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A VIA SANTOS-DUMONT
OU
SANTOS-DUMONT/O FILME
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DANS L’AIR
A VIA SANTOS-DUMONT
OU
SANTOS-DUMONT/O FILME
UM ROTEIRO DE INVENÇÃO
para filme de longa metragem
Mario Drumond
O autor optou por estruturar esse roteiro fazendo da verdadeira e fantástica obra
de invenção, projeto e construção aeronáutica pioneira de Alberto Santos-Dumont,
a sua espinha dorsal. Essa obra magnífica de gênio criador e experimentação
cientifica, realizada toda ao longo de uma só década, foi fartamente documentada
pela imprensa da época, e está descrita em minúcias nas diversas e excelentes
biografias dedicadas ao seu autor, com que a História nos tem presenteado. E foi
aqui integralmente respeitada em sua verdade histórica, até porque não há motivos
para não fazê-lo.
Mas este roteiro é, antes de tudo um projeto de vingança, no melhor sentido que
essa palavra possa ter. Vingar Santos-Dumont é, de fato, uma emergência histórica
da nacionalidade, além de se fazer justiça a verdade histórica universal.
Jorge - sobrinho de SD
August - Mordomo de SD
A CONQUISTA DA TORRE
(NA NOVA BABEL)
PARTE 1 O garçom entra na ante-sala do apartamento
e começa a arrumar a mesa do café. Jorge
observa-o.
SEQUÊNCIA 1 JORGE
- Não vejo meus cigarros...
Intenso tiroteio;
balas zunindo no O GARÇOM
cinema escuro. Sons - Estamos sem cigarros, doutor Jorge. Após
e ruídos de homens o movimento da manhã, posso buscá-los à
armados correndo, venda do português.
atirando e gritando.
A câmera inicia em JORGE
macro no olho - Obrigado. Eu o chamo, se precisar. (e dá
direito da figura ao garçom uma pequena gorjeta)
desenhada no cartaz
da Revolução de O garçom agradece e sai. Jorge pega um
1932 (acima). Aos poucos vai abrindo o envelope, que veio junto aos jornais na
ângulo, mostra todo o cartaz (uma bala atinge bandeja do café, endereçado ao “Ilmo Sr
a testa da figura do cartaz) e em seguida o Alberto Santos-Dumont”. Lê o remetente:
cenário de uma rua de cidade do interior, na “Governador Pedro Manuel de Toledo, São
qual tropas antagônicas travam acirrados Paulo, Capital”. Ao fundo a porta do quarto
combates. Rebeldes constitucionalistas abre-se e surge Santos-Dumont, ainda no
fortemente armados correm em frente ao desfoque, aproximando-se, entrando em
cartaz, escondem-se numa barricada de foco, dando o laço no cinto de seda de um
tapumes e carroças reviradas, e respondem fino robe-de-chambre. Está envelhecido, mas
ao fogo. A infantaria varguista, que os com bom humor e banho recém tomado.
perseguia, protege-se como pode, e replica. Jorge interpela-o.
Fumaça, granadas, tiros, guerra.
JORGE
- Olá, tio Alberto. Como se sente? Parece estar
bem hoje!
SEQUÊNCIA 2
SD
Vista aérea (olho de pássaro) de uma praia - Razoavelmente, Jorge. Os pesadelos
paradisíaca do litoral brasileiro orlada por começam a deixar-me em paz. Dormi bem e
uma pequena e pacata vilazinha. (Legenda: meu apetite voltou. O que temos para o café?
Praia do Guarujá, Santos, 23 de julho de 1932)
A câmera penetra no interior do Hotel de La JORGE
Plage. Movimento tranqüilo de portaria. Sobe - O de sempre... A novidade é esta carta do
a escada junto com garçons e camareiras Embaixador Pedro de Toledo.
apressados nos afazeres matinais. Entra num
corredor e segue um garçom empurrando SD
um carrinho de café-da-manhã até o - Já a resposta? Estou curioso... (pega o
apartamento número 8. O garçom bate na envelope das mãos de Jorge e senta-se na
porta. Jorge Villares abre-a, ainda arrumando poltrona frente à mesa do café. Começa a
sua gravata. abrir o envelope).
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PARTE 1 SANTOS DUMONT/O FILME
Corte para SD chegando na janela. Vê três Corte para Jorge, ainda na venda, aguardando
biplanos vindos do norte, voando em baixa o seu troco. Olha assustado em direção às
altitude. explosões. O Português, ainda de costas,
fazendo o troco na caixa registradora, apenas
Corte para Jorge entrando afobado na venda. balança a cabeça, sem se virar.
Agitado, pede seus cigarros e já tira a carteira
e conta o dinheiro. O português, dono da Corte para close do rosto de SD atônito,
venda, porém, não tem pressa. apoplético, furibundo.
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CRIANÇA MESTRE OU
- Pato voa?
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CRIANÇAS EM CORO
- Voa!
SEQUÊNCIA 5
CRIANÇA MESTRE
- Homem voa? No mesmo céu, como se não houvesse corte,
ouve-se o ruído de um primitivo motor de
UMA VOZ SOLITÁRIA DE MENINO explosão a petróleo, aproximando-se por trás
(Albertinho) do espectador. De repente, corta a tela o
- Voa! dirigível SD N 6, em ângulo surpreendente
(foto),
Todas as crianças riem e debocham. A câmera
está no rosto tímido e desconcertado de Corte para a câmera no próprio dirigível,
Albertinho, de sete anos de idade. (Legenda: focalizando, de frente, o jovem SD, que opera
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GEORGES
- Obrigado, rapaz.
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o Prêmio Deutsch ao nosso “petit Santos”. usá-la em seu favor. Mas preserva princípios
Sinto o cheiro do velho chauvinismo mais comuns aos santos e aos ingênuos. Sou
francês... testemunha de que ele joga limpo e só
descansará quando estiver convicto de que
GEORGES foi cumprida a missão que o destino lhe
- Você soube que Alberto abriu mão do impôs.
dinheiro do Prêmio em favor de sua equipe
de mecânicos e dos operários pobres de ADRIEN
Paris?.... - Você e ele cultivam uma boa amizade...
ADRIEN GEORGES
- Sim, ele foi esperto. Eis que o nosso herói, - Sim, de fato desde que Alberto começou
além de engenhocas e dirigíveis, entende suas aventuras em Paris, despertou-me uma
também de publicidade, não? A opinião dupla curiosidade: a do jornalista e a do
pública ficou toda com ele. caricaturista. Comecei a acompanhá-lo de
perto e tornei-me seu amigo pessoal. É um
GEORGES gentleman, um bon vivant refinado e
- Não é isso. Alberto não age discreto apesar de toda a
por meio de artimanhas publicidade que desperta.
e truques. Seu É também uma pessoa
desprendimento é reservadíssima...
sincero. Se quisesse,
estaria multimilionário ADRIEN (em tom
só com as patentes solene e circunspeto)
que legou ao domínio - Meu caro Georges,
público... posso introduzir-lhe num
segredo que não pode sair desta
ADRIEN sala?
- Eis aí, meu caro Georges, um caso
raro, raríssimo! Fale-me mais sobre ele. GEORGES (um pouco desconcertado)
- Se é algo que eu possa ajudar...
GEORGES
- Herdou fortuna suficiente para viver bem e ADRIEN
inventar o que quiser. Pode ser considerado - O Herald de Nova York mandou um repórter
louco ou gênio. Essas virtudes costumam para acompanhar o nosso “petit Santos”. Há
trazer consigo o sentimento de predestinação. tempos desconfio desse interesse do Bennett
Creio que, interiormente, Alberto acredita- pela viação aérea. De repente, tornou-se um
se um predestinado. Comporta-se como se mecenas do metier! Gasta fortunas com
sua missão fosse dada pelos deuses, que o prêmios, financiamentos, experiências, o
enviam à Terra para ensinar os segredos da diabo. E Gordon Bennett não preserva, com
aeronáutica. Só por isso vive, pensa, estuda, a publicidade e a imprensa, os mesmos
gasta e trabalha. Mulheres, farras, finanças, princípios que o seu amigo; e muito menos
patentes, heranças, são para os mortais quanto ao dinheiro! Acionei meu agente em
comuns. Para ele a luta e o diálogo é com os Nova York para saber o que se passa na
deuses. Uma espécie de Aquiles ou Prometeu cabeça dele. Ontem recebi esse dossier.
moderno, protegido por uma facção do Bennett está investindo pesado; contratou
Olimpo e combatido por outra. Suas armas estudiosos e doutores de História da
são o talento para a mecânica, a audácia, o Civilização para desenterrar tudo quanto fora
dinheiro e, é claro, a publicidade. Dessa tentativa humana de alçar-se aos ares com
última intui bem a sua importância, e como ajuda de máquinas e outros artifícios. O que
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idéia e o meu sexto sentido a aprovou. Você vem a calhar! Espero que haja aumento de
passa a ter uma saleta exclusiva, com chaves salário e despesas pagas, Alberto é habitué
na porta, na escrivaninha e no armário. Vai do Maxim’s...
acompanhar de perto o seu amigo e suas
aventuras aéreas. Algo me diz que o “petit ADRIEN
Santos” é que vai decidir essa parada. Ele é - Sim, mas com moderação. Você sabe que o
o homem! E, pensando bem, seria o melhor "Le Temps" nunca foi grandes coisas em suas
para todos nós: resolveria essa pendenga finanças. Cá estão as suas chaves. Na
idiota e pueril de quem, diabos, foi o primeiro escrivaninha encontrará uma cópia do dossier
a voar com uma máquina, e capaz de dirigi- do Herald. E sigilo total sobre tudo! Vou fazer
la. Nem franceses, nem ingleses, nem saber que o promovi a redator- assistente.
americanos, nem italianos, nem alemães, nem
russos: - um brasileiro! Não seria perfeito? E GEORGES (pegando as chaves)
é só o que os brasileiros desejariam; - a glória! - Negócio fechado, chefe. Ah, aqui está a
Nós outros queremos essas máquinas para caricatura do jornal de amanhã; o que acha?
nos metralharmos mutuamente, e incorporar
os céus aos sangrentos campos de batalha. ADRIEN (olhando atentamente o desenho)
E ganhar dinheiro, meu caro, muito dinheiro, - Perfeita, Georges! Vamos guardá-la para
deixando as demais nações a reboque de depois da decisão da Comissão Julgadora.
patentes bem asseguradas. (e, refletindo) - Publicá-la agora seria contraproducente. Falei
Diga-me, Georges, ele é comunista? Essas com o Deutsch, o Aimé e o Bonaparte.
idéias de patrimônio da humanidade para o Apesar das forças contrárias, o provável é
saber intelectual, distribuição de dinheiro que o prêmio venha para o nosso herói. E
para operários... Li coisas do gênero em que o merece; porque não? Mas lembre-se:
recentes manifestos de comunistas... estamos em França, a velha, boa e madrasta
França, onde o importante é preservar as
GEORGES (interpelando risonho) aparências... Bem, ao trabalho.
- Nem de longe, Adrien. Já disse o que ele é, (cumprimentam-se)
ou acredita ser: um predestinado. Pelo seu
comportamento estaria mais próximo até de
um monarquista do que de um republicano. SEQUÊNCIA 7
Talvez nem saiba da existência de Marx,
Engels e seus discípulos... Por volta das duas da tarde, Georges caminha
pelo Champs Elysées em direção à rua
ADRIEN Washington. Entra num luxuoso prédio de
- Pois bem, Georges, quero que Você me apartamentos grã-finos e dirige-se até a porta
traga a vida dele nos detalhes. Vou pôr um do número 3 do andar térreo. Toca a
fotógrafo para acompanhá-lo. A partir de hoje campainha. August, o mordomo austríaco de
o "Le Temps" vai cuidar mais desse assunto. SD, atende com solicitude e o introduz no
Minha aposta, porém, é no “petit Santos”. Por hall.
isso quero-o inteiro; e guardado a sete
chaves, para a hora certa! Enquanto isso vou Descrição cenográfica: o hall é decorado com
administrando os concorrentes, os políticos quatro litografias de Debret e duas de
e os militares. Concorda com o trabalho? Rugendas, mostrando aspectos do interior do
Brasil, e um conjunto de móveis feitos em
GEORGES jacarandá da Bahia, composto de um
- Não vejo porque recusá-lo. Também cabideiro, um pequeno canapé e um porta
acredito muito em Alberto. Perto dele me revistas, todos do mesmo e curioso artesanato
sinto na presença de um gênio; - um gênio brasileiro, e um tapete arraiolo, de centro,
da mecânica! Também para ele, esse trabalho confeccionado em Diamantina, interior de
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centro da sua parede principal, uma das de três pequenos cálices de cristal. Coloca a
pinturas mais apreciadas de Gauguin: a “Ta bandeja sobre a mesa de centro e sai. Prado
Matete”, na qual o genial artista compõe, com o agradece, passa uma sobremesa a Georges
as cores fortes dos trópicos e suas belas e pega a outra para si.
morenas, uma requintada composição no
estilo egípcio, com as figuras perfiladas e GEORGES (após provar um bom naco do
dispostas coreograficamente no quadro; à seu doce)
frente dela, na parede oposta, contracenam - E como vai o grande Brasil, essa terra que
uma pintura de Rousseau, “O Por do Sol na todos cantam com os mais exuberantes
Selva”, também de forte coloração e tema adjetivos e predicados?
tropicalista, dois quadrinhos pontilhistas de
Signac e um outro, também pequeno, de PRADO (também provando um naco do seu)
Seurat, um gouache de Toulouse Lautrec e - Maravilhosa! Como sempre foi e será, meu
duas sanguíneas, uma aquarela e um óleo caro Georges, maravilhosa! Quando teremos
do pintor, seu conterrâneo e amigo, Elyseu a honra de recebê-lo lá?
Visconti. Na parede do fundo, um altarzinho
barroco, trazido de Cabangu, com um GEORGES
pequenino oratório atribuído ao famoso - Talvez mais breve do que imaginamos,
escultor que atendia Embaixador. Minha
pela alcunha de irmã ordenou-se
“Aleijadinho”. O freira e foi para um
salão é mobiliado mosteiro em
em três ambientes, Petrópolis. Está
dois com jogos de encantada com o seu
confortáveis sofás, país. Em breve
um de couro e outro pretendo visitá-la.
de veludo, ambos
em tons e cores PRADO
claras, feitos nas Detalhe do Ta Matete de Gauguin - Mas que bela
mais finas capotarias notícia, Georges!
de Paris, com respectivas mesas de centro, e Faço questão de visitá-la quando retornar ao
o terceiro com uma mesa redonda de Brasil, se possível levando Você ao encontro
carteado e seis cadeiras de palhinha. de sua irmã e das delícias tropicais brasileiras.
Vai se sentir em pessoa no próprio paraíso,
Antonio Prado está distraído lendo jornais e, acredite.
ao perceber Georges, levanta-se para abraçá-
lo. Ambos deixam as sobremesas e Prado
oferece charutos. Georges aceita um e
GEORGES caminham em direção à janela acendendo
- Fico feliz em revê-lo, Embaixador. Fez boa os charutos.
viagem?
PRADO (após a primeira baforada)
PRADO - Muito bem situado este apartamento de
- Excelente, meu bom Georges, excelente! Alberto; bem diante do Arco do Triunfo.
Vim no Lutéce! Também estou contente em
vê-lo. GEORGES (também fumando e pensativo)
- Sim, uma ótima escolha. Alberto não
Entra o criado trazendo uma bandeja com descuida os detalhes. Seu gênio parece estar
duas sobremesas servidas de torta de maçã sempre à procura dos símbolos em tudo o
e sorvete, e a garrafa de licor acompanhada que faz. Aqui, ele quer conviver com o
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Guimarães, Arthur Azevedo, Olavo Bilac, Rui cronológica, da esquerda para a direita, as
Barbosa, Tobias Barreto, Castro Alves e existentes ocupando quase a metade do
inúmeros contemporâneos e alguns espaço disponível.
estrangeiros que escreveram sobre o Brasil
como Villegagnon, Agassiz, Bates, Lund e o A Biblioteca era servida de uma confortável
conde italiano Ermano Stradelli, entre outros; mesa de leitura com quatro parrudas cadeiras,
um divã e um jogo de sofá e poltronas
a “Universal”, que chamou a atenção de forrados em couro fino, e dispostos em torno
Georges onde encontrou, surpreso, um de uma mesa de centro sobre um vasto tapete
exemplar, autografado pelo autor “Au jeune persa (outra raridade do Séc. XII,
genie de Ka Ban Gu, Brésil”, da rara edição confeccionado por encomenda de família
do “L’Aprés- midi d’un faune”, de Mallarmé, nobre veneziana da época que, como era
com ilustrações de Manet e diversas costume, exigia dos artesãos que fosse tecido,
maravilhas da obra poética de Baudelaire, num dos cantos do tapete, suas armas e
Hugo, Apollinaire, além de Marlowe, Voltaire, brasões), tudo isso compondo
Rousseau, Goethe, Flaubert, Balzac, Dickens, harmonicamente com um grande globo
Byron, Swift, Wilde e o diabo, e edições terrestre e uma coleção-mostruário de
recentes e caprichadas da “Ilíada” e da instrumentos de navegação marítima e
“Odisséia”; terrestre: sextantes, astrolábios, bússolas e
réguas de cálculo de diversos tipos, épocas
a “Periódicos”, de largas e altas prateleiras e procedências.
especiais, onde se conservavam em
cuidadosa encadernação e metódica Na parede frontal, uma estante de largas
organização, páginas e recortes de jornais e prateleiras baixas, ostentava um completo e
revistas sobre aeronáutica e os aeronautas moderno sistema de comunicações por
de todas as épocas, inclusive o próprio interfones, telefones, telégrafos e cabogramas
Santos-Dumont, e organizavam-se, ainda nos internacionais, equipados com todos os
seus começos, as coleções da “National dispositivos, aparelhos e acessórios mais
Geographic Society”, desde a sua primeira recentes que a ciência moderna e o dinheiro
edição de 1888, a “Popular Mechanical”, podiam oferecer ao homem para que se
também desde sua primeira edição, a “La comunicasse com o mundo naquela época.
Vie au grand Air” , a "L"Aerophile" e outras
revistas do gênero. Acima, perto da cúpula, uma grade metálica
parruda, na horizontal, com sistema de
No topo da estante, ocupando toda a elevação por manivela, sustentava e servia
extensão horizontal superior do enorme de piso de um observatório astronômico
móvel, e com acesso somente possível pela equipado com duas boas lunetas, uma mais
“barquilha” do inventor, ficava a delgada, de Galileu, e a outra bojuda, de
“Philosophica”, que, além dos já conhecidos Newton. Para acessá-lo, o inventor subia até
filósofos gregos e teólogos da alta idade lá em sua “barquilha” e alçava-se por uma
média, abrigava volumes considerados escadinha soldada à grade. Para a cúpula,
perigosos de alguns filósofos havia dois mecanismos de acionamento: um
contemporâneos, entre eles os perigosíssimos que a abria em dois, para observação das
Hegel, Dilthey e um certo Nietzsche, ainda estrelas e da atmosfera; e o outro que fechava
vivo e, diziam, enlouquecido. Numa outra totalmente a base da cúpula através de um
prateleira logo acima desta, e de igual mecanismo em forma de diafragma de
tamanho, SD guardava os seus registros de câmera fotográfica, que impedia a passagem
cálculos, as anotações pessoais, científicas e de qualquer luz, uma vez fechado.
de projetos, arquivadas em pastas de couro
etiquetadas, e dispostas na ordem [O inventor faz essa demonstração; fecha o
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SD continua a caminhar pela oficina seguido SD (falando bem alto para ser ouvido de
pelos amigos. longe enquanto passeia na “barquilha”)
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Georges segue-o e SD, logo atrás, vem ninguém sabe como tudo começou. Então
arrumando o seu maço de papéis trazidos que tal não começarmos Você com o Pradô?
dos píncaros da Biblioteca. Senta-se por
último na poltrona e depõe o maço sobre a GEORGES
mesa de centro. - Estamos de acordo, senhor Prado?
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HENRIQUE
A imagem mostra Henrique todo agasalhado - É sobre isso que desejo falar-lhe, Pradô,
na sua cadeira de rodas com SD e um garçom por isso mandei chamá-lo. Perdoe-me se o
a preparar-lhe a mesa de desjejum no convés. incomodei, sei que acorda tarde. Mas
Finda sua tarefa SD despede-se do pai com precisava falar-lhe sem a presença de
uma série de recomendações e sai. Ato Alberto...
contínuo, aparece Prado por uma das
portinholas do convés. PRADO
- Ora, por favor, Henrique. Saiba que
PRADO um chamado seu, faz-me sentir
- Bom dia, Henrique, honrado por ter um homem
belo dia, não? como Você precisando de
HENRIQUE mim. Poucas vezes, na
- Sim, Pradô, um belo minha vida fútil, tenho a
dia. Pena que minha sensação de ser útil. Diga-
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Paris 1897
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SEQUÊNCIA 15
(Primeira ascensão)
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PRADO (em português, esfregando as mãos - Bem, Alberto, felizmente tudo correu bem
de alegria e contentamento) dessa vez, ufa! Agora, de volta à velha vida
- Albério, traga o champagne. Vamos precisar. civilizada, querido amigo. Passamos um mau
pedaço, acredite! Parecia que o céu ia cair
GEORGES (ainda no telefone) nas nossas cabeças ontem à tarde, precisava
... sim, sim, estávamos todos ansiosos e sem ver. Fiquei em pânico com Você lá em cima.
notícias. Tudo está bem? Precisa de alguma Espero que tenha ficado satisfeito,
coisa? Temos amigos aí... aeronáutica é assunto para muito estudo, na
tranqüilidade das sólidas bibliotecas. Praticá-
SD (sempre em in) la ainda não é o momento. É preciso
- Estou com um monumental apetite, esperar...
Georges; e muito bem servido de amigos,
esses bondosos camponeses daqui. Acabam SD não emite um só comentário.
de por à mesa um javali assado ao ponto!
Estou disposto a devorá-lo inteiro, como PRADO (continuando)
Vocês faziam na velha gália quando eram - Andei conversando com o Doutor Genésio
bárbaros. Lisboa, que veio para planejar a nossa
participação na Grande Exposição de 1900.
GEORGES Ele é da opinião que, sendo Paris a
- Amanhã, quando chegar a Paris estará capital do mundo, é justo que
nas primeiras páginas, meu a embaixada mantenha um
caro. Boa viagem. Grandes quadro técnico-consultor para
abraços à Você e à Bélgica as ciências e a mecânica.
inteira! Pensamos que Você seria a
pessoa certa para esse cargo,
Alberto. O que acha? Não o
SEQUÊNCIA 21 obrigaria com tarefas enfadonhas e
burocráticas; e Você trabalharia à
Na estação de Paris, Prado vontade num metier que nenhum
aguarda a composição que brasileiro conhece tão bem...
estaciona lentamente ao seu Alberto! Alberto! Está me ouvindo,
lado, olhando por todas as homem?...
janelas. Caminha até a saída do
vagão de primeira classe do qual já SD (como se estivesse despertando de um
começam a descer passageiros. SD está entre sono profundo)
os primeiros que saltam do trem. Abraçam- - Ah, sim?! Bem, Pradô, preciso de uma
se. Prado tem nas mãos o "Le Temps". propriedade exclusiva para mim em Paris.
Nessa viagem, o que mais preocupou-me
PRADO (mostrando-lhe o jornal) foram os meus parentes, que hospedam-me
- Aí está Você, Alberto. Em todas as primeiras tão generosamente. Ontem, prometi-lhes
páginas de hoje. Ufa! Que aventura! retornar para o jantar e fiquei sem meios de
avisá-los. São pessoas conservadoras, e nem
SD possuem telefone. Você teria alguém na
- Boa a blague do Georges! Ele de fato é Embaixada que pudesse ajudar?
muito bom!
PRADO (um pouco desanimado com a
Entram na landau de Prado que sai a trote desatenção do amigo em relação à sua
em direção ao 15eme. proposta)
- Quem cuida disso na Embaixada é o Flores.
PRADO Vou falar com ele. Foi-nos muito útil na vinda
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Festa de gala em Paris: entre as celebridades, Sarah Benhard, SD e o Gen. André. (do centro para a direita)
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Georges foi o primeiro a chegar, pilotando o No dia seguinte, pela manhã, acontecia,
automóvel elétrico de SD. Os mecânicos de como previsto, a sessão solene de fundação
SD já estavam lá, aguardando-o, como do Aero Clube de Paris. Todos os membros
combinado. Georges tinha-o seguido por fundadores lá chegavam trazendo diferentes
toda a Paris, com o fotógrafo jornais debaixo do braço, que exibiam
do "Le Temps" e na primeira página o mesmo
bateram várias assunto: o vôo surpresa do
chapas. Estava em Número 3. SD foi dos
transe. últimos a entrar no
auditório do
GEORGES Automóvel Clube e
- Vitória! Vitória! foi imediatamente
(abraça SD) - aplaudido de pé por
Grande vitória! E todos os presentes.
não avisou O advogado Ernst
ninguém, hein, seu Archdeacon, que
malandro! Eu presidia a sessão,
estava no jornal convidou-o para
quando começou compor a mesa, mas
o rebuliço. ele educadamente
Corremos para fora d e c l i n o u ,
e lá estava Você, preferindo sentar-se
"O Número 3 eleva-se firme e tranquilo..."
sobre as nossas na platéia. Após as
cabeças. Chamei o formalidades SD
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SD CHAPIN
- Amigos, somente Vocês terão acesso a esta - Sim, agora entendo. O Senhor decidiu-se
oficina e sob o juramento de sigilo. Aqui por registrar patentes de seus inventos...
vamos ter a oficina mais completa e segura
para projetar e construir as nossas futuras SD
aeronaves, a começar pelo dirigível Número - Não, Chapin, não é esse o motivo do sigilo.
4 que projetei, calculei e desenhei nestas Com a inauguração da Grande Exposição no
plantas. Somos os primeiros e, por enquanto, próximo mês, o mundo inaugura uma nova
os únicos concorrentes ao Prêmio Deutsch. era: a era da competição. Diversos prêmios
Com base na experiência dos anteriores, estão sendo divulgados com objetivos
calculei um novo balão dirigível com científicos e industriais, inclusive no campo
aerodinâmica e propulsão mais eficientes, da aeronáutica. O estímulo e a atração que
para ganhar essa prova. Se conquistarmos eles provocam atinge muitas pessoas,
essa vitória prometo-lhes que concederei boa honradas ou não. Vamos ter muitos
parte do seu valor em dinheiro a Vocês e concorrentes, a maioria dispostos a qualquer
seus auxiliares. expediente para vencer. E, desses, nos
protegeremos aqui.. Por isso construi essa
CHAPIN oficina em pleno coração de Paris. Por fora,
- Mas, senhor, qual a razão dessa honra? O vê-se apenas um galpão abandonado e em
senhor nos paga tão bem ... desuso, e ninguém suspeitaria que o
carroceiro Louis, surdo mudo - que toma
SD conta dessa propriedade há anos, e é meu
- Meu caro Chapin, não desejo de Vocês amigo leal e de confiança - seja o seu
apenas a eficácia e a competência. Quero- guardião. Trabalharemos aqui sossegados,
os competindo também, juntamente comigo. sem perigo de ser roubados ou aviltados...
Sem Vocês não sou nada! É justo que Vamos ao Número 4.
participem dele tanto quanto eu, com espírito
de equipe, de fato estimulada para a vitória. SD (narrando a Georges e Prado na oficina,
sobre as cenas da construção do Número 4
GASTEAU e sua montagem no hangar de St. Cloud, até
- Vamos construi-lo aqui? a preparação para o primeiro teste de vôo)
- O Número 4 foi desenhado para ganhar o
SD Prêmio Deutsch ainda no ano da Grande
- Aqui vamos construir e testar cada elemento, Exposição o que, infelizmente, não foi
cada peça, cada sistema de comando e possível. Dei forma mais esbelta e
funcionamento das aeronaves. Depois aerodinâmica ao invólucro e motor bem mais
levaremos para St. Cloud, onde serão potente de 7 HP e dois cilindros, que inventei
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várias manobras. Destaque para os membros soluções para obter melhor rigidez dos
do Congresso Internacional de Aeronáutica, invólucros, com o motor de dois cilindros,
especialmente o respeitável Prof. Langley, do com a aplicação de cordas de piano aos
Smithsonian Instituition. Depois de diversas cordames, com as estruturas flexíveis de
manobras nas quais sobe até quase bambu e madeira, enfim, uma luta
desaparecer e desce até a poucos centímetros permanente contra preconceitos que só criam
do solo, e circundando todo o espaço da quimeras anti- científicas, e retardam os
exposição, o Número 4 se vai, com os experimentos do progresso. Cada aeronave
aplausos da multidão, em direção ao seu que ponho em vôo enriquece-me de novos
“ninho”. Um verdadeiro show! problemas cujas soluções vou encontrar, em
primeiro lugar, nos livros e estudos teóricos
15 dias depois, todos os jornais, de todo o competentes, como os do Prof. Langley, que
mundo, vendidos nas bancas da exposição, tanto nos honra com sua presença. (aplausos)
mostravam na primeira página o show aéreo - Eles fornecem luzes e princípios sobre os
do Número 4. Uma bela mulher (Aida quais trilham o saber, o raciocínio e a intuição
D’Acosta), com o "Le Temps" numa das mãos, do inventor. Estou no meu dirigível Número
compra um ingresso na bilheteria do 4, com o qual pretendia conquistar, ainda
auditório, e entra no hall de um salão onde neste ano muito especial, o Prêmio tão
se anuncia: “Congresso Internacional de oportunamente oferecido pelo Sr Deutsch de
Aeronáutica. Hoje: Palestra do eminente La Meurthe, também honrando-nos com sua
Aeronauta Santos-Dumont”. Entrega o bilhete presença. (mais aplausos) - Porém, a sorte
ao porteiro e entra atrasada na sala repleta não me foi favorável e novos problemas
onde SD já começara a sua palestra, e senta- surgiram, mas que espero tê-los resolvidos
se numa poltrona da última fila. no Número 5, em projeto na minha
prancheta. Mas, contudo, este foi um ano de
SD (no pódium de palestras do auditório, fundamental importância, pois fez-se por
falando de improviso) merecer ao título de “Portal do Século XX”,
... então, senhoras e senhores, enfatizo a que se abre em Paris, e pelo qual haverá de
importância do estudo teórico-científico, do passar todo ser humano civilizado que tiver
cálculo matemático e do projeto técnico para a sorte de viver e gozar dos confortos e
a construção das máquinas do futuro, privilégios que os gênios pioneiros de
especialmente as aeronaves. Tudo que se fez Marconi, Edson, Pasteur, Grambell, Freud,
até pouco tempo, com raras exceções, é fruto Hertz, Lumière, Lilienthal e muitos outros nos
de puro empirismo, de tentativas de melhor concederam. (aplausos prolongados) - E para
ou pior intuição. A série de dirigíveis que encerrar, senhoras e senhores, devo dizer que
concebi e construí, e os demais inventos que o mundo necessita de cérebros preparados
vieram-me para solução dos problemas que pela ciência para cuidar dos misteres e das
surgiam a cada passo, demonstram-no com variáveis que a Natureza nos apresenta, a
clareza. Quando substitui as pesadas lonas fim de buscar-lhe os modelos teóricos, físicos,
dos balões pelo levíssimo tecido de seda químicos, matemáticos e biológicos. Eles
japonesa, fui admoestado pelos empíricos, serão a matéria prima do inventor do futuro,
mas não dei-lhes ouvidos porque meus cujo papel será o de dar a aplicação industrial
cálculos e testes garantiam-me a certeza da aos benefícios que a ciência moderna oferece
escolha. O mesmo se deu quando propus à Humanidade. Muito obrigado. (muitos
pôr em vôo um motor de explosão a aplausos)
petróleo. Os empíricos afirmavam que a
trepidação produzida espedaçaria a estrutura
da aeronave. Há poucos dias, todos puderam
vê-lo, em pleno funcionamento, sobre suas
próprias cabeças. Também com minhas
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carregando um pequeno cesto de vime. (e, olhando para a própria gravata) - Tenho
de providenciar uma outra gravata... essa
UM DOS CRIADOS gravata vermelha pode ser tomada como uma
- Senhor Santos-Dumont, somos criados da afronta... é um símbolo republicano no
Princesa Izabel, do Brasil, e vizinha do Sr. Brasil... (SD ficou pensativo. Enfim, decidiu-
Edmond de Rothschild. Ela soube do se, retirou um dos guardanapos bege da
acidente e mandou-nos ter notícias. Mandou- cestinha e improvisou rapidamente ao
lhe também esse pequeno lunch, este pescoço uma nova gravata, dando, com
envelope e um convite para o senhor almoçar perfeição, um laço elegante) - Que tal? Está
com ela, em uma hora, na sua casa. (entregou melhor?
a SD o envelope, que o abre e começa a ler)
PRADO
SD (comentando enquanto lê o bilhete) - Sim, bem melhor. Vou aceitar o convite.
- É muita delicadeza da Princesa Izabel. Diga- Você tem alguma razão... Mas não devo
lhe que está tudo bem e que o convite foi demorar- me. Sales chamou-me e amanhã
aceito e... o que é isso? Ah, sim, uma embarco no Arcona.
medalhinha... (e lê para Prado o bilhete)
“Senhor Santos-Dumont..- Envio-lhe uma
medalha de São Benedito que proteje contra SEQUÊNCIA 34 (A Princesa Izabel)
acidentes. Aceite-a e use-a na corrente de seu
relógio, na sua carteira ou no seu pescoço. A landau de Prado chega à casa da Princesa
Ofereço-lhe pensando na sua boa mãe e Izabel. SD e Prado conversam.
pedindo a Deus que lhe socorra sempre e lhe
ajude a trabalhar para a glória de nossa PRADO
pátria. Izabel, Condessa D’Eu”. - E então, - Tenho certeza de que a medalhinha é obra
Pradô? Tenho fome! (abre a cestinha e retira do Henrique, lá no céu, Alberto. Por Você
um bom sanduíche) - Aceita um? (Prado ele faria tudo! Não deve estar aguentando
recusa) - Que tal se me acompanhasse à casa suas traquinagens aéreas. Pediu ajuda a São
da Princesa? Benedito. É a única explicação!
PRADO SD
- Sempre gostei da Princesa Izabel, Alberto. - Acalme-se, Pradô, as coisas não são tão
Também foi amiga de minha mãe. Mas, não perigosas!. O dirigível é seguro; em casos de
acha que um Embaixador da República seria pousos forçados cai muito lentamente. E o
mal recebido na casa de uma princesa piloto ainda tem recursos, se tiver experiência
exilada? E ela convidou apenas a Você... e sangue frio. Me sinto bem preparado.
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as suas gentilezas e o seu convite, e quero vivo! Num governo como o de papai, Alberto
agradecê-la em nome de minha mãe, no do teria grande ajuda do estado para prosseguir
meu falecido pai e no meu próprio. Tomei a nos seus inventos.
liberdade de trazer o Embaixador Prado,
inseparável companheiro das minhas PRADO
aventuras nos céus de Paris. Sua função é - Madame, o Brasil passa por uma fase difícil
pedir por mim na Embaixada do Reino de e problemática. Crises se sucedem
Deus. Espero que a Senhora não se importe... ameaçando o equilíbrio das finanças, do
comércio, da indústria... E somos poucos para
PRINCESA IZABEL dar conta de tudo. Eu, pessoalmente, faço o
- De modo algum, meu menino Alberto. que posso para que nada falte a Alberto. Já
Nossa casa em Paris nunca fechou as portas no Governo as coisas se complicam. Num
aos nossos patrícios, sejam eles republicanos sistema democrático-republicano todos falam
ou não. Seja bem-vindo a essa modesta e apitam. Cada decisão é lenta, difícil. Coisas
morada de exílio, Sr. Antonio Prado, sua dos novos tempos! Mas, prometo-lhe, o Brasil
adorável mãe e eu éramos grandes amigas e o seu Governo não estarão cegos aos
quando solteiras. Ela passa bem? sucessos de Alberto, e suas repercussões pelo
mundo. Pelo contrário, uma das minhas
PRADO missões, na viagem que faço ao Brasil
- Um pouco atormentada pela artrite, amanhã, é levar subsídios para um apoio
madame, obrigado pela acolhida e pela firme a Alberto, que está se tornando um
lembrança. É com humildade e grande prazer herói nacional.
que acompanho o meu amigo, peralta dos
céus, até essa nobre residência. Aqui sou PRINCESA IZABEL
apenas um patrício, um amigo, e, também, - Acredito no senhor, Sr Prado. Mas tudo está
com toda a sinceridade, um admirador muito demorado e lento no Brasil. O tempo
exaltado daquela que tornou livres os urge! As necessidades não esperam! Alberto
escravos da nossa pátria, cuja condição tanto tornou-se uma das maiores esperanças do
nos envergonhava. Receba as minhas nosso país. Mas, no concerto das nações, ele
saudações. surge como solista isolado e desamparado.
Se o Governo brasileiro fosse mais presente
PRINCESA IZABEL nas questões do progresso, outros Albertos
- Entrem, senhores, por favor. Minha não apareceriam? Temos muitos por lá. E nem
cozinheira é brasileira e pedi-lhe que nos todos com a chance que o Dr Henrique deu
preparasse uma das nossas especialidades: ao seu caçula. Eu mesma conheci rapazes
um franguinho ao molho pardo! Gostam? estudiosos e aplicados que não a tiveram e
alguns abandonaram os estudos para viver,
Na mesa, já almoçando as iguarias da ou a pátria e, até, a nacionalidade; porque a
Princesa. República nada faz para estimulá-los e
ampará- los. Nos tempos de papai isso não
PRINCESA IZABEL acontecia. Pelo contrário, os Albertos daqui
- O senhor não acha, Sr. Prado, que o Brasil iam para lá!
deveria dar maior apoio oficial e demonstrar
mais interesse pelas experiências do nosso PRADO
Albertinho? Tantas glórias tem ele propiciado - Madame, a senhora dificilmente vai
à nossa pátria, neste século do progresso... encontrar admirador mais entusiasmado de
Quando vejo a bandeira do nosso Brasil seu pai, do que este que vos fala. Fui seu
sobrevoando Paris em seus balões, meus funcionário, ainda jovem, mas leal e dedicado
olhos se enchem de lágrimas... Pedro, meu e, sou, até hoje, um leitor assíduo de tudo o
pai, ficaria tão orgulhoso dele, se estivesse que escreveu. Minha opinião é a de que a
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Georges bate à porta do apartamento de SD. sente-se à mesa. O serviço virá em seguida.
August atende.
GEORGES (narrando em off)
AUGUST - Observando August dar as ordens na
- Como vai, senhor Georges. Deseja entrar? cozinha, com a porta entreaberta, percebi
Pierre secando louça fina e cheguei a pensar
GEORGES que abusavam de Alberto, na sua ausência,
- Sim, August. Estou um pouco cansado. usando a sua louça.
Alberto está?
François entra com o vinho e o cálice de
AUGUST cristal. Traz também queijos e pães. Serve-
- O patrão não se encontra, senhor. Marcaram os a Georges que o agradece.
algum compromisso?
GEORGES (ainda narrando em off)
GEORGES (já no hall) - Nesse momento tocou o telefone e August
- Não, August. Passei por acaso, e, quem atendeu. Era Alberto. August falou ao meu
sabe, para jantarmos juntos e combinar as respeito. Ouviu Alberto e desligou. Fiquei
coisas para a prova de amanhã. aborrecido com August por não ter me dado
chance de falar a Alberto, mas ele logo se
AUGUST explicou.
- Creio que será difícil encontrá-lo, senhor.
Nas vésperas de provas ele costuma chegar AUGUST
muito tarde. Quanto ao jantar, se o senhor - Desculpe-me, Senhor Georges. O patrão
nos der a honra, temos algo pronto na está atarefado e pediu-me que me explicasse
cozinha. ao senhor. Disse que tudo corre como
previsto e que o aguarda amanhã em St.
GEORGES Cloud às sete horas.
- Até que seria prático, August, se não os
atrapalho... Assim ganho tempo e durmo mais GEORGES (em off)
cedo. Não temos tido folga para sonos mais - Depois do jantar, August providenciou-me
prolongados ultimamente. um tilburi e, ao sair do edifício percebi que
o automóvel de Alberto estava na garagem,
AUGUST ao lado do triciclo e a velha charretinha que
- De modo algum nos atrapalha, senhor ele fazia puxada por um avestruz. Estranhei,
Georges. Queira vir comigo até a sala de perguntando-me quem teria levado Alberto
jantar. à St Cloud, mas não dei importância. Agora
sei que Alberto estava mesmo é aqui, na sua
Entram na sala de jantar (ainda com os caverna secreta, não é Alberto?
móveis “normais”)
SD (no divã, rindo)
AUGUST - E testando um motor que, fora da cabine
- Temos pernil de carneiro assado, senhor. de testes, poderia ter sido ouvido por toda a
O que deseja beber? Paris.
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... agora aproxima-se da minha marca. Vai balão com vigor contra o vento. O Senhor
passá-la em breve. São 5 minutos da largada, Santos vai lentamente agora de volta para St
lá vem ele, o Número 6 do Sr Santos... Cloud, buscar o seu prêmio. Como estão os
atenção... quase chegando... vai passar... cronômetros oficiais, Georges? No meu
passou!, a 6 minutos de vôo e permanece relógio já se passaram 12 minutos, mas não
firme e veloz em direção à Torre Eiffel. Agora tenho ponteiros de segundos como nos
é com Você, Elise. cronômetros...
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ELISE popular...
- Aqui outra festa, Georges. Nunca tantos
chapéus voaram ao mesmo tempo em Paris. GEORGES
Todos se abraçam numa grande alegria - Mas, por quê? O que houve?... Para onde
coletiva, felizes com a vitória de seu herói, o foram?
nosso “petit Santos”! Uma vitória difícil, mas
digna dos grandes homens! PEDRO
- Ouvi uma conversa de novas regras que
GEORGES não foram cumpridas na prova, Alberto. Acho
- Todos estamos muito emocionados, Elise, que foi isso que ouvi. Sabe alguma coisa
e toda a Paris estará em festa por este sobre mudanças de regras?
importante acontecimento. Nós, do "Le
Temps", prometemos para a edição de SD
amanhã um trabalho completo de - Mudanças de regras? Não, não deve ser isso.
reportagem dessa emocionante corrida do No caso de mudança de regras eu teria de
homem e a máquina contra o tempo e os ser avisado. Afinal sou o único competidor
cronômetros. Vamos encerrar aqui. Boa tarde desse prêmio?!
para todos e para Você Elise, e os repórteres
que nos acompanharam a cada minuto, digo, GEORGES
a cada segundo. Desligo. - Disseram para onde foram? Precisamos ir
até eles. Quero saber o que aconteceu.
Georges desliga e vai em direção a SD, no
meio do povo, para abraçá-lo. Abraçam-se. MAURICE
- Não nos disseram. Havia uma bela discussão
GEORGES (quase chorando) entre Deutsch e Fonvielle. Foi o Besaçon que
- Uma grande vitória! Parabéns! Grande nos passou o recado enquanto empurrava o
vitória! Aimé e o De Dion para dentro da landau.
Deutsch e Fonvielle foram no automóvel,
Porém, por cima do ombro de SD, ele vê discutindo aos berros, quase a trocar
duas landaux e um automóvel saindo de St. bengaladas. Parecia uma fuga. Apesar de que
Cloud com os membros da Comissão. o Deutsch e o Aimé mais me pareciam estar
sendo sequestrados... O que se passa,
GEORGES (surpreso, e mostrando a SD) afinal?...
- Ora, onde estarão indo? Preciso entrevistá-
los... A cena retorna para a oficina de SD.
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desafiar a França em armas. (SD nada comunicado das novas regras. Ao que ele
responde do divã) - Mas, conte-nos, Georges, respondeu simplesmente - e nunca foi tão
e então? Alberto como naquela resposta: - Não!
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PRADO
- Melhor o deixarmos como está. Vê-se que
está cansado. Esses dias devem ter sido
difíceis para ele. Vamos?
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PARTE 2
A VINGANÇA DE ÍCARO
PARTE 2 E apareceu Santos-
Dumont
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povaréu que vai entrando, com o seu pedaços, ninguém sabe o que falar. SD, com
acanhamento desconfiado e os seus uma energia fantástica, parece que está
instrumentos nas mãos. Eduardo das Neves, começando o dia, e, animado, quebra o gelo.
elegantérrimo, é o primeiro a entrar, Pega uma tacinha e serve ele mesmo uma
cumprimenta Rodrigues e Prado e abraça cachaça e propõe um brinde ao Brasil. Todos
forte SD, como se fosse um irmão. Em exultam e relaxam; alguém pede música, mas
seguida encarrega-se das apresentações. SD pede a palavra; - agora é a minha vez!
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vê, não posso ir. há, hoje, uma só gráfica no mundo que não
possua alguns de seus equipamentos e
SD máquinas. Essa que agora verão rodar a
- Se eu gostar, é provável que repita a dose. próxima edição do "Le Temps" é sua última
Estou dando uma folga a mim e aos meus grande invenção: a primeira rotativa a
mecânicos por estes dias. Bem, cá estamos... imprimir em papel bobinado! Um
aperfeiçoamento da rotativa que o Sr
Adrien desce com cuidado a escada de ferro, Marinoni inventou há sete anos e pôs a
seguido pelo Prefeito e a comitiva, funcionar no Petit Journal. Tira mais de 50
explicando em voz alta cada detalhe da nova 000 exemplares por hora! Comprei- a na
gráfica. Ao ver SD e Georges cumprimentou- maquete, na Grande Exposição de 1900, com
os e os apresentou ao Prefeito que, ao parar um pequeno sinal em dinheiro. (e, com
para a conversa, paralisou toda a desajeitada ironia) - Ainda não sabia como iria pagar o
fila que descia por traz dele na estreita restante... (todos riem espirituosamente)
escada. Mas isso não perturbaria o Prefeito.
O PREFEITO
O PREFEITO - Ah, mas isso é típico de Adrien! Ele é o
- Não precisa apresentar-me ao Senhor único francês ousado que conheço. Por isso
Santos-Dumont, Adrien. Já o condecorei junto gosto tanto dele. É um homem que acredita
ao Primeiro-Ministro com a Ordem de em si mesmo e no futuro do seu trabalho.
Cavaleiro da Legião de Honra. Esse moço
tem levado Paris às primeiras páginas dos ADRIEN
jornais do mundo, quase diariamente. A - Costumo dizer, Sr Prefeito, que confio no
França é grande devedora dos seus serviços. meu sexto sentido. Em 97, o Sr Marinoni
Só espero, algum dia, ser um dos seus ofereceu-me sua primeira rotativa e achei que
passageiros nos ares. não era a hora. Quase arrependi-me, porque
ele vendeu-a ao Petit que cresceu tanto ao
SD ponto do seu nome tornar-se uma fantasia.
- Sou muito grato pela sua confiança, Senhor Mas em 1900, quando vi a bobina de papel
Prefeito. Tenha toda a minha frota à sua e percebi as potencialidades dessa máquina,
inteira disposição. Mas, fiquem à vontade, não vacilei; assinei o contrato... (e, para o
cavalheiros, não desejo perturbar a sua Chefe da Gráfica) - Está tudo pronto?
preleção, Sr Hébrard; antes desejaria ouvi-
la, se me permite... O CHEFE DA GRÁFICA
- Tudo pronto, Sr Hébrard.
ADRIEN
- No que muito nos honra, Sr Santos. Estava Um garçom aproxima-se trazendo uma
há pouco referindo-me a um grande inventor enorme garrafa de champagne amarrada pelo
no campo das Artes Gráficas. Falo do Sr gargalo num barbante preso, na outra ponta,
Hipólito Marinoni, que infelizmente não no topo da estrutura da máquina. Adrien
pode estar presente por motivos de saúde. passou-a ao Prefeito.
(e, continuando, enfim, a caminhar, recomeça
a falar no tom em voz alta para todos) - Como O PREFEITO (segurando a garrafa no ponto
eu dizia, senhoras e senhores, o Sr Marinoni de atirá-la em direção à máquina)
tem sido o maior responsável pelos avanços - Que essa máquina imprima os melhores
da indústria gráfica nestes últimos dez anos. jornais para os parisienses, e que sejam felizes
Desde os grandes Aldus Manutius e Claude os seus proprietários... (atira a garrafa)
Garamond, no Séc. XVI, e Bodoni, no Séc.
XVIII, que não temos avanço tão visível nesse O Chefe aciona uma alavanca e a máquina
campo. Seus inventos são incontáveis e não roda num grande estardalhaço de rolos e
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Ohio. Para eles não interessa quem solucione pesado que o ar?
a questão. Eles a compram e dão o crédito a
quem lhes convier. E é melhor que tenham GEORGES
alguém pronto, na realidade ou na lenda, - Está em franca atividade. Tudo em sigilo. E
para recebê-lo. procura dar a entender que está fora do
páreo. Está escaldado, teme sabotagens, e
GEORGES com razão; americanos nem pintados de cor-
- Mas terão de obter a conivência do de-rosa. Acha que o Benett está envolvido
verdadeiro inventor, e nem sempre... nas sabotagens, porque em Saint Louis...
ADRIEN ADRIEN
- Para os americanos não há dúvidas de que - Não creio. Já lhe disse, a parte do Benett é
a terão. Acreditam na força do dinheiro e a publicidade. Espionagem e sabotagem é
estão comprando tudo pelo mundo afora. A assunto de estado. A Embaixada Americana
França tem sido a campeã desse leilão; está aqui não passa de um antro de espiões.
se vendendo toda para eles. Suspeito do próprio Henry White. E... como
está o nosso arquivo secreto sobre Santos-
GEORGES Dumont?
- Como assim, Adrien?!
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"...o Nº 7, projetado para disputar corridas, sabotado ainda nas caixas de transporte."
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portuário escuro) - Tudo bem debaixo das graciosamente sobre as tropas e praticamente
vistas da equipe de Benett que tinha estaciona diante do palanque das
exclusividade na cobertura do evento, era o autoridades, nuns 30 metros de altura. Traz,
seu mentor e patrocinador. Aqui temos umas desfraldada, uma faixa com as iniciais
belas fotos do Número 6 em performances... PMNDN (Por Mares Nunca Dantes
Navegados), do verso de Camões. No silêncio
De novo as fotos ganham vida a cores e geral que se formou, SD, da barquilha do
mostram uma sequência de planos do Número 9, dispara uma salva de tiros de
Número 6: voando rasante sobre o lago do revólver, em posição de sentido, e com o
jardim dos Rothschild e assustando um chapéu seguro ao peito; causando um grande
pescador que por ali se achava; levando o susto no palanque. Feito isso, liga o motor,
garoto Clarkson Potter, de 7 anos, para acena ao povo, que o aplaude, e vai-se.
passear nos ares após pousar em meio à
garotada que jogava futebol em Bagatelle; De volta ao álbum.
assustando moçoilas em pic-nics ao chegar
silencioso, por cima, ameaçador, como se ADRIEN (sorridente)
fosse um extra- terrestre; passando em vôos - Isso deu o que falar. Houve até abertura de
rasantes sobre plantações de trigo, inquérito no Exército. Dizem que o convite
assustando os lavradores, etc... foi uma galhofa de alguns oficiais bêbados
no Le Cascade.
Volta ao álbum.
GEORGES (rindo também)
GEORGES (in) - Pensavam que a façanha seria impossível.
- Chegamos às suas últimas vedetes; o Pior para eles, cada um pegou dez dias de
Número 9, o menor dirigível do mundo, que cadeia. (continua folheando o álbum) - Essa
Paris já apelidou “La Balladeuse”, e o Número foi uma sensação em Paris. A cidade já se
10, o seu “Omnibus aéreo”. Essa foto é do acostumara ao som do motor do
Número 9, sobre a parada de Longchamps, “Balladeuse”. De repente o motor parou em
evoluindo sobre as tropas e 200 000 pleno ar, após falhar algumas vezes. Todos
espectadores. olharam para ver o que era. (de novo, a foto
ganha vida a cores)
Outra vez a foto ganha vida a cores (Legenda:
Paris, 14 de julho de 1903) O Número 9 evolui GEORGES (continuando em off)
- O dirigível estava à deriva e o seu audaz
piloto saía da segurança de sua barquilha
equilibrando-se na frágil
estrutura do
cordame, até
chegar
O SD Nº 9 - "La Balladeuse" e
algumas de suas peripécias sobre
Paris. Acima, no 14 de julho,
evoluindo sobre as tropas
francesas; e caminhando para
consertar o motor em pleno vôo a
mais de 100 metros de altura.
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Adrien, como francês e patriota, é que nada gala aguardam o sinal para entrar.
lá é feito ou pensado que possa prejudicar o
estado francês, muito pelo contrário... MAURICE
- Ontem a estréia foi magnífica, Georges. Ela
está belíssima. Parece uma figura saída de
SEQUÊNCIA 41 uma pintura de Gauguin. E os ritmos são
fantásticos, bárbaros. Depois da Grande
Corte para a oficina de SD. Ele e quatro Exposição ninguém precisa sair de Paris para
mecânicos trabalham. Além dos três já conhecer o mundo. O mundo vem até Paris!
conhecidos, foi introduzido Levavasseur,
especialista e construtor de motores à PEDRO
explosão de petróleo. Estruturas enormes, do - Aida D’Acosta nos traz os ritmos calientes
tipo celular, são produzidas na marcenaria das Américas central e do sul: a rumba, o
pelo eficiente Gasteau, observado de cima, samba, o tango, a macumba. São ritmos
pelo inventor, em sua barquilha suspensa. fortes... (toca o sinal) - Eis o sinal, vamos.
Num certo momento ele joga duas cordas
que Gasteau amarra na estrutura e, ao seu GEORGES (para SD, enquanto subiam as
sinal, faz levantar a barquilha junto com a escadas)
estrutura e a transporta, suspensa no ar, até - Hoje haverá um número especial, com o Sr
a área de montagem. Em seguida, dirige a Debussy ao piano, tocando uma composição
barquilha até a cabine de testes de motores feita especialmente para ela, Alberto.
e a faz baixar bem ao lado de Levavasseur,
que está testando um novo motor, Cenas de Aida dançando no palco da Ópera
observando-o pelo visor. Os dois olham de Paris. Cortes para a platéia e os amigos
atentamente a máquina e os instrumentos de no camarote. Cenas da Dança com Debussy
medição. ao piano, tocando uma versão de “La Mer”.
Ao final, aplausos de pé.
LEVAVASSEUR
- Já temos 38 HPs. Saída do teatro, ainda no hall. Um repórter
chega alvoroçado até SD.
SD
- Preciso 50, Levavasseur. Vou redesenhá-lo. O REPÓRTER
Penso dispor os cilindros em forma de V, - Senhor Santos-Dumont! Senhor Santos-
para obter mais eficiência e rendimento. Dumont!
SD O REPÓRTER
- Mandaremos fundi-lo. - Estávamos numa coletiva no camarim da
Srta Aida. Perguntaram o que ela mais
gostaria de fazer em Paris. Sabe o que ela
SEQUÊNCIA 42 disse?...
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AIDA
- Peguem! Peguem!
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SD
SEQUÊNCIA 46 - Podemos começar, Georges, enquanto
cuido de montar essa estrutura. Ao acabar o
Intensa atividade na Oficina secreta. Várias pessoal se vai, e jantaremos aqui mesmo (e
novas máquinas, prontas e em acabamento, olhando o relógio de pulso) - São 21:15 h.
entulham a área de montagem e mock-up. Terminaremos às 22. O assunto ainda é o
Dois diferentes desenvolvimentos de mesmo?
helicópteros (Números 11 e 12), um estudo
em escala de lancha-hidroavião, um enorme GEORGES
e comprido invólucro de balão dirigível, em - Sim, temos informações de que o Governo
plena fase de corte e costura, e estruturas Francês estuda um meio legal de inspecionar
celulares grandes, parecidas com enormes este imóvel.
papagaios.
SD
Quando Georges entra na oficina, SD está - Já sabem que é aqui? Ah, um momento,
suspenso em sua barquilha ajudando Gasteau Georges (e, para Chapin, lá embaixo) - Um
a amarrar uma das estruturas celulares para pouco mais para a esquerda, Chapin,
suspendê-la presa à barquilha, e levá-la para isso...isso. Agora, mais à frente, assim... vou
uma outra área da oficina, liberando assim a baixar, atenção, agora. (baixa a estrutura até
marcenaria de Gasteau. A operação é bem tocar o solo) - Aí está, podem prender as
sucedida, com Georges a observá-la da ferragens. (e, para Georges) - Então,
Biblioteca. Ao vê-lo SD faz um sinal para Georges?...
que falem por interfone.
GEORGES
GEORGES (no aparelho da Biblioteca) - Certeza mesmo não! Mas fortes suspeitas...
- Pensei que jantaríamos no Le Procope, mas Nosso informante relatou coisas
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PARTE 2 SANTOS DUMONT/O FILME
LEVAVASSEUR
- Aí estão os seus 50 HP, senhor. É o nosso
novo Antoinette: a 900 rotações por minuto!
SD
- Perfeito! Veja, Georges, o primeiro motor
O 1º motor V8 do mundo: que levará o homem aos ares num mais
"Aí estão os seus 50 HP, senhor." pesado que o ar. Com ele vamos ganhar os
Prêmios Archdeacon e do Aero Clube. (e,
inacreditáveis. Há mais de um ano vigiam para os mecânicos) - Senhores, estão de
este edifício!... Melhor será deixar essa parabéns. Divido com Vocês a glória de tê-
conversa para mais tarde, é delicada... lo tornado uma realidade!
SD
- Tenho pressa, Georges. Devo ganhar dois SEQUÊNCIA 47
prêmios neste ano. Mas, concordo com Você.
Por que não toma um drink? Primavera radiante em Paris. (Legenda: Paris,
maio de 1906) SD anda a pé pela Champs
GEORGES Elysées, num elegante traje de frio. Ele respira
- Vou aceitar alguma coisa; está um frio o ar puro, sorridente, satisfeito. Todos que
terrível lá fora. Mas, pelo que vejo, ainda passam cumprimentam-no cordialmente,
empenha- se nos balões dirigíveis?... sorrindo. Ele corresponde com gentileza.
Num certo momento Chapin, dirigindo a
SD Mercedes de SD, estaciona ao seu lado. Ele
- É mais do que isso, Georges. Depois não pára e obriga Chapin a acompanhá-lo
explico-lhe. Trata-se do meu Número 14. em marcha lenta.
GEORGES CHAPIN
- Número 14? Já? Pensei que... - O Senhor vai à pé, Senhor Santos?
SD
- Saltei o 13, como já fizera com o 8, lembra-
se? (e, para Gasteau) - Vamos começar a içar
a outra asa, Gasteau, dê-me os cabos.
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SANTOS DUMONT/O FILME ROTEIRO MARIO DRUMOND
SD SEQUÊNCIA 48
- Sim, Chapin, uma boa caminhada neste
lindo dia só poderá ser benéfica. SD chega ao "Le Temps" após a sua longa
caminhada. Não demonstra nenhum cansaço.
CHAPIN Entra no hall, pega o elevador e desce no
- Mas é grande a distância até lá, Senhor quarto andar, indo direto ao Gabinete de
Santos. “ADRIEN HÉBRARD - EDITEUR GENERALE”.
É recebido na ante-sala pela secretária.
SD
- Preciso exercitar-me, Chapin. Faz parte do LOUISE (solícita, ajudando-o a tirar o
ofício. Calculo que estarei no meu sobretudo, o chapéu e o cachecol)
compromisso exatamente na hora aprazada, - Eles o aguardam, Senhor Santos-Dumont.
isto é, se o senhor me permitir, Sr Chapin... Entre, por favor. (e abre a porta do Gabinete)
SD ADRIEN
- Sim, Chapin, está tudo certo, amanhã Você, - Senhor Santos, nos horários o Senhor se
Gasteau e Dazon já podem começar a comporta como um inglês. (e olhando o seu
arrumá-lo. François e Pierre vão com Vocês. próprio relógio de pulso) - São exatamente
10 horas! Como tem passado?
CHAPIN
- Ótimo, então posso ir preparando os SD
carretos. Avisei ao Sr Louis. Podemos fazer - Bastante bem, Sr Hébrard; Georges;
quatro ou cinco amanhã. senhores, estou à disposição!
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PARTE 2 SANTOS DUMONT/O FILME
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SANTOS DUMONT/O FILME ROTEIRO MARIO DRUMOND
SD SD
- E o que o Sr aconselha, Sr Hébrard? - Por enquanto, Sr Hébrard, confio na posição
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PARTE 2 SANTOS DUMONT/O FILME
SD Na oficina secreta, SD
- Cavalheiros, este é o testa, no seu “túnel de
meu Número 14 Bis. vento”, os comandos
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SANTOS DUMONT/O FILME ROTEIRO MARIO DRUMOND
laterais das asas do 14 Bis. Chapin está ao Brasil. E Alberto gosta de valorizar datas e
seu lado. símbolos, por isso nos fez vir aqui.
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PARTE 2 SANTOS DUMONT/O FILME
SD ARCHDEACON
- Georges, em aeronáutica a prudência - O Sr é testemunha disso, Cap. Ferber?
caminha lado a lado com o progresso. O
equilíbrio do 14 Bis não me convenceu. Dar FERBER
um passo além do que dei, seria um risco - Possuo informações seguras e de boas
excessivo e talvez fatal. Tenho de alterar o fontes.
projeto.
ARCHDEACON
GEORGES - O Sr faria a gentileza de nos informar quais
- Voisin e Bleriot disseram ao "Le Temps" são essas fontes, Cap. Ferber?
que estão em fase final de testes do modelo
que fazem em conjunto. FERBER
- Só posso dizer que são oficiais respeitáveis
SD das forças armadas daquele país, Sr
- São excelentes inventores. Por isso decidi Archdeacon, mas devo mantê-las em sigilo.
não arriscar. Se fico sem o meu aeroplano,
vão-se todas as minhas chances. Já marcaram GEORGES (intervindo)
data? - Minhas fontes posso revelar. Nosso agente
em Nova York esteve em Dayton, no sítio de
GEORGES Kitty Hawk, onde disseram ter ocorrido esses
- Ainda não, mas estão prestes a fazê-lo. vôos, e por lá não se tem notícias deles, Cap.
Ferber, nem rumores foram verificados
naquele pequeno lugarejo.
SEQUÊNCIA 52
FERBER
Reunião concorrida no AeroClube. Presentes - As experiências estão sendo feitas
os aeronautas Voisin, Maurice e Henry secretamente, Sr Georges, nem mesmo...
Farman, Bleriot, Esnault-Pelterie, Breguet,
Anzani, Jaques Fauré, Curtiss, Delagrange, MAURICE TALMEYR (intervindo)
Cockbun, o tenente Krebs, o coronel Renard, - Nem tão secretas assim, Cap. Ferber. Alguns
o capitão Ferber, Lachambre, Machuron, jornalecos americanos, sem qualquer
Chapin e SD; os membros da Comissão Paul credibilidade ou importância, parecem ter
Tissandier, René Garnier, Ernest Zens, acesso a elas; pelo menos é o que dizem nas
Surcowt e Besaçon: os dirigentes do suas páginas marrons. Mas a imprensa
Aeroclube Ernst Archdeacon, Deutsch de La respeitável dos próprios americanos não
Meurthe, Marques de Dion, Príncipe Aimé, publica uma só linha. Não acha estranho esse
Príncipe Rolland Bonaparte e o Sr Fonvielle; critério de sigilo, Cap Ferber?
e os jornalistas Georges Goursat, do "Le
Temps", François Peyrey, do Herald, Maurice ARCHDEACON
Talmeyr do L’Illustration, dois jovens - Cap. Ferber, acredita que concederemos um
repórteres do Figaro e do Petit Journal e prêmio destes para vôos dos quais só
muitos fotógrafos. As discussões pegavam conhecemos cabogramas anônimos? Nós
fogo. convidamos os Srs Wright a vir mostrar-nos
sua máquina e não recebemos resposta, Cap.
CAPITÃO FERBER Ferber!
- Senhores, insisto que estes prêmios estão
ultrapassados. Os Srs Orville e Wilbur Wright VOISIN
já bateram essas marcas nos Estados Unidos - E, falando em máquinas, eu gostaria de
da América, com o seu “Flyer”. saber que outros inventos esses senhores
deram ao conhecimento público. Ou será
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SANTOS DUMONT/O FILME ROTEIRO MARIO DRUMOND
que o seu “Flyer” já lhes caiu diretamente e Voisin a honra de tentar primeiro.
dos céus? Pelo que sabemos, antes do “Flyer”, BONAPARTE
eles consertavam bicicletas!... - Da nossa parte não há inconvenientes.
FERBER
- Como já disse, Sr Voisin, tudo que fazem é VOISIN
destinado à indústria e é feito secretamente. - Está aceito, Sr Bonaparte; não declinaremos
da gentileza de um cavalheiro, uma vez que
ARCHDEACON nos antecipou. (e, para SD) - Muito
- O que fazemos aqui também é destinado agradecido, Sr Santos.
ao progresso industrial...
BONAPARTE
BONAPARTE (intervindo, impaciente) - Então está decidido; a prova será realizada
- Cap. Ferber, o Sr já insultou o suficiente a em Bagatelle, às dez horas do dia 23 de
nossa inteligência e mais ainda a nossa outubro. E repetindo as regras: um prêmio
paciência. Tenho informações sobre seu de 1 500 francos, oferecido pelo Aero Clube,
interesse em vender essas abstrações ao ao primeiro aeroplano que, levantando-se
Governo Francês. Ora, Governos não por si só, fizer o percurso de 100 metros,
compram abstrações secretas! Temos de com desnivelamento máximo de 10%; e o
prosseguir em nossa reunião; se os Srs Wright outro, de 3 000 francos, oferecido pelo Sr
postulam nossos prêmios, que façam por Ernst Archdeacon, ao primeiro aeroplano
merecê-los; e nas regras estabelecidas. E dou que, por si só, voar através de um percurso
por encerrado o assunto! Passo à pauta dessa de 25 metros, com um ângulo de queda
reunião: as provas de 23 de outubro. máximo de 25%. (bate o martelo)
(aplausos e gritos de muito bem! muito bem!)
PEDRO
Espaço destinado à planta da quadra em que residia - Alberto?! Seja bem-vindo!
Santos-Dumont
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PARTE 2 SANTOS DUMONT/O FILME
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SANTOS DUMONT/O FILME ROTEIRO MARIO DRUMOND
me; sei que Você e Georges mantêm um poderosas que conhecemos, Gordon.
arquivo secreto, guardado como uma espécie Diabos, que interesse pode haver no primeiro
de tesouro no jornal. Não sei o que contém, homem que voou numa máquina? Seja ele
e prefiro sabê-lo diretamente de Você, como africano, mulçumano ou até um inglês, como
bons cavalheiros e sócios que somos agora. aqui costumamos debochar...
Mas se quisesse teria outros meios... Confesso
que... BENETT
- Não se faça de ingênuo, Adrien. Há muito
ADRIEN (interrompendo-o) interesse em jogo. O domínio dos ares será
- Gordon, o que acabou de acontecer foi o domínio da guerra; e o primeiro a consegui-
apenas uma discreta solenidade. Os papéis lo terá o mundo a seus pés.
só serão assinados amanhã. Há tempo de
voltar atrás. Não quero começar com uma ADRIEN (irônico)
briga... - Santos-Dumont dominando o mundo?! Até
que não seria má idéia...
BENETT (com o dedo em riste)
- Desfaça o negócio, Adrien, e comece a BENETT
redigir a petição de falência do "Le Temps". - Não é hora para ironias, Adrien. Temos
Não me trate como um imbecil. Não pretendo motivos para suspeitar que Santos-Dumont
brigar; precisamos de Você na direção do tem ligações com os comunistas exilados na
jornal, e sabe disso. Suíça.
ADRIEN ADRIEN
- Não comece a falar grosso, Gordon, tenho - Isso só pode ser piada!...
ainda o Banco da Indústria...
BENETT
GORDON (irônico) - Nas últimas greves na América tivemos
- Que está sendo comprado por Rockfeller, experiências surpreendentes, e não pense
e Você também sabe disso! que aqui as coisas se passam de modo
diferente. Homens bons, honestos, pais de
ADRIEN (rendendo-se) família cordiais e servis, pessoas
- O que o interessa tanto em Santos-Dumont? absolutamente insuspeitas, revelaram-se
líderes secretos de forte influência e carisma
BENETT sobre as massas operárias. Ainda não temos
- Ainda pergunta? As nações mais poderosas, indícios dessa ligação de Santos- Dumont.
as melhores cabeças e os melhores Ela apenas surge como uma possibilidade
profissionais do planeta estão entornando que pode explicar os seus sucessos.
rios de dinheiro para conseguir o vôo
mecânico, diabos, e até agora nada! E Santos- ADRIEN (desdenhando)
Dumont ganhando todas?! Sozinho?! Cá entre - Eu não acredito em meus ouvidos! É mesmo
nós, sabemos da farsa dos Wright; foi idéia Gordon Benett do Herald que está me
minha. Mas a cúpula do poder nos Estados dizendo tamanha asneira?!...
Unidos decidiu levá-la às últimas
conseqüências, a não ser que um fato novo BENETT (sem perder a serenidade)
surja a nosso favor. E esse fato novo não é o - Um tal Lenin anda agitado na Suíça. O
seu “petit Santos”. imperador Nicolau é um imbecil, mas
representa o trono secular da Rússia, e não
ADRIEN deixa de ser um fator de união do povo. O
- Não consigo enxergar essa ameaça a não Kaiser quer destruir a unidade russa e por
ser na xenofobia das cabeças coroadas e isso vai fortalecer Lenin. Nossos analistas
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PARTE 2 SANTOS DUMONT/O FILME
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ADRIEN GEORGES
- Como queira, aguardo-o pela manhã. E leve - Não está com maus presságios, hein? Nunca
consigo o Sr Lazare. Já podem tornar públicas o vi assim em vésperas de grandes datas, o
as suas relações, não? que está havendo?
BENETT SD
- É boa idéia, Adrien, talvez precisemos do - Já disse, minha intuição. Nada quanto ao
Lazare. Prometo levá-lo. vôo em si, mas preferiria deixar a abertura
da oficina para depois de conhecer a
repercussão do meu vôo na imprensa. O que
SEQUÊNCIA 56 acha?
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PARTE 2 SANTOS DUMONT/O FILME
Sr Archdeacon. Nenhuma notícia dos Srs de um café de Paris. Todos que passam
Voisin e Bleriot. cumprimentam-nos ou apontam para SD.
Garotos pedem-lhe autógrafos em
Chega um jornalista. caderninhos escolares.
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SEQUÊNCIA 59 CHAPIN
(O cinematógrafo da Oficina secreta) - Lá estamos nós!
SD
- Dazon, pode começar! Gasteau, apague as SEQUÊNCIA 60 (A via de Santos-Dumont)
luzes!
François serve um fino quitute para SD e
Todos ficaram olhando para a grande tela Georges na bancada da cozinha.
branca quando Gasteau desligou as luzes.
Surge, na tela, o 14 Bis em vários FRANÇOIS
ângulos, com pessoas agitando-se - Permita-me a indiscrição, Senhor. Mas
à sua volta. SD e Chapin inspecionavam podemos assistir aos filmes na próxima
o motor. vez? Chapin e Dazon, antes de sair...
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PARTE 2 SANTOS DUMONT/O FILME
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SD SD (interrompendo-o)
- O fato é que o homem pioneiro está sempre - Ao menos respeito deveria haver, Georges.
no “Limite”; numa via que faz fronteira entre Quem, como eu, viveu a experiência de
o mundo conhecido, material, sensível, desafiar poderosas forças da natureza como
visível; e o desconhecido, imaterial, invisível. a da gravidade, dos ventos e das tempestades
aéreas, não pode raciocinar de maneira tão
GEORGES (ainda tentando acender o simplista e cartesiana. Houve momentos em
charuto) que, voando em meus dirigíveis, pensei:
- Sobre o que está falando, Alberto? estou só aqui! Sou o único ser humano em
todo o planeta a desafiar um tabu tão antigo
SD quanto a própria civilização! E quem sou eu
- Penso que a Ciência do Século XX começa para isso?!
a caminhar para um equívoco, Georges. Ao
buscar evitar o preconceito, acaba por GEORGES
originar um outro ainda maior. Arte e Ciência - Você disse tabu... é um fenômeno ligado à
sempre caminharam juntas ao longo da magia; e a Ciência não o reconhece...
História. No entanto a Ciência que hoje se
pratica começa a fomentar um desprezo pela SD (outra vez interrompendo-o)
Arte, pelas coisas da magia, da superstição, - Certa vez, em Mônaco, deixei-me ser
do incognoscível. rebocado pelo iate do Príncipe Dino. A
aeronave descera muito perto d’água e
GEORGES (finalmente na primeira baforada) faziam-na baixar ainda mais, puxando-a pelo
- Entendo onde quer chegar... cabo a tal ponto que fiquei a poucos pés da
chaminé da chalupa. Ora, essa chaminé
SD expelia fagulhas vivas! Uma só bastaria para
- Não que eu seja um adepto da Arte e da produzir uma queimadela no balão, inflamar
Magia, ou um místico. Não sou; meu trabalho o hidrogênio e reduzir-nos a pó. Do navio
é realizado nos domínios da Ciência. Mas não entenderam minhas advertências e
não desprezo o desconhecido. É um universo protestos. Vi as fagulhas passando ao meu
muito maior e mais misterioso, portanto, mais lado e preparei-me para o pior. E não foi a
poderoso. Prefiro não bulir com ele; muito Ciência que salvou-nos da catástrofe,
menos afrontá-lo. Georges. Mas eu já usava a medalha de São
Benedito...
GEORGES
- E?... GEORGES
- Já é famosa em Paris essa sua sorte
SD impressionante, Alberto. Todos comentam-
- Daí minha posição, muito questionada pela na.
Ciência e seus novos adeptos, com relação
aos ícones, símbolos, datas, e signos do SD
sobrenatural, da numerologia e da magia, - Sorte?! Tabu?! O que a Ciência pode saber
pelos quais não escondo o meu respeito, delas? Ora, se são parte do desconhecido,
inclusive no que toca a questão das patentes. respeitemo-las. Não se brinca com tais coisas.
Em tudo isso entra, também, a medalha de Muito menos quando se é um nauta.
São Benedito.
GEORGES
GEORGES - Nisso temos de dar-lhe razão, Alberto.
- Ora, Alberto, esperar que a Ciência, no Vimos o que aconteceu ao seu conterrâneo,
estágio em que se encontra, veja com bons o Sr Augusto Severo...
olhos a superstição...
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PARTE 2 SANTOS DUMONT/O FILME
SD - O que significa?
- Lembra-se que eu Traduza...
tentei avisá-lo? Não
me recebeu! Ia dizer- SD
lhe, em particular, - Em português,
claro, que seu como em francês, a
dirigível era bom mas expressão “é preciso”
a arrogância é tem o duplo
p é s s i m a significado de “ser
companheira de vôo. exato” e “ser
Sou o único que o necessário”, duas
sei por experiência. funções fundamentais
Também fui à vida do navegante
arrogante no início, que se arrisca na via
e paguei caro. Por limítrofe entre o
esse topete pseudo conhecido e o
científico afrontei um desconhecido.
13 de julho e um 8 Traduzindo, Georges,
de agosto. E aprendi navegar é ser exato
que o desconhecido tanto quanto ser
costuma dar aos necessário; e quanto
nautas apenas dois ao viver, não é
avisos. Não pude necessariamente que
advertir Augusto de se seja exato e nem
público porque seria exatamente que se
ridicularizado pela seja necessário,
arrogância da entendeu?
Ciência, que ele A tragédia de Augusto Severo em Paris, 18 de maio de 1902.
insistiu em levar GEORGES
Acima, o "Pax", seu dirigível que explodiu a 400 m de altura;
como passageira. a queda em chamas; e o local onde cairam os destroços.- Estou
acompanhando, Alberto. É genial! Prossiga...
GEORGES (em off, sobre o flash-back do
desastre de Augusto Severo) SD
- Foi uma tragédia! Paris jamais esquecerá - Ora, a arrogância da Ciência, ou pseudo-
aquela bola de fogo despencando de 400 ciência, precisa ser questionada, tanto
metros de altura... filosófica quanto eticamente. Com a
pretensão de abranger todo o campo do
SD conhecimento e o desprezo pelo
- A navegação, Georges, é tanto uma Arte desconhecido ou por tudo que não é lógico
como uma Ciência. Como a Arte ela ou racional, a Ciência torna-se Ignorância e
contempla todo o incognoscível, isto é, o pode levar a Humanidade às catástrofes
desconhecido, a magia, o sobrenatural; jamais testemunhadas em outras épocas.
enquanto que, como Ciência, contempla
apenas o insignificante mundo do GEORGES
conhecimento. Um poeta tão grande quanto - Você crê então que o aeroplano poderá vir
Camões escreveu em língua portuguesa (diz a ser um mal para a Humanidade?
em português): “Navegar é preciso; viver
não é preciso”. SD
- Se será mal ou bom, não sabemos, Georges.
GEORGES O fato é que ele está próximo e virá para
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SANTOS DUMONT/O FILME ROTEIRO MARIO DRUMOND
ficar; e vai transformar o mundo exterior dos hangar de Neully. Chapin e Gasteau instalam
homens. Porém, a opção pela Ciência os ailerons no 14 Bis. SD parece estar em
presunçosa e arrogante é mais previsível todos os lugares ao mesmo tempo.
porque ela traz mais lucros, através das Supervisiona Chapin e Gasteau, observa
patentes, apesar do número de vítimas que Dazon instalando ferragens e manetes,
causa. E a Humanidade não terá meios de discute com Levavasseur a regulagem do
fazer os julgamentos porque a informação motor, enquanto experimenta a ombreira
que receberá também estará no poder dos com um costureiro afetado, agulha e linha
proprietários dessas patentes, como já na boca, tentando fazer SD ficar quieto para
podemos perceber. poder dar o ponto, etc.
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PARTE 2 SANTOS DUMONT/O FILME
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Terceira tentativa. Outros dois vôos com um no ar vindo, em pleno vôo, na direção da
toque no solo; o primeiro de 50 metros e o multidão que se assusta e se atropela. O
segundo de 82 metros, segundo os berros piloto percebe a situação e aumenta a
do Comissário. Neste vôo o piloto tentou inclinação do nariz do 14 Bis e sobe a 6
novamente a viragem mas susteve-a pela metros de altura, passando por cima da
proximidade do campo de pólo, quando perplexa multidão assustada. Mas a
quase completava a meia volta. Aplausos velocidade de repente diminui como também
para a anunciada quebra do recorde anterior. diminui o ronco do motor. Rostos aflitos
O aparelho porém não retornou à posição olham o pássaro aéreo com uma interrogação
original. O piloto decidira fazer o vôo em nas faces. O aparelho esboça uma curva para
sentido contrário e fora autorizado pela a direita e SD, com todo o seu sangue frio,
Comissão. corta o motor e pousa quase perfeitamente,
apenas com um pequeno roçar da asa direita
CAP. FERBER no gramado, sem quaisquer conseqüências.
- Ele vai tentar voar contra o vento? É um O Comissário berra: - mais de 200 metros! A
maluco! E também, um ignorante; está platéia sacudiu-se em aplausos e vivas com
desprezando a única ajuda que a Natureza chapéus, até de senhoritas, voando junto à
dá aos homens para voar. E ainda a desafia... bengalas, casacos e outras peças que podiam
ser atiradas ao ar. Jaques Fauré foi o primeiro
BONAPARTE a chegar até SD e tirou-lhe da barquilha
- Quando se trata do Sr Santos-Dumont, Cap. colocando-o sobre seus ombros, carregando-
Ferber, é melhor pensar duas vezes antes de o em meio à multidão até à sorridente Aida
arrotar verdades. Aprendi por experiência e que o aguardava. Agora era a vez de SD,
testemunho pessoal que, diante de homens todos esperavam, mas ele apenas a abraçou
como ele, tremem as verdades mais absolutas com ternura e beijou-lhe paternalmente a
e amedrontam-se os mestres mais arrogantes. testa, sob o espocar de dezenas de fotógrafos:
Vi verdades irrefutáveis tornarem-se asneiras - era a Glória!
consagradas por causa de uma única e
pequena ação de ousadia desse homem, Cap. SD
Ferber. Se Santos-Dumont decidiu desafiar a - Aida D’Acosta, A Senhorita é, para mim, a
força dos ventos, que se cuidem os ventos!... própria personificação da Glória!
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PARTE 2 SANTOS DUMONT/O FILME
adorei fazê-lo. Nem que tenha sido fácil para - Santos-Dumont tem contra si o fato de
mim, Georges. Mas estou velho para possuir justamente aquilo que os seres
emburrar com os tempos; e não pretendo humanos mais almejam para suas vidas:
arruinar-me em prol de uma verdade de independência e liberdade. Além disso, é
merda, qualquer que seja ela, muito menos desprendido em relação a dinheiro, e não
a do bom-mocismo idealista de sportmans pretende recompensas pelos seus feitos. As
bon-vivants... pessoas levam isso a mal. Os que pretendem,
porque o desinteresse atrai certa sorte que
GEORGES não saberiam admitir despida de
- Cuidado, Adrien, olhe o que está dizendo... maquinações; os que recompensam porque
os não solicitamos. E, para piorar o quadro,
ADRIEN é um brasileiro! E onde estão os brasileiros?!
- Exatamente o que ouviu, Georges. O nosso
amigo “petit Santos” não se preocupa com GEORGES
dinheiro, nem com patentes, etc; claro, não - Os brasileiros?...
precisa, é um criador, está a serviço das
divindades etc, etc. E quanto à nós? Vivemos ADRIEN
de quê? Se o nosso amigo tivesse nas mãos - Pelo que posso presumir, o Brasil é um
o poder que suas patentes lhe dariam, talvez paraíso tropical habitado por um povo gentil,
pudesse comprar esse jornal inteiro. Mas não, mas dominado por uma elite grosseira e
ele prefere doá-las à humanidade! Que a estúpida. Esta só faz aguardar, engordando
humanidade então o reconheça; porque o em suas redes de siesta, os nossos navios
"Le Temps" tem seus compromissos e eu os que vão buscar-lhes o café, plantado e
meus! Não sou mais o único dono desse colhido pelo povo escravizado. Lá chegado
jornal, Georges, ponha isso na sua cabeça. o dinheiro, embarcam com ele para cá, - às
A nossa hora certa chegou no momento vezes no mesmo navio que traz o café -, a
errado! E que o Sr Santos-Dumont seja feliz gastá-lo nas farras sórdidas dos Moulin
com seus aeroplanos... Aliás, quem o Rouges e Cassinos Royales da vida, enquanto
mandou fazer aeroplanos? seu povo chafurda na miséria e na ignomínia.
Desde que transferiram Prado - e que
GEORGES (acalmando-se) transferência infeliz e idiota! - não se vê um
- Certo, Adrien, tem seus motivos; mas não único patrício de Santos-Dumont presente
precisa atacar Alberto. É um direito, uma às suas façanhas que têm repercutido no
opção dele e de qualquer ser humano, a de mundo inteiro! A embaixada brasileira não
não se meter nessa espoliação desatinada, mexe um dedo, não faz a menor exigência,
de empresários desvairados, que se crêem e nem sequer pedido ou insinuação em seu
donos do mundo e passam a vida a estocar favor. Enquanto isso, a embaixada americana
ouro em porões suíços. A opção de dar à joga pesado, com todos os seus trunfos e
vida uma construção bela, humanista e todo o seu poder, para garantir-lhes a
criativa não pode ser simplificada numa sobrevivência ao menos de um embuste, que
rotulação banal de idealismo ou ingenuidade. é só o que têm! Ah, se tivessem um Santos-
Queiram ou não nossos míseros pasquins, Dumont! Transformá-lo-iam no Deus dos
coube a Alberto a glória de ser o primeiro deuses, e com muito menos do que fez.
homem a fazer o vôo mecânico, ache Você
importante ou não! E esse juizo cabe à GEORGES
História, que não pode existir senão dando - Nisso tem razão, Adrien. Mas, e o trabalho
ganho de causa à verdade e condenando o de mais de cinco anos? Qual será seu destino?
embuste.
ADRIEN
ADRIEN - Como disse o próprio Santos-Dumont,
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O Número 15
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Interior da oficina secreta onde estão sendo Uma mulher sobe o topo de uma pequena
produzidos simultaneamente um balão escadinha auxiliar de três degraus e passa
dirigível e o “Demoiselle” que já começa a os dedos entre a hélice e o invólucro para
tomar forma. Fabrica-se também um acreditar que não se chocam, e comenta a
deslizador aquático, como pré-projeto de Dazon.
hidroavião. SD explica a Levavasseur o seu
projeto de motor de 16 cilindros em V, através A MULHER
de desenhos e plantas técnicas e mostra a - Mas não há perigo de a hélice furar o balão?
Chapin a maquete do hidroavião, um
desenvolvimento do deslizador, já com suas Dazon balança negativamente a cabeça com
asas. um sorriso condescendente.
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UM DOS GUARDAS
SEQUÊNCIA 70 - Pertence ao Conde de Gallard; e quem é o
(O Número 19, o primeiro “Demoiselle”) senhor?
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Edson, Marconi, Grambell, Goodyear. Só com gargalhada. SD também ri. Ferber emburra).
os Srs Wright é que não. Não se sabe o que
fizeram antes de 1903, e agora chegam a Paris No dia seguinte, de manhã, toda a vizinhança
trazendo o mesmo modelo que disseram ter do Castelo estava presente para ver o Número
voado há cinco anos. Vi há pouco algumas 19 decolar, de volta a Paris. SD despede-se
fotos, as primeiras que até hoje nos chegaram. da família, acena ao povo, dá a partida no
Não parece ser diferente dos nossos antigos motor e entra no seu “Demoiselle”. Aciona a
modelos! Percebi que contribuições minhas manete da mistura e acelera. O pequeno
e de meus colegas estão lá aplicadas. Como aeroplano desloca-se lentamente, vai
explica isso, Cap. Ferber? ganhando velocidade e, de repente, sai do
solo, voando serenamente, em linha reta,
CAP. FERBER subindo, distanciando-se. Lá na frente retorna
- Os Wright trabalham num rigoroso sigilo. E e passa veloz sobre as cabeças de todos que
creio que, não somente eles, não é, Sr Santos- o aplaudem, ganha altura e desaparece por
Dumont? Também o Sr, sabemos, guarda cima das copas das árvores.
grandes segredos debaixo de sete chaves...
O CONDE SEQUÊNCIA 71
- Você desviou da conversa, Ferber. Não é
sobre os segredos que Santos-Dumont se Repórteres entrevistam Orville Wright no hall
refere. É justamente sobre o que não é do Grand Hotel de Paris.
segredo. E quanto a isso dou inteira razão a
ele. ORVILLE
... afirmar que o vôo de Santos-Dumont foi
CAP. FERBER o primeiro da História, seria o mesmo que
- Bem, em breve estaremos vendo a máquina admitir que qualquer outro navegador, que
dos Wright voar em Paris. não Colombo, tivesse descoberto a América,
porque ela não foi homologada por nenhum
SD Clube de Descobridores!
- Porque não sugere que façam um vôo de
St Cyr até aqui, nesse agradável Castelo do Os mesmos repórteres entrevistam SD na
Sr Conde? Seria um belo evento, e de muito porta do seu edifício no Champs Elysées .
bom gosto. Essa casa é um exemplo do que
melhor possuímos em França... (o Conde dá SD
uma gargalhada) - Foi infeliz o Sr Orville Wright nessa
argumentação porque é sabido que muitos
CAP. FERBER (aborrecido, mas sem dar o aventureiros tentaram arrogar para si o
braço a torcer) privilégio de terem sido os primeiros a chegar
- Não deixa de ser uma idéia. Procurarei na América. Mas a História só o concedeu a
sugeri-la. Colombo justamente porque o fez com
muitos testemunhos e farta documentação
O CONDE (ainda rindo) oficial; não foi às terras ocidentais em
- E diga-lhes que não se preocupem. Pedirei segredo, e seus relatos, e de seus tripulantes,
a Santos-Dumont que venha na frente, foram homologados pela ciência da época
guiando-os, para não se perderem (e e a dos nossos dias, enquanto
dá outra gostosa
112
PARTE 2 SANTOS DUMONT/O FILME
aqueles aventureiros só tinham a seu favor com ele até o fim. Os americanos têm uma
os seus próprios testemunhos e documentos incrível capacidade de não se preocupar com
por eles mesmos forjados. Porém, eu fico o ridículo.
feliz que o Sr Wright tenha arriscado este
sofisma, pois assim acabou por fazer por mim
o que ninguém fizera antes, nem mesmo os SEQUÊNCIA 73 (“Os barqueiros do Volga”)
meus mais exaltados apologistas: ainda que
sem essa intenção, o Sr Wright não fez outra A cupê chega a St Cyr, já com grande
coisa senão comparar-me ao grande movimento de trânsito e pessoas.
Cristóvão Colombo.
(Legenda: Campo de St Cyr, Paris, 3 de
outubro de 1908) Os Wright vão finalmente
SEQUÊNCIA 72 exibir à França o seu aeroplano secreto. Em
grande lobby da diplomacia americana,
Adrien e Georges viajam numa cupê pelas apresentavam- se todas as autoridades e
ruas de Paris. personalidades civis e militares, e, é claro,
toda a grande imprensa mundial e a alta
GEORGES sociedade em peso. Adrien e Benett
- Não entendi bem aquele entrevero do conversavam.
Embaixador Henry White com o Conde de
Gallard, ontem, na solenidade do Automóvel ADRIEN
Clube, Adrien. - O que é aquilo com um peso pendurado?
ADRIEN BENETT
- O fato é que a arrogância dos americanos - É o “pylon”. Ao soltar o peso, este puxa a
já incomoda os franceses, Georges. Depois corda que empurra o aeroplano no seu
da pressão bem sucedida, mas não sem impulso inicial.
constrangimento, sobre o Aero Clube, para
incluir os irmãos Wright entre os seus ADRIEN
primeiros brevetados, tentaram transferir a - E como se faz para levantar aquele peso?
demonstração de hoje para Le Mans. Pelo
que sei, foi idéia do Ferber. Não sei o motivo. BENETT
Mas o Conde perdeu a paciência e ameaçou - Lá estão os homens para fazê-lo. Veja, já
boicotar o evento. White não teve saída senão começam a puxá-lo.
ceder.
Corte para os dez homens (os “barqueiros
GEORGES do Volga”) puxando, com esforço, a corda
- Talvez temessem o sobrevôo do do “pylon”. (foto)
“Demoiselle” na hora da exibição.
Tudo pronto. Silêncio geral. O Embaixador
ADRIEN Henry White prepara-se para dar o sinal.
- É plausível. Mas levaram Wilbur já está posicionado, deitado dentro
longe demais o embuste da estrutura do “Flyer” e Orville aguarda o
e estão dispostos a ir sinal para girar a hélice. De repente, um
113
SANTOS DUMONT/O FILME ROTEIRO MARIO DRUMOND
WHITE
- Cavalheiros, agora que se foi o “penetra”, SEQUÊNCIA 74
vamos dar início à demonstração para a qual
foram convidados. (e dá o sinal) Na gráfica do "Le Temps", Georges está
reunido com o grupo de operários, oficiais
Orville gira a hélice e manda soltar o “pylon”. gráficos e alguns funcionários. Todos o
O peso cai de uma só pancada e o aeroplano cercam, ouvindo-o com atenção. Ele dá boas
é imediatamente lançado a uns dois metros risadas.
de altura e segue em frente, voando instável,
até pousar uns trinta metros adiante, parando GEORGES (entre as risadas)
abruptamente. Após ter certeza de que nada - ... e então surgiu o
Barqueiros do Volga? - Não! Apenas os puxadores do "pylon", indispensável auxílio para a partida do "Flyer".
114
PARTE 2 SANTOS DUMONT/O FILME
“Demoiselle” com o russo Kazan olhando A cena volta para Georges e a sua roda de
tudo, muito curioso, com aquela cara meio ouvintes na gráfica do "Le Temps". (mais
maluca. Foi muito engraçado. Nem sei gargalhadas gerais)
descrever a cara dos americanos. Difícil foi
conter o riso na hora. E depois, soubemos GEORGES (quase sem conseguir conter o
que o Cap. Ferber riso)
interrogou Kazan, para - E o coitado tremia que nem uma vara
saber se fora Santos- verde, com medo de tomar uma
Dumont que planejara surra do Cap. Ferber. Essa é
tudo. boa; “os barqueiros do Volga”! (e
voltavam a dar gargalhadas)
A cena passa para o Cap. Ferber interrogando
o russo Kazan. Marcel Duchamp, um jovem fotógrafo-
desenhista, novo no jornal, interpela Georges.
KAZAN (sentado numa cadeira de
interrogatório sob os olhares ameaçadores DUCHAMP
de Ferber e outros oficiais) - É verdade que o aeroplano deles não tem
- Não, seu capitão, eu tava só rodas?
testando um modelo pro
dotô Clemen e fui pro sul GEORGES
pruquê no norte, como de - Aí é que está o ponto,
custume vô, tinha umas Duchamp, Você tocou a
nuve danada de preta, seu capitão. medula da questão. Há sete
Aí vim e dei com aqueles home anos venho acompanhando e estudando
puxando a colda qui nem meus as experiências aeronáuticas. Desde que
conterrano faz lá no Vorga e pensei: Roger Bacon previu as máquinas de voar,
será meus conterrano, os barquero do Vorga, foram inúmeras as tentativas realizadas.
como os senhores costuma dizê? Fiquei (agora em off, sobre a iconografia animada
curioso de sabê quê queles tava fazendo ali ou estática) - Já no Século XVIII, homens
naquela grama. Então fui dá uma ispiada. Aí como Besnier, o marquês de Bacqueville
queu vi aquela gente toda enfarpelada Blanchard, Bartolomeu de Gusmão,
lá e vi a torre de ferro e u’a máquina Launoy, Bienvenu, Jacob Degen,
qui paricia daquelas antiga de voá, Vittorio Sarti, Dubochet, Caignard de
o sinhô sabe, né? la Tour, Sir George Wiley, Henson,
Stringfellow, Du Temple, e,
Ferber dá apenas um rugido e recentemente, o príncipe Albert,
continua a fuzilar o russo com o seu Palmer, Kauffmann, Gibson,
olhar ameaçador. Spencer, Penaud, Tatin, Hureau de
Villeneuve, Langley, Thaso,
KAZAN (continuando, tentando explicar-se) Lilienthal e ainda, Chanute, Voisin, Bleriot,
- Num intindi bem mas vi que tava Farman e os Wright; todos até poderiam ter
atrapaiando. Então fui ‘bora. É só isso, seu tido êxito, se houvessem colocado rodas em
capitão, num foi pro mal não, seu capitão! seus aparelhos. Ader, que foi único
desses precursores que a
colocou, só não
fez voar a
s u a
máquina
De cima para baixo: Lilienthal, Chanut, p o r que não possuía motor a
Langley e o "Avion" de Ader. petróleo. Santos-Dumont já
115
SANTOS DUMONT/O FILME ROTEIRO MARIO DRUMOND
colocava rodas em seus inventos desde seus - Sim, comprei. Em cinco anos aposento-me
primeiros dirigíveis. Por isso foi o primeiro a e vou morar lá. É o fim do ciclo dos Hébrards
voar pelos próprios meios e capaz de retornar na gráfica francesa. Um dos meus filhos é
ao solo sem problemas. O aeroplano dos advogado e o outro filósofo na Sorbonne.
Wright, apesar dos americanos fingirem não
enxergar, não passa de uma traquitana GEORGES
ultrapassada e catapultada. Como projeto e - É uma lástima, Adrien. Foram quatro belas
construção, chega a ser ingênua, além de gerações de gráficos-editores: os
antiquada e superada. Quando perguntei por “informadíssimos Hébrards”! Desde os jornais
que não utilizavam rodas em seu aeroplano, revolucionários de Danton, os manifestos de
disseram-me candidamente que elas Napoleão, as parcerias com Hugo, Balzac,
exigiriam muita pista para decolar!?... Flaubert, até Você com Zola e o caso
Dreyffus... Não se sente mal?
Um foca aproxima-se
ADRIEN
O FOCA - Por um lado, sim, é melancólico. Mas, por
- Sr Georges, o Sr Adrien... outro, fico orgulhoso. Para ser sincero, não
me agradam os novos tempos. Desde o
GEORGES advento da eletricidade, tudo começou a
- Sim, ele me chama. Diga-lhe que estarei mudar vertiginosamente. Antes fazíamos um
com ele em cinco minutos. Preciso ir ao jornal caseiro, artesanal, preocupado com os
toillete. (despede-se e sai) fatos e com os leitores; lembro-me que toda
a família participava dos trabalhos... Então
vieram o telégrafo sem fio, o telefone, as
SEQUÊNCIA 75 rotativas, o automóvel, o aeroplano, enfim,
a indústria e a loucura da produção em série.
Georges sai do elevador no 4 andar e segue Pressinto maus momentos para a
para o Gabinete de Adrien. Percebe um Humanidade, Georges...
guarda bem à frente da porta de seu Gabinete
mas não dá maior importância. Louise o GEORGES
recebe, abrindo a porta do gabinete. - Mas ainda não me respondeu...
116
PARTE 2 SANTOS DUMONT/O FILME
entrar. (e, para Georges) - Benett e Chapman cavalheiros, por quê chamaram-me aqui?
chegaram. Prepare-se, Georges.
BENETT
Entram Benett e Chapman. Todos - Entre os arquivos secretos do "Le Temps"
cumprimentam-se formalmente. que serão lacrados, estão incluídos os
arquivos sobre o aeronauta...
BENETT
- Vamos direto ao assunto. Sr Goursat, Ao ouvir isso, Georges pulou da poltrona
pedimos essa reunião em consideração ao furioso. Benett o interpelou, também
senhor e aos serviços que tem prestado ao levantando-se.
jornal. O que vamos lhe dizer não é pessoal.
BENETT
GEORGES (sem perder a pose) - Acalme-se, Sr Goursat, sabemos do seu
- É tão grave assim? temperamento e da sua indisciplina... para
não falar da bebedeira.
BENETT
- Apenas negócios. Com a fusão do Herald GEORGES (avançando sobre ele)
de Paris e o "Le Temps", apoiada por grandes - Ora, seu...
bancos franceses e americanos, a
prosperidade dessa casa passou a ser a meta ADRIEN (retendo-o)
principal dos nossos acionistas, e, em breve, - Georges!
o "Le Temps" será o maior jornal europeu.
Mas a fusão trouxe também alguns GEORGES (tentando safar-se)
problemas. O histórico anterior de duas - Você também é conivente, Adrien, não
empresas publicamente adversárias, toque em mim! Já entendi... meus arquivos
disputando um mesmo mercado, alimentou sobre Santos-Dumont... serão destruidos...
sobremaneira os arquivos secretos dos dois bando de patifes, eis o que são!
jornais com material muito perigoso para a
nova realidade. Em outras palavras, Adrien BENETT
andou me espionando e eu também o - Ninguém falou em destruição de arquivos,
espionava; Você sabe disso... Sr Goursat; peço-lhe que comporte-se como
um cavalheiro, ou mandarei chamar os
ADRIEN (baixinho para Georges) guardas. Os arquivos que diz serem seus
- É capaz de adivinhar quem era o espião pertencem, em verdade, à sociedade; isso
dele? está bem claro no seu contrato. O senhor
deve entregar suas chaves ao Sr Chapman.
GEORGES (também baixinho para Adrien)
- O patife do Lazare, claro. GEORGES (controlando-se e encarando
Benett)
CHAPMAN - Não sou um criminoso, Sr Benett, e não
- Exatamente, cavalheiros, intrigas como essa tente tratar-me como tal! Não lhe devo
que os senhores acabaram de perpetrar obediência, pois não sou seu empregado,
poderiam multiplicar-se causando graves nem da sua sociedade, a partir desse
danos à sociedade. Por isso, os acionistas, momento! Portanto, não mexa na minha sala
em decisão majoritária, resolveram lacrar os enquanto lá estiverem meus pertences
arquivos secretos dos dois jornais por um pessoais. E nossos advogados é que decidirão
período de 20 anos. quais são eles...
GEORGES BENETT
- Vinte anos?! É bastante tempo... Mas, - Faça o que bem entender, Sr Goursat, como
117
SANTOS DUMONT/O FILME ROTEIRO MARIO DRUMOND
GEORGES
- Em nada me honra a sua admiração, Sr
Benett, me sinto sufocado aqui, nesse seu
mundo imundo. Vou sair, passem bem,
senhores... (pega o chapéu e sai em direção
à porta)
BENETT
- Damos-lhe 48 horas, Sr Goursat, não mais!
Vá perder seu tempo com os advogados. Seu
Gabinete não é mais seu e seus pertences
pessoais serão retirados. Estarão à sua
disposição no Departamento de Pessoal. Se
não tivermos as chaves no tempo estipulado
arrombaremos os armários e o cofre, fique
certo. São propriedades dos acionistas e
temos autorização deles para fazê-lo.
SD Nº 20 - "Demoiselle": o primeiro avião do mundo; é também o 1º a ser produzido em série e vendido ao mercado.
118
PARTE 2 SANTOS DUMONT/O FILME
GEORGES
- Por favor, Alberto, não tente consolar-me.
Só agrava o meu estado. Me sinto como se
tivesse sido condenado a 20 anos de prisão.
SD (sorridente) GEORGES
- E então? Como foi o repouso na Cote - Não consigo enxergar o Adrien metido
D’Azur? Divertiu-se? nessa patifaria, Alberto, mas ele estava lá...
bolas, esqueçamos tudo isso!... Pelo que vejo
GEORGES os "Demoiselle" vão de vento em popa!
- Que nada, Alberto! Mal consegui dormir.
Voltei dois dias antes do previsto. Eu o SD
perturbo? - É o meu sonho plenamente realizado,
Georges. Vendemos já 40 exemplares. E o
SD Chalmers está fazendo mais 30 simplificados.
- De modo algum. É preciso esquecer o "Le Passamos o dia a dar instruções aos novos
Temps" e os nossos arquivos, Georges. Meus pilotos e mecânicos. Você está assistindo,
advogados analisaram o caso nesse momento, ao maior espetáculo do
exaustivamente. Século: o
Não temos nascimento da
qualquer direito aviação civil!
sobre a decisão Portanto, alegre-
dos acionistas. O se, homem!
máximo que
pudemos fazer SEQUÊNCIA 77
foi acompanhar
o lacre na Manchetes de
presença do j o r n a i s
tabelião e das sobrepõem-se
testemunhas, e na tela:
conseguir um
acordo para que “LAHAM TENTA
os originais AT R AV E S S A R
passem a ser ..."o nascimento da aviação civil"... CANAL DA
119
SANTOS DUMONT/O FILME ROTEIRO MARIO DRUMOND
MANCHA” Santos-Dumont”,
através do sistema
“BLERIOT É O de alto-falantes,
PRIMEIRO A provocando
ATRAVESSAR O aplausos em toda
CANAL NUM MAIS a extensão do
PESADO QUE O campo. Um
AR” enorme público
"LAHAM TENTA ATRAVESSAR CANAL"
acompanha os
“ G R A N D dois carros
SEMAINE DE enquanto se
CHAMPAGNE” dirigem ao
h a n g a r
“AERONAUTAS designado
DE TODO O p e l a
M U N D O Comissão.
CHEGAM À
FRANÇA” Começam
as provas.
“WRIGHTS "BLERIOT É O PRIMEIRO A ATRAVESSAR O CANAL" Quinhentos
RECUSAM-SE A PARTICIPAR mil espectadores cercam a
DO CONCURSO” pista de 10 km de extensão.
Festa no ar: sete aviões em
(Legenda: Grand Semaine de vôo ao mesmo tempo,
Champagne, Reims, agosto anunciam os alto-falantes,
de 1909) Aviões de todos os “pela primeira vez no
tipos chegam embalados e mundo”! Um deles, porém,
desmontados no Campo de começa a soltar fumaça e
Champagne. Na desgoverna-se, caindo no
movimentada manhã, as meio da platéia. Susto geral!
aeronaves vão cobrindo de Duas mortes! Contrai-se o
cores o grande gramado, rosto de SD.
cercadas de mecânicos,
aeronautas, visitantes e O alto-falante anuncia um
curiosos. SD chega trazendo vôo de Bleriot. Ele decola,
o seu "Demoiselle" no seu levando um passageiro. O
próprio automóvel. Vem ao motor falha na decolagem e
Curtis na "GRANDE SEMAINE"
seu lado, Georges, e, atrás o aparelho precipita-se sobre
dele, no Mercedes, Chapin, ao volante, a multidão em pânico. Sem mortes, apenas
Gasteau e ferimentos.
Dazon. A Ambulâncias
Comissão de correm ao
Recepção os local. O rosto
recebe em de SD
f e s t a s , aborrece-se
anunciando a ainda mais.
presença do
“Aeronauta Anunciam
pioneiro dos Delagrange, já
ares, o Sr ..."SD chega trazendo o seu Demoiselle"... na decolagem.
120
PARTE 2 SANTOS DUMONT/O FILME
Ao seu lado, decola, sem autorização, E. estante ocupada com as obras completas de
Paulham, numa subida perigosa, choca-se de Júlio Verne, troféus, copas e, nas paredes,
leve com Delagrange, e cai. SD está aflito. diplomas, quadros de medalhas e fotos de
família, esperava o advogado Romain
UMA SENHORA NA MULTIDÃO (bem perto Lelouch. SD entra calmamente, senta-se à sua
de SD) mesa, que é decorada por um grande jarro
- Meu Deus! Essa coisa mata! de flores e a foto emoldurada de Aida
D’Acosta.
Outro desastre; o inglês George Cockburn,
cai com o aeroplano de Farman. Virou um SD
entulho de panos, madeiras e sangue. Quatro - Como vai, advogado Lelouch?
mártires só no primeiro dia!
ROMAIN
SD (lívido, suado, lacrimejante) - Muito atarefado, Sr Santos, espero poder
- Chapin, não desça o "Demoiselle"; vamos servi-lo no que deseja.
voltar.
SD
CHAPIN - Dr Romain, decidi que vou dar por
- Mas, senhor, este é o nosso melhor modelo! encerrada as minhas atividades de inventor
Voará perfeitamente. Nunca o vi com medo e aeronauta.
de voar!
ROMAIN
SD - Eu ouvi bem, Sr Santos? O senhor está me
- Não é medo, Chapin. Não pretendo dizendo...
tripudiar sobre os restos mortais dos nossos
companheiros martirizados nessa carnificina. SD
Vamos embora; Georges, Você vai? - Exatamente o que o senhor ouviu, Dr
Romain. Chamei-o para ajudar-me a
GEORGES providenciar a aposentadoria do Sr Chapin,
- Devo ficar, Alberto. Estou em missão de o único dos meus fiéis mecânicos que
trabalho. Mas dou-lhe razão. O ambiente não também deseja parar. Os demais não terão
está bom. Vejo-o em Paris. dificuldade em colocar-se; são os melhores
de Paris...
SEQUÊNCIA 78
AUGUST (in)
- É o advogado Romain Lelouch, senhor, já
está aqui.
SD (in)
- Sim, August. Leve-o ao Gabinete e peça
que aguarde-me. Demoro uns cinco minutos.
121
SANTOS DUMONT/O FILME ROTEIRO MARIO DRUMOND
SD SD (interrompendo-o)
- A questão das patentes do "Demoiselle"? - Mantenha-os longe, Dr Romain. Temos
algum outro assunto? Desculpe-me, mas
ROMAIN estou bastante ocupado no momento.
- Não, não senhor; esta causa já ganhamos e
está encerrada. O domínio público foi ROMAIN
assegurado, conforme o seu desejo. Falo - Apenas entregar-lhe o relatório financeiro
sobre a questão da vistoria no imóvel anexo do último semestre, Sr Santos. Aqui está
a este. Como já lhe informamos o processo (entrega-lhe os papéis que retirou da pasta)
permanece em difícil situação. Somente um - As coisas felizmente continuam a ir bem
acordo poderá tornar as coisas mais fáceis. para o senhor. Aliás, sempre andaram bem,
Creio que agora, o senhor abandonando as não? O senhor é mesmo um homem de muita
atividades... sorte!
ROMAIN
- O escritório não sabe até quando poderá SEQUÊNCIA 79 (Despedida)
manter essa situação, Sr Santos. Tenho o
dever de informá-lo que é iminente a A oficina secreta está abarrotada dos modelos
aprovação da lei de emergência. Se isso e pedaços de modelos que nela foram
acontecer, mais nada poderá ser feito. construídos desde que fora inaugurada.
Numa reunião com todos os seus principais
SD mecânicos, incluindo Anzani e Levavasseur,
SD, seus três fiéis mecânicos, Chapin, Gasteau e Dazon e o protótipo do inacabado bimotor.
122
PARTE 2 SANTOS DUMONT/O FILME
SD despede-se. Clima de emoção e tristeza. descobertas. Mas hoje o Aero Clube parece
Alguns não conseguem esconder as lágrimas. ter perdido a sua independência, senão a
dignidade. Veja o episódio da concessão dos
SD brevets. A pressão para a inclusão dos Wright
- Amigos, chegou o fim da minha jornada. e do Cap. Ferber foi vergonhosa e
Minha saúde não permite a continuação dos demonstrou a fraqueza da nossa direção.
trabalhos. Além disso, enfrentamos o boicote
de uma imprensa entregue a interesses GEORGES
inescrupulosos. Começo a duvidar se o que - Isso deu-se logo após o golpe do "Le
fizemos com tanto empenho e dedicação, Temps". Estava tudo articulado, desde a visita
reverterá mesmo em benefício da dos Wrights. E o Aero Clube precisava de
Humanidade. De mim sempre haverá o dinheiro e prestígio para as ampliações. Se
profundo reconhecimento da importância de eu devo perdoar Adrien, como me
todos nessa trajetória de mais de uma década aconselhou, perdoe Você também o Aero
de intensa atividade criadora. Vocês todos Clube. Estou aqui como embaixador deles,
estão de parabéns! Desejo que sejam felizes Alberto.
em seus novos empregos. Muito obrigado.
SD
Comovido, SD começa a abraçar um por um, - Não me consta que tenha perdoado o
num clima de enterro. Todos, emocionados, Adrien...
abraçam-no demoradamente, sem conseguir
emitir uma palavra, pegam suas maletas e GEORGES
saem da oficina, olhando-a com tristeza, pela - Intimamente sim. Apesar de não o ter
última vez. procurado mais, não guardo ressentimentos.
123
SANTOS DUMONT/O FILME ROTEIRO MARIO DRUMOND
de um dos seus mais ilustres fundadores e apogeu com o seu mais expressivo projeto;
aeronautas. Muitos de nós testemunhamos, os pequeninos "Demoiselle", que hoje fazem
desde os começos, e até há poucos meses, a parte dos céus parisienses e muitas outras
energia com que este homem empenhou-se cidades, formando novos pilotos e
na construção e crescimento do nosso Clube, aeronautas. Essa sua pequena e última obra-
sem poupar esforços e recursos, como uma prima, senhoras e senhores, é nada menos
chama poderosa e permanente de estímulo do que a primeira aeronave de turismo que
e emulação. Foi também, seguramente, o o homem fabricou em sua indústria! É
maior orgulho dessa casa e, posso dizer, que também a matriz de todos os projetos
o seu espírito, inteligente e empreendedor, aeronáuticos atuais e futuros, pois em
foi a pedra fundamental da nossa instituição. essência, o Sr Santos-Dumont, ao criá-la, deu,
Além disso, o Sr Santos-Dumont, foi grande incontestavelmente, as asas que o homem
aeronauta e inventor de alta brilhância, precisa para viver o seu futuro. É preciso,
podendo figurar na constelação dos maiores, porém, ressaltar que, da primeira até a última
ao lado de Edson, Marconi, Grambell, criação, a obra do Sr Santos-Dumont é, antes
Lumière, entre poucos outros. Sua obra, que de tudo, a obra de um grande humanista.
ele já dá como completa, é uma obra de Sim, porque saíram do coração e da mente
grande mestre, de gênio mesmo! Muitos de um homem que ama profundamente a
presenciamos, em 1898, a sua temerária sua própria espécie, sem nada pedir em troca.
ascensão no pequenino balão esférico “Le É notório o desprendimento com que o Sr
Brésil”, até hoje o menor balão esférico do Santos-Dumont legou todos os seus inventos
mundo, e agora podemos historiar uma ao domínio público. Foram humanistas como
profícua carreira de 23 projetos aeronáuticos, ele que deram à humanidade obras de arte
todos pioneiros e a maioria deles testados como as Nove Sinfonias, a Divina Comédia,
em vôo pelo próprio inventor. Além disso, os Lusíadas, Hamlet, a Ilíada e a Odisséia! E
sete novos motores a petróleo e mais de 300 ao conhecimento, as Proporções Áureas, as
invenções subjacentes e acessórias, grande teorias da gravitação universal, as leis
parte delas já matemáticas e filosóficas da Natureza, os
incorporando-se ao postulados e os teoremas da Ciência, e as
cotidiano dos revolucionárias invenções da nossa época.
projetos e Devemos muito a eles, senhoras e senhores,
oficinas, e até e posso, com certeza, incluir, entre os
mesmo das grandes, o nome de Santos-Dumont.
pessoas, em Sentimos a sua ausência em nossa casa e
todas as partes do devemos-lhe uma homenagem. A casa
mundo. Essa obra Conteneau e Leliévre, por iniciativa do
magnífica, cheia de escultor George Colin, renomado artista de
conquistas e sucessos, Paris, construiu-nos este belo monumento
numa sequência dedicado ao Sr Santos- Dumont (exibe a
progressiva de maquete) que comemora os seus
inovações inesquecíveis vôos de 1901 e 1906. A
revolucionárias, municipalidade de Paris consentiu-nos erigi-
encerra- lo na Praça em frente aos portões do
se no AeroClube, em St Cloud, que também
receberá o nome do nosso ilustre
companheiro e colega. Em 23 de outubro
próximo estaremos inaugurando- a
solenemente. Todos estão convidados. Muito
obrigado. (demorados aplausos)
124
PARTE 2 SANTOS DUMONT/O FILME
SD GEORGES
- Minhas forças esvaem-se, Georges. Parece - Como? Espionagem?
uma certa doença que ataca pessoas como
eu... SD
- Exato! A suspeita de que eu posso ser um
GEORGES espião alemão é a base da justificativa que a
- O que pretende fazer da sua oficina? polícia e o exército francês utilizam para
aplicar a nova lei sobre mim e conseguir a
SD per missão legal para invadir minha
125
SANTOS DUMONT/O FILME ROTEIRO MARIO DRUMOND
propriedade. SD
- Ainda não sei, Georges. Por enquanto,
GEORGES pretendo descansar um pouco. (pára o
- Ora essa! Só mesmo a cabeça desses automóvel em frente ao L’Illustration;
pascácios! Mas, nós sabemos o que eles Georges desce)
querem mesmo.
GEORGES
SD - Alberto, apenas uma pergunta: quem o
- Crêem que escondo o mais importante e mandou... ou, melhor, como teve a idéia de
revelo apenas o menos importante. Talvez construir aeronaves?
fosse o que fariam em meu lugar.
SD
GEORGES - Acredito em meus sonhos! (e arranca)
- Conseguirão a ordem judicial?
SD
- Sim, vão consegui-la.
GEORGES
- E o que vai fazer? FIM DA SEGUNDA PARTE
126
PARTE 3
IMPRIMA-SE A LENDA
(EPÍLOGO)
*20.7.1873 †23.7.1932
PARTE 3 penumbra. A barquilha movia-se.
SD
SEQUÊNCIA 82 - Quem está aí?
- Diabos! O que está acontecendo aqui? imenso balão de hidrogênio, sem proteção
(olhou o grande termômetro marcando 17 algo mais eficiente do que teus cálculos
graus) - Que tipo de negócios haveria eu de científicos? Já esqueceste de Augusto Severo?
tratar convosco, que nem conheço?
SD
MEPHISTO - Severo foi imprudente; eu mesmo tentei
- Ora, meu caro Alberto, já se passaram os 24 avisar-lhe...
anos do nosso trato! Nesse período, ambos
cumprimos nossas partes rigorosamente. MEPHISTO
Chegou a hora do desfecho. - E tu não foste imprudente?! Essa é boa,
meu caro Alberto! Não tens idéia do trabalho
SD que nos deste, desde o teu primeiro vôo
- Vinte e quatro anos? Refere-te àquele naquele balãozinho petulante. Tua audácia
pesadelo que tive em Ribeirão Preto? Mas eu ultrapassou todos os limites!
tinha apenas doze anos...
SD
MEPHISTO - Ora essa! Sem audácia e ousadia, não
- Não costumamos observar exigências etárias haveria como fazer o que fiz!
em nosso negócios, Alberto. A nós importa
os tratos com aqueles que sabem exatamente MEPHISTO
o que querem. E tu eras um deles já naquela - Certamente! Mas também não precisávamos
época. Até pilotavas, com perfeição, as ir tão longe! O teu Número 1, o Número 5,
locomotivas da fazenda do teu pai... os vôos em meio às sabotagens - nós mesmos,
na Inglaterra e nos Estados Unidos, tivemos
SD de sabotar o Número 7 em terra, para que
- Ah, falas de Vós no plural, não é? Sois uma não o fizessem em vôo. O episódio de
legião. Naquele sonho, ou pesadelo, foi outro Mônaco... E o 14 Bis; aquele mastodonte
que me apareceu. Um europeu típico, com aéreo em forma de pipa? Tive de entrar em ti
uma longa barba branca e faces coradas. pela boca daquela bailarina, lembras-te? (a
Cheguei a pensar que era o próprio Papai fala fica em off enquanto repete-se a cena
Noel! do beijo demoníaco da bailarina, antes de
SD entrar no 14 Bis para a glória) - Somente
MEPHISTO nós dois, juntos, pilotando, conseguiríamos
- A nossa forma é apenas uma projeção fazer aquilo voar! Mais ninguém, meu caro
subconsciente dos nossos parceiros, Alberto. Alberto; e não foi fácil, recordas-te?
Daquela feita, tu precisavas de alguém mais
bonachão e paternal. Hoje requeres algo entre SD
o teu pai e o Dr Langley. Cá estamos... - Foram todos projetos bons e necessários. E
cumpriram seus objetivos.
SD
- Nunca fiz pacto algum com Vocês. Nada MEPHISTO
devo aos senhores; tentam aproveitar-se da - Ah, sim! Claro! Não fazemos tratos com
ingenuidade de uma criança... medíocres ou pusilânimes. Sempre demos
preferência a espíritos inquietos como o teu;
MEPHISTO destemerosos, desbravadores e visionários.
- Se insistes em tratar-me no plural, que seja.
Mas não venhas com bobagens, tentando SD
esquivar-te. Pensas mesmo que poderias sair - Qualquer que tenha sido o trato com Vocês
voando por cima de Paris, e até por entre eu não corroborei. A própria tentação das
suas ruas e boulevards, pendurado num patentes...
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PARTE 3 SANTOS DUMONT/O FILME
MEPHISTO MEPHISTO
- Patentes? Ora, Alberto, essas banalidades - Charlatanice? Aquele espírita que a recebeu
não entram em nossos negócios. Pareces um pode ser tudo, menos um charlatão. E não
tanto esquecido, meu caro! Absinto em se comprovaram suas previsões? Tu não
excesso costuma prejudicar a memória! Devo duvidas disso, meu caro Alberto. Mas naquela
refrescá-la. Tu querias dar asas ao Homem, época achaste mais seguro confiar em nós.
ou antes, querias os segredos das máquinas Por isso aceitaste o pacto.
de voar e dá-los aos homens. Deixamos claro
que não seria fácil. Outros, no passado, não SD
o conseguiram nem com a nossa ajuda. Mas - Recuso-me em reconhecê-lo. O que fiz foi
prometemos-te tentar. E, se conseguíssemos, às minhas próprias custas e sofrimentos. Nada
pedimos-te, em troca, que não amasses a devo a ninguém. E para que fique claro,
ninguém e, após o prazo, entregasse-nos a decido agora contrariá-los: vou retornar à
tua alma. 24 anos, aliás, vencidos há pouco aeronáutica e às minhas invenções. Mesmo
mais de três meses... com as poucas forças que me restam...
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SANTOS DUMONT/O FILME ROTEIRO MARIO DRUMOND
O COMANDANTE DO DISTRITO
SEQUÊNCIA 84 - Não devíamos prender logo esse alemão?...
August vai até a porta enxugando os olhos e FERBER (já entrando prepotentemente)
abre-a. Lá estão o Cap. Ferber, o Coronel - Quinze minutos, no máximo, August. Sirva-
Renard e o Comandante do Distrito da nos um café, para começar. E para os nossos
Gendarmeria, que entrega-lhe um papel da homens. Somos onze ao todo.
justiça. August recebe o papel, coloca
demoradamente os óculos de leitura e começa AUGUST (trêmulo)
enfim a ler. - Pois não, Senhor. Mas hoje é dia de folga
dos criados. Terei eu mesmo de preparar o
RENARD café.
- Temos pressa, senhor. Por favor, o Sr Santos-
Dumont está? RENARD
- Aos diabos, com o café, August. Localize
AUGUST (ainda lendo o mandato e pedindo, Santos-Dumont. Se achá-lo quero falar
com a mão, que o aguardem acabar) pessoalmente. E não esperaremos quinze
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PARTE 3 SANTOS DUMONT/O FILME
RENARD
SEQUÊNCIA 85 - Seu tempo esgotou-se, August. Vamos
entrar. Parece que estamos de mudanças,
SD já no piso da oficina aciona o comando hein? Ferber, creio que chegamos bem na
de fechamento da cúpula e, em seguida, uma hora!
série de chaves elétricas e alavancas. Depois,
acesas apenas as luzes de serviço, vai até um O COMANDANTE DO DISTRITO
dos bonecos de borracha, tira-lhe o colete - Sabia que o alemão estava escondendo
que vestia, pega uma bomba de encher pneu algo...
de bicicleta e vai para as grandes portas de
correr que dão para o pátio. Aciona a FERBER
alavanca de abertura apenas o suficiente para - Não é alemão; é...
que abram um pouco mais de um metro e
retorna-a para a posição de fechar. Enquanto AUGUST (ainda ao telefone)
elas se fecham, ele escapa para o pátio. A - Não consigo encontrá-lo, senhor.
câmera fica na oficina e vê as portas
fecharem-se e com isso acender RENARD (já abrindo a outra porta)
automaticamente um grande holofote - Penso que não o encontrará mais, August.
vermelho com foco direcionado para a porta Vamos, pessoal.
que dá para o apartamento.
Chegam todos pelo largo corredor até a
Corte para SD no pátio, falando com as mãos bailarina de Degas. Renard mexe-a e a
com o Sr Louis. SD sobe para o alto da portinhola abre-se.
carroceria do carroção e o Sr Louis a dirige
para que encoste perto do muro do pátio RENARD (berrando para August que vinha
que dá para a servidão do interior da quadra. atrás dos outros)
SD salta para o muro e pula para o outro - Você não sabe o segredo, não é August?
lado. A câmera, em grua alta, vê o carroção
saindo para a rua enquanto SD caminha pela AUGUST
servidão em direção aos fundos do - Não, senhor. Somente o patrão o conhece.
apartamento de Pedro.
RENARD (apontando para o especialista em
Corte para o carroção do Sr Louis sendo cofres)
revistado por gendarmes na rua Washington, - Dê uma olhada.
perto do portão.
O rapaz chega-se até a portinhola e observa
Corte para SD no interior do apartamento de o mecanismo com atenção.
Pedro Guimarães inflando o colete com a
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SANTOS DUMONT/O FILME ROTEIRO MARIO DRUMOND
RENARD O ESPECIALISTA
- Comece. (e, para o Comandante da - Consegui! Posso acionar o mecanismo?
gendarmeria) - Está tudo cercado?
RENARD (para Ferber)
O COMANDANTE - Avise ao General. Vamos entrar. (e, para o
- Sim, senhor. Todo o quarteirão está especialista) - Acione!
policiado. Ninguém entra ou sai sem ser
identificado.
SEQUÊNCIA 86
O especialista começa o seu trabalho,
colocando ao ouvido um auscultador de Ao acionar a alavanca, o fundo do corredor
médico e aplicando a outra ponta ao começa a abrir-se lentamente, deixando
mecanismo, girando-o lentamente. Pede passar uma forte luz vermelha que cega a
silêncio a todos. todos.
Corte para SD saindo do prédio de Pedro, Corte para o detalhe interior da porta
com as roupas, o chapéu e o “corpo” de acionando um mecanismo de disparo, ao
Pedro, e com o rosto enfaixado e engordado, encostar no batente.
como se estivesse com dor de dente. O
próprio porteiro o cumprimenta como se Ao ser disparado, corte para um fonógrafo
fosse Pedro. Ligeiro, SD entra numa cupê de rolo sendo acionado automaticamente, no
que já o aguardava na porta. O cocheiro observatório, perto da cúpula.
arranca e pára logo em seguida numa barreira
de gendarmes. Um deles aproxima-se da Corte para a câmera no piso da oficina com
janela da cupê, trazendo uma lanterna na várias luzes vermelhas piscando e uma
mão. campainha tocando insistentemente em alto
volume, e mostrando o Cel Renard e seus
O GENDARME homens entrando na oficina com as mãos
- Documentos, senhor. sobre os olhos, para protegê-los do foco de
luz vermelha do holofote. Ouve-se uma voz
SD entrega os documentos de Pedro. O metálica, emitida por vários alto-falantes.
gendarme aproxima a lanterna dos
documentos e depois chega-a para perto do A VOZ
rosto de SD, tentando comparar o retrato. - Atenção! Atenção! Mecanismo de
autodestruição acionado! Invasores devem
O GENDARME retirar-se imediatamente para desativação do
- Está com dor de dentes, senhor? sistema. (repete, e continua) - Trinta segundos
para a autodestruição... 29 segundos...
SD (falando como se não pudesse encostar (campainhas e sirenes começam a tocar
os dentes) ensurdecedora e intermitentemente)
- Sim, tenho de correr ao dentista.
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PARTE 3 SANTOS DUMONT/O FILME
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SANTOS DUMONT/O FILME ROTEIRO MARIO DRUMOND
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PARTE 3 SANTOS DUMONT/O FILME
abajur, o atormentado SD tenta escrever. preparando um café com leite à sua maneira:
Rascunha alguma coisa, lê-a, e, nervoso, mistura uma certa quantidade de pó ao leite
amarrota o papel e joga-o na cesta. quase fervendo. Espera ferver e passa o
conteúdo coando-o direto para uma xícara
Outra manchete de jornais brasileiros: grande. Bebe-o devagar. Ao dar um gole
“8 DE AGOSTO: ALEMANHA DECLARA percebe uma sombra do lado de fora de uma
GUERRA À FRANÇA E INVADE A BÉLGICA” das janelas. Vê o vulto de Mephisto, vai até a
porta e abre-a. Aos seus pés, a luz da manhã
VOZ DE GEORGES (em off) bate sobre o jornal do dia com a manchete:
“Querida irmã. Sei que entende de almas mais
do que eu. Quando me fala das paixões da “KAISER MANDA AVIÕES BOMBARDEAR
alma de Alberto, creio que refere-se às ESCOLAS E HOSPITAIS: 2OO MORTOS!”
paixões latentes,
n u n c a SD estarrecido lê
exteriorizadas. Pois a manchete.
a aeronáutica foi a Embola o jornal e
sua única e faz uma fogueira
tirânica paixão! com ele na porta
Nunca amou nada da “Encantada”.
ou ninguém além Os passantes dão-
da aeronáutica e no como doido,
seus modelos, por através de gestos
A casa de Cabangu, Minas Gerais, onde nasceu SD.
ele mesmo com o dedo ao
inventados e construídos. Não mais o vi desde ouvido. A câmera aproxima-se do fogo até
que se foi. Mas sei que o Alberto que Você que as labaredas tomem conta do quadro.
conheceu é um morto-vivo! Não existe Ao afastar-se novamente mostra as labaredas
Alberto Santos-Dumont sem o seu próximo de uma fogueira frente ao rosto de SD, numa
projeto “número tal”! Não é possível sequer animada festa junina, em Cabangu, onde
imaginá-lo sem os impulsos dessa energia todos dançam, cantam e brincam, menos ele.
criadora ininterrupta. Sua vida foi como a de Por trás do fogo, o sombrio semblante de SD
uma flecha disparada ao alvo por um é o único infeliz da festa de São João, com
poderoso Maciste. E o acertou em cheio. Ao muitos balões acesos subindo aos céus.
fazê-lo, abriu as portas à humanidade para o
vôo mecânico. E ninguém mais quer saber VOZ DA IRMÃ DE GEORGES (em off)
da flecha, imóvel, inútil e desgastada, após “Irmão querido. Seu ceticismo é fruto das
ter cumprido o seu papel.” grandes adversidades que está passando
agora; não culpe o passado. Recebi cartas de
SD arruma bagagens na papai e todos em casa estão
“Encantada”. empenhados em ajudá-lo
nessa crise terrível. Contar-
Corte para SD em Cabangu, lhe-ei, por isso, um segredo,
passeando a cavalo pelos que talvez o alivie um pouco.
lindos grotões das gerais, Quando o Sr Santos-Dumont
num belíssimo dia. Um esteve no Convento, deixou
pequeno bimotor, muito com a Madre Superiora, dois
barulhento, sobrevoa a envelopes. Um com uma
região. expressiva quantia em
dinheiro brasileiro, como
SD de novo na “Encantada”, donativo ao Convento, e
atormentado, nervoso, "... passeando a cavalo pelos grotões..." outro, aromatizado em
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PARTE 3 SANTOS DUMONT/O FILME
da catástrofe que provocou. A saída que vejo idade, abre a porta. Por trás dela, uma bruaca
para a Humanidade é a experiência de Lenin, imunda, de uns quarenta, surge, segurando
na Rússia Soviética, mas não creio que possa na mão uma coxa de pato, mastigando-a com
durar muito tempo. Aleijados mentais a boca aberta.
proliferam-se por todas as partes e também
lá já devem estar realizando o seu trabalho A BRUACA (olhando SD de cima abaixo, sem
de destruição. Só não sou ainda um interromper a barulhenta mastigação)
comunista porque não consigo ser ateu. - O que deseja?
Confesso-lhe que tentei, mana, e perdoe-me
o desabafo. Sinto a falta de Alberto mas não SD (olhando o envelope de uma velha carta)
concordo com Você quando diz que ele é o - O Senhor Georges Goursat reside nesse
meu maior amigo. Ele é o meu único amigo! endereço?
Peço-lhe que procure notícias dele, passe-
lhe o meu novo endereço e as minhas A BRUACA
lembranças. Diga-lhe que tenho saudades.” - Quem?
SD chega em Paris e vai de táxi até o seu SD ia repetir mas um voz rouca de homem,
velho endereço no Champs Elysées. Desce vinda de dentro do cortiço se fez ouvir.
do automóvel e começa a refazer a pé, o
percurso que gostava de fazer nos bons A VOZ DE HOMEM
tempos. A Paris outonal está linda, mas as - É o artista, mulher, o tal do Sem!
pessoas estão feias e pobres. Mutilados de
guerra, em muletas, cadeiras de rodas ou SD balançou positivamente a cabeça.
pedindo esmolas a todo instante.
A BRUACA
- Ah, sim! Mudou há tempos. Deve ter
SEQUÊNCIA 87 recebido algum dinheiro. Pagou o que devia
por aqui e foi-se.
Ao chegar na complicada travessia da Place
de la Concorde, reconhece o guarda que SD
sempre parava o trânsito para ele passar. - Deixou algum endereço?
Alegra-se, um raro sorriso começa a esboçar-
se em seu rosto, e, sem pensar, começa a A BRUACA
atravessar perigosamente a rua em direção - Qual! Mal deu boa noite. Pegou suas coisas
ao gendarme. Este, furioso, dá um estridente e sumiu.
apito, faz um sinal autoritário para que se
volte e olha bem nos olhos de SD.
SEQUÊNCIA 88
O GENDARME (vociferando)
- Onde pensa que vai, velho idiota! Quer Corte para SD na estação ferroviária
morrer? comprando passagem para Biarritz.
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PARTE 3 SANTOS DUMONT/O FILME
brancos em nossas cabeças, hein? Senti falta arranha-céu, estilo art-deco, com néons e
de Você, Georges. luminosos na fachada. Começa a anoitecer
em Paris.
GEORGES (também envelhecido, mas fraco
e acabado) Os dois entram no imenso hall de mármore
- Eu também de Você, Adrien. Como está em de carrara, no interior do edifício. Um
Avignon? funcionário uniformizado os aguarda.
ADRIEN O FUNCIONÁRIO
- Dedico-me a editar e revisar os livros do - Sr Adrien Hébrard?
meu filho Jean Paul, o jovem filósofo -
revelação da Sorbonne. Mas a maior parte Adrien cumprimenta-o.
do meu tempo entrego-o às delícias da
agricultura e do pastoreio no campo. Nunca O FUNCIONÁRIO
entendi tão bem Dionisius como agora, meu - Sigam-me por favor, cavalheiros.
caro, só faltou-me tê-lo visto em carne e osso.
Os três entram por uma porta térrea que dá
GEORGES para um interminável corredor interno, e,
- Pois, para mim, a vida tem sido uma após percorrê-lo quase todo, descem dois
madrasta, Adrien. Não sei quantos pecados lances de escada para o subsolo e entram
cometi para merecer tantas desditas. por uma porta de uma sala cheia de grades e
pesadas portas de cofres. Os carregadores
ADRIEN contratados por Adrien já aguardavam. Uma
- Ora, Georges, não fique se culpando. funcionária do setor os atende. Adrien
Nossos arquivos estão à nossa espera. Hoje entrega-lhe os papéis, a moça os confere e
é o dia do resgate, meu amigo; o resgate da dá ordens para os funcionários dentro do
História! cofre.
141
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Georges quase desmaiou, ficou branco feito ADRIEN (contendo Georges que já queria
cera. Adrien avermelhou-se de ódio. partir para cima de Lazare)
- Não nos trate como idiotas, Lazare. Exijo
ADRIEN respostas!
- Esses patifes!
LAZARE (olhando sem interesse os papéis
Reparou que Georges preparava-se para fazer que Adrien voltava a lhe exibir e continuando
o bafafá. Conteve-o. a demonstrar desprezo por Georges)
- O que sei é que houve problemas nas
ADRIEN mudanças para cá, Sr Adrien. Ouvi falar de
- Ninguém aqui tem haver com isso, Georges. um incêndio num dos caminhões. É tudo que
Vamos ao Lazare, siga-me. sei, posso mandar averiguar; e é só o que
posso fazer. Agora, se me derem licença,
senhores, sou candidato a uma cadeira na
SEQUÊNCIA 92 Câmara de Deputados e estou em plena
campanha... (toca a campainha, chamando
Georges e Adrien de caras feias, sobem no os assessores, que entram imediatamente)
elevador. No 12º andar descem e entram
decididos pela porta do Gabinete onde se lia ADRIEN (sem dar bola para eles)
“DR LAZARE WEILLER - PRESIDENT - Sei que está metido nisso, Lazare. E vai
DIRECTEUR”. A secretária tenta contê-los na pagar caro, eu prometo. Quem pensa que é?
ante-sala mas Adrien já havia aberto a porta E quem pensa que eu sou, garoto? Vai se
do Gabinete de Lazare e entrava, seguido de arrepender! Sei que Benett não precisa mais
Georges e da apavorada secretária. do Banco de seu pai, que, por sua vez, está
se arruinado por causa das suas pretensões
Lazare, agora gordo e mais velho, vestido políticas...
com elegância excessiva e de mau gosto, foi
pego de surpresa com dois de seus assessores, LAZARE (interrompendo-o, com os
mas não perdeu a hipocrisia. Dispensou assessores ao seu lado, todos de cara
educadamente a secretária e os assessores e fechada)
dirigiu-se, em seguida, a Adrien, sem sequer - Sr Adrien, não tenho de ficar aqui escutando
olhar ou cumprimentar Georges. suas acusações e nem sendo ameaçado por
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PARTE 3 SANTOS DUMONT/O FILME
jornalistas fracassados. Procurem seus - Ora, Hipólito, aquele patife merecia muito
advogados, nós temos os nossos! Hoje as mais do que umas boas pancadas. Eu só achei
coisas resolvem-se assim no mundo civilizado que não valia a pena Georges sujar as mãos
dos negócios, Sr Adrien. na cara daquele porco!
ADRIEN HIPÓLITO
- Isso é o que Você pensa, menino! Em pouco - Aquele “patife” a que se refere é o diretor
tempo vai ver que não é bem assim! Sim, presidente do maior jornal da Europa, papai.
vamos aos advogados. Mas Você pode E hoje, ser diretor de um jornal como o “Le
começar a contar, nos dedos de uma mão, Temps” é muito mais do que foi no seu tempo,
os seus dias aqui, seu canalhazinho insolente! o senhor sabe disso...
Vamos Georges! Vamos ao Hipólito! (e sai
arrastando Georges sob os olhares cínicos e ADRIEN
petulantes de Lazare e seus puxa-sacos) - Eu sei muito bem, meu filho. Mas sei outras
coisas que Você e o imbecil do Lazare não
sabem, mas agora vão ter de aprender.
SEQUÊNCIA 93
HIPÓLITO (impaciente)
Adrien e Georges entram no luxuoso escritório - Essa discussão parece ser demorada, papai.
de advocacia do “DR HYPPOLITE Vamos direto ao assunto, como o senhor gosta
HÉBRARD”. Este já os esperava em sua sala de dizer. Lazare ofereceu um acordo de 50
de trabalho. mil francos para por fim nessa confusão.
Penso que está sendo até generoso, diante
HIPÓLITO do que ocorreu...
- Não é um pouco tarde, papai? Não
poderíamos deixar para amanhã? Hoje eu... GEORGES
- 50 mil francos? Ora, Dr Hipólito,
ADRIEN francamente! É toda uma vida que está em
- Hipólito, eu não saio de Paris sem ter jogo. E não digo apenas a minha, mas
resolvido esse assunto com todos os pingos também a do seu pai e a do Sr Santos-
em seus devidos iis, entendeu? Portanto, se Dumont, essa última, principalmente. É o
quiser, pode avisar sua esposa que hoje não homem que criou a aeronáutica moderna, e
haverá Teatro, nem Ópera, nem festas ou seja naqueles arquivos estavam todas as provas
lá o que for. Vamos sentar e trabalhar. incontestáveis!
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SANTOS DUMONT/O FILME ROTEIRO MARIO DRUMOND
Georges, ninguém mais, diabos, lembra-se número do telefone de lá. Passe-lhe também
de quem foi esse Santos-Dumont. esse número. O próprio Benett vai desejar
dar-me a resposta pessoalmente. Vamos
GEORGES Georges. (levanta-se e puxa o aparvalhado
- Mas é justamente para isso que servem esses Georges pelo braço, e saem)
arquivos, para resgatar a verdade! Lá tem
coisas que o mundo e o senhor precisam HIPÓLITO
muito conhecer. - Mas... papai, papai!
HIPÓLITO
- Ao que nos consta hoje, não sabemos se SEQUÊNCIA 94
esses arquivos realmente existem, Georges...
Adrien e Georges chegam ao café Diderot.
Durante esse diálogo Adrien ficava Adrien vai até o maitre, orienta-o sobre o
aborrecido, pensando com seus botões, sem telefonema, e pede bebidas, enquanto
prestar atenção no que falavam. Ao perceber Georges senta-se numa mesa e aguarda com
Georges novamente irritado com Hipólito ao a cara triste e pensativa. Adrien chega e senta-
ponto de uma briga séria, interrompeu-os. se também.
ADRIEN GEORGES
- Um milhão de francos, Hipólito! Um milhão - Adrien, Você está mais louco do que eu,
em “cash” como dizem os homens de homem?! Um milhão?! Eles querem nos ver
negócios de hoje, não é?E para amanhã! Esse arrasados e maltrapilhos, acha mesmo que...
é o nosso acordo.Depois de amanhã será o E o seu filho, hein? Que pustulazinha! Oh,
dobro.Estes prazos são o limite da minha perdoe-me, Adrien.
paciência!
ADRIEN
Até Georges surpreendeu-se - Não escolhemos nossos filhos, Georges.
Você não os tem por isso não entende certas
HIPÓLITO coisas. Mas é preciso que comece a entender
- Como, um milhão?! Ora, papai, Lazare nem alguma coisa desse novo mundo. Hipólito
discutirá essa proposta. Não gastará mais de não é o canalha que pareceu a Você, acredite.
20 mil para levar essa causa para as calendas É apenas um advogado, sem qualquer
gregas... Pondere, papai, Lazare quer genialidade, admito, mas que, por isso
negociar, mas assim... mesmo, está se saindo muito bem. Assim
como Lazare. Só que hoje, escaldei, e perdi
ADRIEN a paciência.
- Chegou a hora de Vocês, garotos,
aprenderem certas coisas, Hipólito. Você vai O garçom chega trazendo champagne Don
ligar ao Lazare e dizer que não aceitamos Perignon e duas taças.
menos de um milhão, com prazo de solução
ainda para hoje, e depósito em dinheiro GEORGES
amanhã pela manhã. Diga-lhe para falar ao - Don Perignon? O que estamos
Benett agora (olha seu relógio de pulso) - comemorando?
ainda é expediente em Nova York - e passar-
lhe um recado meu de três palavras: “mon ADRIEN
petit cahier”. Precisa anotar? Então anote. - Comemoração mesmo nenhuma, Georges.
Georges e eu vamos esperar a resposta no A perda dos arquivos de Santos-Dumont é
café aqui embaixo, o da esquina da impagável. Mas quando se ganha um milhão
boulevard Diderot, sei que Você sabe o de francos é justo que se beba ao menos um
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PARTE 3 SANTOS DUMONT/O FILME
- Santos-Dumont!... toda essa história de Santos-Dumont. Desde que se foi não mais
devemos a ele, pobre homem. Sua famosa o vi. Mas deve estar sofrendo terrivelmente
sorte parece que não o protege mais. Há por esse injusto boicote de que é vítima.
pouco participei da revisão francesa de uma
grande enciclopédia editada em mais de 40 ADRIEN
línguas e financiada por bancos americanos. - Soube que andou enlouquecido e internado
Vi o verbete do seu nome; é uma bazófia! em Biarritz, mas a última notícia que tive já
Tiraram-lhe toda a parte do mais pesado que era bem melhor... Onde estará ele agora?...
o ar, Georges, e ainda inventaram-lhe um
balão chamado “A Música”, que sei que GEORGES
nunca existiu. Eis no que se transformou a - Recebi ontem uma carta de minha irmã
imprensa dita “moderna”. (olhou seu relógio de pulso) - se o fuso
horário não me engana e o Cap Arcona não
GEORGES atrasou...
- De fato procuram eliminar todos os registros
dos seus feitos. E o mais grave tem sido a
criminosa omissão do seu nome em tudo que SEQUÊNCIA 95
diz respeito aos começos da aeronáutica. E
sobre os irmãos Wright, o que publicaram? A voz de Georges fica em off sobre a imagem
da chegada do Cap Arcona na Baía da
ADRIEN Guanabara numa tarde bela com o Pão de
- Nada, meu caro, absolutamente nada. Nisso Açúcar (já com o bondinho) e o Corcovado
aprenderam comigo. Estão guardando-os para (já com o Cristo Redentor) ao fundo.
a hora certa, entendeu? O momento não é
propício, muitos que sabem do embuste GEORGES (continuando em off)
ainda vivem... E quanto a Você, Georges, e à ... está entrando agora na Baía de Guanabara.
sua arte, o que andou fazendo? Os brasileiros, um tanto arrependidos pelo
descaso para com ele, quando mais precisou
GEORGES do apoio de sua pátria aqui em Paris, tentam
- Ao deixar o jornalismo, abracei os recuperar tardiamente o erro dando-lhe uma
movimentos renovadores do surrealismo e da estrondosa recepção, segundo minha irmã,
vanguarda modernista, com Marcel com preparativos ainda mais retumbantes do
Duchamp, Picabia, Picasso, Max Ernst e que a de 1903...
muitos outros. Mas também deixei-me cair
na miséria e na ruína, e creio que perdi o O Cap Arcona entra na Baía e segue para o
bonde da história, Adrien. cais. Vários barcos estão a comboiá-lo. Um
hidroavião trimotor, da empresa Condor,
ADRIEN batizado às pressas de “Santos-Dumont”,
- Os homens verdadeiramente profundos, desliza sobre o mar decolando perto do cais,
Georges, não sobem; enterram-se. Muitos e voando rasante em direção ao navio, no
anos depois de suas mortes, descobre-se, de convés do qual estão SD e Jorge Villares. Ao
repente ou pouco a pouco, o que na realidade passar pelo navio jogam do avião um rolo
valiam. A consagração oficial entroniza de papel, dentro de um tubo de borracha,
apenas os comediantes e os fantoches da arte, que cai sobre o convés. Jorge corre para pegá-
meu caro, enquanto os verdadeiros criadores lo, mas um marujo se antecipa e entrega-o a
ficam na sombra. Jorge. Jorge abre o rolo de papel e vem
sorridente na direção de SD.
GEORGES JORGE
- Talvez seja assim, Adrien, e o melhor - É uma mensagem, tio Alberto. Vou ler para
exemplo certamente não será o meu, mas o o senhor. (e começa a ler a mensagem em
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PARTE 3 SANTOS DUMONT/O FILME
a indefectível capa preta forrada de veludo mas essa é uma questão de estilo. Ficai agora
carmin. Sob o olhar atordoado de SD, ele com o seu epílogo trágico, que haverá de
tira do bolso do colete uma charuteira que saciar vossa curiosidade e sede de saber.
estava na oficina secreta destruída. Retira dela Muito obrigado. (faz uma reverência e a
um charuto e o acende, como um câmera aproxima-se em macro do seu olho
connaisseur, usando o fogo saído da ponta esquerdo até tê-lo todo na tela, ele pisca e
do dedo indicador da sua mão esquerda, desaparece)
acedendo primeiro o braseiro e depois
mordendo o outro lado, sem perder o sorriso Corte para Jorge subindo os degraus da
cínico e irreverente. entrada do hotel, esbaforido, correndo,
segurando o chapéu e gritando feito louco.
SD
- Vocês? ... Vocês não podem... JORGE
- Tio Alberto! Tio Alberto!
MEPHISTO (com a mesma voz gutural)
- Homem voa, Albertinho? (dá uma Ele sobe as escadas sob os olhares dos
gargalhada, que logo interrompe com hóspedes e serviçais que agora enchem o
cinismo) - Então? Satisfeito com vossa obra? hall de entrada e chega ao corredor, em
(outra gargalhada) - Ora, Alberto, não corrida estabanada, trombando em pessoas,
entristeça-te! Sabes que, por força da nossa em carrinhos de café, em garçons e
arte, não é possível ao Homem inventar a camareiras, até chegar à porta do apto 8, que
locomotiva sem que invente, também, o não se abre por fora. Ele procura a chave,
descarrilhamento. mas não a levara. Então soca a porta com
força.
SD (resoluto, como se tivesse recuperado,
instantaneamente, a saúde) JORGE (aos berros)
- Vamos embora daqui! (e sai em direção ao - Tio Alberto! Tio Alberto!
quarto)
Garçons e camareiras chegam para acudi-lo.
No caminho SD retira o cinto de seda do seu Ele tenta forçar a porta com os ombros, mas
robe-de-chambre, enrola-o pelas pontas nas não consegue. Uma camareira chega
duas mãos e dá um forte puxão, como se correndo com a chave mestra, mete-a na
testasse a resistência de uma corda. Ao chegar fechadura, abre-a e Jorge escancara a porta,
à porta ouve a voz de Mephisto. entrando na ante-sala, seguido pelos outros.
SD passa pela porta e bate-a por trás dele JORGE (farejando o ar)
com energia. - Hum!? Parece cheiro de tabaco?!...
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SANTOS DUMONT/O FILME ROTEIRO MARIO DRUMOND
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PARTE 3 SANTOS DUMONT/O FILME
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SANTOS DUMONT/O FILME ROTEIRO MARIO DRUMOND
Corte para filmes documentários P&B Corte para os créditos finais, sobre as nuvens.
mostrando os aviões de Bleriot, Breguet,
Farman e Lindemberg em pleno vôo, com Corte para o supersônico de passageiros, o
respectivas legendas com seus nomes, mas Concorde, pousando em Orly. (Legenda:
sem datas. Aeroporto de Orly, Paris, 1998). Ao tocar as
rodas no solo, a cena “congela”, sai a legenda
Corte para mais créditos sobre as nuvens. e entra a palavra
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PARTE 3 SANTOS DUMONT/O FILME
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Composto e diagramado pelo autor em PC
486 DX2, utilizando fonte True Type
"Gatineau" e software Aldus PageMaker.
Originais feitos em impressora jato-de-tinta
marca Canon, modelo BJC - 4000 sobre
papéis RENKER "Safir", cor branca, com
90 g/m2. Trabalhos encerrados em Belo
Horizonte, no dia 22 de abril de 1996.
L A V S D E O
Exemplar Nº
Mario Drumond Editor
Rua Pouso Alto, 240.
Belo Horizonte MG
30240 180