacionais. e não só como apoio fi-
nanceiro. É uma questão
de revisão de conceitos.

O Plano de Mobilização de Recursos Nacionais da CESE


Desde o início das discussões sobre mobilização de recursos no Brasil, a CESE en-
tendeu e destacou a importância do processo de educação da sociedade brasileira para
o compromisso com o fortalecimento da democracia.
Sendo a CESE uma entidade dedicada à promoção e defesa dos direitos humanos,
o seu plano de mobilização de recursos deveria, do mesmo modo que as suas outras
atividades, refletir sua missão. Deste modo, compreendemos que mobilizar recursos é,
sobretudo, criar as bases, o lastro de apoio político, conformando uma rede de pessoas e
entidades dispostas e fortalecer uma causa e a contribuir, inclusive financeiramente, para
o sucesso dessa mesma causa.
O Plano traça as diretrizes e indica estratégias para mobilizar recursos nacionais
para apoiar os programas e as atividades da CESE, garantindo a sua sustentabilidade
institucional e autonomia com fidelidade à sua missão e seus princípios éticos. Relaciona-
se com dois objetivos definidos no Planejamento Qüinqüenal 2006-2010, “ampliar a
base de sustentação política e financeira da CESE” e “ampliar as formas de captação de
recursos com ênfase na captação nacional”.
Com base na análise das ações já desenvolvidas pela CESE, identificamos as áreas
de atuação da CESE passíveis de receber apoio, bem como os possíveis campos em que
recursos podem ser mobilizados.
Ricardo Souza
Coord. de Programa
As áreas de atuação da CESE passíveis de apoio com recursos e Assessor Regional para
Emergências de Save the
mobilizados no Brasil: Children Suécia,
1. Apoio a Projetos: www.scslat.org

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 93


sexta resposta
Planejamento, 1.1. Programa de pequenos projetos
monitoramento, ava-
liação, sistematização, 1.2. Programa de apoio estratégico
comunicação e mobili-
zação de recursos são Aplicação de fundos eventuais
áreas fundamentais
Programa Ação para Crianças
para a sustentabilidade
das organizações. Assim
como fizemos nos últi-
mos anos com nossos/ 2. Consultas temáticas;
as cooperantes, conti-
nuaremos a apoiar as 3. Publicações
OSCs nestas áreas nos
próximos anos. Estamos 4. Sustento institucional (da CESE)
planejando também a
5. Desenvolvimento de campanhas
constituição de uma
equipe de consultores
organizacionais que dis-
ponibilizaremos para as Campos onde a CESE pode mobilizar recursos:
OSCs para seus proces-
sos de diagnóstico orga- 1. Governos e autarquias;
nizacional e desenvolvi- 2. Institutos, fundações e empresas comprometidas com a “responsabilidade
mento institucional.
social”;
Mas isso não bas-
3. Bases das igrejas;
ta. Junto com os outros
membros da Aliança In- 4. Doadores individuais na sociedade.
terage, da qual o Ser-
viço Internacional faz
parte, já nos articula- Riscos e oportunidades
mos com várias agên-
cias de cooperação, A seguir, com base nos textos subsidiários, nos relatórios de seminários e consultas,
institutos, fundações apresentamos um elenco de riscos e oportunidades já identificadas para a mobilização de
e OSCs para construir recursos, segundo as áreas estabelecidas.
iniciativas conjuntas
para a sustentabilida- Uma análise acurada dos riscos deve contribuir para a elaboração dos pressupos-
de. Precisamos desper- tos que garantam a consecução das metas definidas para cada uma das ações previstas.
tar interesses, apoiar Assim como a análise das oportunidades deve contribuir para a priorização das ações que
devem ser levadas a cabo.

94
1. Riscos e oportunidades na mobilização de recursos governamentais e os processos de marco
de autarquias regulatório e articular
parcerias intersetoriais
Do ponto de vista legal a CESE está apta a administrar recursos governamentais. para que as OSCs pos-
sam continuar a exercer
Tem os registros, títulos e qualificações requeridos para esse fim. Quanto aos recursos
seu papel tão importan-
humanos, a CESE precisaria capacitar seu pessoal para a elaboração e a implementação te dentro da sociedade
de projetos. Precisaria, ainda, conhecer melhor os aspectos jurídicos envolvidos nessa brasileira.
modalidade de acesso a recursos, exigindo um profundo conhecimento da legislação
vigente (8666/93 IN 011/97, por exemplo) relacionada. Para tanto, é importante que a
CESE acompanhe de forma pró-ativa as atuais discussões relacionadas ao marco legal
das ONGs, promovidas pela Abong. No atual cenário, com a instalação da CPI das
ONGs e da crescente tentativa de criminalização do movimento popular, isso ganha uma
relevância ainda maior.
Como tem sido discutido no âmbito dos movimentos sociais e organizações não-
governamentais, a relação com governos para acesso a recursos envolve uma série de de-
safios. Desafios no que se refere ao papel sócio-político desses setores, o que exige uma
maior clareza sobre as funções do Estado e das políticas públicas, mas também na gestão
dos convênios com órgãos governamentais. Há um conjunto de exigências em relação
às organizações, sem que haja a obrigatoriedade no cumprimento dos prazos acordados
para repasse de recursos por parte dos governos. A análise das prestações de contas é
feita de maneira fragmentada, nos aspectos técnicos, financeiros e jurídicos. Além disso,
há uma centralidade na execução físico-financeira e nos aspectos legais, em detrimento
dos resultados alcançados.
É preciso ainda avaliar em que medida o acesso a recursos governamentais nas
modalidades vigentes implicará a necessidade de modificações não desejáveis nas atuais
estratégias da CESE: intermediação de recursos, atendimento prioritário à demanda es-
Luca Sinesi
pontânea do movimento popular, apoio a grupos informais e organizações ainda pouco
Diretor do Serviço
estruturadas, definição de prioridades de acordo com as exigências da conjuntura e agi-
Internacional (IS) no Brasil
lidade no apoio.
www.isbrasil.org.br

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 95


sétima resposta
Mesmo tendo ha- No entanto, apesar dessas considerações, ao acessar recursos governamentais, a
vido melhoras na área CESE pode contribuir para a democratização da aplicação desses recursos e para a qualifi-
social e econômica no
Brasil nos últimos anos, cação da implementação das políticas públicas, considerando a sua experiência acumulada.
como mostra o texto da
Tânia Bacelar neste li-
vro, a desigualdade no 2. Riscos e oportunidades na mobilização de recursos de institutos, fun-
Brasil e na região Nor-
deste permanecem. Nes- dações e empresas comprometidas com a “responsabilidade social”
te sentido, é preciso ter
Nos últimos anos, o tema da Responsabilidade Social Empresarial (RSE) ou Investi-
atores sociais que conti-
nuem lutando pela igual- mento Social Privado (ISP) vem ganhando espaço na sociedade, provocando a ampliação
dade e a garantia dos di- de seu debate com os mais variados setores e sujeitos sociais. Sem desconhecer o sentido
reitos de todos e todas.
amoral do lucro como condição de êxito dos empreendimentos nos marcos do capita-
A partir do semi- lismo, e do uso do marketing na contemporaneidade na base do “se dar bem, fazendo
nário de setembro/outu-
bro de 2009, foi criada a o bem” (“doing well by doing good”), o tema, enquanto conceito em disputa, também
Articulação D3 – Diálogo, expressa um patamar de relações sociais que se incorpora como um novo valor a ser
Diretos e Democracia, considerado nos projetos de desenvolvimento. No entanto, não se pode negligenciar as
que integra tanto orga-
nizações da Coopera- profundas diferenças de interesses numa sociedade em conflito, particularmente em nosso
ção Internacional, como país, onde a desigualdade marca as contradições – originadas do próprio sistema, sendo
também fundações e ins- a extensa pobreza sua mais evidente conseqüência.
titutos privados que têm
como objetivo apoiar as No Brasil, este debate vem sendo promovido por algumas redes e organizações
OSCs nas suas discussões
dos movimentos sociais e, de forma mais ativa, pelas organizações do setor empresarial
de como garantir a sus-
tentabilidade das suas engajadas na promoção da RSE. Internacionalmente, também tem mobilizado a opinião
instituições e ações. As pública em muitos países, em especial na Europa, despontando como um tema central
propostas encontram-se
na agenda de importantes parceiros dos movimentos sociais, que apresentam diferentes
na Carta do Recife, que
foi um dos resultados do abordagens e formas de engajamento com a questão.
seminário (ver anexos
nesta publicação). Um Como manifesto em nossa missão e objetivos maiores, do testemunho cristão e
desafio de curto prazo ecumênico, temos o compromisso com uma sociedade justa e democrática na perspectiva
é agregar um maior nú- dos Direitos Humanos. Nos identificamos com um conceito de desenvolvimento soberano
mero de integrantes à
Articulação D3 e de OSCs e solidário com os demais países e povos latino-americanos, em bases economicamente

96
viáveis, socialmente justas, ambientalmente sustentáveis e de profundo respeito à diversi- que apóiem a proposta
dade e valores culturais. Nesse sentido, não há como desconsiderar o papel do Estado e da Carta do Recife. O
DED pode apoiar essas
das políticas públicas – estatais ou não, como condicionalidades essenciais para a con- discussões, principal-
secução de uma sociedade justa e fraterna. Caso contrário, como nos alerta Benoni Belli, mente junto às OSCs no
Norte do País, onde está
prevaleceriam “os interesses privados dos indivíduos, a mercê do livre jogo das forças de
atuando.
mercado, como princípios condutores da vida em comunidade”.2
Desde 2004, a CESE vem aprofundando o debate sobre RSE, tanto internamente
com sua equipe executiva, diretoria e delegados nas assembléias, quanto externamen-
te com algumas organizações parceiras próximas e representantes do setor empresarial.
Além disso, vem participando de eventos importantes sobre o tema promovidos pelos
movimentos sociais e organizações empresariais. A iniciativa mais ousada e consistente
foi realizada em fins de 2006 – O Desafio da Relação entre Movimentos Sociais e Setor
Empresarial, em parceria com o PAD (Processo de Articulação e Dialogo entre as Agências
Ecumênicas Européias e Entidades Parceiras no Brasil), com apoio da Fundação AVINA.
Pretendeu ampliar este debate para um maior número de movimentos sociais e represen-
tações do setor empresarial no Brasil e aprofundar a visão sobre limites e possibilidades da
RSE, que apontem para a construção de critérios e referências para a atuação conjunta, a
serem legitimados por ambos os lados.
Heike Friedhoff
Ao considerar a possibilidade de acessar recursos de empresas, a CESE deve levar
Coordenadora do
em conta que, do ponto de vista da sustentabilidade política, neste campo é ainda mais Programa Fortalecimento
necessário verificar se a parceria é condizente com a missão, os critérios e os princípios da Democracia - DED Brasil
defendidos pela CESE, discutindo caso a caso tais parcerias, os limites e suas implicações www.dedbrasil.org.br
ou riscos de deslegitimação social.
Entretanto, há um reconhecimento de que o comportamento empresarial, tanto na- 2 A RESPONSA-
BILIDADE EMPRESARIAL E
cional como internacional, revela mudanças que apontam para uma nova tendência. Nos O MERCADO DAS BOAS
últimos anos, pode-se constatar que várias empresas aumentaram suas doações para as INTENÇÕES, in Economia
comunidades e diversificam seus programas sociais, mostrando claramente que certas Política Internacional: Análise
Estratégica, n. 6 – jul./set.
áreas são mais atrativas para a “responsabilidade social”. Algumas empresas nacionais 2005, p. 69.

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 97


também buscam maior visibilidade através da promoção de ações sociais e, nesse sen-
tido, dois caminhos aparecem mais relevantes. Algumas empresas criam departamentos
internos especializados que se tornam responsáveis por estas iniciativas e pelos seus pro-
gramas. Outras empresas, para tal finalidade, criam fundações ou institutos próprios.
Algumas observações, como premissas ou constatações para o estabelecimento de
estratégias na mobilização de recursos oriundos da RSE/ISP:
• Há fundações em que a praticamente inexiste interferência das empresas orig-
inárias ou ela é muito pequena. Exemplo: Ford, AVINA, Kellogg;
• Filantropia não é só de empresas, mas também familiares. Há necessidade de
aprofundar as sistemáticas, diferenciações e implicações das fundações comu-
nitárias;
• A CESE, em uma das edições da Campanha Primavera Para a Vida, já recebeu
recursos da FIEB – Federação de Indústria do Estado da Bahia (apoio à Cam-
panha Por Um Milhão de Cisternas). E atualmente da Kellogg (em parceria
com o IBASE) e AVINA. Indiretamente, através da ICCO, que mobiliza recursos
governamentais e privados;
• Precisamos nos posicionar, objetivamente, se o condicionante do lucro, iner-
ente às empresas – privadas, mistas ou estatais – invalida, de per si, a pos-
sibilidade de apoio, ou se o determinante tem a ver com o tipo de atuação
da empresa, o respeito a direitos dos trabalhadores; a questão geracional; de
gênero, étnico-racial e direitos humanos em geral; práticas ambientais; re-
sponsabilidade extra-territorial (coerência das empresas presentes em diferentes
países) – avaliando estes e outros elementos em toda a cadeia produtiva;

3. Riscos e oportunidades na mobilização de recursos nas igrejas


Ao considerar a possibilidade de mobilizar recursos nas bases das igrejas, deve-se
levar em conta que as igrejas nem sempre entendem plenamente o papel da CESE como
canalizadora do apoio do movimento ecumênico para os projetos sociais. Além disso, elas

98
têm seus próprios projetos diaconais e contribuem com outras entidades.
Do ponto de vista da sustentabilidade política, este seria o mais relevante apoio para
a CESE, pela natureza de organismo ecumênico. Além disso, pesquisas indicam maior po-
tencial de doação em pessoas que freqüentam uma igreja ou outro culto religioso.
A partir de 2001, a CESE iniciou a execução da Campanha Primavera Para a Vida
com os objetivos gerais de estreitar e ampliar a articulação com as bases das Igrejas; divul-
gar, nacionalmente, a ação da CESE; captar recursos para as atividades da CESE no âmbito
nacional. Esta continua sendo a principal Campanha da CESE junto às bases das igrejas.

4. Riscos e oportunidades na mobilização de recursos na sociedade


As ações de mobilização de recursos na sociedade impactam de forma significativa
a sustentabilidade política, na medida em que ampliam a visibilidade da instituição, e os
recursos da sociedade podem conferir maior autonomia para a ação da CESE.
A mobilização de recursos nesse campo requer maior investimento, sobretudo em
ações de comunicação, e o retorno financeiro é muito mais lento.
A CESE realizou, em 2007, uma pesquisa para avaliar a possibilidade de obtenção
de doações de pessoas físicas à entidade, identificando as condições que operam como
estímulos e condicionantes desta adesão e a intenção de praticar doações para a CESE,
junto às classes médias das cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador. A pesquisa
de mercado, na fase qualitativa, indica abertura para realizar doações a entidades como
a CESE, por um público que acredita que a sociedade deve partilhar responsabilidades
sociais com o Estado.
A doação a entidades, no entanto, convive com o receio do doador de estar sendo
lesado. Assim, a credibilidade na idoneidade da entidade é o critério fundamental para
doação.
Ainda segundo a pesquisa, a CESE projeta uma imagem de entidade voltada para

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 99


oitava resposta
Para o fortaleci- a inclusão social, com uma “função gerencial”, que presta apoio técnico e financeiro a
mento das OSCs, a Ces- ONGs, projetos, entidade e grupos populares organizados. E ela mesma fiscaliza o uso
vi considera essencial:
i) redefinir uma política
que é feito da verba que disponibiliza, também porque, imbuída de funções gerenciais,
nacional do setor social produz imagem de competência técnica e eficácia e o público cada vez mais parece so-
para mudar as relações brepor resultados a processos.
de parceria com o Estado
e garantir autonomia po- Além disto, as diversidades temática e geográfica ampliam a credibilidade da entidade.
lítica e sustentabilidade;
Não obstante a simpatia gerada pela apresentação, há a questão do distanciamen-
ii) redefinir as relações
de cooperação com as to que ainda se mantém entre o público e a entidade. A concretude ao trabalho da CESE
entidades estrangeiras é dada pelos projetos, grupos e entidades apoiadas.
para favorecer um traba-
lho de parceria que não O caráter ecumênico da entidade não aparece como um fator decisivo de adesão,
seja limitado somente ao mas se integra à pluralidade da entidade e aos valores cristãos de que estão imbuídos os
repasse de recursos; iii) potenciais doadores.
investir na comunicação
com a sociedade em ge- De qualquer forma, ainda mais especialmente para o público do Sudeste, é ne-
ral, para favorecer uma cessário pensar estratégias que ampliem o sentimento de proximidade com a CESE, bem
melhor compreensão dos
como valorizar acesso aos resultados do sistema de monitoramento de verbas criado pela
problemas sociais no Bra-
sil e suas consequências entidade. Mas é necessário que se pense em meios de tornar esta proximidade ainda
para o desenvolvimento maior, sobretudo com informações em relação aos projetos para os quais façam doação.
sustentável do País; e iv)
promover a mobilização Para mobilizar recursos de uma rede de colaboradores individuais, a CESE tem um
de recursos com sujeitos planejamento de formação de uma Rede de Amigos da CESE, que atrair para a instituição
privados. pessoas que tenham ideais alinhados aos da CESE e dispostas a contribuir para a susten-
tabilidade política e financeira da mesma.

5. Planejamento, Monitoramento e Avaliação


Após o levantamento de riscos e oportunidades em cada um dos campos que preten-
Andrea Ferrari Bravo demos mobilizar, foram definidos objetivos específicos, ações e resultados esperados. Para
Representante da
monitorar os resultados, foram definidas, na medida do possível, metas a serem alcançadas
Fundação CESVI até o final de 2010, que são acompanhadas semestralmente.
www.cesvi.ue

100
6. Lições aprendidas
1. Das muitas lições, a primeira, e talvez a mais óbvia, é que mobilizar recursos
é um trabalho caro. É necessário investir muito e ter paciência para esperar
resultados que tardam a chegar;
2. É imprescindível que o conjunto dos dirigentes e funcionários da instituição esteja
convencido da necessidade e disposto a trilhar o duro caminho da construção
de um programa de mobilização de recursos, pois este trabalho só pode ser
bem-sucedido se for bem aceito dentro da instituição;
3. É preciso estar claro que a marca da organização que vai mobilizar deve ser
conhecida e bem reconhecida por qualquer fonte financiadora;

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 101


102
*Klaus Minihuber e
Parcerias com empresas e doação de recursos **Naidison Baptista
por pessoas físicas: a experiência do Movimento
*Cooperante da organiza-
de Organização Comunitária (MOC) 1. ção austríaca pelo desen-
volvimento HORIZONT3000
e Coordenador do Programa
de Comunicação do MOC
e da Comissão Pastoral da
O contexto social do MOC Terra Bahia /CPT Bahia.
**Secretário Executivo do
A área de atuação do MOC é o Semiárido baiano que corresponde a mais da MOC

metade dos municípios do Estado (281 de um total de 417) e apresenta baixos indicado-
res sociais. Desse conjunto, aproximadamente 40 municípios estão em situação crítica,
considerando o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) e o Índice de
Desenvolvimento Infantil (IDI).
Dentro dessa área geográfica, no decorrer da sua história de 42 anos, o MOC fo-
cou sua atuação na Região Sisaleira (compreendida pelos Territórios Rurais do Sisal, com
20 municípios) e na Bacia do Jacuípe (com 13 municípios), compreendidas entre as áreas
mais pobres do Brasil. Nestes territórios, mais da metade das pessoas residem na zona ru-
ral, e dependem em grande escala das atividades de exploração do sisal e das pedreiras,
além da pecuária extensiva e da agricultura familiar. A renda média per capita não chega
a 25% do salário mínimo2.
1 Artigo elaborado
O território está sujeito a longos períodos de seca, agravando os problemas sociais para o Seminário “Susten-
tabilidade e Mobilização de
e econômicos. Estes problemas são ainda aprofundados pela falta de acesso da popula- Recursos para os OSCs. Uma
ção aos serviços básicos como saúde, educação e a inexistência de políticas adequadas à Visão Político-Estratégica
realidade do Semiárido. Diante dessas dificuldades, os territórios se mobilizaram em torno para o Desenvolvimento
do Nordeste”, de 30/09 a
de uma nova proposta de desenvolvimento sustentável em bases territoriais e com forte 02/10/2009.
participação dos movimentos sociais na construção, implantação e controle das políticas 2 Em 2009, o salário
públicas. mínimo era de R$ 510,00.

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 103


Apesar dos avanços, em todos esses municípios há violação de direitos, em especial
de crianças e adolescentes. Desde o principal, o direito à vida, passando pelos mais quali-
tativos, a saber, o protagonismo de crianças e adolescentes, educação e outros. O MOC,
tradicionalmente, tem atuado em relação ao problema da violação de direitos de crianças
e adolescentes, na erradicação do trabalho infantil, junto ao Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil (PETI), por mais de 10 anos. Durante esse período desenvolveu vários
expertises, em especial o entendimento do complexo sistema de promoção e garantia de
direitos. E também a compreensão da gama de ações necessárias para lidar com os pro-
blemas. Todavia, nesse campo, o que talvez mais salte aos olhos é a certeza de que toda
e qualquer ação passa por uma mudança de atitude e comportamento, seja da sociedade
civil, seja do poder público.

O MOC – origem e trajetória


O Movimento de Organização Comunitária (MOC) é uma entidade da sociedade
civil, sem fins lucrativos, de natureza filantrópica, considerada de utilidade pública muni-
cipal, estadual e federal. Desde sua fundação, em 1967, o MOC direcionou sua atuação
às populações menos favorecidas, discriminadas, quer da periferia urbana, quer de comu-
nidades rurais, indistintamente suscitando o aparecimento de associações comunitárias
rurais e urbanas.
Ao lado do desenvolvimento do trabalho junto aos sindicatos, foi se desenvolven-
do, também, a experiência de (pequenos) projetos econômicos, originando as APAEBs
(Associações dos Pequenos Agricultores), cooperativas e outras Organizações Não Go-
vernamentais. Hoje, completados 42 anos de ação junto a populações em condições
de vulnerabilidade social, o MOC pode afirmar ter contribuído substancialmente para o
desenvolvimento sustentável da Região Sisaleira e do Vale do Jacuípe, no estado da Bahia,
notadamente dos agricultores e agricultoras familiares.
A Missão do MOC é contribuir para o desenvolvimento integral, participativo e eco-

104
nona resposta
logicamente sustentável da sociedade humana, através de capacitação, assessoria edu- Somos uma funda-
cativa, incentivo e apoio a projetos referenciais, buscando o fortalecimento da cidadania, ção comprometida com
contribuições concretas
a melhoria da qualidade de vida e a erradicação da exclusão. para o desenvolvimento
sustentável da América
O MOC atua, hoje, em toda a região Nordeste do Brasil e mais especificadamente Latina e, portanto, diante
no estado da Bahia, com maior ênfase no Semiárido. Para o MOC, não interessa fazer, deste cenário, queremos
mas apoiar os grupos para que eles efetivamente possam fazer, construindo sua própria contribuir para atenuar
o impacto negativo da
história e autonomia. Isso implica em assessorar, capacitar e apoiar – elaborar materiais, perda destes investimen-
estar presente, discutir, refletir, criticar e ser criticado, propor – mas nunca substituir a ação tos, em especial aqueles
dos próprios grupos. A proposta pedagógica do MOC realiza-se, principalmente, através dirigidos para fortalecer
e garantir a autonomia
de seis programas inter-relacionados: crescente das organiza-
• O Programa da Água e Segurança Alimentar se insere na Convivência com ções da sociedade ci-
vil organizada. Soluções
o Semiárido na sua parte mais sensível e característica, ou seja, a escassez e criativas que possam ser
a insegurança hídrica e alimentar. Água para beber e cozinhar e água para desenhadas e implemen-
produzir são elementos básicos cuidados pelo Programa a fim de garantir a tadas no Brasil para supe-
rar este desafio podem,
convivência das pessoas com o clima da região, com qualidade de vida. Val- se bem sucedidas, servir
endo ressaltar as estratégias de políticas públicas que valorizem este ambiente de referência para a cria-
e fortaleçam as entidades aqui presentes e que trabalham por alternativas de ção de outros mecanis-
mos semelhantes, em ou-
convivência com o Semiárido, assim como o fortalecimento das temáticas que tros países do continente
envolvem especialmente a dimensão de gênero. Este programa mantém uma latinoamericano.
relação especial com a ASA – Articulação no Semiárido Brasileiro -, sendo o
MOC membro da coordenação regional da ASA e entidade regional respon-
sável pela execução e coordenação do Programa 1 Milhão de Cisternas.
• O Programa de Comunicação do MOC atua em três áreas estratégicas: a)
a assessoria e qualificação da imprensa na cobertura de temas relacionados
ao desenvolvimento sustentável do Semiárido, incluindo-se aí a comunicação
Neylar Vilar Lins
institucional da entidade; b) o fortalecimento da comunicação comunitária
nos Territórios Rurais do Sisal e Bacia do Jacuípe através do fortalecimento das Representante Brasil da
Fundação Avina
rádios comunitárias e de jovens comunicadores; e c) a Educomunicação que por
um lado visa possibilitar e qualificar a participação de crianças e adolescentes www.avina.net

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 105


décima resposta
A pouca diversi- nos meios de comunicação e por outro estimular a leitura crítica da mídia nos
ficação nas fontes de espaços de educação pública.
recursos pode ter refle-
xos tão maléficos para • Criado em 2006, o Programa Criança e Adolescente tem como objetivo con-
uma organização social tribuir para a promoção dos direitos da criança e do adolescente com vistas à
como a escassez de re- criação e a manutenção de um ambiente de desenvolvimento e segurança. Faz
cursos por si só. Contar
com poucas fontes de isso através de projetos, ações e políticas de fortalecimento dos poderes locais,
recursos representa fra- em especial, organizações da sociedade civil, lideranças, famílias, crianças e
gilidade, dependência e adolescentes nos territórios do Sisal e Bacia do Jacuípe, no Semiárido baiano.
restrição – no pensar e
no agir. A ampliação nas
As ações do Programa Criança e Adolescente perpassam por questões rela-
bases de apoio das or- cionadas à erradicação do trabalho infantil, abuso e exploração sexual, orça-
ganizações sociais brasi- mento municipal, educação, além de outras ações a nível regional, estadual e
leiras, incluindo-se aí o
nacional que são ligadas diretamente à criança e ao adolescente.
envolvimento de doado-
res individuais, além dos • O Programa de Educação do Campo atua objetivando a melhoria das con-
institucionais, desponta dições e da qualidade da educação pública na região. Para isso, age em frentes
como um dos principais
diferenciadas e complementares: Capacitação de professores rurais; Formação
desafios para seu forta-
lecimento, com consequ- dos monitores da Jornada Ampliada e Baú de Leitura, sempre numa perspectiva
ências diretas no forta- de educação contextualizada e de que a escola produza conhecimentos para o
lecimento da sociedade desenvolvimento sustentável e não apenas retransmita conhecimentos prontos e
civil. A assertividade na
comunicação das causas estandardizados.
a que se dedicam essas • O Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar no Semiárido obje-
organizações, bem como tiva melhorar a qualidade de vida dos agricultores familiares, possuidores de
dos resultados alcança-
dos em suas ações, guar- pouca terra, na região semi-árida da Bahia, através de um processo de plane-
da total relação com esse jamento e exploração da propriedade agrícola com base em princípios de
desafio. convivência com a seca, da agroecologia e da economia solidária. Para viabi-
lizar este processo, o Programa está subdividido em quatro áreas de atuação:
crédito, assistência técnica, comercialização e desenvolvimento territorial. O
Paulo Castro Programa, hoje, atinge cerca de 13 mil famílias e assessora organizações
Diretor Presidente do importantes no estado, como a ASCOOB (Associação das Cooperativas de
Instituto C&A Apoio à Economia Familiar), o COGEFUR (Conselho Gestor de Fundo Rota-
www.institutocea.org.br tivo), a ARCO SERTÃO (Associação Regional de Comercialização do Sertão da

106
Bahia) e as APAEBS (Associações dos Pequenos Agricultores dos Municípios de
Valente, Araci, Serrinha, Ichu e Feira de Santana).
• O Programa de Gênero é responsável pela criação e assessoria, na região,
de um Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais. O programa atua em
vinte municípios e há aproximadamente 800 mulheres neste processo, com
destaque para a Rede Feminina de Produtoras.
Há ainda o Projeto Especial de Juventude que busca organizar os jovens na perspectiva
da auto-representação e de busca de políticas especificas para a juventude.

A captação de recursos do MOC numa nova conjuntura


Como tantas outras organizações não governamentais no Brasil, o MOC tradicio-
nalmente recebia boa parte do financiamento para as suas ações e a garantia da susten-
tabilidade institucional da cooperação internacional, sobretudo da Alemanha, Holanda,
Áustria, Bélgica, Canadá e Estados Unidos. No decorrer dos anos 1990 começa o pro-
cesso gradual e irreversível de diminuição dessa fonte de recursos. Paralelo a isso, novas
fontes de financiamento se abrem dentro do próprio País, sobretudo no setor público, mas
também na área da responsabilidade social privada.
Em meados dos anos 2000, o MOC se encontrava em uma situação inversa à das
primeiras três décadas de sua existência (1967 – 1997): do total de recursos captados em
2006, por exemplo, 83% eram provenientes do poder público, enquanto a cooperação
internacional correspondia a somente 10% e as empresas ou fundos privados a 6%. Isso
trazia novos desafios à sustentabilidade do MOC, pela falta de flexibilidade e dificuldade
de financiar despesas institucionais, salários e encargos trabalhistas com fundos públicos,
a susceptibilidade a mudanças na conjuntura política do país, entre outros fatores de risco.
A partir da participação do MOC no “trajeto de captação de recursos” com as-
sessoria da ONG Ciclo Assessoria Para o Desenvolvimento e apoio da Cordaid, o MOC
desenvolveu, entre 2007 e 2009, um Plano de Captação de Recursos que pretendia, a

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 107


médio e longo prazo, diversificar ainda mais a sua mobilização de recursos e gerar um
equilíbrio maior entre as diferentes fontes, principalmente através do aumento da partici-
pação do financiamento privado.
Para esta investida na responsabilidade social privada de empresas brasileiras, o
Plano apostou em três modalidades:
1. Participação nos editais de seleção de projetos lançados periodicamente palas
fundações e institutos ligados às grandes empresas nacionais;
2. Negociação de projetos diretamente com empresas;
3. Constituição de uma rede de doadores pessoas físicas.

No entanto, segundo o Plano, o MOC continuaria a estreitar o relacionamento com


as esferas federal e estadual do poder público, apostando numa maior diversificação dos
financiamentos e na pressão, junto com outras organizações sociais, para a formulação
de regras mais realísticas e transparentes, visando um novo marco legal para o financia-
mento público de Organizações Não Governamentais.
O campo da cooperação internacional também não foi abandonado pelo Plano.
Muito pelo contrário: Pretendia-se fidelizar aquelas agências que ainda mantinham o
Brasil no foco da sua política de apoio ao desenvolvimento, além de mapear e abordar
agências ainda não contatadas e investir na concorrência em editais da União Européia.
Apesar disso, o MOC não nutre esperanças em que a cooperação internacional volte a
ocupar um papel mais destacado no panorama do financiamento de suas ações.
Assim, as linhas estratégicas de captação de recursos apresentadas no Plano de Cap-
tação tiveram um foco no setor privado, mas também visavam à manutenção e qualificação
da captação junto à cooperação internacional e ao poder público, experimentando também
novas formas de captação, a exemplo da prestação de serviços.
Vale ressaltar que uma das principais estratégias de mobilização de recursos não
visava à captação de novos recursos externos, mas a diminuição da demanda de capta-

108
ção internamente, através da redução de custos institucionais e operacionais o que, no
entendimento do MOC, também configura uma forma de captação de recursos. Nesse
campo o MOC pretendia, principalmente, ampliar a transparência da gestão administrati-
vo-financeira e a co-responsabilidade dos funcionários na gestão da entidade, na medida
em que se tornassem mais claros e concretos os custos que cada programa tinham para
se operacionalizar.

A campanha “Amigos do MOC” e a política de captação


de recursos junto a empresas

A Campanha “Amigos do MOC”


Mesmo com potencial inicial pequeno, o plano de constituir uma rede de doadores
pessoas físicas é uma iniciativa inédita na história do MOC. A idéia era abordar diferentes
segmentos da sociedade de Feira de Santana e região e propor a eles que se agregarem
à rede de doadores. Pensava-se, inicialmente, nos profissionais liberais, professores e
estudantes das universidades sediadas na cidade, e, sobretudo, na rede de familiares e
amigos dos próprios funcionários do MOC.
No decorrer da implementação da campanha, notou-se que apesar dos 42 anos de
atuação junto a populações em condição de vulnerabilidade social da cidade e do cam-
po, e apesar do grande reconhecimento de seu trabalho nacional e internacionalmente,
o MOC era ainda desconhecido de grande parte da população de Feira de Santana. Isso
se deveu ao fato que boa parte da ação do MOC atualmente acontece fora de Feira de
Santana, mas também porque o MOC sempre priorizou na sua política de comunicação
a promoção dos sujeitos individuais e coletivos acompanhados e assessorados, e não a
comunicação institucional.
O resultado dessa política era um nível muito baixo de conhecimento e divulgação

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 109


da existência e das ações do MOC entre a população da sua cidade-sede, Feira de Santa-
na, que desde a década de 1980 não mais figurava como sua área de atuação principal e
de onde se retirou quase completamente nos anos 1990. Contrastando com isso, na área
de atuação focal dos últimos tempos, os territórios rurais do Sisal e da Bacia do Jacuípe,
o MOC goza de grande notoriedade e amplo reconhecimento.
Foi preciso, inicialmente, uma revisão desta postura, diferenciando a comunicação
institucional e a divulgação dos resultados das ações do MOC da construção de peças e
processos de comunicação de cunho pedagógico que apoiassem os processos de forma-
ção e capacitação das comunidades atendidas.
Outro desafio dizia respeito aos volumes captados por essa iniciativa. Trabalhava-se
com uma meta reduzida, que numa primeira fase não traria um impacto significativo para
a sustentabilidade financeira do MOC, mas que devido ao potencial de crescimento e ao
caráter de utilização mais flexível desse recurso teria um significado grande para o futuro
da entidade.
Numa perspectiva mais ampla, os recursos públicos ou privados e os governa-
mentais podem se complementar e convergir estrategicamente para a implementação do
planejamento estratégico da instituição. Os recursos oriundos de doadores pessoas físicas
poderão constituir uma terceira linha, mais livre, de apoio. Isso porque os parceiros nem
sempre entendem como estratégico o investimento na estrutura da instituição e querem
centrar seus apoios nas atividades fins, esquecendo-se de que a estrutura MOC precisa
ser mantida e desenvolvida para que as atividades fins tenham possibilidade de acontecer
com o resultado desejado.
O início da campanha coincidiu com o aniversário de 40 anos do MOC no ano de
2007 – oportunidade que a entidade pretendia aproveitar para tornar-se mais conhecida
em Feira de Santana. Foi realizado um grande evento comemorativo, que contou com
uma palestra de Leonardo Boff e a presença do Governador do Estado da Bahia, Jacques
Wagner, além de inúmeras lideranças do movimento social e personalidades da socieda-
de de Feira de Santana.

110
Apesar de ter dado o pontapé inicial nesse evento, todo o trabalho de estruturação
da campanha ainda levou quase dois anos até se consolidar. Foram produzidos materiais
publicitários, um site da campanha e investiu-se na sensibilização inicial da própria equipe
do MOC e de alguns espaços de educação formal em Feira de Santana.
A adesão à proposta da rede de doadores “Amigos do MOC” somente ganhou for-
ça em 2009, quando se partiu para a mobilização maciça de doadores entre os próprios
funcionários e colaboradores do MOC. Isto gerou uma massa crítica e um comprometi-
mento suficiente para levar a campanha a outros públicos. Atualmente, há cerca de 100
doadores cadastrados na rede, com doações que variam de 10 a 150 reais mensais, mas
também doadores que preferem doar semestral ou anualmente.
Adicionalmente se contatou a Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia (Co-
elba), para a possibilidade de uma campanha de pequenas doações a serem debitadas
nas contas de energia elétrica das pessoas que concordarem com esta modalidade de
doação. Avalia-se que esta estrada poderá render um resultado razoável, uma vez que
pode atingir todos os públicos e até o próprio público do MOC pode ser atingido.
Previsto para ter inicio em janeiro de 2010, o processo de captação com a Coelba
ainda não começou, dado que a empresa está em fase de implementação de um software
de controle de contas, cuja fase final se prevê para o final de abril.

A política de captação do MOC junto a empresas privadas


Outra fonte de captação que constitui uma relativa novidade dentro do cenário de
mobilização de recursos do MOC são as empresas privadas. Relativamente novo porque
vale ressaltar que o MOC sempre envolveu no campo da cooperação internacional orga-
nizações de outros países que captavam tanto recursos privados  como recursos públicos.
Muitos projetos de organizações da Europa e do Canadá, por exemplo, eram com-
postos por recursos governamentais destes países. O inicio da retração destes recursos e
a reflexão sobre a necessidade de se envolver o Estado Brasileiro na construção de alter-
nativas sustentáveis de desenvolvimento levaram o MOC, assim como a outras ONGs, à

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 111


busca da captação de recursos públicos nacionais, tanto no nível federal como no nível
estadual. Isso foi se tornando mais factível à medida que passou a não haver a quase “ini-
mizade” entre ONGs e Poder Público e a se tornar possível um diálogo inicial, sobretudo
após a redemocratização do País.
A mesma reflexão, ou com elementos semelhantes, se deu na relação com as em-
presas como financiadores de projetos sociais. Algumas organizações européias que
apoiaram o MOC captavam recursos junto a empresas. Exemplos disso são a OIKOS e a
IEPALA. A partir desse início, foram se agregando outros elementos, como o debate sobre
a responsabilidade social das empresas – responsabilidade esta que tanto se expressa no
respeito devido aos direitos dos funcionários, quanto na expressão social da empresa para
fora, no possível apoio a atividades sociais das comunidades e apoio a mudanças sociais,
mesmo sendo mínimas.
Sinteticamente, ao lado de muitas outras ONGs, o MOC abraçou a concepção de
que recursos públicos brasileiros devem ser direcionados para os trabalhos sociais e que
as ONGs devem buscar e brigar por estes recursos, buscando inclusive uma regulamenta-
ção especifica para acesso a eles. E embora muito desconfiado em relação às empresas,
dada sua índole capitalista, o MOC começou também alguma aproximação, na perspec-
tiva de que seria possível encontrar pontos em comum entre nós e o setor empresarial, e
na seqüência centrar os trabalhos e projetos sobre estes pontos comuns.

As experiências com apoios do setor empresarial do MOC foram:


• Uma experiência inicial se deu com a OMICRON, empresa do campo eletro-
eletrônico da Áustria e que desejava parceiros brasileiros para trabalho com
crianças no Brasil. A intermediação desta empresa se deu pelos nossos parcei-
ros austríacos da ONG HORIZONT3000. Como o MOC atuava no Programa
Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil no Brasil, fez-se a ponte com
o debate de apoio a este trabalho e a atividades de educação, formação de

112
professores, água, produção de material didático.
• Na mesma perspectiva deu-se o apoio da empresa Pfizer, que há seis anos
apóia o trabalho de fortalecimento da agricultura familiar do MOC, enfatizan-
do-se geração de renda com caprinocultura e quintais produtivos para famílias
do programa de erradicação do trabalho infantil. O conhecimento desta em-
presa nos veio pelo UNICEF.
• Atualmente temos projeto com o ICEP, fundação austríaca que atua com recur-
sos de empresas austríacas e suíças e que nos apóiam no campo da educação
contextualizada.
• Tivemos e de quando em vez ainda temos pequenos apoios pontuais em proc-
essos de construção de cisternas.
• Em se tratando de conseguir recursos com chamadas publicitárias destacamos
a Petrobrás, com a qual já ganhamos duas chamadas nacionais e, tempos
atrás, o concurso Itaú-Unicef.
• Ao mesmo tempo, trabalhamos com recursos da FEBRABAN, captados não
diretamente pelo MOC, mas pela ASA.

Essas novas formas de relacionamento, tanto com o poder público como com o
setor empresarial na perspectiva da mobilização de recursos, trouxe uma série de desafios
à instituição. O primeiro era a questão de manter a autonomia do MOC, garantindo que
parcerias não signifiquem abdicar dos princípios básicos e essenciais da instituição. Esta
não tem sido uma negociação fácil e pode implicar em alguns momentos em negar-se a
continuar a parceria. Tempos atrás renunciamos a uma proposta de uma fundação inter-
nacional, porque queria envolver atividades político partidárias nas ações, com o que nós
não concordávamos.
Outra questão chave é que o MOC adotou como princípio que o apoio dado pelas
empresas nunca será para pessoas de forma individualizada, mas ao processo com um
todo, sempre incluindo elementos de formação, capacitação e organização das comuni-
dades atendidas. Exemplo disso é a construção de cisternas, quando houve parceiros que

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 113


queriam apoiar a construção de cisternas e em seguida indicar os beneficiários. Isso para
o MOC não é admissível e foi categoricamente rejeitado.
Uma terceira questão é fazer os parceiros entenderem que o trabalho é um conjunto
e um processo e não um conjunto de pedaços. Isso se tornou importante diante do desejo
do parceiro, especialmente aquele do setor empresarial, de se ver identificado especial-
mente e com referências especiais.
Um outro desafio foi adequar a contabilidade e o setor de prestação de contas da
entidade, além dos processos de gestão do MOC, às exigências mais rígidas de recursos
governamentais e às exigências empresariais.
E por último, além de manter a própria autonomia institucional, também se coloca
o desafio de manter a autonomia das comunidades envolvidas no processo, fazendo com
que elas saibam da origem dos recursos, mas assumam os processos como seus e não
uma postura de “esmoléus” e de “agradecidos”. 
Os fatores que contribuíram para que o MOC conseguisse manter a identidade e
autonomia diante dessas relações intersetoriais foram os seguintes:
a. Ter um planejamento estratégico da instituição e referir-se ou tomá-lo como
referência ao negociar os projetos e apoios. Ou seja: a postura não é a busca
do dinheiro pelo dinheiro, mas a busca de recursos que possam ajudar a
implementar o planejamento estratégico da instituição, por vezes em aspectos
mais amplos e por vezes em aspectos bem menores e mais concretos, mas
também importantes.
b. Não aceitar em nenhuma hipótese o processo de terceirização onde a ONG
aparece como executora de uma proposta debatida e decidida em outras
esferas. Isso pode ocorrer tanto no nível de empresas quanto no nível do poder
público. O processo sempre deve ser de parceria.
c. Estabelecer princípios institucionais que norteiem elementos da negociação: por
exemplo, não aceitar o patrocínio por fabricantes de bebidas alcoólicas.

114
d. Ter claro como se constroem processos de publicidade e de visibilidade do
apoio da empresa ao projeto.
  
Quanto aos resultados políticos positivos das investidas do MOC na diversifica-
ção das fontes de recursos destacamos os apoios significativos aos nossos trabalhos,
numa perspectiva estratégica de sua construção; temos apoios de empresas brasileiras,
austríacas, suíças. E conseguimos que este processo se encaixasse muito bem em nosso
planejamento estratégico. Com algumas empresas estamos passando de apoios pontuais
de um ano a apoios processuais de três anos, com elementos inclusive de apoio estrutural
ao MOC. 

Lições aprendidas
Entre as lições apreendidas pelo MOC na sua prática de mobilização de recursos
podemos destacar:
a. Os recursos captados das empresas e suas fundações para uma instituição
como o MOC guardam sempre uma dimensão de ambigüidade. Nosso es-
forço vai no sentido de superar estas ambigüidades pela inserção das proposta
e projetos numa perspectiva mais ampla e no planejamento da instituição.
b. As negociações não podem trabalhar em cima de subterfúgios e suposições.
Tudo deve ser muito claro e revestido de transparência. Suposições quase sem-
pre geram problemas futuros.
c. Experimentamos a necessidade de adequar nossa realidade e nosso planeja-
mento a uma linguagem mais adequada às empresas, sem nos descaracterizar,
além de elaborar relatórios em outras dimensões, atendendo às necessidades
de divulgação das ações e resultados por parte das empresas. Também, fez-se
necessário um outro estilo de gerenciamento de recursos.
d. A importância de um relacionamento com clareza com as comunidades trabal-
hadas e “beneficiadas”.

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 115


Ainda estamos aprendendo, não temos receitas prontas a serem reaplicadas em
outros contextos. Não temos palavras finais. Temos uma experiência, que temos buscado
conservar e ampliar. Esta nova relação tanto com empresas como com doadores pessoas
físicas não nos tem feito renunciar ao que somos e aos nossos compromissos sociais e po-
líticos. Ao contrário, tendem a fortalecer o papel do MOC como promotor da efetivação
dos direitos da população do Semiárido.

116
José Aldo dos Santos
Articulação no semiárido (ASA): avanços e desafios da
Coordenador de Articulação
relação com o setor privado e com o setor público 1. Política do Centro Sabiá /
Coordenação Executiva da
ASA-Brasil
Nosso trabalho no Semiárido
Não é nuvem passageira.
A água da chuva fica guardada por meses

Esse texto refletirá o acúmulo da experiência construída pelo coletivo da ASA e


evidenciada em outros textos publicados pela própria rede, como por outras instituições
e pesquisadores de universidades. Desta forma, fica claro que todas as questões aqui ex-
plícitas são passíveis de complementações e/ou críticas que ampliem a condição para um
semiárido mais justo e solidário para o povo dessa região.

Um pouco de Historia da ASA


Primeiro, um relato histórico para falar de captação e mobilização de recursos, é
importante frisar de onde nos mobilizamos, nos articulamos e interagimos enquanto rede
social. Mais precisamente em 1999, o Fórum Paralelo da COP3 é nosso marco referen-
cial - inclusive, no VII Enconasa, - vamos completar 10 anos de mobilização dessa rede.
Mas é importante dizer que antes de 1999 existe uma trajetória das organizações,
dos fóruns estaduais, de uma mobilização social no Semiárido, para que em 1999 con- 1 Artigo elaborado
seguíssemos dar uma visibilidade enquanto uma rede social de articulação do Semiárido, para o Seminário “Susten-
tabilidade e Mobilização de
que é: a ASA. Recursos para as OSCs. Uma
Na gestação desta nova perspectiva, os movimentos sociais desempenharam papel Visão Político-Estratégica
para o Desenvolvimento
estratégico, pois tornar o Semiárido viável sempre foi uma forte bandeira dos movimentos do Nordeste”, de 30/09 a
sociais. Há décadas, organizações da sociedade civil atuantes na região travam lutas histó- 02/10/2009 – no Recife.

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 117


ricas na perspectiva de políticas de convivência. Algumas delas redundaram em articulações
e fóruns, como Fórum Seca (1991), em Pernambuco; a Articulação do Semiárido Paraibano
(1993); o Focampo, no Rio Grande do Norte (1994).
Não se pode deixar de fazer referência, também, às inúmeras manifestações que
aconteceram. Destacamos a campanha de distribuição de sementes e constituição de
bancos de sementes coordenada pela CNBB no início da década de 1980 e a ocupação
da SUDENE, em 1993. Nunca, porém, estas ações tinham sido suficientemente proces-
suais nem galgavam um nível mais amplo, capaz de interferir em políticas nacionais.
Limitavam-se, muitas vezes, a experiências em suas regiões, estados e comunidades.
Enfatizamos que a ASA é uma rede, que ainda nós não sabemos exatamente quan-
tas organizações existem nessa rede - começamos com 60, hoje falasse em 700, 750,
1000, mais de 1000. O que é importante, mais do que o número, é o processo de arti-
culação e diversidade dos atores sociais da sociedade civil no Semiárido, seja como Asso-
ciação, Cooperativa, Sindicato, Igreja, ONGs de diversas naturezas. Tem uma conta que
diz o seguinte, que se for somar as organizações participantes das comissões municipais e
as associações comunitárias, esses números vão para alguns milhares, porque são 1133
municípios no semiárido. Hoje as ações dos programas (P1MC e P1+2), a partir das
organizações, são em 95% dos municípios do Semiárido. É uma rede que tem uma capi-
laridade ampla, e essa idéia de número ela ajuda, mas, mais do que o número, é mais
interessante a dinâmica do que acontece na comunidade, no município, na microregião,
no estado e entre os estados.
Só para situar, pois nem sempre se tem a dimensão do Semiárido. A região tem
uma extensão de 975 mil km², compreendendo 1133 municípios, que engloba os estados
de Alagoas, Bahia, Ceará, Minas, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe.
Mas, enquanto ASA também tem a participação do Maranhão nesse processo de articula-
ção social e na luta pelo reconhecimento do seu estado como Semiárido.

118
Nova visão do Semiárido
A ASA é uma rede social, fundada em 1999. Vale a pena refletir que naquele
momento tínhamos uma releitura da Declaração do Semiárido expressando qual era o
Semiárido em que as organizações acreditavam para o processo de transformação e mu-
dança socioambiental da região. Inicialmente, a grande discussão sobre a concepção de
um Semiárido era a da necessidade de combate à seca, com as grandes obras, protago-
nizado pelo DNOCS, Departamento Nacional de Obras de Combate à Seca - este era o
símbolo da lógica de pensar o Semiárido. Por outro lado, as organizações da sociedade
civil vinham construindo a idéia de uma visão de Semiárido que assumisse uma percepção
de convivência e não de combate às condições socioambientais da região.
Para fazer jus a essa construção de uma concepção de convivência com o Semiá-
rido é importante destacar de que fonte se bebeu: das experiências desenvolvidas pelos
agricultores familiares da região, que são assessoradas pelo conjunto de organizações
que já vinham trabalhando com essas famílias agricultoras, tendo como base uma polí-
tica de estocagem de água, de semente, de alimento e de forragem. É a idéia de trazer
a dimensão da água como um aspecto de uma necessidade e um direito básico a ser
trabalhado, como segurança alimentar nas políticas públicas, sendo essas experiências
fundamentais para a conjunção de debates na articulação. As organizações locais já
faziam construção de cisternas, a cooperação internacional já apoiava a construção de
cisternas como referencial de planejamento, mas não como política. E as organizações
individualmente não tinham força política para transformar a construção de cisternas num
programa de políticas públicas.
Tal conjunção levou à construção do programa Um Milhão de Cisternas, que foi
estruturado à luz dessa caminhada das famílias agricultoras, das organizações e parceiros
apoiadores. É importante destacar o estudo realizado pelos pesquisadores Philippe Bonnal
e Karina Kato, do CPDA/UFRJ, que, a partir da Análise Comparativa das Políticas Públicas
de Desenvolvimento Territorial, classificou o P1MC como uma das políticas construídas a
partir do processo social que foi assumida como política pública e não perdeu as carac-
terísticas de autonomia e independência da sua execução e gestão.

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 119


Construindo o Programa de Formação e Mobilização Social para Convivên-
cia com o Semiárido Brasileiro: Um Milhão de Cisternas Rurais
O programa tem uma dimensão forte, que é a dimensão de não olhar para a obra
como um elemento fim da necessidade básica da família, mas, além disso, considera o
processo de formação e mobilização social. O grande desafio deste Programa se reve-
la no diálogo: “Como é que a gente faz o programa na prática?”:“Se a gente faz uma
reunião, o que é isso?”: “Isso é mobilização social”;.”Como é que lá na comunidade as
famílias decidem?”: “Se reúnem, isso é controle social”;.”O que é o processo de forma-
ção e a capacitação? Para que?”: “Para gestão da água, Gerenciamento de Recursos
Hídricos”; “E para essa base é importante ter o que?”: “Organizações fortalecidas de
base, que é o fortalecimento institucional”. Porém, para isso tudo é necessário um pro-
cesso de visibilidade dessa ação para fora, e como é que se faz isso para dentro e para
fora? Comunicação. A construção desses componentes se deu a partir da percepção de
um coletivo para formar o programa Um Milhão de Cisternas, com essas dimensões.
O P1MC não é, sob hipótese alguma, um projeto paternalista ou assistencialista. O
objetivo geral do P1MC é contribuir, através de um processo educativo, para a transfor-
mação social, visando a preservação, o acesso, o gerenciamento e a valorização da água
como um direito essencial da vida e da cidadania, ampliando a compreensão e a prática
da convivência sustentável e solidária com o ecossistema do Semiárido.

São objetivos específicos do P1MC:


• Mobilizar a sociedade civil para implementação do programa;
• Criar mecanismos que promovam a participação de todos os atores envolvidos
na gestão do projeto e no controle social;
• Propiciar o acesso descentralizado à água para consumo humano a um mil-
hão de famílias, aproximadamente cinco milhões de pessoas;
• Melhorar a qualidade de vida de cinco milhões de pessoas da região semi-

120
árida, especialmente crianças, mulheres e idosos;
• Fortalecer as organizações da sociedade civil envolvidas na execução do
Programa, visando garantir as condições necessárias ao desempenho eficaz e
eficiente do P1MC;
• Implementar um processo de formação que considere a educação para a con-
vivência com o Semiárido e a participação nas políticas públicas;
• Difundir, no conjunto da sociedade brasileira, uma correta compreensão do
Semiárido brasileiro.

Construindo Parcerias para um novo Semiárido


Todavia, a ASA já vem trabalhando com o P1MC desde o ano 2000, quando firmou
um convênio com o Ministério do Meio Ambiente (MMA). Entre 2001 e 2003 firmou um
convênio com a Agência Nacional de Águas (ANA)2. Essa fase foi chamada de transição
e foi realizada por 26 Unidades Gestoras Microrregionais (UGMs), em oito Estados do
Nordeste e em Minas Gerais, e balizou a assinatura de um Termo de Parceria com o então
Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome (MESA) e um Acordo
de Cooperação Técnica e Financeira com a Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN).
Posteriormente, foram firmados: mais um Termo de Parceria com o Ministério de Desenvol-
vimento Social e Combate à Fome (MDS) e com o Ministério do Desenvolvimento Agrário
(MDA); um Acordo de Cooperação Técnica e Financeira com a FEBRABAN; um Convênio
com PETROBRAS e outros acordos de cooperação e parcerias com outras entidades, tais
como OXFAM, Sindicato dos Metalúrgicos do ABC Paulista, ANEAS, Cooperação Espanho-
la, Fundação Avina etc.
Mesmo com esse leque amplo de parceiros, uma das primeiras conquistas foi con-
vencer o gestor público de que para o termo de recebimento, seria suficiente uma foto da
família com a cisterna com seus dados, como um elemento da prestação de contas de que o 2 P1MC-T nessa fase
beneficio de fato chegara, que a obra (cisterna) chegara e que o recurso fora bem aplicado. a Diaconia entidade da ASA
assumiu o convênio com a
A partir desta construção, que foi muito interessante, hoje temos um sistema infor- ANA

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 121


matizado (SIGA) que gera esses termos de recebimento, que todos os apoiadores e finan-
ciadores acessam e vêem todos os passos de execução do programa.
Nessa caminhada, destacar a parceria com a FEBRABAN é importante. Como co-
meçou essa história? Foi a partir de uma articulação de algumas pessoas que já conhe-
ciam o trabalho da ASA e o próprio Lula, convocando a FEBRABAN para apoiar o Fome
Zero. Houve uma cerimônia em Brasília onde o Presidente Lula anunciou recursos para a
construção de 10 mil cisternas com recursos do Programa Fome Zero. Posteriormente, a
ASA foi convidada para participar de uma reunião com a FEBRABAN, e com alguns ban-
cos. Ficamos um olhando para o outro, sem acreditar, mas não tivemos dúvida de sentar
numa mesa com o presidente da FEBRABAN, os bancos e a ASA. Uma situação nunca
antes pensada, ou mesmo imaginada pelos atores sociais da caminhada política do Semi-
árido. Mas, sentamos, conversamos, e o recurso do primeiro Termo de Parceria (TP) veio a
partir de uma parceria com o atual MDS e a FEBRABAN, via o Programa Fome Zero. Fir-
mado o TP, começamos o processo de dialogo com APEL, empresa de consultoria contra-
tada pela FEBRABAN para acompanhar a execução. Depois, realizamos várias conversas
e negociações para ver como, juntos, poderíamos construir os procedimentos de gestão
e desenvolvimento do programa. Nesse processo de aprendizagem entre o que eles tra-
ziam sobre gestão e o nosso processo de mobilização social, depois de um ano de muitas
“idas e vindas”, conseguimos formatar o modelo de gestão administrativa financeira que
era um grande desafio. A Apel contribuiu muito com a construção e aprimoramento do
processo de gestão e auditoria de um sistema: eles tinham o know-how para fazer isso, e
nós conseguimos sensibilizá-los para o desafio de possibilitar mais qualidade de vida para
as famílias agricultoras do Semiárido Brasileiro.
A lição que a relação de parceria entre a ASA e FEBRABAN constrói passa pelo
dialogo franco, aberto e transparente. Quando o presidente da FEBRABAN no ato de
assinatura de um dos TP se emociona com o depoimento de uma agricultora que conquis-
tou uma cisterna, isso é uma mudança. Para ASA, inclusive, o maior debate foi interno.
Imaginar uma conjuntura de organizações sociais da trajetória que tem aqui no Nordeste,
no Semiárido, todos os movimentos sociais, discutir a construção de cisternas apoiada
pela FEBRABAN quando, até então, tudo isso era apoiado com o recurso da cooperação

122
internacional, foi o que consideramos uma grande conquista da ASA. Fazer o debate por
dentro e as entidades terem a clareza de que nós não iríamos perder a autonomia da
mobilização social, a autonomia da construção, a autonomia das famílias não foi fácil.
Mas, junto a essa história da FEBRABAN se constrói um outro processo naquele momen-
to também, o da própria negociação com o Governo Federal. E esses caminhos, hoje,
nos mostram um nível interessante de execução do programa, chegando aos seguintes
números: 287.134 cisternas construídas, 294.563 famílias mobilizadas, 285.179 famí-
lias capacitadas em GRH, 5.520 pedreiras/os, 4.560 construtoras/es de bomba, 1.073
municípios com o programa. O P1MC incentiva o controle social em diversos níveis: 769
reuniões e encontros nacionais, estaduais, microrregionais, municipais e comunitários fo-
ram realizados, com 30.397 pessoas que participaram desses momentos.
São dados de todo o processo que envolvem as capacitações de animadores, mul-
tiplicadores, famílias agricultoras e comissões municipais. É bom registrar que todos os
processos contemplaram o desenvolvimento dos Termos de Parceria (TP), seja com a FE-
BRABAN, seja com o MDS ou com qualquer outro parceiro.
No terceiro Termo de Parceira com a FEBRABAN, foi proposta uma avaliação de
impacto socioeconômica dos termos. Concordamos em fazer. Essa avaliação mostrou
uma nova dimensão na implementação do programa que foi revelada pela equipe de
avaliadores num café da manhã para empresários promovido pela FEBRABAN em São
Paulo, com os seguintes dados:
• Revela-se que ao facilitar o acesso à água de qualidade, o P1MC conseguiu
reduzir a incidência de doenças (verminoses 4,2% e asma 3,9%), houve au-
mento da freqüência escolar entre as crianças e jovens (7,5%) e uma maior
mobilização social por parte da comunidade. Os dados de educação quando
cruzados com dados da Pesquisa por amostra de domicílios (PNAD), na
prática, um ano a mais de estudo, representa um incremento de R$ 94,00 na
renda mensal ou de R$ 1.128,00 por ano. Em outras palavras, o P1MC está
colaborando também para a geração de renda a longo prazo.

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 123


• Mobilização social: as famílias beneficiadas pelas cisternas dedicam-se mais
ao trabalho voluntário (14%) e muitos moradores passam a atuar junto a uma
organização local (12%). Estão mais disponíveis para discutir e solucionar
problemas comuns que afetam seu dia-a-dia e de seus vizinhos (17,5%) e
encontram-se mais presentes nas reuniões comunitárias (28%).
• Além do retorno social foram medidos nesse estudo os benefícios econômicos
gerados pelo projeto. De forma clara, quanto vale (em reais) para o público-
alvo o benefício gerado pelo programa? Chegou-se ao valor de um milhão e
dez mil reais. Esse número representa o benefício total gerado pelo projeto
em um ano, e significa um retorno econômico de 4,8%, tendo como base o
valor investido.

Uma outra dimensão a ser observada são as incidências de doenças. A FIOCRUZ


fez um estudo que destaca a diminuição de diarréia com os seguintes dados: onde há
cisterna, a incidência de diarréia é menor. Onde não há cisterna, é oito vezes maior o
tempo que uma criança pode ficar com diarréia. Este é um elemento fundamental. Os
dados mostraram também que há uma diminuição de 3,9% de asma, doença de cha-
gas, verminose e dengue. Doenças com forte incidência no semiárido brasiliero.

Projetar uma imagem positiva do semiárido


Em meados de 2005, sentiu-se a necessidade de expressar para sociedade que
no Semiárido o povo é lutador, senhor de seu destino, produtor de conhecimento, in-
teligente. Um povo capaz. Daí, pensou-se na construção da Campanha Um clima de
otimismo no Semiárido, que espalhou outdoors por várias capitais e promoveu debates.
Esta campanha, construída em parceria com uma Agência Publicitária do Recife, também
trouxe aprendizados tanto para ASA como para a Agência. Como eles queriam montar a
campanha com atores e atrizes, não aceitamos, e propusemos que as famílias agricultoras
fossem as protagonistas. A equipe da Agência ficou impressionada com a naturalidade

124
com que as famílias colocaram uma nova visão do Semiárido, com a tranqüilidade dessa
construção. Quem vive e quem sente é quem constrói e tem mais condição de mostrar
do que apenas quem faz o processo de visualização da propaganda. A campanha, para
nossa surpresa, teve uma receptividade pública muito boa, na rede educativa de TV, nas
redes de TV comerciais. Também conseguimos mostrar isso nas TV da Câmara Federal e
do Senado.
Além disso, há outras duas dimensões intercomplementares de comunicação que
têm sido utilizadas:
a. De um lado, a comunicação para dentro, através de peças, panfletos, boletins,
cartilhas, textos, cartazes, documentários, programas de rádio;
b. De outro, a comunicação para fora, denunciando mazelas contra o Semiárido,
pautando os meios de comunicação social, projetando para a sociedade
brasileira a possibilidade de um Semiárido decente e os exemplos concretos do
que já existe.

No campo da comunicação para dentro, é importante destacar um programa de


rádio, denominado Riqueza da Caatinga, para o qual temos cadastrados na ASA cerca de
500 radialistas que usam esse programa. Como processo de formação, fizemos oficinas
com radialistas - só na Bahia são 90 radialistas que fazem essa comunicação. Quer dizer,
é um processo de visibilidade também para dentro, para consolidar o tecido social e o pro-
cesso de mobilização, de visibilidade da ação dos atores que são as famílias agricultoras.

Novos desafios na Mobilização e Captação de Recursos


Após a finalização do terceiro Termo de Parceria com a FEBRABAN, nos foi exposto
que a federação não ia continuar a apoiar construção de cisternas, mas queria fazer uma
discussão com a ASA sobre continuidade. Propusemos, a primeira coisa, que eles apresen-
tassem a avaliação (já relatada no item anterior) num café da manhã em São Paulo para

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 125


um conjunto de empresários, além dos bancos. Daí se inicia a idéia de um processo de
mobilização articulado pela FEBRABAN com os bancos para criar uma espécie de Conta-
Apoio à construção de cisternas. Porém, dissemos que não tínhamos como controlar e
fazer a gestão no momento, surgindo, então, a idéia de criar um setor de mobilização e
captação de recursos na ASA/AP1MC. Com a concordância da FEBRABAN, iniciamos um
processo cuja primeira ação culminou com a realização de uma auditoria internacional
independente, que se encontra no processo de conclusão. Paralelamente, havíamos pre-
visto que esse setor trabalhasse na construção da segunda etapa da campanha. Para esta
etapa deve-se desencadear um processo seletivo para contratar profissionais que constru-
am, em conjunto com a ASA, toda a estratégia de Mobilização e Captação de Recursos,
tendo a comunicação como um dos pilares dessa construção.
Mesmo sem um setor estruturado de Mobilização e Captação de Recursos acu-
mularam-se diversos aprendizados no dialogo com o setor privado e governamental e a
própria construção em rede. Primeiro, é importante destacar que foi acordado que a ASA
deveria constituir a sua personalidade jurídica. Segundo, deveria ser definida a natureza
dessa instituição, se seria uma fundação, um instituto, uma ONG, ou uma OSCIP. E de-
pois de discussões, acertamos que seria uma OSCIP (Associação Programa Um Milhão
de Cisternas – AP1MC), porque a leitura era que com uma instituição jurídica poderíamos
potencializar as entidades, fortalecer as instituições. Há organizações no campo da ASA
que possuem grande parte dos seus recursos viabilizados pela gestão dos programas da
ASA, o P1MC ou P1+2, com as cisternas, que têm sido chamadas de “água de beber”
e “água de comer” e, agora, vamos iniciar com a “água de educar”. Muitas vezes, na
comunidade tem a cisterna, tem água em casa, mas a escola não tem água. Da mesma
forma, não pode ter água só na escola e não ter nas famílias. A proposta é fazer este
casamento, dialogando com o MDS e com o Ministério da Educação para fazer cisternas
nas escolas para garantir a água de educar.
Na caminhada da gestão dos recursos públicos, a definição de realizar na AP1MC
uma auditoria interna tem o objetivo fundamental de educar as organizações, para en-
tender o processo de relação transparente com o recurso público. Assim, a organização é

126
esclarecida de que ela não faz uma captação de recurso com a ASA. Se não trabalharmos
bem essa dimensão, a entidade lá diz o seguinte: “não, meu projeto é com a ASA”. Mas
não é assim, o projeto não é com a ASA, o projeto é com a AP1MC, mas as regras são
de acordo com o financiador, é privado ou é público.
No campo do recurso público estamos numa conjuntura extremamente adversa sobre
o Marco Legal, que já foi posto pela Abong, e que Domingos Armani também aborda, ao
lado de tantos outros. Nós colocamos a questão desde o seguinte ângulo: o P1MC está pa-
rado por conta de um debate sobre os vários entendimentos distintos entre os departamentos
jurídicos dos Ministérios, mesmo que já tenhamos quase 300 mil cisternas construídas, com
mais de 1 Milhão e meio de pessoas atendidas com água de beber. Não existe coerência
na formatação de cada Termo de Parceria, a cada momento de negociação de um novo TP
surgem questões novas com mais engessamento para execução do programa.
Por outro lado, a ASA é cobrada porque em seis anos só construiu 300 mil cis-
ternas e se o projeto era de construção de Um Milhão em cinco anos? Frente a esse
contexto Jurídico-Político, afirmamos o seguinte: numa conta rápida, há um ano a me-
nos, porque o programa parou seis meses por duas vezes. Outra conta é que, a cada
nova negociação, o programa para dois, três ou quatro meses, quando soma, se tiver
muito, e com muito esforço, são três anos de execução do projeto, porque o processo
de descontinuidade dos embates jurídicos infelizmente tem sido permanente.
O que tem chamado atenção é como tem se conseguido manter a rede social viva
nessas paradas, que, de certa forma, são longas. Como o caso em outubro de 2007
quando, num esforço coletivo, fizemos uma mobilização em Feira de Santana com mais
de cinco mil pessoas. O que foi interessante dessa mobilização, não é só o número,
foi a forma como ela aconteceu. Por exemplo, Pernambuco levou dez ônibus, nenhuma
organização utilizou recurso próprio para viabilizar o evento. As famílias agricultoras, as
lideranças sindicais, as associações pagaram para estar presentes no ato, inclusive agri-
cultores e agricultoras que já tinham conquistado sua cisterna. Esta atitude coloca uma
clara percepção sobre as diversas formas que precisam ser valorizadas na construção

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 127


de um novo Semiárido. Quem sabe, nos 10 anos da ASA, em Juazeiro da Bahia, nos
mobilizemos para uma caminhada de 2 mil pessoas, para celebrar e comemorar varias
conquistas; ao mesmo tempo, ainda é preciso mostrar para os governos, de forma respei-
tosa que a descontinuidade dos programas da ASA tem deixado inúmeras famílias sem a
condição básica de ter água de beber, aumentando o nível de insegurança alimentar na
região semiárida.
E, para finalizar, deixamos só uma questão para refletir. A experiência social e polí-
tica da ASA é fantástica. Todo o conjunto de organizações que está aqui sabe dessa cons-
trução. Para a ASA, o que funcionou e que vem dando certo com todas as tensões, dis-
putas de ideias, de concepções, o que é fundamental é conseguir identificar pontos, não
é um ponto. São pontos de convergência sobre a mudança real da vida das pessoas que
estão na comunidade, das pessoas que precisam de mudança. A partir dessa realidade,
estamos conseguindo construir a política. A política não foi embasada apenas no desejo
e no discurso de alguns, mas foi embasada a partir de uma relação social, de uma rede
social que fez a construção dos programas, fez o que a ASA é e, com muito desafio pela
frente, mantém essa dinâmica e essa continuidade, essa construção. Hoje, com mais de
80 organizações gerenciando Termo de Parceria, gerenciamos cerca de R$ 400 milhões,
estamos chegando à casa dos R$ 500 milhões, como uma organização que executou
vários TP´s, e isso nos dá uma confiança de que a gente tem capacidade, capilaridade
e organização social para transformar o lugar onde a gente está, o Semiárido Brasileiro.

128
FEIRA DE IDEIAS
Ao longo do Seminário aconteceram momentos de debate e intercambio de ideias
sobre aspectos diversos na área de mobilização de recursos. As “feiras de ideias” – foram
dedicadas às iniciativas de participantes interessados em compartilhar vivências, propostas
e questionamentos em campos temáticos de:

• Relações entre Empresas e organizações sociais


• Desenvolvimento Institucional das OSCs
• Fundos Públicos e Marco Legal
• Comunicação e Mobilização de Recursos
• Agências da Cooperação Internacional, Fundações e Institutos empresariais.

Cada um destes momentos foi estruturado para propiciar trocas de experiências,


servindo como elo e descoberta de oportunidades e recomendações entre os participantes
para abordar a temática da mobilização de recursos.
As “Feiras” foram realizadas uma hora antes de cada intervalo de almoço no Se-
minário, contando com moderação e apoio de representantes de ONGs convidadas,
trazendo ao debate diversos casos de referência na respectiva área temática, sob a ótica
da mobilização de recursos.
Ao final, cada uma das rodadas nas Feiras de Ideias produziu um relato sintético de
sua discussão. Cada um desses relatos foram apresentados em plenária final comparti-
lhando as ideias de cada grupo com todo o público participante do Seminário. O material
apresentado a seguir é a sistematização e edição destes relatos.

A. Relações entre empresas e organizações sociais


No debate sobre o tema das “Relações entre Empresas e Organizações Sociais”
Sistematização: os participantes do grupo indicaram como consenso inicial, a certeza da possibilidade de
Rubén Pecchio
diálogo entre Empresas e Organizações Sociais. Porém, o grupo afirmou que esse diálogo
Rafael dos Santos

130
necessita de melhoria e qualificação de ambos os setores. Observam também os participan-
tes desse grupo que ainda há a necessidade de que exista um elemento chave para uma
interlocução que favoreça o entendimento entre os setores.
Outra questão apresentada foi sobre a ausência de ações coordenadas entre as
organizações sociais. O grupo indica como diagnóstico a realização de muitas ações
isoladas entre as OSCs, o que enfraquece o setor.
Os participantes dessa “feira de ideias” afirmaram ainda, que a mobilização de
recursos deve ter foco na sustentabilidade, repensando inclusive o modelo de gestão atual
nas próprias OSCs. Caso contrário, em longo prazo, a discussão sobre mobilização não
será superada.
Indicam também que é preciso dar visibilidade aos trabalhos das Organizações
Sociais. O setor privado e a sociedade de modo geral precisam conhecer o trabalho das
OSCs. Essa necessidade implica também em pensar o sentido dessa visibilização, a forma
e os termos em que deve ser feita.
Outra questão destacada é sobre a visão mútua entre empresa e OSCs. É preciso
desconstruir a imagem e a relação de oposição entre ambas. É necessário enxergar es-
sas instituições como potenciais parceiras, assim como é preciso modificar a imagem de
algumas empresas em relação às organizações sociais, deixando claros os objetivos, a
missão e os resultados dessas organizações. Emerge aqui uma noção de que o diálogo
compreende uma via de mão dupla.
Noutro sentido, o grupo afirma que é preciso diversificar as possibilidades de mo-
bilização de recursos, buscando ações que tragam recursos de indivíduos, da sociedade,
de empresas, de projetos e incentivos governamentais, e inclusive não descartando a
possibilidade de obter apoio da cooperação internacional. O grupo indica que, embora
concordem que os recursos devam ser aplicados de uma forma diferente, não se deve
desconsiderar a possibilidade da cooperação internacional ainda vir a apoiar esses pro-
cessos. Seria um erro estratégico, segundo opinam os participantes, não considerar esse
tipo de recursos.

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 131


Seguindo as considerações do grupo, é preciso repensar e redefinir a visão acerca
da realidade local (nordestina) interna e externamente. Os participantes apontam a exis-
tência de uma disparidade entre a realidade local e o diagnóstico externo que se faz dela,
o que omite e invisibiliza a realidade da atuação das OSCs.
O grupo também considerou relevante a necessidade de se ampliar o diálogo co-
letivo, a interação e o trabalho em redes sociais como estratégia de fortalecimento das
OSCs. Nesse contexto, emerge também o consenso de que é fundamental a criação de
novos espaços para discussão, troca de experiências e aprendizagem mútua. Segundo os
membros do grupo, ficou muito clara a necessidade de se disponibilizar mais tempo para
esta discussão, privilegiando mais os debates e as sugestões em busca de ações mais con-
cretas e detalhadas sobre esse diálogo. Trocar experiências, mapear os casos de sucesso e
insucesso, reconhecer as boas práticas e os caminhos a serem evitados nas relações entre
empresa e organizações sociais.
Foi apontada também a questão da qualificação da capacitação técnica da organi-
zação social frente à nova conjuntura. Na esteira desse debate, uma questão apresentada
foi o necessário processo de qualificação das organizações para lidar e enfrentar um novo
mais restritivo momento de limitações de recursos.
Finalmente, foi dado destaque também à criação de referenciais macroestratégicos
que sirvam como orientadores do diálogo entre empresas e organizações sociais.

B. Desenvolvimento institucional das OSCs


A discussão acerca do Desenvolvimento Institucional das OSCs iniciou ponderando o
quanto os desafios de hoje para as OSCs estão relacionados com a forma como surgiram
essas instituições, com as adaptações aos recursos feitas ao longo dos anos para o seu funcio-
namento e com a forma de pensar o seu desenvolvimento institucional.
A partir disso, os participantes do grupo indicam que o Desenvolvimento Institucional
(DI) tem que estar centrado em todas as ações, tem que ser o centro de todo o desenvol-

132
vimento e de toda ação da instituição. É preciso pensar o DI de uma forma permanente.
Nesse contexto, o grupo considera que é preciso realizar planejamentos estratégicos
de médio e longo prazo, mas em diálogo constante com as variações de conjuntura: idéia
de avaliação permanente e recondução de estratégias (ou estratégias adaptáveis).
Outro ponto abordado é sobre a construção e fidelidade aos aspectos legais da or-
ganização como estratégia de transparência e legitimidade diante de apoiadores e finan-
ciadores, bem como elemento facilitador ao acesso a recursos. Segundo o grupo, é pre-
ciso manter atualizadas documentações e certificações (título de utilidade pública federal,
municipal, inscrição em conselhos, etc), que habilitam a instituição a concorrer a editais e
a ser reconhecida pela sua relevância para a sociedade. Esse aspecto da documentação
e das questões legais leva a mais visibilidade, dá mais legitimidade diante da opinião pú-
blica, diante de fontes apoiadoras, sejam elas dos setores empresariais, governamentais
ou de instituições internacionais.
Como resultado da discussão entre os participantes deste grupo, é identificada tam-
bém a carência de se investir permanentemente no fortalecimento da identidade institucio-
nal interna e externamente, através da coerência nas práticas e do foco na missão e nos
valores basilares da organização.
Há também a preocupação de se investir em processos de planejamento, monitoramen-
to, avaliação e sistematização da prática das OSCs, visando o desenvolvimento institucional.
Outra questão observada pelo grupo refere-se à elaboração e implementação de
planos de mobilização de recursos com diversificação de fontes, identificação e mapean-
do de potenciais parceiros e financiadores, e evitando a dependência de fontes únicas.
Segundo indica o grupo, é necessário encontrar um equilíbrio entre as formas de apoio
(não apenas financeiros, mas políticos e materiais, etc.) a fim de favorecer as articulações
e o estabelecimento de estratégias conjuntas, ter flexibilidade e rotatividade no campo da
gestão institucional. Inclusive, aproveitar o know-how das organizações para prestação de
serviços e geração de recursos.

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 133


Os membros desse grupo indicaram também a necessidade de se investir na for-
mação da juventude, como forma de fortalecimento local e organizacional “trabalhando
a vontade de se conectar o desenvolvimento da sua terra, do seu local de origem e da
própria organização”.
A atuação das OSCs não é apenas um processo de execução de projetos, mas é
preciso compreendê-la como o trabalho de atores políticos, sujeitos políticos. Se entender
e ser reconhecido como sujeito político é de extrema importância para a atuação das
OSCs na sociedade.
O grupo conclui que é preciso avançar com processos avaliativos mais adequados,
que incorporem não somente a avaliação tradicional (entre atividades programadas e as
realizadas), mas que também meçam o impacto das ações, e com isso salientem a rele-
vância da atuação social das OSCs.
Por fim, os participantes propõem o estabelecimento de canais inter-redes de diálo-
go permanente para essa discussão do desenvolvimento institucional (DI), sustentabilidade
e marco legal, como principais temáticas para o seu fortalecimento.

C. Fundos públicos e Marco Legal


O grupo de discussão sobre Fundos Públicos e Marco Legal firmou primeiramente
o consenso na questão de que é preciso ampliar a discussão sobre o marco legal, articu-
lando e disseminando conhecimentos sobre o tema. O grupo opina que além dos esforços
pela aprovação de um projeto de lei sobre a matéria, deve ser considerada a existência de
mecanismos legais que precisam ser postos em prática para facilitar o acesso a recursos
públicos por parte das OSCs. Por essa razão o grupo defendeu o uso do termo marco
regulatório por entender ser mais amplo e por incorporar um conjunto de outras legisla-
ções que, articuladas, promoveriam a ampliação do acesso a fundos públicos por parte
das organizações sociais. Destacam que, é preciso mais informação e articulação para
fortalecer as OSCs e seu acesso a fundos públicos.

134
Em outro ponto abordado, o grupo conclui que a disputa por recursos públicos é
e será intensa com os outros segmentos da sociedade. Mas há que estar articulado para
enfrentar o desafio no campo político para garantir direitos e acessar recursos públicos
(tanto os federais e estaduais como os municipais).
Foi feito um destaque para a capacidade das OSCs de atuarem de forma diferen-
ciada na utilização dos recursos públicos e obter resultados na ponta, direto na base so-
cial, em diversos casos mais efetivas que ações do próprio poder público. O grupo argu-
menta que a forma como as OSCs obtêm melhores resultados ao implementar ações de
interesse público se fundamenta numa lógica desenhada e executada junto ao cidadão,
numa perspectiva de garantia de direitos ao “mobilizar as pessoas, fazer discussão, fazer
capacitação, fazer formação, dar qualidade à política pública”.
O grupo reforçou a relevância de que se apóie a construção ou o aprimoramento de
um canal informativo e de comunicação sobre recursos públicos para as OSCs – seja a partir
do Portal MOBILIZAR (de Mobilização de Recursos da Aliança Interage) ou outro mecanismo
que possa favorecer a transparência das informações e facilitar o acesso aos recursos públicos
e outros fundos públicos ou privados. Propõe também a criação de um espaço virtual para
compartilhamento e sistematização das ideias, dos problemas e questões referentes ao acesso
e à gestão de recursos públicos pelas OSCs, como estratégia de fortalecimento do setor no
processo de negociação com o poder público. Isto é, um esforço de sistematizar discursos,
tornar argumentos mais consistentes e robustos, a partir do compartilhamento de dificuldades
e situações contraditórias.
Foi apontada também a necessidade de se desenvolver ações em várias frentes,
para além da estratégia política de constituir um marco legal, é estratégico também in-
fluenciar no Legislativo para ajustar outros mecanismos legais que permitam o acesso a
fundos público a OSCs.(eg – propor ou aplicar princípios orçamentários e realizar ajustes
ou mudanças na LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias).
Houve destaques também para a necessária articulação com diversas instâncias
públicas para elaboração de instrumentos orientadores e de controle interno para garantir

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 135


acesso e implementar procedimentos de utilização de fundos públicos (elaboração de
manuais e documentos orientadores disponíveis para todas as OSCs expondo o tipo e
montante de recursos, prazos, requisitos e demais procedimentos para acessar os fundos).
Mas, também, apresentando as formas de gestão e transparência no uso de tais recursos,
inclusive garantindo a aplicação das legislações em vigor. (eg: a aplicação da legislação
trabalhista para convênios e projetos sociais).
Uma outra opção, da mesma proposta, é elaborar a simplificação desses manuais,
com a linguagem das entidades e incrementando a transparência sobre as políticas, con-
siderando o papel das OSCs ao apoiar a implementação de políticas públicas efetivas.
Nesse sentido, considerar o como as OSCs cobram as responsabilidades recursos, não
apenas do recurso governamental, mas de todos os recursos mobilizados pela OSC.
O grupo destaca que é preciso fortalecer a rede de OSCs, bem como os avan-
ços que se registraram em espaços intersetoriais em anos recentes (eg.. o trabalho da
ESQUEL, que articulou entidades e agregou um leque de movimentos, somando apoios
importantes). Há mudanças e progressos, mas é necessário e há possibilidades de avançar
mais, agregando outros setores e representações para poder ter mais peso neste processo.

D. Comunicação e mobilização de recursos


O grupo inicia a discussão ressaltando a importância da Comunicação não ape-
nas para aquelas organizações que trabalham nesse campo, mas para todas as OSCs,
inclusive aquelas que trabalham na perspectiva da defesa de direitos. A comunicação é
observada como um instrumento importante para se pensar processos de mobilização,
sobretudo quando se pensa em uma comunicação transformadora.
Para os participantes, a comunicação precisa fazer parte do planejamento estraté-
gico da organização. A comunicação não pode ser pensada isoladamente, mas deve ter
foco e ser discutida junto ao planejamento. Os instrumentos pensados para dar visibilida-
de à organização (site, jornal, blog, etc.) devem considerar a comunicação como instru-
mento capaz de transformar, mas precisam ser usados com responsabilidade.

136
O grupo indica que o processo de comunicação e de fazer evidente a organização
deve ter foco nas causas que norteiam a própria atuação da OSC. Trabalhar ações comu-
nicativas, mas sempre em consonância com o discurso político da organização (compati-
bilizar forma e conteúdo), tendo sempre em mente a missão institucional.
Para os membros do grupo, a função da comunicação nas OSCs é fazer que o seu
discurso possa, através dos meios de comunicação, alcançar mais pessoas, especialmente
segmentos estratégicos, membros de organizações, potencial público-doador.
A comunicação deve estar a serviço das OSCs para que seu papel seja evidenciado
como instituições que fazem com que as políticas públicas aconteçam de fato, articulando
pessoas e organizações, pensando de maneira conjunta e, com isso, fortalecendo a rede.
O grupo considera que um grande desafio das OSCS é pensar a comunicação e a
mobilização como um processo de fortalecimento interno, primeiramente. É preciso pen-
sar a comunicação como um processo político de fortalecimento institucional, que parte
de dentro e repercute para fora.
Os participantes apontam como um desafio a definição e o alinhamento das pro-
postas das OSCs para área da comunicação como um todo. É preciso discutir e definir
que tipo de comunicação será defendida e afirmada pelo setor.
O grupo finaliza observando a necessidade de se perceber a comunicação em sua
dimensão política, não apenas de maneira instrumentalizada ou técnica, mas enquanto
instrumento para se alcançar o objetivo das OSCs, como um meio e não como um fim.

E. Agências da cooperação internacional, fundações


e institutos empresariais
O mais significativo consenso que uniu este grupo de origens institucionais diversas
foi a reafirmação do compromisso de todos os seus participantes com a defesa da susten-
tabilidade das OSCs brasileiras, reconhecendo seu relevante papel no desenvolvimento
do País, na garantia dos direitos e na consolidação da democracia.

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 137


Uma segunda idéia ressaltada foi a necessidade de se desenvolver uma efetiva
continuidade do diálogo iniciado nesse espaço do Seminário. Nessa perspectiva, foi idea-
lizada a proposta de manter o envolvimento, dar suporte e apoio a uma articulação para
o Desenvolvimento Institucional (DI) das OSCs. Um esforço de DI centrado na sustentabi-
lidade política e financeira das OSCs do Brasil.
O grupo concluiu que a idéia de DI discutida, não se limita a atuar exclusivamente
junto às OSCs, mas remete, além do fortalecimento das OSCs, a um desafiador “processo
educativo” (que significa “educar” outros agentes da sociedade local/nacional e estimular
o compromisso com o combate às desigualdades). Notadamente, o grupo sinaliza a qua-
lificação dos investimentos na área social de agentes como o próprio governo e também
do setor privado.
Nos desdobramentos do pensamento anterior se articulam o aprimoramento do mar-
co legal junto ao governo como prioridade e o debate sobre a aproximação não só com
outras fundações e institutos privados, mas também com as próprias empresas privadas.
Membros do Conselho da Aliança Interage colocaram à disposição deste grupo
de agências, institutos e fundações a estrutura da Secretaria Executiva dessa organização
como instância articuladora e plataforma de facilitação para continuidade do processo
de diálogo e mobilização política, iniciado desde o desenvolvimento da ideia do próprio
Seminário, e que se afirmou durante o evento.
Foi proposto que as ideias e conclusões do Seminário sejam difundidas o mais am-
plamente possível, especialmente no sentido de se desenvolver um diálogo com o setor
privado que faz investimento social no país. Um suporte importante para esse diálogo é
esta publicação com as conclusões do seminário. É importante não apenas apresentar a
publicação mas, sobretudo, debater com segmentos de empresários, de institutos e funda-
ções privadas, o tema da sustentabilidade das organizações da sociedade civil brasileira.
Para consolidar o processo dos debates, articulações e trocas de experiências, o
grupo propõe a redação de um manifesto sobre as ideias e as discussões que ocuparam,

138
durante o evento, as organizações participantes. A Carta do Recife tem o sentido inicial
de ajudar aos participantes a internalizar esse debate nas suas organizações e promover
elementos de unidade em favor da causa da sustentabilidade das OSCs brasileiras.
O grupo considera que a Carta de Recife, não é apenas voltada para promover re-
flexão e ações por parte das agências internacionais, mas também para promover debate
e reflexão em organizações privadas, fundações, institutos que também tem um compro-
metimento nesse nível.

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 139


ANEXOS
Carta do Recife1 ANEXO 1

O QUÊ
As organizações abaixo-assinadas vêm publicamente reconhecer, valorizar a
trajetória e defender a sustentabilidade das Organizações da Sociedade Civil (OSCs)
que, nas últimas décadas, contribuíram significativamente para garantir conquistas sociais
no campo dos direitos, elevando o patamar de consciência cidadã e o grau de democracia
no Brasil.
O que move esta iniciativa é o fato de constatarmos o sério risco de enfraquecimento
do tecido social brasileiro, em parte agravado pela saída ou pela mudança de estratégia
(redução de recursos, mudança de foco geográfico, entre outras) das agências de
cooperação internacional atuantes no Brasil, as quais historicamente deram importante
apoio político, técnico e financeiro a essas organizações e movimentos sociais no país. 1 A proposição
da Carta do Recife foi um
dos acordos emanados do
PORQUÊ Seminário “Sustentabilidade
e Mobilização de Recursos
É de fundamental importância estar alerta para o agravamento desse risco em para as OSCs – Uma visão
decorrência dos seguintes fatores que destacamos a seguir: Político-Estratégica para o
Desenvolvimento do Nordes-
◊ Há redução de fontes externas de apoio a Organizações da Sociedade Civil bra- te”, realizado na cidade do
Recife, no período de 30 Set.
sileiras (OSCs), como efeito colateral dos avanços econômicos do País e do maior
a 02 Out. de 2009, pela
destaque e influência do Brasil no cenário internacional sobre desenvolvimento, Aliança Interage e Diálogo
economia e questões climáticas geopolíticas. da Cooperação Internacional
Nordeste, em parceria com
◊ Apesar dos avanços obtidos nos últimos anos, ainda é muito elevada a desigual-
Oxfam GB, Fundação Konrad
dade social no Brasil, principalmente se observados indicadores por território. Adenauer e Universidade
Aqui, considerando o território para além da unidade de espaço, ou seja, interre- Católica de Pernambuco.

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 143


lacionando-o com recortes de gênero, raça e situação de vulnerabilidade social.
◊ As relações de parceria entre Governo/OSCs estabelecidas via convênios e editais
tendem a gerar uma nova forma de dependência , com risco de perda de auto-
nomia política e enfraquecimento das organizações mais do que de fortalecê-las.
Atuais procedimentos governamentais em relação ao acesso a recursos para
OSCs são de ordem burocrática e instrumental e não contribuem para a sustenta-
bilidade das OSCs.
◊ A inexistência de um novo Marco Legal para o setor Social e de uma política na-
cional definida para o fortalecimento das organizações da sociedade civil brasilei-
ra exige que os governos qualifiquem sua visão e ampliem a compreensão sobre o
papel das organizações da sociedade civil. Investir em educação cidadã significa
reconhecer que uma sociedade civil forte, atuante e diversificada representa um
Estado mais forte, não o contrário.
◊ Empresas, Institutos e Fundações Corporativas atuam ainda em temáticas locali-
zadas e apresentam restrições para atuar com temas mais diversos na defesa de
direitos (orientação sexual, equidade racial, reforma agrária, por exemplo).
◊ A economia de mercado global com sua periódica instabilidade provocará sempre
mudanças na disponibilidade de recursos das empresas no campo social, influen-
ciando, como na última crise (2008-2009), a busca por estratégias de maior
articulação entre atores e por maior foco, visando maior impacto com menos
recursos.
◊ Existem fragilidades em parte significativa das OSCs:
• na capacidade de comunicar as suas causas à sociedade;
• na unificação de esforços para conquistar um Marco Regulatório para o setor;
• no estabelecimento de alianças com outros setores e de trabalhar em redes;
• na prática do PMAS (planejamento/monitoramento/avaliação/sistematização) e de
mobilização de recursos;
• na disseminação de mecanismos bem sucedidos para incidência política junto ao
setor público.

144
◊ É pouco reconhecido pela sociedade em geral, que conquistas de direitos e avan-
ços sociais são resultado das práticas e da incidência política das organizações
sociais frente aos governos2.
◊ O porte continental do País e o tamanho dos desafios sociais brasileiros exigem uma
sociedade civil fortalecida e com maior poder de voz e de controle social.
◊ As OSCs mais afetadas neste contexto são as das regiões Norte e Nordeste que
atuam com a perspectiva de direitos.

NOSSO COMPROMISSO
Cientes da gravidade do contexto e suas repercussões diretas e indiretas, as
organizações signatárias propõem:
• Iniciar uma Articulação Intersetorial (Agências, Institutos, fundações e outras
instituições de apoio, públicas e privadas)3 pelo Desenvolvimento das OSCs, visando
definir uma estratégia de apoio com os objetivos de:
2 Ex: Aprimora-
a. Promover o fortalecimento institucional das OSC, prioritariamente as que mento de políticas públicas,
criação de Conselhos seto-
tratam com defesa dos direitos;
riais, Estatuto da Criança e
b. Educar agentes nacionais, regionais e locais (públicos e privados), informando- do Adolescente, Código do
os e sensibilizando-os sobre as mudanças no cenário das OSCs com o intuito Consumidor, legislações de
proteção ambiental, meca-
de criar uma maior consciência/prática de apoio a estas organizações e suas
nismos participativos, novas
causas; formas de gestão, Bolsa
c. Promover e disseminar a relevância do tema em fóruns, seminários, debates Escola, Programa 1 milhão
de Cisternas, entre outras.
e outros espaços de participação cidadã e em diferentes esferas setoriais (ex:
3 Estabelecendo
Grupo de Institutos, Fundações e Empresas - GIFE, Esferas governamentais na Secretaria Executiva da
de influência em políticas de desenvolvimento nacional e regional, Encontros Aliança Interage a platafor-
ma de apoio à mobilização,
nacionais de organizações da sociedade civil – Associação Brasileira de ONGs
suporte operacional e es-
- Abong, etc.) tratégico a esta Articulação
d. Influenciar o setor empresarial (incluso seus institutos e fundações) para a Intersetorial.

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 145


prática de Responsabilidade Social Empresarial - RSE e de Investimento Social
Privado - ISP com o intuito de fortalecer e qualificar o compromisso do investi-
mento social das empresas atuantes no país;
e. Ampliar a consciência / e compreensão das causas e conseqüências dos prob-
lemas sociais no Brasil por parte da sociedade. Nesse sentido, a comunicação
é fundamental para educar a sociedade (setores empresariais, governamentais,
acadêmicos e cidadãos em geral);
f. Internalizar as conclusões do seminário e seus desdobramentos junto às nossas
instituições, nossos parceiros e públicos diretos e indiretos;
g. Desenvolver esforços pelo reconhecimento do papel das OSCs diante de
outros agentes sociais – avaliar as ações das OSCs é identificar o grau de
importância dessas organizações para o desenvolvimento do País;
h. Ampliar a discussão do marco regulatório para o setor social com um maior
número de movimentos e forças políticas do campo social;
i. Estabelecer um canal de diálogo permanente sobre a discussão do desenvolvi-
mento institucional, da sustentabilidade, marco regulatório inter-redes para o
setor social;
j. Criar canais de diálogo entre ONGs, poder público, cooperação internacional
e setor empresarial;
k. Elaborar projetos inovadores, vinculados às demandas das OSCs, inclusive
articulando/mobilizando diversas organizações na sua concepção e execução.

146
SIGNATÁRIAS

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 147


Organizações que apóiam a Carta do Recife (ONGs, Movimentos e outras OSCs do Brasil):

• ADEIS - Associação para o Desenvolvimento Integrado e Sustentável


• Ágere - Cooperação em Advocacy
• AMAZONA - Associação de Prevenção à AIDS
• ANCED - Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e Adolescente
• ANDI - Agência de Notícias dos Direitos da Infância
• APOINME – Articulação dos Povos Indígenas Nordeste e Minas Gerais
• Apoitchá
• ASA - Articulação no Semiárido Brasileiro
• Associação Mundaréu
• Associação Tempo de Crescer
• Barraca da Amizade
• CAATINGA - Semeando vida no Semiárido
• Casa da Mulher do Nordeste
• Casa Vhida
• Catavento – Comunicação e Educação
• CDI - Comitê para Democratização da Informática
• Cearah Periferia
• CEATS - Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor
• CECOR - Centro de Educação Comunitária Rural
• CEDECA/BA - Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente
Yves de Roussain
• CENDHEC - Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social
• Centro das Mulheres do Cabo
• CEPFS - Centro de Educação Popular e Formação Social
• CEPP - Centro de Estudos de Políticas Públicas
• CESE – Coordenadoria Ecumênica de Serviço
• CNMP - Centro Nordestino de Medicina Popular

148
• Coletivo Mulher Vida
• Congregação Holística da Paraíba - Escola Viva Olho do Tempo
• Eco Atitude - Ações Ambientais
• Em Cena Arte e Cidadania
• EQUIP - Escola de Formação Quilombo dos Palmares
• Escola Brasil
• EPC - Escola Pernambucana de Circo
• Escoteiros de Pernambuco
• ETAPAS - Equipe Técnica de Assessoria, Pesquisa e Ação Social
• FICAS
• Fundação Grupo Esquel Brasil
• GACC - Grupo de Apoio às Comunidades Carentes
• GDECOM - Grupo de Desenvolvimento Comunitário
• Grupo Retina
• GTP+ - Grupo de Trabalhos em Prevenção Posithivo
• Instituto Ação Empresarial pela Cidadania - Pernambuco
• Instituto de Cidadania Empresarial - ICE/MA
• Instituto Ethos
• Instituto Fonte
• Instituto Papai
• Instituto Soma Brasil
• MIEIB - Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil
• MOC - Movimento de Organização Comunitária
• Obra Kolping do Brasil - Coordenação Nordeste
• Pia Sociedade de Pe Nicola Mazza
• Pólo Sindical dos/as Trabalhadores/as Rurais do Submédio - São Francisco PE/
BA
• Projeto Saúde e Alegria – CEAPS
• Rede Mulher e Democracia
• SERC - Serviço de Estimulação e reabilitação da criança

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 149


Proposta de Marco Legal (Abong) ANEXO 2

Proposta de Projeto de Lei nº


Dispõe sobre o marco regulatório das organizações da sociedade civil sem fins lu-
crativos, propõe novas formas de relação com o Estado a partir da redefinição de regras
de acesso e uso de recursos públicos em diferentes naturezas jurídicas de relação entre as
partes e cria o Termo de financiamento público direto.

Justificativa
Historicamente, as relações entre o Estado brasileiro e as organizações sem fins
lucrativos, em suas diferentes instâncias, têm sido eivadas de incompreensões e relações
instrumentais de ambas as partes demonstrando incompreensões mútuas quanto aos pa-
péis político-sociais que tais organizações devem desempenhar e visões de mundo sobre
o alcance da ação estatal.
Parte dessa incompreensão é pautada pela histórica e pouco debatida relação de
financiamento público indireto entre Estado e sociedade civil, existente desde os tempos da
República Velha e regulamentado a partir da Constituição Federal de 1934.
As organizações sem fins lucrativos são entidades reguladas pelo direito privado e
ao se qualificarem como sem fins lucrativos, possuem natureza jurídica específica sob a
forma de associação ou fundação, o que as diferencia das entidades de cunho empresa-
rial, das organizações de classe, de sindicatos e outras. Regulamentadas desde o início do
século XX a partir da Constituição Federal de 1934, a qual pela primeira vez reconhece
imunidade tributária para estabeleci mentos particulares de educação, propiciando que
em 1935 seja instituído o título de utilidade pública federal, de caráter honorífico, reco-

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 151


nhecendo o caráter “público” de determinadas associações e fundações. Na Constituição
Federal de 1946 a imunidade de impostos é ampliada para instituições de assistência social.
O principal requisito é que sirvam desinteressadamente à coletividade, precisando compro-
var a gratuidade de seus serviços. Cria-se assim a distinção entre os que servem desta forma
e os que se voltam ao atendimento de interesses de seus associados e instituidores.
Em 1959 é introduzido o certificado de entidade filantrópica no ordenamento jurí-
dico brasileiro (Lei 3.577/59), estabelecendo isenção da contribuição das entidades filan-
trópicas e assistenciais à Previdência Social. Destaca-se também que em 1964 a Lei 4.320
institui diversas normas gerais de direito financeiro, normatizando os repasses de recursos
públicos da União para outros órgãos públicos e também para entidades privadas.
A partir da Constituição Federal de 1988, com a sedimentação da democracia
republicana e a necessária normatização da descentralização político - administrativa,
esse debate ganha proporções relevantes e transcorre em contexto adverso aos ventos
universalizantes de direitos, imposto pelas profundas reformas do Estado brasileiro, na
década de 1990. Em especial, surgem novas iniciativas legais de qualificação, as quais
trazem outras modalidades de isenções e de possibilidades de acesso a recursos públicos,
tensionadas, especialmente, por iniciativas vinculadas ao processo de reforma do Estado
brasileiro nos anos de 1990.
Essas incompreensões aprofundam-se a partir da racionalidade impressa pela con-
cepção de reforma do Estado nos anos de 1990, visando a otimização de seu papel e a
radicalização no corte de gastos públicos. Nesse momento, as organizações da sociedade
civil passaram a ser tratadas com similaridade aos demais órgãos públicos, como parte
do processo de descentralização de políticas públicas e co-responsáveis pelas mesmas.
O complexo arcabouço jurídico existente demonstra a convivência de concepções
contraditórias, embora predomine a compreensão de que as entidades da sociedade civil
existem para executar políticas públicas, pautando-se no princípio que o Estado não tem
condições de assegurar a universalidade, integralidade e acessibilidade de direitos, atra-
vés de serviços e de benefícios, princípios fundamentais previstos na Constituição Federal

152
de 1988. Contraditoriamente, após a aprovação da Constituição Federal de 1988, cujo
eixo central anunciado é a universalidade de direitos, construída através de políticas pú-
blicas em um Estado democratizado, dá-se início à diminuição das estruturas públicas e
seguimento à terceirização de funções públicas, a partir de parcerias com as chamadas
Organizações não governamentais. Em especial, no ano de 1997 foi implementada a
regulação de convênios, através da Instrução Normativa da Secretaria do Tesouro Nacio-
nal nº 1 (IN 1/97) para, em nome da descentralização político-administrativa, viabilizar
o repasse de recursos entre União, Estados e Prefeituras, sendo contempladas por essa
modalidade as organizações sem fins lucrativos que porventura implementem serviços
com recursos públicos, sem nenhum apoio ao custeio de sua estrutura e tratando com
similaridade a administração pública e entidades da sociedade civil.
O paradigma dessa natureza de relação é a construção do Programa Comunidade
Solidária e os resultados derivados das rodadas de interlocução entre o então governo de
Fernando Henrique Cardoso (FHC) e representantes da sociedade civil no ano de 1999.
Um dos principais produtos dessa era foi a regulamentação da qualificação de Termo de
Parceria (Lei 9790/99), que deveria se constituir em um novo marco regulatório para o
setor das chamadas ONGs, colocando-se como alternativa à qualificação de sem fins lu-
crativos. Porém, embora apresentasse inovações no que tange às definições do que seriam
organizações de finalidade pública, em função dos vetos do Presidente e do contexto de
reforma do Estado, limitou-se a ser um instrumento de parceria entre Estado e sociedade
civil para implementação de políticas públicas (Lei nº 9079), convivendo com outras re-
gulações. Em 2003, com a reforma do Código Civil, acresce-se às pessoas jurídicas de
associações e das fundações a de associação religiosa.
A relação entre organizações sem fins lucrativos e o Estado brasileiro, é regulamen-
tada por um amplo arcabouço jurídico, traduzido nas formas de financiamento público
indireto e de repasse direto de recursos. Em relação a esse último ponto, existem atual-
mente mais de 10 tipos de modalidades jurídicas. Não à toa, a mais utilizada tem sido a
de repasse de recursos via convênios, previstos a partir da Instrução Normativa de 1997
(IN nº 1/1997).

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 153


Mesmo quando regulamentada de forma atual a relação entre Estado e Sociedade,
os instrumentos criados apresentam falhas e lacunas, a exemplo da Lei das Oscips (Lei
9790/99) que, embora tenha criado um novo instrumento para o acesso a recursos públi-
cos (Termo de Parceria), não estabeleceu uma política de financiamento a esse universo.
Além disso, a lei não dita prazos para a qualificação, permitindo que novas entidades com
reduzida base social e voltadas para a prestação de serviços em troca de contraprestação
financeira adquiram a qualificação. Esse fato também permite a criação de entidades a
toque de caixa para facilitar o repasse de recursos públicos para a execução de serviços.
Há também mais de uma dezena de projetos legislativos em trâmite no Congresso
Nacional que, se aprovados, segmentariam e dificultariam cada vez mais a compreensão
das normas. Por isso faz-se necessária a edição de uma norma única, que revogue toda e
qualquer outra, facilitando a interpretação e aplicabilidade.
A profusão de regulações, emitidas em sua maioria em forma de decretos e porta-
rias, em pouco tem contribuído para refletir no campo jurídico o reconhecimento sobre a
pluralidade e diversidade de formas de organização da sociedade civil no atual estágio da
democracia brasileira. Mais, em quase nada tem contribuído para o avanço de relações
autônomas e alteras entre Estado e sociedade civil.
Destarte, mantém-se o financiamento público dessas organizações, ora como se
fossem parte do Estado, ora como se fossem beneficiárias de isenções e tributos a partir
da confirmação formal da gratuidade de suas atividades. Na legislação atual, não há
qualquer diferenciação entre organizações constituídas sob a forma de associações e
fundações de outras com naturezas absolutamente distintas como os estados e municí-
pios. Os problemas enfrentados no cotidiano das organizações têm tido maior expressão
pública no que se refere ao repasse, utilização e prestação de contas de recursos públicos
por parte de entidades privadas sem fins lucrativos, seja sob a forma jurídica de fundação,
seja de associação.
Há um movimento de criminalização das organizações por parte do Estado e dos
veículos de massa da mídia e as propostas que visam garantir transparência ditam pro-

154
fundo controle e engessamento dos processos, dificultando e muitas vezes até impedindo
a ação ou continuidade de projetos de interesse público e social. Diante disso uma nova
legislação deverá estabelecer regras especificas para cada tipo de organização, para evi-
tar que esses problemas se mantenham.
Ainda sobre o acesso a recursos públicos deve-se ressaltar a dificuldade de orga-
nizações operarem com os mesmos, em virtude de não cobrirem pendências trabalhistas,
pagamento de salários de pessoal fixo das entidades, dentre outros custos inevitáveis para
a manutenção, sustentabilidade e continuidade do trabalho das organizações. É necessário
também garantir paridade nas condições de acesso a todas organizações, especialmente
àquelas organizações populares de pequeno porte.
Na realidade, pouco se avançou para a regulação de formas que assegurem o
financiamento público da esfera democrática, reconhecendo que a esfera pública é fun-
damental à democracia e não se limita aos governos que dela também fazem parte. Ade-
mais, recursos públicos oriundos de toda sociedade devem voltar-se ao financiamento e
fortalecimento de ações que espelhem a diversidade de interesses e direitos e não apenas
serem utilizados por governos, à revelia ou com frágil controle social.
Como um reflexo positivo do aprofundamento da democracia no Brasil, ressalta-
mos que entre as 338 mil associações e fundações sem fins lucrativos (FASFIL, IBGE/IPEA/
ABONG/GIFE) existentes há objetivos e perspectivas de atuação bastante distintos, às vezes
até opostos o que justifica por si só uma nova lei que reconheça essas diferenças. Empirica-
mente, não existe uma identidade comum entre: organizações comerciais, clubes de futebol,
hospitais e universidades privadas, fundações e institutos empresariais, clubes recreativos e
esportivos, organizações não-governamentais, organizações filantrópicas, creches, asilos,
abrigos, lojas maçônicas, centros de juventude, associações de interesse mútuo.
A partir do reconhecimento da importância e relevância do trabalho das ONGs
para o fortalecimento da democracia Por meio da ampliação da esfera pública e constru-
ção da cidadania em nosso país, deve-se definir melhor a natureza das organizações sem
fins lucrativos bem como sua diferença com relação às entidades privadas de mercado,

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 155


regulamentando-se de forma qualificada as diferentes formas de organizações, respeitan-
do suas peculiaridades e especificidades.
Orientações que garantam o acesso, uso e prestação de contas de recursos públi-
cos por entidades compromissadas com o aprofundamento da democracia e a defesa de
direitos humanos, devem se constituir em Norte para elaboração de uma nova regulação,
embasada em preceitos constitucionais democráticos e de desenvolvimento sustentável, com
clara definição sobre o papel do Estado e da sociedade civil.
Diante dos problemas gerados para as organizações sérias no acesso e utilização
de recursos públicos, prejudicadas por denúncias emergentes em relação a organizações
que se utilizam de má-fé, faz-se necessário a construção de nova legislação, alternativa às
regulações em curso, a qual permita o reconhecimento da natureza de ação de entidades
que desenvolvem atividades voltadas para a formação cidadã, luta por direitos e constru-
ção da democracia brasileira. O referido instrumento deve ser constituído a partir de uma
lógica diferenciada de reconhecimento dessas entidades sem finalidade lucrativa, que não
tenha por pressuposto mecanismos concorrenciais segundo a racionalidade do mercado,
nem estabeleça relações instrumentais de natureza substitutiva às atribuições e deveres do
Estado brasileiro, conforme estabelecido na regulação do Termo de Parceria, ditada pela
Lei 9.079/99.
A lógica preponderante deve assegurar a defesa de direitos e da democracia, a
preservação da autonomia em relação ao aparelho estatal, e a garantia de mecanismos
públicos de acesso aos recursos e de prestação de contas.
A regulamentação proposta deve assegurar a relevância das organizações da socie-
dade civil para o processo democrático, fortalecendo o tecido associativo e estabelecendo
um conceito amplamente democrático de fim público, valorizando a existência de organiza-
ções autônomas – não subordinadas, em sua atuação, aos limites da exigência de comple-
mentaridade em relação a políticas em relação a políticas governamentais que trabalham
pelo reconhecimento de novos direitos, por vezes ainda não reconhecidos pelo Estado.

156
Por fim, faz-se necessário revogar regulamentações antigas sobre o tema, tal como
a Lei 91 de 1935, extinguindo o título de Utilidade Pública Federal, já que não faz sentido
a existência de dois “títulos” públicos conferidos pelo governo federal (Utilidade Pública
Federal e OSCIP) às associações e fundações, concedidos pelo mesmo órgão público
(Ministério da Justiça), seguindo lógicas, requisitos e critérios diferenciados. Além disso, o
título de utilidade pública não deveria ser um requisito para a concessão do Certificado de
Entidade Beneficente de Assistência Social e para o recebimento de doações incentivadas,
por isso é necessário ainda harmonizar legislações esparsas reguladoras de Cadastros e
qualificações tais como CNAS (Conselho nacional de Assistência Social) e CEBAS (Certifi-
cado de Entidade Beneficente de Assistência Social).
Diante dos argumentos expostos, sugere-se a aprovação do Projeto de Lei, nos
termos apresentados.

Capítulo I
Disposições gerais
Art. 1º - Fica criado o “Termo de Financiamento Público direto”, como mecanismo
de financiamento público (direto) de pessoas jurídicas de direito privado sem finalidade
lucrativa, sob a forma de associações ou fundações, por parte da União, instituindo novo
instrumento jurídico de relação entre Estado e sociedade civil, preservando relações alte-
ras e assegurando transparência e responsabilidade pública na consecução de projetos,
tendo por pressuposto o reconhecimento da relevância das atividades desenvolvidas por
estes entes para o fortalecimento dos direitos humanos e da democracia brasileira.
Art. 2º - Para fins desta Lei considera-se:
I – gestor: agente público responsável pela gestão do projeto de fortalecimento das
esferas públicas e de defesa de direitos, com poderes de controle e de fiscalização da
execução “termo de financiamento público direto”.

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 157


II- administrador público: agente público que tenha assinado o instrumento que irá
definir a relação entre as partes ou cujo poder decisório no âmbito da Administração Pú-
blica tenha sido determinante para a celebração do convênio para ser ou designar o ges-
tor do instrumento, ou que sob qualquer aspecto, tenha utilizado seus poderes para influir
na execução, na decisão de liberação de verbas ou na prestação de contas do acordo.
III- esfera pública: instância plural, heterogênea, democrática não-estatal, autôno-
ma em relação a governos e a demais órgãos da administração pública, incluso autar-
quias, institucionalizada ou não, de caráter coletivo e organizativo, com finalidade públi-
ca, cujo foco central, de caráter multitemático, seja o aprofundamento e garantia de di-
reitos constitucionais e de novos direitos, de caráter fundamental à democracia brasileira.
IV - entidade sem fins lucrativos: pessoa jurídica de direito privado que não distribui
entre seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados ou doadores, even-
tuais resultados, sobras, excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, bonifi-
cações, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de
suas atividades, e que os aplica integralmente na consecução do respectivo objeto social.
V – Termo de financiamento público direto: instrumento realizado entre pessoa ju-
rídica de direito privado sem fins lucrativos e Poder Público em qualquer instância, me-
diante seleção pública observados os procedimentos e critérios dessa lei, para apoio de
iniciativas voltadas ao fortalecimento da democracia, mediante ações de formação para
cidadania, com vistas ao fortalecimento do tecido associativo com ação na esfera pública,
tendo por finalidade a promoção, aprofundamento, garantia e monitoramento de direitos
humanos constitucionais e de novos direitos.
VI – Seleção Pública: processo público com objetivo de habilitação para partici-
pação em seleção pública elaborada para organizações sem fins lucrativos de entidades
privadas sem fins lucrativos, a partir da qual poderão ser celebrados acordos de financia-
mento público direto de suas ações de caráter público.
VII - Concurso de projetos: procedimento administrativo, regulado por esta Lei, me-

158
diante o qual o Poder Público selecionará através de edital público para organizações sem
fins lucrativos, a proposta que melhor atenda ao interesse público e à implementação dos
objetivos anunciados.
VII - Conselhos de políticas setoriais: instâncias públicas não-estatais de caráter mis-
to e representação paritária entre gestores, organizações sociais de usuários ou atuantes
na temática, voltados à co-gestão da política pública, previstos como mecanismos de con-
trole social público da descentralização político-administrativa anunciada na Constituição
Federal de 1988.
IX- Finalidade pública: ações e atividades desenvolvidas com recursos públicos, com
finalidades não limitadas aos limites da exigência de complementaridade em relação às
políticas governamentais, assegurando o desenvolvimento de ações voltadas ao fortaleci-
mento de direitos constitucionais e de novos direitos, mediante acesso a recursos públicos
por concurso de projetos, com vistas à defesa, garantia e aprofundamento dos direitos
humanos e aprimoramento de canais republicanos de participação e controle social em
diferentes temáticas, conforme previstos pela Constituição Federal de 1988.

Capítulo II
Da qualificação do objeto da lei
Art. 3º - Estão sujeitos ao regime dessa Lei as seguintes categorias e qualificações
de organizações:
I – Associações e fundações de direito privado sem finalidade lucrativa (OSFL), inclu-
sive as qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs);
II - Organizações Religiosas;
§ 1º - Não estão sujeitos ao regime desta Lei as seguintes entidades privadas sem
fins lucrativos, ainda que criadas sob forma de associação ou de fundação:
a. Organizações partidárias ou assemelhadas, inclusive suas fundações;

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 159


b. Federações ou confederações sindicais, associações de classe ou de represen-
tação de categoria profissional;
c. Organizações com vinculação ou finalidade de promoção partidária;
d. Organizações cujos quadros de associados apresentem alguma vinculação
comprovada com representantes de mandato eletivo;
e. Entidades de benefício mútuo, cuja finalidade precípua seja a de proporcionar
bens, serviços ou qualquer tipo de vantagem apenas a seus associados;
f. Cooperativas;
g. Associações de pessoas jurídicas de direito público, ainda que na forma de
consórcio com personalidade jurídica de direito privado;
h. As instituições hospitalares e educacionais não gratuitas e suas mantenedoras;
i. As escolas privadas dedicadas ao ensino formal não gratuito e suas mantene-
doras;
j. As fundações públicas;
k. As organizações sociais, regulamentadas pela lei 9637/96 e os serviços sociais
autônomos;
l. As fundações ou associações de direito privado criadas por órgão público ou
por fundações públicas.

Capítulo III
Dos requisitos
Art. 4º - Para celebração de termo de financiamento público direto de organizações
sem fins lucrativos, será exigido da entidade comprovação de, no mínimo, dois anos de
existência e de funcionamento regular.
Art. 5º - O acesso a recursos públicos através do Termo de Financiamento Público
direto proposto por esta Lei somente será conferido às pessoas jurídicas de direito privado,
sem fins lucrativos, que objeto social tenha como objetivos construir, promover e/ou for-
talecer direitos humanos constitucionais e ações para o aprofundamento da democracia
nas seguintes áreas / temáticas:

160
I. assistência social;
II. cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico;
III. educação;
IV. saúde;
V. segurança alimentar e nutricional;
VI. direitos sexuais e reprodutivos;
VII. defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do
desenvolvimento sustentável;
VIII. promoção do direito à igualdade étnico-racial e combate às dis-
criminações;
IX. promoção e defesa de direitos relativos à igualdade de gênero;
X. participação política cidadã em esferas públicas institucionais;
XI. desenvolvimento econômico e social e combate às desigualdades;
XII. experimentação de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas alterna-
tivos de produção, comércio, emprego e crédito;
XIII. defesa e promoção de direitos estabelecidos e construção de novos direi-
tos, inclusive os coletivos, difusos e emergentes;
XIV. promoção da ética, da paz, da cidadania, da democracia e de outros
valores universais;
XV. estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produ-
ção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos
e atividades de formação que digam respeito às temáticas mencionadas
neste artigo;
XVI. assistência e orientação jurídica gratuita;

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 161


XVII. promoção e defesa de direitos de pessoas com deficiência.
Art. 6º - Atendido ao disposto no artigo anterior, exige-se ainda, para viabilizar a
habilitação necessária à concorrência via edital público, para acesso ao Termo de Fi-
nanciamento Público, que as pessoas jurídicas interessadas comprometam-se formal e
expressamente sobre:
I. a observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, da publici-
dade, da economicidade e da moralidade no acesso, gestão e prestação
de contas dos recursos públicos;
II. a adoção de práticas de gestão administrativa, necessárias e suficientes a
coibir a obtenção, de forma individual ou coletiva, de benefícios ou van-
tagens pessoais, em decorrência da participação no respectivo processo
decisório;
Parágrafo único: O Estatuto social da pessoa jurídica interessada deverá conter:
a) a previsão de conselho fiscal ou órgão equivalente da entidade, dotado de com-
petência para opinar sobre os relatórios de desempenho financeiro e contábil, e sobre as
operações patrimoniais realizadas, emitindo pareceres para os organismos superiores da
entidade;
b) a previsão de que, em caso de dissolução da entidade, o respectivo patrimônio
líquido será transferido a outra pessoa jurídica qualificada nos termos desta Lei;
c) a previsão de que, na hipótese de a pessoa jurídica perder o direito ao Termo
instituído por esta Lei, o respectivo acervo patrimonial, adquirido com recursos públicos
durante o período em que perdurou sua ação como parte do acordo, será destinado a
outra organização privada sem finalidade lucrativa.

Capítulo IV
Da Habilitação para elegibilidade do Termo de Financiamento Público Direto

162
Art. 7º - Cumpridos os requisitos dos artigos anteriores, a pessoa jurídica de direito
privado sem fins lucrativos, interessada em habilitar-se para participar de concurso de pro-
jetos apoiados através do Termo de Financiamento Público instituído por esta Lei, deverá
formular requerimento de acordo com edital público, em formulário destinado ao Minis-
tério Setorial Correspondente, instruído por cópia autenticada dos seguintes documentos:
I. Estatuto registrado em Cartório, comprovando, no mínimo, dois anos de
existência formal, em acordo com o Artigo 4º desta Lei.
II. Ata de eleição de sua atual diretoria.
III. Relatório anual de atividades, descrição de público beneficiado e objetivos
dos trabalhos desenvolvidos;
IV. Certidões negativas de débito e/ou pendências legais em relação à gestão
de recursos públicos
V. Balanço patrimonial e demonstrativo dos resultados financeiros dos últi-
mos dois exercícios.
VI. Declaração de isenção do Imposto de Renda dos últimos dois exercícios.
VII. Inscrição no Cadastro de Pessoas Jurídicas do Ministério da Fazenda (CNPJ).

Capítulo V
Da participação no processo seletivo para acesso à recursos via Termo de Financia-
mento Público Direto
Art.8º - O acesso ao Termo de Financiamento Público Direto se realizará por meio
de edital público, publicado 40 dias antes do prazo de encerramento para inscrição em
meios de comunicação nacional e em sítio eletrônico governamental.
Parágrafo Primeiro – Sendo a organização elegível, após habilitação conforme re-
querido no capítulo III, cabe à secretaria executiva do Ministério responsável pelo fundo

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 163


de financiamento, realizar os procedimentos para habilitação.
Parágrafo segundo- É vetada a participação no concurso de organizações cujos
quadros sejam compostos por parentes em linha reta até segundo grau de ocupantes de
cargos eletivos ou cargos governamentais até segundo escalão.
Parágrafo terceiro - A ausência parcial ou integral de documentos requeridos no
capítulo III não permite a habilitação da entidade.
Art. 9º - Será constituída Banca de Concurso de Projetos composta de forma paritá-
ria por representantes governamentais e da sociedade civil, com acúmulo temático e com-
provado domínio do tema, observando-se os princípios republicanos da impessoalidade,
da transparência e da neutralidade.
Art. 10 – Firmado o Termo de Financiamento Público Direto, o recurso público deverá
ser repassado à organização eleita em até 60 (sessenta) dias da data constante no termo.

Capítulo VI
Do uso e gestão de recursos públicos segundo o Termo de Financiamento Público
Direto
Art. 11º – O recurso público repassado deverá ser utilizado respeitados os critérios
de economicidade, impessoalidade e garantida a lisura de sua aplicação.
Art. 12º – O recurso público repassado por meio do Termo de Financiamento pú-
blico direto, deverá custear todas as despesas que guardem relação com o projeto apre-
sentado, inclusive:
I. aquisição de equipamentos permanentes, necessários à execução do
objeto, podendo este passar a integrar o ativo fixo da organização ao final
do projeto;
II. custeio de estrutura fixa que permita a execução do projeto financiado, in-
clusive pagamento de alugueis, água, luz, condomínio e outras correlatas;

164
III. despesas com pagamento de profissionais ou prestadores/as de servi-
ços que executem atividade ou função relacionada ao projeto, inclusive
direitos garantidos na CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) geradas
durante ou ao final do Termo de Financiamento Público Direto, respeita-
dos os valores de mercado.
Art 13º - Não será permitida a exigência de contrapartida financeira em qualquer hipótese.
Art. 14º – As despesas não previstas no projeto deverão ser justificadas oportuna-
mente por ocasião da prestação de contas, respeitando sempre o limite de até 20% do
valor repassado.
Art. 15º - Será permitida a ampliação do objeto ou do prazo acordado no Termo de
Financiamento Publico Direto, desde que devidamente justificado e que não ultrapasse o
limite de 20% do objeto ou prazo inicialmente previsto.
Art. 16º – Será permitida ainda a cessão de uso de equipamentos públicos durante
o período de execução do objeto, devendo esta constar expressamente do Termo de Fi-
nanciamento Público direto.
Parágrafo primeiro: No caso de prorrogação do prazo final de execução do objeto
relacionado ao Termo de Financiamento Público direto e havendo cessão de uso de equi-
pamentos públicos, esta será automaticamente prorrogada por igual período, quantas
vezes for necessário.
Parágrafo segundo: Em havendo a devolução antecipada do equipamento público ce-
dido, esta deverá ser feita formalmente, documentada e anexada ao Termo principal.

Capítulo VII
Da Prestação de Contas
Art. 17º - Ao final do projeto objeto do Termo de financiamento Público direto, de-
verá ser apresentada prestação de contas devidamente comprovada

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 165


Art. 18º - A prestação de contas final deverá conter:
I- Relato qualitativo das atividades e produtos realizados e análise dos resultados
alcançados com avaliação do êxito obtido.
II - Relato financeiro e cronograma do desembolso praticado
Parágrafo único: Deverão Constar do relatório final as justificativas de despesas
havidas e não previstas, bem como quaisquer outras que porventura tenham alcançado
valor diverso do previsto no projeto.
Artigo 19° - Na prestação de contas a ser apresentada pela entidade, deverão ser
observadas no mínimo:
a) os procedimentos contábeis exigidos pelo regulamento do imposto de renda;
b) a publicidade, no encerramento do exercício fiscal, ao relatório de atividades e
aos documentos contábeis da entidade, colocando-os à disposição para exame de qual-
quer cidadão;

DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 20º - Em caso de necessidade de regulamentação ou uniformização dos pro-


cedimentos relativos a esta lei, a competência exclusiva será do Ministério Planejamento.
Art. 21º - Revogam-se todas as disposições em contrário.

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Organizações participantes do seminário ANEXO 3

• Agência de Desenvolvimento Econômico Local (ADEL)


• Amazona - Associação de Prevenção à AIDS
• APA - Carpina
• Apôitchá
• Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (Abong)
• Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste (APOINME)
• Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA Brasil)
• Associação de Apoio às Comunidades do Campo do Rio Grande do Norte
• Associação para o Desenvolvimento Integrado e Sustentável (ADEIS)
• Associação Quilombola de Conceição das Criolas (AQCC)
• Auçuba - Comunicação e Educação
• Barraca da Amizade
• Caatinga
• Canto Jovem
• Casa da Esperança
• Casa da Mulher do Nordeste
• Casa Pequeno Davi
• Cearah Periferia
• Centro de Educação Comunitária Rural (CECOR)
• Centro das Mulheres do Cabo
• Centro de Cultura Luiz Freire
• Centro de Referência Integral de Adolescentes (CRIA)
• Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social (CENDHEC)
• Centro Dom José Brandão de Castro (CDJBC)

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 167


• Centro de Habilitação e Apoio ao Pequeno Agricultor do Araripe - CHAPADA
• Centro Nordestino de Medicina Popular (CNMP)
• Centro de Estudos do Trabalho e de Assessoria ao Trabalhador (CETRA)
• Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE)
• Concern Universal
• Conjunto Integrado de Projeto (CIP) - Desenvolver
• Coletivo Mulher Vida
• Diaconia
• Em Cena Arte e Cidadania
• Espaço Criança Esperança
• Escola de Formação Quilombo dos Palmares (EQUIP)
• Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS/PE)
• Formação - Centro de Apoio à Educação Básica
• Fundação Avina
• Fundação AVSI
• Fundação CDL Recife
• Fundação CESVI
• Fundação Grupo Esquel Brasil
• Grupo de Apoio à Prevenção à AIDS (GAPA - BA)
• Gestos - Soropositividade, Comunicação & Gênero
• Grupo de Apoio às Comunidades Carentes (GACC)
• Grupo de Apoio à Criança Carente com Cancêr (GACC)
• Grupo de Institutos Fundações e Empresas (GIFE)
• Grupo de Trabalhos em Prevenção Posithivo (GTP+)
• Instituto Ação Empresarial pela Cidadania - Pernambuco
• Instituto Nossa Senhora de Fatima - INSF
• Inspetoria Salesiana
• Instituto C&A
• Instituto de Cidadania Empresarial do Maranhão - ICE/MA

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• Instituto Fonte
• Instituto Iris
• Instituto Papai
• Instituto Recriando
• Instituto SOIS
• Instituto Soma Brasil
• Instituto Sumaúma
• Fundação Konrad Adenauer (KAS)
• Kindernothilfe (KNH Brasil)
• LRA - Saúde em Ação
• Movimento de Organização Comunitária (MOC)
• Núcleo de Iniciativas Comunitárias (NIC)
• Obra Kolping do Brasil
• Observatório Negro
• Orgânica
• Oxfam GB
• Polo Sindical dos Trabalhadores Rurais do Submédio - São Francisco PE/BA
• Projeto Axé
• Rede Margaridas Pró-Crianças e Adolescentes (REMAR)
• Retome Sua Vida
• Ruas e Praças
• Save the Children - Suécia
• Serviço de Estimulação e Reabilitação da Criança (SERC)
• Serviço de Tecnologia Alternativa (SERTA)
• Serviço Alemão de Cooperação (DED)
• Serviço Internacional (IS Brasil)
• SOS Corpo - Instituto Feminista para a Democracia
• TCER
• Terre des Hommes - Holanda

Novos desafios à luta por direitos e democracia no Brasil 169


• Terre des Hommes - Suisse
• The International Exchange (TIE)
• UNICEF- Recife
• Universidade Católica de Pernambuco

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