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Ano IV
RESUMO:
Nos últimos anos diferentes grupos sociais conquistaram e ocuparam espaços sociopolíticos
no Brasil. Identidades foram afirmadas, diferentes expressões socioculturais passaram a ser
reconhecidas e respeitadas, que vem exigindo discussões, formulações e implementação de
politicas públicas que respondam as demandas de direitos sociais específicos. A Lei
11.645/2008, que determinou a inclusão da história e culturas indígenas nos currículos
escolares, possibilitará o respeito aos povos indígenas e o reconhecimento das
sociodiversidades no Brasil.
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Doutor em História Social (UNICAMP). Professor no Centro de Educação/Col. de Aplicação-UFPE/Campus
Recife. Leciona no Programa de Pós-Graduação em História/UFPE, no PPGH/UFCG (Campina Grande/PB) e no
Curso de Licenciatura Intercultural Indígena na UFPE/Campus Caruaru. edson.edsilva@gmail.com
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minorias (maiorias) sejam mulheres, ciganos, pessoas negras, idosas, crianças, portadoras de
necessidades especiais etc. reivindicam o reconhecimento e o respeito aos seus direitos!
Faz-se necessário, então, descontruir a ideia de uma suposta identidade genérica
nacional, regional. Questionar as afirmações que expressam uma cultura hegemônica que nega,
ignora e mascara as diferenças socioculturais. Uma suposta identidade e cultura nacional que se
constituem pelo discurso impositivo de um único povo. Uma unidade anunciada muita vezes
em torno da ideia de raça, um tipo biológico a exemplo das imagens sobre o mulato, o mestiço,
o nordestino, o sertanejo, o pernambucano, dentre outras.
Pois as ideias de uma identidade e cultura nacional escondem as diferenças sejam de
classes sociais, gênero, étnicas e etc. ao buscar uniformizá-las, negando também os processos
históricos marcados pelas violências de grupos politicamente hegemônicos. Negando ainda as
violências sobre grupos a exemplo dos povos indígenas e os oriundos da África que foram
submetidos a viverem em ambientes coloniais. Observemos ainda que as identidades nacionais
além de serem fortemente marcadas pelo etnocentrismo são também pelo sexismo: se diz o
mulato, o mestiço, o pernambucano, acentuando-se o gênero masculino.
É necessário, então, problematizar ainda as ideias e afirmações de identidades
generalizantes como a mestiçagem no Brasil, sendo um discurso para negar, desprezar e
suprimir as sociodiversidades existentes no país. Afirmar os direitos as diferenças é, pois,
questionar o discurso da mestiçagem como identidade nacional usado para esconder a história
de índios e negros na História do Brasil.
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esclarecidas.
A falta de um mapa atualizado com as populações indígenas no Brasil,
expressa o quanto a temática indígena necessita de investimentos em estudos (In: SILVA;
GRUPIONI, 1995, p. 56).
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ainda é recente. Por outro lado, os impactos da colonização europeia são constatados pelo
pequeno número de grupos indígenas ao longo do litoral brasileiro. Ampliando-se o mapa
veremos também uma maior concentração na região do Sertão entre Alagoas, Bahia e
Pernambuco, mais especificamente nas proximidades do rio São Francisco obviamente pela
proximidade da água em uma região de condições climáticas adversas, com secas periódicas.
O índio Gersem Baniwa (o povo Baniwa habita na fronteira entre o Brasil, Colômbia e
Venezuela em aldeias nas margens do Rio Içana e seus afluentes, além de comunidades no Alto
Rio Negro e nos centros urbanos de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel e Barcelos/AM),
Mestre e recém-Doutor em Antropologia pela UnB publicou o livro O índio brasileiro: o que
você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje, onde escreveu sobre as
sociodiversidades dos povos indígenas:
Desse modo, podemos concluir que não existe uma identidade cultural única
brasileira, mas diversas identidades que, embora não formem um conjunto monolítico
e exclusivo, coexistem e convivem de forma harmoniosa, facultando e enriquecendo
as várias maneiras possíveis de indianidade, brasilidade e humanidade. Ora,
identidade implica a alteridade, assim como a alteridade pressupõe diversidade de
identidades, pois é na interação com o outro não-idêntico que a identidade se
constitui. O reconhecimento das diferenças individuais e coletivas é condição de
cidadania quando identidades diversas são reconhecidas como direitos civis e
políticos, consequentemente absorvidos pelos sistemas políticos e jurídicos no âmbito
do Estado Nacional. (BANIWA, 2006, p. 49).
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Essa exigência deve ser atendida, com a contribuição de especialistas, a participação dos
próprios sujeitos sociais na formação de futuros/as docentes, na formação continuada daqueles
que discutem a temática indígena em sala de aula, na escola e que atuam na produção de
subsídios didáticos em todos os níveis. Sejam nas universidades, nas secretarias estaduais e
municipais. Só a partir disso é que deixaremos de tratar as diferenças socioculturais como
estranhas, exóticas e folclóricas. (Re)conhecendo em definitivo os índios como povos
indígenas, em seus direitos de expressões próprias que podem contribuir decisivamente para a
nossa sociedade, para todos nós.
Se a partir de suas mobilizações, os povos indígenas conquistaram nas últimas décadas
considerável visibilidade enquanto atores sociopolíticos em nosso país exigindo novos olhares,
pesquisas e reflexões, por outro lado, é facilmente contestável o desconhecimento, os
preconceitos, os equívocos e as desinformações generalizadas sobre os índios, inclusive entre
os educadores. Os preconceitos sobre os índios são expressos cotidianamente pelas pessoas. E
o mais grave: independe do lugar social e político que ocupem!
Sem dúvidas é no âmbito da escola/educação formal, em seus vários níveis, que se pode
constatar a ignorância que resultam em distorções a respeito dos índios. A Lei nº. 11.645 de
março/2008 que tornou obrigatório o ensino sobre a história e culturas indígenas nos currículos
escolares no Brasil, ainda que careça de maiores definições, possibilita a superação dessa
lacuna na formação escolar. Contribuindo para o reconhecimento e a inclusão das diferenças
étnicas dos povos indígenas, para se repensar em um novo desenho do Brasil em sua
sociodiversidades.
Passados mais de quatro anos da sua publicação, persistem vários desafios para
efetivação do que determinou a Lei 11.645/2008. É de fundamental importância, por exemplo,
capacitar os quadros técnicos de instâncias governamentais (federais, estaduais e municipais)
para o combate aos racismos institucionais. Mas, um grande ou o maior dos desafios é a
capacitação de professores tanto os que estão atuando, a chamada formação continuada, quanto
daqueles ainda em formação nas licenciaturas em universidades públicas e privadas, nos
diversos cursos de magistério. O que significa dizer que no âmbito dos currículos dos cursos de
licenciaturas e formação de professores, deve ocorrer a inclusão de cadeiras obrigatórias
ministradas por especialistas que tratem especificamente da temática indígena, principalmente
nos cursos das áreas das Ciências Humanas e Sociais.
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Como lecionar sobre os povos indígenas, quando é facilmente constatável que a imensa
maioria do professorado desconhece a população indígena no Brasil e no Nordeste que se
autodeclaram índios segundo os dados do IBGE/2010? Como tratar dos povos indígenas se no
senso comum e no ambiente escolar permanecem imagens de índios na Região Norte e no
Xingu, considerados índios portadores de uma suposta cultura pura em oposição aos indígenas
em outras regiões mais antigas da colonização, a exemplo do Nordeste, que tem suas
identidades sistematicamente negadas? São chamados de “caboclos” expressão bastante usada
principalmente a partir de meados do Século XIX pelos invasores das terras indígenas e
autoridades quando defendiam o fim dos aldeamentos e invisibilizando os índios da História?
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ALMEIDA, Maria R. C. de. Os índios na História do Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2011.
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BANIWA, Gersem dos Santos Luciano. O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os
povos indígenas no Brasil de hoje. Brasília: MEC/Secad/Museu Nacional/UFRJ, 2006.
CUNHA, M. C. da. (Org.). História dos índios no Brasil. São Paulo, Cia. das Letras, 1992.
FERREIRA, Maria Kawall Leal. (Org.). Ideias matemáticas de povos culturalmente distintos.
São Paulo: Global, 2002.
SILVA, Aracy Lopes da; FERREIRA, Mariana Kawal Leal (Org.). Antropologia, História e
Educação: a questão indígena e a escola. São Paulo: Global, 2001.
GRUPIONI, Luís Donizete Benzi; SILVA, Aracy Lopes da. (Org.). A temática indígena na
escola. São Paulo: Global, 2008.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro Zahar: 1986.
LIMA, Antonio Carlos de Souza. Um grande cerco de paz: poder tutelar, indianidade e
formação do Estado no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1995.
MACEDO, Ana Vera L. S.; NUNES, Ângela; SILVA, Aracy Lopes da. Crianças indígenas:
ensaios antropológicos. Rio de Janeiro: Global, 2002.
MONTEIRO, John M. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São
Paulo: Cia. das Letras, 1994.
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Sites:
BIBLIOGRAFIA
BANIWA, Gersem dos Santos Luciano. O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os
povos indígenas no Brasil de hoje. Brasília: MEC/Secad/Museu Nacional/UFRJ, 2006.
GOMES, Nilma L. A questão racial na escola: desafios colocados pela implementação da Lei
10.639/2003. In, MOREIRA, Antonio F; CANDAU, Vera M. Multiculturalismo: diferenças
culturais e práticas pedagógicas. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2008, p.67-89.
SILVA, Maria da Penha da. A temática indígena no currículo escolar à luz da Lei 11.645/2008.
In, Cadernos de pesquisa. São Luís, UFMA, v.17, nº 2, maio/ago. 2010, p. 39-47.
SILVA, Edson. Xukuru: memórias e história dos índios da Serra do Ororubá (Pesqueira/PE),
1959-1988. Campinas, UNICAMP, 2008. (Tese de Doutorado me História Social).
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