Professional Documents
Culture Documents
Objetivos, p.
Metodologia, p.
Referências, p.
Justificativa e Revisão de Bibliografia
Desse ponto de vista, aliás, é possível dizer que, nos primeiros anos da República
Velha, vigorou no Brasil uma Ditadura Soberana, a considerarmos a nomenclatura de Carl
Schmitt: em outras palavras, uma ditadura que, exercendo o poder soberano (o poder,
portanto, de decidir no Estado de Exceção), visa instaurar uma nova ordem, uma nova
constituição, um novo corpo político.2
O liberalismo republicano, por sua vez, era ideologia que encontrou guarida
especialmente entre as elites rurais, em especial a elite rural paulista. Em São Paulo, aliás,
3
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 1991, p. 254.
4
CARVALHO, José Murilo de. Formação das Almas: o imaginário da república no
Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 9-10
5
CARVALHO, José Murilo de. Formação das Almas: o imaginário da república no
Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 10-11;
6 CARVALHO, José Murilo de. Formação das Almas: o imaginário da república
Por fim, um grupo formado por profissionais liberais, estudantes e outros grupos
sociais da classe média urbana, especialmente presente na capital federal, se viu seduzida
por uma ideologia republicana radicalizada, o jacobinismo. Se os liberais brasileiros tinham
como modelo a Terceira República francesa, os jacobinos viam com bons olhos a Primeira
República francesa.8
A tomar, por exemplo, a diferença proposta por Nelson Nogueira Saldanha, o que
ocorre em 15 de novembro de 1889 é uma mudança de forma de governo10, acompanhada da
mudança também de um regime de governo: o parlamentarismo do Império dará lugar ao
presidencialismo da República. Essa profunda mudança11 indica o estabelecimento de uma
instituição - a Presidência da República - que ainda perdura em nossos dias, e sobre a qual
há, ainda, muitos trabalhos e investigações, em sede de ciência política, filosofia, etc.
Parte-se, assim, do pressuposto de que a história pode oferecer lições para que se
entenda o tempo presente, sem que se resvale para um exercício anacrônico e que se valha
de preconcepções, a sombrear uma investigação mais precisa sobre certo período histórico.
Essa lição tiramos de Pierre Rosanvallon, historiador que, ao propor uma “história
filosófica do político”, pretende “promover um entendimento acerca do modo por que são
projetados e se desenvolvem os sistemas representativos, que permitem aos indivíduos ou
grupos sociais conceber a vida comunitária.”12 Em outras palavras, o intuito de entender,
com mais precisão, o sistema presidencialista no Brasil, é que motiva o presente projeto a
propor um estudo sobre o surgimento deste sistema (ou, nos termos de Saldanha, deste
regime) de governo no Brasil.
que as estruturas políticas essenciais pouco mudam; outras em que as variações são rápidas mesmo
quando fundas”. SALDANHA, As Formas de Governo e o Ponto de Vista Histórico... cit., p. 39
12 ROSANVALLON, Pierre. Por uma história filosófica do político. In: ROSANVALLON,
Pierre. Por uma história do político. São Paulo: Alameda, 2010. p. 44.
13 JULLIARD, Jacques. A Política. In: GOFF, Jacques Le; NORA, Pierre. História: novas
como uma modalidade específica de história política, 5 cujo representante maior foi o historiador alemão
Leopold von Ranke. Entre as principais características do paradigma da história política tradicional,
destaca-se: 1) a centralidade do Estado-nação, de revoluções e eventos militares, tais como guerras e
batalhas localizadas; 2) o foco nos atos dos “grandes homens”, ou seja, em estadistas e líderes militares
quando não em personagens eclesiásticos; 6 3) a aspiração a ser objetiva, científica, buscando-se narrar o
passado humano com a maior fidedignidade possível aos fatos, através de seu encadeamento e
organização, do levantamento e da crítica sistemática dos documentos; 4) a primazia dos documentos
oficiais como critério para se produzir uma história científica7 – daí a tendência a privilegiar os relatos das
autoridades, bem como seus interesses particulares; e 5) como corolário da busca pela objetividade, um
desprezo pela história do tempo presente ou contemporânea” - MEDEIROS, Fabrício Ferreira. A Nova
Historia Política. Temporalidades, Belo Horizonte, v. 9, n. 3, p.290, dez. 2017
17 JULLIARD, A Política... cit., p. 181.
18 JULLIARD, A Política... cit., p. 181.
19 Nas palavras de Rémond: “Era pois provavelmente inevitável que o desenvolvimento da
história econômica ou social se fizesse às custas do declínio da história dos fatos políticos, daí em diante
lançada num descrédito aparentemente definitivo.” Cf. RÉMOND, René. Uma história presente. In:
RÉMOND, René. Por uma história política. Rio de Janeiro: FGV, 2005. p. 13.
20 BURKE, Peter. A Escola dos Annales - 1929-1989: A revolução francesa da historiografia.
Desse modo, é de grande proveito para a história política “recuperar o seu atraso, e
refazer o caminho já percorrido por outros”24. Isto porque a política, como objeto de
estudo, conserva seu interesse, mantém-se como campo próprio. A mudança de enfoque,
no entanto, é fruto mesmo do aprendizado com as críticas. A história política deixa de ser,
apenas, história do Estado e de personalidades: passa a ser também história da cultura
política, das ideologias políticas, enfim, da relação das massas25 com o campo da política26.
22 RÉMOND, René. Uma história presente. In: RÉMOND, René. Por uma história política.
Propõe-se, assim, que o político não seja visto como uma esfera absolutamente
apartada das outras – o religioso, o econômico, o social, o cultural, o jurídico, etc. - mas
que seja visto, antes, como fundador da ordem social. Rosanvallon propõe, nesse sentido,
que o político seja entendido como um “conjunto de procedimentos a partir dos quais
desabrocha a ordem social”30, de tal modo que o político e o social passam a ser vistos
como “indissolúveis”31.
De fato, se é verdade que uma “nova história do político” pode se servir das
ferramentarias de outras ciências sociais (o político é, afinal, um campo de fronteiras fluídas
com outras esferas da vida humana), em especial da ciência política, será salutar, para os
efeitos dessa pesquisa, que sigamos com Chantal Mouffe e façamos uma definição do
político, da política e da sua relação com o social.
Para a autora:
29 GOMES, Ângela de Castro. Política: história, ciência, cultura e etc.. Historiografia, Rio de
Por isso mesmo, Rosanvallon define sua “história filosófica do político” como uma
história interativa: ela analisa “o modo pelo qual uma cultura política, suas instituições e
eventos interagem para estabelecer formas políticas mais ou menos estáveis.”36 Sua
proposição se coaduna com a concepção de Mouffe: a política, por um lado, “tem a ver
com diferentes práticas da política convencional”37, enquanto o político refere-se “à forma
com que a sociedade é fundada”38.
33 MOUFFE, Chantal. Sobre o Político. São Paulo: Martins Fontes, 2015, p. 17.
34 ROSANVALLON, Por uma história filosófica do político... cit., p. 45.
35 ROSANVALLON, Por uma história filosófica do político... cit., p. 45-46.
36 ROSANVALLON, Por uma história filosófica do político... cit., p. 48.
37 MOUFFE, Chantal. Sobre o Político. São Paulo: Martins Fontes, 2015, p. 8.
38 MOUFFE, Chantal. Sobre o Político. São Paulo: Martins Fontes, 2015, p. 8.
Ao procurar entender o presente por meio de uma história filosófica do político -
ou, ainda, “história conceitual do político”, como Rosanvallon intitulará em outros textos
-, Rosanvallon não pretende estudar o passado tomando o presente “como ponto fixo de
referência”39. Ou, para usar uma definição de António Manuel Hespanha, não se pretende
entender a história de um ponto de vista progressista, isto é, em que o presente é sacralizado
como “único horizonte possível da evolução humana”40. Trata-se, isto sim, de “entender o
passado e investigar o presente”41 como parte de um “mesmo processo intelectual”42.
Ângela Alonso nos aponta que a geração de reformistas que surge em 1870 procura
dar resposta aos “dilemas estruturais da sociedade imperial”, em especial “a organização
política e o regime de trabalho”44. Assim:
Há uma série de reformas propostas pelos grupos que Alonso chama de reformistas,
presentes em livros de doutrinas, mas também em “circulares eleitorais e manifestos
políticos”46, lançados em meados dos anos 1880. Em outras palavras, havia um franco e
vigoroso debate de ideias apartado da vida parlamentar e oficial do Império, propiciado
pela expansão das comunicações e a reforma do ensino superior, a dar formação superior
a jovens que não faziam parte da elite imperial. Criou-se um “espaço público” por meio do
qual “descontentes de longa data podiam se expressar”47.
Esses grupos contestadores tinham como objetivo, por exemplo, uma reforma do
Estado, voltada à “expansão do liberalismo econômico”48 bem como a descentralização
político-administrativa. Tinham ideias a respeito da secularização das instituições, como a
introdução dos registros civis de óbito, nascimento e casamento, bem como a liberdade de
exercício de cultos. Favoreciam a universalização de direitos civis e a ampliação de direitos
políticos.49
Salles. (Org.). O Brasil Império - Vol. III (1870-1889). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p. 89.
48 ALONSO, Ângela. Idéias em Movimento: A geração 1870 na crise do Brasil-Império. São
De modo geral, apesar das divergências internas, o movimento era marcado pelo
diagnóstico de crise do status quo imperial, acompanhado de críticas (de diferentes modalidades)
das práticas políticas constituídas e hegemônicas. Afastados do centro de poder da Corte, os
grupos reformistas colocaram programas ambiciosos e, alguns, pregavam mesmo que o
radicalismo fosse o instrumento de ação, como foi o caso de Assis Brasil, positivista que, em
discurso proferido em 1880, prega mesmo o caminho da revolta e da tomada drástica de poder:
51 MATTOS, Ilmar Rohloff de. O Tempo Saquarema. São Paulo: Hucitec, 2004, p. 222.
52 MATTOS, Ilmar Rohloff de. O Tempo Saquarema. São Paulo: Hucitec, 2004, p. 206-207.
53 MATTOS, Ilmar Rohloff de. O Tempo Saquarema. São Paulo: Hucitec, 2004, p. 208.
54 CARVALHO, José Murilo de. República, democracia e federalismo: Brasil 1870-1891. Varia
vez, daria à monarquia brasileira uma nova história, uma iconografia original e uma literatura épica. Nesse
local, enquanto o passado era relembrado de forma enaltecedora, a partir de uma natureza grandiosa e de
indígenas envoltos em cenários românticos; já a realeza surgia como um governo acima de qualquer
instituição, e a escravidão era, literalmente, esquecida.” Cf. SCHWARCZ, Lília. Romantismo Tropical: A
estetização da política e da cidadania numa instituição imperial brasileira. Penélope, São Paulo, v. 23, n. 1,
p.110, dez. 2000.
58 SALLES, Ricardo. Nostalgia Imperial: A Formação da Identidade Nacional no Brasil do
p. 13.
60 CARVALHO, José Murilo de. República, democracia e federalismo: Brasil 1870-1891. Varia
de um liberalismo muito mais autoritário que o do Império. À sombra da mesma ideologia liberal
democrática do republicanismo urbano, surgiu um republicanismo militante do campo, amparado
ideologicamente no darwinismo social, oligárquico e hierárquico, autoritário e racista, que sedutoramente
acenava a toda a aristocracia rural como a solução definitiva de seus problemas políticos.” LYNCH,
Christian Edward Cyril; SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. O constitucionalismo da inefetividade: a
Constituição de 1891 no cativeiro do estado de sítio. Quaestio Juris, Rio de Janeiro, v. 2, n. 5, p. 94., dez.
2010.
65 LYNCH, Christian Edward Cyril. Da Monarquia à Oligarquia: História Institucional e
Campos Sales, um paulista que não fazia parte dos grupos positivistas, mas
tampouco era liberal, ele mesmo um futuro Presidente da República, tinha como modelo
a presidência dos Estados Unidos; para Sales, o presidente deveria ser um diretor, a decidir
tudo sozinho, se a mediação parlamentar.68 Os novos tempos, que Campos Sales observa
em uma viagem à Europa, pediam por novas formas políticas, e o parlamentarismo estaria
“incompatibilizado com a atual situação dos espíritos”.69
Barbosa. Revista da Faculdade de Direito de Porto Alegre, Porto Alegre, v. 1, n. 1, p.186-227, dez.
1949.
67 ROMERO, Sylvio. Parlamentarismo e Presidencialismo na República Brazileira: Cartas
Antônio da Silva Jardim (1860-1891), outro positivista, por sua vez, em sua Carta
Política ao Paiz e ao Partido Republicano, coloca ênfase no fato de que, na República que
imaginava para o Brasil, deveriam ser “limitadas as forças anarchicas do
parlamentarismo”79. Ao enumerar os muitos vícios da Monarquia, em seu discurso
intitulado Salvação da Pátria, o agitador positivista enumera a escravidão, as províncias mal
representadas e mal administradas, a desproteção do proletariado e das massas e também
um “parlamentarismo vão”80. Em seu livro dedicado ao elogio da figura de Tiradentes,
Brasil, 1889.
74 LEMOS, Miguel. Ao Povo e ao Governo da República. Rio de Janeiro: Centro Positivista do
Brasil, 1889.
75 LEMOS, Miguel; MENDES, Teixeira. Bazes de uma Constituição Política Ditatorial
Federativa para o Brazil. Rio de Janeiro: Igreja do Apostolado Positivista do Brasil, 1890, p. 4.
76 LEMOS, Miguel; MENDES, Teixeira. Bazes de uma Constituição Política Ditatorial
Federativa para o Brazil. Rio de Janeiro: Igreja do Apostolado Positivista do Brasil, 1890, p. 5.
77 LEMOS, Miguel; MENDES, Teixeira. Bazes de uma Constituição Política Ditatorial
Federativa para o Brazil. Rio de Janeiro: Igreja do Apostolado Positivista do Brasil, 1890, p. 5.
78 LEMOS, Miguel; MENDES, Teixeira. Bazes de uma Constituição Política Ditatorial
Federativa para o Brazil. Rio de Janeiro: Igreja do Apostolado Positivista do Brasil, 1890, p. 4
79 JARDIM, Antônio da Silva. Carta Política ao Paiz e ao Partido Republicano. Rio de
81 JARDIM, Antônio da Silva. Tiradentes: discurso lido por Silva Jardim. Rio de Janeiro: