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Resumo: apresenta uma interpretação alternativa sobre a política econômica brasileira dos períodos de
1898/1902 e 1995/1999, identificando, através de análise histórico-comparativa, paralelos cujo
fundamento histórico é atribuído ao fato de se tratarem de dois momentos que, segundo Arrighi (1996),
são marcados por expansões financeiras da economia-mundo capitalista, que influenciaram as dinâmicas
nacionais.
Palavras-chave: política econômica, expansão financeira, ciclos sistêmicos de acumulação.
Abstract: presents an alternative interpretation about brazilian economic policy implemented in the
periods of 1898/1902 and 1995/1999, identifying, through an historical-comparative analysis, similarities
whose historical causes are attributed to the fact of being two moments that, according to Arrighi (1996),
are marked by financial expansions of the capitalist world-economy that have influenced the national
dynamics.
Key-words: economic policy, financial expansion, systemic cycles of accumulation.
1. Introdução
1
Mestrando em Economia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
estreitas de curto prazo, procuram compreender a PE a partir de uma perspectiva mais
ampla, que considere suas relações com o contexto histórico vigente. Ademais, o foco
dos estudos tem recaído muito mais sobre as “conseqüências” do que sobre as “causas”
da PE, isto é, os condicionamentos e motivações que levaram o Estado brasileiro a
utilizar, de determinada maneira, os instrumentos que tem a sua disposição para intervir
na economia. As causas da PE estão imersas nas múltiplas relações de causalidade que
ela mantém com fatores econômicos, políticos, sociais e ideológicos do contexto
histórico vigente. Geralmente, mesmo quando se trata de analisar as “causas” da adoção
de uma determinada PE, a maioria dos estudos elege um ou dois fatores explicativos,
tais como: a personalidade/ideologia dos governantes; dificuldades imediatas nas contas
públicas; restrições externas ou choques adversos. Mesmo nestes casos, a ênfase é dada
a aspectos pontuais e de curto prazo, em detrimento de fatores relacionados à conjuntura
histórica composta de múltiplas facetas. Como resultado, vê-se, abundantemente,
previsões de PE, elaboradas a partir de modelos macroeconométricos, serem revistas ou
refutadas em função de mudanças no quadro político nacional e internacional não
consideradas previamente em tais análises.
Este trabalho quer contribuir para preencher a lacuna deixada por tais estudos,
apresentando uma análise da PE brasileira em dois períodos, que procura avaliar,
especificamente, a influência da conjuntura histórica do sistema capitalista sobre os
rumos da PE nacional. O estudo da influência da conjuntura histórica do sistema
capitalista sobre a PE de tais períodos constitui um avanço diante das abordagens
ortodoxas, pois, sendo esta conjuntura uma síntese de aspectos econômicos, políticos e
sociais, implica acrescentar, ao rol de aspectos que já vêm sendo considerados nas
análises do “mainstream”, uma série de fatores cuja importância tem sido desprezada. A
PE, tenha ela facetas de arte, técnica, governo, ciência ou ideologia, apresenta
fundamentos na conjuntura histórica do sistema capitalista que merecem ser estudados.
Para relacionar a conjuntura histórica do sistema capitalista à condução da PE
nacional, faz-se uso do conceito de ciclos sistêmicos de acumulação (CSA), elaborado
por Giovanni Arrighi para auxiliar na compreensão da evolução histórica do sistema
capitalista (ou, melhor falando, da economia-mundo capitalista). Arrighi vincula-se a
uma vertente do pensamento social contemporâneo que ficou conhecida como
Economia Política dos Sistemas-Mundo. Para Gonçalves (2003), a Economia Política,
de modo geral, é uma análise que sintetiza história, política e economia. A Economia
Política dos Sistemas-Mundo é uma abordagem sobre a história do capitalismo que
procura mobilizar o conhecimento histórico para a solução de problemas macro-
sociológicos (ARRIGHI, 2002), surgida em meados dos anos 1970, com a publicação
do artigo seminal “The Rise and Future Demise of the World Capitalist System:
Concepts for Comparative Analysis”2 e do volume “The Modern World System I:
Capitalist Agriculture and the Origins of the European World-Economy in the Sixteenth
Century”3, ambos de autoria de Immanuel Wallerstein, que, ao lado de autores como
Arrighi, Chase-Dunn e outros, compõe o grupo de estudiosos desta vertente.
Este trabalho procura avaliar em que medida a PE nacional está inserida na
dinâmica geral dos CSA, mais especificamente, na dinâmica da expansão financeira por
que passava o sistema capitalista em cada um dos dois períodos analisados (a expansão
financeira corresponde à fase final de cada ciclo). Para examinar os condicionamentos
históricos impostos por esta conjuntura à PE brasileira, são analisadas
comparativamente as medidas econômicas adotadas nos dois períodos, de modo a
identificar um certo padrão. Posteriormente, verifica-se em que grau este padrão pode
ser explicado pela dinâmica das expansões financeiras dos CSA. Por isso, na seção a
seguir, é apresentado o conceito de CSA, que será utilizado, na terceira seção, para a
análise histórico-comparativa da PE implementada pelo Estado brasileiro nos períodos
de 1898/1902 e 1995/1999. A idéia é mostrar que a semelhança entre os dois discursos
colocados na epígrafe a este texto, a despeito da diversidade ideológica de seus autores,
possui raízes na dinâmica histórica do sistema capitalista.
2
Republicado em: WALLERSTEIN, I. The Essential Wallerstein. New York: The New York Press,
2000.
3
WALLERSTEIN, I. The Modern World System I: Capitalist Agriculture and the Origins of the
European World-Economy in the Sixteenth Century. New York: Academic Press, 1974.
história da expansão do moderno sistema-mundo até suas dimensões atuais passa, então,
a ser compreendida como se dando através de uma série de reorganizações
fundamentais que o colocaram em diferentes etapas de seu desenvolvimento.
Foi ao procurar as semelhanças e diferenças entre cada uma dessas etapas,
seguindo a abordagem da Economia Política dos Sistemas-Mundo e a perspectiva da
longa duração, que Arrighi percebeu que em cada uma delas um determinado bloco ou
comunidade de agentes governamentais e empresariais era hegemônico no sistema-
mundo. Esse bloco exercia sua hegemonia através de estratégias e estruturas específicas
mediante as quais promoviam, organizavam e regulavam a expansão da economia-
mundo capitalista. Arrighi (1996) denominou esse conjunto específico de estratégias e
estruturas hegemônicas da economia-mundo capitalista de “regime de acumulação em
escala mundial” e percebeu que cada um desses regimes apresentava um
comportamento cíclico.
Arrighi passa, então, a compreender aqueles processos de mudança sistêmica,
aqueles períodos de reorganização radical do sistema capitalista, como transições
hegemônicas, definidas como momentos de mudança no agente principal dos processos
mundiais de acumulação de capital e das estruturas político-econômicas em que tais
processos estão baseados. Para interpretar esta trajetória histórica, Arrighi propôs o
conceito de ciclos sistêmicos de acumulação: ciclos de ascensão e queda de hegemonias
políticas, e dos respectivos regimes de acumulação de capital e poder que lhe são
subjacentes. Arrighi identifica, ao longo da história do capitalismo (desde o século XVI
à atualidade), quatro CSA, denominando-os de acordo com o agente hegemônico de
cada ciclo: o ciclo genovês (sécs. XV, XVI), o ciclo holandês (sécs. XVII, XVIII), o
ciclo britânico (sécs. XVIII, XIX e XX) e o ciclo norte-americano (séc. XX à
atualidade).
Arrighi (1996, p. 10) coloca que o principal objetivo do conceito de CSA é
descrever e elucidar a formação, consolidação e desintegração desses sucessivos
regimes pelos quais a economia capitalista mundial se expandiu desde o “longo” século
XVI até a atualidade. Trata-se de uma nova unidade temporal para análise do
desenvolvimento histórico da economia-mundo capitalista.
Arrighi (1996) argumenta que quando as estruturas e estratégias hegemônicas
que lideraram um determinado ciclo se esgotam e começam a se desintegrar, em meio a
suas contradições internas, novas estruturas e estratégias de acumulação de poder e
capital estão surgindo em um centro às margens do raio de atuação do Estado
hegemônico. Os agentes deste centro emergente passam a contestar o poder hegemônico
e podem ser capazes de iniciar e liderar um novo estágio do capitalismo histórico, um
novo ciclo sistêmico de acumulação.
Inicia-se, então a passagem de um ciclo para outro, caracterizada pela disputa
entre o centro emergente e o centro decadente pela liderança dos processos sistêmicos
de acumulação de capital e poder. É um período de mudança sistêmica e transição
hegemônica, em que ocorrem os grandes processos de reorganização do sistema-mundo
a que se fez referência anteriormente.
Para Arrighi (1996), a ascensão e a queda das hegemonias e dos regimes de
acumulação estão associadas à alternância entre fases de expansão material e expansão
financeira. Cada ciclo sistêmico de acumulação constitui-se de uma fase inicial, de
expansão material, seguida de uma fase final, de expansão financeira.
No correr das fases de expansão material, a nova hegemonia lidera o processo de
expansão sistêmica e ocorrem a consolidação e o desenvolvimento adicional do novo
regime de acumulação (período de ascensão). Elas recebem esse nome, porque são fases
em que o comércio e a produção de mercadorias (acumulação produtiva) são os meios
que podem proporcionar ao capital o máximo retorno e, “ipso facto”, são os meios mais
usados pelos agentes capitalistas que lideram os processos sistêmicos para reproduzirem
seu estoque de capital. Basta lembrar que, no sistema capitalista, o objetivo mor é a
reprodução incessante do valor do capital ao máximo nível possível.
As fases de expansão financeira são as fases terminais de cada ciclo, durante elas
as contradições do regime de acumulação hegemônico, que se encontra plenamente
desenvolvido, criam espaços para o surgimento de regimes concorrentes e alternativos
às margens do regime em declínio, um dos quais tornar-se-á o novo regime dominante.
Correspondem, portanto, aos períodos de mudança sistêmica, de transição hegemônica,
durante o qual o regime de acumulação hegemônico que se encontra em decadência é
contestado e progressivamente substituído pelo regime de acumulação emergente na
liderança do sistema-mundo capitalista. Estas fases são assim denominadas, porque são
fases em que o comércio de moedas, de títulos financeiros e o crédito (acumulação
financeira) são as atividades capazes de proporcionar a obtenção do lucro máximo pelos
agentes capitalistas e, conseqüentemente, são as predominantemente usadas por eles
como meios para valorizarem seu estoque de capital.
A delimitação temporal das expansões financeiras é baseada na ocorrência de
dois momentos agudos que ocorrem em cada ciclo: as datas de início das expansões
financeiras correspondem às crises sinalizadoras e as datas finais correspondem ao que
Arrighi reconhece como crises terminais de cada ciclo. De acordo com a periodização
de Arrighi, inspirada em Braudel, ocorreram quatro expansões financeiras ao longo do
desenvolvimento da economia-mundo capitalista: (i) a expansão financeira do ciclo
genovês: 1560 a 1630; (ii) a expansão financeira do ciclo holandês: 1740 a 1780 (“o
período dos chinós”); (iii) a expansão financeira do ciclo britânico: 1870 a 1930 (“a era
eduardiana”); (iv) a expansão financeira do ciclo norte-americano: iniciada em 1970 (“a
América de Reagan”).
As expansões financeiras iniciam-se mediante o arranjo sincrônico de uma dupla
tendência gerada pela saturação da expansão material sistêmica liderada pelo complexo
hegemônico de órgãos estatais e empresariais. Por um lado, a saturação da expansão
material dentro dos padrões de acumulação estabelecidos gera um excesso de capital
circulante que não pode ser re-investido com lucro máximo no comércio e na produção,
criando as condições de oferta de capital líquido circulante necessárias à expansão
financeira. De outro, as organizações governamentais, quando percebem que as
restrições orçamentárias impostas pela desaceleração do comércio e da produção estão
limitando sua acumulação de poder e “status”, passam a competir pelos capitais
circulantes para financiar projetos expansionistas de disputa de mercados e territórios,
criando as condições de demanda para a expansão financeira. Esse conjunto de
circunstâncias consubstancia-se por volta da crise sinalizadora do ciclo sistêmico de
acumulação. São os momentos em que
o agente principal dos processos sistêmicos de acumulação começa a
deslocar seu capital do comércio e da produção, em quantidades crescentes,
para a intermediação e a especulação financeiras. Essa passagem é a
expressão de uma crise, no sentido de que marca um ponto decisivo, um
momento crucial de decisão (ARRIGHI, 1996, p. 220).
4
Este acontecimento ficou conhecido como “Encilhamento”.
5
“O desafortunado estado de coisas que recentemente se tem observado na República Argentina teve um
efeito deplorável sobre todos os papéis e sobre todas as questões financeiras relacionadas aos estados sul-
retiraram seus capitais do Brasil, forçando a baixa do milréis. Este caiu, de uma cotação
de 27 pence na proclamação da República, para abaixo de 20 pence, quando Rui
Barbosa deixou o ministério em janeiro de 1891. Em seguida, caiu mais ainda, para 12
pence, quando Floriano Peixoto assumiu a presidência, em novembro de 1891. Em
1894, o milreis era cotado a 10 pence e o meio circulante era 200% maior do que na
queda da monarquia (SCHULZ, 2003). Em 1895, os Rothschild concedem outro
empréstimo ao Brasil para prover recursos para o serviço da dívida externa e evitar
maiores pressões sobre a taxa de câmbio, envolvendo cláusulas de condicionalidade,
alienação de receitas e demanda por um governo conservador6. Nenhuma melhora na
situação cambial se observaria ao longo de 1896 e 1897, sendo o empréstimo de 1895
consumido rapidamente e tendo o governo brasileiro contraído novos empréstimos de
curto prazo para evitar pressões adicionais sobre o mercado de câmbio. Os banqueiros
insistiam que a única forma de o governo brasileiro obter fundos seria através de uma
proposta de arrendamento da Cia. Estrada de Ferro Central do Brasil. As crises cambiais
(uma em 1891/92 e outra em 1898) agravaram ainda mais o déficit orçamentário, pois o
governo era forçado a tomar mais empréstimos para pagar a dívida externa, que se
tornava mais onerosa com a depreciação da moeda e para evitar que esta se depreciasse
ainda mais.
Finalmente, o governo brasileiro declarou moratória em 1898/1900 e um plano
de refinanciamento (“funding loan”) foi acertado após os banqueiros internacionais
terem recebido a proposta de moratória. Os termos do acordo eram rolar o serviço da
dívida pública externa e algumas garantias de juros, em troca de medidas de saneamento
fiscal e monetário. Segundo Franco (1989), o “funding loan” gozaria de garantias
especiais: uma primeira hipoteca sobre as receitas em moeda forte da Alfândega do Rio
de Janeiro e a condicionalidade de que o governo agisse firmemente no nível monetário
e fiscal. A gravidade da situação era tal que, quando Campos Salles assumiu o governo,
a taxa de câmbio estava cotada em 7 pence. Para receber o “funding loan”, Campos
Salles prometeu não emitir mais papel-moeda e exercer uma PE conservadora. O
governo se esforçou em manter o país conectado à comunidade financeira internacional
americanos” (resposta dos Rothschild ao pedido de apoio financeiro do governo brasileiro) (FRANCO,
1989).
6
“Seria impossível para nós tentar colocar um grande empréstimo brasileiro, exceto se medidas forem
tomadas ao mesmo tempo para se elevar as receitas e reduzir as despesas do Brasil” (carta dos Rothschild
ao governo brasileiro em 1895) (FRANCO, 1989).
e capitais externos afluíram para o Brasil nos três anos de moratória, demonstrando a
confiança dos investidores na gestão econômica do país.
De acordo com Franco (1989), no orçamento de 1900, várias despesas foram
reduzidas, especialmente as denominadas em moeda estrangeira, e a tributação
efetivamente aumentada através de diversas medidas de modernização administrativa e
também através de aumentos nos impostos, destacadamente no imposto de consumo e
do selo. Campos Salles e seu ministro da fazenda, o médico Joaquim Murtinho,
reduziram as despesas com militares e procuraram compradores ou locatários para as
ferrovias do governo. A folha de pagamento do governo manteve-se estável e alguns
funcionários públicos foram demitidos por não irem ao trabalho. As pensões públicas
foram limitadas e empréstimos oficiais aos latifundiários foram negados. Murtinho
aumentou a coleta de impostos sobre importações, então maior fonte de receita do
governo e alugou algumas das ferrovias do governo a companhias privadas.
Privatizando as ferrovias, Campos Salles reduziu o papel do Estado na economia,
adicionalmente, por ser contra a intervenção estatal, evitou socorrer os cafeicultores. Na
gestão de Murtinho, quase metade do orçamento destinava-se a provisões para
pagamento da dívida, o segundo maior destino de recursos públicos era o ministério da
indústria, transporte e obras públicas, que viu seus recursos grandemente reduzidos.
A PE do ministro Murtinho, que na verdade consistiu na execução do esquema
do “funding loan” e tinha seu núcleo na redução do papel-moeda em circulação. Até
maio de 1903, o papel-moeda destruído somaria 13% do total em 1898. Isso teve como
conseqüência uma série de falências bancárias ocorridas em 1900 (o meio circulante
caíra de 733 milhões de milréis em 1898 para 675 milhões em 1902). Neste ano, o
Banco da República faliu, devendo um milhão de libras ao governo. Para fortalecer a
iniciativa privada, o Estado abdicara de seu direito, existente desde 1892, de nomear o
presidente do Banco da República, então a instituição mais próxima de um banco
central no Brasil. Mas, como condição para fornecer ajuda ao banco, Campos Salles e
Murtinho insistiram na nomeação de Otto Petersen, gerente de um banco alemão, como
diretor do Banco da República, tendo recebido por isso oposição nacionalista. No Rio,
sete bancos além do Banco da República se reorganizaram ou foram liquidados em
1900. Essas instituições tinham créditos podres em suas carteiras desde o Encilhamento
e foram afetadas pela ortodoxia monetária. Como sinal de contentamento com a forma
como Campos Salles contornou a crise bancária, os títulos da dívida brasileira se
apreciaram. Com a re-organização monetária foi gerada deflação, capitais externos
ingressaram no país e a moeda apreciou-se, recuperando parte de seu valor. Segundo
Franco (1989), a revitalização das entradas de capital observada a partir da adoção do
programa conservador revela a influência da percepção dos mercados financeiros
internacionais sobre o curso da PE do país. Para o mesmo autor, porém, não é claro, a
priori, em que medida a apreciação se devia à contração monetária ou a fatores
exógenos associados ao balanço de pagamentos tais como, p. ex., o crescimento das
exportações de borracha. A tabela abaixo apresenta dados sobre a contração monetária e
a apreciação cambial no período.
Meio circulante e taxa de câmbio no Brasil (1898-1902)
Taxas do câmbio
Anos Papel-moeda em circulação
Máxima Mínima
1898 780.765:423$000 8 e 1/2 5 e 53/64
1899 733.727:153$000 8 e 5/32 6 e 27/32
1900 699.631:719$000 12 e 3/52 7 e 1/2
1901 680.451:058$000 12 e 1/12 10
1902 (até junho) 679.450:443$000 12 e 1/14 11 e 5/18
Fonte: GUANABARA (1983, p. 196)
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Esta possibilidade de emergência de um novo ciclo sistêmico de acumulação a partir do Leste Asiático é
um dos pontos mais controversos da obra de Arrighi, uma hipótese que o desenrolar da história ainda não
confirmou, como atesta a recessão econômica vivida pelo Japão na década de 1990
Com o término do ajuste fiscal inicial e limitado e com a desindexação da
economia em seu estágio final, a taxa de câmbio sobre-valorizada passou a ser o
principal instrumento de estabilidade de preços, pois, juntamente com a maior abertura
comercial, pressionava os preços internos, expondo-os à concorrência externa. De fato,
obteve-se um sucesso no combate a inflação, que caiu de uma taxa anual de 68% em
1995 para 8,4% em 1999. Entretanto, para tal tornou-se necessária a manutenção de
taxas de juros extremamente elevadas, a fim de atrair grandes volumes de capital
externo que sustentassem a estabilidade da moeda e financiassem o grande déficit do
setor público e o déficit comercial que foi gerado com a apreciação da moeda. O ajuste
fiscal inicial fora tímido e precisava ser completado através de reformas fiscais mais
estruturais, as quais foram adiadas por motivos políticos. O crescente déficit operacional
resultante não foi financiado de maneira inflacionária (i. e., por meio de empréstimos no
Banco Central), mas sim com empréstimos nos mercados domésticos e internacionais,
graças à credibilidade adquirida pelo sucesso inicial do Plano Real. Este financiamento
foi possível graças à manutenção de taxas de juros muito elevadas, cujo valor real
aumentava à medida que a inflação caía.
Com isso, obteve-se um aumento expressivo dos investimentos estrangeiros,
tanto na forma de investimentos externos diretos, quanto na forma de investimentos de
carteira. Os investimentos estrangeiros subiram de US$4,3 bilhões, em 1995, para
US$28,6 bilhões, em 1999 (boa parte, devido às privatizações de empresas estatais
promovidas no período). Apesar da entrada de investimentos de carteira ter sido grande
entre 1995 e 1999, seu valor líquido é pequeno em relação aos IED, devido à alta
volatilidade dos fluxos de capitais relativos a estes investimentos (em 1998, o ingresso
líquido de investimentos de carteira chegou a ser negativo, sob o impacto das crises
asiática e russa). Mesmo assim, os investimentos líquidos de carteira nos anos de 1995 a
1999 são grandes em relação aos valores da década anterior, mostrando que os fundos
internacionais passaram a incluir mais títulos brasileiros em seus portfolios.
As crises internacionais provocadas pelo México (1994/95), países asiáticos
(1997) e Rússia (1998), causaram um extraordinário aumento nos “spreads” das taxas
de juros, enquanto o governo tentava financiar seu déficit e manter a âncora cambial em
sua posição. Criou-se um círculo vicioso: para manter a taxa de câmbio e financiar seu
déficit o governo teria de realizar empréstimos a taxas de juros crescentes o que, por sua
vez, aumentava o ônus da dívida pública, agravando a situação fiscal e minando ainda
mais a confiança dos investidores. Entre janeiro e novembro de 1998 os gastos do
governo com juros sobre empréstimos, títulos e amortização cresceram de 14,7% dos
gastos públicos para 24,4%. Em novembro de 1998, o aumento da pressão externa por
um ajuste fiscal mais definitivo, expressa num pacote de ajustes imposto pelo FMI, fez
o Congresso progredir na aprovação de reformas fiscais mais essenciais. Sob o impacto
das crises financeiras asiática e russa, os empréstimos especiais feitos ao Brasil durante
1997/98 fizeram com que os recursos originários do FMI passassem a representar
21,6% da dívida externa brasileira em 1998, em contraste a 1,3% em 1991.
O 1o governo de FHC ampliou extraordinariamente o processo de privatização,
limitado no governo Collor principalmente aos setores siderúrgico e petroquímico, de
modo a incluir empresas de serviços públicos (telecomunicações, geração e distribuição
de energia). Entre 1995 e 1998, as receitas anuais advindas da privatização aumentaram
de menos de US$2 bilhões para mais de US$35 bilhões. A reforma do Estado
empreendida procurava modernizar a administração e reduzir a intervenção estatal
direta nos setores produtivos
Entre 1994/95 instaurou-se uma crise bancária no país, pois o desaparecimento
da inflação e as altas taxas de juros exerceram considerável impacto sobre o sistema
bancário, especialmente sobre os bancos públicos estaduais, ao aumentar
significativamente a inadimplência dos empréstimos. Em resposta, o governo criou, em
1995, um sistema de incentivos fiscais e facilidades de crédito para estimular a rápida
consolidação do setor bancário, que ficou conhecido como PROER.
A apreciação cambial e a abertura comercial contribuíram para anular o
superávit em conta corrente, que se converteu em mais um déficit a ser financiado por
entradas significativas de capital externo. A tabela abaixo ilustra os impactos deste
conjunto de medidas econômicas sobre o endividamento de setor público no período
considerado:
Schulz (2003) chama a atenção para algumas semelhanças entre as PE dos dois
períodos analisados: aumentos nos tributos, redução de gastos governamentais,
privatização de empresas do Estado, grandes negociações da dívida, apreciação do
câmbio seguida de relativa estabilidade cambial e políticas que favoreceram as
importações (embora as medidas de FHC terem tido efeitos mais drásticos, pois a
dependência do setor público dos impostos alfandegários na época de Campos Salles
limitava sua manobra no campo do comércio exterior). No mesmo sentido, Franco
(2000), em artigo que compara a economia brasileira das duas últimas passagens de
século, reconhece como elementos comuns aos dois períodos: a implementação de
reformas econômicas, crises de credibilidade internacionais, crises bancárias, a
volatilidade dos capitais estrangeiros, a influência de argumentos liberais e a sujeição
das finanças estatais à disciplina de acordos externos (chegando a comparar o FMI aos
Rothschild). Menezes e Martinez (2002) também reconhecem similaridades entre os
dois períodos, ressaltando aspectos como: a influência das altas-finanças na condução
da PE, a predominância do uso de políticas de caráter financeiro-monetário, o cunho
restritivo das políticas econômicas, a exacerbação do endividamento estatal, o aumento
da desigualdade social e a similaridade com a situação vivida, nos dois períodos, pela
Argentina.
A questão deste trabalho não é avaliar o sucesso ou fracasso destas políticas,
mas sim, com base nos apontamentos acima e nas descrições realizadas, ir além da
apresentação de suas semelhanças e mostrar como estas podem ser consideradas, ao
menos parcialmente, resultado do contexto sistêmico de expansão financeira. Por que
justamente nestes períodos o endividamento nacional foi posto em cheque? Por que os
desejos e recomendações das altas-finanças foram tão bem acatados? Por que o impulso
gastador do Estado nacional, alimentado por seu desejo de acumular poder, foi domado
de modo tão severo nestas épocas e não em outras? Cabe então dispor as características
semelhantes de tais períodos que, aceitando-se a hipótese de expansão financeira, já
eram esperadas:
4. Considerações Finais
A partir dos “insights” proporcionados por este estudo, pode-se apontar uma luz
sobre a PE do governo Lula, cujo desenrolar atual, marcado pelo continuísmo, mostra
que o Estado nacional brasileiro ainda não conseguiu desvencilhar-se das amarras
colocadas pela expansão financeira sistêmica, continuando a mercê dos fluxos
internacionais de capital e dos ditames de organismos financeiros internacionais. São
necessárias análises que façam mais do que botar a “culpa” pela PE na “hegemonia do
neo-liberalismo” ou atribuir a causa da implementação de certas medidas à restrições
macroeconômicas de curto prazo. Amiúde encontramos declarações que falam sobre a
mudança ideológica por que passou o presidente, todavia, este estudo mostra que a
personalidade do governante é apenas um dos fatores que influenciam a PE e que esta
não é algo exógeno, fruto de uma decisão unilateral do Estado, mas sim o resultado
endógeno de uma interação complexa entre vários fatores que estão condicionados pela
conjuntura histórica geral do sistema capitalista.
5. Referências Bibliográficas
ARRIGHI, G. O longo século XX: dinheiro, poder e as origens do nosso tempo. São
Paulo: Editora UNESP/Contraponto, 1996.
ARRIGHI, G.; HAMASHITA, T.; SELDEN, M. The rise of East Asia in world
historical perspective. Binghamton: Fernand Braudel Center, 1997.
SCHULZ, John. The successful and liberal stabilization of Campos Salles, 1898-1902.
V Congresso Brasileiro de História Econômica e 6a Conferência Internacional de
História de Empresas. ABPHE, Caxambu, MG. 7 a 10 de Setembro de 2003.