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Katya Hochleitner

Psicologia Social da Imagem

Prof. Dr. Arley Andriolo

PGEHA USP

07/12/2017

SP-Arte: percepção e imagem

A minha dissertação de mestrado (2015) teve como tema a SP-Arte. Naquela ocasião

analisei principalmente o impacto desta feira de arte no mercado de arte brasileiro, no sistema

de arte contemporânea de Brasil e em seus componentes principais. Agora, no

desenvolvimento de minha tese de doutorado, pensei em me aprofundar em outros aspectos

da SP-Arte, como por exemplo, o impacto que esta exposição tem na imagem do país, Brasil,

nos corações e mentes dos estrangeiros que visitam a feira. Daí advém a razão pela qual me

inscrevi na disciplina Psicologia Social da Imagem: para conhecer teorias e práticas que

pudessem iluminar, para mim, o caminho de descoberta da pesquisa com imagens em

psicologia, para ser possivelmente utilizada na construção da minha dissertação.

Considero que dentro do meu propósito foram mais esclarecedores os três textos

abaixo.

O primeiro texto que estudamos, “A sociedade das imagens em série e a cultura do

eco”, de Norval Baitello Junior, foi um início de ótimas discussões. Imago, raiz da palavra

imagem, era uma máscara utilizada para dar uma “segunda existência” a alguém que morrera.

Hoje se considera que imagens em sentido amplo são, em sua maioria, invisíveis,
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provocadoras de outros sentidos além da visão. E mesmo as imagens que são visíveis podem

ter aspectos não visíveis aos nossos olhos. Elas podem ser acompanhadas de camadas de

história e cultura, nossa ou de outrem, como “um espaço comunicativo de improvável

determinação”. Além disso hoje se considera que existe o “mundo das imagens”, sedutoras,

mundo que nos oferece ainda mais imagens quando na verdade gostaríamos de nos

aprofundar nelas. As imagens podem, assim, ser “endógenas ou exógenas” (Belting,2001),

sendo as primeiras impulsionadoras da interiorização do homem e as segundas “bloqueadoras

da imaginação”. Apesar, disso, sempre tentando fugir da morte, seguimos produzindo

imagens, massivamente. A cultura, criada pelo homem para desafiar a morte acaba sendo a

criatura que atua sobre os criadores. Citando Belting: “hoje as imagens convidam os vivos à

fuga do corpo”. Com a reprodutibilidade, são tantas as imagens, que são elas que precisam

buscar os olhos humanos, para poderem estar vivas. Elas nos vêm antes. E nós viramos

imagem, como, por exemplo, em gráficos de pesquisa de mercado. Uma outra consequência

da idade imagética que hoje vivemos é o desejo de semelhança com os outros, ao invés de

nos aprofundarmos em nossas próprias características pessoais, criativas e diferenciadoras.

Seguimos produzindo mais imagens, rapidamente obsoletas, mostrando que todos somos

parecidos. Neste mundo imagético as imagens também são devoradas, ou consumidas, por

nós, na “iconofagia”, em três níveis: no primeiro nível reaproveitamos imagens antigas, no

segundo nível consumimos imagens como marcas, símbolos, ícones e, finalmente, no terceiro

nível, o mundo real fica obsoleto: é quando os corpos mais gordos, por exemplo, que não se

encaixam nas imagens-padrão, são considerados anacrônicos. Agora “as imagens devoram os

corpos”. Por causa do alcance das mídias as imagens têm poder e capilaridade como nunca

ocorreu na história antes. Todos nós perdemos nosso tempo e espaço para estas terríveis

imagens, abstrações como sucesso, beleza, visibilidade, fama, e por aí vai.


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O segundo texto que fez muito sentido dentro do meu escopo de interesse para a

dissertação de doutorado foi o “Psicologia Social e Cidadania”, de Arley Andriolo. Neste

texto a premissa é que o conhecimento vem do sensível, conforme proposto por Merleau-

Ponty e abraçado por Frayze-Pereira em seu livro “Olho D’Água: arte e loucura em

exposição”, conceito conhecido como fenomenologia. Goethe definiu o fenômeno como

“expressão no espaço de um processo temporal”. Geiger propôs a prática em três etapas: 1)

parar e investigar o fenômeno, 2) apreender seus “momentos essenciais”, 3) essência que é

apreendida por intuição (vs. dedução ou indução).

Citando vários trabalhos e pesquisas em psicologia que questionam imagens, artes e

culturas, Andriolo explica o “triplo sentido da imagem”: ilustração do conhecimento em

psicologia, documento público e/ou procedimento em pesquisa, todos no campo da

iconologia, que deriva da iconografia. A iconografia identifica e analisa o conteúdo ou

assunto das obras de arte, segundo Panofsky. A iconologia, aprofundando a iconografia,

interpreta a imagem para uma síntese. A iconografia descreve e a iconologia interpreta (e usa

termos da psicologia). O sistema de interpretação iconológica de Panofsky se baseia em três

passos: (1) descrição pré-iconográfica (conteúdo primário: motivos artísticos); (2) análise

iconográfica (conteúdo secundário: imagens, histórias e alegorias); (3) interpretação

iconológica (significado intrínseco: valores simbólicos). As formas simbólicas correspondem

a conceitos psicológicos, atitudes relacionadas a nação, período, classe social,

comportamentos filosóficos ou religiosos, “qualificados por uma personalidade e

condensados em uma obra de arte”. Também para Francastel a imagem era mais do que uma

única imagem: era vivida, percebida, notada ou virtual. Resumindo, na psicologia social a

imagem não é física, mas “um movimento de mediações entre o objeto icônico e as imagens

mentais dos observadores por meio da experiência sensorial e estética”. A iconologia social
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serve hoje, também, à pesquisa de psicologia, que se interessa pelas narrativas e imagens

coletadas em processos específicos.

Mas a iconologia social de hoje diverge da proposta de Panofsky: por Bordieu, tomou

um aspecto identificador de força e poder no campo social. E novos conceitos foram

desenvolvidos e adicionados à iconologia, por Stefanou, Mitchell (psicologia política das

imagens), Belting (consideração de imagem mental e imagem física), Verstegen, Baitello

(interpretação como sinônimo de arqueologia) e Andriolo (ação política articulada em

imagens).

Com relação ao campo estético, Berleant propôs que a experiência será significante se

decorrente de uma “transação engajada do observador”. O procedimento de pesquisa neste

caso seria: produzir uma série de imagens temáticas e cronológicas; usar entrevistas ou textos

documentais para examinar narrativas e discursos; agrupar discursos e imagens por termos;

categorizar de acordo com os termos e refletindo a organização de imagens e discursos em

relação à experiência estética; e finalmente discutir as categorias (conceitos teóricos,

psicologia, cultura, sociedade). Importante: na psicologia social deve-se usar os termos

“símbolo”, “corpo” e “sensibilidade”.

Falando especificamente de exposições de arte, autores com Frayze-Pereira e Cupchik

afirmaram que a observação da obra envolve o corpo todo do observador e as relações do

mesmo com “o ambiente, os sentidos, as emoções, a cognição e as imagens mentais”, a

integração entre o mundo interior e o mundo exterior, os campos simbólicos: pessoal e social.

O terceiro texto que considerei adequado ao trabalho que pretendo desenvolver no

meu doutorado foi o texto “O uso da fotografia na pesquisa em psicologia”, de Neiva-Silva e

Koller. Nele ficou mais clara a função prática do uso da fotografia em pesquisa de psicologia,

o que me interessou profundamente, já que uma forma de comunicação pessoal muito

utilizada atualmente é a divulgação de fotos, obtidas por maio de aparelhos celulares, em


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redes sociais na Internet, como Facebook, Instagram e Pinterest. Neiva-Silva estabelece que

são quatro as funções da fotografia: registro (documentação de uma ocorrência), modelo

(como variável independente, para análise de percepções). Mas o conceito de fotografia é

mais amplo, levando em consideração os recursos atuais: a câmera fotográfica, analógica ou

digital, a câmera de vídeo e os computadores, utilizados para coleta, análise e apresentação de

dados. O principal atributo da fotografia seria atribuir significado às imagens (James, 1890),

sendo “significado”, das palavras, as imagens sensoriais trazidas à consciência por uma

imagem. A fotografia seria o auxiliar na comunicação. A técnica da análise de conteúdo,

também citada no texto de Andriolo, ocorre fazendo a comparação da frequência de

categorias entre grupos de autores, classificadas por importância, priorização, título ou texto

de cada foto. Neiva-Silva se refere ainda à fotografia ainda na função de modelo e/ou registro

em pesquisas, como também citado em Andriolo,

Os autores expandem o uso da fotografia para a psicologia clínica: as fotos do

paciente poderiam gerar proximidade e aprofundar conhecimento e, ainda, as fotos despertam

curiosidade e auxiliam a verbalização em crianças e adolescentes. Na psicologia clínica e

terapia a fotografia aumenta o rapport entre terapeuta e paciente, e ajuda em diagnósticos e

avaliação de progressos e conflitos do paciente. Mas há algumas limitações neste uso:

pessoas de baixa renda, fotos estão no tempo passado, fotos são selecionadas e muitas vezes

são tiradas por terceiros.

Por outro lado, Amerikaner (1980) afirma que as fotos ajudam em pesquisa

psicológica na consideração de seu conteúdo (inclusive nas omissões), no processo

(significado abstrato vs. concreto) e possibilita tanto a análise individual de cada foto como a

do conjunto total das fotos. Algumas outras vantagens da fotografia, apontadas neste terceiro

texto são: é um método adequado para os indivíduos que priorizam o sentido da visão, a auto

fotografia requer menor habilidade que o desenho, traz simplicidade ao processo e riqueza de
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conteúdo e ajuda a superar barreiras sociais e culturais ligadas à linguagem verba. Por isso a

foto se adequa a pesquisas transculturais. Além disso, a uso da fotografia em pesquisa é

prazeroso, interessante e envolvente, gerando um alto nível de participação dos pesquisados.

Para os tímidos, a foto sem pessoas pode ser utilizada como uma metáfora.

Em termos de análise, a fotografia proporciona um conteúdo rico tanto para análise

qualitativa incluindo narrativas) como para análise quantitativa (possibilita o uso de

categorias e temas). Além disso, as categorias implícitas nas fotos funcionam melhor do que a

utilização de questionários prontos, com categorias previamente definidas.

Como dito anteriormente, meu interesse pelo assunto de imagens e pesquisa em

psicologia social surgiu devido ao meu trabalho de mestrado, que poderia evoluir para um

doutorado. A pergunta a responder seria “Qual é a brasilidade da SP Arte?”.

Ou, colocado de outra maneira, considerando a SP-Arte: qual a sua contribuição para

a percepção do Brasil, por parte de visitantes estrangeiros?

Com o conteúdo teórico dos três autores aqui citados, decidi fazer um primeiro teste,

com visitantes da SP-Arte 2017. Minha premissa é que a arte brasileira nasce da gente do

Brasil, contribui com e é parte da imagem do Brasil. No caso deste teste simplificado, utilizei

a fotografia na função modelo, como variável independente para analisar as percepções dos

visitantes brasileiros da SP-Arte 2017. Minha hipótese era que a avaliação da percepção

poderia ser feita com base na escolha das obras fotografadas e postadas na rede social

Instagram. A base de fotos no Instagram foi feita escolhendo o hashtag #sparte2017. Foram

mais de 1600 imagens observadas por mim. Minha primeira surpresa ocorreu nesta primeira

etapa: a representatividade de visitantes estrangeiros era desprezível. Assim, meu objetivo

passou a ser: qual a percepção e boa arte brasileira por parte dos brasileiros visitantes da SP-

Arte 2017? E os visitantes sobre os quais colheríamos percepções pertenceriam à faixa etária

18-35, classe A/B, pela percepção que tive a partir das selfies postadas.
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A partir das fotos com o hashtag citado, selecionei apenas as que representavam a

categoria “obras de artistas brasileiros”. E, destas, selecionei as dos artistas que mais

apareciam, quantitativamente. Os “temas” eram os nomes dos artistas. Minha expectativa

inicial apostava que as obras mais fotografadas seriam de artistas como Beatriz Milhazes e

Adriana Varejão, pintoras muito valorizadas no Brasil e no mundo, que aparecem

constantemente na mídia especializada e geral, cujas telas já chegaram a ser vendidas por

mais de 1.5 milhões de dólares em leilões internacionais. Mas, para minha surpresa, os

artistas mais fotografados foram Volpi e Os Gêmeos. Adicionei dois exemplos de fotos

retiradas do Instagram, abaixo.

Uma possível explicação para a preferência por obras destes artistas poderia ser, no

caso de Volpi, maior familiaridade histórica, já que suas obras estão disponíveis há muito

mais tempo que as dos demais artistas aqui citados, e suas “bandeirinhas” estão presentes em

inclusive produtos de massa, como gravuras, cadernos, etc.

No caso da preferência por fotografar e postar obras de Os Gêmeos, a atual

visibilidade na mídia da street art, além das próprias obras de Os Gêmeos, expostas em
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muros da cidade de São Paulo, poderiam ser as causas. Sem contar que o público utilizador

da hashtag escolhida era predominantemente jovem, mais próximos em faixa etária dos

grafites e grafiteiros. Em comum, ambos os artistas, Volpi e Os Gêmeos, têm, para mim, a

característica de uma arte quase naif, utilizando temas populares brasileiros e coloridos,

fáceis para um brasileiro se identificar.

De qualquer maneira, nada neste teste é conclusivo. Foi apenas um teste. Não houve

entrevistas com os fotógrafos das obras. Não é possível ter, com base nas informações que

tenho hoje, certeza das razões de percepções ou preferências. A única certeza é que, com a

psicologia social da imagem, é possível examinar as percepções e o comportamento dos

visitantes da SP-Arte, brasileiros e estrangeiros, tomando o cuidado de utilizar os métodos

apropriados, de maneira rigorosa e extensa.

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