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A política econômica brasileira dos governos Campos Salles (1898-1902) e

Fernando Henrique Cardoso (1995-1999) em perspectiva histórico-comparativa:


uma análise à luz do conceito de Ciclos Sistêmicos de Acumulação.

Felipe Amin Filomeno1

Resumo: apresenta uma interpretação alternativa sobre a política econômica brasileira dos períodos de
1898/1902 e 1995/1999, identificando, através de análise histórico-comparativa, paralelos cujo
fundamento histórico é atribuído ao fato de se tratarem de dois momentos que, segundo Arrighi (1996),
são marcados por expansões financeiras da economia-mundo capitalista, que influenciaram as dinâmicas
nacionais.
Palavras-chave: política econômica, expansão financeira, ciclos sistêmicos de acumulação.
Abstract: presents an alternative interpretation about brazilian economic policy implemented in the
periods of 1898/1902 and 1995/1999, identifying, through an historical-comparative analysis, similarities
whose historical causes are attributed to the fact of being two moments that, according to Arrighi (1996),
are marked by financial expansions of the capitalist world-economy that have influenced the national
dynamics.
Key-words: economic policy, financial expansion, systemic cycles of accumulation.

"Estou convencido de que a agenda de modernização do País nada tem em comum


com um desenvolvimentismo à moda antiga, baseado no populismo econômico, no
descontrole dos gastos e no forte intervencionismo estatal. Por isso, serei inflexível
na defesa da disciplina fiscal e monetária, que é o fundamento da estabilidade
econômica, e persistente na remoção dos regulamentos cartoriais que travam a
competição e inibem a criatividade da iniciativa privada". Fernando Henrique
Cardoso, Fevereiro de 1995, em "Mensagem ao Congresso Nacional".
"[A crise financeira] resulta de erros gravíssimos, que vêm de longe, acumulando
progressivamente os encargos dos seus pesados efeitos, que cumpre reparar [...],
começando por assinalar as suas causas preponderantes, que são entre outras: o
protecionismo inoportuno [...] em favor de indústrias artificiais; a emissão de grandes
massas de papel inconvertível, causando profunda depressão no valor do meio
circulante; os déficits orçamentários, [...]; o aumento constante da dívida flutuante,
que se origina dos próprios déficits, o conseqüente aumento da dívida consolidada; a
má arrecadação das rendas públicas; o efeito moral da má política financeira [...]; o
conseqüente retraimento da confiança dos capitais no país e no estrangeiro. [...] Agir
com prontidão, energia e perseverança sobre todos os elementos que acabo de
apontar [...] é em suas linhas gerais o programa de meu governo". Campos Salles,
Novembro de 1898, em "Manifesto Inaugural".

1. Introdução

A maioria dos trabalhos atuais relacionados ao estudo da política econômica


(PE), sejam eles positivos ou normativos, constitui-se de análises macroeconômicas
pontuais, que enfatizam os resultados de curtíssimo prazo de tais políticas e preocupam-
se, principalmente, com os impactos de determinado conjunto de medidas sobre a taxa
de câmbio, a taxa de inflação ou a taxa de crescimento do PIB, num horizonte temporal
que dificilmente ultrapassa os dez anos, ou seja, tratam de relações estreitas de curto e
médio prazo entre variáveis macroeconômicas. São poucos os estudos que, ao invés de
avaliarem as políticas segundo suas conseqüências imediatas, enfatizando relações

1
Mestrando em Economia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
estreitas de curto prazo, procuram compreender a PE a partir de uma perspectiva mais
ampla, que considere suas relações com o contexto histórico vigente. Ademais, o foco
dos estudos tem recaído muito mais sobre as “conseqüências” do que sobre as “causas”
da PE, isto é, os condicionamentos e motivações que levaram o Estado brasileiro a
utilizar, de determinada maneira, os instrumentos que tem a sua disposição para intervir
na economia. As causas da PE estão imersas nas múltiplas relações de causalidade que
ela mantém com fatores econômicos, políticos, sociais e ideológicos do contexto
histórico vigente. Geralmente, mesmo quando se trata de analisar as “causas” da adoção
de uma determinada PE, a maioria dos estudos elege um ou dois fatores explicativos,
tais como: a personalidade/ideologia dos governantes; dificuldades imediatas nas contas
públicas; restrições externas ou choques adversos. Mesmo nestes casos, a ênfase é dada
a aspectos pontuais e de curto prazo, em detrimento de fatores relacionados à conjuntura
histórica composta de múltiplas facetas. Como resultado, vê-se, abundantemente,
previsões de PE, elaboradas a partir de modelos macroeconométricos, serem revistas ou
refutadas em função de mudanças no quadro político nacional e internacional não
consideradas previamente em tais análises.
Este trabalho quer contribuir para preencher a lacuna deixada por tais estudos,
apresentando uma análise da PE brasileira em dois períodos, que procura avaliar,
especificamente, a influência da conjuntura histórica do sistema capitalista sobre os
rumos da PE nacional. O estudo da influência da conjuntura histórica do sistema
capitalista sobre a PE de tais períodos constitui um avanço diante das abordagens
ortodoxas, pois, sendo esta conjuntura uma síntese de aspectos econômicos, políticos e
sociais, implica acrescentar, ao rol de aspectos que já vêm sendo considerados nas
análises do “mainstream”, uma série de fatores cuja importância tem sido desprezada. A
PE, tenha ela facetas de arte, técnica, governo, ciência ou ideologia, apresenta
fundamentos na conjuntura histórica do sistema capitalista que merecem ser estudados.
Para relacionar a conjuntura histórica do sistema capitalista à condução da PE
nacional, faz-se uso do conceito de ciclos sistêmicos de acumulação (CSA), elaborado
por Giovanni Arrighi para auxiliar na compreensão da evolução histórica do sistema
capitalista (ou, melhor falando, da economia-mundo capitalista). Arrighi vincula-se a
uma vertente do pensamento social contemporâneo que ficou conhecida como
Economia Política dos Sistemas-Mundo. Para Gonçalves (2003), a Economia Política,
de modo geral, é uma análise que sintetiza história, política e economia. A Economia
Política dos Sistemas-Mundo é uma abordagem sobre a história do capitalismo que
procura mobilizar o conhecimento histórico para a solução de problemas macro-
sociológicos (ARRIGHI, 2002), surgida em meados dos anos 1970, com a publicação
do artigo seminal “The Rise and Future Demise of the World Capitalist System:
Concepts for Comparative Analysis”2 e do volume “The Modern World System I:
Capitalist Agriculture and the Origins of the European World-Economy in the Sixteenth
Century”3, ambos de autoria de Immanuel Wallerstein, que, ao lado de autores como
Arrighi, Chase-Dunn e outros, compõe o grupo de estudiosos desta vertente.
Este trabalho procura avaliar em que medida a PE nacional está inserida na
dinâmica geral dos CSA, mais especificamente, na dinâmica da expansão financeira por
que passava o sistema capitalista em cada um dos dois períodos analisados (a expansão
financeira corresponde à fase final de cada ciclo). Para examinar os condicionamentos
históricos impostos por esta conjuntura à PE brasileira, são analisadas
comparativamente as medidas econômicas adotadas nos dois períodos, de modo a
identificar um certo padrão. Posteriormente, verifica-se em que grau este padrão pode
ser explicado pela dinâmica das expansões financeiras dos CSA. Por isso, na seção a
seguir, é apresentado o conceito de CSA, que será utilizado, na terceira seção, para a
análise histórico-comparativa da PE implementada pelo Estado brasileiro nos períodos
de 1898/1902 e 1995/1999. A idéia é mostrar que a semelhança entre os dois discursos
colocados na epígrafe a este texto, a despeito da diversidade ideológica de seus autores,
possui raízes na dinâmica histórica do sistema capitalista.

2. A proposta dos ciclos sistêmicos de acumulação: uma re-organização da história


do capitalismo

Para Giovanni Arrighi (1996), o processo de formação e expansão do


capitalismo histórico não se deu por uma trajetória linear, dentro de estruturas
constantes e permanentes. Há, de fato, uma dinâmica que lhe é própria e que concerne à
sua estrutura. Ao longo da história do capitalismo, houve mudanças sistêmicas,
caracterizadas por processos de reorganização radical do moderno sistema-mundo, que
alteraram substantivamente a natureza dos integrantes do sistema, sua maneira de se
relacionar uns com os outros e o modo como o sistema funciona e se reproduz. A

2
Republicado em: WALLERSTEIN, I. The Essential Wallerstein. New York: The New York Press,
2000.
3
WALLERSTEIN, I. The Modern World System I: Capitalist Agriculture and the Origins of the
European World-Economy in the Sixteenth Century. New York: Academic Press, 1974.
história da expansão do moderno sistema-mundo até suas dimensões atuais passa, então,
a ser compreendida como se dando através de uma série de reorganizações
fundamentais que o colocaram em diferentes etapas de seu desenvolvimento.
Foi ao procurar as semelhanças e diferenças entre cada uma dessas etapas,
seguindo a abordagem da Economia Política dos Sistemas-Mundo e a perspectiva da
longa duração, que Arrighi percebeu que em cada uma delas um determinado bloco ou
comunidade de agentes governamentais e empresariais era hegemônico no sistema-
mundo. Esse bloco exercia sua hegemonia através de estratégias e estruturas específicas
mediante as quais promoviam, organizavam e regulavam a expansão da economia-
mundo capitalista. Arrighi (1996) denominou esse conjunto específico de estratégias e
estruturas hegemônicas da economia-mundo capitalista de “regime de acumulação em
escala mundial” e percebeu que cada um desses regimes apresentava um
comportamento cíclico.
Arrighi passa, então, a compreender aqueles processos de mudança sistêmica,
aqueles períodos de reorganização radical do sistema capitalista, como transições
hegemônicas, definidas como momentos de mudança no agente principal dos processos
mundiais de acumulação de capital e das estruturas político-econômicas em que tais
processos estão baseados. Para interpretar esta trajetória histórica, Arrighi propôs o
conceito de ciclos sistêmicos de acumulação: ciclos de ascensão e queda de hegemonias
políticas, e dos respectivos regimes de acumulação de capital e poder que lhe são
subjacentes. Arrighi identifica, ao longo da história do capitalismo (desde o século XVI
à atualidade), quatro CSA, denominando-os de acordo com o agente hegemônico de
cada ciclo: o ciclo genovês (sécs. XV, XVI), o ciclo holandês (sécs. XVII, XVIII), o
ciclo britânico (sécs. XVIII, XIX e XX) e o ciclo norte-americano (séc. XX à
atualidade).
Arrighi (1996, p. 10) coloca que o principal objetivo do conceito de CSA é
descrever e elucidar a formação, consolidação e desintegração desses sucessivos
regimes pelos quais a economia capitalista mundial se expandiu desde o “longo” século
XVI até a atualidade. Trata-se de uma nova unidade temporal para análise do
desenvolvimento histórico da economia-mundo capitalista.
Arrighi (1996) argumenta que quando as estruturas e estratégias hegemônicas
que lideraram um determinado ciclo se esgotam e começam a se desintegrar, em meio a
suas contradições internas, novas estruturas e estratégias de acumulação de poder e
capital estão surgindo em um centro às margens do raio de atuação do Estado
hegemônico. Os agentes deste centro emergente passam a contestar o poder hegemônico
e podem ser capazes de iniciar e liderar um novo estágio do capitalismo histórico, um
novo ciclo sistêmico de acumulação.
Inicia-se, então a passagem de um ciclo para outro, caracterizada pela disputa
entre o centro emergente e o centro decadente pela liderança dos processos sistêmicos
de acumulação de capital e poder. É um período de mudança sistêmica e transição
hegemônica, em que ocorrem os grandes processos de reorganização do sistema-mundo
a que se fez referência anteriormente.
Para Arrighi (1996), a ascensão e a queda das hegemonias e dos regimes de
acumulação estão associadas à alternância entre fases de expansão material e expansão
financeira. Cada ciclo sistêmico de acumulação constitui-se de uma fase inicial, de
expansão material, seguida de uma fase final, de expansão financeira.
No correr das fases de expansão material, a nova hegemonia lidera o processo de
expansão sistêmica e ocorrem a consolidação e o desenvolvimento adicional do novo
regime de acumulação (período de ascensão). Elas recebem esse nome, porque são fases
em que o comércio e a produção de mercadorias (acumulação produtiva) são os meios
que podem proporcionar ao capital o máximo retorno e, “ipso facto”, são os meios mais
usados pelos agentes capitalistas que lideram os processos sistêmicos para reproduzirem
seu estoque de capital. Basta lembrar que, no sistema capitalista, o objetivo mor é a
reprodução incessante do valor do capital ao máximo nível possível.
As fases de expansão financeira são as fases terminais de cada ciclo, durante elas
as contradições do regime de acumulação hegemônico, que se encontra plenamente
desenvolvido, criam espaços para o surgimento de regimes concorrentes e alternativos
às margens do regime em declínio, um dos quais tornar-se-á o novo regime dominante.
Correspondem, portanto, aos períodos de mudança sistêmica, de transição hegemônica,
durante o qual o regime de acumulação hegemônico que se encontra em decadência é
contestado e progressivamente substituído pelo regime de acumulação emergente na
liderança do sistema-mundo capitalista. Estas fases são assim denominadas, porque são
fases em que o comércio de moedas, de títulos financeiros e o crédito (acumulação
financeira) são as atividades capazes de proporcionar a obtenção do lucro máximo pelos
agentes capitalistas e, conseqüentemente, são as predominantemente usadas por eles
como meios para valorizarem seu estoque de capital.
A delimitação temporal das expansões financeiras é baseada na ocorrência de
dois momentos agudos que ocorrem em cada ciclo: as datas de início das expansões
financeiras correspondem às crises sinalizadoras e as datas finais correspondem ao que
Arrighi reconhece como crises terminais de cada ciclo. De acordo com a periodização
de Arrighi, inspirada em Braudel, ocorreram quatro expansões financeiras ao longo do
desenvolvimento da economia-mundo capitalista: (i) a expansão financeira do ciclo
genovês: 1560 a 1630; (ii) a expansão financeira do ciclo holandês: 1740 a 1780 (“o
período dos chinós”); (iii) a expansão financeira do ciclo britânico: 1870 a 1930 (“a era
eduardiana”); (iv) a expansão financeira do ciclo norte-americano: iniciada em 1970 (“a
América de Reagan”).
As expansões financeiras iniciam-se mediante o arranjo sincrônico de uma dupla
tendência gerada pela saturação da expansão material sistêmica liderada pelo complexo
hegemônico de órgãos estatais e empresariais. Por um lado, a saturação da expansão
material dentro dos padrões de acumulação estabelecidos gera um excesso de capital
circulante que não pode ser re-investido com lucro máximo no comércio e na produção,
criando as condições de oferta de capital líquido circulante necessárias à expansão
financeira. De outro, as organizações governamentais, quando percebem que as
restrições orçamentárias impostas pela desaceleração do comércio e da produção estão
limitando sua acumulação de poder e “status”, passam a competir pelos capitais
circulantes para financiar projetos expansionistas de disputa de mercados e territórios,
criando as condições de demanda para a expansão financeira. Esse conjunto de
circunstâncias consubstancia-se por volta da crise sinalizadora do ciclo sistêmico de
acumulação. São os momentos em que
o agente principal dos processos sistêmicos de acumulação começa a
deslocar seu capital do comércio e da produção, em quantidades crescentes,
para a intermediação e a especulação financeiras. Essa passagem é a
expressão de uma crise, no sentido de que marca um ponto decisivo, um
momento crucial de decisão (ARRIGHI, 1996, p. 220).

É uma crise baseada, portanto, na mudança de percepção dos principais agentes


privados dos processos sistêmicos de acumulação de capital (os grandes capitalistas)
que não consideram mais a possibilidade de maximizar o lucro com o re-investimento
do capital excedente na expansão material da economia mundial, mas percebe a
oportunidade de prolongar sua hegemonia no sistema mundial especializando-se nas
altas finanças (ARRIGHI, 1996).
Segundo Arrighi (1996), essa crise é o primeiro sinal de uma crise sistêmica
mais profunda, subjacente à expansão financeira, que, no entanto, a passagem para as
altas finanças previne temporariamente. É o reflexo da contradição entre a auto-
expansão do capital e a expansão material da economia mundial – a expansão do
comércio e da produção tenderam a reduzir a taxa de lucro e, com isso, a frear a
reprodução do capital, que passou a migrar para as finanças.
Ademais, a expansão e posterior saturação da expansão material não só levam a
uma hiper-acumulação de capitais líquidos, como também conferem ao sistema-mundo
uma complexidade tal que põe em cheque a capacidade regulatória das instituições
criadas pelo Estado hegemônico. A capacidade organizacional do complexo
hegemônico é minada pela saturação da expansão sistêmica que ela própria possibilitou.
Depara-se, assim, com uma situação em que as estruturas e estratégias dos
agentes hegemônicos perdem progressivamente sua sustentabilidade material e sua
capacidade reguladora de gestão sistêmica. Ruem-se os padrões estabelecidos de
governo, acumulação e coesão social.
Por isso, a saída para os agentes hegemônicos é refugiarem-se nas altas finanças
cuja lucratividade se inflaciona graças ao processo de competição interestatal pelo
capital circulante. Os Estados nacionais, que tiveram seu poder cerceado pelo fim da
expansão material, têm uma reação expansionista a este constrangimento e ingressam
em conflitos interestatais por territórios, mercados consumidores e fontes de insumos.
Entretanto, o fim da expansão material também comprimiu as fontes de receitas dos
Estados, de modo que, para financiar sua participação em disputas interestatais,
precisam recorrer aos mercados financeiros a procura do capital circulante que passam a
disputar.
É o momento em que o Estado hegemônico, líder de uma grande expansão do
comércio e da produção mundial que está chegando ao fim, colhe os frutos de sua
liderança, sob a forma de um acesso privilegiado à liquidez hiper-abundante que se
retém nos mercados financeiros, graças à manutenção de sua centralidade nas redes de
altas finanças. Esse acesso privilegiado permite que a nação hegemônica em declínio
recupere parcialmente seu poder decrescente e contenha, por algum tempo, as forças
que desafiam a continuidade de sua dominação.
A disputa interestatal pela liquidez mundial amplia as rivalidades entre os
Estados, e por isto, ocorre uma escalada nos conflitos interestatais, inclusive bélicos. Os
agentes capitalistas, buscando maximizar a reprodução do valor de seu capital,
financiam os Estados nacionais, que se tornam dependentes do capital circulante. Neste
contexto, o poder estatal vê-se cada vez mais reduzido diante do fortalecimento do
poder das altas finanças, que passam a ditar as normas e os requisitos a serem seguidos
pelos Estados.
Estes processos envolvem uma série de características verificadas
recorrentemente nas expansões financeiras, algumas das quais pretende-se identificar no
caso brasileiro, nos dois períodos analisados, a saber: (i) intensificação da competição
interempresarial por insumos e mercados consumidores; (ii) intensificação da
competição interestatal em resposta ao aumento das pressões competitivas, escalada dos
conflitos armados e crise da soberania estatal; (iii) a financeirização do capital:
deslocamento do capital das transações de bens e serviços para o comércio de moedas e
títulos financeiros, manutenção dos excedentes de capitais em forma líquida ou
monetária; (iv) a transição hegemônica: substituição progressiva de um complexo
hegemônico de órgãos governamentais e empresariais por outro; (v) movimento duplo
de concentração de capital: um em direção às estruturas do regime de acumulação em
vias de superação e outra em direção aos centros emergentes de acumulação de poder e
capital; (vi) dependência e subordinação dos Estados em relação às altas finanças: a
disputa interestatal pelo capital circulante torna os Estados “reféns” dos grandes
financistas, o que se expressa na alienação das finanças dos Estados, na crescente dívida
pública, no comprometimento das receitas públicas futuras, na sua sujeição à disciplina
fiscal; (vii) caos sistêmico: rompimento dos acordos costumeiros e institucionais que
vinham sustentando a expansão material, aumento da polarização e dos conflitos sociais
(devido à concentração de renda em favor das altas-finanças), e ocorrência de crises
financeiras, sendo que as relacionadas à crise terminal do regime de acumulação são
sentidas primeiramente nos centros emergentes.

3. Desdobramentos locais da dinâmica sistêmica: a política econômica brasileira


em expansões financeiras (1898/1902 e 1995/1999)

A análise aqui realizada corresponde a dois períodos que iniciam


aproximadamente 25 anos após o começo das expansões financeiras dos CSA britânico
e norte-americano. O hiato de 25 anos entre o início das expansões financeiras e o início
dos períodos analisados foi determinado por motivos analíticos. Conforme Arrighi
(1996), as expansões financeiras são originadas e centradas no Estado hegemônico em
declínio, mas seus efeitos alastram-se para o resto do moderno sistema-mundo, por isso
espera-se que, nos dois períodos estudados, as respectivas expansões financeiras
estivessem já plenamente configuradas e que seus efeitos já estivessem sendo sentidos
pela periferia ou semi-periferia do sistema capitalista, na qual se inclui o Brasil.
Note-se que a escolha destes dois períodos foi feita seguindo-se as linhas da
metodologia da “comparação incorporada”, empregada por Giovanni Arrighi. Esta
metodologia propõe uma teorização que parte da análise histórica comparativa ao invés
de pressupô-la, ou seja, que a partir da comparação histórica identifiquem-se
recorrências e diferenças e emirjam padrões de evolução que permitam a teorização. Ao
estudar-se, para outros fins que não os deste trabalho, a PE brasileira da primeira e
segunda década republicana, foram identificadas certas semelhanças entre o desenrolar
da economia brasileira naquele período e na atualidade (moratórias, crises cambiais,
alienação das receitas do Estado nacional às altas finanças internacionais, etc.). O
conhecimento prévio da proposição de Arrighi (1996) acerca dos CSA e das
características das fases de financeirização da economia-mundo capitalista permitiu
atribuir alguma razão histórica àquelas semelhanças encontradas quase casualmente.
Vários elementos que caracterizaram a PE de ambos os períodos poderiam ser
associados aos aspectos recorrentes das expansões financeiras dos CSA da economia-
mundo capitalista.
Estas similaridades entre os dois períodos não foram identificadas apenas neste
trabalho. Franco (2000), Schulz (2003) e Menezes e Martinez (2002) elaboraram textos
apontando tais semelhanças. A contribuição do presente artigo é ir além da identificação
das similaridades, atribuindo-lhes uma razão histórica ao inseri-las dentro da lógica dos
CSA. Para isso, proceder-se-á, a partir de uma revisão bibliográfica de trabalhos
anteriores sobre a PE de tais períodos, à identificação de políticas econômicas
recorrentes nos dois períodos estudados e que possam ganhar mais sentido quando
relacionadas aos processos de escala mundial ligados à conjuntura histórica de expansão
financeira.
O nexo lógico entre a expansão financeira e as políticas econômicas nacionais é
que, de modo geral, nesta conjuntura histórica a disputa pelo capital circulante e o
aumento do poder das redes financeiras internacionais condiciona o poder estatal, de
modo que este promova políticas que proporcionem a valorização deste capital
monetário circulante. Essas políticas envolvem, por um lado, a restrição monetária
necessária à elevação das taxas de juro (que remuneram o capital circulante) e à
estabilidade cambial (que reduz os riscos cambiais dos investimentos/empréstimos
estrangeiros), e por outro, o controle fiscal necessário para gerar superávits no
orçamento público que garantam os recursos para o pagamento das dívidas estatais junto
às altas finanças, o que compreende aumentos nas receitas tributárias, vendas de
empreendimentos estatais e contenção de gastos (especialmente os investimentos, os
previdenciários e administrativos). Entretanto, isso não se dá em simples detrimento do
Estado nacional endividado, pois este é “amparado” pelas altas-finanças que lhe fornece
os recursos necessários para enfrentar a escalada dos conflitos interestatais e o
arrefecimento da expansão material. A seguir, será verificado como este “mecanismo de
transmissão” dos efeitos da expansão financeira sistêmica para as políticas econômicas
nacionais ocorreu historicamente nos dois períodos.

3.1. A política econômica de Campos Salles

Antes de tratar da PE, apresenta-se sucintamente a conjuntura histórica da


expansão financeira britânica, segundo Arrighi (1996). A grande expansão do comércio
mundial em meados do século XIX, como todas as fases de expansão material dos CSA
anteriores, levou a uma intensificação sistêmica de pressões competitivas sobre as
atividades de acumulação de capital. Em toda a economia mundial liderada pela Grã-
Bretanha, um número crescente de empresas comerciais de um número crescente de
lugares vinha-se atrapalhando mutuamente na busca de insumos e no posicionamento de
seus distribuidores, assim destruindo seu controle mais ou menos exclusivo de
determinados mercados. Isso gerou uma guinada do comércio e da produção para as
finanças, por parte da classe capitalista britânica. A segunda metade do século XIX
caracterizou-se não apenas por grandes levas de exportação de capital para a Grã-
Bretanha, mas também pela expansão das redes bancárias provinciais britânicas, aliada
a uma crescente integração delas nas redes do centro financeiro londrino, para onde
passou a fluir o capital excedente das empresas que não conseguiam reinvesti-lo no
comércio ou na produção sem que isto implicasse queda nos lucros. Esta rede financeira
britânica, liderada pelos Rothschild, transformou-se numa poderosa esteira
transportadora que puxava o capital “ocioso”, da Grã-Bretanha e do resto da Europa,
para a City londrina, apenas para mandá-lo novamente para fora (inclusive para países
como o Brasil). A rede financeira britânica agia como intermediária, assumindo
empréstimos de outras nações e colocando títulos estrangeiros (incluindo os brasileiros)
no centro financeiro londrino. E como nas fases anteriores de encerramento dos CSA, as
nações iniciaram uma competição acirrada pelo capital circulante que fora retirado do
comércio e da produção e começava a se tornar disponível sob a forma de crédito. A
partir da década de 1880, os gastos militares das potências européias começaram a
aumentar exponencialmente, subindo o total da Grã-Bretanha, França, Alemanha,
Rússia, Autro-Hungria e Itália de 132 milhões de libras (1880) para 205 milhões (1900)
e 397 milhões (1914). Intensificando-se a competição interestatal pelo capital circulante,
os lucros financeiros se recuperaram – estava criada a expansão financeira.
Schulz (2003) também apresenta resumidamente algumas características da
conjuntura mundial no período de Campos Salles, algumas das quais ilustram o
contexto de expansão financeira. Destaca que Londres continuava a ser o centro do
sistema internacional de pagamentos, mas já enfrentava a competição séria de Paris,
Berlim e Nova York, o que ilustra o contexto de transição hegemônica que fundamenta
a expansão financeira, em que centros financeiros emergentes passam a disputar a
hegemonia mundial nas altas redes financeiras. O crédito internacional cresceu
espetacularmente durante o século XIX financiando o comércio, estradas de ferro e,
também, guerras entre Estados, o que era de se esperar, pois segundo a hipótese de
expansões financeiras, o acirramento das rivalidades interestatais gera conflitos que são
financiados com recursos tomados de empréstimo aos capitalistas. O padrão-ouro, de
maneira bem sucedida, resistiu a uma crise prolongada nos EUA, de 1893 a 1896 - esta
ocasião foi a última em que os EUA eram tomadores de empréstimos.
Quando Campos Salles saiu do governo, os EUA fizeram seu primeiro grande
empréstimo ao Reino Unido, para financiar a Guerra dos Bôeres, e tornaram-se um
credor importante. Esta situação é bastante característica das expansões financeiras. A
potência hegemônica emergente toma a hegemonia financeira da potência hegemônica
decadente, tornando-se credora da mesma, que, geralmente, se encontra em guerras com
outros Estados. Os EUA ultrapassaram o Reino Unido na produção de aço, assumindo
também a liderança na indústria. A Alemanha também estava no processo de ultrapassar
o Reino Unido como uma potência industrial e entrou no mercado global de crédito
como uma credora (caracterizando, mais uma vez, o aumento das rivalidades
intercapitalista e interestatal típico das expansões financeiras).
Tendo em mente que estes acontecimentos se desenvolviam no centro da
economia-mundo, voltemos os olhos para o que acontecia em uma parte da periferia do
sistema, neste caso, o Brasil. Quando Campos Salles assumiu o poder, o país
atravessava uma grave crise econômica, para a qual corroboraram excessos fiscais e
monetários praticados anteriormente, e agravados com o advento da República, que
deram lugar a uma expansão vertiginosa da oferta monetária, a qual, ao lado de
reformas econômicas (destacadamente, as bancárias), levou a um “boom” artificial no
mercado de ações local4.
Estas medidas teriam sérios impactos sobre a estabilidade monetária e cambial
do país. Para Franco (1989), o início do republicano é marcado por transformações
estruturais na economia, destacando-se o florescimento das relações com o exterior,
expressado por: (i) maior abertura comercial (a razão exportações/PIB cresceu de
15,4%, em 1870, para 18,6% em 1900); (ii) aumento da dívida externa federal (de 30,9
milhões de libras, em 1890, para 44,2 milhões, em 1900, e para 144,3 milhões em 1913;
a razão serviço da dívida externa pública/exportações atingiu 21% entre 1896/97); (iii)
aumento dos investimentos estrangeiros diretos (que foram de 105 milhões de libras,
entre 1860 e 1902, e de 109 milhões entre 1903-1913).
No que se refere aos investimentos estrangeiros, Baer (2002) afirma que até a
década de 1930, a Grã-Bretanha era sua fonte predominante, embora a participação dos
EUA tivesse crescido em importância na virada do século. Em 1930, metade do capital
estrangeiro era britânico e um quarto vinha dos EUA. Com o passar dos anos, o capital
norte-americano superou o britânico em investimentos no Brasil, correspondendo a
43,9% em 1951 e ilustrando a transição hegemônica entre Grã-Bretanha e EUA que é
subjacente a expansão financeira daquele período.
Neste contexto, a conta capital passou a ter importância crescente, relativamente
às transações correntes, refletindo a maior relevância que os fluxos internacionais de
capitais ganharam no contexto de expansão financeira. Para Botelho Júnior (2002),
durante a primeira década republicana, foi o comportamento adverso da conta capital, e
não o aumento nas importações, o responsável pela deterioração do balanço de
pagamentos, com impactos diretos sobre o câmbio. A desordem monetária, a inflação, o
aumento da dívida e a depreciação cambial geravam dificuldades crescentes de
acomodação junto aos Rothschild, então a principal casa financeira internacional que,
de 1855 a 1906, monopolizou a emissão de títulos para o governo brasileiro. O colapso
do Banco Baring Brothers (1890), em Londres, e a moratória Argentina ocorrida no
mesmo período, agravaram a crise ao promover uma crise de credibilidade internacional
que dificultou o acesso ao crédito externo5. Investidores domésticos e estrangeiros

4
Este acontecimento ficou conhecido como “Encilhamento”.
5
“O desafortunado estado de coisas que recentemente se tem observado na República Argentina teve um
efeito deplorável sobre todos os papéis e sobre todas as questões financeiras relacionadas aos estados sul-
retiraram seus capitais do Brasil, forçando a baixa do milréis. Este caiu, de uma cotação
de 27 pence na proclamação da República, para abaixo de 20 pence, quando Rui
Barbosa deixou o ministério em janeiro de 1891. Em seguida, caiu mais ainda, para 12
pence, quando Floriano Peixoto assumiu a presidência, em novembro de 1891. Em
1894, o milreis era cotado a 10 pence e o meio circulante era 200% maior do que na
queda da monarquia (SCHULZ, 2003). Em 1895, os Rothschild concedem outro
empréstimo ao Brasil para prover recursos para o serviço da dívida externa e evitar
maiores pressões sobre a taxa de câmbio, envolvendo cláusulas de condicionalidade,
alienação de receitas e demanda por um governo conservador6. Nenhuma melhora na
situação cambial se observaria ao longo de 1896 e 1897, sendo o empréstimo de 1895
consumido rapidamente e tendo o governo brasileiro contraído novos empréstimos de
curto prazo para evitar pressões adicionais sobre o mercado de câmbio. Os banqueiros
insistiam que a única forma de o governo brasileiro obter fundos seria através de uma
proposta de arrendamento da Cia. Estrada de Ferro Central do Brasil. As crises cambiais
(uma em 1891/92 e outra em 1898) agravaram ainda mais o déficit orçamentário, pois o
governo era forçado a tomar mais empréstimos para pagar a dívida externa, que se
tornava mais onerosa com a depreciação da moeda e para evitar que esta se depreciasse
ainda mais.
Finalmente, o governo brasileiro declarou moratória em 1898/1900 e um plano
de refinanciamento (“funding loan”) foi acertado após os banqueiros internacionais
terem recebido a proposta de moratória. Os termos do acordo eram rolar o serviço da
dívida pública externa e algumas garantias de juros, em troca de medidas de saneamento
fiscal e monetário. Segundo Franco (1989), o “funding loan” gozaria de garantias
especiais: uma primeira hipoteca sobre as receitas em moeda forte da Alfândega do Rio
de Janeiro e a condicionalidade de que o governo agisse firmemente no nível monetário
e fiscal. A gravidade da situação era tal que, quando Campos Salles assumiu o governo,
a taxa de câmbio estava cotada em 7 pence. Para receber o “funding loan”, Campos
Salles prometeu não emitir mais papel-moeda e exercer uma PE conservadora. O
governo se esforçou em manter o país conectado à comunidade financeira internacional

americanos” (resposta dos Rothschild ao pedido de apoio financeiro do governo brasileiro) (FRANCO,
1989).
6
“Seria impossível para nós tentar colocar um grande empréstimo brasileiro, exceto se medidas forem
tomadas ao mesmo tempo para se elevar as receitas e reduzir as despesas do Brasil” (carta dos Rothschild
ao governo brasileiro em 1895) (FRANCO, 1989).
e capitais externos afluíram para o Brasil nos três anos de moratória, demonstrando a
confiança dos investidores na gestão econômica do país.
De acordo com Franco (1989), no orçamento de 1900, várias despesas foram
reduzidas, especialmente as denominadas em moeda estrangeira, e a tributação
efetivamente aumentada através de diversas medidas de modernização administrativa e
também através de aumentos nos impostos, destacadamente no imposto de consumo e
do selo. Campos Salles e seu ministro da fazenda, o médico Joaquim Murtinho,
reduziram as despesas com militares e procuraram compradores ou locatários para as
ferrovias do governo. A folha de pagamento do governo manteve-se estável e alguns
funcionários públicos foram demitidos por não irem ao trabalho. As pensões públicas
foram limitadas e empréstimos oficiais aos latifundiários foram negados. Murtinho
aumentou a coleta de impostos sobre importações, então maior fonte de receita do
governo e alugou algumas das ferrovias do governo a companhias privadas.
Privatizando as ferrovias, Campos Salles reduziu o papel do Estado na economia,
adicionalmente, por ser contra a intervenção estatal, evitou socorrer os cafeicultores. Na
gestão de Murtinho, quase metade do orçamento destinava-se a provisões para
pagamento da dívida, o segundo maior destino de recursos públicos era o ministério da
indústria, transporte e obras públicas, que viu seus recursos grandemente reduzidos.
A PE do ministro Murtinho, que na verdade consistiu na execução do esquema
do “funding loan” e tinha seu núcleo na redução do papel-moeda em circulação. Até
maio de 1903, o papel-moeda destruído somaria 13% do total em 1898. Isso teve como
conseqüência uma série de falências bancárias ocorridas em 1900 (o meio circulante
caíra de 733 milhões de milréis em 1898 para 675 milhões em 1902). Neste ano, o
Banco da República faliu, devendo um milhão de libras ao governo. Para fortalecer a
iniciativa privada, o Estado abdicara de seu direito, existente desde 1892, de nomear o
presidente do Banco da República, então a instituição mais próxima de um banco
central no Brasil. Mas, como condição para fornecer ajuda ao banco, Campos Salles e
Murtinho insistiram na nomeação de Otto Petersen, gerente de um banco alemão, como
diretor do Banco da República, tendo recebido por isso oposição nacionalista. No Rio,
sete bancos além do Banco da República se reorganizaram ou foram liquidados em
1900. Essas instituições tinham créditos podres em suas carteiras desde o Encilhamento
e foram afetadas pela ortodoxia monetária. Como sinal de contentamento com a forma
como Campos Salles contornou a crise bancária, os títulos da dívida brasileira se
apreciaram. Com a re-organização monetária foi gerada deflação, capitais externos
ingressaram no país e a moeda apreciou-se, recuperando parte de seu valor. Segundo
Franco (1989), a revitalização das entradas de capital observada a partir da adoção do
programa conservador revela a influência da percepção dos mercados financeiros
internacionais sobre o curso da PE do país. Para o mesmo autor, porém, não é claro, a
priori, em que medida a apreciação se devia à contração monetária ou a fatores
exógenos associados ao balanço de pagamentos tais como, p. ex., o crescimento das
exportações de borracha. A tabela abaixo apresenta dados sobre a contração monetária e
a apreciação cambial no período.
Meio circulante e taxa de câmbio no Brasil (1898-1902)
Taxas do câmbio
Anos Papel-moeda em circulação
Máxima Mínima
1898 780.765:423$000 8 e 1/2 5 e 53/64
1899 733.727:153$000 8 e 5/32 6 e 27/32
1900 699.631:719$000 12 e 3/52 7 e 1/2
1901 680.451:058$000 12 e 1/12 10
1902 (até junho) 679.450:443$000 12 e 1/14 11 e 5/18
Fonte: GUANABARA (1983, p. 196)

Ao fim do governo, embora tenha melhorado a situação do tesouro e devolvido


estabilidade monetária para ao país, o presidente ganhou uma enorme impopularidade,
pois empobrecera ainda mais as camadas populares, especialmente devido ao aumento
do custo de vida gerado pela elevação dos impostos (e criação do imposto sobre
consumo), sendo vaiado e apedrejado em sua saída do Catete.

3.2. A política econômica de Fernando Henrique Cardoso

Novamente, antes de abordar a PE, apresenta-se um resumo da conjuntura


histórica de expansão financeira norte-americana, que se desenvolve desde meados dos
anos 1970 até a atualidade, em acordo com Arrighi (1996). Sob a aparência da
aceleração da inflação e da desordem monetária da década de 1970, é possível
identificar o desenvolvimento típico das expansões financeiras de todos os CSA
anteriores, apenas revestida de formas novas e mais complexas (ARRIGHI, 1996).
A fase de expansão material do regime de acumulação sob hegemonia norte-
americana das décadas de 1950 e 1960 assemelhou-se com suas análogas anteriores
num aspecto fundamental: seu próprio desdobramento resultou numa grande
intensificação das pressões competitivas sobre as organizações governamentais e
empresariais da economia-mundo capitalista e, conseqüentemente, numa retirada
maciça do capital monetário do comércio e da produção (ARRIGHI, 1996, p. 308). A
expansão adicional das empresas norte-americanas, dentro das estruturas e estratégias
típicas do regime de acumulação norte-americano, foi cerceada por alguns fatores: (i) a
existência de altas barreiras organizacionais impostas pelas próprias corporações, umas
as outras, que impediam sua entrada em outros ramos de negócios; (ii) a reorganização e
a conquista crescente do comércio e da produção da Europa e de suas antigas colônias
da Ásia e África – o fortalecimento das grandes empresas européias e o esgotamento
progressivo dos mercados das ex-colônias passaram a constituir um obstáculo para os
norte-americanos; (iii) a pressão altista nos salários dos países centrais entre 1968-73,
crescendo em nível igual ou superior ao da produtividade do trabalho nesses países; (iv)
a pressão altista no preço de insumos primários estratégicos, especialmente o petróleo
(1o choque do petróleo em 1973). Esse processo refletiu-se, entre 1968-73, na
extraordinária expansão do mercado de eurodólares e no abandono do padrão monetário
internacional dólar-ouro e do sistema de paridades cambiais fixas. Este aumento das
pressões estimulava as grandes corporações norte-americanas a depositarem volumes
crescentes de dólares em bancos europeus.
Novamente, este processo implicou uma guinada do comércio e da produção
para as finanças, posto que o capital excedente não poderia ser re-investido sem que
houvesse queda nos lucros. O “keynesianismo militar” do governo norte-americano, que
havia provido a demanda efetiva e a liquidez mundial necessárias para manter em
andamento a expansão material da economia capitalista no século XX, agora
recrudescia a inflação de custos ao aumentar a demanda por mão-de-obra e insumos
básicos. Isto estimulava ainda mais a fuga de capitais do âmbito produtivo para os
mercados monetários. A oferta superabundante de dólares e a instituição de regimes
cambiais flutuantes, associados à política monetária norte-americana expansiva dos anos
70 e aos choques do petróleo, deram, à expansão financeira, incentivo ainda maior.
A instituição do regime de câmbio flutuante sujeitou os países do 3o mundo a
desestabilizações relacionadas a oscilações no preço de suas moedas frente ao de divisas
estrangeiras. As flutuações no valor das receitas de exportação, dos pagamentos pelas
importações e dos empréstimos contraídos junto ao exterior decorrentes de variações da
taxa de câmbio que cotava a moeda doméstica em relação às moedas estrangeiras os
expunham a dificuldades crônicas em seus balanços de pagamentos. Estes déficits
crônicos foram cobertos, em grande parte, mediante a contração de dívidas externas. A
grande oferta de dólar permitiu que os bancos internacionais atendessem às demandas
por empréstimos, baixando os padrões requeridos para a concessão de créditos. O
resultado foi uma série de crises financeiras que tornaram os países menos
desenvolvidos reféns das altas finanças e sujeitos a sua disciplina, como ocorrera em
fases anteriores de expansão financeira (aí consta a crise da dívida dos países latino-
americanos na década de 1980, incluído o Brasil).
Paralelamente, o aumento dos preços do petróleo ocorrido neste período teve
como conseqüência o acúmulo de um volume enorme de receitas em dólares nas mãos
dos países da OPEP, cujo re-investimento em atividades produtivas não era possível no
curto prazo. Esses capitais foram então desviados para os mercados europeus, ficando
conhecidos como “petrodólares”, que alimentaram ainda mais a expansão financeira.
Toda essa desordem monetária e os processos inflacionários que ela
desencadeava tornavam iminente uma crise de credibilidade do dólar. Para evitar isso, o
governo norte-americano reagiu veementemente através da instituição de uma política
monetária altamente restritiva, especialmente durante o governo Reagan. Seguindo o
padrão das hegemonias decadentes que, durante as expansões financeiras, reagem ao
aumento das pressões competitivas que cerceiam sua acumulação de poder, o governo
Reagan tomou cinco medidas principais, visando re-estabelecer a centralidade do poder
americano no sistema internacional: (i) redução da oferta monetária e aumento real da
taxa de juros dando início a um processo de competição internacional pelo capital
circulante; (ii) desregulamentação dos mercados financeiros norte-americanos,
liberalizando a atuação das elites financeiras a fim de atrair mais capitais; (iii) expansão
vertiginosa do endividamento público dos EUA. O aumento do déficit orçamentário
federal e da dívida pública tornou os EUA o principal devedor mundial, assim como,
segundo Arrighi (1996), acontecera com a Inglaterra entre 1914-45; (iv) aumento da
competição com outros Estados nacionais: a escalada da Guerra Fria com a União
Soviética (programa Iniciativa de Defesa Estratégica) e incursões militares em outros
países (Granada em 1983, Líbia em 1986, Panamá em 1989 e Iraque em 1990 e 2002).
Essa concentração de capital que passava a acontecer nos EUA sob o impacto de
sua política monetária restritiva assemelhou-se a um dos dois tipos de concentração de
capital característicos das expansões financeiras, aquele que acontece dentro das
estruturas de acumulação de poder e capital decadentes que buscam sua reanimação, sua
sobrevida. O outro tipo de concentração de capital, aquele em direção aos centros
emergentes de acumulação, em regiões a margem do Estado hegemônico, também é
observado na atual fase. O “arquipélago capitalista” do leste asiático (composto por
Japão - como líder- Coréia do Sul, Taiwan, Cingapura, Hong Kong e outros Estados) é
identificado por Arrighi (1996) como o centro regional de um novo regime de
acumulação7. Estes dois movimentos de concentração deixaram os países latino-
americanos à margem dos fluxos internacionais de capitais, dificultando seu acesso ao
financiamento externo.
Vamos agora tratar da PE implementada no período de FHC, para isso,
apresenta-se um resumo das PE implementadas no primeiro governo de FHC e de seus
antecedentes mais imediatos, baseado em Baer (2002). Em maio de 1993, FHC assumiu
o comando do ministério da Fazenda, dando início à implementação da PE que
caracterizaria seu primeiro mandato (1995/99).
Inicialmente, apresentou um plano de austeridade econômica, chamado de Plano
de Ação Imediata, que previa corte de gastos, maior severidade na cobrança de impostos
e o equilíbrio nos relacionamentos financeiros com os governos estaduais.
Posteriormente, apresentou um programa de estabilização que previa um ajuste fiscal e
um novo sistema de indexação que levaria progressivamente a uma nova moeda e ao
fim da inflação, considerado pelo governo o problema econômico que mais abalava o
país. Em fevereiro de 1994, foi introduzido um indexador denominado “unidade real de
valor” (URV), indexado ao dólar numa base de um por um. Acompanhando a inflação,
a cotação da URV em cruzeiros reais aumentava todos os dias. Os preços oficiais e os
fixados por agentes privados passaram gradativamente a ser estipulados em URV, até
que, em julho de 1994, o governo introduziu uma nova moeda, o Real, equivalente à
URV.
Juntamente a isso, o governo adotou uma política monetária restritiva, fixando
limites à expansão monetária. Também foram mantidas elevadas taxas de juros a fim de
controlar um aumento excessivo no consumo e desestimular a formação de estoques
especulativos. Como medida complementar, para controlar os grandes influxos de
capital externo que as elevadas taxas de juros podiam atrair, as autoridades fixaram o
preço de venda do real em um dólar e permitiram que seu preço de compra fosse
avaliado de acordo com o mercado. Com influxos substanciais de capital e os superávits
comerciais iniciais, o real de fato se valorizou, atingindo a cotação de R$0,85 por dólar
em novembro de 1994.

7
Esta possibilidade de emergência de um novo ciclo sistêmico de acumulação a partir do Leste Asiático é
um dos pontos mais controversos da obra de Arrighi, uma hipótese que o desenrolar da história ainda não
confirmou, como atesta a recessão econômica vivida pelo Japão na década de 1990
Com o término do ajuste fiscal inicial e limitado e com a desindexação da
economia em seu estágio final, a taxa de câmbio sobre-valorizada passou a ser o
principal instrumento de estabilidade de preços, pois, juntamente com a maior abertura
comercial, pressionava os preços internos, expondo-os à concorrência externa. De fato,
obteve-se um sucesso no combate a inflação, que caiu de uma taxa anual de 68% em
1995 para 8,4% em 1999. Entretanto, para tal tornou-se necessária a manutenção de
taxas de juros extremamente elevadas, a fim de atrair grandes volumes de capital
externo que sustentassem a estabilidade da moeda e financiassem o grande déficit do
setor público e o déficit comercial que foi gerado com a apreciação da moeda. O ajuste
fiscal inicial fora tímido e precisava ser completado através de reformas fiscais mais
estruturais, as quais foram adiadas por motivos políticos. O crescente déficit operacional
resultante não foi financiado de maneira inflacionária (i. e., por meio de empréstimos no
Banco Central), mas sim com empréstimos nos mercados domésticos e internacionais,
graças à credibilidade adquirida pelo sucesso inicial do Plano Real. Este financiamento
foi possível graças à manutenção de taxas de juros muito elevadas, cujo valor real
aumentava à medida que a inflação caía.
Com isso, obteve-se um aumento expressivo dos investimentos estrangeiros,
tanto na forma de investimentos externos diretos, quanto na forma de investimentos de
carteira. Os investimentos estrangeiros subiram de US$4,3 bilhões, em 1995, para
US$28,6 bilhões, em 1999 (boa parte, devido às privatizações de empresas estatais
promovidas no período). Apesar da entrada de investimentos de carteira ter sido grande
entre 1995 e 1999, seu valor líquido é pequeno em relação aos IED, devido à alta
volatilidade dos fluxos de capitais relativos a estes investimentos (em 1998, o ingresso
líquido de investimentos de carteira chegou a ser negativo, sob o impacto das crises
asiática e russa). Mesmo assim, os investimentos líquidos de carteira nos anos de 1995 a
1999 são grandes em relação aos valores da década anterior, mostrando que os fundos
internacionais passaram a incluir mais títulos brasileiros em seus portfolios.
As crises internacionais provocadas pelo México (1994/95), países asiáticos
(1997) e Rússia (1998), causaram um extraordinário aumento nos “spreads” das taxas
de juros, enquanto o governo tentava financiar seu déficit e manter a âncora cambial em
sua posição. Criou-se um círculo vicioso: para manter a taxa de câmbio e financiar seu
déficit o governo teria de realizar empréstimos a taxas de juros crescentes o que, por sua
vez, aumentava o ônus da dívida pública, agravando a situação fiscal e minando ainda
mais a confiança dos investidores. Entre janeiro e novembro de 1998 os gastos do
governo com juros sobre empréstimos, títulos e amortização cresceram de 14,7% dos
gastos públicos para 24,4%. Em novembro de 1998, o aumento da pressão externa por
um ajuste fiscal mais definitivo, expressa num pacote de ajustes imposto pelo FMI, fez
o Congresso progredir na aprovação de reformas fiscais mais essenciais. Sob o impacto
das crises financeiras asiática e russa, os empréstimos especiais feitos ao Brasil durante
1997/98 fizeram com que os recursos originários do FMI passassem a representar
21,6% da dívida externa brasileira em 1998, em contraste a 1,3% em 1991.
O 1o governo de FHC ampliou extraordinariamente o processo de privatização,
limitado no governo Collor principalmente aos setores siderúrgico e petroquímico, de
modo a incluir empresas de serviços públicos (telecomunicações, geração e distribuição
de energia). Entre 1995 e 1998, as receitas anuais advindas da privatização aumentaram
de menos de US$2 bilhões para mais de US$35 bilhões. A reforma do Estado
empreendida procurava modernizar a administração e reduzir a intervenção estatal
direta nos setores produtivos
Entre 1994/95 instaurou-se uma crise bancária no país, pois o desaparecimento
da inflação e as altas taxas de juros exerceram considerável impacto sobre o sistema
bancário, especialmente sobre os bancos públicos estaduais, ao aumentar
significativamente a inadimplência dos empréstimos. Em resposta, o governo criou, em
1995, um sistema de incentivos fiscais e facilidades de crédito para estimular a rápida
consolidação do setor bancário, que ficou conhecido como PROER.
A apreciação cambial e a abertura comercial contribuíram para anular o
superávit em conta corrente, que se converteu em mais um déficit a ser financiado por
entradas significativas de capital externo. A tabela abaixo ilustra os impactos deste
conjunto de medidas econômicas sobre o endividamento de setor público no período
considerado:

Endividamento do setor público brasileiro (% do PIB), 1995/99


1995 1999
Dívida interna total 24,5 38,6
Dívida externa total 5,4 11,0
Dívida total 29,9 49,6
Fonte: BAER (2002)

Fernando Henrique termina o governo obtendo sucesso no combate à inflação,


tendo alcançado a reeleição. Entre o final de 1998 e início de 1999, a comunidade
financeira internacional passou a questionar a capacidade brasileira de pagamento de
suas obrigações externas, como resultado uma crise cambial tomou o país e o real foi
desvalorizado, obrigando o governo a adotar um regime de câmbio flutuante. Seu
segundo mandato deu continuidade as políticas fiscais e monetárias restritivas, que
tiveram graves impactos recessivos, agravando a condição social do país.

3.3. Políticas econômicas recorrentes e a dinâmica das expansões financeiras

Schulz (2003) chama a atenção para algumas semelhanças entre as PE dos dois
períodos analisados: aumentos nos tributos, redução de gastos governamentais,
privatização de empresas do Estado, grandes negociações da dívida, apreciação do
câmbio seguida de relativa estabilidade cambial e políticas que favoreceram as
importações (embora as medidas de FHC terem tido efeitos mais drásticos, pois a
dependência do setor público dos impostos alfandegários na época de Campos Salles
limitava sua manobra no campo do comércio exterior). No mesmo sentido, Franco
(2000), em artigo que compara a economia brasileira das duas últimas passagens de
século, reconhece como elementos comuns aos dois períodos: a implementação de
reformas econômicas, crises de credibilidade internacionais, crises bancárias, a
volatilidade dos capitais estrangeiros, a influência de argumentos liberais e a sujeição
das finanças estatais à disciplina de acordos externos (chegando a comparar o FMI aos
Rothschild). Menezes e Martinez (2002) também reconhecem similaridades entre os
dois períodos, ressaltando aspectos como: a influência das altas-finanças na condução
da PE, a predominância do uso de políticas de caráter financeiro-monetário, o cunho
restritivo das políticas econômicas, a exacerbação do endividamento estatal, o aumento
da desigualdade social e a similaridade com a situação vivida, nos dois períodos, pela
Argentina.
A questão deste trabalho não é avaliar o sucesso ou fracasso destas políticas,
mas sim, com base nos apontamentos acima e nas descrições realizadas, ir além da
apresentação de suas semelhanças e mostrar como estas podem ser consideradas, ao
menos parcialmente, resultado do contexto sistêmico de expansão financeira. Por que
justamente nestes períodos o endividamento nacional foi posto em cheque? Por que os
desejos e recomendações das altas-finanças foram tão bem acatados? Por que o impulso
gastador do Estado nacional, alimentado por seu desejo de acumular poder, foi domado
de modo tão severo nestas épocas e não em outras? Cabe então dispor as características
semelhantes de tais períodos que, aceitando-se a hipótese de expansão financeira, já
eram esperadas:

O florescimento das relações do país com a economia mundial e seus circuitos


produtivos e financeiros, expressado pela maior abertura comercial e pelos
influxos de capital externo, com participação crescente do financiamento externo
na promoção do crescimento econômico nacional;
O aumento vertiginoso do endividamento do Estado nacional, dando a crise
econômica fortes traços de crise de endividamento;
Recurso crescente aos capitais externos como meio de financiamento deste
endividamento, sujeitando o poder estatal à disciplina imposta por organizações
financeiras internacionais (os Rothschild, no passado, e o FMI, no presente),
chegando a ponto de financistas privados serem nomeados para o comando da
instituição financeira responsável pela emissão monetária (o Banco da
República, no passado, e o Banco Central, no presente). A liberdade na
formulação e implementação de PE se viu grandemente reduzida à execução dos
esquemas acertados com as redes financeiras internacionais;
Políticas monetárias restritivas: tendo como conseqüências altas taxas de juro,
valorização cambial e queda da inflação;
Políticas fiscais restritivas: incluindo cortes nos gastos públicos, aumento nas
receitas tributárias, reformas previdenciárias, reformas administrativas e
privatizações ou arrendamento de empresas estatais;
Aumento vertiginoso do estoque de capital estrangeiro no país, tanto através do
aumento dos investimentos externos diretos, quanto dos investimentos de
carteira;
Crises bancárias provocadas pelo re-ordenamento monetário (solucionadas pelo
auxílio aos bancos promovido por Campos Salles e pelo PROER de Fernando
Henrique Cardoso);
Crises cambiais (1898 e 1998/99), em parte provocadas por dificuldades
crônicas de acesso ao crédito externo causadas por crises financeiras ocorridas
em outros países (na Argentina, na época do governo Campos Salles, no
México, na Rússia e na Tailândia, durante o primeiro governo FHC e,
novamente na Argentina, no segundo governo FHC). Em ambos os períodos, a
turbulência nos movimentos de capitais, típica das expansões financeiras,
pressionou o câmbio tornando o pagamento da dívida externa mais oneroso;
Aumento da polaridade social, devido à concentração de renda em favor das
elites financeiras, posto que o cidadão comum não consegue beneficiar-se da
acumulação financeira (em contraste com a acumulação produtiva, que gera
empregos e aumenta a produção disponível) e tem de arcar com aumentos nos
impostos.

De modo geral e em consonância com o nexo lógico entre a expansão financeira


e as políticas econômicas nacionais (apresentado na seção anterior), nos dois períodos, a
manutenção de desequilíbrios no balanço de pagamentos ou no orçamento público,
através do financiamento externo, tornou-se problemática quando a disputa interestatal
por capital circulante se acirrou durante a expansão financeira, dificultando o acesso ao
crédito internacional, agravando o endividamento externo e sujeitando o Estado a crises
financeiras e à disciplina das altas finanças, o que estimulou a adoção de um conjunto
semelhante de PE. Especialmente, esta disputa interestatal pelo capital circulante
dificulta seu acesso por parte de países que, como o Brasil nestes dois períodos,
estiveram à margem dos dois grandes fluxos de capital que ocorrem nas expansões
financeiras: um em direção à potência hegemônica decadente (que alimenta seu
endividamento motivado por conflitos interestatais) e outro em direção ao centro de
acumulação emergente (alimentando o desenvolvimento de um novo regime de
acumulação). Na expansão financeira britânica estes fluxos foram para a Grã-Bretanha
(potência decadente) e para os EUA (potência emergente). Na expansão financeira
norte-americana estes fluxos têm ido para os EUA (potência decadente) e para o Leste
Asiático (centro de acumulação emergente). A citação abaixo ilustra a diferença causada
pelo advento da expansão financeira no acesso ao capital circulante por parte do Brasil,
que coloca o Estado nacional nas “mãos” dos grandes financistas:
“Até aí [1898] não se fazia mais do que prosseguir a política tradicional do
Império e da República: contrair empréstimos para cobrir os déficits do
orçamento e, em seguida, ainda contrair empréstimos para pagar-lhes os
juros. A diferença entre essa [uma das propostas de refinanciamento
oferecidas ao Brasil] e as operações comuns era que o empréstimo era
tomado agora pelos nossos próprios credores que, ao em vez de receberem
dinheiro, recebiam títulos da dívida. Como, porém, não era possível ser
maior o nosso descrédito, eles pediam garantias efetivas para esses títulos, e
já vimos como o Sr. Campos Salles pôde reduzir essas garantias à hipoteca
das rendas da Alfândega do Rio de Janeiro e subsidiariamente das demais...”
(GUANABARA, 1983, p. 170).
Apesar do exposto acima, não estamos afirmando que a expansão financeira é
único fator explicativo das similaridades encontradas entre os dois períodos. Algumas
delas podem ser reflexos óbvios de serem dois períodos marcados por programas de
estabilização econômica, baseados nas medidas clássicas de contenção de despesas e
aumento de receitas. Porém, algumas singularidades que se constatou mostram que
parte considerável das semelhanças tem fundamentos além do fato de serem políticas de
estabilização: (i) a PE implementada pelos dois governos seguiu-se a um quadro agudo
de crise financeira, em que problemas graves de solvência e endividamento externo
sujeitaram a PE do Estado à disciplina ditada por agentes internacionais, tendo em
vista que um componente fundamental da crise era o financiamento externo; (ii) esta
situação, vivenciada pelo Brasil em ambos períodos, era também vivenciada por outros
países, em ambos períodos, não se resumindo a uma problemática nacional específica
de qualquer um desses países. A Argentina, na passagem do século XIX para o XX,
após uma série de excessos monetários e fiscais, declarou moratória, “assustando” os
mercados internacionais de capitais e causando uma crise de credibilidade (reforçando a
hipótese de expansão financeira, situação bem semelhante foi verificada no mesmo país
na passagem do século XX para o século XXI). A Grécia é outro exemplo de país que,
no final do século XIX, teve de negociar um “funding” (GUANABARA, 1983). Na
China, ainda que com o concurso de especificidades locais de grande importância
(guerras com o Japão), observou-se, na virada do século XX, um exacerbamento do
endividamento nacional (ARRIGHI, 1997). Para esclarecer mais, o PAEG, plano de
estabilização implementado após o golpe militar de 1964, no Brasil, não apresentava
estas características.

4. Considerações Finais

A partir dos “insights” proporcionados por este estudo, pode-se apontar uma luz
sobre a PE do governo Lula, cujo desenrolar atual, marcado pelo continuísmo, mostra
que o Estado nacional brasileiro ainda não conseguiu desvencilhar-se das amarras
colocadas pela expansão financeira sistêmica, continuando a mercê dos fluxos
internacionais de capital e dos ditames de organismos financeiros internacionais. São
necessárias análises que façam mais do que botar a “culpa” pela PE na “hegemonia do
neo-liberalismo” ou atribuir a causa da implementação de certas medidas à restrições
macroeconômicas de curto prazo. Amiúde encontramos declarações que falam sobre a
mudança ideológica por que passou o presidente, todavia, este estudo mostra que a
personalidade do governante é apenas um dos fatores que influenciam a PE e que esta
não é algo exógeno, fruto de uma decisão unilateral do Estado, mas sim o resultado
endógeno de uma interação complexa entre vários fatores que estão condicionados pela
conjuntura histórica geral do sistema capitalista.

5. Referências Bibliográficas

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Paulo: Editora UNESP/Contraponto, 1996.

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