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2
3 Apresentação
A TV Digital (TVD) caminha para ser, em breve, uma realidade no
Brasil. Os primeiros passos já foram dados com a escolha da tecnologia
japonesa e a liberação, pelo Ministério das Comunicações, dos primei-
ros canais digitais às emissoras abertas de São Paulo. Até o final de 2007
essas emissoras já estarão transmitindo o sinal digital em caráter experi-
mental. Pelo cronograma do governo, até o fim de 2008 os sinais de TV
digital serão transmitidos também no Rio, Belo Horizonte, Brasília, For-
taleza e Salvador. Nas demais capitais, a transmissão dos sinais digitais
está prevista para até o fim de 2009.
Esta é uma mudança que afeta radicalmente o principal meio de entre-
tenimento, cultura e educação da população brasileira. A televisão está pre-
sente em aproximadamente 90% dos lares. Por isso, a adoção da transmis-
são digital é um assunto de interesse de todos, já que irá atingir milhões de
telespectadores. E interessa especialmente aos engenheiros, que estão na
vanguarda da produção tecnológica do país. A implementação da TVD en-
volve bilhões de dólares em investimentos, transferência e desenvolvimen-
to de tecnologias de última geração.
O Sindicato de Engenheiros no Estado de Minas Gerais acredita que a
engenharia nacional não pode estar ausente deste debate. Esta cartilha,
editada em parceria com o Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e
Agronomia de Minas Gerais (Crea-MG), representa uma importante contri-
buição do Sindicato para que esse debate seja disseminado em toda a soci-
edade e, especialmente, entre a categoria.
O que é
TV Digital? 07
Com tantas mudanças,
as operadora de TV
vão conseguir proteger
seus mercados e reter
Para o espectador,
Digital? 20
o que vai mudar? 12
Como o governo
pretende implementar
Anexos 38
a política traçada no
decreto 4.903/2003? 29
7
O que é
TV Digital?
A televisão digital (TVD) é um sistema tec-
nológico que permite transmitir e receber o
sinal de televisão em formato digital.
Já há alguns anos, as tecnologias digitais
vêm sendo largamente empregadas em qua- TV: a tela do receptor ficou mais realista e
se todas as atividades ligadas à gravação e bonita, a produção dos programas teve, por
edição dos programas televisivos. No entan- isto, que se tornar mais esmerada. Agora,
to, os aparelhos receptores, nas casas das com a digitalização, a tela e o som vão ficar
pessoas, somente captam e reproduzem si- ainda mais realistas e bonitos, a produção
nal analógico. Por isto, a transmissão é tam- terá que ser ainda mais bem cuidada, mas
bém analógica. Em todo o mundo, desde o também mudará muita coisa na relação que
final da década 1990, vem avançando um existe hoje entre as empresas radiodifusoras,
processo político e econômico que visa levar os produtores de programas e o telespecta-
as pessoas a substituírem os seus receptores dor. São os problemas econômicos, políticos
analógicos por digitais permitindo, assim, e culturais decorrentes desta mudança que
que a transmissão também possa ser digita- estão suscitando, em todo o mundo, um vivo
lizada. debate sobre a TV digital.
As conseqüências dessa mudança não se- A transmissão e recepção de TV digital é
rão meramente cosméticas como aconteceu, feita por satélite (TVD-S), por cabo ótico e
no passado, quando da troca da TV preto-e- coaxial (TVD-C) ou pelas freqüências hertzi-
branco pela colorida. Então, pouca coisa anas atmosféricas (TVD-T, de “terrestre”). A
mudou na maneira de se fazer e de se ver França foi o primeiro país a conhecer a TVD-
S, em 1996. Nos dois anos imediatamente O sistema de TVD é constituído por cinco
seguintes, começaram as transmissões digi- camadas de software: modulação, transmis-
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tais, por cabo ou satélite, nos Estados Uni- são, compressão de áudio e vídeo, middlewa-
dos, Reino Unido, Alemanha e outros países. re e aplicativos (Fig. 1). O ATSC utiliza o pa-
As transmissões de TVD-T começaram, em drão 8-VSB de modulação e os dois outros, o
1998, nos Estados Unidos, seguidos, pouco padrão COFDM. Todos adotam o mesmo pa-
depois, pelo Reino Unido e pela Espanha. A drão de transmissão: MPEG-2. O padrão de
TV digital, portanto, ainda não tem 10 anos. compressão do ATSC é o Dolby, mas japone-
Nos Estados Unidos, por acordo entre o ses e europeus optaram por diferentes com-
governo, os fabricantes de equipamentos e binações de MPEG. Cada sistema possui seu
as empresas radiodifusoras, foi adotado um próprio middleware e os aplicativos serão
sistema de transmissão denominado ATSC, tantos quanto a criatividade humana e o
iniciais de American Television Standard Co- mercado capitalista permitirem.
mission, entidade que coordenou as pesqui- Do ponto de vista sócio-econômico, o
sas e implementação da tecnologia naquele middleware é um componente-chave. Tra-
país. No Reino Unido e em todos os demais ta-se do sistema operacional da TVD. Cum-
países europeus foi adotada uma tecnologia pre, na televisão, as funções que o Windo-
denominada DVB, de Digital Video Broad- ws ou o Linux cumprem na informática.
casting. Por fim, o Japão adotou uma tercei- Sobre o middleware são desenvolvidos os
ra tecnologia, o ISDB, ou Integrated System aplicativos e através do middleware o es-
Digital Broadcasting. As transmissões de pectador tem acesso aos recursos da TVD.
TVD-T no Japão, em ISDB, somente começa- A definição do middleware do sistema vem
ram em 2006. a ser, assim, decisiva para a implementa-
ção prática dos objetivos políticos, econô-
micos e culturais que um país queira alcan-
çar com a sua televisão digital.
Para o
espectador, o
que vai mudar?
Acabou a TV com fantasmas e chuviscos.
A TVD, por definição, é binária, ou pega ou
não pega, sem meios-termos. Se há som e
imagem, som e imagem têm qualidade. Nes- digitalização dá ao espectador um pouco
te sentido, os três sistemas asseguram que, mais de controle e poder de ação sobre a pro-
sob quaisquer condições, o espectador con- gramação que está recebendo. Hoje, na TV
siga sintonizar, sem problemas, o canal de sua analógica, a tela é inteiramente ocupada por
preferência. No entanto, como foram desen- uma única programação que se sucede line-
volvidos para diferentes condições sociais e armente, conforme decisões tomadas pela
ambientais, deu-se que nem sempre funcio- empresa operadora. Na TV digital, o espec-
nam muito bem fora de suas regiões de ori- tador poderá seccionar a tela e acompanhar
gem. Foi o que descobriram cientistas e en- mais de uma programação, bem como não
genheiros da Escola de Engenharia da Uni- ficará restrito a assistir à programação con-
versidade Mackenzie, São Paulo, contratados forme esta lhe vai sendo suprida. Como o
pela Associação Brasileira de Rádio e Televi- aparelho receptor digital tem capacidade de
são (Abert) para testar os três sistemas nas armazenamento, o espectador poderá, com
condições brasileiras. O ATCS não nos serve, o seu controle remoto e um sistema de me-
o DVB nos atende mas o ISDB é o que me- nus de tela, programar o que quer ver e como
lhor responde às condições físicas de recep- quer ver. Tudo isto, claro, dentro de certos li-
ção próprias das nossas cidades. mites que vão desde a capacidade de arma-
Além de eliminar chuviscos e fantasmas, a zenamento do aparelho (maior capacidade,
mais caro fica) até a própria oferta, pelos di- tência de um canal de retorno.
13 fusores, de uma cesta de opções. Para se enviar um pequeno sinal autori-
A TVD vai funcionar, para o espectador, zando (e pagando) o envio do filme na hora
como hoje funciona o DVD. Por que o dis- marcada, basta um canal de pequena capa-
quinho contém, além do filme linear, opções cidade que pode ser suprido pela operadora
de seleção de imagens, de extras etc., o es- de televisão. Mas para inúmeras outras ativi-
pectador pode parar a cena, ver e ouvir uma dades interativas que a TVD possa permitir,
entrevista ou o making-off, efetuar algumas inclusive um eventual acesso direto à inter-
ações que não o deixam mais tão passivo di- net, será necessário um canal de retorno de
ante do seu receptor. Na TVD, estas e outras grande capacidade. Quaisquer dos sistemas
alternativas estarão armazenadas, por algum de telecomunições hoje disponíveis podem
tempo, no aparelho e poderão ser acessadas, atender a esta exigência: telefonia fixa, tele-
por esse tempo, pelo espectador. Durante um fonia celular, banda-larga (a cabo ou sem-
jogo de futebol, por exemplo, será possível fio) etc. Os receptores digitais sairão de fá-
ver e rever o gol do seu time quantas vezes brica dotados com conectores para as redes
se quiser, sem esperar pelos repetecos ofere- de telecomunicações. Em princípio, ao efe-
cidos pela emissora. Será possível também tuar qualquer chamada através de algum
mudar o ângulo (isto é a câmara) de visão do desses canais, o espectador estará utilizando
jogo, para mais longe ou mais perto do cam- um serviço normal de telecomunicações, do
po. Por criar essas possibilidades de tornar o qual deverá ser assinante e pelo qual pagará
espectador mais ativo diante do seu apare- conforme o estipulado em seu contrato de
lho receptor, fala-se muito que a TVD será assinatura. Donde o limite para a interativi-
interativa. No entanto, esta interatividade é dade na TVD não será dado pela capacidade
apenas local. Ela se limita à cesta de conteú- do canal, mas pela capacidade de renda.
dos que a operadora esteja oferecendo. Nada A interatividade pode tornar a televisão um
que o espectador faça já não estará lá, arma- sistema multisserviços. Hoje, a TV analógica
zenado, para o espectador fazer. oferece um único serviço identificado a um
A TVD permite também interatividade único canal. Com a interatividade, através da
à distância, isto é, que o espectador possa tela da TV, o espectador poderá fazer muitas
enviar mensagens diretamente para a das operações que atualmente faz através do
emissora. Na TV digital por satélite ou seu computador (quando possui computador
cabo, isto já é feito, quando se quer, por conectado à internet): movimentação de con-
exemplo, comprar um filme para se assis- tas bancárias, acesso a informações e notíci-
tir a uma certa hora. Esta interatividade a as, envio de mensagens, relacionamento com
distância depende basicamente da exis- serviços públicos etc.
Por fim, mas não por último, a TVD pode drão brasileira). Quando a transmissão se
oferecer ao espectador, por um mesmo ca- faz em baixa definição, a quantidade de bits
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nal, de quatro até oito diferentes progra- por segundo necessária a cada conteúdo
mações, ao invés de uma única programa- permite multiplicar a programação a ser si-
ção, como acontece atualmente. Essas pro- multaneamente transmitida através de um
gramações têm sido vulgar ou marquetei- mesmo canal.
ramente identificadas a “canais”: canal A TVBD portanto oferece maior diversi-
BBC-1, canal BBC-2, canal BBC-3... canal dade de programação ao espectador. Onde
RAI-1, canal RAI-2... Não é bem assim. A hoje temos sete canais de TV aberta, pode-
digitalização do sinal permite a multiple- remos ter de 28 até 56 programações dis-
xação da programação, como acontece no tintas que serão percebidas como se fos-
cabo ou na banda de freqüência da TV por sem “canais” diferentes. Esta variação de-
assinatura. Quando porém a transmissão se pende do padrão de compressão a ser uti-
dá em alta definição, a quantidade utiliza- lizado: o MPEG-2 multiplexa até quatro pro-
da de bits por segundo é tal que o conteú- gramações, mas o MPEG-4 ou o H-264, em
do transmitido exige quase completa ocu- fases finais de teste, permitirão duplicar
pação de um canal de 6Mhz (a banda pa- essa capacidade.
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Para as
operadoras
de televisão,
o que muda?
As operadoras de televisão apostam
que o espectador gosta de assistir TV sen-
tado confortavelmente em sua poltrona,
junto à família, aos cachorros ou gatos...
O ato de ver TV é diferente do de usar
computador. A televisão exige uma tela
maior que a do monitor de computador, funcionarão mais amanhã.
e a TVD promete tela maior ainda. O com- Se a TVD vier a ser apenas algo seme-
putador, por seu lado, exige maior pro- lhante à atual TV analógica com som e
ximidade da tela, sentar-se ergonomica- imagem de cinema numa tela de gran-
mente na cadeira, acionar cerca de 50 des dimensões, as emissoras não teriam
botões de um teclado. Assistir TV é uma muito com o que se preocupar. Mas se a
atividade social. Usar computador é uma TVD realmente oferecer multiprograma-
atividade quase solitária. Os operadores ção, multisserviço e ainda der maior li-
de radiodifusão, no fundo, querem que berdade ao espectador para definir e di-
as pessoas continuem assistindo TV. E, rigir sua programação, as emissoras e
para isto, prometem uma TV com som e anunciantes terão que rever boa parte de
imagem de cinema. suas estratégias de negócios. Se o con-
A produção de um programa precisa- trole remoto já é inimigo da publicida-
rá mudar. Falhas e defeitos que não são de, imagine-se o que vai acontecer se o
visíveis na TV analógica, saltarão aos espectador puder organizar a sua progra-
olhos na TV digital. Muitos truques de mação de acordo com os seus horários e
cenário que funcionam bem hoje, não interesses!
O concessionário de um canal, em rios serviços. Sendo emissora comercial
tese, dispõe das seguintes opções. Pode vai privilegiar os serviços pagos. Por
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ocupá-lo por 24 horas em alta definição, exemplo: oferecerá filmes exclusivos para
transmitindo apenas uma única progra- serem assistidos em horários pré-defini-
mação, como já faz hoje, mas acrescida dos, fora da programação (ou programa-
de todos os “extras” que a TVD permiti- ções) normal. A isto, chama-se “vídeo sob
rá. Pode ocupá-lo 24 horas, transmitin- demanda” (os marqueteiros e os coloni-
do de quatro a oito programações simul- zados culturais preferem dizer video-on-
tâneas. Neste caso, ou terá recursos sufi- demand, ou VoD). As emissoras também
cientes para investir em tanta produção, oferecerão, a quem pagar, fora da pro-
ou precisará recorrer a muita produção gramação, shows musicais ou jogos de
independente. Mas pode, também, com- futebol exclusivos. Como já acontece na
binar as duas alternativas: em alguns TV por assinatura.
horários, multiplexar o canal e, nos ho- Mas o grande serviço que a TVD ter-
rários nobres, transmitir, em alta defini- restre pretende fornecer é o de compra
ção, apenas uma programação. Se a de- em-linha (ou on-line). Através do canal
cisão for deixada ao exclusivo critério das de retorno, o espectador, a um toque de
empresas que venham a obter as conces- botão no seu controle remoto, poderá
sões, é possível que aconteça de tudo: comprar um par de chuteiras igual ao
monoprogramação o dia inteiro num ca- que vê nos pés do Ronaldinho, durante
nal, multiprogramação o dia inteiro em um jogo de futebol, ou um par brincos
outros canais, multi e monoprogramação de brilhantes como o que brilha nas ore-
em algum canal. Nada impede porém, a lhas da Juliana Paes naquele momento
não ser o jogo das pressões políticas, que mais romântico da novela... Para esses
a lei e suas normas venham a definir canais que já existem tanto na TV aberta
como será esta ocupação dos canais di- quanto na TV por assinatura, vendendo
gitais, considerando o interesse público: aparelhos eletrônicos, tapetes persas e
afinal, as empresas receberão uma con- jóias, a TVD promete ser uma festa! Do
cessão de freqüências públicas, logo a “ligue agora!” – e o espectador ainda
sociedade tem todo o direito de estabe- tem que se mover até o seu telefone ou
lecer, através de legislação democratica- o seu computador – para o “clique ago-
mente discutida e votada, como quer que ra!” – e o controle está ali, coçando na
essas freqüências sejam utilizadas. mão! – o estímulo para o consumo vai
Havendo interatividade, a emissora de ganhar um poderoso reforço.
TV detentora do canal pode oferecer vá- É bem possível que o merchandaise ve-
nha a aumentar, substituindo o interva- A TVD pode provocar muitas mudan-
17 lo comercial que tende a perder valor. ças nessa cadeia de valor. A necessida-
Também poderá acontecer que pequenas de de produção para preencher as fai-
vinhetas comerciais (já conuns nas trans- xas de programação tende a criar um
missões de jogos de futebol) sejam como mercado para a produção independen-
que grudadas a cada bloco de um pro- te. A própria programação, se vier a ser
grama qualquer. muito diversificada, poderá fazer apare-
O processo produtivo da TV divide-se cer “agregadores de programas”. Como
em três grandes fases. Produção, cujo a tela da TV vai permitir navegação, não
nome já diz do que se trata. Programa- será surpresa se surgirem novas propos-
ção, uma atividade especializada que tas de busca na tela. Outra hipótese é a
organiza a “grade” a ser enviada diaria- instituição de um operador de rede: em
mente aos espectadores, inclusive as in- alguns países europeus, o transporte é
serções publicitárias. E o transporte, ou totalmente confiado a uma empresa in-
seja a entrega da programação ao espec- dependente especializada, enquanto as
tador. No modelo de negócios atual, todo antigas emissoras tornam-se exclusivas
o processo, em suas várias subfases, é produtoras. Em resumo: a TVD abre a
verticalizado, isto é, realizado por uma possibilidade de a cadeia verticalizada
única empresa operadora. No caso do vir a ser substituída por uma nova, mais
transporte, pode ocorrer subcontratação fragmentada. Isto pode significar novas
de uma transportadora de longa distân- oportunidades de negócios. Mas, tam-
cia a fim de levar uma mesma programa- bém, exigirá forte adaptação e mudan-
ção da estação “cabeça-de-rede” para as ças no comportamento empresarial das
suas associadas, afiliadas e repetidoras atuais emissoras de TV aberta.
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Com tantas
mudanças,
as operadoras de
TV vão conseguir
proteger seus
mercados e reter
suas audiências?
O objetivo das emissoras de TV aberta espectador essa aparente gratuidade.
é justamente o de assegurar uma longa Para as emissoras, tudo dependerá de
sobrevivência para o seu universo de ne- como o espectador vai reagir à melhoria
gócios. Não nos esqueçamos que essa TV, da qualidade de imagem e áudio. Se re-
no Brasil e em muitos outros países, se agir bem, a TV aberta levará o cinema
caracteriza por uma aparente gratuida- para a casa das pessoas, e continuará se-
de na recepção do seu sinal. O especta- gurando sua audiência nas transmissões
dor não percebe que está pagando para esportivas, shows etc. Se o espectador
ver TV através dos custos de publicidade preferir a diversidade, então a TV por
embutidos nos produtos que compra nas assinatura, com sua centena de “canais”
farmácias, supermercados, lojas diversas. continuará sendo mais atrativa, até por-
Nos outros meios não é assim: o espec- que esses “canais” também são digitais.
tador paga diretamente uma assinatura Onde a TV aberta poderá levar uma
e, não raro, um tempo adicional por mi- boa vantagem é na mobilidade e porta-
nuto. A sobrevivência do modelo de TV bilidade. Os sistemas europeu e japonês
aberta só terá sentido se assegurar ao previram isto, o estadunidense não. É
bem possível que o novo “horário nobre” a internet não chegam a 20% dos lares.
19 venha a ser aquele em que as pessoas A desigualdade de renda da sociedade
estão nos ônibus, trens ou metrôs indo e brasileira conspira contra a universali-
voltando do trabalho. zação dos demais meios digitais e pode
No Brasil, a TV aberta leva uma gran- ajudar a consolidar a TVD-T, se a venda
de vantagem: 90% das nossas residên- de URDs rapidamente alcançar escala de
cias recebem sinal de televisão terrestre, massa. Sobre isto, comentaremos me-
enquanto que o computador, o cabo e lhor adiante.
20
O que o Brasil
está decidindo
sobre a TV
Digital?
A discussão sobre TVD começou, no Bra- finiu os objetivos da política brasileira de
sil, ainda durante o Governo FHC. Por um TV digital.
lado, os consórcios que desenvolveram os O decreto 4.901 de novembro de 2003
três principais sistemas internacionais olha- é uma peça política. Define 11 objetivos
vam para o nosso país como um mercado a para o Sistema Brasileiro de TV Digital (SB-
ser conquistado. Por outro lado, nossas TVD), quase todos de natureza social ou
emissoras sabiam que, mais cedo ou mais cultural: inclusão digital, promoção da cul-
tarde, igual às suas congêneres estrangei- tura brasileira, expansão da educação a dis-
ras, iriam enfrentar a concorrência dos ou- tância, fomento ao desenvolvimento indus-
tros meios digitais. trial e tecnológico nacional são alguns des-
Em setembro de 2002, o presidente Fer- ses objetivos. Também se incluem entre os
nando Henrique baixou o primeiro decre- objetivos, o fortalecimento das emissoras
to sobre o assunto, delegando a decisão atuais e o estímulo à entrada de novos pro-
para a Anatel. Em novembro de 2003, de- dutores e difusores. Por fim e quase por
creto do presidente Lula revogou o decre- último (é o 10º de 11 itens), um dos obje-
to anterior, devolveu o poder de decisão tivos será a melhoria na qualidade de áu-
para o Ministério das Comunicações e de- dio e vídeo.
Como a TV está presente em pratica- ta de educação a distância (um dos obje-
21 mente todos os lares e está incorporada tivos explícitos do SBTVD, conforme o de-
aos hábitos culturais brasileiros, sua digi- creto 4.901/2003). Através da TVD, o ci-
talização poderia servir para dar à maioria dadão poderia ter acesso a diversos servi-
pobre da nossa população, o acesso à in- ços públicos como, por exemplo, assegu-
formação e ao conhecimento que a mino- rar reserva de vaga na escola para o seu
ria rica já goza através do computador e filho e acompanhar o seu rendimento,
da internet. Por isto, o governo Lula pen- agendar uma consulta médica no posto de
sou nas utilidades públicas que a TVD per- saúde, fiscalizar a aplicação do orçamen-
mite, mais do que nas suas utilidades co- to e o uso de dinheiro público. Até votar.
merciais. Os recursos de interatividade, Conforme está claro na Exposição de Mo-
multiprogramação e multisserviços não tivos que justifica o decreto, o governo
precisam ser explorados somente para ge- pensou a TVD como um meio para desen-
rar faturamento e lucros. Podem, por volver e disseminar o governo eletrônico
exemplo, servir como poderosa ferramen- (e-gov) e, daí, de inclusão social e digital.
22
Por que o
Governo Lula
optou pelo
sistema japonês?
Atualmente, o sistema japonês é o me- mais “robusto”.
lhor do mundo. Isto foi confirmado pelos O ISDB também oferece uma importan-
testes realizados pela Engenharia da Ma- te vantagem sobre os outros sistemas: ele
ckenzie. Que significa ser o melhor? Signi- permite a transmissão direta do sinal da TV
fica estar mais “blindado” a toda sorte de terrestre para um terminal de telefone ce-
interferência que pode acontecer durante lular. No DVB, por enquanto, a recepção
as transmissões. Barulhos de motor podem de TV pelo celular é feita através do canal
afetar o sinal. Morros, paredes outros obs- da operadora de telefonia. Assim, o acesso
táculos provocam algo assim parecido com à programação da TV depende de algum
um efeito de “eco”: o sinal é reenviado em pagamento à operadora telefônica. O ISDB
diversas direções. São esses fenômenos que permite que a TV aberta possa ser assistida
causam os “fantasmas” na TV analógica. gratuitamente (publicidade a parte) em
Mas na TV digital, eles simplesmente po- qualquer terminal celular. Ninguém nega
dem “derrubar” o sinal. A TV digital, como que isto interessa muitíssimo às nossas
já foi dito, é binária, ou pega ou não pega. emissoras de TV aberta. Por isto, elas pres-
Porque consegue controlar muito bem es- sionaram o governo para adotar o sistema
ses efeitos, os técnicos dizem que o ISDB é japonês. E ganharam.
23
Seria possível
desenvolver
um sistema
brasileiro?
Industrialmente, os equipamentos de TVD,
como qualquer outro equipamento digital,
são formados por conjuntos de complexos
circuitos integrados (ou chips). O receptor de
TVD, por exemplo, é um gabinete contendo
uma placa com alguns chips acoplada ao
monitor de tela (Fig. 2). Fabricar os circuitos dustrial brasileira na indústria eletro-eletrô-
integrados é uma operação industrialmente nica. Destruíram também com cerca de 200
complexa, não existindo, no Brasil, nem co- mil empregos qualificados que mantínhamos
nhecimento, nem experiência, nem empre- nesse setor. O mercado eletro-eletrônico, em
sas capazes de fazê-lo. O que as fábricas ins- nosso país, desde então é completamente
taladas no Brasil são capazes de fazer, é a in- dominado por tecnologias e marcas japone-
tegração ou montagem final dos componen- sas, coreanas e européias.
tes dentro do gabinete. Todos os componen- O decreto 4.901/2003 determinou que
tes e até mesmo o gabinete nos chegam im- recursos do Fundo Nacional para o Desen-
portados da Coréia, do Japão, dos países onde volvimento das Telecomunicações (Funtel)
as fábricas têm sede. Isto é assim porque a fossem aplicados em pesquisas para o desen-
Zona Franca de Manaus, o fim da reserva de volvimento de um sistema brasileiro de TVD.
mercado na informática, a privatização da Durante dois anos, 20 consórcios universitá-
Telebrás e a abertura neo-liberal da econo- rios, com recursos de R$ 80 milhões, desen-
mia, destruíram com toda a capacitação in- volveram quase todos os módulos necessári-
os à montagem de um sistema, inclusive as sa. Estão numa corrida contra o tempo, an-
camadas de modulação, compressão de si- tes que os demais meios digitais lhes come-
24
nal e middleware. cem a comer suas audiências e verbas publi-
O aproveitamento dessa pesquisa depen- citárias. A implantação de uma indústria ge-
deria de decisão política e de política indus- nuinamente brasileira de projeto e fabrica-
trial. O fato de a universidade ter demonstra- ção de chips exigiria cerca de 2 bilhões de
do competência para criar o sistema em la- dólares de investimentos e de 3 a 5 anos para
boratório era apenas o primeiro passo para se consolidar. Os radiodifusores não querem
um programa mais ousado e arriscado. O esperar todo esse tempo.
conhecimento universitário precisaria ser O governo viu-se obrigado a adotar o ISDB
transferido para as indústrias de equipamen- mas a realidade brasileira deu-lhe uma opor-
tos e para as empresas emissoras. Condição tunidade para aproveitar alguma coisa da
sine qua non é a existência de indústrias in- pesquisa acadêmica: o middleware. Do pon-
teressadas ou passíveis de serem submetidas to de vista industrial, a incorporação do mi-
a uma política de interesse nacional. O Brasil ddleware ao sistema é relativamente simples.
não tem esta indústria e muito dificilmente Além disso, o Ginga, nome do módulo de-
as montadoras estrangeiras localizadas em senvolvido pelos pesquisadores da PUC-Rio
Manaus se submeteriam a uma política in- e da UFPb, é realmente muito bom e com-
dustrial que privilegiasse a tecnologia brasi- pletamente adequado às condições sócio-
leira: elas querem importar (e importam) as ambientais do país e aos objetivos da políti-
tecnologias de suas matrizes. O governo ne- ca governamental. O governo anunciou que
cessitaria de muita força política e muita fir- vai adotá-lo no SBTVD. Mas que ninguém se
meza nacionalista para impôr tal política. iluda: nos bastidores tem havido muita pres-
Não é este, seguramente, o caso do governo são para que os fabricantes possam incorpo-
Lula. rar o middleware japonês “Arib” nos apare-
Além disso, as emissoras de TV têm pres- lhos receptores digitais que começarão a ven-
der no final deste ano.
Para o
espectador
comum, quanto
custará essa
mudança?
O preço da URD, quando chegar no mer-
cado, deverá variar entre 400 a 1 mil reais.
Assim como acontece na telefonia celular, o
preço vai variar em função dos recursos do
aparelho. Exemplo: capacidade de gravação mo modo como assiste à TV analógica, com
para 10 minutos ou 10 horas... Espera-se que, mais qualidade de áudio e vídeo. Os técni-
em pouco tempo, as unidades mais baratas cos chamam-no zapper. Fabricantes e radio-
estejam custando 100 reais parcelados em difusores estão defendendo que a TV digital
10, 15, 20 módicas prestações... Mesmo que comece, no Brasil, com a venda apenas des-
permaneçam na faixa dos R$ 400,00, se a se modelo básico. Ou seja, que não se fabri-
venda dos conversores, ao longo de 15 anos, que, num primeiro momento, modelos um
cobrir todo o atual universo espectador e o pouco mais caros que, no entanto, dariam
seu natural crescimento, ter-se-á criado, no ao espectador acesso às funcionalidades e
Brasil, um mercado consumidor avaliado, por potencialidades da TVD. Nenhuma discussão
baixo, em cerca de R$ 14 bilhões. E a pene- como esta é inocente. No fundo, alguns dos
tração da TVD terá sido um sucesso! grupos de interesse que defendem o ingres-
O mais barato dos conversores permitirá so da TV brasileira na era digital querem ape-
que o espectador assista à TV digital do mes- nas mudar para que nada mude...
28
Para as
empresas,
quais serão os
investimentos?
Calcular os investimentos na TVD depen-
de de um conjunto de variáveis e de deci-
sões, ainda pouco claras. Seu cálculo envol-
ve desde o custo de produção ou de aquisi-
ção de programas, até os de compra e ope- anos, para digitalizarem suas transmissões
ração de equipamentos e sistemas. Opções (lembrando que o parque produtivo já está
tecnológicas e comerciais, como a multipro- digitalizado).
gramação ou a monoprogramação, a prefe- É interessante observar que o CPqD tam-
rência pelo MPEG-2 ou pelo H-264, são al- bém examinou a possibilidade de o Brasil vir
guns dos fatores que afetam esses cálculos. a adotar um operador de rede, semelhante
Também as alternativas de canal de retorno ao que fizeram vários países europeus. Neste
e respectivos modelos de negócios alteram caso, o grosso daquele custo seria arcado
os valores das contas. pelo operador: cerca de R$ 3,9 bilhões, em
A Fundação CPqD realizou várias simu- cinco anos. As geradoras comerciais de con-
lações sobre alternativas de investimentos teúdo e programação investiriam apenas cer-
para orientar as decisões do governo e das ca de R$ 73,4 milhões e as públicas, R$ 4,8
empresas. Concluiu que as emissoras pri- milhões. Apesar dessa grande economia, as
vadas deverão investir cerca de R$ 4,3 bi- principais emissoras brasileiras de TV pare-
lhões e as estatais, R$ 1,2 bilhão, em cinco cem não se interessar por tal alternativa.
29 Como o Governo
pretende
implementar a
política traçada
no decreto
4.901/2003?
O governo Lula traçou grandes metas no
decreto 4.901/2003 mas, a rigor, em segui-
da, só deu encaminhamento prático a uma
delas: a realização de pesquisas para um
possível sistema brasileiro. Mesmo assim,
toda a política industrial subseqüente não
foi sequer discutida...
Um ano e meio depois desse primeiro
decreto, foi baixado o decreto 5.820/2006
que tão somente deu seqüência prática a vos mais políticos e mais importantes do
algumas determinações do anterior, sobre- decreto 4.901/2003, o governo optou por
tudo no que concerne à escolha do siste- criar um canal público multiplexado não
ma tecnológico e detalhamento das regras previsto originalmente. Por este canal, o
e cronograma de transição. Desde então, MEC, o Ministério da Cultura, o Poder Exe-
cresce a sensação de que os grandes obje- cutivo, instituições a eles ligadas ou relaci-
tivos do decreto 4.901/2003 estão sendo onadas, e ainda as entidades da socieda-
esquecidos, embora o 5.820, de modo al- de, as municipalidades e outras fontes de
gum, tenha-o revogado. expressão de interesses públicos passarão
Parece que, para encaminhar os objeti- a ter um meio de veicular programações
alternativas à comercial e, daí, também, le- ploração da concessão pública do espec-
var adiante planos de educação a distân- tro de freqüências, cada emissora sente-se
30
cia, e-gov, inclusão digital etc. Os quase 60 a vontade para definir as estratégias comer-
canais da banda UHF, portanto, seriam dis- ciais que melhor atenda a seus particulares
tribuídos para as atuais e novas emissoras interesses. Se mais tarde, alguma lei vier a
comerciais, reservando-se um canal para ser ser aprovada, sua aplicação esbarrará nos
dividido, conforme o decreto, por quatro fatos consumados de um mercado já esta-
faixas, ou programações paralelas: educa- belecido e institucionalizado pela prática.
ção, cultura, governo e comunidade. O governo Lula, ao longo de seus qua-
Assim, vão sendo tomadas decisões téc- tro primeiros anos de mandato, não enca-
nicas que, aos poucos, se transformam em minhou um aspecto essencial da política de
fatos consumados moldando a TVD no Bra- TVD: sua regulamentação. A radiodifusão
sil. Exemplo: se a TVD entrar em operação brasileira ainda é regulamentada pelo Có-
em dezembro, em São Paulo, as sete emis- digo de Comunicações de 1962, um docu-
soras de TV terrestre passarão a transmitir mento obviamente ultrapassado. Durante
seus sinais digitais em diferentes canais o governo FHC foram baixadas duas impor-
UHF. Como utilizarão esses canais? É possí- tantes leis que colocaram a TV a cabo e as
vel que uma ou duas dessas emissoras, as telecomunicações definitivamente à mar-
mais poderosas financeiramente, prefiram gem do Código: a Lei da TV a Cabo (8.977/
transmitir em alta-definição, ocupando 1995) e a Lei Geral de Telecomunicações
todo o canal com uma única programação. (9.472/1997). No entanto, para o funcio-
É provavel que outras emissoras optem por namento no Brasil da TV por assinatura
multiprogramação pois isto lhes permitiria transmitida por satélite, na falta de outra
sublocar as faixas para terceiros produto- legislação, foi necessário recorrer a dispo-
res. Se observarmos, hoje, o cenário da TV sitivos do Código de 1962.
brasileira, é fácil constatar que apenas três O que acontece? Pela lei da TV a cabo,
emissoras cabeças-de-rede, ou quatro, com entre outras exigências, as operadoras con-
boa vontade, dispõem de real capacidade cessionárias estão obrigadas a transmitir ca-
de produção. Há mesmo um canal que se nais públicos e comunitários. Por isto, po-
especializou em preencher seus horários demos sintonizar no cabo, as TVs do Sena-
promovendo leilões de tapetes e jóias, em do, da Câmara, a Comunitária, a Universi-
arrepio aos objetivos da comunicação so- tária etc. Esta exigência não se estende à
cial, conforme definidos na Constituição. TV por assinatura via satélite que sequer é
Como nada está regulamentado, como não uma concessão (cujas regras de outorga
existe lei orientando as condições de ex- exigem até licitação), mas uma mera auto-
rização por portaria do Ministério das Co- zados. No entanto, a Sky, operadora de TV
31 municações. por assinatura via satélite, é uma empresa
Como a televisão, após sua digitaliza- 100% estrangeira. De certo, não é uma
ção, deixará de ser mera radiodifusão, sur- autorizatária de radiodifusão mas a natu-
girão conflitos com as telecomunicações. reza do seu negócio, por óbvio, invade o
Ao longo de 2005 e 2006, por isto, vários espaço dos radiodifusores sem, entretan-
projetos de lei, até um projeto de emenda to, submeter-se às mesmas condicionali-
constitucional, foram apresentados, no dades. Este é apenas um dos muitos pro-
Congresso Nacional, buscando proteger os blemas que vêm sendo suscitados pela
interesses em conflito e, não, regulamen- convergência tecnológica. A TVD só ten-
tar realmente esta nova realidade. A Cons- de a agravá-los. E a ausência de um mar-
tituição, por exemplo, determina que a ra- co regulatório claro, só acirrará os confli-
diodifusão seja exclusiva de empresas sob tos, aumentando a insegurança jurídica
controle de brasileiros natos ou naturali- dos investidores.
Os sindicatos, 32
as comunidades,
as minorias,
poderão fornecer
conteúdos para
a TV Digital?
Vai depender de um conjunto de fato-
res políticos e econômicos. Os meios digi-
tais já se constituem em ferramentas para
a expressão dos movimentos sociais, na
medida em que ninguém está impedido poderá ser privado ou estatal. Esta é, tam-
de produzir e pôr na rede, os seus própri- bém, uma das decisões políticas que ne-
os portais, sítios, blogs etc. A Lei do Cabo cessitam ser tomadas pelo governo e, de
também abriu espaço para a produção algum modo, incorporadas na legislação
social e comunitária. Na TVD, o decreto regulamentadora.
5.820/2006 prevê que o governo venha a No entanto, na hipótese de as opera-
criar um “Canal da Cidadania”, voltado doras comerciais virem a multiplexar seus
para a difusão de produção oriunda dos canais (por estratégia econômica ou im-
movimentos sociais, ONGs, sindicatos, posição regulatória), poderá, também aí,
municipalidades etc. abrir-se espaço para uma produção mais
Este “canal” será uma das quatro faixas diversificada e, eventualmente, mais de-
públicas a ocupar um canal de UHF. Para a mocrática. Não tem sido incomum, hoje
distribuição e transporte dos conteúdos, o em dia, expressões artísticas da “perife-
governo deverá contar com uma empresa ria” chegarem às telas da TV brasileira –
operadora exclusiva. Este operador de rede e, também, às telonas do cinema. Se ti-
verem qualidade e potencial de conquis- sos. Quanto ao significado político dis-
33 tar público, isto é, audiência, logo, pu- so, esta é uma outra discussão que não
blicidade, atrairão o interesse de algum cabe no escopo desta cartilha.
investidor. Há quem torça o nariz, talvez A pergunta foi: há espaço para manifes-
com razão, para esse tipo de apoio. Mas tações independentes, comunitárias, soci-
gostemos ou não, é fato que, cada vez ais? Resposta: para isto haverá um canal
mais, o capital, ele mesmo, não torce o público (mas este canal precisa realmente
nariz para trabalhos artísticos que ven- ser criado) e, talvez, surjam demandas dos
dam discos, lotem ginásios esportivos, canais comerciais (a depender da qualida-
prendam as pessoas à poltrona da sala da de do produto e dos gostos imprevisíveis
TV, mesmo que veiculem discursos raivo- do mercado).
A TV Digital 34
pode levar à
democratização
da comunicação
no Brasil?
Criou-se uma grande expectativa em re-
lação à democratização dos meios de co-
municação, com a chegada da TVD. Seu
potencial de multiprogramação, de intera-
tividade, aliado à utilização da freqüência
UHF, onde cabem muito mais canais, ao
mesmo tempo forçando uma ampla redis-
cussão do marco regulatório brasileiro,
tudo isto está contribuindo para uma cres-
cente mobilização da sociedade a favor de for definido um novo marco normativo legal.
um reordenamento mais democrático dos Situando-se na intercessão entre a radiodi-
meios de comunicação social. fusão e as telecomunicações, a TVD, juridi-
Contribui ainda para essa mobilização, o camente, está no limbo. Isto significa dizer
triste papel que a imprensa escrita e as redes que qualquer interesse contrariado encontra-
de rádio e televisão desempenharam nas úl- rá argumentos para paralisar o processo na
timas eleições, apoiando descaradamente um Justiça. E, não esqueçamos, os interesses aí
dos candidatos e quase promovendo um são poderosos. Podem contratar bons escri-
golpe branco, similar ao que chegou a ser tórios de advocacia para sustentar qualquer
tentado na Venezuela, visando derrubar o argumento, contra, a favor ou muito pelo
governo Lula. contrário.
De fato, a TVD não avançará se não lhe Além do mais, a radiodifusão brasileira
ainda é regulamentada pelo Código de Co- abranja todo o universo das comunicações.
35 municações de 1962. Ele está não só ultra- Deverá ser uma lei que assegure, defenda e
passado, como, ao longo do tempo, veio sen- fomente a produção nacional, regional e lo-
do descaracterizado e retalhado por decre- cal de conteúdos; promova empregos e de-
tos-leis dos tempos da ditadura e por outras senvolvimento tecnológico no país; assegu-
leis, inclusive, principalmente, pela Lei do re o livre e democrático acesso à informação,
Cabo e pela Lei Geral de Telecomunicações. à educação, ao conhecimento para toda a
Aliás, a Constituição de 1988 impôs alguns sociedade, sobretudo para a sua maioria po-
princípios para a veiculação de conteúdos bre e excluída.
pela radiodifusão que também não estavam Talvez não seja possível pensarmos, olhan-
previstos naquele Código e jamais foram re- do para o mundo real, que vamos desarticu-
gulamentados posteriormente. lar os poderosos coglomerados de comuni-
A Lei do Cabo criou a esdrúxula situação cações que estão investindo no desenvolvi-
de normatizar, com rigor, a TV por assinatura mento e no controle das tecnologias digitais.
a cabo, deixando de fora a TV por assinatura Essas tecnologias nasceram para atender às
via satélite. Esta funciona, no Brasil, com base necessidades do mercado, não da democra-
em interpretações de dispositivos do Código cia. Mas as próprias tecnologias e, sobretu-
de 1962. Já a LGT pode ser utilizada para do, o estágio atual de amadurecimento e or-
impedir que operadoras de telecomunica- ganização política da sociedade brasileira
ções invistam na produção e até no transpor- permitem imaginar que, deste debate, possa
te de conteúdos, algo que a realidade da in- nascer um ambiente muito mais plural e in-
ternet e da telefonia celular já revogou na clusivo nas comunicações brasileiras. O de-
prática. Mas, no momento em que este texto bate começa agora. Ainda este ano, o gover-
está sendo escrito, uma associação empresa- no deve enviar para o Congresso Nacional,
rial tenta barrar na Justiça e na Anatel a en- um projeto de lei sobre as Comunicações. A
trada das empresas de “telecom” na TV por sociedade precisa se preparar para aperfei-
assinatura. Nesta época de convergência, tais çoar ou até, se for o caso, combater o proje-
manifestações não fazem mais sentido! to que vem por aí, propondo então a sua pró-
O que precisamos é de uma nova lei que pria alternativa.
36
Como a
Engenharia
brasileira pode
intervir nesse
debate e em
que rumo?
A Engenharia brasileira tem que defender
a Engenharia brasileira. Pode parecer tauto-
lógico, mas, nos últimos 20 anos, as políticas
neo-liberais e as aberturas econômicas pro-
movidas por sucessivos governos provocaram tecnológico constava, no decreto 4.901/
grande retrocesso industrial-tecnológico e a 2003, entre os primeiros objetivos do SBDTV
destruição de milhares de empregos de en- e o governo, de fato, organizou os consórci-
genharia, em nosso País. O debate sobre a os universitários de pesquisa para desenvol-
TV digital pode permitir um outro e necessá- ver os diversos módulos constitutivos da TVD.
rio debate sobre o desenvolvimento indus- Foi um primeiro passo importante e necessá-
trial-tecnológico brasileiro. rio. Mas ficou faltando o passo seguinte: a
Esta, até o momento, é uma discussão definição de uma política industrial de lon-
quase ausente. No seu primeiro ano do pri- go prazo que permitisse a transferência para
meiro mandato, o governo Lula acenou com a indústria dos resultados daquela pesquisa.
a possibilidade de a TV digital vir a servir, tam- Se japoneses, estadunidenses ou euro-
bém, para assinalar uma nova tomada de peus hoje competem, no mundo, com suas
posição sobre o desenvolvimento industrial- respectivas tecnologias é porque definiram
tecnológico. O desenvolvimento industrial- políticas que visavam defender e promo-
ver as suas empresas eletro-eletrônicas na- terior a maior parte dos empregos de enge-
37 cionais: a Sanyo ou Sharp japonesas, a Ze- nharia que ela pode criar. Mas se estabele-
nith ou Motorola estadunidenses, a Philips cermos condições econômico-institucionais
ou Thomson européias, só para citar algu- para que o Brasil efetivamente venha a se
mas. Essas empresas criam, em seus países, dotar de uma fundição com tecnologia aqui
cadeias produtivas que demandam grande desenvolvida, aí sim estaremos dando um
quantidade de empregos de engenharia e importante passo à frente para a expansão
demais níveis qualificados. Nos demais pa- dos empregos de engenharia e outros em-
íses, quando muito, geram empregos de pregos qualificados em nosso País.
baixa qualificação. Basta vermos, no Bra- Este é um tema para um grande debate e
sil, os empregos que elas criam na Zona muita reflexão sobre a agenda do desenvol-
Franca de Manaus. vimento. Neste preciso momento, há uma
A chegada da TV digital no Brasil poderia bandeira mais imediata em disputa: o midd-
representar uma nova oportunidade para leware. O discurso das autoridades favorece
expandirmos os empregos qualificados em a criação dos pesquisadores da PUC-Rio e
nosso país. Para isto, o governo precisaria ter UFPb. Mas a indústria eletro-eletrônica es-
uma política que penalizasse, de algum trangeira, com unidades de montagem em
modo, a montagem do tipo CKD (complete- Manaus, apoiada pelos radiodifusores, fazem
ly knocked down), conforme largamente pra- uma silenciosa pressão contra a incorpora-
ticada em Manaus, e premiasse a efetiva fa- ção do Ginga ao nosso sistema. Se o Ginga
bricação dos equipamentos, no Brasil. Hoje, for adotado, com este seu brasileiríssimo
é verdade, esses equipamentos estão quase nome de fácil pronúncia em qualquer língua,
inteiramente contidos em um punhado de não somente a Engenharia brasileira conquis-
circuitos integrados. Fabricá-los implica ab- tará respeito internacional, como vamos abrir
sorver a capacidade para projetar e fabricar caminho para muitos outros trabalhos (e
CIs. Isto é muito mais do que meramente ins- royalties e empregos) suportados pelo midd-
talar em nosso território uma unidade fundi- leware brasileiro.
dora (foundry). Nesta, conforme vem sendo Mais do que isto: poderemos estar convo-
concebido pelo governo, a inteligência, ou cando a Engenharia brasileira para voltar a
seja, capacidade de projeto e fabricação, con- se colocar no centro do debate sobre o de-
tinuará no exterior, logo permanecerá no ex- senvolvimento nacional.
Anexo I 38
DIRETORIA EXECUTIVA:
Presidente: Eng. Nilo Sérgio Gomes
Vice-presidente: Eng. Rubens Martins Moreira
2º Vice-presidente: Eng. José Flávio Gomes
Diretor Secretário Geral: Eng. Eustáquio Pires dos Santos
Diretor 1º Secretário: Eng. Paulo Henrique Francisco dos Santos
Diretor 1º Tesoureiro: Eng. Abelardo Ribeiro de Novaes Filho
Diretor 2º Tesoureiro: Eng. Lucas Rocha Carneiro
Diretor Negociações Coletivas: Eng. Alexandre Heringer Lisboa (licenciado)
Diretor Ciencia, Tecnologia e Meio Ambiente: Eng. Jobson Nogueira de Andrade
Diretor de Promoções Culturais: Eng. Antonio Alves de Araujo
Diretor Relações Inter-sindicais: Eng. Jairo Ferreira Fraga Barrioni
Diretor Saúde e Segurança do Trabalhador: Eng. Evaldo de Souza Lima
Diretor Assuntos Jurídicos: Eng. Anivaldo Matias de Souza
Diretor Assuntos Comunitários: Engª . Laurete Martins Alcântara Sato
Diretor de Imprensa e Informação: Eng. Valmir dos Santos
Diretor Estudos Sócio-Econômicos: Eng. Arnaldo Alves de Oliveira
Diretor de Interiorização: Eng. Antonio Dias Vieira
CONSELHO FISCAL:
Eng. Carlos Moreira Mendes
Eng. Lúcio Fernando Borges
Eng. José Tarcisio Caixeta (licenciado)
Eng. José Jorge Leite
Eng. Marcelo de Camargos Pereira
DIRETORIA REGIONAL ZONA DA MATA:
Eng. João Vieira de Queiroz Neto
46
Eng. Silvio Rogério Fernandes
Engª. Vania Barbosa Vieira (licenciada)
FICHA TÉCINA
COORDENAÇÃO:
Engº Anivaldo Matias de Souza
TEXTO:
Prof. Marcos Dantas
EDIÇÃO:
Miguel Ângelo Tôrres Teixeira
ARTE FINAL:
Viveiros Editoração
ILUSTRAÇÕES:
Carlos Jorge
IMPRESSÃO:
Gráfica