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Cosmovisão das
Religiões: Islamismo
2015
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Unidade 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
Origens do Islã: da Arábia Pré- Islâmica ao Profeta Maomé . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
Unidade 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
O Islã após Mohamed . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
2.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
Unidade 3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
Teologia, Mística e Questões Filosóficas do Islã . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
3.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
Unidade 4 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
Fundamentos e Pilares do Islã . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
4.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
4.3 As Fontes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
Unidade 5 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
Aspirações Sociais e Tendências Contemporâneas do Islã . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
5.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
Unidade 6 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
O Conflito Israelo–Palestino . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
6.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83
Atividades de Aprendizagem- AA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87
Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Islamismo
Apresentação
Caro (a) acadêmico (a), neste caderno didático apresentaremos a você o Islamismo, ou Islã,
nomenclaturas que utilizaremos ao longo do nosso estudo. Trataremos de uma das grandes re-
ligiões mundiais e, historicamente, a terceira grande religião monoteísta, ao lado do Judaísmo e
do Cristianismo.
Atualmente, o Islã vem sendo apresentado ao mundo pela mídia ocidental sob a imagem
do extremismo e do terrorismo. Atentados suicidas, opressão de populações inteiras por grupos
radicais, assassinato de jornalistas, de soldados e de adeptos de outras religiões, surgem diaria-
mente na mídia e transmitem a ideia de um Oriente Médio, berço do Islã, semelhante a um barril
de pólvora, povoado por fanáticos religiosos armados e dispostos a matar, movidos por uma reli-
gião assustadoramente sangrenta, que leva seus adeptos ao assassínio.
Não negamos que haja no Islã, assim como em todas as religiões, grupos fundamentalistas
que buscam levar ao extremo suas mensagens religiosas e, não raramente, acabam radicalizando
ou mesmo ultrapassando os limites éticos da própria religião que representam. Contudo, reduzir
todo um universo religioso à ação de um ou mais grupos que emergem da religião é ignorar os
seus fundamentos e sua diversidade; é desconhecer a cosmovisão religiosa, a sua história e os
seus pilares. No caso do Islã, há toda uma realidade social e cultural, um universo simbólico, as-
sim como uma tradição silenciada sob a imagem do terror que nos é apresentada, à medida que,
como disse Peter Antes (2003, p.21), “há uma falta de informação sobre o que os islã como rea-
lidade multifacetada representam”. Acresça a isso, a leitura enviesada feita por lentes ocidentais
“fundamentalistas”, que, por resistência cultural e outras, distorcem a visão integral desta belíssi-
ma religião.
Deste pensar, nos voltaremos para a origem histórica desta religião, capturando os seus fun-
damentos, vislumbrando as suas crenças, perscrutando os seus ritos e símbolos, no intento de
compreendê-los em seus significados. Abordaremos também sobre a presença e o impacto des-
ta religião no mundo, sua interferência na vida e na sociedade, no que tange a seus adeptos e
sobre o lugar assumido pelo Islã no mundo moderno. Traremos, ainda, dos conflitos que esta re-
ligião vivencia, em uma ótica imparcial, desprovida de estereótipos e preconceitos. Com o olhar
característico da Ciência da Religião, que investiga religião enquanto fenômeno, vamos desven-
dar esta, que é a mais jovem das três religiões monoteístas.
As autoras
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Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Islamismo
Unidade 1
Origens do Islã: da Arábia Pré-
Islâmica ao Profeta Maomé
Ângela de Santana Rocha Correia
1.1 Introdução
Caros acadêmicos, conhecer o modo de vida de um povo, em seu contexto geográfico, so-
cial, histórico e cultural, é fundamental para compreendermos a cosmovisão religiosa deste
povo, pois, como diz Mircea Eliade (1991, p. 27), “não existe fato religioso ‘puro’, fora da história,
fora do tempo”, uma vez que a concepção de mundo e de sagrado relaciona-se intrinsecamen-
te com as vivências humanas no tempo e no espaço. Por isso, nesta unidade, apresentaremos a
você o contexto histórico, social e cultural em que surgiu o Islã, a fim de que você compreenda
melhor a origem e os fundamentos desta religião. Começaremos pela Arábia pré-Islâmica, apre-
sentando a geografia, as relações sociais, os aspectos culturais e identitários do povo árabe no
período que precedeu o Islã. Abordaremos também as transformações no âmbito socioeconômi-
co e cultural que muito possivelmente ocasionaram a necessidade de um novo modo de organi-
zação, necessidade esta que encontraria uma resposta efetiva nesta religião.
GLOSSÁRIO
Península: Região
cercada de água, exceto
por um lado, que se
liga a outra região,
geralmente mais vasta.
(FERNANDES, 1994).
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UAB/Unimontes - 4º Período
Figura 3: Paisagem Foi mais precisamente o noroeste da península arábica, região árida, descrita por Hans Küng
típica da Arábia. (2004, p, 258) como “Uma terra que exige de plantas, animais e homens o máximo em dureza,
Fonte: Disponível em persistência e espírito de luta!”, que testemunhou o surgimento do Islã. Nesta região havia habi-
<http://goo.gl/4pSE0Y>. tantes de estilo de vida diversificado, desde povos nômades criadores de camelos, cabras e ove-
Acesso em 13 set. 2014.
lhas - conhecidos como beduínos - a agricultores estabelecidos nos oásis, além de comerciantes
e artesãos que viviam em pequenos vilarejos.
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Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Islamismo
Esses habitantes falavam diversos dialetos do idioma árabe e não apresentavam uma coe-
são sólida entre si. Não havia uma autoridade governamental centralizada e, sim, grupos diver-
sos, cada qual com a sua organização interna, nos quais a autoridade era concedida ao senhor
(sayyid), conforme suas qualidades pessoais e seu prestígio. Quanto à estrutura social, a única or-
ganização hierárquica era a nobreza, que consistia na descendência de antepassados de sangue
puro (NABHAN, 1996, p. 14).
Os beduínos, organizados em tribos lideradas pelos chefes de famílias, eram povos valentes
que, embora fossem a minoria da população, dominavam, juntamente com os comerciantes das
aldeias, sobre os lavradores e artesãos, fazendo prevalecer também o seu ethos. Caracterizavam-
se pela hospitalidade, lealdade à família e reverência aos ancestrais, mas também pela violência.
Por essa razão, a Arábia pré-islâmica costuma ser descrita, inclusive entre os mulçumanos, como
“uma terra rude, isolada e quase inteiramente voltada ao deserto” (NABHAN, 1996, p. 15).
◄ Figura 4: Caravana de
beduínos.
Fonte: Disponível em
<http://goo.gl/xwY1Q4>
Acesso em 08 set. 2014.
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UAB/Unimontes - 4º Período
Fonte: ARMSTRONG, Karen. Uma História de Deus: quatro milênios de busca do judaísmo, islamismo e Cristianismo.
Tradução Marcos Santarrita. Revisão da tradução Hildegard Feist. São Paulo: Companhia das Letras. 2008).
[...] o credo em um único Deus, em geral, não era novo na península arábica,
como teólogos islâmicos, muitas vezes, querem-nos deixar acreditar, desqualifi-
cando, em sua totalidade, o tempo antes de Mohamed como o tempo da igno-
rância (jahilyyah). De há muito tempo havia judeus (somente duas tribos judai-
cas moravam em Medina) e também cristãos de cunho diferente na região do
atual reino da Arábia Saudita. Em uma ampla pesquisa, Claus Shedl conseguiu
demonstrar como especificamente as passagens do Alcorão sobre Jesus contêm,
de maneira profunda, alusões e pensamentos defendidos no cristianismo orien-
tal e que, com certeza, não eram totalmente desconhecidos na região de Moha-
med. Assim, o profeta proclamou com sua mensagem algo que foi entendido,
com efeito, por parte de seu público. (ANTES, 2003, p. 38)
Vejamos no Box a seguir o que nos informa Mircea Eliade (1999) sobre o campo religioso da
Arábia no período anterior ao Islã:
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Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Islamismo
Fonte: (ELIADE, Mircea. Dicionário das Religiões / Mircea Eliade e Ioan P. Couliano; tradução Ivone Castilho Beneditti.
2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999).
DICA
Economicamente, a característica nômade dos “povos do deserto” contribuiu para fazer Para saber mais sobre a
da Arábia o “cenário de um sistema de relações econômicas internacionais” (NABHAN, 1996, p. história dos povos ára-
15) que, seguramente, lançaram as bases das profundas mudanças que ocorreriam na região. O bes no período anterior
deslocamento espacial em forma de caravanas, peregrinações ou feiras, favorecia um intenso in- ao Islamismo, reco-
tercâmbio comercial dentro e fora da península, o que possibilitava a emergência de grandes e mendamos a leitura na
íntegra da unidade I do
poderosos mercadores de caravanas, os quais constituíam repúblicas aristocráticas. Entre estes, livro Uma História dos
encontrava-se o clã dos qoraichitas, que, graças ao êxito no comércio, saíram da dureza do no- Povos árabes, de Albert
madismo nas estepes da Arábia para criar, na cidade de Meca (Makkah), localizada na rota entre Hourani (1994).
Damasco e a Mesopotâmia, um estado bem estruturado, centro internacional de comércio e fi-
nanças. Essa tribo vivia do tráfego de caravanas e da peregrinação à Caaba, santuário religioso
dedicado a várias divindades, que atraíam intenso movimento de pessoas e do qual os qoraichi-
tas se consideravam guardiães. Neste clã nasceria Maomé, aquele que, com sua doutrina, trans-
formaria o mundo árabe.
Para finalizar este tópico, não poderíamos deixar de mencionar que não somente o fio da
espada caracterizava os antigos árabes. Hourani (1994, p.27) nos fala também sobre uma identi-
dade cultural entre as tribos pastoris, manifesta em uma linguagem poética comum, a partir dos
dialetos árabes. Poemas que, originalmente, não eram escritos, mas recitados publicamente, de
modo que as palavras eram combinadas em arranjos capazes de expressar ideias e sentimentos
(falaremos mais sobre a poesia árabe na unidade III). Com uma linguagem formal, de gramática
e vocabulário requintados, a ode, ou qasida, poema de até cem versos, apresentando uma úni-
ca rima ao longo de todo ele, era a forma mais valorizada. Essas composições foram registradas,
mais tarde, por filólogos ou críticos literários, os quais, segundo Hourani, podem ter introduzido
nas produções novos elementos, estranhos aos poemas originais. Contudo, eles não deixam de
transmitir a essência da Arábia antiga. A transitoriedade da vida humana, o erotismo, a evocação
de um lugar ou de um amor perdido eram as principais tendências da poesia beduína. Certa-
mente, a veia poética do povo árabe forneceu a base cultural para a composição do Alcorão, livro
sagrado do Islã.
Esse povo valente e também sensível, que tinha a honra por princípio e o sangue como ga-
rantia, passou por importantes transformações sócio-históricas, e estas incidiram em suas neces-
sidades e interesses. Vejamos o próximo item.
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UAB/Unimontes - 4º Período
(ARMSTRONG, Karen. Uma História de Deus: quatro milênios de busca do judaísmo, islamismo e Cristianismo.
Tradução Marcos Santarrita. Revisão da tradução Hildegard Feist. São Paulo: Companhia das Letras. 2008.)
Figura 5: Arábia.
Fonte: Disponível em
<http://upload.wiki-
media.org/wikipedia/
commons/d/d2/Mosquei-
nAbuja.jpg> Acesso em
08 dez. 2014.
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Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Islamismo
Contextos assim clamam por reformas em todos os âmbitos da vida social e são terreno fér-
til para a emergência de figuras que se levantam em meio ao povo para apresentar novas pro-
postas. Podemos afirmar que, no contexto árabe do século VII, essa figura foi Mohamed (em por-
tuguês, Maomé), o profeta, que, falando em nome de Alá, lançou os fundamentos não somente ATIVIDADE
de uma nova religião, como também de um novo modo de vida. Embora ele não tenha sido o
Faça uma pesquisa so-
único profeta a se levantar naquele tempo, foi quem se sobressaiu com sua mensagem. Vejamos bre o contexto atual da
o que diz Peter Antes: Arábia, qual a situação
socioeconômica e cultu-
Acredita-se que a anunciação de Mohamed tenha satisfeito as principais expec- ral e qual o lugar da re-
tativas dos árabes durante a ruptura [...] Nessa ruptura, a anunciação de Moha- ligião nas comunidades
med não se deu sem concorrentes. Os historiógrafos islâmicos têm algo para árabes hoje. Discuta os
relatar sobre alguns deles: contemporâneo de Mohamed, o mais famoso foi Mos- resultados da pesquisa
saylima, pejorativa designação diminutiva para Maslama, que apareceu, entre os com seus colegas no
Banu Hanîfa in Yamâna (ANTES, 2003, p.32). fórum da unidade.
No próximo tópico, apresentaremos a você quem foi Mohamed, o que ele viveu, o que pre-
gou e qual foi a repercussão de sua mensagem no mundo árabe.
◄ Figura 6: A Trajetória
do Profeta: imagem
ilustrativa.
Fonte: Disponível em
<http://goo.gl/QL5A3G>.
Acesso em 17 nov. 2014.
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UAB/Unimontes - 4º Período
Mohamed começou a pregar no início do século VII, na cidade de Meca, uma doutrina ino-
vadora, que reclamava, além de uma fé obediente, também novos costumes e um novo modo de
DICA vida. Este mercador afirmava ter recebido a mensagem de um deus, Allah (palavra utilizada tam-
Segundo Huston Smith bém por judeus e cristãos de língua árabe para se referir ao divino), que, como dissemos na uni-
(1991, p. 219), a divinda- dade I, era um dos deuses locais. Allah teria se revelado ao profeta como criador do universo e da
de denominada Allah, humanidade e como único Deus, sem concorrentes: os demais deuses não passavam de ilusão. O
era cultuada em Meca mensageiro havia sido um anjo, e este anjo era Gabriel (o mesmo da cosmovisão judaica e cristã).
não como Deus Único,
mas como um deus de A mensagem divina estava gravada nas palavras de um livro santo e celestial, apresentado pelo
características impres- anjo a Mohamed juntamente com uma ordem: Recita! Era o chamado a proclamar a palavra divi-
sionantes, criador, na. Este livro era o Alcorão (a leitura por excelência, recitação), texto sagrado do Islamismo (veja
provedor e determina- mais sobre a história da revelação na unidade III).
dor do destino humano. Estabelecer com precisão a biografia de Mohamed é uma tarefa que não deixa de apresen-
Contemplativos da
época, chamados ha- tar seus desafios, visto que, como informa Albert Hourani (1994), além das narrativas próprias da
nifs, cultuavam somente tradição, oriundas da transmissão oral (e empenhadas em apresentar o profeta de forma idealiza-
Allah, e Maomé era um da, como um homem santo e de descendência nobre, porém o mais humilde entre os homens), a
deles. Em suas vigílias primeira obra biográfica conhecida foi escrita mais de um século após sua morte. O início da vida
noturnas, Maomé do profeta é, nas palavras de Hourani, a parte mais obscura na narrativa dos biógrafos.
refletia sobre a natureza
e a grandeza de Allah, Mohamed teria nascido por volta de 570 na cidade de Meca e, órfão de pai e mãe desde
que supunha maiores tenra infância, teria sido criado pelo avô paterno Abd Al Muttalib, líder de Meca. Após a morte
do que cogitavam os deste, passou a viver com o tio Abu Talib. Teria trabalhado no comércio de caravanas, ofício que
árabes. Dessas reflexões o levou a cuidar dos negócios de uma rica viúva, chamada Khadija, com quem se casou aos 25
teria o profeta chegado anos de idade, embora ela fosse quinze anos mais velha do que ele.
à conclusão de que
Allah era não o maior
entre os deuses, mas,
como indicava o nome
Allah (o deus), era o
único Deus.
Figura 7: O Imaginário
de Mohamed.
Fonte: Disponível em
<http://guiadoestudante.
abril.com.br/aventuras>
Acesso em 08 dez. 2014.
DICA
Segundo Peter Antes
(2003), a palavra Allah,
traduzida como “o
Deus”, também utilizado
por judeus e cristãos
árabes com este mesmo
significado, gera con-
trovérsias no mundo
islâmico atual, uma vez
que o nome “Deus” soa
um tanto vago, uma vez
que permite a forma
plural “deuses”, dando
margem a dúvidas so-
bre a que deus se refere,
enquanto Allah não
admite a forma plural,
podendo ser mais ade-
quadamente utilizado
como nome próprio.
Assim, muçulmanos
de alguns países não
árabes preferem utilizar
a palavra Allah para no-
mear o divino, ao invés Por volta dos quarenta anos de idade, diz a tradição muçulmana, algo transformador teria
da tradução “Deus”. ocorrido na vida deste homem: um momento epifânico, um encontro com o sagrado, que teria
deixado Maomé atônito, e a ordem de anunciar ao mundo uma nova lei e uma nova doutrina.
Enquanto meditava sozinho no monte Hira, nos arredores de Meca, Maomé teria sido interpe-
lado pelo anjo: seria a primeira de sucessivas visitas que, durante 23 anos, lhe trariam os funda-
mentos de nova doutrina, revelação iniciada a partir da mensagem imperativa:
18
Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Islamismo
◄ Figura 8: A Imagem de
Mohamed.
Fonte: Disponível em
<http://goo.gl/faCkmF>.
Acesso em 14 set. 2014
O conteúdo das revelações transmitidas pelo anjo a Maomé era, certamente, estremecedor
para aqueles que acolhiam sua mensagem e se tornavam seus seguidores:
Glossário
Preceitos: Normas,
O mundo ia acabar; Deus todo-poderoso, que criara os seres humanos, iria julgá regras de proceder,
-los a todos; os prazeres do Céu e as dores do Inferno eram descritos em cores doutrinas, ensinamen-
vívidas. Se, durante a vida, se submetessem à Vontade de Deus, podiam confiar tos, determinações,
na misericórdia d’Ele quando fossem a julgamento; e era Vontade de Deus que prescrições (FERNAN-
agora mostrassem sua gratidão com a prece regular e outras observâncias, e com DES, 1994).
benevolência e contenção sexual (HOURANI, 1994, p. 33).
19
UAB/Unimontes - 4º Período
Smith pontua três fatores que levaram à oposição à doutrina de Mohamed em Meca:
SMITH, Huston. As Religiões do Mundo: nossas grandes tradições de sabedoria. Tradução Merle Scoss. São Paulo:
Editora Cultrix, 1998. p. 222).
20
Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Islamismo
Portanto, em Yatrib Mohamed foi mais do que um profeta: assumiu também a função políti-
ca, administrativa e militar, definindo as bases da umma, a comunidade islâmica. Nesta, prevale-
ciam não os laços sanguíneos, ou seja, a vinculação tribal, mas a pertença à religião coletiva (cf.:
ANTES, 2003, p.41). Mohamed tornou-se, portanto, um estadista, papel que, conforme a tradição
muçulmana, desempenhou com maestria e humildade, mas também com pulso forte, quando
isso se fazia necessário para a manutenção da ordem e da justiça e para a proteção da comunida-
de. A integração entre vida religiosa e vida secular seria uma característica marcante do mundo
islâmico, com regras concretas e realistas para a convivência humana, baseadas em soluções prá-
ticas, inclusive para o cotidiano.
A influência secular e religiosa possibilitou a Mohamed unificar as heterogêneas e conflitan-
tes tribos de Medina em uma federação ordenada. Em seguida, o profeta empreendeu uma luta
pela unificação da Arábia como um todo. A primeira investida foi sobre Meca, enfrentando o seu
próprio povo, os qoraichitas, crente na permissão de Allah para dominar, inclusive por meio das
armas se preciso, aqueles que recusavam a verdade e a graça divina. Após seis anos de guerra
contra a tribo natal, Mohamed conquistou a cidade de Meca, onde entrou triunfante, mas paci-
ficamente, diz a tradição, sem oprimir os vencidos. Lá encontrou uma população rendida à sua
autoridade e disposta à conversão.
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UAB/Unimontes - 4º Período
Em Meca, Mohamed purificou a Caaba (templo cúbico antes dedicado à adoração de deu-
ses do panteão árabe), que acreditava ter sido construída pelo patriarca Abraão por ordem divi-
na, reconsagrou-a a Allah e adotou-a como foco central do Islã e centro de peregrinação mulçu-
mana. Após a conversão em massa da população de Meca ao Islã, o profeta retornou a Medina,
onde faleceu, em 632, ano 10 depois da Hégira.
ATIVIDADE Descrito pela tradição muçulmana como um homem meigo, gentil, puro de coração e ama-
O profetismo: é um do pelos seus, movido pelo senso de honra, dever e fidelidade (SMITH, 1991, p.218), Mohamed é
fenômeno comum em considerado pelos mulçumanos o “selo dos profetas”, pois acreditam que Deus, tendo se revela-
momentos de crise
social, quando a instabi- do aos homens sucessivamente através dos profetas, tais quais Abraão, Moisés e Jesus Cristo - os
lidade gera insegurança mesmos do Judaísmo e do Cristianismo respectivamente - escolheu Mohamed como último pro-
e, sob a ameaça do feta, portador da versão acabada da revelação divina. Por tudo isso, Mohamed é, para os segui-
caos, figuras carismáti- dores do Islã, uma referência única, o porta-voz divino por excelência. Vejamos o que disse um
cas surgem anunciando renomado pensador iraniano sobre o profeta:
ora a total destruição
ora a restauração da or-
dem por um ser divino. BOX 05 - REVERÊNCIA A MOHAMED
Como exemplo, citamos O Profeta, como fundador do Islã e mensageiro da Revelação de Deus para a humani-
os profetas de Israel
no período anterior e dade, é o intérprete par excellence do livro de Deus; e seus Hadith e Sunnah, suas sentenças
durante o exílio, Jesus e ações, são, depois do Corão, as fontes mais importantes da tradição islâmica. A fim de en-
Cristo durante o Império tender a importância do profeta, não basta estudar, de fora, textos históricos referentes à sua
Romano e, na história vida. Deve-se vê-lo também a partir do ponto de vista islâmico e tentar descobrir a posição
do Brasil, Jacobina no que ocupa na consciência religiosa dos muçulmanos. Quando, em qualquer língua islâmica,
período posterior á
guerra do Paraguai e alguém diz o Profeta, está se referindo a Muhammad – cujo nome como tal não é nunca repe-
Antônio Conselheiro tido a não ser que, como gentileza, seja seguido pela fórmula “sall’ Allãhu ‘alaihi wa sallam”, ou
na lendária revolta seja, “possam a bênção e a saudação de Deus estar sobre ele”.
de Canudos. Escolha
um desses exemplos NASR, Seyyed Hossein. O Profeta e a Tradição Profética: O ultimo Profeta e o Homem Universal. In: BARTHOLO, Jr.
citados e faça uma pes- Roberto. Islã: O credo é a conduta. Rio de Janeiro: Imago, 1990. p.64.
quisa sobre o contexto
social vivenciado na
localidade em que estes Não tendo realizado feitos miraculosos, a tradição muçulmana considera o Alcorão como
profetas atuaram, com- único milagre de Mohamed. Diz o islã que nenhum homem poderia formular frases em árabe
pare-os com o contexto com tamanha qualidade senão por intermédio divino; além disso, não era possível a um homem
vivido por Mohamed no
período pré-islâmico.
simples e praticamente analfabeto, como teria sido Mohamed, elaborar por si só um conteúdo
Em seguida, discuta de tão elevado conhecimento.
suas conclusões com Contudo, em um olhar para além das afirmações de fé, Peter Antes (2003, p. 36) afirma que o
os colegas no fórum da talento poético de um beduíno dispensava a aquisição da escrita. Além disso, este autor nos traz
unidade. a inquietude da controvérsia, para uma maior ponderação e discussão, ao afirmar que “Moha-
med foi estilizado por tendências distintas em uma imagem ideal”, de modo tal que houve um
esforço dos biógrafos do profeta em ressaltar o fato de ter sido ele um homem inculto, que não
sabia ler nem escrever, para, assim, ratificar a origem divina do Alcorão. Quanto ao conteúdo da
revelação, há, segundo Peter Antes (2003), uma teoria que aventa a possibilidade de o profeta ter
se baseado em saberes já difundidos no meio popular árabe, embora a mesma seja pouco cogi-
tada no meio científico e, logicamente, rechaçada pelos muçulmanos. Além disso, como aventa
Vasconcelos (2013), o Alcorão passou por um processo de compilação e canonização posteriores
à morte do profeta, o que dá margem a questionamento sobre a originalidade e autoria de todo
o seu conteúdo.
Estas são questões a serem consideradas e refletidas quando assumimos a posição analíti-
ca e nos distanciamos de qualquer parcialidade, como é característico da Ciência da Religião: a
figura do herói de um povo é um misto de realidade, idealizações, fatos e lendas. Tal é Mohamed
com sua simplicidade imbuída da sabedoria divina, assim como Buda e seu nirvana, Moisés e seu
êxodo acompanhado de grandes feitos, Jesus Cristo e seus milagres impressionantes, e tantos
outros que enlevaram e enlevam a esperança de milhares de seguidores ao longo dos tempos.
22
Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Islamismo
Na próxima unidade, falaremos a você sobre o período posterior à morte de Mohamed, com
ênfase na sucessão do profeta, causa do primeiro grande dissenso da religião e na formação do
império islâmico.
Referências
ALCORÃO. Mem Martins. Portugal: Publicações Europa-América Ltda, 2002.
ANTES, Peter. O Islã e a Política /tradução Frank Usarski. São Paulo: Paulinas, 2003. – (Coleção
Religião e Cultura).
ARMSTRONG, Karen. Uma História de Deus: quatro milênios de busca do judaísmo, islamismo e
Cristianismo. Tradução Marcos Santarrita. Revisão da tradução Hildegard Feist. São Paulo: Com-
panhia das Letras. 2008.
BERGER, Peter L. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. São Pau-
lo: Paulus, 1985.
ELIADE, Mircea. Dicionário das Religiões / Mircea Eliade e Ioan P. Couliano; tradução Ivone Cas-
tilho Beneditti. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
HOURANI, Albert. Uma história dos povos árabes. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
KÜNG, Hans. Religiões do Mundo: em busca de pontos comuns. Tradução Carlos Almeida Perei-
ra. Campinas-SP: Verus Editora. 2004.
NABHAN, Neuza Neif. Islamismo: de Maomé aos nossos dias. São Paulo: Ática, 1996.
23
UAB/Unimontes - 4º Período
NASR, Seyyed Hossein. O Profeta e a Tradição Profética: O ultimo Profeta e o Homem Universal.
In: BARTHOLO, Jr. Roberto. Islã: O credo é a conduta. Rio de Janeiro: Imago, 1990. p.64.
SMITH, Huston. As Religiões do Mundo: nossas grandes tradições de sabedoria. Tradução Merle
Scoss. São Paulo: Editora Cultrix, 1998.
VASCONCELOS, Pedro Lima. Metodologia de Estudos das “escrituras” no campo da Ciência da Re-
ligião. In. PASSOS, João Décio, USARSKI, Frank. Compêndio de Ciência da Religião. São Paulo:
Paullus. 2013.
24
Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Islamismo
Unidade 2
O Islã após Mohamed
Ângela de Santana Rocha Correia
2.1 Introdução
Após a morte de Mohamed, dois importantes fenômenos se observaram na história do Islã,
os quais abordaremos nesta unidade: o problema da sucessão do profeta, causa do primeiro cis-
ma na religião, e a formação do gigantesco império Islâmico. A questão da sucessão refere-se ao
impasse sobre quem deveria assumir o seu lugar à frente da comunidade religiosa que, por sua
vez, era também uma unidade política e administrativa. O profeta não havia deixado instruções
para o caso do seu falecimento (ANTES, 2003, p. 77), nem filhos homens que pudessem herdar
sua função. Como veremos, após a morte do profeta ocorreram acirradas disputas pela sua su-
cessão, que ocasionaram importantes rupturas no interior do islã. Pontuaremos dois grupos dis-
tintos que tiveram origem nesse período, em função do impasse sobre quem era o mais apto
ou o mais digno de assumir a umma: são eles os sunitas e os xiitas (muito conhecidos em nosso
meio graças à mídia, não é mesmo?). Falaremos sobre o posicionamento de cada grupo e a rivali-
dade, existente até os dias atuais, entre ambos. Em seguida, trataremos da expansão do Islã pelo
mundo, um processo de tal modo acelerado que, em menos de um século, já havia formado um
gigantesco império.
25
UAB/Unimontes - 4º Período
DICA
Os quatro primeiros cali-
2.2 O Problema da Sucessão do
fas são chamados califas
“corretamente guiados”,
por se pautarem no
Profeta
Alcorão e na sunna para
dirigir o estado islâmico. Conforme Hourani (1994, p. 39), na ocasião da morte do profeta, havia três grupos principais
Eleito por consenso postulantes à função de Khalifa (em português califa, palavra que significa sucessor): os primei-
pela umma, o califa, ros companheiros, que haviam acompanhado Mohamed na hégira; alguns homens importan-
assim como Moha- tes de Medina, que haviam feito aliança com o profeta; e os membros das principais famílias de
med, era líder tanto da
comunidade política Meca, recém-convertidas ao Islã. Colaboradores e líderes do profeta reuniram-se e escolheram
quanto da comunidade como primeiro califa um membro do primeiro grupo mencionado, Abu Bakr, companheiro da hé-
religiosa. Contudo, não gira em Medina e sogro do profeta, pai de Aisha, uma das esposas com quem Maomé se casara
era um profeta, tão após a morte de Khadija.
somente um guardião e O califado de Abu Bakr durou apenas dois anos, de 632 a 634, e foi sucedido por Omar (634-
transmissor da tradição
revelada por Mohamed, 644). Após a morte deste califa, começaram as secessões religiosas, com a formação de diversas
jamais um intérprete seitas. Isso ocorreu, sobretudo, porque partidários de um primo e genro de Mohamed, chama-
da mensagem divina, do Ali, casado com sua filha Fátima, defendiam que este, pelo laço de parentesco, deveria ser o
como foi o profeta. Des- sucessor do profeta. Contudo, em seu lugar foi eleito Otmã (644-656), aristocrata Da família dos
se modo, desprovido Omíadas de Meca, outrora adversários de Mohamed. Os partidários de Ali constituíram o grupo
de infalibilidade, estava
submisso ao Alcorão, dos Xiitas (palavra derivada de shi’at’Ali, que significa “partido de Ali”). Em oposição a este esta-
única autoridade doutri- va o grupo dos sunitas, aqueles que defendiam o califado mediante eleição pela comunidade
nal suprema após a (uma), independentemente do parentesco em relação ao profeta, de modo que o governo se
morte de Mohamed exercesse com base na sunna, o registro dos ditos e feitos do profeta, considerado a orientação
(KÜNG, 2004, p. 263), necessária para a condução do estado islâmico.
deveria comprometer-
se, perante a umma, A oposição xiita à eleição de Otmã foi de tal modo ferrenha, que este foi assassinado por par-
em obedecer aos tidários de Ali em 656 (ELIADE, 1991, p. 196). Contudo, Ali foi eleito califa por um consenso entre
mandamentos divinos os dois grupos e liderou a comunidade mulçumana entre 656 e 661, quando entrou em conflito
prescritos no livro e nele com um grupo dissidente do xiismo, os carijitas, que negavam o direito ao califado por parentes-
pautar suas ações, não co, defendendo um califado eletivo com base nas virtudes do aspirante, e acabou assassinado por
podendo ab-rogar suas
instruções, privilégio do eles. O califado passou então ao governador omíada da Síria, Moawia, que iniciou um sistema ba-
qual gozava o profeta. seado na sucessão hereditária, fundando assim a dinastia dos Omíadas de Damasco (661-750).
Durante o califado omíada, a comunidade islâmica se configurou como um império monár-
quico árabe. O segundo califa da dinastia omíada, Abd al-Malik, introduziu o árabe como língua
oficial da nação islâmica, substituindo o grego e islamizando, desse modo, toda a vida pública,
do direito às artes.
Glossário
Em 750, os Omíadas foram destronados pelos Abássidas (descendentes do tio do profeta
Multiétnica: Caráter do Ibn’Abbãs). Estes promoveram uma renovação no império, passando de uma base árabe para
que abriga pessoas de
diferentes etnias.
uma base islâmica, ou seja, ao invés de um império arabizado, estabeleceu-se um império mu-
Universalização: Tornar çulmano, com caráter de uma religião mundial. Desse modo, resolvia-se o crescente e conflitan-
universal, abrangente, te contraste entre os muçulmanos árabes e os muçulmanos não árabes, habitantes das regiões
generalizado, esten- conquistadas fora da península arábica. A nova capital foi transferida para Bagdá, uma cidade
der algo a tudo e/ou a multiétnica, o que, para Küng (2004, p. 268), sinalizava para uma concreta universalização do Islã.
todos.
O império Abássida durou dois séculos até entrar em decadência: fatores internos, como crise
do califado, revolta do exército, corrupção e queda da economia, levaram o império ao declínio.
Em 1258, com a conquista de Bagdá pelos mongóis, a dinastia abássida encerrou-se de vez e, jun-
to com ela, findou-se no islã o sinal de unidade universalmente reconhecida e baseada em uma
autoridade política central. Seguiu-se, então, a regionalização, pequenos estados desprovidos de
governo central, dominados por chefes militares, latifundiários, sultões (KÜNG, 2004, p.270).
O califado foi dissolvido por completo em 1924 (ANTES, 2003, p.78). Hoje, em muitos países
islâmicos, os chefes de estado, com seu partido unitário, representam o estilo de governo do cali-
fa, e a nação assume o lugar da umma. Outros estados são governados pelo emir (príncipe), com
base em lealdades tribais. Há ainda ditaduras militares com líderes carismáticos, além de monar-
quias e teocracias.
Como se pode entrever, ao contrário do que costumamos pensar, em nosso imaginário po-
voado pela ideia de um conjunto de países islâmicos governados por uma mesma lei, compar-
tilhando a mesma cultura, a mesma identidade, o mesmo arcabouço ideológico, político e reli-
gioso, o Islã está longe de ser um bloco monolítico. Rupturas e dissensos, diferentes ideologias e
interesses, diversos grupos, e dentro destes outros tantos subgrupos, tendências conservadoras
e modernizantes, tudo isto faz parte do heterogêneo universo muçulmano.
26
Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Islamismo
No próximo item, falaremos um pouco mais sobre os sunitas e os xiitas, ambos de grande
importância na história do Islã.
DICA
2.3 Divisões do Islã: Sunitas e Durante o império
Abássida, o Islã alcan-
Xiitas
çou o estágio que se
considera sua forma
clássica, caracterizada
pela universalidade da
religião e pela cultura
Para começar, saiba que os sunitas são maioria da população muçulmana até hoje e se carac- fundamentada sobre o
terizam pela, já por nós mencionada, defesa da manutenção da sunna (tradição do profeta), daí o árabe clássico, o estilo
nome Sunitas. Os Xiitas, minoria dos muçulmanos (10%),encontram-se hoje principalmente no Irã, de vida persa e a filo-
sofia e ciência gregas
Iraque e Líbano e, como informamos anteriormente, fundamenta-se na defesa de Ali e sua des- (KÜNG, 2004, p. 269).
cendência como legítimos sucessores de Mohamed. Os xiitas viram os três primeiros califas como
usurpadores dessa função. Tal diferença prevalece até os dias atuais. Saibamos um pouco mais.
Glossário
◄ Figura 12: Sunitas Sultão: Título que se
e Xiitas- imagem dava ao imperador dos
ilustrativa. turcos e a outros prínci-
Fonte: Disponível em pes asiáticos (FERNAN-
<http://i.ytimg.com/ DES, 1994).
vi/_e8O95QUWGA/ma- Teocracia: Governo em
xresdefault.jpg>. Acesso que o poder é exercido
em 20 set. 2014. pela classe sacerdotal
(FERNANDES, 1994).
DICA
O grupo dos sunitas teve origem entre aqueles que, na ocasião da morte do profeta, acre- A partir da queda do
califado, o islã expe-
ditavam ser possível resolver todas as questões da comunidade islâmica por meio do Alcorão e
rimentou uma cres-
da sunna. Desse modo, o sucessor de Mohamed, ou seja, o califa, poderia ser um autêntico repre- cente separação entre
sentante da comunidade, eleito, como dissemos, pela umma, não havendo para isso a exigência instituições estatais e
de pertencer à linhagem do profeta, e sim de ser um bom conhecedor do Alcorão e da sunna. religiosas. A autoridade
Já para os xiitas, a função de liderar o estado muçulmano deveria ser desempenhada pelo maior em assuntos reli-
giosos, bem como sobre
“imã” (líder, guia), e este só poderia ser um descendente direto de Mohamed, ou seja, o genro do
ética e direito, passou a
profeta e seus descendentes, os únicos autorizados a interpretar o Alcorão e a sunna. Este parti- ser representada pelos
do chegou a fundar, em 864, um estado à beira do mar Cáspio, governado no sistema de imana- ulemás, teólogos e ju-
do, que perdurou por quase três séculos (ANTES, 2003, p.96), conquistaram também o norte afri- ristas conhecedores do
cano, onde formaram a dinastia Fatímida (segundo a descendência de Fátima, a filha do profeta), Alcorão e da sunna. Em-
bora não substituam o
que durou até 1171, quando entrou em declínio.
soberano nos negócios
O triunfo dos califas, representantes do sunismo, acentuou a rivalidade entre os grupos e do estado, os ulemás
também as diferenças entre eles. Pontuemos mais uma dessas diferenças: enquanto os sunitas exercem, por meio da
reconhecem que o profeta Mohamed, enquanto ser humano, era passível de limites e defeitos, interpretação do texto
assim como seus sucessores, para os xiitas o imã é incompatível com o erro e o pecado, porquan- sagrado e do hadith,
forte influência sobre a
to recebe a inspiração divina para proteger a comunidade e conduzi-la à salvação. O califa pas-
vida religiosa e secular
sou a ser visto pelo xiismo como a personificação do mal, de modo que a luta pelo poder político (KÜNG, 2004, p.271).
entre o imã e o califa passou a ser identificada como a luta cósmica entre as forças da luz e as
forças das trevas (ANTES, 2003, p.96). Por outro lado, muitos xiitas, ou mesmo pessoas suspeitas
de xiismo, vistos como hereges, rebeldes e revolucionários, foram condenados e perderam suas
vidas sob governos sunitas (ANTES, 2003, p.103).
Estes grupos ainda vivem disputas no cenário político nos Estados muçulmanos, não rara-
mente em sangrentos conflitos de ambos os lados. Vejamos no box a seguir o caso do Iraque,
país com maioria xiita:
27
UAB/Unimontes - 4º Período
Contudo, é importante ressaltar que a violência não representa a posição política e religiosa
da maioria da população muçulmana, mesmo entre sunitas e xiitas, como às vezes as notícias
recorrentes sobre atentados terroristas, execuções e outros atos violentos nos fazem imaginar.
Exemplifiquemos com um posicionamento xiita sobre a divergência entre xiitas e sunitas.
Agora que aprendemos sobre a polêmica sucessão do profeta, origem desses grupos que vi-
mos ser tão antigos e, contudo, perduram até a atualidade, estando presentes em nossos noticiá-
rios desde o alvorecer deste século XXI, voltemos mais uma vez aos tempos do profeta Mohamed
para vislumbrar a extraordinária expansão do islamismo que, em um período de tempo relativa-
mente curto, formou um gigantesco império. Vamos ao próximo tópico!
A união de fatores religiosos e não religiosos pode ter contribuído para a rápida expansão
do Islã. Por um lado, a convicção religiosa, a consciência de missão em nome de Allah e o univer-
salismo implícito na doutrina islâmica imbuíam os muçulmanos de uma motivação especial e de
uma justificativa moral para as conquistas. Por outro lado, interessava mais aos califas a expansão
territorial do estado islâmico do que a própria difusão da religião. Ao ethos guerreiro do povo
árabe somava-se a política de colonização empreendida pelas elites de Meca e Medina, o caráter
voluntário das ligas que se lançavam à batalha, uma tática militar eficiente e, ainda, o enfraqueci-
mento de grandes impérios que, já em declínio, caíram facilmente sob os árabes. Contribuiu para
o sucesso das conquistas também as concessões feitas aos povos conquistados, como a cobran-
ça de baixos impostos e a liberdade religiosa (concedida a cristãos, judeus e zoroastrianos), o que
evitava revoltas contra os conquistadores (KÜNG, 2004, p. 263).
Os primeiros setecentos anos de existência foram, conforme Peter Antes (2003), uma fase
de franca expansão do islã, processo que apresentou um refreamento nos anos posteriores. Os
quatro primeiros califas, entre 632 e 661, conquistaram o Oriente Próximo do Irã ao Egito. Em
635, Damasco foi conquistada e, em 638, Jerusalém, Antioquia e Basra. Entre 637 e 650, foi con-
quistada a Pérsia, o Egito entre 639 e 642. Entre 661 e 750, os Omíadas de Damasco continuaram
a expansão para o leste, conquistando o Afeganistão, e, para o oeste, chegando à África do norte
e à Península Ibérica, que compreendia Portugal e Espanha (ELIADE, 1991, p. 197). Da India e da
fronteira da China, até o Himalaia e o território dos pirineus, houve conquistas do império mulçu-
mano. Acompanhe nos mapas o fluxo da conquista mulçumana.
29
UAB/Unimontes - 4º Período
dICA
Saiba mais sobre o islã
dos dias atuais, acessan-
do o site da fundação
“Amigos do Islã”, dispo-
nível em <http://www.
friendsislam.com/>. Esta
entidade dedica-se em
divulgar a cultura do Vejamos agora o que informa Peter Antes (2003, p. 74-75) sobre a presença do Islã no mun-
islã aos brasileiros. Visite do atual. Em seguida, confira o mapa.
também o site do cen-
tro islâmico brasileiro, BOX 09 - O ISLÃ NO MUNDO
no link <http://www.
centroislamico.com.br/ A respeito dos novos territórios, é preciso pensar, em primeiro lugar, no subcontinente
>. Lá você entrará em indiano-paquistanês, fortemente influenciado por uma arquitetura islâmica [...]. Apesar da di-
contato com o universo visão do subcontinente em Paquistão (mais recentemente, também Bangladesh) e Índia, vi-
do Islã a partir da ótica
dos próprios muçul- vem no norte da Índia hoje cerca de 100 milhões de muçulmanos. Além da Índia, o islã esten-
manos. É um exercício de-se à região do sul da Ásia, cujos países islâmicos contemporâneos mais importantes são
importante e necessário Malásia e Indonésia. Hoje, somente na Indonésia vivem mais muçulmanos do que em todos
verificar o que a religião os países árabes. Notícias de jornais sobre brigas religiosas nas Filipinas também nos lembram
diz de si mesmo, ou regularmente seus habitantes muçulmanos.
seja, como os seus
adeptos a veem, o que Na Idade Moderna, com os países da África situados ao sul do Saara, mais um continente
transmitem. caiu na esfera de influência do Islã. Lá, o número de muçulmanos cresce continuamente. As
relações dos muçulmanos da África negra com os países centrais islâmicos são normalmente
boas e sabe-se que, quando políticos africanos são mulçumanos, podem contar com o apoio
dos seus correligionários árabes. [...]
É preciso lembrar outras esferas de influência do Islã. Primeiro, nos países sucessores da
anterior União Soviética, há uma porcentagem considerável de muçulmanos que linguística e
ATIVIdAde culturalmente mostra uma forte relação ou com a Turquia ou com o Irã. Devem ser menciona-
Faça uma pesquisa dos também os muçulmanos na República Popular da China, embora atualmente seja difícil
sobre a presença do Islã receber informações confiáveis sobre eles. Os Black Muslims, nos Estados Unidos, têm, de cer-
no Brasil e discuta com to modo, uma posição especial. Finalmente, há que se falar do forte crescimento do número
seus colegas no fórum
de mulçumanos na União Européia. Na França, o Islã é a segunda maior religião, sobretudo
da unidade.
devido a imigrantes da Argélia e do Marrocos. O mesmo vale para a Alemanha, pelo grande
número de turcos. Na Grã-Bretanha cresce continuamente o número de árabes, paquistaneses
e indianos. Além disso, há cada vez mais asilados e refugiados, o que faz com que salte ime-
diatamente aos olhos o caráter oriental de certas cidades e de certos bairros
30
Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Islamismo
Referências
ANTES, Peter. O Islã e a Política /tradução Frank Usarski. São Paulo: Paulinas, 2003. (Coleção Reli-
gião e Cultura).
BERGER, Peter L. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. São Pau-
lo: Paulus, 1985.
ELIADE, Mircea. Dicionário das Religiões / Mircea Eliade e Ioan P. Couliano; tradução Ivone Cas-
tilho Beneditti. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
HOURANI, Albert. Uma história dos povos árabes. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
KÜNG, Hans. Religiões do Mundo: em busca de pontos comuns. Tradução Carlos Almeida Perei-
ra. Campinas-SP: Verus Editora. 2004.
31
Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Islamismo
Unidade 3
Teologia, Mística e Questões
Filosóficas do Islã
Maria Socorro Isidório
3.1 Introdução
Prezados acadêmicos, nesta unidade discorreremos sobre a teologia islâmica em suas do-
bras, ou seja, a concepção que esta religião tem de deus, da criação e do fim da vida. Também
vislumbraremos a sua face mística, em que o “desprendimento” mostra introspecção espiritual
profunda e transcendência. Voltaremo-nos também para a filosofia islâmica, que nos mostrará
uma racionalidade expressando um ethos de forma desveladora. Boa incursão.
33
UAB/Unimontes - 4º Período
A teologia islâmica tem no Alcorão o seu fundamento, pois, para os muçulmanos, este livro
é uma espécie de “encarnação do sagrado”, portanto, símbolo religioso máximo. De certo modo,
o livro foi a fonte desta religião, pois, de acordo com a tradição islâmica e fontes historiográficas,
antes de ele ser “revelado” a Mohamed, o povo árabe, em sua maioria, era politeísta e, ante os
judeus e os cristãos do país, se ressentiam de não terem uma “revelação”, um “profeta” e um “livro
sagrado”. O Alcorão lhes ofertou isso tudo.
Como você leu na unidade I, por volta do século VII da era comum (E.C.), a Arábia pré-islâmi-
ca não era uma unidade política, pois se achava fragmentada em vários clãs ou tribos indepen-
dentes, não compondo ainda “um povo” (nação); era politeísta, com um panteão de deuses inde-
pendentes e sem o cultivo de mitologia(s). Entretanto, na época havia um espaço sagrado com
certa hierarquia em relação aos demais, assim como “um deus” ali cultuado (uma unidade reli-
giosa se insinuava no espaço). Era um antiquíssimo templo, a Caaba (literalmente significa cubo
e simbolicamente, “Casa de Deus”; “Casa Sagrada”) construído em forma de cubo,assim como um
deus ali cultuado, denominado “Deus Alto dos Árabes”, cultivado por Maomé, que acreditava ser
Allah (o termo Al-Lah significava á época “o Deus”, pois Al referia-se ao pronome ‘O’ e Lah a ‘Deus’)
e o identificava ao deus adorado pelos judeus e os cristãos da Arábia (ARMSTRONG, 2008, p.180).
Apesar do ressentimento religioso, o árabe não se submeteria facilmente a nenhuma religião “de
fora”, que poderia se tornar um meio de dominação de um povo livre e com forte sentido de per-
tença local e valorização cultural, como veremos adiante. A este respeito, a autora abaixo traz o
seguinte:
34
Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Islamismo
BOX 11 - CAABA Figura 17: Mesquita
Caaba.
A Caaba é o local mais sagrado no Islã e é a qibla, a direção para a qual os muçulma- Fonte: Disponível em
nos de todo o mundo se voltam quando oram. Ela foi construída na cidade de Meca (Arábia <http://goo.gl/X8FFPn>.
Saudita) incrustrada no centro de uma bela Mesquita chamada Masjid al-Haram, ou a Grande Acesso em 25 ago. 2014.
Mesquita. O nome Caaba refere-se à forma de cubo, na língua árabe é ka’b. A Caaba é feita
de granito e tem 15 metros de altura, com as laterais medindo 10,5m por 12 m. É coberta por
um tecido preto de seda decorado com caligrafia bordada em ouro, conhecida como kiswah.
A entrada para a Caaba é feita através de uma porta com 2,13 metros de altura, na parede
nordeste. No interior o chão é feito de mármore e as paredes são cobertas com mármore à
meia altura entre o piso e o teto. Versículos do Alcorão são escritos em tabuletas inseridas no
mármore e a parte superior da parede interna é coberta com tecido verde decorado com ver-
sículos bordados em ouro. Lâmpadas estão penduradas em uma viga; também existe uma pe-
quena mesa para queimar incensos. Zeladores perfumam a cobertura do mármore com óleo
perfumado, o mesmo óleo usado para ungir a Pedra Negra do lado de fora. Numa das faces
externas da Caaba, presa a uma estrutura de prata, está a Hajar el Aswad, a pedra preta afixa-
da numa abertura em formato de elipse, que mede 20cm por 16 cm. A Mesquita de Al-Haram
(que acolhe a Caaba) só pode ser visitada por muçulmanos, no entanto, do ponto de vista ar-
quitetônico, histórico e cultural, é um lugar incrível para todos.
35
UAB/Unimontes - 4º Período
Você também leu na unidade I que, conforme a tradição e historiografia islâmica, em 610
Mohamed estava meditando em um monte (Monte Hira) quando sentiu uma “magnífica pre-
sença divina”. A tradição dispõe que um anjo lhe apareceu e ordenou: “Recita!”. As narrativas dão
conta de que Mohamed ficou perplexo com o fato e não recitou; o anjo insistiria sem êxito, até
que, na terceira tentativa, dá um “abraço arrebatador” em Mohamed, que, enlevado, solta as pri-
meiras palavras da escritura de uma nascente religião: “Recita em nome do teu Senhor que criou.”
(ARMSTRONG, 2008, p. 183). A partir deste acontecimento, uma parcela do povo árabe, até então
politeísta, passaria a ter uma “revelação divina”, um “profeta” e uma “Escritura Sagrada”, pois: “A
palavra de Deus fora pronunciada pela primeira vez em língua árabe, [lançando raiz para uma Es-
critura que seria nominada de] [...] Qu’ran (Corão): a Recitação”. (ARMSTRONG, 2008, p.183). Desse
modo, a língua árabe foi um fulcro para a religião monoteísta dos árabes. A partir deste evento,
Mohamed seduziria os árabes para o encanto e poder destas palavras iniciais, que se cristaliza-
riam em uma poderosa devoção religiosa.
Este tipo de experiência religiosa, que expressa sentimentos ambíguos (de fascínio e de ter-
ror) frente a algo desconhecido (um “mistério”), foi estudada por Rudolf Otto (1869-1937), ale-
mão erudito em religiões, que desenvolveu uma exuberante teoria sobre o sagrado, termo que
o autor designou por numem. Otto explica que, quando o homem religioso passa por uma expe-
riência em que se sente “arrebatado” por uma “presença sagrada”, pode desencadear uma reação
de supressão do “eu” e um sentimento de ser criatura, pois o ser fica como que anulado (OTTO,
2007, p. 45). Este sentimento de ínfima criatura ante a grandeza do divino/sagrado impulsiona
o ser ante o “mistério tremendo e fascinante”, em que o “mistério” seria a “forma” apresentada à
consciência (por mais que esta forma não seja apreensível racionalmente e/ou visivelmente, seria
uma “imagem” possível de o sagrado “se apresentar”; pode ser uma “sarça ardente”, uma brisa, um
pássaro...); a sua substância qualitativa seria o “tremendo” _ o espantoso, que suscitaria sentimen-
tos ambíguos de deslumbramento e medo; e o “fascinante”, a essência que atrai e cativa, encan-
tando o sujeito.
Essa experiência religiosa arrebatadora vivida por Mohamed, assim como outras, foi sendo
informada e registrada aos seus companheiros não só em base espiritual, mas também cultural,
espelhando o ethos do árabe de valorização da palavra, pois: “A vida da tribo era regulada pelo
direito consuetudinário ou a prática dos antepassados, cuja autoridade advinha da veneração ao
passado, e encontrava a sua única sanção na opinião pública” (CORREIA, 2009, s/p.).
Em uma contextura de oralidade (na Arábia pré-islâmica), a poesia brotava do horizonte nô-
made, cuja paisagem desértica e inóspita inspirava o árabe a materializar e eternizar, em palavras
e metáforas, a sua existência. A palavra era um valor em uma sociedade “sem escrita”, fragmenta-
36
Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Islamismo
da politicamente, mas reforçada por laços tribais. Nesse contexto, o poeta, orador por excelência,
e um narrador sensível do ethos árabe, seria uma autoridade cuja poesia, em sua riqueza de for-
mas e imagens, apresentava o povo e o seu modus vivendi, conforme anota Correia:
O poeta, sha^ir, “ressentir”, tinha uma importante condição social na tribo, entre
a figura do Sheikh e do Kahin, que considerava os seus poemas parte do patri-
mónio. É a ele que está entregue a memória da tribo, e os seus versos prece-
diam e selavam guerras, desencadeavam-nas ou evitavam-nas, tal era o poder
da palavra. A poesia tinha também uma função social, ora a dizer bem da tribo,
realçando a coragem, a nobreza e a generosidade dos seus elementos, ora a dizer
mal do inimigo, apontando-lhe características como cobardia, avareza e falta de
nobreza. A transmissão destes poemas era oral e esta realidade reflecte-se na
existência de fórmulas de locução próprias da oralidade (CORREIA, 2009, s.p.).
A poesia pré-islâmica reunia os árabes em feiras culturais (festivais de poesias com excitan-
tes concursos e premiações) em que se realizavam toda sorte de transações, instituições e esta-
belecimentos das coisas, alianças e coesão social. A palavra poetizada e a oralidade dinamizavam
os laços, a identidade e o sentimento de pertença cultural. Era uma ágora (assembleia) árabe, em
que se trocavam principalmente significados. A palavra era uma instituição. Sobre a importância
da palavra, a autora acima traz o seguinte:
[Nos festivais de poesias]… Não importava o que se dizia, mas sim como, a qasi-
da [poema] era em si o objecto, não o meio. A palavra era a arma, muitas vezes
mais forte do que a espada. Os versos dos poetas tanto podiam causar inimiza-
des entre as tribos como celebrar alianças entre elas. [...]. A poesia pré-islâmica
era uma poesia formal em que a arte de discursar em versos não se aplica aos
pensamentos, mas sim às palavras. “As palavras constituem o objecto principal,
enquanto os pensamentos são simples acessórios”. Os árabes tinham uma língua
rica e os poetas eram os senhores da arte de bem falar. Foi a esta época que os
poetas posteriores foram buscar vocabulário e a forma da qasida (poema) que
significa “dirigir-se a alguém” ou recitar. [...] O lugar onde se recitava o poema
chamava-se Samar, onde os beduínos, junto ao fogo e debaixo das estrelas, dis-
cutiam os acontecimentos do dia e recordavam o passado através dos relatos e
assim celebravam os seus triunfos (CORREIA, 2009, s.p.).
Figura 19: Reunião cultural Árabe. Figura 20: Reunião cultural Árabe
Fonte: Disponível em <http://www.spongobongo.com/ Fonte: Disponível em <http://www.spongobongo.com/
37
src9915.jpgh>. Acesso em 26 ago. 2014. src9915. jpgh>. Acesso em 26 ago. 2014.
UAB/Unimontes - 4º Período
Esse valor da palavra se nota numa teologia que tem no Corão a referência máxima sobre a
divindade, pois nele Allah “fala de si” e também de como os sujeitos religiosos devem ser, mos-
trando que “a natureza essencial do próprio Islã _ a revelação de palavras, e, portanto de ideias
e conhecimento_ tornavam imperativo que os que buscavam submeter-se à Vontade de Deus
buscassem o conhecimento e refletissem a respeito” (HOURANI, 2001, p. 77). Temos no islã uma
teologia em que razão e fé se entrelaçam, mostrando o caminho e a forma que tomou a “revela-
ção” islâmica a partir do Corão. O excerto abaixo ilustra o valor do livro:
Caros acadêmicos, nesta seção abordaremos aspectos teológicos importantes do islã, que
são muito parecidos com os do judaísmo e do cristianismo, religiões monoteístas e abraâmicas.
Com este intento, voltaremo-nos aos quatro conceitos mais relevantes da teologia islâmica, que
são: Deus, a Criação, o Ser Humano e o Dia do Juízo, buscando desdobrá-los e entendê-los em
chave científica. Vamos então, juntos, adentrar ainda mais neste fascinante universo religioso do
povo árabe.
DEUS
38
Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Islamismo
Portanto, o mundo da vida árabe, das experiências cotidianas, de luta, sobrevivência e cria-
ção de sentidos, foi quem abriu os véus da invisibilidade ordinária e extraordinária do Cosmos.
Mas o mulçumano tem em mente que este mundo da matéria e da espiritualidade (do sagrado
e do profano), foi Allah quem criou, pois, no Alcorão, ele diz poeticamente: “Eu era um tesouro
escondido; quis ser conhecido. Assim, criei o mundo para me tornar conhecido” (ARMSTRONG,
2008, p. 197).
Outro aspecto muito importante da teologia islâmica é a noção da unidade de Deus. O mu-
çulmano tem uma sólida convicção de que Allah é uma realidade única e última. De acordo com
Armstrong (2008), para o muçulmano, a unicidade de Allah é irrefutável, sendo distinto de toda
realidade, único em sua divindade e superioridade (portanto não poderia “gerar” um filho, como
na doutrina da Trindade, duramente criticada pelo muçulmano), pois é “a Causa Incausada de
todo ser” (ARMSTRONG, p. 197).
Essa unicidade pode ser constatada no shahadah islâmico, a profissão de fé mulçumana,
“Atesto que não há Deus senão Alá e que Maomé é o seu profeta” (ARMSTRONG, 2008, p. 198).
Para estes religiosos, não se trata de apenas afirmar (literalmente, ritualmente, etc.) essa unicida-
de divina, mas reconhecer profundamente, “organicamente” e existencialmente o fato, num sen-
tido amplo, em que o eu, profundamente integrado à divindade, seria uma forma de vislumbrar
esta convicção.
Qual a imagem deste deus único e verdadeiro? Como o muçulmano pode vislumbrá-lo, ao
menos? Para o muçulmano, pela sua transcendência divina, pois Allah é impessoal e só se fala
dele através de parábolas; é invisível e só se pode vislumbrá-lo através de sinais da natureza, tor-
nando assim o mundo todo, uma epifania em que se veem as imagens e formas da Criação ao
mesmo tempo em que o criador. É o que discutiremos melhor no próximo ponto.
39
UAB/Unimontes - 4º Período
O DIA DO JUÍZO
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Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Islamismo
Neste dia cataclísmico, a alma estará sozinha consigo mesma e por ela ninguém poderá in-
terceder, seus atos em vida serão apresentados à sua consciência e cada alma julgará a si própria.
A sentença será executada conforme os merecimentos de sua ação no mundo. Aqueles que, em
vida, foram penitentes e submissos a Allah serão encaminhados ao paraíso celeste, aqueles que
se deixaram seduzir pelas maléficas tentações de Satanás e não se arrependeram, serão atirados
no inferno juntamente com Satã, onde um fogo que jamais se apaga lhes consumirá a pele por
toda a eternidade. Essas imagens amedrontadoras, interpretadas como alegóricas por muçulma-
nos mais liberais, causam temor à medida que são compreendidas literalmente pela maioria dos
fieis. A este respeito, comenta Huston Smith:
Smith (1991, p. 233) assevera que é perante esse quadro inexorável que o Alcorão se apre-
senta como uma oportunidade para valorização da vida e uma escolha “única e para sempre”. O
homem é dotado de liberdade e da inteligência para fazer suas escolhas conforme desejar. Po-
tencialmente apto a fazer tanto o bem quanto o mal, o homem se torna culpado e o único res-
ponsável quando se apropria desta potencialidade para cometer delitos (ANTES, 2003, p. 68). Por
isso, o homem deve estar ciente da recompensa futura que estará angariando, conforme o bem
ou o mal que fizer.
41
UAB/Unimontes - 4º Período
Praticamente todas as religiões têm divisões internas e linhas de pensamentos que diver-
gem muitas vezes do “institucional”, originando cisões e grupos com experiências diversas e li-
berdade religiosa. A mística religiosa expressa uma tendência espiritual que, muitas vezes, entra
em choque com o institucional, caracteriza-se pelo desprendimento do que se considera munda-
no e pela busca por uma maior aproximação com o transcendente ou divindade. Em seu aspecto
prático, essa mística:
Trata das relações e dos deveres do homem para consigo mesmo, para com Deus
e para com o universo. [...] Na concepção mística, o homem, por sua natureza, é
um ser bom e luminoso, o qual se afastou da Fonte de Luz, caindo nas armadilhas
terrenas. Aspira incessantemente a elevar-se ao mundo superior e a voltar para
sua origem. Mas a natureza e seus fenômenos o aprisionam, mostrando-lhe o
existente de, não de acordo com a verdade. O homem deve, portanto, adquirir
olhar agudo e penetrante para perceber a realidade das coisas, aproximando-se
da Fonte do existente e anulando-se nela. A isso dedica-se a mística na parte
prática. Ela diz ao homem como agir, como percorrer as várias etapas da perfei-
ção espiritual, quais mestres e quais seguir e como pôr em prática as próprias
capacidades potenciais. Desse modo o homem poderá entrar em empatia com
o que é objeto do seu desejo e aproximar-se da Divindade, atingindo a fase da
união (BORRIELLO, 2003, p. 727).
Este tipo de postura e prática também é encontrado no seio do islã. As suas divisões históri-
cas são, como vimos, os sunitas, compreendendo 87% dos muçulmanos e que se encontram no
Oriente Médio, Turquia e África; e os xiitas, compondo uma minoria que se agrupa mais no Irã e
no Iraque. Além desta divisão histórico-geográfica, Smith (1991) aponta uma divisão vertical, en-
tre os místicos do Islã, composta pelos muçulmanos piedosos, mais “soltos” em suas práticas e os
sufis, de várias ordens.
O termo sufi deriva de lã (suf ), e refere-se às roupas grossas e simples de lã usadas pelos
ascetas muçulmanos, os sufistas, também referidos como faquir, termo que significa “pobre”. Em
sua origem, tais trajes despojados expressaram uma indignação frente ao luxo dos cetins dos ca-
lifas e aos rumos que tomava o islã após a morte de Mohamed. No pensamento destes místicos,
o muçulmano teria se deixado absorver pelos problemas cotidianos, afastando-se da essência
islâmica e voltando-se apenas para seguir correta e obrigatoriamente a Lei Divina, pois, no fim,
as recompensas seriam iguais para todos; os sufistas discordam, pois eles não queriam “só” re-
compensas, mas um encontro profundo com Allah aqui e agora. A realização desse desejo exigia
métodos e práticas especiais e, para desenvolvê-las, havia um mestre espiritual que guiava os
iniciantes, formando círculos que, a partir do século XII, gerou várias ordens sufis. Apesar de le-
varem uma vida normal como os mulçumanos, os sufistas ensejam alcançar Deus diretamente.
Nessa esteira, o conceito de divino foi se alterando, pois os sufis começaram a crer que Deus era,
acima de tudo, um Deus amoroso e aberto com quem o homem podia alcançar uma união místi-
ca. Esse pensamento parecia contrastar substancialmente com a ideia de Deus como o juiz duro
e inacessível, a quem o homem deve se submeter sempre.
Por isso, em seus exercícios ritualísticos, de entrega total a Allah, pregavam: “um indivíduo
que não conhece o fogo, [...] poderia vir a conhecê-lo pouco a pouco: primeiro ouvindo falar do
fogo; depois, vendo o fogo; e finalmente sendo queimado pelo calor do fogo. Os sufis queriam
ser “queimados” por Deus.” (SMITH, 1991, p. 249). Para tal, os sufistas deveriam se aproximar de
Deus e, com esse intento, desenvolveram rotas como a extática (êxtase, literalmente, “ser arre-
batado para fora de si mesmo”- ver Box 13). A principal metáfora dessa linha foi uma lendária
“Jornada Noturna do Profeta pelos sete céus chegando à presença divina” (ver Box 12). Os sufis
extáticos buscam alcançar a visão que Mohamed alcançou naquela noite. Desenvolveram técni-
cas de total abstração de si mesmos a ponto de não se atentarem para quem são, onde estão ou
o que acontece ao redor. Smith (1991) coloca que, no jargão psicológico, ocorre uma espécie de
“dissociação” do eu e perda de consciência do mundo. O sentimento informado nestes estados é
que a vontade pessoal fica em suspenso e uma vontade superior assume o domínio.
42
Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Islamismo
43
UAB/Unimontes - 4º Período
dAnÇAndO eM ÊXTASe
Conforme já observado, o sufismo islâmico possui várias ordens com propósitos semelhan-
tes, que é chegar à presença de Allah. Bowker (2002) enfatiza que as diferenças são uma questão
dICA de ênfase. A música (sama) e a dança (hadrah, “presença” e imarah, “plenitude”) são meios de es-
Para um aprofunda- vaziamento da pessoa, para ser preenchida por Allah. Ainda, pela música e pela dança rodopian-
mento sobre religião e te, ocorre de os sufistas alcançarem um estado de aniquilamento de si (sentem-se “fora de si”) e
dança; religião e música elevação à presença de Allah, não necessitando esperar pela morte para terem esta experiência
e religião e expressões de contemplarem o seu deus e se extasiar em sua pura presença.
corporais, ver o texto
“Música e experiência
do Sagrado”, In, Aldo
entre a Fé e a Razão
e religiões. São Paulo:
Paulus. 2004 e o texto
“expressões corporais
e religião”, In, João
Décio Passos e Frank
Usarsk (org.) Compêndio Religião e Filosofia travam diálogos desde tempos remotos, com diversificados olhares e fa-
de Ciências da Religião. las (que podem ser empáticos ou não). No Ocidente, as religiões abraâmicas_ judaísmo, cristia-
São Paulo: Paulinas,
nismo e islã_ arvoraram frondosas teologias em fusão com a filosofia. Em outras paisagens do
Paulus. 2013.
mundo, e em outras religiões, ocorreu o mesmo fenômeno: o olhar religioso no espelho íntimo e
reflexivo da filosofia.
Até então, princípios do século IX (III da Hégira), nos territórios do império árabo-
muçulmano, a filosofia, à semelhança das ciências naturais e exactas, era apaná-
gio dos não-muçulmanos, sejam eles de língua grega, siríaca, persa ou mesmo
44
Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Islamismo
Hourani (2001) também ressalta que, entre os séculos II e IV islâmicos (relativos aos séculos
VIII ao X Ocidental), a Arábia tinha um espírito aberto aos conhecimentos de outros povos, o que
promoveu um florescimento científico e filosófico, revelando o caráter sincrético do Árabe e o
horizonte do seu espírito, pois:
Quaisquer que fossem suas origens, a ciência foi aceita sem dificuldade na cultu-
ra e na sociedade expressas em árabe: [...] o matemático al- Khwarazmi escrevia
sobre o uso de números indianos _os chamados arábicos_ em cálculos matemá-
ticos. Essa mistura de elementos é significativa. [...] califas abácidas juntavam as
terras do oceano Índico e do Mediterrâneo numa única área comercial, também
as tradições gregas, iranianas e indianas eram reunidas. [...] os astrônomos torna-
ram-se os monitores do tempo, fixando as horas da prece e muitas vezes das ob-
servâncias rituais; os médicos eram em geral respeitados e podiam ter influência
sobre os governantes (HOURANI, 2001, p. 92).
Apesar dessa mente aberta à pluralidade cultural humana, a filosofia islâmica se arvorou em
solo cultural árabe com profundas e fortes sementes do islã. Isso se evidencia na dificuldade de
conciliação entre as doutrinas islâmicas e o racionalismo grego, que postulava que o “desenvol-
vimento” e “uso correto” da razão assegurariam o conhecimento do Universo e o seu (desejado)
domínio. Frente a isso, qual seria a posição da filosofia no quadro islâmico do saber? Quais eram
as suas áreas de reflexão filosófica? Vejamos:
Vemos aí um entrelace entre filosofia e teologia, e o uso da razão como meio colaborativo e
coerente na vida intelectual e espiritual do muçulmano, o que deixa entrever que, no ethos árabe
(leia-se islâmico), “a razão do Mundo” está na “palavra revelada” e na verdade indubitável do islão,
colocando limites na filosofia grega, como observa Sidraus neste excerto: A falsafa (filosofia) foi
um lugar de reflexão e de re-elaboração do pensamento helênico, no quadro duma sociedade
inspirada por uma religião monoteísta e universalista que se apresenta como “revelada” – o isla-
mismo. (SIDRAUS, 2001, p. 25). Porém, é importante pensar que a filosofia árabe não surge para
fazer defesa religiosa, mas, como é típico da filosofia humana de todos os lugares do mundo,
45
UAB/Unimontes - 4º Período
para refletir a vida humana em suas dimensões materiais, intelectuais e espirituais, mostrando
uma liberdade de espírito no pensar a existência.
Desta base de pensar, questões emergiram de chão cultivado e regado com princípio teoló-
Glossário
gico de raiz. Vejamos as principais questões filosóficas de base islâmica:
Falasafa: filosofia na
língua árabe. Falsafah: Para estes pensadores [gregos], Deus criara e mantinha o mundo por meio de
filosofar em árabe. uma hierarquia de inteligências intermediárias que emanavam d’Ele; como se
podia conciliar essa visão com a ideia de um deus de poder total, que apesar
disso intervinha diretamente no mundo humano? Era a alma imortal? Como se
podia conciliar a visão platônica de que a melhor forma de governo era a do
rei-filósofo com a visão muçulmana de que o governo da época do Profeta e dos
primeiros califas era o que melhor se conformava com a Vontade de Deus para os
homens? (HOURANI, 2001, p. 92).
Tendo explorado a dimensão teológica, mística e filosófica do islã, tratemos na próxima uni-
dade da prática muçulmana, abordando os fundamentos e pilares desta religião.
Referências
ANTES, Peter. O Islã e a Política /tradução Frank Usarski. São Paulo: Paulinas, 2003.
ARMSTRONG, Karen. Uma História de Deus: quatro milênios de busca do judaísmo, islamismo e
Cristianismo. Tradução Marcos Santarrita. Revisão da tradução Hildegard Feist. São Paulo: Com-
panhia das Letras. 2008.
BOWKER, John. Deus: uma breve história. Tradução, edição e revisão: Kanji Editoração. São Paulo:
Globo. 2002.
46
Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Islamismo
GAARDER, Jostein, Victor Hellern, Henry Notaker. O Livro das Religiões. Tradução: Isa Mara Lan-
da. Revisão técnica e apêndice: Antônio Flávio Pierucci. 7 reimpressão. São Paulo: Companhia das
Letras, 2000.
HOURANI, Albert. Uma História dos povos Árabes. São Paulo: Companhia das Letras. 2001.
JAPIASSU, Hilton, MARCONDES. Dicionário básico de Filosofia. 5. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zah-
ar Ed. 2008.
OTTO, Rudolf. O Sagrado: o estudo do elemento não racional na ideia do divino e a sua relação
com o não-racional. Traduzido por Walter O. Schlupp. São Leopoldo: Sinodal/EST; Petrópolis: Vo-
zes. 2007.
PASSOS, João Décio, USARSKI, Frank. Compêndio de Ciência da Religião. São Paulo: Paullus.
2013.
SIDARUS, Adel. Filosofia Árabo-Islâmica (Breve relance histórico). Universidade da Beira Interior.
Covilhã, 2009. Originalmente publicado In: Philosophica, 17/18 (Lisboa, 2001), p. 151-68. Adel Sida-
rus: Centro de Estudos Africanos e Asiáticos, Lisboa.
SMITH, Huston. As Religiões do Mundo: nossas grandes tradições de sabedoria. Tradução Merle
Scoss. São Paulo: Cultrix. 1991.
TERRIN, Aldo. Antropologia e Horizonte do Sagrado: culturas e religiões. São Paulo: Paulus.
2004.
47
Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Islamismo
Unidade 4
Fundamentos e Pilares do Islã
Ângela de Santana Rocha Correia
4.1 Introdução
Já falamos sobre a origem histórica do Islã, sobre seus dissensos e sua expansão pelo mun-
do, falamos também sobre os aspectos teológicos, místicos e filosóficos do Islã, vamos agora tra-
tar dos alicerces e da prática religiosa islâmica. Nesta unidade, apresentaremos a você os funda-
mentos e os pilares desta religião, a começar por uma retomada da etimologia do nome Islã, que
muito revela daquilo que caracteriza o credo propagado por Mohamed. Falaremos em seguida
sobre suas principais fontes, o Alcorão e a sunna, abordando a origem destes escritos e o que os
torna a base da doutrina e da prática muçulmana. Por fim, abordaremos os pilares do islã, a prá-
ticas que devem ser observadas por todo muçulmano, e o polêmico Jihad, preceito que costuma
ser introduzido como um sexto pilar do Islã.
Dica
49
UAB/Unimontes - 4º Período
Isso traz muitas decorrências tanto para a vida religiosa quanto para a vida social do adepto:
como já dito, o islã vai além da dimensão religiosa, caracterizando-se também como uma forma
de vida, com preceitos e exigências reguladores da conduta humana e da sociedade, conforme
DICA
aquilo que o profeta teria ensinado em nome de Allah. Da mesma raiz, slm deriva as palavras “pu-
Costuma-se utilizar a reza” e “paz” (sallam), assim, considera-se a lei divina, expressa no Islã, “o caminho da verdadeira
nomenclatura “maome- paz e da duradoura pureza” (BARTHOLO JR., 1990, p. 19).
tanos”, para designar
os seguidores do Islã,
porquanto são consi-
4.3 As Fontes
derados seguidores de
Maomé. Esse termo, na
opinião dos muçul-
manos, é inadequado,
uma vez que eles não
veem o profeta como
o fundador da religião Dois importantes escritos direcionam a fé e o agir muçulmano: o livro sagrado e o registro
nem como autor, ou dos ditos e feitos do profeta, a sunna. Considerado a palavra de Deus revelada a Mohamed atra-
mesmo co-autor, do vés do anjo Gabriel, selo da revelação divina e fonte do saber muçulmano, encontram-se no Al-
fundamento básico do
corão desde assuntos referentes à criação, à natureza e à astronomia, a conteúdos doutrinais e
Islã, o Alcorão. Segundo
a tradição mulçumana, normativos e normas para a vida prática e social (NABHAN, 1996, p. 21).
o próprio profeta se
autoproclamava tão
somente o porta-voz de
Allah, verdadeiro autor
do Islã. Desse modo, o
islã não se ligaria a um
Figura 30: Mohamed
fundador humano, não
em transe e o anjo
podendo, portanto,
Gabriela.
levar o seu nome. Tam-
bém pelo fato de não Fonte: Disponível em
se ligar a um fundador, <http://mechristian.files.
wordpress.com/2008/11/
o Islã é considerado por gabriel2.gif>. Acesso em
seus adeptos a religião 08 dez. 2014.
primordial, que precede
as demais religiões em
existência no plano
divino e em excelência.
Desse modo, atraves-
sa e supera todas as
religiões já existentes
(SMITH, 1991, p.216).
DICA
No caderno didático
“Textos Sagrados:
Alcorão”, você obterá
informações mais apro-
fundadas sobre o texto
sagrado do Islamismo.
Para conhecer o conteú-
do do Alcorão, indica-
mos também a seguinte
tradução: ALCORÃO. O
significado dos versículos Composto por 114 capítulos, chamados suratas, organizados conforme a extensão em or-
do sagrado alcorão, de dem decrescente (com exceção do primeiro capítulo, que é, entre todos, o menor), e 6.235 versí-
Samir El Hayek. culos, o Alcorão é tratado com grande reverência pelos muçulmanos, visto como fonte de vida e
sabedoria para a humanidade. Além da observância dos preceitos corânicos, é dever do fiel me-
morizar todo o livro, ou parte dele, e recitar, em árabe, durante as orações diárias.
50
Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Islamismo
O Árabe, como você leu na unidade anterior, é o idioma oficial do Alcorão, o único permi-
tido para a recitação do livro e o uso na Mesquita. Os muçulmanos incentivam a tradução do DICA
livro para outros idiomas, a fim de tornar o Islã conhecido e viabilizar a leitura de muçulmanos Tendo se deparado com
não árabes. Contudo, muitas são as suas reservas a esse respeito e poucas traduções são reco- questões, sobretudo
nhecidas como fidedignas ao livro pela comunidade islâmica. Segundo teólogos desta religião, no mundo moderno,
para as quais não
o livro foi escrito em um árabe de qualidade única e sofre perdas irreparáveis quando se busca
havia instrução nem no
adaptar seus vocábulos a outro idioma, pois os significados podem ser fatalmente alterados. Por Alcorão nem na sunna,
essa razão, nenhuma tradução é permitida no uso litúrgico nem na oração, nenhuma tradução é muitas escolas jurídicas
considerada o Alcorão. muçulmanas recorrem
Outra fonte do Islã é a Sunna, onde foram registrados, em narrativas curtas chamadas ha- também ao consenso
da comunidade (Ijma).
dith, o comportamento, as ações e falas atribuídos ao profeta Mohamed, tornando-o, desse
A maioria dessas escolas
modo, um modelo a ser imitado pelo muçulmano. O hadith, assim como o Alcorão, resultou de usa o raciocínio por
uma cuidadosa seleção de tradições a respeito do profeta, realizada após a sua morte, como for- analogia, ou seja, busca
ma de perpetuar seus ensinamentos e seu exemplo: resolver problemas re-
centes a partir da proxi-
Por volta do século III da hégira (século IX da era cristã), o hadiç tomou uma for- midade com instruções
ma definida, estabelecendo-se quase todo o seu conteúdo pormenorizado e semelhantes do Corão e
com aceitação geral. Com o intuito de recolher, selecionar e sistematizar todo o da sunna (ANTES, 2003,
material, inúmeros estudiosos começaram a percorrer o mundo mulçumano da p. 83).
época. Esse poderoso movimento é conhecido pelo nome de “Pesquisa do hadiç”
e, no final do século IX
da era cristã, já tinha
conseguido muitas co-
letâneas, seis das quais
– As seis genuínas – têm
sido, desde então, con-
sideradas com especial ◄ Figura 32: A Sunna.
autoridade (NABHAN, Fonte: Disponível em
1996, p. 25). <http://goo.gl/VN1aGy>.
Acesso em 27 set. 2014.
Juntos, Alcorão e sunna, direcionam o
comportamento e as ações do fiel tanto em
sua vida pessoal quanto em comunidade,
fazendo do islã, como já mencionamos, um
credo que possui, além da dimensão religio-
sa, uma dimensão social e política, indistin-
tamente: a obediência a Allah deve pautar a
conduta do muçulmano em todos os senti-
dos de sua vida. No Alcorão encontram-se
também os fundamentos sobre os quais se
desenvolveram os pilares do islã, atividades
basais da prática muçulmana.
51
UAB/Unimontes - 4º Período
Segundo a crença muçulmana, estes pilares foram sancionados pelo próprio Allah, a fim de
que a humanidade possa se aproximar dele, aproximação que, nas palavras do especialista em
educação islâmica Syed Ali Ashraf (1990, p.87), é alcançada quando o fiel une à forma externa do
rito um significado interior, totalmente voltado para seu Senhor. Vejamos em que consiste cada
pilar do islã:
4.4.1 Confissão de Fé
A confissão de fé, chamada Shahadah, é o primeiro dever de todo muçulmano e pode ser
compreendida como o credo islâmico. Por ela o mulçumano professa sua fé no Deus único e em
Mohamed como seu autêntico porta-voz, em duas frases simples e curtas, mas de grande signifi-
cação para o fiel: “Deus é um só e Mohamed é seu profeta”:
“Não há divindade (ou realidade, ou absoluto) senão a única Divindade (ou Rea-
lidade, ou Absoluto)” (la ilaha ill’ Allah), e “Muhammad” (o Glorificado, o Perfeito)
é o Enviado (o porta-voz, o intermediário, a manifestação, o símbolo) da Divinda-
de” (Muhamadun Rasul Allah); essas são a primeira e a segunda “Profissões” (shah-
adah) de fé (SCHUON, 1991, p. 28).
Estas palavras são imbuídas de tamanho poder simbólico que transmitem, para o fiel, um
quê transcendental e soam como um verdadeiro código de acesso à graça divina. Vejamos o que
diz Huston Smith a esse respeito:
Pelo menos uma vez na vida, o (a) mulçumano (a) deve pronunciar o Shahadah,
corretamente, lentamente, seriamente, em voz alta, com pleno entendimento
e sincera convicção. Na verdade, os mulçumanos a pronunciam com bastante
freqüência, em especial a primeira metade, La ilaha illa ‘llah. Em toda crise e sem-
pre que o mundo ameaça destruí-los, incluindo a aproximação da morte, a frase
“Deus é um só” brota de seus lábios. (SMITH, 1991, p. 236).
52
Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Islamismo
4.4.2 Oração
A oração ou prece tem seu fundamento no Alcorão, quando este diz: “Recita a parte do Livro
que se te inspirou! Cumpre a oração! A oração impede a torpeza e o reprovável.” (29: 45). Já a for-
ma como esta deve ser realizada foi fixada pelos ensinamentos e práticas do profeta.
Nesse caso, trata-se de uma oração ritual, que deve ocorrer em horários definidos, conforme
fórmulas fixas. Cinco vezes ao dia o muçulmano deve realizar fielmente sua oração, não de qual-
quer modo, mas cumprindo passo a passo determinadas formalidades. Primeiramente, realiza-se
a ablução, ou seja, a purificação do corpo e, simbolicamente, da alma, lavando-se as mãos com
água ou, na ausência desta, com areia. Veja no box a seguir o passo a passo dessa purificação,
também cuidadosamente ritualizada e imbuída de significado interior.
Essa purificação exterior deve ser feita também após a relação sexual, após ir ao banheiro e
após vomitar ou sangrar. Feita a purificação, o fiel está pronto para realizar sua prece. Primeira-
mente, ele põe-se de pé em postura ereta, lança-se de joelhos e curva-se até a testa tocar o chão.
É o momento mais sagrado da prece, símbolo de renascimento (posição fetal) e do nada humano
diante do divino (SMITH, 1991, p. 238).
53
UAB/Unimontes - 4º Período
Outra recomendação é que, sempre que possível, as orações sejam realizadas na mesquita,
em especial, a prece de meio-dia, na sexta-feira. Neste dia, do alto da torre na mesquita soa a
chamada para a oração, sinal similar às torres de igrejas (ANTES, 2003, p. 52). A fixação da sexta-
feira como dia principal de oração é atribuída a Mohamed, dia que, certamente, conforme Antes,
coincidia com o dia de mercado em Medina.
A princípio, durante a oração, todo fiel deveria voltar-se em direção a Jerusalém, para onde
o profeta teria sido transportado em sua mística viagem noturna. Posteriormente, quando Moha-
med já vivia em Medina, uma revelação corânica teria mudado a direção para a Caaba, na cidade
de Meca. Assim, ainda que esteja rezando sozinho, todo muçulmano sabe que, naquele horário,
toda a comunidade muçulmana se volta para a cidade sagrada e dirige sua prece a Allah, o que
cria o senso de participar de uma comunidade mundial (SMITH, 1991, p. 237). Louvor, gratidão e
súplica são conteúdos padrão da prece diária.
No box a seguir, apresentamos a você uma curiosidade da tradição islâmica: a narrativa le-
gendária de como a oração diária foi instituída por Allah através de Mohamed.
54
Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Islamismo
Contudo, há uma controvérsia: Peter Antes (2003, p. 51) informa que a quantidade de cinco
orações diárias não é prescrita no Alcorão e foi imposta posteriormente. Nos escritos corânicos
encontra-se a prescrição de três orações diárias, que deveriam ser realizadas de manhã, ao anoi-
tecer e à noite no período de Meca e de manhã, ao meio-dia e ao anoitecer no período de Medi-
na. A sequência de ações: estar de pé, curvar-se e prostrar-se, informa Antes, pode ter sido uma
imitação por parte do profeta de costumes sírio-cristãos de oração.
Além das cinco orações diárias, o especialista em educação islâmica Syed Ali Ashraf (1990,
p.89) nos fala sobre a “prece do coração”, que consiste na oração interior, no colocar-se na presen-
ça de Allah, que não tem hora fixa, mas “deve ser contínua e constante”, de modo que toda a vida
do fiel se torne uma forma de adoração.
O imposto social (zakat) é uma forma prática de amenizar a disparidade entre os que têm
mais recursos materiais e os que têm menos. Aqueles que têm muito devem auxiliar os menos
afortunados mediante uma taxação básica, estabelecida pelo Alcorão, sobre todos os rendimen-
tos e posses. Os mais pobres são isentos da taxação, contudo, aqueles que possuem renda média
e superior devem distribuir aos pobres, anualmente, ¼ do valor de todos os bens. Conforme Pe-
ter Antes (2003, p. 53), o Zakat é o chamado imposto de esmola que Mohamed, imitando o costu-
me judaico e cristão, introduziu, mas que somente em Medina ele desenvolveu em uma forma
fixa e regulada, em função da sustentação da comunidade. Em Meca, o zakat é ainda uma doa-
ção voluntária para pessoas indigentes.
4.4.4 Jejum
O jejum (sawm), já praticado em Meca, teve seu aperfeiçoamento ritual definido por Moha-
med em Medina e, conforme Peter Antes (2003, p. 53), foi a princípio baseado no jejum judaico.
Posteriormente, a ruptura com judeus de Medina levou à opção pelo jejum maniqueísta, com du-
ração de 30 dias, e foi estabelecido o mês de Ramadã, nono mês do calendário lunar muçulmano,
para a realização do rito. Nesse mês Mohamed teria recebido sua primeira revelação e, também,
dez anos depois, feito sua hégira de Meca para Medina. Em memória a esses acontecimentos, todo
muçulmano fisicamente apto deve jejuar. Estão dispensados dessa obrigação os doentes, os que
estão em viagens e os que enfrentam grandes crises, como uma guerra por exemplo.
Ao longo de todo o mês, o jejum inicia-se ao amanhecer e se estende até o pôr do sol. Nesse
período, o muçulmano não deve ingerir qualquer alimento ou bebida, incluindo água, não deve
fumar nem manter relações sexuais. Após o pôr do sol, pode comer com moderação. O objetivo
do jejum, conforme Smith (1991, p. 239), é levar o fiel à reflexão, à autodisciplina por meio do re-
freamento dos apetites corporais, a reconhecer sua fragilidade e dependência em relação a Allah,
e também tornar o fiel mais sensível e solidário aos pobres e famintos. Além disso, o jejum salienta
a igualdade dos seres humanos e reforça o sentimento de fraternidade, uma vez que todos, pobres
ou ricos, nobres ou mendigos, no mês de ramadã, devem renunciar ao alimento durante o dia.
55
UAB/Unimontes - 4º Período
Syed Ali Ashraf (1990, p.93) fala também sobre o jejum interior, a dimensão espiritual do je-
jum, para além da privação das necessidades físicas. Veja no box a seguir:
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Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Islamismo
Lembre-se de que, em Meca, teria ocorrido pela primeira vez a revelação divina a Mohamed,
por isso a cidade é considerada santa. O objetivo principal da peregrinação é intensificar a devo-
ção do fiel a Deus; além disso, o encontro entre muçulmanos de todo o mundo reforça os laços
entre aqueles que, embora distantes, pertencem à mesma comunidade religiosa (SMITH, 1991,
p.239).
Cada passo da peregrinação à Meca relembra as crenças fundamentais da fé muçulmana
e obedece a ritos prescritos, conforme a crença muçulmana, pelo próprio Deus. Syed Ali Ashraf
(1991, p.95) os enumera em uma escala de 01 a 09 e apresenta seus significados. Vejamos:
1. Primeiramente, o muçulmano deve vestir o ihram, um traje branco que consiste em duas
peças de tecido sem costuras para os homens e, para as mulheres, uma peça de tecido, tam-
bém sem costuras, que cobre todo o corpo, com exceção do rosto, das mãos e dos pés. Há
ainda as regras de ihram a serem observadas, que consistem em não ter relações sexuais,
não matar animais ou insetos e não remover nenhum pelo do corpo.
57
UAB/Unimontes - 4º Período
2. Entrar na cidade de Meca e circundar sete vezes a Caaba (palavra árabe que significa “cubo”,
considerada a casa de Deus). Nesse percurso, o peregrino deve saudar, tocar ou mesmo bei-
jar a Pedra Negra. A Caaba é considerada pelos muçulmanos um lugar de presença especial
de Deus (KÜNG, 2004, p.261), erguido por Abraão, juntamente com seu filho Ismael (o filho
que tivera com Hagar, descrita na escritura judaica como escrava e concubina de Abraão,
porém considerada pelo Islamismo a segunda esposa do patriarca. Ismael é considerado um
dos profetas do islã e patriarca do povo mulçumano). Ao andar em torno da Caaba, diz a
crença, o peregrino participa da circulação dos anjos e de outras criaturas em torno de Al-
lah. Ashraf assevera que
Entrar em Meca e realizar tawaf significa entrar no local sagrado onde foi estabe-
lecida a primeira Casa de Deus na terra e andar em torno da casa que é o reflexo
daquela Casa Divina no Sétimo Céu, acima e além do qual permanece o Glorifi-
cado Trono de Deus, em torno do qual todos os anjos e a criação inteira estão
constantemente girando (ASHRAF, 1991, p.95).
3. Estar em Arafat, uma planície próxima a Meca, ainda que por pouco tempo, no nono dia do
mês lunar de Dhu’l-hijjah, o mês da grande peregrinação. É a fase de oração, em que o pere-
grino deve subir o monte sagrado Rahma, o monte da misericórdia, e rezar pelo perdão por
todos os atos ou pensamentos que o tenham separado de Allah. Acredita-se que, no campo
de Arafat, Deus tirou das costas de Adão (Adam) todas as almas que viriam à Terra até o dia
do juízo e estabeleceu com elas uma aliança, na qual seria o seu senhor e teria delas total
submissão. Foi também em Arafat que Adão e Eva (Hawwa) teriam estado após sua expul-
são do céu. Somente no monte Rahma a prece por perdão do primeiro casal humano, após
tomar consciência do pecado cometido, foi aceita por Allah (KÜNG, 2004, p. 261).
58
Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Islamismo
Esta ação externa de atirar seixos em três blocos de pedra deve ser acompanha-
da por um desejo interior de matar ou afugentar o Satã sussurrando dentro de si.
Se o peregrino não estiver cônscio deste significado, a ação de atirar pedras per-
manece um ato exterior sem qualquer impacto em seu ser (ASHRAF, 1991, p. 97).
6. Sacrificar um animal em Mina para celebrar o sacrifício que Abraão teria decidido fazer de
seu filho Ismael em obediência a Allah. Na escritura judaica, o filho oferecido em sacrifício
teria sido Isaac, filho do patriarca com sua esposa Sara.
Abraão tentou sacrificar seu próprio filho Ismael. A cooperação completa de seu
filho neste ato e a interpretação literal do sonho de Abrão, em que Deus lhe exi-
gia sacrificar o que lhe fosse mais caro, são ambos atos fora do normal. Que o sa-
crifício humano não é nem desejável nem permissível é provado pela forma com
que Deus terminou essa prova, ao substituir Ismael por um carneiro e ordenar a
Abraão que abrisse os olhos e percebesse que Deus já tinha aceitado seu sacrifí-
cio. Abraão poderia ter interpretado o sonho, mas não o fez. O sacrifício da coisa
mais querida, como a própria vida pela causa de Deus, é o teste final da rendição
total do homem. Foi uma prova severa. Nenhum dos dois nem mesmo sonhou
que Deus iria intervir. O sacrifício humano teria sido considerado lícito se isso
tivesse sido permitido acontecer. A intervenção de Deus legitimou o sacrifício
de uma vida por uma vida – um carneiro pelo filho – mas interditou o sacrifício
humano (ASHRAF, 1991, p. 97).
9. Realizar orações no local onde Abraão e Ismael teriam permanecido e rezado após construir
a Caaba.
59
UAB/Unimontes - 4º Período
Para Ashraf (1990, p.95), a peregrinação tem como condição primária a “pureza de intenção”,
Atividade o peregrino deve “deixar todas as atividades mundanas de lado e seguir para encontrar o Se-
nhor”. Os itens 1, 2, 3 e 7 são considerados básicos e, se forem realizados, mesmo que não se rea-
A peregrinação a lizem os outros ritos de modo adequado, a peregrinação foi efetuada. Mas, se deixar de realizar
santuários e luga-
res sagrados é uma os demais ritos, o peregrino deve compensá-los de algum modo, caso contrário, a peregrinação
prática comum a permanece imperfeita.
muitas religiões. Nelas,
como observamos na
peregrinação à Meca,
o peregrino realiza
uma série de ritos que
lembram acontecimen-
4.5 Jihad: um Preceito
tos primordiais da fé
religiosa. Compare a
peregrinação à Meca a
Controverso
peregrinações brasilei-
ras que você conheça
ou tenha ouvido falar,
Aos cinco pilares do islã costuma-se adicionar um sexto, o compromisso com o jihad, pala-
descrevendo seus ritos vra traduzida como “guerra santa”, termo que tem sido, sem dúvida, um dos conceitos mais men-
e significados. Como cionados e polemizados no mundo ocidental quando o assunto é o islã. Você já deve ter ouvido
exemplo, citamos, no esta expressão, bem como o sentido que ela traduz em nosso entendimento, nos noticiários da
caso do catolicismo, a televisão e da internet, em revistas e jornais. As notícias de jovens terroristas que sacrificam a
romaria a Bom Jesus da
Lapa e a Aparecida do
própria vida em ataques suicidas, crentes na recompensa do paraíso, prêmio reservado aos que
Norte. Discuta o resulta- cumprem virtuosamente a Jihad, são constantes na mídia e acentuam um estigma de violência
do de sua atividade com que paira sobre o islã, quando mencionado no ocidente.
os colegas no fórum da
unidade.
Sem dúvida, a jihad é um dos preceitos mais importantes na vida do muçulmano, com-
preendido como caminho para a salvação. Contudo, a “guerra santa” possui no islã uma dimen-
são bem maior do que meramente o conflito armado em nome de Allah, embora este também
faça parte da prática da Jihad, quando se considera necessário.
Etimologicamente, a palavra jihad significa esforço extraordinário. A esse respeito, Ashraf
(1991, p.99) afirma que o significado primário de Jihad é o empenho constante do fiel, convidado
a ser um mujahid, ou seja, um guerreiro no caminho de Deus, comprometido em resistir ao mal em
seu interior e assim purificar-se. Do mesmo modo, o mujahid deve, externamente, combater os
males da vida coletiva que geram injustiças, opressão ou negação dos direitos básicos de todo
ser humano, garantidos pelo Alcorão. Assim, o sentido do jihad, enquanto luta, é antes a luta
contra as forças do mal, a fim de fazer com que o caminho de Deus prevaleça na Terra. A guerra é
recomendada pelo islã apenas como último recurso, de modo defensivo, para proteger a si ou à
comunidade, assegurar a paz e a segurança.
Ainda segundo Asraf, o próprio profeta considerava a guerra militar um pequeno jihad,
maior que isso, o grande jihad, era a luta pessoal contra o mau dentro de si. Contudo, tanto o
jihad interno (jihad maior) quanto o jihad externo (jihad menor), devem ser contínuos, a fim tanto
de controlar o mal que corrompe a alma quanto de salvar a comunidade das forças do mal pre-
sentes na sociedade. O grau máximo, tanto interna quanto externamente, é atingido quando o
fiel aniquila sua própria vida em nome de Allah. Este então se torna um shahid, ou seja, um már-
tir. No caso externo, isso ocorre quando mujahid é morto em combate, e no caso interno, quando
o homem se torna capaz de anular-se inteiramente em nome de Allah.
Estes mártires gozam, conforme o Alcorão (III, 169; IX, 20), de uma posição especial diante
de Deus e viverão para sempre no paraíso. Aquele que foi morto no campo de batalha, ainda que
60
Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Islamismo
não tenha alcançado o estágio virtuoso de autoanulação de um asceta, ou seja, a morte interior
por meio do grande jihad, goza do mesmo galardão que este, porquanto perdeu sua vida em
nome de Alá: juntamente com o asceta, obtém a vida imortal no paraíso.
Por outro lado, Peter Antes (2003, p.65) afirma que a concepção do Jihad externo como luta
contra as estruturas sociais injustas é uma figuração que tem sido mais utilizada em tempos re-
centes, mas que não deixa de coexistir com a ideia de luta militar em nome de Deus, existente
desde os tempos de Mohamed:
O que o Profeta energicamente exigiu foi uma “guerra religiosa”, uma “luta em
nome de Deus” contra os descrentes [...]. Para os que morrerem em combate
(como os mártires cristãos) está reservado o paraíso. Certamente, o jihad rece-
beu sua especificação jurídica no sentido de “guerra santa” de acordo com a visão
comum dentro do direito islâmico (fiqh), que divide o mundo de modo geral em
dois campos: “a casa do Islã” (dar al-islam) e “a casa da guerra” (dâr a-harb). O jihad
é exigido como recurso adequado para a defesa da “a casa do Islã” e expansão de
sua área no sentido da introdução da ordem islâmica (ANTES, 2003, p. 63).
61
UAB/Unimontes - 4º Período
Referências
ANTES, Peter. O Islã e a Política /tradução Frank Usarski. São Paulo: Paulinas, 2003. (Coleção Reli-
gião e Cultura).
ARMSTRONG, Karen. Uma História de Deus: quatro milênios de busca do judaísmo, islamismo e
Cristianismo. Tradução Marcos Santarrita. Revisão da tradução Hildegard Feist. São Paulo: Com-
panhia das Letras. 2008.
ASHRAF, Syed Ali. O Significado Interior dos Ritos Islâmicos: Prece, Peregrinação, Jejum e Jihad.
In: BARTHOLO, Jr. Roberto. Islã: O credo é a conduta. Rio de Janeiro: Imago, 1991. p. 87-104.
BARTHOLO, Jr. Roberto. Islã: O credo é a conduta. Rio de Janeiro: Imago, 1990. p.64.
KÜNG, Hans. Religiões do Mundo: em busca de pontos comuns. Tradução Carlos Almeida Perei-
ra. Campinas-SP: Verus Editora. 2004.
NABHAN, Neuza Neif. Islamismo: de Maomé aos nossos dias. São Paulo: Ática, 1996.
NASR, Seyyed Hossein. O Profeta e a Tradição Profética: O ultimo Profeta e o Homem Universal.
In: BARTHOLO, Jr. Roberto. Islã: O credo é a conduta. Rio de Janeiro: Imago, 1990. p.64.
SCHUON Frithjof. Islã. In: BARTHOLO, Jr. Roberto. Islã: O credo é a conduta. Rio de Janeiro: Ima-
go, 1991. p.56
SMITH, Huston. As Religiões do Mundo: nossas grandes tradições de sabedoria. Tradução Merle
Scoss. São Paulo: Editora Cultrix, 1991.
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Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Islamismo
Unidade 5
Aspirações Sociais e Tendências
Contemporâneas do Islã
Ângela de Santana Rocha Correia
Maria Socorro Isidório
5.1 Introdução
Desde os tempos do profeta Mohamed, a comunidade religiosa se configurou como uma
teocracia, onde o líder religioso é também chefe do governo, tendo no Alcorão o código legisla-
tivo por excelência e, após a morte de Mohamed, também no hadith, os ditos e feitos do profeta,
registrados na sunna, um guia para a organização da vida em comunidade. O Islã operou profun-
das transformações no mundo árabe, das quais podemos citar, entre as mais elementares, a pas-
sagem do sistema tribal para a comunidade religiosa, com uma unidade política e administrativa
centralizada e de caráter universalizante, em que a pertença mais importante era à fé em comum
e não aos vínculos sanguíneos.
63
UAB/Unimontes - 4º Período
Tratar de todas as facetas de uma sociedade que imbrica religião e vida secular em um con-
junto indiviso seria uma tarefa exaustiva, para não dizer impraticável, o que demandaria um es-
tudo muito mais extenso do que comporta este caderno didático. Por isso, vamos nos concentrar
em três dimensões da vida social muçulmana, a fim de exemplificar para você as inovações pro-
postas pelo Islã para a vida social: a economia, as relações familiares e o direito. Com o costumei-
ro olhar perscrutador do cientista da religião e relembrando o contexto pré-islâmico, apresenta-
do na unidade I, perceba no plano de fundo da doutrina social islâmica os anseios, as rupturas
com o velho mundo e os ranços do antigo que insiste em permanecer naquilo que se pretende
novo.
64
Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Islamismo
5.2.1 Economia
Ensina o Alcorão que todos os bens terrenos são propriedade divina, o homem, servo de
Deus, é tão somente um administrador desses bens e deve fazer isso dignamente, guiado pelo
livro sagrado. Nesse sentido, deve-se primar pela justa distribuição dos recursos materiais, sem
ganância ou avareza, sem o acúmulo de riqueza que prive outros do acesso aos bens necessários
à sobrevivência. São permitidos o lucro, a concorrência comercial, a ousadia empresarial, a com-
petição no trabalho, contudo, com moderação e compaixão.
DICA
Um dos costumes da
Arábia pré-islãmica, no
âmbito econômico e
também familiar, que
foram extintos a partir
◄ Figura 47: Feira. dos ensinamentos co-
Fonte: Disponível em rânicos, foi o chamado
<http://goo.gl/duUjEc>. direito de primogenitu-
Acesso em 08 dez. 2104. ra, pelo qual somente
o filho mais velho, do
sexo masculino, recebia
a herança paterna. Ex-
cluídos os demais filhos
e as mulheres, toda a
riqueza era concentrada
em um pequeno nú-
mero de propriedades
gigantescas enquanto a
miséria se multiplicava.
O Alcorão determinou
que a herança fosse
partilhada igualmente
A economia islâmica, pelo menos aquilo que se almeja, não visa ao crescimento, mas ao entre todos os filhos
equilíbrio (NABHAN, 1996, p.29), a fim de que todos tenham acesso aos recursos necessários para e que se incluíssem as
a satisfação das necessidades corporais, condição para a ascese espiritual. A quota para os po- mulheres, embora a
bres, um dos pilares do Islã, que abordamos anteriormente, ao estipular que anualmente uma porção a estas destina-
da ainda fosse menor
porção dos bens seja distribuída aos pobres, é um modo de garantir a justa distribuição dos re- em relação aos homens.
cursos materiais e de reduzir a desigualdade social. Com objetivo semelhante, foi proibida tam-
bém a cobrança de juros ao se realizarem empréstimos.
65
UAB/Unimontes - 4º Período
66
Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Islamismo
Por outro lado, os costumes modernos da mulher ocidental também são mal vistos no mun-
do muçulmano, considerados licenciosidade e prostituição. Vejamos o que diz Peter Antes.
Perante a justiça islâmica, todos devem ter tratamento igual tanto em relação aos direitos
quanto em relação às sanções, caso não se cumpram os deveres. Essa equidade entre todos os
indivíduos, no que concerne aos direitos e deveres, deve ser o fundamento do Estado e perpas-
sar todas as áreas, incluindo a economia (ANTES, 2003, p.47).
A sharia, lei religiosa fundamentada no Alcorão, é um verdadeiro código normativo, com
prescrições diversas sobre o que é proibido e o que é permitido, incluindo hábitos alimentares:
67
UAB/Unimontes - 4º Período
Os casos de transgressão não são julgados em longas seções, como ocorre no mundo oci-
dental, mas de forma rápida e simples: um juiz, acompanhado de três assistentes dirige-se à ci-
dade e profere a sentença, que é executada de imediato. Punições severas, como decepamento
de mão, em caso de roubo, apedrejamento e chicoteamento, causam polêmica no mundo oci-
dental, embora sejam vistas por teólogos muçulmanos mais como formas de intimidação, a fim
de reduzir a incidência das transgressões, pois, segundo eles, tais sanções são efetuadas somente
conforme regras específicas, o que torna ínfima sua execução na prática. Por exemplo, para que
se aplique a pena por adultério, o delito precisa ser comprovado por quatro testemunhas ocula-
res, o que, nesse caso, é praticamente impossível de ocorrer.
Quanto ao direito das minorias, em relação às raças, o islã enfatiza a igualdade humana pe-
rante Deus, de modo que rechaça a intolerância racial. O casamento inter-racial é aceito e, para
ATIVIDADE os mulçumanos, ao desposar Hagar, uma mulher de raça negra, o patriarca Abraão foi o primeiro
exemplo dessa atitude. A convivência inter-racial foi um dos fatores que possibilitaram o avanço
Leia novamente a do Islamismo pelo mundo (cf.: SMITH, 1991, p.245). O mesmo não se aplica tão tranquilamente
unidade I, referente à
Arábia pré-islâmica, às outras religiões. A relação com judeus e cristãos, considerados “religiões do livro”, são ambí-
compare o contexto guas, ora se toleram seus representantes dentro da comunidade islâmica, embora não gozem da
social descrito com mesma posição social que os mulçumanos, ora são hostilizados. Aos politeístas, considerados pa-
o que você leu sobre gãos, assim como aos ateístas, não há tolerância nas comunidades muçulmanas, considerados
as dimensões sociais infiéis, lhes é relegada ou a conversão ao islã ou a morte.
do Islamismo. Pontue
semelhanças e diferen- Esta é a estrutura social idealizada para a comunidade muçulmana, prevista no Alcorão e
ças e discuta com seus implantada com maior ou menor êxito nas nações islâmicas. Tais normas, contudo, encontraram
colegas no fórum desta sérios desafios quando transportadas, juntamente com a religião islâmica, para territórios não
unidade. árabes, em que predominavam outros modos de vida. Da mesma forma, viver sob essa lei em
países não islâmicos é um desafio para muçulmanos que vivem em território estrangeiro. Além
disso, dentro do próprio Islamismo, há correntes que questionam a aplicabilidade nos dias atuais
da Sharia, fundamento das diretrizes sociais islâmicas, e defendem uma relativização do Alcorão.
Vejamos no próximo tópico.
5.3 Modernidade,
Fundamentalismo e Tendências
Secularizantes: Desafios
Contemporâneos
Em um contexto de modernização e globalização, com transformações socioculturais e tec-
no-científicas em escala mundial, cabe questionar qual o lugar de uma religião que pretende
aliar fé e vida em torno de prescrições cunhadas ainda no primeiro milênio de nossa era e que
pretende universais e imutáveis. Será de fato possível conservar-se imune às tendências moder-
nizantes e ao avanço da secularização, que parecem marchar inexoravelmente pelo mundo, al-
cançando as mais diferentes civilizações por todo canto do planeta? É o que vamos refletir agora,
ancorados em Peter Antes (2003) e em Neuza Neif Nabhan (1996).
Conforme Nabhan, a partir do século XIX, teve início um processo de crise no Islã, ao entrar
em choque com a cultura ocidental. A colonização europeia sobre o mundo muçulmano foi o
principal fator que ocasionou a influência ocidental na política, na sociedade e também nos valo-
res e nas formas de pensamento das comunidades islâmica, o que incidiu na religião, provocan-
do discussões em torno da relação entre razão e fé:
68
Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Islamismo
◄ Figura 52:
Modernidade –
imagem ilustrativa.
Fonte: Disponível em
<http://www.istambul-
capadocia.com/images/
mesquitaazul.jpg>. Aces-
so em 28 set. 2014.
Acusados pela crítica europeia de atraso frente ao moderno pensamento ocidental, de es-
tagnação e de reviverem os valores dos seus ancestrais, pensadores mulçumanos, tanto os orto-
doxos de tendência reformistas como os modernistas de todas as tendências, buscaram mudan-
ças, a fim de sair da estagnação social e cultural, visando ao desenvolvimento e ao progresso:
Conforme Nabhan (1996, p. 108), ao final da Segunda Guerra Mundial, observou-se um re-
torno do Islã às suas origens. Nesse período, o mundo muçulmano começou a se libertar dos
colonizadores europeus e a maioria dos países que conquistaram a independência buscou nas
fontes islâmicas a legitimação de seu projeto político. Nos anos 1950, observou-se uma remo-
delação do perfil político e social islâmico. No início dos anos 1970, diante do distanciamento da
identidade cultural e religiosa decorrentes das mudanças ocorridas nos processos de ocidentali-
zação e descolonização, surgiram movimentos políticos e religiosos que almejavam uma reisla-
mização com vista na reconstrução da nação muçulmana, os quais receberam nomes diversos:
fundamentalismo, tradicionalismo, ativismo religioso, radicalismo islâmico, etc.
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UAB/Unimontes - 4º Período
Há que se mencionar, ainda, os grupos que defendem uma nova hermenêutica do Alcorão,
pois consideram indícios de uma temporalidade no conteúdo do livro, ao lado da revelação divi-
na, a despeito daqueles que mantêm a convicção da origem divina de todo o Alcorão. Sob este
novo ponto de vista, muitas prescrições se referem a ocasiões específicas que remontam ao tem-
po do profeta, não sendo, necessariamente, aplicáveis aos dias atuais. Veja no box a seguir:
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Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Islamismo
Por tudo isso, o Islã, que, como vimos, nunca foi uno, se distancia cada vez mais de uma ho-
mogeneidade.
Dica
71
UAB/Unimontes - 4º Período
A imagem negativa construída no correr dos tempos sobre o islã, como já dito, diz respei-
to, entre outros motivos, à intolerância cultural de povos que se colocaram historicamente como
superiores em tudo (etnocentrismo), incluindo religião “institucionalizada, monoteísta, ‘do Livro”
e da Paz, portanto, qualitativamente melhor do que “as outras”. Isso revela que os valores, a reli-
gião, o direito, a verdade, o transcendente, etc., é tudo referente (e único) ao ocidente. Não são
consideradas as visões diversas, as verdades plurais, o mundo sincrético. Pensa-se como se o
mundo ocidental tivesse surgido de uma base cultural de um povo branco, puro, superior (pois
criou filosofia), que arquitetou, edificou e ordenou o mundo sob uma unidade de princípio que
não admite outras fontes, pois se afiguram não verdadeiras.
Ainda, esta visão unilateral e distorcida do islã não condiz nem com a religião e nem com os
seus seguidores, pois os estudos sobre islamismo mostram um povo pacífico e tolerante e uma
religião que prega a paz. Por isso, e para concluir esta parte, vale a pena continuarmos lendo o
que diz Peter Antes:
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Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Islamismo
Referências
ANTES, Peter. O Islã e a Política /tradução Frank Usarski. São Paulo: Paulinas, 2003.
BERGER, Peter L. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. São Pau-
lo: Paulus, 1985.
NABHAN, Neuza Neif. Islamismo: de Maomé aos nossos dias. São Paulo: Ática, 1996.
SMITH, Huston. As Religiões do Mundo: nossas grandes tradições de sabedoria. Tradução Merle
Scoss. São Paulo: Cultrix. 1991.
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Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Islamismo
Unidade 6
O Conflito Israelo–Palestino
Maria Socorro Isidório
6.1 Introdução
Prezados acadêmicos, o nosso mergulho no universo islâmico nos trouxe a um antigo con-
flito entre palestinos e israelenses, tema que sempre esteve presente no jornalismo mundial,
chamando a atenção de muitas pessoas, que, por vezes, não têm clareza dos fatos, e que tecem
conhecimentos baseados no que absorvem destes noticiários tendenciosos, manipuladores
e pautados numa leitura ocidental que deixa entrever uma intolerância cultural, religiosa e um
consequente juízo de valor. Mesmo nos educandários em geral, vemos uma ausência de debates
sobre a questão, assim como a falta de uma abordagem didática desprendida de juízo de valor e
numa perspectiva científica, alteritária e interdisciplinar, típica da Ciência da Religião. Então, va-
mos olhar os fatos de forma objetiva, crítica e imparcial, para que possamos alargar a nossa visão
do islã.
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UAB/Unimontes - 4º Período
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Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Islamismo
O conflito entre israelenses e palestinos, remete ao final do século XIX da E.C. na Europa,
quando é criado um movimento sionista, objetivando a volta dos judeus da diáspora para a Pa- dICA
lestina/Terra de Israel, lugar onde até o ano 70 (setenta) da era comum (ocasião da destruição de O sionismo foi o movi-
Jerusalém pelo império romano e da diáspora dos judeus pelo mundo), habitava a nação judaica. mento nacionalista que
De acordo com Kuperman e Storch (2009), o movimento sionista político foi uma expressão do impulsionou a decisão
da criação de um Estado
inconformismo de judeus frente ao antissemitismo na Europa Ocidental, e às perseguições de independente para os
pogroms (palavra russa que significa “tempestade” ou “destruição”; movimentos populares de vio- judeus no território
lência contra os judeus) na Europa Oriental. palestino. Sion é uma
O sionismo manifestava o espírito nacionalista da época e a busca de resolução para a falta colina de Jerusalém que
de chão e paz para os judeus. Ao final da Segunda Guerra Mundial, a ONU decidiu reestabelecer deu origem ao termo.
O nome mais impor-
um Estado judaico no território palestino, então ocupado por judeus e árabes muçulmanos, a tante entre o grupo foi
contragosto da comunidade islâmica. A esse respeito, informa Kuperman: Theodor Herzl, judeu
de origem húngara que
No final da Segunda Guerra Mundial, a opinião pública internacional, ao tomar impulsionou o movi-
conhecimento da extensão do Holocausto, empenhou sua solidariedade ao mento. Ele publicou a
povo judeu, identificado como oprimido, e reconheceu a necessidade de apoiar obra “Estado Judeu”, li-
a criação do Estado de Israel. Este processo culminou com a resolução da ONU, vro que apresentava um
de 1947, estabelecendo a partilha da estreita faixa entre o Rio Jordão e o Me- programa com o qual
diterrâneo onde habitavam judeus e árabes, resolução que contou com apoio poderia ser resolvida a
mundial generalizado, excetuado o bloco árabe /islâmico. (KUPERMAN, STORCH, “questão dos judeus”. A
2009, p. 695) obra começa a ganhar
diversos adeptos, entre
eles, Max Nordau, que
A “repatriação” gera uma massa de judeus no lugar que cultiva um chão nacionalista e ali-
começou a divulgar
menta o desejo de edificar definitivamente uma Pátria. Não tardou a acontecer um grande con- as ideias de Herzl e
flito_ a Guerra dos seis dias_ em 1947, entre Israel e Egito, a Cisjordânia, Síria com apoio do Ira- difundir seus concei-
que, Kuwait e outros. Israel usa uma força arrasadora e não só sai vitorioso, como estende o seu tos na Europa. Outro
território através de conquistas territoriais (leste de Jerusalém, as colinas de Golã, o Sinal, a faixa episódio que deu maior
sustentação para o
da Gaza e outros), lançando no solo sementes de insatisfação geral. Veja no quadro abaixo a con-
movimento sionista foi
figuração do território palestino antes e depois da Guerra: a Declaração de Balfour,
realizada pelo lorde
inglês Balfour e que
favorecia a criação do
Estado de Israel como
um lar nacional para
◄ Figura 59: Antes e os judeus na Palestina.
depois da Guerra de Outro fator decisivo foi
6 dias. a autorização dada pela
Fonte: Disponível em Liga das Nações em
<http://goo.gl/Utl1vn>. 1922. A maior realização
Acesso em 25 set. 2014.
sionista foi a efetiva
criação do Estado de
Israel.
Fonte: Disponível em
<http://www. historia/
sionismo>. Acesso em
01 out. 2014.
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UAB/Unimontes - 4º Período
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Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Islamismo
Foi para lá que Mohamed teria realizado sua famosa viagem noturna, pousando no monte
do antigo Templo de Israel, onde teria sido recebido por uma multidão de profetas e subido os
sete céus por meio de uma escada que o levou até o trono divino (experiência literalmente in-
terpretada por alguns muçulmanos, que de fato acreditam que a viagem e ascensão ocorreram
no plano físico e vista por outros como uma experiência espiritual). Lá, Mohamed teria recebido
a revelação final, fazendo de Jerusalém o terceiro lugar sagrado do mundo para os mulçumanos,
depois das cidades de Meca e de Medina, consideradas palcos da atuação do profeta e berços do
Islã. Também em Jerusalém serão reunidas as almas para o Dia do Juízo e de lá os justos se eleva-
rão ao Paraíso. A cidade é, portanto, um lugar de acesso ao céu.
A cidade de Jerusalém foi conquistada pelos árabes muçulmanos já nos primórdios da ex-
pansão islâmica e permaneceu sobre o domínio islâmico até os dias atuais, excetuando o século
das cruzadas, quando a cidade foi tomada pelos cristãos (cf.: KÜNG, 2004, p. 265) e reconquistada
posteriormente pelo lendário sultão egípcio Saladino. Lá conviveram judeus, cristãos e muçul-
manos, cada qual em seus espaços sagrados, cada qual com o seu culto e vivenciando um estado
ambíguo de harmonia e tensão constante à medida que cada um acreditava que o outro estava
errado e assumia posturas exclusivistas sem, contudo, violar o direito do outro à vivência religio-
sa, porquanto se reconheciam como religiões derivadas de um único Deus.
Na ocasião da partilha do território palestino entre árabes e judeus pela ONU, em 1947, foi
determinado que as cidades de Jerusalém e de Belém ficariam sob o controle internacional, o
que desagradou a ambos os lados. A partir de então, deram-se várias incursões violentas tanto
israelenses quanto árabes, com o objetivo de ocupar o território, as quais culminaram na divisão
da cidade entre Israel e a Jordânia, nação árabe-muçulmana, ocupação considerada ilegal pela
ONU (ARMSTRNG, 2011, p. 467).
A cidade dividida – o ocidente sob o poder de Israel e o oriente sob a Jordânia - tornou-se
uma zona de guerra com atiradores de ambos os lados e a proibição do trânsito de pessoas de
um lado para outro da cidade. Tal proibição causou o caos social, pois parte dos bens e serviços
públicos, outrora a serviço de todos, ficaram restritos em um dos lados e parte em outro, sepa-
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UAB/Unimontes - 4º Período
rou famílias e amigos que, vivendo em aldeias divididas, passaram a ser impedidos de atravessar
para o outro lado para se encontrar com os entes queridos e causou conflitos religiosos, uma vez
que lugares sagrados de um ficaram no lado dominado pelo outro:
Cada um dos lados acusava o outro de violar lugares sagrados: os israelitas di-
ziam que os jordanianos estavam profanado o cemitério judeu do monte das
Oliveiras e destruindo as sinagogas do bairro judaico, que agora abrigava refu-
giados palestinos; os árabes alegavam que os israelenses estavam devastando
seu histórico cemitério de Mamilla, onde se encontravam os túmulos de muitos
eruditos, místicos e guerreiros famosos (ARMSTRONG, 2011, p. 470).
Dica A situação se agravou mais quando Israel, na década de 1950, transferiu sua capital de Tel
Aviv para a Jerusalém ocidental, mesmo sem o reconhecimento internacional, transferindo para
Para uma compreen-
são global da história lá a sede do governo. Na ocasião da guerra dos seis dias, em 1967, Jerusalém foi quase totalmen-
de Jerusalém e do te retomada por Israel, juntamente com grande porção do território palestino. As negociações
conflito entre árabes e que se seguiriam para a devolução aos árabes dos territórios conquistados militarmente nada
israelenses na região, mencionavam a respeito de Jerusalém.
recomendamos a lei- A conquista que, para Israel, significou um retorno a Sião, para os árabes significou uma in-
tura na íntegra do livro
“Jerusalém: uma cidade, vasão devastadora do território. Estes viram a histórica Jerusalém árabe ser progressivamente
três religiões” de Karen destruída por uma “reforma urbana” que transformava a aparência e o caráter da cidade (ARMS-
Armstrong (2011). TRNG, 2011, p. 486). A sensação de perda de um lugar que para eles também era santo acen-
tuou a importância de Jerusalém para os árabes. Na década de 1960, extremistas do grupo Fatah
instalaram-se na cidade e iniciaram uma intensa campanha de terror, com diversos atentados à
bomba.
Os atentados provocaram represálias por parte dos judeus e o ódio entre civis, manifestados
tanto na investida militar contra comunidades árabes quanto em espancamentos de cidadãos
árabes e depredações por parte de judeus. Após um período de trégua, a guerra do Yon Kippur,
Atividade de 1973, reacendeu o ódio em ambos os lados. No ano de 1987, um movimento popular palesti-
no, a Intifada, eclodia em todo o território conquistado e dividia novamente Jerusalém, não por
Pesquise crenças
comuns ou semelhan-
fronteiras físicas, mas por um limite invisível entre a parte israelense e a pequena parte árabe:
tes entre judaísmo, cruzar esta fronteira imaginária era correr o risco de ser apedrejado por jovens palestinos. Mais
cristianismo e o islã, uma vez, a Jerusalém oriental se tornava um território inimigo, conflito que se arrasta até os dias
referentes à cidade de atuais:
Jerusalém, e discuta
com seus colegas no Em ambos os lados do conflito a religião está se tornando cada vez mais belicosa.
fórum da unidade. A apocalíptica espiritualidade dos extremistas que propõem atentados suicidas,
explodindo santuários alheios ou desalojando outras pessoas, seduz uma pe-
quena minoria, mas engendra ódio em maior escala. Ambos os lados endurecem
após uma atrocidade, e a paz se torna uma perspectiva mais distante (ARMS-
TRONG, 2011, p. 512).
80
Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Islamismo
Chegamos ao final das unidades propostas, mas você deve continuar o seu estudo pessoal.
Se, ao longo do percurso, levamos você a um conhecimento do Islã para além dos estereótipos
apresentados pela mídia, se possibilitamos uma visualização dos seus fundamentos, significados
e conflitos, como é próprio de toda religião, se proporcionamos um olhar científico multifocal e,
ao mesmo tempo, alterativo sobre o universo islâmico, então consideramos atingida a meta des-
te estudo. Um abraço!
Referências
ABDALA, Vitor. Disponível em <http://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2014>.
ARMSTRONG, Karen. Jerusalém: uma cidade, três religiões. Tradução: Hildegard Feist. São Paulo:
Companhia das Letras. 2011.
KÜNG, Hans. Religiões do Mundo: em busca de pontos comuns. Tradução Carlos Almeida Perei-
ra. Campinas-SP: Verus Editora. 2004.
KUPERMAN, E., and STORCH, M. Por uma imagem ética de Israel e do judeu. In: LEWIN, H., coord.
Judaísmo e modernidade: suas múltiplas inter-relações [online]. Rio de Janeiro: Centro Edels-
tein de Pesquisas Sociais, 2009. p. 695-704. ISBN: 978-85-7982-016-8. Available from SciELO Books
Disponível em <http://books.scielo.org>.
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Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Islamismo
Resumo
UNIDADE I: ORIGENS DO ISLÂ: DA ARÁBIA PRÉ- ISLÃMICA AO PROFETA MOHAMED
Nesta unidade você aprendeu:
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Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Islamismo
Referências
Básicas
BARTHOLO, Jr. Roberto. Islã: O credo é a conduta. Rio de Janeiro: Imago, 1990, p.64.
HOURANI, Albert. Uma história dos povos árabes. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
NABHAN, Neuza Neif. Islamismo: de Maomé aos nossos dias. São Paulo: Ática, 1996.
Complementares
ANTES, Peter. O Islã e a Política /tradução Frank Usarski. São Paulo: Paulinas, 2003. (Coleção Reli-
gião e Cultura).
ARMSTRONG, Karen. Jerusalém: uma cidade, três religiões. Tradução: Hildegard Feist. São Paulo:
Companhia das Letras. 2011.
ASHRAF, Syed Ali. O Significado Interior dos Ritos Islâmicos: Prece, Peregrinação, Jejum e Jihad.
In: BARTHOLO, Jr. Roberto. Islã: O credo é a conduta. Rio de Janeiro: Imago, 1990. p. 87-104.
BERGER, Peter L. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. São Pau-
lo: Paulus, 1985.
BOWKER, John. Deus: uma breve história. Tradução, edição e revisão: Kanji Editoração. São Paulo:
Globo. 2002.
ELIADE, Mircea. Dicionário das Religiões / Mircea Eliade e Ioan P. Couliano; tradução Ivone Cas-
tilho Beneditti. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
GAARDER, Jostein, Victor Hellern, Henry Notaker. O Livro das Religiões. Tradução: Isa Mara Lan-
da. Revisão técnica e apêndice: Antônio Flávio Pierucci. 7 reimpressão. São Paulo: Companhia das
Letras, 2000.
JAPIASSU, Hilton, MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de Filosofia. 5. ed. Rio de Janeiro: Jor-
ge Zahar Ed. 2008.
85
UAB/Unimontes - 4º Período
KÜNG, Hans. Religiões do Mundo: em busca de pontos comuns. Tradução Carlos Almeida Perei-
ra. Campinas-SP: Verus Editora. 2004.
LIBANEO, J. B. Introdução à Teologia: perfil, enfoques, tarefas. São Paulo: Edições Loyola. 2010.
NASR, Seyyed Hossein. O Profeta e a Tradição Profética: O ultimo Profeta e o Homem Universal.
In: BARTHOLO, Jr. Roberto. Islã: O credo é a conduta. Rio de Janeiro: Imago, 1990. p.64.
OTTO, Rudolf. O Sagrado: o estudo do elemento não racional na ideia do divino e a sua relação
com o não-racional. Traduzido por Walter O. Schlupp. São Leopoldo: Sinodal/EST;: Petrópolis: Vo-
zes. 2007.
RAPOSO, Henrique. Relações Internacionais. n.22 Lisboa jun. 2009. Versão impressa ISSN 1645-
9199. O islamismo nas sociedades europeias. Os mitos da «comunidade muçulmana», do «diálo-
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SCHUON Frithjof. Islã. In: BARTHOLO, Jr. Roberto. Islã: O credo é a conduta. Rio de Janeiro: Imago,
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SIDARUS, Adel. Filosofia Árabo-Islâmica (Breve relance histórico). Universidade da Beira Interior.
Covilhã, 2009. Originalmente publicado in Philosophica, 17/18 (Lisboa, 2001), p. 151-68. Adel Sida-
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SMITH, Huston. As Religiões do Mundo: nossas grandes tradições de sabedoria. Tradução Merle
Scoss. São Paulo: Editora Cultrix, 1998.
TERRIN, Aldo. Antropologia e Horizonte do Sagrado: culturas e religiões. São Paulo: Paulus.
2004.
Suplementar
PASSOS, João Décio, USARSKI, Frank. Compêndio de Ciência da Religião. São Paulo: Paullus.
2013.
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Ciências da Religião - Cosmovisão das Religiões: Islamismo
Atividades de
Aprendizagem- AA
1) Releia a unidade I e II do caderno didático e justifique com suas palavras a seguinte afirmativa:
“Mais do que um líder religioso, Mohamed foi um reformador social”.
2) Leia a unidade I do caderno didático e o tópico jihad, um preceito controverso, na unidade III.
Que relação podemos apontar entre o jihad e o ethos beduíno apontado na unidade I?
3) Explique com suas palavras as razões pelas quais a morte de Mohamed provocou divisões no
Islã.
4) Pesquise em noticiários de jornais, revistas ou internet exemplos de conflitos entre xiitas e su-
nitas na atualidade. Compare os motivos com aqueles que ocasionaram a formação dos grupos.
Em seguida, registre suas impressões em um pequeno parágrafo dissertativo.
5) Faça uma pesquisa a respeito de países que ainda se baseiam na sharia para a constituição de
seus códigos legislativos e qual a sua situação socioeconômica, política, cultural e religiosa.
7) Escreva de forma dissertativa como o Árabe foi construindo culturalmente a ideia de Deus.
8) Em seu entendimento e análise, existe alguma distinção no deus vivido pelos sufistas do deus
experienciado pelos muçulmanos não místicos?
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