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O PRIMEIRO ESTATUTO DE SCHAW

(Extraído de: As Origens da Maçonaria


David Stevenson)

Em 28 de dezembro de 1598, William Schaw emitiu "Os estatutos e


ordenações a serem observados por todos os Mestres Maçons neste rei-
no", agindo como Mestre-de-Obras "e Inspetor geral da referida arte".
Portanto, oito anos após ser encontrada evidência do posto de inspetor
regional, aparece um Inspetor Geral de todos os maçons escoceses. Dessa
vez, não havia nenhuma reivindicação do posto por antiguidade, e parece que
ele foi criado pelo próprio Schaw, com a aprovação de pelo menos três
maçons: o preâmbulo dos estatutos afirma que eles foram elaborados por
Schaw com o consentimento dos Mestres Maçons ali especificados, mas no
fim do documento eles são descritos em termos vagos, como todos os
Mestres que se reuniram em 28 de dezembro.
Como Mestre-de-Obras do rei, Schaw foi o agente organizador do
trabalho, e, portanto, da contratação, em nome do mais importante em-
pregador de maçons no país. Isso lhe dava considerável autoridade sobre os
maçons, e provavelmente alegava que o Mestre-de-Obras em exercício era o
Inspetor Geral; assim, não estava criando um novo posto, mas tomando
explícito um que já existia. Sem dúvida, Schaw agiu assim para deixar sua
jurisdição sobre os maçons mais explícita do que fora até então e para
fortalecer sua posição em implementar as ambiciosas reformas que planejava
para a arte.
Por questão de conveniência, o Primeiro Estatuto de Schaw pode ser
dividido em 22 parágrafos ou cláusulas, cujos números serão indicados entre
parênteses.
O estatuto começa obrigando os Mestres Maçons a observar todas as
boas ordenações feitas anteriormente pelos seus predecessores (1). Parece
que Schaw estava considerando basicamente os deveres ou ordens contidos
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nos Antigos Deveres, pois as cláusulas que se seguem parecem basear-se


neles, constituindo assim a melhor evidência de que os Antigos Deveres eram
conhecidos na Escócia muito antes de meados do século XVII, de onde
surgem as mais antigas cópias escocesas ainda existentes. Mas o material
extraído dos Antigos Deveres foi alterado e expandido nos estatutos para
aplicar-se às condições escocesas, com injunções de que deveria ser
prestada obediência aos Inspetores, Mestres e Diáconos.
Os maçons ocupados em trabalho para o qual não eram competentes
deveriam pagar multas e compensar ao empregado de acordo com cálculos
feitos pelo Inspetor Geral ou, em sua ausência, pelos inspetores, Diáconos e
Mestres do condado.
A seguir, os estatutos ordenavam que um inspetor fosse eleito anual-
mente pelos Mestres Maçons para ficar encarregado de "todas as Lojas, já
que são divididas". Isso deveria ser feito com o consentimento do Inspetor
Geral, se estivesse presente, e ele seria informado dos resultados de todas as
eleições para poder enviar instruções aos inspetores das Lojas.
As regras a respeito dos Aprendizes eram as seguintes: nenhum
Mestre podia ter mais do que três Aprendizes na vida, sem o consentimento
especial dos inspetores, Diáconos e Mestres do condado.
Os Aprendizes se comprometiam com os seus Mestres por pelo menos
sete anos, e não se tomavam "Irmão e Companheiro na arte" até terem
trabalhado pelo menos outros sete anos.
Os Mestres deveriam notificar suas Lojas quando pegavam um
Aprendiz, para que fossem "devidamente registrados". Por conseguinte, os
Aprendizes "entravam" para a mesma ordem na qual tinham sido registrados
(8-12).
Nenhum Mestre ou Companheiro da Arte podia ser admitido em uma
Loja até que pelo menos seis Mestres (incluindo o inspetor) e dois Aprendizes
já admitidos estivessem presentes, e que as habilidades e a dignidade dos
candidatos fossem postas à prova.
A entrada de cada Companheiro era registrada, junto à sua marca, aos
nomes dos presentes "e aos nomes dos intendentes a serem escolhidos".
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Vários regulamentos eram estipulados quanto às práticas de trabalho.


Nenhum Mestre podia trabalhar – ou deixar seus servidores trabalhar - com
cowans (goteiras).
Os Aprendizes admitidos só deviam trabalhar sob permissão do
inspetor e dos Mestres da Loja, e só podiam pegar trabalhos pequenos.
Disputas entre maçons eram resolvidas em suas Lojas, e os maçons
que não aceitassem as propostas das Lojas seriam "privados do privilégio de
tal Loja" e não trabalhariam lá até concordarem.
Por fim, os estatutos ordenavam que os maçons que não
comparecessem às reuniões das quais tinham sido informados pagariam
multa, e os Mestres presentes a assembléias ou reuniões deveriam falar sobre
quaisquer injustiças cometidas por outros maçons contra seus Companheiros
ou empregadores. Todas as multas impostas pelas Lojas por quebra desses
regulamentos seriam endereçadas à caridade (20-2).
Com esse estatuto, todos os maçons presentes concordaram, e pedi-
ram a William Schaw que o assinasse e enviasse uma cópia a cada Loja
dentro das fronteiras do reino.
O Primeiro Estatuto de Schaw fornece uma enxurrada de novas evi-
dências a respeito da organização maçônica na Escócia, mas não é fácil
distinguir as inovações de Schaw de suas confirmações de práticas já exis-
tentes. Tampouco é fácil compreender o significado do estatuto se ele for
considerado isoladamente. A interpretação que se segue é, portanto, inspi-
rada em parte por informações adicionais de outras fontes, em especial de
minutas das Lojas e de antigos catecismos maçônicos.
A organização maçônica delineada nos Primeiros Estatutos de Schaw
é baseada nas Lojas. O nome é antigo, mas as Lojas descritas hoje são
muito diferentes daquelas nas mais antigas fontes. As Lojas medievais eram
edifícios temporários (locais para trabalhar, comer e/ou dormir em um sítio
de construção), ou instituições semitransparentes anexadas a edifícios
eclesiásticos importantes e limitadas aos maçons que trabalhavam nesses
edifícios.
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Não há evidências de que tais Lojas tivessem jurisdição sobre todos


os maçons trabalhando em determinada área ou exercessem controle geral
de quem entrava no oficio, ou de Lojas individuais associadas a outras para
exercer jurisdição em uma escala maior sobre condados inteiros - embora o
Segundo Estatuto de Schaw indique que a Loja de Kilwinning alegava ter
esses direitos, no passado.
Todos esses detalhes aparecem pela primeira vez nos Primeiros
Estatutos de Schaw. Sugere-se o estabelecimento de um sistema de Lojas
coerente para toda a Escócia, com um Inspetor Geral com jurisdição sobre
todas as Lojas. Há menção (em termos vagos) de reuniões e assembléias
acima do nível da Loja, e, embora a relação entre a Loja e o condado não
seja definida, parece que as Lojas dentro de um condado deveriam trabalhar
juntas.
Obviamente, essas novas Lojas apresentam semelhanças com
aquelas identificadas em períodos anteriores. O nome em si já era aceito
por um grupo ou organização de maçons, e as Lojas mais antigas sem
dúvida tentavam regulamentar a admissão às práticas do ofício e de traba-
lho, como as Lojas de Schaw. Mas, quer temporárias quer
semitransparentes, as Lojas no fim da Idade Média (segundo indicam
evidências fragmentadas) só se preocupavam com maçons trabalhando em
um único edifício ou talvez, no máximo, em todos os edifícios públicos em
um burgo especifico. Se havia alguma organização acima desse nível, ela
era informal. Maçons que iam de um edifício a outro levando consigo lendas
da arte e regulamentos, introduzindo um elemento de uniformidade - ou
baseada no fato de que em algumas áreas os maçons talvez
comparecessem a tribunais presididos por inspetores regionais como os
Coplands de Udoch, criando assim uma espécie de assembléia de maçons.
Sem dúvida, além disso, as antigas Lojas deviam ter rituais e cerimônias - é
difícil conceber uma organização de artesãos medievais sem algum tipo de
ritual.
Mas não há nada que indique que esses rituais fossem idênticos aos
das novas Lojas de Schaw; os dessas últimas se baseavam na Palavra do
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Maçom, e não existe evidência anterior ao século XVII que ateste a


presença da Palavra. No entanto, mesmo que aceitemos que os rituais
observados nos catecismos foram criados por volta de 1600, podemos
presumir que eles se desenvolveram a partir de quaisquer rituais mais
antigos dos maçons.
Assim como não há evidência da continuidade de ritual, também não
há de organização. Sem dúvida, algumas das Lojas do novo tipo, surgidas
por volta de 1600, alegam ter os primeiros vínculos com essas Lojas mais
antigas e obscuras (como algumas realmente tinham, posteriormente), mas
não há um único indício que torne plausível a idéia da descendência direta e
contínua de qualquer uma das Lojas "Schaw" de organizações anteriores.
Dos dois tipos de Loja medieval, as Lojas semipermanentes às vezes asso-
ciadas a grandes igrejas provavelmente desapareceram muito antes da dé-
cada de 1590, um processo que teria sido acelerado pela vinda da Reforma à
Escócia em 1560.
Quanto às Lojas temporárias nos locais de construção, elas
continuaram existindo junto às Lojas novas. Há referências freqüentes em
relatórios de construção acerca dessas Lojas sendo erguidas e funcionando
como acomodação para maçons, além de barracões de trabalho.
O nome do oficial chefe nas novas Lojas também era um legado do
passado. Há uma referência ao inspetor de uma Loja na Inglaterra no século
XIV, e o ato 1427 do parlamento escocês fazia menção a inspetores de
artesãos. Mas novamente a semelhança do nome não deve ser considerada
prova de que o oficial medieval fosse idêntico ao oficial descrito nos Estatutos
de Schaw, ou que presidisse uma instituição idêntica. Mesmo no século XVII,
com as Lojas de Schaw operando sob seus inspetores, havia também
inspetores das Lojas temporárias. Em 1616, John Service, "inspetor da Loja
maçônica" no castelo de Edimburgo, foi pago por seu empenho sobre os
outros maçons "e por julgar o trabalho deles". Ele pode ter sido escolhido por
seus Companheiros maçons, mas na prática foi encarregado por seu
empregador (que lhe pagou por seu trabalho como inspetor) para exercer
funções disciplinares e de controle de qualidade. O posto de inspetor
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ocupado por Service em uma Loja em local de construção nada tinha que ver
com as Lojas dos Estatutos de Schaw e seus inspetores, e o fato de as Lojas
temporárias em estilo medieval existirem junto às novas Lojas de Schaw,
mas serem totalmente separadas delas, mostra que eram muito diferentes,
embora possuíssem o mesmo nome. Outro detalhe que corrobora a diferença
era o fato de que uma Loja temporária podia estar na posse de uma mulher,
viúva de um maçom. Tanto em ritual como em organização, William Schaw
talvez tenha se baseado em tradições fragmentárias da arte, mas o tema
central parece ser mais inovação que continuidade.
As novas Lojas de Schaw ou "territoriais" (como alguns historiadores
maçons as denominam) eram presididas por inspetores. Os próprios inspe-
tores eram Mestres Maçons, e eles e outros Mestres controlavam as Lojas.
Um nome alternativo para os Mestres era Companheiro da Arte ou
Companheiro Artesão, os dois termos usados para o mesmo grau, fosse em
separado ou juntos em expressões estranhas como "Mestre ou Companheiro
de Arte" ou "Mestre e Companheiro artesão". Também membros da Loja, mas
sem participação administrativa, eram os "Aprendizes admitidos". Quando um
Mestre Maçom pegava um Aprendiz pela primeira vez, ele deveria "registrá-
lo"- inserir seu nome nos registros da Loja. Em algum momento indeterminado
após o registro, o Aprendiz a ser admitido entrava - na Loja, na condição de
Aprendiz admitido. Após um mínimo de sete anos como Aprendiz e outros
sete trabalhando como servidor ou empregado remunerado dos Mestres
Maçons, ele entrava para um grau mais alto na Loja, o de Mestre e
Companheiro da Arte.
Os Primeiros Estatutos de Schaw nada diziam a respeito de como os
Aprendizes eram admitidos na Loja, mas é evidente que os Companheiros da
Arte passavam por alguma espécie de cerimônia; um número mínimo de
membros tinha de estar presente, a habilidade e a dignidade do candidato em
sua vocação e arte eram testadas, e eram nomeados intendentes para os
candidatos. Outras fontes deixam claro que esses intendentes preparavam o
candidato para iniciação, ensinando-lhe os segredos e rituais da arte dos
Companheiros. No século XVII também eram ensinados segredos e rituais aos
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Aprendizes admitidos, mas o silêncio dos Estatutos de Schaw pode indicar


que eles só foram criados após 1598.
Os inspetores, segundo os estatutos, deveriam ser eleitos pelos Mes-
tres da Loja e há menção também de outro oficial da Loja, o de Diácono, mas
nada é dito sobre o modo como este era nomeado: sua presença é
simplesmente suposta. O motivo disso era que, embora ele fosse aceito como
oficial de Loja, não costumava ser escolhido pela Loja. Em muitas Lojas
urbanas, ele era o líder de qualquer incorporação incluindo maçons, sendo
eleito pela incorporação ou por um sistema que dava o poder da palavra tanto
a ela como ao burgo, nas questões de nomeação. A presença desses
Diáconos nas Lojas é, portanto, parte de uma questão muito mais ampla - a da
relação entre as novas Lojas de Schaw e as incorporações. Nos burgos, elas
são, em vários aspectos, instituições paralelas, semelhantes em afiliação e
desempenhando muitas funções similares. O único burgo, onde os dois tipos
de instituição podem ser estudados em detalhe (por causa das minutas
sobreviventes), trabalhando lado a lado, é Edimburgo.
A Incorporação de Mary's Chapel continha todos os ofícios de
construção, mas, segundo maçons e artífices, cada qual tendo um Diácono. O
Diácono Maçom era chefe dos maçons na incorporação e também presidia na
Loja de Mary's Chapel, ambos os órgãos com o nome derivado do local de
construção onde se encontravam. Em Glasgow, os artífices e maçons também
formavam uma única incorporação até 1600, quando se separaram em dois
órgãos distintos.
É tentador associarmos o momento desse evento às tentativas de
William Schaw de reorganizar a arte do maçom, mas qualquer que tenha sido
o motivo da ruptura, significava que em Glasgow havia, depois de 1600, uma
corporação constituída inteiramente de maçons e, junto a ela, uma Loja com
quase a mesma afiliação. Onde não houvesse uma incorporação paralela a
uma Loja, o Diácono - assim como o inspetor - era eleito pela Loja.
Por que existia, com freqüência, essa duplicação aparentemente
desordenada e desnecessária de instituições, incorporação e Loja, as quais
segundo as minutas pareciam ser muito semelhantes em natureza e ativida-
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de? Os dois tipos de instituição regulamentavam a entrada no oficio, criavam


regras quanto às práticas de trabalho, puniam os transgressores, tentavam
resolver disputas entre os maçons e tinham a função social de unir os maçons
na hora de comer e beber. Tanto a Loja do burgo como a instituição pareciam
ser essencialmente guildas da arte. Mas então, por que não se fundiam? Há
casos em que a lógica desse argumento parece ter sido seguida, pelo menos
em parte.
Em Stirling e Dundee, é impossível separar Loja e incorporação, mas
um órgão único executando as funções de ambas. Mas é interessante que
nesses dois casos a Loja/incorporação não era uma incorporação plena, mas
só uma sociedade de trabalho com pouco reconhecimento por parte do
conselho do burgo. Talvez, em parte, fosse por isso que as incorporações
plenas e as Lojas de burgos tenham permanecido separadas.
As incorporações geralmente são definidas como órgãos que, sancio-
nados pelas autoridades dos burgos, davam à arte privilégios e status no
burgo, e uma parcela (embora limitada) administrativa em seu governo. Mas
havia outro lado da incorporação, por um selo de causa: ela criava uma
organização por meio da qual os magistrados e o conselho do burgo podiam
controlar e regulamentar a arte. No século XV havia forte suspeita de que os
artesãos e seus Diáconos fossem potencialmente subversivos. Eles eram
vistos como uma ameaça à autoridade dos conselhos dos burgos, e que
teriam o objetivo de aumentar salários e introduzir práticas restritivas nas
artes. Interessante observar, nesse sentido, que em várias ocasiões os
maçons e artífices eram considerados notáveis infratores. Mas no fim do
século XVI, as incorporações já estavam sob rígido controle por parte dos
burgos, e embora o fato de ter uma incorporação trouxesse privilégios à arte,
também envolvia o reconhecimento de que o controle supremo da arte estava
nas mãos do conselho do burgo, de orientação mercantilista. De qualquer
forma, as incorporações tinham como fim atender às necessidades das artes
estáticas, de trabalhadores cuja vida se passava no burgo, e por isso elas não
eram totalmente apropriadas para os maçons, que viviam em mudança atrás
de trabalho.
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Mais uma vez os maçons se viam embrenhados em incorporações com


outros ofícios de construtores. Isso significava que, na qualidade de uma arte
relativamente pequena, eles se encontravam em menor número. Mesmo no
fim do século XVII, em Edimburgo, quando a construção em pedra, substituin-
do o uso da madeira, havia se tomado quase universal, na Incorporação de
Mary's Chapel havia cerca de três artífices para cada maçom - e numerosos
outros ofícios também faziam parte da incorporação.
Assim, ainda que os maçons tivessem um Diácono próprio, como no
caso de Edimburgo, eles costumavam formar uma minoria em uma incor-
poração constituída basicamente de muitas outras artes estáticas e que era
supervisionada pelo conselho do burgo. Nessas circunstâncias, os maçons
devem ter chegado à conclusão de que as incorporações não protegiam seus
interesses nem regulamentavam de maneira adequada o seu ofício. Além
disso, eles tinham uma cultura e rituais próprios, reavivados e elaborados por
William Schaw, que eram exclusivos de sua arte. Uma organização partilhada
com outras artes e sujeita a inspeção pelo burgo não era apropriada para esse
lado das atividades dos maçons.
O sistema de Lojas do Primeiro Estatuto de Schaw oferecia uma
solução para essas dificuldades. Os maçons podiam reter a filiação a incor-
porações por causa das vantagens que isso lhes trazia dentro do burgo,
embora por meio das Lojas elas não pudessem ter uma organização própria
fora do controle do conselho do burgo. Só os maçons podiam ser membros -
ou se outros fossem admitidos nesse processo, seriam controlados pelos
maçons. Assim, nas Lojas, os maçons se reservavam o direito de possuir
organizações próprias, estabelecidas por eles mesmos sem selo de causa ou
outra sanção fora da arte. Nessas Lojas, eles podiam regulamentar sua arte
sem intervenção externa e valorizar e desenvolver suas lendas e rituais
secretos. Mas é possível que em Stirling e Dundee, onde as sociedades ou
guildas que incluíam os maçons e que não eram incorporações constituídas
sob rígida supervisão do burgo, os maçons sentissem que podiam adaptar a
sociedade para atender às suas necessidades, não precisando de Lojas se-
paradas.
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Essa interpretação do motivo pelo qual os maçons consideravam as


Lojas e incorporações necessárias postula que, embora aproveitassem os
benefícios e privilégios do burgo, os maçons preferiam evitar o controle total
por parte deste de sua arte. Essa sugestão encontra apoio também na forte
tradição de que as Lojas não deveriam reuniam-se dentro dos burgos. Os
antigos catecismos maçônicos enfatizam esse ponto, que era posto em prática
em numerosos casos. Os maçons de Melrose reuniram-se fora do burgo em
Newstead; os maçons de Aberdeen atravessavam o rio Dee para se reunir
fora da jurisdição do burgo. Os maçons de Elgin reuniam-se como a Loja de
Kilmolymock; os de Perth, como a Loja de Scone; mas embora essas Lojas
tivessem o nome de um lugar fora dos burgos, é provável que os maçons se
reunissem dentro de sua área, sendo o nome uma espécie de declaração
simbólica de que eles não se consideravam instituições burguesas. Outras
Lojas não tinham uma ligação exclusiva com um único burgo; Kilwinning atraía
membros de Irvine, Ayr e outras cidades; Aitchison's Haven, de vários burgos
de Edimburgo. Nenhuma dessas Lojas obedecia literalmente à injunção do
antigo catecismo de reunir-se em locais a um dia de distância de qualquer
burgo, mas pelo menos algumas se reuniam fora deles, e, sem dúvida, até
aqueles maçons que se reuniam em burgos sentiam que, em espírito, estavam
obedecendo à injunção: reunindo-se em suas Lojas, cuja existência nada
devia às autoridades do burgo, eles estavam "fora" do burgo em um sentido
metafórico, embora não real.
O fato de Schaw aceitar que os Diáconos das incorporações presidis-
sem nas Lojas dos burgos pode ser visto como o preço que ele teve de pagar
ao persuadir as incorporações a aceitar a existência do que consideravam
organizações de artes rivais e ameaçadoras. Diz-se que os antigos registros
perdidos da Incorporação de Mary's Chapel continham muitos exemplos da
assinatura de Schaw, e isso indica que ele teve um papel fundamental nas
questões da incorporação, o que lhe teria permitido convencê-la a aceitar a
criação de uma Loja para alguns de seus membros. Mas embora as
incorporações aceitassem as Lojas, elas o faziam de modo tácito, fechando os
olhos à sua existência. Se as minutas da Incorporação de Mary's Chapel
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forem válidas como guia, entendemos que as incorporações evitavam toda e


qualquer referência às Lojas em seus registros. De modo semelhante, só nas
mais incomuns circunstâncias os registros das Lojas contêm alguma indicação
de que existiam as incorporações - como no caso em que as circunstâncias
extraordinárias da Loja dos Maçons Artífices (Lodge of Journeymen Masons)
obrigaram a Loja de Mary's Chapel a reconhecer que existia uma
Incorporação de Mary's Chapel agindo como sua frente pública. As Lojas
gostavam de fingir que só elas exerciam autoridade sobre a arte do maçom,
mas a circunspeção com que agiam na prática indica que elas estão cientes
da existência de incorporações e conselhos dos burgos, bem como da
necessidade de não provocá-los, sendo uma ameaça aos seus interesses.
Assim como os registros das Lojas, os Estatutos de Schaw também
ignoravam a existência de incorporações, exceto de modo indireto pela acei-
tação de que os Diáconos tinham autoridade sobre as Lojas. Os estatutos
pressupunham (ou fingiam pressupor) que todos os estágios da carreira de um
maçom eram registrados e controlados pela Loja. Na prática, onde coexistiam
Lojas e incorporações, as primeiras só controlavam partes do processo. O
registro dos Aprendizes ficava por conta da incorporação ou da autoridade do
burgo. Pelo menos em Edimburgo, o início do Aprendizado (que deveria ser
acompanhado pelo registro, embora na prática isso fosse adiado por vários
anos) costumava vir dois ou três anos mais tarde, por meio de entrada na Loja
como Aprendiz admitido. Vários contratos datando do fim do século XVII
comprometiam o Mestre a fazer seu Aprendiz ser "admitido" em uma Loja
dentro de um limite de tempo específico. Talvez sete anos e pouco após ser
admitido, o Aprendiz fosse promovido a Mestre Companheiro da Arte, após a
iniciação, mas sem nenhum "ensaio" ou teste de suas habilidades práticas de
artesão, como pretendia Schaw - e sem a espera de quatorze anos entre o
início do Aprendizado e a promoção a Companheiro da Arte que ele
estipulara. Por meio dessa promoção, o maçom se tomava um Mestre,
segundo os interesses da Loja, mas, para a incorporação, ele ainda era um
mero Aprendiz ganhando remuneração por seu trabalho como artífice. Muitos
nunca passavam dessa condição, mas uma minoria privilegiada chegou a
12

tomar-se burguês e (mediante aprovação por um teste) Mestre da


incorporação. Portanto, um homem seria Mestre ou Companheiro da Arte na
Loja antes de ser aceito como Mestre pelo burgo e pela incorporação.
Assim, no decorrer de sua carreira, os maçons avançavam em duas
hierarquias interligadas, porém distintas: a hierarquia da Loja e a da incor-
poração/burgo. Pelo menos em Edimburgo, a incorporação supervisionava o
registro de um maçom como Aprendiz nos livros de registro do burgo, bem
como sua promoção a burguês e Mestre, enquanto, de maneira separada, a
Loja o recebia como Aprendiz admitido e depois Companheiro da Arte. A
carreira de um maçom "típico" de Edimburgo já foi descrita, mas havia muitas
variações na duração dos vários estágios e até diferenças em ordem; alguns
homens se tornavam burgueses e Mestres da incorporação antes de se
tornarem Mestres ou Companheiros da Arte na Loja. Além disso, os filhos de
Mestres Maçons treinados por seus pais não eram, ao que parece, Aprendizes
formais, aparecendo pela primeira vez nos registros quando entravam nas
Lojas como Aprendizes admitidos. Talvez fosse visto como inapropriado, ou
até subversivo à autoridade do chefe da família, um filho fazer parte de um
contrato formal junto ao seu pai, definindo e, portanto, limitando o modo como
o pai deveria tratar o filho.
Vários pontos menores oriundos do Primeiro Estatuto de Schaw me-
recem ser comentados. São mencionadas marcas dos maçons, que (conforme
exigência dos estatutos) registraram em algumas minutas das Lojas. Mas não
há evidência de que no século XVII fosse associado a elas qualquer
significado simbólico. Elas tinham se desenvolvido na Idade Média como
meios para identificar a obra feita por maçons individuais, e não eram
essencialmente diferentes das marcas identificadoras usadas por homens em
outras ocupações, de padeiros a mercadores. Muitas das marcas registradas
no século XVII são monogramas simples das iniciais dos maçons, não tendo
nenhum significado misterioso. A única exceção é a extraordinária obsessão
de Sir Robert Moray com sua marca de maçom, mas ele era um maçom tão
atípico que seu simbolismo elaborado não nos leva a nenhuma conclusão a
respeito das atitudes de outros maçons com suas marcas.
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Os estatutos proibiam os maçons de trabalharem com cowans. Quem


eram esses cowans? Dados de referências esparsas em registros de cons-
truções e minutas das Lojas indicam que eles eram homens semi-
qualificados, porém aptos para realizar alguns trabalhos com o uso de pedra.
Os termos cowan e assentador de pedra (roughlayer) eram usados com o
mesmo sentido nos registros dos sucessores de Schaw como Mestres-de-
Obras, e algumas referências aleatórias em outras fontes indicam que eles
tinham permissão para trabalhar com pedra desde que não usassem
almofariz de cal, e é provável que também fossem proibidos de cortar ou
esculpir em pedra. As incorporações às vezes ignoravam os cowans, mas em
alguns casos lhes davam licença para trabalhar ou até os admitiam (em
Perth) como membros. Há registros de construções mostrando cowans e
maçons trabalhando lado a lado. Mas o Estatuto de Schaw e as Lojas
maçônicas são definitivamente hostis aos cowans. Eles não eram apenas
vistos como homens semi-qualificados, que deviam ser relegados ao seu
lugar, excluídos de alguns tipos de trabalho para que fossem reforçadas
algumas idéias tradicionais de demarcação de oficio. Os maçons eram
proibidos de trabalhar com cowans e, embora na prática algumas Lojas
abrissem exceções, isso era feito com relutância. Parece possível que as
Lojas e incorporações tivessem, na verdade, definições diversas para os
cowans, assim como tinham definições diversas para Mestres. Em 1705, a
Loja de Kilwinning concordou que seus membros empregassem cowans,
desde que não houvesse um maçom em um raio de 24 quilômetros, e com
essa medida a Loja definia um cowan como um homem "sem a palavra".
Portanto, até certo ponto, o que fazia de um homem um cowan não era a falta
de habilidade, mas de iniciação à cultura misteriosa da Palavra do Maçam. Ao
se recusarem a trabalhar ou sequer se associar com um dos cowans, os
membros da Loja estavam pressionando homens qualificados para afiliação a
aceitarem a iniciação na Loja e terem, assim, mais facilidade de emprego.
Outros cowans, sem terem sido treinados na arte do maçom, não tinham a
opção de afiliar-se e eram excluídos da Palavra do Maçom, uma vez que não
eram qualificados para recebê-la. A hostilidade contra os cowans, agora
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definidos pelo menos em parte como homens cuja deficiência era a falta de
iniciação, provavelmente se originou nas ambições de William Schaw para a
arte. Ele queria que os maçons fossem um órgão exclusivo de homens
qualificados como maçons tanto por meio do treinamento nas habilidades do
oficio como da iniciação à cultura misteriosa da arte. Para alcançar isso, os
maçons deviam afastar-se dos semi-qualificados e não-iniciados, e a palavra
cowan era usada para designar as duas categorias.
E, finalmente, a data do Primeiro Estatuto de Schaw, 28 de dezembro,
é digna de nota. O santo mais aceito como padroeiro da arte do maçom era
São João, embora haja alguma confusão quanto a ser este João Batista, cujo
dia era 24 de junho, ou João Evangelista, celebrado em 27 de dezembro. Em
Edimburgo, nos tempos pré-Reforma, a Incorporação dos Maçons e Artífices
tinha sido responsável pela manutenção da capela de São João Evangelista
na igreja do burgo, St. Giles, e a maioria das Lojas do século XVII realizava
sua principal reunião anual - às vezes a única - em 27 de dezembro (a
menos que caísse em um domingo, quando a reunião era adiada para o dia
28). É muito provável que William Schaw tivesse convocado sua reunião de
Mestres Maçons em 27 de dezembro, o dia mais importante no calendário
maçônico, e que como resultado das discussões durante esse encontro, o
Primeiro Estatuto de Schaw tenha sido elaborado e concordado no dia
seguinte. Certamente foi isso que aconteceu com o Segundo Estatuto de
Schaw, no ano seguinte.
Como indica a descrição dos estágios da carreira de um maçom no
século XVII, o Estatuto de Schaw não foi implementado em todos os detalhes.
As práticas locais variavam muito, e não há evidências de cooperação entre
as Lojas em um mesmo condado. Entretanto, os estatutos definiam o caráter
básico da Loja do século XVII e de seu trabalho. Pelo menos duas Lojas
obedeceram prontamente à injunção de manter registros apropriados de
"entradas". Foram escritas cópias dos estatutos nas primeiras minutas das
Lojas de Aitchison's Haven e Edimburgo. Elas levavam a assinatura de
Schaw, e as minutas das duas Lojas começam em 9 de janeiro de 1599 e 31
de julho de 1599, respectivamente. Uma terceira cópia do estatuto, assinada
15

por Schaw, foi providenciada para a Loja de Kilwinning. Embora o estatuto não
fosse obedecido ao pé da letra, ele continuou sendo valorizado por muitos
anos pelas Lojas que possuíam cópias. Até 1661, os membros da Loja de
Aitchison's Haven achavam uma boa idéia inserir uma alteração em sua cópia,
indicando que ainda levavam a sério o estatuto - embora não a ponto de
impedi-los de mexer com o texto!

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