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Resenha e Fichamento__________________________________________________

ARANHA, Maria Lúcia. Filosofia da Educação. 3.ed. São Paulo: Moderna, 2006.

Capítulo 3 – A Formação do Educador

Antes de delinearmos a imagem, a ideia, de professor que deve se estabelecer como


“guia” para os novos educadores, devemos ter em mente que educar é “[...] conduzir de um
estado a outro, é modificar numa certa direção o que é suscetível de educação”. Então, o ato
de educar é sempre um gesto criativo, pois visa a invenção de um novo pensamento, uma
nova realidade, e o abandono de ideias e práticas que não respondem mais as situações e os
problemas surgidos nos contextos contemporâneos.
Nesse sentido, a primeira característica do educador é essa capacidade de conduzir o
educando a uma outra existência, a um outro estado, por meio da criação ou da invenção de
métodos que atendam aos objetivos de transformação da realidade imediata dos alunos,
visando, em um quadro mais amplo, a transformação da realidade social. Portanto, o professor
deve se tornar um intelectual transformador, que significa ser capaz de ter uma visão do todo,
de questionar o seu próprio conhecimento e ação em sala de aula, estar comprometido com a
ética e a política e estar em contínua formação. Ser um intelectual transformador requer então
a prática da reflexão crítica em um sentido mais filosófico, ou seja, não se trata apenas da
indagação e da busca sistemática de soluções para os problemas das coisas do mundo, mas
também do desejo de compreensão do pensamento, da ação e das palavras humanas.
Assim, constata-se que a reflexão crítica sobre a educação se interpõe como uma
condição para a superação das ações meramente burocráticas e técnicas que tendem a uma
reprodução irrefletida de certas normas sociais não-explícitas que acabam por reproduzir as
injustiças e os preconceitos sociais dentro do ambiente escolar. Essa afirmação traz consigo a
constatação de que todas as escolas – em todos os seus níveis – serão ambientes políticos e
carregados de tensões sociais.
Diante dessa realidade escolar concreta, duas lutas são necessárias: a primeira luta
objetiva alcançar a melhoria da formação superior nas áreas de pedagogia e licenciatura no
sentido de proporcionar ao futuro educador uma compreensão sistematizada da educação no
Brasil. Tal ideia pode fazer com que “o trabalho pedagógico se desenvolva para além do
senso comum e se torne realmente uma atividade intencional”. Para isso, a formação dos
professores deverá contemplar três aspectos: (1) a qualificação (o domínio do conteúdo); (2) a
formação pedagógica (o domínio dos métodos de ensino); (3) a formação política e ética (a
capacidade de análise crítica e de posicionamento ao contexto imediato e ao contexto geral da
educação).
Já a segunda luta, que, de certo modo, também passa pela revalorização da formação
do professor, objetiva a melhoria das condições profissionais da docência. Essa melhoria
requer a profissionalização definitiva da atividade docente (uma vez que, ainda que a
docência seja reconhecidamente uma profissão, ela ainda é cercada por vários discursos que
remetem à vocação e ao sacerdócio); a reestruturação das escolas sucateadas e dos currículos
escolares muito defasados (que não encontraram ainda a correta medida entre a formação
técnica-mnemônica e a construção do saber); a implementação da escola como um espaço de
formação continuada tanto para alunos quanto para professores; e, em última instância, a
melhoria das condições de vida familiar dos próprios alunos.
A superação dos diversos problemas que circundam a educação e a formação do
educador – e, aqui, formação deve ser entendida em seu sentido amplo e continuado – só
acontecerá no momento em que os professores tomarem consciência de sua situação, por meio
da reflexão, e batalharem juntos por mudanças. Mas, para que essas batalhas tenham algum
êxito, eles precisam assumir os meios de conhecimento e batalhar pelo reconhecimento de sua
importância como intermediário entre a sociedade e o aluno.

[P.43]
A revalorização da profissão docente deve começar pelos cuidados com a formação do
professor. Tornar os cursos de pedagogia momentos efetivos de reflexão sobre educação é
condição para superação da atividade meramente burocrática em que mergulham muitos
desses cursos.

[P.44]
Os cursos de pedagogia e licenciatura devem proporcionar uma compreensão sistematizada
da educação, a fim de que o trabalho pedagógico se desenvolva para além do senso
comum e se torne realmente uma atividade intencional.
Destacamos três aspectos importantes na formação do professor: qualificação, o professor
precisa adquirir os conhecimentos científicos indispensáveis para o ensino de um conteúdo
específico; formação pedagógica, a atividade educativa supera os níveis do senso comum,
para se tornar uma atividade sistematizada que visa a transformar a realidade; formação
política e ética: o professor educa a partir de valores, tendo em vista a construção de um
mundo melhor.

É fundamental selecionar o conteúdo a partir dos objetivos concebidos de antemão,


visando garantir a eficácia da ação. Nesse caso, o professor precisa ter acesso às
contribuições das ciências auxiliares da educação, da filosofia da educação e da história da
educação. Deve dominar também, além dos aspectos teóricos, os recursos técnicos,
desenvolvendo as habilidades que viabilizem a atividade docente, e agregando elementos
que possibilitem uma práxis educativa reflexiva.

[...] o professor desenvolve um trabalho intelectual transformador: ele não só quer mudar o
comportamento do aluno, como também educa para um mundo melhor; que está para ser
construído. A educação está inserida em um contexto maior – social, econômico e político.
[Ele precisa se posicionar].

Posicionar-se não quer dizer, em absoluto, assumir atitudes de proselitismo, que são
perniciosas porque visam a doutrinar o aluno, abusando de sua receptividade intelectual.
Assumir posições significa estar comprometido com o mundo e disposto a participar,
lutando contra o trabalho degradante, a submissão política, a alienação da consciência,
as exclusões injustas e as diversas formas de preconceito.

A expressão “tia”, além de conferir um “ar doméstico” à atividade profissional, nos faz
lembrar a desde sempre existente “feminização” do magistério. Não é vocação o motivo pelo
qual predominam mulheres na função de docente, sobretudo na educação fundamental: o
desprestígio e a baixa remuneração destinam essas atividades [ - a atividade docente está
entre elas - ]ao segmento feminino, igualmente desvalorizado profissionalmente na
sociedade sexista.

[P.45]
A expressão “sacerdócio” nos faz lembrar abnegação, total dedicação a uma atividade
vilmente remunerada, levando à convicção de que a “grandeza espiritual” do
empreendimento de educar estaria na razão inversa da exigência de um salário justo.
O professor é um profissional e, como tal, além da boa formação deve ter garantidas as
condições mínimas para um trabalho docente: materiais adequados, reuniões pedagógicas,
atualização permanente, plano de carreira, além de salários mais dignos.

Essas modificações não dependem dos indivíduos isolados, mas só serão possíveis se os
professores tomarem consciência política da sua situação e estiverem dispostos a se
mobilizar como corpo coletivo, sempre que necessário, como grupo ativo em sua própria
escola e/ou engajados em associações representativas de classe que defendam seus interesses.

[P.47]
[...] espera-se que o profissional da educação seja um sujeito crítico, reflexivo, um intelectual
transformador, capaz de compreender o contexto social-econômico-político em que vive. Ou
seja, não se deve confundir o intelectual com o especialista em alguma área do conhecimento,
mas sim ter em mente que ele é o sujeito capaz de ter uma visão do todo, além de estar
comprometido com a ética e a política. Que ele então esteja atento a intencionalidade de sua
ação, questionando continuamente seu saber e agir, articulando o conhecimento sobre
educação com sua práxis educativa, com flexibilidade para inventar caminhos quando a
situação concreta exige soluções criativas. Enfim, que participe ativamente no propósito da
emancipação humana.
Ser educador intelectual transformador é compreender que as escolas não são espaços
neutros de mera instrução, mas carregados de pressupostos que representam as relações
de poder vigentes e convicções pessoais nem sempre explicitadas. Imaginar que a escola
seja um local apolítico, em que são transmitidos conhecimentos objetivos e apartados do
mundo das injustiças sociais, é manter uma postura conservadora. Perigosamente
conservadora, por contribuir para a manutenção do status quo.

Em outras palavras, a formação do professor como intelectual transformador supõe o


reconhecimento de que as crenças, as condutas e os valores incorporados pelo senso
comum muitas vezes estão a serviço da manutenção de uma ordem social hierarquizada,
isto é, são ideológicos.

[P.48]
Ao reconhecer o que é ideológico, o professor terá condições de propiciar aos alunos a
oportunidade de desenvolver, por sua vez, a capacidade de questionamento e de
promover a desmistificação da cultura.

[P.49]
Afinal, os professores seriam intelectuais transformadores ou apenas técnicos? A
resposta dessa questão é decisiva para definirmos a identidade do educador e do pedagogo.

São muitos os pedagogos que têm se debruçado sobre a questão do professor como
profissional reflexivo, como também não lhes têm faltado críticas, algumas delas devido a um
eventual descuido pelo saber escolar, pela assimilação dos conhecimentos, em decorrência da
maior ênfase dada à construção do conhecimento. Igualmente, criticam-se os riscos de falta de
rigor e um “recuo da teoria”, ao se valorizar a flexibilidade do professor diante das situações
concretas. São questões polêmicas em aberto.

Para Isabel Alarcão, “a noção de professor reflexivo baseia-se na consciência da capacidade


de pensamento e reflexão que caracteriza o ser humano como criativo e não como mero
reprodutor de ideias e práticas que lhe são exteriores. É central, nessa conceptualização, a
noção do profissional como uma pessoa que, nas situações profissionais, tantas vezes incertas
e imprevistas, atua de forma inteligente e flexível, situada e reativa”.

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