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Outubro de 2018
ÍNDICE
I. Breve introdução do argumento geral ...................................4
A
cada quatro anos, o povo brasileiro vai às urnas
escolher seus representantes políticos, baseados
em um sistema democrático constitucional, nos
níveis federal e estadual. Boa parte dos cristãos também se di-
rige a este ritual cívico crendo ser essa uma obrigação moral
e civil, e o fazem com uma boa consciência diante de Deus e
dos homens, certos de que, se não fazem nada de virtuoso, ao
menos evitam vicissitudes e incômodos desnecessários como
cidadãos e não pecam contra Deus. Contudo, parece que, en-
tre nós, esse ato nunca foi feito um caso de consciência com o
objetivo de ser escrutinado à luz da Escritura Sagrada, a m
de ser aprovado ou rejeitado pela lei divina, a qual deve guiar
fundamentalmente a conduta do cristão; pois, como diz o pro-
feta, “[à] lei e ao testemunho! Se eles não falarem segundo esta
palavra, é porque não há luz neles” (Is. 8:20).
Embora desconhecida da maioria dos cristãos brasileiros
(especialmente nos círculos reformados e presbiterianos), há
uma longa tradição entre os presbiterianos escoceses/irland-
eses que imigraram para os EUA, de se recusarem não só
1
D
e todas as autoridades que devem ser obedecidas
pelos homens, apenas uma é absoluta e inques-
tionável: a suprema autoridade divina. Sendo o
Altíssimo o planejador eterno, o criador e sustentador de toda
a realidade ontológica fora de si, pode Ele - por um direito
natural e inquestionável de propriedade (cf. Sl. 24:1) - requerer
toda obediência e submissão de suas criaturas racionais (i.e.
anjos e homens) de acordo com a Sua boa vontade. A nal, to-
das elas foram criadas por Ele para cumprir um papel espe-
cí co na dispensação da Providência divina com o m de dar
glória à deidade (cf. Rm. 11:36). E quem sabe melhor como as
criaturas devem manifestar a glória declarativa de quem as cri-
ou, do que o próprio Criador?
O Deus trino, porém, não requer de suas criaturas nada
que contrarie a Sua própria natureza santa e pura (cf. Is. 6:3;
Ap. 15:4), o que implicaria que Ele é o autor do pecado; tal
pensamento é blasfemo. Assim, o Divino impõe, especialmente
aos homens, a sua lei, informando-os de quais são as regras
necessárias para que vivam de acordo com a sua natureza (feita
à imagem e semelhança da divina em termos espirituais), para
que possam cumprir, assim, o propósito para o qual foram
criados. Além da moralidade natural, agradou também a Deus
12 | O VOTO E O DIA DO SENHOR
2-Disposições Gerais sobre o voto. Art. o, Lei N 9.504, de 30 de Setembro de 1997. Grifo
nosso.
III
O sábado é um
mandamento moral
O SÁBADO É UM
MANDAMENTO MORAL
A
luz da natureza nos ensina que há um único Deus,
o qual deve ser adorado conforme ele mesmo nos
ordena, exigindo de nós toda obediência que lhe
pareça apropriada, assim como excluindo toda invenção hu-
mana que não possua o selo da Sua aprovação. Para isso, faz-
se necessário separar uma certa quantidade de tempo, à parte
das ocupações comuns e civis que a sobrevivência e a vida em
sociedade nos exigem, a m de que o mesmo seja dedicado à
adoração do ser divino.
Caso contrário, estar-se-ia caindo no pecado do ateísmo
prático, contra o qual já admoestou o apóstolo ao falar sobre
alguns que, embora confessando conhecer a Deus com a boca,
negam-no por suas obras (cf. Tt. 1:16); e não seríamos muito
melhores do que aqueles que passam por um dia inteiro sem
fazer uma oração (nem antes e depois das refeições, tampouco
particularmente), sem ler as Escrituras ou cultuar a Deus com
suas famílias.
Que essa necessidade de separar um tempo especí co
para a adoração religiosa é um dever da moralidade natu-
ral, os próprios nomes dos dias da semana e dos meses dos
anos testi cam. Os pagãos, por mais que pervertessem a reve-
lação natural sobre a unidade e a natureza da deidade, ainda
compreendiam a necessidade de estabelecer tempos - manten-
do-se uma periodicidade - para cultuar aos seus deuses falsos,
e, portanto, deram nomes para os dias e épocas do ano de acor-
do com o ídolo que estava sendo venerado especialmente nos
templos naqueles tempos (não é de se espantar que o papismo
- que não passa de paganismo batizado - tenha feito o mesmo
18 | O VOTO E O DIA DO SENHOR
C
om a vinda do messias, o seu ministério terreno e o
estabelecimento da igreja do Novo Testamento, há
uma mudança no dia, o que não aponta para uma
mudança na natureza divina (o que é impossível), mas uma
mudança na dispensação da providência e da economia da re-
denção para o seu povo.
O cordeiro morto desde toda a eternidade é, nalmente,
na plenitude dos tempos, imolado na história, cumprindo
todas as estipulações do pacto da redenção (cuja recompensa é
Seu reino mediatorial) e satisfazendo todas as profecias, tipos
e cerimônias da lei. A sua ressurreição marca o início de uma
nova dispensação e tipi ca a renovação da criação caída efetu-
ada por meio do pacto da graça - um novo ato divino garantin-
do o direito de se guardar agora o primeiro dia - na qual a
redenção nos dá a certeza de que podemos trabalhar por Deus,
sabendo que todas as promessas são sim e amém em Cristo,
o qual venceu a morte e o pecado por seu povo dando-lhes
completa redenção.
Assumir que um mandamento natural perderia sua apli-
cação positiva (sem a qual ele não pode ser cumprido na práti-
ca) é uma contradição moral, que lança dúvida sobre a pureza
do caráter divino. Certamente, nos quarenta dias que Cristo
permaneceu com os apóstolos após sua ressurreição, ele os
instruiu acerca da mudança de dia, o que é con rmado pela
Sua frequente aparição aos seus discípulos neste dia (cf. Jo.
20:19,24,26), o derramamento do seu Espírito no dia primeiro
(cf. At. 2:1-5), as coletas feitas para os pobres quando o povo
de Deus se reunia (cf. 1 Cor. 16:1,2), os sermões dos apóstolos
22 | O VOTO E O DIA DO SENHOR
A
santi cação do primeiro dia da semana não im-
pede, porém, o bom cristão de realizar outras
atividades não diretamente relacionadas ao culto
público, particular e familiar, à instrução religiosa pela cate-
quese ou à meditação na obra e no ser de Deus. Sendo de insti-
tuição positiva, o mandamento não tem precedência em nossa
obediência sobre os deveres da moralidade natural: o amor, a
misericórdia, a necessidade e a justiça.
Caso o local de reunião de um grupo de cristãos fosse
achado em chamas durante o culto solene do domingo, seria
razoável ao pastor esperar que a benção apostólica fosse dada
para que, então, as chamas fossem controladas e os cren-
tes tentassem salvar seus bens e suas vidas? Não é justo que
fujamos de perigos e perseguições que nos sobrevém mesmo
em um dia santo (cf. Mt. 24:20)? Não foi o próprio Deus, que
criou o sábado e nele descansou, o mesmo que trabalha até
hoje, sustentando continuamente todo o universo pela palavra
do Seu poder (cf. Jo. 5:17, Hb. 1:3)?
Por isso, o messias em seu ministério terreno, por várias
vezes, curou, expulsou demônios e justi cou seus discípulos
coletando espigas no sábado (cf. Mc. 2:23-27, Jo. 5:1-15), pois
nenhuma observância religiosa pode nos impedir de exercer
a caridade para com o nosso próximo ou o nosso amor para
com Deus. Acaso não é o mesmo Deus que deu ambas as leis (o
sábado e o amor) ? Como podem elas então ordenarem coisas
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2- {The Assembly's Shorter Catechism Explained by Way of Question and Answer, p. 298,
Q. 36}
VI
As obras de misericórdia
AS OBRAS DE MISERICÓRDIA
A
s obras de misericórdia, por sua vez, são aquelas
que, não podendo ser adiadas nem adiantadas
apropriadamente, são necessárias para manter e
promover de maneira imediata, com o seu uso moderado, o
bem-estar físico e a saúde de homens e bestas. Coletas para os
pobres, alimento para os animais, lavagem corporal, refeições,
cuidado e administração de remédios aos enfermos são todos
atos legítimos de serem feitos no dia do Senhor.
Novamente, até uma criança reconhece que pressionar um
botão para escolher um candidato ou inserir uma cédula em
uma urna não é uma obra de misericórdia . 1
1- Alguém poderia objetar dizendo: "a lei a que tomamos exceção, a saber o quarto manda-
mento, é positiva; a lei que buscamos obedecer, todavia, é natural - a obediência aos magistra-
dos, derivada do quinto mandamento. Portanto, não estaríamos fazendo uma obra de neces-
sidade ou misericórdia, ainda mais quando o não votar permitiria a ascensão ao poder de
um governante mais ímpio, profano e imoral que os outros? Havendo um candidato cristão,
certamente, seria nosso dever votar".
Esse argumento funda-se sobre meias verdades, falsos raciocínios e pressupostos equivo-
cados, assim como as sugestões do diabo ao tentar Cristo no deserto. Uma análise calma do
argumento feita a partir dos princípios mais básicos da divindade há de mostrar o erro da
objeção.
Primeiro, o argumento confunde a obediência ao magistrado no sentido amplo, com a
obediência às leis impostas por este. O quinto mandamento ordena a obediência a todo magis-
trado legítimo, o qual é caracterizado por - constituído em conformidade com a lei divina
- decretar leis que reforçam a lei moral natural e a lei moral positiva já impostas por Deus,
podendo criar leis positivas (de autoria própria), que - quanto à sua forma - são moralmente
indiferentes, sem - contudo - violar materialmente nenhuma lei divina natural ou positiva.
Não sendo cumprido o último requisito, o decreto é ilegítimo e não precisa ser obedecido; pelo
contrário, deve ser resistido por todos os cristãos. A lei de eleições no domingo é claramente
positiva e de instituição humana. Contudo, como vimos, ela viola o quarto mandamento, que
- quanto à sua forma - é positivo e imposto por Deus. Desse modo, o con ito entre duas leis
positivas (o sábado e as eleições) é resolvido dando-se primazia à lei divina.
Ainda, as obras de necessidade e misericórdia são determinadas pela lei natural (elas
não mudam com tempos, lugares e culturas, mas se discernem pela própria luz da natureza,
encontrando sua justi cativa moral na natureza do ser de Deus e da do homem criado à sua
imagem); votar, por sua vez, é um decreto positivo factual e moralmente não necessário; logo,
votar não cria direito para obras de necessidade nem misericórdia. Portanto, votar não pode
ser obra de necessidade tampouco de misericórdia.
Depois, parece haver no raciocínio uma confusão entre causas e efeitos. Na providência
ordinária de Deus observa-se que, o que é atestado pela história profana e por aquela contida
no Volume da inspiração, governantes ímpios e tirânicos são dados como castigo dos pecados
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de um povo (ou seja, ordinariamente, não são os governantes ímpios que iniciam a rebeldia
de um povo contra Deus). Que tolice seria, então, violar o sábado cristão com o intuito de
apaziguar ira de Deus sobre o nosso povo! Faríamos o mal para que disso viesse o bem (cf.
Rm. 3:8)? Não está Ele nos provando se permanecemos longe dos seus estatutos ou se nos
arrependemos e obedecemos à sua lei?
Se nosso povo estivesse sendo sem motivo aparente a igido por magistrados perversos,
temos também amplo testemunho da Escritura e dos santos do passado de que Deus abençoa
os patriotas cristãos que se rebelam contra tiranos com o uso de armas, em tais casos (cf. Gn.
18:1-16; 2 Reis 18:7).
Por m, a ideia de que é possível votar em um candidato menos pior, ou até em um cristão,
como uma obra de misericórdia deixa qualquer estudante sério da moralidade cristã pasmo.
Sabe-se que os que governam sobre os homens devem ser justos, governando no temor do
Senhor (cf. 2 Sm. 23:3); entre os nossos candidatos que sequer professam a religião cristã, será
que encontramos ao menos um pagão ou in el iluminado em suas convicções morais, capaz
de manter alguma virtude cívica? Sendo assim, pode algum bom discípulo de Cristo escolher
um mal moral menor, quando o próprio mestre nos ensinou a orar pedindo que fôssemos
livrados de todo mal, mesmo dos menores (cf. Mt. 6:13)? Podemos escolher um mal menor
quando Deus se ira terrivelmente contra todo pecado - mesmo contra os pequenos - a ponto
de castigá-los com o fogo eterno? Não foi o mero comer de um fruto - que por si só era bom,
mas o comê-lo tornou-se mal pela ordem divina - o que trouxe toda miséria e morte sobre
nossa raça, ejetando-nos do paraíso? E iríamos nós buscar uma violação menor da lei de Deus
como um ato justi cável?
Quanto à ideia de que um cristão possa se candidatar e que votar nele seria uma obra de
misericórdia, respondemos que um cristão el e coerente - o único quali cado para ser um
magistrado (em uma terra iluminada pelo evangelho) - não se candidataria em uma eleição
que ocorresse em dia de domingo pelos motivos acima expostos. Mas, para que não nos
acusem de circularidade no argumento, acrescentamos que incorporar-se a um governo
ímpio, in ltrando ali cristãos que terão de manter as leis injustas - jurando delidade a elas -
com o objetivo de subvertê-las, não é um dever ou necessidade requeridos pela natureza (ao
contrário, tais atos são por ela reprovados; tal argumento se volta também contra a escolha de
um in el com visões mais puras de moralidade); portanto, votar não é obra de misericórdia.
O que consola o povo de Deus sob governos ímpios não é que um cristão disfarçado conspire
contra as instituições, mas que os corações dos reis estão nas mãos do Todo Poderoso de modo
que são inclinados para onde aprouver à Sua Providência (cf. Pv. 21:1); cabe a nós cumprir
a lei que nos foi revelada, deixando os resultados determinados no decreto de Deus serem
executados por meio do Seu governo soberano sobre o mundo (cf. Dt. 29:29). Logo, não há
justi cativa para votar em dia de domingo.
VI. AS OBRAS DE MISERICÓRDIA | 29
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osso povo tem a lei natural escrita em seus
corações e, sem fazer injustiça à história, temos
também a luz da Escritura no que diz respeito ao
quarto mandamento (do que testi cam as várias cidades bra-
sileiras onde praticamente todo o comércio se fecha no dia do
Senhor). Não há, portanto, justi cativa de ignorância para nós
neste assunto.
Por outro lado, sabemos como o diabo em toda a história do
povo de Deus, sempre procurou destruir a correta observância
do domingo, buscando com isso dar m à toda religião prática
e, com isso, apagar das mentes dos homens a reverência devi-
da ao Senhor e às coisas santas. Particularmente, ele emprega
governantes ímpios para tal tarefa. Não foram os sanguinári-
os da revolução francesa os responsáveis por um calendário
com 10 dias na semana (no qual se perde toda a memória do
domingo)? Não foi o ímpio governo norte-americano que, por
boa parte do século XIX, manteve os correios funcionando
no dia do Senhor? Não foi Assuero - o déspota sem vontade
própria, que tipi ca o diabo - quem fez um banquete na cidad-
ela de Susã, na qual havia muitos judeus piedosos, durando 7
dias (de modo que não se podia participar dela sem se violar o
sábado, cf. Et. 1:5)? E vamos nós participar da "festa da democ-
racia" contra Cristo? Antes, lembremo-nos do mandamento,
como nos instrui a própria letra da lei, e oremos para que Deus
nos dê magistrados tementes a ele, que mantenham o sábado
santo, punindo seus infratores, como o piedoso Neemias (cf.
Ne. 13:15-22).
Doravante, sabendo que a lei humana nos ordena algo
contrário à lei divina, cabe-nos tomar a decisão consciente de
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