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31/12/2018 Arte e vida social - França, Brasil e a sociologia da arte - OpenEdition Press

OpenEdition
Press
Arte e vida social | Alain Quemin, Glaucia Villas Bôas

França, Brasil e a
sociologia da arte
Alain Quemin et Glaucia Villas
Bôas
Traduction de Germana Henriques Pereira de Sousa

Note de l’éditeur
Traduzido do francês por Germana Henriques Pereira de Sousa.

Texte intégral
1 Os primórdios da sociologia da arte remetem, na Europa e,
particularmente na França, quase que ao desenvolvimento
da disciplina. Mesmo que uma comunidade de
pesquisadores tenha sido constituída apenas muito mais
tarde em torno de questões, métodos e problemas comuns
relacionados a esse objeto, os temas da arte e da cultura
apareceram bem antes nos estudos dos sociólogos. O
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primeiro trabalho associando arte e sociologia em seu título


é de autoria de um escritor francês bastante esquecido hoje,
Jean-Marie Guyau (1854-1888), muito mais filósofo que
sociólogo, e que, em L’art au point de vue sociologique
(Alcan, 1889) tentou explicar a obra de arte a partir de suas
próprias condições materiais de produção. Se Émile
Durkheim pouco escreveu sobre a arte, ele reservou um
tópico para a “sociologia estética” na revista que fundou e
dirigiu, L’Année Sociologique, tópico para o qual contribuiu
seu sobrinho Marcel Mauss. Foi ainda Émile Durkheim que
influenciou o filósofo especialista em estética Charles Lalo
(1877-1953), a quem devemos, especialmente, L’Art et la vie
sociale, publicada em 1927 pela Editora Doin. Se, durante o
surgimento da sociologia no século , com relação à
produção não francesa, Karl Marx também não escreveu
sobre arte, no entanto, ele vai alimentar uma corrente de
pensamento que, posteriormente, se apoderaria desse
objeto. No século , e ainda entre os pioneiros da
disciplina, Max Weber escreveu Sociologie de la musique,
em 1921, e Georg Simmel discorreu sobre a arte em vários
ensaios. No entanto, muitos dos textos produzidos sobre a
arte até a primeira metade do século caracterizam-se por
uma certa indeterminação disciplinar. Tratava-se, então,
realmente, de sociologia ou mais de estética, de história da
arte ou de filosofia das artes? Um caso é particularmente
revelador, aquele do francês Pierre Francastel (1900-1970),
historiador de arte inquestionável, mas cujo estatuto como
sociólogo da arte parece mais incerto: alguns classificam-no,
decididamente, entre os sociólogos de arte, enquanto outros
consideram-no apenas como um precursor da disciplina, e
isso, ainda que – é importante ressaltar – seja Francastel
que tenha cunhado o termo “sociologia da arte” e que, pela
primeira vez, tenha ocupado uma cátedra nesse campo
(sociologia das artes visuais, no contexto da 6a. seção da
École Pratique des Hautes Études, recém-inaugurada, em
1948).
2 Foi preciso esperar, no entanto, até a década de 1960 para
que a sociologia da arte, tal como hoje se entende, emergisse
verdadeiramente. O trabalho pioneiro de Pierre Bourdieu e
Alain Darbel sobre enquetes dos públicos, com a obra
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L’Amour de l’art: les musées et leur public, publicada pela


Éditions de Minuit, em 1966, e os estudos de
Raymonde Moulin sobre o mercado da arte, com o livro Le
Marché de la peinture en France, também publicado pela
Éditions de Minuit, em 1967, formaram a base sobre a qual a
sociologia da arte na França pôde ser construída. Esses
autores estabeleceram uma filiação direta com a sociologia
da arte que permanece até hoje. Durante aquela época, a
sociologia da arte ainda ocupava um lugar bastante restrito
na paisagem da sociologia francesa. Dominada pela
sociologia do trabalho no pós-guerra, dada a preocupação
social do período de reconstrução e as tensões introduzidas
por essa preocupação no mercado de trabalho, a sociologia
iria então atribuir, durante os anos 1960 e os anos seguintes,
um lugar importante ao tema da educação em resposta às
tensões decorrentes da expansão do sistema de ensino,
durante esses anos. Durante essa fase, apesar da existência
de importantes trabalhos sobre sociologia da arte no final do
período, o lugar designado para a arte na área da pesquisa
em sociologia ainda permanecia bastante reduzido. Foi
assim que, juntamente com outros autores, Pierre
Bourdieu – embora sua contribuição tenha sido significativa
no campo da sociologia da arte – dedicou-se ainda mais à
sociologia da educação e da cultura, que então constituía
uma área muito mais legítima e promissora. O
desenvolvimento da sociologia da arte foi feito
gradualmente, em paralelo ao crescimento do interesse
social com relação aos temas da arte e da cultura, e sempre
de modo secundário no que respeitava outros temas
considerados mais centrais. Todavia, em 1985, no congresso
sobre a sociologia da arte, realizado em Marselha, foi então
possível esboçar os contornos de um campo em separado.
Não foi por acaso que o referido congresso havia sido
organizado sob a tutela de Raymonde Moulin, uma vez que
ela havia desempenhado um papel fundamental para a
institucionalização do campo da sociologia da arte na
França. Quatro sessões temáticas desenharam os contornos
desse congresso: “Políticas e instituições culturais”,
“Profissões artísticas e mercados da arte”, “Públicos e
percepção estética” e, finalmente, “Uma sociologia das obras
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é possível?”. Essa divisão do campo, no entanto, parece hoje,


em grande parte, datada, uma vez que, desde então, a
sociologia da arte sofreu mudanças significativas. Por
exemplo, a sociologia da arte francesa é agora menos
distante da sociologia da cultura; hoje é possível falar com
mais facilidade de sociologia da arte e da cultura, conjunto
que se tornou, aliás, um dos principais campos da pesquisa
sociológica na França, como o comprova o número de teses
de doutorado defendidas. Figurando como matéria da
reconstituição desse campo, pode-se notar, por exemplo, a
sociologia da literatura, que, há 20 anos, era uma área em
grande parte distinta da sociologia da arte, e que hoje
aparece claramente como um subdomínio desta última. Para
além de suas mudanças devidas às influências sociais
externas, mas também internas, a sociologia da arte também
foi diretamente submetida às transformações do campo da
sociologia geral. Embora na classificação que propõe em sua
contribuição para este livro Bruno Péquignot distinga hoje
seis grandes domínios dentro da sociologia das artes
francesa – instituições e políticas culturais, mercados da arte
e profissões artísticas, recepção e legitimação, práticas e
consumos culturais, as diferentes formas de expressão
artística, a ciência das obras –, o livro ora apresentado
mostra perfeitamente o lugar que ocupam atualmente as
pesquisas sobre o gênero ou sobre a globalização. Estas
afetaram particularmente a sociologia da arte francesa,
assim como a sociologia em geral, na França e fora dela, nos
últimos 20 anos e, por essa razão, poderíamos certamente
incluí-las na nomenclatura supracitada, declinada por
Péquignot.
3 Rapidamente, a tradição francesa – estruturada desde o
decênio de 1960 até a sua completa institucionalização em
meados dos anos 1980 e até seus desenvolvimentos mais
recentes – foi capaz de influenciar outros países, e, em
primeiro lugar, os Estados Unidos. Os autores que têm sido
mais ativos nessa área são também, muitas vezes, sociólogos
que falam francês e que tiveram, portanto, condições de
acompanhar desde o início o surgimento desse campo de
pesquisa na França, antes mesmo que o trabalho dos
pesquisadores franceses tivesse sido traduzido. Com relação
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a isso, podemos citar Vera Zolberg, Priscilla Ferguson e


Diana Crane, que em muito contribuíram para a divulgação
da sociologia da arte, tanto nos Estados Unidos quanto no
resto do mundo, beneficiando-se do conhecimento e da
prática das duas línguas, francesa e inglesa, e tendo, pelo
menos no caso das duas primeiras, se interessado em
primeira mão pelos trabalhos de Pierre Bourdieu, sobretudo
muito antes que as obras desse autor sobre a arte tivesse
sido traduzidas para o inglês. Por sua vez, Howard S. Becker,
autor de um livro tão importante como Les Mondes de l’art
(publicado em francês pela Flammarion, em 1988, e em
inglês pela Berkeley University Press, em 1982, sob o título
Art Worlds), nunca negou o fato de ter aprendido francês
para ler a obra de Raymonde Moulin, em especial o livro de
1967, Le Marché de la peinture en France, num momento
em que esse livro ainda não havia sido traduzido para o
inglês (apenas em 1987, pela Rutgers University Press).
Note-se que a sociologia da cultura e da arte nos Estados
Unidos desenvolveu-se fortemente sob a influência dos
estudos culturais, que, de modo mais amplo, influenciou a
sociologia internacional, produzindo um retorno da
sociologia americana para a sociologia da arte e da cultura
francesa.
4 A internacionalização da sociologia da arte francesa foi em
grande parte desenvolvida por meio da relação especial que
possuía com os Estados Unidos, mas ela também foi
reforçada pela sua integração com os órgãos internacionais
da Sociologia, e em primeiro lugar com a Associação
Internacional de Sociologia. Se esta foi criada já em 1949, o
Comitê de Pesquisa em Sociologia da Arte (CR nº. 37) só foi
fundado em 1979, ou seja, um pouco tardiamente em
comparação com os outros dois comitês, cujos objetos de
investigação são os mais próximos, já que o Comitê de
Pesquisa nº. 14 em Sociologia da Comunicação,
Conhecimento e Cultura foi criado em 1959, e o Comitê de
Pesquisa nº 13 em Sociologia do Lazer data, por sua vez, de
1970. Note-se que Raymonde Moulin fazia parte do grupo
preparatório que deu à luz o primeiro desses comitês
oficialmente reconhecido em 1980. Após uma primeira
gestão, limitada durante o período de 1980-1982 a dois
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coordenadores, o húngaro Ivan Vitanyi e o norte-americano


Bernard Faber, as estruturas da AIS só foram realmente
implementadas em 1982. Entre 1982 e 1986, a AIS foi
dirigida pelo húngaro Ivan Vitanyi e teve como vice-
presidente o francês Antoine Hennion. Fazendo parte do
grupo dirigente, havia mais um pesquisador de
nacionalidade francesa, a pesquisadora Raymonde Moulin.
Vera Zolberg assegurava o secretariado e, apesar de norte-
americana, como já dissemos, era muito próxima da língua e
da sociologia francesas. Dois brasileiros compunham o
comitê dirigente, E.-M. Ajzenberg e D. de Melo Silva. Para o
mandato seguinte, de 1986 a 1990, foi reeleito presidente o
húngaro Ivan Vitanyi e Antoine Hennion foi reconduzido
como vice; Raymonde Moulin também integrava a direção.
Uma nova colega brasileira, Jerusa Pires Ferreira,
especialista em cultura popular e narrativas orais, fazia parte
do comitê dirigente. De 1990 a 1994, a AIS, presidida por
Vera Zolberg, recebeu um pesquisador francês ligado a
Raymonde Moulin; entre os vice-presidentes, Antoine
Hennion tornou-se membro da diretoria, enquanto
Raymonde Moulin a deixou, assim como os brasileiros. A
AIS, para o período de 1994 a 1998, foi presidida por
Antoine Hennion, o único representante francês, enquanto o
Brasil estava de volta com João Gabriel Teixeira, especialista
em teatro e espetáculo.
5 Qual é, mais especificamente, o desenvolvimento da
sociologia da arte no Brasil, antes mesmo do envolvimento
precoce de pesquisadores internacionais que acabamos de
mencionar, uma vez que os sociólogos brasileiros foram cedo
representados entre os primeiros pesquisadores envolvidos
nos primórdios da sociologia da arte dentro da Associação
Internacional de Sociologia? Vale lembrar que, no Brasil, a
sociologia conheceu uma institucionalização particular: foi
uma disciplina ensinada nas escolas normais dedicadas à
formação de professores do sistema nacional de educação,
antes de sua institucionalização em âmbito universitário. Em
meados do decênio de 1930, o primeiro curso de sociologia
foi ministrado na Escola de Sociologia Política de São Paulo,
em 1934, depois, em 1935, na Universidade de São Paulo,
antes de a disciplina ser introduzida, em 1939, na
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Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, então a capital do


país.
6 No entanto, para se entender o surgimento e as
características da sociologia da arte no Brasil, é necessário,
antes de tudo, lembrar-se que a questão central subjacente à
disciplina e que propriamente a fundou diz respeito à
questão da identidade da sociedade brasileira, questão ela
mesma inscrita na tradição do pensamento social desde o
final do século . Logo no início, a camada intelectual
brasileira estava interessada na construção de um Estado
moderno no país e na cultura popular. Os estudos do folclore
e da arte indígena, por exemplo, foram cultivados no âmbito
dos Institutos Históricos e Geográficos, criados em 1838, e,
em seguida, em Belém, no Museu Paraense Emílio Goeldi
(Museu do Estado do Pará) e, no Rio de Janeiro, no Museu
Nacional e, finalmente, no Museu Paulista (Museu do Estado
de São Paulo), agora Museu de Arqueologia e Etnografia da
Universidade de São Paulo. Após a sua institucionalização
durante os anos de 1930, portanto, a sociologia estava
interessada no estudo dos problemas concretos do país para
entender melhor suas peculiaridades culturais e
possibilidades efetivas para integrar o Brasil ao grupo das
nações modernas. Sociólogos brasileiros deixaram a sua
própria marca sobre essa questão, tentando submeter as
mudanças à prova da diferenciação social e das
desigualdades sociais. O tema fundamental da sociologia
brasileira criou uma produção rica e variada, principalmente
dentro de uma perspectiva histórica.
7 Muito embora preocupados com as profundas mudanças que
afetaram o país, de modo especialmente acelerado em
meados do século , e com o objetivo de analisar a
transição de um país agrário para um país industrial
moderno, alguns sociólogos voltaram sua atenção para a
cultura e a arte, ainda que não fosse exatamente no sentido
em que nós as compreendemos hoje. No entanto, temas dos
estudos sobre folclore abrangendo música, literatura, dança
e a poesia populares foram estudados por sociólogos,
enquanto os estudos dedicados à arte indígena
desenvolveram-se com os estudos realizados pelos
antropólogos. As pesquisas de Florestan Fernandes,
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iniciadas em 1940 e reunidas no livro Folclore e mudança


social na cidade de São Paulo, em 1961, Sociologia e
folclore: dança de São Gonçalo num povoado baiano
(1958), de Maria Isaura Pereira de Queiroz, ou A moda no
século (1952), de Gilda de Mello e Souza, constituem
pesquisas pioneiras, motivadas em grande parte pelo mestre
francês Roger Bastide, então professor da Universidade de
São Paulo. Interessado ao mesmo tempo pela cultura
brasileira e por religião e arte, Bastide publicou, em 1945,
Arte e sociedade. No entanto, esse interesse não levou a um
programa de pesquisa de campo em sociologia da arte e da
cultura. Em contrapartida, durante as décadas em que os
sociólogos buscavam pesquisar o Brasil tradicional e
moderno, os historiadores e críticos da arte, a partir do fim
da Segunda Guerra Mundial, voltaram-se com vigor e
regularidade para o estudo das artes visuais no Brasil.
Graças a esses especialistas, um conjunto de publicações foi
produzido e, ainda hoje, esse corpus constitui, sem dúvida,
uma leitura obrigatória para os sociólogos da cultura e da
arte.
8 No período de 1964 a 1985, durante a instalação da ditadura
no país, o processo de institucionalização e do
reconhecimento da disciplina foram suficientemente
consolidados para que, a despeito da repressão política
contra os professores, estudantes e instituições, uma
interrupção completa das atividades não acontecesse, tanto
no que diz respeito às atividades de ensino quanto às de
pesquisa. Em particular, os editores continuaram a
publicação de livros de sociologia. Nos anos de ditadura, de
acordo com os paradoxos desse regime próprios ao caso
brasileiro, vários sociólogos produziram obras importantes,
enquanto outros foram privados de seu direito de ensinar e
pediram asilo em outros países. Foi nesse período que o
sistema nacional de pós-graduação foi criado no Brasil. O
foco recaía sobre a pesquisa científica e nos investimentos
nas ciências humanas, tanto por parte do governo quanto
por parte das organizações estrangeiras. O interesse pela
cultura popular aumentou, especialmente na antropologia,
na medida em que a sociologia se importava mais com os
temas relativos ao desenvolvimento do país. No entanto, os
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estudos sobre a cultura de massa e as leituras dos trabalhos


da Escola de Frankfurt começaram a surgir. Bolsas de estudo
e financiamento para a pesquisa em Humanidades
favoreceram a mobilidade dos sociólogos brasileiros nesse
período, o que expandiu a sua gama de modelos teóricos. O
perfil cognitivo da sociologia brasileira foi então
transformado com a apropriação de novas tendências
sociológicas e de novos autores, dada a intensa
movimentação de pesquisadores, não só aqueles que foram
institucionalmente apoiados por agências de governo, mas
também aqueles que eram financiados pelas instituições dos
países onde haviam procurado asilo político, como Chile,
México, França e Alemanha, em particular.
9 Na década de 1980, os contornos da sociologia da cultura
foram redefinidos e alguns estudos específicos sobre as artes
começaram a aparecer. Um dos pioneiros em sociologia das
artes visuais foi José Carlos Durand, autor da obra Artes,
privilégio e distinção: artes Plásticas, arquitetura e classe
dirigente no Brasil (1955-1985), cuja primeira edição data
de 1989 e para a qual Raymonde Moulin foi uma referência
importante. Naquela época, um grupo de trabalho sobre a
cultura brasileira foi criado na ANPOCS (Associação
Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Ciências
Sociais), coordenado por Maria Isaura Pereira de Queiroz,
juntamente com Sergio Miceli, Renato Ortiz, Ruben Oliven
Eduardo Jardim, Olga von Simson, Glaucia Villas Bôas,
Paula Montero, entre outros. Vale a pena mencionar aqui as
obras de Sergio Miceli sobre os intelectuais brasileiros,
assim como suas pesquisas sobre a história das ciências
sociais. Miceli liderou uma pesquisa significativa sobre as
elites intelectuais e artísticas a partir das teorias de Pierre
Bourdieu. Mas foi apenas em 1996 que ele publicou o livro
Imagens negociadas: Retratos da elite brasileira, 1920-
1940. Alguns anos mais tarde, em 2003, publicou Nacional
Estrangeiro, história social e cultural do modernismo
artístico em São Paulo. Devemos também mencionar a
pesquisa de Renato Ortiz, que publicou, em 1989, A
moderna tradição brasileira: cultura brasileira e indústria
cultural. Várias iniciativas deram prosseguimento a esses
esforços, levando a uma produção relevante no campo da
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sociologia da cultura, que, no entanto, dedicou-se


principalmente ao estudo da cultura intelectual e às
características do pensamento sociológico no Brasil.
10 A partir de 2000, a sociologia da arte começou a ganhar
autonomia com relação à sociologia da cultura. De fato, em
sua reflexão sobre as práticas artísticas e sua dimensão
simbólica, a sociologia coloca a ênfase na criação do campo
artístico brasileiro com seus diferentes atores e instituições.
Os museus, os espaços de exposições, o mercado da arte e a
globalização, assim como o público e a formação de todas
essas instituições constituem temas tratados em relação com
o período mais contemporâneo, embora momentos-chave da
história da arte no Brasil, como o modernismo nas artes
visuais e a trajetória de artistas durante esse movimento
histórico, costumem atrair investigadores de qualidade. Os
tópicos acima são analisados a partir de diferentes
perspectivas conceituais. Embora conhecido e traduzido no
Brasil, o estudo de Max Weber sobre o processo de
racionalização da música não foi tão privilegiado como os
ensaios de seu contemporâneo Georg Simmel sobre
Rembrandt, a moda, a decoração, a moldura do quadro, a
exposição e as reflexões sobre a cultura e arte de Adorno,
Benjamin e Horkheimer. No entanto, não há dúvida alguma
com relação ao fato de que as pesquisas mais recentes sobre
práticas artísticas, realizadas por pesquisadores brasileiros,
se apropriaram bem mais dos conceitos de outros sociólogos,
tais como Pierre Bourdieu, Raymonde Moulin, Howard S.
Becker ou Vera Zolberg e Norbert Elias.
11 Como já relatado anteriormente, a sociologia brasileira tem
experimentado um desenvolvimento notável por vários anos
e a sociologia da arte também, em particular, embora esse
campo tenha se desenvolvido mais recentemente do que
outros dentro da disciplina. Nota-se também que há uma
seção sobre a sociologia da arte dentro da Sociedade
Brasileira de Sociologia, desde 2007, que vem reunindo
muitos sociólogos que lidam com a arte em seus trabalhos de
pesquisa em diferentes universidades e cidades brasileiras.
Em 2014, foi criado o Grupo de Trabalho Arte e Cultura na
ANPOCS, o primeiro a privilegiar particularmente as
pesquisas sobre as artes. A sociologia da arte brasileira
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parece estar vivendo hoje um momento decisivo, não ainda


totalmente institucionalizada, mas no processo de se tornar,
e, ao mesmo tempo, já rica em produção importante e
diversificada. O surgimento e o desenvolvimento da
sociologia da arte no Brasil não resultaram de um
movimento emergente num centro principal ou mesmo
único, cidade ou instituição particular, nem todavia por um
movimento de difusão de um centro, mas antes desenvolveu-
se por uma disseminação, uma espécie de “geração
espontânea” em várias instituições, como evidenciado
também muito claramente pela diversidade de instituições
às quais estão ligados os autores e autoras que contribuíram
para este trabalho. Um conjunto de livros, resultantes de
pesquisas de teses de doutorado vem sendo publicado com
regularidade nos últimos anos. Contudo, ainda há uma
carência notável de publicações que apresentem
sistematicamente a produção de pesquisadores brasileiros
nessa área e apresentem uma visão de conjunto que permita
uma divulgação eficiente, dentro e fora do país. Em vista
disso, a publicação ora apresentada, Arte e vida social,
poderá trazer uma contribuição especial para o vasto país
que é o Brasil, e, ainda, em âmbito internacional.
12 Estudos recentes em sociologia das artes realizados no Brasil
e na França, apresentados neste trabalho, foram organizados
de acordo com os seguintes cinco eixos temáticos:

Etapas e marcas da sociologia da arte na França;


Estética da ruptura: concepções, práticas e artistas na
arte moderna e contemporânea no Brasil;
Trajetórias dos artistas, instituições e formas de criação;
Leituras e leitores;
Arte contemporânea, mercado e processo de
globalização.

13 O primeiro eixo temático – “Etapas e marcas da sociologia


da arte na França” – reúne as contribuições de Bruno
Péquignot, Philippe Coulangeon, Nathalie Heinich e Gisèle
Sapiro.
14 Em “A sociologia das artes e da cultura na França: gênese,
desenvolvimentos e atualidade de um campo de pesquisa”,

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Bruno Péquignot retraça o surgimento da sociologia das


artes desde o século até o presente e mostra as
transformações ocorridas nesse domínio. Para dar conta de
seu desenvolvimento atual, Bruno Pequignot propõe
distinguir seis grandes temas, mostrando toda a recente e
atual vitalidade da disciplina.
15 Em “Os franceses, a arte e a democratização da cultura”,
Philippe Coulangeon revê as grandes pesquisas
regularmente conduzidas desde a década de 1960 sobre as
práticas culturais na França, que tinham por objetivo medir,
especialmente, os efeitos da democratização cultural,
enfatizando aqueles produzidos pela definição das categorias
utilizadas e a evolução do seu conteúdo sobre os resultados
observados.
16 Nathalie Heinich, em “A arte em regime da singularidade:
algumas características sociológicas da arte contemporânea”,
estuda o caso de um discurso criado pelo artista francês
Daniel Buren sobre um de seus pares, Ian Wilson, de modo
arquetípico. Isso lhe permite trazer à tona vários paradoxos
próprios à arte contemporânea ligados, em particular, à
singularidade, à objetividade e à transgressão.
17 Em “O campo literário francês: estrutura, dinâmica e formas
de politização”, Gisèle Sapiro mostra toda a riqueza do
conceito de campo cunhado por Pierre Bourdieu para dar
conta das tomadas de posição no campo literário francês, a
partir de um estudo minucioso sobre o período que abrange
a primeira metade do século e cujos efeitos são sentidos
pelo menos até a década de 1960. O enfoque é colocado na
influência das lutas de concorrência sobre a dinâmica do
campo e suas transformações, mesmo se a estrutura do
campo afeta as formas que tomam as lutas.
18 O segundo eixo temático – “Estética da ruptura: conceitos,
práticas e artistas na arte moderna e contemporânea no
Brasil” – reúne contribuições de Luiz Camillo Osorio,
Glaucia Villas Bôas, Sabrina Parracho Sant’Anna, Marcelo
Coelho Mari, Frederico Oliveira, Ana Paula Cavalcanti
Simioni e Fernando Antonio Pinheiro Filho. Esse eixo
concentra as pesquisas a que nos referimos anteriormente
como numerosas e importantes para o desenvolvimento da
sociologia da arte no Brasil.
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19 A contribuição de Luiz Camillo Osorio, em “Genealogias do


contemporâneo: caminhos da arte brasileira”, refere-se às
tensões inerentes ao desenvolvimento da arte brasileira na
contemporaneidade. A questão é saber se ainda é possível
falar de uma singularidade da arte brasileira num contexto
global. O autor argumenta que na contemporaneidade não
surgem novas substâncias, mas novas combinações de
relações, plurais e instáveis. Para explicar sua posição, ele
estuda quatro vetores conceituais que surgiram durante a re-
montagem da exposição de longa duração da coleção
Gilberto Chateaubriand disponibilizad a pelo Museu de Arte
Moderna do Rio de Janeiro: a falta de cronologia, a
dimensão sociológica, a representação do corpo e o legado
do construtivismo.
20 Em “Estética da ruptura: o concretismo brasileiro”, Glaucia
Villas Bôas destaca a presença simultânea de dois padrões
estéticos concorrentes: o figurativo e o construtivismo no
modernismo brasileiro. O primeiro valoriza a construção da
identidade nacional através da adoção de uma forma
expressionista e cubista, enquanto o segundo segue uma
orientação construtivista, concentrando-se na
experimentação. Para isso, a pesquisa analisa as disputas
que ocorreram entre os artistas plásticos e os críticos de arte,
disputas registradas em vários textos críticos, cartas, revistas
e jornais de arte, destacando as diferenças e divisões entre os
artistas concretos em meados dos anos de 1950.
21 Em “O Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro: Frederico
Morais, os anos 1960 e a vitória do projeto da vanguarda”,
Sabrina Parracho Sant’Anna considera que os museus eram
comumente pensados como instituições que cristalizaram o
passado, eliminando assim os objetos da experiência
cotidiana e de seu contexto. Nesse sentido, eles têm sido alvo
de críticas por parte da vanguarda, sendo apresentados
como mausoléus da modernidade. No entanto, museus de
arte moderna foram fundados como instituições que
visavam o futuro. Destacando a atividade do crítico
Frederico Morais, a autora discute como o Museu de Arte
Moderna do Rio de Janeiro construiu um projeto que o
aproximava das vanguardas contemporâneas na década de

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1950, e como o desenvolvimento de um projeto como este


levou à ideia de um museu da cultura de massa na cidade.
22 O texto de Marcelo Mari, “Mario Pedrosa: Agitprop e arte
independente na periferia capitalista”, é baseado numa
pesquisa cuidadosa da atividade política da esquerda feita
por Mario Pedrosa e sobre sua transformação em crítico de
arte, sem por isso ter adotado uma estética realista ou
revolucionária a exemplo do modelo soviético. Nesse
sentido, analisa a relação da crítica com os surrealistas
franceses e com os outros críticos trotskistas norte-
americanos, durante o exílio de Pedrosa, entre 1937 e 1945,
em Paris e Nova York, com a intenção de compreender a
conversão de Mario Pedrosa ao concretismo.
23 Com “Da Subterrânea ao centro do mundo – um breve
estudo sobre a valorização da obra de Hélio Oiticica”,
Frederico Oliveira Coelho mostra como Oiticica, que era
conhecido por sua recusa sistemática de fazer parte do
mercado de arte e dos espaços museais de seu tempo,
tornou-se, gradualmente, após a sua morte, um dos nomes
mais importantes e mais valorizados das galerias, dos salões
internacionais, até mesmo dos museus no mundo. O artigo
analisa essa trajetória, em que a postura crítica adotada pelo
artista em vida foi transformada post-mortem, num dos
casos mais marcantes da institucionalização da história das
artes plásticas brasileiras.
24 Em “Diásporas do moderno: artistas brasileiros em Paris,
década de 1920”, Ana Paula Cavalcanti levanta um debate
crítico em torno da historiografia modernista, especialmente
sobre a maneira pela qual esta abordou a questão da
transferência dos modelos artísticos. É geralmente
considerado que as viagens dos artistas brasileiros na
Europa, especialmente em Paris, foram fundamentais para
colocá-los em contato com “os centros propulsores” das
rupturas vanguardistas, que se tornariam os modelos a
incorporar para, em seguida, executá-los no Brasil. Para isso,
ela reconsidera os discursos sobre as estadas em Paris das
pintoras Anita Malfatti e Tarsila do Amaral. Assim, é
possível desafiar hierarquias, lógicas e percursos
considerados canônicos pelos historiadores modernistas, e

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discutir a especificidade das escolhas que marcaram os


artistas modernistas brasileiros.
25 Em “Lasar Segall, pintor brasileiro”, Fernando Antonio
Pinheiro Filho discute o trabalho e a trajetória social do
pintor Lasar Segall, enfocando sua estada em Paris, de 1928
a 1931. Essa experiência europeia assinala um momento
singular das erranças artísticas de Segall – circunscritas às
condições sociais do desenvolvimento de seu projeto – a
partir das quais emerge mais claramente o significado de seu
projeto e de sua fartura estética. É particularmente
importante levantar a conciliação do expressionismo
segalliano com a Escola de Paris, que tinha sido então
recentemente incorporada ao modernismo de São Paulo. É
precisamente por meio dessas mudanças que a análise pode
encontrar os fatores pertinentes capazes de explicar o
processo de incorporação das formas sociais que se
manifestam nas obras do pintor.
26 O terceiro eixo temático desta obra – “Trajetórias dos
artistas, instituições e formas de criação” – reúne artigos de
Lígia Dabul, Patricia Reinheimer, Kadma Marques e
Gerciane Oliveira, Marie Buscatto e Frédérique Joly.
27 A contribuição escrita por Lígia Dabul, “Artistas plásticos em
feiras de artesanato: lugares e sentidos da venda”, lida com a
venda de objetos artísticos, com foco em formas de venda
relacionadas com as várias qualidades que compõem a
identidade do artista. Analisa a feira de artesanato da Praia
de Iracema, em Fortaleza, no estado do Ceará, estudando
como as categorias artistas/arte, de um lado, e
artesãos/artesanato, de outro, entram em competição em
diferentes processos ligados à venda dos produtos e à
diferenciação dos seus autores, sejam eles artistas ou
artesãos.
28 Em “Autenticidade, agenciamento e reconhecimento
internacional: a trajetória do artista ‘naïf’ Chico da Silva”,
Kadma Marques e Gerciane Oliveira estudam a construção
da trajetória artística de Chico da Silva, nascido em Alto do
Tejo (cidade do estado do Acre) e que se mudou para
Fortaleza, Ceará, em meados dos anos de 1930. Descoberto
pelo crítico suíço Jean-Pierre Chabloz na década de 1940, o
pintor produziu obras que, uma vez lançadas no mercado
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internacional, chamaram a atenção da crítica de arte. As


autoras desse artigo indicam o alcance desse
reconhecimento na Escola de Pirambu – formada por
trabalhadores que pintam coletivamente no estilo naïf, e que
suscita, ainda hoje, questões sobre a construção de carreiras
artísticas, a condição de autor e a autenticidade enquanto
obras de arte.
29 Marie Buscatto, em “A arte segundo o ponto de vista do
gênero ou revelar a normatividade dos mundos da arte”,
sublinha que foi apenas desde o início de 1980 que o gênero
tornou-se uma categoria de análise estabelecida na
sociologia francesa das artes, refletindo sobre os últimos
avanços nessa área em termos de gênero. A contrapelo da
ideologia vanguardista que faz da arte um espaço evidente de
transgressão de todas as normas sociais, a abordagem de
gênero no campo das artes revela a forte normatividade dos
universos artísticos, com exceção dos raros casos aqui
estudados.
30 Patricia Reinheimer mostra, em “Representação e
subjetividade como perspectivas distintas da observação da
relação entre a reforma psiquiátrica e as manifestações
artísticas”, como novas políticas públicas implementadas ao
longo das duas últimas décadas transformaram as
manifestações artísticas e culturais em recursos para a
reconstrução das representações sobre a loucura, permitindo
a transformação da identidade dos atores – os usuários do
sistema de saúde mental, familiares e técnicos de saúde. A
autora investiga várias trajetórias sociais dos atores ligados
aos serviços de saúde mental no Rio de Janeiro, envolvidos
em programas de arte e cultura.
31 Em “A prática das artes plásticas na escola de arte: uma
prática definitivamente de gênero?”, Frédérique Joly
também enfoca as pesquisas sobre as práticas culturais dos
jovens e se pergunta como explicar que as meninas, em
maior número e com a vantagem de um melhor desempenho
escolar do que os meninos, encontram-se ainda assim em
desvantagem ao término dos cursos de artes plásticas. Ela
estuda então as diferenças de comportamento entre meninos
e meninas nas escolas de arte e as desigualdades que podem
daí resultar.
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32 O quarto eixo temático do livro – “Leituras e leitores” –


reúne contribuições de Clara Levy, Christine Détrez, Tatiana
Siciliano e Kaoutar Harchi.
33 Em “Ler, eleger, se construir: os livros de cabeceira e sua
dimensão identitária”, Clara Lévy estuda um tipo de
encontro feliz entre um leitor e um livro, a partir de uma
convivência constante que se inscreve numa duração de
tempo. Esta é uma tentativa de dar sentido às afinidades
entre um livro (ou autor) e um leitor, tentando
contextualizar sociologicamente essas afinidades tanto a
partir das variáveis sociais as mais comumente selecionadas
para qualificar as pessoas quanto no que diz respeito às
práticas culturais como um todo e, em particular, em
comparação com as práticas de leitura em geral.
34 No artigo “Em busca da leitura perdida? Os adolescentes e a
leitura na França hoje”, Christine Détrez, superando os
discursos habituais e lamentando a falta de leitura dos
jovens, apresenta os resultados de diferentes pesquisas e
fornece uma análise bem mais sutil: certamente, os
adolescentes leem cada vez menos, mas a leitura continua a
suscitar uma forte adesão afetiva.
35 Em “O guerreiro do Theatro Municipal: Arthur Azevedo e
sua luta pela consolidação do teatro nacional,” Tatiana
Siciliano discute a criação do Theatro Municipal do Rio de
Janeiro em 1909, mostrando que ele foi o resultado de uma
batalha conduzida por Arthur Azevedo (1855-1908), escritor
e membro fundador da Academia Brasileira de Letras. O
projeto para a construção do teatro, feito com o patrocínio
do Estado, tinha por objetivo desenvolver a arte dramática,
que, no entanto, sempre foi excluída da cena do Teatro
Municipal do Rio de Janeiro. A autora procura explicar as
razões dessa exclusão paradoxal e a mudança do projeto
original.
36 Kaoutar Harchi, em “Condições e modalidades de formação
do valor literário em situação colonial e pós-colonial:
abordagem comparativa das obras de Kateb Yacine,
Mohammad Dib e Assia Djebar”, analisa os meios de acesso
à reputação de três dos principais romancistas argelinos.
Para isso, ele examina os mecanismos de construção do valor
literário, com base no caso dos escritores argelinos de língua
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francesa em época colonial e pós-colonial. Se, para estudar


esse fenômeno, a teoria dos campos de Bourdieu é
heurística, não parece relevante isolar o espaço da literatura
argelina, e convém, ao contrário, situá-la em um contexto
mais vasto, aquele da literatura de expressão naquele
momento histórico.
37 O quinto eixo temático – “Arte contemporânea, mercado e
processo de globalização” – reúne as contribuições de
Alain Quemin, Cyril Mercier, Maria Lucia Bueno,
Maria Angélica Madeira e de Ana Letícia Fialho,
Ilana Seltzer Goldstein e Renata Bernardes Proença.
38 Alain Quemin, em “A distribuição desigual do sucesso em
arte contemporânea entre as nações: uma análise sociológica
da lista dos ‘maiores’ artistas do mundo”, questiona o
discurso, muitas vezes tido como evidente da abolição das
fronteiras, no mundo da arte contemporânea. Para isso,
analisa o impacto da nacionalidade dos artistas e do
território – aqui entendido como o seu país de residência –
no acesso deles ao sucesso, assim como estuda o processo de
consagração a partir da utilização de dados empíricos. A
investigação centra-se em duas classificações principais,
Kunstkompass e o Capital Kunstmarkt Kompass para
ilustrar a distribuição extremamente desigual do sucesso
entre os países na arte contemporânea. A análise contradiz a
crença profundamente enraizada no mundo da arte, que
afirma o total desaparecimento de fronteiras geográficas e
que clama o apagamento de fluxo de intercâmbios culturais
altamente orientados. Mesmo numa época em que a
globalização é supostamente a regra no mundo da arte,
ainda há uma forte hierarquia entre os países.
39 Cyril Mercier, em “A evolução do lugar das mulheres no
mundo da arte contemporânea francesa: o caso dos
colecionadores de arte contemporânea”, enfatiza que o lugar
das mulheres no mundo dos colecionadores, na França,
parece hoje paradoxal, dilacerada entre um investimento
pessoal significativo e uma relativamente baixa visibilidade.
Tendo construído um indicador de visibilidade social,
Cyril Mercier mostra que a proporção de mulheres é de fato
limitada. Hoje ainda, as mulheres parecem sofrer o peso das
tradições ligadas às elites burguesas e às elites aristocráticas,
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impedindo-as parcialmente de encontrar seu lugar no


mundo dos colecionadores de arte contemporânea.
40 Em “A condição do artista contemporâneo no Brasil: entre a
universidade e o mercado”, Maria Lucia Bueno assinala que
a partir do final do decênio de 1970, a expansão da formação
universitária iniciou um processo de profissionalização do
artista. Apesar do número significativo de espaços dedicados
à arte contemporânea, e que conferem de fato visibilidade à
produção dos artistas contemporâneos, apenas uma pequena
parcela dessa produção aparece viabilizada comercialmente
no Brasil. A fragilidade do mercado faz com que muitos dos
artistas se voltem para carreiras acadêmicas para assegurar
um meio de subsistência, garantindo a execução das suas
obras. As escolas de arte, em nível superior, vêm a ser uma
das principais áreas de disputa e trocas, tanto para os
produtores mais renomados quanto para os jovens
aspirantes. E se consolidando como um importante
mecanismo de legitimação e consagração no campo da arte
contemporânea, a universidade se transforma cada vez mais
num canal privilegiado de inserção dos artistas no mercado,
tanto local quanto internacionalmente.
41 Maria Angélica Madeira destaca, em “Arte compartilhada:
uma teoria possível”, que o interesse por práticas
colaborativas e pelos coletivos de artistas tem crescido
consideravelmente nos dias de hoje. Esses grupos, mais ou
menos efêmeros, formam-se com o objetivo de compartilhar
ideias e equipamentos. A experiência compartilhada também
pode ser vista como um exercício de superação do
individualismo e do narcisismo, o que levaria ao ativismo e
às intervenções em espaços urbanos. O texto é baseado
numa pesquisa empírica realizada em Brasília, cidade onde
os coletivos de artistas proliferaram ao longo da última
década.
42 Ana Letícia Fialho, Ilana Seltzer Goldstein e Renata
Bernardes Proença, autoras de “Economias da arte
contemporânea: programação, financiamento e mediação
em instituições culturais brasileiras”, analisam dados
importantes sobre equipamentos culturais brasileiros.
Embora o sistema das artes no Brasil possa contar com
algumas produções fortes e alguns artistas reconhecidos, em
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geral, a organização – tanto do ponto de vista econômico


como do ponto de vista institucional – permanece
heterogênea, pouco conhecida e muitas vezes frágil. Até o
final de 2010, o Ministério da Cultura do Brasil não
dispunha de um banco de dados consistente sobre esse
assunto, de modo que solicitou a pesquisadores externos um
inventário cujo objetivo é reunir informações e a obtenção de
indicadores que possam orientar futuras políticas públicas
para o setor. É no contexto desta pesquisa, intitulada
“Economia de exposições”, que os autoras deste trabalho
tiveram a oportunidade, juntamente com o passar dos
questionários quantitativos, de também investigar alguns
aspectos qualitativos da operação de instalações culturais
dedicadas à arte contemporânea brasileira.
43 Em última análise, espera-se que a reunião numa mesma
obra da produção sociológica recente de pesquisadores
brasileiros e franceses sobre a arte contribua
significativamente para estreitar os laços da colaboração
entre dois conjuntos altamente produtivos em ambos os
países e que funcionam, um e outro, de modo bastante
distinto dentro da sociologia contemporânea nacional.
Beneficiando-se da iniciativa do programa de Saint-Hilaire,
com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior (CAPES), no Brasil, e do Ministério das
Relações Exteriores e Europeias (MAEE), na França, a
realização de um livro expondo as reflexões mais recentes e
emblemáticas da sociologia da arte hoje em ambos os países
vai muito além da necessidade e do desejo de pesquisadores
de apresentar o que cada parceiro realiza nesta área. Trata-
se, antes, se não mais, de melhor conhecer o trabalho dos
parceiros de pesquisa e de continuar a aprofundar o diálogo
entre os pesquisadores dos dois países, com o objetivo de se
aprender com as experiências uns dos outros. Trata-se, de
modo geral, da oportunidade de apresentar a um amplo
público, no Brasil, na França e em outros países, estudos
sociológicos que mostram a imensa importância que a arte
reveste sob múltiplos aspectos e em diferentes sociedades.

Auteurs

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Alain Quemin
Professeur en sociologie à
l’université Paris-8
Chercheur au Labtop-CRESPPA
Membre honoraire de l’Institut
universitaire de France
Glaucia Villas Bôas
Professora da Universidade
Federal do Rio de Janeiro
Pesquisadora do Conselho
Nacional de Pesquisa e
Desenvolvimento (CNPq)
Germana
Henriques Pereira de Sousa
(Traducteur)
© OpenEdition Press, 2016

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Modification 3.0 non transposé - CC BY-NC-ND 3.0

Référence électronique du chapitre


QUEMIN, Alain ; VILLAS BÔAS, Glaucia. França, Brasil e a sociologia
da arte In : Arte e vida social : Pesquisas recentes no Brasil e na França
[en ligne]. Marseille : OpenEdition Press, 2016 (généré le 31 décembre
2018). Disponible sur Internet :
<http://books.openedition.org/oep/1478>. ISBN : 9782821855892.

Référence électronique du livre


QUEMIN, Alain (dir.) ; VILLAS BÔAS, Glaucia (dir.). Arte e vida social :
Pesquisas recentes no Brasil e na França. Nouvelle édition [en ligne].
Marseille : OpenEdition Press, 2016 (généré le 31 décembre 2018).
Disponible sur Internet : <http://books.openedition.org/oep/482>.
ISBN : 9782821855892. DOI : 10.4000/books.oep.482.

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