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Os autores e publicadores assumem quaisquer

responsabilidades e direitos quanto às obras por


eles divulgadas. Mas permitem qualquer tipo de
divulgação, com ou sem autorização. A verdade
não é propriedade de homem algum, e, portanto,
não deve ter a sua circulação restringida.

“De graça recebestes, de graça dai”.


Mateus 10.8
O voto e o Dia do Senhor

Autor: Felipe Parreira


Editor: Maycon Ribeiro e
Thiago Barros
Revisão: Maycon Ribeiro
www.estanteconfessional.cf
Diagramação e capa:
Thiago Barros

Outubro de 2018
ÍNDICE
I. Breve introdução do argumento geral ...................................4

II. Votar em dia de sábado é um ato imoral............................10

III. O sábado é um mandamento moral ..................................16

IV. O sábado continua no Novo Testamento e foi alterado para

o primeiro dia da semana ..........................................................20

V. As obras de necessidade .......................................................24

VI. As obras de Misericórdia.....................................................28

VII. Conclusão .............................................................................32


I
Breve introdução do
argumento geral
BREVE INTRODUÇÃO
DO ARGUMENTO GERAL

A
cada quatro anos, o povo brasileiro vai às urnas
escolher seus representantes políticos, baseados
em um sistema democrático constitucional, nos
níveis federal e estadual. Boa parte dos cristãos também se di-
rige a este ritual cívico crendo ser essa uma obrigação moral
e civil, e o fazem com uma boa consciência diante de Deus e
dos homens, certos de que, se não fazem nada de virtuoso, ao
menos evitam vicissitudes e incômodos desnecessários como
cidadãos e não pecam contra Deus. Contudo, parece que, en-
tre nós, esse ato nunca foi feito um caso de consciência com o
objetivo de ser escrutinado à luz da Escritura Sagrada, a m
de ser aprovado ou rejeitado pela lei divina, a qual deve guiar
fundamentalmente a conduta do cristão; pois, como diz o pro-
feta, “[à] lei e ao testemunho! Se eles não falarem segundo esta
palavra, é porque não há luz neles” (Is. 8:20).
Embora desconhecida da maioria dos cristãos brasileiros
(especialmente nos círculos reformados e presbiterianos), há
uma longa tradição entre os presbiterianos escoceses/irland-
eses que imigraram para os EUA, de se recusarem não só
1

a votar, mas também a assumir cargos públicos, entrar nas


forças armadas ou até servir como jurado nos tribunais. Essa
tradição, porém, é muito mais ampla e católica , pois se funda- 2

menta em uma prática dos reformados e cristãos, em geral, de

1- Esses cristãos eram comumente chamados de Covenanters [i.e. aliancistas ou pactuantes]


(covenant do inglês signi ca aliança/pacto) por terem se mantido eis aos pactos nacionais e
internacionais nos quais as igrejas particulares dessas nações entraram durante a primeira e
a segunda reformas, a saber: o Pacto Nacional da Escócia (1580) e a Liga Solene e Aliança dos
Três Reinos (1638).
2- O termo católico signi ca simplesmente universal, não tendo conexão direta com a Igre-
ja Romana, que é um corpo eclesiástico cismático.
I. BREVE INTRODUÇÃO DO ARGUMENTO GERAL | 7

se recusarem a serem incorporados a governos ímpios e de


resistirem a qualquer tipo de tirania (eclesiástica ou civil), que
viole os direitos dos homens ou os de Deus. Os autores desse
artigo, após profunda meditação sobre essa e outras questões,
foram convencidos de que essa tradição está correta e que deve
ser seguida pelos cristãos de nossa nação também, e, por isso,
tentamos aqui defendê-la, principalmente no que diz respeito
ao voto.
Mencionamos isso não por desejarmos seguir meros
homens enquanto homens, ou porque estejamos fazendo deles
os senhores da nossa fé e consciência (cf. CMW 105), tampouco
chamando de mestre aqueles que não são Cristo (cf. Mt. 23:8-
10), mas porque entendemos que é dever de todos os cristãos
contenderem pela fé que foi entregue de uma vez por todas
aos santos (cf. Jd. 3) e de manter a unidade de pensamento do
povo de Deus ao longo da história, para evitar o cisma e a here-
sia (cf. 1 Cor 1:10; Fp. 2:1-2). E qual é a melhor maneira de fazer
isso se não atentar para o testemunho histórico do povo de
Deus e, assim, seguir nas pisadas do rebanho para não sermos
encontrados nas tendas dos companheiros do único Pastor (cf.
Ct 1:7-8)? Não foi o próprio Senhor que prometeu o seu Santo
Espírito a m de guiar os seus servos em toda a verdade (cf. Jo.
16:13)? Não estamos, portanto, avançando nenhuma opinião
extravagante ou interpretação particular, ou divulgando uma
ideia por apreço pela novidade, ou com o intuito de causar
contendas desnecessárias no povo de Deus. Mas, é em busca
da unidade da fé e da paz entre os eleitos, que propomos essa
doutrina.
Aqui, um adendo se faz necessário. Não estamos conten-
dendo que o voto seja imoral per se. Existem eleições na igreja
8 | O VOTO E O DIA DO SENHOR

a m de se escolherem o ciais (cf. At. 6:5), e muitas decisões


de sínodos e concílios eclesiásticos são feitos com base no
voto, e nós temos direito divino para esses atos (assim como
para todas as instituições do governo presbiteriano); acion-
istas de uma empresa votam para decidir como os negócios
serão conduzidos, e associações de moradores elegem repre-
sentantes; em tudo isso, não há nada de imoral. Contudo, as
eleições políticas do nosso país (e, nós poderíamos acrescentar,
da maioria das nações, senão todas) envolvem circunstâncias
tais que impedem qualquer cristão consciencioso e bem infor-
mado - os quais ainda são minoria em nosso país - de tomar
parte em tal ato.
Portanto, o que queremos aqui oferecer ao leitor cristão
é um artigo, a m de trazer para o contexto brasileiro o argu-
mento histórico daqueles cristãos eis, repetindo-o de maneira
clara e adaptando-o para as nossas peculiaridades enquanto
nação. Não pedimos de nenhum de nossos leitores uma fé cega,
e não arrogamos para nós nenhuma infalibilidade anti-cris-
tã, mas oferecemos argumentos lógicos (derivados da luz da
natureza), bíblicos, teológicos e históricos para que o nosso
leitor possa ser convencido por si mesmo e chegar à convicção
que nós já esposamos.
Cada parte do artigo foi planejada com o objetivo de ser
su ciente para convencer irrefutavelmente quem lê, de modo
que uma decisão moral possa ser tomada sem que o resto do
argumento seja conhecido. Contudo, para maior conforto e
con ança do leitor, mostramos humildemente o argumento
completo, a m de evitar qualquer dúvida ou hesitação; prin-
cipalmente, porque sabemos que estamos cercados de mentes
instáveis, que podem subestimar a contundência de uma única
I. BREVE INTRODUÇÃO DO ARGUMENTO GERAL | 9

parte do argumento, e de naturezas carnais, que, apegadas à


conveniência e à aceitabilidade social, preferem continuar no
erro, distorcendo o raciocínio piedoso e inventando pretextos
espúrios, a - submetendo-se à verdade - sofrer o ostracismo do
mundo junto com o povo de Deus. Caridosamente, nós julga-
mos nosso leitor fora desses dois últimos grupos, mas - se a
própria consciência o acusa disso - esperamos que esse texto
seja um remédio à sua alma capaz de despertar a consciência e
a piedade cristãs daqueles que ainda dormem.
Nossa oração é que esse artigo seja usado pelo Espíri-
to divino como instrumento para convencer os cristãos e os
edi car em santidade, e que possamos cumprir a função da
igreja visível, como meio instrumental para a operação da fé
no coração dos eleitos e evitar que esses, enganados, violem a
lei moral, a m de que Deus seja em tudo glori cado.
II
Votar em dia de sábado
é um ato imoral
VOTAR EM DIA DE SÁBADO
É UM ATO IMORAL

Porém, respondendo Pedro e os apóstolos, disseram: Mais


importa obedecer a Deus do que aos homens.
(Atos 5:29)

D
e todas as autoridades que devem ser obedecidas
pelos homens, apenas uma é absoluta e inques-
tionável: a suprema autoridade divina. Sendo o
Altíssimo o planejador eterno, o criador e sustentador de toda
a realidade ontológica fora de si, pode Ele - por um direito
natural e inquestionável de propriedade (cf. Sl. 24:1) - requerer
toda obediência e submissão de suas criaturas racionais (i.e.
anjos e homens) de acordo com a Sua boa vontade. A nal, to-
das elas foram criadas por Ele para cumprir um papel espe-
cí co na dispensação da Providência divina com o m de dar
glória à deidade (cf. Rm. 11:36). E quem sabe melhor como as
criaturas devem manifestar a glória declarativa de quem as cri-
ou, do que o próprio Criador?
O Deus trino, porém, não requer de suas criaturas nada
que contrarie a Sua própria natureza santa e pura (cf. Is. 6:3;
Ap. 15:4), o que implicaria que Ele é o autor do pecado; tal
pensamento é blasfemo. Assim, o Divino impõe, especialmente
aos homens, a sua lei, informando-os de quais são as regras
necessárias para que vivam de acordo com a sua natureza (feita
à imagem e semelhança da divina em termos espirituais), para
que possam cumprir, assim, o propósito para o qual foram
criados. Além da moralidade natural, agradou também a Deus
12 | O VOTO E O DIA DO SENHOR

impor à humanidade preceitos positivos que emanam de Sua


vontade como legislador soberano; esses princípios, porém,
em nada contrariam os mandamentos naturais, pois Deus não
é um deus de confusão, nem pode mentir (cf. 1 Cor. 14:33; Nm.
23:19).
A relação metafísica do homem com a divindade, portan-
to, torna-o cabal e necessariamente submisso à Sua lei, já que
Ele é quem cria o universo com Seus propósitos gloriosos. De
acordo com a razão, assim, todos os homens devem crer em
tudo o que de Deus é possível conhecer por sua revelação na
natureza e na Escritura, sobre as quais o selo da autoridade
divina está claramente estampado; todos os seus mandamen-
tos devem ser obedecidos sem questionamento por mais que
contrariem nossa percepção natural (cf. Gn. 22:1-3), os quais
não devem ser por nós julgados, mas utilizados para julgar
todas as coisas (cf. Jo. 7:24); e isso pois todos estamos sujeitos
à suprema autoridade divina e não podemos enquanto cria-
turas questionar suas ordens, atos e desejos (cf. Rm. 9:20, 21);
caso contrário, estamos questionando a razão universal que
governa o mundo, que fez as nossas mentes e que sustenta
todas as coisas; tal pensamento não é impropriamente chama-
do de loucura. Igualmente, todos os homens devem responder
a Deus enquanto justo juiz por suas obras (cf. Ec. 12:14), mas
o próprio Deus não é responsável por e a ninguém, porque
não há autoridade superior à qual deva responder, pois Ele é a
autoridade última de todo o universo.
Esse mesmo Deus, porém, delegou aos homens estru-
turas hierárquicas naturais e evangélicas na família, na igreja
e na sociedade civil, para que os homens sejam governados,
mantendo-se a ordem, a pureza, a justiça e o cumprimento da
II. VOTAR EM DIA DE SÁBADO É UM ATO IMORAL | 13

lei divina, o que se fez especialmente necessário após a queda


de Adão. Contudo, todas essas autoridades humanas - que são
relativas - derivam-se da única autoridade absoluta, porque
agradou a Deus comunicar aos homens em parte o Seu poder
e domínio sobre a criação (cf. Gn. 1:26, 28). Toda autoridade
humana é, portanto, subordinada à divina, de modo que não
se pode - sem fazer violência à razão - assumir que um Deus
bom, justo e santo tenha ordenado, em seu preceito, autori-
dades para subverter a Sua própria, pregando rebeldia à lei
divina como pretexto de obedecer à mesma, o que é um absur-
do patente; pois, ainda, como diz o apóstolo, é impossível violar
um dos mandamentos de lei sem quebrá-los todos (cf. Tg. 2:10,
11). Não bastasse isso, a rmar que Deus nos exige obediên-
cia aos que nos ordenam o pecado também implica sombra
de mudança na natureza divina, pois um deus que ordena a
violação da lei anteriormente dada por ele mesmo certamente
não é o eterno Jeová (cf. Ml. 3:6). A autoridade usurpada,
porém, ordena que se peque, tornando-se ela mesma não só
uma autoridade nula, mas uma nulidade em si, já que o peca-
do é a negação da deidade (o bem supremo e o ser puro) e,
por si só, não tem substância. Assim, não há o que reverenciar
nessas autoridades, nem nada de positivo a que se submeter.
Portanto, como o Senhor nos ordena obedecer às autor-
idades legítimas e, sabendo que todo mandamento inclui a
proibição contrária (cf. CMW 99, no 4), concluímos que Deus
nos ordena desobedecer a todos os tiranos e usurpadores. A
Escritura também promete bênção aos que obedecem a elas
e ameaça a danação aos que as rejeitam (cf. Rm. 13:2, 3); e,
como toda benção implica a maldição oposta e toda maldição
implica a benção oposta, Deus promete a seus lhos bênção
14 | O VOTO E O DIA DO SENHOR

para os que resistem à tirania e certamente pune nesta vida


e na vindoura os que se submetem passivamente aos gover-
nantes ímpios. Logo, tem-se não só a autoridade divina para a
desobediência civil de leis e magistrados ímpios, mas a certeza
de que a presença de Deus não se afastará dos que preferem
sofrer a pecar.
Entendendo isso, o grande Agostinho conclui que "uma lei
injusta não é uma lei" , o que quer dizer que as leis positivas
1

estabelecidas por autoridade meramente humana não podem


violar a lei moral (natural ou positiva) dada por Deus; caso
contrário, elas perdem sua própria autoridade e validez, deix-
ando de obrigar nossa consciência e levando-nos justamente a
desobedecer-lhes. É esse o caso do nosso texto. Os apóstolos,
tendo sido proibidos já pela segunda vez pelos líderes judeus
(com a coerção física das autoridades romanas) de pregar o
evangelho, respondem, à semelhança da primeira ocorrência,
que não era justo que ouvissem a homens antes de Deus, e
que era-lhes impossível não falar do que viram e ouviram (cf.
At. 4:19-20), já que foram comissionados pelo próprio Senhor
Jesus Cristo para pregarem a todas as nações (cf. Mt. 28:18-20).
Ora, se o ato de votação que nos exige o magistrado requer
por si só que pratiquemos algo que viola a santa lei divina,
somos pelo próprio Deus proibidos de votar nessas circun-
stâncias. Sabemos que a lei diz:

As eleições para Presidente e Vice-Presidente da Repú-


blica, Governador e Vice-Governador de Estado e do

1- Sobre a liberdade da vontade, Livro 1, § 5


II. VOTAR EM DIA DE SÁBADO É UM ATO IMORAL | 15

Distrito Federal, Prefeito e Vice-Prefeito, Senador, Depu-


tado Federal, Deputado Estadual, Deputado Distrital e
Vereador dar-se-ão, em todo o País, no primeiro domin-
go de outubro do ano respectivo. 2

Portanto, se, como se pretende fazer neste artigo, for


provado que o votar no dia do sábado cristão (como ordena a
lei) é uma violação da lei divina, temos um argumento moral
irrefutável contra o voto por todo cristão consciente de sua
própria fé. Logo, é dever desobedecer ao magistrado e à lei,
ouvindo antes a Deus, cuja autoridade suprema e absoluta nos
ordenou descansar no dia da ressurreição de nosso Senhor.

2-Disposições Gerais sobre o voto. Art. o, Lei N 9.504, de 30 de Setembro de 1997. Grifo
nosso.
III
O sábado é um
mandamento moral
O SÁBADO É UM
MANDAMENTO MORAL

A
luz da natureza nos ensina que há um único Deus,
o qual deve ser adorado conforme ele mesmo nos
ordena, exigindo de nós toda obediência que lhe
pareça apropriada, assim como excluindo toda invenção hu-
mana que não possua o selo da Sua aprovação. Para isso, faz-
se necessário separar uma certa quantidade de tempo, à parte
das ocupações comuns e civis que a sobrevivência e a vida em
sociedade nos exigem, a m de que o mesmo seja dedicado à
adoração do ser divino.
Caso contrário, estar-se-ia caindo no pecado do ateísmo
prático, contra o qual já admoestou o apóstolo ao falar sobre
alguns que, embora confessando conhecer a Deus com a boca,
negam-no por suas obras (cf. Tt. 1:16); e não seríamos muito
melhores do que aqueles que passam por um dia inteiro sem
fazer uma oração (nem antes e depois das refeições, tampouco
particularmente), sem ler as Escrituras ou cultuar a Deus com
suas famílias.
Que essa necessidade de separar um tempo especí co
para a adoração religiosa é um dever da moralidade natu-
ral, os próprios nomes dos dias da semana e dos meses dos
anos testi cam. Os pagãos, por mais que pervertessem a reve-
lação natural sobre a unidade e a natureza da deidade, ainda
compreendiam a necessidade de estabelecer tempos - manten-
do-se uma periodicidade - para cultuar aos seus deuses falsos,
e, portanto, deram nomes para os dias e épocas do ano de acor-
do com o ídolo que estava sendo venerado especialmente nos
templos naqueles tempos (não é de se espantar que o papismo
- que não passa de paganismo batizado - tenha feito o mesmo
18 | O VOTO E O DIA DO SENHOR

com seus santos). Outra clara evidência para a moralidade do


argumento reside no fato de ter sido colocado pelo Espírito
Santo no Decálogo, o resumo da lei divina, no qual nada tipi-
camente cerimonial entrou, contendo apenas mandamentos
morais; e em ter sido instituído ainda no paraíso - quando o
pecado não havia entrado no mundo - e não havia necessidade
de cerimônias que nos instruíssem no caminho da salvação.
Por mais que a necessidade de se separar um tempo
para o culto a Deus seja de conhecimento e equidade natural,
a proporção especí ca de tempo, bem como qual tempo em
si deve ser separado são de instituição positiva. Todo leitor
atento da lei de Deus sabe que, na dispensação legal do pacto
da graça, o dia separado por Deus para o santo descanso e o
ajuntamento solene de seu povo para adorá-lo era o sétimo dia
da semana. O direito divino de tal dia vem do ato criador de
Deus na primeira semana do universo: em seis dias, todas as
coisas vieram a existir pela Sua palavra; ao sétimo dia, Deus
cessa suas obras e as aprecia. Tal dia era próprio ao estado
de inocência original da raça humana, pois demonstrava a
soberania de Deus na criação, seu direito de propriedade sobre
o tempo e os recursos dos homens, bem como testemunhava
da bondade de tudo o que havia sido feito. O dia, porém, não
se tornou impróprio quando da introdução do pecado orig-
inal no mundo e da primeira revelação do evangelho sob as
sombras da lei. Ele adquire signi cado mais amplo ao mostrar
que Deus liberta seu povo do Egito espiritual e da escravidão
e tirania de Faraó (a saber, o diabo), dando descanso ao povo,
que foi graciosamente redimido. Trabalhar seis dias, para - ao
m da semana - descansar, também instruía os santos israeli-
tas a esperarem continuamente pela vinda do messias prome-
III. O SÁBADO É UM MANDAMENTO MORAL | 19

tido, ensinando-os que - mesmo depois de uma árdua sema-


na buscando cumprir todas as palavras da lei de Deus - só a
promessa do evangelho os poderia de fato dar o descanso eter-
no.
IV
O sábado continua no Novo
Testamento e foi alterado para
o primeiro dia da semana
O SÁBADO CONTINUA NO NOVO
TESTAMENTO E FOI ALTERADO
PARA O PRIMEIRO DIA DA SEMANA

C
om a vinda do messias, o seu ministério terreno e o
estabelecimento da igreja do Novo Testamento, há
uma mudança no dia, o que não aponta para uma
mudança na natureza divina (o que é impossível), mas uma
mudança na dispensação da providência e da economia da re-
denção para o seu povo.
O cordeiro morto desde toda a eternidade é, nalmente,
na plenitude dos tempos, imolado na história, cumprindo
todas as estipulações do pacto da redenção (cuja recompensa é
Seu reino mediatorial) e satisfazendo todas as profecias, tipos
e cerimônias da lei. A sua ressurreição marca o início de uma
nova dispensação e tipi ca a renovação da criação caída efetu-
ada por meio do pacto da graça - um novo ato divino garantin-
do o direito de se guardar agora o primeiro dia - na qual a
redenção nos dá a certeza de que podemos trabalhar por Deus,
sabendo que todas as promessas são sim e amém em Cristo,
o qual venceu a morte e o pecado por seu povo dando-lhes
completa redenção.
Assumir que um mandamento natural perderia sua apli-
cação positiva (sem a qual ele não pode ser cumprido na práti-
ca) é uma contradição moral, que lança dúvida sobre a pureza
do caráter divino. Certamente, nos quarenta dias que Cristo
permaneceu com os apóstolos após sua ressurreição, ele os
instruiu acerca da mudança de dia, o que é con rmado pela
Sua frequente aparição aos seus discípulos neste dia (cf. Jo.
20:19,24,26), o derramamento do seu Espírito no dia primeiro
(cf. At. 2:1-5), as coletas feitas para os pobres quando o povo
de Deus se reunia (cf. 1 Cor. 16:1,2), os sermões dos apóstolos
22 | O VOTO E O DIA DO SENHOR

e os encontros dos discípulos para orar e celebrar os sacramen-


tos (cf. At. 20:6,7), a superioridade da nova aliança (na qual
ainda nos resta um descanso, cf. Hb. 4:1-10), o fato de o apósto-
lo amado receber a sua revelação das últimas coisas neste dia
e de designá-lo de "o dia do Senhor" (cf. Ap. 1:10), além dos
vários tipos e profecias da velha aliança que apontavam para
a santi cação do primeiro ou oitavo dia (cf. Ez. 43:27, Num.
28:26 comp. Lev. 23:16).
Por essas razões, a santi cação do primeiro dia da semana
tem sido uma prática universal dos cristãos desde os tempos
apostólicos, sendo rejeitada apenas por grupos heréticos
e sectários, como alguns dos antigos (e também muitos dos
modernos) anabatistas (os quais rejeitam completamente o
sabatarianismo ou guardam o sétimo dia) e seitas de origem
recente.
V
As obras de necessidade
AS OBRAS DE NECESSIDADE

A
santi cação do primeiro dia da semana não im-
pede, porém, o bom cristão de realizar outras
atividades não diretamente relacionadas ao culto
público, particular e familiar, à instrução religiosa pela cate-
quese ou à meditação na obra e no ser de Deus. Sendo de insti-
tuição positiva, o mandamento não tem precedência em nossa
obediência sobre os deveres da moralidade natural: o amor, a
misericórdia, a necessidade e a justiça.
Caso o local de reunião de um grupo de cristãos fosse
achado em chamas durante o culto solene do domingo, seria
razoável ao pastor esperar que a benção apostólica fosse dada
para que, então, as chamas fossem controladas e os cren-
tes tentassem salvar seus bens e suas vidas? Não é justo que
fujamos de perigos e perseguições que nos sobrevém mesmo
em um dia santo (cf. Mt. 24:20)? Não foi o próprio Deus, que
criou o sábado e nele descansou, o mesmo que trabalha até
hoje, sustentando continuamente todo o universo pela palavra
do Seu poder (cf. Jo. 5:17, Hb. 1:3)?
Por isso, o messias em seu ministério terreno, por várias
vezes, curou, expulsou demônios e justi cou seus discípulos
coletando espigas no sábado (cf. Mc. 2:23-27, Jo. 5:1-15), pois
nenhuma observância religiosa pode nos impedir de exercer
a caridade para com o nosso próximo ou o nosso amor para
com Deus. Acaso não é o mesmo Deus que deu ambas as leis (o
sábado e o amor) ? Como podem elas então ordenarem coisas
1

contrárias entre si? Antes, o Senhor do sábado nos instrui que

1-Repetidas vezes, as Escrituras da verdade condenam homens que, simulando piedade,


mas permanecendo rebeldes contra Deus e hipócritas em seu íntimo, violam a lei natural,
pecando contra Deus e os homens, com a desculpa de que servem a Deus desse modo (cf. Mt.
15:1-9; 1 Sm. 15:19-23).
V. AS OBRAS DE NECESSIDADE | 25

o sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado


(cf. Mc. 2:27,28).
O tempo que legitimamente não é utilizado no culto a
Deus no dia de Cristo foi classi cado pelos teólogos como
pertencentes a duas categorias: as obras de necessidade e as
de misericórdia. Como nos diz o sr. Fisher, "as obras de neces-
sidade são aquelas que não poderiam ser previstas, e para as
quais não se poderia providenciar no dia anterior nem adiá-las
até depois do sábado" . Como exemplos, o mesmo eminente
2

comentarista cita fugir de um inimigo, apagar um incêndio


causado acidental ou propositadamente, manejar um navio
pelo leme (desde que o navio não lance âncora ou parta de um
porto) e outras coisas do gênero.
Fica claro, portanto, que qualquer evento previamente
marcado e possivelmente realizável em outro dia da semana
não se enquadra na classe de obras de necessidade. Ora, as
eleições ocorrem de modo planejado e podem ser realizadas
em outro dia da semana (como ocorre em vários outros países
do mundo), não havendo nenhuma razão especial pela qual
eleições devam ser realizadas no dia do Senhor. Logo, conclui-
se que votar no dia do Senhor não é uma obra de necessidade.

2- {The Assembly's Shorter Catechism Explained by Way of Question and Answer, p. 298,
Q. 36}
VI
As obras de misericórdia
AS OBRAS DE MISERICÓRDIA

A
s obras de misericórdia, por sua vez, são aquelas
que, não podendo ser adiadas nem adiantadas
apropriadamente, são necessárias para manter e
promover de maneira imediata, com o seu uso moderado, o
bem-estar físico e a saúde de homens e bestas. Coletas para os
pobres, alimento para os animais, lavagem corporal, refeições,
cuidado e administração de remédios aos enfermos são todos
atos legítimos de serem feitos no dia do Senhor.
Novamente, até uma criança reconhece que pressionar um
botão para escolher um candidato ou inserir uma cédula em
uma urna não é uma obra de misericórdia . 1

1- Alguém poderia objetar dizendo: "a lei a que tomamos exceção, a saber o quarto manda-
mento, é positiva; a lei que buscamos obedecer, todavia, é natural - a obediência aos magistra-
dos, derivada do quinto mandamento. Portanto, não estaríamos fazendo uma obra de neces-
sidade ou misericórdia, ainda mais quando o não votar permitiria a ascensão ao poder de
um governante mais ímpio, profano e imoral que os outros? Havendo um candidato cristão,
certamente, seria nosso dever votar".
Esse argumento funda-se sobre meias verdades, falsos raciocínios e pressupostos equivo-
cados, assim como as sugestões do diabo ao tentar Cristo no deserto. Uma análise calma do
argumento feita a partir dos princípios mais básicos da divindade há de mostrar o erro da
objeção.
Primeiro, o argumento confunde a obediência ao magistrado no sentido amplo, com a
obediência às leis impostas por este. O quinto mandamento ordena a obediência a todo magis-
trado legítimo, o qual é caracterizado por - constituído em conformidade com a lei divina
- decretar leis que reforçam a lei moral natural e a lei moral positiva já impostas por Deus,
podendo criar leis positivas (de autoria própria), que - quanto à sua forma - são moralmente
indiferentes, sem - contudo - violar materialmente nenhuma lei divina natural ou positiva.
Não sendo cumprido o último requisito, o decreto é ilegítimo e não precisa ser obedecido; pelo
contrário, deve ser resistido por todos os cristãos. A lei de eleições no domingo é claramente
positiva e de instituição humana. Contudo, como vimos, ela viola o quarto mandamento, que
- quanto à sua forma - é positivo e imposto por Deus. Desse modo, o con ito entre duas leis
positivas (o sábado e as eleições) é resolvido dando-se primazia à lei divina.
Ainda, as obras de necessidade e misericórdia são determinadas pela lei natural (elas
não mudam com tempos, lugares e culturas, mas se discernem pela própria luz da natureza,
encontrando sua justi cativa moral na natureza do ser de Deus e da do homem criado à sua
imagem); votar, por sua vez, é um decreto positivo factual e moralmente não necessário; logo,
votar não cria direito para obras de necessidade nem misericórdia. Portanto, votar não pode
ser obra de necessidade tampouco de misericórdia.
Depois, parece haver no raciocínio uma confusão entre causas e efeitos. Na providência
ordinária de Deus observa-se que, o que é atestado pela história profana e por aquela contida
no Volume da inspiração, governantes ímpios e tirânicos são dados como castigo dos pecados
28 | O VOTO E O DIA DO SENHOR

Ainda, obras de necessidade e de misericórdia devem


sempre ser feitas de maneira sincera, buscando-se entender se
- de fato - a sua imprescindibilidade é real e não ngida. Elas
devem ser realizadas buscando não se demorar desnecessari-
amente em sua realização, mas crendo que elas são úteis para
que nós e outros cumpramos o quarto mandamento, meditan-
do-se - durante o momento em que as fazemos - nas coisas

de um povo (ou seja, ordinariamente, não são os governantes ímpios que iniciam a rebeldia
de um povo contra Deus). Que tolice seria, então, violar o sábado cristão com o intuito de
apaziguar ira de Deus sobre o nosso povo! Faríamos o mal para que disso viesse o bem (cf.
Rm. 3:8)? Não está Ele nos provando se permanecemos longe dos seus estatutos ou se nos
arrependemos e obedecemos à sua lei?
Se nosso povo estivesse sendo sem motivo aparente a igido por magistrados perversos,
temos também amplo testemunho da Escritura e dos santos do passado de que Deus abençoa
os patriotas cristãos que se rebelam contra tiranos com o uso de armas, em tais casos (cf. Gn.
18:1-16; 2 Reis 18:7).
Por m, a ideia de que é possível votar em um candidato menos pior, ou até em um cristão,
como uma obra de misericórdia deixa qualquer estudante sério da moralidade cristã pasmo.
Sabe-se que os que governam sobre os homens devem ser justos, governando no temor do
Senhor (cf. 2 Sm. 23:3); entre os nossos candidatos que sequer professam a religião cristã, será
que encontramos ao menos um pagão ou in el iluminado em suas convicções morais, capaz
de manter alguma virtude cívica? Sendo assim, pode algum bom discípulo de Cristo escolher
um mal moral menor, quando o próprio mestre nos ensinou a orar pedindo que fôssemos
livrados de todo mal, mesmo dos menores (cf. Mt. 6:13)? Podemos escolher um mal menor
quando Deus se ira terrivelmente contra todo pecado - mesmo contra os pequenos - a ponto
de castigá-los com o fogo eterno? Não foi o mero comer de um fruto - que por si só era bom,
mas o comê-lo tornou-se mal pela ordem divina - o que trouxe toda miséria e morte sobre
nossa raça, ejetando-nos do paraíso? E iríamos nós buscar uma violação menor da lei de Deus
como um ato justi cável?
Quanto à ideia de que um cristão possa se candidatar e que votar nele seria uma obra de
misericórdia, respondemos que um cristão el e coerente - o único quali cado para ser um
magistrado (em uma terra iluminada pelo evangelho) - não se candidataria em uma eleição
que ocorresse em dia de domingo pelos motivos acima expostos. Mas, para que não nos
acusem de circularidade no argumento, acrescentamos que incorporar-se a um governo
ímpio, in ltrando ali cristãos que terão de manter as leis injustas - jurando delidade a elas -
com o objetivo de subvertê-las, não é um dever ou necessidade requeridos pela natureza (ao
contrário, tais atos são por ela reprovados; tal argumento se volta também contra a escolha de
um in el com visões mais puras de moralidade); portanto, votar não é obra de misericórdia.
O que consola o povo de Deus sob governos ímpios não é que um cristão disfarçado conspire
contra as instituições, mas que os corações dos reis estão nas mãos do Todo Poderoso de modo
que são inclinados para onde aprouver à Sua Providência (cf. Pv. 21:1); cabe a nós cumprir
a lei que nos foi revelada, deixando os resultados determinados no decreto de Deus serem
executados por meio do Seu governo soberano sobre o mundo (cf. Dt. 29:29). Logo, não há
justi cativa para votar em dia de domingo.
VI. AS OBRAS DE MISERICÓRDIA | 29

celestes e espirituais, de modo a santi cá-las como o dia exige.


Poderia algum bom cristão - mesmo que votar não fosse
uma violação do santo dia de Cristo - fazê-lo da maneira
correta? Entrar discretamente na cabine de votação, fugindo
de todas as tentações de dar atenção a propagandas políticas
ou discutir sobre isso com outros votantes, votar mantendo os
seus pensamentos no sermão ouvido pela manhã e - ao mesmo
tempo - evitar que alguma ação ou palavra sua faça outros
pecarem por desnecessários pensamentos sobre as ocupações
ordinárias de cada um? Será isso possível em um ambiente de
votação em um dia em que todos estão constantemente atentos
a assuntos políticos e civis? Não nos seria mais prudente fugir
das tentações (em conformidade com a sexta petição da oração
dominical), abandonando completamente esse ato e esses
locais, assim como ter misericórdia de irmãos mais fracos que
facilmente se distrairiam no dia do Senhor em tais circunstân-
cias? Não seria isso uma pedra de tropeço aos pequeninos de
Cristo (cf. Mc. 9:42)? Portanto, senão pelo quarto mandamento,
somos proibidos pela prudência e pela caridade a votar no dia
do Senhor.
VII
Conclusão
CONCLUSÃO

N
osso povo tem a lei natural escrita em seus
corações e, sem fazer injustiça à história, temos
também a luz da Escritura no que diz respeito ao
quarto mandamento (do que testi cam as várias cidades bra-
sileiras onde praticamente todo o comércio se fecha no dia do
Senhor). Não há, portanto, justi cativa de ignorância para nós
neste assunto.
Por outro lado, sabemos como o diabo em toda a história do
povo de Deus, sempre procurou destruir a correta observância
do domingo, buscando com isso dar m à toda religião prática
e, com isso, apagar das mentes dos homens a reverência devi-
da ao Senhor e às coisas santas. Particularmente, ele emprega
governantes ímpios para tal tarefa. Não foram os sanguinári-
os da revolução francesa os responsáveis por um calendário
com 10 dias na semana (no qual se perde toda a memória do
domingo)? Não foi o ímpio governo norte-americano que, por
boa parte do século XIX, manteve os correios funcionando
no dia do Senhor? Não foi Assuero - o déspota sem vontade
própria, que tipi ca o diabo - quem fez um banquete na cidad-
ela de Susã, na qual havia muitos judeus piedosos, durando 7
dias (de modo que não se podia participar dela sem se violar o
sábado, cf. Et. 1:5)? E vamos nós participar da "festa da democ-
racia" contra Cristo? Antes, lembremo-nos do mandamento,
como nos instrui a própria letra da lei, e oremos para que Deus
nos dê magistrados tementes a ele, que mantenham o sábado
santo, punindo seus infratores, como o piedoso Neemias (cf.
Ne. 13:15-22).
Doravante, sabendo que a lei humana nos ordena algo
contrário à lei divina, cabe-nos tomar a decisão consciente de
32 | O VOTO E O DIA DO SENHOR

a quem obedecer: se vamos estabelecer um papado civil, cred-


itando aos governantes, às instituições públicas e à constitu-
ição infalibilidade e submissão inquestionável, obrigando a
nossa consciência por princípio, ou se vamos preferir sofrer
a pecar, honrando a Cristo e tomando sobre nós o seu leve e
suave fardo.

Porque este mandamento, que hoje te ordeno, não te é enco-


berto, e tampouco está longe de ti. Não está nos céus, para
dizeres: Quem subirá por nós aos céus, que no-lo traga, e no-lo
faça ouvir, para que o cumpramos? Nem tampouco está além
do mar, para dizeres: Quem passará por nós além do mar, para
que no-lo traga, e no-lo faça ouvir, para que o cumpramos?
Porque esta palavra está mui perto de ti, na tua boca, e no teu
coração, para a cumprires. Vês aqui, hoje te tenho proposto a
vida e o bem, e a morte e o mal; Porquanto te ordeno hoje que
ames ao SENHOR teu Deus, que andes nos seus caminhos,
e que guardes os seus mandamentos, e os seus estatutos, e os
seus juízos, para que vivas, e te multipliques, e o SENHOR
teu Deus te abençoe na terra a qual entras a possuir.
Deuteronômio 30:11-16

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