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FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

DJE de
fevereiro a
1
dezembro de
2018
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

TESES E FUNDAMENTOS
BOLETIM DE ACÓRDÃOS P UBLICADOS

Este Boletim contém resumos de decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal.

Elaborado a partir de acórdãos publicados no mês de referência, e cujo julgamento tenha sido noticiado no Infor-
mativo STF, o periódico traz os principais fundamentos e conclusões dos julgados.

A fidelidade deste trabalho ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas almejadas, apenas
poderá ser aferida pela leitura integral do inteiro teor publicado no Diário da Justiça Eletrônico.

SUMÁRIO

DIREITO ADMINISTRATIVO

AGENTES PÚBLICOS ...................................................................................... 11


EMPREGADOS PÚBLICOS
DEMISSÃO

AGENTES PÚBLICOS ...................................................................................... 11


CONCURSO PÚBLICO
POSSE E EXERCÍCIO

AGENTES PÚBLICOS ...................................................................................... 12


CONCURSO PÚBLICO
NOMEAÇÃO – REPERCUSSÃO GERAL

AGENTES PÚBLICOS ...................................................................................... 13


CONCURSO PÚBLICO
REGRAMENTO JURÍDICO

AGENTES PÚBLICOS ...................................................................................... 14


DIREITOS E DEVERES
DIREITO DE GREVE – REPERCUSSÃO GERAL

AGENTES PÚBLICOS ...................................................................................... 15


REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL
APOSENTADORIA COMPULSÓRIA – REPERCUSSÃO GERAL

AGENTES PÚBLICOS ...................................................................................... 16


PROCESSO ADMINISTRATIVO
PRERROGATIVAS E PRAZOS

2
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

AGENTES PÚBLICOS ...................................................................................... 16


REGIME JURÍDICO
REDISTRIBUIÇÃO

AGENTES PÚBLICOS ...................................................................................... 17


REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL
CUSTEIO

AGENTES PÚBLICOS ...................................................................................... 18


REMUNERAÇÃO
EQUIPARAÇÃO

AGENTES PÚBLICOS ...................................................................................... 20


REMUNERAÇÃO
REAJUSTE

AGENTES PÚBLICOS ...................................................................................... 21


SERVIDORES TEMPORÁRIOS
REGRAS PARA ADMISSÃO

ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA................................................... 22


ADMINISTRAÇÃO INDIRETA
EMPRESAS PÚBLICAS

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO ............................................................. 22


RESPONSABILIDADE OBJETIVA
CONDUTA OMISSIVA

SERVIÇOS PÚBLICOS...................................................................................... 23
CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS
PRORROGAÇÃO CONTRATUAL

DIREITO AMBIENTAL

POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE ......................................................... 25


SISTEMA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE
COMPETÊNCIAS

DIREITO CIVIL

DIREITO DAS SUCESSÕES ............................................................................... 26


SUCESSÃO LEGÍTIMA
ORDEM DA VOCAÇÃO HEREDITÁRIA – REPERCUSSÃO GERAL

DIREITO CONSTITUCIONAL

DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS........................................................... 28


DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS
LIBERDADE DE EXPRESSÃO

3
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS........................................................... 33


DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS
LIBERDADE RELIGIOSA

DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS........................................................... 34


DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS
DIREITO À PRIVACIDADE

DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS........................................................... 35


DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS
ACESSO À INFORMAÇÃO – REPERCUSSÃO GERAL

DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS........................................................... 37


DIREITOS SOCIAIS
DIREITO DE GREVE

DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS........................................................... 38


DIREITOS SOCIAIS
FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO (FGTS)

ORGANIZAÇÃO DO ESTADO ........................................................................... 39


ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA
CRIAÇÃO, INCORPORAÇÃO, FUSÃO E DESMEMBRAMENTO DE MUNICÍPIOS

ORGANIZAÇÃO DO ESTADO ........................................................................... 40


UNIÃO
COMPETÊNCIA LEGISLATIVA PRIVATIVA

ORGANIZAÇÃO DO ESTADO ........................................................................... 43


UNIÃO
COMPETÊNCIA LEGISLATIVA DELEGADA

ORGANIZAÇÃO DO ESTADO ........................................................................... 44


ESTADOS FEDERADOS
COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONCORRENTE

ORGANIZAÇÃO DOS PODERES ........................................................................ 47


AGENTES POLÍTICOS
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

ORGANIZAÇÃO DOS PODERES ........................................................................ 50


PODER LEGISLATIVO
DEPUTADOS E SENADORES

ORGANIZAÇÃO DOS PODERES ........................................................................ 51


PODER LEGISLATIVO
PROCESSO LEGISLATIVO

ORGANIZAÇÃO DOS PODERES ........................................................................ 52


PODER LEGISLATIVO
FISCALIZAÇÃO CONTÁBIL, FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA

4
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

ORGANIZAÇÃO DOS PODERES ........................................................................ 53


PODER LEGISLATIVO
PODER LEGISLATIVO ESTADUAL

ORGANIZAÇÃO DOS PODERES ........................................................................ 54


PODER EXECUTIVO
RESPONSABILIDADE DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA

ORGANIZAÇÃO DOS PODERES ........................................................................ 56


PODER EXECUTIVO
RESPONSABILIDADE DOS GOVERNADORES DE ESTADO-MEMBRO

ORGANIZAÇÃO DOS PODERES ........................................................................ 58


PODER JUDICIÁRIO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

ORGANIZAÇÃO DOS PODERES ........................................................................ 59


PODER JUDICIÁRIO
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

ORGANIZAÇÃO DOS PODERES ........................................................................ 63


PODER JUDICIÁRIO
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

ORGANIZAÇÃO DOS PODERES ........................................................................ 65


PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA COMUM FEDERAL

ORGANIZAÇÃO DOS PODERES ........................................................................ 66


PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA MILITAR

ORGANIZAÇÃO DOS PODERES ........................................................................ 66


PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA COMUM

ORGANIZAÇÃO DOS PODERES ........................................................................ 67


FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA
MINISTÉRIO PÚBLICO

ORGANIZAÇÃO DOS PODERES ........................................................................ 69


FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA
ADVOCACIA PÚBLICA

ORGANIZAÇÃO DOS PODERES ........................................................................ 70


FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA
DEFENSORIA PÚBLICA

TRIBUTAÇÃO E ORÇAMENTO .......................................................................... 71


SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL
LIMITAÇÕES DO PODER DE TRIBUTAR – REPERCUSSÃO GERAL

5
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

TRIBUTAÇÃO E ORÇAMENTO .......................................................................... 74


SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL
REPARTIÇÃO DAS RECEITAS TRIBUTÁRIAS – REPERCUSSÃO GERAL

ORDEM SOCIAL............................................................................................ 78
SAÚDE
PLANOS DE SAÚDE

ORDEM SOCIAL............................................................................................ 80
SAÚDE
ASSISTÊNCIA À SAÚDE – REPERCUSSÃO GERAL

ORDEM SOCIAL............................................................................................ 82
EDUCAÇÃO, CULTURA E DESPORTO
EDUCAÇÃO

ORDEM SOCIAL............................................................................................ 85
COMUNICAÇÃO SOCIAL
REGULAÇÃO DE TELECOMUNICAÇÕES

DIREITO ELEITORAL

ELEIÇÕES .................................................................................................... 93
APURAÇÃO
NULIDADES DA VOTAÇÃO

INELEGIBILIDADES ........................................................................................ 95
INELEGIBILIDADES CONSTITUCIONAIS
INELEGIBILIDADE REFLEXA

PARTIDOS POLÍTICOS .................................................................................... 96


FILIAÇÃO PARTIDÁRIA
INFIDELIDADE PARTIDÁRIA

PARTIDOS POLÍTICOS .................................................................................... 98


FUNDO PARTIDÁRIO
QUOTA ELEITORAL DE GÊNERO

DIREITO INTERNACIONAL

DIREITO INTERNACIONAL PENAL................................................................... 101


CRIMES CONTRA A HUMANIDADE
SEQUESTRO

DIREITO PENAL

PENAS ...................................................................................................... 102


APLICAÇÃO DA PENA
CRIME CONTINUADO

6
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE ........................................................................ 102


PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA
CAUSAS SUSPENSIVAS

EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE ........................................................................ 103


PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA
TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO APÓS A SENTENÇA CONDENATÓRIA IRRECORRÍVEL

CRIMES CONTRA A PESSOA .......................................................................... 104


CRIMES CONTRA A VIDA
HOMICÍDIO

CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO................................................................... 104


FURTO
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL .......................................................... 105


CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL
ESTUPRO

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ................................................ 107


CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO CONTRA A ADMINISTRAÇÃO EM
GERAL
CORRUPÇÃO PASSIVA

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ................................................ 107


CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO CONTRA A ADMINISTRAÇÃO EM
GERAL
CONCEITO DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO PARA FINS PENAIS

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ................................................ 108


CRIMES PRATICADOS POR PARTICULAR CONTRA A ADMINISTRAÇÃO EM GERAL
DESACATO

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ................................................ 111


CRIMES PRATICADOS POR PARTICULAR CONTRA A ADMINISTRAÇÃO EM GERAL
DESCAMINHO

LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL........................................................................ 112


LEI 8.137/1990 – CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA
ART. 12, I – CAUSA DE AUMENTO DE PENA

LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL........................................................................ 113


LEI 8.666/1993 – LICITAÇÕES
CRIMES E PENAS (ART. 89 E ART. 90)

LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL........................................................................ 115


LEI 11.340/2006 — VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
ART. 41 — INAPLICABILIDADE DA LEI 9.099/1995

7
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL........................................................................ 116


LEI 11.343/2006 — LEI DE DROGAS
ART. 28 — USO PESSOAL DE DROGAS

LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL........................................................................ 116


LEI 11.343/2006 — LEI DE DROGAS
CAUSAS DE AUMENTO DE PENA

DIREITO PENAL MILITAR

CÓDIGO PENAL MILITAR ............................................................................. 117


APLICAÇÃO DA LEI PENAL MILITAR
TEMPO DO CRIME

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

PROCEDIMENTO ESPECIAL ........................................................................... 118


MANDADO DE SEGURANÇA – LEI 12.016/2009
LEGITIMIDADE ATIVA

EXECUÇÃO ................................................................................................ 118


DIVERSAS ESPÉCIES DE EXECUÇÃO
EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA

PROCESSOS NOS TRIBUNAIS E MEIOS DE IMPUGNAÇÃO DE DECISÕES JUDICIAIS..... 120


ORDEM DOS PROCESSOS E PROCESSOS DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DOS
TRIBUNAIS
RECLAMAÇÃO

DIREITO PROCESSUAL PENAL

PROCESSO EM GERAL.................................................................................. 121


INQUÉRITO POLICIAL
ARQUIVAMENTO

PROCESSO EM GERAL.................................................................................. 121


AÇÃO PENAL
DENÚNCIA

PROCESSO EM GERAL.................................................................................. 125


COMPETÊNCIA
COMPETÊNCIA PELA PRERROGATIVA DE FUNÇÃO

PROCESSO EM GERAL.................................................................................. 128


COMPETÊNCIA
COMPETÊNCIA POR CONEXÃO OU CONTINÊNCIA

8
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

PROCESSO EM GERAL.................................................................................. 128


PROVA
DISPOSIÇÕES GERAIS

PROCESSO EM GERAL.................................................................................. 130


PROVA
INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA

PROCESSO EM GERAL.................................................................................. 131


PRISÃO, MEDIDAS CAUTELARES E LIBERDADE PROVISÓRIA
PRISÃO PREVENTIVA

PROCESSO EM GERAL.................................................................................. 131


CITAÇÕES E INTIMAÇÕES
INTIMAÇÕES

PROCESSOS EM ESPÉCIE .............................................................................. 132


PROCEDIMENTO RELATIVO AOS PROCESSOS DA COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI
ACUSAÇÃO E INSTRUÇÃO PRELIMINAR

PROCEDIMENTO ESPECIAL ........................................................................... 133


LEI 12.850/2013 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS
ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA

NULIDADES E RECURSOS EM GERAL ............................................................... 138


RECURSOS EM GERAL
APELAÇÃO

NULIDADES E RECURSOS EM GERAL ............................................................... 138


RECURSOS EM GERAL
AGRAVO

NULIDADES E RECURSOS EM GERAL ............................................................... 139


RECURSOS EM GERAL
EMBARGOS

NULIDADES E RECURSOS EM GERAL ............................................................... 140


RECURSOS EM GERAL
HABEAS CORPUS E SEU PROCESSO

NULIDADES E RECURSOS EM GERAL ............................................................... 144


RECURSOS EM GERAL
REFORMATIO IN PEJUS

EXECUÇÃO PENAL ...................................................................................... 144


EXECUÇÃO DAS PENAS EM ESPÉCIE
PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE

EXECUÇÃO PENAL ...................................................................................... 146


ESTABELECIMENTOS PENAIS
TRANSFERÊNCIA DE PRESÍDIO

9
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

DIREITO PROCESSUAL PENAL MILITAR

PROVAS.................................................................................................... 147
ATOS PROBATÓRIOS
INTERROGATÓRIO

DIREITO TRIBUTÁRIO

TRIBUTOS ................................................................................................. 148


IMPOSTOS
IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS (IPI) – REPERCUSSÃO GERAL

TRIBUTOS ................................................................................................. 149


IMPOSTOS
IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE TERRITORIAL RURAL (ITR)

TRIBUTOS ................................................................................................. 149


IMPOSTOS
IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS)

TRIBUTOS ................................................................................................. 150


CONTRIBUIÇÕES
CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS – REPERCUSSÃO GERAL

EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO .............................................................. 151


MODALIDADES DE EXTINÇÃO
PRESCRIÇÃO

EXECUÇÃO FISCAL ...................................................................................... 151


FORMALIDADES E PROCEDIMENTO
CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA

10
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

DIREITO ADMINISTRATIVO AGENTES PÚBLICOS


CONCURSO PÚBLICO
AGENTES PÚBLICOS
POSSE E EXERCÍCIO
EMPREGADOS PÚBLICOS
DEMISSÃO É possível a aplicação excepcional da teoria do fato
consumado, pela consolidação de uma situação fá-
A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) tica em face do decurso do tempo, quando há a con-
tem o dever jurídico de motivar, em ato formal, a de- cessão de aposentadoria voluntária pela Administra-
missão de seus empregados. ção Pública ao servidor que tomou posse e entrou em
exercício em cargo público em decorrência de deci-
O dever de motivação imposto à ECT cinge-se à são judicial tomada à base de cognição não exauri-
exposição das razões pelas quais se pratica o ato de ente1.
dispensa, de modo a permitir que haja controle so-
bre ele, seja por parte do empregado afetado, seja O princípio da segurança jurídica, em sua pers-
pelos órgãos de fiscalização externa da Administra- pectiva subjetiva, protege a confiança legítima, pre-
ção. serva fatos pretéritos de eventuais modificações na
interpretação do direito, bem como resguarda efei-
Basta que a ECT indique, por escrito, os motivos tos jurídicos de atos considerados inválidos por
que a levaram (i) a dispensar o empregado sem justa
qualquer razão. Em última análise, o princípio da
causa (e.g., prejuízos operacionais e necessidade de
confiança legítima destina-se sobretudo a proteger
corte de gastos) e, (ii) quando for o caso, a escolher expectativas legitimamente criadas em indivíduos
o empregado atingido por sua política interna de re- por atos estatais2.
dução do quadro funcional (e.g., mais moderno ou
menos produtivo). A aplicação do princípio da proteção da confi-
ança, portanto, pressupõe a adoção de atos contra-
A ECT não precisa enquadrar seus motivos em al- ditórios pelo Estado que frustrem legítimas expecta-
guma das hipóteses previstas na legislação traba-
tivas nutridas por indivíduos de boa-fé. Natural-
lhista como justa causa para a dispensa de empre-
mente, tais expectativas podem ser frustradas não
gados. Ela permanece, tal como os agentes privados, apenas por decisões administrativas contraditórias,
em condições de dispensar seus funcionários sem mas também por decisões judiciais dessa natureza.
justa causa, assumidas as consequências trabalhis-
tas atreladas a tanto. O que dela se exige é apenas a Em casos de elevado grau de estabilidade da re-
indicação por escrito dos motivos da dispensa, sem lação jurídica, em especial pela passagem de longo
prévio processo administrativo ou contraditório. intervalo de tempo, o princípio da proteção da con-
fiança legítima incide com maior intensidade3.
RE 589.998, rel. min. Roberto Barroso, DJE de 4-12-
2018 Assim, apesar de, em regra, a posse e o exercício
(Informativo 919, Plenário) em cargo público em razão de decisão judicial to-
mada à base de cognição não exauriente não produ-
zirem fato consumado — tal qual assentado no RE
608.482 RG4 (rel. min. Teori Zavascki, P, Tema 476)

1 “Efetivamente, o caso é de todo peculiar. Como des- 4 “Destaque-se a zelosa observação presente no voto
taquei na sessão presencial do dia 14/8/2018, a agravante do saudoso Ministro Teori Zavascki no indigitado leading
manteve-se no cargo de auditora fiscal do trabalho ano case, pontuando haver situações estritamente excepcio-
após ano com provimentos liminares e cautelares cassa- nais sobre as quais esse importante instituto jurídico não
dos e posteriormente renovados nas instâncias a quo, e, se aplica: ‘(...). Por isso mesmo, eventual superveniente
após 21 anos no exercício desse cargo, dos quais nove de- constatação da ilegitimidade desse status ou dessa vanta-
les por conta de liminar obtida no Superior Tribunal de gem caracteriza, certamente, comprometimento da boa-
Justiça, mais os acréscimos do tempo pretérito em outras fé ou da confiança legítima provocada pelo primitivo ato
atividades, a agravante acabou se aposentando voluntari- da administração, o que pode autorizar, ainda que em
amente, sem que o mérito tivesse sido analisado.” (Trecho nome do fato consumado, a manutenção do status quo,
do voto do ministro Alexandre de Moraes no julgamento ou, pelo menos, a dispensa de restituição de valores. Isso
do RE 740.029 AgR). ocorre, todavia, em casos restritos, marcados pela excep-
2 Fundamentos extraídos do voto do ministro Roberto cionalidade’.” (Trecho do voto do ministro Alexandre de
Barroso no julgamento do RE 740.029 AgR. Moraes no julgamento do RE 740.029 AgR).
3 Idem.

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FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

—, a marca da excepcionalidade dos casos concre- AGENTES PÚBLICOS


tos autoriza a distinção (distinguish5).
CONCURSO PÚBLICO
Com efeito, o leading case não abriga a hipótese
em que o afastamento da teoria do fato consumado NOMEAÇÃO – REPERCUSSÃO GERAL
do caso concreto retira a aposentadoria do servidor
mantido no cargo por força de decisão precária em A nomeação tardia de candidatos aprovados em con-
processos cuja duração não observa o art. 5º, curso público, por meio de ato judicial, à qual atribu-
LXXVIII, da CF6, que assegura a todos, no âmbito ju- ída eficácia retroativa, não gera direito às promoções
dicial e administrativo, a razoável duração do pro- ou progressões funcionais que alcançariam houvesse
cesso e os meios que garantam a celeridade de sua ocorrido, a tempo e modo, a nomeação.
tramitação.
Não há liame imediato entre a conduta da Admi-
RE 740.029 AgR, rel. min. Alexandre de Moraes, DJE
nistração e o alegado prejuízo. Por se tratar de res-
de 2-10-2018.
ponsabilidade civil do Estado, a conduta deve reve-
(Informativo 911, Primeira Turma)
lar o dano ao particular de forma direta.
A promoção ou progressão funcional não se re-
solve unicamente mediante o cumprimento de re-
quisito temporal, pressupondo a aprovação em es-
tágio probatório e a confirmação no cargo, bem as-
sim o preenchimento de outras condições previstas
em lei. Apenas se pode verificar o atendimento a es-
ses pressupostos após a formalização do vínculo hi-
erárquico-funcional do cidadão com a Administra-
ção.
Somente considerado o desempenho do agente,
por meio de atuação concreta a partir da entrada
em exercício, é possível alcançar a confirmação do
cago, bem assim a movimentação funcional.
RE 629.392, rel. min. Marco Aurélio, DJE de 1º-2-
2018, repercussão geral, Tema 454.
(Informativo 868, Plenário)

5 “A aplicação da sistemática dos precedentes exige gica: a ascensão dos precedentes no direito brasileiro. Re-
que o caso julgado seja o mais próximo possível da hipó- vista da AGU, ano 15, n. 3, jul./set., 2017 apud voto do
tese concreta. Em artigo acadêmico no qual tive a oportu- ministro Roberto Barroso no julgamento do RE 740.029
nidade de enfrentar o tema dos precedentes no Direito AgR).
Brasileiro, defendi que, nessa análise, devem ser levados 6 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção

em consideração quatro elementos essenciais: (i) os fatos de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
relevantes de cada qual; (ii) os valores e normas que inci- estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
dem sobre cada conjunto de fatos; (iii) a questão de di- à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à proprie-
reito que suscitam; e (iv) os fundamentos que justificaram dade, nos termos seguintes: (...) LXXVIII – a todos, no âm-
a decisão do precedente e sua adequação para orientar a bito judicial e administrativo, são assegurados a razoável
decisão do novo caso.” (BARROSO, Luís Roberto; MELO, duração do processo e os meios que garantam a celeri-
Patrícia Perrone Campos. Trabalhando com uma nova ló- dade de sua tramitação.”

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FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

AGENTES PÚBLICOS dade, uma vez que a Constituição garante a partici-


pação de todos em concursos públicos, direito sub-
CONCURSO PÚBLICO jetivo assegurado aos cidadãos, em geral, desde que
REGRAMENTO JURÍDICO atendidos os requisitos legais.
MS 28.775, red. p/ o ac. min. Ricardo Lewandowski,
Não compete ao Conselho Nacional de Justiça exami- DJE de 9-3-2018.
nar o conteúdo de questões formuladas em provas (Informativo 882, Segunda Turma)
de concursos públicos, nem avaliar seus critérios de
correção.

Não cabe ao Judiciário substituir a comissão de


concurso na valoração do conteúdo das questões
formuladas e dos critérios de correção7. Excepcio-
nalmente, é permitido o juízo de compatibilidade do
conteúdo das questões do concurso com o previsto
no edital do certame.

A ausência de oportunidade de manifestação dos in-


teressados na apuração de supostas irregularidades
de concurso público, em sede de controle adminis-
trativo, viola o devido processo legal.

Assiste ao interessado, mesmo em procedimen-


tos de índole administrativa, como direta emanação
da garantia constitucional do devido processo legal,
independentemente de previsão normativa nos es-
tatutos que regem a atuação dos órgãos estatais, a
prerrogativa indisponível do contraditório e da ple-
nitude de defesa, com os meios e recursos a ela ine-
rentes.
A abrangência da cláusula constitucional do de-
vido processo legal compreende o direito à prova.
Assim, o fato de o poder público considerar suficien-
tes os elementos de informação produzidos no pro-
cedimento administrativo não legitima nem autoriza
a adoção pelo órgão competente de medidas que,
tomadas em detrimento daquele que sofre a perse-
cução administrativa, culminem por frustrar a possi-
bilidade de o próprio interessado produzir as provas
que repute indispensáveis à demonstração de suas
alegações e que entenda essenciais à condução de
sua defesa8.

Não é possível anular concurso público com base em


mera presunção de favorecimento a candidatos por
parte da banca examinadora.

A decisão que aponta a ocorrência de favoreci-


mento a ensejar a anulação de concurso público
deve demonstrar a incidência desse fator. A mera
existência de relação de amizade ou afetiva entre in-
tegrantes do órgão ou entidade que realiza o cer-
tame e participante deste não implica irregulari-

7 RE 632.853, rel. min. Gilmar Mendes, P. 8 RMS 28.517 AgR, rel. min. Celso de Mello, 2ª T.

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FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

AGENTES PÚBLICOS necessidade de garantias para a sua continuidade


não se relacionam diretamente com a natureza do
DIREITOS E DEVERES vínculo existente entre servidores e poder público.
DIREITO DE GREVE – REPERCUSSÃO GERAL A análise do prejuízo decorrente da paralisação das
atividades realizadas pelos servidores públicos não
será influenciada pelo fato de serem servidores ce-
A Justiça comum federal ou estadual é competente letistas ou estatutários. Na verdade, a própria exten-
para julgar a abusividade de greve de servidores pú- são das regras do regime celetista aos servidores pú-
blicos celetistas da Administração Direta, das autar- blicos (estatutários) demonstra que, para efeito de
quias e das fundações de direito público. greve, são situações intercambiáveis.
A natureza das atividades efetivamente desem- Dessa forma, reconhecida a essencialidade das
penhadas pela categoria profissional é o elemento atividades desempenhadas pelos servidores públi-
preponderante para a definição do regramento apli- cos, não há por que excetuá-los da regra de compe-
cável em caso de greve dessa categoria, mesmo na tência firmada pelo Supremo Tribunal Federal no
hipótese em que o vínculo com a Administração é Mandado de Injunção 670,9 e 10 mesmo em se tra-
regulado pelo Direito do Trabalho. tando de servidores contratados pelo Estado sob o
regime celetista.
A essencialidade do serviço público prestado e a

9 MI 670, red. p/ o ac. min. Gilmar Mendes, P. deral com jurisdição sobre o local da paralisação, con-
10 “6. DEFINIÇÃO DOS PARÂMETROS DE COMPETÊN- forme se trate de greve de servidores municipais, estadu-
CIA CONSTITUCIONAL PARA APRECIAÇÃO DO TEMA NO ais ou federais. 6.4. Considerados os parâmetros acima
ÂMBITO DA JUSTIÇA FEDERAL E DA JUSTIÇA ESTADUAL delineados, a par da competência para o dissídio de greve
ATÉ A EDIÇÃO DA LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA PERTINENTE, em si, no qual se discuta a abusividade, ou não, da greve,
NOS TERMOS DO ART. 37, VII, DA CF. FIXAÇÃO DO PRAZO os referidos tribunais, nos âmbitos de sua jurisdição, serão
DE 60 (SESSENTA) DIAS PARA QUE O CONGRESSO NACIO- competentes para decidir acerca do mérito do paga-
NAL LEGISLE SOBRE A MATÉRIA. MANDADO DE INJUNÇÃO mento, ou não, dos dias de paralisação em consonância
DEFERIDO PARA DETERMINAR A APLICAÇÃO DAS LEIS N. com a excepcionalidade de que esse juízo se reveste.
7.701/1988 E 7.783/1989. 6.1. Aplicabilidade aos servido- Nesse contexto, nos termos do art. 7º da Lei n.
res públicos civis da Lei n. 7.783/1989, sem prejuízo de 7.783/1989, a deflagração da greve, em princípio, corres-
que, diante do caso concreto e mediante solicitação de ponde à suspensão do contrato de trabalho. Como regra
entidade ou órgão legítimo, seja facultado ao juízo com- geral, portanto, os salários dos dias de paralisação não de-
petente a fixação de regime de greve mais severo, em ra- verão ser pagos, salvo no caso em que a greve tenha sido
zão de tratarem de ‘serviços ou atividades essenciais’ (Lei provocada justamente por atraso no pagamento aos ser-
n. 7.783/1989, arts. 9º a 11). 6.2. Nessa extensão do defe- vidores públicos civis, ou por outras situações excepcio-
rimento do mandado de injunção, aplicação da Lei n. nais que justifiquem o afastamento da premissa da sus-
7.701/1988, no que tange à competência para apreciar e pensão do contrato de trabalho (art. 7º da Lei n.
julgar eventuais conflitos judiciais referentes à greve de 7.783/1989, in fine). 6.5. Os tribunais mencionados tam-
servidores públicos que sejam suscitados até o momento bém serão competentes para apreciar e julgar medidas
de colmatação legislativa específica da lacuna ora decla- cautelares eventualmente incidentes relacionadas ao
rada, nos termos do inciso VII do art. 37 da CF. 6.3. Até a exercício do direito de greve dos servidores públicos civis,
devida disciplina legislativa, devem-se definir as situações tais como: i) aquelas nas quais se postule a preservação
provisórias de competência constitucional para a aprecia- do objeto da querela judicial, qual seja, o percentual mí-
ção desses dissídios no contexto nacional, regional, esta- nimo de servidores públicos que deve continuar traba-
dual e municipal. Assim, nas condições acima especifica- lhando durante o movimento paredista, ou mesmo a pro-
das, se a paralisação for de âmbito nacional, ou abranger ibição de qualquer tipo de paralisação; ii) os interditos
mais de uma região da justiça federal, ou ainda, compre- possessórios para a desocupação de dependências dos ór-
ender mais de uma unidade da federação, a competência gãos públicos eventualmente tomados por grevistas; e iii)
para o dissídio de greve será do Superior Tribunal de Jus- as demais medidas cautelares que apresentem conexão
tiça (por aplicação analógica do art. 2º, I, a, da Lei n. direta com o dissídio coletivo de greve. 6.6. Em razão da
7.701/1988). Ainda no âmbito federal, se a controvérsia evolução jurisprudencial sobre o tema da interpretação da
estiver adstrita a uma única região da justiça federal, a omissão legislativa do direito de greve dos servidores pú-
competência será dos Tribunais Regionais Federais (apli- blicos civis e em respeito aos ditames de segurança jurí-
cação analógica do art. 6º da Lei n. 7.701/1988). Para o dica, fixa-se o prazo de 60 (sessenta) dias para que o Con-
caso da jurisdição no contexto estadual ou municipal, se a gresso Nacional legisle sobre a matéria. 6.7. Mandado de
controvérsia estiver adstrita a uma unidade da federação, injunção conhecido e, no mérito, deferido para, nos ter-
a competência será do respectivo Tribunal de Justiça mos acima especificados, determinar a aplicação das Leis
(também por aplicação analógica do art. 6º da Lei n. n. 7.701/1988 e 7.783/1989 aos conflitos e às ações judi-
7.701/1988). As greves de âmbito local ou municipal serão ciais que envolvam a interpretação do direito de greve dos
dirimidas pelo Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Fe- servidores públicos civis.” (MI 670, red. p/ o ac. min. Gil-
mar Mendes, P.)

14
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

RE 846.854, red. p/ o ac. min. Alexandre de Moraes, AGENTES PÚBLICOS


DJE de 7-2-2018, repercussão geral, Tema 544. (In-
formativo 871, Plenário) REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL
APOSENTADORIA COMPULSÓRIA – REPERCUSSÃO
GERAL

Não se aplica a aposentadoria compulsória prevista


no art. 40, § 1º, II, da Constituição Federal (CF) aos
titulares de serventias judiciais não estatizadas,
desde que não sejam ocupantes de cargo público efe-
tivo e não recebam remuneração proveniente dos
cofres públicos.

O art. 40, § 1º, II11, da CF estabelece que a apo-


sentadoria compulsória será aplicada apenas aos
servidores titulares de cargo efetivo, abrangidos
pelo Regime Próprio de Previdência Social. Não se
aplica a aposentadoria compulsória pelo imple-
mento de idade a titulares de serventias extrajudici-
ais por algumas razões, entre elas o fato de não se-
rem servidores públicos titulares de cargo efetivo12.
Assim, cabe estender aos titulares de serventia
judicial não estatizada remunerados, exclusiva-
mente, por custas e emolumentos o mesmo trata-
mento conferido aos titulares de foro extrajudicial,
tendo em vista a similitude das relações jurídicas.
Afinal, ambos exercem atividade privada em colabo-
ração com o poder público.
RE 647.827, rel. min. Gilmar Mendes, DJE de 1º-2-
2018, repercussão geral, Tema 571.
(Informativo 854, Plenário)

11 CF, art. 40. “Aos servidores titulares de cargos efe- abrangidos pelo regime de previdência de que trata este
tivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Mu- artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a
nicípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegu- partir dos valores fixados na forma dos §§ 3º e 17: (...) II –
rado regime de previdência de caráter contributivo e soli- compulsoriamente, com proventos proporcionais ao
dário, mediante contribuição do respectivo ente público, tempo de contribuição, aos 70 (setenta) anos de idade, ou
dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, obser- aos 75 (setenta e cinco) anos de idade, na forma de lei
vados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e complementar.”
atuarial e o disposto neste artigo. § 1º Os servidores 12 ADI 2.602, red. p/ o ac. min. Eros Grau, P.

15
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

AGENTES PÚBLICOS AGENTES PÚBLICOS


PROCESSO ADMINISTRATIVO REGIME JURÍDICO
PRERROGATIVAS E PRAZOS REDISTRIBUIÇÃO

A Administração tem a prerrogativa de fiscalizar as Na redistribuição de cargos do Poder Judiciário da


atividades dos servidores por meio de procedimento União, a exigência de prazo de 36 meses de exercício
investigatório. no cargo a ser redistribuído é constitucional (Resolu-
ção 146/2012 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
A atribuição de investigar é ínsita ao poder de art. 6º, I18).
controle que a Administração tem sobre seus servi-
dores. Ademais, a mera investigação da ocorrência A redistribuição de cargos deve obedecer priori-
de fatos prescinde da incidência dos princípios do tariamente ao interesse da Administração Pública.
contraditório e da ampla defesa13.
A exigência de exercício das funções inerentes
Diante disso, foi declarada constitucional a ex- ao cargo a ser redistribuído por pelo menos 36 me-
pressão “investigatório”, contida no art. 28 da LC ses conforma-se aos princípios basilares da Adminis-
107/2003 do Estado do Rio de Janeiro14. tração Pública, entre os quais os da igualdade, da
moralidade, da eficiência, da impessoalidade e do
O Estado-membro pode legislar sobre prazos prescri- concurso público.
cionais administrativos referentes a seus servidores.
Além de impedir seja o instituto da redistribui-
A Constituição Federal (CF) não estabelece pra- ção utilizado em situações fáticas negadas pelas nor-
zos de prescrição nem fixa padrões acerca dos refe- mas constitucionais vigentes, nas quais se possam
ridos prazos. A temática de prescrição ou decadên- adotar manobras que frustrariam os efeitos válidos
cia é objeto de disposição infraconstitucional (CF, da aprovação em concurso público, o CNJ buscou,
art. 37, § 4º15)16. ao definir prazo mínimo de atuação no órgão de ori-
gem, fossem atendidas também as exigências do
Diante disso, foi declarado constitucional o art. serviço público a ser prestado de forma eficiente,
29 da LC 107/2003 do Estado do Rio de Janeiro17. em favor do público ao qual se destina.
ADI 2.877, red. p/ o ac. min. Cármen Lúcia, DJE de 6- Não fossem suficientes as legítimas demandas
8-2018. justificadoras da realização do concurso público
(Informativo 893, Plenário) para o provimento de cargo em órgão do Poder Ju-
diciário em determinada localidade, deve-se ponde-
rar também que o interesse imediato de servidor em
ocupar cargo de outro órgão anuncia descompasso
entre os fins da redistribuição e os meios adotados
para eventuais mudanças funcionais.
Ademais, o prazo de 36 meses coincide com o
prazo exigido no art. 4119 da Constituição Federal
para a estabilidade do servidor público, evidenci-
ando-se a razoabilidade e a proporcionalidade perfi-
lhadas pelo CNJ ao longo do processo de elaboração

13 Fundamentação extraída do voto do ministro Joa- 16 Fundamentação extraída do voto do ministro Joa-

quim Barbosa. quim Barbosa.


14 “Art. 28. Inclua-se o § 3º ao art. 3º, da Lei Comple- 17 “Art. 29. O artigo 96 passará a ter a seguinte reda-

mentar n. 69, de 19 de novembro de 1990, com a seguinte ção: ‘Art. 96. Ocorrerá a prescrição: I – em 5 (cinco) anos
redação: ‘§ 3º Se o auto de infração for anulado tendo em quando a falta for sujeita a pena de advertência, repreen-
vista a existência de dolo por parte do fiscal autuante de- são ou multa; II – em 10 (dez) anos, nos demais casos’.”
verá a Corregedoria Tributária do Controle Externo instau- 18 “Art. 6º: “O cargo ocupado somente poderá ser re-

rar procedimento investigatório para apuração do fato.’” distribuído se o servidor preencher cumulativamente os
15 “Art. 37. (...) § 4º Os atos de improbidade adminis- seguintes requisitos: I – tempo mínimo de 36 meses de
trativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a exercício no cargo a ser redistribuído;”
perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o 19 “Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exer-

ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas cício os servidores nomeados para cargo de provimento
em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.” efetivo em virtude de concurso público.”

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FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

e aprovação da referida resolução. AGENTES PÚBLICOS


ADI 4.938, rel. min. Cármen Lúcia, DJE de 6-8-2018. REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL
(Informativo 899, Plenário)
CUSTEIO

É inconstitucional o parágrafo único do art. 11020 da


Lei 915/2005, do Estado do Amapá, que — acrescido
ao art. 110 do texto original por meio de emenda par-
lamentar — estabelece que a Amapá Previdência as-
sumirá o pagamento dos benefícios de aposentado-
ria e pensão que tenham sido concedidos pelos Po-
deres do Estado, pelo Ministério Público ou pelo Tri-
bunal de Contas durante o período de vigência do De-
creto 87/1991.

A transferência da responsabilidade a fundo pre-


videnciário pelo pagamento das aposentadorias e
pensões a beneficiários de regime próprio de previ-
dência social sem que haja contrapartida dos segu-
rados ou do próprio ente federado acarreta grave
ofensa à regra de equilíbrio financeiro e atuarial do
sistema próprio de previdência (CF, art. 40, caput21).
Inicialmente, a CF regrava de forma deficiente a
natureza contributiva do regime de previdência pú-
blica no âmbito estadual, distrital e municipal, ape-
nas facultando a possibilidade de cobrança de con-
tribuição.
Todavia, após a Emenda Constitucional (EC)
41/2003, a CF passou a impor, de forma expressa, a
contribuição aos servidores, em prol da manutenção
do sistema previdenciário. Nesses termos, o § 1º do
art. 149, na redação conferida pela EC 41/2003, pas-
sou a exigir que os estados, o Distrito Federal e os
municípios instituíssem “contribuição, cobrada de
seus servidores, para o custeio, em benefício destes,
do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja
alíquota não será inferior à da contribuição dos ser-
vidores titulares de cargos efetivos da União”.
Essa disposição está em consonância com a nova
redação do art. 40, caput, da CF, após a modificação
da EC 41/2003, que assegurou, de modo expresso, o
caráter necessariamente contributivo e solidário do
regime próprio de previdência, além de ter determi-
nado que se preservasse seu equilíbrio financeiro e

20 “Art. 110. O Estado responderá subsidiariamente vigência do Decreto n. 0087, de 6 de junho de 1991, e que,
pelo pagamento das aposentadorias e pensões concedi- nesta data, estejam sendo suportados exclusiva e integral-
das na forma desta Lei, na hipótese de extinção, insolvên- mente pelo Tesouro Estadual.”
cia ou eventuais insuficiências financeiras do Regime Pró- 21 “Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos

prio de Previdência Social do Estado. Parágrafo único. No da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municí-
prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contados da publica- pios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado
ção desta Lei, a Amapá Previdência, desde que provocada regime de previdência de caráter contributivo e solidário,
pelo Órgão interessado, assumirá o pagamento dos bene- mediante contribuição do respectivo ente público, dos
fícios de aposentadoria e pensão que tenham sido conce- servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados
didos por qualquer dos Poderes do Estado, pelo Ministério critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e
Público ou pelo Tribunal de Contas durante o período de o disposto neste artigo.”

17
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

atuarial. AGENTES PÚBLICOS


Dentro desse contexto, passou a ser imprescin- REMUNERAÇÃO
dível a incessante busca do equilíbrio financeiro e
atuarial, requisito que é desde sempre elementar a EQUIPARAÇÃO
todo sistema previdenciário, estatal ou privado. Esse
equilíbrio destina-se à preservação da suficiência, A equiparação remuneratória entre servidores, a teor
presente e futura, do fundo de previdência, tendo da redação originária do art. 39, § 1º22, da Constitui-
em vista o sopesamento entre as receitas e as des- ção Federal (CF), restringiu-se aos servidores da ad-
pesas com benefícios, o qual estaria prejudicado ministração direta, não se mencionando os entes da
com a assunção de obrigação desprovida de qual- administração indireta.
quer contraprestação pecuniária.
“A regra inscrita no art. 39, § 1º, da Constituição
ADI 3.628, rel. min. Dias Toffoli, DJE de 10-10-2018.
– considerada a igualdade ou a similitude do conte-
(Informativo 893, Plenário)
údo ocupacional de determinados cargos públicos –
permite que se dispense, aos servidores estatais que
os titularizam, tratamento remuneratório isonô-
mico, desde que esses cargos se situem na estrutura
central do mesmo Poder ou, então, que a relação de
comparação se estabeleça entre agentes adminis-
trativos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciá-
rio, excluídos, em consequência, do alcance norma-
tivo da cláusula constitucional em referência, os ser-
vidores vinculados às entidades que integram a ad-
ministração indireta ou descentralizada”23.
Ademais, a Constituição veda, expressamente
(CF, art. 37, XIII24), a vinculação ou equiparação de
quaisquer espécies remuneratórias para efeito de
remuneração de pessoal do serviço público25.
Nesse sentido, é inconstitucional a expressão
“das autarquias e das fundações” contida no § 1º do
art. 16626 da Constituição do Estado do Ceará. Por
seu turno, também são inconstitucionais os parágra-
fos do art. 18427 da Carta estadual, que estabelece-
ram equiparação remuneratória entre a carreira dos
delegados de polícia e a de promotores de justiça.
Além disso, a parte remanescente do § 1º do art.

22 “Art. 39. (...) § 1º A lei assegurará, aos servidores da administração pública direta, das autarquias e das funda-
administração direta, isonomia de vencimentos para car- ções, isonomia de vencimentos para cargos de atribuições
gos de atribuições iguais ou assemelhados do mesmo Po- iguais ou assemelhadas do mesmo Poder ou entre servi-
der ou entre servidores dos Poderes Executivo, Legislativo dores dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, res-
e Judiciário, ressalvadas as vantagens de caráter individual salvadas as vantagens de caráter individual e as relativas à
e as relativas à natureza ou ao local de trabalho.” (Reda- natureza ou ao local de trabalho.”
ção originária) 27 “Art. 184. (...) § 1º Os delegados de polícia de classe
23 ADI 1.434 MC, rel. min. Celso de Mello, P. inicial percebem idêntica remuneração aos promotores
24 “Art. 37. A administração pública direta e indireta de primeira entrância, prosseguindo na equivalência entre
de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Dis- as demais classes pelo escalonamento das entrâncias ju-
trito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de diciárias. § 2º Os integrantes das carreiras policiais civis
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e efi- são mantidos em regime de uniformidade de remunera-
ciência e, também, ao seguinte: (...) XIII – é vedada a vin- ção para os cargos de equivalentes níveis nos cursos espe-
culação ou equiparação de quaisquer espécies remunera- cializados das diferentes carreiras das áreas profissionais
tórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço que as integram. § 3º Os vencimentos dos integrantes das
público;” carreiras policiais civis serão fixados com diferença não su-
25 ADI 304, red. p/ o ac. min. Carlos Velloso, P; ADI perior a dez por cento de uma para outra das classes da
1.291 MC, rel. min. Octavio Gallotti, P. carreira.”
26 “Art. 166. (…) § 1º A lei assegurará aos servidores da

18
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

166 da Constituição do Estado do Ceará não foi re- tivo (CF, art. 61, § 1º, II, a e c30). São previsões espe-
cepcionada, em sua integralidade, pela redação cíficas que não tratam da organização ou da estru-
atual do art. 3928 da CF, conferida pela Emenda turação do Estado-membro ou de seus órgãos, mas
Constitucional 19/1998, incidindo, também, a veda- que versam sobre o regime jurídico de servidores
ção de vinculação ou equiparação de quaisquer es- públicos, expressamente submetido a tal prerroga-
pécies remuneratórias para efeito de remuneração tiva.
de pessoal do serviço público (CF, art. 37, XIII).
De fato, a liberdade criativa da primeira manifes-
É constitucional norma estadual que assegura a iso- tação do poder decorrente, albergada no art. 25 31
nomia salarial para docentes em exercício com titula- da Carta Federal e no art. 1132 do Ato das Disposi-
ção idêntica, respeitando-se o grau de ensino em que ções Constitucionais Transitórias (ADCT), não pode
atuam e a carga horária do respectivo regime29. suplantar o princípio da separação dos poderes e,
por conseguinte, as regras de processo legislativo
Não há, no caso, equiparação salarial de carrei- dele defluentes.
ras distintas, pois se trata especificamente da car- Do mesmo modo, a fixação de teto de venci-
reira de magistério público e de docentes com titu- mento para os escrivães de entrância especial, de
lação idêntica, devendo, no entanto, ser respeitados modo que não exceda 80% dos vencimentos dos ju-
os respectivos regime e carga horária. ízes de entrância inferior, prevista no art. 174 da
Constituição do Estado, além de incidir em vincula-
São formalmente inconstitucionais dispositivos de ção de vencimentos de carreiras distintas, afronta a
Constituição estadual que tratam de remuneração e iniciativa legislativa do Poder Judiciário, em atendi-
direitos de servidores públicos não existentes na CF.
mento ao disposto no art. 96, II, b, da CF33.
A ausência de disposições similares na CF implica Portanto, são formalmente inconstitucionais os
que esses dispositivos somente poderiam ser veicu- arts. 154, § 2º34; 167, XII, XIII, §§ 1º e 2º35; e 17436 da
lados por lei de iniciativa do chefe do Poder Execu- Constituição do Estado do Ceará; e os arts. 2737 e

28 “Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os 34 “Art. 154. (…) § 2º Os valores dos cargos comissio-

Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, re- nados serão fixados, obedecendo-se a uma diferença
gime jurídico único e planos de carreira para os servidores nunca excedente a dez por cento de um para o outro em
da administração pública direta, das autarquias e das fun- seu escalonamento hierárquico, não podendo exceder ao
dações públicas. § 1º A fixação dos padrões de venci- valor da remuneração correspondente ao do Símbolo
mento e dos demais componentes do sistema remunera- DNS-1.”
tório observará: I – a natureza, o grau de responsabilidade 35 “Art. 167. São direitos do servidor público, entre ou-

e a complexidade dos cargos componentes de cada car- tros: (…) XII – licença especial de três meses, após a imple-
reira; II – os requisitos para a investidura”. mentação de cada cinco anos de efetivo exercício; XIII –
29 Constituição do Estado do Ceará, art. 215. “(…) IV – servidor que contar tempo igual ou superior ao fixado
valorização dos profissionais do ensino com planos de car- para aposentadoria voluntária terá provento calculado no
reira, na forma da lei, para o magistério público, com piso nível de carreira ou cargo de acesso, imediatamente supe-
salarial profissional e ingresso exclusivamente por con- rior, dentro do quadro a que pertencer; (…) § 1º O servidor
curso público de provas e títulos, assegurada a isonomia que contar tempo de serviço igual ou superior ao fixado
salarial para docentes em exercício, com titulação idên- para aposentadoria voluntária com proventos integrais,
tica, respeitando-se o grau de ensino em que estiver atu- ou aos setenta anos de idade, aposentar-se-á com as van-
ando”. tagens do cargo em comissão em cujo exercício se encon-
30 “Art. 61. (…) § 1º São de iniciativa privativa do Pre- trar, desde que o haja ocupado, durante cinco anos inin-
sidente da República as leis que: (…) II – disponham sobre: terruptos, ou que o tenha incorporado. § 2º O servidor, ao
a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na ad- aposentar-se, terá o direito de perceber na inatividade,
ministração direta e autárquica ou aumento de sua remu- como provento básico, o valor pecuniário correspondente
neração ; (…) c) servidores públicos da União e Territórios, ao padrão de vencimento imediatamente superior ao da
seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e sua classe funcional, e, se já ocupara o último escalão, fará
aposentadoria de civis, reforma e transferência de milita- jus à gratificação adicional de vinte por cento sobre a sua
res para a inatividade; (redação original)” remuneração, estendendo-se o benefício aos que já se en-
31 “Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas contram na inatividade.”
Constituições e leis que adotarem, observados os princí- 36 “Art. 174. Os escrivães de entrância especial terão

pios desta Constituição.” seus vencimentos fixados de modo que não excedam a oi-
32 “Art. 11. Cada Assembleia Legislativa, com poderes tenta por cento do que for atribuído aos juízes da entrân-
constituintes, elaborará a Constituição do Estado, no cia inferior, aplicando-se o mesmo limite percentual para
prazo de um ano, contado da promulgação da Constitui- os escrivães das demais entrâncias.”
ção Federal, obedecidos os princípios desta.” 37 “Art. 27. Fica extensiva aos Técnicos de Programa-
33 ADI 251, rel. min. Gilmar Mendes, P. ção Educacional, a vantagem de que trata o art. 3º da Lei

19
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

2838 do ADCT do Estado do Ceará. AGENTES PÚBLICOS


É materialmente inconstitucional norma estadual REMUNERAÇÃO
que estabelece a aposentadoria em montante remu- REAJUSTE
neratório maior do que aquele previsto para o cargo
desempenhado em atividade, remetendo o valor dos
proventos aos cargos imediatamente superiores do A decisão judicial que considera procedente o pedido
quadro funcional ou com acréscimo de gratificação39. de incorporação de reajuste de 13,23%, indistinta-
mente, a servidor público federal afronta o Enunci-
Previsão semelhante não era considerada mate- ado 37 da Súmula Vinculante43.
rialmente inconstitucional à época da edição da
Carta estadual, uma vez que a superação da remu- As Leis 10.697/2003 e 10.698/2003 tratam de di-
neração em atividade era tolerada na redação origi- ferentes aspectos da estrutura remuneratória dos
nal da Carta da República40. Porém, toda a parte pre- servidores públicos federais. A Lei 10.697/2003 con-
videnciária contida no art. 167 da Constituição do cedeu reajuste de 1% nas remunerações e subsídios.
Estado do Ceará não foi agasalhada pela Lei Funda- A Lei 10.698/2003, por sua vez, instituiu Vantagem
mental a partir da Emenda Constitucional 20/1998. Pecuniária Individual (VPI), devida aos servidores
A superação do patamar remuneratório da atividade públicos federais ocupantes de cargos efetivos ou
e a impossibilidade de incorporação da remunera- empregos públicos, fixada em valor absoluto. São
ção do cargo em comissão para fins de aposentado- parcelas distintas.
ria foram estabelecidas expressamente pelo art. 40, A instituição de VPI em valor absoluto suposta-
§§ 2º e 3º41, da CF42. mente representaria aumento linear que beneficia-
ADI 145, rel. min. Dias Toffoli, DJE de 10-8-2018. ria em maior proporção os servidores públicos fede-
(Informativo 907, Plenário) rais com remunerações mais baixas. Com o objetivo
de corrigir essa alegada distorção, esse valor fixo
pode ser interpretado judicialmente como um per-
centual relativo à menor remuneração de servidor
público federal na data de promulgação da lei
(13,23%). Assim, o reajuste de 1% (Lei 10.697/2003),
somado à VPI (Lei 10.698/2003), é transformado,
por decisão judicial, em um reajuste de 13,23% e
aplicado em benefício de parte interessada, desde

n. 9.375, de 10 de julho de 1970 com a alteração cons- nível de carreira ou cargo de acesso, imediatamente supe-
tante do art. 1º da Lei n. 10.165, de 21 de março de 1978, rior, dentro do quadro a que pertencer; § 2º O servidor,
bem como os ocupantes do cargo de profissional de rela- ao aposentar-se, terá o direito de perceber na inatividade,
ções públicas, de provimento efetivo, nos quadros da ad- como provento básico, o valor pecuniário correspondente
ministração direta e indireta, a vantagem de que trata o ao padrão de vencimento imediatamente superior ao da
artigo 3º e parágrafo único da Lei n. 9.375, de 10 de julho sua classe funcional, e, se já ocupara o último escalão, fará
de 1970, com a alteração constante do art. 1º e seu pará- jus à gratificação adicional de vinte por cento sobre a sua
grafo da único da Lei n. 10.165, de 21 de março de 1978 e remuneração, estendendo-se o benefício aos que já se en-
com a alteração constante do art. 1º e seus parágrafos da contram na inatividade”.
Lei n. 11.243, de 12 de dezembro de 1986.” 40 ADI 1.379 MC, rel. min. Maurício Corrêa, P.
38 “Art. 28. Fica extensiva aos ocupantes dos cargos 41 “Art. 40. (…) § 2º Os proventos de aposentadoria e

técnicos de programação educacional, de provimento efe- as pensões, por ocasião de sua concessão, não poderão
tivo de quadro de pessoal a que se refere a Lei n. 10.776, exceder a remuneração do respectivo servidor, no cargo
de 17 de dezembro de 1982, com a alteração do art. 7º da efetivo em que se deu a aposentadoria ou que serviu de
Lei n. 11.463, de 17 de julho de 1988, bem como aos ocu- referência para a concessão da pensão. § 3º Os proventos
pantes dos cargos de assistente técnico de educação, au- de aposentadoria, por ocasião da sua concessão, serão
ditor de educação e técnico de educação de que tratam as calculados com base na remuneração do servidor no
Leis n. 10.703, de 13 de agosto de 1982 e 10.876, de 26 cargo efetivo em que se der a aposentadoria e, na forma
de dezembro de 1983, a vantagem de que trata o art. 3º, da lei, corresponderão à totalidade da remuneração (re-
da Lei n. 9.375, de 10 de julho de 1970 com a alteração dação dada pela EC 20/1998).”
constante no art. 1º da Lei n. 10.165, de 21 de março de 42 AI 721.354 AgR, rel. min. Ellen Gracie, 2ª T.

1978.” 43 Enunciado 37 da Súmula Vinculante: “Não cabe ao


39 Constituição do Estado do Ceará, art. 167, XIII e § Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumen-
2º. “São direitos do servidor público, entre outros: (…) XIII tar vencimentos de servidores públicos sob o fundamento
– servidor que contar tempo igual ou superior ao fixado de isonomia.”
para aposentadoria voluntária terá provento calculado no

20
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

que receba remuneração mais elevada. AGENTES PÚBLICOS


Esse reajuste de 13,23%, todavia, não tem fun- SERVIDORES TEMPORÁRIOS
damento na Lei 10.698/2003, de modo que o Judici-
ário, ao concedê-lo, com base no princípio da isono- REGRAS PARA ADMISSÃO
mia, atua como legislador positivo.
A superveniência da Lei 13.317/2016, que incor- São inconstitucionais a autorização legislativa gené-
porou a VPI à remuneração dos servidores federais, rica para contratação temporária e a permissão de
não altera essa conclusão. A norma limitou-se a de- prorrogação indefinida do prazo de contratações
terminar que a VPI e outras parcelas remuneratórias temporárias.
dela originadas, deferidas por decisão administra-
A Constituição Federal (CF) é intransigente em
tiva ou judicial, fossem absorvidas por aumentos de
relação ao princípio do concurso público como re-
vencimento então concedidos44.
quisito para o provimento de cargos públicos (CF,
Rcl 24.965 AgR, red. p/ o ac. min. Alexandre de Mo- art. 37, II45). A exceção prevista no art. 37, IX46, da CF
raes, DJE de 30-4-2018. deve ser interpretada restritivamente, cabendo ao
(Informativo 886, Primeira Turma) legislador infraconstitucional a observância dos re-
quisitos da reserva legal, da atualidade do excepcio-
nal interesse público justificador da contratação
temporária e da temporariedade e precariedade dos
vínculos contratuais.47
Diante disso, foi declarado inconstitucional o art.
264, VI e § 1º, parte final48, da Lei Complementar
4/1990 do Estado de Mato Grosso, com a redação
conferida pela Lei Complementar 12/1992, com
efeitos ex nunc, preservados os contratos em vigor
que tenham sido celebrados exclusivamente com
fundamento nos referidos dispositivos, por um
prazo máximo de até doze meses da publicação da
ata de julgamento (31-3-2017.)
ADI 3.662, red. p/ o ac. min. Alexandre de Moraes,
DJE de 25-4-2018.
(Informativo 858, Plenário)

44 Fundamentos extraídos do voto do ministro Ro- 47 Precedente: RE 658.026, rel. min. Dias Toffoli, P, re-

berto Barroso no julgamento da Rcl 24.965 AgR. percussão geral, Tema 612.
45 CF, art. 37. “A administração pública direta e indi- 48 Lei Complementar 4/1990 do Estado de Mato

reta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Grosso, art. 264. “Consideram-se como de necessidade
Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios temporária de excepcional interesse público as contrata-
de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e ções que visem a: (...) VI – atender a outras situações mo-
eficiência e, também, ao seguinte: (...) II – a investidura tivadamente de urgência. § 1º As contratações de que
em cargo ou emprego público depende de aprovação pré- trata este artigo terão dotação específica e não poderão
via em concurso público de provas ou de provas e títulos, ultrapassar o prazo de 06 (seis) meses, exceto nas hipóte-
de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou ses dos incisos II, IV e VI, cujo prazo máximo será de 12
emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nome- (doze) meses, e inciso V, cujo prazo máximo será de 24
ações para cargo em comissão declarado em lei de livre (vinte e quatro) meses, prazos estes somente prorrogá-
nomeação e exoneração;” veis se o interesse público, justificadamente, assim o exigir
46 CF, art. 37. “(...) IX – a lei estabelecerá os casos de ou até a nomeação por concurso público.”
contratação por tempo determinado para atender a ne-
cessidade temporária de excepcional interesse público;”

21
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO


ADMINISTRAÇÃO INDIRETA RESPONSABILIDADE OBJETIVA
EMPRESAS PÚBLICAS CONDUTA OMISSIVA

É incabível aplicar à empresa pública a regra excepci- Há responsabilidade civil de pessoa jurídica presta-
onal de execução prevista no art. 100 da Constituição dora de serviço público em razão de dano decorrente
Federal (CF)49. de crime de furto praticado em posto de pesagem.

Mostra-se incongruente considerar bens inte- Ocorre, na hipótese, omissão no dever de vigi-
grantes do patrimônio de empresas públicas, en- lância e falha na prestação e organização do serviço
quanto pessoas jurídicas de direito privado, como e, a teor do art. 37, § 6º52, da Constituição Federal
bens públicos, gozando das vantagens decorrentes. (CF), não há espaço para afastar a responsabilidade,
Tal óptica subverte a organicidade do Direito ao im- independentemente de culpa, mesmo sob a óptica
plementar ao acessório e ao principal regimes jurídi- da omissão, ante o princípio da legalidade, presente
cos diversos. a teoria do risco administrativo53.
A par desse aspecto, há de ser observada a de- Com efeito, a CF consagra a responsabilidade ob-
terminação do art. 173, § 1º, II, da CF50, o qual sub- jetiva do Estado, visando proteger o cidadão. A pre-
mete a empresa pública ao regime jurídico próprio missa encontra base na ideia de justiça social: a
das empresas privadas, no que incluídos os direitos corda não deve arrebentar do lado mais fraco. O Es-
e as obrigações civis, comerciais, tributárias e traba- tado, ou quem lhe faça o papel, é sujeito poderoso,
lhistas. contando com a primazia do uso da força, ao passo
que o indivíduo situa-se em posição de subordina-
Ademais, descabe a fixação de honorários recur-
ção. Os administrados não podem evitar ou sequer
sais, previstos no art. 85, § 11, do Código de Pro-
minimizar o perigo de dano proveniente da ação ou
cesso Civil51, quando se tratar de recurso formali-
omissão do Estado. É o poder público quem dita os
zado no curso de processo cujo rito os exclua.
termos da própria presença no seio da coletividade
RE 851.711 ED-AgR-AgR, rel. min. Marco Aurélio, DJE e estabelece o teor e a intensidade do relaciona-
de 10-4-2018. mento com os membros do corpo social. As funções
(Informativo 888, Primeira Turma)

49 CF, art. 100. “Os pagamentos devidos pelas Fazen- gado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites esta-
das Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em belecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento.”
virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente 52 “Art. 37. A administração pública direta e indireta

na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Dis-
à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de trito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e efi-
créditos adicionais abertos para este fim.” ciência e, também, ao seguinte: (...) § 6º As pessoas jurídi-
50 CF, art. 173. “Ressalvados os casos previstos nesta cas de direito público e as de direito privado prestadoras
Constituição, a exploração direta de atividade econômica de serviços públicos responderão pelos danos que seus
pelo Estado só será permitida quando necessária aos im- agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegu-
perativos da segurança nacional ou a relevante interesse rado o direito de regresso contra o responsável nos casos
coletivo, conforme definidos em lei. § 1º A lei estabelecerá de dolo ou culpa.”
o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de 53 “EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUS-

economia mista e de suas subsidiárias que explorem ativi- SÃO GERAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR
dade econômica de produção ou comercialização de bens MORTE DE DETENTO. ARTIGOS 5º, XLIX, E 37, § 6º, DA
ou de prestação de serviços, dispondo sobre: (...) II – a su- CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. A responsabilidade civil esta-
jeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, tal, segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo
inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerci- 37, § 6º, subsume-se à teoria do risco administrativo,
ais, trabalhistas e tributários;” tanto para as condutas estatais comissivas quanto paras as
51 CPC, art. 85. “A sentença condenará o vencido a pa- omissivas, posto rejeitada a teoria do risco integral. 2. A
gar honorários ao advogado do vencedor. (...) § 11. O tri- omissão do Estado reclama nexo de causalidade em rela-
bunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados ção ao dano sofrido pela vítima nos casos em que o Poder
anteriormente levando em conta o trabalho adicional re- Público ostenta o dever legal e a efetiva possibilidade de
alizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o agir para impedir o resultado danoso. (...) 7. A responsabi-
disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no lidade civil estatal resta conjurada nas hipóteses em que o
cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advo- Poder Público comprova causa impeditiva da sua atuação
protetiva do detento, rompendo o nexo de causalidade da

22
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

estatais dão ensejo à produção de danos mais acen- SERVIÇOS PÚBLICOS


tuados que os suscetíveis de serem gerados pelos
particulares, tendo em vista a singularidade da posi- CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS
ção jurídica do ente estatal54. PRORROGAÇÃO CONTRATUAL
Em suma, considerada a maior quantidade de
poderes e prerrogativas, o Estado, que a todos re- Inexiste direito líquido e certo à prorrogação contra-
presenta, deve suportar o ônus das atividades de- tual do contrato de concessão de usina hidrelétrica.
sempenhadas55, e a obrigação ocorre perante a ví-
tima, fundamentando-se nos riscos decorrentes das É da essência da cláusula de prorrogação contra-
atividades desempenhadas pelo ente estatal e na tual a voluntariedade, delineada no âmbito da Ad-
exigência de legalidade do ato administrativo56. ministração Pública sob os parâmetros de atendi-
mento ao interesse público, o que se perfaz sob
Enfoque diverso, afastando o direito à indeniza-
margem de discricionariedade administrativa. Essa
ção, implicaria esvaziar o preceito do § 6º do art. 37
natural discricionariedade na realização ou não da
da CF.
prorrogação contratual cede apenas ao interesse
Assim, versando direito e garantia fundamental público, bem como encontra razão de ser na própria
do cidadão, o dispositivo constitucional encerra finalidade da licitação57.
norma autoaplicável, de eficácia plena, incumbindo
A regra é a contratação ter um termo predefi-
ao Poder Judiciário, verificado o nexo causal entre o
nido – prazo contratual –, cabendo à Administração
ato administrativo e o dano, concretizar o comando
avaliar, ao final do termo e sempre de acordo com
em plenitude.
os parâmetros legais de atendimento ao interesse
RE 598.356, rel. min. Marco Aurélio, DJE de 1º-8- público que lhe foram traçados (e em especial a
2018. “promoção do desenvolvimento nacional sustentá-
(Informativo 901, Primeira Turma) vel”), o interesse e a possibilidade de renovação
desse prazo.
Um contrato de concessão de serviços públicos,
a teor do art. 175 da Constituição Federal58, firmado
a partir de certame licitatório, tem a temporarie-
dade como uma de suas marcas fundamentais.
Desse modo, o encerramento do contrato ocorre no
prazo nele definido, salvo a realização de ajuste, ao

sua omissão com o resultado danoso.” (Trechos da ementa certames, o que define a delimitação temporal dos ajustes
do RE 841.526, rel. min. Luiz Fux) (Sem grifos no original) firmados com o Estado. De igual modo, ao se referir à van-
54 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito tajosidade, quer a lei ressaltar que o caráter competitivo
Administrativo. 30. ed. São Paulo: Malheiros Editores, que é estabelecido pela licitação é salutar ao interesse pú-
2012, p. 1013, apud ministro Marco Aurélio em seu voto blico, o que, novamente, traduz a intenção da legislação
no julgamento do RE 598.356. de criar mecanismos de renovação periódica da contrata-
55 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Di- ção. Por fim, ao dispor que a licitação tem por finalidade a
reito Administrativo. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 574, ´promoção do desenvolvimento nacional sustentável´,
apud ministro Marco Aurélio em seu voto no julgamento traçou a lei o ideal a ser alcançado com a contratação e,
do RE 598.356. de igual modo, com sua renovação. Trata-se, ressalte-se,
56 “Sob o ângulo doutrinário, tem-se ensinamento de de critério volátil, que pode sofrer modificação entre a
Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro. 42. data de formalização do ajuste e a data de sua eventual
Ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2016 p. 781): ‘O § 6º do prorrogação, o que pode, desse modo, também justificar
art. 37 da CF seguiu linha traçada nas Constituições ante- a opção pela não prorrogação do contrato.” (Trecho do
riores, e, abandonando a privatística teoria subjetiva da voto do ministro Dias Toffoli no julgamento do RMS
culpa, orientou-se pela doutrina do Direito Público e man- 34.203.)
teve a responsabilidade civil objetiva da Administração, 58 CF, art. 175. “Incumbe ao Poder Público, na forma

sob a modalidade do risco administrativo. Não chegou, da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou per-
porém, aos extremos do risco integral. É o que se infere missão, sempre através de licitação, a prestação de servi-
do texto constitucional e tem sido admitido reiterada- ços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre: I – o re-
mente pela jurisprudência, com apoio da melhor doutrina gime das empresas concessionárias e permissionárias de
[…]’.” (Trecho do voto do ministro Marco Aurélio no julga- serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de
mento do RE 598.356). sua prorrogação, bem como as condições de caducidade,
57 “Quando a lei se refere à licitação como forma de fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; II – os
garantir a isonomia, encontra-se pressuposta a igualdade direitos dos usuários; III – política tarifária; IV – a obriga-
de oportunidades e, portanto, a ocorrência periódica de ção de manter serviço adequado.”

23
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

final do termo, pela prorrogação contratual, se aten- RMS 34.203, rel. min. Dias Toffoli, DJE de 20-3-2018.
didas as exigências legais para tanto e se presente o (Informativo 885, Segunda Turma)
interesse público na permanência do ajuste.
É incongruente com a natureza da prorrogação
contratual, portanto, a ideia de sua formalização em
momento antecedente ao término do contrato,
como também é incoerente com sua natureza a ga-
rantia indissolúvel de sua realização já no instru-
mento contratual.
Prorrogação é instrumento autorizado pela lei,
nunca imposto. Sua realização não poderia, em ne-
nhuma hipótese, ser antecipada, máxime ao ato ini-
cial de formalização do contrato. Ela pressupõe
atendimento ao interesse público.
Essa regra é ainda mais pertinente quando se
trata de contrato de concessão de energia elétrica,
em que a prorrogação se estabelece por décadas, a
exigir da Administração ainda maior atenção na aná-
lise de seu interesse na renovação.
Admitir o raciocínio contrário implicaria imposi-
ção de renovação contratual sem margem alguma
de discricionariedade administrativa. Seria o mesmo
que conceder ao concessionário posição de supre-
macia sobre a Administração, o que é um contras-
senso com os princípios e postulados administrati-
vos. No mesmo passo, seria conferir à cláusula de
prorrogação contratual a natureza de verdadeira
cláusula exorbitante em favor do concessionário, o
que não se coaduna com a natureza desse instituto.

Embora todo contrato administrativo tenha um prazo


definido sobre o qual se perfaz o equilíbrio da relação
contratual, não há que cogitar de sua incidência na
prorrogação contratual, que pode se dar sob novos
termos se assim definido em lei.

O princípio do equilíbrio financeiro do contrato,


que assegura a equivalência entre as vantagens e os
custos tal como calculados no momento da celebra-
ção do contrato, se aplica pelo período de vigência
do ajuste.
Com efeito, a novel legislação, surgida no curso
do contrato, deve respeitar as disposições desse
contrato de caráter econômico até seu termo final59.
Entretanto, esse mandamento não é afrontado caso
a Administração Pública faça incidir as novas regras
apenas para fins de prorrogação do contrato.
Nessa hipótese, o concessionário está livre para
aceitar ou não os novos termos contratuais, sem ha-
ver, entretanto, violação do equilíbrio econômico-fi-
nanceiro de contrato por alteração legal prevista
para incidir após o término do prazo de ajuste.

59 ADI 1.746, rel. min. Marco Aurélio, P.

24
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

DIREITO AMBIENTAL Executivo, por envolver justamente o cerne de


nosso federalismo cooperativo, que é a colaboração
POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE e o apoio mútuo no desempenho de políticas públi-
cas de interesse geral. Por isso mesmo tal coopera-
SISTEMA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE ção, de caráter eminentemente operacional, não
COMPETÊNCIAS pode ficar condicionada ao beneplácito do Legisla-
tivo.

É inconstitucional a submissão prévia ao Poder Legis- Nada obstante, este poderá sempre, no exercí-
lativo estadual, para aprovação, dos instrumentos de cio de sua competência constitucional, fiscalizar os
cooperação firmados pelos órgãos componentes do atos praticados sob o pálio dos acordos celebrados
Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA)60. pelo Executivo, inclusive com o auxílio do Tribunal
de Contas local.
Submeter à Assembleia Legislativa local a apro- Por essas razões, são inconstitucionais os arts.
vação prévia desses instrumentos de cooperação fir- 2662 e 28, caput e parágrafo único63, da Lei Comple-
mados entre os órgãos componentes do Sisnama e mentar estadual 149 do Estado de Roraima.
o Estado-membro viola o princípio da separação de
poderes, abrigado em nosso texto constitucional, ADI 4.348, rel. min. Ricardo Lewandowski, DJE de 29-
pois permite a ingerência do Legislativo sobre o Exe- 10-2018.
cutivo, em matéria de proteção ambiental, tema de (Informativo 919, Plenário)
índole claramente administrativa, por envolver a
execução de política pública.
Com efeito, o Sisnama, instituído pela Lei
6.938/1981, que dispõe sobre a Política Nacional do
Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formu-
lação e aplicação, é constituído por órgãos e entida-
des da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos
Territórios e dos Municípios, bem como por funda-
ções instituídas pelo poder público responsáveis
pela proteção e melhoria da qualidade ambiental.
A composição do Sisnama – que conta com a
participação de órgãos e instituições de todos os en-
tes da Federação – é um consectário lógico do esta-
belecimento, pela Constituição, da competência co-
mum das entidades da Federação para proteger o
meio ambiente e combater a poluição em qualquer
de suas formas, bem assim para preservar as flores-
tas, a fauna e a flora61.

A transferência de responsabilidades ou atribuições


de órgãos componentes do Sisnama não pode ficar
condicionada à aprovação prévia da Assembleia Le-
gislativa.

Trata-se de assunto de competência privativa do

60 ADI 676, rel. min. Carlos Velloso; ADI 165, rel. min. Meio Ambiente – SISNAMA, no Estado de Roraima, deve-
Sepúlveda Pertence; ADI 770, rel. min. Ellen Gracie; ADI rão ser previamente aprovados pela Assembleia Legisla-
342, rel. min. Sydney Sanches; ADI 3.252 MC, rel. min. Gil- tiva de Roraima – ALE/RR.”
mar Mendes. 63 LC estadual 149/2009: “Art. 28. É vedada à FEMACT
61 CF/1988: “Art. 23. É competência comum da União, a transferência responsabilidades ou atribuições de sua
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) VI – competência para qualquer outro órgão ambiental, do
proteger o meio ambiente e combater a poluição em qual- SISNAMA, ressalvado, quando autorizado pelo Legislativo
quer de suas formas; VII – preservar as florestas, a fauna Estadual, mediante Lei específica. Parágrafo único. Ficam
e a flora.” revogados quaisquer instrumentos de cooperação firma-
62 LC estadual 149/2009: “Art. 26. Fica estabelecido dos pela FEMACT, que sejam alcançados pela norma do
que todo e qualquer Termo de Cooperação e/ou similares caput deste artigo.”
entre os órgãos componentes do Sistema Nacional de

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FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

DIREITO CIVIL sucessórios diversos: um para a família constituída


pelo matrimônio, outro para a família constituída
DIREITO DAS SUCESSÕES por união estável. O cônjuge foi alçado à categoria
de herdeiro necessário, o que não ocorreu com o
SUCESSÃO LEGÍTIMA companheiro. O regramento do Código restringe a
ORDEM DA VOCAÇÃO HEREDITÁRIA – REPERCUSSÃO participação hereditária do companheiro aos bens
adquiridos onerosamente na vigência da união está-
GERAL
vel, em relação aos quais o companheiro já possuía
meação. A regra de que o companheiro só é her-
No sistema constitucional vigente, é inconstitucional deiro quando for meeiro não possui qualquer similar
a diferenciação de regimes sucessórios entre cônju- no regime sucessório do cônjuge e, além disso, não
ges e companheiros, devendo ser aplicado, em am- se coaduna com a ideia de proteção do regime su-
bos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do cessório, já que, em relação a esses bens, o compa-
Código Civil64. nheiro já teria direito à meação. Por outro lado, o
caput do art. 1.790 do Código Civil exclui da suces-
De acordo com o art. 1.790, III65, do Código Civil, são qualquer bem adquirido onerosamente em pe-
na hipótese de um companheiro falecer sem deixar ríodo anterior à vigência da união estável.
testamento e sem possuir descendentes ou ascen-
dentes, mas apenas irmãos, o direito sucessório do Além disso, em regra, quando o companheiro
companheiro vivo limita-se a 1/3 dos bens adquiri- tem direito à sucessão, seu quinhão é muito inferior
dos onerosamente durante a união estável, exclu- ao que lhe seria conferido caso fosse casado com o
indo-se os bens particulares do falecido, os quais se- falecido. Pelo regramento atual, no exemplo citado
rão recebidos integralmente pelos irmãos. Porém, o companheiro recebe apenas 1/3 dos bens adquiri-
caso o companheiro fosse casado com o falecido, te- dos onerosamente durante a vigência da união, en-
ria direito à totalidade da herança. quanto os irmãos recebem todos os demais bens.
Se, diversamente, se tratasse de casamento, o com-
Se o Estado tem como principal meta a promo- panheiro vivo teria direito a todo o montante suces-
ção de uma vida digna a todos os indivíduos, e se, sório.
para isso, depende a participação da família na for-
mação de seus membros, existe um dever estatal de Constata-se a discrepância não razoável entre o
proteger não apenas as famílias constituídas pelo grau de proteção legal do cônjuge supérstite e do
casamento, mas qualquer entidade familiar que seja companheiro supérstite. O Código Civil confere am-
apta a contribuir para o desenvolvimento de seus in- plos recursos para que o cônjuge remanescente
tegrantes, pelo amor, pelo afeto e pela vontade de consiga levar adiante sua vida de forma digna, em
viver junto. Por isso, a Constituição Federal de 1988 um momento em que estará psicológica e economi-
expandiu a concepção jurídica de família, reconhe- camente mais vulnerável. Porém, na maior parte
cendo expressamente a união estável e a família dos casos, trata de forma diametralmente oposta o
monoparental como entidades familiares que mere- companheiro remanescente, como se merecedor de
cem igual proteção do Estado. menor proteção.

Especificamente no que diz respeito ao regime O casamento e a união estável são organizações
sucessório da união estável, as leis civis foram, pro- familiares distintas, mas não há hierarquia constitu-
gressivamente, concretizando aquilo que a Consti- cional entre as formas de família que autorize a ins-
tuição já sinalizava: cônjuges e companheiros de- tituição de regimes sucessórios diversos em relação
vem receber a mesma proteção quanto aos direitos a elas. Isso significa, de um lado, que o legislador
sucessórios. Afinal, independentemente do tipo de pode atribuir regimes jurídicos diversos ao casa-
entidade familiar, o objetivo estatal da sucessão é mento e à união estável; e, de outro, que a diferen-
garantir ao parceiro remanescente meios para que ciação de regimes apenas será legítima se não impli-
viva uma vida digna. car hierarquização de uma entidade familiar em re-

O Código Civil, entretanto, trouxe dois regimes

64 CC, art. 1.829. “A sucessão legítima defere-se na or- cônjuge; III – ao cônjuge sobrevivente; IV – aos colaterais.”
dem seguinte: I – aos descendentes, em concorrência 65 CC, art. 1.790. “A companheira ou o companheiro

com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o participará da sucessão do outro, quanto aos bens adqui-
falecido no regime da comunhão universal, ou no da se- ridos onerosamente na vigência da união estável, nas con-
paração obrigatória de bens; ou se, no regime da comu- dições seguintes: (...) III – se concorrer com outros paren-
nhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens tes sucessíveis, terá direito a um terço da herança.”
particulares; II – aos ascendentes, em concorrência com o

26
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

lação à outra, desigualando o nível de proteção es-


tatal conferido aos indivíduos.
A diferenciação dos regimes sucessórios em
apreço também viola o princípio da dignidade da
pessoa humana, na dimensão do valor intrínseco e
na dimensão da autonomia.
Viola, ademais, o princípio da proporcionalidade
como proibição de proteção deficiente, pois o trata-
mento dado ao companheiro pode privá-lo dos re-
cursos necessários para seguir com sua vida de
forma digna.
Há, de igual modo, violação ao princípio da veda-
ção do retrocesso, na medida em que a regra do Có-
digo Civil representou involução desproporcional na
proteção dos direitos fundamentais dos indivíduos
que vivem em uniões estáveis. Antes do Código Civil
de 2002, o regime jurídico sucessório da união está-
vel estabelecido pela Lei 8.971/1994 e pela Lei
9.278/1996 era substancialmente igual àquele pre-
visto para o casamento no Código Civil de 1916.
Nesse aspecto, o Código Civil de 2002 foi anacrônico
e representou um retrocesso vedado pela Constitui-
ção na proteção legal das famílias constituídas por
união estável.
RE 878.694, rel. min. Roberto Barroso, DJE de 6-2-
2018, repercussão geral, Tema 809.
(Informativo 864, Plenário)

27
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

DIREITO CONSTITUCIONAL a liberdade de expressão e os direitos da personali-


dade – conceituados como a versão privada dos di-
DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS reitos fundamentais –, há necessidade de pondera-
ção, pois não há hierarquia entre eles.
DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS
Cabe a aplicação de oito critérios a serem consi-
LIBERDADE DE EXPRESSÃO derados na ponderação entre a liberdade de expres-
são e os direitos da personalidade: a) veracidade do
Eventual uso abusivo da liberdade de expressão deve fato; b) licitude do meio empregado na obtenção da
ser reparado, preferencialmente, por meio de retifi- informação; c) personalidade pública ou privada da
cação, direito de resposta ou indenização. pessoa objeto da notícia; d) local do fato; e) natu-
reza do fato; f) existência de interesse público na di-
A Constituição Federal possui amplo espectro de vulgação em tese; g) existência de interesse público
proteção da liberdade de expressão nas suas diver- na divulgação de fatos relacionados com a atuação
sas formas de manifestação, aí incluídas a liberdade de órgãos públicos; e h) preferência por sanções a
de informação, de imprensa e de manifestação do posteriori, que não envolvam a proibição prévia da
pensamento em geral: intelectual, artístico, cientí- divulgação.
fico etc.66 Quanto a este último critério, o uso abusivo da
A Constituição proíbe, expressamente, a censura liberdade de expressão pode ser reparado por me-
– isto é, a possibilidade de o Estado interferir no con- canismos diversos, que incluem a retificação, a re-
teúdo da manifestação do pensamento – e a licença tratação, o direito de resposta, a responsabilização
prévia, bem como protege o sigilo da fonte67. Ela re- civil ou penal e a interdição da divulgação. Somente
conhece a prioridade dessas liberdades públicas na em hipóteses extremas se deverá utilizar a última
colisão com outros interesses juridicamente tutela- possibilidade. Nas questões envolvendo honra e
dos, inclusive com os direitos da personalidade. As- imagem, por exemplo, como regra geral será possí-
sim, embora não haja hierarquia entre direitos fun- vel obter reparação satisfatória após a divulgação
damentais, tais liberdades possuem uma posição pelo desmentido – por retificação, retratação ou di-
preferencial, o que significa dizer que seu afasta- reito de resposta – e por eventual reparação do
mento é excepcional, e o ônus argumentativo cabe dano, quando seja o caso.
a quem sustenta o direito oposto. Consequente- Da posição de preferência da liberdade de ex-
mente, deve haver forte suspeição e necessidade de pressão deve resultar a absoluta excepcionalidade
escrutínio rigoroso de todas as medidas restritivas da proibição de publicações, reservando-se essa
de liberdade de expressão. medida aos raros casos em que não seja possível a
Não obstante, a mera preferência da liberdade composição posterior do dano que eventualmente
de expressão (em vez de sua prevalência) decorre seja causado aos direitos da personalidade ou a re-
do fato de que nenhum direito constitucional é ab- paração mediante direito de resposta, retificação ou
soluto, tendo em vista que a própria Constituição retratação. A opção por uma dessas alternativas tem
impõe alguns limites ou algumas qualificações à li- a inegável vantagem de não sacrificar totalmente
berdade de expressão, como a vedação do anoni- nenhum dos valores envolvidos, realizando a ideia
mato; o direito de resposta; as restrições à propa- de ponderação.
ganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agro- A conclusão a que se chega, portanto, é a de que
tóxicos e terapias; a classificação indicativa; e o de- o interesse público na divulgação de informações é
ver de respeitar a intimidade, a vida privada, a honra presumido. A superação dessa presunção, por al-
e a imagem das pessoas. gum outro interesse, público ou privado, somente
Dessa forma, em caso de conflito aparente entre poderá ocorrer, legitimamente, nas situações-li-

66 CF, art. 5º “Todos são iguais perante a lei, sem dis- quando necessário ao exercício profissional;”
tinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros 67 CF, art. 220 “A manifestação do pensamento, a cri-

e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do ação, a expressão e a informação, sob qualquer forma,
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, ob-
propriedade, nos termos seguintes: (...) IV – é livre a ma- servado o disposto nesta Constituição. § 1º Nenhuma lei
nifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena
(...) IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artís- liberdade de informação jornalística em qualquer veículo
tica, científica ou de comunicação, independentemente de comunicação social, observado o disposto no art. 5º,
de censura ou licença; (...) XIV – é assegurado a todos o IV, V, X, XIII e XIV. § 2º É vedada toda e qualquer censura
acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, de natureza política, ideológica e artística.”

28
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

mite, excepcionalíssimas, de quase ruptura do sis- DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS


tema. Como regra geral, não se admitirá a limitação
de liberdade de expressão e de informação, tendo- DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS
se em conta a já mencionada posição preferencial LIBERDADE DE EXPRESSÃO
de que essas garantias gozam.
Rcl 22.328, rel. min. Roberto Barroso, DJE de 10-5- Na ocorrência de conflito entre liberdade de expres-
2018. são e informação e a tutela de garantias individuais
(Informativo 893, Primeira Turma) como os direitos da personalidade, é cabível68a recla-
mação tendo como parâmetro a ADPF 130.

“No julgamento da ADPF 130, o STF proibiu en-


faticamente a censura de publicações jornalísticas,
bem como tornou excepcional qualquer tipo de in-
tervenção estatal na divulgação de notícias e de opi-
niões. (...) Ao determinar a retirada de matéria jor-
nalística de sítio eletrônico de meio de comunica-
ção, a decisão reclamada violou essa orientação.” 69
e 70

A medida própria para a reparação do eventual abuso


da liberdade de expressão é o direito de resposta e
não a supressão liminar de texto jornalístico, antes
mesmo de qualquer apreciação mais detida quanto
ao seu conteúdo e potencial lesivo.

O sistema constitucional brasileiro dedica espe-


cial cuidado à tutela da liberdade de expressão e in-
formação, como instrumentos imprescindíveis para
o resguardo e a promoção das liberdades públicas e
privadas dos cidadãos. São exemplos dessa proteção
acentuada os arts. 5º, IV71, IX72 e XIV73, e 220, §§ 1º74
e 2º75, da Constituição Federal (CF).
Com efeito, é por meio do acesso a um livre mer-
cado de ideias que se potencializa não apenas o de-
senvolvimento da dignidade e da autonomia indivi-
dual, mas também a tomada de decisões políticas
em um ambiente democrático.
“[A] liberdade de informação é pressuposto da
publicidade democrática; somente o cidadão infor-
mado está em condições de formar um juízo próprio
e de cooperar, na forma intentada pela Lei Funda-
mental, no processo democrático.”76

68 Rcl 22.328, rel. min. Roberto Barroso, 1ª T; Rcl e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao
25.075, rel. min. Luiz Fux, decisão monocrática. exercício profissional;”
69 Rcl 22.328, rel. min. Roberto Barroso, 1ª T. 74 “§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa
70 Rcl 18.735, rel. min. Gilmar Mendes, decisão mono- constituir embaraço à plena liberdade de informação jor-
crática; Rcl 18.566 MC, rel. min. Celso de Mello, decisão nalística em qualquer veículo de comunicação social, ob-
monocrática; Rcl 18.638 MC, rel. min. Roberto Barroso, servado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.”
decisão monocrática. 75 “§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza
71 “IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo política, ideológica e artística.”
vedado o anonimato;” 76 HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional
72 “IX – é livre a expressão da atividade intelectual, ar- na República Federal da Alemanha. Tradução de Luís
tística, científica ou de comunicação, independentemente Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,
de censura ou licença;” 1998, p. 304-305, apud voto do ministro Luiz Fux no pre-
73 “XIV – é assegurado a todos o acesso à informação sente julgamento.

29
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

Isso não significa que a liberdade de expressão é agentes públicos, especialmente quando existente
absoluta, ou que ao Estado é relegada a posição de interesse público no conteúdo das reportagens e pe-
mera abstenção em face desta, num indesejável ças jornalísticas excluídas por determinação judicial.
laissez-faire. Pelo contrário, cabe também aos pode-
“O fato de a matéria em questão ter sido redi-
res constituídos cuidar para que a competição nesse
gida com o uso de tom crítico não torna aconselhá-
mercado se dê de forma a resguardar os mais vulne-
vel, por si só, a proibição de sua divulgação. Como
ráveis e a reprimir eventuais abusos. De fato, a liber-
os elogios, em geral, não geram insatisfações, são
dade de expressão permite que ideias minoritárias
exatamente as manifestações jornalísticas que em-
possam ser manifestadas e debatidas publicamente,
pregam tom ácido as que demandam, com maior in-
ao passo que o discurso mainstream, amplamente
tensidade, a tutela jurisdicional. Com isso, não se
aceito pela opinião pública, em regra não precisa de
está a menosprezar a honra e a imagem de eventu-
tal proteção77.
ais ofendidos, mas a afirmar que esses bens jurídicos
Cumpre ao Judiciário, consectariamente, exer- devem ser tutelados, se for o caso, com o uso de ou-
cer a sua função contramajoritária, assegurando a tros instrumentos de controle que não importem
divulgação até mesmo de ideias inconvenientes aos restrições imediatas à livre circulação de ideias,
olhos da maioria da sociedade. Cônscio da especial como a responsabilização civil ou penal e o direito
relevância da liberdade de expressão, o Supremo de resposta.”79
Tribunal Federal (STF) posicionou-se de forma in-
É por essa razão que a medida própria, por exce-
tensa em favor da sua proteção contra a censura no
lência, para a reparação de eventuais danos morais
julgamento da paradigmática ADPF 13078.
ou materiais é aquela a posteriori, mediante indeni-
O Direito não pode ficar inerte perante as viola- zação ou direito de resposta, nos termos do art. 5º,
ções a direitos da personalidade nem pode colocar V, da CF, e não a supressão liminar de texto jornalís-
aprioristicamente a liberdade de expressão em pa- tico, tout court, antes mesmo de qualquer aprecia-
tamar tão elevado que negue a possibilidade de so- ção mais detida quanto ao seu conteúdo e potencial
corro a quem porventura sofrer danos decorrentes lesivo, no curso de instrução probatória própria.
de seu exercício abusivo.
Nesse ponto “o exercício de jurisdição cautelar
Cabe, todavia, maior tolerância quanto às maté- por magistrados e Tribunais não pode converter-se
rias de cunho potencialmente lesivo à honra dos em prática judicial inibitória, muito menos censória,

77 DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cam- POSTERIORI DO SEGUNDO BLOCO DE DIREITOS, PARA O
bridge: Harvard University Press, 1978, p. 201, apud voto EFEITO DE ASSEGURAR O DIREITO DE RESPOSTA E ASSEN-
do ministro Luiz Fux no presente julgamento. TAR RESPONSABILIDADES PENAL, CIVIL E ADMINISTRA-
78 “EMENTA: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE TIVA, ENTRE OUTRAS CONSEQUÊNCIAS DO PLENO GOZO
PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). LEI DE IMPRENSA. ADE- DA LIBERDADE DE IMPRENSA. PECULIAR FÓRMULA CONS-
QUAÇÃO DA AÇÃO. REGIME CONSTITUCIONAL DA ‘LIBER- TITUCIONAL DE PROTEÇÃO A INTERESSES PRIVADOS QUE,
DADE DE INFORMAÇÃO JORNALÍSTICA’, EXPRESSÃO SINÔ- MESMO INCIDINDO A POSTERIORI, ATUA SOBRE AS CAU-
NIMA DE LIBERDADE DE IMPRENSA. A ‘PLENA' LIBERDADE SAS PARA INIBIR ABUSOS POR PARTE DA IMPRENSA. PRO-
DE IMPRENSA COMO CATEGORIA JURÍDICA PROIBITIVA DE PORCIONALIDADE ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E RES-
QUALQUER TIPO DE CENSURA PRÉVIA. A PLENITUDE DA PONSABILIDADE CIVIL POR DANOS MORAIS E MATERIAIS
LIBERDADE DE IMPRENSA COMO REFORÇO OU SOBRETU- A TERCEIROS. RELAÇÃO DE MÚTUA CAUSALIDADE ENTRE
TELA DAS LIBERDADES DE MANIFESTAÇÃO DO PENSA- LIBERDADE DE IMPRENSA E DEMOCRACIA. RELAÇÃO DE
MENTO, DE INFORMAÇÃO E DE EXPRESSÃO ARTÍSTICA, CI- INERÊNCIA ENTRE PENSAMENTO CRÍTICO E IMPRENSA LI-
ENTÍFICA, INTELECTUAL E COMUNICACIONAL. LIBERDA- VRE. A IMPRENSA COMO INSTÂNCIA NATURAL DE FOR-
DES QUE DÃO CONTEÚDO ÀS RELAÇÕES DE IMPRENSA E MAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA E COMO ALTERNATIVA À
QUE SE PÕEM COMO SUPERIORES BENS DE PERSONALI- VERSÃO OFICIAL DOS FATOS. PROIBIÇÃO DE MONOPOLI-
DADE E MAIS DIRETA EMANAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIG- ZAR OU OLIGOPOLIZAR ÓRGÃOS DE IMPRENSA COMO
NIDADE DA PESSOA HUMANA. O CAPÍTULO CONSTITUCI- NOVO E AUTÔNOMO FATOR DE INIBIÇÃO DE ABUSOS.
ONAL DA COMUNICAÇÃO SOCIAL COMO SEGMENTO PRO- NÚCLEO DA LIBERDADE DE IMPRENSA E MATÉRIAS APE-
LONGADOR DAS LIBERDADES DE MANIFESTAÇÃO DO PEN- NAS PERIFERICAMENTE DE IMPRENSA. AUTORREGULA-
SAMENTO, DE INFORMAÇÃO E DE EXPRESSÃO ARTÍSTICA, ÇÃO E REGULAÇÃO SOCIAL DA ATIVIDADE DE IMPRENSA.
CIENTÍFICA, INTELECTUAL E COMUNICACIONAL. TRANS- NÃO RECEPÇÃO EM BLOCO DA LEI Nº 5.250/1967 PELA
PASSE DA FUNDAMENTALIDADE DOS DIREITOS PROLON- NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL. EFEITOS JURÍDICOS DA
GADOS AO CAPÍTULO PROLONGADOR. PONDERAÇÃO DI- DECISÃO. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO.” (ADPF 130, rel. min.
RETAMENTE CONSTITUCIONAL ENTRE BLOCOS DE BENS Ayres Britto, P).
DE PERSONALIDADE: O BLOCO DOS DIREITOS QUE DÃO 79 Rcl 28.299 MC, rel. min. Roberto Barroso, decisão

CONTEÚDO À LIBERDADE DE IMPRENSA E O BLOCO DOS monocrática.


DIREITOS À IMAGEM, HONRA, INTIMIDADE E VIDA PRI-
VADA. PRECEDÊNCIA DO PRIMEIRO BLOCO. INCIDÊNCIA A

30
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

da liberdade constitucional de expressão e de comu- o apelo, seja por conta do timing específico de al-
nicação, sob pena de o poder geral de cautela atri- guma pauta, seja pelo risco de superveniência de
buído ao Judiciário transformar-se, inconstitucional- outro acontecimento igualmente relevante que ve-
mente, em inadmissível censura estatal”80. nha a eclipsar o primeiro.
“No âmbito das atividades jornalísticas, revelam- Isso não significa o abandono da verdade, na me-
se numerosas as hipóteses nas quais o exercício das dida em que a veiculação de notícias ainda assim
liberdades de informação e de expressão atinge a deve ser ancorada em algum arcabouço mínimo,
personalidade do retratado, sem, contudo, causar sob pena de responsabilização do seu autor, e está
dano injusto, precisamente por veicular notícias sé- sujeita a ulterior verificação, correção ou resposta.
rias, de interesse público, relacionadas a pessoas no- Tampouco se confunde com a publicidade de fatos
tórias, sem o intuito de ofender, de modo a configu- ou versões de fatos sabidamente falsas, com o de-
rar exercício regular de direito, em preponderância sígnio de prejudicar ou favorecer indevidamente
das liberdades sobre a personalidade do indiví- pessoas ou instituições, as fake news, o que deve ser
duo.”81 combatido veementemente.
Decerto, a verificação da veracidade das infor- “De fato, no mundo atual, no qual se exige que a
mações é desejável, tanto quanto possível, anterior- informação circule cada vez mais rapidamente, seria
mente à sua propagação, justamente para evitar da- impossível pretender que apenas verdades incon-
nos a terceiros, como na hipótese da imputação le- testáveis fossem divulgadas pela mídia. Em muitos
viana de condutas ilícitas ou imorais a outrem. casos, isso seria o mesmo que inviabilizar a liber-
dade de informação, sobretudo de informação jor-
Contudo, na sociedade contemporânea, em que
nalística, marcada por juízos de verossimilhança e
a imediaticidade das relações é a marca – o que con-
probabilidade. Assim, o requisito da verdade deve
tamina até mesmo, e infelizmente, a mídia –, nem
ser compreendido do ponto de vista subjetivo, equi-
sempre é possível que a investigação completa de
parando-se à diligência do informador, a quem in-
um fato preceda a sua publicização. Por vezes, so-
cumbe apurar de forma séria os fatos que pretende
mente no curso de reportagens é que se chega à
tornar públicos.”82 e 83
verdade, com a agregação de informações vindas de
fontes novas, obtidas graças à publicação da maté- Desse modo, se é fato que não se deseja a proli-
ria. feração das tão nocivas fake news, também o é que
o Judiciário deve ter parcimônia ao limitar o exercí-
A dinâmica da sociedade atual – denominada
cio da atividade jornalística. O que se requer dos jor-
pelo célebre sociólogo polonês Zygmund Bauman
nalistas e propagadores de opiniões em geral, nessa
de modernidade líquida, em livro homônimo – de-
senda, é o exercício responsável e diligente de suas
manda alguma celeridade na propagação de notí-
funções, com a possível responsabilização ulterior
cias, sob pena de a temática perder a relevância ou

80 Rcl 18.566 MC, rel. min. Celso de Mello, decisão mo- menos que prove ‘malícia real’ – que a declaração foi feita
nocrática. com conhecimento de sua falsidade ou com imprudência
81 TEPEDINO, Gustavo. Liberdade de informação e de de se era verdadeira ou falsa’ (Pp. 376 U.S. 265-292, tra-
expressão: reflexão sobre as biografias não autorizadas. dução livre). Em outras palavras, o que aquela Corte de-
Revista da Faculdade de Direito – UFPR, Curitiba, v. 61, n. terminou foi um grau de tolerância às imputações a agen-
2, p. 36, maio/ago. 2016, apud voto do ministro Luiz Fux tes públicos, como forma de conferir segurança jurídica
no presente julgamento. aos informadores e jornalistas em geral. Caso contrário,
82 BARROSO, Luís Roberto. Colisão entre liberdade de seriam inviabilizadas até mesmo as mais sérias empreita-
expressão e direitos da personalidade. Critérios de ponde- das jornalísticas investigativas. Vedar a publicação de ma-
ração. Interpretação constitucionalmente adequada do térias ao argumento de que não comprovadas a contento
Código Civil e da Lei de Imprensa. R. Dir. Adm., Rio de Ja- suas alegações pode gerar indesejável chilling effect
neiro, n. 235, p. 1-36, jan./mar. 2004 apud voto do minis- (efeito inibidor) na mídia, que passaria a ter de se compor-
tro Luiz Fux no presente julgamento. tar como verdadeira autoridade policial na busca da ver-
83 “Tratando da questão, a Suprema Corte norte-ame- dade material. Por essa lógica, passar-se-ia a não mais pu-
ricana estipulou, em New York Times Co. v. Sullivan, o blicar aquilo que não fosse cabalmente comprovado ou
teste da actual malice (i.e. proceder com conhecimento aquilo que fosse controvertido ou polêmico, por temor a
de que a informação é falsa, ou desconsiderar de forma possíveis represálias aos jornalistas. Haveria riscos de que
imprudente a possibilidade de que o seja) para a respon- parcela das informações relevantes à sociedade permane-
sabilização de quem veicula notícia lesiva a outrem. Nes- cesse à margem dos veículos de comunicação e dos jorna-
ses termos, aquela Corte assentou que ‘[u]m Estado não listas independentes – especialmente os temas que ver-
pode, de acordo com a Primeira e Décima Quarta Emen- sassem sobre personalidades política ou economicamente
das, conceder indenização a um funcionário público por poderosas.” (Trecho do voto do ministro Luiz Fux no pre-
falsidade difamatória relacionada à sua conduta oficial, a sente julgamento).

31
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

por excessos comprovadamente cometidos. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS


Rcl 28.747 AgR, red. p/ o ac. min. Luiz Fux, DJE de 12- DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS
11-2018.
(Informativo 905, Primeira Turma) LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Viola a Constituição Federal (CF) a proibição de vei-


culação de discurso proselitista em serviço de radio-
difusão comunitária.

O direito à liberdade de expressão tem primazia


na CF84. Nesse sentido, é necessário interpretar as
restrições à ampla liberdade de expressão à luz do
que estritamente previsto em lei. Ressalte-se, ainda,
que o exercício do direito à liberdade de pensa-
mento e de expressão não pode estar sujeito a cen-
sura prévia, mas a responsabilidade ulterior.
A liberdade de expressão jamais possui um as-
pecto meramente individual. Não se trata apenas de
direitos que pertencem a quem fala ou a quem está
com a palavra, mas também a quem a ouve. O di-
reito à liberdade de expressão abrange, necessaria-
mente, uma dimensão social, que engloba o direito
de receber informações e ideias.
O direito à liberdade de pensamento e de ex-
pressão compreende a liberdade de buscar, receber
e difundir informações e ideias de toda natureza,
sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por
escrito, por meio impresso, artístico ou por qualquer
outro processo de sua escolha. Dessa forma, so-
mente pode ser limitado para assegurar o respeito
aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou,
ainda, a proteção da segurança nacional, da ordem
pública, da saúde ou da moral públicas.
A liberdade de consciência e de religião, especi-
ficamente, implica a liberdade de conservar sua reli-
gião ou crença, de mudá-la, bem como de professá-
la, individual ou coletivamente, tanto em público
como em privado. A limitação a esse direito está su-
jeita unicamente às limitações prescritas pela lei e
que sejam necessárias para proteger a segurança, a
ordem, a saúde ou a moral públicas ou os direitos ou
liberdades das demais pessoas.
Em relação ao proselitismo religioso, cumpre re-
conhecer, nas hipóteses de religiões que se alçam a
universais, que o discurso proselitista é da essência
de seu integral exercício. De tal modo, a finalidade
de alcançar o outro, mediante persuasão, configura
comportamento intrínseco a religiões de tal natu-
reza.
Assim, a liberdade de manifestar a própria reli-

84 ADI 4.451 MC-Ref, rel. min. Ayres Britto, P; ADPF 130, rel. min. Ayres Britto, P; ADI 2.404, rel. min. Dias Tof-
foli, P.

32
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

gião não é exercível apenas em comunhão com ou- DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
tros, em público e dentro do círculo daqueles que
partilham da mesma fé, mas também pode ser exer- DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS
cida só e em privado. Além disso, ela inclui em prin- LIBERDADE RELIGIOSA
cípio o direito de tentar convencer o vizinho, por
exemplo, por meio do ensinamento, restrição que,
se levada a efeito, tornaria letra morta o direito de A conduta de incitar ódio público a quaisquer deno-
mudar de religião. minações religiosas e seus seguidores não está pro-
tegida pela cláusula constitucional que assegura o di-
Da mesma forma, a liberdade de pensamento in- reito à liberdade de comunicação das ideias religio-
clui o discurso persuasivo e o uso de argumentos crí- sas.
ticos. Consenso e debate público informado pressu-
põem a livre troca de ideias e não apenas a divulga- A exteriorização do pensamento e da crença en-
ção de informações. contra proteção constitucional [CF, art. 5º, IX 87 c.c
art. 22088], integrando a própria concepção de liber-
Nesse sentido, o art. 22085 da CF expressamente
dade religiosa. No entanto, o direito à liberdade re-
consigna a liberdade de expressão “sob qualquer
ligiosa (CF, art. 5º, VI, VII, VIII89), em grande medida,
forma, processo ou veículo”. A rádio comunitária ou
também garante o direito à existência de uma mul-
o serviço de radiodifusão comunitária evidente-
tiplicidade de crenças/descrenças religiosas, que se
mente subsume-se a essa hipótese.
vinculam e se harmonizam – para a sobrevivência de
A veiculação em rádio de discurso proselitista, toda a multiplicidade de fés protegida constitucio-
sem incitação ao ódio ou à violação e, claro, sem dis- nalmente – na chamada tolerância religiosa, que é
criminações, é minimamente invasivo quanto à inti- parte indissociável da feição e da construção do Es-
midade, direito potencialmente a ser resguardado. tado Democrático de Direito pátrio.
Bastaria, em casos tais, que se desligasse o rádio.
A tolerância religiosa caracteriza-se como ele-
Diante disso, é inconstitucional o art. 4º, § 1º, da mento intrínseco de limitação do direito à liberdade
Lei 9.612/199886. religiosa, traduzindo-se em parâmetro primeiro
para a exteriorização de condutas de uma fé que
ADI 2.566, red. p/ o ac. min. Edson Fachin, DJE de 23-
atinjam outras formas de crença religiosa. Nesse
10-2018.
passo, há que se distinguir entre o discurso religioso
(Informativo 902, Plenário)

85 “Art. 220. A manifestação do pensamento, a cria- 86 “Art. 4º As emissoras do Serviço de Radiodifusão Co-

ção, a expressão e a informação, sob qualquer forma, pro- munitária atenderão, em sua programação, aos seguintes
cesso ou veículo não sofrerão qualquer restrição, obser- princípios: (...) § 1º É vedado o proselitismo de qualquer
vado o disposto nesta Constituição. § 1º Nenhuma lei con- natureza na programação das emissoras de radiodifusão
terá dispositivo que possa constituir embaraço à plena li- comunitária.”
berdade de informação jornalística em qualquer veículo 87 Art. 5º. “Todos são iguais perante a lei, sem distin-

de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, ção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
IV, V, X, XIII e XIV. § 2º É vedada toda e qualquer censura aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do di-
de natureza política, ideológica e artística. § 3º Compete à reito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à pro-
lei federal: I – regular as diversões e espetáculos públicos, priedade, nos termos seguintes: (...) IX - é livre a expressão
cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza de- da atividade intelectual, artística, científica e de comuni-
les, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e cação, independentemente de censura ou licença;”
horários em que sua apresentação se mostre inadequada; 88 Art. 220. “A manifestação do pensamento, a cria-

II – estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à ção, a expressão e a informação, sob qualquer forma, pro-
família a possibilidade de se defenderem de programas ou cesso ou veículo não sofrerão qualquer restrição, obser-
programações de rádio e televisão que contrariem o dis- vado o disposto nesta Constituição.”
posto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, 89 Art. 5º. “Todos são iguais perante a lei, sem distin-

práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao ção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
meio ambiente. § 4º A propaganda comercial de tabaco, aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do di-
bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias reito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à pro-
estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do priedade, nos termos seguintes: (...) VI - é inviolável a li-
parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, ad- berdade de consciência e de crença, sendo assegurado o
vertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso. § 5º livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma
Os meios de comunicação social não podem, direta ou in- da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; VII
diretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio. § 6º - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistên-
A publicação de veículo impresso de comunicação inde- cia religiosa nas entidades civis e militares de internação
pende de licença de autoridade.” coletiva; VIII - ninguém será privado de direitos por motivo
de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política,

33
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

(centrado na própria crença e nas razões da crença) DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS


e o discurso sobre a crença alheia, especialmente
quando se faça com intuito de atingi-la, rebaixá-la DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS
ou desmerecê-la (ou a seus seguidores). Um é tipi- DIREITO À PRIVACIDADE
camente a representação do direito à liberdade de
crença religiosa; o outro, em sentido diametral-
mente oposto, é o ataque ao mesmo direito. Os dados obtidos por meio da quebra dos sigilos ban-
cário, telefônico e fiscal devem ser mantidos sob re-
A liberdade de crença e de culto pode ser visua- serva, inviabilizado o conhecimento público.
lizada sob o seu aspecto positivo – liberdade de se
expressar e de viver de acordo com a própria fé – e A Constituição Federal (CF), com fundamento na
sob o negativo – sintetizado na tolerância religiosa preservação da dignidade da pessoa humana (CF,
(e, nesse passo, na abstenção de conduta) a fé dis- art. 1º, III91), revela como regra a privacidade. A que-
tinta, igualmente protegida. A forma de o Estado bra do sigilo das correspondências, da comunicação
coibir eventual descompasso com o ordenamento – telegráfica, de dados e das comunicações telefôni-
dada a essencialidade da liberdade religiosa para o cas afigura-se como exceção que, voltada para o
Estado Democrático de Direito – é a ultima ratio de êxito de investigação criminal ou instrução proces-
sua atuação: a legislação penal. sual penal, há de ser implementada a partir de or-
dem judicial (CF, art. 5º, XII92)93.
O conceito positivo de liberdade religiosa não
pode ser ampliado a ponto de reduzir ao mínimo seu Nesse contexto, conclui-se que os dados aludi-
viés negativo, sob pena de redução do espectro de dos possuem destinação única e, por isso mesmo,
punitividade da norma penal em contrassenso à devem ser mantidos sob reserva, não cabendo di-
proteção que se quis promover com sua edição. Sur- vulgá-los. A Lei Complementar 105/200194 surge no
gindo a intolerância religiosa, portanto, e havendo campo simplesmente pedagógico pertinente à expli-
congruência com fatos tipificados como delito (Lei citação do que já decorre da Lei Fundamental. O si-
7.716/1989, art. 2090), cabe ao Estado agir para con- gilo é afastável, sim, em situações excepcionais, ca-
denar ou absolver seu eventual autor. sos em que os dados assim obtidos ficam restritos
ao processo investigatório em curso.95
RHC 146.303, red. p/ o ac. min. Dias Toffoli, DJE de
7-8-2018. MS 25.940, rel. min. Marco Aurélio, DJE de 21-9-
(Informativo 893, Segunda Turma) 2018.
(Informativo 899, Plenário)

salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a to- à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à proprie-
dos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, dade, nos termos seguintes: (...) XII – é inviolável o sigilo
fixada em lei;” da correspondência e das comunicações telegráficas, de
90 Art. 20. “Praticar, induzir ou incitar a discriminação dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último
ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a
nacional. Pena: reclusão de um a três anos e multa.” lei estabelecer para fins de investigação criminal ou ins-
91 “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada trução processual penal;”
pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Dis- 93 MS 25.686, rel. min. Marco Aurélio, decisão mono-

trito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Di- crática.


reito e tem como fundamentos: (...) III – a dignidade da 94 Dispõe sobre o sigilo das operações de instituições

pessoa humana;” financeiras e dá outras providências.


92 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção 95 MS 25.686, rel. min. Marco Aurélio, decisão mono-

de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos crática.


estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito

34
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS ainda tem sido complementada, para a definição de


alguns de seus conteúdos, por atos normativos.
DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS
No que diz respeito às restrições constitucionais
ACESSO À INFORMAÇÃO – REPERCUSSÃO GERAL ao exercício desse direito, a CF o faz não só quando
trata da viabilidade de lei ordinária ressalvar as hi-
O parlamentar, na condição de cidadão, pode exercer póteses cujo sigilo seja imprescindível à segurança
plenamente seu direito fundamental de acesso a in- da sociedade e do Estado, mas também quando
formações de interesse pessoal ou coletivo, nos ter- prevê mecanismos para que o parlamento, respei-
mos do art. 5º, XXXIII96, da Constituição Federal (CF) tando a separação entre os poderes e garantindo a
e das normas de regência desse direito. efetiva divisão orgânica do Estado, se utilize de ins-
trumentos próprios para a obtenção de informações
A CF instituiu o princípio da colegialidade para e documentos do Poder Executivo. A despeito des-
determinadas decisões tomadas pelo Poder Legisla- sas restrições a esse direito fundamental, a regra há
tivo. Entretanto, o fato de as casas legislativas, em de ser a garantia de acesso a todas as informações,
algumas situações, agirem de forma colegiada, por o que vem sendo o posicionamento desta Suprema
intermédio de seus órgãos, não afasta, tampouco Corte97.
restringe, os direitos inerentes ao parlamentar
No tocante ao acesso à informação sob a pers-
como indivíduo e cidadão.
pectiva da separação de poderes, não há como se
Por sua vez, a inclusão do inciso XXXIII do art. 5º negar que a CF, em matéria de fiscalização, inclusive
no texto da CF de 1988 possui nítido conteúdo fina- financeira, operacional e orçamentária, acabou por
lístico de assegurar não só a defesa de direitos, se- instituir o princípio da colegialidade para impessoa-
jam eles individuais ou transindividuais, mas tam- lizar seu discurso. Para isso, estabeleceu um proto-
bém o pleno exercício da liberdade de opinião, além colo mínimo de diálogo entre as instituições.
de fortalecer a democracia participativa, com a con-
A função secundária do Poder Legislativo, pre-
sagração pelo reverso da moeda, qual seja, o dever
vista no art. 7098 da CF, decorre de sua competência
de transparência dos dados e informações estatais.
constitucional para a fiscalização contábil, finan-
Para o atingimento de tais desideratos, estabe- ceira, orçamentária, operacional e patrimonial da
leceu-se que todo e qualquer indivíduo, brasileiro ou União e das entidades da Administração Direta e In-
até mesmo o estrangeiro residente, e toda pessoa direta. Para isso, estabeleceu-se, no âmbito federal,
jurídica têm o direito fundamental a receber dos ór- que o Congresso Nacional deve ser auxiliado pelo
gãos públicos informações de seu interesse particu- Tribunal de Contas da União, órgão dotado de pode-
lar, ou de interesse coletivo ou geral, que serão pres- res para requisitar informações e documentos99.
tadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade,
Tanto o Congresso Nacional como cada uma de
ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à
suas Casas dispõem, ainda, de outros mecanismos
segurança da sociedade e do Estado.
de fiscalização e de controle, entre os quais: i) a pos-
Esse direito tem restrições que se originam da sibilidade de convocação de ministro de Estado ou
própria CF, quando ela excepciona o direito se as in- de titulares de órgãos diretamente vinculados à Pre-
formações forem imprescindíveis à segurança da so- sidência da República para prestar informações so-
ciedade e do Estado, viabilizando assim, em certas bre assunto previamente determinado (CF, art.
situações, o sigilo ou a publicidade restrita, que pas- 50100); ii) o encaminhamento de pedidos de informa-
saram a ser disciplinados pela Lei 12.527/2011, co- ções a essas autoridades pelas Mesas da Câmara dos
nhecida como a Lei de Acesso à Informação, a qual Deputados e do Senado Federal (CF, art. 50, § 2º); e

96 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção 98 “Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orça-

de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos mentária, operacional e patrimonial da União e das enti-
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito dades da administração direta e indireta, quanto à legali-
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à proprie- dade, legitimidade, economicidade, aplicação das subven-
dade, nos termos seguintes: (...) XXXIII – todos têm direito ções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso
a receber dos órgãos públicos informações de seu inte- Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de
resse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que se- controle interno de cada Poder.”
rão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabili- 99 ADI 2.361, rel. min. Marco Aurélio, P.

dade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à 100 “Art. 50. A Câmara dos Deputados e o Senado Fe-

segurança da sociedade e do Estado;” deral, ou qualquer de suas Comissões, poderão convocar


97 MS 28.178, rel. min. Roberto Barroso, P; RE 766.390 Ministro de Estado ou quaisquer titulares de órgãos dire-
AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, 2ª T; SS 3.902 AgR- tamente subordinados à Presidência da República para
segundo, rel. min. Ayres Britto, P. prestarem, pessoalmente, informações sobre assunto

35
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

iii) a instalação de comissões parlamentares de in- Ademais, o parlamentar, munido das informa-
quérito pelas Casas, em conjunto ou separada- ções, pode, também, representar à autoridade ad-
mente, para apuração de fato determinado e por ministrativa competente para que seja instaurada
prazo certo (CF, art. 58, § 3º101). investigação destinada a apurar a prática de ato de
improbidade administrativa (Lei 8.429/1992, art.
Especificamente, a CF não restringe o direito
14103) e solicitar a investigação dos crimes definidos
fundamental do parlamentar de buscar as informa-
na Lei de Licitações, fornecendo ao Ministério Pú-
ções de interesse individual, público ou coletivo nas
blico informações sobre o fato e sua autoria, bem
hipóteses em que o cidadão comum pode, solitaria-
como as circunstâncias em que se deu eventual ilí-
mente, exercer o direito fundamental. Não há como
cito (Lei 8.666/1993, art. 101, caput e parágrafo
se autorizar que seja o parlamentar transformado
único104).
em cidadão de segunda categoria.
RE 865.401, rel. min. Dias Toffoli, DJE de 19-10-2018,
O parlamentar eleito é agente que exerce um
repercussão geral, Tema 832.
poder político e, assim, como um cidadão qualifi-
(Informativo 899, Plenário)
cado pelas nobres funções que lhe foram atribuídas
constitucionalmente para representar, na Casa Le-
gislativa, os interesses de seus eleitores, de seu par-
tido e da sociedade, há de ter garantido todos os
seus direitos, de modo que cumpra, com eficiência,
seu mandato. O fato de ser parlamentar não o despe
de seus direitos de cidadão.
Impedir o reconhecimento ao parlamentar do di-
reito de acesso à informação importaria em violação
direta à CF, inclusive porque impediria o cidadão le-
gitimado constitucionalmente de promover ação
popular, prevista no art. 5º, LXXIII102, da CF.

previamente determinado, importando crime de respon- priedade, nos termos seguintes: (...) LXXIII – qualquer ci-
sabilidade a ausência sem justificação adequada. § 1º Os dadão é parte legítima para propor ação popular que vise
Ministros de Estado poderão comparecer ao Senado Fe- a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade
deral, à Câmara dos Deputados, ou a qualquer de suas Co- de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao
missões, por sua iniciativa e mediante entendimentos meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, fi-
com a Mesa respectiva, para expor assunto de relevância cando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas
de seu Ministério. § 2º As Mesas da Câmara dos Deputa- judiciais e do ônus da sucumbência;”
dos e do Senado Federal poderão encaminhar pedidos es- 103 “Art. 14. Qualquer pessoa poderá representar à au-

critos de informações a Ministros de Estado ou a qualquer toridade administrativa competente para que seja instau-
das pessoas referidas no caput deste artigo, importando rada investigação destinada a apurar a prática de ato de
em crime de responsabilidade a recusa, ou o não atendi- improbidade. § 1º A representação, que será escrita ou
mento, no prazo de trinta dias, bem como a prestação de reduzida a termo e assinada, conterá a qualificação do re-
informações falsas.” presentante, as informações sobre o fato e sua autoria e
101 “Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão a indicação das provas de que tenha conhecimento. § 2º
comissões permanentes e temporárias, constituídas na A autoridade administrativa rejeitará a representação, em
forma e com as atribuições previstas no respectivo regi- despacho fundamentado, se esta não contiver as formali-
mento ou no ato de que resultar sua criação. (...) § 3º As dades estabelecidas no § 1º deste artigo. A rejeição não
comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes impede a representação ao Ministério Público, nos termos
de investigação próprios das autoridades judiciais, além do art. 22 desta lei. § 3º Atendidos os requisitos da repre-
de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, sentação, a autoridade determinará a imediata apuração
serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado dos fatos que, em se tratando de servidores federais, será
Federal, em conjunto ou separadamente, mediante re- processada na forma prevista nos arts. 148 a 182 da Lei n.
querimento de um terço de seus membros, para a apura- 8.112, de 11 de dezembro de 1990 e, em se tratando de
ção de fato determinado e por prazo certo, sendo suas servidor militar, de acordo com os respectivos regulamen-
conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Pú- tos disciplinares.”
blico, para que promova a responsabilidade civil ou crimi- 104 “Art. 101. Qualquer pessoa poderá provocar, para

nal dos infratores.” os efeitos desta Lei, a iniciativa do Ministério Público, for-
102 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distin- necendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e sua
ção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e autoria, bem como as circunstâncias em que se deu a
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do di- ocorrência. Parágrafo único. Quando a comunicação for
reito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à pro- verbal, mandará a autoridade reduzi-la a termo, assinado
pelo apresentante e por duas testemunhas.”

36
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS social na manutenção da segurança pública, da or-


dem e da paz social sobre o interesse individual de
DIREITOS SOCIAIS determinada categoria dos servidores públicos – na
DIREITO DE GREVE espécie, as carreiras policiais –, excluindo a possibi-
lidade do exercício do direito de greve, é plena-
mente compatível com a interpretação teleológica
O exercício do direito de greve, sob qualquer forma do texto constitucional.
ou modalidade, é vedado aos policiais civis e a todos
os servidores públicos que atuem diretamente na A Constituição não deixa dúvidas quanto ao es-
área de segurança pública. tabelecimento da relatividade do exercício do di-
reito de greve aos servidores públicos, permitindo:
A carreira policial é diferenciada, como o próprio a) o atendimento das necessidades inadiáveis da co-
art. 144105 da Constituição Federal (CF) reconhece munidade (CF, art. 9º, § 1º108); b) o estabelecimento
ao afirmar que tem a função de exercer “a segu- dos termos e limites do exercício desse direito ao gê-
rança pública, dever do Estado, direito e responsa- nero “servidores públicos” (CF, art. 37, VII)109.
bilidade de todos”, com a finalidade de “preserva-
Assim, o estabelecimento do limite total para as
ção da ordem pública e da incolumidade das pes-
carreiras policiais, ou seja, a vedação ao exercício do
soas e do patrimônio”, estando, inclusive, destacada
direito de greve a uma das espécies do funciona-
do capítulo específico dos servidores públicos.
lismo público, é absolutamente compatível com as
A previsão e a essencialidade dos órgãos de de- restrições possíveis pelo texto constitucional e não
fesa da segurança pública pela Constituição Federal suprime de maneira absoluta o direito de greve es-
(CF) de 1988 demonstraram a importância de suas tabelecido para o gênero “servidores públicos”, pois
funções e tiveram dupla finalidade nos valores a se- a constitucionalidade do direito de greve pelos ser-
rem protegidos: a) atendimento aos reclamos soci- vidores públicos não veda a necessidade de se exa-
ais por maior proteção; b) redução de possibilidade minar a compatibilidade de seu exercício com a na-
de intervenção das Forças Armadas na segurança in- tureza das atividades públicas essenciais, como as
terna, como importantes mecanismos de freios e carreiras policiais.
contrapesos para a garantia da democracia.
A atividade policial é carreira de Estado impres-
Não se trata do balanceamento entre o direito cindível a manutenção da normalidade democrática,
de greve e a continuidade do serviço público, mas, sendo impossível sua complementação ou substitui-
sim, entre o direito de greve e o direito de toda a ção pela atividade privada, seja na segurança pública
sociedade à segurança pública e à manutenção da ostensiva, seja na polícia judiciária. É o braço ar-
ordem pública e paz social, cujos reflexos e conse- mado do Estado, responsável pela garantia da segu-
quências são tão importantes que são tratados no rança interna, ordem pública e paz social. E o Estado
“sistema constitucional das crises”, com a possibili- não faz greve. O Estado em greve é anárquico. A
dade de decretação de Estado de Defesa (CF, art. Constituição não permite.
136106) e Estado de Sítio (CF, art. 137, I107).
No entanto, vale destacar que é obrigatória a
A prevalência do interesse público e do interesse participação do poder público em mediação instau-

105 CF, art. 144. “A segurança pública, dever do Estado, decretar o estado de sítio nos casos de: I – comoção grave
direito e responsabilidade de todos, é exercida para a pre- de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que com-
servação da ordem pública e da incolumidade das pessoas provem a ineficácia de medida tomada durante o estado
e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia de defesa;”
federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária 108 CF, art. 9º. “É assegurado o direito de greve, com-

federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de petindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade
bombeiros militares.” de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio
106 CF, art. 136. “O Presidente da República pode, ou- dele defender. § 1º A lei definirá os serviços ou atividades
vidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Na- essenciais e disporá sobre o atendimento das necessida-
cional, decretar estado de defesa para preservar ou pron- des inadiáveis da comunidade.”
tamente restabelecer, em locais restritos e determinados, 109 CF, art. 37. “A administração pública direta e indi-

a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e reta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
iminente instabilidade institucional ou atingidas por cala- Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios
midades de grandes proporções na natureza.” de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
107 CF, art. 137. “O Presidente da República pode, ou- eficiência e, também, ao seguinte: (...) VII – o direito de
vidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Na- greve será exercido nos termos e nos limites definidos em
cional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para lei específica;”

37
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

rada pelos órgãos classistas das carreiras de segu- DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
rança pública, nos termos do art. 165110 do Código
de Processo Civil, para vocalização dos interesses da DIREITOS SOCIAIS
categoria. FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO
ARE 654.432, red. p/ o ac. min. Alexandre de Mo- (FGTS)
raes, DJE de 11-6-2018, repercussão geral, Tema
541. É constitucional a exigência de comparecimento pes-
(Informativo 860, Plenário) soal para saque ou movimentação das contas refe-
rentes ao FGTS.

Essa exigência não elimina nenhuma das hipóte-


ses de saque do FGTS anteriormente previstas. De
fato, as situações que permitem o levantamento dos
respectivos valores continuam as mesmas. Na ver-
dade, estabelece-se somente uma condição proce-
dimental para pagamento111.
Da mesma forma, não é vedada qualquer possi-
bilidade de os sindicatos ou os advogados atuarem
na defesa e representação dos seus filiados ou clien-
tes. Estes podem ser acompanhados por tais profis-
sionais, se assim o desejarem, mas devem compare-
cer pessoalmente para sacar os valores depositados
em sua conta vinculada. Assim, o que existe é uma
obrigação personalíssima, que tem por escopo res-
guardar direito do titular da conta vinculada e, ao
mesmo tempo, evitar fraudes e a malversação dos
valores depositados por parte de terceiros112.

É constitucional a proibição de concessão de medidas


judiciais para saque ou movimentação das contas re-
ferentes ao FGTS.

A garantia fundamental da inafastabilidade de


jurisdição não é afrontada pela vedação de medidas
judiciais autorizadoras da movimentação das contas
vinculadas do FGTS. A proteção almejada, como ga-
rantia à integridade do patrimônio intransferível do
trabalhador, nesses casos, autoriza tal restrição.

É constitucional a vinculação dos depósitos referen-


tes à correção dos saldos das contas respectivas.

Cuida-se de norma procedimental que garante a


devida correção monetária do FGTS por meio de lan-
çamento na própria conta vinculada. Assim, da
mesma forma que os depósitos do valor principal
são realizados na conta de FGTS, as correções tam-
bém devem seguir a mesma sistemática, evitando
saques de parcelas acessórias fora das hipóteses
que a lei autoriza113.

110 CF, art. 165. “Os tribunais criarão centros judiciá- 111 Trecho do voto do ministro Ricardo Lewandowski

rios de solução consensual de conflitos, responsáveis pela no presente julgamento.


realização de sessões e audiências de conciliação e medi- 112 Trecho do voto do ministro Ricardo Lewandowski

ação e pelo desenvolvimento de programas destinados a no presente julgamento.


auxiliar, orientar e estimular a autocomposição.” 113 Trecho do voto do ministro Ricardo Lewandowski

38
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

Diante disso, foi declarado constitucional o art. ORGANIZAÇÃO DO ESTADO


5º114 da Medida Provisória (MP) 1.951-33, de 13 de
dezembro de 2000, atual MP 2.197-43, na parte em ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA
que introduziu o § 18 no art. 20 e os arts. 29-A e 29- CRIAÇÃO, INCORPORAÇÃO, FUSÃO E DESMEMBRA-
B na Lei 8.036/1990. MENTO DE MUNICÍPIOS
ADI 2.425, ADI 2.382 e ADI 2.479, red. p/ o ac. min.
Edson Fachin, DJE de 10-10-2018. Os requisitos constitucionais previstos no art. 18, §
(Informativo 894, Plenário) 4º, da Lei Maior115, especialmente a exigência de re-
alização de consulta plebiscitária116, devem ser sem-
pre observados, mesmo quando não se trate propri-
amente de criação, mas de alteração ou retificação
de limites.

Essa consulta constitui a intercessão entre o


princípio federativo e o princípio da soberania popu-
lar, a qual é essencial para a legitimação do processo
de criação e modificação de limites de Municípios117.
A Emenda Constitucional 57/2008 somente con-
validou os atos de criação, fusão, incorporação e
desmembramento de Municípios que tenham obe-
decido, cumulativamente, a dois requisitos: 1) publi-
cação da lei até 31 de dezembro de 2006; e 2) aten-
dimento às condições estabelecidas na legislação do
respectivo Estado à época de sua criação. Ausente o
atendimento a esses requisitos, em especial a con-
sulta às populações envolvidas, não há que falar em
convalidação por efeito da Emenda Constitucional
57/2008.

no presente julgamento. da lei.”


114 “Art. 5º A Lei n. 8.036, de 11 de maio de 1990, 116 ADI 1.262, rel. min. Sydney Sanches, P; ADI 1.034,
passa a vigorar com as seguintes alterações: Art. 20. (...) § rel. min. Marco Aurélio, P; ADI 2.812, rel. min. Carlos Vel-
18. É indispensável o comparecimento pessoal do titular loso, P; ADI 2.632, rel. min. Sepúlveda Pertence, P; e ADI
da conta vinculada para o pagamento da retirada nas hi- 2.994, rel. min. Ellen Gracie.
póteses previstas nos incisos I, II, III, VIII, IX e X deste ar- 117 “(...) o plebiscito já era exigido na Constituição de

tigo, salvo em caso de grave moléstia comprovada por pe- 1967. Aliás, essa é uma matéria interessante e revestida
rícia médica, quando será paga a procurador especial- de importância singular, porque é uma espécie de inter-
mente constituído para esse fim. (…) Art. 29-A. Quaisquer cessão entre o princípio federativo e o fundamento da Re-
créditos relativos à correção dos saldos das contas vincu- pública chamado de soberania, pois a atual Constituição,
ladas do FGTS serão liquidados mediante lançamento pelo no art. 14, diz que a soberania se manifesta, entre outras
agente operador na respectiva conta do trabalhador. Art. coisas, pelo plebiscito, ou seja, a soberania popular se ma-
29-B. Não será cabível medida liminar em mandado de se- nifesta pelo voto direto e secreto, etc., e, mediante lei,
gurança, no procedimento cautelar ou em quaisquer ou- pelo plebiscito, pelo referendo e pela iniciativa popular.
tras ações de natureza cautelar ou preventiva, nem a tu- Então, o plebiscito, no caso, homenageia, vamos chamar,
tela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do Código de o protoprincípio da soberania popular, que, segundo o art.
Processo Civil que impliquem saque ou movimentação da 1º, I, é um dos fundamentos da República Federativa do
conta vinculada do trabalhador no FGTS.” Brasil, precisamente o primeiro fundamento. Entendo
115 CF, art. 18. “A organização político-administrativa que, quando a Constituição fala da soberania como funda-
da República Federativa do Brasil compreende a União, os mento da República, art. 1º, I, não quer se referir à sobe-
Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autôno- rania nacional, é soberania popular mesmo, tema que é
mos, nos termos desta Constituição. (...) § 4º A criação, a retomado pelo art. 14. Interesso-me bastante por esse
incorporação, a fusão e o desmembramento de Municí- tema e entendo que a exigência do plebiscito é absoluta-
pios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período deter- mente inafastável, exatamente porque aproxima os dois
minado por Lei Complementar Federal, e dependerão de princípios da federação e da soberania popular.” (Trecho
consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos do voto do ministro Ayres Britto na ADI 2.660, rel. min.
Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Vi- Ayres Britto, P.)
abilidade Municipal, apresentados e publicados na forma

39
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

Por essas razões, foi declarada a inconstituciona- ORGANIZAÇÃO DO ESTADO


lidade da Lei 3.196/1999 do Estado do Rio de Ja-
neiro. A norma estabeleceu novos limites territoriais UNIÃO
para os Municípios de Cantagalo e Macuco sem que COMPETÊNCIA LEGISLATIVA PRIVATIVA
fossem observadas as disposições do art. 18, § 4º,
da Constituição Federal, inclusive sem a realização
da imprescindível consulta popular. São inconstitucionais os arts. 1º118 e 3º119 da Lei Com-
plementar 996/2018 do município de Santos, os
ADI 2.921, red. p/ o ac. min. Dias Toffoli, DJE de 22- quais proíbem o trânsito de veículos, motorizados ou
3-2018. não, que transportem cargas vivas nas áreas urbanas
(Informativo 872, Plenário) e de expansão urbana do referido município.

O município, ao inviabilizar o transporte de gado


vivo na área urbana e de expansão urbana de seu
território, transgrediu a competência da União, que
já estabeleceu, à exaustão120, diretrizes para a polí-
tica agropecuária, o que inclui o transporte de ani-
mais vivos e sua fiscalização.

118 “Art. 1º Fica alterado o caput e acrescentado o pa- as Instâncias do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade
rágrafo único ao artigo 290 da Lei n. 3.531, de 16 de abril Agropecuária. § 2º As autoridades responsáveis por trans-
de 1968 – Código de Posturas do Município de Santos, que porte aéreo internacional e doméstico, navegação inter-
passa a vigorar com a seguinte redação: ‘Art. 290. É proi- nacional e de cabotagem, ferrovias, hidrovias e rodovias
bido o trânsito de veículos, sejam eles motorizados ou assegurarão condições de acesso das equipes de fiscaliza-
não, transportando cargas vivas nas áreas urbanas e de ção sanitária agropecuária às áreas de embarque e de-
expansão urbana do Município. Parágrafo único. Exce- sembarque de passageiros e recebimento e despacho de
tuam-se do disposto no caput os seguintes animais: I – do- cargas. § 3º O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abas-
mésticos; II – de uso terapêutico em projetos educativos tecimento, como Instância Central e Superior, estabele-
e medicinais; III – a serviço das forças policiais; IV – que cerá as normas e coordenará a fiscalização do trânsito na-
passarão por tratamento médico em clínicas e hospitais cional e internacional, por qualquer via, de animais e ve-
veterinários; V – utilizados em atividades esportivas; VI – getais, seus produtos e subprodutos, ou qualquer outro
destinados à preservação ambiental.” material destes derivado. § 4º As Instâncias Intermediá-
119 “Art. 3º Ficam alterados os incisos V e VIII e acres- rias do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agrope-
cidos os incisos XVI ao XXI do artigo 300 da Lei n. 3.531, de cuária atuarão na fiscalização agropecuária do trânsito in-
16 de abril de 1968 – Código de Posturas do Município de terestadual, com base nas normas fixadas pelo Ministério
Santos, que passa a vigorar com a seguinte redação: ‘Art. da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, como Instância
300. É proibido a qualquer pessoa maltratar animais ou Central e Superior. § 5º As Instâncias Intermediárias regu-
praticar ato de crueldade contra os animais, a exemplo lamentarão e coordenarão a fiscalização agropecuária do
dos seguintes: (...) XVII – transportá-los de forma inade- trânsito intermunicipal e intramunicipal, com base nas
quada ao seu bem-estar, como por exemplo em gaiolas, normas fixadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e
veículos, entre outros;” Abastecimento, como Instância Central e Superior. § 6º As
120 “A Lei 8.171/1991, que dispõe sobre a política agrí- Instâncias Locais do Sistema Unificado de Atenção à Sani-
cola, assim prevê em seu art. 6º, II: ‘Art. 6º A ação gover- dade Agropecuária atuarão na fiscalização agropecuária
namental para o setor agrícola é organizada pela União, no âmbito de sua atuação. § 7º As Instâncias Locais do Sis-
Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios, ca- tema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária re-
bendo (...) II – ao Governo Federal a orientação normativa, gulamentarão e coordenarão o trânsito intramunicipal,
as diretrizes nacionais e a execução das atividades estabe- com base nas normas fixadas pelas Instâncias Intermediá-
lecidas em lei.’ Os arts. 44 e 45 do Decreto 5.741/2006, rias e pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abasteci-
que regulamenta a Lei 8.171/1991, possuem a seguinte mento, como Instância Central e Superior. Art. 45. A fisca-
redação: ‘Art. 44. É obrigatória a fiscalização do trânsito lização do trânsito agropecuário nacional e internacional
nacional e internacional, por qualquer via, de animais e incluirá, entre outras medidas, a exigência de apresenta-
vegetais, seus produtos e subprodutos, qualquer outro ção de documento oficial de sanidade agropecuária emi-
material derivado, equipamentos e implementos agríco- tido pelo serviço correspondente, o qual conterá a indica-
las, com vistas à avaliação das suas condições sanitárias e ção de origem, destino e sua finalidade, e demais exigên-
fitossanitárias, e de sua documentação de trânsito obriga- cias da legislação.’ (...) Citem-se, ainda, as Leis 1.283/1950
tória. § 1º A fiscalização e os controles sanitários agrope- e 7.889/1989, que dispõem sobre a inspeção industrial e
cuários no trânsito nacional e internacional de animais, sanitária de produtos de origem animal, bem como o De-
vegetais, insumos, inclusive alimentos para animais, e pro- creto 9.013/2017, que as regulamenta e, ainda, diversas
dutos de origem animal e vegetal, equipamentos e imple- portarias expedidas pelo Ministério da Agricultura, Pecuá-
mentos agrícolas, nos termos deste Regulamento, serão ria e Abastecimento.” (Trecho do voto do ministro Edson
exercidos mediante procedimentos uniformes, em todas Fachin no presente julgamento.)

40
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

Sob a justificativa de criar mecanismo legislativo ORGANIZAÇÃO DO ESTADO


de proteção aos animais, o legislador municipal im-
pôs restrição desproporcional ao direito dos empre- UNIÃO
sários do agronegócio de realizar a sua atividade. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA PRIVATIVA
Essa desproporcionalidade fica evidente quando
se analisa o arcabouço normativo federal que nor- A utilização de depósitos judiciais, tributários e não
teia a matéria, haja vista a gama de instrumentos es- tributários, realizada mediante lei estadual e em de-
tabelecidos para garantir, de um lado, a qualidade sacordo com lei nacional, configura aparente usurpa-
dos produtos destinados ao consumo pela popula- ção de competência legislativa da União para editar
ção e, de outro, a existência digna e a ausência de normas gerais de direito financeiro.
sofrimento dos animais, tanto no transporte quanto
no abate. O Supremo Tribunal Federal (STF) delegou ao
Conselho Nacional de Justiça a competência para
Nesse contexto, cabe registrar que o desenvolvi-
apresentar proposta normativa disciplinando a utili-
mento de atividades econômicas e a proteção ao
zação compulsória de 50% dos recursos da conta de
meio ambiente não são valores incompatíveis. A fis-
depósitos judiciais tributários para o pagamento de
calização das diretrizes protetivas já estatuídas é
precatórios121. Isso não significou, entretanto, a
ônus dos órgãos federais, estaduais e municipais
chancela de competência ampla e irrestrita para que
competentes para tanto, não sendo possível impu-
as assembleias legislativas estaduais disciplinassem
tar ao particular restrição desproporcional à sua ini-
o tema de modo variado e de acordo com as vicissi-
ciativa com base em suposto descumprimento de
tudes locais.
norma sobre transporte de animais.
O entendimento do STF é no sentido da incons-
ADPF 514 e ADPF 516, rel. min. Edson Fachin, DJE de
titucionalidade de leis estaduais que disciplinam de-
30-11-2018.
pósitos judiciais. A competência para a regulamen-
(Informativo 919, Plenário)
tação da matéria é da União122, que cuidou do tema
na Lei Complementar 151/2015.
Assim, é inconstitucional lei local que determina
a utilização de depósitos judiciais em dinheiro, tribu-
tários e não tributários, realizados em processos vin-
culados ao Tribunal de Justiça, para o custeio da pre-
vidência social, o pagamento de precatórios e assis-
tência judiciária e a amortização da dívida com a
União, inclusive porque diverge da lei complemen-
tar no aspecto material.
Essas discrepâncias geram crescente percepção
de insegurança jurídica no cenário local, abalando a
fluidez das relações jurídicas mantidas entre o go-
verno estadual e a instituição financeira oficial que
mantém os depósitos judiciais sob custódia.
ADI 5.353 MC-REF, rel. min. Teori Zavascki, DJE de
1º-2-2018.
(Informativo 841, Plenário)

121 ADI 4.425, rel. min. Luiz Fux, P. 122 ADI 3.458, rel. min. Eros Grau, P.

41
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

ORGANIZAÇÃO DO ESTADO ORGANIZAÇÃO DO ESTADO


UNIÃO UNIÃO
COMPETÊNCIA LEGISLATIVA PRIVATIVA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA PRIVATIVA

Lei estadual que impõe a prestação de serviço de se- É inconstitucional lei estadual que estabeleça normas
gurança em estacionamento a toda pessoa física ou sobre a comercialização de títulos de capitalização.
jurídica que disponibilize local para estacionamento
é inconstitucional. A teor do disposto no art. 22 da Constituição Fe-
deral (CF), compete privativamente à União legislar
A regulamentação de estacionamentos (sobre- sobre Direito Civil, Direito Comercial, política de cré-
tudo quando interfere na cobrança de preço) bem dito, câmbio, seguros e transferências de valores,
como a lei que trata de contrato de serviço de vigi- sistema de poupança, captação e garantia da pou-
lância em estacionamento configuram o exercício da pança popular (CF, art. 22, I, VII e XIX123).
competência privativa da União para dispor sobre
Assim, lei estadual124 que veda a vinculação de
Direito Civil.
um produto a outro produto de título de capitaliza-
Ademais, se determinada lei obriga qualquer ção similar por meio de procedimento, técnica ou
pessoa, física ou jurídica, que disponibilize local para método utilizado, a pretexto de proteger o consumi-
estacionamento a prestar serviço de vigilância, en- dor de venda casada, adentra o campo da disciplina
seja violação à livre iniciativa. Afinal, implica obrigar da comercialização.
pessoas privadas a prestar serviço diverso, alheio à
ADI 2.905, red. p/ o ac. min. Marco Aurélio, DJE de
natureza do seu negócio.
2-2-2018.
Lei estadual que impõe a utilização de empregados (Informativo 847, Plenário
próprios na entrada e na saída de estacionamento,
impedindo a terceirização, é inconstitucional.

Por sua vez, se lei estadual impõe a manutenção


de empregados próprios nas entradas e nas saídas
dos locais destinados a estacionamento, isso implica
vedação à possibilidade de terceirização do serviço
de vigilância. É, portanto, invasão da competência
privativa da União para legislar sobre Direito do Tra-
balho, uma vez que a norma dispõe sobre a natureza
da relação de trabalho que deverá existir entre o
prestador de serviço e o empregado da vigilância.
ADI 451, rel. min. Roberto Barroso, DJE de 9-3-2018.
(Informativo 871, Plenário)

123 CF, art. 22. “Compete privativamente à União legis- ção conterá dados comparativos entre a correção mone-
lar sobre: I – direito civil, comercial, penal, processual, tária e os juros incidentes sobre o valor capitalizado e a
eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do tra- valorização obtida na caderneta de poupança por investi-
balho; (...) VII – política de crédito, câmbio, seguros e mento de igual valor, no mesmo período. Art. 3º A inob-
transferência de valores; (...) XIX – sistemas de poupança, servância do disposto nesta lei sujeitará o infrator às se-
captação e garantia da poupança popular;” guintes penalidades: I – multa; II – suspensão do forneci-
124 Lei 14.507/2002 do Estado de Minas Gerais, art. 1º. mento do produto ou serviço; III – imposição de contra-
“É vedada a vinculação a outro produto de título de capi- propaganda; IV – suspensão temporária da atividade. Pa-
talização ou similar, por meio de procedimento, técnica rágrafo único. As penalidades previstas neste artigo pode-
ou método utilizado, ainda que indiretamente, para fo- rão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, sem preju-
mentar ou garantir sua circulação ou venda. Art. 2º A in- ízo das de natureza cível, penal e de outras cabíveis. Art.
formação ou publicidade referente a título de capitaliza- 4º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. Art.
5º Revogam-se as disposições em contrário.”

42
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

ORGANIZAÇÃO DO ESTADO executivas otimize os fundamentos (art. 1º128) e ob-


jetivos (art. 3º129) da Constituição da República. Ao
UNIÃO construir uma rede interligada de competências, o
COMPETÊNCIA LEGISLATIVA DELEGADA Estado se compromete a exercê-las para o alcance
do bem comum e para a satisfação de direitos fun-
damentais.
É inconstitucional lei estadual de iniciativa parlamen-
tar que, no âmbito da delegação legislativa da com- Diante disso, foi declarada a inconstitucionali-
petência legislativa privativa da União conferida aos dade da Lei 6.633/2015 do Estado do Piauí, que dis-
Estados e ao Distrito Federal por meio da Lei Comple- põe sobre o piso salarial do fisioterapeuta e do tera-
mentar (LC) 103/2000, visa instituir piso salarial para peuta ocupacional.
os empregados que não tenham piso salarial definido ADI 5.344, rel. min. Edson Fachin, DJE de 30-11-
em lei federal, convenção ou acordo coletivo de tra- 2018.
balho125. (Informativo 919, Plenário)
“A LC 103/2000 remete ao Executivo a iniciativa
para instaurar processo legislativo sobre o tema e
veda exercício da autorização legislativa no segundo
semestre de ano em que se verificar eleição para os
cargos de governador de Estado e do Distrito Fede-
ral e de deputado estadual e distrital.”126
A extrapolação dos limites da competência legis-
lativa delegada pela União aos Estados e ao Distrito
Federal, nos termos do art. 22, I e parágrafo
único127, representa a usurpação de competência le-
gislativa da União para legislar sobre direito do tra-
balho e, consequentemente, a inconstitucionali-
dade formal da lei.
A repartição de competências é característica
fundamental em um Estado federado para que se
proteja a autonomia de cada um de seus membros
e, por conseguinte, se garanta a convivência harmô-
nica entre todas as esferas, com o fito de evitar a
secessão. Nessa perspectiva, a distribuição pode
ocorrer em sentido horizontal ou vertical, conside-
rada a predominância dos interesses envolvidos. Re-
partir competências compreende compatibilizar in-
teresses a fim de reforçar o federalismo em uma di-
mensão realmente cooperativa e difusa, recha-
çando-se a centralização em um ou outro ente. Tal
processo ainda corrobora para que o funciona-
mento harmônico das competências legislativas e

125 ADI 4.375, rel. min. Dias Toffoli, P; ADI 4.391, rel. trito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Di-
min. Dias Toffoli, P. reito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a ci-
126 Trecho do parecer da Procuradoria-Geral da Repú- dadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valo-
blica apud voto do ministro Edson Fachin no presente jul- res sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo
gamento. político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo,
127 “Art. 22. Compete privativamente à União legislar que o exerce por meio de representantes eleitos ou dire-
sobre: I – direito civil, comercial, penal, processual, eleito- tamente, nos termos desta Constituição.”
ral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; 129 “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da Re-

(...) Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar pública Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade
os Estados a legislar sobre questões específicas das maté- livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento na-
rias relacionadas neste artigo.” cional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e redu-
128 “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada zir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o
pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Dis- bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

43
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

ORGANIZAÇÃO DO ESTADO que regulam a navegação pelo mar –, não é possível


tal onipresença temática quando em comparação
ESTADOS FEDERADOS com outras áreas jurídicas que ocasionalmente pos-
COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONCORRENTE sam incidir na mesma espécie.
Essa assertiva torna-se flagrante em situações
O Estado-membro tem competência para legislar so- nas quais se está diante de matérias corresponden-
bre o controle de resíduos de embarcações, oleodu- tes a valores constitucionalmente apreciados e que
tos e instalações costeiras. tenham relação direta com a temática considerada
genérica: é precisamente o caso do meio ambiente
A competência para legislar sobre proteção do quando confrontado com o conceito de direito ma-
meio ambiente e controle da poluição (CF, art. 24, rítimo. Assim, faz-se necessário descrever um tipo
VI130), bem como sobre responsabilidade por dano de competência de modo mais específico, para que
ao meio ambiente (CF, art. 24, VIII131) é concorrente não se entre em conflito ou se limitem outras áreas
entre Estados-membros e União. Não se trata de igualmente descritas na divisão de competências
matéria afeta ao direito marítimo, que seria de com- entre os entes.
petência legislativa privativa da União (CF, art. 21,
Nesse contexto, o eventualmente denominado
I132).
“direito marítimo ambiental” revela-se, em reali-
Cabe destacar que, para verificar a qual catálogo dade, como “direito ambiental marítimo”, por ter
de competências recai uma questão específica e de- como base o fim a que se destina a norma e sua di-
terminar quem possui prerrogativa para legislar so- reta vinculação à proteção ao meio ambiente.
bre um assunto, deve ser feita uma subsunção da lei
ADI 2.030, rel. min. Gilmar Mendes, DJE de 17-10-
em relação aos artigos constitucionais que estabele-
2018.
cem os limites legiferantes de cada ente federado.
(Informativo 872, Plenário)
Essa verificação é feita a partir de critérios inter-
pretativos. O texto constitucional, ao descrever de-
terminada matéria no catálogo de competências,
pode elencar questões genéricas, como “floresta”,
“caça”, “pesca”, “fauna”, “conservação da natu-
reza”, ou referir-se a campos específicos do Direito,
como “direito civil”, “direito penal”, “direito marí-
timo”133.
Assim, ao ser constatada aparente incidência de
determinado assunto a mais de um tipo de compe-
tência, deve-se proceder a interpretação que leve
em conta duas premissas: de um lado, a intensidade
da relação entre a situação fática normatizada e a
estrutura básica descrita no tipo da competência em
análise e, de outro, o fim primário a que se destina
essa norma, que tem relação direta com o “princípio
da predominância de interesses”134.
Embora seja admissível, por parte da doutrina,
ao analisar-se o campo jurídico do direito marítimo
isoladamente dos demais, uma conceituação ampla
desse ramo – como o complexo de regras jurídicas

130 Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito 132 “Art. 22. Compete privativamente à União legislar

Federal legislar concorrentemente sobre: (...) VI – flores- sobre: I – direito civil, comercial, penal, processual, eleito-
tas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa ral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do traba-
do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambi- lho;”
ente e controle da poluição;” 133 DEGENHART, Christoph.Staatsrecht I. 22. ed. Hei-
131 “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Dis- delberg, 2006, p. 56-60.
trito Federal legislar concorrentemente sobre: (...) VIII – 134 DEGENHART, Christoph. Staatsrecht I. 22. ed. Hei-

responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consu- delberg, 2006, p. 56-60.


midor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histó-
rico, turístico e paisagístico;”

44
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

ORGANIZAÇÃO DO ESTADO competência do Estado para legislar em procedi-


mento, por suposta contrariedade direta aos arts.
ESTADOS FEDERADOS 1.033138 e 1.034139 do Código de Processo Civil (CPC)
COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONCORRENTE de 1973, considerando-se ainda que o art. 1.034, §
2º, do CPC/1973140 permite a exigência do paga-
mento de tributos no curso do arrolamento.
A ação direta de inconstitucionalidade é meio proces-
sual inadequado para o controle de decreto regula- Assim, apesar de incidir sobre o procedimento, o
mentar de lei estadual. conteúdo dos citados parágrafos da lei do Estado de
São Paulo versa sobre matéria tributária de imposto
“Ato regulamentar não está sujeito ao controle estadual, inserida na competência concorrente da
de constitucionalidade, dado que se vai ele além do União e Estados (CF, art. 24, I141).
conteúdo da lei, pratica ilegalidade e não inconstitu-
Cabe destacar que a resolução do tema passou,
cionalidade. Somente na hipótese de não existir lei
em primeiro lugar, pela distinção entre norma de
que preceda o ato regulamentar, é que poderia este
processo e norma de procedimento, ou seja, entre a
ser acoimado de inconstitucional, assim sujeito ao
relação jurídica que constitui o meio de obtenção da
controle de constitucionalidade”135.
prestação jurisdicional e o modo de execução e en-
Não há inconstitucionalidade nos §§ 1º e 3º do art. cadeamento das situações processuais142.
10 da Lei 10.705/2000136 do Estado de São Paulo, que Com efeito, cabe ressaltar que “a lei processual
tratam da avaliação de bens em processos de inven- é aquela que cuida da delimitação dos poderes, fa-
tário e em todos os outros processos judiciais sobre culdades e deveres dos sujeitos processuais, da co-
partilha ou divisão de bens. ordenação de sua atividade, da ordenação do pro-
cedimento e da organização do processo – envolve,
Não há violação ao art. 22, I, da Constituição Fe- basicamente, a tríade jurisdição, ação e processo.
deral (CF)137, uma vez que os preceitos impugnados Francesco Carnelutti definiu a norma jurídica pro-
não dispõem sobre processo, porque não tratam da cessual como a ‘norma jurídica que disciplina a ativi-
jurisdição, do direito de ação ou da prestação juris- dade do juiz e das partes para a realização do direito
dicional, mas apenas de atos de desenvolvimento da objetivo e para a composição dos conflitos de inte-
relação processual. Com efeito, os preceitos da lei resses não regulados pela norma material; norma
estadual apenas determinam que, nos procedimen- jurídica que atribui poderes e impõe deveres ao juiz
tos em que não houver avaliação de bens, o lança- e aos seus auxiliares, e às partes e aos auxiliares des-
mento do imposto sobre transmissão causa mortis e tas, para o acertamento das normas jurídicas, para a
doação de quaisquer bens e direitos (ITCMD) levará execução dos comandos jurídicos e para a composi-
em conta o valor declarado pelo legitimado ativo, ção de conflitos de interesses ainda não compostos
mediante a anuência da Fazenda, ou o inverso. em relação jurídica’”.143
Da mesma forma, as normas não excedem a

135 ADI 2.792 AgR, rel. min. Carlos Velloso, P. de tributos incidentes sobre a transmissão da propriedade
136 Lei 10.705/2000: “Art. 10. (…) § 1º Se não couber dos bens do espólio. § 1º A taxa judiciária, se devida, será
ou for prescindível a avaliação, o valor será o declarado calculada com base no valor atribuído pelos herdeiros, ca-
pelo inventariante, desde que haja expressa anuência da bendo ao fisco, se apurar em processo administrativo va-
Fazenda, observadas as disposições do artigo 9º, ou o pro- lor diverso do estimado, exigir a eventual diferença pelos
posto por esta e aceito pelos herdeiros, seguido, em am- meios adequados ao lançamento de créditos tributários
bos os casos, da homologação judicial. (…) § 3º As disposi- em geral.”
ções deste artigo aplicam-se, no que couber, às demais 140 CPC/1973: “§ 2º O imposto de transmissão será ob-

partilhas ou divisões de bens sujeitas a processo judicial jeto de lançamento administrativo, conforme dispuser a
das quais resultem atos tributáveis.” legislação tributária, não ficando as autoridades fazendá-
137 CF/1988: “Art. 22. Compete privativamente à rias adstritas aos valores dos bens do espólio atribuídos
União legislar sobre: I – direito civil, comercial, penal, pro- pelos herdeiros.”
cessual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial 141 CF/1988: “Art. 24. Compete à União, aos Estados e

e do trabalho.” ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (…)


138 CPC/1973: “Art. 1.033. Ressalvada a hipótese pre- XI – procedimentos em matéria processual; (…) § 4º A su-
vista no parágrafo único do art. 1.035 desta Lei, não se perveniência de lei federal sobre normas gerais suspende
procederá a avaliação dos bens do espólio para qualquer a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.”
finalidade.” 142 ADI 4.414, rel. min. Luiz Fux, P.
139 CPC/1973: “Art. 1.034. No arrolamento, não serão 143 Trecho do voto do ministro Luiz Fux na ADI 4.414

conhecidas ou apreciadas questões relativas ao lança- apud voto do ministro Alexandre de Moraes no julga-
mento, ao pagamento ou à quitação de taxas judiciárias e mento da ADI 4.409.

45
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

Disposições legais sobre a forma de cobrança do ORGANIZAÇÃO DO ESTADO


ITCMD pela Procuradoria-Geral do Estado144, e de sua ESTADOS FEDERADOS
intervenção em processos de inventário, arrola-
mento e outros de interesse da Fazenda Pública, são COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONCORRENTE
regras de procedimento que complementam as nor-
mas previstas no Código de Processo Civil, nos ter- É inconstitucional a norma estadual que disponha so-
mos do art. 24 da Constituição Federal. bre a obrigatoriedade de informações nas embala-
gens dos produtos alimentícios comercializados no
Na hipótese, trata-se de (a) normas de procedi- Estado-membro e estabeleça as respectivas sanções.
mento por se limitarem a determinar a atuação da
Procuradoria-Geral do Estado em alguns processos; Em sede de competência concorrente, o livre es-
(b) normas de cunho administrativo tributário, por paço para a atividade legislativa estadual é autori-
regulamentarem hipóteses de intervenção da Pro- zado na hipótese de não existir legislação nacional a
curadoria-Geral do Estado, de acordo com o inte- contemplar a matéria. Ao existir norma geral, a le-
resse do Estado-membro na arrecadação do gislação estadual poderá preencher eventuais lacu-
ITCMD145. nas146.
Diante disso, não há se falar em inconstituciona- Se determinada lei estadual, ao disciplinar sobre
lidade nas normas impugnadas, haja vista que (a) tema já tratado em lei federal, pretende definir novo
não há violação direta a norma de processo, por se regime global do assunto, especificando, sem justifi-
tratar de decreto regulamentar de lei tributária es- cativa, exigências mais rígidas do que o previsto no
tadual, contendo normas que norteiam a atuação da diploma federal, existe claro conflito entre as leis.
Procuradoria-Geral do Estado na cobrança do
ITCMD, especificamente por meio da verificação de No que diz respeito a Direito do Consumidor –
seu lançamento adequado nos arrolamentos e in- especificamente informações contidas em rótulos
ventários; (b) tampouco afronta à competência do ou embalagens –, ainda que a lei local seja mais fa-
Estado para legislar sobre procedimento, por não vorável ao consumidor, não se pode criar cenário
importar na instituição de novo rito processual ou em que cada Estado-membro, com esse pretexto, se
na inobservância de normas do CPC/1973, mas ape- aventure a criar regra própria sobre o tema, de ma-
nas vincular a ação dos procuradores estaduais; (c) neira a haver informações diferentes em âmbito na-
e não acrescenta nova modalidade de legitimidade cional e estadual.
processual, mas apenas determina a atuação da Pro- O escopo da norma constitucional, no que tange
curadoria-Geral do Estado nos processos de seu in- à competência legislativa concorrente, é, de um
teresse. lado, promover a integração e a cooperação entre
ADI 4.409, rel. min. Alexandre de Moraes, DJE de 23- os entes subnacionais; e, de outro, combater todas
10-2018. as práticas que estimulem a concorrência predatória
(Informativo 905, Plenário) ou a criação de barreiras ao comércio ou à livre cir-
culação de bens e pessoas no território nacional.
Assim, se determinada lei estadual cuida de pro-
teção ao consumidor de forma excessiva, de ma-
neira a criar dificuldades para produtos provenien-
tes de outros Estados-membros, viola, também, o
princípio da proporcionalidade. Nesse sentido, cabe
aos entes federados se comportar, no exercício de
suas competências, com lealdade aos demais. O de-
nominado princípio da lealdade à Federação obriga
cada parte a considerar o interesse das demais e do
conjunto. Consubstancia-se num filtro à liberdade
da União e dos Estados-membros, de modo a evitar
abusos.
Nesse sentido, é vedado aos Estados-membros

144 Lei 10.705/2000: “Art. 28. Compete à Procuradoria lei.”


Geral do Estado intervir e ser ouvida nos inventários, ar- 145 ADI 1.916, rel. min. Eros Grau, P.
rolamentos e outros feitos processados neste Estado, no 146 ADI 2.396, rel. min. Ellen Gracie, P.
interesse da arrecadação do imposto de que trata esta

46
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

tomar medida que impossibilite, dificulte ou preju- ORGANIZAÇÃO DOS PODERES


dique o comércio estadual, qualquer que seja o ex-
pediente usado. O Brasil, nos termos da Constitui- AGENTES POLÍTICOS
ção, é um só mercado, regido exclusivamente pela IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
legislação federal. Cabe ao poder central regrar, no
plano interno, a política comercial, de modo a evitar
que, de acordo com os respectivos interesses, pos- Os agentes políticos, com exceção do presidente da
sam os Estados-membros criar preferências entre si. República147, encontram-se sujeitos a duplo regime
A União é responsável por uniformizar o comércio sancionatório, de modo que se submetem tanto à
interestadual e, consequentemente, evitar que os responsabilização civil pelos atos de improbidade ad-
laços federativos sejam embaraçados. ministrativa quanto à responsabilização político-ad-
ministrativa por crimes de responsabilidade.
Ao ser constatada aparente incidência de deter-
minado assunto a mais de um tipo de competência, Não há qualquer impedimento à concorrência
deve-se realizar interpretação que leve em conta o de esferas de responsabilização distintas, de modo
fim primário a que se destina essa norma, que tem que carece de fundamento constitucional a tenta-
direta relação com o princípio da predominância de tiva de imunizar os agentes políticos das sanções da
interesses. Constatada, assim, a predominância do ação de improbidade administrativa, a pretexto de
interesse federal em evitar limitações que possam que estas seriam absorvidas pelo crime de respon-
dificultar o mercado interestadual, resolve-se o apa- sabilidade.
rente conflito de competência legislativa.
Esses regimes de responsabilização têm objetos,
Diante disso, são inconstitucionais os incisos II, III naturezas e escopos distintos. A improbidade admi-
e IV do art. 2º da Lei 1.939/1991 do Estado do Rio de nistrativa, conforme o art. 37, § 4º148, da Constitui-
Janeiro. ção Federal (CF), tem como sanções a suspensão
dos direitos políticos, a perda da função pública, a
ADI 750, rel. min. Gilmar Mendes, DJE de 9-3-2018.
indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erá-
(Informativo 871, Plenário)
rio, na forma e gradação previstas em lei, sem pre-
juízo da ação penal cabível.
A ação de improbidade administrativa ostenta
natureza civil (extrapenal). Sua finalidade é tutelar a
moralidade administrativa e o erário, mediante a
aplicação de sanções aos agentes públicos ímpro-
bos.
Já os crimes de responsabilidade são regulados
em diversos dispositivos constitucionais, que cui-
dam da competência para processar e julgar diver-
sos agentes políticos, instituindo foro especial por
prerrogativa de função nesses casos. Há também re-
gras materiais para a caracterização desses crimes.
Eles têm natureza político-administrativa, e não
penal. O processo de impeachment, mediante o qual
se promovem a apuração e o julgamento dos crimes
de responsabilidade, constitui ferramenta de pre-
servação da legitimidade da representação popular
e do exercício de cargos de alto relevo.
Sua finalidade precípua não é propriamente a
de punir, mas, sim, de promover a destituição do

147 CF/1988: “Art. 85. São crimes de responsabilidade legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e efi-
os atos do Presidente da República que atentem contra a ciência e, também, ao seguinte: (...) § 4º Os atos de impro-
Constituição Federal e, especialmente, contra: (...) V – a bidade administrativa importarão a suspensão dos direi-
probidade na administração;” tos políticos, a perda da função pública, a indisponibili-
148 “Art. 37. A administração pública direta e indireta dade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e
de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Dis- gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal ca-
trito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de bível.”

47
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

cargo daqueles agentes políticos que se demonstra- qualquer violação ao princípio do non bis in idem.
ram inaptos para o exercício de suas funções, bem Por consequência, não há superposição entre os re-
como impedir que venham a exercê-las novamente gimes de responsabilização civil pelos atos de impro-
em um futuro próximo. Por isso mesmo, seu escopo bidade administrativa e de responsabilização polí-
é limitado. De um lado, a condenação por crime de tico-administrativa por crimes de responsabilidade.
responsabilidade apenas tem como consequências Trata-se, em verdade, de regimes autônomos e não
a perda do cargo e a inabilitação periódica para o excludentes.
exercício da função pública (CF, art. 52, parágrafo
Ademais, entendimento diverso consagraria a
único149). De outro, somente é possível instaurar o
impunidade, uma vez que é de se imaginar que, após
processo de impeachment contra agente político
a extinção das ações de improbidade, já não seria
enquanto este estiver no exercício do cargo público
possível instaurar-se o processo por crime de res-
(Lei 1.079/1950).
ponsabilidade contra os agentes políticos acusados
Assim, ainda quando processado perante órgãos da prática de atos de improbidade. Muito provavel-
judiciários (como ocorre no caso de ministros de Es- mente, a essa altura, boa parte das autoridades já
tado), o julgamento dos crimes de responsabilidade não seria mais titular dos cargos. Sem contar que,
possui forte carga política. É justamente esse caráter nessa hipótese, os agentes políticos que tivessem
político que explica o fato de as sanções por crime sido condenados a ressarcir o erário nos termos da
de responsabilidade serem mais brandas em relação Lei de Improbidade Administrativa poderiam até
àquelas previstas pela CF para o ato de improbidade. mesmo demandar a repetição dos valores pagos, ao
argumento de que teriam sido julgados por autori-
Entre todos esses preceitos, apenas o art. 85 da
dade judicial incompetente.
CF, relativo exclusivamente à responsabilidade do
presidente da República, inclui a improbidade como O foro especial por prerrogativa de função previsto
uma das hipóteses de crime de responsabilidade. na CF em relação às infrações penais comuns não é
Essa exceção se justifica naturalmente pela posição extensível às ações de improbidade administrativa,
especial e hegemônica que o presidente ocupa no de natureza civil.
contexto político-institucional nacional e na siste-
mática prevista na CF: ele é, a um só tempo, chefe Em primeiro lugar, o foro privilegiado é desti-
de Estado, de governo e da Administração Federal. nado a abarcar apenas as infrações penais. A su-
Se a Constituição conferiu tratamento diverso ao posta gravidade das sanções previstas no art. 37, §
ilícito civil por atos de improbidade e ao crime de 4º, da CF não reveste a ação de improbidade admi-
responsabilidade, não cabe ao intérprete equipará- nistrativa de natureza penal.
los. Tampouco é conferido à legislação infraconsti- Também o art. 15150 da CF, a partir de uma inter-
tucional — recorrentemente utilizada para justificar pretação sistemática, reforça a distinção entre as
a impossibilidade da duplicidade normativa em ma- sanções aplicadas nas esferas civil e criminal no que
téria de improbidade — o poder de limitar a exten- se refere aos atos de improbidade, ao especificar
são de um regime sancionatório quando a própria que a perda ou suspensão de direitos políticos pode
CF assim não o faz. ocorrer tanto no caso de condenação criminal tran-
Em verdade, não há nenhum impedimento para sitada em julgado (inciso III), quanto no caso de im-
que uma mesma conduta seja sancionada por meio probidade administrativa, nos termos do art. 37, §
de diferentes regimes de responsabilização, ainda 4º (inciso V). Caso a condenação por improbidade ti-
que com identidade de tipologia. Pelo contrário, o vesse índole penal, a previsão do inciso V seria re-
texto constitucional é claro ao prever a possibilidade dundante e desnecessária.
de coexistência de instâncias de responsabilização Em segundo lugar, o foro privilegiado submete-
distintas. se a regime de direito estrito, já que representa ex-
Considerando-se, então, que as instâncias puni- ceção aos princípios estruturantes da igualdade e da
tivas são independentes entre si, a possibilidade de República. Não comporta, portanto, ampliação a hi-
dupla penalização das condutas não representa

149 “Art. 52. Compete privativamente ao Senado Fede- exercício de função pública, sem prejuízo das demais san-
ral: (...) Parágrafo único. Nos casos previstos nos incisos I ções judiciais cabíveis.”
e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal 150 “Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos,

Federal, limitando-se a condenação, que somente será cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: (...) III –
proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à condenação criminal transitada em julgado, enquanto du-
perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o rarem seus efeitos; (...) V – improbidade administrativa,
nos termos do art. 37, § 4º.”

48
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

póteses não expressamente previstas no texto cons- cautelar quando há elementos concretos (prova in-
titucional. E isso sobretudo porque não há lacuna controversa) a evidenciar que a permanência no
constitucional na matéria, mas legítima opção do cargo representa risco efetivo à instrução proces-
poder constituinte originário em não instituir foro sual, não sendo medida cabível para salvaguardar a
privilegiado para o processo e julgamento de agen- ordem pública ou quando a garantia da instrução
tes políticos pela prática de atos de improbidade na processual puder ser garantida por outros meios
esfera civil. (e.g., busca e apreensão de documentos, uso de
força policial). No caso de detentor de mandato ele-
Por fim, a fixação de competência para julgar a
tivo, a jurisprudência tem conferido um peso adicio-
ação de improbidade no primeiro grau de jurisdição,
nal a essa exigência, considerada a necessidade de
além de constituir fórmula mais republicana, é
proteger a soberania popular e o fato de o exercício
atenta às capacidades institucionais dos diferentes
do cargo ser temporário, de modo que a demora na
graus de jurisdição para a realização da instrução
instrução pode, na prática, acarretar a perda defini-
processual, de modo a promover maior eficiência no
tiva. Nesses casos, somente há a possibilidade de
combate à corrupção e na proteção à moralidade
afastamento do cargo com a demonstração de um
administrativa.
comportamento do agente público que, no exercício
O juízo singular tem melhores condições para da função pública e em virtude dela, importe efetiva
conduzir a instrução, na medida em que está mais ameaça à instrução do processo.
próximo dos fatos e das provas e mais bem apare-
Em segundo lugar, porque, ainda quando efeti-
lhado para processar tais demandas com a devida
vamente necessária, a medida tem que ser deferida
celeridade. Em processos de competência originária
por um prazo certo.
dos tribunais, os atos instrutórios são frequente-
mente delegados ao juízo de primeiro grau, tor- Em terceiro lugar, diante de eventuais abusos na
nando a tramitação do processo ainda mais demo- determinação do afastamento cautelar, o direito
rada e ocasionando, por vezes, a prescrição das san- oferece diversos instrumentos de correção, como a
ções. De fato, os tribunais não são instituições mol- possibilidade de interposição de agravo e obtenção
dadas para a instrução e julgamento de processos de efeito suspensivo, e a suspensão de execução de
que demandam investigações complexas e decisões liminar.
ágeis, tal como ocorre com as ações de improbi-
Pet 3.240 AgR, red. p/ o ac. min. Roberto Barroso,
dade.
DJE de 22-8-2018.
As sanções de perda de cargo e suspensão dos (Informativo 901, Plenário)
direitos políticos previstas na Lei 8.429/1992 so-
mente se efetivam com o trânsito em julgado da
sentença condenatória. Portanto, sua aplicação se
dá com a observância do duplo grau de jurisdição.
Ademais, há inclusive a possibilidade de apreciação
dos casos pelo Supremo Tribunal Federal, no caso de
ofensa à CF, e pelo Superior Tribunal de Justiça, no
caso de ofensa à legislação federal.
O julgamento pelo juízo de primeiro grau não
traz, portanto, nenhum prejuízo aos réus. A perda
do mandato e a suspensão dos direitos políticos do
agente político que tenha cometido atos de impro-
bidade – sobretudo quando efetivadas depois do
trânsito em julgado, com a plena observância do de-
vido processo legal – não constituem sanção, mas,
sim, efetiva responsabilização, submissão à lei.
O risco de prejuízo também não ocorre quanto à
possibilidade de aplicação, pelo juízo de primeiro
grau, de medida cautelar de afastamento imediato
do cargo, emprego ou função, quando a medida se
fizer necessária à instrução processual, nos termos
da Lei 8.429/1992.
Em primeiro lugar, somente cabe o afastamento

49
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

ORGANIZAÇÃO DOS PODERES O Poder Judiciário dispõe de competência para impor


PODER LEGISLATIVO aos parlamentares, por autoridade própria, as medi-
das cautelares a que se refere o art. 319153 do CPP.
DEPUTADOS E SENADORES
São medidas individuais e específicas menos gra-
É incabível aos congressistas, desde a expedição do vosas, de forma que podem substituir a prisão em
flagrante delito por crime inafiançável ou serem ins-
diploma, a aplicação da pena de prisão preventiva
prevista no art. 312151 do Código de Processo Penal tituídas autonomamente em circunstâncias de ex-
(CPP). cepcional gravidade154.

A imunidade formal prevista constitucional- O art. 53, § 2º, da CF incide sempre que as medidas
mente [Constituição Federal (CF), art. 53, §2º152] cautelares aplicadas impossibilitem, direta ou indire-
tamente, o pleno e regular exercício do mandato par-
apenas permite a prisão de parlamentares em fla-
lamentar.
grante delito por crime inafiançável.
Na independência harmoniosa que rege o princí- Essa norma protege o integral exercício do man-
pio da separação de poderes, as imunidades do Le- dato parlamentar dos Congressistas, pois, ao prever
gislativo, assim como as garantias do Executivo, Ju- expressamente que a restrição à liberdade de ir e vir
diciário e do Ministério Público, são previsões prote- do parlamentar somente poderá ocorrer em prisão
tivas dos Poderes e instituições de Estado contra in- em flagrante por crime inafiançável, estabeleceu im-
fluências, pressões, coações e ingerências internas e plicitamente a impossibilidade de qualquer outro
externas e devem ser asseguradas para o equilíbrio tipo de prisão cautelar, seja preventiva, seja tempo-
de um governo republicano e democrático. rária ou, ainda, medidas cautelares absolutamente
idênticas ou com grande semelhança.
Desde a Constituição do Império até a atual
Constituição, as imunidades não dizem respeito à fi- A ratio constitucional, que não pode ser igno-
gura do parlamentar, mas às funções por ele exerci- rada pela interpretação de leis ordinárias (CPP), é o
das, no intuito de preservar o Poder Legislativo de absoluto respeito ao mandato delegado pelo povo
eventuais excessos ou abusos por parte do Execu- ao seu representante e a excepcionalidade de afas-
tivo ou Judiciário, consagrando-se como garantia de tamentos cautelares do exercício das funções parla-
sua independência perante os outros poderes cons- mentares.
titucionais e mantendo sua representação popular.
ADI 5.526, red. p/ o ac. min. Alexandre de Moraes,
Em matéria de garantias e imunidades, há necessi-
DJE de 7-8-2018.
dade de interpretação que separe o continente
(Informativo 881, Plenário)
(“Poderes de Estado”) e o conteúdo (“eventuais
membros que pratiquem ilícitos”), para fortaleci-
mento das Instituições.

151 Art. 312. “A prisão preventiva poderá ser decretada proibição de manter contato com pessoa determinada
como garantia da ordem pública, da ordem econômica, quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o
por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar indiciado ou acusado dela permanecer distante; IV – proi-
a aplicação da lei penal, quando houver prova da existên- bição de ausentar-se da Comarca quando a permanência
cia do crime e indício suficiente de autoria.” seja conveniente ou necessária para a investigação ou ins-
152 Art. 53. “Os Deputados e Senadores são invioláveis, trução; V – recolhimento domiciliar no período noturno e
civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, pala- nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha
vras e votos. (...) § 2º Desde a expedição do diploma, os residência e trabalho fixos; VI – suspensão do exercício de
membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, função pública ou de atividade de natureza econômica ou
salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os financeira quando houver justo receio de sua utilização
autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à para a prática de infrações penais; VII – internação provi-
Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus sória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com
membros, resolva sobre a prisão.” violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem
153 Art. 319. “São medidas cautelares diversas da pri- ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Pe-
são: I – comparecimento periódico em juízo, no prazo e nal) e houver risco de reiteração; VIII – fiança, nas infra-
nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar ções que a admitem, para assegurar o comparecimento a
atividades; II – proibição de acesso ou frequência a deter- atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou
minados lugares quando, por circunstâncias relacionadas em caso de resistência injustificada à ordem judicial; IX –
ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante monitoração eletrônica.”
desses locais para evitar o risco de novas infrações; III – 154 AC 4.070 REF, rel. min. Teori Zavascki, P.

50
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

ORGANIZAÇÃO DOS PODERES ORGANIZAÇÃO DOS PODERES


PODER LEGISLATIVO PODER LEGISLATIVO
PROCESSO LEGISLATIVO PROCESSO LEGISLATIVO

Admite-se a disciplina de determinada matéria por lei A prática de inserção, mediante emenda parlamen-
complementar, ainda que a Constituição Federal (CF) tar, no processo legislativo de conversão de medida
permita o uso de lei ordinária. provisória em lei, de matérias de conteúdo temático
estranho ao objeto originário da medida provisória
Se por um lado, quando a CF exige a adoção de viola a Constituição Federal (CF).
lei complementar para a disciplina de determinadas
matérias pelos Estados-membros, existe vício se uti- A medida provisória é instituto de iniciativa pri-
lizada lei ordinária, por outro a recíproca não é ver- vativa do presidente da República. Desse modo, a
dadeira. prática viola o princípio democrático, os contornos
do devido processo legislativo constitucional e a se-
A lei complementar só é obrigatória para as ma-
paração de poderes158.
térias cuja disciplina a CF expressamente faz tal exi-
gência. Se porventura a matéria, disciplinada por lei A incorporação de emenda parlamentar sobre
cujo processo legislativo observado tenha sido o da matéria estranha às versadas na medida provisória
lei complementar, não seja daquelas para que a CF implica permitir se instaure o rito legislativo anô-
exige essa modalidade legislativa, os dispositivos malo previsto excepcionalmente na Constituição
que tratam dela se têm como dispositivos de lei or- para a conversão de medida provisória em lei
dinária. quanto a matéria não submetida ao Congresso Na-
cional na forma do art. 62, caput, da CF. Mais do que
Nesse cenário, inexiste a problemática da usur-
o poder de emenda, significa conferir ao parlamen-
pação da iniciativa do chefe do Executivo, pois o art.
tar a titularidade de iniciativa para, esquivando-se
61 da CF155 é abrangente ao disciplinar a iniciativa de
do procedimento para aprovação das leis ordinárias,
leis, não só relativamente às leis ordinárias, como
submeter propostas legislativas avulsas ao rito dos
também às complementares156.
projetos de lei de conversão, aproveitando-se da
Diante disso, foi declarado constitucional o art. tramitação de medida provisória sobre outra maté-
118, VII, da Constituição do Estado do Rio de Ja- ria.
neiro157.
O chamado “contrabando legislativo”, caracteri-
ADI 2.877, red. p/ o ac. min. Cármen Lúcia, DJE de 6- zado pela introdução de matéria estranha a medida
8-2018. provisória submetida à conversão, não denota mera
(Informativo 893, Plenário) inobservância de formalidade, e sim procedimento
marcadamente antidemocrático. Afinal, intencional-
mente ou não, subtrai do debate político e do ambi-
ente deliberativo próprios ao rito ordinário dos tra-
balhos legislativos a discussão sobre as normas que

155 “Art. 61. A iniciativa das leis complementares e or- blico e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Fe-
dinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara deral e dos Territórios; e) criação e extinção de Ministérios
dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Naci- e órgãos da administração pública, observado o disposto
onal, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Fe- no art. 84, VI; f) militares das Forças Armadas, seu regime
deral, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade,
República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos remuneração, reforma e transferência para a reserva. §
nesta Constituição. § 1º São de iniciativa privativa do Pre- 2º A iniciativa popular pode ser exercida pela apresenta-
sidente da República as leis que: I – fixem ou modifiquem ção à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito
os efetivos das Forças Armadas; II – disponham sobre: a) por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, dis-
criação de cargos, funções ou empregos públicos na admi- tribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de
nistração direta e autárquica ou aumento de sua remune- três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.”
ração; b) organização administrativa e judiciária, matéria 156 Fundamentação extraída do voto do ministro

tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da Marco Aurélio.


administração dos Territórios; c) servidores públicos da 157 “Art. 118. As leis complementares serão aprovadas

União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de por maioria absoluta e receberão numeração distinta das
cargos, estabilidade e aposentadoria; d) organização do leis ordinárias. (...) VII – Lei Orgânica da Carreira de Fiscal
Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem de Rendas;”
como normas gerais para a organização do Ministério Pú- 158 ADI 5.127, red. p/ o ac. min. Edson Fachin, P.

51
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

regularão a vida em sociedade. ORGANIZAÇÃO DOS PODERES


Nesse sentido, o devido processo legislativo é PODER LEGISLATIVO
uma garantia, do parlamentar e do cidadão, envol-
vendo a correta e regular elaboração das leis. FISCALIZAÇÃO CONTÁBIL, FINANCEIRA E ORÇAMEN-
TÁRIA
Não obstante, tendo em vista o princípio da se-
gurança jurídica, permanecem válidos até a data do
julgamento os preceitos normativos resultantes de Não compete ao Tribunal de Contas da União (TCU)
emendas a projetos de lei de conversão, ainda que adotar procedimento de fiscalização que alcance a
sem relação com o objeto da medida provisória. Fundação Banco do Brasil (FBB) quanto aos recursos
próprios, de natureza eminentemente privada, re-
ADI 5.012, rel. min. Rosa Weber, DJE de 1º-2-2018. passados pela entidade a terceiros.
(Informativo 857, Plenário)
Embora a FBB seja instituição de natureza pri-
vada do terceiro setor, instituída e patrocinada pelo
Banco do Brasil (BB), o simples fato de gerir recursos
públicos, em sua maioria, não a vincula às regras da
Administração Pública quando do repasse de todo e
qualquer montante.
Ao TCU, por sua vez, compete julgar as contas
dos administradores e demais responsáveis por di-
nheiro, bens e valores públicos da Administração Di-
reta e Indireta, incluídas as fundações e sociedades
instituídas e mantidas pelo poder público federal, e
as contas daqueles que derem causa a perda, extra-
vio ou outra irregularidade que resulte prejuízo ao
erário.
Nesse sentido, a FBB não integra o rol de entida-
des obrigadas a prestar contas ao TCU, nos termos
do art. 71, II159, da Constituição Federal (CF). Nada
obstante, como fundação de caráter privado, sub-
mete-se à fiscalização do Ministério Público, por
força do art. 66 do Código Civil160, não lhe cabendo,
por via reflexa, subserviência aos preceitos que re-
gem a Administração Pública.

A FBB se submete aos princípios da gestão pública


quando do repasse de verbas de natureza pública a
terceiros.

A despeito de ser pessoa jurídica de direito pri-


vado, a FBB recebe recursos públicos oriundos do
BB, entidade integrante da Administração Pública.
Se o BB se submete aos postulados constitucio-
nais que regem a Administração Pública e à fiscaliza-
ção do TCU no manejo de seus recursos161, é de se

159 CF, art. 71 “O controle externo, a cargo do Con- 160 CC, art. 66 “Velará pelas fundações o Ministério Pú-

gresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal blico do Estado onde situadas. § 1º Se funcionarem no Dis-
de Contas da União, ao qual compete: (...) II – julgar as trito Federal ou em Território, caberá o encargo ao Minis-
contas dos administradores e demais responsáveis por di- tério Público do Distrito Federal e Territórios. § 2º Se es-
nheiros, bens e valores públicos da administração direta e tenderem a atividade por mais de um Estado, caberá o en-
indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e cargo, em cada um deles, ao respectivo Ministério Pú-
mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles blico.”
que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade 161 CF, art. 71 “O controle externo, a cargo do Con-

de que resulte prejuízo ao erário público.” gresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal
de Contas da União, ao qual compete: (...) IV – realizar, por

52
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

exigir que as movimentações de valores repassados ORGANIZAÇÃO DOS PODERES


pela estatal à FBB se sujeitem a crivo de idêntico
controle fiscalizatório, dada a natureza dessas ver- PODER LEGISLATIVO
bas. Nessa situação, o regime jurídico da FBB tem de PODER LEGISLATIVO ESTADUAL
ser minimamente informado pela incidência do nú-
cleo essencial dos princípios da Administração Pú-
blica162. Representante de Assembleia Legislativa estadual
não pode integrar órgão de assessoramento do Exe-
O TCU pode interpor recurso em nome próprio, sem cutivo.
necessidade de representação pela Advocacia-Geral
da União. Entendimento em sentido contrário viola o prin-
cípio da separação dos poderes164.
É reconhecida personalidade judiciária aos ór- Diante disso, foi declarado inconstitucional o art.
gãos da Administração Pública destituídos de perso- 15, IX, da LC 107/2003165 do Estado do Rio de Ja-
nalidade jurídica própria quando o interesse jurídico neiro.
no qual se fundamentar a pretensão deduzida em
juízo respeitar ao exercício de suas competências ou ADI 2.877, red. p/ o ac. min. Cármen Lúcia, DJE de 6-
prerrogativas funcionais163. 8-2018.
(Informativo 893, Plenário)
MS 32.703 AgR; MS 32.703 AgR-Segundo e MS
32.703 AgR-Terceiro, rel. min. Dias Toffoli, DJE de 11-
5-2018.
(Informativo 897, Segunda Turma)

iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado 163 SS 5.182, rel. min. Cármen Lúcia, decisão monocrá-
Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e tica; MS 25.181, rel. min. Marco Aurélio, P.
auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, 164 Fundamentação extraída do voto do ministro Cezar

operacional e patrimonial, nas unidades administrativas Peluso.


dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais 165 “Art. 15 (...) IX – um representante da Assembleia

entidades referidas no inciso II.” Legislativa.”


162 ADI 1.923, rel. min. Ayres Britto, P.

53
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

ORGANIZAÇÃO DOS PODERES caráter eventual, caso tornados réus criminais, não
ficarão afastados, ipso facto, dos cargos de direção
PODER EXECUTIVO que exercem na Câmara dos Deputados, no Senado
RESPONSABILIDADE DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA Federal e no Supremo Tribunal Federal. Na reali-
dade, apenas sofrerão interdição para o exercício do
ofício de presidente da República.
O afastamento preventivo do presidente da Repú-
blica em hipótese de instauração, contra ele, de pro- A substituição a que se refere o art. 80 da CF pro-
cesso de índole político-administrativa (impeach- cessar-se-á per saltum, de modo a excluir aquele
ment) ou de natureza penal (Constituição Federal que, por ser réu criminal perante o Supremo Tribu-
(CF), art. 86, § 1º166) é situação de impedimento que nal Federal, está impedido de desempenhar o ofício
também atinge os substitutos eventuais do chefe do de presidente da República.
Poder Executivo da União (presidentes da Câmara ADPF 402 MC-REF, red. p/ o ac. min. Celso de Mello,
dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tri- DJE de 29-8-2018.
bunal Federal), se e quando convocados a exercer, (Informativo 850, Plenário)
em caráter interino, a Presidência da República.

Esse entendimento apoia-se no fato de que não


teria sentido que os substitutos eventuais a que
alude o art. 80167 da CF, ostentando a condição for-
mal de acusados em juízo penal, viessem a dispor,
para efeito de desempenho transitório do ofício pre-
sidencial, de maior aptidão jurídica que o próprio
chefe do Poder Executivo da União, titular do man-
dato, a quem a Constituição impõe o necessário
afastamento cautelar do cargo para o qual foi eleito.
Nada justifica que meros substitutos eventuais
desempenhem essa função quando a Constituição
simplesmente nega ao próprio titular do mandato
presidencial tal possibilidade.
A referida cláusula constitucional torna claro o
sentido de intencionalidade do constituinte que quis
impor ao presidente da República o afastamento
cautelar (e temporário) do desempenho do man-
dato presidencial, considerada, em essência, a exi-
gência de preservação da respeitabilidade das insti-
tuições republicanas, que constitui, na verdade, o
núcleo que informa e conforma esse processo de
suspensão preventiva.

A interdição para o exercício interino da Presidência


da República não obsta nem impede que o substituto
eventual continue a desempenhar a função de chefia
que titulariza no órgão de origem.

Os agentes públicos que detêm as titularidades


funcionais que os habilitam, constitucionalmente, a
substituir o chefe do Poder Executivo da União em

166 “Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente responsabilidade, após a instauração do processo pelo Se-
da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, nado Federal.”
será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tri- 167 “Art. 80. Em caso de impedimento do Presidente e

bunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o do Vice-Presidente, ou vacância dos respectivos cargos,
Senado Federal, nos crimes de responsabilidade. § 1º O serão sucessivamente chamados ao exercício da Presidên-
Presidente ficará suspenso de suas funções: I – nas infra- cia o Presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado
ções penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa- Federal e o do Supremo Tribunal Federal.”
crime pelo Supremo Tribunal Federal; II – nos crimes de

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FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

ORGANIZAÇÃO DOS PODERES Câmara dos Deputados, tampouco cabe proferir ju-
ízo a respeito de eventuais teses defensivas veicula-
PODER EXECUTIVO das antecipadamente, cuja ambiência própria é o
RESPONSABILIDADE DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA momento da apresentação de resposta à acusação,
após o oferecimento da denúncia (Lei 8.038/1990,
art. 4º) 171.
O juízo político de admissibilidade por dois terços da
Câmara dos Deputados em face de acusação contra Inq 4.483 QO, rel. min. Edson Fachin, DJE de 13-6-
o presidente da República, nos termos da norma 2018.
constitucional aplicável (CF, art. 86, caput168), pre- (Informativo 878, Plenário)
cede a análise jurídica pelo Supremo Tribunal Federal
(STF), se assim autorizado for a examinar o recebi-
mento da denúncia, para conhecer e julgar qualquer
questão ou matéria defensiva suscitada pelo denun-
ciado.

A Constituição Federal (CF) condiciona a instau-


ração de processo penal por crime comum contra o
presidente da República a um duplo juízo de admis-
sibilidade: o primeiro, predominantemente político,
realizado pela Câmara dos Deputados169, e o se-
gundo, técnico-jurídico, que compete ao STF.
O eventual juízo de admissibilidade positivo por
parte do STF, prévio ao da Câmara dos Deputados,
implicaria admitir que a Constituição teria imposto
ao presidente da República enfrentar o juízo predo-
minantemente político fora do exercício de suas
funções, nos termos do art. 86, § 1º, I170, da CF.
Tal possibilidade implicaria esvaziar o sentido da
norma constitucional, que é o de proteger a sobera-
nia do voto popular, impondo que quem fora eleito
pelo sufrágio só seja afastado do exercício de seu
mandato com autorização dos representantes do
próprio povo.
Por essa razão, cabe ao presidente da República,
a princípio, apresentar sua defesa ao juízo predomi-
nantemente político a ser realizado pela Câmara dos
Deputados. Somente após a autorização da Casa Le-
gislativa, o STF determinará a notificação do denun-
ciado para apresentar resposta à acusação. Essa fase
é o primeiro momento em que o investigado exerce
sua defesa judicialmente.
Diante disso, como não cabe ao STF proferir juízo
de admissibilidade sobre denúncia oferecida contra
o presidente da República antes da autorização da

168 CF, art. 86. “Admitida a acusação contra o Presi- Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado.”
dente da República, por dois terços da Câmara dos Depu- 170 CF, art. 86. “(...) § 1º O Presidente ficará suspenso

tados, será ele submetido a julgamento perante o Su- de suas funções: I – nas infrações penais comuns, se rece-
premo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou bida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal
perante o Senado Federal, nos crimes de responsabili- Federal;”
dade.” 171 Lei 8.038/1990, art. 4º. “Apresentada a denúncia
169 CF, art. 51. “Compete privativamente à Câmara dos ou a queixa ao Tribunal, far-se-á a notificação do acusado
Deputados: I – autorizar, por dois terços de seus mem- para oferecer resposta no prazo de quinze dias.”
bros, a instauração de processo contra o Presidente e o

55
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

ORGANIZAÇÃO DOS PODERES Também existem as normas de reprodução pro-


ibida, ou seja, preceitos da CF que o Estado-membro
PODER EXECUTIVO não está autorizado a transplantar para as Constitui-
RESPONSABILIDADE DOS GOVERNADORES DE ES- ções estaduais.
TADO-MEMBRO O princípio republicano, ao lado do princípio de-
mocrático e do princípio federativo, integra o núcleo
É vedado às unidades federativas instituir normas essencial da Constituição. Ele se concretiza pela pre-
que condicionem a instauração de ação penal contra sença de três elementos: a eletividade dos gover-
o governador por crime comum à prévia autorização nantes, a temporariedade dos mandatos e a respon-
da casa legislativa, cabendo ao Superior Tribunal de sabilidade dos agentes públicos. Este elemento
Justiça (STJ) dispor fundamentadamente sobre a apli- prevê que os governantes respondem política e juri-
cação de medidas cautelares penais, inclusive o afas- dicamente por seus atos.
tamento do cargo. O princípio republicano pode ser considerado
uma norma de reprodução obrigatória pelos Esta-
É ilegítima a exigência de prévia licença da as- dos-membros, ou, mais especificamente, um princí-
sembleia legislativa para instauração de ação penal pio constitucional sensível. As exceções a ele previs-
contra governador, pela prática de crime comum. tas na CF são normas de reprodução proibida nas
A vinculação das Constituições estaduais à Cons- Constituições estaduais.
tituição Federal (CF) determina que os Estados ado- Ao se auto-organizarem, os Estados-membros
tem as normas de observância obrigatória, optem não podem vulnerar o princípio republicano. Assim,
pela previsão ou não de normas de reprodução fa- o art. 51, I173, da CF contém norma de exceção a esse
cultativa e não editem normas de reprodução proi- postulado, competência que apenas o poder consti-
bida. tuinte federal pode exercer legitimamente. Trata-se
As normas de observância obrigatória podem ser de norma de extensão proibida aos Estados-mem-
agrupadas em quatro categorias. A primeira é a dos bros, por falta de autorização constitucional para
denominados princípios constitucionais sensíveis tanto.
(CF, art. 34, VII172). A segunda inclui as normas cons- Ademais, a previsão de suspensão funcional au-
titucionais de preordenação. Elas definem a organi- tomática do governador, na hipótese de recebi-
zação dos Poderes e instituições estaduais. A ter- mento da denúncia ou queixa-crime, só existe por
ceira é formada pelos princípios extensíveis. Trata- previsão das próprias Constituições estaduais, que
se de regras de organização da União, cuja aplicação reproduzem em seus textos o art. 86, § 1º, I 174, da
se estende aos Estados-membros. A última engloba CF. Diante disso, não se pode argumentar em favor
os princípios estabelecidos, que não são expressa- de norma de Constituição estadual com base em ou-
mente indicados e são normas limitadoras que não tra norma de Constituição estadual. Em segundo lu-
se restringem à disciplina de natureza organizacio- gar, se a norma do art. 51, I, da CF não é de repro-
nal ou institucional. dução permitida, a do art. 86, § 1º, I, que só existe
Além disso, é conferida ao poder constituinte de- em função daquela, tampouco o é. Por fim, norma
corrente a liberdade de reproduzir ou não algumas de reprodução proibida também não se justifica
normas da CF. Nesse aspecto, cabe aos Estados- pela aplicação do princípio da simetria.
membros exercer sua capacidade de auto-organiza- Sequer é possível argumentar que a Emenda
ção de forma plena, inclusive destoando das normas Constitucional 35/2001 suprimiu a necessidade de
constitucionais federais. autorização legislativa para a instauração de ação

172 CF, art. 34. “A União não intervirá nos Estados nem Deputados: I – autorizar, por dois terços de seus mem-
no Distrito Federal, exceto para: (...) VII – assegurar a ob- bros, a instauração de processo contra o Presidente e o
servância dos seguintes princípios constitucionais: a) Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado.”
forma republicana, sistema representativo e regime de- 174 CF, art. 86. “Admitida a acusação contra o Presi-

mocrático; b) direitos da pessoa humana; c) autonomia dente da República, por dois terços da Câmara dos Depu-
municipal; d) prestação de contas da administração pú- tados, será ele submetido a julgamento perante o Su-
blica, direta e indireta; e) aplicação do mínimo exigido da premo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou
receita resultante de impostos estaduais, compreendida a perante o Senado Federal, nos crimes de responsabili-
proveniente de transferências, na manutenção e desen- dade. § 1º O Presidente ficará suspenso de suas funções:
volvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de I – nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia
saúde.” ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal;”
173 CF, art. 51. “Compete privativamente à Câmara dos

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FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

penal contra deputado e senador e, ao não se referir queixa-crime representa grave ameaça ao princípio
a governador, implicou a admissão sistemática de li- democrático. Afinal, um representante do povo de-
cença prévia adotada em relação a eles por algumas mocraticamente eleito será afastado por ato jurisdi-
Constituições estaduais. Note-se, nesse aspecto, cional que nem sequer reclama fundamentação.
que a CF não contempla essa possibilidade, embora
Sem a previsão de afastamento imediato, tam-
ela conste de algumas Constituições estaduais. Esse
bém aos governadores são aplicáveis as medidas
argumento não se funda na interpretação histórica
cautelares diversas da prisão previstas no art. 319 175
da referida emenda; tampouco sua interpretação
do Código de Processo Penal. Nesse cenário, o afas-
sistemática favorece esse ponto de vista. A situação
tamento do governador do exercício de suas fun-
do presidente da República, que só pode ser proces-
ções deixa de ser automático, já que essa decisão
sado criminalmente após autorização da Câmara
dependerá de ato judicial fundamentado e recorrí-
dos Deputados, é singular. Não há razão para trans-
vel.
plantar esse modelo aos governadores.
Por derradeiro, ao instituir a exigência de licença
A instituição de autorização prévia traz o risco de
prévia como condição de procedibilidade para a ins-
propiciar a impunidade dos governadores. Quando
tauração de ação penal contra governadores, a
negada a autorização, além de ocorrer a suspensão
Constituição estadual viola o princípio da separação
do prazo prescricional, há também o impedimento
de poderes e a competência legislativa da União.
da instrução processual, o que inviabiliza investiga-
Nesse aspecto, a definição dos crimes de responsa-
ções criminais e favorece o perecimento de provas.
bilidade e o estabelecimento das respectivas nor-
Não é possível defender a exigência de autoriza- mas de processo e julgamento são de competência
ção prévia à luz da governabilidade, pois esta não legislativa privativa da União176.
pode se dar em detrimento da não responsabiliza-
Subordinar a atuação de juízes e tribunais a pré-
ção dos governadores. Na prática, é isto que ocorre:
via manifestação de outro poder, fora dos casos de
a exigência de licença prévia significa impunidade.
previsão expressa na CF, tolhe competência mate-
Se as Constituições estaduais não podem esta- rial típica do Judiciário. Em segundo lugar, a exigên-
belecer a chamada licença prévia, que equivale à re- cia de prévia autorização legislativa constitui norma
gra atinente ao presidente da República no art. 86, de natureza processual, de competência legislativa
§ 1º, I, da CF, também não podem autorizar o afas- privativa da União.
tamento automático do governador quando rece-
ADI 4.777, red. p/ o ac. min. Roberto Barroso, DJE de
bida a denúncia ou aceita a queixa-crime pelo STJ.
6-2-2018.
Como não pode haver controle político prévio, não
(Informativo 872, Plenário)
deve haver afastamento automático, sob pena de vi-
olação ao princípio democrático.
Assim, se, por um lado, a permissão do proces-
samento de governadores por crimes comuns sem
prévia autorização da correspondente assembleia
legislativa preserva o princípio republicano, por ou-
tro, a admissão do seu afastamento automático pelo
simples recebimento de denúncia ou aceitação de

175 CPP, art. 319. “São medidas cautelares diversas da financeira quando houver justo receio de sua utilização
prisão: I – comparecimento periódico em juízo, no prazo e para a prática de infrações penais; VII – internação provi-
nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar sória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com
atividades; II – proibição de acesso ou frequência a deter- violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem
minados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Pe-
ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante nal) e houver risco de reiteração; VIII – fiança, nas infra-
desses locais para evitar o risco de novas infrações; III – ções que a admitem, para assegurar o comparecimento a
proibição de manter contato com pessoa determinada atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou
quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o em caso de resistência injustificada à ordem judicial; IX –
indiciado ou acusado dela permanecer distante; IV – proi- monitoração eletrônica. (...) § 4º A fiança será aplicada de
bição de ausentar-se da Comarca quando a permanência acordo com as disposições do Capítulo VI deste Título, po-
seja conveniente ou necessária para a investigação ou ins- dendo ser cumulada com outras medidas cautelares.”
trução; V – recolhimento domiciliar no período noturno e 176 Enunciado 46 da Súmula Vinculante: “A definição

nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das
residência e trabalho fixos; VI – suspensão do exercício de respectivas normas de processo e julgamento são da com-
função pública ou de atividade de natureza econômica ou petência legislativa privativa da União.”

57
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

ORGANIZAÇÃO DOS PODERES desvio de função ou com outros meios que, a rigor,
esvaziam o postulado do concurso público.
PODER JUDICIÁRIO
ADI 3.415 ED, rel. min. Alexandre de Moraes, DJE de
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 28-9-2018.
(Informativo 909, Plenário)
As cláusulas de segurança jurídica implícitas na Cons-
tituição Federal referendam plenamente a confiança
nas atividades prestadas sob presunção de legitimi-
dade e autorizam a sua convalidação.

Ao decidir processo objetivo, o Supremo Tribu-


nal Federal (STF) deve percorrer um juízo de conse-
quência de suas decisões, para sincronizá-las, da
melhor maneira possível, com parâmetros constitu-
cionais tutelados pelo art. 27da Lei 9.868/1999 177,
evitando que a solução venha a se fazer aflitiva à se-
gurança jurídica e a outros interesses sociais even-
tualmente atingidos.
Para viabilizar esse tipo de avaliação, contudo, é
necessário comprovar, concretamente, a presença
de elementos excepcionais que justifiquem a retra-
ção, no tempo, dos efeitos da decisão de inconstitu-
cionalidade, que de regra operam ex tunc.
Realizada essa comprovação, cabe ao STF res-
guardar a higidez jurídica de atividades exercidas
com base em fundamentos normativos que, futura-
mente, vieram a ter sua validade infirmada.

Se uma decisão proferida em controle concentrado


de constitucionalidade pode descortinar risco para a
continuidade de serviços públicos de alta relevância,
tendo em vista a falta de previsão de concursos, cabe
ao STF determinar um intervalo para a convocação de
novos servidores.

Entraves diversos, como adversidade orçamen-


tária, podem dificultar ou impossibilitar o imediato
cumprimento de decisão do STF que determina a re-
alização de concurso público para o preenchimento
de certas vagas. Essa exigência, entretanto, não se
sobrepõe à continuidade de serviços públicos de
alta relevância (v.g., saúde, segurança). Assim, a pe-
renidade desses serviços recomenda seja conferido
tempo hábil para a realização de certame público
que regularize a situação dos servidores, de acordo
com a determinação do STF.
Nesse ínterim, considerada a situação emergen-
cial e transitória178, admite-se a utilização de mão de
obra obtida mediante contratação temporária, com

177 “Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.”
ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança 178 Lei 8.112/1990. “Art. 117. Ao servidor é proibido:

jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Su- (...) XVII – cometer a outro servidor atribuições estranhas
premo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de ao cargo que ocupa, exceto em situações de emergência
seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou e transitórias;”
decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito

58
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

ORGANIZAÇÃO DOS PODERES ORGANIZAÇÃO DOS PODERES


PODER JUDICIÁRIO PODER JUDICIÁRIO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

Os Estados-membros não se incluem no rol dos legi- É possível que se reconheça omissão no âmbito de
timados a agir como sujeitos processuais em sede de embargos de declaração para o fim de explicitar a ne-
controle concentrado de constitucionalidade. cessária limitação de efeitos da decisão de inconsti-
tucionalidade.
Estão legitimados a agir como sujeitos processu-
ais em sede de controle concentrado de constituci- O recurso de embargos de declaração é cabível
onalidade apenas aqueles previstos no rol taxativo para demonstrar a ocorrência de omissão, contradi-
constante do art. 103 da Constituição Federal179; os ção ou obscuridade na decisão embargada, de
órgãos estatais de que emanou a lei ou o ato norma- acordo com o art. 1.022182 do Código de Processo
tivo impugnado; o advogado-geral da União; e o pro- Civil (CPC).
curador-geral da República, vedada a intervenção
O Supremo Tribunal Federal (STF) admite o aco-
de terceiros (Lei 9.868/1999, art. 7º, caput180), em-
lhimento de embargos de declaração para o fim de
bora autorizada, excepcionalmente, a participação
conferir efeitos ex nunc à declaração de inconstitu-
do amicus curiae (Lei 9.868/1999, art. 7º, § 2º)181.
cionalidade183.
ADI 4.420 ED-AgR, rel. min. Roberto Barroso, DJE de
Assim, caso se entenda que o fundamento para
28-5-2018.
a limitação dos efeitos é de índole constitucional e
(Informativo 896, Plenário)
que estão presentes os requisitos para a declaração
de inconstitucionalidade com efeitos restritos, o STF
não poderá fazê-lo com eficácia ex tunc. Afigura-se
inevitável o acolhimento dos embargos de declara-
ção nas hipóteses em que, de fato, se configura uma
omissão do STF na apreciação dessas circunstâncias.

O Supremo Tribunal Federal pode declarar a incons-


titucionalidade de lei com efeito retroativo184 e, si-
multaneamente, preservar as situações singulares
que, segundo entendimento da Corte, devam ser

179 CF, art. 103. “Podem propor a ação direta de in- da matéria e a representatividade dos postulantes, po-
constitucionalidade e a ação declaratória de constitucio- derá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o
nalidade: I – o Presidente da República; II – a Mesa do Se- prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de ou-
nado Federal; III – a Mesa da Câmara dos Deputados; IV – tros órgãos ou entidades.”
a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa 181 ADI 2.130 AgR, rel. min. Celso de Mello, P.

do Distrito Federal; V – o Governador de Estado ou do Dis- 182 “Art. 1.022. Cabem embargos de declaração con-

trito Federal; VI – o Procurador-Geral da República; VII – o tra qualquer decisão judicial para: I – esclarecer obscuri-
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII dade ou eliminar contradição; II – suprir omissão de ponto
– partido político com representação no Congresso Naci- ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofí-
onal; IX – confederação sindical ou entidade de classe de cio ou a requerimento; III – corrigir erro material. Pará-
âmbito nacional. § 1º O Procurador-Geral da República grafo único. Considera-se omissa a decisão que: I – deixe
deverá ser previamente ouvido nas ações de inconstituci- de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de ca-
onalidade e em todos os processos de competência do Su- sos repetitivos ou em incidente de assunção de compe-
premo Tribunal Federal. § 2º Declarada a inconstituciona- tência aplicável ao caso sob julgamento; II – incorra em
lidade por omissão de medida para tornar efetiva norma qualquer das condutas descritas no art. 489, § 1º.”
constitucional, será dada ciência ao Poder competente 183 ADI 3.601 ED, rel. min. Dias Toffoli, P.

para a adoção das providências necessárias e, em se tra- 184 Lei 9.868/1999: “Art. 27. Ao declarar a inconstitu-

tando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias. cionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista ra-
§ 3º Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a in- zões de segurança jurídica ou de excepcional interesse so-
constitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato nor- cial, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de
mativo, citará, previamente, o Advogado-Geral da União, dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela
que defenderá o ato ou texto impugnado.” declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de
180 Lei 9.868/1999, art. 7º. “Não se admitirá interven- seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha
ção de terceiros no processo de ação direta de inconstitu- a ser fixado.”
cionalidade. (...) § 2º O relator, considerando a relevância

59
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

mantidas incólumes. ORGANIZAÇÃO DOS PODERES


O princípio da nulidade é a regra, e o afasta- PODER JUDICIÁRIO
mento de sua incidência dependerá de severo juízo CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
de ponderação que, tendo em vista a análise fun-
dada no princípio da proporcionalidade, faça preva-
lecer a ideia de segurança jurídica ou outro princípio Viola o Enunciado 10 da Súmula Vinculante185 a deci-
manifestado sob a forma de interesse social rele- são de tribunal de origem que esvazia a lei ou o ato
vante. normativo, i.e., não deixa qualquer espaço para sua
aplicação.
O princípio da nulidade somente há de ser afas-
tado se se puder demonstrar, com base em ponde- Embora a diferença entre afastamento e inter-
ração concreta, que a declaração de inconstitucio- pretação da norma nem sempre seja clara, não ha-
nalidade ortodoxa envolveria o sacrifício da segu- verá dúvida de que o esvaziamento da lei ou do ato
rança jurídica ou de outro valor constitucional ma- normativo cria uma zona de certeza positiva quanto
terializável na forma de interesse social. Assim, a à incidência do art. 97 da Constituição Federal (CF).
não aplicação do princípio da nulidade não se há de
basear em consideração de política judiciária, mas Com efeito, o art. 97 da CF, o qual fundamenta o
em fundamento constitucional próprio. Enunciado 10 da Súmula Vinculante, veda a declara-
ção de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo
Vê-se, pois, que terá significado especial o prin- por órgão jurisdicional fracionário. Além disso, a
cípio da proporcionalidade, especialmente a propor- norma busca preservar a presunção de constitucio-
cionalidade em sentido estrito, como instrumento nalidade dos atos do poder público, estabelecendo
de aferição da justeza da declaração de inconstituci- que sua superação depende de voto favorável da
onalidade com efeito da nulidade, ante o confronto maioria absoluta dos membros do tribunal ou de seu
entre os interesses afetados pela lei inconstitucional órgão especial.
e aqueles que seriam eventualmente sacrificados
em consequência da declaração de inconstituciona- Naturalmente, o afastamento dissimulado de lei,
lidade. A aplicação do princípio da proporcionali- sem expressa declaração de inconstitucionalidade,
dade se mostra imprescindível para a preservação, frustra a teleologia do art. 97 da CF. Por isso, o ver-
por exemplo, de situações jurídicas formadas legiti- bete 10 da Súmula Vinculante considera nulo o acór-
mamente e com boa-fé. dão “que, embora não declare expressamente a in-
constitucionalidade de lei ou ato normativo do po-
ADI 954 ED, rel. min. Gilmar Mendes, DJE de 3-10- der público, afasta sua incidência, no todo ou em
2018. parte”.
(Informativo 907, Plenário)
Isso não significa que os órgãos fracionários es-
tejam proibidos de interpretar a legislação ordinária,
com ou sem referência à Constituição. A aplicação
do direito pressupõe a definição do seu sentido e al-
cance. Essa é a atividade cotidiana dos tribunais e de
seus órgãos fracionários.
Não se admite, contudo, o afastamento do ato
normativo sem observância da cláusula de reserva
de plenário.
Diante disso, se determinada decisão considera
ilícita a terceirização, sob o argumento de que
abrangeria a atividade-fim da concessionária de ser-
viço público, ela não deixa qualquer espaço para a
aplicação da expressão “atividades inerentes”, pre-
vista no art. 25, § 1º, da Lei 8.987/1995186. Desse

185 “Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, art. 97) serviço concedido, cabendo-lhe responder por todos os
a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou
não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei a terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão
ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, competente exclua ou atenue essa responsabilidade. §
no todo ou em parte.” 1º Sem prejuízo da responsabilidade a que se refere este
186 “Art. 25. Incumbe à concessionária a execução do artigo, a concessionária poderá contratar com terceiros o

60
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

modo, afasta integralmente o comando legal que ORGANIZAÇÃO DOS PODERES


permite a terceirização, pelas concessionárias de
serviço público, de atividades inerentes ao serviço PODER JUDICIÁRIO
concedido. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Rcl 27.068 AgR, red. p/ o ac. min. Roberto Barroso,
DJE de 8-8-2018. É aparentemente cabível o controle, pela via da ar-
(Informativo 896, Primeira Turma) guição de descumprimento de preceito fundamental
(ADPF), de decisões judiciais destinadas ao bloqueio,
arresto, penhora, sequestro e liberação de valores
em contas do Poder Executivo estadual para fins de
alteração da destinação orçamentária de recursos
públicos, nos casos em que as medidas constritivas
determinadas tenham recaído sobre recursos escri-
turados, com vinculação orçamentária específica ou
vinculados a convênios e operações de crédito, valo-
res de terceiros sob a administração do Poder Execu-
tivo e valores constitucionalmente destinados aos
Municípios.

Essa ação constitucional tem por objeto evitar


ou reparar lesões a preceitos fundamentais resul-
tantes de atos do poder público.187 O descumpri-
mento de preceito fundamental acionador do meca-
nismo de defesa da ordem constitucional se mani-
festa na contrariedade às linhas mestras da Consti-
tuição Federal (CF), pilares de sustentação, explíci-
tos ou implícitos, sem os quais a ordem jurídica de-
lineada pelo poder constituinte ficaria desfigurada
de sua própria identidade.
Ademais, a aparente usurpação de competên-
cias constitucionais reservadas ao Poder Executivo
(exercer a direção da Administração) e ao Poder Le-
gislativo (autorizar a transposição, o remaneja-
mento ou a transferência de recursos de uma cate-
goria de programação para outra ou de um órgão
para outro) sugere lesão aos arts. 2º188; 84, II189; e
167, VI e X, da CF190.
Assim, eventual lesão ao postulado da separação
e independência entre os Poderes, ao princípio da
igualdade ou ao princípio federativo desfigura a es-
sência do regime constitucional pátrio. O mesmo

desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou dente da República: (...) II – exercer, com o auxílio dos Mi-
complementares ao serviço concedido, bem como a im- nistros de Estado, a direção superior da administração fe-
plementação de projetos associados.” deral.”
187 Lei 9.882/1999, art. 1º. “A arguição prevista no § 190 CF, art. 167. “São vedados: (...) VI – a transposição,

1º do art. 102 da Constituição Federal será proposta pe- o remanejamento ou a transferência de recursos de uma
rante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar categoria de programação para outra ou de um órgão
ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de para outro, sem prévia autorização legislativa; (...) X – a
ato do Poder Público.” transferência voluntária de recursos e a concessão de em-
188 CF, art. 2º. “São Poderes da União, independentes préstimos, inclusive por antecipação de receita, pelos Go-
e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judi- vernos Federal e Estaduais e suas instituições financeiras,
ciário.” para pagamento de despesas com pessoal ativo, inativo e
189 CF, art. 84. “Compete privativamente ao Presi- pensionista, dos Estados, do Distrito Federal e dos Muni-
cípios.”

61
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

pode ser dito da garantia de continuidade dos servi- margem de discricionariedade do Executivo na exe-
ços públicos, na medida em que assumem instru- cução das despesas sugere indevida interferência do
mentos particularmente relevantes de distribuição Judiciário na administração do orçamento e na defi-
de direitos materiais subjetivos, notadamente os de nição das prioridades na execução das políticas pú-
natureza prestacional. blicas.
Os princípios e regras do sistema orçamentário e Além de comprometer a autonomia administra-
o regime de repartição de receitas tributárias, assim tiva do Estado, por retirar do Executivo os meios es-
como a garantia de pagamentos devidos pela Fa- senciais à alocação de recursos financeiros, a proli-
zenda Pública em ordem cronológica de apresenta- feração de decisões judiciais determinando constri-
ção de precatórios, têm relação com a efetividade ções imediatas, em descompasso com o crono-
do modelo de organização da Administração Pública grama de desembolso orçamentário, parece colocar
preconizado pela Constituição e, em alguma dimen- alguns credores em situação mais vantajosa do que
são, com a interação entre os Poderes e a dinâmica outros em igual posição fática e jurídica, quebrando
do modelo federativo. a isonomia.
A tutela sobre o descumprimento de preceito Não se trata de defender restrição ao direito fun-
fundamental alcança um universo de comporta- damental de acesso ao Judiciário e à ampla liber-
mentos estatais mais amplo do que a de inconstitu- dade da magistratura de decidir as lides de acordo
cionalidade, a abranger a lesão à Constituição resul- com sua convicção. É, entretanto, incabível que de-
tante de ato do poder público outro que não apenas cisões judiciais façam determinação de bloqueio,
a lei ou ato normativo, sempre que traduza efetivo penhora, arresto e sequestro que afrontem expres-
e material descumprimento da Constituição. samente os dispositivos constitucionais citados.
Por isso, é admissível a ADPF para evitar ou repa- ADPF 405 MC, rel. min. Rosa Weber, DJE de 5-2-
rar lesão a preceito fundamental decorrente direta- 2018.
mente de decisão judicial ou de interpretação con- (Informativo 869, Plenário)
ferida pelo Poder Judiciário a determinada contro-
vérsia de matiz constitucional.
Ademais, são insuficientes os meios processuais
ordinários para imprimir solução satisfatória a con-
trovérsia semelhante. Deve-se ter em consideração
a eficácia típica dos processos objetivos de proteção
da ordem constitucional (eficácia erga omnes e
efeito vinculante). Satisfeito, portanto, o requisito
da subsidiariedade.
Por sua vez, decisões judiciais voltadas a trans-
por recursos públicos para pagamento de determi-
nada obrigação podem alcançar recursos de tercei-
ros, escriturados contabilmente, individualizados ou
com vinculação orçamentária específica. Tais cons-
trições não são conciliáveis com as vedações conti-
das no art. 167, VI e X, da CF.
Se não é permitido ao Executivo movimentar re-
cursos de uma programação orçamentária para ou-
tra ou de um órgão para outro, sem prévia autoriza-
ção legislativa, tampouco é dado ao Judiciário fazê-
lo, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade or-
çamentária, o que significa lesão às opções de gasto
público realizadas pelo povo, por meio de seus re-
presentantes eleitos.
Ainda que seja passível de tutela jurisdicional a
realização de políticas públicas, em especial para
atender mandamentos constitucionais e assegurar
direitos fundamentais, a subtração de qualquer

62
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

ORGANIZAÇÃO DOS PODERES ORGANIZAÇÃO DOS PODERES


PODER JUDICIÁRIO PODER JUDICIÁRIO
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

Não cabe mandado de segurança contra decisão do A deliberação do CNJ que determina aos tribunais de
CNJ que negou o pedido de desmembramento de justiça que enviem projeto de lei tendente à adequa-
Procedimento de Controle Administrativo (PCA) en- ção da legislação local sobre a majoração do percen-
volvendo elevado número de interessados em proce- tual de férias referido no art. 7º, XVII, da CF191 ao re-
dimentos individuais. gramento nacional não viola a autonomia dos tribu-
nais locais.
Como regra geral, o controle dos atos do CNJ
pelo Supremo Tribunal Federal (STF) somente se jus- Não há, no caso, reserva de iniciativa da matéria
tifica nas hipóteses de (i) inobservância do devido aos tribunais locais, uma vez que os direitos da ma-
processo legal; (ii) exorbitância das competências do gistratura, entre os quais o direito ao abono de fé-
Conselho; e (iii) injuridicidade ou manifesta irrazoa- rias, são matéria de regramento nacional uniforme.
bilidade do ato impugnado. Não identificadas qual-
Com efeito, “o rol inscrito no art. 65 da Lei Orgâ-
quer dessas hipóteses, não cabe a intervenção do
nica da Magistratura Nacional (Loman)192 reveste-se
STF.
de taxatividade, encerrando, por isso mesmo, no
Ademais, não há necessária violação ao devido que se refere às vantagens pecuniárias titularizáveis
processo legal, ao contraditório e à ampla defesa por quaisquer magistrados, verdadeiro numerus
pela circunstância de o PCA contar com número ele- clausus, a significar, desse modo, que não se legi-
vado de partes interessadas. O prejuízo à defesa tima a percepção, pelos juízes, de qualquer outra
deve ser analisado concretamente, à luz das especi- vantagem pecuniária que não se ache expressa-
ficidades do caso. mente relacionada na norma legal em questão”. 193
MS 28.495, red. p/ o ac. min. Roberto Barroso, DJE Sob essa perspectiva, não é dada à legislação lo-
de 17-12-2018. cal, nem mesmo à Constituição estadual, contrapor-
(Informativo 923, Primeira Turma) se às previsões da Loman, a qual regula até mesmo
matéria de competência reservada à iniciativa do
Supremo Tribunal Federal.194 e 195
MS 31.667 AgR, rel. min. Dias Toffoli, DJE de 23-11-
2018
(Informativo 915, Segunda Turma)

191 CF/1988: “Art. 7º São direitos dos trabalhadores de serviço, até o máximo de sete; IX – gratificação de ma-
urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de gistério, por aula proferida em curso oficial de preparação
sua condição social: (...) XVII – gozo de férias anuais remu- para a Magistratura ou em Escola Oficial de Aperfeiçoa-
neradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salá- mento de Magistrados (arts. 78, § 1º, e 87, § 1º), exceto
rio normal;” quando receba remuneração específica para esta ativi-
192 LC 35/1979: “Art. 65. Além dos vencimentos, po- dade; X – gratificação pelo efetivo exercício em Comarca
derão ser outorgadas aos magistrados, nos termos da lei, de difícil provimento, assim definida e indicada em lei. §
as seguintes vantagens: I – ajuda de custo, para despesas 1º A verba de representação, salvo quando concedida em
de transporte e mudança; II – ajuda de custo, para mora- razão do exercício de cargo em função temporária, integra
dia, nas localidades em que não houver residência oficial os vencimentos para todos os efeitos legais. § 2º É vedada
à disposição do Magistrado. III – salário-família; IV – diá- a concessão de adicionais ou vantagens pecuniárias não
rias; V – representação; VI – gratificação pela prestação de previstas na presente Lei, bem como em bases e limites
serviço à Justiça Eleitoral; VII – gratificação pela prestação superiores aos nela fixados.”
de serviço à Justiça do Trabalho, nas Comarcas onde não 193 AO 820 AgR, rel. min. Celso de Mello, 2ª T.

forem instituídas Juntas de Conciliação e Julgamento; VIII 194 MS 31.667, rel. min. Dias Toffoli, decisão monocrá-

– gratificação adicional de cinco por cento por quinquênio tica.


195 ADI 202, rel. min. Octavio Gallotti, P.

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FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

ORGANIZAÇÃO DOS PODERES ORGANIZAÇÃO DOS PODERES


PODER JUDICIÁRIO PODER JUDICIÁRIO
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

Não há ilegalidade em decisão do Conselho Nacional Ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no âmbito ad-
de Justiça (CNJ) que (i) anula o julgamento do Pro- ministrativo, é defeso substituir o critério valorativo
cesso Administrativo Disciplinar realizado no tribunal para escolha e correção das questões pela banca exa-
de origem, em que se aplicou a penalidade de apo- minadora em concursos públicos.
sentadoria compulsória a magistrado; (ii) avoca o
processo para posterior julgamento pelo CNJ; e (iii) É vedado ao CNJ, assim como ao Poder Judiciá-
mantém o afastamento cautelar do magistrado. rio, interferir na esfera da Administração para valo-
rar os critérios adotados pela comissão de concurso.
O CNJ possui competência constitucional para O órgão não pode apreciar matéria referente ao
avocar processos disciplinares em curso (CF, art. conteúdo de questões, mas somente verificar e jul-
103-B, § 4º, III), assim como para rever, de ofício ou gar a constitucionalidade, legalidade e infringência
mediante provocação, os processos disciplinares de dos processos seletivos.
juízes e membros de tribunais julgados há menos de
No entanto, a discricionariedade da banca de
um ano (CF, art. 103-B, § 4º, V196).
concurso não poderá confundir-se com arbitrarie-
Ademais, como regra geral, o controle dos atos dade, em desrespeito aos princípios constitucionais
do CNJ pelo Supremo Tribunal Federal somente se da administração pública, possibilitando, somente
justifica nas hipóteses de (i) inobservância do devido nessas hipóteses, plena revisão pelo CNJ.
processo legal; (ii) exorbitância das competências do
Consectariamente, tendo-se em vista que a de-
Conselho; e (iii) injuridicidade ou manifesta irrazoa-
legação do exercício do serviço notarial e de registro
bilidade do ato impugnado.
não é privativa de bacharel em direito,197 e 198, re-
MS 35.100, red. p/ o ac. min. Roberto Barroso, DJE vela-se legítima a atuação do CNJ que aplica inter-
de 15-6-2018. pretação pacífica e reiterada no sentido da inviabili-
(Informativo 901, Primeira Turma) dade dos Tribunais locais atribuírem pontos aos can-
didatos que exerceram delegação de serviços nota-
riais e/ou registrais por prazo inferior a 10 anos, nos
termos da Resolução CNJ 81/2009.
MS 33.527, red. p/ o ac. min. Alexandre de Moraes,
DJE de 25-4-2018.
(Informativo 895, Primeira Turma)

196 CF, art. 103-B. “O Conselho Nacional de Justiça 197 Lei 8.935/1994, art. 15, § 2º. “Os concursos serão

compõe-se de 15 (quinze) membros com mandato de 2 realizados pelo Poder Judiciário, com a participação, em
(dois) anos, admitida 1 (uma) recondução, sendo: (...). § todas as suas fases, da Ordem dos Advogados do Brasil, do
4º Compete ao Conselho o controle da atuação adminis- Ministério Público, de um notário e de um registrador. (...)
trativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento §2º Ao concurso público poderão concorrer candidatos
dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de não bacharéis em direito que tenham completado, até a
outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto data da primeira publicação do edital do concurso de pro-
da Magistratura: (...) V – rever, de ofício ou mediante pro- vas e títulos, dez anos de exercício em serviço notarial ou
vocação, os processos disciplinares de juízes e membros de registro.”
de tribunais julgados há menos de um ano;” 198 ADI 4.178 MC-REF, rel. min. Cezar Peluso, P.

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FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

ORGANIZAÇÃO DOS PODERES ORGANIZAÇÃO DOS PODERES


PODER JUDICIÁRIO PODER JUDICIÁRIO
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA JUSTIÇA COMUM FEDERAL

É inaplicável o parâmetro temporal inserto no art. Compete à Justiça comum federal processar e julgar
103-B, § 4º, V, da Constituição Federal199 nos casos ação de complementação de aposentadoria prevista
em que a atuação do Conselho Nacional de Justiça nas Leis 8.186/1991 e 10.478/2002, proposta em
decorre do exercício de competência correicional ori- face da União por pensionista de funcionário de em-
ginária, não revisional. presa sucedida pela Rede Ferroviária Federal S.A.
(RFFSA).
Essa competência é autônoma. Não se trata de
atuação subsidiária frente aos órgãos de correição Em caso de ações propostas contra a União por
local, mas sim de competência concorrente, de aposentados ou pensionistas de funcionários da an-
modo que seu exercício não se submete a condicio- tiga Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA), de suas
nantes relativas ao desempenho da competência subsidiárias ou de empresas que foram por ela suce-
disciplinar pelos tribunais locais200. didas, nas quais se pretende complementação de
aposentadoria, o vínculo existente entre as partes
MS 34.685 AgR, rel. min. Dias Toffoli, DJE de 23-3-
ostenta natureza jurídico-administrativa, conforme
2018.
previsto no art. 1º da Lei 8.186/1991201 e no art. 1º
(Informativo 886, Segunda Turma)
da Lei 10.478/2002202 e 203.
Diante disso, ofende a autoridade do acórdão
proferido na ADI 3.395 MC a decisão que considera
competente a Justiça do Trabalho para processar e
julgar a demanda de origem.
Rcl 24.990 AgR, red. p/ o ac. min. Roberto Barroso,
DJE de 21-6-2018.
(Informativo 895, Primeira Turma)

199 CF, art. 103-B. “O Conselho Nacional de Justiça de outubro de 1969, na Rede Ferroviária Federal S.A.
compõe-se de 15 (quinze) membros com mandato de 2 (RFFSA), constituída ex-vi da Lei n. 3.115, de 16 de março
(dois) anos, admitida 1 (uma) recondução, sendo: (...) § 4º de 1957, suas estradas de ferro, unidades operacionais e
Compete ao Conselho o controle da atuação administra- subsidiárias.”
tiva e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento 202 Lei 10.478/2002, art. 1o. “Fica estendido, a partir

dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de do 1o de abril de 2002, aos ferroviários admitidos até 21
outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto de maio de 1991 pela Rede Ferroviária Federal S.A. –
da Magistratura: (...) V – rever, de ofício ou mediante pro- RFFSA, em liquidação, constituída ex vi da Lei n. 3.115, de
vocação, os processos disciplinares de juízes e membros 16 de março de 1957, suas estradas de ferro, unidades
de tribunais julgados há menos de um ano;” operacionais e subsidiárias, o direito à complementação
200 MS 32.581 AgR, rel. min. Edson Fachin, 1ª T; MS de aposentadoria na forma do disposto na Lei n. 8.186, de
28.353 AgR, rel. min. Luiz Fux, 1ª T; e MS 29.187 AgR, rel. 21 de maio de 1991.”
min. Dias Toffoli, P. 203 Rcl 23.961 AgR, rel. min. Edson Fachin, 1ª T; Rcl
201 Lei 8.186/1991, art. 1º. “É garantida a complemen- 13.780 ED, rel. min. Luiz Fux, 1ª T; Rcl 18.671 AgR, rel. min.
tação da aposentadoria paga na forma da Lei Orgânica da Roberto Barroso, 1ª T.
Previdência Social (LOPS) aos ferroviários admitidos até 31

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FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

ORGANIZAÇÃO DOS PODERES ORGANIZAÇÃO DOS PODERES


PODER JUDICIÁRIO PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA MILITAR JUSTIÇA COMUM

A Justiça Militar é competente para processar e jul- Compete à Justiça comum o julgamento de conflito a
gar, pelo crime previsto no art. 312 do Código Penal envolver a incidência de contribuição previdenciária
Militar (CPM) (falsidade ideológica), o agente que, na sobre complementação de proventos de aposenta-
qualidade de militar em serviço, atesta falsamente a doria.
regularidade técnica para navegação de embarca-
ções civis. O alcance da competência da Justiça do Traba-
lho revela-se a partir de critérios de Direito estrito.
A conduta, perpetrada por militar em serviço, O conflito que diz respeito a incidência de contribui-
por se tratar de atividade típica da Marinha, desvir- ção social não está relacionado à obtenção de verba
tua o procedimento atinente à obtenção do docu- de natureza trabalhista.
mento.
A definição da controvérsia, que depende da
O crime tem natureza formal e é praticado em identificação dos sujeitos da exação, considerados
detrimento da fé pública militar, colocando em risco os parâmetros estabelecidos pelo instituidor do tri-
a segurança do tráfego aquaviário. buto, é questão de natureza exclusivamente tributá-
ria.
Incidem, no caso, os arts. 9º, II, e204, do CPM e
124205 da Constituição Federal. RE 594.435, rel. min. Marco Aurélio, repercussão ge-
ral, Tema 149.
HC 110.233, red. p/ o ac. min. Marco Aurélio, DJE de
(Informativo 903, Plenário)
1º-2-2018.
(Informativo 881, Primeira Turma)

204 CPM, art. 9º. “Consideram-se crimes militares, em 205 CF, art. 124. “À Justiça Militar compete processar e

tempo de paz: (...) II – os crimes previstos neste Código e julgar os crimes militares definidos em lei. Parágrafo
os previstos na legislação penal, quando praticados: (...) e) único. A lei disporá sobre a organização, o funcionamento
por militar em situação de atividade, ou assemelhado, e a competência da Justiça Militar.”
contra o patrimônio sob a administração militar, ou a or-
dem administrativa militar.”

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FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

ORGANIZAÇÃO DOS PODERES ORGANIZAÇÃO DOS PODERES


PODER JUDICIÁRIO FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA
JUSTIÇA COMUM MINISTÉRIO PÚBLICO

À Justiça comum compete conhecer de pedido apre- A autonomia financeira é uma das garantias do livre
sentado por trabalhador contratado sob o regime da exercício das funções institucionais do Ministério Pú-
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mas regido blico (MP), embora não conste expressamente do
por lei que instituiu o regime estatutário no âmbito art. 127, § 2º207, da Constituição Federal (CF).
do ente público, com o objetivo de receber diferen-
ças salariais originadas no primeiro período. A falta da expressão “autonomia financeira” no
texto constitucional não invalida a construção inter-
A fixação da esfera jurisdicional competente pretativa de sua efetiva existência como garantia do
para conhecer de lide envolvendo o poder público livre exercício das funções institucionais do MP.
está pautada na natureza do vínculo existente com
Se não detivesse essa autonomia, o MP careceria
o trabalhador. É competência da Justiça comum pro-
de competência para a formulação de sua proposta
nunciar-se sobre a existência, a validade e a eficácia
orçamentária (CF, art. 127, § 3º208) e da gestão dos
das relações entre servidores e o poder público ba-
correspondentes recursos209.
seadas em vínculo jurídico-administrativo, não des-
caracterizando essa competência os pedidos funda- Portanto, são constitucionais os arts. 135, caput
dos na CLT ou no Fundo de Garantia do Tempo de e I210, e 136211 da Constituição do Estado do Ceará.
Serviço206.
ADI 145, rel. min. Dias Toffoli, DJE de 10-8-2018.
Rcl 26.064 AgR, red. p/ o ac. min. Dias Toffoli, DJE de (Informativo 907, Plenário)
21-2-2018.
(Informativo 885, Segunda Turma)

206 Rcl 8.110 AgR, red. p/ o ac. min. Cármen Lúcia, P; sua proposta orçamentária dentro dos limites estabeleci-
Rcl 5.924 AgR, rel. min. Eros Grau, P; Rcl 7.208 AgR, red. dos na lei de diretrizes orçamentárias.”
p/ o ac. min. Cármen Lúcia, P; e Rcl 7.039 AgR, rel. min. 209 ADI 63, rel. min. Ilmar Galvão, P; ADI 603, rel. min.

Cármen Lúcia, P. Eros Grau, P; ADO 6, rel. min. Ricardo Lewandowski, P.


207 “Art. 127. O Ministério Público é instituição perma- 210 “Art. 135. Ao Ministério Público é assegurada auto-

nente, essencial à função jurisdicional do Estado, incum- nomia funcional, administrativa e financeira, cabendo-lhe,
bindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrá- através do Procurador-Geral da Justiça: I – propor ao Po-
tico e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. (...) der Legislativo a criação e a extinção dos cargos e serviços
§ 2º Ao Ministério Público é assegurada autonomia funci- auxiliares, a fixação dos vencimentos dos membros e dos
onal e administrativa, podendo, observado o disposto no servidores de seus órgãos auxiliares.”
art. 169, propor ao Poder Legislativo a criação e extinção 211 “Art. 136. O Ministério Público elaborará a sua pro-

de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por con- posta orçamentária dentro dos limites estabelecidos pela
curso público de provas ou de provas e títulos, a política Lei de Diretrizes Orçamentárias, sendo-lhe repassados os
remuneratória e os planos de carreira; a lei disporá sobre recursos correspondentes às suas dotações até o dia vinte
sua organização e funcionamento.” de cada mês”.
208 “Art. 127. (...) § 3º O Ministério Público elaborará

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FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

ORGANIZAÇÃO DOS PODERES ORGANIZAÇÃO DOS PODERES


FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA
MINISTÉRIO PÚBLICO MINISTÉRIO PÚBLICO

Os membros do Ministério Público da União (MPU) Membro do Ministério Público em atividade não
devem ser processados e julgados no tribunal pe- pode integrar órgão de assessoramento do Execu-
rante o qual atuavam na época dos fatos. tivo.

O art. 108, I, a, da Constituição Federal212 deve A função é estranha ao papel institucional dele-
ser interpretado de modo a abranger os membros gado aos membros do Ministério Público214.
do MPU. Estes, diversamente dos juízes federais,
Diante disso, foi declarado inconstitucional o art.
não estão vinculados necessariamente a um dos tri-
15, V, da LC 107/2003 do Estado do Rio de Ja-
bunais regionais federais.
neiro215.
Assim, a competência para processar e julgar
ADI 2.877, red. p/ o ac. min. Cármen Lúcia, DJE de 6-
procurador da República será do Tribunal Regional
8-2018.
Federal perante o qual atuava à época dos fatos,
(Informativo 893, Plenário)
pois definida pelo critério ratione loci213, em conju-
gação com a prerrogativa de foro.
Pet 7.063, red. p/ o ac. min. Ricardo Lewandowski,
DJE de 6-2-2018.
(Informativo 871, Segunda Turma)

212 CF, art. 108. “Compete aos Tribunais Regionais Fe- 214 Fundamentação extraída do voto do ministro Cezar

derais: I – processar e julgar, originariamente: a) os juízes Peluso.


federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça 215 “Art. 15. O art. 105 da Lei Complementar n. 69, de

Militar e da Justiça do Trabalho, nos crimes comuns e de 19 de novembro de 1990, passa a vigorar com a seguinte
responsabilidade, e os membros do Ministério Público da redação: ‘Art. 105. O Conselho Superior da Fiscalização
União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral.” Tributária, órgão de assessoramento do Secretário da Se-
213 CPP, art. 70. “A competência será, de regra, deter- cretaria de Estado competente para a fiscalização e arre-
minada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no cadação tributárias, obedecerá à seguinte composição:
caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último (...) V – um representante do Ministério Público ativo’;”
ato de execução.”

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FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

ORGANIZAÇÃO DOS PODERES de todo o ente federativo. Nesse caso, há uma prer-
rogativa institucional de ordem pública dos procura-
FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA dores dos Estados-membros e do Distrito Federal
ADVOCACIA PÚBLICA que encontra assento na própria CF e, por isso, “não
pode, por isso mesmo, comportar exceções nem so-
frer derrogações que o texto constitucional sequer
É inconstitucional norma estadual que estabelece autorizou ou previu”218.
que o governador do Estado deve encaminhar à As-
sembleia Legislativa projeto de lei dispondo sobre a Nessa ótica, os procuradores dos Estados-mem-
organização e o funcionamento da Procuradoria-Ge- bros e Distrito Federal “hão de ser organizados em
ral do Estado e das procuradorias autárquicas. carreira dentro de uma estrutura administrativa uni-
tária em que sejam todos congregados, ressalvado o
Admitir, de forma geral e para o futuro, que exis- disposto no art. 69219 do ADCT, que autoriza os Esta-
tam órgãos jurídicos, no âmbito das autarquias e dos a manter Consultorias Jurídicas separadas de
fundações, distintos da Procuradoria-Geral do Es- suas Procuradorias-Gerais ou Advocacias-Gerais,
tado afronta o modelo constitucional da advocacia desde que, na data da promulgação da Constituição,
pública. tenham órgãos distintos para as respectivas fun-
ções”220.
À Advocacia-Geral da União, prevista no art.
131216 da Constituição Federal (CF), conferiu-se a re- Tal regra transitória deixou evidente que, após a
presentação judicial e extrajudicial da União, direta- CF/1988, não seria mais possível a criação de órgãos
mente ou através de órgão vinculado, cabendo-lhe, jurídicos distintos da Procuradoria-Geral do Estado,
nos termos da lei complementar que dispuser sobre sendo admitida apenas a manutenção daquelas con-
sua organização e funcionamento, as atividades de sultorias jurídicas já existentes quando da promulga-
consultoria e assessoramento jurídico do Poder Exe- ção da Carta. Trata-se de exceção direcionada a si-
cutivo. tuações concretas e do passado, que, por essa ra-
zão, deve ser interpretada restritivamente, inclusive
Diversamente, o art. 132217 da CF estabeleceu
com atenção à diferença entre os termos “consulto-
um modelo de exercício exclusivo, pelos procurado-
ria jurídica” e “procuradoria jurídica”, uma vez que
res do Estado e do Distrito Federal, de toda a ativi-
essa última pode englobar as atividades de consul-
dade jurídica das unidades federadas estaduais e
toria e representação judicial.
distrital – o que inclui as autarquias e as fundações
–, seja ela consultiva, seja contenciosa. Portanto, é inconstitucional a expressão “procu-
radorias autárquicas” contida no parágrafo único do
A previsão constitucional, também conhecida
art. 152221 da Constituição do Estado do Ceará.
como princípio da unicidade da representação judi-
cial e da consultoria jurídica dos Estados e do Dis- ADI 145, rel. min. Dias Toffoli, DJE de 10-8-2018.
trito Federal, estabelece competência funcional ex- (Informativo 907, Plenário)
clusiva da Procuradoria-Geral do Estado.
Note-se que, distintamente da Advocacia-Geral
da União, a consultoria jurídica prestada pelas pro-
curadorias dos Estados-membros e do Distrito Fede-
ral, como determina o art. 132 da Carta Magna, não
se restringe ao Poder Executivo, englobando tanto a
representação judicial quanto a consultoria jurídica

216 Art. 131. “A Advocacia-Geral da União é a institui- 219 Art. 69. “Será permitido aos Estados manter con-

ção que, diretamente ou através de órgão vinculado, re- sultorias jurídicas separadas de suas Procuradorias-Gerais
presenta a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo- ou Advocacias-Gerais, desde que, na data da promulgação
lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre da Constituição, tenham órgãos distintos para as respecti-
sua organização e funcionamento, as atividades de con- vas funções”.
sultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo”. 220 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à
217 Art. 132. “Os Procuradores dos Estados e do Dis- Constituição. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 611.
trito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso 221 Art. 152. “(…) Parágrafo único. O Governador do

dependerá de concurso público de provas e títulos, com a Estado, no prazo de cento e vinte dias, contado a partir da
participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas promulgação desta Constituição, encaminhará à Assem-
as suas fases, exercerão a representação judicial e a con- bleia Legislativa projetos de lei, dispondo sobre a organi-
sultoria jurídica das respectivas unidades federadas”. zação e o funcionamento da Procuradoria-Geral do Estado
218 ADI 881 MC, rel. min. Celso de Mello, P. e das procuradorias autárquicas”.

69
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

ORGANIZAÇÃO DOS PODERES


FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA
DEFENSORIA PÚBLICA

É inconstitucional norma estadual que prevê a aplica-


ção aos defensores públicos do regime de garantias,
vencimentos, vantagens e impedimentos do Ministé-
rio Público (MP) e da Procuradoria-Geral do Es-
tado222.

Apesar de ambas as funções serem consideradas


essenciais à Justiça, os estatutos jurídicos das carrei-
ras do Ministério Público e da Defensoria Pública fo-
ram tratados de forma diversa pelo texto constituci-
onal originário (CF, art. 134, parágrafo único223). O
modelo federal que disciplina as prerrogativas des-
sas instituições deve ser observado pelos Estados-
membros224.
Por sua vez, a equivalência remuneratória entre
as carreiras encontra óbice no art. 37, XIII225, da
Constituição Federal (CF), que veda a equiparação
ou a vinculação remuneratória.
Outrossim, a previsão original do art. 39, § 1º 226,
da CF, que assegurava a isonomia remuneratória en-
tre os servidores de atribuições iguais ou assemelha-
das, não poderia ser invocada a favor dos defenso-
res públicos, tendo por paradigma os membros do
MP, em razão da autonomia financeira de que goza
a entidade, da qual, à época, ainda não dispunham
as defensorias públicas estaduais, o que somente foi
assegurado com o advento da Emenda Constitucio-
nal 45/2004 (CF, art. 134, § 2º227)228.
ADI 145, rel. min. Dias Toffoli, DJE de 10-8-2018.
(Informativo 907, Plenário)

222 Constituição do Estado do Ceará, art. 147. “(…) § 1º legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e efi-
São aplicáveis aos Defensores Públicos o regime de garan- ciência e, também, ao seguinte: (...) XIII – é vedada a vin-
tias, vencimentos, vantagens e impedimentos do Ministé- culação ou equiparação de quaisquer espécies remunera-
rio Público e da Procuradoria-Geral do Estado”. tórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço
223 “Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essen- público;”
cial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a ori- 226 “Art. 39. (...) § 1º A lei assegurará, aos servidores

entação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos neces- da administração direta, isonomia de vencimentos para
sitados, na forma do art. 5º, LXXIV. Parágrafo único. Lei cargos de atribuições iguais ou assemelhados do mesmo
complementar organizará a Defensoria Pública da União e Poder ou entre servidores dos Poderes Executivo, Legisla-
do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas tivo e Judiciário, ressalvadas as vantagens de caráter indi-
gerais para sua organização nos Estados, em cargos de vidual e as relativas à natureza ou ao local de trabalho.”
carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso pú- (Redação originária)
blico de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a 227 “Art. 134. (...) § 2º Às Defensorias Públicas Estadu-

garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advo- ais são asseguradas autonomia funcional e administrativa
cacia fora das atribuições institucionais.” (Redação origi- e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos li-
nária) mites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e
224 ADI 514 MC, rel. min. Celso de Mello, P. subordinação ao disposto no art. 99, § 2º.”
225 “Art. 37. A administração pública direta e indireta 228 ADI 171, red. p/ o ac. min. Sepúlveda Pertence, P.

de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Dis-


trito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de

70
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

TRIBUTAÇÃO E ORÇAMENTO que foi justamente o de promover o pagamento vo-


luntário dos débitos relativos à Cofins por parte do
SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL contribuinte que ainda não havia adimplido as suas
LIMITAÇÕES DO PODER DE TRIBUTAR – REPERCUS- obrigações.
SÃO GERAL Nesse ponto, cabe destacar que o regime jurí-
dico do depósito judicial para suspensão da exigibi-
Não viola o princípio da isonomia e o livre acesso à lidade do crédito tributário, como faculdade do con-
jurisdição a restrição de ingresso no parcelamento de tribuinte, impõe que o montante depositado no
dívida relativa à Contribuição para o Financiamento bojo da ação judicial se torne litigioso, permane-
da Seguridade Social (COFINS), instituída pela Porta- cendo à sorte do resultado da ação. Consectaria-
ria 655/1993229, dos contribuintes que questionaram mente, o montante depositado resta indisponível
o tributo em juízo com depósito judicial dos débitos para ambas as partes enquanto durar o litígio, posto
tributários. garantia da dívida sub judice233. Assim, os contribu-
intes que efetuaram depósitos em juízo de valores
O princípio da isonomia, refletido no sistema relativos a débitos da Cofins se equiparam àqueles
constitucional tributário (CF, art. 5º, caput230 c/c que adimpliram as suas obrigações, efetuando o pa-
art. 150, II231), não se resume ao tratamento igua- gamento do crédito tributário, porquanto o mon-
litário em toda e qualquer situação jurídica, mas tante depositado fica condicionado ao resultado da
também ampara a implementação de medidas com ação.
o escopo de minorar os fatores discriminatórios Nesse contexto, o critério de desigualação ado-
existentes, impondo, por vezes, tratamento desigual tado pela Portaria 655/1993 está em consonância
em circunstâncias específicas e que militam em prol com os interesses protegidos pela Constituição Fe-
da igualdade. deral. Afinal, prestigia a racionalização na cobrança
A isonomia sob o ângulo da desigualação re- do crédito público, consubstanciando solução admi-
clama correlação lógica entre o fator de discrímen e nistrativa que evita o ajuizamento de demandas des-
a desequiparação procedida que justifique os inte- necessárias e estimula o contribuinte em situação ir-
resses protegidos na Constituição. Uma norma se regular ao cumprimento de suas obrigações.
revela antijurídica, ante as discriminações injustifi- Houvesse a Fazenda Pública editado parcela-
cadas no seu conteúdo intrínseco, encerrando dis- mento que eximisse o sujeito passivo dos encargos
tinções não balizadas por critérios objetivos e racio- relativos a mora, aí, sim, tal medida importaria em
nais adequados ao fim visado pela diferenciação. ofensa à isonomia. Não por distinguir contribuintes
O fator de desigualação prestigiado pela Portaria em situações idênticas, mas, ao contrário, por não
655/1993 é genérico, aplicando-se a todas as situa- distinguir duas situações completamente diferen-
ções nela mencionadas, ou seja, nenhum contribu- tes: a do contribuinte que voluntariamente efetuou
inte com depósito judicial relativo à Cofins poderá o depósito judicial do débito, ficando imune aos con-
aderir ao parcelamento. Não há restrição aos contri- sectários legais decorrentes da mora, e a do contri-
buintes que ingressaram em juízo em detrimento buinte que se quedou inerte em relação aos débitos
dos demais; nem, tampouco, a restrição se dirige de Cofins que possuía com o Fisco.
aos contribuintes depositantes, mas, sim, aos valo- Por fim, não há que falar, igualmente, em ofensa
res objeto de depósito judicial232. O discrímen ado-
tado pela mencionada portaria guarda estrita rela-
ção de pertinência lógica com o objetivo pretendido,

229 Portaria 655/1993 do Ministério da Fazenda, art. propriedade, nos termos seguintes:”
1º “Os débitos para com a Fazenda Nacional, decorrentes 231 CF, art. 150. “Sem prejuízo de outras garantias as-

da Contribuição para o Financiamento da Seguridade So- seguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados,
cial – COFINS, instituída pela Lei Complementar n. 70, de ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) II – instituir tra-
30 de dezembro de 1991, vencidos até 30 de novembro tamento desigual entre contribuintes que se encontrem
de 1993, poderão ser objeto de parcelamento em até oi- em situação equivalente, proibida qualquer distinção em
tenta prestações mensais e sucessivas, se requerido até razão de ocupação profissional ou função por eles exer-
15 de março de 1994. (…) Art. 4º Os débitos que forem cida, independentemente da denominação jurídica dos
objeto de depósito judicial não poderão ser parcelados.” rendimentos, títulos ou direitos;”
230 CF, art. 5º. “Todos são iguais perante a lei, sem dis- 232 RE 353.486, rel. min. Ayres Britto, decisão mono-

tinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros crática.


e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do 233 ADI 1.933, rel. min. Eros Grau, P.

direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

71
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

ao livre acesso à Justiça (CF, art. 5º, XXXV234), porque TRIBUTAÇÃO E ORÇAMENTO
não se impõe o depósito judicial para o ingresso em
juízo. Caso o contribuinte tenha entrado em juízo e SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL
realizado o depósito do montante que entendera LIMITAÇÕES DO PODER DE TRIBUTAR
devido, subsistindo eventual saldo a pagar, pode
aderir ao parcelamento para sua quitação, inexis-
tindo, portanto, obstrução à garantia de acesso ao Inexiste imunidade relativa a tributos incidentes so-
Judiciário. bre a importação de máquina automática grampea-
deira.
RE 640.905, rel. min. Luiz Fux, DJE de 1º-2-2018, re-
percussão geral, Tema 573. A consagração da imunidade tributária prevista
(Informativo 851, Plenário) no art. 150, VI, d, da Constituição Federal (CF)235 visa
à garantia e efetivação da livre manifestação do pen-
samento, da cultura e da produção cultural, cientí-
fica e artística, sem possibilidade de criação de em-
pecilhos econômicos, via tributação, por parte do
Estado236, sendo extensível a qualquer outro mate-
rial assimilável a papel utilizado no processo de im-
pressão e à própria tinta especial para jornal237.
Entretanto, a imunidade não é aplicável aos
equipamentos do parque gráfico, que, evidente-
mente, não são assimiláveis ao papel de impres-
são238 ou aos serviços de composição gráfica que in-
tegram o processo de edição de livros239, mas não
guardam relação direta com a finalidade constituci-
onal.
A regra imunizante constante do art. 150, VI, d,
da CF não pode ser interpretada de modo amplo e
irrestrito, mas, sim, de forma a afastar a imunidade
de todo e qualquer produto, maquinário ou insumos
utilizados no processo de produção de livros, jornais
e periódicos240 e 241.
ARE 1.100.204 AgR, red. p/ o ac. min. Alexandre de
Moraes, DJE de 13-6-2018.
(Informativo 904, Primeira Turma)

234 CF, art. 5º. “Todos são iguais perante a lei, sem dis- ed. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 124; CARRAZA, Roque. Im-
tinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros portação de bíblias em fitas: sua imunidade exegese do
e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do art. 150, VI, d, da Constituição Federal. Revista Dialética
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à de Direito Tributário, n. 26, p. 125; COÊLHO, Sacha Calmon
propriedade, nos termos seguintes: (...) XXXV – a lei não Navarro. Comentários à Constituição de 1988. Rio de Ja-
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ame- neiro: Forense, 1989. p. 378 apud ministro Alexandre de
aça a direito;” Moraes em seu voto no julgamento do ARE 1.100.204
235 CF, art. 150. “Sem prejuízo de outras garantias as- AgR.
seguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, 237 RE 215.435, rel. min. Moreira Alves, 1ª T.

ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) VI – instituir im- 238 RE 215.798, rel. min. Ilmar Galvão, 1ª T.

postos sobre: (...) d) livros, jornais, periódicos e o papel 239 RE 230.782, rel. min. Ilmar Galvão, 1ª T.

destinado a sua impressão.” 240 RE 739.085 AgR, red. p/ o ac. min. Alexandre de
236 MELLO, Celso de. Constituição Federal anotada. 2. Moraes, 1ª T.
241 RE 202.149, rel. min. Celso de Mello, 1ª T.

72
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

TRIBUTAÇÃO E ORÇAMENTO não está voltada exclusivamente a finalidades cor-


porativas, mas, nos termos do art. 44, I, da lei245, tem
SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL por finalidade ‘defender a Constituição, a ordem ju-
LIMITAÇÕES DO PODER DE TRIBUTAR rídica do Estado democrático de direito, os direitos
humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplica-
ção das leis, pela rápida administração da justiça e
A Caixa de Assistência dos Advogados está contem- pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições
plada pela imunidade tributária recíproca, conforme jurídicas’. Esta é, iniludivelmente, finalidade institu-
previsto no art. 150, VI, a, da CF242. cional e não corporativa. A Constituição do Brasil
confere atribuições de extrema relevância à OAB,
A imunidade tributária gozada pela Ordem dos
bastando para ratificar a assertiva ressaltar o dis-
Advogados do Brasil (OAB) é da espécie recíproca 243,
posto no inciso VIII do art. 103 da Constituição 246,
na medida em que a OAB desempenha atividade
que confere legitimidade ao Conselho Federal da
própria de Estado244, e é impossível se conceder tra-
Ordem dos Advogados do Brasil para a propositura
tamento tributário diferenciado a órgãos da OAB, de
da ação direta de inconstitucionalidade, bem assim
acordo com as finalidades que lhe são atribuídas por
a definição do advogado como essencial à promoção
lei.
da Justiça, ao qual é assegurada inviolabilidade no
Com efeito, a OAB não é uma entidade da Admi- que tange aos seus atos e manifestações no exercí-
nistração Indireta, tal como as autarquias, por- cio da profissão.” 247
quanto não se sujeita a controle hierárquico ou mi-
À luz desse entendimento, não parece razoável
nisterial da Administração Pública, nem está vincu-
aferir a viabilidade constitucional da extensão da
lada a qualquer das suas partes.
imunidade recíproca às caixas de assistência dos ad-
“A Ordem dos Advogados do Brasil é, em ver- vogados a partir de uma interpretação restritiva dos
dade, entidade autônoma, porquanto autonomia e critérios de pertença orgânica e de persecução das
independência são características próprias dela, finalidades essenciais.
que, destarte, não pode ser tida como congênere
O art. 45, IV, da Lei 8.906/1994248 preconiza as
dos demais órgãos de fiscalização profissional. Ao
Caixas de Assistência dos Advogados como órgãos
contrário deles, a Ordem dos Advogados do Brasil
da OAB, ao passo que o art. 62249 do mesmo diploma

242 CF/1988: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garan- 246 CF/1988: “Art. 103. Podem propor a ação direta de

tias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos inconstitucionalidade e a ação declaratória de constituci-
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) VI – ins- onalidade: (...) VII – o Conselho Federal da Ordem dos Ad-
tituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, vogados do Brasil;”
uns dos outros;” 247 ADI 3.026, voto do rel. min. Eros Grau, P.
243 “De plano, impende registrar que já no primeiro 248 Lei 8.906/1994: “Art. 45. São órgãos da OAB: (...) IV

Texto Constitucional da República brasileira notava-se a – as Caixas de Assistência dos Advogados. (...) § 4º As Cai-
previsão da imunidade recíproca. Observa-se, nesse xas de Assistência dos Advogados, dotadas de personali-
ponto, decisiva influência do notável Rui Barbosa, com ins- dade jurídica própria, são criadas pelos Conselhos Seccio-
piração no modelo constitucional norte-americano. A pro- nais, quando estes contarem com mais de mil e quinhen-
pósito, no célebre caso McCulloch v. Maryland, a partir de tos inscritos.”
argumentação capitaneada por Chief Justice John Mars- 249 Lei 8.906/1994: “Art. 62. A Caixa de Assistência dos

hall, a Suprema Corte dos Estados Unidos assentou que a Advogados, com personalidade jurídica própria, destina-
atuação de um ente da Federação não poderia ser obsta- se a prestar assistência aos inscritos no Conselho Seccio-
culizada pela tributação levada a cabo por outro membro nal a que se vincule. § 1º A Caixa é criada e adquire perso-
federativo. Com base nessa influência original, é seguro nalidade jurídica com a aprovação e registro de seu esta-
afirmar que um dos fundamentos da regra imunizante é o tuto pelo respectivo Conselho Seccional da OAB, na forma
princípio federativo.” (Trecho do voto do ministro Edson do regulamento geral. § 2º A Caixa pode, em benefício dos
Fachin no julgamento do RE 405.267) advogados, promover a seguridade complementar. § 3º
244 RE 259.976 AgR, rel. min. Joaquim Barbosa, 2ª T. Compete ao Conselho Seccional fixar contribuição obriga-
245 Lei 8.906/1994: “Art. 44. A Ordem dos Advogados tória devida por seus inscritos, destinada à manutenção
do Brasil (OAB), serviço público, dotada de personalidade do disposto no parágrafo anterior, incidente sobre atos
jurídica e forma federativa, tem por finalidade: I – defen- decorrentes do efetivo exercício da advocacia. § 4º A dire-
der a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrá- toria da Caixa é composta de cinco membros, com atribui-
tico de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pug- ções definidas no seu regimento interno. § 5º Cabe à Caixa
nar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração a metade da receita das anuidades recebidas pelo Conse-
da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das insti- lho Seccional, considerado o valor resultante após as de-
tuições jurídicas; II – promover, com exclusividade, a re- duções regulamentares obrigatórias. § 6º Em caso de ex-
presentação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advo- tinção ou desativação da Caixa, seu patrimônio se incor-
gados em toda a República Federativa do Brasil.”

73
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

legal incumbe-lhes prestar assistência aos inscritos TRIBUTAÇÃO E ORÇAMENTO


no Conselho Seccional a que se vincule.
SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL
Também não há como traçar relação de igual-
dade entre os sindicatos de advogados e os demais, REPARTIÇÃO DAS RECEITAS TRIBUTÁRIAS – REPER-
porque as funções que deveriam, em tese, ser por CUSSÃO GERAL
eles desempenhadas foram atribuídas à Ordem dos
Advogados, sendo essa entidade prestadora de ser- É constitucional a concessão regular de incentivos,
viço público independente, na esteira da jurispru- benefícios e isenções fiscais relativos ao Imposto de
dência do Supremo Tribunal Federal250. Renda e ao Imposto sobre Produtos Industrializados
Em suma, considerando-se os pressupostos de por parte da União em relação ao Fundo de Partici-
aplicabilidade da regra imunizante251, não há dúvi- pação de Municípios (FPM) e respectivas quotas de-
das de que as Caixas de Assistência prestam serviço vidas às municipalidades.
público delegado e possuem status jurídico de ente
público. Por um lado, compreendida a autonomia finan-
ceira como capacidade de autofinanciamento das
Ademais, as finalidades essenciais das Caixas de atividades estatais representadas pelo autogoverno,
Assistência não se inserem no Domínio Econômico, à luz de suas características essenciais, que são a in-
isto é, ao não buscarem a exploração de atividade dependência, a suficiência e a eficiência, os Municí-
econômica em sentido estrito, não se constata a ma- pios têm-se afirmado progressivamente como parte
nifestação de capacidade contributiva252 na hipó- vital da Federação pelo Estado brasileiro.
tese.
Por outro lado, não se extrai da autonomia finan-
RE 405.267, rel. min. Edson Fachin, DJE de 18-10- ceira dos Municípios direito subjetivo de índole
2018. constitucional com aptidão para infirmar o exercício
(Informativo 914, Plenário) da competência tributária da União, inclusive em re-
lação aos incentivos e renúncias fiscais, desde que
observados os parâmetros de controle constitucio-
nais, legislativos e jurisprudenciais atinentes à deso-
neração.
A repartição de receitas correntes tributárias

pora ao do Conselho Seccional respectivo. § 7º O Conse- obsta a liberdade dos advogados. Pedido julgado impro-
lho Seccional, mediante voto de dois terços de seus mem- cedente.” (ADI 2.522, rel. min. Eros Grau, P)
bros, pode intervir na Caixa de Assistência dos Advogados, 251 “As decisões antes mencionadas demonstram que

no caso de descumprimento de suas finalidades, desig- a imunidade recíproca é aplicável, quando estiverem pre-
nando diretoria provisória, enquanto durar a interven- sentes os seguintes pressupostos: (a) serviço público de-
ção.” legado; (b) a entidade que exerce o serviço é – em virtude
250 “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. de lei – um poder público; (c) o serviço é prestado por um
47 DA LEI FEDERAL N. 8.906/1994. ESTATUTO DA ADVO- ente público que não persegue finalidade econômica.”
CACIA E DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. CON- (ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 4 ed.
TRIBUIÇÃO ANUAL À OAB. ISENÇÃO DO PAGAMENTO São Paulo: Saraiva, 2010, p. 223, apud voto do ministro
OBRIGATÓRIO DA CONTRIBUIÇÃO SINDICAL. VIOLAÇÃO Edson Fachin no julgamento do RE 405.267).
DOS ARTS. 5º, I E XVII; 8º, I E IV; 149; 150; § 6º; E 151 DA 252 “Vê-se, daí, que a linha divisora proposta pelo con-

CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. NÃO OCORRÊNCIA. 1. A Lei Fe- tribuinte reside no momento em que o Estado – bem
deral 8.906/1994 atribui à OAB função tradicionalmente como suas autarquias ou fundações – deixa de atuar no
desempenhada pelos sindicados, ou seja, a defesa dos di- setor que lhe é próprio (domínio público), passando a
reitos e interesses coletivos ou individuais da categoria. 2. atuar diretamente no setor da economia destinado aos
A Ordem dos Advogados do Brasil ampara todos os inscri- empreendimentos privados (o ‘Domínio Econômico’). A
tos, não apenas os empregados, como o fazem os sindica- coerência com o raciocínio que se desenvolveu acima pa-
tos. Não há como traçar relação de igualdade entre os sin- rece imediata: no domínio público, não há a capacidade
dicatos de advogados e os demais. As funções que deve- contributiva; todos os recursos ali obtidos e despendidos
riam, em tese, ser por eles desempenhadas foram atribu- já estão voltados à finalidade pública. Não há ‘sobras’ para
ídas à Ordem dos Advogados. 3. O texto hostilizado não contribuir. Só há que falar em capacidade contributiva –
consubstancia violação da independência sindical, visto e, portanto, em tributação – quando se entra no Domínio
não ser expressivo de interferência e/ou intervenção na Econômico.” (SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário.
organização dos sindicatos. Não se sustenta o argumento 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 439, apud voto do minis-
de que o preceito impugnado retira do sindicato sua fonte tro Edson Fachin no julgamento do RE 405.267).
essencial de custeio. 4. Deve ser afastada a afronta ao pre-
ceito da liberdade de associação. O texto atacado não

74
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

conjuga duas espécies de financiamento dos gover- impostos, taxas ou contribuições, por sua vez regu-
nos locais: uma pelo critério da fonte (cobrança de lada na Lei Complementar 101/2000, a desoneração
tributos de competência própria); outra, pelo pro- tributária regularmente concedida impossibilita a
duto (participação no bolo tributário de competên- própria previsão da receita pública. Logo, torna-se
cia do governo central). Nesta hipótese, não há di- incabível interpretar a expressão “produto da arre-
reito a participação referente a arrecadação poten- cadação” de modo que não se deduzam essas re-
cial máxima em que se incluiriam os incentivos e as núncias fiscais.
renúncias fiscais, sob pena de subversão da decisão
RE 705.423, rel. min. Edson Fachin, DJE de 5-2-2018,
do poder constituinte no que diz respeito ao modelo
repercussão geral, Tema 653.
de federalismo fiscal.
(Informativo 847, Plenário)
A natureza jurídica do FPM é mais de objeto de
direito e menos de sujeito de direito, considerada a
relação jurídico-financeira. Afinal, não tem capaci-
dade de realizar ato jurídico, não dispondo de auto-
nomia na gestão dos recursos que o integram.
Nesse sentido, o produto da arrecadação
abrange a arrecadação tributária bruta, sem a possi-
bilidade de dedução das despesas administrativas e
computando-se as multas moratórias e punitivas253.
No caso das desonerações tributárias, coloca-se
a diferenciação entre participação direta e indireta
na arrecadação tributária do Estado.
Portanto, a expressão “produto da arrecada-
ção”, prevista no art. 158, I, da Constituição Fede-
ral254, não permite interpretação de modo a incluir
na base de cálculo do FPM os benefícios e incentivos
fiscais devidamente realizados pela União em rela-
ção a tributos federais, à luz do conceito técnico de
arrecadação e dos estágios da receita pública.
Esses estágios são fases evidenciadoras do com-
portamento da receita pública, de modo a facilitar o
conhecimento e a gestão dos ingressos públicos no
erário. Nesses termos, dividem-se cronologica-
mente em previsão, arrecadação e recolhimento.
A “arrecadação” pode ser conceituada como a
entrega, realizada pelos contribuintes ou devedores
aos agentes arrecadadores ou bancos autorizados
pelo ente, dos recursos devidos ao Tesouro. Ela
ocorre somente uma vez, vindo em seguida o reco-
lhimento. Quando um ente arrecada para outro
ente, cumpre-lhe apenas entregar os recursos me-
diante transferência, não sendo considerada arreca-
dação, quando do recebimento pelo ente beneficiá-
rio.
Considerando-se que a Constituição submete a
lei específica a concessão de qualquer subsídio ou
isenção, redução de base de cálculo, concessão de
crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a

253 Enunciado 578 da Súmula do STF: “Não podem os 254 CF, art. 158. “Pertencem aos Municípios: I – o pro-

Estados, a título de ressarcimento de despesas, reduzir a duto da arrecadação do imposto da União sobre renda e
parcela de 20% do produto da arrecadação do imposto de proventos de qualquer natureza, incidente na fonte, sobre
circulação de mercadorias, atribuída aos Municípios pelo rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autar-
art. 23, § 8º, da Constituição Federal.” quias e pelas fundações que instituírem e mantiverem.”

75
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

TRIBUTAÇÃO E ORÇAMENTO bros, à qual o texto constitucional dispensa minuci-


oso tratamento.
SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL
Essas disposições constitucionais estão em con-
REPARTIÇÃO DE RECEITAS TRIBUTÁRIAS sonância com a forma de estado federalista, que,
por meio da cooperação entre os entes federados,
O Poder Judiciário não pode alterar os critérios de apresenta definições mínimas, dentre as quais so-
compensação das desonerações do Imposto sobre bressaem aspectos tributários e financeiros. “Traço
Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) decor- importante que também deve ser destacado diz res-
rentes das operações de exportações previstos no peito à divisão constitucional de recursos financei-
art. 91 do Ato das Disposições Constitucionais Transi- ros (expressão aqui adotada em sentido amplo), seja
tórias (ADCT) 255, na redação dada pela Emenda Cons- em relação à definição dos bens públicos, a atribui-
titucional 42/2003 e na Lei Complementar 87/1996, ção de sua titularidade e a participação nos resulta-
na redação dada pela Lei Complementar 115/2002. dos de sua exploração; seja em relação às receitas
públicas e sua consectária repartição. Aliás, esse é
Tal atitude equivaleria a inovar o ordenamento um ponto particular de alta influência sobre o
jurídico contra o direito posto. Configuraria, ade- campo do Direito Financeiro, no qual se discute im-
mais, intromissão do Judiciário em competência es- portante ferramenta para a execução do autogo-
pecífica de outro Poder, violando a cláusula da sepa- verno, da auto-organização e da autoadministração
ração dos poderes. dos entes federativos, das políticas públicas, da Fe-
deração e da própria democracia em geral: o orça-
O sistema constitucional brasileiro, ao dispor so-
mento público.”257
bre o sistema tributário nacional, prevê a competên-
cia estadual ou distrital para instituição de imposto Imerso nesse contexto constitucional federativo,
sobre “operações relativas à circulação de mercado- o art. 155, X, § 2º, a258, da Constituição Federal, na
rias e sobre prestações de serviços de transporte in- redação dada pela Emenda Constitucional 42/2003,
terestadual e intermunicipal e de comunicação, fixa alguns casos de imunidades específicas relativas
ainda que as operações e as prestações se iniciem ao ICMS nos quais não há a incidência do tributo. A
no exterior”, o ICMS (CF, art. 155, II256). Trata-se de referida emenda ampliou a hipótese de imunidade,
importante fonte de receita para os Estados-mem-

255 ADCT, art. 91. “A União entregará aos Estados e ao art. 155, II, declaradas pelos contribuintes que realizarem
Distrito Federal o montante definido em lei complemen- operações ou prestações com destino ao exterior.”
tar, de acordo com critérios, prazos e condições nela de- 256 CF, art. 155. “Compete aos Estados e ao Distrito Fe-

terminados, podendo considerar as exportações para o deral instituir impostos sobre: (...) II – operações relativas
exterior de produtos primários e semielaborados, a rela- à circulação de mercadorias e sobre prestações de servi-
ção entre as exportações e - as importações, os créditos ços de transporte interestadual e intermunicipal e de co-
decorrentes de aquisições destinadas ao ativo perma- municação, ainda que as operações e as prestações se ini-
nente e a efetiva manutenção e aproveitamento do cré- ciem no exterior;”
dito do imposto a que se refere o art. 155, § 2º, X, a. § 1º 257 ARABI, Abhner Youssif Mota. Desdobramentos fi-

Do montante de recursos que cabe a cada Estado, setenta nanceiros do federalismo fiscal: participação no resultado
e cinco por cento pertencem ao próprio Estado, e vinte e da exploração de petróleo e o bônus de assinatura. In: GO-
cinco por cento, aos seus Municípios, distribuídos se- MES, Marcus Lívio; ALVES, Raquel de Andrade Vieira;
gundo os critérios a que se refere o art. 158, parágrafo ARABI, Abhner Youssif Mota. Direito financeiro e jurisdi-
único, da Constituição. § 2º A entrega de recursos prevista ção constitucional. Curitiba: Juruá, 2016, p. 13-14 apud
neste artigo perdurará, conforme definido em lei comple- ministro Luiz Fux em seu voto no julgamento da ACO
mentar, até que o imposto a que se refere o art. 155, II, 1.044.
tenha o produto de sua arrecadação destinado predomi- 258 CF, art. 155. “Compete aos Estados e ao Distrito Fe-

nantemente, em proporção não inferior a oitenta por deral instituir impostos sobre: (...) II – operações relativas
cento, ao Estado onde ocorrer o consumo das mercado- à circulação de mercadorias e sobre prestações de servi-
rias, bens ou serviços. § 3º Enquanto não for editada a lei ços de transporte interestadual e intermunicipal e de co-
complementar de que trata o caput, em substituição ao municação, ainda que as operações e as prestações se ini-
sistema de entrega de recursos nele previsto, permane- ciem no exterior (...) § 2º O imposto previsto no inciso II
cerá vigente o sistema de entrega de recursos previsto no atenderá ao seguinte: (...) X – não incidirá: a) sobre opera-
art. 31 e Anexo da Lei Complementar n. 87, de 13 de se- ções que destinem mercadorias para o exterior, nem so-
tembro de 1996, com a redação dada pela Lei Comple- bre serviços prestados a destinatários no exterior, assegu-
mentar n. 115, de 26 de dezembro de 2002. § 4º Os Esta- rada a manutenção e o aproveitamento do montante do
dos e o Distrito Federal deverão apresentar à União, nos imposto cobrado nas operações e prestações anteriores;
termos das instruções baixadas pelo Ministério da Fa- (Redação dada pela Emenda Constitucional 42, de 19-12-
zenda, as informações relativas ao imposto de que trata o 2003).”

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FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

diminuindo os casos de incidência do imposto259.


Contribuiu, assim, para a política de desoneração tri-
butária das exportações, tanto de produtos como de
serviços, excluindo a incidência do ICMS em tais
operações. Se, por um lado, tais medidas estimula-
ram o objetivo último de fomentar as exportações,
contribuindo para a competitividade dos produtores
brasileiros no mercado internacional, por outro, ali-
mentaram o receio dos Estados em verem diminu-
ída a sua arrecadação tributária.
No entanto, a Emenda Constitucional 42/2003
também constitucionalizou a obrigação dos repas-
ses devidos pela União aos Estados-membros decor-
rentes da desoneração das exportações (ADCT, art.
91). Preocupou-se, portanto, em instituir uma espé-
cie de compensação pelas possíveis perdas arreca-
datórias decorrentes do processo de desoneração
das exportações, especialmente em relação àqueles
entes federativos que realizam muitas operações de
exportação e poucas de importação.
A regulamentação definitiva da matéria foi atri-
buída a outra lei complementar ainda não editada, a
qual deve dispor sobre os novos critérios de defini-
ção do montante a ser entregue pela União aos Es-
tados e ao Distrito Federal, seus prazos e condições.
Deveras, a referida emenda constitucional, em
dispositivo próprio (ADCT, art. 91, § 3º), prevê que,
até a edição dessa nova lei complementar, devem
ser adotados para o repasse os critérios estabeleci-
dos no Anexo da Lei Complementar 87/1996, com a
redação que lhe conferiu a Lei Complementar
115/2002. Vale dizer: o próprio texto constitucional
transitório já previu a solução a ser adotada até que
seja editada a lei complementar.
Consectariamente, não há espaço para atuação
do Poder Judiciário na hipótese que possibilite a su-
peração da necessária deferência à previsão legisla-
tiva expressa, alterando a disposição constitucional
já existente sobre o tema.
ACO 1.044, rel. min. Luiz Fux, DJE de 1º-2-2018.
(Informativo 849, Plenário)

259 “Conforme sua redação original, o dispositivo cons- original do dispositivo, revogada pela EC 42/2003: ‘X – não
titucional excluía dos casos de imunidade as operações de incidirá: a) sobre operações que destinem ao exterior pro-
exportação de produtos industrializados semielaborados, dutos industrializados, excluídos os semi-elaborados defi-
assim definidos em lei complementar, não abrangendo nidos em lei complementar;’ (redação anterior, revogada
também as hipóteses de incidências de serviço, casos em pela EC 42/2003)” (Trecho do voto do ministro Luiz Fux no
que era de incidir o tributo. Veja-se, a propósito, a redação julgamento da ACO 1.044).

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FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

ORDEM SOCIAL que inviabiliza a variação da contraprestação pecuni-


ária dos planos de saúde relativamente a consumido-
SAÚDE res com mais de sessenta anos de idade (Lei
PLANOS DE SAÚDE 9.656/1998, art. 15, parágrafo único263).

Trata-se de regra protetiva, alinhada aos postu-


É constitucional norma que estabelece parâmetros lados constitucionais, no que assegura tratamento
para a atuação do particular no mercado de planos digno à pessoa idosa (CF, art. 230264). A própria evo-
de saúde. lução legislativa posterior à publicação do referido
diploma veiculou determinações igualmente tutela-
O legislador, ao editar a Lei 9.656/1998, atentou doras, limitando a livre iniciativa em favor da prote-
para o objetivo maior do Estado: proporcionar vida ção do idoso (Lei 10.741/2003, art. 15, § 3º265). A par
gregária segura e com o mínimo de conforto sufici- desse aspecto, o qual, por si só, legitima o preceito
ente a satisfazer valor maior – a preservação da dig- em jogo, é necessário reconhecer a razoabilidade da
nidade do homem A defesa intransigente da livre ini- norma ao adicionar ao componente etário, como re-
ciativa é incompatível com o fundamento da digni- quisito para estabilização da contraprestação, a fi-
dade da pessoa humana, bem assim com os deveres delidade ao plano de saúde por ao menos dez anos.
constitucionais do Estado de promover a saúde (CF,
art. 196260) e prover a defesa do consumidor (CF, art. No mesmo sentido, o art. 19, § 5º266, da Lei
170, V261). 9.656/1998 também não viola o devido processo le-
gal substantivo. A norma conforma-se ao princípio
Além disso, a promoção da saúde, mesmo na es- da razoabilidade, direcionando à linearidade. É di-
fera privada, não se vincula às premissas do lucro, zer, estabelece que, independentemente de impas-
sob pena de ter-se, inclusive, ofensa à isonomia, ses no registro administrativo das empresas de pla-
consideradas as barreiras ao acesso aos planos de nos de saúde ou na adequação, à disciplina norma-
saúde por parte de pacientes portadores de molés- tiva, dos contratos celebrados após 2 de janeiro de
tias graves. A atuação no lucrativo mercado de pla- 1999, os consumidores não podem ser prejudica-
nos de saúde não pode ocorrer à revelia da impor- dos, tendo jus à sistemática inaugurada pela Lei
tância desse serviço social, reconhecida no art. 9.656/1998.
197262 da CF.
É constitucional norma que prevê o ressarcimento,
Não viola o devido processo legal substantivo norma

260 CF, art. 196. “A saúde é direito de todos e dever do 264 CF, art. 230. “A família, a sociedade e o Estado têm

Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua
que visem à redução do risco de doença e de outros agra- participação na comunidade, defendendo sua dignidade e
vos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.”
para sua promoção, proteção e recuperação.” 265 Lei 10.741/2003, art. 15. “É assegurada a atenção
261 CF, art. 170. “A ordem econômica, fundada na va- integral à saúde do idoso, por intermédio do Sistema
lorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por Único de Saúde – SUS, garantindo-lhe o acesso universal e
fim assegurar a todos existência digna, conforme os dita- igualitário, em conjunto articulado e contínuo das ações e
mes da justiça social, observados os seguintes princípios: serviços, para a prevenção, promoção, proteção e recupe-
(...) V – defesa do consumidor;” ração da saúde, incluindo a atenção especial às doenças
262 CF, art. 197. “São de relevância pública as ações e que afetam preferencialmente os idosos. (...) § 3o É ve-
serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos dada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela
termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e cobrança de valores diferenciados em razão da idade.”
controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou 266 Lei 9.656/1998, art. 19. “Para requerer a autoriza-

através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurí- ção definitiva de funcionamento, as pessoas jurídicas que
dica de direito privado.” já atuavam como operadoras ou administradoras dos pro-
263 Lei 9.656/1998, art. 15. “A variação das contrapres- dutos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei,
tações pecuniárias estabelecidas nos contratos de produ- terão prazo de cento e oitenta dias, a partir da publicação
tos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, da regulamentação específica pela ANS. (...) § 5º Indepen-
em razão da idade do consumidor, somente poderá ocor- dentemente do cumprimento, por parte da operadora,
rer caso estejam previstas no contrato inicial as faixas etá- das formalidades do registro provisório, ou da conformi-
rias e os percentuais de reajustes incidentes em cada uma dade dos textos das condições gerais ou dos instrumentos
delas, conforme normas expedidas pela ANS, ressalvado o contratuais, ficam garantidos, a todos os usuários de pro-
disposto no art. 35-E. Parágrafo único. É vedada a variação dutos a que alude o caput, contratados a partir de 2 de
a que alude o caput para consumidores com mais de ses- janeiro de 1999, todos os benefícios de acesso e cobertura
senta anos de idade, que participarem dos produtos de previstos nesta Lei e em seus regulamentos, para cada
que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º, ou sucessores, há segmentação definida no art. 12.”
mais de dez anos.”

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FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

por planos de saúde, de despesas relativas a serviços


de atendimento aos respectivos consumidores, pre-
vistos nos contratos, prestados por entidades do Sis-
tema Único de Saúde (Lei 9.656/1998, art. 32267).

Embora o poder público atue gratuitamente em


relação aos cidadãos, não o faz no tocante às enti-
dades cuja atividade-fim é justamente assegurar a
cobertura de lesões e doenças. Cabe distinguir os
vínculos constitucional, entre Estado e cidadão (CF,
art. 196), obrigacional, entre pessoa e plano de sa-
úde, e legal, entre Estado e plano de saúde (Lei
9.656/1998, art. 32).
A escolha do agente privado de atuar na presta-
ção de relevantes serviços à saúde, de forma con-
corrente com o Estado, pressupõe a responsabili-
dade de arcar integralmente com as obrigações as-
sumidas. A norma impede o enriquecimento ilícito
das empresas e a perpetuação de modelo no qual o
mercado de serviços de saúde submeta-se unica-
mente à lógica do lucro, ainda que às custas do erá-
rio. Entendimento em sentido contrário resulta em
situação em que os planos de saúde recebem paga-
mentos mensais dos segurados, mas os serviços
continuam a ser fornecidos pelo Estado, sem contra-
partida.

São inconstitucionais os arts. 10, § 2º268, e 35-E da Lei

267 Lei 9.656/1998, art. 32. “Serão ressarcidos pelas previsto no § 3º serão inscritos em dívida ativa da ANS, a
operadoras dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º qual compete a cobrança judicial dos respectivos créditos.
do art. 1º desta Lei, de acordo com normas a serem defi- § 6º O produto da arrecadação dos juros e da multa de
nidas pela ANS, os serviços de atendimento à saúde pre- mora serão revertidos ao Fundo Nacional de Saúde. § 7º
vistos nos respectivos contratos, prestados a seus consu- A ANS disciplinará o processo de glosa ou impugnação dos
midores e respectivos dependentes, em instituições públi- procedimentos encaminhados, conforme previsto no § 2º
cas ou privadas, conveniadas ou contratadas, integrantes deste artigo, cabendo-lhe, inclusive, estabelecer procedi-
do Sistema Único de Saúde – SUS. § 1º O ressarcimento mentos para cobrança dos valores a serem ressarcidos. §
será efetuado pelas operadoras ao SUS com base em re- 8º Os valores a serem ressarcidos não serão inferiores aos
gra de valoração aprovada e divulgada pela ANS, mediante praticados pelo SUS e nem superiores aos praticados pelas
crédito ao Fundo Nacional de Saúde – FNS. § 2º Para a efe- operadoras de produtos de que tratam o inciso I e o § 1º
tivação do ressarcimento, a ANS disponibilizará às opera- do art. 1º desta Lei. § 9º Os valores a que se referem os §§
doras a discriminação dos procedimentos realizados para 3º e 6º deste artigo não serão computados para fins de
cada consumidor. § 3º A operadora efetuará o ressarci- aplicação dos recursos mínimos nas ações e serviços pú-
mento até o 15º (décimo quinto) dia da data de recebi- blicos de saúde nos termos da Constituição Federal.”
mento da notificação de cobrança feita pela ANS. § 4º O 268 Lei 9.656/1998, art. 10. “(...) § 2º As operadoras de-

ressarcimento não efetuado no prazo previsto no § 3º finidas nos incisos I e II do § 1º do art. 1º oferecerão, obri-
será cobrado com os seguintes acréscimos: I – juros de gatoriamente, o plano ou seguro referência de que trata
mora contados do mês seguinte ao do vencimento, à ra- este artigo a todos os seus atuais e futuros consumido-
zão de um por cento ao mês ou fração; II – multa de mora res.”
de dez por cento. § 5º Os valores não recolhidos no prazo

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FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

9.656/1998269; e o art. 2º270 da Medida Provisória ORDEM SOCIAL


2.177-44/2001, que preveem a incidência das novas
regras relativas aos planos de saúde em contratos ce- SAÚDE
lebrados anteriormente à vigência do diploma. ASSISTÊNCIA À SAÚDE – REPERCUSSÃO GERAL
É impróprio inserir nas relações contratuais
avençadas em regime legal específico novas disposi- É constitucional o ressarcimento previsto no art.
ções, sequer previstas pelas partes quando da mani- 32272 da Lei 9.656/1998, o qual é aplicável aos proce-
festação de vontade. A vida democrática pressupõe dimentos médicos, hospitalares ou ambulatoriais
segurança jurídica, e esta não se coaduna com o custeados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e pos-
afastamento de ato jurídico perfeito e acabado me- teriores a 4-6-1998, assegurados o contraditório e a
diante aplicação de lei nova (CF, art. 5º, XXXVI271). ampla defesa, no âmbito administrativo, em todos os
marcos jurídicos.
ADI 1.931, rel. min. Marco Aurélio, DJE de 8-6-2018.
(Informativo 890, Plenário) Observada a cobertura contratual entre os cida-
dãos-usuários e as operadoras de planos de saúde,
além dos limites mínimo (praticado pelo SUS) e má-
ximo (valores de mercado pagos pelas operadoras
de planos de saúde), o ressarcimento é compatível
com a permissão constitucional contida no art.
199273 da Constituição Federal (CF).

269 Lei 9.656/1998, art. 35-E. “A partir de 5 de junho sido previamente submetida à ANS; V – na falta de apro-
de 1998, fica estabelecido para os contratos celebrados vação prévia, a operadora, para que possa aplicar reajuste
anteriormente à data de vigência desta Lei que: I – qual- por faixa etária a consumidores com sessenta anos ou
quer variação na contraprestação pecuniária para consu- mais de idade e dez anos ou mais de contrato, deverá sub-
midores com mais de sessenta anos de idade estará su- meter à ANS as condições contratuais acompanhadas de
jeita à autorização prévia da ANS; II – a alegação de do- nota técnica, para, uma vez aprovada a cláusula e o per-
ença ou lesão preexistente estará sujeita à prévia regula- centual de reajuste, adotar a diluição prevista neste pará-
mentação da matéria pela ANS; III – é vedada a suspensão grafo. § 2º Nos contratos individuais de produtos de que
ou a rescisão unilateral do contrato individual ou familiar tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, independen-
de produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º temente da data de sua celebração, a aplicação de cláu-
desta Lei por parte da operadora, salvo o disposto no in- sula de reajuste das contraprestações pecuniárias depen-
ciso II do parágrafo único do art. 13 desta Lei; IV – é ve- derá de prévia aprovação da ANS. § 3º O disposto no art.
dada a interrupção de internação hospitalar em leito clí- 35 desta Lei aplica-se sem prejuízo do estabelecido neste
nico, cirúrgico ou em centro de terapia intensiva ou simi- artigo.”
lar, salvo a critério do médico assistente. § 1º Os contratos 270 Medida Provisória 2.177-44/2001, art. 2º. “Os arts.

anteriores à vigência desta Lei, que estabeleçam reajuste 3º, 5º, 25, 27, 35-A, 35-B, 35-D e 35-E da Lei n. 9.656, de
por mudança de faixa etária com idade inicial em sessenta 3 de junho de 1998, entram em vigor em 5 de junho de
anos ou mais, deverão ser adaptados, até 31 de outubro 1998, resguardada às pessoas jurídicas de que trata o art.
de 1999, para repactuação da cláusula de reajuste, obser- 1º a data limite de 31 de dezembro de 1998 para adapta-
vadas as seguintes disposições: I – a repactuação será ga- ção ao que dispõem os arts. 14, 17, 30 e 31.”
rantida aos consumidores de que trata o parágrafo único 271 CF, art. 5º. “Todos são iguais perante a lei, sem dis-

do art. 15, para as mudanças de faixa etária ocorridas após tinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
a vigência desta Lei, e limitar-se-á à diluição da aplicação e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
do reajuste anteriormente previsto, em reajustes parciais direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
anuais, com adoção de percentual fixo que, aplicado a propriedade, nos termos seguintes: (...) XXXVI – a lei não
cada ano, permita atingir o reajuste integral no início do prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a
último ano da faixa etária considerada; II – para aplicação coisa julgada;”
da fórmula de diluição, consideram-se de dez anos as fai- 272 Lei 9.656/1998, art. 32 “Serão ressarcidos pelas

xas etárias que tenham sido estipuladas sem limite supe- operadoras dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º
rior; III – a nova cláusula, contendo a fórmula de aplicação do art. 1º desta Lei, de acordo com normas a serem defi-
do reajuste, deverá ser encaminhada aos consumidores, nidas pela ANS, os serviços de atendimento à saúde pre-
juntamente com o boleto ou título de cobrança, com a de- vistos nos respectivos contratos, prestados a seus consu-
monstração do valor originalmente contratado, do valor midores e respectivos dependentes, em instituições públi-
repactuado e do percentual de reajuste anual fixo, escla- cas ou privadas, conveniadas ou contratadas, integrantes
recendo, ainda, que o seu pagamento formalizará esta re- do Sistema Único de Saúde – SUS.”
pactuação; IV – a cláusula original de reajuste deverá ter 273 CF, art. 199. “A assistência à saúde é livre à inicia-

tiva privada.”

80
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

O Estado, sem se desincumbir de seu ônus cons- recursos públicos de forma indireta para auxílio às
titucional (CF, art. 196274), possibilitou que empresas instituições privadas (com ou sem fins lucrativos).
privadas, sob sua regulamentação, fiscalização e
Além disso, cabe destacar que a cobrança disci-
controle (Agência Nacional de Saúde – ANS), pres-
plinada no art. 32 da Lei 9.656/1998 ostenta natu-
tassem a assistência à saúde de forma paralela, no
reza jurídica indenizatória ex lege (receita originá-
intuito de compartilhar os custos e os riscos a fim de
ria), sendo inaplicáveis as disposições constitucio-
otimizar o mandamento constitucional (CF, art.
nais concernentes às limitações estatais ao poder de
197275). Passou, portanto, a fomentar a atividade
tributar, entre elas a necessidade de edição de lei
privada com o objetivo de dividir a missão de realizar
complementar, pois não se trata de instituição de
o programa de acesso aos serviços de saúde, possi-
nova fonte de custeio da seguridade social (CF, art.
bilitando, ao revés, a obtenção de receita pelo par-
195, § 4º276).
ticular, a qual visa qualquer empresa privada (inde-
pendentemente de ser com ou sem fins lucrativos), RE 597.064, rel. min. Gilmar Mendes, DJE de 16-5-
apesar de continuar a exercer serviço de relevância 2018, , repercussão geral, Tema 345.
pública. (Informativo 890), Plenário.
Nessa situação, encaixa-se perfeitamente a apli-
cação da máxima de que é vedado o locupletamento
ilícito do empreendedor privado que aufere receita
para prestar o serviço assistencial e acaba onerando
o Estado por algo pelo qual recebeu a correspon-
dente contraprestação, ainda que precipuamente
seja sua obrigação.
Seja o serviço prestado pelo Estado (incluindo
empresas contratadas ou conveniadas) ou pela rede
privada de saúde, a partir do momento em que o Es-
tado autoriza que empresas privadas possam de-
sempenhar a prestação de relevância pública de as-
segurar assistência médica ou hospitalar e ambula-
torial, mediante contraprestação pecuniária prees-
tabelecida, deve haver o repasse dos bônus (receita)
e dos ônus (custo da prestação do serviço).
Caso se admita a impossibilidade desse ressarci-
mento, indiretamente estar-se-á financiando com
recursos públicos as empresas privadas, as quais
certamente calculam suas receitas como forma de
compensar financeiramente os custos dos serviços
contratados, criando situação de lucro certo.
Dessa forma, apesar de a repercussão constitu-
cional do ônus econômico ser primordialmente do
Estado, no momento em que há a autorização à ini-
ciativa privada da assistência à saúde, tanto o bônus
quanto o ônus devem ser assumidos pelo segundo
setor (iniciativa privada), sob pena de desvirtua-
mento da matriz constitucional que possibilitou esse
fomento (CF, art. 199, caput), além da destinação de

274 CF, art. 196. “A saúde é direito de todos e dever do através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurí-
Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas dica de direito privado.”
que visem à redução do risco de doença e de outros agra- 276 CF, art. 195. “A seguridade social será financiada

vos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos ter-
para sua promoção, proteção e recuperação.” mos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamen-
275 CF, art. 197. “São de relevância pública as ações e tos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Muni-
serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos cípios, e das seguintes contribuições sociais: (...) § 4º A lei
termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a ma-
controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou nutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o
disposto no art. 154, I.”

81
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

ORDEM SOCIAL igualdade de condições (CF, art. 5º, caput), de en-


sino confessional das diversas crenças, mediante re-
EDUCAÇÃO, CULTURA E DESPORTO quisitos formais previamente fixados pelo Ministé-
EDUCAÇÃO rio da Educação.
A Constituição garante aos alunos, que expressa
Admite-se o ensino religioso confessional como disci- e voluntariamente se matriculem, o pleno exercício
plina facultativa dos horários normais das escolas pú- de seu direito subjetivo ao ensino religioso como
blicas de ensino fundamental. disciplina dos horários normais das escolas públicas
de ensino fundamental, ministrada de acordo com
A relação entre o Estado e as religiões, histórica, os princípios de sua confissão religiosa por integran-
jurídica e culturalmente, é um dos mais importantes tes dela, devidamente credenciados a partir de cha-
temas estruturais do Estado. A interpretação da mamento público e, preferencialmente, sem qual-
Constituição, que, mantendo a nossa tradição repu- quer ônus para o poder público. A oferta do ensino
blicana de ampla liberdade religiosa, consagrou a in- religioso, baseada nos dogmas da fé, não se con-
violabilidade de crença e cultos religiosos, deve ser funde com outros ramos do conhecimento cientí-
realizada em sua dupla acepção: a) proteger o indi- fico, como história, filosofia ou ciência das religiões.
víduo e as diversas confissões religiosas de quais-
Nesse sentido, o ensino religioso previsto consti-
quer intervenções ou mandamentos estatais; b) as-
tucionalmente é um direito subjetivo individual, e
segurar a laicidade do Estado, prevendo total liber-
não um dever imposto pelo poder público. A defini-
dade de atuação estatal em relação aos dogmas e
ção do núcleo imprescindível do ensino religioso
princípios religiosos.
como sendo os “dogmas de fé”, protegidos integral-
A interdependência e a complementariedade mente pela liberdade de crença, de cada uma das
das noções de Estado laico e liberdade de crença e diversas confissões religiosas, o diferencia de todos
de culto são premissas básicas para a interpretação os demais ramos do conhecimento científico e de-
do ensino religioso de matrícula facultativa previsto monstra que não há possibilidade de neutralidade
na Constituição Federal (CF), pois a matéria alcança ao se ministrar essa disciplina, que possui seus pró-
a própria liberdade de expressão de pensamento prios dogmas estruturantes, postulados, métodos e
sob a luz da tolerância e diversidade de opiniões. conclusões. Essa disciplina deverá ser oferecida se-
gundo a confissão religiosa manifestada voluntaria-
A liberdade de expressão constitui um dos fun-
mente pelos alunos, sem qualquer interferência es-
damentos essenciais de uma sociedade democrática
tatal, seja ao impor determinada crença religiosa,
e compreende não apenas as informações conside-
seja ao estabelecer fictício conteúdo misturando di-
radas como inofensivas, indiferentes ou favoráveis,
versas crenças religiosas, em desrespeito à singula-
mas também as que possam causar transtornos, re-
ridade de cada qual.
sistência, inquietar pessoas, pois a Democracia so-
mente existe baseada na consagração do pluralismo O ensino religioso deve aproveitar a estrutura fí-
de ideias e pensamentos políticos, filosóficos, religi- sica das escolas públicas – tal como amplamente
osos e da tolerância de opiniões e do espírito aberto existente no espaço público de hospitais e presídios,
ao diálogo. que já são utilizados em parcerias – para assegurar
a livre disseminação de crenças e ideais de natureza
A singularidade da previsão constitucional de en-
religiosa àqueles que professam da mesma fé e vo-
sino religioso, de matrícula facultativa, observado o
luntariamente aderirem à disciplina, mantida a neu-
binômio laicidade do Estado (CF, art. 19, I277)/consa-
tralidade do Estado nessa matéria.
gração da liberdade religiosa (CF, art. 5º, VI278), im-
plica regulamentação integral do cumprimento do O binômio Laicidade do Estado/Consagração da
preceito constitucional previsto no art. 210, §1º 279, Liberdade religiosa está presente na medida em que
autorizando à rede pública o oferecimento, em o texto constitucional a) expressamente garante a

277 CF, art. 19. “É vedado à União, aos Estados, ao Dis- propriedade, nos termos seguintes: VI – é inviolável a li-
trito Federal e aos Municípios: I – estabelecer cultos reli- berdade de consciência e de crença, sendo assegurado o
giosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o fun- livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma
cionamento ou manter com eles ou seus representantes da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.”
relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma 279 CF, art. 210. “Serão fixados conteúdos mínimos

da lei, a colaboração de interesse público.” para o ensino fundamental, de maneira a assegurar for-
278 CF, art. 5º. “Todos são iguais perante a lei, sem dis- mação básica comum e respeito aos valores culturais e ar-
tinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros tísticos, nacionais e regionais. § 1º O ensino religioso, de
e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à normais das escolas públicas de ensino fundamental.”

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FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

voluntariedade da matrícula para o ensino religioso, ORDEM SOCIAL


consagrando, inclusive, o dever do Estado de abso-
luto respeito aos agnósticos e ateus; b) implicita- EDUCAÇÃO, CULTURA E DESPORTO
mente impede que o poder público crie de modo ar- EDUCAÇÃO
tificial seu próprio ensino religioso, com um deter-
minado conteúdo estatal para a disciplina; bem
como proíbe o favorecimento ou hierarquização de É ilegal o Decreto do Executivo 2.264/1997, que, ao
interpretações bíblicas e religiosas de um ou mais estabelecer o valor da complementação da União ao
grupos em detrimento dos demais. Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
Fundamental e de Valorização do Magistério (Fun-
Dessa forma, são constitucionais os arts. 33, ca- def), fixa valor mínimo anual por aluno em patamar
put e §§ 1º e 2º, da Lei 9.394/1996280, e 11, § 1º, do inferior à média nacional.
Acordo entre o Governo da República Federativa do
Brasil e a Santa Sé relativo ao Estatuto Jurídico da O Decreto extravasa da delegação legal oriunda
Igreja Católica no Brasil281. da Lei 9.424/1996 e das margens de discricionarie-
dade conferidas à Presidência da República para fi-
ADI 4.439, red. p/ o ac. min. Alexandre de Moraes,
xar, em termos nacionais, o valor mínimo nacional
DJE de 21-6-2018.
por aluno.
(Informativo 879, Plenário)
A Lei 9.424/1996, que instituiu o Fundef, estabe-
lece que o Fundo deve ser complementado pela
União no caso de aporte estadual aquém do valor
mínimo nacional por aluno. Ela também determina
que esse valor mínimo deverá ser fixado mediante
decreto presidencial, desde que nunca seja inferior
à razão entre a previsão da receita total para o fundo
e o número de matrículas no ensino fundamental no
ano anterior, acrescida do total estimado de novas
matrículas.
Por sua vez, se o decreto observa, como parâme-
tro para fixação do valor mínimo, uma importância
intermediária resultante da média de cada valor mí-
nimo alcançado dentro de cada fundo por unidade
da Federação, exorbita seu poder normativo ao criar
limitação não prevista em lei.
A lei não menciona quocientes diferentes para
cada Estado-membro, mas estabelece um único mé-
todo de cálculo do valor mínimo. O objetivo é garan-
tir aos locais mais pobres a condição para ter um sis-
tema educacional de qualidade, promovendo a uni-
formidade do padrão de ensino a fim de diminuir a
desigualdade social do País.
Portanto, o decreto regulamentador é um ato de
discricionariedade não absoluta, vinculada ao limite
mínimo legal, sendo possível somente a fixação de

280 Lei 9.394/1996, art. 33. “O ensino religioso, de ma- pelas diferentes denominações religiosas, para a definição
trícula facultativa, é parte integrante da formação básica dos conteúdos do ensino religioso.”
do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das 281 Decreto 7.107/2010, art. 11. “(...) § 1º O ensino re-

escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o res- ligioso, católico e de outras confissões religiosas, de ma-
peito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas trícula facultativa, constitui disciplina dos horários nor-
quaisquer formas de proselitismo. § 1º Os sistemas de en- mais das escolas públicas de ensino fundamental, assegu-
sino regulamentarão os procedimentos para a definição rado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil,
dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as nor- em conformidade com a Constituição e as outras leis vi-
mas para a habilitação e admissão dos professores. § 2º gentes, sem qualquer forma de discriminação.”
Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída

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FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

valor em patamar superior ou igual à média nacio- Eventual frustração do repasse de verbas é uni-
nal. camente interesse público secundário da Fazenda
Pública, inconfundível, pois, com suposta ofensa aos
A adoção de parâmetros nacionais não descaracte- direitos de personalidade da população de determi-
riza o caráter regional dos fundos de natureza contá- nado ente federativo.
bil, gerenciados pelos Estados-membros, com vincu-
lação constitucional282 a ações de desenvolvimento e ACO 648, red. p/ o ac. min. Edson Fachin, DJE de 9-
manutenção do ensino fundamental. 3-2018.
(Informativo 876, Plenário)
A Emenda Constitucional 14/1996 descentrali-
zou uma série de atribuições do governo central na
realização de políticas públicas educacionais ao de-
linear, em nível constitucional, as funções dos entes
federados283. Buscou-se melhorar a qualidade das
políticas públicas pela via da eficiência, e não pelo
aumento de dispêndios.
A mudança consistiu na subvinculação de parte
das transferências federais aos demais entes fede-
rados, com finalidade específica relacionada ao en-
tão ensino fundamental. Isso não implicou, entre-
tanto, ofensa ao princípio federativo, pois não feriu
a autonomia estadual.

O repasse de valores a Estado-membro em valor in-


ferior ao fixado em lei não enseja a indenização da
população estadual por danos morais coletivos.

282 ADCT, art. 60. “Nos dez primeiros anos da promul- referido no § 1º será destinada ao pagamento dos profes-
gação desta emenda, os Estados, o Distrito Federal e os sores do ensino fundamental em efetivo exercício no ma-
Municípios destinarão não menos de sessenta por cento gistério. § 6º A União aplicará na erradicação do analfabe-
dos recursos a que se refere o caput do art. 212 da Cons- tismo e na manutenção e no desenvolvimento do ensino
tituição Federal, à manutenção e ao desenvolvimento do fundamental, inclusive na complementação a que se re-
ensino fundamental, com o objetivo de assegurar a uni- fere o § 3º, nunca menos que o equivalente a trinta por
versalização de seu atendimento e a remuneração con- cento dos recursos a que se refere o caput do art. 212 da
digna do magistério. § 1º A distribuição de responsabilida- Constituição Federal. § 7º A lei disporá sobre a organiza-
des e recursos entre os estados e seus municípios a ser ção dos Fundos, a distribuição proporcional de seus recur-
concretizada com parte dos recursos definidos neste ar- sos, sua fiscalização e controle, bem como sobre a forma
tigo, na forma do disposto no art. 211 da Constituição Fe- de cálculo do valor mínimo nacional por aluno.” (Redação
deral, é assegurada mediante a criação, no âmbito de cada dada pela EC 14/1996, porém já revogada pela EC
Estado e do Distrito Federal, de um fundo de manutenção 53/2006).
e desenvolvimento do ensino fundamental e de valoriza- 283 CF, art. 211. “A União, os Estados, o Distrito Federal

ção do magistério, de natureza contábil. § 2º O Fundo re- e os Municípios organizarão em regime de colaboração
ferido no parágrafo anterior será constituído por, pelo seus sistemas de ensino. § 1º A união organizará o sistema
menos, quinze por cento dos recursos a que se referem os federal de ensino e o dos Territórios, financiará as institui-
arts. 155, inciso II; 158, inciso IV; e 159, inciso I, alíneas a ções de ensino públicas federais e exercerá, em matéria
e b; e inciso II, da Constituição Federal, e será distribuído educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a
entre cada Estado e seus Municípios, proporcionalmente garantir equalização de oportunidades educacionais e pa-
ao número de alunos nas respectivas redes de ensino fun- drão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência
damental. § 3º A União complementará os recursos dos técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Fundos a que se refere o § 1º, sempre que, em cada Es- Municípios. § 2º Os Municípios atuarão prioritariamente
tado e no Distrito Federal, seu valor por aluno não alcan- no ensino fundamental e na educação infantil. § 3º Os Es-
çar o mínimo definido nacionalmente. § 4º A União, os Es- tados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no en-
tados, o Distrito Federal e os Municípios ajustarão pro- sino fundamental e médio. § 4º Na organização de seus
gressivamente, em um prazo de cinco anos, suas contri- sistemas de ensino, os Estados e os Municípios definirão
buições ao Fundo, de forma a garantir um valor por aluno formas de colaboração, de modo a assegurar a universali-
correspondente a um padrão mínimo de qualidade de en- zação do ensino obrigatório.”
sino, definido nacionalmente. § 5º Uma proporção não in-
ferior a sessenta por cento dos recursos de cada Fundo

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FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

ORDEM SOCIAL para, sponte propria, criar ou modificar marcos re-


gulatórios setoriais, no que estão abarcados pode-
COMUNICAÇÃO SOCIAL res para adaptar as instituições vigentes de modo a
REGULAÇÃO DE TELECOMUNICAÇÕES garantir a efetividade das novas regras jurídicas.
Os arts. 10287, 12288, 13289, 19, § 3º290, 21291,
Não há vício formal de constitucionalidade na Lei 22 , 25, § 1º293, 31, caput294, 36295 e 42296 da Lei do
292

12.485/2011 – Lei do Serviço de Acesso Condicio- SeAC simplesmente indicam a autoridade do Estado
nado (SeAC), de iniciativa de parlamentar, que rede- encarregada de exigir o cumprimento de novas re-
finiu o marco regulatório do setor de TV por assina- gras materiais sobre o serviço regulado. É um des-
tura no país, estabelecendo amplas e profundas mu- dobramento lógico de qualquer regra de conduta
danças no setor. que exija órgão encarregado de dar-lhe concreção,
de sorte que a mera inovação formal de atribuições
A competência legislativa do Congresso Nacional da Agência Nacional do Cinema (ANCINE) não confi-
para dispor sobre telecomunicações (CF, art. 22, gura fundamento suficiente para inquinar a validade
IV284) e para disciplinar os princípios constitucionais da lei.
incidentes sobre a produção e a programação das
Dessa forma, a Lei do SeAC não promoveu alte-
emissoras de rádio e televisão (CF, arts. 221285 e 222,
rações na fisionomia do Estado brasileiro que desca-
§ 3º286) confere autoridade ao Poder Legislativo
racterizassem sua identidade da Administração a

284 CF, art. 22. “Compete privativamente à União legis- 291 Lei 12.485/2011, art. 21. “Em caso de comprovada

lar sobre: (...) IV – águas, energia, informática, telecomu- impossibilidade de cumprimento integral do disposto nos
nicações e radiodifusão;” arts. 16 a 18, o interessado deverá submeter solicitação
285 CF, art. 221. “A produção e a programação das de dispensa à Ancine, que, caso reconheça a impossibili-
emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes dade alegada, pronunciar-se-á sobre as condições e limi-
princípios: I – preferência a finalidades educativas, artísti- tes de cumprimento desses artigos.”
cas, culturais e informativas; II – promoção da cultura na- 292 Lei 12.485/2011, art. 22. “Regulamentação da An-

cional e regional e estímulo à produção independente que cine disporá sobre a fixação do horário nobre, respeitado
objetive sua divulgação; III – regionalização da produção o limite máximo de 7 (sete) horas diárias para canais de
cultural, artística e jornalística, conforme percentuais es- programação direcionados para crianças e adolescentes e
tabelecidos em lei; IV – respeito aos valores éticos e soci- de 6 (seis) horas para os demais canais de programação.”
ais da pessoa e da família.” 293 Lei 12.485/2011, art. 25. “Os programadores não
286 CF, art. 222. “A propriedade de empresa jornalís- poderão ofertar canais que contenham publicidade de
tica e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é priva- serviços e produtos em língua portuguesa, legendada em
tiva de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez português ou de qualquer forma direcionada ao público
anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis bra- brasileiro, com veiculação contratada no exterior, senão
sileiras e que tenham sede no País. (...) § 3º Os meios de por meio de agência de publicidade nacional. § 1º A An-
comunicação social eletrônica, independentemente da cine fiscalizará o disposto no caput e oficiará à Anatel e à
tecnologia utilizada para a prestação do serviço, deverão Secretaria da Receita Federal do Brasil em caso de seu
observar os princípios enunciados no art. 221, na forma descumprimento.”
de lei específica, que também garantirá a prioridade de 294 Lei 12.485/2011, art. 31. “As prestadoras do ser-

profissionais brasileiros na execução de produções nacio- viço de acesso condicionado somente poderão distribuir
nais.” conteúdos empacotados por empresa regularmente cre-
287 Lei 12.485/2011, art. 10. “A gestão, a responsabili- denciada pela Ancine, observado o § 2o do art. 4o desta
dade editorial e as atividades de seleção e direção ineren- Lei.”
tes à programação e ao empacotamento são privativas de 295 Lei 12.485/2011, art. 36. “A empresa no exercício

brasileiros natos ou naturalizados há mais de 10 (dez) das atividades de programação ou empacotamento da co-
anos.” municação audiovisual de acesso condicionado que des-
288 Lei 12.485/2011, art. 12. “O exercício das ativida- cumprir quaisquer das obrigações dispostas nesta Lei su-
des de programação e empacotamento é condicionado a jeitar-se-á às seguintes sanções aplicáveis pela Ancine,
credenciamento perante a Ancine.” sem prejuízo de outras previstas em lei, inclusive as de na-
289 Lei 12.485/2011, art. 13. “As programadoras e em- tureza civil e penal: I – advertência; II – multa, inclusive di-
pacotadoras credenciadas pela Ancine deverão prestar as ária; III – suspensão temporária do credenciamento; IV –
informações solicitadas pela Agência para efeito de fisca- cancelamento do credenciamento.”
lização do cumprimento das obrigações de programação, 296 Lei 12.485/2011, art. 42. “A Anatel e a Ancine, no

empacotamento e publicidade.” âmbito de suas respectivas competências, regulamenta-


290 Lei 12.485/2011, art. 19. “Para efeito do cumpri- rão as disposições desta Lei em até 180 (cento e oitenta)
mento do disposto nos arts. 16 e 17, serão desconsidera- dias da sua publicação, ouvido o parecer do Conselho de
dos: (...) § 3o O cumprimento da obrigação de que trata o Comunicação Social.”
§ 2o será aferido em conformidade com período de apu-
ração estabelecido pela Ancine.”

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FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

ponto de justificar a glosa judicial com fulcro no art. ampliando as fontes de informação disponíveis e o
61, § 1º, II, e, da Constituição Federal (CF)297. O le- espaço para a manifestação de novos entrantes.
gislador foi prudente o suficiente para apenas adap- Dessa forma, realizam a dimensão objetiva do di-
tar o arcabouço institucional brasileiro (e a partilha reito fundamental à liberdade de expressão e de in-
de atribuições até então existente) a um novo marco formação, no que tem destaque o papel promocio-
regulatório do setor, cujas modificações não passa- nal do Estado no combate à concentração do poder
riam de levianas promessas se não acompanhadas comunicativo.
de instrumentos operacionais mínimos para dar-
lhes eficácia. A atribuição de poderes normativos à Ancine por
meio dos arts. 9º, parágrafo único302, 21 e 22 da Lei
São constitucionais as restrições à propriedade cru- do SeAC não viola o princípio da legalidade.
zada (art. 5º, caput e § 1º, da Lei do SeAC298) e à ver-
ticalização da cadeia de valor do audiovisual (art. 6º, A moderna concepção do postulado da legali-
I e II, da Lei do SeAC299). dade, em sua acepção principiológica ou formal axi-
ológica, chancela a atribuição de poderes normati-
Essas regras proibitivas nada mais fazem do que, vos ao Poder Executivo, desde que pautada por prin-
direta e imediatamente, concretizar os comandos cípios inteligíveis capazes de permitir o controle le-
constitucionais inscritos nos arts. 173, § 4º300, e 220, gislativo e judicial sobre os atos da Administração.
§ 5º301, da CF, no sentido de coibir o abuso do poder
Os referidos dispositivos legais, apesar de confe-
econômico e evitar a concentração excessiva do
rirem autoridade normativa à Ancine, estão acom-
mercado. Cuida-se, portanto, de regras antitruste
panhados por parâmetros aptos a conformar a con-
que buscam prevenir a configuração de falhas de
duta de todas as autoridades do Estado envolvidas
mercado (monopólios e oligopólios) e a distorção
na disciplina do setor audiovisual brasileiro (art. 3º
alocativa que lhes é correlata.
De forma mediata, as aludidas regras contri-
buem ainda para promover a diversificação do con-
teúdo produzido, justamente porque tendem a evi-
tar que o mercado de TV por assinatura se feche,

297 CF, art. 61. “A iniciativa das leis complementares e suas controladas, controladoras ou coligadas, não pode-
ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câ- rão, com a finalidade de produzir conteúdo audiovisual
mara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso para sua veiculação no serviço de acesso condicionado ou
Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribu- no serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens: I –
nal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral adquirir ou financiar a aquisição de direitos de exploração
da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previs- de imagens de eventos de interesse nacional; e II – con-
tos nesta Constituição. § 1º São de iniciativa privativa do tratar talentos artísticos nacionais de qualquer natureza,
Presidente da República as leis que: (...) II - disponham so- inclusive direitos sobre obras de autores nacionais.”
bre: (...) e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da 300 CF, art. 173. “Ressalvados os casos previstos nesta

administração pública, observado o disposto no art. 84, Constituição, a exploração direta de atividade econômica
VI;” pelo Estado só será permitida quando necessária aos im-
298 Lei 12.485/2011, art. 5o. “O controle ou a titulari- perativos da segurança nacional ou a relevante interesse
dade de participação superior a 50% (cinquenta por coletivo, conforme definidos em lei. (...) § 4º A lei repri-
cento) do capital total e votante de empresas prestadoras mirá o abuso do poder econômico que vise à dominação
de serviços de telecomunicações de interesse coletivo não dos mercados, à eliminação da concorrência e ao au-
poderá ser detido, direta, indiretamente ou por meio de mento arbitrário dos lucros.”
empresa sob controle comum, por concessionárias e per- 301 CF, art. 220. “A manifestação do pensamento, a cri-

missionárias de radiodifusão sonora e de sons e imagens ação, a expressão e a informação, sob qualquer forma,
e por produtoras e programadoras com sede no Brasil, fi- processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, ob-
cando vedado a estas explorar diretamente aqueles servi- servado o disposto nesta Constituição. (...) § 5º Os meios
ços. § 1o O controle ou a titularidade de participação su- de comunicação social não podem, direta ou indireta-
perior a 30% (trinta por cento) do capital total e votante mente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.”
de concessionárias e permissionárias de radiodifusão so- 302 Lei 12.485/2011, art. 9o. “As atividades de produ-

nora e de sons e imagens e de produtoras e programado- ção, programação e empacotamento são livres para em-
ras com sede no Brasil não poderá ser detido, direta, indi- presas constituídas sob as leis brasileiras e com sede e ad-
retamente ou por meio de empresa sob controle comum, ministração no País. Parágrafo único. As atividades de pro-
por prestadoras de serviços de telecomunicações de inte- gramação e de empacotamento serão objeto de regula-
resse coletivo, ficando vedado a estas explorar direta- ção e fiscalização pela Agência Nacional do Cinema – An-
mente aqueles serviços.” cine no âmbito das competências atribuídas a ela
299 Lei 12.485/2011, art. 6o. “As prestadoras de servi- pela Medida Provisória n. 2.228-1, de 6 de setembro de
ços de telecomunicações de interesse coletivo, bem como 2001.”

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FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

da Lei do SeAC303), impedindo que qualquer delas se lizados há mais de dez anos, representou típica in-
transforme em órgão titular de um pretenso poder terpretação legislativa evolutiva do comando cons-
regulatório absoluto. titucional encartado no art. 222, § 2º, da CF 307, de
todo condizente com os vetores axiológicos que in-
A restrição à participação de estrangeiros nas ativida- formam, no plano constitucional, a atividade de co-
des de programação e empacotamento de conteúdo municação de massa, entre os quais a preservação
audiovisual de acesso condicionado (art. 10, caput e da soberania e identidade nacionais, o pluralismo in-
§ 1º, da Lei do SeAC304) não viola o princípio da igual- formativo e a igualdade entre os prestadores de ser-
dade (art. 5º, caput, da CF305). viço a despeito da tecnologia utilizada na atividade.

A Constituição de 1988 não estabeleceu qual- A exigência de prévio credenciamento junto à Ancine
quer regra jurídica que interdite a distinção entre para exercício das atividades de programação e em-
brasileiro e estrangeiro, ao contrário do que acon- pacotamento; o dever de prestação de informações
tece com a situação do brasileiro nato e do naturali- solicitadas pela agência para fins de fiscalização e
zado, para a qual há explícita reserva constitucional cumprimento das obrigações de programação, em-
acerca das hipóteses de tratamento diferenciado pacotamento e publicidade; e a vedação à distribui-
(CF, art. 12, § 2º306). Destarte, é juridicamente pos- ção de conteúdo empacotado por empresa não cre-
sível ao legislador ordinário fixar regimes distintos, denciada pela agência (arts. 12, 13 e 31, caput, §§ 1º
desde que, em respeito ao princípio geral da igual- e 2º308, da Lei do SeAC) são válidos.
dade, revele fundamento constitucional suficiente
para a discriminação e demonstre a pertinência en- O poder de polícia administrativa manifesta-se
tre o tratamento diferenciado e a causa jurídica dis- tanto preventiva quanto repressivamente, tradu-
tintiva. zindo-se ora no consentimento prévio pela Adminis-
tração Pública para o exercício regular de certas li-
O art. 10, caput e § 1º, da Lei do SeAC, ao restrin-
berdades, ora no sancionamento do particular em
gir a gestão, a responsabilidade editorial e as ativi-
razão do descumprimento de regras materiais apli-
dades de seleção e direção inerentes à programação
cáveis à atividade regulada. Em qualquer caso, a in-
e ao empacotamento a brasileiros natos ou natura-
gerência estatal (fiscalizatória e punitiva) exsurge
como garantia da efetividade da disciplina jurídica

303 Lei 12.485/2011, art. 3o. “A comunicação audiovi- computadores, excetuadas as consideradas confidenciais
sual de acesso condicionado, em todas as suas atividades, pela legislação e regulamentação, cabendo à Agência ze-
será guiada pelos seguintes princípios: I – liberdade de ex- lar pelo sigilo destas.”
pressão e de acesso à informação; II – promoção da diver- 305 CF, art. 5º. “Todos são iguais perante a lei, sem dis-

sidade cultural e das fontes de informação, produção e tinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
programação; III – promoção da língua portuguesa e da e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
cultura brasileira; IV – estímulo à produção independente direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
e regional; V – estímulo ao desenvolvimento social e eco- propriedade, nos termos seguintes:”
nômico do País; VI – liberdade de iniciativa, mínima inter- 306 CF, art. 12. “São brasileiros: (...) § 2º A lei não po-

venção da administração pública e defesa da concorrência derá estabelecer distinção entre brasileiros natos e natu-
por meio da livre, justa e ampla competição e da vedação ralizados, salvo nos casos previstos nesta Constituição.”
ao monopólio e oligopólio nas atividades de comunicação 307 CF, art. 222. “A propriedade de empresa jornalís-

audiovisual de acesso condicionado. Parágrafo único. Adi- tica e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é priva-
cionam-se aos princípios previstos nos incisos deste artigo tiva de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez
aqueles estabelecidos na Convenção sobre a Proteção e anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis bra-
Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, apro- sileiras e que tenham sede no País. (...) § 2º A responsabi-
vada pelo Decreto Legislativo n. 485, de 20 de dezembro lidade editorial e as atividades de seleção e direção da pro-
de 2006.” gramação veiculada são privativas de brasileiros natos ou
304 Lei 12.485/2011, art. 10. “A gestão, a responsabili- naturalizados há mais de dez anos, em qualquer meio de
dade editorial e as atividades de seleção e direção ineren- comunicação social.”
tes à programação e ao empacotamento são privativas de 308 Lei 12.485/2011, art. 31. “As prestadoras do ser-

brasileiros natos ou naturalizados há mais de 10 (dez) viço de acesso condicionado somente poderão distribuir
anos. § 1o As programadoras e empacotadoras deverão conteúdos empacotados por empresa regularmente cre-
depositar e manter atualizada, na Ancine, relação com a denciada pela Ancine, observado o § 2º do art. 4º desta Lei.
identificação dos profissionais de que trata o caput deste § 1º As prestadoras do serviço de acesso condicionado de-
artigo, os documentos e atos societários, inclusive os re- verão tornar pública a empacotadora do pacote por ela
ferentes à escolha dos dirigentes e gestores em exercício, distribuído. § 2º A distribuidora não poderá ofertar aos as-
das pessoas físicas e jurídicas envolvidas na sua cadeia de sinantes pacotes que estiverem em desacordo com esta
controle, cujas informações deverão ficar disponíveis ao Lei.”
conhecimento público, inclusive pela rede mundial de

87
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

aplicável. setor cultural brasileiro, especialmente as indústrias


cinematográfica e videofonográfica, bem como a
Ademais, em nenhum momento, a Lei do SeAC
produção audiovisual de acesso condicionado. Sem
admite, pelo menos em relação a esses dispositivos,
que a Ancine tenha acesso a dados precisos sobre a
a influência do Estado sobre a liberdade de expres-
composição do mercado audiovisual, qualquer polí-
são ou criação intelectual, em quaisquer de suas três
tica pública de fomento padeceria de dificuldades
dimensões (i.e., produção de conteúdo audiovisual,
em diagnosticar as áreas carecedoras de estímulo
estruturação da programação e formatação de pa-
estatal e aquelas em que já há suficiente oferta de
cotes). Credenciar-se perante um órgão público ou
conteúdo.
prestar a ele informações não são obrigações que
tolham a liberdade de manifestação de nenhum Já o art. 31, caput, §§ 1º e 2º, da Lei do SeAC con-
agente econômico, na medida em que nada têm a substancia mero desdobramento lógico da exigência
ver com o objeto final das atividades de produção, de credenciamento das empacotadoras e da neces-
programação e empacotamento. sidade de cumprimento das cotas de programação.
De fato, se as empacotadoras estão sujeitas a um
Os arts. 12 e 13 da Lei do SeAC simplesmente fi-
dever de credenciamento e de veiculação de conte-
xam deveres instrumentais de colaboração das em-
údo brasileiro, seu descumprimento impede a atua-
presas para fins de permitir a atividade fiscalizatória
ção no mercado audiovisual brasileiro. Em conse-
da Ancine quanto ao cumprimento das novas obri-
quência, se a empresa empacotadora está impedida
gações materiais a que estão sujeitos todos os agen-
de atuar no setor, nada mais natural do que as em-
tes do mercado audiovisual. Além disso, por meio do
presas distribuidoras serem impedidas de com elas
credenciamento perante a Ancine e da prestação de
contratar.
informações relevantes à agência, fornece-se à au-
toridade regulatória substrato fático mínimo para É constitucional a fixação de cotas de conteúdo naci-
que possa mapear o mercado audiovisual brasileiro onal para canais e pacotes de TV por assinatura (arts.
e, assim, desempenhar, satisfatoriamente, sua outra 16309, 17310, 18311, 19312, 20313 e 23314 da Lei do SeAC).
(e principal) missão institucional: a de fomentar o

309 Lei 12.485/2011, art. 16. “Nos canais de espaço avulsa de programação; VII – os canais de programação
qualificado, no mínimo 3h30 (três horas e trinta minutos) ofertados em modalidade avulsa de conteúdo progra-
semanais dos conteúdos veiculados no horário nobre de- mado. § 1o Para os canais de que trata o inciso VI, aplica-
verão ser brasileiros e integrar espaço qualificado, e me- se o disposto no art. 16. § 2o Na oferta dos canais de que
tade deverá ser produzida por produtora brasileira inde- trata o inciso VII, no mínimo 10% (dez por cento) dos con-
pendente.” teúdos ofertados que integrarem espaço qualificado de-
310 Lei 12.485/2011, art. 17. “Em todos os pacotes verão ser brasileiros. § 3o O cumprimento da obrigação de
ofertados ao assinante, a cada 3 (três) canais de espaço que trata o § 2o será aferido em conformidade com perí-
qualificado existentes no pacote, ao menos 1 (um) deverá odo de apuração estabelecido pela Ancine. § 4o Para
ser canal brasileiro de espaço qualificado.” efeito do cumprimento do disposto no art. 18, serão des-
311 Lei 12.485/2011, art. 18. “Nos pacotes em que hou- considerados os canais de que tratam os incisos III, IV, V e
ver canal de programação gerado por programadora bra- VII do caput deste artigo.”
sileira que possua majoritariamente conteúdos jornalísti- 313 Lei 12.485/2011, art. 20. “A programadora ou em-

cos no horário nobre, deverá ser ofertado pelo menos um pacotadora, no cumprimento das obrigações previstas
canal adicional de programação com as mesmas caracte- nos arts. 16 a 18, observará as seguintes condições: I –
rísticas no mesmo pacote ou na modalidade avulsa de pro- pelo menos a metade dos conteúdos audiovisuais deve ter
gramação, observado o disposto no § 4o do art. 19.” sido produzida nos 7 (sete) anos anteriores à sua veicula-
312 Lei 12.485/2011, art. 19. “Para efeito do cumpri- ção; II – o conteúdo produzido por brasileiro nato ou na-
mento do disposto nos arts. 16 e 17, serão desconsidera- turalizado há mais de 10 (dez) anos será equiparado ao
dos: I – os canais de programação de distribuição obriga- produzido por produtora brasileira; III – o conteúdo pro-
tória de que trata o art. 32, ainda que veiculados em loca- duzido por brasileiro nato ou naturalizado há mais de 10
lidade distinta daquela em que é distribuído o pacote; II – (dez) anos será equiparado ao produzido por produtora
os canais de programação que retransmitirem canais de brasileira independente, caso seu produtor atenda as con-
geradoras detentoras de outorga de radiodifusão de sons dições previstas na alínea c do inciso XIX do art. 2o; IV –
e imagens em qualquer localidade; III – os canais de pro- quando o cálculo dos percentuais e razões não resultar em
gramação operados sob a responsabilidade do poder pú- número inteiro exato, considerar-se-á a parte inteira do
blico; IV – os canais de programação cuja grade de progra- resultado.”
mação não tenha passado por qualquer modificação para 314 Lei 12.485/2011, art. 23. “Nos 2 (dois) primeiros

se adaptar ao público brasileiro, incluindo legendagem, anos de vigência desta Lei, o número de horas de que trata
dublagem para língua portuguesa ou publicidade especí- o caput do art. 16, as resultantes das razões estipuladas
fica para o mercado brasileiro; V – os canais de programa- no caput e no § 1o do art. 17 e o limite de que trata o §
ção dedicados precipuamente à veiculação de conteúdos 3o do art. 17 serão reduzidos nas seguintes razões: I – 2/3
de cunho erótico; VI – os canais ofertados na modalidade (dois terços) no primeiro ano de vigência da Lei; II – 1/3

88
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

Essa sistemática consubstancia medida ade- estrangeiras. A produção nacional e independente


quada, necessária e proporcional para promover a continuou marginalizada. Somente com a política de
cultura brasileira e estimular a produção indepen- cotas é que esse cenário começou a ser substancial-
dente, dando concretude ao art. 221 da CF e ao art. mente modificado (e mais: sem comprometer em
6º315 da Convenção Internacional sobre a Proteção demasia o erário).
e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais
Ademais, o grau de prejuízo imposto à liberdade
(Decreto 6.177/2007) em um cenário mercadoló-
de iniciativa e à liberdade de expressão das empre-
gico caracterizado pela concentração do poder eco-
sas estrangeiras é ínfimo, na medida em que o legis-
nômico internacional, pela existência de barreiras à
lador não impediu, em qualquer momento, a comer-
entrada das empresas produtoras brasileiras, em es-
cialização de conteúdos audiovisuais de outros paí-
pecial das independentes, e pela tendência à homo-
ses nem o acesso de agentes econômicos estrangei-
geneização dos conteúdos disponibilizados ao assi-
ros ao mercado pátrio. O leve sacrifício à liberdade
nante.
de iniciativa é temporário e deverá ser suportado de
Com efeito, tanto a veiculação mínima de conte- modo progressivo pelos agentes econômicos, res-
údo brasileiro nos canais de TV por assinatura guardado que lhes foi período razoável de adapta-
quanto a exigência de um número também mínimo ção e planejamento. Com efeito, a política de cotas
de canais brasileiros nos pacotes ofertados aos assi- de conteúdo nacional foi criada com data para ter-
nantes estimulam a demanda pelos produtos da in- minar (art. 41 da Lei do SeAC316). Mais que isso: a
dústria audiovisual nacional, o que, em consequên- política vem sendo implementada de forma gradual,
cia, aquece a cadeia produtiva do setor e favorece visando a não causar nenhum impacto instantâneo
seu desenvolvimento e consolidação. no setor (art. 23 da Lei do SeAC). Cuida-se, pois, de
medida transitória e cautelosa arquitetada pelo le-
Apesar de existirem alternativas à promoção da
gislador como resposta temporária à fragilidade do
indústria audiovisual brasileira (e.g., isenções fiscais
mercado audiovisual brasileiro em face do poder
e patrocínio estatal) que impõem restrições menos
econômico internacional. Espera-se que, uma vez
onerosas aos bens jurídicos contrapostos, tais me-
fortalecida, a indústria pátria possa caminhar por
canismos não se apresentam como igualmente efi-
suas próprias pernas e ofertar produtos competiti-
cazes para a promoção do fim desejado pela política
vos interna e externamente.
pública em exame. E isso por uma simples razão: ins-
trumentos fiscais e financeiros sempre existiram e É constitucional a fixação de limite temporal máximo
foram aplicados em proveito da indústria nacional. para a publicidade comercial na TV por assinatura
Tanto é assim que a Ancine fora concebida, original- (art. 24 da Lei do SeAC317).
mente, como agência de fomento. Sem embargo, o
setor de TV paga permaneceu dominado pelas obras Essa limitação está em harmonia com o dever

(um terço) no segundo ano de vigência da Lei.” com o propósito de encorajar organizações de fins não lu-
315 Convenção Internacional sobre a Proteção e Pro- crativos, e também instituições públicas e privadas, artis-
moção da Diversidade das Expressões Culturais (Decreto tas e outros profissionais de cultura, a desenvolver e pro-
6.177/2007), artigo 6. “Direitos das Partes no âmbito na- mover o livre intercâmbio e circulação de ideias e expres-
cional. 1. No marco de suas políticas e medidas culturais, sões culturais, bem como de atividades, bens e serviços
tais como definidas no artigo 4.6, e levando em conside- culturais, e a estimular tanto a criatividade quanto o espí-
ração as circunstâncias e necessidades que lhe são parti- rito empreendedor em suas atividades; f) medidas com
culares, cada Parte poderá adotar medidas destinadas a vistas a estabelecer e apoiar, de forma adequada, as insti-
proteger e promover a diversidade das expressões cultu- tuições pertinentes de serviço público; g) medidas para
rais em seu território. 2. Tais medidas poderão incluir: encorajar e apoiar os artistas e todos aqueles envolvidos
a) medidas regulatórias que visem à proteção e promoção na criação de expressões culturais; h) medidas objeti-
da diversidade das expressões culturais; b) medidas que, vando promover a diversidade da mídia, inclusive medi-
de maneira apropriada, criem oportunidades às ativida- ante serviços públicos de radiodifusão.”
des, bens e serviços culturais nacionais – entre o conjunto 316 Convenção Internacional sobre a Proteção e Pro-

das atividades, bens e serviços culturais disponíveis no seu moção da Diversidade das Expressões Culturais (Decreto
território –, para a sua criação, produção, difusão, distri- 6.177/2007), art. 41. “Os arts. 16 a 23 deixarão de viger
buição e fruição, incluindo disposições relacionadas à lín- após 12 (doze) anos da promulgação desta Lei.”
gua utilizada nessas atividades, bens e serviços; c) medi- 317 Lei 12.485/2011, art. 24. “O tempo máximo desti-

das destinadas a fornecer às indústrias culturais nacionais nado à publicidade comercial em cada canal de programa-
independentes e às atividades no setor informal acesso ção deverá ser igual ao limite estabelecido para o serviço
efetivo aos meios de produção, difusão e distribuição das de radiodifusão de sons e imagens. Parágrafo único. O dis-
atividades, bens e serviços culturais; d) medidas voltadas posto no caput deste artigo não se aplica aos canais de
para a concessão de apoio financeiro público; e) medidas que trata o art. 32 desta Lei e aos canais exclusivos de pu-
blicidade comercial, de vendas e de infomerciais.”

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FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

constitucional de proteção do consumidor (CF, art. qualquer justificação que indique a vulnerabilidade
170, V318), máxime diante do histórico quadro regis- das empresas brasileiras de publicidade.
trado pela Agência Nacional de Telecomunicações
(ANATEL) de reclamações de assinantes quanto ao A outorga da atividade de distribuição do serviço de
volume de publicidade na grade de programação acesso condicionado mediante autorização adminis-
dos canais pagos. trativa, sem necessidade de prévio procedimento li-
citatório (art. 29 da Lei do SeAC), não viola o art. 37,
O consumidor do SeAC, ao assinar um pacote de XXI320, c/c o art. 175321, caput, da CF.
canais, desembolsa recursos para obter maior diver-
sidade de conteúdo e programação audiovisual, o O dever constitucional de licitar somente incide
que, obviamente, não se refere a propaganda co- nas hipóteses em que o acesso de particulares a al-
mercial. Canais diferentes são conhecidos pelos guma situação jurídica de vantagem relacionada ao
seus programas e não pela publicidade que transmi- poder público não possa ser universalizado. Des-
tem. tarte, descabe cogitar de certame licitatório quando
a contratação pública não caracterizar escolha da
A proibição da oferta de canais que veiculem publici- Administração e todo cidadão possa ter acesso ao
dade comercial direcionada ao público brasileiro con- bem pretendido. Ademais, no campo das telecomu-
tratada no exterior por agência de publicidade es- nicações, a Constituição admite a outorga do serviço
trangeira (art. 25 da Lei do SeAC319) viola o princípio mediante simples autorização (art. 21, XI322).
constitucional da igualdade.
O procedimento previsto na Lei do SeAC tam-
Esse princípio, enquanto regra de ônus argu- bém se justifica diante da nova e abrangente defini-
mentativo, exige que o tratamento diferenciado en- ção do SeAC (art. 2º, XXIII), apta a abarcar todas as
tre indivíduos seja acompanhado de causa jurídica possíveis plataformas tecnológicas existentes (e não
suficiente para amparar a discriminação, cujo exame apenas cabos físicos e ondas de radiofrequência),
de consistência, embora preserve um espaço de dis- bem como diante da qualificação privada recebida
cricionariedade legislativa, é sempre passível de afe- pela atividade no novo marco regulatório da comu-
rição judicial (CF, art. 5º, XXXV). A discriminação in- nicação audiovisual.
troduzida pelo art. 25 da Lei do SeAC não encontra
eco imediato em nenhuma norma constitucional ex- O art. 32, §§ 2º, 13 e 14, da Lei do SeAC323, ao impor
pressa, não possui prazo para ter fim e é despida de a disponibilidade gratuita dos canais de TV aberta às

318 CF, art. 170. “A ordem econômica, fundada na va- ções efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual so-
lorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por mente permitirá as exigências de qualificação técnica e
fim assegurar a todos existência digna, conforme os dita- econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das
mes da justiça social, observados os seguintes princípios: obrigações.”
(...) V – defesa do consumidor;” 321 CF, art. 175. “Incumbe ao Poder Público, na forma
319 Lei 12.485/2011, art. 25. “Os programadores não da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou per-
poderão ofertar canais que contenham publicidade de missão, sempre através de licitação, a prestação de servi-
serviços e produtos em língua portuguesa, legendada em ços públicos.”
português ou de qualquer forma direcionada ao público 322 CF, art. 21. “Compete à União: (...) XI – explorar,

brasileiro, com veiculação contratada no exterior, senão diretamente ou mediante autorização, concessão ou per-
por meio de agência de publicidade nacional. § 1º A An- missão, os serviços de telecomunicações, nos termos da
cine fiscalizará o disposto no caput e oficiará à Anatel e à lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação
Secretaria da Receita Federal do Brasil em caso de seu de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;”
descumprimento. § 2º A Anatel oficiará às distribuidoras 323 Lei 12.485/2011, art. 32. “A prestadora do serviço

sobre os canais de programação em desacordo com o dis- de acesso condicionado, em sua área de prestação, inde-
posto no § 1º, cabendo a elas a cessação da distribuição pendentemente de tecnologia de distribuição empregada,
desses canais após o recebimento da comunicação.” deverá tornar disponíveis, sem quaisquer ônus ou custos
320 CF, art. 37. “A administração pública direta e indi- adicionais para seus assinantes, em todos os pacotes ofer-
reta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do tados, canais de programação de distribuição obrigatória
Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios para as seguintes destinações: (...) § 2º A cessão às distri-
de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e buidoras das programações das geradoras de que trata o
eficiência e, também, ao seguinte: (...) XXI – ressalvados inciso I [canais da TV aberta] deste artigo será feita a título
os casos especificados na legislação, as obras, serviços, gratuito e obrigatório. (...) § 13. Caso não seja alcançado
compras e alienações serão contratados mediante pro- acordo quanto às condições comerciais de que trata o §
cesso de licitação pública que assegure igualdade de con- 12, a geradora local de radiodifusão de sons e imagens de
dições a todos os concorrentes, com cláusulas que esta- caráter privado poderá, a seu critério, exigir que sua pro-
beleçam obrigações de pagamento, mantidas as condi- gramação transmitida com tecnologia digital seja distribu-
ída gratuitamente na área de prestação do serviço de

90
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

distribuidoras e às geradoras de programação da TV eficácia das normas jurídicas aplicáveis ao setor,


por assinatura, não ofende a liberdade de iniciativa sendo certo que haveria evidente contradição ao se
nem os direitos de propriedade intelectual. impedir o início da atividade sem o registro (por não
preenchimento originário das exigências legais) e,
O modelo de negócios da radiodifusão não se es- ao mesmo tempo, permitir a continuidade de sua
trutura financeiramente sobre receitas cobradas do exploração quando configurada a perda superveni-
destinatário do conteúdo. A principal fonte de recur- ente da regularidade.
sos das prestadoras de TV aberta é a publicidade co-
mercial realizada durante a programação, e não a A existência de um regime jurídico de transição justo,
cobrança de assinatura dos telespectadores. O que ainda que consubstancie garantia individual direta-
fez a Lei do SeAC foi apenas replicar, no âmbito do mente emanada do princípio constitucional da segu-
serviço de acesso condicionado, essa lógica vigente rança jurídica e da proteção da confiança legítima
na televisão aberta. Com isso, pretende assegurar (CF, art. 5º, XXXVI324), não impede a redefinição e a
que também o consumidor dos serviços de TV por atualização dos marcos regulatórios setoriais.
assinatura tenha acesso gratuito ao conteúdo
aberto. O art. 37, §§ 6º, 7º e 11, da Lei do SeAC325, ao
fixar regras sobre a renovação das outorgas após o
Registre-se ainda que o direito de exploração do fim do respectivo prazo original de vigência e regras
serviço de radiodifusão qualifica-se como serviço pertinentes às alterações subjetivas sobre a figura
público, afastando-se da plena liberdade de inicia- do prestador do serviço, é constitucionalmente vá-
tiva. Nesse cenário, é razoável reconhecer ao legis- lido ante a inexistência, ab initio, de direito defini-
lador a possibilidade de garantir o acesso livre e gra- tivo à renovação automática da outorga, bem como
tuito ao conteúdo gerado. da existência de margem de conformação do legis-
lador para induzir os antigos prestadores a migra-
É possível o cancelamento do registro do agente eco-
rem para o novo regime.
nômico perante a Ancine por descumprimento de
obrigações legais. Já o art. 37, §§ 1º e 5º326, da Lei do SeAC, ao ve-

O art. 36 da Lei do SeAC representa garantia de

acesso condicionado, desde que a tecnologia de transmis- condicionado pela Anatel, só serão admitidas renovações
são empregada pelo distribuidor e de recepção disponível e transferências de outorgas, de controle, renovações de
pelo assinante assim o permitam, de acordo com critérios autorização do direito de uso de radiofrequência, altera-
estabelecidos em regulamentação da Anatel. § 14. Na hi- ções na composição societária da prestadora ou demais
pótese de que trata o § 13, a cessão da programação em alterações de instrumentos contratuais referentes à pres-
tecnologia digital não ensejará pagamento por parte da tação dos serviços mencionados no § 1º para prestadoras
distribuidora, que ficará desobrigada de ofertar aos assi- que adaptarem seus instrumentos de outorga para o ser-
nantes a programação em tecnologia analógica.” viço de acesso condicionado. (...) § 11 As atuais conces-
324 CF, art. 5º “Todos são iguais perante a lei, sem dis- sões para a prestação de TVA cujos atos de autorização de
tinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros uso de radiofrequência estejam em vigor, ou dentro de
e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do normas e regulamentos editados pela Anatel, até a data
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à da promulgação desta Lei, poderão ser adaptadas para
propriedade, nos termos seguintes: (...) XXXVI – a lei não prestação do serviço de acesso condicionado, nas condi-
prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a ções estabelecidas nesta Lei, permanecendo, neste caso,
coisa julgada;” vigentes os atos de autorização de uso de radiofrequência
325 Lei 12.485/2011, art. 37. “Revogam-se o art. 31 da associados pelo prazo remanescente da outorga, contado
Medida Provisória n. 2.228- 1, de 6 de setembro de 2001, da data de vencimento de cada outorga individualmente,
e os dispositivos constantes dos Capítulos I a IV, VI e VIII a não sendo objeto de renovação adicional.”
XI da Lei n. 8.977, de 6 de janeiro de 1995. (...) § 6º Até a 326 Lei 12.485/2011, art. 37. “Revogam-se o art. 31 da

aprovação do regulamento do serviço de acesso condicio- Medida Provisória n. 2.228- 1, de 6 de setembro de 2001,
nado, só serão admitidas pela Anatel renovações de ou- e os dispositivos constantes dos Capítulos I a IV, VI e VIII a
torgas, de autorização do direito de uso de radiofrequên- XI da Lei n. 8.977, de 6 de janeiro de 1995. § 1º Os atos de
cias, alterações na composição societária da prestadora, outorga de concessão e respectivos contratos das atuais
bem como transferências de outorgas, de controle ou de- prestadoras do Serviço de TV a Cabo – TVC, os termos de
mais alterações de instrumentos contratuais referentes à autorização já emitidos para as prestadoras do Serviço de
prestação dos serviços mencionados no § 1º para presta- Distribuição de Canais Multiponto Multicanal – MMDS e
doras que se comprometerem com a Anatel a promover a do Serviço de Distribuição de Sinais de Televisão e de Áu-
adaptação de seus instrumentos de outorga para o serviço dio por Assinatura Via Satélite – DTH, assim como os atos
de acesso condicionado imediatamente após a aprovação de autorização de uso de radiofrequência das prestadoras
do regulamento, que conterá os critérios de adaptação. § do MMDS e do Serviço Especial de Televisão por Assina-
7º Após a aprovação do regulamento do serviço de acesso

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FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

dar o pagamento de indenização aos antigos presta-


dores do serviço em virtude das novas obrigações
não previstas no ato de outorga original, não viola
qualquer previsão constitucional, porquanto, em
um cenário contratual e regulatório marcado pela li-
berdade de preços, descabe cogitar de qualquer in-
denização pela criação de novas obrigações legais
(desde que constitucionalmente válidas). Eventuais
aumentos de custos que possam surgir deverão ser
administrados exclusivamente pelas próprias em-
presas, que tanto podem repassá-los aos consumi-
dores quanto retê-los em definitivo.
ADIs 4.756, 4.747, 4.679 e 4.923, rel. min. Luiz Fux,
DJE de 5-4-2018.
(Informativo 884, Plenário)

tura – TVA, continuarão em vigor, sem prejuízo da adap- e à administração do espectro de radiofrequências, de-
tação aos condicionamentos relativos à programação e vendo a Agência, no que couber, adequar a regulamenta-
empacotamento previstos no Capítulo V, até o término ção desses serviços às disposições desta Lei. (...) § 5º Não
dos prazos de validade neles consignados, respeitada a serão devidas compensações financeiras às prestadoras
competência da Anatel quanto à regulamentação do uso dos serviços mencionados no § 1º nos casos de adaptação
de outorgas de que trata este artigo.”

92
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

DIREITO ELEITORAL majoritário simples seja aquele previsto no art. 224,


caput, do CE, que, diga-se, é anterior à Constituição
ELEIÇÕES Federal (CF) de 1988, significa requerer que a Cons-
tituição seja interpretada por legislação infraconsti-
APURAÇÃO tucional, inclusive anterior à própria CF.
NULIDADES DA VOTAÇÃO Não há qualquer inconstitucionalidade na opção
legislativa de não preservar os votos remanescentes
É constitucional legislação federal327 que estabeleça válidos quando seu propósito, a realização de novas
novas eleições para os cargos majoritários simples328 eleições, fortalece, em vez de enfraquecer, uma re-
– isto é, prefeitos de Municípios com menos de du- gra constitucional que concretiza os princípios de-
zentos mil eleitores e senadores da República – em mocrático e representativo.
casos de vacância por causas eleitorais. A Constituição, a propósito, não exige o aprovei-
tamento de votos válidos em eleições majoritárias
Embora nos pleitos submetidos ao sistema ma- simples. A convocação do segundo colocado na hi-
joritário simples um candidato possa se consagrar pótese de anulação de menos da metade dos votos
vencedor com uma pequena margem superior de válidos representa apenas uma opção legítima.
votos, a Constituição não prevê a convocação do se-
gundo colocado na hipótese de anulação de menos Disso decorre que a restrição dessa hipótese
de 50% dos votos válidos. Conforme entendimento acarretada pela inclusão do § 3º ao art. 224, repre-
sedimentado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sentando uma exceção ao caput, mostra-se também
quem o faz é o Código Eleitoral (CE), em seu art. 224, legítima e até mais consentânea com o espírito da
caput, quando interpretado contrario sensu. CF de 1988. O fato de o constituinte ter optado pelo
sistema majoritário simples não significa, de modo
Essa foi uma opção do legislador ordinário para algum, que, em hipóteses de vacância, deve-se pro-
uma “causa eleitoral” de perda do mandato. Toda- ceder ao chamamento do segundo colocado. Em ou-
via, a regra constitucional para a ocupação de cargos tros termos, não significa que o legislador não possa
eletivos é a eleição. Por essa razão, é legítima a op- estabelecer a realização de novas eleições, uniformi-
ção legislativa de ampliar essa regra por meio da exi- zando o processo de escolha do sucessor em todos
gência de realização de novas eleições nas hipóteses os pleitos majoritários.
de vacância originadas por indeferimento do regis-
tro, cassação do diploma ou perda do mandato de Diante disso, não há qualquer justificativa razoá-
candidato eleito. vel que milite em favor da aplicação do art. 224, §
3º, do CE apenas a governadores e prefeitos de Mu-
Exigir que o critério de solução de vacância em nicípios com mais de duzentos mil eleitores.
eleições para cargos eletivos submetidos ao sistema

327 Lei 4.737/1965: “Art. 224. Se a nulidade atingir a 328 “Os sistemas eleitorais consistem em conjunto de
mais de metade dos votos do país nas eleições presiden- regras e técnicas legais cujo objetivo é organizar a repre-
ciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do sentação popular no país. Têm como funções a organiza-
município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudica- ção das eleições e a conversão de votos em mandatos po-
das as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova líticos, de modo a fazer com que os cargos políticos eleti-
eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias. vos sejam ocupados de forma legítima e representativa.
§ 1º Se o Tribunal Regional na área de sua competência, Em nosso país, são adotados apenas os sistemas propor-
deixar de cumprir o disposto neste artigo, o Procurador cional e majoritário. Conforme as regras deste último,
Regional levará o fato ao conhecimento do Procurador- vence a eleição o candidato que obtiver a maioria dos vo-
Geral, que providenciará junto ao Tribunal Superior para tos. Entretanto, o sistema majoritário se divide em majo-
que seja marcada imediatamente nova eleição. § 2º Ocor- ritário absoluto e majoritário simples. O primeiro exige
rendo qualquer dos casos previstos neste capítulo o Mi- que o vencedor obtenha a maioria absoluta dos votos. Por
nistério Público promoverá, imediatamente a punição dos essa razão, poderá haver um segundo turno nas eleições
culpados. § 3º A decisão da Justiça Eleitoral que importe o às quais tal sistema se aplica – Presidente da República,
indeferimento do registro, a cassação do diploma ou a Governador de Estado e do Distrito Federal e Prefeitos de
perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritá- Municípios com mais de duzentos mil habitantes. Já o sis-
rio acarreta, após o trânsito em julgado, a realização de no- tema majoritário simples é aquele no qual o vencedor pre-
vas eleições, independentemente do número de votos anu- cisa receber apenas a maioria simples dos votos válidos.
lados. § 4º A eleição a que se refere o § 3º correrá a ex- No Brasil, tal sistema é aplicado para apenas dois cargos:
pensas da Justiça Eleitoral e será: I – indireta, se a vacância Senador da República e Prefeito de Municípios com menos
do cargo ocorrer a menos de seis meses do final do man- de duzentos mil eleitores.” (Trecho do voto do ministro
dato; II – direta, nos demais casos.” (Vide ADI 5.525) (sem Roberto Barroso no julgamento da ADI 5.619). (sem grifos
grifos no original) no original)

93
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

Por outro lado, também não há se falar que a re- fortalecimento.


alização de novas eleições viola o princípio da eco-
ADI 5.619, rel. min. Roberto Barroso, DJE de 7-8-
nomicidade. Em uma democracia, o valor da legiti-
2018.
midade política é inestimável. E quanto maior for
(Informativo 893, Plenário)
ela, maior será sua compatibilidade com o espírito
democrático e republicano da CF. Ao exigir novas
eleições nas hipóteses de indeferimento do registro,
cassação do diploma ou perda do mandato de can-
didato eleito, independentemente do número de
votos anulados, o legislador ordinário conferiu
maior valor à regra constitucional da eleição.
Embora a realização de novas eleições enseje, de
fato, um custo à República, isso, por si só, não pode
ser considerado como razão suficiente para se ex-
cepcionar a regra democrática da eleição. A econo-
micidade não deve prevalecer sobre a democracia.
Basta imaginar que o segundo colocado pode ser um
candidato com uma porcentagem significativa-
mente irrelevante de votos329.

O legislador ordinário federal pode prever hipóteses


de vacância de cargos eletivos fora das situações ex-
pressamente contempladas na Constituição, com vis-
tas a assegurar a higidez do processo eleitoral e a pre-
servar o princípio majoritário.

Diferentemente do que ocorre com o presidente


e senadores, a CF não estabelece expressamente
uma única solução para a hipótese de dupla vacân-
cia nos cargos de governador e prefeito.
Tratando-se de causas eleitorais de extinção do
mandato, a competência para legislar a respeito
pertence à União, por força do art. 22, I330, da CF, e
não aos entes federados, aos quais compete dispor
sobre a solução de vacância por causas não eleito-
rais de extinção do mandato.
Por fim, cabe ressaltar que a escolha das causas
eleitorais de extinção do mandato e a adoção de
medidas para assegurar a legitimidade da investi-
dura de candidato em cargo eletivo são matérias de
ponderação legislativa, apenas passíveis de controle
judicial quando desvestidas de finalidade legítima.
Portanto, é constitucional a opção legislativa federal
de estabelecer a realização de novas eleições, inde-
pendentemente do número de votos anulados em
pleitos do sistema majoritário absoluto ou simples.
Não há contrariedade à soberania popular, mas seu

329 “Imagine-se o caso extremo de um candidato eleito como critério exclusivo para a solução de hipóteses de va-
ter recebido 99%, mas que tenha sido posteriormente cas- cância previstas no ato normativo impugnado.” (Trecho
sado. O segundo colocado, muito possivelmente, ocupará do voto do ministro Roberto Barroso no julgamento da
a chefia do Poder Executivo do Município após ter rece- ADI 5.619).
bido menos de 1% dos votos válidos. Não há economici- 330 “Art. 22. Compete privativamente à União legislar

dade que justifique a aceitação dessa situação. Pelas mes- sobre: I – direito civil, comercial, penal, processual, eleito-
mas razões, não vejo qualquer ofensa ao princípio da pro- ral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do traba-
porcionalidade na adoção de realização de novas eleições lho;”

94
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

INELEGIBILIDADES pessoas unidas por vínculos de ordem familiar equi-


valeria a ensejar, em última análise, o domínio do
INELEGIBILIDADES CONSTITUCIONAIS próprio Estado por grupos privados. Não se pode
INELEGIBILIDADE REFLEXA perder de perspectiva, neste ponto, que a questão
do Estado é, por essência, a questão do poder.
A vedação ao exercício de três mandatos consecuti- A patrimonialização do poder constitui situação
vos de prefeito pelo mesmo núcleo familiar331 aplica- de inquestionável anomalia, e a consagração de prá-
se na hipótese em que tenha havido a convocação do ticas hegemônicas na esfera institucional do poder
segundo colocado nas eleições para o exercício de político conduziria o processo de governo a verda-
mandato-tampão. deiro retrocesso histórico, o que constituiria, na
perspectiva da atualização e modernização do apa-
Inexiste tratamento diferenciado em relação ao relho de Estado, situação de todo inaceitável.
mandato regular, de tal modo que, em virtude da
RE 1.128.439 AgR, rel. min. Celso de Mello, DJE de
inelegibilidade por parentesco (CF, art. 14, §§ 5º e
14-12-2018.
7º332), descabe o exercício da chefia do Poder Exe-
(Informativo 921, Segunda Turma)
cutivo local, pela terceira vez consecutiva, por mem-
bros integrantes do mesmo grupo familiar.333 e 334
O constituinte revelou-se claramente hostil a
práticas ilegítimas que denotem o abuso de poder
econômico ou que caracterizem o exercício distor-
cido do poder político-administrativo. Sendo assim,
buscou proteger a normalidade e a legitimidade das
eleições contra a influência, sempre censurável, do
poder econômico ou contra o abuso, absolutamente
inaceitável, do exercício de função pública. Para
isso, definiu situações de inelegibilidade, destinadas
a obstar, precisamente, entre as várias hipóteses
possíveis, a formação de grupos hegemônicos que,
ao monopolizar o acesso aos mandatos eletivos, vir-
tualmente patrimonializam o poder governamental
e convertem-no em verdadeira res domestica, uma
inadmissível inversão dos postulados republicanos.
As formações oligárquicas constituem grave de-
formação do processo democrático. A busca do po-
der não pode limitar-se à esfera reservada de grupos
privados, notadamente de índole familiar, sob pena
de frustrar-se o princípio do acesso universal às ins-
tâncias governamentais. Além disso, legitimar-se o
controle monopolístico do poder por núcleos de

331 RE 158.314, rel. min. Celso de Mello, 1ªT; RE eletivo e candidato à reeleição.”
236.948, rel. min. Octávio Gallotti, P; RE 756.073 AgR, rel. 333 “(...) quem analisa detidamente os princípios que

min. Ricardo Lewandowski, 2ª T. norteiam a Constituição na parte atinente às inelegibilida-


332 “Art. 14. A soberania popular será exercida pelo su- des há de convir que sua intenção, no particular, é evitar,
frágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor entre outras coisas, a perpetuidade de grupos familiares,
igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: (...) § 5º ou oligarquias, à frente dos executivos.” (Trecho do voto
O Presidente da República, os Governadores de Estado e do ministro Cordeiro Guerra no julgamento do RE 98.935,
do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver suce- rel. min. Cordeiro Guerra, P.).
dido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser 334 “RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ELEITORAL. ART. 14,

reeleitos para um único período subsequente. (...) § 7º § 7º, DA CONSTITUIÇÃO. CUNHADA DE GOVERNADOR DE
São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o côn- ESTADO, CANDIDATA A CARGO ELETIVO MUNICIPAL. INE-
juge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo LEGIBILIDADE. A causa de inelegibilidade prevista no art.
grau ou por adoção, do Presidente da República, de Go- 14, § 7º, da Constituição alcança a cunhada de governador
vernador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de quando concorre a cargo eletivo de município situado no
Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis mesmo Estado. Recurso extraordinário não conhecido.”
meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato (RE 171.061, rel. min. Francisco Rezek, P.)

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FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

PARTIDOS POLÍTICOS direitos constituídos pela concretização dos requisi-


tos necessários ao seu surgimento, regidos pela
FILIAÇÃO PARTIDÁRIA norma anteriormente vigente. Em outras palavras,
INFIDELIDADE PARTIDÁRIA eventuais alterações legislativas não podem preten-
der desconstituir um direito subjetivo cujo ciclo
aquisitivo já tenha se consumado, integrando-se ao
Há indícios de inconstitucionalidade no art. 22-A da patrimônio de seu titular.
Lei 9.096/1995, introduzido pela Lei 13.165/2015,
que regula a perda de mandato por infidelidade par- No caso, a incidência do art. 22-A sobre situa-
tidária, no tocante à sua incidência sobre os partidos ções jurídicas pendentes de partidos políticos re-
políticos registrados até a entrada em vigor da Lei cém-criados parece violar o direito adquirido dessas
13.165/2015, quando o prazo de 30 dias para as filia- legendas335. Há, aqui, uma questão de direito inter-
ções de detentores de mandato eletivo ainda estava temporal, relativa ao conflito de leis no tempo. Se,
transcorrendo. por ocasião da edição do dispositivo impugnado, já
tivesse sido consumado o registro do estatuto parti-
Há forte plausibilidade jurídica no que se refere dário de diversos partidos no Tribunal Superior Elei-
à violação ao princípio da segurança jurídica e, mais toral (TSE), teria surgido o direito de receberem em
especificamente, ao direito adquirido e às legítimas seus quadros detentores de mandato eletivo, ao
expectativas das agremiações recém-fundadas. abrigo da justa causa então vigente. Tal direito não
poderia ser desconsiderado por eventual alteração
A proteção da segurança jurídica designa um
legislativa.
conjunto abrangente de ideias e conteúdos, que
está positivado em diversos dispositivos da Consti- Assim, em razão da ausência de disposições tran-
tuição de 1988, como os que preveem o direito à se- sitórias para regular as situações jurídicas penden-
gurança (CF, art. 5º, caput) e a proteção ao direito tes, a possibilidade de aplicação da Lei 13.165/2015
adquirido, à coisa julgada e ao ato jurídico perfeito a esses partidos, quando ainda em curso o prazo de
(CF, art. 5º, XXXVI). 30 dias para filiações de detentores de mandato ele-
tivo, constitui uma indevida retroatividade da lei,
Do ponto de vista objetivo, ela se refere (i) à an-
para alcançar direitos constituídos de acordo com a
terioridade das normas jurídicas em relação às situ-
disciplina normativa anterior.
ações às quais se dirigem; (ii) à estabilidade do Di-
reito, que deve ter como traço geral a permanência Muito embora não exista direito adquirido a re-
e continuidade das normas; e (iii) à não retroativi- gime jurídico nem direito à permanência indefinida
dade das leis, que não deverão produzir efeitos re- de uma mesma disciplina normativa sobre determi-
trospectivos para colher direitos subjetivos constitu- nada matéria336, tal circunstância não impede que
ídos. direitos sejam adquiridos na constância de um dado
regime jurídico ou que alterações futuras possam
Já do ponto de vista subjetivo, a segurança jurí-
atingir situações constituídas anteriormente de
dica refere-se à proteção da confiança relativa-
forma ilimitada. Há, por óbvio, direitos que devem
mente aos atos do poder público, tendo como coro-
ser conservados em face de mudanças normativas.
lário a tutela das expectativas legítimas.
Mais do que isso, ainda que não se pudesse caracte-
A cláusula do direito adquirido constitui conte- rizar cabalmente a existência de um direito adqui-
údo elementar do direito à segurança jurídica. Ela rido neste caso, seria necessário proteger as situa-
veicula a proibição de que nova norma se aplique a ções estabilizadas pela previsão normativa anterior,

335 “Na data em que a Lei 13.165 foi editada, em 29-9- 22-10-2015 – para receber filiados detentores de manda-
2015, 3 (três) novos partidos haviam sido registrados no tos eletivos, sem que estes perdessem o cargo. Todavia,
Tribunal Superior Eleitoral, de modo que estavam cor- quando alcançou o 7º dia do prazo, a Lei 13.165/2015 en-
rendo seus prazos de 30 dias para que recebessem parla- trou em vigor, excluindo a possibilidade de imediata mi-
mentares detentores de mandato eletivo, ao abrigo da gração de parlamentares amparada pela justa causa de
justa causa de desfiliação, conforme fixado pelo TSE na ‘criação de novo partido’. Passou, assim, a sujeitar os que
Resolução 22.610/2007 e na Consulta 755-35. São eles: (i) mudassem de partido à perda de mandato eletivo por in-
o Partido Novo (registrado no TSE em 15-9-2015), (ii) a fidelidade partidária. Como é intuitivo, tal alteração inibiu
Rede Sustentabilidade (registrada no TSE em 22-9-2015), novas filiações e a obtenção de representatividade pela
e (iii) o Partido da Mulher Brasileira (registrado no TSE em nova agremiação.” (Trecho do voto do ministro Roberto
29-9-2015). Tome-se de forma exemplificativa o caso da Barroso no presente julgamento.)
Rede Sustentabilidade. A legenda obteve registro no TSE 336 ADC 29, rel. min. Luiz Fux, P; ADC 30, rel. min. Luiz

em 22-9-2015. Cumprido este requisito, nos termos da Fux, P; ADI 4.578, rel. min. Luiz Fux, P.
Consulta TSE 755-35, o partido teria 30 dias – ou seja, até

96
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

assegurando-se uma transição razoável, em res- parlamentar dos novos partidos, na medida em que,
peito às legítimas expectativas geradas nas novas somente com a migração de parlamentares, as le-
agremiações e nos parlamentares em vias de se fili- gendas recém-criadas poderiam obter, desde sua
arem a elas. criação, funcionamento parlamentar, i.e., o direito
de se fazer representar nas casas legislativas, de se
A proteção das legítimas expectativas337 criadas
organizar em bancadas, sob a direção de um líder, e
em particulares por atos do próprio poder público
de participar das suas diversas instâncias340.
decorre da obrigação estatal de agir com boa-fé.
Trata-se, logicamente, de uma exigência do Estado ADI 5.398 MC-REF, rel. min. Roberto Barroso, DJE de
Democrático de Direito. A boa-fé demanda que as 20-11-2018.
autoridades públicas protejam a confiança e as legí- (Informativo 901, Plenário)
timas expectativas suscitadas, até mesmo diante de
alterações legislativas posteriores, sempre que estas
estejam fortemente amparadas em comportamen-
tos objetivos do Estado.
Portanto, ainda que não se queira identificar um
direito adquirido na hipótese, a incidência do art.
22-A sobre os partidos políticos registrados no TSE
imediatamente antes da entrada em vigor da Lei
13.165/2015 violou a legítima expectativa dessas
agremiações e dos detentores de mandato eletivo.
Além da forte plausibilidade jurídica do direito
invocado, por violação ao princípio da segurança ju-
rídica, o perigo na demora está igualmente configu-
rado.
Com efeito, ao não incluir no rol de “justas cau-
sas” para desfiliação a “criação de novo partido”, o
art. 22-A inviabilizou a imediata migração de parla-
mentares eleitos às agremiações recém-fundadas.
Com isso, o dispositivo impugnado estabeleceu obs-
táculos ao desenvolvimento e fortalecimento das
novas agremiações. Em primeiro lugar, porque im-
pedir a filiação desses parlamentares aos novos par-
tidos338 sem perda de cargo inviabilizaria que tais
agremiações tivessem, desde logo, direito à realiza-
ção de propaganda partidária e à maior participação
na distribuição do fundo partidário e do horário de
propaganda eleitoral gratuita339 para as eleições
municipais de 2016. Em segundo lugar, porque a
nova norma causava embaraço ao funcionamento

337 “Na situação em análise, referida expectativa legí- reservados à propaganda de cada eleição, nos termos do
tima foi gerada nos partidos novos não apenas pelas ma- § 1o, serão distribuídos entre todos os partidos e
nifestações do TSE, na Resolução 22.610, de 2007, e na coligações que tenham candidato, observados os
Consulta 755-35, de 2011, mas também por sucessivos seguintes critérios: I – 90% (noventa por cento) distribuí-
pronunciamentos do STF, que implícita ou explicitamente dos proporcionalmente ao número de representantes na
assentaram que a migração a legendas recém-criadas Câmara dos Deputados, considerados, no caso de coliga-
constituía justa causa para desfiliação.” (Trecho do voto ção para eleições majoritárias, o resultado da soma do nú-
do ministro Roberto Barroso no presente julgamento.) mero de representantes dos seis maiores partidos que a
338 ADI 4.430, rel. min. Dias Toffoli, P; ADI 4.795 MC, integrem e, nos casos de coligações para eleições propor-
rel. min. Dias Toffoli, P. cionais, o resultado da soma do número de representan-
339 Lei 9.504/1997: “Art. 47. As emissoras de rádio e tes de todos os partidos que a integrem; II – 10% (dez por
de televisão e os canais de televisão por assinatura men- cento) distribuídos igualitariamente.”
cionados no art. 57 reservarão, nos trinta e cinco dias an- 340 Art. 49 da Lei 9.096/1995, aplicável aos partidos

teriores à antevéspera das eleições, horário destinado à recém-criados, por força do Acórdão do TSE de 6-11-2012,
divulgação, em rede, da propaganda eleitoral gratuita, na na Propaganda Partidária 1.458.
forma estabelecida neste artigo. (...) § 2o Os horários

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FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

PARTIDOS POLÍTICOS 95%. No entanto, caso se optasse por fixar a distri-


buição máxima às candidaturas de mulheres, ape-
FUNDO PARTIDÁRIO nas 15% do total de recursos do fundo poderiam
QUOTA ELEITORAL DE GÊNERO ser-lhes destinados, hipótese em que os recursos re-
servados às candidaturas masculinas seriam de 85%.
O art. 9º da Lei 13.165/2015341 recebeu interpreta- Em virtude do princípio da igualdade, o partido
ção conforme à Constituição Federal (CF) no sentido político não pode criar distinções na distribuição
de que: desses recursos exclusivamente baseadas no gê-
nero. A autonomia partidária não consagra regra
a) Ao patamar legal mínimo de candidaturas femini- que exima o partido do respeito incondicional aos
nas (hoje o do art. 10, § 3º, da Lei 9.504/1997342, isto direitos fundamentais. Noutras palavras, a autono-
é, ao menos 30% de cidadãs) deve ser equiparado o mia partidária não justifica o tratamento discrimina-
mínimo de recursos do Fundo Partidário a lhes serem tório entre as candidaturas de homens e mulheres,
destinados, que deve ser interpretado como também pois o art. 17 da CF343 dispõe ser livre a criação, fu-
de 30% do montante do fundo alocado a cada par- são, incorporação e extinção de partidos políticos,
tido, para eleições majoritárias e proporcionais; e “resguardados os direitos fundamentais da pessoa
b) Havendo percentual mais elevado de candidaturas humana”.
femininas, o mínimo de recursos globais do partido Da mesma forma, é certo que, enquanto pessoas
destinados a campanhas lhes seja alocado na mesma jurídicas de direito privado, conforme preceitua o
proporção. art. 44, V, do Código Civil344, aplicam-se aos partidos
políticos não só a garantia da plena autonomia, nos
Inexistem justificativas razoáveis ou racionais
termos do art. 17, § 1º, da CF345, mas também a pró-
para a diferença na distribuição de recursos do
pria liberdade de associação livre da interferência
Fundo Partidário destinados ao financiamento das
estatal (CF, art. 5º, XVIII346).
campanhas eleitorais voltadas a candidaturas de
mulheres, tal qual previsto no dispositivo. Entretanto, o respeito à igualdade não é obriga-
ção cuja previsão somente se aplica à esfera pública.
Com efeito, a prevalecer o comando impugnado,
Incide, aqui, a ideia de eficácia horizontal dos direi-
o estabelecimento de um piso de 5% significaria, na
tos fundamentais, sendo importante reconhecer
prática, que, na distribuição dos recursos públicos
que é precisamente nesta artificiosa segmentação
que a agremiação partidária deve destinar às candi-
entre o público e o privado que reside a principal
daturas, os homens poderiam receber no máximo

341 “Art. 9o Nas três eleições que se seguirem à publi- parlamentar de acordo com a lei.”
cação desta Lei, os partidos reservarão, em contas bancá- 344 “Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:

rias específicas para este fim, no mínimo 5% (cinco por (...) V – os partidos políticos.”
cento) e no máximo 15% (quinze por cento) do montante 345 “Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e ex-

do Fundo Partidário destinado ao financiamento das cam- tinção de partidos políticos, resguardados a soberania na-
panhas eleitorais para aplicação nas campanhas de suas cional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os di-
candidatas, incluídos nesse valor os recursos a que se re- reitos fundamentais da pessoa humana e observados os
fere o inciso V do art. 44 da Lei n. 9.096, de 19 de setem- seguintes preceitos: (...) § 1º É assegurada aos partidos
bro de 1995.” políticos autonomia para definir sua estrutura interna e
342 “Art. 10. Cada partido ou coligação poderá registrar estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de
candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legis- seus órgãos permanentes e provisórios e sobre sua orga-
lativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais nização e funcionamento e para adotar os critérios de es-
no total de até 150% (cento e cinquenta por cento) do nú- colha e o regime de suas coligações nas eleições majoritá-
mero de lugares a preencher, salvo: (...) § 3o Do número rias, vedada a sua celebração nas eleições proporcionais,
de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas
partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, de-
por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para vendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e
candidaturas de cada sexo.” fidelidade partidária.”
343 “Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e ex- 346 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distin-

tinção de partidos políticos, resguardados a soberania na- ção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
cional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os di- aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do di-
reitos fundamentais da pessoa humana e observados os reito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à pro-
seguintes preceitos: I – caráter nacional; II – proibição de priedade, nos termos seguintes: (...) XVIII – a criação de
recebimento de recursos financeiros de entidade ou go- associações e, na forma da lei, a de cooperativas indepen-
verno estrangeiros ou de subordinação a estes; III – pres- dem de autorização, sendo vedada a interferência estatal
tação de contas à Justiça Eleitoral; IV – funcionamento em seu funcionamento;”

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FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

forma de discriminação às mulheres347. pelo fato de serem mulheres.


Finalmente, descabe argumentar que a disposi- Da mesma forma, não cabe sustentar que o per-
ção dos recursos destinados às campanhas de mu- centual de candidaturas para as mulheres limita-se
lheres da forma como prevista na norma impugnada a reconhecer uma igualdade de oportunidades, no
revelariam o “consenso possível”. Em caso de prote- sentido de garantir iguais condições a partir de uma
ção deficiente de direitos fundamentais, a liberdade posição inicial, nomeadamente as candidaturas.
de conformação do legislador é reduzida, incum- Vale ressaltar, nesse aspecto, a “igualdade transfor-
bindo ao Judiciário zelar pela sua efetiva promoção. mativa”, prevista no Comentário Geral 25 do Comitê
Nessa perspectiva, a inexistência de consenso revela para Eliminação da Discriminação contra a Mu-
não um limite à atuação do legislador, mas uma lher348.
omissão inconstitucional, na medida em que priva as
candidaturas de mulheres dos recursos públicos que São inconstitucionais, por arrastamento, o § 5º-A349 e
irão custear suas aspirações políticas de ocupar uma o § 7º350 do art. 44 da Lei 9.096/1995, os quais, em
posição democraticamente representativa, apenas

347 “As violações a direitos fundamentais não ocorrem a qual o Comitê interpreta como igualdade material. Além
somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Es- disso, a Convenção exige que as mulheres tenham garan-
tado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas tidas iguais oportunidades e que elas sejam empoderadas
físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fun- por um ambiente que as permita alcançar a igualdade de
damentais assegurados pela Constituição vinculam direta- resultados. Não é suficiente garantir às mulheres trata-
mente não apenas os poderes públicos, estando direcio- mento que é idêntico ao dos homens. Ao contrário, dife-
nados também à proteção dos particulares em face dos renças biológicas e as que são social e culturalmente cons-
poderes privados. (…) A ordem jurídico-constitucional bra- truídas entre homens e mulheres devem ser levadas em
sileira não conferiu a qualquer associação civil a possibili- conta. Em certas circunstâncias, tratamento não idêntico
dade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em de mulheres e de homens será exigido para resolver tais
especial, dos postulados que têm por fundamento direto diferenças. O objetivo de alcançar a igualdade material
o próprio texto da Constituição da República, notada- também convoca uma estratégia efetiva para superar a
mente em tema de proteção às liberdades e garantias fun- sub-representação das mulheres e a redistribuição de re-
damentais. O espaço de autonomia privada garantido pela cursos e poderes entre homens e mulheres. 9. A igualdade
Constituição às associações não está imune à incidência de resultados é o corolário lógico da igualdade de fato ou
dos princípios constitucionais que asseguram o respeito material. Esses resultados podem ser de natureza quanti-
aos direitos fundamentais de seus associados. A autono- tativa ou qualitativa; ou seja, mulheres gozando de seus
mia privada, que encontra claras limitações de ordem ju- direitos em vários campos em número e de forma igual-
rídica, não pode ser exercida em detrimento ou com des- mente justa em relação aos homens, gozando de mesmos
respeito aos direitos e garantias de terceiros, especial- padrões remuneratórios, igualdade na tomada de deci-
mente aqueles positivados em sede constitucional, pois a sões e na influência política, e mulheres gozando de liber-
autonomia da vontade não confere aos particulares, no dade contra toda violência. 10. A posição das mulheres
domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgre- não será melhorada enquanto as causas que sustentam a
dir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela pró- discriminação contra as mulheres, e sua desigualdade,
pria Constituição, cuja eficácia e força normativa também não forem efetivamente enfrentadas. As vidas das mulhe-
se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações res e dos homens devem ser consideradas em seu con-
privadas, em tema de liberdades fundamentais.” (RE texto, e as medidas adotadas para a real transformação de
201.819, red. p/ o ac. min Gilmar Mendes) oportunidades, instituições e sistemas a fim de que eles
348 “7. Primeiramente, as obrigações dos Estados- não mais tenham por base os paradigmas masculinos his-
parte são garantir que não haja discriminação direta ou toricamente determinados de poder e de padrões de
indireta contra as mulheres nas suas leis e que as mulhe- vida.” (Tradução livre apud voto do ministro Edson Fachin
res sejam protegidas contra a discriminação – praticada no julgamento da ADI 5.617)
por autoridades públicas, o judiciário, organizações, em- 349 “Art. 44. Os recursos oriundos do Fundo Partidário

presas e entidades privadas – nas esferas públicas ou pri- serão aplicados: (…) § 5º-A A critério das agremiações par-
vadas pelos tribunais competentes assim como sanções e tidárias, os recursos a que se refere o inciso V poderão ser
outros remédios. Em segundo lugar, a obrigação dos Esta- acumulados em diferentes exercícios financeiros, manti-
dos-parte é a de melhorar a posição de fato das mulheres dos em contas bancárias específicas, para utilização futura
por meio de políticas concretas e eficazes. Em terceiro lu- em campanhas eleitorais de candidatas do partido.”
gar, a obrigação dos Estados-parte é a de enfrentar as re- 350 “Art. 44. (...) § 7º A critério da secretaria da mulher

lações prevalentes de gênero e a persistência de estereó- ou, inexistindo a secretaria, a critério da fundação de pes-
tipos baseados no gênero que atingem as mulheres não quisa e de doutrinação e educação política, os recursos a
apenas por meio de atos individuais por indivíduos, mas que se refere o inciso V do caput poderão ser acumulados
também por meio da lei, e das estruturas legais e sociais e em diferentes exercícios financeiros, mantidos em contas
das instituições. 8. Na visão do Comitê, uma atuação pu- bancárias específicas, para utilização futura em campa-
ramente legal e forma ou programática não é suficiente nhas eleitorais de candidatas do partido, não se aplicando,
para atingir a igualdade de fato entre homens e mulheres, neste caso, o disposto no § 5º.”

99
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

tese, conferia discricionariedade, quer às agremia- O critério de distribuição de recursos oriundos


ções partidárias, quer às secretarias da mulher, para do Fundo Partidário deve obedecer à composição
autorizar-lhes a utilizar os recursos destinados à pro- das candidaturas e deflui diretamente da cota fixada
moção e difusão da participação política das mulhe- no art. 10, § 3º, da Lei de Eleições.
res em suas campanhas.
Ademais, embora a legitimidade das políticas
A utilização dos recursos destinados à promoção afirmativas dependa de seu caráter temporário354, a
e difusão da participação política das mulheres em distribuição não discriminatória dos recursos deve
suas campanhas é, na verdade, uma obrigação que perdurar enquanto for justificada a composição mí-
não está no âmbito da discricionariedade dos parti- nima das candidaturas. Na hipótese, a temporarie-
dos políticos. dade recai sob as cotas de candidaturas, não sob a
distribuição de recursos que não está sujeita ao tra-
É preciso reconhecer que ao lado do direito a vo- tamento discriminatório.
tar e ser votado, como parte substancial do conte-
údo democrático, a completude é alcançada quando ADI 5.617, rel. min. Edson Fachin, DJE de 3-10-2018.
são levados a efeito os meios à realização da igual- (Informativo 894, Plenário)
dade. Só assim a democracia se mostra inteira. Caso
contrário, a letra constitucional apenas alimentará o
indesejado simbolismo das intenções que nunca se
concretizam no plano das realidades. A participação
das mulheres nos espaços políticos é um imperativo
do Estado e produz impactos significativos para o
funcionamento do campo político, uma vez que a
ampliação da participação pública feminina permite
equacionar as medidas destinadas ao atendimento
das demandas sociais das mulheres.
Não se pode deixar de reconhecer que a pre-
sença reduzida de mulheres na vida política brasi-
leira “colabora para a reprodução de concepções
convencionais do ‘feminino’, que vinculam as mu-
lheres à esfera privada e/ ou dão sentido a sua atu-
ação na esfera pública a partir do seu papel conven-
cional na vida doméstica” e “coloca água no moinho
da reprodução de posições subordinadas para as
mulheres e da naturalização das desigualdades de
gênero”.351 “Precisamos de uma nova forma de pen-
sar sobre as representações legais que desafiem os
estereótipos de gênero que estão por trás dos abu-
sos de direitos humanos baseados no gênero.” 352
Daí por que a atuação dos partidos políticos não
pode, sob pena de ofensa às suas obrigações trans-
formativas, deixar de se dedicar também à promo-
ção e à difusão da participação política das mulhe-
res.

É inconstitucional a expressão “três” contida no art.


9º da Lei 13.165/2015353.

351 MOTA, Fernanda Ferreira; BIROLI, Flávia. O gênero cação desta Lei, os partidos reservarão, em contas bancá-
na política: a construção do “feminino” nas eleições presi- rias específicas para este fim, no mínimo 5% (cinco por
denciais de 2010. Cadernos Pagu, n. 43, jul.-dez. 2014, p. cento) e no máximo 15% (quinze por cento) do montante
227. do Fundo Partidário destinado ao financiamento das cam-
352 OTTO, Dianne. Women's Rights (22.03.2010). U. of panhas eleitorais para aplicação nas campanhas de suas
Melbourne Legal Studies Research Paper, n. 459. Disponí- candidatas, incluídos nesse valor os recursos a que se re-
vel em: <http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.1576229>, tradu- fere o inciso V do art. 44 da Lei n. 9.096, de 19 de setem-
ção livre. bro de 1995.”
353 “Art. 9º Nas três eleições que se seguirem à publi- 354 ADPF 186, rel. min. Ricardo Lewandowski, P.

100
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

DIREITO INTERNACIONAL
DIREITO INTERNACIONAL PENAL
CRIMES CONTRA A HUMANIDADE
SEQUESTRO

Os crimes de lesa-humanidade são prescritíveis.

Os crimes cometidos em regime de exceção por


militar com motivação política são considerados cri-
mes contra a humanidade. Eles são prescritíveis de
acordo com o ordenamento brasileiro, uma vez que
o Brasil ainda não subscreveu a Convenção Sobre a
Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Cri-
mes Contra a Humanidade da Organização das Na-
ções Unidas355.

No delito de sequestro, enquanto a vítima perma-


nece desaparecida, perdura a consumação, a menos
que seja constatada sua morte, ainda que presumida.

Entretanto, no que se refere ao sequestro, trata-


se de delito de natureza permanente, e apenas se
submete à prescrição se consumado, o que só
ocorre se a vítima, ou seu corpo, for encontrada. O
crime também se consuma na hipótese de presu-
mida a morte.
Ext 1.270, red. p/ o ac. min. Roberto Barroso, DJE de
23-2-2018.
(Informativo 888, Primeira Turma)

355 Ext 1.362, rel. min. Edson Fachin, P.

101
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

DIREITO PENAL EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE


PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA
PENAS
CAUSAS SUSPENSIVAS
APLICAÇÃO DA PENA
CRIME CONTINUADO A prescrição da pretensão punitiva fica suspensa no
período em que estiverem sendo cumpridas as con-
Os delitos de roubo e de extorsão praticados medi- dições de parcelamento do débito fiscal, desde que a
ante condutas autônomas e subsequentes não se inclusão no Programa Refis (Programa de Recupera-
qualificam como fato típico único e devem ser puni- ção Fiscal) tenha ocorrido antes do recebimento da
dos em concurso material356. denúncia359.

Trata-se de crimes de espécies distintas, razão A adesão ao programa de parcelamento Refis


pela qual é inviável o reconhecimento da continui- (Lei 9.964/2000, art. 15360) suspende a ação penal
dade delitiva (CP, art. 71357).358 durante o período em que cumpridas as condições
estabelecidas. Ademais, essa lei se aplica inclusive
A principal diferença entre as duas figuras delitu-
em relação a fatos ocorridos antes de sua vigên-
osas reside no fato de que na extorsão a participa- cia361, pois é muito maior a vantagem da suspensão
ção da vítima é condição para que o crime seja pra- da pretensão punitiva do que a correspondente des-
ticado; ou seja, o apoderamento do objeto material
vantagem da suspensão do prazo prescricional, so-
depende da conduta da vítima. No roubo, o crime
bretudo tendo em vista a possibilidade da extinção
ocorrerá independentemente de uma ação ou omis- da punibilidade, se realizado o pagamento integral
são do sujeito passivo. do débito tributário (Lei 9.249/1995 e Lei
HC 114.667, red. p/ o ac. min. Roberto Barroso, DJE 10.684/2003).
de 12-6-2018. Não haveria lógica em permitir que a prescrição
(Informativo 899, Primeira Turma) seguisse seu curso normal no período de inclusão no
Refis. Se assim fosse, a adesão ao programa, por ini-
ciativa do contribuinte, serviria mais como uma es-
tratégia de defesa para alcançar a prescrição com o
decurso do tempo do que como um meio de promo-
ver a regularização dos débitos fiscais, que é a real
finalidade do programa.
ARE 1.037.087 AgR, rel. min. Dias Toffoli, DJE de 5-9-
2018.

356 HC 106.433, rel. min. Gilmar Mendes, 2ª T; RHC Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e no art. 95 da
112.676, rel. min. Rosa Webber, 1ª T. Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991, durante o período em
357 CP, art. 71. “Quando o agente, mediante mais de que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludi-
uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da dos crimes estiver incluída no Refis, desde que a inclusão
mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, ma- no referido Programa tenha ocorrido antes do recebi-
neira de execução e outras semelhantes, devem os subse- mento da denúncia criminal. § 1º A prescrição criminal
quentes ser havidos como continuação do primeiro, não corre durante o período de suspensão da pretensão
aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou punitiva. § 2º O disposto neste artigo aplica-se, também: I
a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, – a programas de recuperação fiscal instituídos pelos Es-
de um sexto a dois terços. Parágrafo único. Nos crimes do- tados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, que ado-
losos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência tem, no que couber, normas estabelecidas nesta Lei; II –
ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a aos parcelamentos referidos nos arts. 12 e 13. § 3º Extin-
culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a per- gue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo
sonalidade do agente, bem como os motivos e as circuns- quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efe-
tâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênti- tuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tribu-
cas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas tos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tive-
as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste rem sido objeto de concessão de parcelamento antes do
Código.” recebimento da denúncia criminal.”
358 HC 113.900, rel. min. Teori Zavascki, 2ª T. 361 RE 339.535, rel. min. Sepúlveda Pertence, decisão
359 HC 81.444, rel. min. Nelson Jobim, 2ª T. monocrática.
360 “Art. 15. É suspensa a pretensão punitiva do Es-

tado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da

102
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

(Informativo 911, Segunda Turma) EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE


PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA
TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO APÓS A SENTENÇA
CONDENATÓRIA IRRECORRÍVEL

Se não houve ainda o trânsito em julgado para ambas


as partes, não cabe falar prescrição da pretensão exe-
cutória.

A prescrição da pretensão executória362 pressu-


põe a inércia do titular do direito de punir. Se o seu
titular se encontra impossibilitado de exercê-lo em
razão do entendimento anterior do Supremo Tribu-
nal Federal que vedava a execução provisória da
pena363, descabe falar em inércia do titular da pre-
tensão executória364.
Não há como admitir o início da contagem do
prazo da prescrição executória enquanto não puder
ser efetiva e concretamente exercida a pretensão
estatal. O simples trânsito em julgado da sentença
condenatória para a acusação não pode ter o auto-
mático efeito de iniciar o curso da prescrição execu-
tória.
O entendimento de que a prescrição da preten-
são executória se iniciaria com o trânsito em julgado
para a acusação viola o direito fundamental à inafas-
tabilidade da jurisdição, que pressupõe a existência
de uma tutela jurisdicional efetiva, ou melhor, de
uma Justiça efetiva.
Ademais, a existência de manobras procrastina-
tórias, como a sucessiva oposição de embargos de
declaração e a renúncia ao cargo que gera a prerro-
gativa de foro, apenas reforça a ideia de que é abso-
lutamente desarrazoada a tese de que o início da
contagem do prazo prescricional deve se dar a partir
do trânsito em julgado para a acusação. Tal entendi-
mento apenas fomentaria a interposição de recur-
sos com fim meramente procrastinatório, frus-
trando a efetividade da jurisdição penal.
RE 696.533, red. p/ o ac. min. Roberto Barroso, DJE
de 5-3-2018.
(Informativo 890, Primeira Turma)

362 “A extinção da pretensão executória pelo decurso ação do Poder Judiciário. (...) Celeridade que significa dili-
do prazo prescricional pressupõe a inércia do Estado. Para gência e não precipitação, e que é um direito do acusado’
Roberto Delmanto Júnior, ‘o instituto da prescrição, além (Código Penal Comentado, Saraiva, 8ª edição, p. 403).”
do importantíssimo papel de evitar punições completa- (Trecho do voto do ministro Roberto Barroso no julga-
mente extemporâneas e já sem significado como medida mento do RE 696.533.)
de prevenção especial e geral, retributiva e ressocializa- 363 HC 84.078, rel. min. Eros Grau, P.

dora, possui a correlata função de impor celeridade à atu- 364 HC 107.710 AgR, rel. min. Roberto Barroso, 1ª T; e

HC 115.269, rel. min. Rosa Weber, 1ª T.

103
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

CRIMES CONTRA A PESSOA CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO


CRIMES CONTRA A VIDA FURTO
HOMICÍDIO365 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Causar a morte de alguém ao dirigir veículo automo- A aplicação do princípio da insignificância, em crimes
tor sob a influência de álcool, além de fazê-lo na con- contra o patrimônio, não depende apenas da magni-
tramão, atrai a incidência do art. 121 c/c o art. 18, tude do resultado da conduta.
I366, ambos do Código Penal (CP).
A aferição da insignificância da conduta como re-
O dolo do delito cometido nessas circunstâncias quisito negativo da tipicidade envolve um juízo am-
não é direto, mas eventual, pois o condutor assumiu plo, que vai além da simples aferição do resultado
risco ou, no mínimo, não se preocupou com o risco material da conduta, abrangendo também a reinci-
de eventualmente causar seja lesões, seja a morte. dência ou contumácia do agente, elementos que,
Diante disso, há que se diferenciar a culpa consci- embora não determinantes, devem ser considera-
ente do dolo eventual, não havendo falar em aplica- dos368.
ção do delito previsto no art. 302 do Código de Trân-
Busca-se, desse modo, evitar que ações típicas
sito Brasileiro367.
de pequena significação passem a ser consideradas
Dessa forma, ante o reconhecimento da evolu- penalmente lícitas e imunes a qualquer espécie de
ção jurisprudencial na análise do que vem a ser dolo repressão estatal, perdendo-se de vista as relevan-
eventual e culpa consciente, é legítimo o tratamento tes consequências jurídicas e sociais decorrentes
como crime doloso (CP, art. 121, caput c/c art. 18, I) desse fato.
e o julgamento pelo Tribunal do Júri daquele que
Essa ideia se reforça pelo fato de já haver previ-
causa a morte de alguém ao dirigir veículo automo-
são, na legislação penal, da possibilidade de mensu-
tor sob a influência de álcool, além de fazê-lo na
ração da gravidade da ação369, o que, embora sem
contramão.”
excluir a tipicidade da conduta, pode culminar em
HC 124.687, red. p/ o ac. min. Roberto Barroso, DJE significativo abrandamento da pena ou até mesmo
de 27-6-2018. na mitigação da persecução penal.
(Informativo 904, Primeira Turma)
HC 136.385, red. p/ o ac. min. Alexandre de Moraes,
DJE de 2-10-2018.
(Informativo 910, Primeira Turma)

365 CP, art. 121. “Matar alguém: Pena – reclusão, de 369 O legislador fez constar da Exposição de Motivos

seis a vinte anos.” da Parte Especial do Código Penal que “não se distingue,
366 CP, art. 18. “Diz-se o crime: I – doloso, quando o para diverso tratamento penal, entre o maior ou menor
agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;” valor da lesão patrimonial; mas, tratando-se de furto,
367 CTB, art. 302. “Praticar homicídio culposo na dire- apropriação indébita ou estelionato, quando a coisa sub-
ção de veículo automotor: Penas – detenção, de dois a traída, desviada ou captada é de pequeno valor, (...) pode
quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a per- o juiz substituir a pena de reclusão pela de detenção, di-
missão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.” minuí-la de um até dois terços, ou aplicar somente a de
368 HC 123.533, rel. min. Roberto Barroso, P. multa (arts. 155, § 2º, 170, 171, § 1º)”.

104
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL


FURTO CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA ESTUPRO

Não é possível acatar a tese de atipicidade material É dispensável a ocorrência de lesões corporais para a
da conduta em face do elevado nível de reprovabili- caracterização da violência real nos crimes de estu-
dade assentado pelas instâncias antecedentes. pro.

A aferição da insignificância da conduta como re- “Caracteriza-se violência real não apenas nas si-
quisito negativo da tipicidade, em crimes contra o tuações em que se verifiquem lesões corporais, mas
patrimônio, envolve um juízo amplo, que vai além da sempre que é empregada força física contra a ví-
simples verificação do resultado material da con- tima, cerceando-lhe a liberdade de agir, segundo a
duta, abrangendo também a reincidência ou contu-
mácia do agente, elementos que, embora não de-
terminantes, devem ser considerados370.
Busca-se, desse modo, evitar que ações típicas
de pequena significação passem a ser consideradas
penalmente lícitas e imunes a qualquer espécie de
repressão estatal, perdendo-se de vista as relevan-
tes consequências jurídicas e sociais decorrentes
desses fatos.
A aplicação do princípio da insignificância não
depende apenas da magnitude do resultado da con-
duta. Essa ideia se reforça pela previsão, na legisla-
ção penal, da possibilidade de mensuração da gravi-
dade da ação, o que, embora sem excluir a tipici-
dade da conduta, pode desembocar em significativo
abrandamento da pena ou até mesmo na mitigação
da persecução penal.
Nesse sentido, considerando-se que o réu tem
diversos registros criminais, entre os quais uma con-
denação com trânsito em julgado por delito de na-
tureza patrimonial, desautoriza-se a aplicação do
princípio da insignificância
Nada obstante, em sendo as circunstâncias judi-
ciais favoráveis – razão pela qual a pena-base foi es-
tabelecida no mínimo legal –, a imposição do regime
inicial semiaberto, com arrimo na reincidência, pa-
rece colidir com a proporcionalidade da escolha do
regime que melhor se coaduna com as circunstân-
cias da conduta de furto de bem, avaliado em R$
31,20, pertencente a estabelecimento comercial.371
Nesse caso, quanto ao modo de cumprimento da
reprimenda penal, há quadro de constrangimento
ilegal a ser corrigido de ofício, de modo que a con-
versão da reprimenda corporal em penas restritivas
de direito melhor se amolda à espécie.
HC 137.217, red. p/ o ac. min. Alexandre de Moraes,
DJE de 23-11-2018.
(Informativo 913, Primeira Turma)

370 HC 123.533, rel. min. Roberto Barroso, P. 371 Idem.

105
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

sua vontade.”372 CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL


“Nas palavras sempre bem-vindas de Júlio CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL
Fabbrini Mirabete373, ‘violência é o emprego de
força física contra vítima, causando-lhe ou não le- ESTUPRO
sões corporais’. Como ensina Nelson Hungria374, ‘o
termo violência é usado no art. 213375 do Código Pe- A ação penal nos crimes contra a liberdade sexual
nal (CP) no sentido restrito de emprego de força ma- praticados mediante violência real, antes ou depois
terial. É o meio aplicado sobre a pessoa da vítima do advento da Lei 12.015/2009, tem natureza pública
para cercear sua liberdade externa ou sua faculdade incondicionada.
de agir ou não agir segundo a própria vontade. É a
violência que o direito romano chamava de vis cor- Os delitos de estupro, em parcela significativa,
poralis (vis corpori illata, vis absoluta), para distin- são cometidos mediante violência. Procurando am-
gui-la da exercida mediante intimidação (...)’. ”376 parar, mais ainda, a honra das vítimas desses crimes,
o Supremo Tribunal Federal (STF) aderiu à posição
“A existência de violência real na consumação do
de crime de ação pública incondicionada, que veio a
estupro, aí incluída a tentativa, configura crime com-
ser cristalizada no Enunciado 608382 da Súmula do
plexo, em sentido amplo, pela circunstância de que
STF, em pleno vigor.
da violência resultam, isoladamente, outros delitos
autônomos, o que atrai a incidência da regra do art. Ademais, para fins de caracterização de violência
101377 do CP e não a do art. 225378.”379 Assim, nessas real em crimes de estupro, é dispensável a ocorrên-
hipóteses, o Ministério Público, conforme o Enunci- cia de lesões corporais383.
ado da Súmula 608380 do Supremo Tribunal Federal,
HC 125.360, red. p/ o ac. min. Alexandre de Moraes,
possui legitimidade para propor a ação penal381.
DJE de 6-4-2018.
RHC 117.978, rel. min. Dias Toffoli, DJE de 1º-8-2018. (Informativo 892, Primeira Turma)
(Informativo 905, Segunda Turma)

372 HC 81.848, rel. min. Maurício Corrêa, 2ª T. desde que, em relação a qualquer destes, se deva proce-
373 MIRABETE, Júlio Fabbrini, Código Penal Interpre- der por iniciativa do Ministério Público.”
tado. Ed. Atlas, 2000. p. 1247 apud ministro Maurício Cor- 378 Art. 225: “Nos crimes definidos nos Capítulos I e II

rêa em seu voto no julgamento do HC 81.848. deste Título, procede-se mediante ação penal pública con-
374 HUNGRIA, Nelson, Comentários ao Código Penal. 4. dicionada à representação.
ed. Forense. v. VIII. p. 120 apud ministro Maurício Corrêa 379 HC 81.848, rel. min. Maurício Corrêa, 2ª T.

em seu voto no julgamento do HC 81.848. 380 Enunciado 608 da Súmula do STF: “No crime de es-
375 Art. 213: “Constranger alguém, mediante violência tupro, praticado mediante violência real, a ação penal é
ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou pública incondicionada.”
permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: 381 HC 102.683, rel. min. Ellen Gracie, 2ª T.

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.” 382 Enunciado 608 da Súmula do STF: “No crime de es-
376 HC 81.848, rel. min. Maurício Corrêa, 2ª T. tupro, praticado mediante violência real, a ação penal é
377 Art. 101: “Quando a lei considera como elemento pública incondicionada.”
ou circunstâncias do tipo legal fatos que, por si mesmos, 383 HC 81.848, rel. min. Maurício Corrêa, 2ª T; HC

constituem crimes, cabe ação pública em relação àquele, 102.683, rel. min. Ellen Gracie, 2ª T.

106
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO
CONTRA A ADMINISTRAÇÃO EM GERAL CONTRA A ADMINISTRAÇÃO EM GERAL

CORRUPÇÃO PASSIVA CONCEITO DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO PARA FINS PE-


NAIS
Para a aptidão de imputação de corrupção passiva,
não é necessária a descrição de um específico ato de Para o fim previsto no art. 327, § 1º, do Código Penal
ofício, bastando uma vinculação causal entre as van- (CP)386, tem a qualificação de funcionário público pes-
tagens indevidas e as atribuições do funcionário pú- soa que exerce cargo, emprego ou função em enti-
blico, passando este a atuar não mais em prol do in- dade paraestatal ou trabalha em empresa prestadora
teresse público, mas em favor de seus interesses pes- de serviços contratada ou conveniada para a execu-
soais384. ção de atividade típica da Administração Pública.

A leitura do tipo penal do art. 317 do CP 385 não A finalidade do dispositivo do art. 327, § 1º, do
remete a nenhuma exigência da prática de “ato de CP é abranger qualquer indivíduo que, de alguma
ofício”, ou sequer de sua indicação, para a caracte- forma, transacione com o Estado e se aproprie de
rização da figura básica do delito. O crime ocorre
com a mera solicitação e/ou recebimento de vanta-
gem, ou aceitação de sua promessa, em razão da
função pública. A eventual prática, ou omissão inde-
vida, do ato de ofício consubstancia hipótese de au-
mento de pena, prevista no § 1º.
A exigência de indicação de um ato concreto
para a caracterização do delito de corrupção, além
de ser contrária ao texto expresso da lei, afasta da
punição as manifestações mais graves da violação à
função pública.
Inq 4.506 e Inq 4.506 AgR-segundo, red. p/ o ac. min.
Roberto Barroso e rel. min. Marco Aurélio, respecti-
vamente.
(Informativo 898, Primeira Turma)

384 “Essa posição sofreu evolução jurisprudencial. Nos são, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa. § 1º A pena é au-
autos da AP 307, a Corte decidiu que os crimes de corrup- mentada de um terço, se, em consequência da vantagem
ção ativa e passiva deveriam ser interpretados conjunta- ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar
mente, de modo que também para a caracterização da qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever fun-
corrupção passiva seria necessária a indicação de um ato cional. §2º Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou
de ofício a ser praticado pelo funcionário público como retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, ce-
contrapartida à vantagem indevida (AP 307, rel. min. Ilmar dendo a pedido ou influência de outrem: Pena – reclusão,
Galvão, 2ª T). Posteriormente, essa compreensão foi flexi- de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. § 1º - A pena é au-
bilizada no julgamento da AP 470, em que se passou a ad- mentada de um terço, se, em conseqüência da vantagem
mitir um grau muito maior de indeterminação do “ato de ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar
ofício” (AP 470, rel. min. Joaquim Barbosa, P). Atualmente, qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever fun-
essa compreensão está sedimentada, de modo que “não cional. § 2º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou
é necessário estabelecer uma subsunção precisa entre um retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, ce-
específico ato de ofício e as vantagens indevidas, mas, sim, dendo a pedido ou influência de outrem: Pena - detenção,
uma subsunção casual entre as atribuições do funcionário de três meses a um ano, ou multa.”
público e as vantagens indevidas, passando este a atuar 386 “Art. 327. Considera-se funcionário público, para

não mais em prol do interesse público, mas em favor de os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem
seus interesses pessoais” (AP 695, rel. min. Rosa Weber, remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
1ª T). § 1º Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo,
385 “Art. 317. Solicitar ou receber, para si ou para ou- emprego ou função em entidade paraestatal, e quem tra-
trem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função balha para empresa prestadora de serviço contratada ou
ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem inde- conveniada para a execução de atividade típica da Admi-
vida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena – reclu- nistração Pública.”

107
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

dinheiro público.387 CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


Com efeito, “a Lei de Improbidade Administra- CRIMES PRATICADOS POR PARTICULAR CONTRA A AD-
tiva 8.429/1992, nos arts. 1º e 2º, não deixa ne- MINISTRAÇÃO EM GERAL
nhuma dúvida sobre a interpretação de servidor pú-
blico lato sensu, que já é previsto no Código Penal DESACATO
no art. 327, § 1º, por equiparação, mas deixa mais
claro ainda exatamente porque, obviamente, há al- A criminalização do desacato se mostra compatível
terações nas estruturações jurídicas para aqueles com o Estado Democrático de Direito.
que acabam, junto com a administração direta,
prestando um serviço público.”388 A liberdade de expressão, prevista na Convenção
Já “com a Reforma Administrativa, com a Americana de Direitos Humanos391 e igualmente tra-
Emenda 19/1998, e a possibilidade de contratos e tada na Constituição Federal (CF), não possui, como
gestão, surgiu, a partir da legislação, essa nova todos os demais direitos fundamentais, caráter ab-
forma de prestação via OS – Organizações Sociais. soluto.
Elas têm o ônus e o bônus. Têm o bônus ao se cons- Tomando-se o Pacto de São José da Costa Rica,
tituir assim: de poder assinar contratos de gestão em seu art. 13, como parâmetro do controle de con-
com o poder público, receber dinheiro público, pres- vencionalidade do ordenamento jurídico interno,
tar um serviço. (...) e não é possível que só queiram não se infere qualquer afronta na tipificação do
o bônus, não queiram o ônus. Ou seja, a partir do crime de desacato. Não houve revogação da norma
momento que exercem uma função de poder pú- penal, mas recepção pela regra supralegal.
blico – sem a necessidade de se inchar o poder pú-
blico, e essa foi a ratio da Emenda 19 –, são equipa- Da mesma forma, a CF, ao tutelar a honra, a inti-
midade e a dignidade da pessoa humana, direitos
rados, a meu ver, para todos os fins, aos servidores
conferidos a todos, sem distinção de qualquer natu-
públicos (...).”389
reza, recepcionou a norma do desacato prevista na
Ademais, considerada a vinculação e atuação, legislação penal.
mediante a assinatura de contratos de gestão com o
A liberdade de expressão consubstancia um dos
Estado, as organizações sociais são entendidas/vis-
mais valiosos instrumentos na preservação do re-
tas/tidas como entidades paraestatais 390.
gime democrático. O pluralismo de opiniões, a crí-
HC 138.484, rel. min. Marco Aurélio, DJE de 18-10- tica, a censura são vitais para a formação da vontade
2018. livre de um povo. O direito de se comunicar livre-
(Informativo 915, Plenário) mente é inerente à sociabilidade, própria da natu-

387 Trecho do voto do ministro Roberto Barroso no jul- entidades integrantes do chamado terceiro setor, o que
gamento do HC 138.484. abrange as declaradas de utilidade pública, as que rece-
388 Trecho do voto do ministro Alexandre de Moraes bem certificado de fins filantrópicos, os serviços sociais
no julgamento do HC 138.484. autônomos (como Sesi, Sesc, Senai), os entes de apoio, as
389 Trecho do voto do ministro Alexandre de Moraes organizações sociais e as organizações de sociedade civil
no julgamento do HC 138.484. de interesse público” (PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Di-
390 “Usando a terminologia tradicional do direito ad- reito administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p.
ministrativo brasileiro, incluímos essas entidades, quando 566/567 apud ministro Marco Aurélio em seu voto no jul-
tenham vínculo com o Poder Público, entre as chamadas gamento do HC 138.484).
entidades paraestatais, no sentido em que a expressão é 391 Convenção Americana de Direitos Humanos, artigo

empregada por Celso Antônio Bandeira de Mello, ou seja, 13. “Liberdade de pensamento e de expressão – 1. Toda
para abranger pessoas privadas que colaboram com o Es- pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de ex-
tado desempenhando atividade não lucrativa e às quais o pressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar,
Poder Público dispensa especial proteção, colocando a receber e difundir informações e ideias de toda natureza,
serviço delas manifestações do seu poder de império, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por es-
como o tributário, por exemplo; não abrangem as entida- crito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer
des da Administração Indireta; trata-se de pessoas priva- outro processo de sua escolha. 2. O exercício do direito
das que exercem função típica (embora não exclusiva do previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a
Estado), como as de amparo aos hipossuficientes, de as- censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que
sistência social, de formação profissional. Exatamente por devem ser expressamente fixadas pela lei e ser necessá-
atuarem ao lado do Estado e terem com ele algum tipo de rias para assegurar: a. o respeito aos direitos ou à reputa-
vínculo jurídico, recebem a denominação de entidades pa- ção das demais pessoas; ou b. a proteção da segurança
raestatais; nessa expressão podem ser incluídas todas as

108
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

reza humana. E deve ser ampla a liberdade do dis- públicas que não se coaduna com o Estado demo-
curso político, do debate livre, impedindo-se possí- crático. A ninguém é lícito usar de sua liberdade de
veis interferências do poder. O Estado Democrático expressão para ofender, espezinhar, vituperar a
de Direito não desconhece esse valor universal. honra alheia. O desacato constitui importante ins-
trumento de preservação da lisura da função pública
Entretanto, a repressão do excesso não é incom-
e, indiretamente, da própria dignidade de quem a
patível com a democracia. O veto à censura prévia
exerce.
não proíbe a censura a posteriori, permitindo-se a
intervenção contra manifestações não protegidas Não se pode despojar a pessoa de um dos mais
jurídico constitucionalmente, o que ocorre quando delicados valores constitucionais, a dignidade da
transbordam dos limites do art. 5º, X, da CF392, que pessoa humana, em razão do status de funcionário
trata, em contraposição à liberdade de manifesta- público (civil ou militar). A investidura em cargo ou
ção, da invulnerabilidade da honra393. função pública não constitui renúncia à honra e à
dignidade.
De conseguinte, a figura penal do desacato não
tolhe o direito à liberdade de expressão e não retira A Corte Interamericana de Direitos Humanos, ór-
da cidadania o direito à livre manifestação, desde gão responsável pelo julgamento de situações con-
que exercida nos limites de marcos civilizatórios cretas de abusos e violações de direitos humanos,
bem definidos, punindo-se os excessos. reiteradamente tem decidido de forma contrária ao
entendimento da Comissão de Direitos Humanos,
O direito à liberdade de expressão deve harmo-
estabelecendo que o Direito Penal pode, sim, punir
nizar-se com os demais direitos envolvidos (honra,
condutas representativas de excessos no exercício
intimidade e dignidade), e não os eliminar. Incide o
da liberdade de expressão395.
princípio da concordância prática, pelo qual o intér-
prete deve buscar a conciliação entre normas cons- A CF, em seu art. 37396, impõe à Administração
titucionais394. Pública a observância dos princípios da legalidade,
Com efeito, é o exercício abusivo das liberdades

nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral pú- vir a provocar choque com idêntica pretensão de outras
blicas. 3. Não se pode restringir o direito de expressão por normas constitucionais. Devem, então, ser conciliadas as
vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles pretensões de efetividade dessas normas, mediante o es-
oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequên- tabelecimento de limites ajustados aos casos concretos
cias radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usa- em que são chamadas a incidir. Os problemas de concor-
dos na difusão de informação, nem por quaisquer outros dância prática surgem, sobretudo, em casos de colisão de
meios destinados a obstar a comunicação e a circulação princípios, especialmente de direitos fundamentais, em
de ideias e opiniões. 4. A lei pode submeter os espetáculos que o intérprete se vê desafiado a encontrar um desfecho
públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de re- de harmonização máxima entre os direitos em atrito, bus-
gular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da cando sempre que a medida de sacrifício de um deles,
adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2. 5. A lei para uma solução justa e proporcional do caso concreto,
deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem não exceda o estritamente necessário”. (MENDES, Gilmar
como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo:
que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao Saraiva, 2017. p. 94/95 apud ministro Gilmar Mendes em
crime ou à violência.” seu voto no julgamento do HC 141.949).”
392 CF, art. 5º. “Todos são iguais perante a lei, sem dis- 395 “Nesse ponto, consigne-se que a Terceira Seção do

tinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros STJ, no julgamento do Habeas Corpus 379.269, enfatizou
e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do que desacatar funcionário público no exercício da função
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à ou em razão dela continua a ser crime, conforme previsto
propriedade, nos termos seguintes: (...) X – são invioláveis no art. 331 do Código Penal. No voto do ministro Rogério
a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pes- Shietti Cruz, registrou-se que a Corte Interamericana tem
soas, assegurado o direito a indenização pelo dano mate- repudiado abusos no exercício da liberdade de expressão,
rial ou moral decorrente de sua violação;” citando-se os seguintes cases à guisa de exemplo: caso Ri-
393 “O STF, nesse sentido, decidiu em caso asseme- cardo Canese vs. Paraguai, sentença de 31 de agosto de
lhado que o discurso de ódio não se inclui no âmbito de 2004, § 104; caso Kimel vs. Argentina, sentença de 2 de
proteção da liberdade de expressão. No HC 82.424, red. maio de 2008, §§ 71 e 76; e caso Herrera Ulloa vs. Costa
p/ o ac. min. Maurício Corrêa, DJ de 19-3-2004. Consig- Rica, sentença de 2 de julho de 2004.” (Trecho do voto do
nou-se: ‘O direito à livre expressão não pode abrigar, em ministro Gilmar Mendes no julgamento do HC 141.949).
sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que 396 CF, art. 37. “A administração pública direta e indi-

implicam ilicitude penal’.” (Trecho do voto do ministro Gil- reta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
mar Mendes no julgamento do HC 141.949). Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios
394 “Se é esperado do intérprete que extraia o máximo de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
efeito de uma norma constitucional, esse exercício pode eficiência e, também, ao seguinte:”

109
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiên- eficácia social do tipo penal do desacato.


cia, podendo-se dessumir daí a compatibilidade en-
No entanto, não é ainda o caso de se invocar a
tre a defesa da honra e intimidade do funcionário
Teoria da Adequação Social, desenvolvida por Hans
público e a liberdade de expressão.
Welzel, como causa supralegal de exclusão da tipici-
Anote-se, pois, a dúplice função desse precep- dade, pela qual se preconiza que determinadas con-
tivo constitucional: serve de vetor na atuação do dutas, consensualmente aceitas pela sociedade, não
agente público, ao mesmo tempo em que, atuando mais se ajustam a um modelo legal incriminador. A
no leito condutor de tais princípios constitucionais, evolução dos costumes seria o fator decisivo para a
deve estar protegido de investidas de terceiros. O verificação dessa excludente de tipicidade, circuns-
agente público, em razão dos rigorosos deveres a tância ainda não passível de aferição, mas é preciso
que está sujeito, submete-se a um regime de res- que o legislador atualize a legislação para punir efi-
ponsabilidade bastante gravoso, superior àquele im- cazmente desvios e abusos de agentes do Estado.
posto ao particular. A improbidade administrativa
Havendo lei, ainda que deficitária, punindo o
estabelecida pelo § 4º do aludido art. 37397 é mostra
abuso de autoridade (Lei 4.898/1965), pode-se afir-
desse rigor legal que paira sobre a conduta do fun-
mar que a criminalização do desacato se mostra
cionalismo público em geral. Não se está, pois, di-
compatível com o Estado Democrático de Direito
ante de privilégio a colocação do agente público sob
(CF, art. 1º398).
especial proteção legal.
HC 141.949, rel. min. Gilmar Mendes, DJE de 23-4-
Reprimir o Estado ataques ao funcionalismo está
2018.
no âmbito de abrangência do espectro democrático.
(Informativo 894, Segunda Turma)
O que não se tolera, no Estado Democrático de Di-
reito, é colocar sob a proteção da lei uma classe de
profissionais ou categoria de pessoas, deixando-se
de punir seus desvios, tornando-os imunes à perse-
cutio criminis.
Assim, importante questão a ser observada diz
respeito à compatibilidade do desacato e à existên-
cia, no Estado democrático, de igual lei que puna o
abuso de autoridade. Há de existir um equilíbrio en-
tre essas duas forças. O Estado Democrático de Di-
reito deve possuir mecanismos de salvaguarda do ci-
dadão contra abusos do poder, ao mesmo tempo
em que deve colocar o agente público também a
salvo do exercício abusivo de direitos conferidos aos
demais membros da sociedade. Portanto, o desa-
cato não é incompatível com a democracia desde
que, em contrapartida, haja lei que puna os abusos
de autoridade.
Nesse ponto, ressalte-se que a atual lei de repr-
lessão ao abuso é precária. Editada há mais de meio
século (Lei 4.898/1965), é insuficiente para coibir
eficazmente a diversidade de desvios funcionais
desvelados hodiernamente.
A ausência de equilíbrio provocada pela falta de
uma lei que puna exemplarmente desvios de agen-
tes do Estado e a pretensão deste de punir agres-
sões contra esses mesmos agentes têm afetado a

397 CF, art. 37. “(...) §


4º Os atos de improbidade admi- do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático
nistrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a
perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os va-
ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas lores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o plura-
em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.” lismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do
398 CF, art. 1º. “A República Federativa do Brasil, for- povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou
mada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e diretamente, nos termos desta Constituição.”

110
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


CRIMES PRATICADOS POR PARTICULAR CONTRA A AD- CRIMES PRATICADOS POR PARTICULAR CONTRA A AD-
MINISTRAÇÃO EM GERAL MINISTRAÇÃO EM GERAL

DESCAMINHO399 DESCAMINHO

É dispensada a existência de procedimento adminis- O princípio da insignificância deve ser aplicado ao


trativo fiscal com a posterior constituição do crédito crime de descaminho (CP, art. 334400) quando o valor
tributário para a configuração do crime de descami- sonegado for inferior a R$ 20.000,00, desde que as
nho (CP, art. 334). provas demonstrem que o denunciado não seja pes-
soa contumaz na prática de ilícitos da mesma natu-
O descaminho possui natureza formal, razão reza401.
pela qual dispensável, para a consumação do delito,
a existência de dano à Fazenda Pública, apurado por Na avaliação da insignificância, deve ser conside-
meio de procedimento administrativo fiscal, bem rado o patamar previsto no art. 20 da Lei
como a constituição do crédito tributário. 10.522/2002 (atualizado pelas Portarias 75 e
130/2012402 do Ministério da Fazenda) para a dis-
HC 121.798, rel. min. Marco Aurélio, DJE de 13-6-
pensa de instauração do processo executivo fiscal
2018.
contra o contribuinte renitente403.
(Informativo 904, Primeira Turma)
HC 155.347, rel. min. Dias Toffoli, DJE de 7-5-2018.
(Informativo 898, Segunda Turma)

399 CP, art. 334. “Iludir, no todo ou em parte, o paga- distribuição, das execuções fiscais de débitos com a Fa-
mento de direito ou imposto devido pela entrada, pela sa- zenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou infe-
ída ou pelo consumo de mercadoria.” rior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), desde que não conste
400 CP, art. 334 “Iludir, no todo ou em parte, o paga- dos autos garantia, integral ou parcial, útil à satisfação do
mento de direito ou imposto devido pela entrada, pela sa- crédito.”
ída ou pelo consumo de mercadoria.” 403 HC 136.984, rel. min. Rosa Weber, 1ª T; HC
401 HC 123.108, rel. min. Roberto Barroso, P. 123.519, rel. min. Edson Fachin, 1ª T.
402 Portaria 130/2012/MF, art. 2º “O Procurador da Fa-

zenda Nacional requererá o arquivamento, sem baixa na

111
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL prevista no art. 12, I407, da Lei 8.137/1990.

LEI 8.137/1990 – CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBU- Essa norma infralegal apenas dispõe sobre o Pro-
TÁRIA jeto Grandes Devedores no âmbito da PGFN, concei-
tuando, para os seus fins, os “grandes devedores”.
ART. 12, I – CAUSA DE AUMENTO DE PENA
O objetivo dessa medida é estabelecer, na Secreta-
ria da Receita Federal do Brasil, método de cobrança
Não viola o princípio da congruência a ausência de prioritário a esses sujeitos passivos de vultosas obri-
menção na peça acusatória à capitulação legal da gações tributárias, sem limitar ou definir, no en-
causa de aumento de pena prevista no art. 12, I404, da tanto, o grave dano à coletividade.
Lei 8.137/1990 posteriormente reconhecida em sen-
tença condenatória. HC 129.284, rel. min. Ricardo Lewandowski, DJE de
7-2-2018.
“O princípio da congruência, dentre os seus ve- (Informativo 882, Segunda Turma)
tores, indica que o acusado se defende dos fatos
descritos na denúncia e não da capitulação jurídica
nela estabelecida. Destarte, faz-se necessária ape-
nas a correlação entre o fato descrito na peça acu-
satória e o fato pelo qual o réu foi condenado, sendo
irrelevante a menção expressa na denúncia de even-
tuais causas de aumento ou diminuição de pena.”405
Ademais, a consideração do vultoso quantum so-
negado é elemento suficiente para a caracterização
do grave dano à coletividade constante do art. 12, I,
da Lei 8.137/1990 e, assim, parâmetro para aplica-
ção dessa majorante.

A Portaria 320/2008406 da Procuradoria-Geral da Fa-


zenda Nacional (PGFN) não é parâmetro jurídico
para a configuração da causa de aumento de pena

404 Lei 8.137/1990, art. 12. “São circunstâncias que po- acompanhamento econômico-tributário diferenciado são
dem agravar de 1/3 (um terço) até a metade as penas pre- disponibilizadas pela Coordenação Especial de Acompa-
vistas nos arts. 1º, 2º e 4º a 7º: I – ocasionar grave dano à nhamento dos Maiores Contribuintes da Receita Federal
coletividade;” do Brasil, na forma estabelecida no § 1º do art. 1º da Por-
405 HC 120.587, rel. min. Luiz Fux, 1ª T. taria Conjunta RFB/PGFN n. 11.212, de 8 de novembro de
406 Portaria 320/2008 da Procuradoria-Geral da Fa- 2007. (...) Art. 14. As Procuradorias Regionais da Fazenda
zenda Nacional, art. 1º “O Projeto Grandes Devedores – Nacional e a Coordenação-Geral da Representação Judi-
PROGRAN, no âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda cial da Fazenda Nacional designarão Procuradores encar-
Nacional – PGFN, rege-se pelo disposto nesta Portaria. Ca- regados de proceder ao acompanhamento especializado
pítulo I – Disposição Preliminar. Art. 2º São considerados de processos judiciais referentes a grandes devedores que
grandes devedores, no âmbito da Procuradoria-Geral da tenham valor da causa ou em discussão igual ou superior
Fazenda Nacional, aqueles devedores inscritos em dívida a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), conferindo-lhe
ativa da União, cujos débitos, de natureza tributária ou tratamento prioritário. (...) Art. 18. Todos os processos ju-
não tributária, tenham: I – unitária ou agrupadamente, em diciais de grandes devedores deverão ser cadastrados no
função de um mesmo devedor, valor igual ou superior a sistema de acompanhamento judicial, sendo priorizados
R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais); II – presentes cir- aqueles cujo valor envolvido ultrapasse R$ 10.000.000,00
cunstâncias indicativas de crime contra a ordem tributá- (dez milhões) de reais. Parágrafo único. Em caso de impos-
ria. Art. 3º Nas atividades anteriores à inscrição do débito sibilidade de cumprimento imediato do disposto no caput,
em Dívida Ativa desenvolvidas no âmbito da Procuradoria- o Procurador-Chefe ou Seccional poderá realizar o devido
Geral da Fazenda Nacional, receberão tratamento priori- cadastramento até 30 de julho de 2008, justificando as ra-
tário os sujeitos passivos de obrigações tributárias subme- zões de impossibilidade à Coordenação-Geral de Grandes
tidos a acompanhamento diferenciado ou especial pela Devedores e, nas Procuradorias Seccionais, também ao
Secretaria da Receita Federal do Brasil, nos termos da Por- Procurador-Chefe da respectiva unidade. (...) Art. 20. Esta
taria Conjunta RFB/PGFN n. 11.212, de 8 de novembro de Portaria entra em vigor na data de sua publicação.”
2007, e Portarias RFB n. 11.211, de 7 de novembro de 407 Lei 8.137/1990, art. 12. “São circunstâncias que po-

2007, e n. 11.213 de 8 de novembro de 2007 e regulamen- dem agravar de 1/3 (um terço) até a metade as penas pre-
tações posteriores. Parágrafo único. Para fins do disposto vistas nos arts. 1º, 2º e 4º a 7º: I – ocasionar grave dano à
no caput, as listas dos sujeitos passivos submetidos ao coletividade;”.

112
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL


LEI 8.666/1993 – LICITAÇÕES LEI 8.666/1993 – LICITAÇÕES
CRIMES E PENAS (ART. 89 E ART. 90) CRIMES E PENAS (ART. 89)

Os tipos penais previstos nos arts. 89408 e 90409 da Lei O art. 89, segunda parte, da Lei 8.666/1993411 é
8.666/1993 não exigem a ocorrência de dano ao erá- norma penal em branco, a qual, quanto às formalida-
rio. des a que alude, é complementada pelo art. 26412 da
mesma lei.
O bem jurídico tutelado é, em última instância, a
própria moralidade administrativa e o interesse pú- A norma penal em branco é aquela que depende
blico. Dispensa a consumação dos delitos em aná- de outra norma jurídica para completar a descrição
lise410, ou seja, da ocorrência de dano ao erário, uma da conduta delituosa. Na espécie, o tipo primário
vez que o interesse público já foi lesado pela ausên- não faz referência a quais formalidades devem ser
cia de higidez no procedimento licitatório. observadas pelo administrador nos casos de contra-
tação direta.
Com efeito, a regra para a contratação pelo po-
der público é que os contratos sejam precedidos de As “formalidades” previstas no art. 89 da lei limi-
procedimento licitatório, assegurando a concorrên- tam-se àquelas estabelecidas no parágrafo único do
cia entre os participantes, com o objetivo de obter a art. 26 do mesmo diploma. Eventuais diretivas esta-
proposta mais vantajosa para a Administração Pú- belecidas por outras esferas legislativas ou adminis-
blica. Por essa razão, as hipóteses de inexigibilidade trativas, criando novos procedimentos ou exigindo
ou dispensa de licitação são taxativas e não podem outras formalidades, não ultrapassarão o plano ad-
ser ampliadas. ministrativo e jamais poderão integrar a norma pe-
nal incriminadora. Esses outros complementos nor-
RE 696.533, red. p/ o ac. min. Roberto Barroso, DJE
mativos, de outras esferas (estadual, municipal etc.),
de 5-3-2018.
se existirem, terão seus efeitos limitados ao plano
(Informativo 890, Primeira Turma)
administrativo, podendo anular o edital ou, depen-
dendo das circunstâncias, o próprio certame licita-
tório, sem, contudo, produzir efeito na lei incrimina-
dora413.

408 Lei 8.666/1993, art. 89. “Dispensar ou inexigir lici- 411 “Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hi-
tação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de ob- póteses previstas em lei, ou deixar de observar as formali-
servar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexi- dades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade: Pena –
gibilidade: Pena – detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.” (Sem gri-
multa. Parágrafo único. Na mesma pena incorre aquele fos no original.)
que, tendo comprovadamente concorrido para a consu- 412 “Art. 26. As dispensas previstas nos §§ 2º e 4º do

mação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexi- art. 17 e no inciso III e seguintes do art. 24, as situações de
gibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Pú- inexigibilidade referidas no art. 25, necessariamente justi-
blico.” ficadas, e o retardamento previsto no final do parágrafo
409 Lei 8.666/1993, art. 90. “Frustrar ou fraudar, medi- único do art. 8º desta Lei deverão ser comunicados, den-
ante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o tro de 3 (três) dias, à autoridade superior, para ratificação
caráter competitivo do procedimento licitatório, com o in- e publicação na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco)
tuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decor- dias, como condição para a eficácia dos atos. Parágrafo
rente da adjudicação do objeto da licitação: Pena – deten- único. O processo de dispensa, de inexigibilidade ou de re-
ção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.” tardamento, previsto neste artigo, será instruído, no que
410 “Há duas questões de Direito, uma é a de prescri- couber, com os seguintes elementos: I - caracterização da
ção, que acho que não ocorreu, e esta questão do dano situação emergencial, calamitosa ou de grave e iminente
ao erário. A meu ver, a jurisprudência é pacífica e correta risco à segurança pública que justifique a dispensa,
no sentido da inexigibilidade de dano ao erário. E não é quando for o caso; II – razão da escolha do fornecedor ou
difícil exemplificar isso. Se a autoridade responsável pela executante; III – justificativa do preço; IV – documento de
licitação tem um primo que vende canetas a dez reais, e o aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os bens se-
preço do mercado é dez reais realmente. Ele vai lá e favo- rão alocados.”
rece o primo. Nós achamos que isso está consentâneo 413 BITENCOURT, Cezar Roberto. Direito penal das lici-

com a legislação? Evidentemente que não está. Portanto, tações. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 151- 152 apud minis-
penso que a exigibilidade não é pertinente aqui, com to- tra Rosa Weber em seu voto no julgamento do Inq 3.962.
das as vênias.” (Trecho do voto do ministro Roberto Bar-
roso no julgamento do RE 696.533.)

113
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

O descumprimento das formalidades referentes à em que tal seria necessário.”416


dispensa ou à inexigibilidade de licitação só tem per- Inq 3.962, rel. min. Rosa Weber, DJE de 12-9-2018.
tinência à repressão penal quando acompanhada de (Informativo 891, Primeira Turma)
violação substantiva aos princípios da Administração
Pública (CF, art. 37414).

Irregularidades pontuais são inerentes à buro-


cracia estatal e não devem, por si sós, gerar crimina-
lização de condutas, se não projetam uma ofensa
consistente (tipicidade material) ao bem jurídico tu-
telado, no caso, ao procedimento licitatório.
É preciso distinguir o administrador inepto, des-
cuidado, sem destreza, daquele ardiloso, venal ou
malicioso.
Não cabe ao juízo criminal avaliar o mérito da es-
colha do administrador, ou mesmo a necessidade
dela à luz do interesse público. O que importa ava-
liar, para a esfera criminal e presente a tipificação da
denúncia, é se a decisão administrativa adotada pelo
acusado esteve amparada por argumentos legitimá-
veis sob o enfoque da legalidade.

O delito do art. 89 da Lei 8.666/1993 exige, além do


dolo genérico — representado pela vontade consci-
ente de dispensar ou inexigir licitação com descum-
primento das formalidades —, a configuração do es-
pecial fim de agir — consistente no dolo específico de
causar dano ao erário ou de gerar o enriquecimento
ilícito dos agentes envolvidos na empreitada crimi-
nosa.

A compreensão visa a estabelecer uma necessá-


ria distinção entre o administrador probo que, sem
má-fé, aplica, de forma errônea ou equivocada, as
intrincadas normas de dispensa e inexigibilidade de
licitação previstas nos arts. 24 e 25 da Lei
8.666/1993 e aquele que dispensa o certame que
sabe ser necessário, na busca de fins espúrios.415
O elemento subjetivo consiste não apenas na in-
tenção maliciosa de deixar de praticar a licitação ca-
bível. É imperioso, para a caracterização do crime,
que o agente atue voltado a obter outro resultado,
efetivamente reprovável e grave, além da mera con-
tratação direta. “Ocorre, assim, a conduta ilícita
quando o agente tem a vontade livre e consciente
de produzir o resultado danoso ao erário. É necessá-
rio um elemento subjetivo consistente em produzir
prejuízo aos cofres públicos por meio do afasta-
mento indevido de licitação. Portanto, não basta a
mera intenção de não realizar licitação em um caso

414 “Art. 37. A administração pública direta e indireta 415 AP 971, rel. min. Edson Fachin, 1ª T.
de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Dis- 416 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licita-
trito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de ções e Contratos Administrativos. 14. ed. São Paulo: Dialé-
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e efi- tica, 2010. p. 901-904 apud ministra Rosa Weber em seu
ciência e, também, ao seguinte:” voto no julgamento do Inq 3.962.

114
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL a substituição de pena que implique o pagamento


isolado de multa, nos casos de violência.
LEI 11.340/2006 — VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
HC 137.888, rel. min. Rosa Weber, DJE de 21-2-2018.
ART. 41 — INAPLICABILIDADE DA LEI 9.099/1995 (Informativo 884, Primeira Turma)

A prática de contravenção penal, no contexto de vio-


lência doméstica e familiar contra a mulher, atrai a
incidência da Lei 11.340/2006.

Não se admite a substituição de pena privativa


de liberdade por restritiva de direitos na hipótese de
prática de contravenção penal de vias de fato (De-
creto-Lei 3.688/1941, art. 21417), se a conduta é per-
petrada no âmbito de violência doméstica e familiar
contra a mulher.
O art. 41418 da Lei 11.340/2006 obsta a conver-
são da pena privativa de liberdade em restritiva de
direitos em todo e qualquer caso de prática delitu-
osa que envolva violência doméstica e familiar con-
tra a mulher, ainda que reduzida a gravidade da le-
são419.
A violência contra a mulher comporta natureza
específica. Desse modo, qualquer ação ou omissão,
baseada no gênero, que cause morte, lesão, sofri-
mento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou
patrimonial, nos âmbitos doméstico e familiar, inde-
pendentemente do convívio entre agressor e ofen-
dida bem como da orientação sexual dos envolvidos,
faz incidir a lei protetiva. Não é necessário perquirir,
para fins de aplicação do regramento repressivo, a
intensidade da agressão.
A Lei 11.340/2006 consagra sistema protetivo
em benefício da mulher, que surgiu para concretizar
o dever constitucional420 de agir, por parte do Es-
tado, ante a adoção de mecanismos para coibir toda
e qualquer violência doméstica e familiar.
Ainda que o art. 41 da Lei 11.340/2006 trate de
“crimes”, a interpretação extensiva no direito penal
é vedada apenas naquelas situações em que se iden-
tifica desvirtuamento na mens legis. Sob essa ótica,
o sistema de proteção às vítimas da violência de gê-
nero (doméstica e familiar contra a mulher), nos
moldes da referida lei, deve ser observado, na me-
dida em que vedada a aplicação de penas de cesta
básica ou outras de prestação pecuniária, bem como

417 Decreto-Lei 3.688/1941, art. 21. “Praticar vias de n. 9.099, de 26 de setembro de 1995.”
fato contra alguém: Pena – prisão simples, de quinze dias 419 HC 106.212, rel. min. Marco Aurélio, P.

a três meses, ou multa, de cem mil réis a um conto de réis, 420 CF, art. 226. “A família, base da sociedade, tem es-

se o fato não constitui crime. Parágrafo único. Aumenta- pecial proteção do Estado. (...) § 8º O Estado assegurará a
se a pena de 1/3 (um terço) até a metade se a vítima é assistência à família na pessoa de cada um dos que a inte-
maior de 60 (sessenta) anos.” gram, criando mecanismos para coibir a violência no âm-
418 Lei 11.340/2006, art. 41. “Aos crimes praticados bito de suas relações.”
com violência doméstica e familiar contra a mulher, inde-
pendentemente da pena prevista, não se aplica a Lei

115
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL


LEI 11.343/2006 — LEI DE DROGAS LEI 11.343/2006 — LEI DE DROGAS
ART. 28421 — USO PESSOAL DE DROGAS CAUSAS DE AUMENTO DE PENA

Não há justa causa a autorizar a persecução penal na A causa de aumento prevista no art. 40, III, da Lei
hipótese de importação de 26 sementes de maco- 11.343/2006425, no que tange ao transporte público,
nha. pressupõe o tráfico no respectivo âmbito, e não a
simples locomoção do detentor da droga.
Na hipótese, a pequena quantidade de sementes
de maconha importadas já é suficiente para suspen- Há de interpretar-se teleologicamente o pre-
der a tramitação da ação penal422. Além disso, tais ceito em jogo, no que versa causas de aumento
sementes não podem ser consideradas matérias- quando o cometimento do tráfico ou do crime do
primas destinadas à preparação da droga, pois se ex- art. 37 da Lei 11.343/2006426 ocorra no âmbito do
trai da planta o produto vedado pela norma, e não transporte público ou, como está no dispositivo, em
da semente. dependências ou imediações de estabelecimentos
prisionais, ensino ou hospitais, sedes estudantis, so-
Com efeito, matéria-prima é a substância de que
ciais, culturais, recreativas, esportivas ou beneficen-
podem ser extraídos ou produzidos os entorpecen-
tes, em local de trabalho coletivo ou em recinto em
tes que causem dependência física ou psíquica.423
que se realizem espetáculos ou diversões de qual-
Ou seja, a matéria-prima ou o insumo devem ter
quer natureza, bem como serviços de tratamento de
condições e qualidades químicas para, mediante
dependentes de drogas ou reinserção social e uni-
transformação ou adição, por exemplo, produzirem
dades militares ou policiais. A abrangência a apa-
a droga ilícita, o que não é o caso das sementes da
nhar transportes públicos pressupõe que, no âmbito
planta cannabis sativa, que não possuem a substân-
do veículo, tenha sido praticado, em si, o tráfico, não
cia psicoativa tetrahidrocannabiol (THC). Se as se-
cabendo potencializar a referência a ponto de envol-
mentes não apresentam a substância THC, geradora
ver a simples locomoção do portador da droga427.
de dependência, não podem ser caracterizadas
como “droga”. Portanto, a conduta descrita não se HC 120.275, rel. min. Marco Aurélio, DJE de 12-9-
amolda no tipo penal do art. 28, §1º, da Lei 2018.
11.343/2006424. (Informativo 902, Primeira Turma)
HC 144.161, rel. min. Gilmar Mendes, DJE de 14-12-
2018.
(Informativo 915, Segunda Turma)

421 “Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depó- 425 “Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta

sito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pes- Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se: (...) III –
soal, drogas sem autorização ou em desacordo com deter- a infração tiver sido cometida nas dependências ou ime-
minação legal ou regulamentar será submetido às seguin- diações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hos-
tes penas: I – advertência sobre os efeitos das drogas; II – pitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, cultu-
prestação de serviços à comunidade; III – medida educa- rais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de
tiva de comparecimento a programa ou curso educativo.” trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetácu-
422 HC 147.478 MC, rel. min. Roberto Barroso, decisão los ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tra-
monocrática; HC 143.798 MC, rel. min. Roberto Barroso, tamento de dependentes de drogas ou de reinserção so-
decisão monocrática; HC 131.310 MC, rel. min. Roberto cial, de unidades militares ou policiais ou em transportes
Barroso, decisão monocrática. públicos;”
423 GRECO FILHO, Vicente; RASSI, João Daniel. Lei de 426 “Art. 37. Colaborar, como informante, com grupo,

Drogas anotada. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 99, organização ou associação destinados à prática de qual-
apud voto do ministro Gilmar Mendes no presente julga- quer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34
mento. desta Lei: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e
424 “Art. 28. (...) § 1o Às mesmas medidas submete-se pagamento de 300 (trezentos) a 700 (setecentos) dias-
quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe multa.”
plantas destinadas à preparação de pequena quantidade 427 HC 122.042, rel. min. Marco Aurélio, 1ª T.

de substância ou produto capaz de causar dependência fí-


sica ou psíquica.”

116
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

DIREITO PENAL MILITAR


CÓDIGO PENAL MILITAR
APLICAÇÃO DA LEI PENAL MILITAR
TEMPO DO CRIME

O posterior licenciamento de militar não descaracte-


riza a condição de procedibilidade para a aferição de
prática de crime militar.

Conforme o art. 5º do Código Penal Militar 428,


observa-se a data do evento delituoso para a confi-
guração de crime militar.
HC 132.847, rel. min. Marco Aurélio, DJE de 12-9-
2018.
(Informativo 908, Primeira Turma)

428 “Art. 5º Considera-se praticado o crime no mo- mento da ação ou omissão, ainda que outro seja o do re-
sultado.”

117
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

DIREITO PROCESSUAL CIVIL EXECUÇÃO


DIVERSAS ESPÉCIES DE EXECUÇÃO
PROCEDIMENTO ESPECIAL
EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA
MANDADO DE SEGURANÇA – LEI 12.016/2009
LEGITIMIDADE ATIVA Os entes federados podem editar leis que estabele-
çam o valor máximo para pagamento em requisição
O possuidor não conta com legitimidade ativa para de pequeno valor (RPV), ainda que abaixo dos valores
impetrar mandado de segurança objetivando a anu- previstos no art. 87431 do Ato das Disposições Consti-
lação de decisão proferida pelo Conselho Nacional de tucionais Transitórias (ADCT), desde que respeitado
Justiça (CNJ) em procedimento administrativo que al- o art. 100, § 4º, da Constituição Federal (CF) (redação
cança tão somente o poder público e o detentor do dada pela Emenda Constitucional (EC) 62/2009) e
domínio do imóvel. suas capacidades financeiras.

Nos termos da Lei 12.016/2009, a legitimidade A norma extraída do art. 87 do ADCT não fixa um
para impetração do mandado de segurança requer piso irredutível para o pagamento dos débitos dos
a constatação de interesse na impetração, o qual se Estados e dos Municípios por meio de RPV. Pelo con-
verifica no caso (i) daquele que sofre ou tem justo trário, esse dispositivo, instituído como transitório
receio de sofrer violação de seu direito líquido e pela EC 37/2002, estipulou teto provisório aos Esta-
certo por ato de autoridade (Lei 12.016/2009, art. dos e Municípios no que diz respeito ao pagamento
1º429) ou (ii) daquele que, embora não tendo sido de seus débitos por meio de requisição de pequeno
atingido pelo ato coator, posiciona-se na mesma valor.432
condição jurídica daquele que o foi, exigindo-se Logo, cabe a cada ente federado estabelecer o
ainda, para tanto, a inércia do titular do direito ori- valor máximo para essa especial modalidade de pa-
ginário (Lei 12.016/2009, art. 3º430). gamento dos débitos da Fazenda Pública em conso-
Além disso, mesmo na hipótese de existir pro- nância com a sua capacidade financeira, como se in-
messa de compra e venda, o promissário pagador fere do art. 100, § 5º, da CF, redação anterior à EC
não se torna parte legítima. A legitimidade para a 62/2009.
impetração se constata sobre relações jurídicas ha- Nada obstante, a redação dada ao § 4º do art.
vidas no momento da prolação do ato coator, não 100 pela EC 62/2009 estipulou um valor objetiva-
havendo que se falar em legitimidade futura por mente aferível abaixo do qual nenhum ente fede-
aquisição posterior da titularidade do imóvel. Como rado pode fixar o teto para o pagamento de seus dé-
a figura do promissário comprador não ostenta um bitos em RPV, qual seja, o valor máximo previsto
título de propriedade, não traz consigo nenhuma re- para o pagamento dos benefícios da previdência so-
lação jurídica subjacente que se mostre relacionada cial. Portanto, além desse valor mínimo, cabe aos
com a decisão administrativa proferida pelo CNJ. entes federados limitar o valor do pagamento em
MS 32.096 AgR-terceiro, MS 32.967 AgR-terceiro e RPV de acordo com a sua capacidade financeira.
MS 32.968 AgR-terceiro, rel. min. Dias Toffoli, DJE de Em suma, o art. 87 do ADCT atribui um direito
20-9-2018. potestativo ao ente federado para reduzir o teto
(Informativo 896, Segunda Turma) destinado ao pagamento em RPV, conforme a sua

429 “Art. 1º Conceder-se-á mandado de segurança das Disposições Constitucionais Transitórias serão consi-
para proteger direito líquido e certo, não amparado por derados de pequeno valor, até que se dê a publicação ofi-
habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente cial das respectivas leis definidoras pelos entes da Federa-
ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica ção, observado o disposto no § 4º do art. 100 da Consti-
sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por tuição Federal, os débitos ou obrigações consignados em
parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam precatório judiciário, que tenham valor igual ou inferior a:
quais forem as funções que exerça.” I – quarenta salários mínimos, perante a Fazenda dos Es-
430 “Art. 3º O titular de direito líquido e certo decor- tados e do Distrito Federal; II – trinta salários mínimos, pe-
rente de direito, em condições idênticas, de terceiro po- rante a Fazenda dos Municípios.”
derá impetrar mandado de segurança a favor do direito 432 “(...) parece claro o caráter transitório do art. 87,

originário, se o seu titular não o fizer, no prazo de 30 de modo que o legislador estadual, a quem a norma resul-
(trinta) dias, quando notificado judicialmente.” tante da conjugação dos § § 3º e 5º do art. 100 atribuiu
431 ADCT, art. 87 “Para efeito do que dispõem o § 3º competência para fixar o valor das obrigações denomina-
do art. 100 da Constituição Federal e o art. 78 deste Ato das de pequeno valor, pode agir como se essa norma não

118
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

capacidade financeira. Nessa ordem de ideias, ape- EXECUÇÃO


nas a redução manifestamente desproporcional,
isto é, em claro descompasso com a capacidade fi- DAS DIVERSAS ESPÉCIES DE EXECUÇÃO
nanceira, pode ser censurável por meio de controle EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA
de constitucionalidade, já que a norma constitucio-
nal atribui ao legislador amplo espectro de confor-
mação. Nas causas em que a Fazenda Pública for condenada
ao pagamento da verba honorária de forma global, é
Nesse ponto, sempre é bom lembrar que, em re- vedado o fracionamento de crédito único, consis-
gra, não cabe ao Poder Judiciário adotar uma pos- tente no valor total dos honorários advocatícios devi-
tura proativa no exame da destinação de despesas dos, proporcionalmente à fração de cada litiscon-
orçamentárias pelo Poder Executivo. Ao julgar ques- sorte434.
tões que digam respeito à alocação de orçamento, o
Judiciário deve adotar o paradigma da autoconten- Embora a verba honorária goze de autonomia
ção433, evitando-se, em regra, o ativismo judicial. em relação ao crédito principal, podendo ser desta-
cada do montante da execução, é patente a impos-
ADI 4.332, rel. min. Alexandre de Moraes, DJE de 8-
sibilidade do fracionamento da execução dos hono-
5-2018.
rários advocatícios sucumbenciais se a condenação
(Informativo 890, Plenário)
à verba honorária se der em valor global para a re-
muneração do trabalho prestado ao conjunto dos li-
tisconsortes, ante a evidente afronta ao art. 100, §
8º, da Constituição Federal435.
Com efeito, o “argumento de que o litisconsórcio
facultativo simples representa, na verdade, várias
causas cumuladas não pode ser utilizado para justi-
ficar a legitimidade do fracionamento da execução
dos honorários advocatícios sucumbenciais se a con-
denação à verba honorária, no título executivo, foi
global, ou seja, buscou remunerar o trabalho con-
junto prestado pelo causídico aos litisconsortes. (...)
Ora, é evidente que os honorários sucumbenciais,
na forma em que fixados pelo título executivo judi-
cial, configuram um único crédito de titularidade da
agravante, calculado sobre o valor global da conde-
nação. Não cabe confundir o valor do crédito da

existisse. Noutras palavras, terminaria exatamente no ato ativismo judicial procura extrair o máximo das potenciali-
da promulgação da lei estadual o período de transitorie- dades do texto constitucional, sem contudo invadir o
dade daquela norma. O legislador tem, pois, toda a liber- campo da criação livre do Direito. A autocontenção, por
dade para, segundo os próprios critérios constitucionais, sua vez, restringe o espaço da incidência da constituição
compatibilizar o valor que estabeleça com as disponibili- em favor das instâncias tipicamente políticas.’”(Trecho do
dades orçamentárias da respectiva entidade da Federa- voto do ministro Alexandre de Moraes no julgamento da
ção”. (Trecho do voto do ministro Cezar Peluso na ADI ADI 4.332).
2.868, red. p/ o ac. min. Joaquim Barbosa, P.). 434 RE 954.418 AgR, rel. min. Teori Zavascki, 2ª T; RE
433 “A respeito da autocontenção judicial, explana LUÍS 994.802, rel. min. Dias Toffoli, decisão monocrática; RE
ROBERTO BARROSO que: ‘O oposto do ativismo é a auto- 913.579, rel. min. Gilmar Mendes, decisão monocrática; e
contenção judicial, conduta pela qual o Judiciário procura RE 913.592, rel. min. Cármen Lúcia, decisão monocrática.
reduzir sua interferência nas ações dos outros Poderes. 435 CF, art. 100. “Os pagamentos devidos pelas Fazen-

Por essa linha, juízes e tribunais (i) evitam aplicar direta- das Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em
mente a Constituição a situações que não estejam no seu virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente
âmbito de incidência expressa, aguardando o pronuncia- na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e
mento do legislador ordinário; (ii) utilizam critérios rígidos à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de
e conservadores para a declaração de inconstitucionali- casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos
dade de leis e atos normativos; e (iii) abstêm-se de inter- créditos adicionais abertos para este fim. (...) § 8º É ve-
ferir na definição das políticas públicas. Até o advento da dada a expedição de precatórios complementares ou su-
Constituição de 1988, essa era a inequívoca linha de atua- plementares de valor pago, bem como o fracionamento,
ção do Judiciário no Brasil. A principal diferença metodo- repartição ou quebra do valor da execução para fins de
lógica entre as duas posições está em que, em princípio, o enquadramento de parcela do total ao que dispõe o § 3º
deste artigo.”

119
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

verba honorária com a forma adotada para sua afe- PROCESSOS NOS TRIBUNAIS E MEIOS DE IMPUGNAÇÃO
rição. O fato de o ‘valor da condenação’, referido DE DECISÕES JUDICIAIS
pelo título executivo judicial, abranger, na realidade,
diversos créditos, de titularidade de diferentes litis- ORDEM DOS PROCESSOS E PROCESSOS DE COMPETÊN-
consortes, não tem o condão de transformar a verba CIA ORIGINÁRIA DOS TRIBUNAIS
honorária em múltiplos créditos devidos a um
RECLAMAÇÃO
mesmo advogado, de modo a justificar sua execução
de forma fracionada”436.
Não existe transcendência ou efeitos irradiantes dos
Ademais, descabe confundir essa hipótese com motivos determinantes das decisões proferidas em
a possibilidade de execução autônoma dos honorá- controle abstrato de normas.
rios advocatícios437. Da mesma forma ocorre em re-
lação ao fracionamento da execução de valores de- A declaração judicial de constitucionalidade ou
vidos pela Fazenda Pública em casos de litisconsór- de inconstitucionalidade circunscreve-se à norma
cio ativo facultativo438. específica, e não à matéria.
RE 1.038.035 AgR, red. p/ o ac. min. Dias Toffoli, DJE Assim, se uma decisão impõe a utilização de de-
de 9-3-2018. terminado índice para atualização monetária de dé-
(Informativo 884, Segunda Turma) bitos trabalhistas, não há identidade material com o
que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal no
tocante à atualização monetária e à fixação de juros
moratórios em créditos inscritos em precatórios.
Rcl 22.012, red. p/ o ac. min. Ricardo Lewandowski,
DJE de 27-2-2018.
(Informativo 887, Segunda Turma)

436 Trecho do voto do ministro Teori Zavascki no RE 438 RE 568.645, rel. min. Cármen Lúcia, P, repercussão

949.383 AgR, rel. min. Cármen Lúcia, 2ª T. geral, Tema 148,


437 RE 564.132, red. p/ o ac. min. Cármen Lúcia, P, re-

percussão geral, Tema 18,

120
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

DIREITO PROCESSUAL PENAL PROCESSO EM GERAL


AÇÃO PENAL
PROCESSO EM GERAL
DENÚNCIA
INQUÉRITO POLICIAL
ARQUIVAMENTO A ordem constitucional vigente impõe ao dominus li-
tis que a peça acusatória, nos termos do art. 41 do
O arquivamento de inquérito policial, pelo reconhe- Código de Processo Penal441 (CPP), indique, de forma
cimento de excludente de ilicitude, não faz coisa jul- clara e precisa, os fatos penalmente relevantes e suas
gada nem causa a preclusão. respectivas circunstâncias, que possam ser atribuídos
ao acusado.
O desarquivamento de inquérito e posterior ofe-
recimento da denúncia, na hipótese de o arquiva- Tal exigência tem como fundamento o baliza-
mento ter ocorrido pelo reconhecimento da existên- mento da atuação jurisdicional vindoura, adstrita ao
cia de uma excludente de ilicitude e ter como base juízo de correlação que gravita em torno da mani-
o art. 18439 do Código de Processo Penal, é factível, festação acusatória. Sendo assim, não se cogita de
desde que observado o disposto no referido pre- condenações que surpreendam os atores processu-
ceito legal, no tocante ao prosseguimento das inves- ais. Os requisitos da peça acusatória ainda visam ga-
tigações. rantir o amplo exercício da defesa. Isso porque não
há como o denunciado se insurgir, com paridade de
Em face de novos elementos de convicção, mos-
armas, contra o que não conhece.
tra-se admissível a reabertura das investigações,
porque o arquivamento de inquérito não faz coisa Não bastasse, a exigência de que a denúncia pre-
julgada nem causa a preclusão. Trata-se de decisão encha certos requisitos também tem como norte
tomada rebus sic stantibus. impedir que a peça exordial seja fruto da vontade
caprichosa ou arbitrária de seu subscritor. De tal
Contrariamente ao que ocorre quando o arqui- modo, incumbe ao agente ministerial demonstrar a
vamento se dá por atipicidade do fato440, a superve-
mínima viabilidade da deflagração da ação penal.
niência de novas provas relativamente a alguma ex-
cludente de ilicitude admite o desencadeamento de Logo se nota, portanto, a relevância dos requisi-
novas investigações. tos da denúncia, os quais devem ser lidos a partir da
limitação do poder-dever de acusar e, de acordo
HC 87.395, rel. min. Ricardo Lewandowski, DJE de
com a ambiência da vedação do arbítrio estatal em
13-3-2018.
que estão inseridos, sempre com a observância do
(Informativo 858, Plenário) devido processo legal. Esse é o pano de fundo que
justifica, legitimamente, a limitação do agir ministe-
rial.

Deve-se reconhecer a nulidade absoluta de sentença


que, em descompasso com os limites traçados pela
exordial acusatória, condena o réu por fatos não nar-
rados na denúncia.

A sentença incongruente padece de vício irreme-


diável, na medida em que compromete as garantias
de direito de defesa, devido processo legal e ainda
usurpa o monopólio da ação penal, concedido cons-
titucionalmente ao Ministério Público.
Tal vício macula o feito com nulidade absoluta e
insanável, a qual deve ser reconhecida de ofício,

439 CPP, art. 18. “Depois de ordenado o arquivamento 441 CPP, art. 41. “A denúncia ou queixa conterá a ex-

do inquérito pela autoridade judiciária, por falta de base posição do fato criminoso, com todas as suas circunstân-
para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a cias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos
novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia.” quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e,
440 HC 80.560, rel. min. Sepúlveda Pertence, 1ª T. quando necessário, o rol das testemunhas.”

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porquanto tem aptidão para reduzir o âmbito con- pública (CF, art. 129, I446).
denatório que será analisado em sede recursal.
O CPP, já antevendo a possibilidade do surgi-
É dizer, a condenação além do pedido (julga- mento de novos fatos, não descritos na denúncia,
mento extra petita442 e 443), em processo penal, com- previu, em seu art. 384447, remédio para evitar a nu-
promete, a uma só vez, diversos princípios constitu- lidade do feito. O juiz ou o Ministério Público deve,
cionais caros. nesses casos, proceder à mutatio libelli, baixando os
autos para aditamento da denúncia e renovação da
Constitui evidente afronta ao princípio da ampla
instrução probatória. Garante-se, assim, o pleno
defesa e contraditório (CF, art. 5º, LV444), pois o réu
exercício dos direitos de defesa, o devido processo
é surpreendido, após finda a instrução probatória,
legal, bem como observa-se a função institucional
com fato que lhe é desconhecido e acerca do qual
do Ministério Público.
não lhe foi oportunizado se manifestar.
Essa saída, contudo, resta de todo afastada em
Também há violação ao princípio do devido pro-
instância recursal, não só pela notável violação que
cesso legal (CF, art. 5º, LIV445), pois o atuar do juiz,
implicaria ao duplo grau de jurisdição, como por
neste caso, deturpa a marcha processual e a se-
força do Enunciado 453 da Súmula do Supremo Tri-
quência de atos concatenados a que deve obediên-
bunal Federal448.
cia e constituem garantia do cidadão.
Finalmente, também haverá, na hipótese, ação Deve ser refutada imputação centrada, unicamente,
penal ex officio, em desobediência ao modelo cons- na posição de um dado agente na escala hierárquica
titucional que enuncia ser função institucional priva- governamental.
tiva do Ministério Público a promoção da ação penal

442 “O julgamento extra petita é absolutamente nulo, de defesa, e, principalmente, do contraditório, como ve-
por violar o direito de defesa, correspondendo a verda- remos na continuação.” (LOPES JUNIOR, Aury. Direito Pro-
deira condenação sem denúncia. Quando o juiz julga na cessual Penal. 13. Ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 898
sentença um fato diverso do imputado, haverá mais sen- apud ministro Edson Fachin em seu voto no julgamento da
tença em relação à denúncia, causando a nulidade pre- AP 975).
vista no art. 564, III, letra a. E nesse caso, tal nulidade não 444 CF, art. 5º. “Todos são iguais perante a lei, sem dis-

está elencada entre aquelas consideradas sanáveis pelo tinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
art. 572 do Código de Processo Penal, sendo, pois, hipó- e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
tese de nulidade absoluta. Mas não é só por isso que se direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
afirma tratar de nulidade absoluta. Na sentença extra pe- propriedade, nos termos seguintes: (...) LV – aos litigantes,
tita há ação penal ex officio, o que viola a regra constituci- em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em
onal do art. 129, I, que confere ao Ministério Público o mo- geral são assegurados o contraditório e ampla defesa,
nopólio na propositura da ação penal pública.” (GRINO- com os meios e recursos a ela inerentes;”
VER, Ada Pellegrini. O Processo: III Série: estudos e parece- 445 CF, art. 5º. “Todos são iguais perante a lei, sem dis-

res de processo penal. Brasília Gazeta Jurídica, 2013. p. tinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
165 e 166 apud ministro Edson Fachin em seu voto no jul- e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
gamento da AP 975). direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
443 “A regra geral é a imutabilidade do objeto do pro- propriedade, nos termos seguintes: (...) LIV – ninguém
cesso penal. Na mesma linha de pensamento, MALAN, re- será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido
lacionando objeto com sistema processual, afirmando que processo legal;”
o processo de feição acusatória se caracteriza por ser ten- 446 CF, art. 129. “São funções institucionais do Minis-

dencialmente rígido, pois essa rigidez decorre da garantia tério Público: I – promover, privativamente, a ação penal
da vinculação temática do juiz. Desvela o autor uma im- pública, na forma da lei;”
portante relação entre a rigidez do objeto e o sistema acu- 447 CPP, art. 384. “Encerrada a instrução probatória, se

satório, em que o juiz (espectador) não tem a gestão da entender cabível nova definição jurídica do fato, em con-
prova e tampouco invade o elemento objetivo da preten- sequência de prova existente nos autos de elemento ou
são para alterá-lo. Além disso, a garantia da imparciali- circunstância da infração penal não contida na acusação,
dade encontra condições de possibilidade de eficácia no o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa,
sistema acusatório, mas para tanto é necessário que o juiz no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido
se abstenha de ampliar ou restringir a pretensão acusató- instaurado o processo em crime de ação pública, redu-
ria (modificação do objeto), julgando-a nos seus limites (o zindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente.”
que não o impede, obviamente, de acolhê-la no todo ou 448 Enunciado 453 da Súmula do STF: “Não se aplicam

em parte na sentença, diante da prova. (…) Mas, e esse é à segunda instância o art. 384 e parágrafo único do Código
o ponto nevrálgico, para realizar qualquer modificação é de Processo Penal, que possibilitam dar nova definição ju-
imprescindível observar-se os princípios da inércia (e sua rídica ao fato delituoso, em virtude de circunstância ele-
vinculação ao sistema acusatório), da jurisdição, do direito mentar não contida, explícita ou implicitamente, na de-
núncia ou queixa.”

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FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

“Imputar a alguém uma conduta penal tão so- por tornar mais rígida a caracterização de determi-
mente pelo fato de ocupar determinado cargo signi- nado agente como autor452.
fica, na prática, adotar a responsabilização objetiva
Ademais, não há razão para discutir a medida da
na esfera penal.”449
participação de um agente que sequer se compro-
Por essa razão, “cabe repelir a alegação, de todo vou ter anuído ou efetivamente concorrido para a
inadmissível, de que a teoria do domínio do fato po- prática delituosa. Só há motivo para discutir a me-
deria ensejar o reconhecimento da responsabili- dida da participação depois de confirmada a sua
dade penal objetiva dos réus”450. existência; uma verificação é pressuposto lógico da
outra.
Com efeito, a teoria do domínio do fato não pre-
ceitua que a mera posição de um agente na escala Ressalte-se que tem sido frequente a adoção
hierárquica sirva para demonstrar ou mesmo refor- equivocada desta teoria na prática forense, pois o
çar o dolo da conduta. que se percebe é a corriqueira menção à teoria do
domínio do fato em substituição à teoria da cegueira
Não se admite a invocação da teoria do domínio do deliberada, esta sim voltada à comprovação do dolo
fato com vistas a solucionar problemas de debilidade eventual.
probatória ou a fim de arrefecer os rigores para a ca-
racterização do dolo delitivo. Contudo, seja adotando a teoria do domínio do
fato, seja adotando a teoria da cegueira deliberada,
Tais propósitos estão dissociados da finalidade inexistindo prova conclusiva de participação delitiva,
precípua do instituto. A razão dogmática que moti- não tendo o órgão acusatório se desincumbido do
vou a criação da teoria do domínio do fato, e que ônus probatório, de forma necessária e suficiente,
também rege a sua aplicação, foi solucionar um pro- não há outro caminho. A absolvição é imperiosa na
blema de diferenciação e identificação entre partí- medida em que ausentes elementos concretos a de-
cipe e autor, e não fundamentar o elemento anímico monstrar o elemento anímico da conduta praticada,
da conduta ou, ainda, reforçar a autoria delitiva que bem como de ter o acusado deliberadamente criado
recairia sobre o réu. mecanismos para evitar seu conhecimento dos deli-
tos cometidos.
Não é a doutrina em comento a nomenclatura
mais sofisticada que se acertou adotar para a verifi- AP 975, rel. min. Edson Fachin, DJE de 2-3-2018.
cação do dolo eventual (assunção de risco no resul- (Informativo 880, Segunda Turma)
tado proibido), simplesmente porque não é este
âmbito que lhe cumpre atuar.
Na verdade, a adoção da teoria do domínio do
fato, antes de possibilitar maior maleabilidade na
consideração do dolo delitivo, acaba, em compara-
ção ao preceituado pelo art. 29 do Código Penal 451,

449 AP 898, rel. min. Teori Zavascki, 2ª T. pelo crime todo aquele que para ele concorre, é no sen-
450 Trecho do voto do ministro Celso de Mello no jul- tido de um conceito extensivo de autor. Ou seja: é o art.
gamento da AP 470, rel. min. Joaquim Barbosa, P. 29, caput, do CP, tal como ele é tradicionalmente enten-
451 CP, art. 29. “Quem, de qualquer modo, concorre dido, que não deixa ninguém escapar. (...) Ocupar uma po-
para o crime incide nas penas a este cominadas, na me- sição de destaque ou mesmo de comando em um grupo
dida de sua culpabilidade. § 1º Se a participação for de em que uma pessoa plenamente responsável pratica uma
menor importância, a pena pode ser diminuída de um dessas condutas não faz de ninguém, por si só, autor des-
sexto a um terço. § 2º Se algum dos concorrentes quis tas condutas. Aliás, tal não é caso nem mesmo com base
participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena na leitura tradicional do art. 29, caput, do CP: ter uma po-
deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese sição de comando não significa, necessariamente, concor-
de ter sido previsível o resultado mais grave.” rer, causar o fato. Confirmando o que dissemos, que a te-
452 “Como se disse repetidamente, a teoria do domínio oria do domínio do fato é, no geral, não mais extensiva e
do fato parte da ideia de que autor é a figura central do sim mais restritiva que o conceito extensivo de autor em
acontecimento típico. Os tipos penais são o ponto de par- que se baseia o art. 29, caput, do CP, aqui só será possível
tida dessa teoria. Ela é, portanto, uma manifestação de falar em autoria se o chefe de um grupo emite uma ordem
um chamado conceito restritivo de autor: apenas o autor dentro de uma estrutura que atenda aos requisitos do do-
realiza diretamente o tipo, a conduta do partícipe só se mínio da organização (...).” (GRECO, Luís; LEITE, Alaor. O
torna punível em razão de um outro dispositivo legal, que que é e o que não é a teoria do domínio do fato sobre a
opera como causa de extensão de punibilidade. A leitura distinção entre o autor e partícipe no direito penal. Revista
mais natural do art. 29, caput, do CP, que diz responder dos Tribunais, vol. 933, p. 61 e ss., julho/2013 apud minis-
tro Edson Fachin em seu voto no julgamento da AP 975).

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FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

PROCESSO EM GERAL formação de seu convencimento.

AÇÃO PENAL HC 137.637, rel. min. Luiz Fux, DJE de 25-4-2018.


(Informativo 893, Primeira Turma)
DENÚNCIA

Após o desmembramento de ação penal quanto a réu


cuja denúncia não fora recebida na instância supe-
rior, é possível o oferecimento de nova denúncia de
distinto teor perante o juízo competente.

O princípio da independência funcional está di-


retamente atrelado à atividade finalística desenvol-
vida pelos membros do Ministério Público, gravi-
tando em torno das garantias (a) de uma atuação li-
vre no plano técnico-jurídico, isto é, sem qualquer
subordinação a eventuais recomendações exaradas
pelos órgãos superiores da instituição; e (b) de não
poderem ser responsabilizados pelos atos pratica-
dos no estrito exercício de suas funções. Indepen-
dentemente de eventual subordinação administra-
tiva, não há, quanto à atividade-fim, segundo o refe-
rido princípio, qualquer espécie de vinculação téc-
nica entre os membros da instituição que atuam pe-
rante instâncias diversas.
O postulado da independência funcional tam-
bém fornece as bases teóricas para fundamentar o
princípio do promotor natural, consoante o qual a
definição do membro do Ministério Público compe-
tente para oficiar em um caso deve observar as re-
gras previamente estabelecidas pela instituição para
distribuição de atribuições em determinado foro de
atuação, obstando-se a interferência hierárquica in-
devida da chefia do órgão por meio de eventuais de-
signações especiais. A proteção efetiva e substancial
ao princípio do promotor natural impede que o su-
perior hierárquico designe o promotor competente
bem como imponha a orientação técnica a ser ob-
servada.
Na mesma linha, os subprincípios da imparciali-
dade e do livre convencimento são corolários do
princípio da independência funcional assegurado
aos membros do Ministério Público, sem qualquer
prejuízo ao postulado da obrigatoriedade, que,
como regra, pauta a ação penal pública no sistema
jurídico brasileiro.
Consectariamente, o membro do Ministério Pú-
blico ostenta plena liberdade funcional não apenas
na avaliação inicial para aferir, após a fase de inves-
tigação, a existência de justa causa para o ofereci-
mento da peça acusatória, como também no exame,
ao final da instrução processual, quanto à compro-
vação dos indícios de autoria originariamente cogi-
tados, sendo certo que a imparcialidade na forma-
ção da opinio delicti se efetiva na hipótese em que o
membro do Ministério Público é realmente livre na

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FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

PROCESSO EM GERAL PROCESSO EM GERAL


COMPETÊNCIA COMPETÊNCIA
COMPETÊNCIA PELA PRERROGATIVA DE FUNÇÃO COMPETÊNCIA PELA PRERROGATIVA DE FUNÇÃO

Mesmo nos processos de competência originária do O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas
Supremo Tribunal Federal, a instrução processual pe- aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e
nal deve iniciar-se com a oitiva das testemunhas ar- relacionados às funções desempenhadas.
roladas pela acusação, realizando-se o interrogatório
ao final453. Atualmente, tem-se considerado que o foro por
prerrogativa de função, ou foro privilegiado, alcança
Embora a interpretação literal do art. 7º da Lei todos os crimes de que são acusados os agentes pú-
8.038/1990454 seja no sentido de que o interrogató- blicos previstos no art. 102, I, b e c, da Constituição
rio do réu deve ser o ato inaugural da instrução pro- Federal (CF)455, incluídos os praticados antes da in-
cessual penal, esse comando não se coaduna com os vestidura no cargo e os que não guardam qualquer
princípios do contraditório e da ampla defesa. relação com o seu exercício. Tal prática, entretanto,
não realiza adequadamente princípios constitucio-
Tais princípios impõem a realização do ato ape-
nais estruturantes, como igualdade e república, por
nas ao término da instrução criminal, o que permite
impedir, em grande número de casos, a responsabi-
ao acusado se ver processar e, em melhores condi-
lização de agentes públicos por crimes de naturezas
ções, elaborar sua autodefesa.
diversas. Além disso, a falta de efetividade mínima
AP 1.027 AgR, red. p/ o ac. min. Roberto Barroso, DJE do sistema penal, nesses casos, frustra valores cons-
de 25-10-2018. titucionais importantes, como a probidade e a mo-
(Informativo 918, Primeira Turma) ralidade administrativa. Assim, para assegurar que a
prerrogativa de foro sirva ao seu papel constitucio-
nal de garantir o livre exercício das funções – e não
ao fim ilegítimo de assegurar impunidade –, é indis-
pensável que haja relação de causalidade entre o
crime imputado e o exercício do cargo.
Idêntica lógica foi adotada, ao condicionar a imu-
nidade parlamentar material – que protege os agen-
tes públicos por suas opiniões, palavras e votos – à
exigência de a manifestação ter relação com o exer-
cício do mandato.
Por fim, cabe ressaltar que, em inúmeros casos,
o STF realizou interpretação restritiva de suas com-
petências constitucionais, para adequá-las às suas fi-
nalidades456.

Após o final da instrução processual, com a publica-


ção do despacho de intimação para apresentação de
alegações finais, a competência para processar e jul-
gar ações penais não será mais afetada em razão de
o agente público vir a ocupar cargo ou deixar o cargo

453 AP 528 AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, P; AP Ministros e o Procurador-Geral da República; c) nas infra-
988 AgR, red. p/ o ac. min. Alexandre de Moraes, 1ª T. ções penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os
454 “Recebida a denúncia ou a queixa, o relator desig- Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do
nará dia e hora para o interrogatório, mandando citar o Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art.
acusado ou querelado e intimar o órgão do Ministério Pú- 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal
blico, bem como o querelante ou o assistente, se for o de Contas da União e os chefes de missão diplomática de
caso.” caráter permanente;”
455 “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, 456 RE 669.069, rel. min. Teori Zavascki, P; ADI 890, rel.

precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I min. Maurício Corrêa, P; HC 70648, rel. min. Moreira Al-
– processar e julgar, originariamente: (...) b) nas infrações ves, 1ª T.
penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presi-
dente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios

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FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

que ocupava, qualquer que seja o motivo. PROCESSO EM GERAL


É possível a prorrogação de competências cons- COMPETÊNCIA
titucionais quando necessária para preservar a efe- COMPETÊNCIA PELA PRERROGATIVA DE FUNÇÃO
tividade e a racionalidade da prestação jurisdicio-
nal457. Essa nova linha interpretativa é aplicável aos
processos em curso, ressalvados todos os atos pra- Usurpa a competência do Supremo Tribunal Federal
ticados e as decisões proferidas pelo STF e demais (STF) a decisão de juízo de 1º grau que determina a
juízos com base na jurisprudência anterior. busca e apreensão não individualizada de entes do-
tados de capacidade probatória no domicílio de par-
AP 937 QO, rel. min. Roberto Barroso, DJE de 11-12- lamentar federal investigado perante o STF, sob o
2018. pretexto de o mandado se referir exclusivamente a
(Informativo 900, Plenário) outra pessoa, não detentora de foro por prerrogativa
de função, e investigada criminalmente por fatos re-
lacionados por continência ou conexão, após o des-
membramento do feito.

A busca e apreensão é um meio de obtenção de


prova, que se destina à aquisição de entes (coisas
materiais, vestígios ou declarações) dotados de ca-
pacidade probatória. A busca e apreensão domici-
liar, por expressa determinação constitucional, res-
salvada a hipótese de flagrante delito, exige autori-
zação judicial (CF, art. 5º, XI458).
Ademais, não é qualquer autorização judicial que
permite validamente romper a garantia da inviolabi-
lidade de domicílio, sendo necessário conjugá-la
com a garantia constitucional do juiz natural, se-
gundo a qual ninguém será processado nem senten-
ciado senão pela autoridade competente (CF, art.
5º, LIII459). Portanto, em estrita observância ao prin-
cípio do juiz natural, apenas o juiz constitucional-
mente competente pode ordenar uma medida de
busca e apreensão domiciliar.
Nos termos do art. 102, I, b460, da Constituição
Federal, compete ao STF processar e julgar, origina-
riamente, nas infrações penais comuns, os membros
do Congresso Nacional.
Desse modo, se houver duas pessoas (uma delas
parlamentar federal) investigadas criminalmente
por fatos relacionados, por continência ou conexão,
após o desmembramento do feito caberá à Justiça
comum proceder à investigação somente no que

457 AP 396, rel. min. Cármen Lúcia, P; AP 606 QO, rel. 459 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distin-

min. Roberto Barroso, 1ª T; AP 568, rel. min. Roberto Bar- ção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
roso, 1ª T; Inq 3734, rel. min. Roberto Barroso, 1ª T. aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do di-
458 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distin- reito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à pro-
ção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e priedade, nos termos seguintes: (...) LIII – ninguém será
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do di- processado nem sentenciado senão pela autoridade com-
reito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à pro- petente;”
priedade, nos termos seguintes: (...) XI – a casa é asilo in- 460 “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal,

violável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I
sem consentimento do morador, salvo em caso de fla- – processar e julgar, originariamente: (...) b) nas infrações
grante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, du- penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presi-
rante o dia, por determinação judicial;” dente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios
Ministros e o Procurador-Geral da República;”

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FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

toca ao não detentor de foro por prerrogativa de


função.
Outrossim, ainda que ambas residam no mesmo
imóvel, não pode o juízo de 1º grau determinar
busca e apreensão nesse imóvel de maneira insufi-
cientemente individualizada, a pretexto de proceder
a encontro fortuito de provas, ou com esteio na te-
oria do juízo aparente, ciente de que os crimes são
objeto de investigação primariamente pelo STF.
A prerrogativa de foro perante o STF se relaciona
ao membro do parlamento, e não à titularidade de
imóvel. Do contrário, ainda que se tratasse de imó-
vel funcional do Congresso não habitado por parla-
mentar, estar-se-ia a interditar, de forma desarrazo-
ada, uma diligência de busca e apreensão por ordem
judicial não emanada do STF.
A questão central para validar a admissibilidade
dessa medida invasiva, deferida por juízo diverso do
STF, é a absoluta incomunicabilidade do resultado
da diligência com o titular de prerrogativa de foro.
De outra parte, ainda que o juízo de 1º grau,
após a apreensão, proceda a uma triagem do mate-
rial arrecadado, para selecionar e apartar elementos
de convicção relativos a parlamentar federal, a me-
dida não se sustenta, por implicar, por via reflexa,
inequívoca e vedada investigação de detentor de
prerrogativa de foro e manifesta usurpação da com-
petência do STF. Somente o STF, nessas circunstân-
cias, tem competência para ordenar busca e apre-
ensão domiciliar que traduza, mesmo que potenci-
almente, investigação de parlamentar federal, bem
como para selecionar os elementos de convicção
que a ela interessem ou não.
A legalidade da ordem de busca e apreensão
deve necessariamente ser aferida antes de seu cum-
primento, pois, do contrário, poder-se-ia incorrer
em legitimação de decisão manifestamente ilegal,
com base no resultado da diligência.
Portanto, a realização de diligência por juízo sem
competência constitucional é nula. Deve ser reco-
nhecida não só a imprestabilidade do resultado da
busca realizada no imóvel do parlamentar para fins
probatórios, como também de eventuais elementos
probatórios diretamente derivados.
Rcl 24.473, rel. min. Dias Toffoli, DJE de 6-9-2018.
(Informativo 908, Segunda Turma)

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FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

PROCESSO EM GERAL PROCESSO EM GERAL


COMPETÊNCIA PROVA
COMPETÊNCIA POR CONEXÃO OU CONTINÊNCIA DISPOSIÇÕES GERAIS

Em caso de doação eleitoral por meio de caixa dois, a No rito da Lei 8.038/1990, não há espaço, entre o
competência para processar e julgar os fatos é da Jus- oferecimento da denúncia e o juízo de admissibili-
tiça Eleitoral mesmo diante da existência de crimes dade a ser proferido pelo Tribunal, para dilações pro-
conexos de competência da Justiça comum, como batórias.
corrupção passiva e lavagem de capitais.
Embora o pedido de juntada de documentos tra-
As doações eleitorais por meio de caixa dois são zidos pelas próprias partes seja permitido em qual-
fatos que podem constituir o crime eleitoral de fal- quer fase do processo (CPP, art. 231465), não cabe à
sidade ideológica (Código Eleitoral, art. 350461)462. A defesa usar essa regra para pedir ao julgador que re-
competência para o julgamento de crimes dessa na- queira documentos a outros órgãos. Além disso, o
tureza não pode ser afastada, por força do art. 35, juiz pode indeferir a providência que tenha caráter
II463, do Código Eleitoral e do art. 78, IV464, do Código irrelevante, impertinente, protelatório ou tumultuá-
de Processo Penal. rio (CPP, art. 400, § 1º466).
Pet 7.319, red. p/ o ac. min. Dias Toffoli, DJE de 9-5- De acordo com o princípio da eventualidade,
2018. uma vez viabilizada a apresentação de defesa prévia,
(Informativo 895, Segunda Turma) cabe ao investigado trazer todos os argumentos de
que dispõe, presente o que narrado na peça acusa-
tória. Ademais, a defesa pode, no curso da ação pe-
nal, requerer a produção de provas que entender
pertinentes, inclusive de natureza documental.

O eventual auxílio de membro do Ministério Público


na negociação de acordo de colaboração não afeta a
validade das provas apresentadas pelos colaborado-
res, caso não haja indício consistente de que o fato
seja de conhecimento do Ministério Público.

O acordo de colaboração premiada deve ser ce-


lebrado de forma voluntária, de modo que a partici-
pação ministerial não necessariamente macula essa
qualidade. Além disso, ainda que rescindido, as pro-
vas podem ser utilizadas contra terceiros (Lei
12.850/2013, art. 4º, § 10467).

461 CP, art. 350. “Omitir, em documento público ou poderão apresentar documentos em qualquer fase do
particular, declaração que dele devia constar, ou nele in- processo.”
serir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que de- 466 “Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento,

via ser escrita, para fins eleitorais: Pena – reclusão até a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias,
cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o docu- proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à in-
mento é público, e reclusão até três anos e pagamento de quirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela
3 a 10 dias-multa, se o documento é particular.” defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222
462 Pet 6.820 AgR-ED, red. p/ o ac. min Ricardo Lewan- deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos,
dowski, 2ª T. às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas,
463 Lei 4.737/1965, art. 35 “Compete aos juízes: (...) interrogando-se, em seguida, o acusado. § 1º As provas
II – processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz inde-
lhe forem conexos, ressalvada a competência originária ferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou pro-
do Tribunal Superior e dos Tribunais Regionais;” telatórias.”
464 CPP, art. 78 “Na determinação da competência por 467 “Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes,

conexão ou continência, serão observadas as seguintes re- conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois ter-
gras: (...) IV – no concurso entre a jurisdição comum e a ços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por res-
especial, prevalecerá esta.” tritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e
465 “Art. 231. Salvo os casos expressos em lei, as partes

128
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

As provas colhidas ou autorizadas por juízo aparente- PROCESSO EM GERAL


mente competente à época da autorização ou produ- PROVA
ção podem ser ratificadas, mesmo que seja posteri-
ormente reconhecida a sua incompetência. DISPOSIÇÕES GERAIS

De acordo com a teoria do juízo aparente, se, no Admite-se a requisição de dados bancários direta-
momento de apreciação das provas apresentadas,
mente pelo Ministério Público, se a titularidade da
existem elementos a indicar a competência do juízo conta é do poder público e se as operações financei-
que realiza essa atividade, o fato de, posterior- ras envolvem recursos públicos.
mente, a competência originalmente suposta não se
confirmar não anula a validade das provas colhi- O sigilo de informações necessário para a preser-
das468. vação da intimidade é relativizado quando se está
Inq 4.506 e Inq 4.506 AgR-segundo, red. p/ o ac. min. diante de interesse da sociedade de reconhecer o
Roberto Barroso e rel. min. Marco Aurélio, respecti- destino dos recursos públicos469. Assim, as opera-
vamente, DJE de 4-9-2018. ções financeiras que envolvam recursos públicos
(Informativo 898, Primeira Turma) não estão abrangidas pelo sigilo bancário a que
alude a Lei Complementar 105/2001, visto que as
operações dessa espécie estão submetidas aos prin-
cípios da Administração Pública. Em matéria de ges-
tão de dinheiro público, não há sigilo privado, seja
ele constitucional ou legal, a opor-se ao princípio da
publicidade da Administração.
O Ministério Público tem o poder de requisitar
informações bancárias relativas a operações em que
há dinheiro público, pois a publicidade deve ser ca-
racterística dessas operações. Esse poder compre-
ende, por extensão, o acesso aos registros das ope-
rações bancárias realizadas por particulares, a partir
das verbas públicas creditadas naquela conta. Isso
porque de nada adiantaria permitir ao Ministério
Público requisitar, diretamente, os registros das
operações feitas na conta bancária de titularidade
do poder público e negar-lhe o principal: o acesso ao
real destino dos recursos públicos, a partir do exame
de operações bancárias sucessivas. Entendimento
em sentido contrário implicaria o esvaziamento do
princípio da publicidade, que é permitir o controle
da atuação do administrador público e do emprego
de verbas públicas.
RHC 133.118, rel. min. Dias Toffoli, DJE de 9-3-2018.
(Informativo 879, Segunda Turma)

voluntariamente com a investigação e com o processo cri- natórias produzidas pelo colaborador não poderão ser uti-
minal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais lizadas exclusivamente em seu desfavor.”
dos seguintes resultados: (...) § 10. As partes podem re- 468 HC 137.438 AgR-ED, rel. min. Luiz Fux, 1ª T; HC

tratar-se da proposta, caso em que as provas autoincrimi- 121.719, rel. min. Gilmar Mendes, 2ª T.
469 MS 33.340, rel. min. Luiz Fux, 1ª T.

129
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

PROCESSO EM GERAL não padecem de vício de inconstitucionalidade.

PROVA Em face da concepção constitucional moderna


INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA de que inexistem garantias individuais de ordem ab-
soluta, mormente com escopo de salvaguardar prá-
ticas ilícitas, a exceção constitucional ao sigilo al-
Notícias anônimas de crime, desde que verificada a cança as comunicações de dados telemáticos474.
sua credibilidade por apurações preliminares, podem
servir de base válida à investigação e à persecução Cabe destacar que, “quando a norma constituci-
criminal470. onal não possui autorização expressa de limites, a
doutrina sustenta a existência de ‘limites imanen-
A denúncia anônima, por si só, não serve para tes’. E a convivência dos direitos fundamentais leva
fundamentar a instauração de inquérito, mas, a par- mesmo ao reconhecimento desses limites implícitos
tir dela, a autoridade competente poderá realizar di- ou imanentes. Não vale, em suma, o argumento de
ligências preliminares para apurar a veracidade das que a CF só permitiu a restrição da comunicação te-
informações obtidas anonimamente e, então, ins- lefônica. Quanto a ela, na verdade, existe autoriza-
taurar o procedimento investigatório propriamente ção restritiva expressa. Quanto às comunicações te-
dito471. lemáticas (independentes da telefonia), essa per-
missão é implícita ou imanente”.475
As interceptações telefônicas podem ser prorrogadas
Diante disso, não há que se cogitar de incompa-
além do prazo legal de autorização, desde que devi-
tibilidade do parágrafo único do art. 1º da Lei
damente fundamentadas pelo juízo competente
9.296/1996476 com o art. 5º, XII, da CF477. “O pará-
quanto à necessidade para o prosseguimento das in-
grafo único, ao estender a possibilidade de intercep-
vestigações472.
tação também ao fluxo de comunicações em siste-
A interceptação telefônica é meio de investiga- mas de informática e telemática, apenas especificou
ção invasivo que deve ser usado com cautela. Entre- que a lei também atingirá toda e qualquer variante
tanto, pode ser necessária e justificada, circunstan- de informações que utilizem a modalidade ‘comuni-
cialmente, a utilização prolongada de métodos de cações telefônicas’. Ou seja, objetivou a Lei estender
investigação invasivos, sobretudo se a atividade cri- a aplicação das hipóteses de interceptação de co-
minal for igualmente duradoura, casos de crimes ha- municações telefônicas a qualquer espécie de co-
bituais, permanentes ou continuados. A intercepta- municação, ainda que realizada mediante sistemas
ção telefônica pode, portanto, ser prorrogada para de informática, existentes ou que venham a ser cri-
além de trinta dias para a investigação de crimes ados, desde que tal comunicação utilize a modali-
cuja prática se prolonga no tempo e no espaço, mui- dade ‘comunicações telefônicas’.”478
tas vezes desenvolvidos de forma empresarial ou RHC 132.115, rel. min. Dias Toffoli, DJE de 19-10-
profissional473. 2018.
(Informativo 890, Segunda Turma)
A interceptação telemática e as suas prorrogações

470 HC 106.152, rel. min. Rosa Weber, 1ª T. O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de
471 HC 98.345, red. p/ o ac. min. Dias Toffoli, 1ª T; HC comunicações em sistemas de informática e telemática.”
109.598 AgR, rel. min. Celso de Mello, 2ª T; e HC 133.148, 477 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distin-

rel. min. Ricardo Lewandowski, 2ª T. ção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
472 RHC 88.371, rel. min. Gilmar Mendes, 2ª T. aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do di-
473 HC 106.225, red. p/ o ac. min. Luiz Fux, 1ª T; HC reito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à pro-
99.619, red. p/ o ac. min. Rosa Weber, 1ª T; RHC 88.371, priedade, nos termos seguintes: (...) XII – é inviolável o si-
rel. min. Gilmar Mendes, 2ª T; e HC 83.515, rel. min. Nel- gilo da correspondência e das comunicações telegráficas,
son Jobim, P. de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último
474 HC 70.814, rel. min. Celso de Mello, 1ª T. caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a
475 GOMES, Luiz Flávio. Interceptação telefônica: Lei lei estabelecer para fins de investigação criminal ou ins-
9.296, de 24.07.96. São Paulo: RT, 1997, p. 173-174 apud trução processual penal;”
ministro Dias Toffoli em seu voto no julgamento do RHC 478 STRECK, Lênio. As interceptações telefônicas e os

132.115. direitos fundamentais: constituição, cidadania, violência:


476 “Art. 1º A interceptação de comunicações telefôni- Lei 9.296/96 e seus reflexos penais e processuais. Porto
cas, de qualquer natureza, para prova em investigação cri- Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 42-44 apud minis-
minal e em instrução processual penal, observará o dis- tro Dias Toffoli em seu voto no julgamento do RHC
posto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente 132.115.
da ação principal, sob segredo de justiça. Parágrafo único.

130
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

PROCESSO EM GERAL PROCESSO EM GERAL


PRISÃO, MEDIDAS CAUTELARES E LIBERDADE PROVISÓ- CITAÇÕES E INTIMAÇÕES
RIA
INTIMAÇÕES
PRISÃO PREVENTIVA
“Compete ao advogado acompanhar o julgamento
Cabe a substituição da prisão preventiva pela domici- após a inclusão do feito em pauta”480, sendo desne-
liar quando o agente for mulher com filho de até doze cessária a intimação para data específica de julga-
anos de idade, devendo o juízo fixar as condições res- mento.481
pectivas.
Se é certo que o § 1º do art. 370 do Código de
Deve-se levar em conta a Lei 13.257/2016, a ver- Processo Penal (CPP) prevê expressamente a indis-
sar políticas públicas para a primeira infância, que pensabilidade da intimação do defensor constituído,
incluiu o art. 318, V no Código de Processo Penal479. por outro lado também é certo que a falta de inti-
mação da defesa para o julgamento do recurso em
HC 136.408, rel. min. Marco Aurélio, DJE de 19-2-
sentido estrito consubstancia nulidade sanável, que
2018.
deve ser arguida na primeira oportunidade, sob
(Informativo 887, Primeira Turma) pena de preclusão, ex vi do art. 571, VIII do CPP. 482,
483 e 484

Se não há registro de que a controvérsia foi inici-


ada na primeira oportunidade em que a defesa se
manifestou nos autos485, a questão pode ser dada
por preclusa. Sendo esse o quadro, não pode a de-
fesa valer-se de suposto prejuízo decorrente de
omissão a ela mesma atribuível, para invalidar deci-
são judicial desfavorável. Sob essa perspectiva,
aplica-se o disposto no art. 565 do CPP.486
“Além desses fundamentos, não se pode ignorar
a regra segundo a qual não haverá declaração de nu-
lidade quando não demonstrado o efetivo prejuízo
causado à parte (pas de nullité sans grief).”487, 488 e
489

Inexiste nulidade quando a intimação é realizada em


nome de advogado habilitado, se não tiver requeri-
mento para que a intimação se dê especificamente

479 CPP, art. 318. “Poderá o juiz substituir a prisão pre- 486 “Art. 565. Nenhuma das partes poderá arguir nuli-

ventiva pela domiciliar quando o agente for: (...) V – mu- dade a que haja dado causa, ou para que tenha concor-
lher com filho de até 12 (doze) anos de idade incomple- rido, ou referente a formalidade cuja observância só à
tos.” parte contrária interesse.”
480 AR 1.945 AgR-ED, rel. min. Gilmar Mendes, 2ª T. 487 Fundamentos extraídos do voto do ministro Ale-
481 RHC 118.660, rel. min. Cármen Lúcia, 2ª T; HC xandre de Moraes no presente julgamento.
84.781, rel. min. Carlos Britto, 1ª T; HC 83.090, rel. min. 488 “’Pertinentes, a propósito dessa temática, as lições

Ellen Gracie, 2ª T; HC 73.669, rel. min. Carlos Velloso, 2ª de ADA, SCARANCE e MAGALHÃES: ‘Sem ofensa ao sen-
T; HC 83.675, rel. min. Gilmar Mendes, 2ª T. tido teleológico da norma não haverá prejuízo e, por isso,
482 Fundamentos extraídos do voto do ministro Ale- o reconhecimento da nulidade nessa hipótese constituiria
xandre de Moraes no presente julgamento. consagração de um formalismo exagerado e inútil, que sa-
483 HC 113.919, rel. min. Luiz Fux, 1ª T. crificaria o objetivo maior da atividade jurisdicional.’ (As
484 Fundamentos extraídos do voto do ministro Ale- nulidades no processo penal, p. 27, 12. ed., 2011, RT).”
xandre de Moraes no presente julgamento. (Trecho do voto do ministro Alexandre de Moraes no pre-
485 “É ônus da parte, na primeira oportunidade que lhe sente julgamento.)
couber falar nos autos, impugnar a nulidade de ato pro- 489 HC 130.433, red. p/ ac. min. Alexandre de Moraes,

cessual, sob pena de preclusão temporal e convalidação 1ª T; HC 132.149 AgR, rel. min. Luiz Fux, 1ª T; RE 971.305
do ato.” (HC 156.616 AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, AgR, rel. min. Roberto Barroso, 1ª T; RHC 128.827, rel.
2ª T). min. Ricardo Lewandowski, 2ª T; HC 120.121 AgR, rel. min.
Rosa Weber, 1ª T.

131
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

em nome de algum dos advogados que atuam no PROCESSOS EM ESPÉCIE


feito.
PROCEDIMENTO RELATIVO AOS PROCESSOS DA COM-
Na hipótese de paciente defendido por dois ad- PETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI
vogados regularmente constituídos, sem que a de-
ACUSAÇÃO E INSTRUÇÃO PRELIMINAR
fesa tenha requerido fossem as intimações realiza-
das em nome de todos os procuradores, incumbe ao
advogado substabelecido acompanhar a tramitação O fato de a denúncia ser oferecida por membro do
do processo.490 Ministério Público atuante em vara criminal comum
e recebida pelo juízo do tribunal do júri não ofende o
Assim, inexiste ilegalidade flagrante, abuso de princípio do promotor natural.
poder ou nulidade na intimação feita em nome de
advogado falecido seguido da expressão “e outro”. O princípio do promotor natural proíbe designa-
A morte de um dos defensores não acarreta a auto- ções casuísticas efetuadas pela chefia da instituição,
mática anulação do processo ou evidente cercea- o que implica a criação inadmissível da figura do pro-
mento do direito de defesa, em especial porque a motor de exceção.
defesa contribui para a nulidade arguida, ao deixar
de informar ao tribunal de origem sobre o faleci- Esse postulado, apesar de não expressamente
mento de um dos advogados, o que atrai a regra do previsto na Constituição, tem como finalidade evitar
art. 565 do CPP.491 e 492 a diminuição da independência e autonomia do Mi-
nistério Público. Pode sofrer atenuações, desde que
A nulidade, “para ser reconhecida, pressupõe a estejam previstas em lei e de acordo com sua finali-
comprovação do prejuízo, nos termos do art. 563 do dade constitucional.
Código de Processo Penal, não podendo essa ser
presumida, a fim de se evitar um excessivo forma- Consideradas essas premissas, se determinada
lismo em prejuízo da adequada prestação jurisdicio- denúncia é oferecida por membro do parquet atu-
nal. A propósito, cuida-se de aplicação do princípio ante em vara criminal comum, em razão de, inicial-
cognominado de pas de nullité sans grief, aplicável mente, não haver características de crime doloso
tanto a nulidades absolutas quanto relativas”.493 e 494 contra a vida, mas, posteriormente, constata-se ha-
Ademais, “deve ser demonstrado um liame inequí- ver estas características, cabe a remessa dos autos à
voco entre a nulidade suscitada e o resultado pro- vara especializada do tribunal do júri, cujo membro
cessual desfavorável”.495 e 496 ministerial lá atuante poderá suscitar conflito de
atribuições ou ratificar a denúncia, implícita ou ex-
HC 138.097, red. p/ o ac. min. Roberto Barroso, DJE plicitamente.
de 12-12-2018.
(Informativo 921, Primeira Turma) A possibilidade de alteração de atribuições ao
longo da investigação e da substituição de promoto-
res, desde que não haja designações abusivas ou ar-
bitrárias, decorre dos princípios da unidade e da in-
divisibilidade do Ministério Público.
HC 114.093, red. p/ o ac. min. Alexandre de Moraes,
DJE de 21-2-2018.
(Informativo 880, Primeira Turma)

490 Fundamentos extraídos do voto do ministro Luiz 493 RHC 125.242 AgR, rel. min. Celso de Mello, 2ª T; HC

Fux no presente julgamento. 125.610, red. p/ o ac. min. Edson Fachin, 1ª T.


491 “Art. 565. Nenhuma das partes poderá arguir nuli- 494 Fundamentos extraídos do voto do ministro Luiz

dade a que haja dado causa, ou para que tenha concor- Fux no presente julgamento.
rido, ou referente a formalidade cuja observância só à 495 RHC 133.530 AgR, rel. min. Edson Fachin, 1ª T.

parte contrária interesse.” 496 Fundamentos extraídos do voto do ministro Luiz


492 HC 91.711, rel. min. Cármen Lúcia, 2ª T; HC 103.039 Fux no presente julgamento.
AgR, rel. min. Luiz Fux, 1ª T.

132
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

PROCEDIMENTO ESPECIAL de prova como colaboração premiada (ou acordos


de leniência), devem ser adotadas cautelas especi-
LEI 12.850/2013 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS ais.
ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA “Nesses casos, ao estabelecer os estreitos parâ-
metros de tais atividades, fica clara a intenção do le-
A utilização de elementos probatórios, produzidos gislador em assegurar que a obtenção de provas seja
pelo próprio colaborador, em seu prejuízo, de modo realizada de forma compatível com os direitos fun-
distinto do firmado com a acusação e homologado damentais envolvidos, como a intimidade, a inviola-
pelo Judiciário, é prática abusiva e viola o direito a bilidade do domicílio e o sigilo das comunicações
não autoincriminação. (CF, art. 5º, X, XI e XII)”502.
Inq 4.420 AgR, rel. min. Gilmar Mendes, DJE de 13-
A renúncia (ou não exercício) imposta pela Lei
9-2018.
em relação ao direito ao silêncio (Lei 12.850/2013,
(Informativo 913, Segunda Turma)
art. 4º, § 14497) se limita à abrangência e às conse-
quências previstas no acordo.
Nesse sentido, “a possibilidade de compartilha-
mento de provas produzidas consensualmente para
outras investigações não incluídas na abrangência
do negócio jurídico pode colocar em risco a sua efe-
tividade e a esfera de direitos dos imputados que
consentirem em colaborar com a persecução esta-
tal.”498
Deve-se ressaltar que isso não impede que ou-
tras autoridades não aderentes ao acordo realizem
investigações e persecuções distintas, como, por
exemplo, sobre fatos novos ou não incluídos no
acordo. Nessa hipótese, veda-se somente a utiliza-
ção, para esses casos, de elementos probatórios
produzidos pelos próprios colaboradores em razão
do negócio firmado499.

Se o imputado não é abrangido pelo acordo de leni-


ência em questão, não há óbices ao compartilha-
mento de provas, desde que o pedido se mostre ade-
quadamente delimitado e justificado500.

“É assente na jurisprudência desta Corte a ad-


missibilidade, em procedimentos administrativos,
de prova emprestada do processo penal”501.
Contudo, nas hipóteses de meios de obtenção

497 “Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, da aplicação de dinheiro público em hipóteses já alberga-
conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois ter- das pelos acordos de leniência. Todavia, sua atuação deve
ços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por res- limitar-se ao escopo de buscar integralmente a reparação
tritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e do dano causado, sem inviabilizar o cumprimento dos ci-
voluntariamente com a investigação e com o processo cri- tados acordos.” (Trecho do voto do ministro Gilmar Men-
minal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais des no julgamento do MS 35.435 MC, rel. min. Gilmar
dos seguintes resultados: (...) § 14. Nos depoimentos que Mendes).
prestar, o colaborador renunciará, na presença de seu de- 500 Pet 6.845, rel. min. Edson Fachin, decisão mono-

fensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compro- crática; Pet 7.463, rel. min. Edson Fachin, decisão mono-
misso legal de dizer a verdade.” crática.
498 LAMY, Anna Carolina. Reflexos do acordo de leniên- 501 RE 810.906 AgR, rel. min. Roberto Barroso, 1ª T.

cia no processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. 502 GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Limites ao

p. 159-161 apud ministro Gilmar Mendes em seu voto no compartilhamento de provas no processo penal. Revista
julgamento do Inq 4.420 AgR. Brasileira de Ciências Criminais, v. 122, ago. 2016 apud mi-
499 “(...) não seria vedado ao TCU realizar a fiscalização nistro Gilmar Mendes em seu voto no julgamento do Inq
4.420 AgR.

133
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

PROCEDIMENTO ESPECIAL colaboração premiada, para revogação de benefí-


cios ajustados com delatores, porque a avaliação da
LEI 12.850/2013 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS veracidade das declarações somente pode ocorrer
ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA no âmbito das ações penais eventualmente propos-
tas503.
A possibilidade de rescisão ou de revisão, total ou Inq 4.483 QO, rel. min. Edson Fachin, DJE de 13-6-
parcial, de acordo homologado de colaboração pre- 2018.
miada, em decorrência de eventual descumprimento (Informativo 878, Plenário)
de deveres assumidos pelo colaborador, não propicia
conhecer e julgar alegação de imprestabilidade das
provas.

Por se tratar de um negócio jurídico processual


personalíssimo, o acordo de colaboração premiada
não pode ser impugnado por coautores ou partíci-
pes do colaborador na organização criminosa e nas
infrações penais por ela praticadas, ainda que ve-
nham a ser expressamente nominados no respec-
tivo instrumento quando do relato da colaboração e
seus possíveis resultados.
Assim, o acordo de colaboração, como negócio
jurídico personalíssimo, não vincula o delatado e
não atinge diretamente sua esfera jurídica. A dela-
ção premiada é um benefício de natureza persona-
líssima, cujos efeitos não são extensíveis a corréus.
Ainda que o colaborador, por descumprir al-
guma condição do acordo, não faça jus a qualquer
sanção premial por ocasião da sentença, suas decla-
rações, desde que amparadas por outras provas idô-
neas, poderão ser consideradas meio de prova vá-
lido para fundamentar a condenação de coautores e
partícipes da organização criminosa.
Até mesmo em caso de revogação do acordo, o
material probatório colhido em decorrência dele
pode ainda assim ser utilizado em face de terceiros,
razão pela qual não ostentam eles, em princípio, in-
teresse jurídico em pleitear sua desconstituição,
sem prejuízo, obviamente, de formular, no mo-
mento próprio, as contestações que entenderem
cabíveis quanto ao seu conteúdo.
A eventual desconstituição de acordo de colabo-
ração tem âmbito de eficácia restrito às partes que
o firmaram, não beneficiando nem prejudicando
terceiros. Mesmo em caso de retratação, o material
probatório colhido em colaboração premiada pode
ainda assim ser utilizado, naturalmente cercado de
todas as cautelas, em face de terceiros, aos quais ca-
berá, se for o caso, deduzir as razões de defesa nos
procedimentos ou ações que venham a ser promo-
vidos.
Assim, é incabível pedido de terceiro estranho à

503 HC 127.483, rel. min. Dias Toffoli, P; e Inq 3.983, rel. min. Teori Zavascki, P.

134
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

PROCEDIMENTO ESPECIAL premiada, o magistrado deve se restringir ao juízo de


regularidade, legalidade e voluntariedade da avença.
LEI 12.850/2013 – ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS
ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA Esse instituto possui natureza de negócio jurí-
dico processual firmado entre o Ministério Público e
o colaborador. Essa característica é bem represen-
Existindo, entre os fatos relatados pelos colaborado- tada pelas normas extraídas do art. 4º, §§ 6º e 7º 508,
res, ao menos um em que se verifique a presença de da Lei 12.850/2013, que vedam a participação do
conexão com objeto de feito previamente distribu- magistrado na celebração do ajuste entre as partes,
ído, o juízo que homologa o acordo de colaboração e os limites de cognoscibilidade dos termos pactua-
premiada é competente para o processamento de to- dos.
dos os fatos relatados.
Trata-se, portanto, de meio de obtenção de
Verificada a existência de liame de natureza ob- prova cuja iniciativa não se submete à reserva de ju-
jetiva, subjetiva ou probatória entre o conteúdo de risdição, como exige, por exemplo, a quebra do si-
termos de depoimento prestados pelo colaborador gilo bancário ou fiscal e a interceptação de comuni-
e o objeto de investigação em curso, incumbe à au- cações telefônicas.
toridade judicial responsável pela supervisão do Nesse panorama jurídico, as tratativas e a cele-
procedimento investigatório, por força da preven- bração da avença são mantidas exclusivamente en-
ção, a homologação do acordo de colaboração cele- tre o Ministério Público e o pretenso colaborador,
brado e a subsequente adoção de providências permanecendo completamente distante o Poder Ju-
acerca de cada fato relatado. Adequada é a obser- diciário, que é chamado, ao final dos atos negociais,
vância da regra prevista no art. 79, caput504, do Có- apenas e tão somente para aferir os requisitos legais
digo de Processo Penal (CPP), a demandar a distri- de existência e validade, com a indispensável homo-
buição por prevenção, nos exatos termos do art. 69, logação.
caput505, do Regimento Interno do Supremo Tribu-
nal Federal (RISTF). “Nessa atividade de delibação, o juiz, ao homo-
logar o acordo de colaboração, não emite nenhum
Tal conclusão resguarda o jurisdicionado dos juízo de valor a respeito das declarações eventual-
efeitos da litispendência e da coisa julgada, cuja evi- mente já prestadas pelo colaborador à autoridade
tação também se encontra no âmbito de tutela das policial ou ao Ministério Público, tampouco confere
normas de modificação da competência previstas o signo da idoneidade a seus depoimentos posterio-
nos arts. 76506 e 77507 do CPP. res. (...) Em outras palavras, a homologação judicial
do acordo de colaboração premiada não significa,
Na homologação judicial de acordos de colaboração
em absoluto, que o juiz admitiu como verídicas ou

504 CPP, art. 79 “A conexão e a continência importarão pela continência quando: I – duas ou mais pessoas forem
unidade de processo e julgamento, salvo: I - no concurso acusadas pela mesma infração; II – no caso de infração co-
entre a jurisdição comum e a militar; II - no concurso entre metida nas condições previstas nos arts. 51, § 1º, 53, se-
a jurisdição comum e a do juízo de menores. § 1º Cessará, gunda parte, e 54 do Código Penal.”
em qualquer caso, a unidade do processo, se, em relação 508 Lei 12.850/2013, art. 4o. “O juiz poderá, a requeri-

a algum co-réu, sobrevier o caso previsto no art. 152. § 2º mento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em
A unidade do processo não importará a do julgamento, se até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou subs-
houver co-réu foragido que não possa ser julgado à reve- tituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha cola-
lia, ou ocorrer a hipótese do art. 461.” borado efetiva e voluntariamente com a investigação e
505 RISTF, art. 69. “A distribuição da ação ou do recurso com o processo criminal, desde que dessa colaboração ad-
gera prevenção para todos os processos a eles vinculados venha um ou mais dos seguintes resultados: (...). § 6o O
por conexão ou continência.” juiz não participará das negociações realizadas entre as
506 CPP, art. 76. “A competência será determinada partes para a formalização do acordo de colaboração, que
pela conexão: I – se, ocorrendo duas ou mais infrações, ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o de-
houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias fensor, com a manifestação do Ministério Público, ou,
pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, em- conforme o caso, entre o Ministério Público e o investi-
bora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, gado ou acusado e seu defensor. § 7o Realizado o acordo
umas contra as outras; II – se, no mesmo caso, houverem na forma do § 6o, o respectivo termo, acompanhado das
sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou declarações do colaborador e de cópia da investigação,
para conseguir impunidade ou vantagem em relação a será remetido ao juiz para homologação, o qual deverá ve-
qualquer delas; III – quando a prova de uma infração ou rificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade, po-
de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na dendo para este fim, sigilosamente, ouvir o colaborador,
prova de outra infração.” na presença de seu defensor.”
507 CPP, art. 77. “A competência será determinada

135
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

idôneas as informações eventualmente já prestadas aos requisitos intrínsecos do diploma legal, tais
pelo colaborador e tendentes à identificação de co- como a participação do defensor, a forma escrita, a
autores ou partícipes da organização criminosa e disposição das cláusulas, etc. Quanto à legalidade,
das infrações por ela praticadas ou à revelação da deve o magistrado atentar aos requisitos extrínse-
estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da or- cos do acordo, no que tange ao respeito aos dispo-
ganização criminosa.”509 sitivos legais vigentes. Assim, o acordo não deve
contrariar o sistema jurídico mediante cláusulas ile-
O instituto da colaboração premiada é regido
gais ou mesmo medidas que contrariem o ordena-
por normas de direito público, circunstância que de-
mento jurídico. Por sua vez, a voluntariedade deve
limita o ambiente negocial acerca dos benefícios
ser aferida pelo propósito livre do colaborador em
que serão ofertados ao colaborador, disciplinados
aderir ao instituto. Nesse caso a lei prevê que o juiz
no art. 4º, caput, § 2º e § 5º510, da Lei 12.850/2013.
pode ouvir sigilosamente o colaborador na presença
No âmbito de incidência da norma, as partes podem
de seu defensor.”512
ajustar suas pretensões até a obtenção de um con-
senso sobre o acordo, que tem por essência conces- Nesse sentido, e sob o olhar da garantia da segu-
sões mútuas nas posições jurídicas dos interesses rança pública e da ordem jurídica, o acordo de cola-
conflitantes. boração premiada se reveste das características si-
milares às de um ato administrativo discricionário,
A participação do magistrado nas negociações
sobre o qual não cabe ao Poder Judiciário se imiscuir
colocaria em risco a própria viabilidade do instituto,
no juízo de conveniência e oportunidade à sua edi-
diante da iminente ameaça de interferência externa
ção, restringindo-se a tutela jurisdicional, ao menos
nas condições acordadas pelas partes, reduzindo de
nesse momento incipiente, à verificação da confor-
forma significativa o interesse no ajuste. “Essa ‘pos-
midade do acordo com o ordenamento jurídico.
tura equidistante’ do juiz em relação às partes no
processo penal informa o comando legal citado que A homologação dos acordos de colaboração premi-
prestigia o sistema acusatório; se as declarações do ada compete ao relator, e o julgamento de mérito so-
colaborador são verdadeiras ou respaldadas por bre os termos e a eficácia da colaboração compete
provas de corroboração, apenas ‘no momento do ao colegiado.
julgamento do processo’ é que será feito tal ju-
ízo.”511 O relator tem poderes instrutórios para ordenar,
A colaboração premiada, portanto, é instru- monocraticamente, a realização de quaisquer meios
mento voltado exclusivamente ao aparelhamento de obtenção de prova (RISTF, art. 21, I e II513). Consi-
das funções investigativas, impondo ao Poder Judi- derando-se que o instituto da colaboração premiada
ciário, nessa fase, atuação restrita à verificação da possui natureza de meio de obtenção de prova (Lei
regularidade, legalidade e voluntariedade do 12.850/2013, art. 3º, I514), a homologação do acordo
acordo.
“Por regularidade, entendemos o atendimento

509 HC 127.483, rel. min. Dias Toffoli, P. premiada. Belo Horizonte: Del Rey, 2017. p. 122-23 apud
510 Lei 12.850/2013, art. 4o. “O juiz poderá, a requeri- ministro Celso de Mello em seu voto no julgamento da Pet
mento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em 7.074 e da Pet 7.074 QO.
até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou subs- 512 BEZERRA, Clayton da Silva; AGNOLETTO, Giovani

tituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha cola- Celso. Colaboração premiada: O novo paradigma do pro-
borado efetiva e voluntariamente com a investigação e cesso penal brasileiro. Rio de Janeiro: Mallet, 2016. p. 96,
com o processo criminal, desde que dessa colaboração ad- apud ministro Edson Fachin no julgamento da Pet 7.074
venha um ou mais dos seguintes resultados: (...). § 2o Con- QO.
siderando a relevância da colaboração prestada, o Minis- 513 RISTF, art. 21. “São atribuições do Relator: I – orde-

tério Público, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nar e dirigir o processo; II – executar e fazer cumprir os
nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Mi- seus despachos, suas decisões monocráticas, suas ordens
nistério Público, poderão requerer ou representar ao juiz e seus acórdãos transitados em julgado, bem como deter-
pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda minar às autoridades judiciárias e administrativas provi-
que esse benefício não tenha sido previsto na proposta dências relativas ao andamento e à instrução dos proces-
inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do Decreto- sos de sua competência, facultada a delegação de atribui-
Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo ções para a prática de atos processuais não decisórios a
Penal). (...) § 5o Se a colaboração for posterior à sentença, outros Tribunais e a juízos de primeiro grau de jurisdição;”
a pena poderá ser reduzida até a metade ou será admitida 514 Lei 12.850/2013, art. 3o. “Em qualquer fase da per-

a progressão de regime ainda que ausentes os requisitos secução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros
objetivos.” já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da
511 FONSECA, Cibele Benevides Guedes. Colaboração prova: I – colaboração premiada;”

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FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

é ato inserido nas atribuições regimentais do rela-


tor515.
Por outro lado, o juízo sobre os termos do
acordo de colaboração, seu cumprimento e sua efi-
cácia, conforme preceitua o art. 4º, § 11516, da Lei
12.850/2013, ocorre na prolação da sentença (e no
STF, em decisão colegiada). Esse exame previsto
pela lei como controle jurisdicional diferido não se
impõe na fase homologatória, sob pena de malferir
a norma constante do § 6º do art. 4º da referida lei,
que veda a participação do juiz nas negociações,
conferindo, assim, concretude ao princípio acusató-
rio que rege o processo penal no Estado Democrá-
tico de Direito.

O acordo homologado como regular, voluntário e le-


gal, em regra, deverá ser observado mediante o cum-
primento dos deveres assumidos pelos colaborado-
res, sendo possível ao órgão colegiado a análise de
sua legalidade.

O direito subjetivo do colaborador nasce e se


perfectibiliza na exata medida em que ele cumpre
seus deveres. É condictio sine qua non para que o
colaborador possa fruir desse direito.
No entanto, o órgão colegiado detém a possibili-
dade de analisar fatos supervenientes ou de conhe-
cimento posterior que firam a legalidade do acordo,
nos termos do art. 966, § 4º,517 do Código de Pro-
cesso Civil/2015. A possibilidade de anulação de
atos judiciais homologatórios tem sua aplicação nas
mesmas hipóteses permissivas da rescisão da coisa
julgada e dos defeitos do negócio jurídico518.
Pet 7.074 e Pet 7.074 QO, rel. min. Edson Fachin, DJE
de 3-5-2018.
(Informativo 870, Plenário)

515 HC 127.483, rel. min. Dias Toffoli, P. sua eficácia.”


516 Lei 12.850/2013, art. 4º. “O juiz poderá, a requeri- 517 CPC, art. 966. “A decisão de mérito, transitada em

mento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em julgado, pode ser rescindida quando: (...). § 4o Os atos de
até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou subs- disposição de direitos, praticados pelas partes ou por ou-
tituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha cola- tros participantes do processo e homologados pelo juízo,
borado efetiva e voluntariamente com a investigação e bem como os atos homologatórios praticados no curso da
com o processo criminal, desde que dessa colaboração ad- execução, estão sujeitos à anulação, nos termos da lei.”
venha um ou mais dos seguintes resultados: (...) § 11. A 518 Trecho do voto do ministro Alexandre de Moraes

sentença apreciará os termos do acordo homologado e no julgamento da Pet 7.074 QO.

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FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

NULIDADES E RECURSOS EM GERAL NULIDADES E RECURSOS EM GERAL


RECURSOS EM GERAL RECURSOS EM GERAL
APELAÇÃO AGRAVO

Admite-se a realização de emendatio libelli em se- O prazo para interposição de agravo pelo Estado-acu-
gunda instância mediante recurso exclusivo da de- sador em processo-crime, visando à subida do re-
fesa, contanto que não gere reformatio in pejus, nos curso especial, é de cinco dias.
termos do art. 617519 do Código de Processo Penal
(CPP). O art. 39 da Lei 8.038/1990523 estipula o prazo de
cinco dias para interposição de agravo em face de
Se o órgão julgador de segundo grau adéqua a decisão do presidente do tribunal, de seção, de
imputação ao quadro fático dos autos, não transbor- turma ou de relator que causar gravame à parte.
dando a acusação delineada na denúncia, trata-se Apenas a Defensoria Pública possui a prerrogativa
apenas de típica situação de emendatio libelli (CPP, de ter dobrado o prazo de recurso em matéria cri-
art. 383520), não se podendo falar em reformatio in minal, a teor do art. 5º, § 5º, da Lei 1.060/1950524. O
pejus, ainda que o julgamento tenha sido provocado benefício legal do prazo em dobro para o Ministério
por recurso defensivo. Público foi outorgado somente quanto à atuação
nos processos de natureza civil (CPC, art. 180525).
“A apelação da defesa devolve integralmente o
conhecimento da causa ao Tribunal, que a julga de Ademais, o Verbete 116526 da Súmula do STJ
novo, reafirmando, infirmando ou alterando os mo- prevê a contagem do prazo em dobro para a Fa-
tivos da sentença apelada, com as únicas limitações zenda Pública e para o Ministério Público somente
de adstringir-se à imputação que tenha sido objeto nas situações em que atuem em favor da Adminis-
dela (cf. Súmula 453521) e de não agravar a pena apli- tração Pública.
cada em primeiro grau ou, segundo a jurisprudência
HC 120.275, rel. min. Marco Aurélio, DJE de 12-9-
consolidada, piorar de qualquer modo a situação do
2018.
réu apelante.”522
(Informativo 902, Primeira Turma)
HC 134.872, rel. min. Dias Toffoli, DJE de 9-10-2018.
(Informativo 895, Segunda Turma)

519 “Art. 617. O tribunal, câmara ou turma atenderá parte, caberá agravo para o órgão especial, Seção ou
nas suas decisões ao disposto nos arts. 383, 386 e 387, no Turma, conforme o caso, no prazo de 5 (cinco) dias.”
que for aplicável, não podendo, porém, ser agravada a 524 “Art. 5º O juiz, se não tiver fundadas razões para

pena, quando somente o réu houver apelado da sen- indeferir o pedido, deverá julgá-lo de plano, motivando ou
tença.” não o deferimento dentro do prazo de setenta e duas ho-
520 “Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato ras. (...) § 5º Nos Estados onde a Assistência Judiciária seja
contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe defini- organizada e por eles mantida, o Defensor Público, ou
ção jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha quem exerça cargo equivalente, será intimado pessoal-
de aplicar pena mais grave. § 1º Se, em consequência de mente de todos os atos do processo, em ambas as Instân-
definição jurídica diversa, houver possibilidade de pro- cias, contando-se-lhes em dobro todos os prazos.”
posta de suspensão condicional do processo, o juiz proce- 525 “Art. 180. O Ministério Público gozará de prazo em

derá de acordo com o disposto na lei. § 2º Tratando-se de dobro para manifestar-se nos autos, que terá início a par-
infração da competência de outro juízo, a este serão en- tir de sua intimação pessoal, nos termos do art. 183, § 1º.
caminhados os autos.” § 1º Findo o prazo para manifestação do Ministério Pú-
521 “Não se aplicam à segunda instância o art. 384 e blico sem o oferecimento de parecer, o juiz requisitará os
parágrafo único do Código de Processo Penal, que possi- autos e dará andamento ao processo. § 2º Não se aplica o
bilitam dar nova definição jurídica ao fato delituoso, em benefício da contagem em dobro quando a lei estabele-
virtude de circunstância elementar não contida, explícita cer, de forma expressa, prazo próprio para o Ministério
ou implicitamente, na denúncia ou queixa.” Público.”
522 HC 76.156, rel. min. Sepúlveda Pertence, 1ª T. 526 “A Fazenda Pública e o Ministério Público têm
523 “Art. 39. Da decisão do Presidente do Tribunal, de prazo em dobro para interpor agravo regimental no Supe-
Seção, de Turma ou de Relator que causar gravame à rior Tribunal de Justiça.”

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FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

NULIDADES E RECURSOS EM GERAL pro societate representará retrocesso inadmissível


em tema de persecução penal, pois, no plano dos
RECURSOS EM GERAL procedimentos persecutórios, há de sempre preva-
EMBARGOS lecer o princípio do favor libertatis, que expressa
verdadeiro dogma peculiar aos regimes que consa-
gram o Estado Democrático de Direito533.
Verificado o empate no julgamento dos embargos de
declaração, deve prevalecer a decisão mais favorável AP 565 ED-ED, red. p/ o ac. min. Dias Toffoli, DJE de
ao réu. 12-4-2018.
(Informativo 888, Plenário)
Tratando-se de matéria penal, o empate so-
mente pode beneficiar aquele que sofre a persecu-
ção estatal, de modo que, em não havendo maioria
em sentido contrário, o empate importará, necessa-
riamente, em respeito à presunção constitucional
de inocência (CF, art. 5º, LVII527) e, tal seja a situação
processual , em rejeição da denúncia, ou, então, em
absolvição, ou, na hipótese de habeas corpus, em
concessão do próprio writ constitucional528.
Aceitar-se, em situação insuperável de empate,
a possibilidade de julgamento desfavorável ao réu,
em sede penal, constituiria, na realidade, verdadeiro
anacronismo, por traduzir retorno a velhas concep-
ções absolutistas529.
O postulado in dubio pro reo traduz a fórmula li-
beral dos regimes democráticos, sob cujo domínio
não compete ao acusado provar a sua própria ino-
cência, pois esse encargo recai, por inteiro, sobre o
órgão estatal da acusação penal, seja em face do
que prescreve o art. 5º, LVII, da Constituição da Re-
pública, seja, ainda, em razão do que dispõe o art.
156, caput, do Código de Processo Penal530, que atri-
bui o ônus material da prova – tratando-se da de-
monstração da materialidade e da autoria do fato
delituoso – ao Ministério Público531.
A norma regimental532 que confere ao presi-
dente do Plenário ou ao presidente de cada uma das
Turmas o voto de qualidade não pode nem deve in-
cidir na hipótese de empate que eventualmente se
registre em julgamentos penais, como sucede na es-
pécie. E a razão é simples: mera norma de índole re-
gimental jamais poderá prevalecer, em situação de
antinomia, sobre o texto normativo da Constituição.
Qualquer solução fundada na fórmula do in dubio

527 CF, art. 5º. “Todos são iguais perante a lei, sem dis- 531 Fundamento extraído do voto do ministro Celso de

tinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros Mello no presente julgamento.


e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do 532 RISTF, art. 13. “São atribuições do Presidente: (...)

direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à IX – proferir voto de qualidade nas decisões do Plenário,
propriedade, nos termos seguintes: (...) LVII – ninguém para as quais o Regimento Interno não preveja solução di-
será considerado culpado até o trânsito em julgado de versa, quando o empate na votação decorra de ausência
sentença penal condenatória;” de Ministro em virtude de: a) impedimento ou suspeição;
528 Fundamento extraído do voto do ministro Celso de b) vaga ou licença médica superior a trinta dias, quando
Mello no julgamento da AP 565 ED-ED. seja urgente a matéria e não se possa convocar o Ministro
529 Idem. licenciado.”
530 CPP, art. 156. “A prova da alegação incumbirá a 533 Fundamento extraído do voto do ministro Celso de

quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:” Mello no julgamento da AP 565 ED-ED.

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FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

NULIDADES E RECURSOS EM GERAL NULIDADES E RECURSOS EM GERAL


RECURSOS EM GERAL RECURSOS EM GERAL
HABEAS CORPUS E SEU PROCESSO HABEAS CORPUS E SEU PROCESSO

É inviável, na via estreita do habeas corpus, reavaliar Admite-se o habeas corpus coletivo.
os elementos de convicção que embasaram a sen-
tença penal condenatória, a fim de se redimensionar Existem relações sociais massificadas e burocra-
a sanção. tizadas cujos problemas exigem soluções a partir de
remédios processuais coletivos, especialmente para
A dosimetria da pena está ligada ao mérito da coibir ou prevenir lesões a direitos de grupos vulne-
ação penal, ao juízo realizado pelo magistrado sen- ráveis.
tenciante após a análise do acervo probatório ame-
Nesse sentido, o conhecimento do habeas cor-
alhado ao longo da instrução criminal.
pus coletivo homenageia nossa tradição jurídica de
O que está autorizado é apenas o controle da le- conferir a maior amplitude possível ao remédio he-
galidade dos critérios invocados, com a correção de roico, conhecida como doutrina brasileira do habeas
eventuais arbitrariedades.534 corpus.
HC 126.457, red. p/ o ac. min. Alexandre de Moraes, Esse entendimento se amolda ao disposto no
DJE de 12-12-2018. art. 654, § 2º535, do Código de Processo Penal (CPP),
(Informativo 922, Primeira Turma) que outorga aos juízes e tribunais competência para
expedir, de ofício, ordem de habeas corpus, quando,
no curso de processo, verificarem que alguém sofre
ou está na iminência de sofrer coação ilegal.
Ademais, essa compreensão se harmoniza com
o previsto no art. 580536 do CPP, que faculta a exten-
são da ordem a todos que se encontram na mesma
situação processual.
Também é necessário compreender que trami-
tam mais de 100 milhões de processos no Poder Ju-
diciário, a cargo de pouco mais de 16 mil juízes. Isso
exige que o Supremo Tribunal Federal (STF) prestigie
remédios processuais de natureza coletiva para em-
prestar a máxima eficácia ao mandamento constitu-
cional da razoável duração do processo e ao princí-
pio universal da efetividade da prestação jurisdicio-
nal.
Saliente-se que a legitimidade ativa do habeas
corpus coletivo, a princípio, deve ser reservada
àqueles listados no art. 12537 da Lei 13.300/2016,

534 HC 105.802, rel. min. Rosa Weber, 1ª T; HC 94.125, 537 “Art. 12. O mandado de injunção coletivo pode ser
rel. min. Ricardo Lewandowski, 1ª T; HC 102.966 AgR, rel. promovido: I – pelo Ministério Público, quando a tutela re-
min. Celso de Mello, 2ª T; HC 110.390, rel. min. Cármen querida for especialmente relevante para a defesa da or-
Lúcia, 2ª T. dem jurídica, do regime democrático ou dos interesses so-
535 “Art. 654. O habeas corpus poderá ser impetrado ciais ou individuais indisponíveis; II – por partido político
por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem com representação no Congresso Nacional, para assegu-
como pelo Ministério Público. (...) § 2º Os juízes e os tri- rar o exercício de direitos, liberdades e prerrogativas de
bunais têm competência para expedir de ofício ordem de seus integrantes ou relacionados com a finalidade parti-
habeas corpus, quando no curso de processo verificarem dária; III – por organização sindical, entidade de classe ou
que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação associação legalmente constituída e em funcionamento
ilegal.” há pelo menos 1 (um) ano, para assegurar o exercício de
536 “Art. 580. No caso de concurso de agentes (Código direitos, liberdades e prerrogativas em favor da totalidade
Penal, art. 25), a decisão do recurso interposto por um dos ou de parte de seus membros ou associados, na forma de
réus, se fundado em motivos que não sejam de caráter seus estatutos e desde que pertinentes a suas finalidades,
exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros.”

140
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

por analogia ao que dispõe a legislação referente ao vista da legislação penal e processual penal, cujo re-
mandado de injunção coletivo. sultado leva a situações que ferem a dignidade hu-
mana de gestantes e mães submetidas a uma situa-
Há um descumprimento sistemático de regras cons- ção carcerária degradante.
titucionais, convencionais e legais referentes aos di-
reitos das presas e de seus filhos. Por isso, cabe ao O quadro fático especialmente inquietante se re-
STF exercer função típica de racionalizar a concreti- vela pela incapacidade do Estado brasileiro de ga-
zação da ordem jurídico-penal de modo a minimizar rantir cuidados mínimos relativos à maternidade,
o quadro de violações a direitos humanos que vem se até mesmo às mulheres que não estão em situação
evidenciando538. prisional, como comprova o “caso Alyne Pimentel”,
julgado pelo Comitê para a Eliminação de todas as
Há uma deficiência de caráter estrutural no sis- Formas de Discriminação contra a Mulher das Na-
tema prisional que faz com que mulheres grávidas e ções Unidas.
mães de crianças, bem como as próprias crianças Tanto o Objetivo de Desenvolvimento do Milênio
(entendido o vocábulo aqui em seu sentido legal, n. 5 (melhorar a saúde materna) quanto o Objetivo
como a pessoa de até doze anos de idade incomple- de Desenvolvimento Sustentável n. 5 (alcançar a
tos, nos termos do art. 2º do Estatuto da Criança e igualdade de gênero e empoderar todas as mulhe-
do Adolescente – ECA), estejam experimentando si- res e meninas), ambos da Organização das Nações
tuação degradante na prisão, em especial privadas Unidas, ao tutelarem a saúde reprodutiva das pes-
de cuidados médicos pré-natal e pós-parto. Além soas do gênero feminino, vão de encontro a essa si-
disso, as crianças estão se ressentindo da falta de tuação deplorável.
berçários e creches.
Além disso, incide amplo regramento internaci-
Essa falha estrutural é agravada pela “cultura do onal relativo a direitos humanos, em especial das
encarceramento”, vigente entre nós, a qual se re- Regras de Bangkok, segundo as quais deve ser prio-
vela pela imposição exagerada de prisões provisó- rizada solução judicial que facilite a utilização de al-
rias a mulheres pobres e vulneráveis. Tal decorre, ternativas penais ao encarceramento, principal-
como já aventado por diversos analistas dessa pro- mente para as hipóteses em que ainda não haja de-
blemática, seja por um proceder mecânico, automa- cisão condenatória transitada em julgado.
tizado, de certos magistrados, assoberbados pelo
excesso de trabalho, seja por uma interpretação Merece destaque o fato de que as crianças so-
acrítica, matizada por um ultrapassado viés puniti- frem injustamente as consequências da prisão da
mãe, em flagrante contrariedade ao art. 227 539 da

dispensada, para tanto, autorização especial; IV – pela De- e atendimento especializado para as pessoas portadoras
fensoria Pública, quando a tutela requerida for especial- de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de in-
mente relevante para a promoção dos direitos humanos e tegração social do adolescente e do jovem portador de
a defesa dos direitos individuais e coletivos dos necessita- deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a
dos, na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços
Federal. Parágrafo único. Os direitos, as liberdades e as coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos
prerrogativas protegidos por mandado de injunção cole- e de todas as formas de discriminação. § 2º A lei disporá
tivo são os pertencentes, indistintamente, a uma coletivi- sobre normas de construção dos logradouros e dos edifí-
dade indeterminada de pessoas ou determinada por cios de uso público e de fabricação de veículos de trans-
grupo, classe ou categoria.” porte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pes-
538 RE 641.320, rel. min. Gilmar Mendes, P; ADPF 347 soas portadoras de deficiência. § 3º O direito a proteção
MC, rel. min. Marco Aurélio, P; entre outros. especial abrangerá os seguintes aspectos: I – idade mí-
539 “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Es- nima de quatorze anos para admissão ao trabalho, obser-
tado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com vado o disposto no art. 7º, XXXIII; II – garantia de direitos
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimenta- previdenciários e trabalhistas; III – garantia de acesso do
ção, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à trabalhador adolescente e jovem à escola; IV – garantia de
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infraci-
e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma onal, igualdade na relação processual e defesa técnica por
de negligência, discriminação, exploração, violência, cru- profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tu-
eldade e opressão. § 1º O Estado promoverá programas telar específica; V – obediência aos princípios de brevi-
de assistência integral à saúde da criança, do adolescente dade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de
e do jovem, admitida a participação de entidades não go- pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de
vernamentais, mediante políticas específicas e obede- qualquer medida privativa da liberdade; VI – estímulo do
cendo aos seguintes preceitos: I – aplicação de percentual Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos
dos recursos públicos destinados à saúde na assistência fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob
materno-infantil; II – criação de programas de prevenção a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou

141
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

Constituição Federal (CF), que estabelece a priori- NULIDADES E RECURSOS EM GERAL


dade absoluta na consecução dos direitos destes.
No ponto, é importante relembrar que a CF estabe- RECURSOS EM GERAL
lece, taxativamente, em seu art. 5º, XLV, que “ne- HABEAS CORPUS E SEU PROCESSO
nhuma pena passará da pessoa do condenado”, va-
lendo anotar que, no caso das mulheres presas, a
privação de liberdade e suas nefastas consequências É cabível a ação de habeas corpus contra coação ile-
estão sendo estendidas às crianças que portam no gal decorrente da aplicação ou da execução de medi-
ventre e àquelas que geraram. das cautelares criminais diversas da prisão540.

A atuação do STF para minimizar esse estado de Se, por um lado, a adoção de medidas cautelares
coisas é plenamente condizente com os textos nor- diversas da prisão541 é menos gravosa do que o en-
mativos integrantes do patrimônio mundial de sal- carceramento cautelar, por outro, as medidas são
vaguarda dos indivíduos colocados sob a custódia do consideravelmente onerosas ao implicado e, se des-
Estado, tais como a Declaração Universal dos Direi- cumpridas, podem ser convertidas em prisão pro-
tos Humanos, o Pacto Internacional de Direitos Civis cessual542.
e Políticos, a Convenção Americana de Direitos Hu-
Acaso fechada a porta do habeas corpus para tu-
manos, os Princípios e Boas Práticas para a Proteção
telar a pessoa atingida por essas medidas, restaria o
de Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas, a
mandado de segurança. Nos processos que correm
Convenção das Nações Unidas contra Tortura e Ou-
em primeira instância, talvez o mandado de segu-
tros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou
rança seja suficiente para conferir proteção judicial
Degradantes e as Regras Mínimas para o Trata-
efetiva ao alvo da medida.
mento de Prisioneiros (Regras de Mandela).
No entanto, em processos de competência origi-
HC 143.641, rel. min. Ricardo Lewandowski, DJE de
nária dos tribunais, há a peculiaridade de o próprio
9-10-2018.
tribunal que decreta a medida cautelar ser compe-
(Informativo 891, Segunda Turma)
tente para julgar os mandados de segurança, por
força do art. 21, VI, da Lei Complementar
35/1979543.

abandonado; VII – programas de prevenção e atendi- seja conveniente ou necessária para a investigação ou ins-
mento especializado à criança, ao adolescente e ao jovem trução; V – recolhimento domiciliar no período noturno e
dependente de entorpecentes e drogas afins. § 4º A lei nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha
punirá severamente o abuso, a violência e a exploração residência e trabalho fixos; VI – suspensão do exercício de
sexual da criança e do adolescente. § 5º A adoção será as- função pública ou de atividade de natureza econômica ou
sistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabele- financeira quando houver justo receio de sua utilização
cerá casos e condições de sua efetivação por parte de es- para a prática de infrações penais; VII – internação provi-
trangeiros. § 6º Os filhos, havidos ou não da relação do sória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com
casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem
qualificações, proibidas quaisquer designações discrimi- ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Pe-
natórias relativas à filiação. § 7º No atendimento dos di- nal) e houver risco de reiteração; VIII – fiança, nas infra-
reitos da criança e do adolescente levar-se- á em conside- ções que a admitem, para assegurar o comparecimento a
ração o disposto no art. 204. § 8º A lei estabelecerá: I – o atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou
estatuto da juventude, destinado a regular os direitos dos em caso de resistência injustificada à ordem judicial; IX –
jovens; II – o plano nacional de juventude, de duração de- monitoração eletrônica. (...) § 4º A fiança será aplicada de
cenal, visando à articulação das várias esferas do poder acordo com as disposições do Capítulo VI deste Título, po-
público para a execução de políticas públicas.” dendo ser cumulada com outras medidas cautelares.”
540 HC 90.617, rel. min. Gilmar Mendes, 2ª T. 542 CPP, art. 312. “A prisão preventiva poderá ser de-
541 CPP, art. 319. “São medidas cautelares diversas da cretada como garantia da ordem pública, da ordem eco-
prisão: I – comparecimento periódico em juízo, no prazo e nômica, por conveniência da instrução criminal, ou para
nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova
atividades; II – proibição de acesso ou frequência a deter- da existência do crime e indício suficiente de autoria. Pa-
minados lugares quando, por circunstâncias relacionadas rágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser de-
ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante cretada em caso de descumprimento de qualquer das
desses locais para evitar o risco de novas infrações; III – obrigações impostas por força de outras medidas cautela-
proibição de manter contato com pessoa determinada res (art. 282, § 4º).”
quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o 543 LC 35/1979, art. 21. “Compete aos Tribunais, priva-

indiciado ou acusado dela permanecer distante; IV – proi- tivamente: (...) VI – julgar, originariamente, os mandados
bição de ausentar-se da Comarca quando a permanência de segurança contra seus atos, os dos respectivos Presi-
dentes e os de suas Câmaras, Turmas ou Seções.”

142
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

Confundem-se na mesma instância as compe- NULIDADES E RECURSOS EM GERAL


tências para decretar a medida e para analisar a
ação de impugnação respectiva. Isso, na prática, es- RECURSOS EM GERAL
vazia a possibilidade de impugnar o ato em tempo HABEAS CORPUS E SEU PROCESSO
hábil.
Ressalte-se que não se propõe retomar a dou- É cabível habeas corpus contra decisão judicial tran-
trina brasileira do habeas corpus544, admitindo-se a sitada em julgado545.
ação como remédio para afirmar qualquer direito lí-
quido e certo. No entanto, há medidas cautelares Negar o uso do habeas corpus porque a decisão
restritivas a direitos importantes, adotadas em pro- coatora transitou em julgado ou porque cabe re-
cesso criminal, que merecem atenção por instâncias curso para impugná-la é afirmar que o remédio só
revisionais pela via mais expedita possível. Por isso, será cabível contra decisões sem previsão de re-
a ação de habeas corpus deve ser admitida para ata- curso na lei. Isso esvazia o sentido dessa ação cons-
car medidas criminais que, embora diversas da pri- titucional, pois se impediria que questões relevantes
são, afetem interesses não patrimoniais importan- relativas ao direito de liberdade fossem pronta-
tes da pessoa física. mente analisadas.
HC 147.303, rel. min. Gilmar Mendes, DJE de 27-2- O habeas corpus é cabível mesmo diante da pos-
2018. sibilidade de revisão criminal, por ser mais célere e
(Informativo 888, Segunda Turma) benéfico. Ademais, a impetração está autorizada
quando alegada nulidade absoluta, insanável546.
RHC 146.327, rel. min. Gilmar Mendes, DJE de 16-3-
2018.
(Informativo 892, Segunda Turma)

544 “A propósito, observam Ada Pellegrini, Gomes Fi- não é possível requerer o remédio, porque aí não está em
lho e Scarance Fernandes: ‘Na verdade, três posições fir- jogo a liberdade de locomoção das pessoas’. (Ada Pelle-
maram-se com o advento da Constituição republicana: al- grini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio
guns, como Rui Barbosa, sustentavam que a garantia de- Scarance Fernandes, Recursos no processo penal, cit., p.
veria ser aplicada em todos os casos em que um direito 347-348). Esse desenvolvimento foi cognominado de dou-
estivesse ameaçado, manietado, impossibilitado no seu trina brasileira do habeas corpus.” (Trecho do voto do mi-
exercício por abuso de poder ou ilegalidade; em sentido nistro Gilmar Mendes no julgamento do HC 147.303).
oposto, afirmava-se que o habeas corpus, por sua natu- 545 “Eu continuo fazendo essa reflexão no que me

reza e origem histórica, era remédio destinado exclusiva- toca, mas, neste caso concreto, o Ministro Gilmar também
mente à proteção da liberdade de locomoção; e final- se referiu ao fato de que há uma revisão criminal que não
mente, uma terceira corrente, vencedora no seio do Su- teve nenhum andamento. Portanto, aí, o paciente está in-
premo Tribunal Federal, propugnava incluir na proteção defeso. E é uma hipótese que, a meu ver, é excepcional.
do habeas corpus não só os casos de restrição da liber- Sem me pronunciar definitivamente sobre essa questão,
dade de locomoção, como também as situações em que a desde logo, porque sigo refletindo – há casos e casos –,
ofensa a essa liberdade fosse meio de ofender outro di- acompanho, nesta hipótese, a conclusão do Ministro Gil-
reito. Assim, exemplificava Pedro Lessa: quando se ofende mar Mendes quanto ao conhecimento deste HC.” (Trecho
a liberdade religiosa, obstando que alguém penetre no do voto do ministro Ricardo Lewandowski no julgamento
templo, tem cabimento o habeas corpus, pois foi embara- do RHC 146.327.)
çando a liberdade de locomoção que se feriu a liberdade 546 CPP, art. 648. “A coação considerar-se-á ilegal: (...)

religiosa; quando se ofende a liberdade religiosa, porque VI – quando o processo for manifestamente nulo.”
se arrasam as igrejas, ou se destroem os objetos do culto,

143
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

NULIDADES E RECURSOS EM GERAL EXECUÇÃO PENAL


RECURSOS EM GERAL EXECUÇÃO DAS PENAS EM ESPÉCIE
REFORMATIO IN PEJUS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE

Não há falar em reformatio in pejus se os motivos ex- É facultado ao magistrado das execuções criminais
pendidos pelo julgador em sede de apelação exclu- requisitar o exame criminológico e utilizá-lo como
siva da defesa não representarem advento de situa- fundamento da decisão que julga o pedido de pro-
ção mais gravosa para o réu.547 gressão.

“Como se sabe, o efeito devolutivo inerente ao “A modificação do art. 112 da Lei de Execuções
recurso de apelação – ainda que exclusivo da defesa Penais (LEP) pela Lei 10.792/2003, de fato, não pro-
– permite que, observados os limites horizontais da ibiu a realização do exame criminológico, quando
matéria questionada, o tribunal aprecie em exaus- necessário para a avaliação do sentenciado, tam-
tivo nível de profundidade, a significar que, mantida pouco vedou a sua utilização para o convencimento
a essência da causa de pedir e sem piorar a situação do magistrado acerca da promoção do sentenciado
do recorrente, é legítima a consideração de elemen- para regime carcerário mais brando.”551
tos de fato não declinadas em tópico específico da
“Do cotejo entre ambas as normas552 e 553 veri-
dosimetria, mas que foram mencionadas na sen-
fica-se que a alteração legislativa não visou apenas a
tença condenatória. Daí esta Corte já ter afirmado
supressão pura e simples do exame criminológico
que o recurso contra a individualização da pena não
para fins de progressão de regime, mas estabeleceu
limita o tribunal de apelação ao reexame dos moti-
critérios norteadores da decisão do juiz, sem preju-
vos da sentença; ‘a restrição a observar no ponto é
ízo de permitir que este requisite a referida perícia,
que as novas circunstâncias do fato hão de estar ex-
plícitas ou implicitamente contidas na acusa-
ção’548.”549
“Assim, respeitados os limites extensivos apre-
sentados pela defesa em sua apelação (limites hori-
zontais), poderá o tribunal examinar o recurso em
toda sua profundidade (limite vertical), de modo
que a alteração de fundamentos a determinado
ponto recorrido não implicará reformatio in pejus.
Exigir que o tribunal de segunda instância se limite
aos motivos apresentados pelo magistrado de pri-
meiro grau – ainda que o recurso seja exclusivo da
defesa – significaria transformá-lo em uma corte
chanceladora de sentenças, prática não condizente
com nosso ordenamento jurídico-constitucional.”550
HC 126.457, red. p/ o ac. min. Alexandre de Moraes,
DJE de 12-12-2018.
(Informativo 922, Primeira Turma)

547 RHC 118.658, rel. min. Luiz Fux, 1ª T; HC 72.527, da pena no regime anterior e seu mérito indicar a progres-
rel. min. Carlos Velloso, 2ª T; HC 99.972, rel. min. Cármen são. Parágrafo único. A decisão será motivada e precedida
Lúcia, 1ª T. de parecer da Comissão Técnica de Classificação e do
548 HC 76.156, rel. min. Sepúlveda Pertence, 1ª T. exame criminológico, quando necessário.” (Redação origi-
549 RHC 129.811, rel. min. Teori Zavascki, 2ª T, apud nal)
voto do ministro Alexandre de Moraes no presente julga- 553 “Art. 112. A pena privativa de liberdade será exe-

mento. cutada em forma progressiva com a transferência para re-


550 Idem. gime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando
551 HC 96.660, rel. min. Ricardo Lewandowski, 1ª T. o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no re-
552 “Art. 112. A pena privativa de liberdade será exe- gime anterior e ostentar bom comportamento carcerário,
cutada em forma progressiva, com a transferência para comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas
regime menos rigoroso, a ser determinada pelo Juiz, as normas que vedam a progressão.” (Redação dada pela
quando o preso tiver cumprido ao menos 1/6 (um sexto) Lei 10.792/2003)

144
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

observadas as especificidades de cada caso con- EXECUÇÃO PENAL


creto.”554
EXECUÇÃO DAS PENAS EM ESPÉCIE
“O exame criminológico, como se sabe, foi origi-
nariamente concebido pela Lei de Execução como PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE
instrumento colocado à disposição do magistrado
para dar concreção ao princípio da individualização Não caracteriza ilegalidade flagrante ou abuso de po-
da pena. Tal orientação permanece válida, não obs- der a decisão judicial que indefere a pretensão de se
tante a alteração legislativa, que exige sua feitura contar como remição por trabalho período em rela-
quando da entrada do sentenciado no sistema car- ção ao qual não houve trabalho.
cerário, bem como no art. 33, § 2º, do Código Penal,
o qual estabelece que a progressão se dará em con- “O direito à remição pressupõe o efetivo exercí-
formidade com o mérito deste.”555 cio de atividades laborais ou estudantis por parte do
preso, o qual deve comprovar, de modo inequívoco,
“Conciliando esses dispositivos legais chega-se à
seu real envolvimento no processo ressocializador,
conclusão de que o art. 112 da LEP, em sua nova re-
razão por que não existe a denominada remição
dação, admite requisição facultativa do exame cri-
ficta ou virtual.”558 e 559
minológico, desde que devidamente fundamen-
tado, o qual pode, inclusive, ser contestado nos ter- “Por falta de previsão legal, não há direito subje-
mos do § 1º556 do art. 112 da lei, que prevê a instau- tivo ao crédito de potenciais dias de trabalho ou es-
ração de contraditório sumário.”557 tudo em razão da inexistência de meios para o de-
sempenho de atividades laborativas ou pedagógicas
Rcl 27.616 AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, DJE
no estabelecimento prisional.”560
de 5-11-2018.
(Informativo 919, Segunda Turma) Embora o Estado tenha o dever de atender a de-
manda de internos que desejem trabalhar, se fosse
possível aplicar essa tese, todas as pessoas do sis-
tema penitenciário, automaticamente, obteriam re-
mição. Nessa hipótese, o Poder Judiciário estaria
modificando substancialmente a política pública do
setor e substituindo o Executivo, o que não está au-
torizado a fazer.
“Em verdade, o raciocínio inverso ao ora ado-
tado, conforme bem destaca BITENCOURT561, im-
plica conceder a remissão ‘aos que não trabalham,
igualando-os, injustamente, aos que trabalham para
consegui-la’.”562
HC 124.520, red. p/ o ac. min. Roberto Barroso, DJE
de 27-6-2018.
(Informativo 904, Primeira Turma)

554 HC 96.660, rel. min. Ricardo Lewandowski, 1ª T. predisposição pessoal para fazê-lo.’ (PRADO, Luiz Regis.
555 Idem. Tratado de direito penal brasileiro: parte geral: volume 1.
556 “§ 1º A decisão será sempre motivada e precedida São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 249)”
de manifestação do Ministério Público e do defensor.” (Trecho do voto do ministro Alexandre de Moraes no jul-
(Redação dada pela Lei 10.792/2003) gamento do HC 124.520).
557 HC 96.660, rel. min. Ricardo Lewandowski, 1ª T. 560 RHC 124.775, rel. min. Dias Toffoli, 1ª T.
558 RHC 124.775, rel. min. Dias Toffoli, 1ª T. 561 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito pe-
559 “Enfatiza Luiz Regis Prado que ‘a própria Lei de Exe- nal. v. 1: parte geral. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p.
cução Penal condiciona a concessão de remição à compro- 472 apud ministro Alexandre de Moraes em seu voto no
vação documental da jornada de trabalho realizada pelo julgamento do HC 124.520.
condenado, bem como à declaração judicial ouvido o Mi- 562 Trecho do voto do ministro Alexandre de Moraes

nistério Público. Assim, exige claramente, para o reconhe- no julgamento do HC 124.520.


cimento do direito à remição, o efetivo exercício de ativi-
dade laborativa pelo sentenciado, não bastando eventual

145
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

EXECUÇÃO PENAL EXECUÇÃO PENAL


EXECUÇÃO DAS PENAS EM ESPÉCIE ESTABELECIMENTOS PENAIS
PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE TRANSFERÊNCIA DE PRESÍDIO

Não caracteriza constrangimento ilegal a alocação de Na hipótese de o preso se encontrar encarcerado por
condenado a regime semiaberto em estabeleci- ordem de juízos de unidades distintas da Federação,
mento destinado a presos provisórios, desde que ele pode ser transferido, por determinação dos juí-
cumpra pena em espaço reservado exclusivamente a zos, para as proximidades de um ou outro foro.
reeducandos no mesmo regime e o local atenda às
garantias inerentes ao semiaberto. Compete ao juiz da ação penal definir o local de
recolhimento do preso provisório (LEP, art. 86, §
Se determinado preso em regime semiaberto 3º564). Assim, o custodiado pode ser transferido por
cumpre pena em estabelecimento penal que não ordem dos juízos perante os quais responde pela
seja exclusivo a condenados na mesma condição, prática dos atos respectivos.
mas similar, que lhe garante as particularidades ine-
rentes ao regime intermediário – tais como possibi- A constatação de que o preso recebe suposto trata-
lidade de trabalho externo, saídas temporárias e mento privilegiado ou regalia não prevista em lei não
qualificação profissional, além de estrutura diferen- enseja sua transferência para outra unidade da Fede-
ciada –, não se justifica a concessão de prisão domi- ração.
ciliar.
O direito do preso à assistência da família é pre-
Para fins de cumprimento de pena em regime se- visto no art. 5º, LXIII565, da Constituição Federal.
miaberto, são aceitáveis estabelecimentos que não Além disso, o art. 103566 da Lei de Execução Penal
se qualifiquem como colônias agrícolas ou industri- (LEP) prevê o recolhimento do preso provisório em
ais, desde que não haja alojamento conjunto desses local próximo ao seu meio social e familiar. Apenas
reeducandos com aqueles em regime fechado. A lei razões excepcionalíssimas e devidamente funda-
prevê a possibilidade de utilização de estabeleci- mentadas autorizam transferência para outra uni-
mento similar; e a oferta de trabalho pode ser su- dade da Federação.
prida por iniciativas internas e externas, notada-
mente mediante convênios com empresas e órgãos HC 152.720, rel. min. Gilmar Mendes, DJE de 17-5-
públicos563. 2018.
(Informativo 897, Segunda Turma)
RHC 146.317, rel. min. Dias Toffoli, DJE de 6-2-2018.
(Informativo 874, Segunda Turma)

563 RE 641.320, rel. min. Gilmar Mendes, P, repercus- e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
são geral, Tema 423. direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
564 Lei 7.210/1984, art. 86 “As penas privativas de li- propriedade, nos termos seguintes: (...) LXIII – o preso será
berdade aplicadas pela Justiça de uma Unidade Federativa informado de seus direitos, entre os quais o de permane-
podem ser executadas em outra unidade, em estabeleci- cer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família
mento local ou da União. (...) § 3º Caberá ao juiz compe- e de advogado;”
tente, a requerimento da autoridade administrativa, defi- 566 Lei 7.210/1984, art. 103. “Cada comarca terá, pelo

nir o estabelecimento prisional adequado para abrigar o menos 1 (uma) cadeia pública a fim de resguardar o inte-
preso provisório ou condenado, em atenção ao regime e resse da Administração da Justiça Criminal e a permanên-
aos requisitos estabelecidos.” cia do preso em local próximo ao seu meio social e fami-
565 CF, art. 5º. “Todos são iguais perante a lei, sem dis- liar.”
tinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros

146
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

DIREITO PROCESSUAL PENAL MILITAR


PROVAS
ATOS PROBATÓRIOS
INTERROGATÓRIO

O disposto no art. 400 do Código de Processo Penal


567
sobre o momento do interrogatório do acusado
não se aplica ao processo-crime militar.

Prevalece o previsto no art. 302 do Código de


Processo Penal Militar568 ante o princípio da especi-
alidade.
HC 132.847, rel. min. Marco Aurélio, DJE de 12-9-
2018.
(Informativo 908, Primeira Turma)

567 “Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas,
a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, interrogando-se, em seguida, o acusado.”
proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à in- 568 “Art. 302. O acusado será qualificado e interrogado

quirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela num só ato, no lugar, dia e hora designados pelo juiz, após
defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 o recebimento da denúncia; e, se presente à instrução cri-
deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, minal ou preso, antes de ouvidas as testemunhas.”

147
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

DIREITO TRIBUTÁRIO quota de 18% poderá ser reduzida em até 50%, tam-
bém não instituiu tratamento diferenciado em razão
TRIBUTOS deste ou daquele Estado-membro. Nesse ponto, re-
mete-se, necessariamente, à situação dos contribu-
IMPOSTOS intes e do desenvolvimento da produção nos citados
IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS (IPI) Estados. Mais uma vez, o Legislativo atuou no
campo do incentivo fiscal, embora o fazendo de
– REPERCUSSÃO GERAL
forma estrita, considerados os Estados menciona-
dos.
Surge constitucional, sob o ângulo do caráter sele-
tivo, em função da essencialidade do produto e do Por seu turno, o alcance do caráter seletivo do
tratamento isonômico, o art. 2º569 da Lei 8.393/1991, tributo, em função da essencialidade do produto,
a revelar alíquota máxima de Imposto sobre Produtos implica variação de alíquotas consoante a própria
Industrializados (IPI) de 18%, assegurada isenção, mercadoria. Longe fica de revelar imunidade. O fato
quanto aos contribuintes situados na área de atuação de o açúcar integrar a cesta básica e de outros pro-
da Superintendência do Desenvolvimento do Nor- dutos desta não terem a incidência do IPI é insufici-
deste (SUDENE) e da Superintendência do Desenvol- ente a concluir-se pela impossibilidade da cobrança
vimento da Amazônia (SUDAM), e autorização para do tributo. O que cabe perceber é a opção político-
redução de até 50% da alíquota, presentes contribu- normativa ante a essencialidade do produto, tendo-
intes situados nos Estados do Espírito Santo e do Rio a, ou não, como justificada. A harmonia ocorre, ob-
de Janeiro. servado o princípio da razoabilidade, na espécie pro-
porcionalidade, a partir do momento em que se ve-
A exceção aberta ao tratamento uniforme no art. rifica ter sido a alíquota fixada em patamar aceitável
151, I570, da Constituição Federal quanto à conces- consideradas outras alíquotas ligadas a produtos di-
são de incentivos fiscais destinados a promover o versos em relação às quais não se tem a mesma es-
equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico en- sencialidade.
tre as diferentes regiões do País autoriza o legislador RE 592.145, rel. min. Marco Aurélio, DJE de 1º-2-
a implementar, no âmbito da opção político-norma- 2018, repercussão geral, Tema 80.
tiva, presente a razoabilidade, distinções, sem que (Informativo 860, Plenário)
esteja vinculado à divisão comumente admitida em
região: Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste e
Norte571.
O princípio da isonomia é observado quando não
ocorre preferência desarrazoada em relação a Es-
tado, ao Distrito Federal ou a Município. O art. 2º da
Lei 8.393/1991 encerrou verdadeiro incentivo fiscal
no que concerne às áreas de atuação da Sudene e
da Sudam. Além disso, a cláusula constitucional, a
remeter às diferentes regiões do País, não tem in-
terpretação a ponto de deixar-se de considerar as
áreas referidas no preceito da lei e que estão ligadas
ao Nordeste e à Amazônia.
O parágrafo único do art. 2º, ao revelar que, nos
Estados do Espírito Santo e do Rio de Janeiro, a alí-

569 Lei 8.393/1991, art. 2º. “Enquanto persistir a polí- quenta por cento a alíquota do IPI incidente sobre o açú-
tica de preço nacional unificado de açúcar de cana, a alí- car nas saídas para o mercado interno.”
quota máxima do Imposto sobre Produtos Industrializados 570 CF, art. 151. “É vedado à União: I – instituir tributo

– IPI incidente sobre a saída desse produto será de dezoito que não seja uniforme em todo o território nacional ou
por cento, assegurada isenção para as saídas ocorridas na que implique distinção ou preferência em relação a Es-
área de atuação da Superintendência do Desenvolvi- tado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento
mento do Nordeste – SUDENE e da Superintendência do de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais desti-
Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM. Parágrafo nados a promover o equilíbrio do desenvolvimento socio-
único. Para os Estados do Espírito Santo e do Rio de Ja- econômico entre as diferentes regiões do País;”
neiro, é o Poder Executivo autorizado a reduzir em até cin- 571 AI 515.168 AgR-ED, rel. min. Cezar Peluso, 1ª T; RE

344.331, rel. min. Ellen Gracie, 1ª T.

148
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

TRIBUTOS TRIBUTOS
IMPOSTOS IMPOSTOS
IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE TERRITORIAL RU- IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E
RAL (ITR) SERVIÇOS576 (ICMS)

A progressividade das alíquotas do Imposto sobre a Lei estadual que trata de ICMS-Importação subse-
Propriedade Territorial Rural (ITR) prevista na Lei quente à Emenda Constitucional (EC) 33/2001, mas
9.393/1996 se mostra alinhada com a redação origi- antecedente à Lei Complementar (LC) 114/2002, não
nária do art. 153, § 4º, da Constituição Federal (CF) padece de inconstitucionalidade, mas apenas de ine-
572
. ficácia.

“Nos termos do art. 145, § 1º, da CF573, todos os A EC 33/2001 permitiu o alargamento do sujeito
impostos, independentemente de seu caráter real passivo tributário do ICMS-Importação, de maneira
ou pessoal, devem guardar relação com a capaci- que não se pode punir o ato do ente federativo que,
dade contributiva do sujeito passivo e, tratando-se amparado por autorização constitucional e no exer-
de impostos diretos, será legítima a adoção de alí- cício de sua competência tributária, alterou seu ar-
quotas progressivas.”574 cabouço normativo estadual para expressar o exato
contido naquela norma.
Assim, o fato de, antes da Emenda Constitucio-
nal 42/2003, não ter existido, no texto constitucio- Muito embora a efetividade desse poder tribu-
nal, previsão expressa sobre a possibilidade da ado- tante dependa de lei complementar federal, essa é
ção da técnica da progressividade em relação às alí- apenas uma condição de eficácia daquele exercício
quotas do ITR não torna essa tributação inconstitu- após a superveniência da legislação necessária.
cional575.
Assim, são insubsistentes apenas os créditos tri-
A lei não trabalha com critérios isolados, mas, butários advindos de fatos geradores anteriores ao
sim, conjugados. A ideia subjacente a essa progres- início da vigência da LC 114/2002. A partir desse
sividade consiste em impor maior alíquota do im- marco temporal, observado o princípio da anteriori-
posto quanto maior for o território rural e quanto dade nonagesimal, os Estados-membros estão auto-
menor for seu aproveitamento (grau de utilização da rizados a realizar a cobrança de ICMS-Importação,
terra – GU). Essa circunstância potencializa a função nos termos da EC 33/2001. Preserva-se, portanto, a
extrafiscal do tributo: quanto maior a área do imó- validade das leis estaduais editadas após a referida
vel, com mais vigor a lei impõe a extrafiscalidade, emenda.
isto é, com mais intensidade ela desestimula a ma-
RE 917.950 AgR, red. p/ o ac. min. Gilmar Mendes,
nutenção de propriedade improdutiva.
DJE de 11-6-2018.
Por meio dessa progressividade, aplica-se, de (Informativo 887, Segunda Turma)
modo potencializado, a função extrafiscal do tri-
buto, a qual sempre teve apoio constitucional – art.
153, § 4º, em sua redação originária.
RE 1.038.357 AgR, rel. min. Dias Toffoli, DJE de 26-2-
2018.
(Informativo 890, Segunda Turma)

572 CF, art. 153. “Compete à União instituir impostos ria, especialmente para conferir efetividade a esses obje-
sobre: (...) VI – propriedade territorial rural; (...) § 4º O im- tivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos
posto previsto no inciso VI terá suas alíquotas fixadas de termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as ativida-
forma a desestimular a manutenção de propriedades im- des econômicas do contribuinte.”
produtivas e não incidirá sobre pequenas glebas rurais, 574 RE 720.945 AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, 2ª

definidas em lei, quando as explore, só ou com sua família, T.


o proprietário que não possua outro imóvel.” 575 RE 562.045, red. p/ o ac. min. Cármen Lúcia, P, re-
573 CF, art. 145. “A União, os Estados, o Distrito Federal percussão geral, Tema 21.
e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: 576 CF, art. 155. “Compete aos Estados e ao Distrito Fe-

(...) § 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter deral instituir impostos sobre: (...) II – operações relativas
pessoal e serão graduados segundo a capacidade econô- à circulação de mercadorias e sobre prestações de servi-
mica do contribuinte, facultado à administração tributá- ços de transporte interestadual e intermunicipal e de co-

149
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

TRIBUTOS (Informativo 866, Plenário)

CONTRIBUIÇÕES
CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS – REPERCUSSÃO
GERAL

Incide contribuição previdenciária sobre os rendi-


mentos pagos aos exercentes de mandato eletivo,
decorrentes da prestação de serviços à União, aos Es-
tados e ao Distrito Federal ou aos Municípios, após o
advento da Lei 10.887/2004, desde que não vincula-
dos a regime próprio de previdência.

A imunidade recíproca do art. 150, VI, a577, da


Constituição Federal (CF) alcança apenas a espécie
tributária imposto. Dessa forma, não pode ser invo-
cada na hipótese de contribuição previdenciária.
Além disso, o art. 40, § 13578, da CF submete os
ocupantes de cargos exclusivamente em comissão,
assim como os ocupantes de outros cargos tempo-
rários ou de empregos públicos, ao regime geral da
previdência social, o que abrange o mandato, à luz
do sentido lato da expressão “servidor público”.
Ademais, é possível que a lei ordinária validamente
institua contribuição previdenciária sobre a folha de
salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou
creditados, a qualquer título, a pessoa física que
preste serviço à União, aos Estados ou aos Municí-
pios, mesmo sem vínculo empregatício, na quali-
dade de entidade equiparada a empresa.
A Lei 10.887/2004, ao incluir expressamente o
exercente de mandato eletivo federal, estadual ou
municipal no rol dos segurados obrigatórios, desde
que não vinculado a regime próprio de previdência,
tornou possível a incidência da contribuição previ-
denciária sobre a remuneração paga ou creditada
pelos entes da Federação, a qualquer título, aos
exercentes de mandato eletivo, os quais prestam
serviço ao Estado.
RE 626.837, rel. min. Dias Toffoli, DJE de 1º-2-2018,
repercussão geral, Tema 691.

municação, ainda que as operações e as prestações se ini- outros.”


ciem no exterior; (...) § 2º O imposto previsto no inciso II 578 CF, art. 40. “Aos servidores titulares de cargos efe-

atenderá ao seguinte: (...) IX – incidirá também: a) sobre a tivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Mu-
entrada de bem ou mercadoria importados do exterior nicípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegu-
por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribu- rado regime de previdência de caráter contributivo e soli-
inte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finali- dário, mediante contribuição do respectivo ente público,
dade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, obser-
cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o do- vados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e
micílio ou o estabelecimento do destinatário da mercado- atuarial e o disposto neste artigo. (...) § 13 Ao servidor
ria, bem ou serviço.” ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão decla-
577 CF, art. 150. “Sem prejuízo de outras garantias as- rado em lei de livre nomeação e exoneração bem como de
seguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, outro cargo temporário ou de emprego público, aplica-se
ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) VI – instituir im- o regime geral de previdência social.”
postos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos

150
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO EXECUÇÃO FISCAL


MODALIDADES DE EXTINÇÃO FORMALIDADES E PROCEDIMENTO
PRESCRIÇÃO CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA

A alteração da jurisprudência em matéria de prescri- O protesto das Certidões de Dívida Ativa (CDA) cons-
ção tributária não pode retroagir para alcançar pre- titui mecanismo constitucional e legítimo, por não
tensões que não eram tidas por prescritas à época do restringir de forma desproporcional quaisquer direi-
ajuizamento da ação. tos fundamentais garantidos aos contribuintes e, as-
sim, não configurar sanção política.
Se essa circunstância fosse chancelada, haveria
violação do princípio da segurança jurídica, cujo con- Não basta que uma medida coercitiva do reco-
teúdo abrange não só a proteção do direito adqui- lhimento do crédito tributário restrinja direitos dos
rido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada, mas contribuintes devedores para que ela seja conside-
também o resguardo da certeza do direito, da esta- rada sanção política. Exige-se, além disso, que essas
bilidade das situações jurídicas, da confiança no trá- restrições sejam reprovadas no exame de razoabili-
fego jurídico e do acesso à justiça. dade e proporcionalidade. As sanções políticas são
restrições estatais, que, fundadas em exigências que
“Estando um direito sujeito a exercício em deter-
transgridem os postulados da razoabilidade e da
minado prazo, seja mediante requerimento admi-
proporcionalidade em sentido estrito, culminam por
nistrativo ou, se necessário, ajuizamento de ação ju-
inviabilizar, sem justo fundamento, o exercício, pelo
dicial, tem-se de reconhecer eficácia à iniciativa
sujeito passivo da obrigação tributária, de atividade
tempestiva tomada pelo seu titular nesse sentido,
econômica ou profissional lícita.
pois tal resta resguardado pela proteção à confi-
ança. Da mesma forma, não é possível que se fulmi- Consideradas essas premissas, a constitucionali-
nem, de imediato, prazos então em curso, sob pena dade do protesto de CDAs deve ser analisada em
de violação evidente e direta à garantia de acesso ao duas etapas. Na primeira, deve-se aferir o nível de
Judiciário. Pudesse o legislador impedir a jurisdição restrição dos direitos fundamentais supostamente
mediante reduções abruptas de prazo, com aplica- afetados pelo dispositivo legal impugnado, quais se-
ção às pretensões pendentes ainda não ajuizadas, jam, o devido processo legal, a livre iniciativa e o li-
restaria em grande parte esvaziada a garantia de vre exercício profissional. Na segunda, deve-se apli-
acesso à Justiça.”579 car o princípio da proporcionalidade para examinar
se as restrições são adequadas aos fins perseguidos
Os marcos jurígenos para a contagem do prazo
com a medida, se há um meio alternativo menos
prescricional estão dispostos em leis. Todavia, os tri-
gravoso e igualmente idôneo à produção do resul-
bunais, na interpretação dessas normas, podem
tado e se os seus benefícios superam os seus ônus.
criar um marco inicial de prazo prescricional diverso.
A utilização do instituto pela Fazenda Pública
Diante disso, a redução de prazo prescricional
não viola o devido processo legal. A execução fiscal
não é vedada, pois não existe direito adquirido a re-
é instrumento típico para a cobrança da dívida ativa
gime jurídico. Não obstante, essa modificação não
em sede judicial, mas não se exclui a possibilidade
pode retroagir para fulminar, de imediato, preten-
de instituição e manejo de mecanismos extrajudici-
sões que ainda poderiam ser deduzidas no prazo vi-
ais de cobrança. Por sua vez, o protesto é justa-
gente quando da modificação legislativa.
mente um instrumento extrajudicial que pode ser
ARE 951.533 AgR-segundo, red. p/ o ac. min. Dias To- empregado para a cobrança de certidões de dívida.
ffoli, DJE de 25-10-2018.
Portanto, não há incompatibilidade entre ambos
(Informativo 906, Segunda Turma)
os instrumentos. Eles são complementares. Frus-
trada a cobrança pela via do protesto, o executivo
fiscal poderá ser normalmente ajuizado pelo Fisco.
Ademais, em relação à cobrança de créditos de pe-
queno valor, o protesto pode ser a única via possível,
levando-se em conta o custo da cobrança judicial.
Além disso, o protesto não impede o devedor de

579 RE 566.621, rel. min. Ellen Gracie, P.

151
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

acessar o Judiciário para discutir a validade do cré- Assim, o protesto desempenha outras funções
dito tributário ou para sustar o protesto. Tampouco além da meramente probatória. Trata-se de insti-
exclui a possibilidade de o protestado pleitear judi- tuto de natureza bifronte. De um lado, representa
cialmente uma indenização, caso o protesto seja in- instrumento para constituir o devedor em mora e
devido. comprovar o descumprimento da obrigação. De ou-
tro, confere ampla publicidade ao inadimplemento
No tocante à livre iniciativa e à liberdade profis-
e constitui meio alternativo e extrajudicial para a co-
sional, o protesto não representa embaraço. Sua
brança da dívida.
principal finalidade é dar ao mercado conhecimento
a respeito da existência de débitos fiscais e permitir Portanto, a remessa da CDA confere maior publi-
a sua cobrança extrajudicial. Desse modo, a medida cidade ao descumprimento das obrigações tributá-
não impacta diretamente a vida da empresa. O pro- rias e serve como importante mecanismo extrajudi-
testo não compromete a organização e a condução cial de cobrança. Dessa forma, contribui para esti-
das atividades societárias, tal como ocorre nas hipó- mular a adimplência, incrementar a arrecadação e
teses de interdição de estabelecimento, apreensão promover a justiça fiscal, impedindo que devedores
de mercadorias, restrições à expedição de notas fis- contumazes possam extrair vantagens competitivas
cais e limitações à obtenção de registros ou à prática indevidas da sonegação de tributos.
de atos necessários ao seu funcionamento.
Em relação à necessidade da medida, o protesto
Ainda que se pudesse admitir que o protesto de é, em regra, mecanismo que causa menor sacrifício
CDAs afetasse a atividade econômica, isso se daria ao contribuinte do que os demais instrumentos de
sempre de forma eventual e indireta. As restrições à cobrança disponíveis, em especial a execução fiscal.
linha de crédito comercial da empresa não consti- Por meio do protesto, exclui-se o risco de penhora
tuem consequência imediata da publicidade confe- de bens, renda e faturamento e de expropriação do
rida ao crédito tributário, pelo protesto. Elas repre- patrimônio do devedor, assim como se dispensa o
sentam, no máximo, decorrência indireta do instru- pagamento de diversos valores, como custas, hono-
mento, que não pode ser imputada ao Fisco, mas rários sucumbenciais e registro da distribuição da
aos atores do mercado creditício. execução fiscal, e possibilita-se a redução do en-
cargo legal.
A informação relativa à existência de débitos cer-
tamente poderá ser considerada pelas instituições Além disso, ele é ainda mais eficiente para a con-
financeiras na análise de pedidos de crédito. No en- secução do fim pretendido de recuperação e arreca-
tanto, isso não implicará necessariamente limita- dação eficaz dos créditos pela administração tribu-
ções creditícias. A depender das circunstâncias, va- tária. As execuções fiscais apresentam altos custos e
lores e riscos envolvidos, a informação poderá ser reduzidos índices de recuperação dos créditos públi-
considerada irrelevante para a concessão do crédito cos, além de contribuírem largamente para a lenti-
ou poderá justificar a exigência de garantias reforça- dão e o congestionamento do Poder Judiciário.
das, a elevação dos juros praticados e, no limite, a
No tocante à proporcionalidade em sentido es-
negativa de sua concessão. Porém, em todas essas
trito, entendida como o sopesamento entre benefí-
hipóteses, não se pode atribuir responsabilidade ao
cios e ônus, o protesto não produz significativa res-
credor que se vale do protesto. Tanto isso é verdade
trição a direitos fundamentais dos contribuintes de-
que pessoas físicas e jurídicas se utilizam corrente-
vedores. De um lado, o poder público não fere o de-
mente do protesto para reaver seus créditos priva-
vido processo legal ao estabelecer, por via de lei,
dos, sem que tal prática seja objeto de questiona-
nova modalidade extrajudicial de cobrança de crédi-
mentos.
tos tributários. De outro, o protesto de CDA não vi-
No que se refere à proporcionalidade da medida, ola a livre iniciativa e a liberdade de exercício profis-
considerada a adequação, a Lei 9.492/1997 ampliou sional.
o rol de títulos sujeitos a protesto. Passou a incluir,
Já em relação aos benefícios decorrentes da me-
além de títulos cambiais, títulos e outros documen-
dida em questão, é possível apontar a realização dos
tos de dívida. Hoje, portanto, podem ser protesta-
princípios constitucionais da eficiência e da econo-
dos quaisquer títulos executivos, judiciais ou extra-
micidade na recuperação dos créditos tributários; a
judiciais, desde que dotados de liquidez, certeza e
garantia da livre concorrência, evitando-se que al-
exigibilidade, nos termos do art. 783 do Código de
guns agentes possam extrair vantagens competiti-
Processo Civil580.
vas indevidas da sonegação de tributos; e a redução

580 CPC, art. 783. “A execução para cobrança de cré- dito fundar-se-á sempre em título de obrigação certa, lí-
quida e exigível.”

152
FEVEREIRO A DEZEMBRO DE 2018

do congestionamento do Judiciário, em benefício da


realização do princípio da razoável duração do pro-
cesso.
Em primeiro lugar, a cobrança eficiente dos cré-
ditos estatais não atende apenas o interesse secun-
dário do Estado, mas também interesses de toda a
coletividade. Ela permite maior arrecadação de va-
lores que custearão os serviços que beneficiam a to-
dos e evita o desperdício de tempo e de recursos hu-
manos e financeiros públicos com meios de co-
brança com remotas chances de êxito. Em segundo
lugar, o protesto de CDAs auxilia no combate à ina-
dimplência, viabilizando a promoção da justiça fiscal
e impedindo que a sonegação fiscal confira aos
maus pagadores vantagem competitiva em relação
àqueles que cumprem seus deveres tributários. Em
terceiro lugar, ao permitir a cobrança extrajudicial
dos débitos, a medida tem o condão de promover a
diminuição de execuções fiscais ajuizadas e, assim,
de aliviar a sobrecarga de processos do Poder Judi-
ciário, favorecendo a melhoria da qualidade e da
efetividade da prestação jurisdicional.
Sopesando-se os custos e benefícios da medida,
o protesto de CDAs proporciona ganhos que com-
pensam largamente as leves e eventuais restrições
aos direitos fundamentais dos devedores. Por isso,
além de adequada e necessária, a medida é também
proporcional em sentido estrito.
Concluindo-se pela inexistência de violação ao
princípio da proporcionalidade, também é possível
afirmar que o protesto de CDAs não configura uma
“sanção política”. Afinal, não constitui medida coer-
citiva indireta que restrinja, de modo irrazoável ou
desproporcional, direitos fundamentais dos contri-
buintes, com o objetivo de forçá-los a quitar seus dé-
bitos tributários.
ADI 5.135, rel. min. Roberto Barroso, DJE de 7-2-
2018.
(Informativo 846, Plenário)

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL


SECRETARIA DE DOCUMENTAÇÃO
COORDENADORIA DE DIVULGAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
(CDJU)
cdju@stf.jus.br

153

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