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FAV
BELLAS
ARTES
Organizadores:
Fernando Miranda / Gonzalo Vicci / Melissa Ardanche
FAV
BELLAS
ARTES
Universidad de la República
Roberto Markarian
Rector
Diseño de portada:
Maquetación: Elina Zurdo
ORDEN DOCENTE
Samuel Sztern
Javier Alonso
Ruth López
Paula Espert
Martín Iribarren
ORDEN ESTUDIANTIL
Mariana Sierra
Yohnattan Mignot
Josefa Sanes
ORDEN EGRESADOS
Edgardo Terevinto
María del Carmen Baitx
Sofía Martínez
PRÓLOGO
Fernando Miranda
Gonzalo Vicci
Melissa Ardanche
Resumo: Introdução
Em meio a grande oferta visual da vida contem- A influência crescente das imagens no cotidiano
porânea, trabalhar com os estudos da cultura tem reflexos na maneira no qual compreende-
visual em ambientes de aprendizagem é uma mos e nos relacionamos com as pessoas. O coti-
abordagem que vem se desenvolvendo com fre- diano está repleto de imagens que influenciam o
quência no Brasil. Os estudos referentes à cul- nosso modo de pensar, de agir e isso afeta direta-
tura visual entendem que a experiência social é mente os processos de ensino e aprendizagem da
afetada por imagens e artefatos que configuram arte. Professores, pesquisadores na área de arte
práticas do mostrar, do ver e do ser visto, carac- investigam a necessidade e a importância em li-
terizando-se, portanto, um campo que pensa e dar com estas imagens em seus estudos.
problematiza nossas experiências visuais que
surgem das condições da vida cotidiana. A edu- Em meio a grande oferta visual da vida contem-
cação da cultura visual propõe espaços de mu- porânea, trabalhar com os estudos da cultura
danças tanto na (re) construção de um currículo visual em ambientes de aprendizagem é uma
de arte que se faça mais próximo da vida cotidia- abordagem que vem se desenvolvendo com
na contemporânea, quanto para mobilizar, diver- frequência no Brasil. A pesquisa sobre cultura
sificar e ampliar modos de olhar. Uma educação visual desenvolvida no Brasil encontra-se, em
voltada para a cultura visual busca compreender grande parte, na Universidade Federal de Goiás,
influências, processos e impactos que operam Universidade de Brasília, na Universidade Fe-
na mediação das representações visuais em deral de Santa Maria (UnB, UFG e UFSM)1. En-
contextos educacionais. A educação da cultura contramos pesquisas também na Universidade
visual surge como uma concepção pedagógica Federal da Paraíba e na Universidade do Estado
que destaca as múltiplas representações visuais do Rio de Janeiro (UFPB e UERJ)2. Por se tratar
do cotidiano. Esta pesquisa pretende investigar a de uma abordagem pioneira em Programas de
presença da cultura visual na formação de pro- Pós-Graduação3, a cultura visual nem sempre
fessores de artes visuais de duas instituições de está presente nos currículos dos cursos de for-
ensino superior. Considerando “atravessamen- mação de professores em artes visuais.
tos” uma metáfora aos caminhos percorridos
por formandos em licenciatura em artes visuais Por este motivo, esta pesquisa pretende investi-
da Universidade Federal de Goiás e da Universi- gar como a presença da cultura visual nos Tra-
dade de Brasília, a pesquisa busca investigar os balhos de Conclusão de Curso (TCC) das Licencia-
Trabalhos de Conclusão de Curso destas duas ins- turas em Artes Visuais da UFG e UnB, nos anos de
tituições. A pesquisa se expande para questões e 2007 a 2013, pode constituir-se em um currículo
reflexões que vão além da análise das produções para a formação em educação da cultura visual
destes futuros professores para refletir sobre o para professores de artes visuais. Esse interesse
pensamento da educação da cultura visual nos por este recorte surge das inquietações de aluna
currículos da formação dos professores em artes e docente que “atravessa” estas instituições, de
visuais. forma que o termo “atravessamentos” passa a ser
uma metáfora aos caminhos formativos, portan-
Palavras-chave: cultura visual, currículo e for- to, dos currículos percorridos por formandos em
mação de professores. Licenciatura em Artes Visuais da Universidade
Federal de Goiás e da Universidade de Brasília.
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Segundo Belidson Dias, “a educação da cultura A educação da cultura visual ultrapassa a inde-
visual significa a recente concepção pedagógica finida fronteira que abarca os objetos artísticos
que destaca as múltiplas representações visuais e explora a visualidade, ao enfocar discussões
do cotidiano” (2012, p. 61). Considera que estas sobre a influência das imagens da mídia, tal
representações estimulam práticas de produção, qual o cinema, a publicidade, os jogos digitais,
apreciação e crítica de artes ao desenvolver a cog- as revistas, histórias em quadrinhos, na busca
nição, imaginação e consciência social. Pois, com- da conexão entre a arte e a vida, entendendo a
preende todos os tipos de representação visual, imagem como parte do cotidiano, num contexto
sejam elas consideradas arte ou não. diverso e complexo.
É importante ressaltar que a educação da cul- Dias (2012) nos lembra que é no início do século
tura visual não elimina o diálogo com a história XXI, no Brasil, que se observam vários arte/edu-
da arte. Contudo, não a trata através de uma cadores realizando um deslocamento gradual
concepção linear, cronológica, formalista e evo- da pesquisa e da prática de ensino focada nos
lutiva da produção artística. Tampouco se detêm estudos da arte de elite, para a discussão, dos
a biografias de artistas ou com a história dos mo- aspectos culturais da visualidade do cotidiano
vimentos estilísticos. Sem a pretensão de enalte- ampliando as formas de conhecer e incorporar
cer a arte e os artistas, pretende questionar como as questões da visualidade cotidiana nas práticas
as imagens fixam, disseminam e interferem nas escolares.
nossas interpretações de nós mesmos e do mun-
do. Para Dias, A perspectiva da educação da cultura visual
propõe contextualizar o social e o individual.
a essência da proposição pedagógica não é atin- São abertas possibilidades de entendimento das
gir a resposta estética elevada, das Belas Artes relações de poder sociais e individuais, dos pro-
ou até mesmo das artes visuais, mas é para al- cessos de construção identitária dos próprios
cançar significado, sentido, por meio da análise estudantes e de inserção de outras identidades
de todas as formas de cultura visual contex- para esse entendimento. Considera-se importan-
tualizadas pela experiência da vida cotidiana. te discutir a experiência social e cultural do ver
(2012, p.61) e ressaltar sua influência na formação de iden-
tidades e subjetividades, posto que a experiência
O uso do termo “educação da cultura visual” é en- individual não pode ser pensada de modo sepa-
tendido aqui como “uma pedagogia crítica, que não rado da prática social.
sugira, nem promova uma metodologia ou peda-
gogia unificada e específica, ou ainda, que indique A incorporação crítica dos fenômenos da cultu-
um currículo específico” (DIAS, 2011, p. 67). Cons- ra visual requer atenção ao contexto social. As
titui-se numa série de conceitos transdisciplinares práticas sociais, os rituais escolares, rotinas e
que promovam a identidade individual e a justiça todo tipo de interações pedagógicas não podem
social na educação. operar independentemente de seus contextos
sociais. A educação da cultura visual associa e
Uma educação voltada para a cultura visual bus- acrescenta reflexões de cunho político, social,
ca compreender influências, processos e impac- econômico, histórico, tecnológico, artístico e edu-
tos que operam na mediação das representações cacional à bagagem de saber, memória, vivência
visuais em contextos educacionais. A educação e capacidade interpretativa que o indivíduo já
da cultura visual se abre para diferentes formas possui.
de conhecimento incentivando “consumidores
passivos a tornarem-se produtores ativos da cul- Uma educação da cultura visual visa estimular a
tura, revelando e resistindo no processo às estru- reflexão crítica do que pode ser observado, sen-
turas homogênicas dos regimes discursivos da tido, imaginado, racionalizado ou simplesmente
1 - Grupo de Pesquisa Cultura Visual e Educação da Fa- Visuais (UFPB). Estas duas universidades participam do
culdade de Artes Visuais (UFG), Grupo de Pesquisa do grupo de Pesquisa Cultura Visual e Educação da UFG
CNPq - Transviações: Educação e Visualidade do Instituto junto com a UnB, UFSM e Universidad de la Republica
de Artes (UnB) e o Grupo de Estudos e Pesquisas em Arte, Uruguay (UDELAR).
Educação e Cultura do centro de Educação (UFSM).
3 - O primeiro curso de pós-graduação em Cultura Vi-
2 - Grupo de Pesquisa Estudos Culturais em Educação sual no Brasil começou na FAV/UFG em 2003.
e Arte (UERJ) e Grupo de Pesquisa em Ensino de Artes
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transmitido por intermédio da visualidade. Pro- uma situação de aprendizagem –, ora dá ênfase
põe ainda, esclarecer a produção de sentidos e a uma perspectiva processual-culturalista, que vê
significados influenciados por imagens e objetos o currículo como espaço de cultura que se faz na
visuais, bem como o relacionamento da visua- interação e negociação entre alunos e professor.
lidade com a elaboração de repertórios visuais (2009, p. 52)
e imaginários que contribuam para as práticas
sociais do homem contemporâneo, em distintos Tourinho percebe que a ideia de currículo como
espaços, entre eles, o espaço escolar. prescrição ainda acompanha as propostas. São
conteúdos explícitos que prescrevem atividades,
Neste sentido, o trabalho pedagógico desenvol- independente de um tema, projeto ou pesquisa
vido sob a perspectiva da educação da cultura em andamento na sala de aula.
visual, parece participar da formação dos saberes
que circulam nas escolas, saberes estes que, assim A intenção de fazer um levantamento dos Trabal-
como os da visualidade contemporânea, influen- hos de Conclusão de Curso dos licenciados em ar-
ciam as crianças e os jovens. A este respeito, Mar- tes visuais é a de examinar o conhecimento já ela-
tins e Tourinho afirmam que borado na área de cultura visual na formação de
professores que apontem os enfoques, os temas
Crianças adolescentes e jovens são, provavel- mais pesquisados e as lacunas existentes quando
mente, os mais influenciados pelo contexto, se trata de uma educação para a cultura visual.
pelas informações, referências e valores da cul-
tura visual que os rodeia. Seus interesses, con- Um recorte da pesquisa:
hecimento, identidades e, principalmente, seus os TCC da FAV/UFG
afetos, são contagiados por essas influências e
incorporados aos seus modos de vida, passando O curso de Licenciatura em Artes Visuais da UFG
a fazer parte de suas subjetividades e sensibili- teve início no ano de 1974 no então Instituto de
dades. (MARTINS; TOURINHO, 2011, p. 55) Artes. Nessa época, era chamado de Licenciatura
em Desenho e Plástica, nomenclatura que perdu-
Irene Tourinho acredita que “de qualquer forma rou até o ano de 1984 quando mudou para Licen-
e sob qualquer concepção, ao falar de currículo, ciatura em Educação Artística. É no ano 2000,
estamos falando de poder” (2009, p.53). São mui- que o curso recebe o nome de Licenciatura em
tas as contradições do currículo. As exigências Artes Visuais (GUIMARÃES, 2003).
constantes das instituições escolares no sentido
de preservá-lo, tem gerado incômodos e impul- Este artigo apresenta o levantamento de Trabal-
sionado embates que, aos poucos, podem sina- hos de Conclusão de Curso (TCC) da Licenciatura
lizar a possibilidade de negociação em meio a em Artes Visuais da Faculdade de Artes Visuais
essas relações de poder. Esses embates surgem da Universidade Federal de Goiás (FAV/UFG). O
do entendimento de que “os currículos podem levantamento ocorreu entre os meses de março
ser examinados sob muitas perspectivas críticas, e abril de 2016 na Sala de Leitura da FAV/UFG.
que vão desde os focos que enfatizam ou mini- Os alunos ao produzirem seus TCC são orientados
mizam até as escolhas que as apresentam ou as a entregar uma versão física para ficar arquiva-
desconsideram” (p. 50). do neste espaço. Não há uma obrigatoriedade da
entrega em CD ou meio digital. Nem o site da FAV,
Para Tourinho, nas últimas décadas do sécu- nem a biblioteca da UFG possuem um banco de
lo XX o currículo ganhou espaço na teorização dados de monografias de graduação. No reposi-
educacional no Brasil nas perspectivas críticas tório Institucional da UFG encontramos apenas
e pós-críticas. Reflexões que pensam “o currículo dissertações e teses.
como um ‘artefato’ – algo construído socialmente,
em contextos particulares e a partir de interes- A intenção inicial era fazer um levantamento dos
ses específicos“ (2005, p. 109). TCC até o ano de 2013. Em 2014 houve uma mu-
Ao analisar quatro propostas curriculares da edu- dança na estrutura curricular do curso. Porém,
cação básica de dois estados e dois municípios brasi- não foram encontrados TCC, na sala de leitura,
leiros, por exemplo, Tourinho afirma que dos anos de 2012 e 2013. A estrutura curricular
de 2000 a 2013 tinha em seu fluxo a disciplina
Nas instituições escolares no Brasil, o currículo Teorias da Imagem e Cultura Visuali4.
ora privilegia uma concepção técnica-universa-
lista – na qual o currículo é compreendido como O quadro a seguir, revela o quantitativo de TCC
a expressão de tudo que existe na cultura (cien- encontrado no período de 2007 a 2011. Os TCC
tífica, artística e humanista) transposto para foram realizados individualmente, em duplas ou
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trios de alunos. Na primeira coluna encontra-se o poder contribuir para o avanço das pesquisas
ano de realização, na segunda o número de TCC na área a partir de um entendimento de como a
encontrado e na terceira a presença do termo cultura visual se apresenta na formação de pro-
cultura visual5. Os critérios de busca foram: títu- fessores de artes visuais em determinado tempo
lo, resumo, palavras-chave e sumário. e local.
Neste levantamento inicial, foram encontrados Referências
trinta e seis Trabalhos de Conclusão de Curso
da Licenciatura Presencial6 em Artes Visuais da • DIAS, Belidson. Pré-acoitamentos: os locais da
FAV/UFG. Oito destes TCC se referiam a cultura arte/educação e da cultura visual. In: MARTINS,
visual em seus textos. No ano de 2007, foram en- Raimundo (Org.). Visualidade e Educação. Goiâ-
contrados nove TCC e apenas um com a presença nia: Programa de Pós-Graduação em Cultura Vi-
da cultura visual no texto. O termo estava pre- sual/FUNAPE, 2008, p. 37-53.
sente no título, resumo, palavra-chave e sumário.
O TCC foi elaborado por três alunos e orientado O i/mundo da educação da cultura visual. Brasí-
por um professor do programa de pós-graduação lia: Editora da pós-graduação em arte da Univer-
da instituição. No ano de 2008, dos sete TCC en- sidade de Brasília, 2011.
contrados apenas um fazia referência a cultura
visual. O termo estava presente no sumário, apre- Arrastão: o cotidiano espetacular e práticas pe-
sentando o capítulo: o papel da cultura visual na dagógicas críticas. In: MARTINS, Raimundo;
educação. A orientação foi de uma professora TOURINHO, Irene (Orgs.). Cultura das imagens:
formada no programa de pós-graduação da ins- desafios para a arte e para a educação. Santa
tituição. Já em 2009, dos oito trabalhos encon- Maria: Editora UFSM, 2012, p. 55-73.
trados não há referência da cultura visual. Em
2010, dos três trabalhos, apenas um faz menção • GUIMARÃES, Leda et. al. Percurso histórico da
a cultura visual como uma das palavras-chave licenciatura em arte na Universidade Federal
do texto e a orientadora não faz parte do progra- de Goiás (UFG). In: MEDEIROS, Maria Beatriz de
ma de pós-graduação da instituição. Por fim, em (org.). A arte pesquisa.
2010, dos nove trabalhos, cinco fazem referência Brasília: Mestrado em Arte, Universidade de Bra-
a cultura visual e destes três sob a orientação de sília, 2003, v. 1, pp. 82 - 92.
professores do programa de pós-graduação da
FAV/UFG. • TOURINHO, Irene; MARTINS, Raimundo. Cir-
cunstâncias e ingerências da cultura visual. In:
De posse destes oito TCC que abordam a cultura MARTINS, Raimundo; TOURINHO, Irene. (Orgs.).
visual o passo seguinte é levantar os TCC do Insti- Educação da cultura visual: conceitos e contex-
tuto de Artes da UnB e analisar os pontos de con- tos. Santa Maria: Editora UFSM, 2011, p. 51-68.
vergências e divergências destas abordagens so-
bre cultura visual. Com essa pesquisa, após todo o • TOURINHO, Irene. Perguntas que conversam
processo de levantamento e de análise que ainda sobre educação visual e currículo. In: OLIVEIRA,
se encontram em fase de elaboração, esperamos Marilda Oliveira de; HERNÁNDEZ, Fernando
locidade com que os produtos industrializados ele irá apresentar-se como o sujeito de uma nova
perdem seu valor. sociedade, não mais voltada tão somente ao con-
sumo, acima disso, uma sociedade pautada na
Os avanços tecnológicos e o surgimento do cibe- comunicação, produzindo uma nova cidade - a
respaço tornam as relações ainda mais frágeis, metrópole comunicacional. Esta nova cidade é
levando à tendência das identidades descartá- caracterizada pela hibridização de corpos e es-
veis (BAUMAN, 2011). Em termos antropológicos paços, ressignificando-se constantemente:
podemos nos amparar no que propõe Pierre Levy
(1999) sobre o ciberespaço como resultado de um A metrópole comunicacional é muito mais ba-
movimento social, uma necessidade de ampliar seada sobre o consumo e sobre a comunicação.
as formas de comunicação entre as pessoas. Para O consumo, a comunicação e a cultura têm uma
Pierre Levy (1999, p. 124-125) o ciberespaço é produção de valores, não só no sentido econômi-
um produto sociocultural resultante de um pro- co, mas valores no sentido antropológico. É certo
cesso onde “uma infraestrutura de comunicação que a dimensão industrial ainda é significativa,
pode ser investida por uma corrente cultural que mas não é central como era na cidade moderna. E
vai, no mesmo movimento, transformar seu sig- esse cruzamento entre comunicação e tecnologia
nificado social e estimular sua evolução técnica digital favorece um tipo de transformação pro-
e organizacional”. O termo ciberespaço surgido funda na metrópole (CANEVACCI, 2009, p. 11).
em 1984 no romance de ficção intitulado Neu-
romante, de William Gibson, define o universo Nesta nova cidade, mediada pelos avanços tecno-
das redes digitais, mas é definido por Pierre Levy lógicos e pela cultura digital, irá se desenvolver
(1999, p. 92) como um “espaço de comunicação o multivíduo. O conceito de multivíduo amplia a
aberto pela interconexão mundial de computa- ideia ocidental de indivíduo como aquele que não
dores e das memórias dos computadores”. é passível de divisões, que é uno, único. No en-
tanto, entramos em um conflito se afirmarmos a
Esta nova forma de comunicar-se vem associa- existência de uma identidade única, a qual adqui-
da à uma necessidade de economia de tempo, e re o mesmo caráter em diferentes lugares. Uma
o tempo é um bem valioso no mundo líquido mo- identidade fixa e inerte, resistente à qualquer
derno. O que despende tempo é evitado em nossa forma de contágio a partir de um mundo exterior,
sociedade contemporânea, dessa forma o contato de espaços e lugares diferentes. Nesse sentido
virtual é muito mais atrativo, pois não exige que Canevacci (2009) propõem o plural de eu não mais
este tempo tão precioso e escasso seja gasto em como nós, mas sim como eus. Uma multiplicidade
comunicações profundas, mas sim em relações de subjetividades que habitam um só sujeito, onde
mais superficiais, as quais permitam que haja
tempo para o “surfe por tantas outras superfícies as pessoas podem desenvolver uma multipli-
não menos – e talvez muito mais - convidativas” cidade de identidades, de eus – multivíduo;
(BAUMAN, 2011, p. 23). fazer uma co-habitação flutuante de diferentes
selves (plural de self) que co-habitam, às vezes
O ciberespaço, ou mundo virtual, configura um conflitam ou constroem uma nova identidade,
universo a parte onde as relações são mediadas flexível e pluralizada. O indivíduo contemporâ-
pela possibilidade de adicionar-remover-ex- neo, que é o multivíduo, é esse tipo possibilidade
cluir-bloquear. Estas opções muito úteis no mun- (CANEVACCI, 2009, p.17).
do digital não estão presentes na vida real, o que
torna as relações virtuais muito mais atrativas. Nikolas Rose (2011) irá atentar para a condição
deste sujeito contemporâneo, o qual representa
E nesse campo de relações virtuais as identida- uma crise irreversível na forma como consti-
des se tornam descartáveis ou biodegradáveis, a tuem-se as subjetividades. Esta crise não simbo-
partir de uma necessidade de “remodelar a “iden- liza um problema, apenas um novo sentido para
tidade” e a “rede” no momento em que surge uma compreender o homem contemporâneo. Ampa-
“necessidade” (BAUMAN, 2011, p.24). rado em Deleuze e Guattari, o autor nos apresenta
uma forma ainda mais volátil de se pensar a subje-
Atento para esta condição de descarte e degra- tividade: ela não é apenas móvel, fluída, ela é “uma
dação das identidades, o antropólogo Mássimo forma não subjetivada de existência” (ROSE, 2011,
Canevacci irá propor o conceito de multivíduo p.142). Isso quer dizer que o sujeito pode adquirir
ao sujeito contemporâneo capaz de assumir di- diferentes formas de existir sem que isso implique
ferentes identidades mediado pelo espaço onde na produção de uma subjetividade. O multivíduo
está presente ou imerso. Embora o multivíduo irá então transitar entre subjetividades existen-
resulte da modernidade, para Canevacci (2003) ciais e não existenciais, as quais representam
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apenas uma forma passageira de sentir, ser e es- um mundo de oportunidades e de prazeres cada
tar em um determinado espaço. vez mais sedutores, mas que irá se deparar com
uma crise que não está preparada para enfren-
Nesse sentido estamos falando em processos de tar. A geração Y possui ao seu alcance a abun-
subjetivação. A subjetivação pode ser compreen- dância de empregos e de oportunidades, as quais
dida como reforçam a condição de liquidez das relações
de trabalho e também interpessoais (BAUMAN,
[...] o nome que se pode dar aos efeitos da com- 2011, p. 58-62). Tudo é facilmente descartável
posição e da recomposição de forças, práticas e e substituível neste mundo líquido moderno, até
relações que tentam transformar – ou operam mesmo as subjetividades.
para transformar – o ser humano em variadas
formas de sujeito, em seres capazes de tomar No mundo líquido moderno, a solidez das coi-
a si próprios como os sujeitos de suas próprias sas, assim como a solidez das relações huma-
práticas e das práticas de outros sobre eles nas, vem sendo interpretada como ameaça:
(ROSE, 2011, p.143). qualquer juramento de fidelidade, qualquer
compromisso de longo prazo (para não falar nos
Compreende-se desta forma que a subjetivação compromissos intemporais), prenuncia um fu-
não se dá apenas na relação do sujeito com o es- turo sobrecarregado de obrigações que limitam
paço, mas também em sua relação com outros a liberdade de movimento e a capacidade de
sujeitos. Dessa forma, ampliando a concepção agarrar no voo as novas e ainda desconhecidas
de Canevacci (2009), de que não é possível ser oportunidades que venham a surgir (BAUMAN,
o mesmo em diferentes espaços, também não é 2011, p. 112-113).
possível permanecer-se o mesmo no contato com
os diferentes sujeitos. A fluidez é de fato característica própria da so-
ciedade contemporânea, assim como a fragili-
Nesse sentido, nós como sujeitos multivíduos dade nas relações e a facilidade em substituir
pertencemos a um constante processo de meta- não apenas bens de consumo mas também in-
morfose, adquirindo a subjetividade que é mais teresses, desejos, gostos e tudo mais que nos
adequada às nossas necessidades de auto-re- afeta. Nesse sentido, este caráter tão marcante
presentação, e isto é algo comum no ambiente da nossa sociedade representa um ponto de ins-
virtual: o ciberespaço. tabilidade também para a educação em todos os
âmbitos e áreas. Na educação das artes visuais
O ciberespaço pode ser compreendido, então, não é diferente. Se compreendermos a arte como
como um terreno fértil para o desenvolvimento forma de comunicação ao passo em que também
de uma nova cultura: a cultura de sujeitos mul- nos identificamos como sujeitos multivíduos, de
tivíduos, aqueles capazes de assumir diferentes imediato nos identificamos com a figura mitoló-
“eus”. Na fluidez do trânsito entre uma identida- gica de Apolo. Isto porque teremos o peso da ins-
de e outra, a rigidez do conceito de identidade tabilidade do mundo contemporâneo em nossas
acaba dando lugar ao conceito de subjetividade. costas. No entanto, este desafio torna-se também
O multivíduo não assume então diferentes iden- solo fértil para problematizações que perpassam
tidades, mas sim transita livremente por suas a arte e a cultura. Esta fragilidade torna-se então
diversas subjetividades exteriorizando-as no um potencial para a educação das artes visuais.
momento e no lugar que às exigem. No entanto,
este sujeito múltiplo em um só, não habita ape- A arte por si só apresenta-se como um produto
nas o ambiente virtual, esta prática torna-se desta sociedade instável. As produções artísti-
habitual em suas relações no mundo físico. Esta cas assumem para si o caráter efêmero de forma
característica, embora presente no meio virtual, natural, pois estão imersas neste contexto que
acaba sendo absorvida pela sociedade e trazida necessita de produções não eternas, facilmen-
ao mundo físico, fazendo com que no cotidiano te degradáveis, capazes de serem substituídas
das pessoas, estas adquiram diferentes formas conforme a necessidade sociocultural do espaço
de “eus”, na medida em que são mais adequados á onde se inserem.
uma determinada situação ou momento.
Ampliando nosso olhar, é possível ver além das
A fragilidade do mundo habitado obras de arte e pensar em uma cultura mais ex-
pelo multivíduo tensa: a cultura visual. Aquela que abarca obras
de arte, mas também toda a forma de comuni-
A fluidez: esta talvez seja uma característica da cação através das imagens ou dos produtos das
chamada Geração Y, uma geração que nasce em imagens e os discursos que elas podem gerar. A
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cultura visual é também resultado dessa socie- não é possível a partir de seu discurso, definir ou
dade habitada crescentemente por multivíduos, estigmatizar a figura do educando, ou seja, o(a)
é produzida pelas diversas subjetividades, às professor(a) passa a ser mediador no processo
vezes persistentes, outras vezes degradáveis. de interpretação das múltiplas subjetividades,
sem ter o domínio sobre a autorrepresentação
A educação transitada pelos do educando. Sua experiência possibilita mediar
multivíduos a experiência do educando, sem interferir nela.
O termo bricolagem oriundo do francês bricola- nos educandos, em qualquer pessoa que transita
ge, significa, segundo Kincheloe e Berry (2007, p. pelas calçadas. Pensar sobre, entre e como mul-
15) “um faz-tudo que lança mão das ferramentas tivíduo na sociedade contemporânea, pretende
disponíveis para realizar uma tarefa”. O termo é nos dar a permissão de não sermos um só e de
apresentado de forma metafórica por Claude Le- não compreendermos o outro como sujeito úni-
vy-Strauss (1989) o qual compreende a bricola- co. Esta é uma das muitas necessidades da con-
gem como um processo capaz de definir a relação temporaneidade: nos permitir diluir fronteiras,
entre as partes a partir de um conteúdo comum ampliar nosso campo para além das dicotomias,
entre elas. Para este autor, o bricoleur é aquele questionar e dissolver as hegemonias.
que se utilizará das ferramentas que estão à sua
disposição para realizar a tarefa da pesquisa. Neste sentido, esta é uma pesquisa que procu-
ra ir ao encontro do pensamento complexo, da
[...] um construtor bricoleur seria aquele que fuga dos estereótipos e polaridades, de uma
realiza suas obras a partir de uma lógica diver- ampliação dos modos de ver, vivenciar e transi-
gente à do arquiteto: ele não elabora previamen- tar as diferentes culturas. É pensar o multivíduo
te um plano, ou um projeto com começo, meio e como transcendência de fronteiras onde a arte
fim, mas desenvolve sua construção à medida encontra o potencial para desenvolver-se e mos-
que dispõe de material e ferramentas, em um trar-se. É enfim, uma perspectiva a partir do qual
desenvolvimento contínuo não-programado, li- o educador tem a possibilidade de desenvolver
dando diretamente com o acaso, o imprevisto e um ensino transdisciplinar, livre de limitações
o improviso (KINCHELOE e BERRY 2007, p. 16). cartesianas.
Francieli Backes
aumento do tempo de permanência dos educan- rifica-se, também, uma disposição para a inter-
dos nas escolas de ensino fundamental. Hoje, o dependência em relação a datas comemorativas.
município mantém vinte e duas escolas de tempo Esta observação talvez seja prematura e deve ser
integral que atendem os estudantes por oito ho- revisitada, considerando que há um trajeto a ser
ras diárias. percorrido ao longo da pesquisa que ainda está
em andamento.
Atenta a esta permanência dos estudantes numa
instituição educacional realizo no doutorado em Na perspectiva do Projeto Político Pedagógico
Arte e Cultura Visuali uma investigação sobre dessas escolas, de acordo com o qual “a reorgani-
as construções imagéticas nas Escolas Munici- zação dos tempos e espaços visam a educação in-
pais de Tempo Integral de Goiânia. Neste texto, tegral dos educandos” (GOIÂNIA, 2015), a pesqui-
pretendemos evidenciar alguns caminhos tril- sa busca identificar e compreender a concepção
hado na busca por respostas para a pesquisa de organização dos espaços e de ‘ferramentas
que questiona a presença de imagens/visuali- culturais’, tanto no Projeto Politico Pedagógico
dades construídas por professores pedagogos quanto na organização das ferramentas cultu-
no espaço físico dessas escolas e também o modo rais selecionadas, projetadas e concretizadas
como tais imagens contribuem para desenvolver pelas professoras.
a percepção estética e cultural dos educandos, ou
seja, construções culturais elencadas por essas O documento que orienta os objetivos e as ações
visualidades, suas possíveis transformações e a que as Escolas Municipais de Tempo Integral de
construção de novos conhecimentos. Goiânia pretendem alcançar esclarece que
Depois de muito dialogar com professores das es- Tendo em vista a complexidade e a necessi-
colas do município de Goiânia cuja jornada peda- dade da educação escolar na concepção his-
gógica está organizada em tempo ampliado - as tórico-cultural, fica evidente a importância da
Escolas Municipais de Tempo Integral de Goiânia, ampliação da jornada escolar. Ter mais tempo
EMTI -, almejo investigar como essas visualida- para estabelecer relações complexas mediadas
des são pensadas enquanto construção de con- por ferramentas culturais, possibilitando novos
hecimento. Como elas podem ser transformadas conteúdos, vivências e atividades no plano in-
em conhecimento pelos sujeitos que frequentam terpsíquico (social) e depois no intrapsíquico (in-
esses espaços. dividual), por meio do auxílio de companheiros
mais experientes e do professor e depois sozin-
Grande parte das EMTI de Goiânia apresenta has, construindo sentido e apropriando-se de
uma configuração predefinida de visualidades significados, torna-se condição primeira para
que compõem seus espaços físicos, por exemplo, viabilizar a formação humana. (GOIÂNIA, 2015)
painéis de boas-vindas aos estudantes no retorno
às aulas, em sua maioria compostos por desenhos O referido documento também evidencia que o
de traço estereotipado e cuja representação de conhecimento deve ser considerado em sua com-
folguedos - soltar pipa, andar de bicicleta etc. - pletude enquanto saber estético-expressivo e co-
nem sempre corresponde ao espaço escolar. Ve- municativo, além de científico, físico e ético. Esse
1 - Pesquisa de doutorado no Programa de Pós-Gra- Visuais da Universidade Federal de Goiás, sob orien-
duação em Arte e Cultura Visual na Faculdade de Artes tação do professor doutor Raimundo Martins.
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aspecto será analisado, discutido e avaliado na atendimento em tempo integral (Goiânia, 2013), o
pesquisa durante a investigação das construções currículo das Escolas Municipais de Tempo Inte-
visuais presentes nessas instituições. gral de Goiânia (EMTI) está organizado em duas
partes que se complementam. Uma baseada nos
O previsto e o inesperado do currículo Componentes Curriculares Obrigatórios, saberes
organizados a partir das áreas de conhecimento
É consenso que vivemos hoje na era das imagens previstas por lei federal como obrigatórios para
e saber interpretá-las deve fazer parte das ações o Ensino Fundamental, nas seguintes disciplinas:
educativas sistematizadas da educação formal Arte, Ciências, Educação Física, História, Geogra-
de ensino, pois o conceito de educação está inti- fia, Língua Estrangeira Moderna, Língua Portu-
mamente ligado à formação de sujeitos livres e guesa e Matemática.
críticos, condição para qual é fundamental o con-
hecimento. Considerando as interpretações das A outra parte é composta pelas chamadas Ativida-
imagens que os estudantes realizam a partir de des Específicas, atividades que visam à integração
suas próprias referências culturais, e ponderan- dos diferentes componentes curriculares desen-
do sobre as visualidades presentes no cotidiano, volvendo conhecimentos na práxis, na proposta
pode-se dizer que um processo contínuo de in- da apropriação qualitativa do tempo, “criando
terpretação e construção de significados, assim possibilidades para o educando formar-se sujei-
como as visualidades das instituições educacio- to livre não apenas formalmente, mas livre em
nais, faz parte desse processo construtivo de con- sua capacidade de pensar, refletir e se posicionar
hecimento. frente ao mundo”. Nesta organização, as duas par-
tes são abordadas separadamente, mas devem
A capacidade dos profissionais da educação per- ser complementares para a formação integral dos
ceberem a importância da formação cultural para educandos e se intercalando, ou seja, os compo-
a construção do conhecimento geral e específico é nentes curriculares obrigatórios e as atividades
fundamental para que a educação estética visual específicas estão organizados de maneira que
tenha seu lugar garantido na educação sistemati- se alternem durante o dia, organização pensada
zada. Daí a preocupação em buscar compreender para que (todo) o currículo instituído para as EMTI
as concepções de ensino das artes visuais de pro- tenha importância análoga.
fessoras pedagogas no âmbito de sua formação
inicial e continuada, bem como de suas práticas Nesta pesquisa consideramos, também, que a
pedagógicas com os estudantes. A organização educação, a cultura e as visualidades contribuem
das visualidades dos espaços físicos das escolas para o entendimento das relações de poder exis-
passa a ter significativa importância na cons- tentes nas ‘escolhas’ das imagens a serem pro-
trução de conhecimento dos sujeitos que ali circu- pagadas e divulgadas, intencionalmente ou não,
lam. Nesta perspectiva, é básico que seja discutida pelo currículo previsto nas escolas. Segundo
a formação cultural dos professores que atuam Moll (2012: 28),
nesses espaços. Para Oliveira (2010: 264),
A ampliação do tempo de permanência dos
Educar e educar-se recursivamente, no proces- estudantes tem implicações diretas na reor-
so de complexidade-imaginação, em criativida- ganização e/ou expansão do espaço físico, na
de, lucidez crítica e auto-compatibilização das jornada de trabalho dos professores e outros
novas soluções. Geram-se cultura geral e pro- profissionais da educação, nos investimentos
fissional; e uma dinâmica exploratória/actuan- financeiros diferenciados para garantia da qua-
te-no-devir. A qualidade de uma educação lidade necessária aos processos de mudança,
visual necessária a todos, para crescimento entre outros elementos.
em emoção-razão e resposta responsável aos
desafios culturais emergentes, passará por Assim, na reorganização do espaço físico, as vi-
aqui. (grifos da autora) sualidades desses espaços passam a ter signifi-
cativa importância para a construção de conhe-
A autora evidencia a necessidade da educação cimento dos sujeitos que ali circulam.
visual de qualidade, pensada e não inocente,
numa dinâmica exploratória atuante. Uma análi- Imagens e práticas pedagógicas...
se, ainda embrionária, das propostas de currículo
da Rede em questão compõe esse panorama cujo A pesquisa busca analisar e propor formas para
objetivo é estabelecer diálogos com os procedi- compreender concepções de ensino de artes vi-
mentos que envolvem visualidades. De acordo suais de professoras pedagogas a partir de três
com o Programa para as escolas municipais com eixos: formação inicial, formação continuada e
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Tomar como ponto de partida as concepções de “Ordem” significa um meio regular e estável
ensino de artes visuais e a busca pela cultura vi- para os nossos atos; um mundo em que as pro-
sual nas/das EMTI requer a construção de uma babilidades dos acontecimentos não estejam
abordagem de pesquisa que permita o estudo distribuídas ao acaso, mas arrumadas numa
da realidade no espaço escolar. Para Hernández hierarquia estrita – de modo que certos acon-
(2007: 88-89), tecimentos sejam altamente prováveis, outros
menos prováveis, alguns virtualmente impossí-
A postura do adulto deve ser a de modelador, veis. Só um meio como esse nós realmente en-
buscando o equilíbrio entre o desfrute da expe- tendemos. Só nessas circunstâncias podemos
riência dos estudantes com os artefatos da cul- realmente “saber como prosseguir”. Só aí pode-
tura visual e a introdução de uma perspectiva mos selecionar apropriadamente os nossos atos
crítica e performativa que signifique discussão, – isto é, com uma razoável esperança de que os
exploração e vivência. (...) Sob esse enfoque, os resultados que temos em mente serão de fato
educadores podem ajudar os estudantes na ex- atingidos. (1998:15)
ploração das manifestações da cultura visual a
partir de uma perspectiva interdisciplinar, vin- O amadurecimento e avanço desta investigação,
culada a diferentes teorias sociais e metodolo- ainda em andamento, está orientado para o diá-
gias de interpretação. logo com teóricos que abordem esta temática
do projeto de maneira aberta e flexível, esta-
A assertiva postulada por Hernández reforça belecendo relações com as novas tecnologias e
a ideia de que a formação cultural do professor formas híbridas que utilizar visualidades e lin-
tem relevância na construção do conhecimento guagens artísticas. Estas novas tecnologias estão
e, consequentemente, no desenvolvimento de su- presentes no nosso cotidiano e do cotidiano das
jeitos autônomos, professores e/ou estudantes. crianças, sobretudo no que se refere à consti-
tuição de saberes e competências, elementos que
É importante salientar que as crianças, na socie- devem ser considerados nas análises sobre a for-
dade contemporânea, desde a primeira infância, mação inicial e continuada dos professores que
têm acesso a meios de comunicação e a mídias colaborarão com a pesquisa.
cada vez mais sofisticados, o que estabelece a
imagem como sua principal fonte de informação. Da mesma forma, quaisquer demandas peda-
Segundo Martins e Tourinho (2010: 41), gógicas dessas escolas e das comunidades onde
estão inseridas serão analisadas a partir das
(...) a vitalidade e o poder da imagem são eviden- imagens elaboradas pelas professoras e utiliza-
tes através da influência que elas exercem sobre das em seu trabalho didático. A investigação em
a imaginação das pessoas, configurando identi- relação à prática pedagógica das professoras se
dades individuais e coletivas, posições de sujeito, dará no percurso, em etapas como observação,
modos de ver, pensar, agir e, consequentemen- análise e crítica, pois a investigação deve con-
te, de produção e interpretação de significados. siderar o conhecimento dinâmico e não linear
Na última década o avanço surpreendente das instigado pelas visualidades e tecnologias con-
Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), temporâneas.
associado a processos eletrônicos de distribuição,
comercialização e consumo de mercadorias, in- Práticas e Atividades Específicas
formações, valores e atitudes, contribuiu para
ampliar o alcance da imagem, conferindo-lhe Na expectativa de compreender o universo vi-
posição estratégica na paisagem contemporâ- sual contemporâneo dessas instituições e de ve-
nea, denominada de era da TED, ou seja, da proe- rificar o grau de autonomia das escolas da Rede
minência de aparatos que intercruzam Tecnolo- Municipal de Educação de Goiânia, estão sendo
gia, Entretenimento e Design. propostos percursos dialógicos abertos a im-
previstos e percalços, uma vez que não há uma
Esta realidade é também discutida pelo sociólo- fórmula prévia que indique trajetórias seguras e
go Zygmunt Bauman ao discorrer sobre a “von- precisas.
tade de liberdade” do sujeito contemporâneo
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Raimundo Martins
Tendo em vista a relevância desta ferramenta vestigando da própria prática e assim manter uma
para a formação docente me ponho a pensar em relação de profundo comprometimento com aqui-
duas questões: será que o diário se sustenta por lo que produz sentido.
si só ou será preciso explicá-lo? No que respeita
aos encontros na UFSM como parte do processo Esta prática tem se tornado uma ferramenta
formativo: o que eu aprendi do/com o grupo das muito importante até mesmo para avaliação
aulas, das discussões, dos encontros? de processos. É uma forma de “distanciamento”
que nos permite ver em perspectiva nosso modo
Dentro desta perspectiva, cada docente em for- particular de atuar. É, além disso, uma forma de
mação propõe para si a construção/elaboração aprender (ZABALZA, 2004, p. 10). Os fragmen-
de um material em formato distinto tendo como tos, dilemas, imagens, falas, palavras, conceitos,
ponto de partida os elementos acima elencados. autores que aparecem em meus diários e diários
Desta forma tratará em seguida de narrar as de colegas são recortes. Estes recortes podendo
suas vivências e experiências de sua formação ser propositais já estão carregados de subjetivi-
docente. A contemplação destes elementos oco- dade de quem o faz. E por este motivo o diário se
rrerá de forma única para cada pessoa, pois de- torna único.
penderá do seu próprio processo. O DPP organiza
o pensamento dentro do conjunto de práticas e Uma característica muito importante da cons-
ações docentes. O momento da construção do trução do DPP se faz presente no momento de
diário é um tempo de desafio, de olhar para a estabelecer uma relação entre texto e imagem.
própria experiência e assinalar o que de mais As imagens podem falar por si próprias e os tex-
significativo ocorreu. tos podem dar conta de dizer e muito bem o que
se propõem. Mas a questão aqui é outra. Quando
A importância do uso desta ferramenta faz re- colocamos estas duas linguagens para trabalha-
lação com a qualidade das ações docentes, pois rem juntas, pode ocorrer, e, visa-se que ocorra,
os professores serão melhores profissionais tan- um tensionamento entre elas e por este viés se
to quanto mais conscientes forem suas práticas e possa dar conta de sair do senso comum. Este
quanto mais refletirem sobre suas intervenções tensionamento pode (ou não) acontecer de forma
em determinados locais e contextos. Por este viés particular em cada diário.
também é possível afirmar que os DPP’s contri-
buem para esta qualidade. Assim, os diários con- Importância e contribuições do DPP para a for-
tribuem, a partir dos elementos-chaves, para (re) mação docente
pensarmos nossas práticas.
Nem tudo o que conhecemos conseguimos arti-
Ao abordar todos os elementos na construção do cular de forma proporcional. Muitas vezes, con-
DPP interfere-se diretamente nas relações en- seguimos nos aproximar de tais questões com
tre o professor em formação e o que o circunda: recursos visuais, mas que deixam no poder da
a escola, os alunos, os planos de aula, objetivos imaginação muitas incógnitas e ao mesmo tempo
e palavras-chave do projeto de ensino-pesqui- conteúdos. Não se pode querer tornar claro para
sa, a universidade, os encontros, as leituras e a os outros o que para nós mesmos ainda é con-
própria vida. fusão ou enigma, ou até existe só em ideia. Isto
se aplica porque, como coloca Eisner (2008, p.12)
De maneira subjetiva, o formato escolhido para o “os limites do nosso conhecimento não são defi-
diário faz uma relação entre nossas motivações nidos pelos limites da nossa linguagem”. E, nas
e as experiências de aprendizado. Desta forma palavras de Zabalza, temos que:
há um direcionamento peculiar de cada sujeito.
O diário é construído com o objetivo de oferecer Não é a prática por si mesma que gera conheci-
a quem o produz, um distanciamento necessário mento. No máximo permite estabilizar e fixar
para poder observar com atenção todos os ele- certas rotinas. A boa prática, aquela que permi-
mentos implicados na experiência educativa. O te avançar para estágios cada vez mais eleva-
movimento criativo que se faz ao operar com os dos no desenvolvimento profissional, é a prática
mais diversos materiais, contribui para proble- reflexiva. Quer dizer, necessita-se voltar atrás,
matizar questões que muitas vezes damos por revisar o que se fez, analisar os pontos fortes e
naturalizadas na docência, bem como aprofundar fracos de nosso exercício profissional e progre-
questões para a construção de conhecimento co- dir baseando-nos em reajustes permanentes.
letivo na hora da partilha dos diários. Para tanto a Sem olhar para trás, é impossível seguir em
escolha do formato e materiais a serem utilizados frente (ZABALZA, 2004, p.137).
precisa estar atenta aos anseios do que se está in-
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Estas relações se tornam possíveis porque um dos que narram deixando, muitas vezes aparecer um
objetivos das práticas de sala de aula e também caráter inventivo. Para Oliveira (2011),
nas reuniões dos grupos de estágio e PIBID na
UFSM era de não se separar a prática da teoria: Os diários são formados por componentes frag-
elas devem caminhar juntas, bem como afirma Ga- mentados, com acabamentos provisórios. Todo
llo (2010, p.61) sobre o contexto de uma educação diário conta uma história, histórias não linea-
menor, onde teoria e prática estão em revezamen- res, ao contrário, histórias sinuosas, de idas e
to constante, sem totalizações. Assim, o professor é vindas, enviesadas. Um diário se alimenta de
um teórico e um prático, a cada momento assumin- várias fontes: de imagens coladas, de conceitos
do um papel, de acordo com a necessidade, relacio- entrecruzados, de camadas de cola, de desen-
nando textos, filmes, imagens, obras, a docência e a hos, de rasuras, de escritas nas margens. Todo
própria prática em sala de aula. diário é um incorporal, embora esteja sempre
Para tanto, é necessária uma interação entre a encarnado em um ou mais corpos. (OLIVEIRA,
criação das narrativas em forma de imagens vi- 2011, p.999)
suais juntamente com a linguagem escrita. Den-
tro do campo específico de produção de visuali- Produzir registros e organizá-los de forma a
dade delimitado pelas Artes Visuais, a relação contribuir para a auto-formação e formação de
entre imagem e linguagem tem se colocado como grupo permite construir uma espécie de memó-
uma das questões mais instigantes e provoca- ria compreensiva, que para Warschauer (1993) é
doras para artistas, teóricos, críticos e comenta- aquela memória que não é só simples recordação,
dores em geral, por colocar em jogo justamente lembranças vãs, mas é base para a reflexão do
os limites do que se convenciona designar como educador, para análise do cotidiano educativo e
regiões do visual e do verbal (BASBAUM, 2007). do trabalho desenvolvido com o grupo. E, é neste
sentido que Kastrup (1999) me leva a pensar em
Dentro da perspectiva da prática pedagógica uma política de invenção, que se contrapõe à polí-
em Artes Visuais percebo a narrativa como uma tica de recognição, e que se expressa na fórmula
forma de organização, um registro dos conhe- do aprender a aprender. Nesta mesma perspec-
cimentos adquiridos, para discernir padrões de tiva, ainda resgato um fragmento de Ostrower
trabalho no curso, para voltar a questionar so- (2010) onde compõe que
bre reflexões anteriores (VAN MANEN, 2003,
p.91). Num sentido mais amplo, podemos dizer A consciência se amplia para as mais comple-
que a narrativa tem como foco compreender a xas formas de inteligência associativa, em-
experiência humana e busca que sempre envol- preendendo seus voos através de espaços em
ve ações cognitivas e afetivas, sem distingui-las crescente desdobramento, pelos múltiplos e
(MARTINS e TOURINHO, 2009). concomitantes passados-presentes-futuros que
se mobilizam em cada uma de nossas vivências.
Além da produção dos diários, nos encontros do (OSTROWER, 2010, p.19)
grupo PIBID na UFSM reservavam-se momentos
de partilha. Estes momentos eram pensados de Ainda para Ostrower (2010), supõe-se que os
forma a ressignificar o vivido, pois “o que temos processos de memória se baseiam na ativação de
escrito é mais fácil de contar e compartilhar do certos contextos e não em fatos isolados, embora
que o que simplesmente sabemos, pensamos ou os fatos possam ser lembrados. E, a partir desta
sentimos” (ZABALZA, 2004, p.29). Diria até que prática, nos apropriamos dos conhecimentos pro-
se caracterizavam como um lugar de encontro. duzidos através da invenção. Invenção de formas
Um lugar onde podíamos nos encontrar com dile- de organizar, esquematizar, tornar visível para/
mas, problemas, tentativas de soluções para algo através de outro(s) olhar(es) o que foi de mais re-
que parecia estar saindo do que fora planejado. levante nas vivências docentes.
Isso pressupunha a organização de diálogos, de
avaliações, narrativas, inquietações, necessida- A importância dos diários está por ser um instru-
de de mudanças, contextualizações e diferentes mento que valida o percurso docente com seu ca-
formas de pensar/agir/ver. ráter ressignificativo da teoria e prática num corpo
só. Permite ver com distanciamento o próprio pen-
Zabalza (2004) aponta e diferencia os múltiplos samento em relação à experiência vivida. Muitas
tipos de diários conforme a modalidade de narra- vezes estamos tão embrenhados com o andamento
tiva que se utiliza. Esta proposta, em particular, se das aulas que não conseguimos mais tomar folego
vale do formato criativo/poético pois compreende para criticar nosso próprio trabalho. E então o que
uma espécie de narração correspondente às pos- produzimos é uma ferramenta que nos permite
sibilidades de imaginar ou recriar as situações este afastamento do local da experiência para uma
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• BASBAUM, Ricardo. Além da pureza visual. Leonardo Augusto Verde Reis Charréu
Porto Alegre, RS: Zouk, 2007.
Professor do programa de Pós-Graduação em
• DELEUZE, Gilles. “Que és un dispositivo?”. In: Educação da UFSM, Linha de Pesquisa Educação
Org., Michel Foucault Filósofo. Madrid: Editora e Arte. Licenciado em Pintura pela Faculdade de
Gedisa, 1990. Belas Artes da Universidade do Porto, mestre em
História da Arte pela Universidade Nova de Lis-
• EISNER. Elliot E. O que pode a educação apren- boa e doutor em Belas Artes pela Universidade
der das artes sobre a prática da educação. In: Cu- de Barcelona. É vice-líder do GEPAEC e coordena
rrículo sem Fronteiras. V.8, n.2, pp.5-17. Uni- o NEPIC na UFSM.
versity Stanford, Estados Unidos. Jul/Dez 2008.
lar proposições que favoreçam os processos de ta seca (espécie de lápis com ponta afiada) sobre
aquisição da linguagem escrita por meio de na- papel vegetal, que remetem às formas humanas,
rrativas visuais e apreensão de vocábulos rela- internas e externas, do micro ao macro. A pro-
cionados às temáticas abordadas nas respectivas posta de trabalho com as crianças culminou com
exposições. Conhecer e compreender como se dá a visitação à exposição e a vivência de uma ofi-
o processo de alfabetização e quais as possibili- cina artística, que possibilitou a experimentação
dades de maior ênfase a partir de obras e artistas do material – papel vegetal – que foi a base para
contemporâneos dentro deste processo. as obras vistas na exposição.
Visando outras possibilidades e rupturas com Pensando que a infância não é passiva e nas co-
o tradicional uso das práticas artísticas na edu- laborações possibilitadas pela arte contemporâ-
cação infantil, o projeto vem se estruturando, nea, a dinâmica da exposição tentou possibilitar
buscando explorar “o que a docência para a in- algo além da observação, permitindo o contato
fância pode aprender com a arte?” E como a arte, através do “toque”. Um toque suave, como um ca-
ou acadêmicos da área de artes visuais podem rinho ou como uma brisa foi a sugestão dada aos
aprender com a infância? pequenos, para que pudessem sentir as texturas,
as ranhuras e fissuras feitas no papel vegetal que
Atualmente o projeto contempla aproximada- tornaram possível visualizar os desenhos. Perce-
mente 80 crianças, de seis anos, provenientes das ber a transparência do papel e a translucidez que
quatro turmas de 1º anos do Ensino Fundamental, dá nome à exposição. Testar novas possibilidades
da rede privada do Colégio Marista de Santa Ma- com papéis coloridos, descobrir formas conheci-
ria. Propõe‐se um projeto a ser construído a partir das em meio à riqueza de detalhes das obras ex-
da colaboração entre todos os segmentos envolvi- postas, ver, olhar, buscar o desconhecido, ir além
dos, respaldado pela troca, pela reciprocidade e, do que é familiar, partir do real sem limites à
principalmente, pelo respeito às diferenças como imaginação. Ver e não ter a certeza de que é isso
ponto central de um Projeto de Trabalho. Ele busca mesmo. Questionar-se.
o entendimento de como se dá o processo de alfa-
betização e letramento, quais as referências uti- A infância interroga, por isso é capaz de alterar
lizadas e como as artes visuais podem contribuir os rumos dos acontecimentos. Podemos dizer
nesse processo. que ela não aceita a previsibilidade, porque sen-
te o mundo de uma maneira dinâmica, bem ao
As aproximações iniciais possibilitaram conhe- contrario do adulto, para quem o certo é contar
cer as diferenças entre as quatro turmas de 1º com o que é sabidamente previsto.” (FIGUEIRE-
anos envolvidas no projeto, o ritmo e o tempo de DO, LEAL, 2006, p. 245)
concentração das crianças nesta faixa etária, a
importância da ludicidade e de um planejamento Essa afirmação vem ao encontro aos aconteci-
dinâmico e flexível, características mais especí- mentos e às recorrentes mudanças de estratégias
ficas deste público que requerem um olhar mais que se fizeram necessárias durante a mediação e
atento. Na fase inicial o projeto procurou conhe- visitação à exposição. O planejamento feito não
cer como se dá o planejamento e cronograma das foi tido como algo estático, fechado, pelo contrário,
aulas ministradas pelas professoras e entender foi flexível e aberto a mudanças do início ao fim.
a relevância do tema central - estudos sobre o Tendo em vista que a infância altera os rumos, in-
corpo humano, que é o fio condutor do livro di- terroga e nem sempre aceita a previsibilidade. E
dático do 1º ano do Ensino Fundamental. A partir foi o que aconteceu durante as visitas mediadas
destes encontros, o desafio proposto foi pensar na exposição. Experimentamos, invertemos a or-
como a Arte enquanto potência pedagógica pode dem das ações, adaptamos ao tempo de concen-
propiciar experiências artísticas e quais as con- tração dos pequenos, conversamos e exploramos
tribuições da produção em arte durante os pro- o que foi possível em grupos, ou individualmente.
cessos de alfabetização. Com cada turma experimentamos estratégias di-
ferentes. Com uma turma, primeiramente deixa-
Buscando entrelaçamentos do tema: estudos so- mos que explorassem a exposição à vontade, com
bre o corpo humano, com as ações artísticas pro- outra, iniciamos fazendo a mediação para que pu-
postas pelo grupo, foi possibilitada uma vivência déssemos analisar o que seria mais significativo.
artística a partir da visitação da exposição: “A Averiguou-se que eles chegam tão ansiosos por
(trans)Lucidez da Arte: (des)Tino Humano”, de conhecer e tocar as obras, que deixá-los por al-
autoria do artista plástico e professor do curso de guns minutos explorando o espaço sozinhos pare-
Artes Visuais da UFSM Lutiere Dalla Valle. A ex- ceu a melhor estratégia. Para que posteriormente
posição contou com 15 desenhos feitos com pon- pudéssemos sentar e conversar sobre os elemen-
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tos visualizados nas obras. fazer linhas mais finas, já o cabo de pincéis possi-
bilitava linhas mais grossas. O papel disponibili-
Stevenson no ensaio “Juego de niños”, de 1981, zado media aproximadamente 3 metros de com-
mencionado no livro “A Infância vai ao cinema”, primento e as crianças usaram todo e qualquer
organizado por Teixeira, Larrosa e Lopes, assina- espaço disponível, criando nesse interim formas,
lou que, linhas, ranhuras, desenhos e palavras de taman-
hos variados. No instante que perceberam a fra-
As crianças são suficientemente capazes de ver; gilidade do papel, que pode rasgar com facilida-
mas, em troca, não possuem a capacidade de de, algumas crianças tiveram que dosar a força
olhar desenvolvida; não usam seus olhos pelo para obter o resultado esperado. Como aponta
prazer de usá-los, senão para secretos propósi- Lucianda Loponte
tos que só elas sabem. As coisas que eu recordo
ter visto com mais nitidez não eram particular- Arte é feita de possibilidade, de invenção, de
mente formosas em si mesmas, mas resultavam criação, de ruptura, do imprevisível, do inespe-
interessantes ou cobiçáveis para mim, simples- rado. A infância também, é puro acontecimento.
mente porque me parecia que poderiam ser uti- E o que a docência para a infância pode apren-
lizadas para brincar.(ESPELT, 2006,p.29) der com a arte? Quais as nossas metáforas con-
temporâneas para pensar a educação para a
Quais serão os propósitos secretos que as obras infância” (LOPONTE, 2008, p.118)
desta exposição despertaram nessas crianças?
Podemos pensar que a exposição/as obras às Portanto, temos que nos deixar levar pela mão
quais as crianças tiveram a oportunidade de con- das crianças e com nossas lembranças, criar um
hecer podem ser objetos/brinquedos que desper- espaço com elas, pois não se trata de criar uma
taram interesse, cobiça e desejo de posse? ponte, pois isso seria tentar entrar no mundo das
crianças, como algo de fora, como um estrangei-
Após visitação e mediação da exposição, as ro tentando penetrar esse território. Vamos cons-
crianças foram convidadas a experimentar o pa- truindo nesses momentos de troca um espaço
pel vegetal associado a uma “ponta-seca”, neste comum, compartilhando experiências. Buscando
caso palitos de churrasco e cabos de pincéis, e criar fendas na esperança que nos deem um norte que
suas narrativas visuais. “Exploração do papel, re- nos digam um pouco de si na construção de um
gistro do gesto, ludicidade? Para quê?” (LOPONTE, trabalho em equipe.
2008, p 118) Possibilidades que foram exploradas
através da mediação, da busca por diálogos e não A vivência dessa prática artística e educativa
pela explicação do que estava sendo mostrado, possibilitou às crianças a experimentação de
nem do direcionamento da interpretação. Evitan- outros materiais, em um local diferente do con-
do questionar o quê e por que fizeram, simples- vencional, aproximando a universidade da co-
mente deixando-os experimentarem. A partir da munidade, neste caso estudantes de um colégio
investigação realizada durante a experimentação da cidade de Santa Maria. Permitiu-nos a apro-
do material evidenciou-se a importância de tocar, ximação com o processo de alfabetização para
sentir, explorar, riscar e concretizar nesta faixa melhor avaliar como a arte pode colaborar nesse
etária. Através dos desenhos foi possível observar processo e a investigação de como se produz o
que algumas crianças resgataram em seus desen- conhecimento em arte contemporânea a partir
hos a temática da exposição, outras ficaram em de experiências artísticas nas séries iniciais e
seus desenhos habituais: casas, cachorro, pessoas, quais as contribuições da produção em arte du-
flores, dentre outros desenhos e estruturas, típi- rante os processos de alfabetização. Em linhas
cos desta faixa etária e não se permitiram sair de gerais, a presente prática relatada, aproximou a
sua zona de conforto. comunidade santa‐mariense do contexto univer-
sitário de formação e circulação de ideias, grupos
Assim, creio que seja fundamental desenvolver de pesquisa e estudos recentes atrelados ao cam-
pesquisas no campo da cultura visual, tendo po artístico‐cultural, contribuiu com a formação
como sujeitos das pesquisas as crianças, procu- de público para as artes e incentivou a busca pela
rando entender seus pontos de vista, suas re- experimentação criativa no contexto da arte con-
lações com as representações imagéticas, suas temporânea. Articulou suas proposições iniciais,
produções gráfico-plásticas, entre outros enfo- contribuindo com os processos de aquisição da
ques. (CUNHA, 2010, p. 141) linguagem escrita por meio de narrativas visuais
e apreensão de vocábulos relacionados à temá-
As crianças puderam testar espessuras de lin- tica abordada na exposição artística, tais como:
has, pois os palitos de churrasco possibilitavam corpo, cérebro, coração, célula. Mesmo dando
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Referências
Essas relações foram construídas tanto no âmbi- Partindo do conceito de afetos (SPINOZA, 2013),
to de aproximação ao objetivo de pesquisa, quan- surgiu o movimento que me fez adentrar na
to à satisfação ao abordar assuntos tratados pela pesquisa. Pensei nessa ação de afetar-se para
experiência como docente em formação, como modificar uma visão passada, construindo novas
no âmbito de questões pertinentes aos modos significações e traçando relações entre os en-
de como vejo as diferentes formas de educação contros que experimentei na pesquisa e como se
hoje. Trata-se de forçar o pensamento a respeito davam esses encontros com os personagens pre-
de como se enxerga uma docência fora do lugar sentes no filme e as muitas situações adversas.
comum, relacionando-a a indagações presentes Dissertei sobre esses processos de formação do-
a partir dos objetos escolhidos para realizar esta cente a partir desses personagens, dessa mistura
pesquisa, como o filme Coraline e o Mundo Secre- de engrenagens que me faz buscar o que pode
to (2009) e os diferentes encontros com os diários movimentar o pensamento a partir das imagens
pedagógicos. e das literaturas escolhidas.
Ao voltar o olhar para os diários pedagógicos, Abrir a pequena porta desse mundo secreto me
utilizei diferentes afetos para construir um pen- permitiu vasculhar, remexer, fotografar frag-
samento diante das experimentações dentro da mentos que constroem meu bloco de sensações
sala de aula e do retorno dos estudantes a partir no presente. Explorar Coraline é esmiuçar em
de conteúdos e temas trabalhados no período detalhes esse mundo contido nos diários, nos
dos estágios, quando situações de desconforto e sentidos que me formam como docente. Dilatar
desencaixe podem voltar a surgir. Redescobrir esses elementos foi a forma que encontrei para
imagens, textos, relatos e narrativas apresenta- respirá-los novamente, permitindo-lhes desper-
das durante essa vivência como docente em for- tar novas potências, outros dilemas (ZABALZA,
mação permitiu desdobramentos ainda irrecon- 2004)2, inéditas formas de estar fazendo pesqui-
hecíveis, a partir dos encontros com a vida e com sa em educação.
o cotidiano da personagem Coraline, juntamente
com os diários. Encontrei, no presente, citações que me eram es-
tranhas, imagens que pareciam tiradas no hoje,
A partir da potência de agir (SPINOZA, 2013) e objetos que lembrava tanto que pareciam novos,
dos encontros (DELEUZE, 1988-1989) com esses ganhos no atual momento. Deparei-me com con-
elementos, produzem-se inúmeros vazamentos ceitos que nem sabia que estavam ali, mas que
relativos a questões da minha formação como consegui redimensionar de forma coesa e exten-
docente, à rigidez que muitas vezes toma a do- sa durante toda a pesquisa.
cência, ao cotidiano comum e à fuga dele, que se
apresentam durante a intercessão fílmica1. Tra- “Tudo parte de uma certa ideia do movimento,
ta-se de construir relações de ‘situação de apro- que traz consigo uma contração dos corpos e uma
ximação e afastamento’, que não são questões de dilatação de seu tempo” (DELEUZE, 1999, p. 63).
contrariedade ou contradição, e sim de abertura É esse movimento que permite caminhar sobre
para uma perspectiva de um pensamento dife- essa memória, é o elo em que necessitei transi-
rente, não necessariamente exclusivo/original, tar para ter acesso a esses estilhaços docentes,
mas outro. trazendo, de forma atualizada, a própria memó-
1 - Termo usado pela doutora Vivien Kelling Cardone- 2 - O conceito de dilema trabalhado na pesquisa foi to-
tti em sua tese de doutorado Experiências educativas: mado de Zabalza (2004). Este autor considera dilemas
ressonâncias de intercessões fílmicas – defendida em aqueles momentos/situações que elegemos para pensar
dezembro de 2014; PPGE/UFSM. Intercessões fílmicas o processo. Um dilema nem sempre é um aspecto nega-
significam, nesta pesquisa de doutorado, propor-se en- tivo da aula. Envolve questões que desejamos pensar
contros com diferentes filmes e curtas para pensar a de forma mais aprofundada, tanto no individual como
docência. Pensar como essas imagens fílmicas ressoam no plano coletivo. “Os dilemas, como ferramentas con-
durante o período de pesquisa na educação e a inten- ceituais para a análise das atuações docentes, se aco-
sidade dos encontros que essas imagens movimentam. modam bem a essa complexidade da aula e permitem
“Ao convidar a imagem fílmica para servir de interces- compreender a natureza desafiadora da ação didática
sor neste texto, a intenção é de forçar o pensamento a que os professores devem enfrentar” (ZABALZA, 2004,
pensar outras coisas, opondo-se a uma imagem natura- p. 19); “O ensino aparece como uma profissão carregada
lizada e homogeneizada. (...) Dessa maneira, as imagens de dilemas”(ZABALZA, 2004, p. 21).
fílmicas ou os signos fílmicos nesta pesquisa, passam
a ser vistos como provocações que impulsionam a con-
testação dos hábitos do pensamento ainda arraigados e
solidificados em nós”. (CARDONETTI, 2014, p. 10).
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ria como duração (BERGSON, 2005). Meus diários foram se construindo ao longo dos
anos, a partir da disciplina de Estágios Curricula-
Sobre Coraline res Supervisionados do curso de Licenciatura em
Artes Visuais. Com a ânsia de sairmos de um re-
Coraline é aventureira. Tal característica mar- lato narrado, em forma de ata, onde somente des-
cante da personagem me fez ter encontros po- crevíamos o que acontecia na escola e em sala de
tentes com essa intercessão fílmica e trazê-la aula, partimos para uma proposta de construção
para a pesquisa. Percebi como Coraline consegue de uma escrita mais pessoal, através da qual ex-
articular cada acontecimento com suas expe- ploramos questões educativas agregadas às nos-
riências e desejos, sem se deixar levar por ideias sas vivências individuais e também grupais.
que não a afetam, a partir das quais sua potência
de agir não é aumentada. Quando me deparei com este ‘novo formato’ de
diário enxerguei uma nova chance de tornar
Pode até ser que, aqui e acolá, ela ouça a voz do esse retorno das aulas mais interessante, quem
pequeno companheiro felino que permanece ao sabe até mais atrativo. A fantasia já estava pre-
seu lado durante boa parte do filme, mas está sente em meus planos de aula e na forma como
convicta de seus anseios e segue sua curiosidade. trabalhava dentro da escola, e o desafio era fazer
com que esse mundo fantástico aparecesse tam-
Não aspirei imitá-la em minhas vivências de bém em meus diários pedagógicos.
formação docente, tampouco repetir suas frases
potentes, que tanto chamam a atenção no filme. Lembro de questionar a razão de me colocar tão
Minha ânsia foi viver Coraline em mim, sentir pessoalmente nessas páginas, que não eram so-
junto com ela os passos curiosos, tão envolventes mente páginas, mas viraram caixinhas, imagens,
durante o filme, e seu desbravar em um mundo fotos e recortes. Pensava no trabalho que isso
secreto. Experimentei os afetos que foram se tudo poderia dar, ou até mesmo no quanto isso
produzindo, sem esperar que a memória sim- poderia remexer em minhas experiências ante-
plesmente reviva o passado, mas que trouxesse riores. Qual era o sentido do diário naquele mo-
para a pesquisa algo que ainda não estava dado, mento? Qual a razão de criar um diário? Para ex-
inédito de ler e escrever, de sentir e pensar. primir bem essas sensações, trago um pequeno
trecho do livro Isto não é um Diário, de Zygmunt
O entrelaçamento de minhas experiências como Bauman (2012), no qual ele questiona, em seu
docente nos estágios, meus diários pedagógicos e primeiro capítulo, o sentido e a falta de sentido
a animação sobre Coraline me fez problematizar de se fazer um diário:
questões a respeito da docência. Criei relações
de transbordamento do que foi e é feito a partir O jogo das palavras é para mim o mais celestial
de mim e do outro que encontro: que tipo de re- dos prazeres. Gosto muito desse jogo – e o prazer
levância isso tem na minha experiência de for- atinge os píncaros quando, reembaralhadas as
mação docente? cartas, meu jogo parece fraco e preciso forçar o
cérebro e lutar muito para preencher as lacunas
Assim, como problema de pesquisa, busquei e superar as armadilhas. Esqueça o destino: es-
pensar quais afetos emergem da fricção entre tar em movimento, e pular sobre os obstáculos
as experiências como docente, materializadas ou afastá-los com um chute, é isso que dá sabor
nos diários pedagógicos, e a animação Coraline à vida (BAUMAN, 2012, p. 8).
e O Mundo Secreto (2009). Realizei um exercício
que estabelecesse diálogos entre o que foi vivido O jogo das palavras é para mim o mais celestial dos
nesses ensaios e a docência, assim como as re- prazeres. Gosto muito desse jogo – e o prazer atin-
lações que se traça com a fabulação presente nos ge os píncaros quando, reembaralhadas as cartas,
elementos de pesquisa. Busquei extrair, desse meu jogo parece fraco e preciso forçar o cérebro e
bloco de sensações, o que se constrói nas fissuras lutar muito para preencher as lacunas e superar
do que é produzido nos afetos e encontros com os as armadilhas. Esqueça o destino: estar em movi-
relatos pessoais. mento, e pular sobre os obstáculos ou afastá-los
com um chute, é isso que dá sabor à vida (BAU-
Encontro(s) com os diários MAN, 2012, p. 8).
Em que lugar da pesquisa os diários pedagógi- Com esses diários, tive exatamente essa oportu-
cos saltaram aos olhos? Qual a motivação de es- nidade de saborear uma escrita que ainda não
miuçá-los nesses encontros, misturando-os com tinha experimentado, superar as armadilhas
a fabulação e a personagem de Gaiman, Coraline? e me lambuzar. Mais tarde fui percebendo que
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nem sempre as páginas caligrafadas eram doces pela aproximação a conceitos que na época des-
e que, por umas ou outras vezes, o amargo toma- conhecia, consegui costurá-la com elementos
va conta do corpo, ofuscando qualquer desejo de agenciados a esses afetos, encontros diversos
continuar. Mas estavam ali, ‘página a página’, que o conteúdo das artes me oportunizava.
sendo criadas embebidas de dilemas (ZABALZA,
2004) e de mim mesma. No deleite que tenho ao visitar esses escritos,
questionei-me justamente pelo encantamento
Com a oportunidade de elaborar esses diários pelo obscuro, pelo sombrio, que sempre permeou
pedagógicos de outras maneiras, e os revisitando minhas escolhas acadêmicas. Viver me impul-
hoje, vejo o quanto foram necessários movimentos siona a estar neste sombrio e nas facetas desta
de mudança durante minha formação docente. animação, de um mundo secreto. Quando falo de
Começar a viver uma docência não foi nada fácil, mundo secreto não falo de outro mundo, de algo
pois o que mais transbordava desses fragmentos que está além do aqui e do agora ou de um mundo
pessoais eram contestações, alardes e algazarras utópico. Quando falo em secreto, quero me refe-
de uma insatisfação que parecia não me largar. rir ao estado de consciência em que me trans-
Estar docente ainda me causa desconfortos, mas porto a ‘esse mundo’ que está no mesmo mundo.
ainda assim vejo que caminhar por essas tramas Não é o contrário, e sim o que acontece junto: é
me desperta um encantamento outro, de devir an- o que acesso para experimentar as sensações
sioso para o novo, para a transformação. que as vivências cotidianas nos trazem. Enxer-
guei nesse sombrio uma potencialidade que fez
Esse exercício de idas e vindas fez com que eu des- movimentos, me faz observar as fissuras além do
cobrisse que a fabulação estava contida em minha óbvio e me ajudou na construção como pesquisa-
pesquisa, mesmo que de forma sutil, há bastante dora cujo olhar subjetivo sobre a docência se tor-
tempo. Meus diários são carregados desses ele- na abrangente e ilimitado.
mentos que remetem muito à fabulação, que se
inventam a todo minuto. Não contam histórias de Vasculhando este mundo secreto presente em
um tempo passado, cronológico, mas fazem-me meus antigos escritos, encontrei disparadores
viajar em um mapa cheio de lembranças. para a criação de um novo diário, que foi se mol-
dando a partir desses saltos de memória e da na-
A memória na qual fabulei não diz respeito ao rrativa fílmica. Esse diário que construí de forma
resgate do que está contido nos diários de for- constante trouxe, a passos miúdos, muito do que
mação docente, mas ao que pode ser criado de estava em meus antigos diários, pois a formação
novo a partir dessa memória. “É o devir que es- docente nunca parou e nunca para. Utilizei da
capa à história que está registrada, é a ‘antina- duração para que esse passado, com essas lem-
rrativa’, o devir não é história; a história designa branças antigas, existisse no agora e me levou a
somente o conjunto das condições, por mais re- pensar sobre um tempo que já foi e que ainda é.
cente que sejam, das quais desvia-se a fim de ‘de- Necessitei fazer viver esses diários no presente,
vir’, isto é, para criar algo novo” (DELEUZE, 1992, para movimentar meu passado. Alarguei esse
p. 210-211). Estou em plena imanência, para passado nesse tempo em duração para com-
vivenciar os movimentos de afetos para a deste- preender que preciso somar, adicionar novas
rritorialização do passado, para a criação do que lembranças a essa sensação atualizada.
ainda não existe, forçando o pensamento a partir
da potência de agir. Produzir esse diário no momento presente da
pesquisa fez com que eu pensasse sobre minhas
No momento de retorno aos diários, fiz escolhas escolhas e sobre como as angústias se ampliam
por trazer as aulas ao estado presente, viven- de diversas maneiras, em diferentes tempos.
do-as neste momento, no agora, utilizando da Chamo-o de Diário Pessoal, pois acredito que a
memória para colocar meu corpo em sintonia palavra ‘pedagógico’ não exprimiria tanto o que
com antigas escritas. Foi nesses encontros que abarco nessas páginas vermelhas e pretas. Não
redescobri quais afetos aumentavam minha po- que os outros diários não tivessem o cunho pes-
tência e quais a diminuíam. soal, ou muito menos que este não tratasse de di-
lemas (ZABALZA, 2004) educacionais, mas pre-
Voltando o olhar para os fragmentos pessoais, feri denominá-lo dessa forma para que a costura
enxerguei que a fantasia e a fabulação sempre nem sempre fique borrada.
estiveram presentes no momento de escrita e da
escolha de imagens. Ao vivenciar novamente os Diário Pessoal, Ana Cláudia Barin, 2014-2015
diários, vi que utilizava a fabulação de maneira (arquivo pessoal)
mais solta, sem conceituá-la. Hoje, justamente Revirando as múltiplas facetas desses diários,
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enxerguei buracos, saliências que me instigam Transbordei questões sobre a memória que tal-
a pensar a razão de permanecer docente nessas vez não fosse possível de outra forma, e somente
circunstâncias. Que sentidos tenho dado a esse pela duração consegui acessar esses escritos do-
tempo vivido em formação? Onde encaixei esse centes em um tempo que acontece em movimen-
‘coexistir’ de tempos em minha pesquisa, no hoje? to, coexistente. Fabulei com a finalidade de nun-
Como consegui fazer ‘durar’ a condição docente? ca me esgotar, de deixar claro que a pesquisa é
roda viva de devir, e que a invenção vem a somar
Necessitei criar para estar em mudança con- dentro desse ciclo de metamorfoses.
tínua. Afinal, ninguém conseguiria permanecer
intacto a tantos borbulhos. Ou será que consegui- Forcei o pensamento para não me colocar somen-
ria? Aposto na fabulação para não me enrijecer, te na brisa da paixão, mas afetar-me para agir, e
para aumentar minhas potências de agir, para muitas questões pertinentes à docência transbor-
me colocar em criação contínua, numa duração daram da fricção dos afetos escolhidos para esta-
que vai se revelando e onde há um ininterrup- rem aqui, construindo esta pesquisa. Coraline me
to jorro de novidade (BERGSON, 1984). Jorro de foi uma, duas, infinitas vezes descobridora de seus
criação, em puro devir. tempos, suas lembranças e criações. Não canso de
Me perguntei em que momento a arte se faz pre- vê-la, pois seus passos abrangem essa potência de
sente para conservar esses espaços para criações agir, de existir em diferentes mundos, em diferen-
no ambiente educacional, e em que momentos tes tempos, nesse mesmo tempo.
poderei usar da fabulação para manter em cons-
tante atualização essas lembranças, me dispondo Visitei mundos secretos e outros em que me de-
sempre a atravessá-las, modificá-las em prol de parei no aqui/agora, me refiz em fabulação. Elu-
novas invenções. O que tem nesses escritos que cidei um povo que não estava lá de começo, que
não se mostraram antigos, pois revelaram uma foi se criando, em cada revisita sobre dilemas e
educação tão presente, com tantos afetos costu- angústias de uma formação docente. Não me fiz
rados, tantos encontros intensos? na incompletude, mas na invenção. Montei terri-
tórios revivendo em minhas escritas, escritas es-
Conclusões de uma fabulação sas que não seguem nenhuma linha, só costuras,
inacabada ponto a ponto.
Esta pesquisa se fez a partir de percursos dotados Indago-me a respeito de que outra forma eu teria
pela fabulação, na descoberta de alguns dilemas, de trazer esses elementos para uma pesquisa em
no que ainda pode se perceber de novo. Meus educação, que não fosse esta maneira. Essa foi a
objetos de pesquisa me permitiram usar da ex- forma que encontrei de falar de escrita, de criação,
periência docente sem repeti-la, embasada pelos de movimento e potência, falar de literatura, de
conceitos que escolhi, fez com que eu construísse literatura como cura, de possibilitar arrebentar
novos territórios para visitar e ultrapassar pon- amarras com o intuito de costurar outras, sempre
tes de afetos que só aumentaram minha potência outras. Quis pronunciar sobre uma formação do-
do pensamento, estando em ininterrupto devir. cente que foca (e desfoca) nessa enunciação de
Meus diários não se fecham completamente, e coletivos, não querendo seguir modelos e paradig-
nunca irão vedar. Estão lá, abertos, conservados mas existentes, mas ter a oportunidade de inven-
nesse tempo em duração, que fazem com que eu tar, inventar por si só o que é estar docente.
me aproveite de tantos fragmentos para me cons-
truir no hoje, na docente que me enxergo, que es- Quero dar mais um impulso nessa roda que for-
tou. Posso pensar como se deu essa escrita, o que ma a educação. Girar e girar em busca desse jorro
ela é para a pesquisa e que ela “não se trata de uma inacabado de devir. Reinventar outros, me inven-
mistura arbitrária, que tornaria indiferentes os tar outras. Fabular... Fabular... Fabular...
desvios. Nessa narrativa em forquilha, cada des-
vio forma um circuito, e ele só se torna perceptível Referências
depois, na pergunta: ‘o que passou?’, vista a partir
do presente” (PELBART, 2007, p. 16). • BARIN, Ana Cláudia. Diários Pedagógicos,
2011-2012-2013.
Mas afinal, o que passou? O que atravessei? Que
territórios redescobri? Quais afetos emergiram • BARIN, Ana Cláudia. Diário Pessoal, 2014-
da fricção entre as experiências como docente, 2015.
materializadas nos diários pedagógicos, e a ani-
mação Coraline ? • BERGSON, Henri. A Evolução Criadora. Tradução
Bento Prado Neto. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
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“aquilo que fora de nós nos delimita” (FOUCAULT, novos estilos de vida e, portanto, de práticas (CO-
2008, p. 148), audiovisual, é formado por enun- RAZZA, 2007, p. 122).
ciados e visibilidades que produzem a verdade, a
cada vez, com o que é possível dizer e ver. Se não há consonância entre aquilo que vemos
e o que ouvimos, e se há vazios que se instalam
O visível e o enunciável produzem estratos. O “es- entre eles, no qual acontecem estas constantes
tratificado não é o objeto direto de um saber que lutas e capturas que produzem a cada vez enun-
surgiria depois, mas constitui diretamente um ciados e visibilidades, não ocuparíamos cada um
saber” (DELEUZE, 2006, p. 81). Entre estes dois de nós, e a cada vez, uma posição singular nesta
componentes do saber (o visível e o enunciável) poeira que se ergue desta batalha?
haveria um intervalo que os distanciaria, um vazio
no qual os dois “trocariam suas ameaças” (DELEU- Deleuze ao abordar a questão do sujeito a partir de
ZE, 2006, p. 77), uma dimensão informe que daria Foucault, pensa-o como estes “grãos dançantes na
conta da estratificação de ambos. Se pensarmos a poeira do visível, e lugares móveis num murmú-
docência, há estratos, saberes, que a compõe, há rio anônimo”, que “nasce e se esvai na espessura
arquivos que vão compondo estes estratos com o do que se diz, do que se vê” (DELEUZE, 1992, p.
que é possível ver e falar a cada vez. 134). Penso, assim, a docência. Como uma posição
ocupada no vazio que se instala entre o que é dito
Quem habita esse intervalo que separa o ver e o e visto nas experiências educativas que experi-
falar é o diagrama, uma dimensão informe, com- mento a cada vez, seja atuando como docente, ou
posto de virtualidades que só tomam forma ao se a partir do que as leituras e os afetos vindos de ou-
atualizar no arquivo. Relações de força que mis- tros lugares me disparam a pensar com ela.
turam conteúdos e expressões, o ver e o dizer, de
modo a produzir mutações. Penso com Blanchot (2010) o vazio como “um
intervalo que sempre se cava e cavando-se se
Os diagramas nascem em um caos chamado preenche, o nada como obra em movimento”
‘fora’. O fora (fora do poder, fora do saber) “é o (BLANCHOT, 2010, p. 35). Um espaço que não
reino do devir, uma tempestade de forças, o não sugere calmaria, no qual o que vem a preen-
estratificado, o informe, um espaço anterior, de chê-lo jamais o fecha, pois o próprio movimento
singularidades, no qual as coisas não são ainda” de cavá-lo o preenche com possibilidades que
(LEVY, 2011, p. 83). A partir do pensar acessamos são criadas e desfeitas a cada vez neste próprio
o fora, e é a partir desta conexão que a resistên- movimento.
cia ao poder, ocasionada pelo pensar, germina
outro diagrama, um princípio de ordem em meio Se os vazios estão por toda a parte, “entre uma
ao caos (fora), que viria operar mudanças naquilo linguagem e outra” (CORAZZA, 2007) o que os
que vemos e dizemos e, assim, produzir possibi- invisibilizaria? Os saberes e as verdades que
lidades ainda não experimentadas. Levy (2011) grudam em nós? O intervalo estaria apenas ca-
diz de uma experiência do fora, que estaria rela- muflado (embora visível) em meio ao que satura
cionada ao pensar e também à arte, uma expe- o espaço com tantos ditos e vistos cansados de se
riência que ocorre quando há “uma violência que repetir? Seria necessário um exercício de cavar
nos tira do campo da recognição” e nos lança ao vazios? Ficar à espreita do que pode funcionar
imprevisível, “onde nossas relações com o senso como ferramenta para tal? Seria possível cavar
comum são rompidas, abalando certezas e verda- vazios em meio ao cotidiano? Em meio a uma
des” (2011, p. 100). aula? Na docência?
Na intenção de experienciar o vazio (o fora) vou Cavar vazios e assim experienciá-los. Rachar as
produzindo pesquisa e docência. Me lanço nas coisas e as palavras, diria Deleuze (1992) a par-
aventuras pelos intervalos que se alojam “en- tir de Foucault. Produzir espaços nos quais ou-
tre uma linguagem e outra” (CORAZZA, 2007, p. tros visíveis possam brotar em meio as palavras,
122), para que respirar seja possível... Para que e outras palavras possam brotar em meio aquilo
inventar seja possível... Pois somente nesse vazio que vemos.
Figura 1: Experimentação artística realizada com uma palavra perfurada por uma traça. Residência
artística na Biblioteca Pública Municipal Henrique Bastide (Santa Maria, RS), 2013.
traça, vou aprendendo outro modo de andarilhar, No meio de uma andança cotidiana
no qual é necessário cavar um lugar por onde se tinham paineiras...
possa passar, atravessar, produzir um caminho
singular. Eis que a parte nuvem da árvore
encontra uma brecha...
Se num outro momento o andarilho perambulava Ganha potência...
‘entre’ o instituído, agora ele sente a necessidade Desgruda de si a parte que lhe prende
de cavar o instituído para abrir espaço, cavar o es- aos poucos vai se dissolvendo no vento...
paço sedentário que busca conter o espaço liso (DE- E se vai...
LEUZE; GUATTARI, 1997), para que o pensamento Até cair leve no chão de algum lugar
possa andarilhar e ganhar potência… Cavar um
vazio onde tudo parece cheio, e preservá-lo… para [Escrita disparada pelo encontro com paineiras em uma
que se possa habitá-lo de diferentes maneiras, sem andança cotidiana. Cascavel, PR, 2014]
preenchê-lo de maneira definitiva…
devir paina em meio a tantas forças reativas que é necessário para poder escrever alguma coisa”
fazem a docência pesar? Como espreitar em meio (BARTHES, 2004, p. 208) e nesse processo pro-
à imanência do estar docente devires paina... duzir-me (sutilmente) docente outra.
Abraçar a coragem de cair no abismo e, leve, ex-
perimentar outros lugares, nascer novamente? Sobre o que não cessa aqui...
Que pulsações experimentamos a cada vez nas No momento, portanto, este projeto de tese, se-
superfícies que habitamos enquanto docentes? gue cavando vazios nos ditos e vistos da docên-
Que outros lugares os ventos vindos do fora nos cia, traçando possibilidades de ‘entres’ a partir
convidam a habitar? Que outras docências bro- dos afetos recolhidos em diferentes andanças...
tam a cada vez nestas experimentações? De que Uma passagem de ar para que enfim possa dizer,
maneira, enquanto docentes, podemos expe- escrever, pensar, inventar uma docência que es-
rimentar as pequenas tragédias que nos acon- cape do já dado, do estratificado, do já pronto, dos
tecem, de um modo afirmativo, como forma de modelos de docência que às vezes me imponho,
movimento... E não apenas carregar seus fardos naturalizo, e a partir dos quais me frustro por
imobilizadores? Como em nossas experiências não dar conta dos seus ‘deve ser de tal maneira’.
educativas, acolher a diferença que chega, como A tese da tese, por hora, diz: Ao cavar vazios nos
acolher aquilo que nos tira a firmeza do chão? ditos e vistos que a compõe, a docência pode gan-
har potência de inventar outras possibilidades de
Creio que com a escrita devenho paina. Apren- vida, diferenciando-se de si mesma.
do a cair “suavemente como uma folha, sobre o
tapete da vida” retendo deste percurso (que em
algum momento chegará ao chão) “apenas o que
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gógica que vem estruturando o trabalho docen- apenas vivido, significativo e armazenado na
te (SOUZA, 2007, p. 9). memória.
No Brasil as pesquisas autobiográficas vem aos Pode-se sublinhar que parte desta investigação
poucos ganhando força, tem-se realizado desde é de caráter autorreflexivo pois, estuda conti-
2004, a cada dois anos, o Congresso Internacio- nuamente seus objetivos para tentar assinalar
nal de Pesquisa (Auto)biográfica (CIPA), o que seus pontos fortes e as debilidades do processo
tem originado um extenso e relevante número de aproximação. Uma investigação deste tipo
de textos e publicações acadêmicas referentes considera, portanto, aspectos do cotidiano, o que
ao assunto. Este evento facilita também a aproxi- ocorre no momento e outras questões importan-
mação entre os grupos de investigação, autores, tes que se sobressaem. Trata-se de ressaltar o ato
pesquisadores nacionais e internacionais, onde de estar constantemente a questionar e a avaliar
os mesmos expõem seus estudos, na formulação conscientemente o que lhe acontece, sabendo
de interesses conjuntos por práticas de inves- que sempre haverá ligações a serem exploradas.
tigação. Esse espaço tem permitido questiona-
mentos e debates sobre os aspectos científicos e É uma pesquisa desafiadora, pois não há dados a
pedagógicos da investigação autobiográfica. serem analisados, coletados e categorizados par-
tindo de uma observação externa. O pesquisador
Tendo em vista estas questões e a partir do que torna-se corpo integrante da investigação, onde
tive aproximação, no decorrer da pesquisa adotei inclusive ele próprio é o maior questionamento,
e me utilizei do termo autobiografia como apor- a principal pergunta, no sentido de sua formação
te metodológico, acreditando, como exposto por como docente, como ser humano. A pesquisa não
Souza (2014), que “(...) o sujeito desempenha uma se articula enquanto método, mas enquanto local
análise entre o papel vivido de ator e autor de de fala e de escrita, permitindo deslocamentos
suas próprias experiências (...) “no que consiste o linguísticos e não linguísticos, no campo da Arte,
modelo autobiográfico, existe uma eliminação do da Educação e também fora deles.
investigador, porque a expressão de sentido e a
construção de experiência se centra na singulari- A pesquisa é vista sob uma perspectiva que tem
dade e subjetividade do sujeito” (p. 37-39). indicado caminhos para a construção de saberes
que entrelaçam diferentes dimensões das traje-
Uma metodologia de cunho qualitativo na in- tórias pessoais, acadêmicas e profissionais, “nas
vestigação, conduzida para uma melhor com- autobiografias educativas a história de vida se
preensão do presente, onde quem decide o que focaliza predominantemente nas experiências
deve ser contado é o autor, a partir da narrativa de formação do respectivo autor” (ABRAHÃO,
de vida, dos acontecimentos que são questiona- 2014, p. 13).
dos e vividos por ele mesmo. Possibilita, da mes-
ma forma, “entender os sentimentos, as repre- No decorrer do processo da experiência de si
sentações e os atores sociais em seu processo de “cada um de nós é, ao mesmo tempo o autor, o
formação e autoformação” (SOUZA, 2014, p. 46). narrador e o personagem principal” (LARROSA,
1994, p. 47). Ora precisamos vestir o personagem
Uma abordagem metodológica que é diferen- professor(a), ora nos afastamos para poder tecer
te da pesquisa tradicional pois está baseada no relações como autores desse processo formativo,
princípio de que o sentido não é encontrado mas ora estamos como narradores de toda essa histó-
construído, interpretado, tornando-se um acon- ria, ora já não sabemos mais em qual papel nos
tecimento criativo. Esta metodologia permite ao encontramos.
pesquisador lançar-se à experiência na posição
de não estar imune a ela, permitindo encontrar o Em um de seus escritos, Pereira (2013b) contesta
que talvez não procure ou mesmo sendo encon- esse movimento do pensamento que as metodolo-
trado pelo inusitado. gias autobiográficas e narrativas de histórias de
vida exercem no âmbito acadêmico, apontando
O sentido é construído porque ocorre entrelaçado uma fragilidade que esse modo de investigação
no processo experimental com o qual o pesquisa- possui, uma vez que corremos o risco de a conver-
dor(a) vai tendo contato no decorrer da pesquisa. ter apenas em crônicas e narrativas poetizadas,
Considerando os diferentes polos existentes no não contemplando o rigor e seriedade exigido
sistema educacional, não pode escapar à ma- numa produção de escrita acadêmica. No entan-
neira como se exerce uma prática de pesquisa, to, no mesmo texto, assinala a pertinência dessa
e à forma de se expressarem os seus resultados, forma de escrita, desde que sejam consideradas
em que se precisa forçosamente colocar em pa- as precauções necessárias, com responsabilida-
lavras, linhas e parágrafos o que até então era
- 49 -
Novamente Larrosa (1994) nos diz que, “o ser hu- • ABRAHÃO, Maria Helena Menna Barreto. Tra-
mano, na medida que mantém uma relação re- yetorias espistemológicas y prácticas de la inves-
flexiva consigo mesmo [...] se observa, se decifra, tigación (auto)biográfica em educación em Brasil
se interpreta, se julga, se narra ou se domina” (p. y España. In:
54). Na intenção de nos decifrar, a docência em
Artes Visuais tornou-se território principal onde • ABRAHÃO, Maria Helena Menna Barreto e BO-
a pesquisa se desenvolveu. LÍVAR, Antonio (Orgs.). La investigación (auto)
biográfica em educación. Mirádas cruzadas en-
Que tenhamos consciência de que nossas certe- tre Brasil e España. Granada, EUG, Porto Alegre,
zas e verdades são provisórias, que no percurso EdiPUCRS, 2014, p. 8-29.
do exercício da profissão, durante nossas aulas,
podemos nos sentir impotentes e frustrados, • BARTHES, Roland. O Grau Zero da Escrita. Se-
como já foi atrás mencionado. Mas há lampejos guido de novos ensaios críticos. São Paulo: Mar-
de estímulos que não encontramos em livros, ou tins Fontes, 2004.
em programas curriculares, mas encontramos
no outro. Se ignorarmos por um instante todas • CARDONETTI, Vivien Kelling; OLIVEIRA, Ma-
as pressões que possam existir em qualquer rilda Oliveira de. Diário de aula: disparador de
ambiente profissional, e nos determos aos mo- problematizações e de possibilidades para pen-
mentos em que nos encontramos com colegas e sar a formação de professores de Artes Visuais.
amigos, ou quando vivenciamos momentos de In: OLIVEIRA, Marilda Oliveira de; HERNÁNDEZ,
descontração e trocas de experiências, a pro- Fernando (Orgs). A formação de professores e
fissão torna-se mais prazerosa. o ensino das Artes Visuais. Santa Maria: Ed. da
UFSM, 2015, p. 51-73.
- 50 -
Jonara Eckhardt
Leonardo Charréu
era jumento, era cabaça, era enxada, era espin- locamento do centro de reflexão, deixando de
garda de socadeira, era o açude, [...] era o cenário tomar como base o que se faz em Forquilha.
natural, o que tinha. Não foi nada programado, Ao relativizar as noções de borda e de cen-
não foi nada feito. Até as roupas eram as origi- tro, adotamos uma postura política, podendo
nais, são as do dia a dia. arrastar a produção mainstream para outra
localidade. Entre as grandes produtoras in-
Carismático, Josafá motivou outros interes- ternacionais de caros produtos cinematográ-
sados a produzir filmes: Ronaldo Roger e ficos, e a produção amadora da zona noroeste
Aureliano Shekinah são exemplos de novos do Ceará – pautada na coletividade artesã de
cineastas na comunidade. A equipe trabalha quem fabrica e no público que se reconhece
em regime de cooperativa: o cameraman de –, Hollywood não pode concorrer com aquilo
um filme pode ser ator em outro, e editor na que não é identificável enquanto modelo de
produção seguinte. O grupo foi denominado produção e distribuição mercantis. Os filmes
Cinecordel, em alusão às formas textuais po- de Josafá não brigam pelas mesmas salas de
pulares, que podem ser recitadas oralmente, cinema. Portanto, arrastar o cinema dos pro-
ou impressas. O trabalho do coletivo passou a dutores de Forquilha para a borda é jogar o
ser divulgado em um blog, o Forquilha Cine- cinema mainstream no centro, e este não é o
cordel, bem como no YouTube. tema desta investigação.
Em 2015 Josafá filmou sua primeira produção Falar de arte popular é caminhar em um terre-
com uso do equipamento profissional, em- no conceitualmente arenoso, em que se corre o
prestado pela produtora do cineasta Rosem- risco da bipolaridade entre alta cultura e baixa
berg Cariry: “Cadê meu zóculos”. A versão em cultura, erudito e popular, ou ainda na dis-
curta-metragem recebeu o prêmio de Melhor cussão entre cultura popular mediada pela cul-
Filme pelo júri popular no V Festival de Je- tura de massa, que não sustentam o tema deste
ricoacoara de Cinema Digital, em junho de artigo. A cultura é um termo por si só complexo,
2015. “Cadê meu zóculos” conquistou também que carrega consigo a responsabilidade de ser
três prêmios, dentre eles o de Melhor Diretor, mais que um conceito, mas um campo empíri-
na segunda edição do Festival de Cinema de co de investigação, historicamente constituído
Forquilha, ainda em 2015. Antes destas hon- pelos estudos culturais e pela antropologia.
rarias, Josafá havia sido agraciado com os Deixamos claro que no contexto deste artigo
troféus de Melhor Filme e Melhor Diretor no investigamos um aspecto da cultura criado
I Festival de Forquilha, evento criado e desen- por alguém das classes populares, prioritaria-
volvido pelos próprios fazedores de cinema do mente destinado às classes populares, ligado
município, em fevereiro de 2014. Sem apoio a elas de forma identitária. O cinema popular
político, o festival representou um novo está- não remete apenas à constituição autodida-
gio do cinema forquilhense. ta da gramática do cinema, mas, sobretudo, à
identificação do coletivo de trabalho – Cinecor-
O cineasta popular, autodidata, del – passando pelo universo temático das pro-
mas sem bordas duções, sempre de baixo orçamento.
transmitida sem uma explicação formal. Ela, a por uma prática de produção ordenada se-
linguagem, é dada, embora não explicada. gundo alguns critérios que misturam o apren-
dizado técnico a uma práxis intuitiva. Entre a
O “fazer” cinema em Josafá se constitui em sua primeira produção, “A história de um galo
maior grau na prática. Portanto, o autodidata assado” (2006) e “Cadê meu zóculos” (2015) é
deixa de ser um “adjetivo masculino singular” possível observar a mudança da qualidade
para ser “substantivo múltiplo plural”. O auto- técnica dos filmes, mas, em termos de lingua-
didata Josafá aprende no devir cinema, cuja gem, não houve decerto nenhuma alteração
metragem se constrói à medida que se faz, e significativa.
se faz à medida que se constrói. Desde a captação das imagens à montagem,
o trabalho inicial foi sendo construído no
A linguagem do cinema próprio processo de aprendizagem. No caso
específico do cinema, o domínio da técnica
A linguagem no cinema não é formalizada. e do uso do equipamento permitem a consti-
“É claro que o cinema não é uma linguagem, tuição da linguagem.
mas gera seus significados por meio de siste-
mas (cinematografia, edição de som e assim Um amigo meu me ensinou a manusear a má-
por diante) que funcionam como linguagens” quina, né?! E aí o primeiro filme foi editado pelo
(TURNER, 1997). O cinema pode ser com- rapaz de Forquilha. Já o segundo, um filho meu
preendido em primeira instância como co- comprou e me deu um computador de presente,
municação; um segundo passo necessário é né?! E aí outro rapaz me ensinou a fazer editar.
colocar este processo de comunicação dentro [...] A partir do terceiro filme, que foi “Rastro de
de um sistema maior gerador de significados: cobra”, eu já comecei a fazer editar lá na minha
a própria cultura. comunidade.
O trabalho autodidata de Josafá é constituído Este saber intuitivo, ao qual Josafá se refere
- 56 -
Referência eletrônica
• http://cinecordel.blogspot.com.br
/p/blog-page.html
dades práticas por meio das quais os alunos pu- olhar crítico sobre o tema apresentado. Em um
deram experimentar e experienciar o processo contexto mais amplo, as micronarrativas pro-
de produção e construção de sentido e signifi- piciam “uma reflexão sobre os modos de na-
cação por meio do manuseio dos elementos da rrar o presente”3, dando sentido aos aconteci-
linguagem cinematográfica, utilizando como mentos mais marcantes da vida de seu autor.
dispositivo tecnológico seus aparelhos de tele-
fone celular. O tipo de narrativa escolhida para a pesquisa
foi a audiovisual. Entendo por narrativa audio-
As atividades propostas pela ação de extensão visual o tipo de produção que se vale das articu-
possibilitaram aos participantes o desenvolvi- lações possíveis entre a imagem em movimen-
mento do pensamento crítico acerca das ima- to e/ou fixa e os sons.
gens e, sobretudo, sobre as imagens produzi-
das por eles mesmos. As narrativas audiovisuais podem construir
discursos que criam, reforçam ou modificam
Com base nessa experiência, o presente artigo características identitárias, justamente pelo
irá discutir as possibilidades de subversão do fato de a identidade de um grupo social ser
suporte por meio da prática de produção de algo mutável, que está sempre em processo,
narrativas audiovisuais em ambiente escolar, no qual “as identidades estão sujeitas a uma
procurando estabelecer conexões acerca do historização radical, estando constantemente
contexto de produção de imagens técnicas em processo de mudança e transformação”4.
com intuito pedagógico, a emergência dessas
imagens em uma das perspectivas de aborda- Dentre as ferramentas disponíveis para pro-
gem em ambiente escolar, o nível de conheci- dução de narrativas audiovisuais, existem os
mento sobre o funcionamento dos dispositivos aparelhos de telefone celular, que tiveram a
tecnológicos produtores de imagens e sons e incorporação de câmeras, recursos para aces-
as possibilidades de subversão, contrariando a so à internet e plataformas de comunicação
programação previamente imposta pelo apa- sem fio e operam com funcionalidades semel-
relho. hantes às de um computador. Esses aparelhos
são capazes de produzir, receber e transmitir
Narrativas, dispositivos móveis e vídeos, e sua popularização e expansão agres-
cartografias sivas têm reconfigurado os espaços midiáticos
tradicionais. Para um aparelho que concentra
Entendo como narrativa as “manifestações em si ferramentas de produção, recepção e
orais, escritas, sonoras e visuais que se organi- transmissão audiovisual, os limites e as dife-
zam a partir de uma sucessão de episódios ou renças existentes a outros suportes, como a
ocorrências de interesse humano que integram TV, a internet e o cinema, acabam sendo bo-
uma mesma ação”1, de modo que os sujeitos-au- rrados5.
tores possam se expressar, narrando e contan-
do “algo sobre o mundo, sobre a existência, so- As cenas produzidas por aparelhos de tele-
bre o outro ou sobre si mesmo”2. fone celular a partir da trivialidade e do co-
tidiano acabam por se tornar inéditas. Para
A narrativa, por não se acomodar em modelos Lucena, “é esta poética que buscamos quando
preestabelecidos, possibilita maior liberdade falamos de vídeos produzidos por celular, ce-
criativa e o surgimento de novas estéticas. É nas que não são maquiadas e que podem ser
uma maneira de os indivíduos se expressa- transferidas para outros aparelhos: uma poé-
rem sobre sua vida, suas histórias domésticas, tica do banal ou do ‘estive aqui e me lembrei de
memórias, intimidade e subjetividades. Essas você’”.6 De sua parte, Lemos afirma que esse
micronarrativas pessoais, que se opõem aos fenômeno naturalizou o processo de captação
modelos tradicionais, possibilitam a seus au- de imagens na vida das pessoas ou de uma li-
tores a reflexão sobre sua visão de mundo, beração do polo de emissão7, justamente pelo
reorganizam sua experiência e propiciam um fato de o aparelho celular propiciar ao seu
10 - AMARAL, 2012, p.
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Foram produzidos dois vídeos, sendo uma fi- medida pudesse estar integrado promovendo
cção e um videoclipe, com música e letra com- diálogo com os gestores, estudantes e profes-
postas pelos participantes do projeto, ambos sores e que considerasse a disponibilidade e o
inspirados no cotidiano e realidade social em interesse da escola pela sua realização.
que estavam inseridos. Além dos produtos au-
diovisuais, as duas monitoras do projeto des- Os riscos por essa opção foram assumidos
envolveram seus trabalhos de conclusão de como parte do processo. Sabia que estar por
curso a partir da experiência extensionista. um tempo mais longo, com um cronograma
de atividades mais extenso, poderia provocar
O Ideias Movimentadas funcionou como pla- mais situações que não estavam previstas, o
taforma para a elaboração do meu projeto que, de fato, acabou ocorrendo. Muitas intem-
de doutorado, por isso é tão importante fazer péries atropelaram o processo durante o se-
menção a sua realização. mestre, tais como: suspensão de aulas pela Se-
cretaria Estadual de Educação, mudanças no
Olhares Móveis: construção de calendário escolar, a inserção de eventos não
novos mapas e narrativas previstos, limitações institucionais, migração
de alunos na disciplina – entrando e saindo –
O contexto de execução do Projeto Olhares até a configuração final do grupo etc.
Móveis foi o educacional, pensando que a
produção de narrativas audiovisuais e a expe- Em alguns momentos foi difícil conciliar todas
riência com o lugar, no caso o Bairro de Cam- essas variáveis que interferiram na execução
pinas, poderiam propiciar experimentações e das atividades da disciplina, sobretudo por
aprendizagens a partir do processo coletivo de conta da preocupação e do compromisso em
realização audiovisual. concluir bem as atividades de campo da pes-
quisa para o projeto de doutoramento.
Quando cheguei à escola, a proposta do pro-
jeto foi bem-recebida. Contudo, por se tratar Um fator positivo que salvaguardou essa es-
de uma instituição de tempo integral e com colha foi o tempo para maturação das ativi-
atendimento exclusivo para turmas do ensino dades. Essas ações exigiam um tempo maior
médio, a proposição foi de adequá-lo a uma dis- para amadurecimento e consequente bom
ciplina eletiva que seria ministrada ao longo de andamento dos processos de produção das
todo o segundo semestre de 2015, nas tardes narrativas. Esse aspecto foi muito importante
de quinta-feira. Em função dessa nova confi- para o grupo, na medida em que os estudantes
guração, fui acompanhado por uma professora iam assimilando e assumindo suas narrativas,
tutora da escola ao longo do semestre, que foi situação que seria mais difícil de ser concreti-
responsável por mediar todas as situações que zada se as atividades tivessem sido realizadas
envolviam o bom andamento da disciplina. de forma condensada.
Inicialmente o projeto foi pensado para estudan- Foram realizados dezoito encontros, que to-
tes moradores do Bairro de Campinas, uma vez talizaram 36h/a. Neles foram distribuídas
que a expectativa era valer-se da experiência atividades que propiciassem contato com as
cotidiana com o bairro para que eles pudessem subjetividades individuais de cada estudante
impregnar as narrativas com elementos iden- e também com a escola e o bairro de Campi-
titários do local. Contudo, no primeiro encontro nas. Como estratégias, foram utilizados re-
com os alunos percebi que quase todos eram cursos lúdicos, da linguagem audiovisual e
moradores de bairros distantes de Campinas. da cartografia.
Dos 26 inscritos, somente três eram moradores
do bairro e/ou imediações. Essa nova realidade As atividades do Olhares Móveis foram orga-
trazida pelo campo de pesquisa acabou por rea- nizadas por meio de dispositivos que facilita-
dequar alguns pontos de interesse da pesquisa, ram a realização das tarefas. Ao todo foram
como a discussão sobre identidade e pertenci- propostos sete dispositivos. Segue-se, portan-
mento associada ao lugar – o bairro de Campi- to, a descrição de cada dispositivo, cujo detal-
nas, por exemplo. hamento inclui o título, a finalidade, o método
de execução, os recursos necessários e um
Uma preocupação inicial no tocante à escola relato da experiência gerada em cada etapa.
era o respeito à realidade local. Minha intenção
era de que o projeto não parecesse um corpo
estranho na rotina escolar, de que em alguma
- 63 -
13 - Dispositivo elaborado pelo Projeto Inventar com sual da Universidade Federal Fluminense, com adap-
a Diferença, do Curso de Licenciatura em Audiovi- tações do autor.
- 65 -
O “mapa de todo mundo” foi digitalizado e in- em seus objetivos em alguns alvos, que no
cluído em um sítio na internet. Nesse mapa meu entendimento foram atingidos de forma
foram georrefenciados pontos que dão acesso satisfatória, mas acertou também em tantos
às narrativas produzidas pelos estudantes. As outros que, inicialmente, não estavam no ho-
narrativas estão vinculadas tematicamente rizonte da visão. Com base nos depoimentos
aos pontos geográficos. Como a produção do de estudantes e professores que estavam en-
mapa foi um exercício de memória e de expe- volvidos com a realização do projeto, alguns
rimentação afetiva com os espaços do bairro, pontos importantes foram apontados: melho-
o mapa não possui uma correlação direta com ra no desempenho escolar de outras discipli-
o espaço geográfico real, mas apresenta uma nas formais; reconsideração do colegiado de
outra cartografia: mais afetiva, lúdica e sim- professores de decisão tomada para expulsão
bólica. Sua construção a muitas mãos o deixou de aluno; desistência de transferência da es-
singularizado com a experiência do grupo cola – por desejo do estudante; ampliação da
com o bairro. percepção crítica acerca das imagens e de sua
produção; socialização dos estudantes no gru-
Dentre os sete dispositivos aplicados ao longo po escolar etc.
do projeto de extensão, cinco deles tiveram
resposta positiva. O Dispositivo 4, Minuto Estes apontamentos e alguns outros foram
Lumière, e o Dispositivo 6, Café de Histórias, detectados como resultados indiretos da exe-
não obtiveram êxito. No Minuto Lumière, que cução do Olhares Móveis na comunidade esco-
previa uma produção audiovisual, a atividade lar. Pensar a subversão dos dispositivos técni-
foi pedida para ser feita em casa e seria exi- cos, como sugere Flusser, a partir da criação
bida no encontro seguinte. Após finalizado o de novas aplicabilidades não programadas e
projeto, avalio que a atividade poderia ter tido problematizações que levem os operadores
uma condução diferente. Penso que se tives- a refletirem sobre o uso desses dispositivos e
se sido realizada durante um dos encontros as narrativas produzidas por um autor, mas
com o apoio do professor teria logrado maior mediadas por esses aparatos tecnológicos,
êxito. Quanto ao Café de Histórias, que tinha podem oportunizar possibilidade de trans-
como premissa o levantamento de moradores formação pessoal e social que por vezes não é
do bairro de Campinas para uma sessão de possível indicar no início do percurso.
contação de histórias sobre o bairro, o fato de
apenas três estudantes serem moradores de No campo das subjetividades, em que o corpus
Campinas foi um fator que dificultou a exe- de investigação é a matéria humana, as meto-
cução do dispositivo. dologias e intenções acabam por ser semea-
das com uma boa dose de incerteza sobre que
Todos os resultados obtidos com a execução frutos serão colhidos.
dos dispositivos podem ser visualizados no sí- As possibilidades de intervenção na realidade
tio www.olharesmoveis.ueg.br. escolar e no desempenho dos estudantes pas-
sam inevitavelmente pela subjetividade indi-
Para além dos dispositivos e da vidual do sujeito e pela forma como cada um é
tecnicidade das imagens, existem afetado pela proposta pedagógica. Entre os ca-
os seres humanos minhos e descaminhos percorridos no percur-
so do Olhares Móveis, as formas como o projeto
O projeto de extensão Olhares Móveis mirou interviu nas vidas de estudantes, professores e
- 67 -
pesquisador certamente não os deixaram in- de um bairro: campinas sob as lentes de Hé-
cólumes à experiência. Penso que a educação lio de Oliveira. 2008. Dissertação (Mestrado)
precisa tocar as pessoas e de alguma forma as – Programa de Pesquisa e Pós-Graduação
ajudar a entender melhor o seu lugar no mun- em História, Universidade Federal de Goiás,
do. Isso também é aprendizado. Na condição de Goiânia, 2008.
professor-investigador posso dizer que apren-
di muito com essa experiência. Marcelo Henrique da Costa
Professor do Curso de Graduação em Cine-
Referências ma e Audiovisual e Diretor de Comunicação
Institucional da Universidade Estadual de
• AMARAL, Lílian. Táticas para cartografar e Goiás, publicitário, mestre e doutorando em
habitar o espaço da cidade: práticas perfor- Arte e Cultura Visual pela Faculdade de Artes
mativas: Observatório Bom Retiro. In: CON- Visuais da Universidade Federal de Goiás –
FAEB, 22, 2012, São Paulo: Unesp, 2012. Brasil. Interesse de pesquisa em: Audiovisual,
cinema, educação, produção audiovisual com
• GUIMARÃES. Leda; FERNANDES. Wolney. mídias móveis.
Narrativas visuais como experimentações es-
téticas. In: RODRIGUES, Edvânia Braz Teixei-
ra; ASSIS, Henrique Lima (Org.). O ensino de
artes visuais: desafios e possibilidades con-
temporâneas. Goiânia: Seduc-GO, 2009. p. 39-
44.
dos? Estas são questões a respeito das quais destruído. O anjo da história, para Benjamin,
apenas se produzem conjecturas, no esforço
por respostas, a despeito dos rigores observa- gostaria de deter-se para acordar os mortos
dos nas investigações arqueológicas e antro- e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade
pológicas desenvolvidas a respeito. Talvez o sopra do paraíso e prende-se em suas asas com
mais surpreendente seja o fato de que tenham tanta força que ele não pode mais fechá-las.
atravessado ciclos temporais tão extensos, Essa tempestade o impele irresistivelmente
adversidades múltiplas, chegando até o sé- para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquan-
culo XXI portadoras de uma vitalidade ainda to o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa
capaz de provocar os visitantes com sentidos e tempestade é o que chamamos progresso. (BEN-
narrativas imponderáveis. JAMIN, 1987, p. 232)
Contudo, as circunstâncias ambientas, econô-
micas e sociais que os cercam atualmente não Em Serranópolis, entre as ruínas do passado e
parecem muito favoráveis à sua preservação. as maquinarias que prometem o futuro inevi-
Testemunhas de um passado tão longínquo, tável, dada a força da tempestade do progres-
deparam-se, atualmente, com ventos que so- so, transita um homem de pequena estatura,
pram vigorosamente em direção ao futuro, ou com mais de sete décadas vividas, portando
futuros, cujos projetos não se deixam seduzir uma câmera desgastada entre as mãos e
ou comover por seus enigmas. O futuro, esse um gravadorzinho no bolso. Os conhecidos
futuro pautado pela noção de progresso ins- acenam: Oh, Osorinho! enquanto ele passa. É
taurada na modernidade, move-se em direção ele que a cineasta Cássia Queiroz chamou de
a desafios tais como a produção intensiva de Osorinho, o poeta da imagem, documentário
grãos justificada pelas necessidades de ali- de curta metragem, realizado em 2010.
mentação a uma população humana em linha
numérica sempre crescente. Mas, sobretudo, Vem de muitos anos a disposição de Seu Oso-
para atender à lógica econômica capitalista rinho para registrar as pessoas de sua comu-
em torno das relações de lucro, mais valia, e nidade, as paisagens por onde percorre de
suas (ir)racionalidades. bicicleta, montado a cavalo ou a pé, os sítios
Um tal progresso se constrói sobre as ruínas do onde viveu, e onde viveram seus familiares.
passado, justificado pela promessa de conquista Bom conhecedor que é da sua região, obser-
do futuro. O passado comparece como entrave, va os ciclos de plantas e animais, as trans-
atraso, condenação e aprisionamento à obsoles- formações dos horizontes, as sonoridades de
cência. Nesse cenário, o cenário que abriga as cada lugar. Observa os ciclos da comunidade,
grutas de Serranópolis e seus arredores sobre- lembra aqueles que já tenham partido, não
vivem, mesmo que precariamente, tão somente perde de vista os mais velhos, dispondo-se
por uma questão geográfica: localizam-se em a buscar suas histórias para reconta-las aos
regiões desfavoráveis ao plantio da lavoura in- mais novos. Assim, vai constituindo um pai-
tensiva, ou à criação de gado. Áreas rochosas nel cada vez mais extenso de registros em
de acesso não muito fácil resguardam-nas, en- audiovisual com esses elementos, dialogan-
quanto a vegetação nativa em torno vai sendo do com eles, reconstituindo suas narrativas.
substituída por plantações de soja a perder de Do mesmo modo, registra eventos da cidade,
vista, pontuadas por enormes armazéns metá- festas, celebrações, histórias singulares, jo-
licos destinados à guarda de grãos, administra- gos de futebol... Desse modo, estabelece redes
dos por empresas que beneficiam a população de conexões intracomunitária, numa cidade
local, absorvendo mão-de-obra. onde não há salas de cinema, e apenas uma
reduzida parcela da população tem acesso à
O futuro, portanto, promete emprego, desen- rede mundial de computadores em suas resi-
volvimento tecnológico, investimento econô- dências ou ambientes de trabalho.
mico, e grãos para exportação. Nesse futuro
não há espaço para grutas com desenhos en- A seu modo, Seu Osorinho narra seu próprio
velhecidos, meio borrados, que ninguém sabe tempo, em diálogo com os processos de trans-
o que significam, ao certo. formação de seu meio. Para tanto, faz uso
das ferramentas propiciadas pelo progres-
Os ventos mensageiros do progresso anun- so, o mesmo responsável pelo acelerado das
ciado por esse futuro, sobretudo, não nego- transformações rumo ao futuro. Inicialmente,
ciam facilmente com anjos benjaminianos que fazia imagens fotográficas com uma câmera
teimem em se voltar para recolher os mortos compacta, foco fixo, analógica. Logo conse-
deixados para trás, ou para consertar o que foi guiu uma câmera para filmar com fitas VHS.
- 71 -
A proposta do Armazém de Cultura faz frente Do mesmo modo que esses desenhos, a po-
à natureza mais acelerada e competitiva das tência do trabalho de Seu Osorinho não está
atividades de agricultura intensiva, e seus ar- na qualidade técnica da produção, mas na
mazéns de guarda e beneficiamento de grãos, intensidade da experiência que transpira nas
que ocupam a geografia da região. A geogra- imagens e sons em narrativas. Esta aponta
fia do progresso. Ali, no Armazém da Cultura, para o seu lugar no mundo e suas perguntas.
se podem deflagrar processos mais atentos Suas narrativas buscam, na experiência e na
aos tempos da comunidade, e se podem res- memória, pistas para suspeitar devires, e pin-
taurar pontes, relações, fios da história. Os ví- tá-los com luzes dançantes sobre telas, com-
deos de Seu Osorinho são sempre bem-vindos partilhando com os seus, em comunidade.
nesse espaço, tanto quando ele os produz, no
registro dos eventos ou dos relatos das pes- Referências
soas, quanto para serem projetados.
• BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e
Numa programação de que tomam parte a Se- política. Obras escolhidas. Vol. 1. São Paulo:
cretaria de Cultura e Turismo, o Armazém de Brasiliense, 1987.
Cultura, e a ACOTES (Associação de Condutores
de Turismo de Expedição de Serranópolis), pe- • FLUSSER, Vilém. O universo das imagens
riodicamente se realiza a Expedição Turística técnicas: elogio da superficialidade. São Pau-
Osorinho, quando grupos de pessoas de Serra- lo: Annablume, 2008.
nópolis e também de fora visitam os arredo-
res da cidade, seguindo trilhas diversas, que • ORTEGA, Daniela Dias. A “pré-história” em
incluem fazendas antigas, cachoeiras, grutas, Serranópolis: como viviam os grupos humanos
sítios arqueológicos. Seu Osorinho é persona- no cerrado. Anais do II Congresso Internacio-
gem central na programação e realização das nal de História da UFG. Jataí: UFG. 2009.
atividades, gravando todas as etapas da expe-
dição, contando histórias dos lugares. Even- • OSORINHO, O Poeta da Imagem. Direção:
tualmente, ele troca a pequena câmera por sua Cássia Queiroz. Documentário. Vídeo. Arqui-
antiga sanfona, acompanhado, muitas vezes, vo digital. Colorido. Duração: 16 min. Brasil.
por outros músicos da região. Nesses momen- 2010.
tos, sempre há algum candidato a manusear a
câmera e fazer registros de sua performance. Alice Fátima Martins
Palavras-chave: encontro fílmico, narrativa Autores como Deleuze (1976, 1990, 2006,
infante, experiência educativa. 2010), Kohan (2004, 2007, 2009), Larrosa
(2002, 2006) e Lins (2009) foram convidados a
O foco, nesta escrita, deteve-se em explorar dialogar com o texto, com a intenção de proble-
como o encontro com as narrativas fílmicas matizar e de fazer movimentar as narrativas
pode potencializar o pensar da experiência infantis, potencializando-as de tal maneira que
educativa e o quanto isso tem a possibilidade outros sentidos passaram a ser produzidos.
- 74 -
humano, fazendo parte de um tempo conti- afetação com uma criança, que está muito além
nuado e progressivo. Esta infância arrasta de qualquer sujeito criança, “que não é uma re-
para a homogeneização e é colocada sempre cordação, mas um bloco, um fragmento anôni-
em posição de ser interpretada. mo infinito, um devir sempre contemporâneo”
(DELEUZE, 2006, p. 129).
“O devir não é história” (DELEUZE, 2010, p. Um devir-criança, nessa forma, diz respeito
215), pois abre a possibilidade para o descon- à aliança, à proximidade e atração de forças
tínuo e o intempestivo, instigando o apareci- moleculares que se reportam ao infantil, dife-
mento da criação de algo novo e inesperado. rentemente da filiação que nos induz a uma
Devir não é requerer uma condição já cripto- criança em particular, a uma representação
grafada, tampouco é conseguir chegar a uma molar. Isso nos faz pensar que um devir-criança
posição predestinada, devir é um processo é impessoal, pois não se fixa a nenhuma pessoa
contínuo e inventivo. em particular. Está para um tempo crônico, não
progressivo e devém, ele próprio, criança.
Uma infância, nesta perspectiva, é pensada
mais como um estado ou uma dimensão, es- A partir dos estudos de Deleuze e Guattari,
tando vinculada a uma temporalidade que leva Walter Kohan (2004, p. 64) coloca que “de-
em consideração as fissuras e os rompimentos vir-criança é o encontro entre um adulto e
da história. Nela, são cruzados as experiên- uma criança – o artigo indefinido não marca
cias e os acontecimentos e, por isso, deixa-se ausência de determinação, mas a singulari-
irromper pela multiplicidade e pela diferença. dade de um encontro não particular nem uni-
Distante de um tempo cronológico, em que versal – como expressão minoritária do ser
passado, presente e futuro estão linearmente humano, paralela a outros devires”. O que está
e progressivamente organizados, ganha lu- em jogo é a intensidade de uma criança-mun-
gar outra temporalidade: a do acontecimento. do que de forma alguma se confunde com
O acontecimento é um entre-tempo que leva uma generalidade e totalidade, mas uma sin-
em consideração os intervalos e as rupturas. A gularidade no mais elevado grau, uma potên-
partir do disparo de sensações e afetações há o cia intensiva, uma força viva.
estiramento, impulsionando para além do tem-
po-espaço em que foi produzido. As narrativas infantes dos três encontros fíl-
micos nos desafiam a pensar nas crianças de
Uma experiência infante, neste sentido, deixa maneira não linear, pois elas convidam a mo-
de se movimentar de forma fixa, controlada, vimentos imprevisíveis, paradas repentinas,
sequencial e expectável, e passa a se ins- silêncios constrangedores e criações ainda
crever em uma temporalidade que propele não imaginadas. Descortina-se nestas ima-
abertura, interrupção e invenção contínua. O gens uma infinidade de alternativas possí-
acontecimento intercepta e revoluciona a his- veis, que expandem as perspectivas de um
tória, trazendo à tona a invenção de uma nova panorama existencial.
história, mesmo que provisória. O que está
em jogo é a potência intensiva que se formou, Dessa forma, iremos a partir de agora explo-
a resistência que se produziu e a invenção rar alguns pontos de força que teceram esses
que se conquistou de algo inédito. Passa-se a encontros e que dispararam o pensar da expe-
compreender porque o devir é sempre minori- riência educativa, denominados da seguinte
tário, pois “uma minoria não tem modelo, é um forma: ‘Contemplação de distintas moradas’,
devir, um processo” (DELEUZE, 2010, p. 219). ‘Pensamento inaugurador’, ‘Relação inusitada
A partir desta colocação podemos pensar que com os ‘cacos de sentido’’, ‘Condição de incom-
o devir-minoritário é uma potência de resis- pletude e de lacunosidade’ e ‘Olhar indiscipli-
tência que não se espelha em exemplares, pa- nado’. Procuramos explorar cada um desses
drões e imitações. É na variação contínua que pontos ou campos de força separadamente,
passa a ser estabelecido, estando sempre em buscando dialogar com as narrativas dos per-
processo, em vias de se produzir. sonagens infantes dos três filmes seleciona-
dos, com os conceitos dos teóricos convidados
É nesse sentido que, ao trazer o universo infantil e também com a produção do nosso próprio
para a discussão, a intenção não está em ser ou pensamento.
fazer como uma criança, mas pensar uma infân-
cia minoritária como potência que interrompe a Contemplação de distintas moradas
história e como força vital que resiste e reinven-
ta. O que está em jogo é uma relação intensiva de Cada vez que passávamos por aqui dizia aos
- 76 -
meus pais que queria ver durante um bocadin- crianças, do filme ‘O Balão Branco’ (1995), ofe-
ho, mas não me deixavam. Uma vez, antes de recem-nos alguns indícios de como é possível
começarem as aulas, vi um homem a olhar e esquecer as tensões do dia a dia e ter alegria
carregava a sua filha nos seus ombros, de tal em meio às dificuldades e desafios. Elas nos
forma que pedi ao meu pai que fizesse o mesmo, incitam a pensar numa experiência educativa
mas ele disse que este não era um lugar para prazerosa, na possibilidade de fazer os nossos
meninas. Deu meia volta e me disse que o se- momentos menos pesados, menos sofridos,
guisse. Hoje, ao passar, vi que a minha mãe ia à mais leves, mais alegres.
frente e parei para ver (Narrativa de Razieh no
filme ‘O Balão Branco’). As crianças também nos instigam a pensar
na potência de viver o hoje, sem a inquietação
O desassossego e a inquietude evidenciados com o amanhã. A não preocupação com as
por Razieh, durante o percurso, colocam em consequências permite que as crianças vivam
questão os lugares que prescrevemos para a intensamente o momento, sem contenções
infância, fazendo-nos pensar na presunção e apreensões futuras. Talvez isso se deva ao
que temos em estabelecer que a criança ocu- não conhecimento das possíveis implicações e
pe somente os espaços molares, constrangen- resultados de uma situação, fazendo com que
do-as a ter sua morada em temporalidades elas se entreguem mais ao que cada circuns-
progressivas e a movimentar-se de forma que tância pode oferecer. Deixam-se arrebatar
contemple os pontos já fixados anteriormente pelos signos improváveis que, possivelmente,
pelo adulto. A personagem Razieh traz para a para nós adultos não seriam nem considera-
discussão a possibilidade de haver uma infân- dos, devido às experiências anteriores e às
cia que “habita outra temporalidade, outras aflições antecipadas que impomos aos signos.
linhas: a infância minoritária. Essa é a infância Nenhuma experiência é a mesma para todos:
como experiência, como acontecimento, como o que foi negativo ou positivo para alguém não
ruptura da história, como revolução, como re- necessariamente será para o outro. Nossas es-
sistência e como criação” (KOHAN, 2007, p. 94). colhas e percursos não precisam ser os mes-
mos, tampouco ser trilhados da mesma forma.
O desejo de ter o peixe do aquário, a relação Existe uma infinidade de vias não visualiza-
com os encantadores de serpentes, a procura do das e que ainda não foram inventadas.
dinheiro, a experiência com a vara do vendedor
de balões e com a goma de mascar, a presença A partir do contexto social em que vive, Ra-
dos doces nos bolsos do vestido e o contato com zieh nos faz também perceber o quanto ainda
o balão branco apresentam-nos uma forma está enredada por forças que ditam modelos
autêntica das crianças se conectarem com as de infância aos quais deve se adequar e deve
coisas, com as pessoas e com as situações. Elas seguir. Seu esforço em escapar de padrões
estão sempre a nos abismar. Por mais que alme- pré-definidos é demonstrado nos pequenos
jemos ter a pretensão de colocá-las em determi- gestos e olhares, nas tímidas fugas, na con-
nadas posições e lugares, elas estão sempre a versa acanhada com um estranho e na insis-
esquivar-se. Por mais que venhamos a ditar sig- tência em encontrar algumas respostas aos
nificados e utilidades às coisas, outras funções questionamentos não respondidos.
são oferecidas pelas crianças.
Parece paradoxal, mas povoamos muitas
Os infantes apresentam um olhar do cotidiano infâncias que, por vezes, atravessam-se, en-
que pode ser desdobrado e estendido em múl- leiam-se e se misturam umas nas outras. A
tiplos sentidos. Isso é possível quando o olhar disputa de forças é intensa, em algumas oca-
não é linear, quando leva em consideração a siões teremos a impressão de não conseguir
ótica das possíveis escolhas, estando à mercê escapar desse cenário que nos direciona e
da vida em sua pluralidade e em sua força constrange. Em outras, iremos nos surpreen-
de variação. É a polifonia de seu mundo que der ao perceber o quanto “os devires são reais
os instiga a inventar outras possibilidades no na medida em que estão em nós. Eles consti-
mundo em que vivem. tuem uma certa maneira de nos escrevermos
a nós mesmos” (SCHÉRER, 2011, p. 74), de in-
Os singelos sorrisos e o prazer intenso ao mas- ventarmos outros de nós mesmos.
car a goma em meio às aflições fazem com
que Razieh, seu irmão e o vendedor de balões Pensamento inaugurador
passem a olvidar, mesmo que momentanea-
mente, a problemática que os vinculou. As As narrativas das crianças, nos filmes selecio-
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lo que nos parecia não servir mais? Aquelas tado, sem sentido fixo, sem sentido dado, sem
asas quebradas do cavalo alado do sobrinho... sentido previsto”. Quando nos fechamos para o
Recolhidas ao chão... Quem sabe não são elas mundo, presos a verdades, convicções e mode-
que nos fazem voar? los, nossos anéis passam a ficar impossibilita-
dos de fazer elos, composições e diálogos. São
Condição de incompletude e de os “anéis quebrados” (DELEUZE, 2010, p. 37),
lacunosidade entreabertos e que não fecham em si mesmos,
que instigam a aliança, a conexão e a visita de
Os infantes Diego, Hugo e Razieh experien- algo que não aguardávamos. “A infância revela
ciam situações imprevisíveis, bifurcantes e para nós o que somos e o que a todo custo tenta-
desviantes nas imagens fílmicas pesquisadas. mos esconder: seres incompletos e inacabados”
Em virtude da atenção às possibilidades do (LEITE, 2013a, p. 218), sempre em devir.
trajeto, passam a ter encontros e, por vezes,
são afetados por eles. Isso acontece pela con- É neste campo intensivo do devir-criança que
dição de incompletude em que eles se colo- talvez se possa pensar a experiência educa-
cam, de lacunosidade. tiva como algo que irrompe, que escapa em
muitas situações e que se encontra em proces-
Ao pensar na infância, o estado de incomple- so constante de reinvenção. A partir disso, po-
tude ou de inacabamento pode oferecer uma deríamos nos perguntar: o que se pode apren-
discussão que se encaminha para distintos der com a incompletude que as crianças dos
pontos de vista. O primeiro está relacionado à filmes disparam? Como fazer da experiência
noção de alguém que ainda não está pronto o educativa um cenário de reticências e não de
suficiente para a vida, que se encontra em es- pontos finais?
tado de imperfeição. Esta visão de desigual-
dade carrega modos de ser e estar no mundo, Olhar indisciplinado
e faz com que o infante seja visualizado como
alguém que necessita de cuidados, milime- O encontro de um adulto e uma potência infan-
tricamente controlados para que ele possa te nos instiga a pensar em inúmeros espaços
atingir a sua completude e perfeição. Nesse de incidência inventiva. Neste último campo
panorama, a infância não é vista como possi- de força proposto, chamamos a atenção ao
bilidade de abertura e de imprevisibilidade, olhar ainda não disciplinado de uma criança,
pois está vinculada a padrões a serem con- que nos oferece uma percepção não compro-
quistados e contemplados. metida com hábitos e vícios. Um infante nos
brinda com uma visão inédita, como se fosse
O segundo ponto de vista impulsiona a pensar pela primeira vez, convidando-nos a olhar
uma criança como afirmação e não como ne- sem opiniões pré-concebidas, sem conclusões
gação, como potência e não como incapacida- definitivas e sem julgamentos. É o olhar insu-
de, como abertura e não como fechamento. É bordinado e desavisado da criança que nos faz
essa perspectiva de inacabamento que talvez surpreender com as inúmeras possibilidades
tenha incitado Diego a utilizar elementos não que ela traz para a discussão.
corriqueiros para compor e produzir outro
conceito para as cores das flores; quem sabe, Para que possamos nos deixar impregnar por
é o que tenha provocado Razieh a esquecer, aquilo que uma criança pode disparar, Larro-
momentaneamente, seu objetivo principal e se sa sugere que olhemos “para a infância com
deixar contagiar pela beleza dos encantadores olhos limpos e assombrados, e não só como
de serpentes; e, quiçá, tenha contribuído para uma projeção de nossos estereótipos políticos,
que Hugo se aproximasse de Isabelle, para que psicológicos, morais ou emocionais” (2006, p.
juntos pudessem viver uma grande aventura. 72). Desinvestir de qualquer clichê estereoti-
pado demanda abandonar a visão tradicional
As crianças dos filmes sugerem possibilidades de uma infância expectável, que remete à ino-
de abertura para o mundo, em que a finitude e cência, à ingenuidade e à proteção.
a plenitude não têm guarida. Leite (2013a, p.
218) pondera que “a infância pela criança nos É instigante pensar o ineditismo da experiên-
apresenta um mundo de reticências, um mun- cia infante, pois seu olhar se encontra esco-
do pontilhado de possibilidades pelo ritmo cor- rregadio e fugidio para distintas relações e
alternativas, visualizando, a todo instante, a
polifonia presente no cotidiano. Na maioria
das vezes, as crianças pensam pelo avesso,
- 79 -
de forma contrária ao que nós, adultos, co- na, uma potência inventiva, uma paixão pelo
mumente pensaríamos, pois, suas alianças al- inexplorado.
cançam planos que para nós são inacessíveis,
por conta da linearidade em que nos posicio- Afinal: algumas possibilidades...
namos algumas vezes.
Sejam prudentes! Não exibam demasia-
Ao relacionar com a experiência educativa, damente essa alegria em estado puro, pois
verificamos o quanto ainda estamos distantes há muita gente para quem a infantilidade
desse olhar indisciplinado e inaugurador com – que diz um Sim incondicional à Vida – é
que uma criança nos brinda, pois, quando essa insuportável! (CORAZZA, 2013, p. 20).
potência timidamente desponta, logo fazemos
de tudo para podá-la. A fim de nos manter em As situações que experienciamos junto aos
uma zona de conforto e de facilitar os percur- filmes, aos cenários que visitamos e aos per-
sos dos nossos estudantes, passamos a limitar sonagens infantes com quem contracena-
trajetos, induzir escolhas e antecipar pontos mos passaram a compor-nos, transpondo as
previamente estipulados. Estamos acostuma- fronteiras temporais e espaciais vivenciadas.
dos a ver somente aquilo que já visualizamos A potência deflagradora dessas narrativas
anteriormente, naquilo em que projetamos o passou a nos capturar e habitar em nós, ins-
nosso conhecimento presunçoso e o nosso po- tigando-nos a pensar na nossa experiência
der. Portar um olhar infantil livre, desapegado educativa e a rever as nossas convicções pre-
e sem o compromisso de sempre reconhecer e definidas e conformadoras, passando a pro-
interpretar talvez seja o nosso desafio maior. blematizá-las.
Os personagens infantes nos três filmes colo- É neste panorama acontecimental, em que as
cam a própria criança em um devir-infante, rupturas e os intervalos são levados em con-
instigando-nos a pensar uma criança escorre- sideração, em que a força intensiva do tempo
gadia, que escapa, que se esquiva e que sempre prepondera, em que o pensamento é fulmi-
nos surpreende. Provoca-nos a pensar, também, nantemente violentado, em que a invenção de
em uma criança que se distrai e se deixa afetar outras possibilidades desponta, é que temos
facilmente por aquilo que a captura e faz sen- invencionado outras narrativas e nos permiti-
tido, não se fixando em algo por muito tempo e do devir outras. O cinema, ao nos instigar e nos
tampouco criando raízes profundas. colocar em posição de fabular junto com os per-
sonagens, permite que venhamos a expandir
Deleuze afirma que “a criança joga, retira-se os horizontes da nossa paisagem existencial,
do jogo e a ele volta” (1976, p. 20), ela se en- passando a acreditar que mundos inimaginá-
contra em variação contínua, afetando e sen- veis são possíveis.
do afetada no jogo da vida. Quando volta, não é
mais a mesma, pois, ao repetir, diferencia-se. É neste sentido que, ao sermos atravessadas
A repetição se manifesta como uma potência pelas narrativas das crianças nos filmes ‘Los
afirmativa que reporta à diferença e ao devir, colores de las flores’ (2011), A Invenção de
uma vez que de uma repetição pode brotar Hugo Cabret’ (2011) e ‘O Balão Branco’ (1995),
uma diferença. fomos capturadas e afetadas pelas imagens
infantis que se movimentaram e se impuse-
Lins destaca que “o devir, como a repetição, é ram de forma inusitada, distintas das posições
diferença no mesmo (...). É um devir no ser, e costumeiramente prescritas. Os devires crian-
não um devir do ser. É sempre no interior do ceiros disparados pelas narrativas infantes
mesmo que se operam as mudanças” (2009, nos três filmes, fazem-nos pensar nas expe-
p. 4, grifo do autor). A criança, ao repetir, di- riências limiares e fronteiriças que atuam no
fere dela mesma, sem por isso devir outra coi- ‘entre’, nas adjacências e nas fendas. Insti-
sa que ela mesma. É a diferença pura, é esse gam-nos também a pensar nesta incessante
movimento ininterrupto que nos faz estar em involução inventiva que está a se movimentar
permanente devir, cada um a seu modo, em e se alterar ‘em meio’ de um trajeto, rompendo
sua singularidade. com os pontos pré-fixados, com as segmen-
tações e com as estratificações.
O devir é uma experiência revolucionária,
pois manifesta-se na disposição em abdicar Essa experiência com os ‘pequeninos’ nos in-
de uma circunstância fixada ou infligida, citou a fazer insólitos diálogos com a própria
demandando uma energia que impressio- vida e a produzir outros campos de sentido
- 80 -
• CORAZZA, Sandra Mara. O que se transcria • LINS, Daniel. Heráclito ou a invenção do de-
em educação? Porto Alegre -RS: UFRGS; Doi- vir. In: LINS, Daniel (org.). O devir-criança do
sa, 2013. pensamento. Rio de Janeiro: Forense Univer-
sitária, 2009. p. 1-18.
• DELEUZE, Gilles. Nietzsche e a filosofia. Rio
de Janeiro: Semeion, 1976. • SCHÉRER, René. Devir-criança: devir maior
ou devir-menor. Conversa com René Sché-
Cinema 2 - A imagem-tempo. São Paulo: Bra- rer. A mesa-redonda que aqui se transcreve
siliense, 1990. teve lugar na Universidade Nova de Lisboa,
a 17 de Março de 2011. Disponível em: <ht-
Crítica e Clínica. 2ª reimpressão. São Paulo: tps://www.google.com.br/#q=Devir-crian%-
Editora 34, 2006. C3%A7a%3A+devir-maior+ou+devirmenor+-
de+Ren%C3%A9+Sch%C3%A9rer>. Acesso
Conversações. 2. ed. São Paulo: Ed. 34, 2010. em: 8 maio 2014.
1 - Viralização é um termo que surgiu com o crescimento web. O termo é relacionado a doença, já que as pessoas
do número de usuários das redes sociais e blogs. A pala- chegam a compartilhar o conteúdo quase que incons-
vra é utilizada para designar os conteúdos que acabam cientemente, criando uma “epidemia” de internautas
ganhando repercussão (muitas vezes inesperada) na falando sobre o mesmo assunto.
Selfie da estudante Karen Soares e texto manus-
- 84 - crito de autoapresentação.
ração do que se tinha como confortável, belo, estão indivíduos que sofrem descriminação
estável, adequado, etc. Contudo, a dissipação sexual, racial, social e de gênero, e agora, como
desse “incômodo” por meio da elucidação das nunca, lutam para assumir sua autopoiesis3,
imagens e consideração do imaginário nas suas escolhas e verdades na família, na es-
criações estéticas é o que as visualidades cola, na internet e em outros espaços sociais.
emergentes demandam e possibilitam. Em outros termos, lutam para assumir suas
existências sem restrições ou condições. Essa
Com sua grande e intensa produção artística, o redefinição do que se originou como agressão
Bonde das Bonecas contribuiu para fortalecer faz com que essa juventude transviada4 cada
uma significativa quantidade de jovens que vez mais se afirme.
se veem representados não só pelo grupo mas
por vários modos simultaneamente emergen- Cultura Funk
tes de viver com liberdade o que se é, o que se
acredita ser e ou o que se deseja ser. Jovens que Sendo o Bonde das Bonecas um grupo de
ressignificam termos originalmente ofensivos funk, essa pesquisa irá pautar, mesmo que
e agressivos como “bicha”, “viado”, “trava”, “sa- brevemente, esse estilo musical partindo da
patão”. Dentre a geração que acolhe o Bonde e perspectiva que busca encontrar as referên-
o toma como símbolo de identificação afetiva cias LGBT dentro desse universo. O funk no
2 - O termo Meme de Internet é usado para descrever filósofos chilenos Francisco Varela e Humberto Matura-
um conceito de imagem, vídeo e/ou relacionados ao na para designar a capacidade dos seres vivos de pro-
humor, que se espalha via Internet. O termo é uma re- duzirem a si próprios.
ferência ao conceito de memes, que se refere a uma teo-
ria ampla de informações culturais criada por Richard 4- O termo faz referencia a essa nova maneira de pensar
Dawkins em 1976. a palavra “viado” dentro da juventude LGBT, o que antes
era uma agressão, se transformou em um elogio para
3 - Termo cunhado na década de 1970 pelos biólogos e esses jovens.
- 85 -
5- É um termo utilizado dentro do universo do funk para crime e/ou com conteúdo pornográfico. Este repertório
se referir a músicas que são junções de duas ou mais é comercializado de forma clandestina e em bailes de
músicas. favelas por serem espaços e atividades de mercado ile-
gais/informais.
6 - São versões de músicas com letras de facções do
- 86 -
Tati Quebra-Barraco: Não gosto de piru peque- Dançando tu vai veado / Rebolando ate embaixo
no! / MC Serginho: Então vai! Eu gosto é de xe- / No quadradão é um esculacho / Dançando tu
reca grande! / Lacraia: Sou mais o meu cuzinho vai de quatro / Vai de cabeça para baixo / No
de pombo! / Quando a gente chega / Sempre tem espaguete do veado / Vai Veado, Vai Veado, Vai
um que grita / Faz o maior escândalo só porque Veado / Veado, Veado, Veado, Veado, Veado.
somos bibas / Eles são revoltados, só querem (Bonde das Bonecas, 2015)
nós xingar / Quando estão no sufoco eles vem
nos procurar. (MC Serginho & Lacraia feat. Tati Durante muito tempo não havia representa-
Quebra-Barraco, 2006) tividade das “minorias” sexuais e de gênero
dentro do funk principalmente enquanto
O Bonde das Bonecas é o primeiro grupo de personagens principais em grupos e músicas,
funk carioca formado apenas por LGBTs que mas tudo isso vem mudando, e não é só com
se tornou conhecido. Analisar então sua pro- o Bonde das Bonecas que percebemos essa
- 87 -
mudança. As cantoras e compositoras Carol As chamadas “minorias” sexuais são, hoje, muito
Vieira, a MC Xuxu; Camilla Monforte, a MC mais visíveis do que antes, e, por consequência,
Trans; e Julyanna Barbosa, a Mulher Banana torna-se mais acirrada a luta entre elas e os gru-
levam também para o público músicas que co- pos conservadores. [...] as fronteiras vêm sendo
locam em pauta os seus dilemas particulares constantemente atravessadas e que o lugar so-
enquanto mulheres trans e travestis. cial no qual alguns sujeitos vivem é exatamente
a fronteira. (LOURO, 2001, p. 541)
Embates Visuais
No contexto virtual as visualidades se acirram
O embate de visualidades divergentes e empo- em vários momentos, já que a “liberdade” den-
deradas com o público das redes sociais. Esse tro da rede é catártica e faz com que a juven-
embate se torna importante já que exemplifi- tude não se limite na manifestação de seus
ca o preconceito, a homofobia e a transfobia desejos e vontades. Ela, na maioria das vezes,
que as “minorias” sexuais e de gênero sofrem interage nas redes sociais sem medo de repre-
ao não se privarem de assumir sua existência sálias. Isso faz com que, ao mesmo tempo, a in-
em lugar de personagem principal, seja can- ternet seja algo libertador e acabe se tornando
tando em um vídeo ou posando para uma foto. em certos momentos um lugar onde o precon-
ceito, o machismo, a homofobia e a transforbia
Na figura 6, pode-se perceber que, o núme- sejam “liberados”, a falta de respeito é muito
ro de pessoas que “não curtiram” o vídeo do frequente devido a raridade de punições a
Bonde das Bonecas é superior ao número de quem o comente, sintomas a serem considera-
pessoas que “curtiram” o vídeo. Mesmo esse dos nos estudos e ações libertárias.
número não sendo exatamente apurado, haja
vista que nem todas as mais de 3 milhões de O Bonde das Bonecas é um dos muitos ícones
pessoas que assistiram a performance do bon- que as chamadas novas tecnologias de circu-
de participaram dessa “pesquisa” feita pelo lação de informações propiciam. Nossa época
You Tube, é um dado a ser apreciado nessa é marcada por muitos fenômenos surpreen-
pesquisa, já que demostra que uma possível dentes, mas, ainda vê repetir a mesma fór-
maioria das pessoas que assistiram ao trabal- mula humana de criar a partir da mimeses, ou
ho dos jovens funkeiros não gosta desse tipo seja cada aparente criação traz em si a parti-
de performance. cipação de múltiplas cópias e reconfigurações
- 88 -
Figura 6 / Print Screen de vídeo publicado no You Tube com “interações7” do público
(WULF, 2013). Podemos perceber na rede, o tética não hegemônica, se torna cada vez mais
fôlego que uma aparente criação original ofe- perceptível com o passar do tempo e a inten-
rece a tantos outros fins e mesmo à criação sificação da produção e transito de imagens e
de novas imagens. Imagens que surgem para visualidades.
fortalecer certas posições e certos postulados,
seja nas artes visuais, na arte da performance, Referências Bibliográficas
na música, em toda manifestação humana in-
dividual nas quais se rebatem coletivos desde • FOUCAULT, Michel. Os Anormais. São Paulo:
de a mais remota ancestralidade. Na época da Wmf Martins Fontes, 2010.
virtualidade radical, não é diferente.
• LOURO, Guacira Lopes. Teoria queer: uma po-
A valorização da diferença é cada vez mais lítica pós-identitária para a educação. Floria-
exigida e portanto, está cada vez mais em nópolis: Revista de Estudos Feministas, 2001.
voga no cenário virtual e entre espaços em (Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ref/
que a juventude predomina. Muitos grupos de v9n2/8639.pdf)
“minorias” tem encontrado meios de se conec-
tar e se autovalorizar por meio de suas per- • MATTOS, Carla dos Santos. No ritmo neuróti-
formances publicadas em formato de vídeos co: cultura funk e performances ‘proibidas’ em
e fotos. A “viralização” de personagens que contexto de violência no Rio de Janeiro. Rio de
valorizem a sua diferença, dentro de uma es- Janeiro: Dissertação de Mestrado em Ciências
7 - Ideia de dar às pessoas o poder, a liberdade e a infor- através de dois botões, o “curtir” e o “não curtir”.
mação que lhes permitem tomar decisões e participar
ativamente da sociedade de maneira geral. 9- Termo no inglês que é a junção do substantivo self (em
inglês “eu”, “a própria pessoa”) e o sufixo ie — ou selfy é
8 - No You Tube as interações do público são “medidas” um tipo de fotografia de autorretrato.
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idade por reprovações, evasões e demais dívi- com o hip hop: os grafiteiros, rappers. O hip hop
das dos estudantes e não associada aos fatores surge (ALVES, 2009) em meados das décadas
efetivamente determinantes das exclusões de de 1960-1970, nos bairros de Nova Iorque. Em
muitas pessoas dos processos e ritmos escola- meses o hip hop se difundiu pela Europa, prin-
res padrão. cipalmente na Holanda e na Inglaterra.
1 - Entrevista com Vinícius disponível em: <http://lur- 2 -Pelo orientador: Prof. Aldo Victorio Filho.
dinha.org/site/?p=1952>. Acesso: 12 ago. 2014.
- 94 -
Para a gravação do Vídeo 1 não foi feito um O Vídeo 5 foi gravado8 no Centro Cultural Os-
roteiro prévio, apenas solicitado aos estudan- car Niemeyer, em 15 de dezembro9, na Praça
tes que falassem acerca de sua relação com o do Pacificador, em Duque de Caxias. Os estu-
MOF, de suas produções e da escola. A edição dantes têm projetos, com os “Roles com Skates”
deste vídeo aconteceu no LABORAV-UERJ/ pelas cidades entre outros projetos em parce-
FEBF entre março e junho de 2015, com a par- ria com o (LABORAV - UERJ/FEBF).
ticipação direta do bolsista3 Mauricio Vieira.
O resultado desse material está disponível na Nos textos as cores das reproduções começa-
internet (link4). ram a ficar em tons de cinza ou em preto e
branco, deixando para os vídeos a cor. Uma
Antes de qualquer apresentação pública do escolha talvez, para que imagem/escrita se
Vídeo 1 - MoF 2014 Cultura e Imagem Fora entrecruzem mais, ampliando relações, sen-
das Paredes da Escola, com os estudantes, tidos, tons...
Mauricio, Thiago, Anthony e Raphael, foram
convidados para assistirem juntos, o Vídeo 1, Diante de tantas “viradas” com as “viradas do
no LABORAV, resultando no Vídeo 2 com suas skate”, em 2015 nos encontros que acontecem
reações e comentários ao se verem. no LABORAV, tive a oportunidade de reencon-
trar um estudante, da Escola Municipal Expe-
A partir deste encontro, em junho de 2015, dicionário Aquino de Araújo, do Ensino Funda-
surgiu o interesse dos estudantes em partici- mental do ano de 2000, Josué Gomes, skatista,
parem diretamente das gravações e edições. que será um dos entrevistados do documen-
Os protagonistas então assumiram as câmeras tário que os estudantes pretendem fazer so-
e fizeram gravações e edições surgindo assim, bre o skate em Duque de Caxias, a partir da
o Vídeo 3, o Vídeo 4, Vídeo 5, as chamadas5. proposta do documentário e do interesse de
Josué Gomes, ele também passou a participar
O vídeo6 3 aconteceu em setembro de 2015 foi dos projetos no (LABORAV/UERJ/FEBF), desta
filmado na rampa de skate7 próxima à entra- imagem/escrita e das Redes de Imagens, Coti-
da da Escola Municipal Expedicionário Aqui- dianos e Afetos...
no de Araújo e com o retorno à escola, regis-
3 - A Profa. Alita Sá Rego (UERJ/FEBF) disponibilizou o 5- Disponível no Canal Laborav. E em: <https://
bolsista do Programa de Apoio Técnico às Atividades de www . fa c e b o o k . c o m / m au r i c i o . s i l v a . 5 4 3 7 9 / v i -
Ensino, Pesquisa e Extensão (PROATEC), Mauricio Vieira deos/737145699723871/>
para acompanhar diretamente o projeto e os desdobra-
mentos da pesquisa desde março de 2015. Uma parce- 6 - O vídeo 1 disponível no Canal Laborav. E em: < https://
ria que mantemos com a Escola Municipal Expedicio- www.youtube.com/watch?v=WaCuJAwR8M8>.
nário Aquino de Araújo e UERJ/FEBF. Temos o privilégio MoF 2014 Cultura e Imagem Fora das Paredes da Escola
de ambos os espaços estarem situados na mesma Rua
General Manoel Rabelo, na Vila São Luís aproximando 7 - No mês de abril de 2016, a rampa foi destruída para
escola, comunidade e Academia. uma obra na praça, sem previsão de outra rampa no novo
projeto.
4 - O documentário está disponível no Canal Laborav. E
em:<https://l.facebook.com/l/4AQGMtSBEAQEJMjjY- 8 - Vídeo 5 disponível no Canal Laborav. E em:https://
1vumYtd4xzgvG3PuVRPHyBRuJh4E2g/https%3A%- www.youtube.com/watch?v=KG8VQa4vmKU
2F%2Fwww.youtube.com%2Fwatch%3Fv%3DJdmRN-
jYygMs>. Publicado em: 24 de setembro de 2015. E em: 9 -O vídeo foi gravado no dia de nascimento do Oscar
<https://www.youtube.com/watch?v=JdmRNjYygMs&in- Niemeyer, arquiteto brasileiro, em 15 de dezembro de
dex=3&list=PLJFoo-qS-VcfDLQabXNPeDw-JunfhGZXo>. 1907. Oscar Niemeyer (1907-2012).
- 95 -
Autor (ES)
3.
DISCUSIONES
EPISTEMOLÓGICAS
Y PEDAGÓGICAS
SOBRE EL ARTE
Y LA CULTURA
VISUAL
- 98 -
- 99 -
• HERNANDEZ, Fernando. Cultura Visual, Mu- Doutor em Artes - ECA-USP; Mestre em Bi-
dança Educativa e Projeto de Trabalho. Porto blioteconomia – UFPB; Graduado em Edu-
Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. cação Artística - UFRN. Professor do De-
partamento de Artes Visuais – UFPB - do
• MARTINS, Raimundo; TOURINHO, Irene Mestrado em Artes Visuais da UFPB/UFPE.
(org.). Narrativas de Ensino e Pesquisa na Autor do livro “Ensino do desenho: do artí-
Educação da Cultura Visual. Santa Maria: Ed. fice/artista ao desenhista auto-expressivo”
da UFSM, 2009. (2010), de artigos e capítulos de livros. Inte-
gra o Grupo de Pesquisa em Ensino das Artes
• MARTINS, Raimundo; TOURINHO, Irene Visuais – UFPB, e o Grupo de Pesquisa em
(org.). Cultura Visual e Infância. Santa Maria: Educação e Visualidade - UFG.
Ed. da UFSM, 2010.
Este artigo tem como objetivo examinar dis- 2006, p. 83). Assim, a “realidade” reapresen-
sertações e teses que utilizaram materiais vi- tada e visibilizada nos artefatos acadêmicos
suais como metodologia de pesquisa e/ou nos passa a instituir conhecimentos e visões sobre
artefatos acadêmicos. O levantamento tem crianças, infâncias, seus modos de ser e viver.
como referência as investigações produzidas
no Programa de Pós-Graduação da Universi- Para Pereira (2009, p. 260), os pesquisadores
dade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) também estão imersos na cultura das imagens
em um programa de pós-graduação em Edu- e nas tecnologias que as produzem, para a au-
cação entre 2008-2012, naem uma Linha de tora, o pesquisador “toma de empréstimo seus
linha de pesquisa Estudos sobre Infânciasque signos e reorganiza, com isso, seus próprios
objetiva examinar as infâncias e sua educação códigos de apreensão e compreensão dos
na multiplicidade e heterogeneidade de es- fenômenos. Não há dúvidas de que com a aju-
paços e contextos. As investigações seleciona- da dos aparelhos o pesquisador experimenta
das foram aquelas realizadas com crianças , a perspectivas de visada que, sem eles, jamais
maioria em contextos escolares, emem trabal- teria”. Muitas vezes, observa-se abundância
hos nos quais as autoras buscaram “criar” me- de registros imagéticos nas pesquisas; no en-
todologias de pesquisa utilizando materiais tanto, eles são utilizados, em sua maioria, da
visuais e/ou utilizaram os materiais visuais captura à apresentação, como significantes
como coprodutores das narrativas nos arte- e não como possibilidade de produzir signi-
fatos acadêmicos. , não apenas como “figuras” ficações. Fachadas de escolas, salas, pátios,
que ilustram os textos, mas como produções brinquedos, crianças sentadas em suas me-
discursivas. Assim, as análises se atêm a dois sas são cenas comuns nas pesquisas em Edu-
aspectos: como as pesquisadoras lançaram cação. No entanto, elas pouco nos dizem sobre
mão dos materiais visuais para produzir suas aqueles lugares, aqueles sujeitos e aquele fo-
pesquisas e como eles foram apresentados tógrafo-pesquisador. Segundo categorização
nos artefatos acadêmicos. de Wolf (2005, p. 38), são imagens transparen-
tes, imagens em que “não vemos a imagem, só
Materiais visuais na pesquisa com crianças a própria coisa representada”.
No Brasil, nas últimas duas décadas, as pes- Os trabalhos aqui examinados foram produzi-
quisas educacionais, de um modo geral, talvez das oito teses e 27 dissertações, orientadas
por influência da Etnografia, Antropologia Vi- por quatro professores de diferentes aborda-
sual, Estudos Culturais, Midiáticos, de Gênero gens teóricas. Dos 35 trabalhos, 20 utilizaram
e da Cultura Visual, Semiótica e mais recente- e apresentaram materiais visuais, sendo que
mente a Pesquisa Baseada nas Artes (EISNER, 12 (dez dissertações e duas teses) evidencia-
1998; HERNÀNDEZ, 2008) e a A/r/tografia ram uma utilização diferenciada dos mate-
(IRWIN, 2008; DIAS, 2006, 2009), têm se va- riais visuais na produção das pesquisas, como
lido de materiais visuais em vários momentos metodologia, e experimentaram soluções au-
das investigações. Hoje, é considerável o nú- torais na apresentação do artefato acadêmico.
mero de trabalhos acadêmicos em Educação,
principalmente na Sociologia da Infância, que Para empreender as análises, foram lidos os
utiliza imagens, em especial as fotográficas, 12 trabalhos, com especial atenção às seções
como metodologia de pesquisa e como forma metodológicas e referências bibliográficas,
de visibilizar as pesquisas. sendo também examinado o modo como as
imagens se apresentam nos artefatos acadê-
Em geral, a pesquisa com crianças utiliza re- micos. Depois de lidos e (re)vistos, os trabalhos
gistros fotográficos e ou em vídeo, em que a foram agrupados por semelhanças metodoló-
fotografia tem papel de auxiliar as pesquisa- gicas e pelas formas de apresentação. Assim,
doras a “verem” o que não foi possível ser visto dois focos foram eleitos: o primeiro é sobre
em campo, servindo também para mostrar os como os materiais visuais foram utilizados e
acontecimentos das pesquisas. Essa tentati- produzidos no desenvolvimento da pesquisa;
va de buscar imagens que mostrem de forma o segundo centrou-se no artefato acadêmico e
mais fidedigna os acontecimentos pode nos nos materiais visuais que o compõem.
levar a priorizar a “presença” do que vemos e
não as ausências. Aliada ao registro da pre- Para examinar como os materiais visuais
sença, “a fotografia é um regime discursivo foram utilizados nos artefatos acadêmicos,
que nos predispõe a aceitar que a imagem buscaram-se as contribuições de Barthes
fotográfica é fielmente real” (FISCHMAN, (1990), Rose (2001), Virilio (2002), Sontag
- 107 -
(2007), Wolf (2005) e Rancière (2012) sobre as espaços escolares, materiais presentes nas
funções das imagens e as relações entre tex- escolas, entre outros.
to/imagem. Junto a esses autores, somam-se
as categorias elaboradas por Domènecch Em geral, a captura da imagem fotográfica se
(2001) sobre as imagens – informativas, re- deu nos acontecimentos, sem haver uma ela-
flexivas e emocionais –, que serviram para boração estética pré-definida e muitas vezes
agrupar por semelhanças os modos pelos em condições adversas, como a pouca lumino-
quais as pesquisadoras utilizaram as imagens sidade do ambiente, movimentação rápida das
nos artefatos acadêmicos. Depois de muito crianças, cenas acontecendo simultaneamen-
manusear o material empírico e de dialogar te, entre outros acontecimentos.
com os referidos autores, foram reinventadas
outras “categorias”: imagem-exemplo, aquelas Sontag (2007, p. 138) afirma que “é preciso que
que têm a intenção de visibilizar, exemplificar haja imagens para que algo se torne real”. Pre-
e ou comprovar os acontecimentos da pesqui- cisamos dar existência e consistência aos epi-
sa, sendo acompanhadas de textos descritivos sódios da pesquisa, porém eles sempre serão
e/ou legendas; imagem-poética, que também versões do registrado. Mesmo que as pesqui-
são registros da pesquisa, mas não têm a in- sadoras pretendessem dar a ver um “real”, esse
tenção de transcrever os acontecimentos, não “real” foi a versão fragmentada da pesquisa-
são acompanhadas de explicações textuais e dora-fotógrafa, ou seja, o instante capturado
produzem outra narrativa que a escrita não e mostrado ao leitor é sempre uma “interpre-
consegue expressar; imagem-convocatória, tação” do vivenciado. Outra pesquisadora, que
relacionada ou não com o texto, seria aque- não estava interessada em registros objetivos,
la que Virilio (2002, p. 31) categoriza como mas sim em registrar suas impressões, explica
imagem fática, que força o olhar e prende a seu processo de captura das imagens: “As foto-
atenção; imagem-deslizante são aquelas que grafias, portanto, foram produzidas e escolhi-
se desprendem do texto escrito e dos registros das através de um vagar, com o duplo sentido
da pesquisa, às vezes sendo compostas por da palavra, de demora e de passeio, não eram
diferentes materiais visuais e possibilitando mais apenas um reflexo daquilo que eu olhava
recriar visualmente outros conceitos. A in- ou prova do que ali acontecia e sim uma inter-
tenção, ao estabelecer essas “categorias”, foi pretação” (PETRY, 2009, p. 123).
elaborar um esboço analítico para entender as
funções das imagens e como estamos nos va- Ao compor os artefatos acadêmicos, posterior-
lendo dos materiais visuais naquilo que será mente, nota-se que a maioria das pesquisado-
visibilizado aos diferentes públicos. ras se preocupou em retrabalhar as fotogra-
fias, recompondo-as, combinado-as umas com
Fotografia além do registro outras e também com outros materiais. Muitas
composições imagéticas e narrativas não obe-
Na pesquisa em Educação um recurso reco- deceram a sequência cronológica dos aconte-
rrente é registrar e apresentar por meio da cimentos, sendo reorganizadas com o intuito
fotografia os acontecimentos da pesquisa. As- de dar um outro sentido ao visto. Também é
sim, não seria uma surpresa constatar que nos perceptível o cuidado com a diagramação e
12 trabalhos a fotografia está presente. Dos em como as fotografias poderiam dialogar
materiais visuais, a fotografia e o vídeo são os com o texto; assim, entre a captura do aconte-
meios que conferem às cenas apresentadas o cimento e a sua visibilização no artefato, hou-
estatuto de verossimilhança. ve interpretação e recriação.
rrativa visual os acontecimentos, a pesquisa- foi construída ao longo deste processo inves-
dora não seguiu “o tempo cronológico das ima- tigativo” (ABREU, 2010, p.101).
gens capturadas” (GUIMARÃES, 2011, p. 120).
Em todas as investigações, as pesquisadoras
Em uma investigação sobre as práticas de em- buscaram referenciais teóricos e justificati-
belezamento corporal das meninas Kaingang, vas para a utilização das imagens na captura,
a pesquisadora utilizou a fotografia como for- metodologia da pesquisa, análises de dados e
ma de registro, sendo mostrados muitos detal- elaboração do artefato acadêmico. Algumas
hes nas formas de embelezamento praticadas pesquisadoras, além de estabelecer diálogos
pelas meninas. Porém, os rostos das crianças com a Antropologia Visual, Fotoetnografia e
não foram identificados, fator que afetou a in- Estudos da Cultura Visual, procuraram re-
tenção da pesquisadora em mostrar as apro- ferências estéticas em obras de fotógrafos e
priações culturais desse grupo. Posteriormen- artistas visuais. Ou seja, para trabalhar com
te, no artefato acadêmico, muitas fotografias as imagens, não bastaram os suportes teóri-
foram compostas com outros materiais vi- cos, havendo também a necessidade de uma
suais, criando uma narrativa sobre as práticas ampliação de repertórios visuais das pesqui-
de embelezamento (BRUM, 2011). sadoras.
Em outra investigação, que teve como per- Outros materiais visuais na produção
gunta norteadora “Como se desenvolvem, se da pesquisa
produzem, se criam modos de vida na escola
de educação infantil?”, a pesquisadora utilizou Além da fotografia, outros materiais visuais
diferentes enquadramentos e cortes nas foto- foram utilizados como instrumentos meto-
grafias, detalhes que geralmente não são regis- dológicos, entre eles: desenhos, pinturas, co-
trados, como a posição dos pés das crianças nas lagens, bonecos/as, maquetes, reproduções
cadeiras, o olhar para uma massinha de mode- artísticas, peças artesanais, filmes, cartazes,
lar seguida de fotografias apenas das produções livros imagéticos, histórias em quadrinho,
tridimensionais da criança. Para uma mesma propagandas. Algumas vezes as pesquisado-
cena foram utilizadas várias sequências em que ras produziram e disponibilizaram às crianças
é possível acompanhar os percursos da pesqui- os materiais com o intuito de desencadearem
sadora e as minúcias das ações infantis. as conversações, outras vezes foram propos-
tas situações lúdico-expressivas em que as
Em outra investigação, a fotografia e o fo- crianças produziram materiais visuais e ex-
tografar das crianças – objeto e ação – foi o pressaram seus pontos de vista por meio das
material empírico da investigação. Segundo linguagens visuais.
a pesquisadora: “O fotografar como a ação de
fazer fotos é o centro deste estudo. Propon- Acredita-se que para entender, pelo menos
ho o estudo do fotografar na escola [especial] um pouco, os modos como as crianças pen-
como um modo ver, dizer, sentir e relacio- sam, imaginam e expressam o mundo, deve-
nar-se produzindo conhecimentos e sentidos” mos desenvolver materiais e outros recursos
(FERREIRA, 2012, p. 3). Para ela, “as imagens metodológicos que não estejam centrados
que compõem esta escrita não são ilustração, apenas na linguagem verbal escrita e falada.
têm algo a dizer, fazem parte da história deste Mesmo sabendo que sairiam da zona de con-
pesquisar [...]. Os textos visuais e escritos des- forto proporcionada pelas metodologias de
envolvem/registram este estudo, compõem a pesquisa que estavam familiarizadas, muitas
sua história” (FERREIRA, 2012, p. 21). pesquisadoras elegeram materiais visuais
como disparadores das ações da pesquisa e
Na pesquisa Bruxas, bruxos, fadas, princesas, incentivaram que as crianças manifestas-
príncipes e outros bichos esquisitos... as apro- sem suas ideias por meio deles porque acre-
priações infantis do belo e feio nas mediações ditavam que durante o processo de pesquisa,
culturais, os registros em vídeo, além de au- em torno de 8-12 meses, as crianças teriam
xiliar na documentação da pesquisa, tiveram oportunidade de ampliar seus repertórios vi-
o papel de retomar, junto com as crianças, os suais, questionar os significados das imagens,
acontecimentos da pesquisa. “Assim, o audio- compartilhar com seus pares suas concepções
visual entrou como gerador de dados, colabo- visuais e produzir suas próprias imagens por
rando para esta investigação. Nos registros meio da fotografia, vídeos, desenhos, pintu-
audiovisuais, foi possível verificar algumas ras, construções tridimensionais, entre outras
imagens que indicassem uma narrativa que modalidades expressivas.
- 109 -
pinhados e escuros, míopes com óculos, entre perimentações com a linguagem visual como
outras características físicas, misturados com possibilidade discursiva e expressiva no arte-
os bonecos/as da escola, a pesquisadora bus- fato acadêmico, dialogando e/ou ampliando
cou entender como as crianças operam com o texto escrito. Além das imagens exercerem
os conceitos de corpo, raça e gênero em suas funções que extrapolam a ilustração, muitos
brincadeiras. “Optei por ouvir as crianças e o trabalhos são apresentados no formato “pai-
que elas tinham a dizer. Contar sobre bonecos sagem” e impressos em papéis com diferentes
e bonecas com os quais brincavam e observa- texturas e gramaturas, alguns deles funcio-
vam nessa pesquisa” (SOUZA, 2008, p.51). navam como caixas de surpresas, dando um
aspecto lúdico e ao mesmo tempo subtraindo
Na investigação cuja temática foi “as infâncias o caráter formal dos trabalhos acadêmicos.
da guerra” (FEITOSA, 2011), desenvolvida com Em um deles, o artefato foi apresentado em
crianças que vivem em um abrigo institucional, pequenos cadernos dentro caixas, cabendo ao
o pesquisador ofereceu máquinas fotográficas leitor escolher seus percursos de leitura.
para que as crianças mostrassem seus pontos
de vista sobre o local em que viviam. Para en- As imagens fotográficas de Educação In-
tender suas expectativas de vida, foi proposta fantil: vida-história de grupo e(m) processos
a construção de maquetes em caixas de sapa- de criação se desprendem do texto escrito e
tos, quando as crianças tiveram a oportunidade transformam-se no texto principal. Com um
de “mostrar” seus imaginários. Muito além da estudo mais aprofundado sobre fotografia,
importância acadêmica da pesquisa, crianças a pesquisadora-fotógrafa explorou exausti-
invisíveis reconstruíram suas histórias e pro- vamente as possibilidades das imagens. Nas
jetaram suas vidas. Seus testemunhos foram suas imagens-poéticas, o explícito das cenas
expressos em maquetes e fotos. Para elaborar não é mostrado, mas insinuadas as presenças
a metodologia de pesquisa, o pesquisador levou com o recurso da ausência. É um jogo que ofe-
em conta que essas crianças se situavam no rece um vestígio que poderá desencadear no
grupo dos silenciados e que talvez pelas pala- leitor a criação de outras imagens e narrati-
vras não fosse possível elas expressarem suas vas. Algumas vezes a pesquisadora-fotógrafa
vivências muito doloridas. enquadra o que a criança poderia estar olhan-
do e não o que ela pesquisadora vê na criança.
A metodologia desenvolvida com materiais vi- Em outros momentos, as imagens nos con-
suais de Feitosa (2011), assim com das outras duzem para dentro delas e queremos desco-
pesquisadoras, oportunizaram às crianças si- brir o que há na ponta do dedo de um menino,
tuações em que elas puderam salientar aspec- ou o que aquele grupo de crianças, de costas
tos que seriam difíceis de serem expressos e para nós, está conversando. Assim como Trois,
“vistos” em uma conversa, entrevista ou texto. porém utilizando outros recursos visuais, Pe-
Para as crianças também foram momentos de try torna suas imagens convocatórias, ima-
compartilhar seus saberes sobre as lingua- gens que nos solicitam a descobrir mais da
gens visuais e produzirem “dados” que rom- cena além daquilo que é visibilizado. Petry,
piam com as lógicas narrativas da linguagem ao longo de suas narrativas visuais, prende
falada. Por outro lado, os materiais visuais nossa atenção, nos dá espaço para imaginar,
produzidos pelas crianças convocaram as supor, dialogar e, principalmente, nos provo-
pesquisadoras a fazer um esforço para exami- ca a criar outras imagens (e conceitos) sobre
ná-los em sua dimensão imagética. crianças e suas relações.
“Para que serve um livro sem figuras?” Quando a pesquisadora é uma professora-fo-
tógrafa e seu objeto de estudo é a fotografia
Alice, personagem de Lewis Carrol (2002, e o fotografar de seus alunos, em Aluno faz
p. 2), ao ver o livro da irmã faz essa pergun- foto? O fotografar na escola (especial), a ex-
ta, que agora serve de mote para pensarmos pectativa é que a fotografia seja a principal
sobre os diferentes papéis que os materiais fonte de imagens no artefato acadêmico. E é,
visuais ocupam nos artefatos acadêmicos. A mas Ferreira explora a diagramação e insere
pergunta que se coloca é: “Para que servem as elementos gráficos nas fotografias, elaboran-
figuras nos artefatos acadêmicos?” do composições mesclando, com os registros
das crianças com e das cenas da pesquisa. De
Nos trabalhos analisados, algumas pesquisa- modo similar a uma das propostas metodoló-
doras (DIEFENTHÄLER, 2009; PETRY, 2009; gicas desenvolvidas na pesquisa, a fotona-
FERREIRA, 2012; TROIS, 2012) realizaram ex- rrativa, Ferreira recria os acontecimentos da
- 111 -
Uma epistemologia de fronteira: minha tese · HORN, Ticiana E. Pés descalços e tênis, ca-
de doutorado como um projeto a/r/tografico. rroça e carro, boneca de pano e computador,
2009. Disponível em www.anpap.org.br/ anais entre o rural e o urbano: experiências num
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propositoras e materiais provocadores am-
pliando o imaginário infantil. 2009, 184f. Dis- · IRWIN, Rita. A/r/tografia: uma mestiçagem
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celona: Editorial Paidós Ibérica, 2003.
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brincadeiras, leituras: Um estudo acerca da · PEREIRA, Rachel F. As crianças bem peque-
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quenas com o objeto livro numa turma de Dissertação (Mestrado em Educação) – Pro-
berçário. 2011, 226f, Dissertação (Mestrado grama de Pós-Graduação em Educação, Fa-
em Educação) – Programa de Pós-Graduação culdade de Educação, Universidade Federal
em Educação, Faculdade de Educação, Uni- do Rio Grande do Sul, Porto Alegre: 2011
versidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto
Alegre, 2011. · PEREIRA, Rita Ribes. Reflexões sobre a fei-
tura e os usos da imagem na pesquisa em
· HERNÁNDEZ, Fernando. Catadores da Cultu- educação: os óculos de Win Wenders e o olhar
ra Visual: uma proposta para uma nova narra- de Bavcar. ETD – Educação Temática Digital,
tiva educacional. Trad. de Ana Duarte. Editora Campinas, v.11, n., jul./dez. 2009. p.255-272
Mediação, Porto Alegre: 2007. Disponível em: http://www.fae.unicamp.br/
- 113 -
Pero eso no significa que el arte sea igual a la Por otra parte, estas metodologías no tratan
ciencia, vale justamente por sus diferencias. de procedimientos técnicos en el arte pues el
En la investigación científica se asume que el valor metodológico del arte no reside en la con-
conocimiento se busca dentro de los límites de fección del objeto sino en la forma de pensar y
lo que se conoce. Para Sullivan "lo que se cono- operar la investigación. Tampoco se restringen
ce puede limitar la posibilidad de lo que no se a las imágenes sino a las relaciones que se es-
conoce y eso requiere de una práctica creativa tablecen con ellas, es decir, a las visualidades.
para ver las cosas de una nueva forma" (SU- Son metodologías que van de lo visible a lo vi-
LLIVAN, 2010, p. 32). El autor observa que en sual porque consideran los sujetos, los objetos
la investigación científica la diferencia se ex- y los contextos en sus relaciones. Parten de
presa en grado y cantidad en comparación con dentro del problema o problematizan, no se
lo que se conoce, de manera que las metodo- imponen un problema. El valor que dan a las
logías científicas se basan en la probabilidad. "relaciones entre" marcan la preocupación con
Y cuando las diferencias son de tipología se formas de ver a través de las capas culturales
basan en la plausibilidad. El espacio de lo des- que determinan la visibilidad histórica que se
conocido en el arte, en cambio, se aventura en construye de "lo visible y lo decible, de regiones
lo que todavía no es, en lo posible. de visibilidad y campos de legibilidad, de con-
tenidos y expresiones" (DELEUZE, 1988, p. 57).
Si queremos crear nuevas concepciones de lo
que sabemos es necesario basarse en lo pro- También se preocupan con las formas de ver a
bable, lo plausible y lo posible, piensa Sullivan. través de la mirada del otro, porque lo visual es
En ese sentido el arte investiga sobre lo desco- una experiencia y la experiencia solo se vive en
nocido en cuanto la ciencia investiga sobre lo el lugar de la interacción social y natural. (MIT-
que se conoce. CHELL, 1995, 2005; MIRZOEFF, 1998, 2009).
Por otra parte se busca ver a través de los
Algunos, como Camnitzer, piensan que el arte dispositivos de control de la mirada que cada
va más lejos que la ciencia, como una meta-dis- época construye para entender las complejas
ciplina: "De hecho veo a la ciencia como un mero relaciones que se tejen entre las visualidades
accidente en la construcción del conocimiento" (FOUCAULT, 1984, In MIRZOEFF, 1998; 2003).
(CAMNITZER, 2015, s/n), porque la ciencia está
limitada por la lógica, la causalidad y los ex- Estos intereses metodológicos definen posi-
perimentos repetibles. El arte es todo eso y su ciones críticas que buscan ir más allá de lo
contrario, piensa el autor. En esa perspectiva la que es o está visible y por ese motivo requiere
contribución del arte al conocimiento humano operar de forma estética y poética. Lo estético
existe de formas ricas, abiertas a las diferencias, se entiende aquí en su raíz aisthesis, que se
contradicciones, flujos cambiantes, diversidad refiere a la facultad de sentir, por lo tanto cor-
de contextos, intenciones y culturas. poral. Sin embargo, no se refiere a un cuerpo
individual, sino colectivo, conectado, dentro
En ese sentido surgen en las últimas dos dé- del mundo. Por otra parte, lo poético se entien-
cadas las metodologías de IBA y de IEBA que de aquí en su raíz poiesis que significa una
abordan la construcción del conocimiento de producción sobre la cual no se tiene control.
maneras diferentes a los de la ciencia y con Si esta definición proyecta el mito del poeta
expresiones singulares de los resultados (SU- que recibe inspiración de las Musas, también
LLIVAN, 2010). Son metodologías que lidian se refiere a lo que va más allá de la voluntad
con aspectos del conocimiento de formas que del poeta. Lo poético es, como apuntan jan ja-
otras metodologías estarían limitadas o no godzinski e Jason Wallin (2013) lo que se abre
conseguirían. Por otra parte son, muchas ve- a lo desconocido, lo que está en potencia, la
ces, metodologías que constituyen en sí mis- posibilidad. Lo poético es en este raciocinio un
mas, pedagogías (DIAS, 2007). espacio de aprendizaje, porque aprendemos
de lo nuevo, de lo que no sabemos.
Se caracterizan por la centralidad de las imá-
genes en los procesos de investigación. Pero Tomando en cuenta todos estos aspectos, ob-
van más allá de lo visible y de las matrices se- servamos que la IBA y la IEBA son metodolo-
mióticas, lingüísticas o iconológicas, que son gías que promueven posiciones definidas po-
propias de las ciencias. En la IBA y la IEBA se líticamente porque subvierten presupuestos
usan métodos y estrategias del arte para in- relacionados a lo que Jacques Ranciére (2009)
vestigar asuntos relativos a la sociedad, a la llama de 'distribución de lo sensible'1 o distribu-
vida o a la cultura visual. ción de los papeles en la sociedad. Lo estético
- 117 -
1 - Para Rancière el orden social es un conjunto de con- 2 - Principio de la emancipación en el punto de partida
venciones que determina la distribución de los papeles (no en el punto de llegada) de un proceso educativo (RAN-
y en ese sentido también determina las formas de ex- CIÈRE, 2002, 2011).
clusión social.
- 118 -
el cuerpo y relacionarse a lo que se aprende Aquí presentamos tres de los artefactos crea-
de forma a construir sus propios territorios de dos en el proceso de investigación:
existencia.
2.1. History Intervention
Por otra parte, observamos que, siendo ar-
tefactos cada vez más comunes en la socie- Producido por Tatiana Fernández para sus
dad los OA hoy hacen parte de aquello que clases de Historia del Arte Contemporáneo
Gilles Deleuze y Felix Guattari (2002) llaman en 2012 y presentado en el Programa de
de 'conformaciones maquínicas'iii. Guattari Pós-Graduación en Arte de la UnB en 2013.
(1996) reconoce el poder enorme de enuncia- Son intervenciones en cinco libros de historia
ción de las máquinas que tienen componentes y teoría del arte de la biblioteca de la UnB. En
materiales, cognitivos, afectivos y sociales ellos son introducidas páginas falsas que imi-
en una conformación maquínica. También tan el papel, la diagramación y que enganchan
Jagodzinski y Wallin nos recuerdan que las en el discurso del(de la) autor(a) para presen-
"conformaciones sociales, culturales, me- tar una artista imposible, con obras imposibles
dio-ambientales o tecnológicas [...] entran en para sus condiciones: indígena, vendedora de
la misma producción de subjetividad" (2013, mercado y empleada doméstica, anciana, que
p. 47). Por eso es importante entender los ar- vive en un pueblo de frontera en el altiplano
tefactos como máquinas de subjetivación. En boliviano-peruano.
este caso los OAP se presentan como máqui-
nas estético-poéticas para aprender porque Estas intervenciones en los libros hacen par-
traen aberturas para construir conocimiento. te de discusiones sobre las relaciones entre
Son máquinas para construirse. centro y periferia en el arte contemporáneo
latinoamericano programadas para las cla-
Figura 1 - Tatiana Fernández. Art History Intervention: Gombrich “A História da Arte”, RJ: Livros
Técnicos e Científicos, 2011, 16 ed. páginas 610 y 611, Biblioteca, UnB, 2012.
3 - Simbiosis o amalgamas de cuerpos que se atraen o vas armas y nuevos instrumentos" (DELEUZE, y GUA-
repulsan, se alteran, se alían, se penetran y se expan- TTARI, 2002, p. 94). En esas condiciones se producen
den entre sí. [...] El estribo engendra una nueva simbiosis ensamblajes entre los seres vivos y sus máquinas.
hombre-caballo, que engendra, al mismo tiempo, nue-
- 119 -
ses. La tarea consiste en leer sobre la artista go, estableciendo nuevas relaciones.
y otros artistas latinoamericanos, en libros re-
ferenciados de autores como Ernst Gombrich La intención es que los participantes, al mis-
(Fig. 1), Giulio Carlo Argan, Nestor García mo tiempo en que conozcan las principales
Canclini, Debora Root, Julian Bell y H.W. Jan- líneas de estos autores, intenten posicionarse
son, y después participar de un debate sobre en relación a esos asuntos y se informen más
apropiación, canibalismo y relaciones centro y acerca de esas ideas. Este artefacto fue usado
periferia. En las discusiones se espera que la en dos ocasiones en el curso de extensión uni-
farsa sea desvendada por alguno de los par- versitaria por tres participantes. Los resulta-
ticipantes cuestionando la imposibilidad de la dos (fig. 2) indicaron que el artefacto los llevó
artista. En las dos ocasiones en que el OAP fue a un mayor interés por los autores y sus ideas
utilizado los participantes creyeron en la exis- y proporcionó espacio para diferentes y disi-
tencia de la artista. dentes. interpretaciones y posiciones frente a
los temas.
2. 2. Controle de Danos
2.3. Queres-quanto
Este comic coautoral de 10 páginas fue produ-
cido por Fernández para los participantes del Este OAP fue producido por la participante del
curso de extensión entre 2013-14. Consiste en curso Samara Brito para sus estudiantes en
una conversación ficticia entre cuatro intelec- 2014 a partir de un juego tradicional de dobla-
tuales del arte y la educación, la autora y los duras conocido como 'comecocos' y en el Brasil
coautores, participantes del OAP. En este ar- como queres quanto? (Fig. 3). En cada dobla-
tefacto se extraen y traducen los trechos más dura que los participantes sortean hay un de-
relevantes del discurso de cada pensador en safío para realizar relacionado a los estudios
conferencias disponibles en video en Internet. que estaban realizando sobre cultura popular.
La diagramación deja espacios vacios para que Los desafíos favorecen procesos de interpre-
el participante del OAP se coloque frente a los tación que son al mismo tiempo, procesos de
argumentos presentados. En ese sentido cada producción. Sobre las ruedas de danza, popu-
coautoría convierte el comic en un nuevo diálo- lares el juego desafía: "[...] piensa en un poema
Figura 2 - Tatiana Fernández, Ana Paula Vansconcellos Moreira. Comic "Controle de Danos: arte e
educação na era da guerra global". Páginas: capa, 3-4, 5-6. Curso de extensión de OAP, VIS/IdA/UnB.
- 120 -
Figura 3 Samara Brito. "Queres - quanto". Curso de extensão de OAP, VIS/IdA/UnB, 2014.
Fotografía Samara Brito
de estudio y profundizar aquellos que deben What do pictures want? London: The University
ser colaborativos entre artistas, profesores e of Chicago Press, 2005.
investigadores, de manera a reconstruir los
modelos de educación limitados a la ciencia. · FOUCAULT, Michel. Vigilar y Castigar: naci-
miento de la prisión. Buenos Aires: Siglo XXI Edi-
Referencias tores, 2003.
· BIESTA, Gert. What’s the Point of Lifelong Lear- · FERNÁNDEZ, Tatiana. Evento artístico como
ning if Lifelong Learning Has No Point? On the pedagogia. Tese de Doutorado. Programa de
Democratic Deficit of Policies for Lifelong Lear- Pós-Graduação em Arte, Departamento de Artes
ning. European Educational Research Journal. Visuais, Instituto de Artes, Universidade de Bra-
Volume 5, Numbers 3 & 4, 2006. sília. 321 p. e Anexos. 2013.
· CAMNITZER, Luis. The Detweeting of Academia. · SULLIVAN, Graeme. Art Practice as Research:
e-flux Jounal, N° 62, February, 2015. Disponível Inquiry in Visual Arts. LA: SAGE Publications, 2010.
em: <http://www.e-flux.com/journal/the-detwee-
ting-of-academia/>. Acesso em 12 fev., 2015. · RANCIÈRE, Jacques. O Mestre Ignorante. Belo
Horizonte: Autêntica, 2002.
· DELEUZE, Gilles. Foucault. São Paulo: Brasilien- A Partilha do Sensível. São Paulo: Editora 34, 2009.
se, 1988. The Emancipated Spectator. London: Verso, 2011.
RESUMO RESÚMEN
Este texto nasce de uma pergunta sobre “como Ese texto proviene de una pregunta acerca de
reflexões epistemológicas pós-modernas se “¿Cómo reflexiones epistemológicas post-mo-
fazem presentes nas escolhas metodológicas de dernas están presentes en las elecciones me-
pesquisas que fazemos e orientamos”. Para ten- todológicas de investigación que hacemos y
tar responder (como exercício reflexivo) alinha- orientamos?”. Intentando responder (como
vei alguns posicionamentos a respeito de epis- ejercicio reflexivo), pespunteo algunos po-
temologia, de pós-modernidade no campo da sicionamientos respecto a la epistemología,
arte, cultura e as relações com ensino e apren- a el post-modernismo en el campo del arte y
dizagem. A seguir, problematizo a própria cul- cultura y a las relaciones con la enseñanza
tura visual no sistema da academia, palco onde y el aprendizaje. A continuación, problema-
se desenvolve nossa ação docente, para pensar tizo la propia cultura visual en el sistema de
escolhas metodológicas nos processos de inves- la academia, escenario en el que desarro-
tigação que tenho desenvolvido e orientado na llamos nuestras actividades de enseñanza,
relação arte e cultura visual. Trago para a dis- para pensar las opciones metodológicas en
cussão impasses e conflitos que recaem sobre los procesos de investigación que tengo de-
escolhas de proposta de pensar a pesquisa como sarrollado y orientado en la relación arte y
“criação participativa”, como pós-produção. cultura visual. Traigo a la discusión impases
Falo dos encontros metodológicos a partir das y conflictos que caen sobre las decisiones del
especificidades dos desejos investigativos que pensar la investigación como “creación parti-
pós-graduandos trazem para a minha orien- cipativa”, como post-producción. Hablo de los
tação e como estas especificidades deflagram a encuentros metodológicos desde las especi-
criação de desenhos metodológicos mais auto- ficidades de los deseos investigativos que los
rais, e também processualmente mais colabora- post-graduandos traen para mi orientación
tivos. Depois de situar o espaço as visualidades y como éstas especificidades desencadenan
populares como espaço para um exercício plural los diseños metodológicos más autorales, y
de investigação, defendo a vitalidade de se pen- también procesualmente más colaborativos.
sar na pesquisa de culturas visuais e de artes a Luego de situar el espacio de las visualida-
partir das inquietações dos seus processos ten- des populares como espacio para un ejercicio
tando evitar os discursos de excelência tecno- plural de investigación, defiendo la vitalidad
burocrática acadêmica das universidades que del pensar en la investigación de culturas vi-
engessam a vitalidade de um campo que nasce suales y de artes desde las inquietudes de sus
indisciplinado. Manifesto por fim, o desejo de procesos con el intento de evitar los discursos
continuar fazendo e orientando pesquisas que de excelencia tecnoburocrática académica de
passam pela diversidade das culturas visuais las universidades que inmovilizan la vitalidad
numa perspectiva de epistemologias que invis- de un campo que nace indisciplinado. Mani-
tam na solidariedade e na reciprocidade entre fiesto, por fin, el deseo de seguir haciendo
os diversos atores da pesquisa. y orientando investigaciones que pasan por
la diversidad de las culturas visuales en una
- 124 -
“novidades” que nos retirem desse lugar. Dito abalada. Falar uma língua não significa ape-
desta forma, pode parecer que estou negan- nas expressar nossos pensamentos mais in-
do a condição pós-moderna, mas não é o caso. teriores e originais. Significa ativar a imensa
São vários os autores discutindo essa cena gama de significados que já estão embutidos
pós-moderna, tentando situar inícios, causas em nossa língua e em nossos sistemas cultu-
e desdobramentos epistemológicos. rais. Os significados deixam de ser fixos. Para
Lacan, da mesma maneira que o inconsciente,
Relembrando Giddens (1991), o uso do termo a identidade está estruturada como a língua,
pós-modernismo aplica-se ao campo da arte e através do confronto com o outro.
da cultura frente ao esgotamento das formu-
lações estéticas do modernismo. Portanto, todas O mundo também muda com o slogan “o pes-
os descentramentos, deslocamentos e hibridi soal é político” do movimento feminino dos
smos servem para chamar a nossa atenção pa anos sessenta para cá. As teorias feministas
ra mudanças significativas nas práticas em questionaram a clássica distinção entre o
arte, cultura e educação. O sufixo “des” assume ‘dentro´ e o ‘fora’, entre o ‘privado’ e o ‘público’.
a função de indicar procedimentos que implo- Este descentramento de identidade feminina
dem ou desviam significados fixos e interpre- não ficou circunscrito às próprias mulheres.
tações com suportes únicos. Procedimentos de Politizou a subjetividade, a identidade e o pro-
desconstrução na arte lidam com elementos cesso estabelecidos de identificação tais como
conflitantes do texto, que são mostrados para homens/mulheres, mãe/pais, filhos/filhas etc.
contradizer e implodir qualquer interpretação
considerada a correta, a verdadeira. Vivemos Penso que, com esses exemplos, ainda que de
assim em um constante “conflito de interpre- forma sintética, começamos a responder à per-
tações, um conflito hermenêutico” que “toma gunta deflagradora desse texto ressaltando
conta das nossas pesquisas, programações e determinadas ideias e concepções que foram
preocupações.” (MARCONDES, 1996, p. 83). se instalando e instaurando caminhos meto-
Neste processo des, a ênfase recai no leitor mui- dológicos na pesquisa em arte e cultura visual,
to mais do que no autor. Necessita-se de uma tais como: cruzar margens e fronteiras disci-
crescente conscientização da importância das plinares afim de perseguir novos sentidos na
atividades interpretativas do espectador e das produção de conhecimento, trabalhar com es-
possibilidades alternativas do mesmo trabalho. paços (teóricos e práticos) cruzados e negocia-
dos, exercitar múltiplas escrituras, reconhecer
Necessita-se de uma crescente conscienti- e mapear de identidades culturais deslocadas
zação da importância das atividades inter- e em processo de deslocamento, etc. Especial-
pretativas do espectador e das possibilidades mente, trabalhamos com “o reconhecimento
alternativas do mesmo trabalho. Stuart Hall de que não há espaços privilegiados ou fontes
(2000, p. 34) mapeia alguns “descentramen- simbólicas que possam assegurar autonomia
tos” das identidades fixas, resultando em cultural” (JAGODZINSKY, 2008, p. 672). Essas (e
identidades abertas, contraditórias, inacaba- outras) noções que vão se assentando (com al-
das e fragmentadas do sujeito pós-moderno. guns perigos de acomodação ou de modismos)
Cita como descentramentos provocados pela nos nossos discursos docentes que implicam
descoberta do inconsciente por Sigmund nas práticas de pesquisa e, consequentemente,
Freud que revelou que os processos psíquicos na natureza das propostas de pesquisa que re-
e simbólicos do inconsciente funcionam muito cebemos e nas formas de se viver os processos
diferente da razão pondo em cheque o mote de orientação ao longo do desenvolvimento das
cartesiano - “penso, logo existo”. Na contramão investigações em um programa de Pós-gra-
desse mote sonhar também é existir. Outro duação em Arte e Cultura Visual.
exemplo, é o descentramento provocado por
Lacan quando afirma que a criança- tem o seu Fernando Miranda (2012) por exemplo, discute
ser formado não a partir de um núcleo inte- a possibilidade de formar educadores para a
rior, mas a partir das relações com os outros. pós-produção educativa onde os conteúdos da
Considera como processo de formação a pro- cultura visual e das artes devem estar disponí-
gressiva relação da criança com os sistemas veis a “ampliar os sentidos possíveis e enrique-
simbólicos fora dela mesma: a língua, a cul- cer a experiência estética a partir de diversos
tura e a diferenciação sexual, dentre outros. repertórios visuais e do que acontece ao redor
Relembra que quando Saussure reconhece a destes” (p.8). Penso que a ideia de pós-produção
língua como um sistema social e não indivi- é também instigante para pensar os processos
dual, mais uma vez a identidade modernista é de investigação. De acordo com Bourriaud
- 126 -
[...] não indica nenhuma negação, nenhuma su- Sabemos que a formação de artistas e professo-
peração, mas designa uma zona de atividades, res de artes já não é restrita a formação práti-
uma atitude. Os procedimentos aqui tratados não ca e que mais e mais, o estímulo à investigação
consistem em produzir meras imagens – o que é cada vez maior. No entanto, esse imaginário
seria uma postura maneirista – nem em lamen- persiste mesmo que velado ou subsistindo de
tar que tudo “já foi feito”, e sim em inventar proto- forma subterrânea no entendimento sobre pro-
colos de uso para os modos de representação e as cessos de criação arte e seu ensino. O próprio
estruturas formais existentes”. (2007, p. 14). ato de pesquisar é relacionado a uma atividade
racional, "séria", "sofrida", coisas com as quais
Pesquisar e orientar numa perspectiva de artistas e arte educadores não estariam afeitos.
pós-produção cultural nos leva a romper com (GUIMARAES, 2015, p. 20).
lógicas diretivas de metodologias pré-deter-
minadas que conduziriam os pós-graduandos A ideia de pós-produção é potente pois remete
em caminhos “mais seguros” academicamente a referências de pesquisa no campo da arte,
com o respaldo da assertividade das hipóteses atravessada pela existência das tecnologias
respondidas depois de um determinada “apli- de produção, circulação, arquivamento, com-
cação” de um questionário, ou mesmo depois de partilhamento e edição de imagens existente
uma entrevista semiestruturada, ou ainda de- em um vasto “repertório da cultura”. Enten-
pois de uma imersão participante no contexto dendo tanto a pesquisa como a orientação da
de um determinado grupo ou situação de vida. pesquisa enquanto “ação” e entendendo os
estudantes investigadores como produtores
Inventar protocolos de pesquisa, construir dos seus desejos de investigação penso como
dados por meio de operações tais como: inter- Miranda que “o ponto a atender não é a de-
pretar/reproduzir/ reexpor/reutilizar/reco- terminação do pertencimento disciplinar da
dificar para que gerem novos sentidos. Tra- ação, mas a possibilidade de utilização das
balhar com montagens imagéticas ou outras imagens de maneira a produzir experiências
fontes gráficas e digitais, trazer para a cena que coloquem os estudantes em sua condição
da pesquisa vozes que costumam ficar em off de criação” (2012, p. 10). É assim que entendo
(incluindo a do próprio investigador), perfor- a condição do estudante investigador, como
mar situações na cena da pesquisa junto com criador da sua pesquisa. Com esta reflexão,
outros atores, entender-se como mais um ator chego em outra condição também anunciada
do processo investigativo, utilizar efeitos es- por Miranda: a necessidade de refundar a re-
peciais que sejam pertinentes ao processo da lação do sujeito com a sua pesquisa e com os
investigação em curso deflagram tanto possi- caminhos metodológicos a partir das marcas
bilidades de construção de dados, como de re- que traz para esta caminhada ou aponta ca-
flexões sobre o processo, como geram ganchos minhos marcados pelas surpresas e por incer-
para compreender pontos que não se mostram tezas a serem enfrentadas.
por meio de “ferramentas” e “instrumentos” de
“coleta” mais tradicionais tais como as diversas
- 127 -
sam pelo reconhecimento desse alargamento e Deste modo, a cultura visual pode ser tida como
entrelaçamento de campos e pela abrangência um sistema composto por um conjunto de uni-
das “visualidades” enquanto objeto de estudos versos e sub-universos, com os seus agentes,
“sendo impossível delimitá-lo de forma siste- objectos e processos particulares de produção,
mática” (MICTHELL, 2006, p.238). Expansão difusão e recepção de bens visuais. É um siste-
e impossibilidade que pedem passagens do ma não estático, mas em constante renovação,
singular para o plural, considerando que os en- fruto da velocidade de transformação dos agen-
contros com diversas culturas visuais nos dão tes, dos processos tecnológicos e das forças de
a oportunidade de problematizar, questionar e poder que determinam relações de cooperação
imaginar possibilidades alternativas de fazer e conflito. É igualmente, uma cosmovisão, uma
pesquisa e docências. forma particular de percepcionar e retratar a
realidade, aliada não apenas a modos de ver,
Outro ponto que trago para responder à ques- mas a modelos sensoriais e modos de retratar a
tão posta sobre escolhas metodológicas é o realidade que apelam a diferentes linguagens,
exercício investigativo em torno do que tenho capacidades cognitivas e modelos sensoriais.
chamado de “visualidades populares”: (CAMPOS, 2012, p. 23).
A expressão “visualidades populares” indica Em seu livro Depois da Teoria, Eagleton (2010)
opções conceituais em lidar com expressões afirma que “outro ganho histórico da teoria
culturais que a princípio podem vir de contextos cultural foi estabelecer que a cultura popular
subalternos, periféricos, marginais, não oficiais, também merece ser estudada. [...] o pensa-
etc., mas que também não podem ser colocadas mento acadêmico tradicional ignorou duran-
numa redoma salvas de contaminações/apro- te séculos, a vida diária das pessoas comuns”
priações de diferentes tipos de consumo cultu- (p.17). Eagleton chama atenção para a im-
ral. Visualidades urbanas – grafites, cartazes, portância desse fato pois “Ao resgatar o que a
anúncios, murais e outras visualidades fora de cultura ortodoxa empurrou para as margens”
contextos urbanos ligados a manifestações de enfatizando que estas “podem ser lugares in-
indústrias do viver como mobiliários, formas de discutivelmente dolorosos para se estar, e há
decoração, de vestir, artesanato nas suas diver- poucas tarefas mais honrosas para estudan-
sas formas de produção, os saberes e fazeres tes da cultura do que ajudar a criar um espaço
ligados às estéticas dos cotidianos, questões de no qual o descartado e o ignorado possa en-
patrimônio, performance que compõem um am- contrar uma língua, uma fala” (p. 28). Relativi-
plo leque de possibilidades para nossos estudos. zando as honrarias, concordo com o autor que
(GUIMARÃES, 2014, p.1). estudos sobre as margens instauram um lugar
de reconhecimento, não para “dar voz” aos ou-
Sei que lido com armadilhas ao adotar (provi- tros, mas, principalmente, porque somos parte
soriamente) a expressão “visualidades popula- desses “outros” comuns.
res”. Para além da explicação acima que aponta
para uma expansão de noções muito fechadas Também é importante ressaltar que os estu-
de popular, adoto o visualidades em pelo menos dos sobre o trabalho de artesãs, de trabalhos
dois sentidos. O primeiro, mantenho a conexão manuais e de outras “estéticas” ligadas ao coti-
com as artes visuais, campo multifacetado, mas diano, tem contribuído com “experimentações”
no qual determinadas produções apontadas na metodológicas conectadas com esses fazeres:
citação são consideradas como repertório ar- alinhavar, costurar, bordar, direitos e avessos,
tístico, estético e cultural (herança modernista, incluindo mutirões de orientação nos quais
talvez). No segundo sentido, valho-me de Ri- trabalhamos colaborativamente a fomentar
cardo Campos (2012) que afirma que “A visua- as inquietações das pesquisas.
lidade está presente na ideologia, na economia,
na religião, na mente individual e colectiva, dá Os impasses nos levam para uma diversidade
corpo a ideias, pensamentos, desejos e necessi- de abordagens, bem como a experiência da
dades, sendo por estes alimentada” (p. 24). As- diversidade nos leva a novos impasses. Nes-
sim, “visualidades populares” tem sido útil para se vice-versa, aprendemos que são várias as
acolher uma diversidade de projetos investiga- possibilidades de construção e que não existe
tivos em arte e cultura visual de forma plural um centro metodológico para as culturas vi-
e crítica. Mais uma vez recorro a Campos que suais, mas que é válido perguntar quais atra-
organiza uma reflexão sobre cultura visual na vessamentos podemos construir no processo
qual encontro as minhas inquietações em torno investigativo - o que inclui desde a formulação
de muitos “populares”: de questões, a construção de aproximações de
- 129 -
campo, as interações com os “outros da pesqui- venciar os atravessamentos que vamos cons-
sa” e com nós mesmos, a construção de dados truindo a cada projeto que chega como um de-
e de ferramentas de análise e uma chegada safio para nos lançarmos de forma criativa e
a resultados (provisórios) como experiência colaborativa nas empreitadas investigativas.
significativa, capaz de provocar mudanças na
vida de quem pesquisa e de quem é pesquisado. Deixei para parte final o enfrentamento con-
ceitual de uma questão sobre epistemologias
Smith (2011) relembra que em seu momento que considero crucial. De uma certa forma,
exploratório: acredito que as reflexões que antecedem este
momento do texto, já situam o caráter “alter-
O estudo das culturas visuais acontecia nos nativo” e conflitivo das escolhas apontadas, e
departamentos das universidades através das que não esgotam as possibilidades de muitos
Humanidades, em instituições de educação outros vieses. A questão a ser enfrentada é
complementar e em faculdades de arte e design o constante perigo de adotarmos posturas
[...] desinibidos pela bagagem disciplinar inte- colonialistas no exercício investigativo. Boa-
lectual do passado ou do fardo burocrático do ventura de Sousa Santos (2007) afirma que o
futuro. (p. 54). “colonialismo consiste na ignorância do outro
e na incapacidade de conceber o outro a não
Pondera que talvez tenha sido um momento ser como objeto” (p. 81). Mais uma vez recorro
utópico ou romântico, mas que lhe pareceu a este para refutar (pelo menos ideologica-
que aquele foi um momento no qual se estava mente, uma vez que o exercício é sempre uma
fazendo cultura visual, antes de sua sistema- aposta) “a distinção entre objectividade e neu-
tização em “estudos”. No fazer investigativo tralidade” (p. 31) e me situar em busca de um
artístico e pedagógico, todo esse panorama saber “enquanto solidariedade que visa subs-
discutido neste texto tem pluralizado eixos, tituir o objecto-para-o-sujeito pela recipro-
enfraquecido fronteiras, multiplicado hori- cidade entre sujeitos” (p.83). É assim que me
zontes teóricos e práticos. Mas também tem entendo nessa relação de investigar e orien-
trazido outros centramentos e urgências de tar outros investigadores, correndo todos os
“receitas pós-modernas” na docência e na pes- riscos, inclusive esse, de escrever sobre isso.
quisa. A compreensão do docente em artes
visuais como investigador da própria práxis Referências
pode ser entendida nessas fronteiras móveis,
lembrando que a única certeza que pode nos · BOURRIAUD, Nicolas. Pós-Produção. Como
guiar é a da provisoriedade, mas que esta con- a arte reprograma o mundo contemporâ-
dição não dispensa o enfrentamento de bases neo. São Paulo: Martins, 2007.
conceituais de diversos caminhos já trilhados
por quem nos antecede, longe ou perto do · CAMPOS, Ricardo. A cultura visual e o olhar
tempo em que vivemos e das instâncias que antropológico. VISUALIDADES, Goiânia,
atuamos. Assim como Smith (2011) eu tam- v.10, n.1, p. 17-37, jan-jun 2012.
bém me sinto comprometida com um fazer
cultura visual (e arte) · EAGLETON, Terry. Depois da Teoria. Um ol-
har sobre os Estudos Culturais e o pós-moder-
[...] enquanto um fazer, escrever enquanto um nismo. 2ª. Ed. Tradução de Maria Lúcia Olivei-
fazer, mesmo que haja incerteza em fazê-lo. ra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
Esse “fazer” é um compromisso com o questio-
namento da política do conhecimento e das · EFLAND, Arthur; FREEDMAN, Kerry; STU-
condições da produção, circulação e consumo HR, Patrícia. Postmodern Art Education: an
das culturas visuais, com as coisas mesmas que approach to curriculum. NAEA. 1996.
fazem a cultura visual, ou seja, uma vontade de
partir dos encontros com os objetos, os assuntos, · EFLAND, A. D. Cultura, Sociedade, Arte e Edu-
as mídias e os ambientes da própria cultura vi- cação num Mundo Pós-Moderno. In: GUINS-
sual. (p. 46). BURG, J.; BARBOSA, A. M. O Pós-modernis-
mo. São Paulo: Perspectiva, 2008. p.173-188.
A minha preocupação não tem sido escolher
entre “epistemologias” modernas ou pós-mo- · GIDDENS, Anthony. As Consequências da
dernas, mas no caráter ideológico que essas Modernidade. São Paulo: Ed. UNESP, 1991
“epistemes” trazem em relação ao caráter de
conhecimento que consideram válido. De vi- · GUIMARÃES, Leda. Visualidades Populares:
- 130 -
1 - Curriculum Lattes é um currículo elaborado nos pa- 2 - Os Institutos Federais de Goiás, as antigas Escolas
drões da Plataforma Lattes, gerida pelo CNPq (Conselho Técnicas Federais e, ainda, Escolas de Aprendizes e Ar-
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológi- tífices, com mais de 100 anos de existência, fazem par-
co). A Plataforma Lattes é resultado da experiência do te da Rede Federal de Educação Técnica e Tecnológica,
CNPq na integração de bases de dados de Currículos, reconfigurada em 2008. Conta, até 2016, com mais de
de grupos de pesquisa e de instituições em um único 500 escolas/câmpus, em todos os estados brasileiros,
sistema de informação.O Curriculum Lattes se tornou com gestão autônoma, através de suas reitorias. Oferta
um padrão nacional no registro do percurso acadêmico as seguintes modalidades de ensino: Educação Básica:
de estudantes e pesquisadores do Brasil. Atualmente é ensino médio integrado ao ensino técnico, em tempo
adotado pela maioria das instituições de fomento, uni- integral e Educação de Jovens e Adultos na modalidade
versidades e institutos de pesquisa do país.A riqueza técnica; Educação Superior: bacharelados, licenciaturas
de informações, a abrangência e confiabilidade são ele- e cursos superiores de tecnologia (de curta duração);
mentos indispensáveis aos pleitos de financiamentos na Pós-Graduação: especializações, mestrados e doutora-
área de ciência e tecnologia.Fonte: www.significados. dos, além de cursos vinculados ao PRONATEC – Progra-
com.br/curriculum-lates/, acesso em 04/05/2016. ma Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego.
- 132 -
Nesse sentido, apoiado no que o autor citado 1.2 .Impressões sobre papéis
denomina como “a natureza particular do artís-
tico”, miro para os percursos artísticos e peda- No segundo semestre de 2015, cursei a dis-
gógicos em suasexperiências de vidas, que po- ciplina eletiva Tópicos Especiais em Poéticas
dem deixar marcas gravadas na constituição Visuais – Gravura, ofertada por meu progra-
- 133 -
Imagem 2: Da esquerda para a direita, matriz pronta para ser gravada e goivas para gravura.
Abaixo,à esquerda, a matriz sendo gravada e, à direita, detalhe das incisões
sobre a lâmina de madeira.
nas uma, pois, direta ou indiretamente, fazem uma vez que está vinculada ao vocabulário
relação com os dois movimentos investigativos. técnico da gravura e, por outro lado, sugerindo
A palavra forma surge num sentido expandido, impressões, entendimentos, reflexões a partir
na relação, forma/gravura e forma/Lattes, po- do que está sendo feito. Por outro lado, foi no
dendo ser a última uma representação forma(l) processo de gravar a matriz de gravura, perce-
docente –embalagem docente? Ainda, pensan- ber a poética do material em cruzamento com a
do sentidos partilhados para as duas camadas, poética da pesquisa, que pude fazer a relação
a palavra impressãoganha significado duplo, da impressão do preto (tinta gráfica) sobre o
- 135 -
O intuito foi o de gerar procedimentos metodo- A sistematização da tabela 1 cria guias para
lógicos de pesquisa a partir dos procedimen- a leitura/desmanche do Lattes de cada pro-
tos artísticos, imerso no objeto de investigação fessora, a fim de gerar perguntas para cada
e seus sentidos gerados pelo acúmulo de co- item do currículo analisado e que tenham,
rrelações, movimentações, criação artística e necessariamente, em seu texto, uma das onze
produção de instrumentos narrativos textuais palavras/metáforas elencadas para esta fase.
como, por exemplo, as entrevistas narrativas. Nesse contexto, a leitura crítica dos currículos
Trata-se, contudo,de um esboço metodológi- voltam-se, também, às perguntas:
co e suas potencialidades, fragilidades e, por
outro lado, seus riscos, considerando a provi- a) Que outros procedimentos (e empreendi-
soriedade como parte do processo de pesquisa mentos) a modalidade Ensino Técnico pode
(TOURINHO, 2013, p. 64). exigir dos professores de artes visuais?
b) É possível investigar a constituição de uma
O empenho está para a análise dos métodos de cultura profissional do professor de artes vi-
criação artística e, a partir dessas impressões, suais neste contexto de ensino?
criando ações, associações e metáforas para c) Pode-se evidenciar marcas de uma tecnici-
potencializar a interpretação dos objetos de dade da “formação pela experiência” na cultu-
pesquisa: ra profissional destas professoras?
Imagem 6: diagrama.
b) A primeira e quarta camadas são mais con- · HERNÁNDEZ, Fernando. A investigação ba-
tínuas/homogêneas, enquanto a segunda e seada em arte: propostas para pensar a pesqui-
terceira tem mais oscilações de mancha. sa em educação. In: DIAS, Belidson; IRWIN, Rita
L. (orgs). Pesquisa Educacional Baseada em
c) A quarta camada tem uma linearidade maior, Arte: A/r/tografia. Santa Maria: Editora UFSM,
mais limpa. Objetividade? pp. 39-62, 2013.
d) A terceira camada tem duas manchas visuais · IRWIN, Rita L. A/r/tografia. In: DIAS, Belid-
que pesam visivelmente em relação às outras son; IRWIN, Rita L. (orgs). Pesquisa Educacional
manchas do mesmo conjunto e, de forma geral, Baseada em Arte: A/r/tografia. Santa Maria:
a todas as manchas das demais camadas. Editora UFSM, pp. 27-35, 2013.
novacao-da-educacao-artist, acesso em
23/03/2015.
Alexandre Guimarães
Currículo resumido
Palavras chave: fanzines, visualidades, iden- paradigmas e ampliam espaços para a criação
tidades. de novas éticas.
Quando, o ensino da arte tem um fundamento Nesta pesquisa, pretendo trabalhar a partir
moral, e propõe um modelo universal e numa da emergência de um corpus espistemológico
perspectiva dogmática e representativa, basea- que surge na própria prática de construção
da nos ideias de reprodução, suporte, dedução e de fanzines, e pensar a arte e educação como
indução. A autonomia dos processos simbólicos palimpsesto de futuridade. Penso na escola
causado pela criação de um fanzine implica em como "um lugar que não acaba" e a partir da
uma questão importante neste contexto. cultura negada dos fanzines (e por vezes seus
desdobramentos como stencils e lambe lambe),
Fanzines são produções visuais criadas para desejo criar alternativas à formação de redes
além da arte e podem ser considerados como de saberesfazeres. Pois, as identidades, bem
elementos de pressão epistêmica na educação como a realidade, não são dados fixos e imu-
contemporânea. Penso na escola como "um lu- táveis. Minha investigação teórica nasce do
gar que não acaba" e desejo discutir alterna- desassossego e da necessidade de afirmar o co-
tivas à formação de redes de saberesfazeres. tidiano dos espaços dentrofora da sala de aula
Pois, as identidades, bem como a realidade, (seja da escola básica ou da universidade) além
não são dados fixos e imutáveis. de entender também com espaços de aprende-
rensinar como a rua, os shows de punk rock, as
INTRODUÇÃO trocas dos fanzines como um espaço-tempo de
criação. Isso significa aceitar o desafio de exer-
Fanzines são publicações feitas por sujeitos citar outras formas de apreender a realidade
apaixonados por algum tema. Geralmente um – formas calcadas na multiplicidade de inter-
tema que as mídias convencionais dificilmen- pretações e produzidas no entrelaçamento das
te abordariam. Fanzines nunca são apenas ob- diferentes perspectivas, dos diferentes sujei-
jetos em si, mas parte de redes intermináveis tos, nos diferentes contextos da vida cotidiana.
nas metrópoles comunicacionais. O fanzine
não só permite a experimentação e a autoria Um fanzine é também uma cápsula de tempo.
- 151 -
O tempo e o hipertexto como um só. O tempo que nos desafiam a ultrapassar fronteiras e
como acontecimento. Não mais o olhar como limites e nos convidam a escavar fragmentos
um passado petrificado, mas de sermos ca- e a mergulhar na multiplicidade, por meio do
pazes de buscar a palavra onde há silêncio, de reconhecimento da pluralidade de ações al-
encontrar o gesto onde se registra ausência. ternativas que, pautadas na diversidade de
Usa a colagem como potência expressiva, e a saberes, promovem a emergência de um outro
montagem tal como no processo cinematográ- tipo de conhecimento – um conhecimento so-
fico, gerando a associação de novos sentidos e lidário e dialógico que reabilita vozes silencia-
criação de conceitos através da associação de das, saberes destruídos e aspirações esqueci-
imagens, estratágégias irônicas. Ironia como das de povos e grupos sociais marginalizados,
sedução icônica. o conhecimento-emancipação.
sadas. Articular teorias a partir da práticas, SE1. Na ocasião, eu era professor de história
tendo a produção de fanzines como um cam- em quadrinhos dos menores detidos, dentro
po de possibilidades, mediante articulações de um programa realizado pela ONG People’s
transdisciplinares. Palace Projects2. Para a realização do fanzine,
entreguei-lhes uma folha A4 com a foto do ar-
Objetivos Específicos tista e professor Luiz Andrade (UERJ). A foto
havia sido publicada em uma revista de arte,
1 - Analisar o processo de construção de fan- e era intitulada “Retrato do Autor”. Tal obra
zines a partir de diversas ações e encontros, tratava da relação entre crime e arte. Resolvi
seja com alunos dentrofora da escola pública utilizá-la na proposta de criação de fanzines
de ensino ou fanzineiros; com os menores detentos, aproveitando essa
2 - Selecionar fanzines brasileiros das déca- proposição e a imagem icônica. Foi pedido aos
das de 1990 e 2000 e analisar as redes de pro- jovens infratores que fizessem intervenções
dução de conhecimento a partir dos mesmos; na foto, valendo qualquer reinterpretação
3 - Articular conceitos a partir da literatura ou desenho. Os produtores do fanzine eram
dos autores Máximo Canevacci, Néstor Garcia adolescentes que cumpriam a sentença sócio
Canclini e Michel Maffesoli, cruzando-os com educativa, com privação de liberdade, rein-
os processos de construção dos fanzines; terpretando livremen te uma obra que falava
4 - Trazer um pensamento oriundo dos Estudos sobre crime e arte.
Culturais, com autores como Stuart Hall, Hom-
mi K. Bhabha e Boaventura de Souza Santos. Desta proposição, resultaram catorze releitu-
5 - Cruzar procedimentos do cinema (cor- ras da imagem de Luiz Andrade, que foram
te, montagem), das histórias em quadrinhos compiladas em um fanzine. Fanzines são ob-
(construção de narrativas visuais) e dos fanzi- jetos “que desde o seu nascimento abandona-
nes (produção de redes, criação coletiva, poli- ram o conceito de coleção patrimonial” (CAN-
fonias) para a escrita da tese. CLINI, 2011, p.336), com colagens urgentes,
6 - Realizar 10 oficinas de produção de zines amadoras e não professas dos códices merca-
como proposta de projeto de extensão, voltadas dológicos. Os menores detentos
para o público jovem e adulto, oriundos das fa- passaram então a ser produtores de cultura
velas São João e Macacos, cito Projeto Gira Sol visual, a partir da relação com outro objeto,
localizado à Rua Acaú, s/n, Engenho Novo. criando uma relação crítica com a obra, resul-
tando num empoderamento daqueles sujeitos
1 - Promover o deslocamento conceitual, uti- – que muitas vezes não possuem quaisquer
lizando-se de “Gêneros impuros” (CANCLINI) canais de expressão e comunicação.
como os fanzines ou quadrinhos, como estra-
tégia de acontecimento pedagógico. A autonomia dos processos simbólicos cau-
2 - Desconstruir certezas, para reencontrar sado pela criação de um fanzine se faz uma
o vigor do ver, decompondo os mais diversos questão importante neste contexto pois, mui-
dispositivos visuais, para a produção material to embora a lei só determine a privação de
intensa de fanzines. liberdade aos adolescentes, frequentemen-
te eles são intimidados por agentes adultos,
JUSTIFICATIVA e acabam perdendo outros direitos, como o
acesso a livros e até mesmo ao básico de higie-
Para iniciar essa discussão, gostaria de re- ne. A produção desse fanzine pelos detentos
latar a confecção do fanzine “Cada cabeça foi uma ação estética, ética e política (enten-
uma Sentença”, que foi realizado com jovens dendo aqui política para além de uma retórica
que se encontravam em reclusão no DEGA- tradicional ou associada a partidos políticos)
1 - O Departamento Geral de Ações Sócio Educativas ter sido Capital Federal, competindo a Fundação Nacio-
- DEGASE é um órgão do Governo do Estado do Rio de nal do Bem Estar do Menor (FUNABEM) tal tarefa. Com o
Janeiro que executa as medidas judiciais aplicadas aos advento do Estatuto da Criança e do Adolescente (E.C.A)
adolescentes em conflito com a lei. Foi fundado no ano em 1990, a FUNABEM foi extinta, dando lugar a FCBIA,
de 1994 durante o governo Leonel Brizola para substi- que com a Estadualização da execução de medidas sócio
tuir a Fundação Centro Brasileiro para a Infância e Ado- educativas, foi substituída pelo DEGASE. Fonte:<https://
lescência (FCBIA), fundação pública federal responsável pt.wikipedia.org/wiki/Departamento_Geral_de_A%-
pela execução das medidas sócio-educativas naquela C3%A7%C3%B5es_S%C3%B3cio_Educativas>, acesso
época. O Estado do Rio de Janeiro era então a última em 15 de junho de 2015.
Unidade da Federação que ainda mantinha a estrutura
federal para execução de tais medidas, tendo em vista 2- http://www.peoplespalaceprojects.org.uk/
- 153 -
tornando visível aquilo que está inaudito no da coisa (sua representação), torna-se a coi-
teatro social. Compreendo que, dessas práti- sa, através de textos descritivos, que criam a
cas cotidianas juvenis e nesses agrupamentos ilusão de estarmos diante da coisa em si. Tro-
propositivos de ações mais engajadas (como a camos o concreto pelo abstrato. Dizendo que
produção de um fanzine, por exemplo) o que a realidade está na ideia. O que proponho é o
emerge são ações de politicidade, na qual “o reconhecimento dos fanzines, como parte das
corpo é elemento mediador e lugar de enun- culturas negadas, mas ainda assim, um es-
ciação de uma nova politicidade, de um modo paço de aprenderensinar (ALVES, 2015), e de
de ocupar e dar sentido ao espaço público e de conversa permanente, onde tais redes socie-
construir uma cidadania cultural mais além tais desaguariam também na escola, seja pelo
da de direito” (CERBINO3, 2005. Citado por RO- protagonismo formal e informal. Esta conver-
CHA, 2010). sa se dá pelos próprios protagonistas/fanzi-
neiros e suas construções e trocas simbólicas,
Pode-se perguntar: fanzine é arte? Essa é sem as autorizaçãoes ou mediações oficiais. A
uma questão frequentemente colocada. Eu escola marcada pelo seu desenho institucio-
perguntaria de outro modo: Arte é Arte? Uma nal traz contradições e interrogações perma-
problemática no ensino da arte que se arrasta nentes, que exigem uma abordagem radical
não só no ensino fundamental público, mas em relação aos desdobramento permanente
também nas universidades públicas brasi- nos/dos/com os cotidianos. Pois é no/do/com
leiras, é quão falacioso o acesso às obras pelo os cotidianos que vivemos a política.
agenciamento de suas reproduções. Assu-
me-se um continuum historiográfico eurocên- O exemplo do fanzine “Cada cabeça uma sen-
trico, e a naturalização de seus procedimentos tença” realizado por adolescentes internos do
e instituições, criando exclusões daquilo que DEGASE durante a oficina de quadrinhos, ser-
não está circunscrito, invisibilizadas em nome ve aqui para demonstrar como seria possível
do belo e do bem. Um sistema de arte que se extrair da prórpia prática uma experiência,
reinvindica autônomo, muito embora emita fazer emergir o percurso textual deste tra-
nota fiscal e benesses do mecenato de conglo- balho de pesquisa. Esta proposta de pesquisa
merados bancários ou marcas de vodka, por também justifica-se pelo fato de dar visibilida-
exemplo. de a uma cultura negada – a dos fanzines – e,
São frequentemente publicados livros de realizar uma contribuição dentro do campo do
história da arte sem imagens, onde o suporte ensino da arte calcado da afirmação das dife-
Releituras da obra de Luiz Andrade no fanzine Cada Cabeça Uma Sentença. 2003.
renças. Porque o ensino da arte baseado num teórico, vejo o cruzamento do trabalho de au-
viés elitista desmobiliza atitudes emancipa- tores oriundos dos Estudos Culturais, como
tórias, bom como o combate simbólico – que é Stuart Hall, Hommi K. Bhabha e Boaventura
a disputa visual polifônica que acontece nas de Souza Santos, cruzados a procedimentos
tramas do tecido cidade. emprestados do cinema (corte, montagem),
das histórias em quadrinhos (construção de
METODOLOGIA narrativas visuais) e dos fanzines (produção
de redes, criação coletiva, polifonias).
A metodologia desta pesquisa será construída
em consonância com os desafios surgidos, nos Para Nietzsche, o ideal de verdade é a ex-
trabalhos realizados e na produção textual tensão da crítica de valores morais dominan-
e visual – inclusive de fanzines – num movi- tes de origem judaico-cristã, cujo seu núcleo
mento de vocação transdiciplinar. A partir seria o ideal ascético. Pois, como diria o filóso-
disso, um dos caminhos será a realização de fo alemão em A Gaia Ciência, “Seriedade com
oficinas de produção de fanzines para jovens a verdade! Que diferentes coisas entendem as
e adultos, no intuito de estabelecer conexões pessoas por estas palavras!” (2012, pg. 109). A
entre os autores trabalhados no horizonte ciência tem um fundamento moral, na medi-
teórico desta pesquisa, e o conhecimento que da em que se propõe como modelo universal
emerge a partir da ação política e estética e verdadeiro de conhecimento. Uma perspec-
propriamente dita. Em relação ao horizonte tiva dogmática e representativa, baseada nos
- 155 -
4 - William Seward Burroughs (1914 – 1997), expoente crevia um estilo de vida anti-materialista, na sequência
do Beatnik, movimento socio-cultural nos Estados Uni- da 2.ª Guerra Mundial.
dos dos anos 1950 e princípios dos anos 1960, que subs-
- 156 -
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Este trabalho pretende discutir como se dão respondem por papéis pré-determinados so-
as relações com as experiências estéticas por cialmente. Disto decorre que, se as grandes
parte de quem as presencia e por parte da ins- instituições estão ancoradas em “missões”
tituição que as recebe. A pesquisa tem como como estratégias de operação e funcionamen-
base as visualidades oriundas da exposição Eu to, cujos objetivos enlaçam a difusão da cul-
Como Você, no Museu de Arte do Rio de Janei- tura, divulgação das manifestações artísticas
ro (MAR), em 2014. As experiências estéticas históricas e contemporâneas, dentre tantas
em questão foram muitas vezes qualificadas, outras possibilidades culturais, é preciso pen-
pelos visitantes, como impróprias para aquele sar por quais vias se dão as apresentações e
local, por portarem questões que contariam os controles dos regimes estéticos de exibição
os discursos hegemônicos das instituições. De da arte nestes espaços, e se estas missões de
uma inquietação diante dessas visualidades, fato são estratégias pelas quais se prioriza,
de uma visão que ardeu diante das experiên- de fato, a difusão da arte. Se o trabalho des-
cias estéticas, busco compreender, a partir do tas instituições cumpre estratégias políticas
desconforto dos visitantes, a natureza de um e de poder que vão para além da arte, é pre-
tal conteúdo que não devesse ser mostrado ciso pensar quem os comanda e quais são os
em um museu, bem como abordar parte dos intuitos de sua difusão. Desta forma, se pode
regimes que determinam o que deve ser visto pensar em uma conduta no espectador ainda
nestes espaços. Sendo assim, busco aprofun- ligado às narrativas clássicas como detento-
dar reflexões sobre como se dão os possíveis ras dos grandes museus, uma espécie de aura
trânsitos entre sujeitos e visualidades cuja a respeito do que deva ser apresentado em
natureza é capaz de desestabilizar quem vê uma instituição, tanto daquilo que deva ser
como quem as veicula. Para esta tarefa, en- visto quanto não visto. Todavia, há um grande
contro apoio em questões sobre o domínio da esforço das instituições em transformar as re-
estética levantadas principalmente por Ja- lações de seus espaços em verdadeiros luga-
cques Rancière e Georges Didi-Huberman, res de educação e transformação social.
além do conceito de dispositivo em Giorgio
Agamben, cuja contribuição se dá na tentativa É preciso primeiro compreender estética como
de compreensão das forças que sustentam as um pensamento elaborado que se dá sobre as
instituições e seus conteúdos. coisas e o domínio da arte (RANCIÈRE, 2009),
que muitas vezes está inserida em domínios ou
Palavras-chave: Experiência estética, arte regimes. A experiência estética é assim, a ação
contemporânea, espaço expositivo. deste domínio. É provável que os regimes esté-
ticos sirvam não só a arte, mas a diversas forças
As experiências deste texto se baseiam nas políticas que habitam as grandes instituições,
relações da estética da arte contemporânea fazendo parte de um grande sistema do qual
e dos regimes vigentes de exibição da arte. não é permitido fuga, um complexo “dispositi-
Busco articular reflexões ancoradas nas ex- vo”, emaranhando funções, interesses, desejos
periências do público para com a arte em seu e poderes, cuja estratégia concreta se inscreva
locus de manifestação, como museus, galerias em relações de poder e saber além de ser resul-
e espaços expositivos em geral. tante dela (AGAMBEN, 2009). O que se espera
de uma grande instituição senão uma arte que
É sabido que as grandes instituições de arte esteja à sua altura? Esta pergunta, muito mais
- 160 -
do que uma simples constatação já apresenta Não só a instituição é inflamada pela arte,
uma importante questão: quem controla, e a mas também a visão do expectador diante da-
serviço de que estão os regimes estéticos? quilo que vê. Mesmo o sujeito que se acredita
autônomo diante das experiências estéticas,
Gostaria de apresentar a possibilidade de as a ponto de se posicionar complacente ou não
instituições modernas e multitarefadas terem com elas, ainda está distante da produção das
surgido não só como modelo de exibição de re- experiências. Isto é, recebem muitas vezes
pertórios da arte, mas também como deman- uma síntese das problemáticas mundanas
da de uma urgência do pensamento estético provocadas pela arte, e isto é como uma pe-
e de estratégias de poder. É justamente pelo quena concentração de material explosivo
dispositivo que compreendemos melhor uma prestes a expandir-se, a entrar em combus-
formação que, em certo momento, responde tão, a queimar a visão. Ser expectador já é em
a uma urgência. Se responde a uma urgên- si um mal por duas frentes: olhar é contrário
cia, sobretudo do corpo político, o dispositivo de conhecer, pois o espectador desconhece o
desempenha função estratégica, educacional, processo de produção da aparência ou rea-
de controle e de poder. E não é novo este ol- lidade da qual se porta diante; em segundo
har para a galeria. Em 1986, Brian O’Doherty lugar olhar é contrário de agir uma vez que
(2002), revisando sua pesquisa em torno do ser expectador é ser passivo, é permanecer
espaço expositivo, já alertava que o recinto imóvel diante da aparência, “é estar separado
da galeria voltara a ser campo de discurso, ao mesmo tempo da capacidade de conhecer e
passível de verificação de seu sistema, da do poder de agir” (RANCIÈRE, 2012, p.8). Des-
origem do dinheiro do colecionador, de seus ta separação de Rancière, da capacidade de
grandes investidores. É possível pensar que conhecer e do poder de agir, o que caberia ao
nesta função estratégica do dispositivo este- visitante, expectador, senão reagir da forma
jam fundamentados os mecanismos de ma- que lhe for conveniente?
nipulação de força e estética das instituições.
Sob quais aspectos e interesses a arte nos é Acredito que a visão do espectador ardeu
apresentada? Este dispositivo contém em seu como base nas experiências estéticas da ex-
interior um desejo humano de felicidade, de posição Eu Como Você, do Grupo EmpreZa, no
uma cultura da humanidade, “e a captura e Museu de Arte do Rio de Janeiro (MAR), no ano
a subjetivação deste desejo, numa esfera se- de 2014. As experiências em questão foram
parada, constituem a potência específica do muitas vezes qualificadas pelos transeuntes
dispositivo” (AGAMBEN, 2009, p. 44). O que e trabalhadores do espaço como impróprias
cabe enquanto pensamento estético, em uma para aquele local por portarem questões que
grande instituição? contariam os discursos hegemônicos das
grandes instituições. Eram imagens, visuali-
A visão arde, a imagem queima, a dades, performances, um conjunto de expe-
estética consome... riências estéticas que habitavam o interior do
museu. Como apontou os próprios represen-
Ressaltada a complexidade deste dispositivo, tantes do museu em carta ao coletivo,
vem de longe a capacidade da arte para levantar
questões que o coloque em posição de descon- Nenhuma instituição museológica brasileira en-
forto, das exposições fechadas por conteúdos frentou no século XXI um processo comparável ao
que provocam ascos nos segmentos político e re- violento sistema de pressão contínua e ascenden-
ligioso a trabalhos que provocam profundas cri- te imposto pelo Grupo EmpreZa ao MAR. Graças à
ses institucionais, como Christo e Jeanne-Clau- abertura conceitual, trajetória intelectual e expe-
de, que em 1969 embrulharam o Museu de Arte riência de vida do diretor cultural do MAR, o pro-
Contemporânea de Chicago e comprometeram cesso foi até aqui negociado e viabilizado. Todas as
todo o funcionamento do museu. A arte, e suas crises vividas na instituição foram tratadas como
experiências estéticas, pode apresentar algum etapas de um processo de amadurecimento políti-
perigo às instituições que a recebam, por sua co do museu e intelectual de seu corpo funcional
capacidade de evocar problemas que fogem às (CONSELHO, 2014, não paginado).
normatizações institucionais, contrariando suas
missões ou não atendendo seus interesses polí- Se foi um trabalho tão impactante para a
ticos. Didi-Huberman (2015a, p. 292) alerta que instituição, certamente foi também para o
a “imagem arde: inflama-se, consome-nos em espectador. Desta relação de cumplicidade,
retorno”. A mesma sentença cabe ao domínio da de quem vê, entre instituição e espectador,
experiência estética. aponto três situações que explicitam traços da
- 161 -
Figura 1 Vila Rica, Serão Performático no MAR. Grupo EmpreZa 2014. Foto: Thales Leite 2014.
- 162 -
Figura 2 Vila Rica, Serão Performático no MAR. Figura 3 Descarrego, Serão Performático no MAR.
Grupo EmpreZa 2014. Foto: Thales Leite 2014. Grupo EmpreZa 2014. Foto: Thales Leite 2014.
tões impactantes sob a escravização no Brasil, emoções que permeiam as experiências es-
aproximou-se uma visitante que já conhecia a téticas, imagens e visualidades. Seria parte
obra de outra ocasião e ofertou ao grupo uma daquilo que preferimos não ver, uma expe-
pedra vinda da África. No trabalho os perfor- riência capaz de mobilizar todos os nossos
mers pisoteiam sangue em uma bacia com sentidos, embaralhar nossas estruturas?
seixos brancos, que acabam vermelhos pelo
sangue. A pedra ofertada pela visitante era No mesmo evento pude presenciar uma si-
a única pedra preta da bacia. Aos poucos, são tuação na qual a experiência estética nos
adicionadas folhas de ouro ao sangue para coloca diante de nós mesmos e nos apresen-
que após o pisoteio se faça uma pintura na ta aquilo que talvez não gostássemos de per-
parede com o auxílio dos pés ensanguenta- ceber. Esta problemática se deu por meio de
dos. Era nítida a comoção por parte do público uma visitante durante o trabalho Descarrego
diante do trabalho, ocasionando a evasão de (2014), no qual a performer tem os cabelos
várias pessoas do local que estavam profun- pregados com grampeador na parede e pre-
damente emocionadas. cisa negociar com esta situação de aprisiona-
mento, arrancando os cabelos com o peso de
Uma emoção que se exprima segundo certas seu corpo durante o trabalho.
formas coletivas será menos intensa e sincera
do que outra? [...] São verdadeiras emoções, mas A visitante, quase aos prantos, me disse que
passam, por sinais corporais – gestos – recon- se sentiu perversa ao assistir o trabalho. Ela
hecíveis por todos: Todas essas expressões co- se descobriu sádica naquele instante porque
letivas, simultâneas, de valor moral e de razão estava gostando de ver o sofrimento alheio.
obrigatória dos sentimentos do indivíduo e do Quando ela se reconheceu em um processo
grupo são mais do que simples manifestações, sádico, propôs a conversa, pois se sentia “trau-
são signos, expressões inclusivas, em suma, matizada” com a descoberta. O que não seria o
uma linguagem (DIDI – HUBERMAN, 2015b, p. trauma nesta ocasião, senão a descoberta por
33 – 34). meio da arte de um aspecto da complexidade
humana, uma descoberta extremamente difí-
Ainda nesta linguagem da emoção apontada cil de se tratar? Não seria, esse choque entre
por Didi-Huberman, outra visitante, durante arte e vida, um exemplo daquilo que deveria
o trabalho, agradeceu ao grupo, se descul- permanecer não visto?
pou e retirou-se da exposição, pois estava
muito emocionada, aos prantos e disse que O recorte que apresento aqui permite um ta-
não mais poderia assistir os outros trabalhos, tear de situações estéticas que, por sua natu-
ela já tinha visto o suficiente, pois se tratava reza, podem inflamar o contexto institucional
de muita “catarse”. E não seria a catarse, em e a visão dos transeuntes, e assim, contrariar
suas várias vertentes, um processo próximo seus discursos hegemônicos ou até mesmo
da purificação? Processo este que por meio suas missões. Tendo em conta a complexidade
da visão que arde tem o poder de impactar das conexões que permeiam as experiências
o corpo, trazer à tona certezas e dúvidas, da estéticas, visuais, imagéticas, entre as insti-
singularidade ao coletivo, provocar modos tuições e o expectador, pergunto: até onde a
de apreensões complexos, um turbilhão de arte pode inflamar nossa visão?
- 163 -
Referências
na proposição da dança contempop. No tra- ram ao espetáculo. Notamos que certas falas
balho artístico Me Kahlo (2015), baseado em e interpretações pareciam intrigadas com
imagens da pintora mexicana Frida Kahlo imagens de gênero, de corpo masculino e fe-
(1907-1954), os dançarinos foram estimula- minino; com gestos, ações e vestimentas de
dos a buscar imagens da referida artista, de homem e de mulher; e com as formas como o
acordo com suas identificações. As imagens espetáculo transgredia e reposicionava esses
foram buscadas tanto em livros, museus e re- corpos, elementos e imagens. Na reflexão
vistas como fotografadas em muros ou baixa- compartilhada pelo grupo constatamos a ne-
das de redes sociais e diferentes plataformas cessidade e a vontade de fazer com que mais
do ciberespaço. pessoas vissem essas imagens-ações, na rua,
em locais públicos e demais espaços urbanos.
Trazidas para o LICCDA, as imagens são es-
tímulos para convocar afetos, experiências, Relacionando essa proposição do grupo com as
memórias e identificações dos dançarinos reflexões de Butler (2012), percebemos o quan-
em processos de improvisação e pesquisa de to as imagens tradicionais de homem e mulher,
movimentos, gestos, ações. Conforme des- legitimadas pela heteronormatividade, podem
creve Berté (2015), nos processos de criação ser vistas como um conjunto de ações perfor-
a dança contempop, instaura-se um procedi- mativas que repetem e confirmam – materia-
mento criativo e pedagógico articulado pela lizam nos corpos – as normas e discursos re-
compreensão triádica da imagem como: ima- guladores de sexo e gênero. Discutindo sobre
gem-artefato cultural (MARTINS, 2007) que como as normas reguladoras do sexo consti-
pode provocar e modificar sensações, expe- tuem a materialidade dos corpos, ou seja, ma-
riências, afetos e imagens-ideias (DAMÁSIO, terializam o sexo do corpo, a diferença sexual
2010) e dar-se a ver como imagens-ações (BI- e o imperativo heterossexual, Butler (2012, p.
TTENCOURT, 2012) do corpo. 18) argumenta que “la performatividad debe
entenderse, no como un ‘acto’ singular y delibe-
Me Kahlo: imagens subvertendo falas rado, sino, antes bien, como la práctica reitera-
e falos fora dos palcos tradicionais tiva y referencial mediante la cual el discurso
produce los efectos que nombra”.
Após as apresentações de estreia do espetácu-
lo Me Kahlo – Sashay Away (2015), no Theatro Sabíamos que não seria uma tarefa fácil, por
Treze de Maio, reunimo-nos para organizar a tratar-se de uma questão que eriça opiniões
continuidade do trabalho. Entre as percepções divergentes e reações violentas já materiali-
e experiências de cada um dos dançarinos zadas nos corpos. Todavia, entendemos que
também foram compartilhados alguns relatos já não se tratava apenas de imagens de Frida
e opiniões de diferentes pessoas que assisti- Kahlo, de uma questão, imagem ou tema ex-
Figura 1: intervenção artística Me Kahlo na Praça (2015). Foto do arquivo dos autores.
- 167 -
ternos a nós. Tratava-se de nossas próprias longe e faziam elogios. Uma das crianças, uma
imagens e identidades convocadas e provoca- menina de aparentemente uns 7 anos de idade
das pelas imagens-artefato de Kahlo; de per- me perguntou “por que tu tá vestido de bichin-
ceber, questionar, ressignificar e exceder as ha?”. Perguntei por que ela achava aquilo e disse
imagens heterossexistas materializadas em que cada um poderia usar a roupa que quisesse,
nós, provocando (des)identificações e confi- que se sentisse bem. Continuei perguntando se
gurações culturais alternativas. ela não me achava bonito daquele jeito e ela me
respondeu que sim.²
Na figura 1, a menina, usando sapatos cor de
rosa, fita o dançarino que usa sapatos de salto A pergunta da menina “por que você está ves-
alto de cor lilás. O coreto da praça foi o espaço tido de bichinha?” nos remete à performati-
cênico, o ponto de encontro de uma menina vidade de gênero discutida por Butler (2012)
e um dançarino de batom e salto alto, tendo no sentido de que, desde a mais tenra idade a
como cenário, ao fundo, um casal beijando-se, educação afetiva e sexual das crianças é re-
um monumento dos dez mandamentos, carros, gulada para a distinção clara do que condiz ao
plantas e outros elementos urbanos. Enten- homem e do que condiz à mulher, quem exce-
dendo a imagem como espaço para interações, de esses limites é “bichinha”. O contraste entre
experiências múltiplas e contraditórias (MAR- shopping e praça também acentua essas ques-
TINS, 2007), percebemos na figura 1 diferentes tões ao deflagrar a mãe que cobre os olhos do
imagens de sexo e gênero, de normas religio- filho para não ver os ‘dançarinos com sapatos
sas que regulam, inclusive, como ser homem e de salto e maquiagem’ em contraponto com a
como ser mulher, possíveis para uns e contradi- menina que, sem qualquer interferência da
tórias para outros. A presença da menina que, mãe, se aproxima do ‘dançarino vestido de
ao fitar o dançarino, passa a compor a cena bichinha’, interage como ele e questiona-o
da/na imagem, pode provocar questionamen- sobre o seu fazer. Vemos aí, elementos do que
tos morais acerca de que imagens podem ser compreendemos como dança performativa,
permitidas às crianças verem, especialmente onde os corpos subvertem suas referências –
àquelas que, desde a tenra idade, se percebem excedem as imagens [de Frida Kahlo] a que se
diferentes do padrão heteronormativo. referem – proferem a si próprios, no contato
com outros corpos.
Ao longo do processo de realização das dife-
rentes versões da intervenção artística Me Frida Kallejera, tu eres drag queen?
Kahlo (em escola, shopping, praça, campus No, soy actor!
universitário, rodoviária), cada dançarino foi
convidado a fazer anotações em um questio- Nossos afetos em torno das imagens de Frida
nário que continha a seguinte pergunta: que Kahlo e o apreço por seus posicionamentos
acontecimentos, fatos, situações, pessoas e/ artísticos e políticos nos levaram a conhecer
ou imagens mais impressionaram/afetaram mais de perto sua história e seu contexto. Em
você nas intervenções artísticas Me Kahlo? janeiro de 2016, em visita à Cidade do Méxi-
Um deles relatou que a praça era o lugar “que co, passeávamos pelo centro, na rua Madero
mais temia realizar a intervenção e foi o mais quando, ao longe, uma imagem familiar cap-
prazeroso”, em contraste com o shopping, turou-nos a atenção.
onde os olhares lhe “pareceram frios/pejo-
rativos” a ponto de uma situação chamar sua Flores adornando seus cabelos, sobrancelhas
atenção: “uma mulher e um menino, possivel- espeças e unidas lembrando a imagem de
mente mãe e filho [...] ela tapou os olhos dele uma paloma negra, trajes de índia tehuana
para que não visse a intervenção”¹. O dançari- de cor azul cobalto, brincos, colares, pulseiras
no também relatou que na praça e demais adornos exuberantes, uma bengala,
paleta e pincel à mão. Porém, traços másculos,
havia muitas crianças, jovens e adultos que ou voz grossa, pomo de adão avantajado... E na
tiravam fotos de longe ou nos paravam e pe- rua? Em frente a um estabelecimento comer-
diam para tirar foto conosco. [...]. Não só as pes- cial? Chamando a atenção dos transeuntes
soas que estavam na praça como as pessoas que para a galeria comercial com piadas e pala-
passavam na rua, a pé ou de carro, acenavam de vras de duplos e outros tantos sentidos. Era
Figura 4: intervenção artística Me Kahlo – Pra não dizer que não falamos das flores (2016).
Foto de Ludmila Almeida.
- 170 -
rando o caráter performativo dessa dança pedagogia da cultura visual. In: MARTINS, R.;
que chamamos contempop (BERTÉ, 2015). Em TOURINHO, I. (Orgs.). Culturas das imagens:
seu caráter performativo a dança contempop desafios para a arte e para a educação. Santa
busca não representar, mas realizar de outras Maria: Ed. da UFSM, 2010, p. 283-309.
formas aquilo a que se refere – as imagens
usadas no processo criativo. · KATZ, H.; GREINER, C. Por uma teoria do
corpomídia. In: GREINER, Christine. O corpo:
Me Kahlo tornou-se uma trama de imagens pistas para estudos indisciplinares. São Paulo:
(artefatos, ideias, ações) que possibilita re- Annablume, 2005. p. 125-136.
pensar modos tradicionais de entender dança
apenas como coreografia. A pesquisa de mo- · KINCHELOE, J. L.; BERRY, K. Pesquisa em
vimento articulada pela compreensão triádica educação: conceituando a bricolagem. Porto
da imagem, conforme propõe a dança contem- Alegre: Artmed, 2007.
pop, visa desinstalar saberes padronizados
de composição coreográfica, representação · MARTINS, R. A cultura visual e a construção
cênica e ensino de dança para mergulhar nas social da arte, da imagem e das práticas do
incertezas e surpresas de processos criativos ver. In: OLIVEIRA, M. O. (Org.). Arte, educação
afeitos às experiências e afetos dos corpos. e cultura. Santa Maria: Editora da UFSM,
Uma dança performativa – trama de imagens, 2007. p. 19-40.
posicionamentos performativos, políticos,
identitários e afetivos – que, a cada processo · SETENTA, J. S. O fazer-dizer do corpo: dança
criativo, reinventa os modos/movimentos/ e performatividade. Salvador: EDUFBA, 2008.
imagens de dar-se a ver nos corpos.
Currículos dos Autores:
Referências
Odailso Berté
· AGAMBEN, G. Elogio da Profanação. In:
AGAMBEN, G. Profanações. São Paulo: Boi- Doutor em Arte e Cultura Visual, Mestre em
tempo, 2007. p. 65-79. Dança, Especialista em Dança, Licenciado em
Filosofia, Professor do Curso de Dança – Licen-
· BERTÉ, O. Dança Contempop: corpos, afetos ciatura da Universidade Federal de Santa Ma-
e imagens (mo)vendo-se. Santa Maria: Ed. da ria, Coordenador do Laboratório Investigativo
UFSM, 2015. de Criações Contemporâneas em Dança (LICC-
DA), Coreógrafo e Pesquisador em dança con-
· BITTENCOURT, A. Imagens como aconteci- temporânea, Autor do livro “Dança Contempop:
mentos: dispositivos do corpo, dispositivos da corpos, afetos e imagens (mo)vendo-se”.
dança. Salvador: EDUFBA, 2012.
Crystian da Silva Castro
· BUTLER, J. Cuerpos que importan: sobre los
límites materiales y discursivos del sexo. Bue- Graduando do Curso de Dança – Licenciatu-
nos Aires: Paidós, 2012. ra da Universidade Federal de Santa Maria,
integrante do Laboratório Investigativo de
· CHURCHLAND, Paul; CHURCHLAND, Patrí- Criações Contemporâneas em Dança (LICC-
cia. Intertheoric Reduction: a neuroscien- DA), coreógrafo e dançarino da Crystian Cas-
tist’s field guide. In: Nature’s Imagination. tro Cia de Dança, bolsista FIEX.
New York: Oxford University Press, 1995.
Andrés Morales Granillo
· DAMÁSIO, A. O livro da consciência: a cons-
trução do cérebro consciente. Portugal, Lis- Bailarino, ator e artista de rua.
boa: Temas e Debates, 2010.
metro 50, seguindo por mais 25 km no ramal das artes aplicadas. E o patrimônio imaterial
de estrada de chão, conferindo-lhe 75 km de constitui-se de "saberes, os ofícios, as festas,
distância da capital. São Pedro dos Bois regis- os rituais, as expressões artísticas e lúdicas,
tra nos documentos cartoriais o ano de 1893 que, integrados à vida dos diferentes grupos
como fundação do povoado vizinho de outras sociais, configuram-se como referências iden-
comunidades quilombolas, com maior proxi- titárias na visão dos próprios grupos que as
midade à comunidade quilombola do Ambé praticam" (Castro, 2008, p.12). Neste interim,
separadas apenas por um rio, conhecido como justifica-se a magnitude do Batuque como
“Igarapé do Inferno”. instrumento de luta e valorização da cultura
imaterial quilombola, instrumentalizada no
As compreensões sobre comunidades quilom- fazer escolar.
bolas contemporâneas1 referem-se às terras A certificação da comunidade São Pedro dos
tradicionalmente ocupadas e reconhecidas na Bois veio acompanhada, ainda no final de
Constituição de 1988 como de propriedades 2005, de projetos vinculados ao Programa
definitivas que devem ser tituladas pelo Es- Brasil Quilombola3, mapeadas pelo projeto
tado como pertencentes aos quilombolas, con- “Comunidades Duráveis”4, expressão que in-
forme decreto 4887/03. Este decreto prevê ao dica referências históricas de ocupações qui-
Estado a responsabilidade direta na identifi- lombolas dos territórios às margens dos rios
cação, reconhecimento, delimitação, demar- Matapi e Pedreira que são importantes re-
cação e titulação das terras ocupadas por re- ferências hidrográficas para a compreensão
manescentes quilombolas. São Pedro dos Bois, dos processos de ocupações de várias áreas
assim como outras comunidades tradicionais, relativas à própria história do Estado do Ama-
tem enfrentado enormes obstáculos para ga- pá. As histórias de formações de comunidades
rantir a titulação definitiva do seu território quilombolas remontam experiências e vivên-
e sofre ameaça em relação à manutenção do cias em circuitos de rios, igarapés, lagos e por-
seu patrimônio natural, sobretudo, as áreas tos como cenários de trocas comerciais, con-
de uso comum2, voltadas ao extrativismo, a fabulações, fontes de alimentos, resistências,
pesca, a pequena agricultura e ao pastoreio. rotas de fugas, recuperados nas narrativas
Da mesma forma, encontra enormes desafios dos mais idosos.
para resgatar e preservar seus patrimônios de
ordem material e imaterial. Conforme Oliveira (2012) o processo de for-
mação histórica do povoado São Pedro dos
Para o Instituto de Patrimônio Histórico e Ar- Bois alude ao encontro de duas mulheres que
tístico Nacional (Iphan), patrimônio material passaram a ser consideradas matriarcas da
define-se como um conjunto de bens culturais comunidade: Gregória, negra vinda da África
de natureza arqueológica, paisagística e etno- na condição de escrava e fugitiva da Fortaleza
gráfica; histórica; artefato das belas artes e/ou de São José de Macapá, e, Ana Mininea Barri-
1 - Almeida (2008, p.48) assinala que: Em 1988 o concei- exemplo é a viabilização de projetos como o “Minha casa,
to de ‘terras tradicionalmente ocupadas’, vitorioso nos minha vida” do Governo Federal, através destes projetos
debates da Constituinte, tem ampliado seu significado, também esta sendo construído um prédio novo para a
coadunando-o com os aspectos situacionais, que carac- escola. Em relação ao programa de moradia do Governo
terizam hoje o advento de identidades coletivas. Este se Federal, a comunidade foi a primeira na região norte e a
tornou um preceito jurídico marcante para a legitimação segunda no Brasil a ser contemplada com as moradias.
de territorialidades específicas etnicamente construídas. Registra Lorena Souza em atividade de campo.
2- O território compartilhado coletivamente entre as 4- Este projeto objetivava elaborar relatórios antro-
famílias quilombolas em São Pedro dos Bois garante a pológicos de caracterização histórica, econômica, am-
reprodução social com atividades de pesca, criação de biental e sócio cultural da comunidade São Pedro dos
pequenos gados, caça de pacas, tatus, veados, antas, ja- Bois organizado pela antropóloga Maria do Socorro dos
buti, dentre outros animais, como também extrativismo Santos Oliveira através da parceria com a Fundação
de palhas, ouriços, cascas e madeiras. As casas de farin- Universidade Federal do Amapá (UNIFAP) / Agência de
ha individuais e coletivas para fabricação de uso comu- Desenvolvimento do Amapá (ADAP). Elaborado em 2012
nitário referendam modalidades de saber, fazer, ser e vinculou-se ao projeto “Comunidades Duráveis” com
criar singulares e práticas de apropriações coletivas e objetivo de incentivar o processo de regularização fun-
comuns das propriedades da natureza em território de diária de seis comunidades quilombolas do Amapá como
uso comunitário. peça anexada a documentação do processo de titulação
com vias aos processos de organizações territoriais das
3- A comunidade de São Pedro dos Bois vem se desta- comunidades quilombolas do Estado.
cando por sua luta, para requerer seus direitos, um
- 173 -
ga, uma portuguesa, fazendeira, proprietária importante das ritualísticas que compõem as
de terras e cabeças de bois na região e em ou- práticas festivas e crenças.
tra região próxima conhecida como Mangaba.
Ana Barriga, conhecida como “Anica Barriga”,
teria se aproximado de Gregória para orga- Batuque e Marabaixo: ancianidade
nizar o povoado e conciliar a criação de bois africana
que também já era praticada pelas famílias
de negros e negras que ocupavam aquelas A história da comunidade São Pedro dos Bois
terras, levando-nos a inferir que o encontro deve ser compreendida a partir de um conjun-
dessas mulheres conflui com um conjunto de to de relações sociais, econômicas, culturais
elementos característicos da história do Ama- e religiosas à medida que as narrativas e os
pá, da história da escravidão negra no Amapá, documentos apontam para práticas de culti-
da história dos processos de domínios e orga- vos, criações, cultos, ritos e mitos singulares. A
nização territorial por grupos de negros e ne- memória histórica manifestada por parte dos
gras alheios(as) a escravidão. quilombolas dessa comunidade recupera e in-
sinua a elaboração de códigos de linguagens
Pode-se então considerar que a adoção de no- específicos pautados nas maneiras de dançar,
mes de “Santos”5 para representar povoados e interagir, falar, saber e viver que povoam as
depois comunidades quilombolas na Amazô- memórias de distintas gerações reveladas por
nia ou mesmo o recebimento de imagens para visualidades em manifestações como o Ba-
serem veneradas em unidades domésticas, tuque – fortemente apropriado como cultura
barracões e depois em igrejas construídas a comunitária ligada a identidade quilombola
partir da fé e trabalho das famílias nem sem- ancestral.
pre tiveram como mediadores membros ofi-
ciais da igreja católica ou a ela correlata. Nas Quando falamos de visualidades nos reporta-
histórias de quilombos encontram-se histó- mos, principalmente, às ideias exploradas por
rias de propagações do catolicismo conforme Martins (2009) referindo-se a um processo
anseios, estratégias e interesses característi- de sedução, rejeição e cooptação que se des-
cos de cada temporalidade e situações sociais envolve a partir de imagens com origem na
específicas elaboradas no interior das crenças experiência visual; e, Nascimento (2011), que
quilombolas. servindo-se dos enunciados foucaultianos,
entende visualidades como interpretações
Em São Pedro dos Bois a atuação Ana Barriga visuais construídas historicamente pelos su-
fez surgir à festividade de São Pedro dos Bois jeitos em diferentes épocas. Que podem ser
sugerindo o nome do povoado e o padroeiro a percebidas como regimes de enunciação vi-
ser adotado. De outra forma, Gregória mani- sual ou os modos como passamos a ver, pen-
festava em seus antecedentes o culto a São sar, dizer e fazer de determinada maneira e
Raimundo como referência as comemorações não de outra. Na compreensão que o batuque
festivas do povoado. Na memória dos mais ido- praticado em São Pedro dos Bois, também, é
sos existem indefinições sobre as preferên- um processo histórico de experiências e inter-
cias, alguns consideram que a inclusão de pretações visuais que se reconstroem na con-
“bois” a festividade de São Pedro serviu ape- temporaneidade a partir de seu legado. Entre
nas para aludir à imagem da fazendeira, ou- as práticas culturais encontradas na comuni-
tros preferem manter a tradição à festividade dade estão às festividades de “Santos” o Mara-
de São Raimundo como principal evento. Em baixo6 e o Batuque com maior ênfase, ambas
ambas as festividades o Batuque encontra-se as atividades reproduzem-se elementos sin-
de forma transversal simbolizando momento gulares da cultura afro-brasileira e "afro-in-
5 - De outro lado, os ritos e práticas religiosas trazidas 6- É uma tradição afro-amapaense festivo/religiosa que
por ambas às matriarcas sinalizam mais uma faceta reúne ciclos geracionais em um período do ano denomi-
a pretensa preponderância do catolicismo divulgado nado de Ciclo do Marabaixo, realizados após a Quares-
como referência de evangelização diretamente atrelado ma e Semana Santa dentro da religião católica (VIDEI-
ao projeto de colonização. A Preparação das festivida- RA, 2009). Sobre o Marabaixo, Silva (2014) sustenta as
des de “Santos” demonstram que na Amazônia a história ponderações do pesquisador Nunes Pereira ao destacar
do catolicismo não pode ser compreendida apenas pelas a dança praticada por mestiços e negros em geografia
missões religiosas, constituições de igrejas, paróquias e bem definida para o Estado do Amapá. Mazagão Velho,
prelazias, ou mesmo, por relações de tutelas ligadas a bairro do Laguinho e antigo quilombo do Curiaú teriam
relações de obediências as realizações de ritos ministra- sido os pontos de encontro desta manifestação cultural
dos por parte do clero secular ou regular. de origem malê ou sudanesa.
- 174 -
7- Estas informações conferem parte do relatório de projeto de iniciação científica “Mapeamento social, di-
pesquisa elaborado por Adrian Kethen P. Barbosa, dis- versidade e territorialidades no Estado do Amapá” ainda
cente do curso de História da Universidade Federal do em processo de registro, sob a coordenação do prof. Me.
Amapá em atendimento as atividades preliminares do Raimundo Diniz.
- 176 -
Em sua organização metodológica o projeto trada entre os quilombolas de São Pedro dos
prescreve relações multisseriadas congre- Bois. A materialização das compreensões sobre
gando discentes do primeiro ao quinto ano e o Batuque dadas por meio da maquete sinteti-
outro bloco, do quinto ao oitavo ano, reunindo za o conjunto de aprendizagens, trocas, repro-
docentes em três etapas: Fase teórica (pesqui- duções e representações sociais manifestadas
sa bibliográfica e etnográfica); Fase prática no fazer escolar e no cotidiano da comunidade.
(oficinas, pesquisas de campo e produções Pois os processos de subjetivações que envol-
artísticas); e, Fase final (culminância dos tra- vem a relação entre a escola e a comunidade
balhos). Durante as fases, alguns trabalhos potencializam-se e expandem-se para fora dos
são realizados com o apoio de instituições não "muros" da instituição propagando-se e consti-
governamentais e profissionais do Programa tuindo-se de outros sentidos que depois voltam
Educacional Mais Educação8. As vestimentas, e adentram novamente na escola em um cons-
os instrumentos, algumas letras de músicas tante devir.
e a ornamentação da escola, são elaboradas,
preferencialmente, pelos discentes e docen- As etapas de elaborações do Projeto Batuque
tes com materiais apropriados da região e a são acompanhadas por diversas estratégias
outra parte é comprada com recurso previsto de apropriações das riquezas socioculturais e
no orçamento da escola. A última fase é a ava- ambientais inerentes à comunidade, traduzi-
liação do projeto feita com a participação de das no desenrolar do processo de culminân-
toda a comunidade escolar. cia através da apresentação do casal cultural,
venda de comidas típicas, declamações de ver-
A maquete (figura 2), confeccionada artesanal- sos, elaborações de letras de músicas, criações
mente, exposta no espaço escolar, reproduz ca- de ritmos, percussões e danças devidamente
racterísticas singulares do Batuque ao sugerir ensaiadas. As elaborações conferem momen-
movimentos de roda, usos de instrumentos e tos de sociabilidades, interações sociais, com-
vestimentas cuidadosamente confeccionadas, panheirismos e laços de solidariedades, como
reforçando visualidades, corporeidades e ma- também atenuações de situações de conflitos
nifestações étnicas, características de grupos mediadas por decisões coletivas.
quilombolas. A diversidade de cores e a for-
mação de um grupo referendam aspectos da Estes momentos de sociabilidades que trans-
cultura negra comunitária facilmente encon- bordam o espaço da sala de aula e promove a
8 - Programa Federal que tem por finalidade contri- lescentes e jovens matriculados em escola pública, me-
buir para a melhoria da aprendizagem por meio da diante oferta de educação básica em tempo integral (DE-
ampliação do tempo de permanência de crianças, ado- CRETO Nº 7.083, DE 27 DE JANEIRO DE 2010).
- 177 -
Figura 2 - Maquete reproduzindo o “Batuque” em São Pedro dos Bois – Artefato usado como decoração
do espaço escolar. Fonte: Atividade de campo, 2015, arquivo dos autores.
interação com a comunidade (figura 3) pres- Os mais idosos participam do processo quando
creve valorização de outros sujeitos entre reproduzem comportamentos e narrativas com
quais os idosos são incluídos pela importância vias a recuperar da história da cultura local, co-
da memória viva para a preservação da cultu- munitária e familiar. Tais condições refletem
ra. Os conteúdos trabalhados são apropriados ajudando-os a se posicionar como quilombolas
e os temas referendam situações sociais en- nos discursos engendrados, ou seja, aqueles
contradas no desenrolar das narrativas, nas construídos, idealizados ou inventados e disse-
visualidades do fazer escolar, da vida comuni- minadores de relações históricas, de práticas
tária, do modo de vida singular em reciproci- concretas e vivas. Amplamente problematiza-
dade e diálogo com a natureza viva, dançada, dos por Foucault ao compreendê-los para além
cantada, partícipe do processo de formação de uma "estreita superfície de contato, ou de
educacional. confronto, entre uma realidade e uma língua,
[...] mas como práticas que formam sistemati-
Figura 3 – Integração entre escola e comunidade no Projeto Batuque. Fonte: Atividade de campo,
2015, arquivo dos autores.
- 178 -
camente os objetos de que falam" (FOUCAULT, mais nos damos conta de que ainda se tem
1986, p.56). Portanto, o fazer escolar, por esse muito a saber.
prisma, se atina a cultivar noções de perten-
cimento e liberdade política para poder “dizer Continuar ouvindo as narrativas contadas por
sobre si”, sobre sua comunidade e assegura- moradores de todas as idades, encadeadas
rem lutas por direitos e valorização da cultura, por diversos pontos de vista, acessar narra-
identidade e território quilombola. tivas escritas e imagéticas, comparar dados
e cruzar informações nos possibilitará novas
As práticas artísticas são comumente empre- percepções sobre o contexto demarcado por
gadas nas realizações de projetos escolares, temporalidades distintas, que se coadunam na
principalmente quando estes estão relaciona- cotidianidade da comunidade. São pistas que
dos com questões culturais, dando aos profes- nos fazem questionar: como são as estratégias
sores(as) e alunos(as) a grande responsabilida- de resistências dessa comunidade remanes-
de de pensar, planejar e executar o processo cente de quilombos para serem reconhecidos
de ensino e aprendizagem com perspectiva de fato e de direito? Como os moradores se per-
interdisciplinar. Mais que um fazer/discurso cebem no duplo de sujeito ativo e/ou passivo
mecanizado, a dinâmica da interdisciplinari- dessa história? Que outras práticas escolares
dade evoca práticas de trocas múltiplas e di- visam articular os saberes da cultura local com
versificadas entre todas as áreas do currículo as demandas do currículo escolar? Na dinâmi-
escolar, articulando-as em a favor do tema ge- ca das relações de poder, como a comunidade
rador, no caso apresentado, o Batuque. atua politicamente no cenário contemporâ-
neo? Essas e outras perguntas nos mostram a
Neste estudo, o Batuque é concebido como impossibilidade de esgotamento do tema.
dispositivo educativo, tal como discute Jorge
Larrosa (1994), ampliando o seu sentido peda- O engajamento de grupos comunitários e pes-
gogicamente para além do controle do currí- quisadores sobre a cultura afro-brasileira
culo, tido como regimes hierárquicos de saber tem dado maior visibilidade às necessidades
e poder. É compreendido como entidade que da preservação do patrimônio cultural local e
constrói e medeia a relação do sujeito consigo sobre como esse conjunto tem se incorporado
mesmo. Para o autor, "um dispositivo peda- ao patrimônio nacional, configurando novos
gógico será, então, qualquer lugar no qual se espaços de luta política e de afirmação da he-
constitui ou se transforma a experiência de rança africana na formação cultural do Brasil.
si. Qualquer lugar no qual se aprendem ou se Falar sobre como as africanidades se desdo-
modificam as relações que o sujeito estabe- bram e permeiam a cultura amapaense é uma
lece consigo mesmo" (LARROSA, 1994, p. 57). necessidade afirmativa também, que podem
Ou seja, o batuque, dentro ou fora das práticas revelar importantes facetas históricas nos
escolares é uma entidade repleta de ensina- permitindo confrontar e analisar diferentes
mentos e aprendizagens que confluem para o modos de ver, dizer, pensar e agir no tocante
autoconhecimento e o conhecimento do outro, as comunidades quilombolas do Amapá. Con-
construindo processos dinâmicos de subjeti- sideramos a comunidade São Pedro dos Bois
vação e alteridade que se desenvolve em solos um campo profícuo de saberes para reflexões
férteis de tensões. e aprendizados sobre como a educação for-
mal, com todas as suas áreas de ensino, em um
Considerações finais exercício inter e transdisciplinar, pode ser um
alargamento do cotidiano comunitário e vice
No movimento cadenciado do corpo, ao som versa. Em uma interação rica de possibilidades
forte do tambor, acompanhado por vozes me- que podem se expandir para além das territo-
lodiando bandaias de Batuque as gerações rialidades locais.
das matriarcas Ana Barriga e Gregória falam
de situações do cotidiano e de temas religiosos Referências
revelando pistas de um discurso engendrado
por relação de poder, resistência e ancestra- · ALMEIDA, A. W. B. Terra de quilombos, te-
lidade afro-brasileira. Nossas considerações rras de indígenas, “babaçuais livres”, “cas-
finais são notas que revelam interesses de tanhais do povo”, faixinais de fundo de pas-
continuar investigando sobre as singularida- to: terras tradicionalmente ocupadas. 2 Ed,
des da cultura do Batuque na comunidade São Manaus: PSGCA / UFMA, 2008.
Pedro dos Bois e seus desdobramentos como
prática social, pois quanto mais conhecemos, · CASTRO, M. L. V. de. Patrimônio imaterial no
- 179 -
visão crítica das noções fixas e conservadoras de relación entre proceso y producto).
identidade cultural, conduz os estudantes e os
professores a enfrentar assuntos sensíveis sobre
religião, raça, gênero, sexualidade e excepciona- La acción de preguntar. Recogiendo
lidade e por tanto a uma revisão das próprias es- la voz del otro.
truturas mentais. (Dias & Fernández, 2013, 146)
La entrevista, con sus inevitables derivas, con
El eje es para estas modalidades de trabajo la sus enriquecedoras derivas me permitió una
relación, el proceso, los ámbitos de creación aproximación a integrantes de editoriales
colectiva, el intercambio. Hacer con los otros. que desde territorios distantes se dispusieron
Ser con los otros. Rescatar esos espacios de a colaborar con mi deseo de atisbar algunos
acuerdo y disenso para revisitar la reflexión recorridos posibles, algunos bocetos de poten-
pedagógica crítica, a punto de partida de in- ciales respuestas a mis preguntas, entre ellas
vestigaciones que proponen las prácticas de selecciono y consigno dos que se vinculan al
educar como espacios para el movimiento recorrido que propongo para este artículo:
de los afectos, para desnaturalizar aquello
que ha sido institucionalmente naturalizado -¿Cómo favorecen los espacios de trabajo colec-
y para revitalizar la noción del saber, como tivo o instancias que potencien el intercambio
construcción colectiva. de aportes que cada participante puede hacer?
Ese movimiento hacia las prácticas y procesos
como focos de la cuestión de lo artístico, per- -Los textos tienen autores, sus nombres son con-
mite correr el énfasis del producto a la cues- signados en los libros ¿qué pasa con los nombres
tión del funcionamiento colectivo: ¿quiénes?, de los autores de las tapas? ¿Aparecen? Si deci-
¿cómo?, ¿bajo qué acuerdos? Las editoriales dieron que aparezcan ¿por qué? Si tomaron la
cartoneras proponen entonces, en términos decisión contraria ¿qué motivó la misma?
generales, modos de aproximación a modelos
de aprendizaje colectivos. Siguiendo a Martí- A la primera pregunta las editoriales hasta
nez Boom: este momento entrevistadas proponen lo que
doy en llamar diferentes niveles de participa-
Pensamos el saber como un espacio, el espacio ción, el núcleo duro compuesto por un peque-
más amplio y abierto del conocimiento, donde se ño grupo de participantes, dos o tres, que de
localizan discursos de distintos niveles, desde forma estable y continua deciden el rumbo de
los más informales hasta los más sistemáticos. las políticas editoriales. Un colectivo más am-
Son las prácticas las que engendran el saber y plio, de colaboradores, de invitados, de simpa-
con ellas aparecen nuevos objetos, conceptos tizantes se acercan a los talleres de produc-
y técnicas, pero también produce alteraciones ción de libros, y pintan tapas, cortan cartón,
que inventan otras subjetividades. La cuestión leen o ponen broches para unir las páginas de
del saber es también una incertidumbre […] los libros, o las cosen. Pero durante esa acción,
Por ello, el asunto es estrictamente histórico, hablan sobre sus vidas, charlan con los auto-
es decir, ¿cómo se forman dominios de saber res de los libros o discuten sobre la situación
a partir de prácticas sociales? El mismo sujeto del país. El libro es una herramienta política, y
de conocimiento posee una historia o, más cla- también lo es el encuentro, no en vano “Eloísa
ramente, la verdad misma tiene una historia. Cartonera” durante su participación en la 27ª
(Martínez Boom, 2010, 115) Bienal de São Pauloi, no sólo exhibía sus libros,
sino que invitaba a hacerlos. Porque como
Proponer trabajar con los relatos que constru- proponía Otitica sobre las obra abierta:
yen los colectivos de editoriales cartoneras en
América Latina supone entonces expandir, o As qualidades, o valor em suma que a carac-
por lo menos problematizar algunas nociones terizam como experiência do homem ou uma
asociadas a los campos disciplinares del arte y proposição para o homem, ou as duas, que em
la educación, al hacer visible cómo las modali- geral acontece, e em que desemboca o sentido
dades de trabajo que proponen las editoriales dela, não interessam em si como puro esteticis-
cartoneras sirven como modelo de abordaje mo, como deleite do intelecto, mas como susten-
de algunos problemas clave del arte contem- tação para a comunicação e para a participação.
poráneo (autoría, prácticas colaborativas, la (Oiticica, 1969, 69)
Esa relación de participación, habilita en este he propuesto más bien proponer aproximar-
caso implicarse en el proceso de creación, nos in media res más que ofrecer la historia
asumir una posición activa, actuar sobre la ab ovo. Es un fragmento, expuesto también
producción del objeto. Esa relación de parti- fragmentariamente, a la espera de que vaya
cipación habilita también subvertir los roles, aumentando densidad a medida que continúa
ponerlos en constante movimiento, no están el proceso investigativo.
prefijados ni son inamovibles.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Respecto de la segunda pregunta que realiza-
ra, acerca de la autoría como seña, como mar- · DIAS, Belidson y Tatiana Fernández (2013)
ca, como atribución y reconocimiento existen “Mapas de interseções na educação em visua-
posiciones diversas; y son diferentes en re- lidades: Evento artístico como pedagogia” En:
lación al texto o la imagen. Quien produce el VISUALIDADES, Goiânia v.11 n.2, julio-di-
texto tendrá su nombre consignado en la tapa, ciembre 2013. pp. 137-161.
podrá tener lectores que lo busquen, lo colec-
cionen, lo reconozcan. En lo que respecta a la · FOUCAULT, Michel (1998) ¿Qué es un au-
realización de las tapas, estas cobran un ca- tor?, Córdoba, Litoral.
rácter colectivo, en algunos casos de absoluto
anonimato. En una de las editoriales entrevis- · GÓMEZ, Pedro Pablo y Mignolo Walter (2012)
tadas se propone que el arte de tapa supone Estéticas decoloniales, Bogotá, Universidad Dis-
un acto de desprendimiento, de juego, porque trital Francisco José de Caldas.
lo que importa en definitiva es la literatura.
En otros casos se consignan los nombres de · MARTÍNEZ BOOM, Alberto (2010) “Alte-
todos los que han participado en la jornada raciones diluciones en la educación de hoy”
de confección de las tapas, y en algunos casos En: Graciela Frigerio y Gabriela Diker Comp.
hay artistas que las firman, pero claro, son (2010) Educar: saberes alterados. Paraná. Edi-
artistas, consagrados, o que viven de su pro- torial Fundación La Hendija pp. 113-134
ducción como artistas. ¿Y qué sucede con los
que no se autodenominan artistas? ¿En qué · OITICICA, Hélio. “A obra aberta” Cadernos
lugar queda su ser autores de algo? No bus- Brasileiros, Rio de Janeiro, v.11, n.53, mayo/jun.
co tomar posición, es definitivamente muy 1969. p. 69
pronto, pero sí propongo plantear el proble-
ma. Parafraseando a Foucault (1969): ¿Cómo
circula, se apropia o ha llegado un discurso a VALERIA LEPRA
existir? ¿Cómo el “quién” del autor se ve des-
plazado ante lo dicho/escrito? ¿Qué funciones Lic. en Artes Plásticas y Visuales por UDELAR.
del sujeto se habilitan para quiénes? Ante la Diploma en Educación, imágenes y medios por
producción de discursos de diferente orden, FLACSO y estudiante de la Maestría en Educa-
no importa quién dice, sin embargo parecen ción Artística de la UNR. Docente del Depar-
existir autorías sacralizadas que deben ser tamento de las Estéticas del IENBA. Partici-
señaladas, que son más autorías que otras, y pación en proyectos de la CSE, CSIC y CSEAM.
no puedo evitar pensar en Orwell, y recordar Exhibición en las ediciones 54 y 56 del Premio
el mandamiento de Rebelión en la granja. Nacional de Artes Visuales, EAC y Centro de
Quizás sea una asociación excesiva, sin em- Exposiciones Subte como integrante del Co-
bargo ilustra la cuestión de que no hay corri- lectivo Interrupciones.
mientos totales, existen varios modos de pro-
poner el trabajo en colaboración, hay ciertos
movimientos, ciertas inestabilidades, pero no
alcanza aún para pensar en modos de produc-
ción netamente colectivos, donde el resultado
no sea atribuible a una persona, donde despla-
cemos el quién por el qué o el cómo.
Consideraciones finales.
Streets are saying things – Introducción CERTEAU, 1988: 93). Es decir: no se producen
transformaciones a no ser por la agencia (ac-
Reclamos políticamente comprometidos, ex- ción) y por las tácticas de territorialización,
teriorizados simbólicamente en expresiones que sugieren cartografías visuales de resis-
efímeras que crean agregaciones coherentes tencia política, con las marcas (materialida-
no obstante su temporalidad, y narran un tipo des) de las intervenciones en el espacio.
de resistencia.
La investigación considera la emergencia de
El presente trabajo se realiza con base en la una resistencia visual construyendo narra-
propuesta de Michel De Certeau sobre el arte tivas en el espacio público a través de inter-
del decir que “produce efectos, no objetos” (DE venciones estéticas relativas a la represión y
CERTEAU, 1988: 79), llevado a cabo por equili- violencia, que denuncian y cuestionan en ese
bristas (tightrope walkers) que se ejercitan a sí espacio de inscripción y representación sus
mismos en hacer visibles las estrategias (ins- aspectos de una conducta a seguir - y la homo-
tituidas por el conjunto “oficial” de relaciones, geneización - para presentar un reclamo y re-
o las conductas en el espacio público), e intro- cuperar la memoria sobre dos casos de desa-
ducir sus tácticas de resistencia cotidiana: las pariciones forzadas en democracia, ocurridos
maneras de operar que “reapropian el espacio en La Plata, 2006 y en Rio de Janeiro, 2013.
organizado por técnicas de producción socio-
cultural” (DE CERTEAU, 1988: xiv). Tomando como referencia de análisis los
enunciados en las imágenes, proponemos
Todas las actividades realizadas en el espacio desarrollar una exploración de las visualida-
público lo conforman desde ser un espacio de des e identificar cómo las desapariciones de
desarrollo de las formas propias de aprendi- Jorge Julio López y de Amarildo de Souza son
zaje y sociabilidad. Sin embargo, en las estra- abordadas y representadas; analizaremos los
tegias de asignar una dimensión líquida de las modos en que los productores de dichas vi-
dinámicas urbanas, estas circulan, se mueven, sualidades las utilizan como un proyecto crí-
se estancan, y diluyen el flujo sin modificar un tico-político de tensiones y reivindicaciones,
estado de cosas, impugnar condiciones del que develan su compromiso y su resistencia
presente, incidir y transformar. contra las fuerzas dominantes que constru-
yen al espacio ordenado y vigilado.
Según De Certeau (1988) en “la red de éstos en
movimiento, los escritos que se cruzan com- Con esta nueva percepción que resignifica al
ponen una historia múltiple que no tiene ni espacio público, indagamos en torno a cómo la
autor ni espectador, en forma de fragmentos producción de Street-art1 sobre ambas desa-
de trayectorias y alteraciones de espacios: pariciones desarticula los términos de lo polí-
en relación a las representaciones, se man- tico y los clarifica en una visualidad con el fin
tiene a diario y de forma indefinida otra.” (DE de cuestionarlos, de expresar la disidencia, y
Foto de la autora, Rio de Janeiro – Foto del Coletivo Projetação, Rio de Janeiro –
año 2010 (stencil en pared, SDA) año 2013 (video-proyección, Colectivo Projetação)
- 187 -
Imagen de internet (SDA), Argentina – Foto de Javier del Olmo, Argentina – años 2007-
año desconocido (stencil, SDA) 2010 (intervención en valla publicitaria,
Javier del Olmo)
efímera2, se logra la comunicación -en palabras (DIDI-HUBERMAN, 2014: 113). Desde nuestro
benjaminianas- como un recuerdo que relam- punto de vista, creemos por tanto que la ima-
paguea en un instante de peligro, y desenca- gen del desaparecido funciona como marca
dena la reflexión crítica que puede ascender al de la presencia ausente o de la ausencia pre-
desarrollo de acciones, fuera de las estructuras sente, al mostrar lo inexpresable3 interpela al
políticas formales. transeúnte y los pone en situación de mirados
aquellos que -a causa de la estrategia de fun-
Sobre lo expuesto, Georges Didi-Huberman dar la permanencia en el olvido o en enajena-
(2014) habla del poder de la experiencia y de miento- no quieren ver la continuidad de la
la memoria involuntaria en la mirada crítica, máquina represiva, en la democracia.
y nos habla -en una interpretación benjami-
niana- de “una imagen que critica nuestras El desaparecido fue ausentado mediante
maneras de verla en el momento que, al mi- violencia. Queda un rastro de su existencia,
rarnos, nos obliga a mirarla verdaderamente. representada en la visualidad; un resto, una
Y a escribir esa misma mirada, no para “trans- huella, un vestigio de lo inexpresable, que lo
cribirla” sino ciertamente para constituirla.” semantiza con posibilidad de acción crítica. En
2 - Por ejemplo, las intervenciones reemplazando pu- 3- La representación de la ausencia en el arte, según
blicidades, dónde lo que prima es la oportunidad de Eduardo Grüner tiene un concepto kantiano del subli-
traspase que las altera y re-inscribe sentidos, y es una me: “es la expresión de lo inexpresable, la representa-
intervención efímera en función del deterioro o de la ción de lo irrepresentable, más aún: la presentación (o
re-ocupación espacial en las vallas de publicidad. la presentificación) de lo impresentable.” (GRÜNER,
2001: 24).
- 188 -
Foto del Coletivo Projetação, Rio de Janeiro – año 2013 (video-proyección, Coletivo Projetação)
Foto de Pablo Russo, Argentina – año Imagen de André Buika, São Paulo – año 2014
desconocido (stencil en espejo, SDA) (diseño para sticker/stencil, André Buika)
4 - Puesto que consideramos la web como un espacio ciones estéticas efímeras, igualmente sujetas tanto a la
público, también mencionamos la imagen electrónica reproductibilidad y la posibilidad de manipulación como
como registro y/o producción y circulación de interven- a la vigilancia y censura.
- 189 -
Imagen de internet (SDA), Argentina – año Foto Leo Ramos, Argentina – año 2009 (inter-
desconocido (pancartas con stencil) vención con sticker en ventanilla de ómnibus,
cajas de resonancia para la protesta. En este turbación sobre lo ocurrido: “a ditadura aca-
sentido, las inscripciones “Sin López, no hay bou?”, “sin López no hay justicia”, “somos
nunca más” y “Somos todos Amarildo” resultan todos Amarildo”.
de un abordaje crítico y creativo desde la com-
plejidad de un espacio devenido político, no Al mirar las representaciones de la ausencia de
institucionalizado, y la agencia en la produc- Julio López y Amarildo de Souza, el relato más
ción cotidiana, individual y colectiva, anónima corriente en las visualidades es la permanen-
y autónoma, de acciones de disidencia y for- cia de la represión vía mecanismos de poder y
mas de representar resistencia en prácticas la fuerza policial, que recurre a las mismas ac-
que subvierten el orden y logran la agitación, ciones de un período pasado de configuración
desde la irreverencia de sus tácticas. de Estado – dictatorial – y sus políticas5.
5 - Señalamos que hay un tiempo subjetivo subyacente 6- Así como también en el simular del cuerpo, a ejemplo
puesto que estos eventos están relacionados con una del Siluetazo, y en este sentido consideramos el hecho
práctica de la desaparición forzada de personas, la de que un cuerpo pueda haber servido de modelo y es-
violencia (tortura y muertes) y violación a los derechos cala para elaborar las siluetas.
humanos establecida durante la última dictadura, que
40 años después todavía sigue sin resolver y generan-
do más víctimas, más ausentes, más preguntas (dónde
está) y más afirmaciones (falta).
- 190 -
Roberta Rodrigues
RESUMO RESÚMEN
O papel da arte de transformar a realidade ins- El papel del arte de cambiar la realidad provo-
tigou a pesquisa proposta para o Programa de có la investigación propuesta para el Programa
Pós-graduação em Arte e Cultura Visual da FAV/ de Pos-graduación en Arte y Cultura Visual de
UFG, com início em 2016. A escolha de Monte- la FAV/UFG, con inicio en 2016. La elección de
vidéu para o estudo de campo se deu em razão la ciudad de Montevideo para el desarrollo del
da relação pessoal com uruguaios que integram estudio de campo se dio por razón de la relación
coletivos responsáveis por intervenções visuais personal con uruguayos que integran colectivos
pela cidade. As visualidades produzidas pelos responsables por intervenciones visuales en la
coletivos escolhidos para a interação na pesqui- ciudad. Las visualidades producidas por los co-
sa serão o corpus do estudo, porém, ele não exis- lectivos elegidos para la interacción en la inves-
te de forma isolada, por isso, o processo comuni- tigación serán el corpus del estudio, él no existe
cacional e histórico envolvido na criação desse de manera aislada todavía. El proceso comuni-
sujeito é de fundamental importância, assim cacional e histórico involucrados en la creación
pode-se configurar a narrativa existente, forma de este sujeto es de fundamental importancia,
artesanal de comunicação, e conformar comple- así se puede configurar la narrativa, forma ar-
ta e verdadeiramente o estudo de visualidade tesanal de comunicación. Mencionado proceso
pretendido. A inter-relação dos elementos que existente conforma completa y verdaderamen-
conformam o viver da sociedade está em jogo; te el estudio de visualidad pretendido. La in-
o trânsito entre os contextos culturais de trans- ter-relación de los elementos que conforman el
missão e recepção de ideias através das visua- vivir de la sociedad es lo que se plantea; el trán-
lidades produzidas pelos grupos/movimentos sito entre contextos culturales de transmisión y
sociais formam redes. Porém, quais discursos recepción de ideas, tras las visualidades produ-
procedem da cultura visual nas ações estuda- cidas por los grupos/movimientos sociales, crea
das dos movimentos sociais? Que processos his- una red de inter-conexión. Sin embargo, ¿cuáles
tóricos nos ajudam a contextualizar as ações e a podrían ser los discursos de la cultura visual que
própria existência dos grupos sociais? Em que explicarían las acciones estudiadas de los movi-
instâncias essas ações agem? Esses questiona- mientos sociales?, ¿qué procesos históricos nos
mentos nos movem em direção às fontes produ- auxilian a contextualizar las acciones y la propia
toras de saberes: os movimentos sociais. Essas existencia de los grupos sociales?, ¿en qué casos
perguntas nos fazem ir além, imbricar-nos no estas acciones actúan? Estos cuestionamientos
mundo da produção, conhecermos as ideias an- nos llevan en dirección a las fuentes generado-
tes da tinta se espalhar, os interesses, as angús- ras de saberes: los movimientos sociales. Estas
tias, os desejos, para depois, tomarmos a ponte preguntas nos hacen ir más lejos, nos hacen im-
que nos levará para o estudo da receptibilidade. bricar en el mundo de la producción; conocer las
ideas antes de la propagación de la tinta, los in-
tereses, las angustias, los deseos, para después,
seguirnos en el puente que nos llevará para el
estudio de la receptibilidad.
- 194 -
Es obvio que no todas las imágenes, objetos y ar- lando-as, contextualizando os autores envol-
tefactos que portan o median la imagen visual vidos na produção e na recepção, percebendo
pueden considerarse parte de un proyecto de a permeabilidade, intenções, legitimações,
cultura visual. Por esto, un proyecto respecto a resistências, entrecruzamentos e interesses,
la construcción de repertorios de cultura visual se tornou o caminho a seguir. Estudar a am-
en una ciudad tiene una necesaria relación con plitude dos produtos/produções no campo da
aquellos entornos que refieren, esencialmente, cultura visual, dos movimentos sociais e dos
las identidades, en este caso, de los ciudadanos contextos educacionais das visualidades que
de Montevideo. (MIRANDA, 2014, p. 18). nos deparamos ao andar pelas ruas da capital
uruguaia nos faz continuar o caminho.
A proposta de pesquisa, problemas, objetivos
e possibilidades metodológicas apresentadas Visualidades, entendidas aqui como imagem,
neste artigo são frutos de sementes germina- peças, itens, elementos, artefatos visuais, não
das em um caminho trilhado numa disciplina simplesmente representam ou ilustram con-
chamada Arte e Visualidades Populares, no ano textos ou situações, mas simbolizam vivências
de 2015, na Faculdade de Artes Visuais da Uni- e carregam significados de vida. A pesquisa
versidade Federal de Goiás, conduzida pela Dra. dos produtos, dos autores, dos receptores, das
Lêda Guimarães. Nesta disciplina foi realizado condições de produção, de recepção, de supor-
um trabalho de produção de textos a que foram te permite possibilitar cruzamentos de contex-
sendo gerados a partir de imagens de festas tos sociais e de produções de significados, de
populares desalojando os sentidos já fixos de re- identidades dos coletivos e, como expressam
presentação identitária locais. As inquietações Irene Tourinho e Raimundo Martins (2013), de
geradas pelo exercício com imagens naquele transformar as experiências culturais.
ano, instigaram a continuação para a proposta
de pesquisa ora relatada, porém, em um contex- As visualidades produzidas pelos coletivos es-
to não de festa, mas de resistência popular, não colhidos para a interação na pesquisa serão o
no Brasil, mas no Uruguai. corpus do estudo, porém, ele não existe de for-
ma isolada, por isso, o processo comunicacional
Estudar frases desenhadas em muros na ci- e histórico envolvido na criação desse sujeito
dade de Montevidéu, registrando-as e compi- é de fundamental importância, assim pode-se
- 199 -
Montevidéu, o menor dos 19 departamentos Uma das premissas básicas a respeito dos mo-
que compõem o país, abriga a capital da Repú- vimentos sociais é: são fontes de inovação e
blica e concentra, com dados do Instituto Na- matrizes geradoras de saberes. Entretanto, não
cional de Estatísticas (2012), 40,14% da popu- se trata de um processo isolado, mas de caráter
lação total uruguaia, sendo 98,94% urbana, o político-social. Por isso, para analisar esses sa-
que equivale a 1.305.082 pessoas, das quais, beres, deve-se buscar as redes de articulações
104 são oficialmente moradores de rua. que os movimentos estabelecem na prática co-
tidiana e indagar sobre a conjuntura política,
Indo além, explorando mais que dados geo- econômica e sociocultural do país quando as
gráficos e populacionais sobre o país, podemos articulações acontecem. (2011, p. 333).
adentrar no tema dos movimentos populares
e das lutas sociais que, conforme Moreira Logo, a busca por esses saberes implica em
(2010), a partir de 2007 tiveram polarizações uma busca pelo contexto em que as ações
sociais de grande marca oriundas dos próprios promovidas estão inseridas, as vontades, as
apoiadores do partido Frente Amplio. receptividades das visualidades, razões desse
estudo, e a busca, conforme Aldo Victorio Fil-
Para entender melhor a constituição dos mo- ho e Marcos Balster Fiore Correia (2013), pe-
vimentos sociais atuais no Uruguai e aclarar las relações construídas nas tessituras da pro-
a que esse trabalho pretende vir, nos valemos dução da imagem e as marcas provocadas em
das explicações de Moreira (2010) que con- quem as absorve, os modos de ver, que podem
textualiza a situação política, econômica e até refazer e reconfigurar em muitas manei-
social onde, a partir de 1970, o Estado social ras as intenções dos autores, já que
iniciado no governo de José Batlle y Ordóñez
causa rupturas nas necessidades básicas da La construcción de las identidades culturales en
população e abre brechas de desigualdades las ciudades se implica con las manifestaciones
sociais. Dando um salto para 2007, chegamos y producciones que concentran, fundamental-
ao momento em que movimentos sociais, am- mente, elementos de valor estético –sean éstas
bientalistas e centrais únicas de trabalhado- producto de los lenguajes del arte, sean otras
res se reúnem pela capital uruguaia para pro- vinculadas a la cultura popular, a los medios
testar contra as políticas adotadas pelo chefe masivos de comunicación, a las corporaciones, a
do Executivo, onde afirmam, os grupos sociais las expresiones callejeras más espontáneas o a
e os grupos apoiadores do próprio partido no formas regladas de modificación del espacio ur-
poder, que o governo “se había prestado a la bano –, y esto es fundamental para la selección y
- 200 -
cador popular [es la] de comprender las formas presentativa dos contextos, mas a estrutura
de resistencia de las clases populares [...]. No es do acontecimento.
posible organizar programas de acción políti-
co-pedagógica sin tomar seriamente en cuenta As fronteiras onde perambulam os discursos
las resistencias de las clases populares. (1996 do cultural territorializa contrastes, compa-
apud Díaz; Díaz, 2011, p. 4). rações e assimilações que negociarão dentro
de culturas diferentes novos passos a pro-
Para refletirem, afinal, que cessos sociais (VICCI, 2007); Na mesma pers-
pectiva que Gonzalo Vicci discorre sobre os
Las acciones colectivas más o menos organi- caminhos para análise das culturas contem-
zadas [...] incluyen y adoptan a la educación porâneas, ousamos a aproximação ao discurso
popular como metodología de trabajo grupal y de Irene Tourinho e Raimundo Martins onde
estrategia de funcionamiento interno. El auto- “A pesquisa em cultura visual estuda “visua-
conocimiento de los sujetos (como lo sugiere Sa- lidades” e artefatos visuais compreendidos
lazar) ha mejorado la autocrítica y el resultado através de situações e circunstâncias de cons-
de las acciones. (DÍAZ & DÍAZ, 2011, p. 6). tante conflito [...]” (2013, p. 64), resultando no
encaminhamento de estudo de fatias e as-
Aldo Victorio Filho e Marcos Balster Fiore Co- pectos de culturas, onde as imagens mediam
rreia (2013) englobam toda produção visual significados e cada interpretação é um visão
caracterizadora de um grupo social produtor de pensamento do indivíduo, um pedaço sub-
e consumidor, cuja lida, atravessamento e jetivo de uma realidade, de um contexto e de
atingimento de determinadas imagens nesse uma comunidade.
grupo gera a vivência das decorrências desse
contato à cultura visual. Os autores seguem Quando Aldo Victorio Filho e Marcos Bals-
afirmando que “A pesquisa na cultura visual ter Fiore Correia exploram as explicações
buscaria elucidar questões afetas ao uso, inte- de Chauí (1997) sobre o pensamento aristo-
ração, criação e demais relações com as ima- télico postulante das cinco modalidades de
gens visuais [...]” (2013, p.51), quando essas imaginação para deflagrarem possibilidades
são também charadas em razão da expansão metodológicas de pesquisa em/com imagens,
do entendimento dos contextos a que estão destacamos a observação que os autores
vinculadas. Veja bem, elas não são a capa re- fazem da imaginação irrealizadora, a qual, na
sequência, dialoga com a figura 10, Esquema FILHO, 2016) na “experiência estética como
de investigação: prolongamentos que provocam encontros”
(MARTINS, 2016), nos fazem propor novos
Deslindar as potências e os efeitos das imagem caminhos de exploração: quais são as frontei-
exige, reiteramos, a estreita observação dos ras onde essas produções estão? Quais são os
sujeitos que as criam e das condições e proje- fatores geradores nessa cultura visual? Qual a
tos a que se vinculam, bem como dos sujeitos relação entre imagem e pensamento(s)? Como
a que elas são oferecidas e das maneiras como eu e tu olhamos para essas imagens/visuali-
são consumidas, utilizadas ou fruídas, pois, de- dades? Como eu e tu interagimos com elas? O
pendendo das práticas, frequência e demais que não conseguimos ver? Como e quais pro-
relações com o mundo imagético, o modo de ver cessos de mediação acontecem das ideologias
interage em menor ou maior grau na elaboração de quem produz para quem é atravessado/
de cada imagem que encontra. (VICTORIO FIL- fruído/fluído pelas imagens produzidas nesse
HO; CORREIA, 2013, p. 55). estudo de cultura visual?
· VICCI, G. Museos y educación em Montevi- bajada del uruguay en Brasil. [2015?] Disponí-
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Acesso em: 13 set. 2015. ra da UFSM, 2013. p. 49-60.
Este texto forma parte de la presentación En este ejercicio de comunicar y compartir los
realizada en el V Coloquio Internacional “Edu- avances de la investigación, espero acercar-
cación y Visualidad. Investigaciones pedagó- me un poco más a las posibles respuestas.
gicas en contextos hipervisuales” y que fuera
expuesta como avance de mi tesis de Maes- Apuntes sobre la relación arte y política
tría, la cual trata sobre las prácticas artísticas
contemporáneas que adoptaron modos estra- Desde una perspectiva histórica la noción de
tégicos de expresión y de resistencia crítica arte político ha reducido su concepción a una
en el marco de las dictaduras militares en la adjetivación del arte, esto es cuando el arte se
región. En la ponencia me centré en un aspec- diferencia como una forma para divulgar un
to de la tesis que refiere al uso de la metáfora contenido de interés político o persigue una
y lo visual en contextos socio-políticos repre- pretensión de incidencia real en lo social. De
sivos. Además será esbozado en el presente este modo “lo político aparece entonces como
trabajo y a modo de introducción un tema fun- una exterioridad a la que la voluntad del artista
damental para mi investigación: la reconcep- apelaría para manifestar su compromiso con la
tualización de la relación arte-política. esfera social” (Vindel, 2010:19). Esta reducción
ha sido discutida por teóricos que profundizan
El objeto de la investigación tiene como fuen- en el estudio de ese vínculo y en términos con-
te el análisis de las prácticas colectivas de los temporáneos ya no se concibe este tipo de arte
grupos Octaedro, Los Otros y Axioma (Uru- como portador de un mensaje representativo
guay), el Colectivo Acciones de Arte - CADA de una clase social, ni tampoco como instru-
(Chile) y la acción denominada El Siluetazo mento de cambio, es decir; aquello considerado
(Argentina). Estas prácticas artísticas visuales culturalmente vanguardista según se sostuvo
situadas en contextos de los regímenes dic- insistentemente a partir del discurso moder-
tatoriales instaurados en Uruguay de 1973 a no. Cuando se dice “contemporáneo” refiero a
1985, en Argentina de 1976 a 1983 y en Chile un giro importante que comienza a gestarse
de 1973 a 1990, promovieron ciertas estrate- a principios del siglo XX y se consolida en su
gias conceptualistas como recurso expresivo segunda mitad que tiene como base la consi-
que las vincula en sus prácticas estético-polí- deración de una insuficiencia en los discursos
ticas. Dichas prácticas artísticas son revisita- -en este caso sobre el arte- hasta esos momen-
das como modo de acercarnos y repensar la tos proclamados. Más adelante definiré al arte
historia reciente desde una mirada crítica. El contemporáneo y cómo se relaciona con la con-
recorte temporal está situado entre las déca- dición política de lo artístico.
das del 70 y 80, porque es cuando se concen-
tra la producción de estos colectivos artísticos. Por otra parte la incidencia de los importantes
Para el comienzo de la investigación realicé cambios producidos durante el siglo XX, ya
las siguientes preguntas: ¿cuáles fueron los manifestados por Walter Benjamin en 1936
modos de expresión artísticas surgidas en el en su ensayo “La obra de arte en la época de
contexto de las dictaduras latinoamericanas? su reproductibilidad técnica”, demuestran que
¿Se encuentran en estos modos caracterís- los contenidos del arte, así como su definición,
ticas particulares en función de la relación varían según las diferentes condiciones de
arte/política? ¿En qué condiciones aparece la producción, circulación y recepción de la obra
metáfora como recurso estratégico y estético? de arte, por lo tanto las categorías de análisis
- 206 -
también deberían cambiar, o por lo menos representación. Por otro lado la experiencia
cuestionarse. Así expuesto se trataría de una estética -que no se asemeja a ninguna concep-
noción de arte situado en contextos históricos ción esteticista- es la experiencia del disenso,
y sociales, lo que permite estudiarlo no desde donde se fractura lo real y se multiplica, es de-
el producto en sí, sino desde sus prácticas de cir una experiencia que provoque relaciones
producción visual y cultural en las diversas nuevas entre la apariencia y la realidad, pro-
temporalidades. Esta concepción se alejaría duciendo así lo polisémico y discrepante.
de la idea objetualista del arte que concibe la
historia “como una sucesión de objetos genia- Rancière se refiere a la existencia de la política
les y exclusivos” (Acha, 2004:27), y de las posi- de la estética cuando los artistas utilizan cier-
bles definiciones esencialistas. tas estrategias para modificar las referencias
de lo que es visible y enunciable, y ponen “en
Las nuevas condiciones suponen otros códigos relación aquello que no estaba, con el objetivo
culturales de representación y esto lleva a re- de producir rupturas en el tejido sensible de las
considerar qué se entiende por arte político de percepciones y en la dinámica de los afectos”
acuerdo a esa coyuntura. En la actualidad el (Ranciére, 2010:66). Cuando introduce la idea
arte político es considerado como un modo de de “creación de disensos” no lo relaciona con
crítica a los sistemas de representación social, el conflicto de intereses, sino que habla de un
es decir como una práctica de resistencia o in- tipo de desacuerdo que tiene más que ver con
terferencia (Foster, 2003). Se podría decir que las diferentes percepciones que pueden existir
se pasó de un modelo de transgresión van- sobre los datos de la realidad. Los conceptos de
guardista a uno de resistencia crítica, el cual este autor, aquí esbozados, complejizan y am-
considera la cultura como lugar de conflicto. plían la noción de “arte político”.
De este modo el término “arte político” sugiere
la tarea de poner en evidencia aquello concer- En este sentido compartimos lo dicho por Ne-
niente a la polis, no como un mero tema adosa- lly Richard quien sostiene que una obra no es
do al arte, sino como una práctica inmersa en política o crítica en sí misma,
las relaciones y conflictos de lo social.
lo político-crítico es asunto de contextualidad
Según Jacques Rancière existe una nueva re- y emplazamientos, de marcos y fronteras, de
lación entre arte y política a partir de la cual se limitaciones y de cruces de los límites. Los hori-
define un arte que construye espacios donde zontes de lo crítico y lo político dependen de la
se hace visible o decible aquello que no lo era. contingente trama de relacionalidades en la que
Él identifica esto como un espacio de “disenso”; se ubica la obra para mover ciertas fronteras de
y sostiene que allí donde operan rupturas de restricción. (Richard, 2011)
las referencias sensibles, dislocaciones de sus
modos de representación e interpretación, Me interesa incluir estas miradas para dibujar un
surgen nuevas maneras de relación de los territorio donde se manifiestan diferentes cruces
sujetos. Se refiere así a la creación de una si- y encuentros entre las prácticas artístico-políti-
tuación indecisa y efímera donde, por ejemplo cas recientes y particularmente en el contexto
el espectador pasa a ser actor y ese sería un histórico que se menciona en este trabajo.
desplazamiento de la percepción, de acuerdo
a este autor. Para hablar del vínculo entre es- Localizar el arte contemporáneo
tética y política, según este filósofo, hay que latinoamericano
identificar la relación entre la estética de la
política y la política de la estética. La política La sobrevivencia de las artes visuales bajo los
de la estética, afirma Rancière, sería “la ma- terrorismos de Estado del Cono Sur supuso la
nera en que las prácticas y las formas de vi- aparición de una estrategia de resistencia que
sibilidad del arte intervienen en la división de se manifestó a través de diferentes produccio-
lo sensible y en su reconfiguración, en el que nes artísticas con características particulares.
recorta espacios y tiempos, sujetos y objetos, Estas prácticas artísticas pertenecen a ciertas
lo común y lo particular”, y agrega el autor: categorías del arte contemporáneo como son:
“la política del arte consiste en interrumpir la instalación, la intervención urbana y la ac-
las coordenadas normales de la experiencia ción, entre otras.
sensorial” (Rancière, 2005:15). Lo establecido
se conforma con ese tipo de “coordenadas nor- En una primera definición y de acuerdo con lo
males” donde, por ejemplo, se acepta y se reco- planteado por Andrea Giunta(1), identificaré
noce el arte mimético como el patrón claro de al arte contemporáneo como aquel que surge
- 207 -
en un momento en el que el arte deja de evo- puro, involucrándose con los conflictos políti-
lucionar e incorpora elementos de la cotidiani- cos y sociales tanto en sus temas como en sus
dad (cuerpos reales, imágenes reproducidas, prácticas(2). De modo que estas cuestiones del
espacios no convencionales y extra-institu- arte contemporáneo se instauraron en los últi-
cionales, etc.). Mientras que el arte moderno mos años como tema de discusión. Ampliando
avanzaba hacia la conquista de la autonomía la noción mencionada anteriormente, se pue-
del arte en un camino evolutivo donde cada de considerar un conceptualismo ideológico
transformación del lenguaje -recurso plásti- como una estrategia y no como un estilo, y
co- le sucedía otra, el arte contemporáneo no según señala Luis Camnitzer “a la periferia no
tiene un lenguaje específico y los medios de le importaban las cuestiones estilísticas, por
creación se superponen. Esto amplió las posi- lo tanto, produjo estrategias conceptualistas
bilidades expresivas y a su vez se dio la coe- que subrayan la comunicación” (Camnitzer,
xistencia o simultaneidad histórica. 2008:14). El estilo estaría marcado por el cen-
tro, identificado principalmente con Estados
Las transformaciones sobre esta forma de Unidos y Europa, mientras que en la periferia
hacer arte se visibilizan en la cultura occi- se encuentra todo aquel arte que se conforma
dental a partir de las décadas del 60 y 70, y con los movimientos artísticos y culturales
las distintas escenas artísticas, inclusive en surgidos en los centros de poder internacional
América Latina, comparten agendas utilizan- y reproduce con o sin sentido crítico.
do estrategias comparables. Es decir, a partir
de un giro conceptual donde se abandona la Las estrategias conceptualistas están más re-
perspectiva esencialista del objeto artístico feridas al contexto en qué se produce el hecho
que buscaba la universalización de conceptos, artístico y de qué manera se dice lo inexpresa-
surge una nueva manera de pensar el arte. Al ble, ya que si bien contienen algunos aspectos
decir de Ticio Escobar: del arte conceptual principalmente surgen de
la necesidad de expresar a través de nuevos
El arte contemporáneo apuesta menos a las vir- códigos el mundo contemporáneo y por lo tan-
tudes totalizadoras del símbolo que al talante di- to la comunicación es entre el artista y el es-
seminador de la alegoría. Se interesa más por la pectador que entiende esos códigos actuales.
suerte de lo extraestético que por el encanto de Por lo tanto se puede poner en duda si se trata
la belleza; más por las condiciones y los efectos de un arte de la periferia en el sentido señala-
del discurso que por la coherencia del lenguaje. do más arriba.
El arte contemporáneo es antiformalista. Privi-
legia el concepto y la narración, en desmedro de Siguiendo las reflexiones de Andrea Giun-
los recursos formales. (Escobar, 2004: 147) ta(3), quien investiga el arte contemporáneo
desde América Latina y se propone estudiar
Estos cambios en la práctica artística no suceden las obras de arte en sus contextos y situacio-
de un momento a otro, tiene sus antecedentes nes particulares, es decir; dando cuenta de los
en ciertos problemas de índole estético-forma- procesos históricos y ámbitos culturales en
les presentados por las vanguardias de princi- que se articularon y apartándose de la idea
pios del siglo XX, éstos derivan de las preocupa- que las obras de arte se explican a partir de
ciones acerca de la crisis de la representación, los estilos. La autora sostiene que “La nueva
la cual deja de considerarse como la verdad en historia del arte desde América Latina se cen-
el arte. Las teorías del arte del siglo XX se han tra en las nociones y conceptos que elaboran
ocupado de dicha cuestión atendiendo a temas los artistas y los críticos en sus situaciones
como la indefinición del arte, la desmaterializa- creativas específicas” (Giunta, 2014:22), y en
ción de la obra artística, el rol del espectador, el relación a los cambios y transformaciones del
juicio de valor, la institucionalidad, etc. arte, señala el proceso de radicalización políti-
ca del arte de los años sesenta y también men-
Luego de la aparición del arte conceptual a ciona la violencia represiva de las dictaduras
mediados de los años 60, surgieron nuevas en América Latina como efectos importantes
miradas de críticos y teóricos hacia las deri- en esta contextualización histórica.
vaciones internacionales considerando los
llamados “conceptualismos” y en particular Sin embargo centrarse en el aspecto contex-
en América Latina lo que se conoció como tual del arte latinoamericano no ha sido lo más
“conceptualismo ideológico”, es decir aquellas tradicional. La crítica chilena Nelly Richard
prácticas artísticas que fueron más allá del afirma que nuestras culturas son culturas
sentido autoreflexivo del arte conceptual más del recorte en las cuales las obras aparecen
- 208 -
tadores identificar la figura del desaparecido (“prensa-acción”, como la llaman sus autores)
con esos cuerpos y personajes anónimos. propone el retrato de una mujer como un ros-
tro ausente de los relatos y en este caso es
“Situaciones I” del grupo Axioma(8) fue una una viuda como protagonista de la historia.
exposición que se realizó en la Galería del La falta de identificación de la mujer remite
Notariado en 1981 en Montevideo. Se trató a una posible representación del pueblo. Para
de varias instalaciones en las cuales los inte- los artistas se trató de “un análisis de nuestro
grantes de este colectivo abordaron los temas propio rostro, una manera de dar la cara, po-
del exilio, la espera, las ausencias y la identi- nerle rostro al pueblo y hacerlo partícipe del
dad social. Allí el espectador se encontraba drama”. Esta obra reutiliza una imagen para
con una silla vacía con un mate y un termo armar nuevas narrativas de las ausencias.
al lado, espejos donde se reflejaba su rostro y
otras instalaciones con alusión a los cuerpos En el marco de la tercera Marcha de la Resis-
empaquetados y amarrados. Los integrantes tencia convocada por la Asociación de Madres
de Axioma recuerdan que era un momento en de Plaza de Mayo, el 21 de setiembre de 1983
el que no se podía hablar de muchas cosas a se realizó en Buenos Aires la acción colectiva
causa de la censura y la autocensura. “el Siluetazo”. En reclamo por el paradero de
los familiares ausentes, víctimas de la dic-
El Colectivo Acciones de Arte (CADA) surge tadura, se crea un gesto de acción callejera.
en Chile en 1979. Este grupo se manifestó en Esta acción consistió en dejar marcas estam-
diversos lenguajes con una preocupación por padas en el espacio público con el recorte de
borrar las fronteras de delimitación de lo ar- figuras de cuerpos humanos dibujadas en pa-
tístico y lo no-artístico. La obra titulada “Viu- pel realizadas por quienes participaron de la
da” consistió en una fotografía de un rostro convocatoria. Se empapeló parte de la ciudad
anónimo que se publicó en 1985 en medios colocando una silueta al lado de la otra so-
impresos de oposición a la dictadura. La obra bre muros, columnas, calles, etc. La iniciativa
1 Andrea Giunta, “¿Cuándo empieza el arte contemporá- mundo desde el terreno específico de su actividad”. S.
neo?”, Buenos Aires, Fundación ArteBA, 2014 Marchán Fiz, “Del arte objetual al arte de concepto”. Ma-
2 Según Simón Marchán Fiz a partir de la década del drid, Akal, 2001
60 las artes plásticas abandonan el informalismo de la 3 La autora toma los conceptos del filósofo Giorgio
década anterior y con ello “las últimas estribaciones de Agamben quien describe al ser contemporáneo como
poéticas que respondían a modelos decimonónicos de “aquel que no coincide perfectamente con éste (su tiem-
índole romántico-idealista”. Con la crisis de los lengua- po) ni se adecua a sus pretensiones y es por ende, en ese
jes artísticos tradicionales el arte conceptual pasa a ser sentido, inactual; pero justamente por eso a partir de
la culminación de la estética procesual, cuya caracterís- ese alejamiento y ese anacronismo, es más capaz que
tica fundamental es el desplazamiento del objeto tradi- los otros de percibir y aprehender su tiempo. (…) Con-
cional hacia la idea. Según este autor “Esto implica una temporáneo es aquel que mantiene la mirada fija en su
atención a la teoría y un desentendimiento de la obra tiempo, para percibir no sus luces, sino sus sombras”,
como objeto físico”. Marchán Fiz agrupa la tendencia del G. Agamben, “¿Qué es ser contemporáneo”, citado en A.
arte conceptual en: la lingüística, la empírico-medial y Giunta. Op. cit., página 7
agrega el conceptualismo ideológico. La tendencia lin- 4 Nelly Richard, “Culturas latinoamericanas: ¿culturas
güística ha sido considerada como “la faceta conceptual de la repetición o culturas de la diferencia?”, Catálogo
por antonomasia, para algunos la única. Es la vertiente de la Bienal de Sydney, 1984
que más ha acentuado la eliminación del objeto, con-
firiendo una prioridad casi absoluta a la idea sobre la 5 Ticio Escobar en: Elizabeth Jelin y Ana Longoni
realización”, dirigiéndose a la investigación sobre la na- (comps.) “Escrituras, imágenes y escenarios ante la re-
turaleza del concepto de arte y recurriendo al lenguaje presión”, Madrid, Siglo XXI, 2005
como materia del arte. La vertiente empírico-medial
reivindica la imagen y la percepción como formas de co- 6 El grupo Los Otros se formó en Montevideo en 1978
nocimiento en su dimensión semiótica y no se opone a la integrado por Carlos Seveso, Carlos Musso y Eduardo
materialización de la obra, aunque muchas veces el as- Miranda.
pecto formal sea secundario o documental. Finalmente
el autor sugiere la aparición de un conceptualismo ideo- 7 El grupo Octaedro se formó en Montevideo en 1979 in-
lógico que estuvo sometido a tensiones de índole social y tegrado por Fernando Álvarez Cozzi, Carlos Barea, Ga-
que contiene un compromiso político. El conceptualismo briel Galli, Juan Carlos Iglesias, Carlos Rodríguez, Carlos
así entendido “no es una fuerza productiva pura, sino Aramburu, Abel Rezzano y Miguel Lussheimer.
social. La autorreflexión no se satisface en la tautología,
sino que se ocupa de las propias condiciones producti- 8 El grupo Axioma se formó en Montevideo en 1980 in-
vas específicas, de sus consecuencias en el proceso de tegrado por Álvaro Cármenes, Gerardo Farber, José Onir
apropiación y configuración transformadora activa del da Rosa, Alfredo Torres y Ángel Fernández.
- 210 -
surge de tres artistas visuales, los argentinos crituras, imágenes y escenarios ante la repre-
Rodolfo Aguerrebery, Julio Flores y Guillermo sión, Madrid: Siglo XXI, 2005
Kexel, quienes en su proyecto original se pro-
pusieron “presentificar la ausencia”, cuantifi- · LIPPARD, Lucy, Seis años: La desmaterializa-
cando así la dimensión de esa ausencia. Esta ción del objeto artístico de 1966 a 1972, Ma-
actividad fue considerada como una acción drid: Akal, 2004
artístico-política en la cual participaron colec-
tivamente artistas y manifestantes. · LONGONI, Ana y Cristina FREIRE (comp.),
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May Puchet
+
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puesto 59 entre 82 barrios.
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http://portoalegreemanalise.procempa.com.br/?anali-
3 - El barrio Arquipélago según el Sistema de análisis e ses=4_106_distrito
indicadores de la ciudad de Porto Alegre es el segundo Consultado el 25/04/2016
- 215 -
4 - Noite das Lanternas Flutuantes se traduce al espan- de pensar a escultura, Perdidos no espaço. Porto Alegre.
hol como La noche de los faroles que flotan. #4 abril 2016. P 19
5- Tainha na taquara: es um pescado asado entre una 7 - Pesca do Lixo se traduce como pesca de basura
caña de bambú que en esta región llaman taquara.
6 - LIMA, Evelyn; ABRANTES, Luiza; MORENO, Ricardo.
Estrangeiros em Porto Alegre para além de nós. Formas
- 216 -
Con las imágenes realizadas la directora del Aunque un importante número de vecinos de
CAR Ilhas propuso realizar una exposición de la comunidad que participaron de todo el pro-
8 - Las condiciones del clima en Porto Alegre son deter- IX Bienal do Mercosul fue Se o clima for favorável; Si el
minantes para muchos de los eventos que se realizan tiempo lo permite en español.
en la ciudad, justamente a este propósito el titulo de las
- 217 -
yecto consideraron el evento o acontecimiento tal vez por afinidades, puede ser por intereses
como un éxito, varios de ellos insisten en que particulares, pero también por curiosidad, los
es importante que las lanternas se coloquen diferentes actores se han implicado en el pro-
nuevamente pero ahora en el rio como fue la yecto con actividades diferentes visibles o si-
idea inicial. Esta propuesta permite constatar lenciosas pero todas igualmente importantes
el interés y grado de apropiación que el pro- lo que hace que se sientan no como participan-
yecto ha despertado en la comunidad, al insis- tes de un proceso sino como protagonistas de
tir conseguir el objetivo inicial planteado. una construcción.
Bibliografía http://www.merzmail.net/edgardo.htm
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TONG, Jerome; MORENO, Cesar. Quels modes e análise de indicadores http://portoalegree-
de coopération possibles entre praticiens, manalise.procempa.com.br/?regiao=18_0_0
chercheurs et acteurs politiques en formation
des adultes? Ponencia en el marco de Bienna- Catálogos.
le internationale de l'Éducation, de la Forma- IX Bienal do Mercosul. Se o clima for favorá-
tion et des Pratiques professionnelles Du mar- vel; Si el tiempo lo permite. Porto Alegre. 2013
di 30 juin au vendredi 3 juillet 2015 au CNAM
Ricardo Moreno
· GONZALES, Beatriz. La escuela de Humboldt:
Los pintores viajeros y la nueva concepción Doutorando em Poéticas Visuais no Instituto
del paisaje de Artes da UFRGS, professor da Faculdade de
http://www.banrepcultural.org/node/32550 Ciências Humanas e Artes da Universidade do
consultado 07/03/2016 Tolima (Colômbia), membro do grupo de pes-
quisa Veículos da Arte (CNPq) e do grupo Es-
· LIMA, Evelyn; ABRANTES, Luiza; MORENO, tudios Interdisciplinarios en Literatura, Arte e
Ricardo. Estrangeiros em Porto Alegre para Cultura de la UT. Vive em Porto Alegre
além de nós
Formas de pensar a escultura, Perdidos no es-
paço. Porto Alegre. #4 abril 2016, p19
1 -Evento visual: Toda a situação de observação tal geográfica, histórica, social e culturalmente, implicando
como ocorre na interação entre o observador, o fenô- certa interação ou posicionamento entre o observador,
meno visual, o contexto de observação e o ato de olhar o fenômeno observado, o contexto e o olhar (ILLERIS;
propriamente dito. Eventos visuais são sempre situados ARVEDSEN, 2012).
- 222 -
como o contorno intocável da experiência, ora gares e os espaços, os lugares e os não lugares
perseguido ativamente como sua linha de fuga, misturam-se, interpenetram-se.Os não lugares
portanto como zona de experiência. (DELEUZE são o lugar da supermodernidade, que remete
apud ZOURABICHVILI, 2004, p.23). a termos que descrevem a nova realidade, como
trânsito em oposição a domicílio, passageiro di-
Os homens se organizam segundo estes te- ferente de viajante, o vocabulário tece a trama
rritórios que os delimitam ao passo que os dos hábitos, educa o olhar, informa a paisagem.
articulam; termo que pode ser relativo tanto AUGÉ (2012, p. 98-99)
a um espaço vivido, quanto a um sistema, “em
termos subjetivos se traduz com sensação de O não lugar, para Augé (2012), compreen-
familiaridade” (Rolnik, 2006, p.50), no qual um de este espaço, onde se encontram novas e
sujeito se sente em casa. diferentes relações ou não relações. Como
os próprios espaços de trânsitos, percebidos
Como referimos anteriormente, a mobilidade na situação do viajante, cujo espaço seria “o
e o deslocamento, cada vez mais, se afirmam arquétipo do não lugar”. O termo espaço é
como características das nossas sociedades. abstrato, relacionado à “imagem, liberdade,
Longe de serem fluidos ou homogêneos, estes deslocamento”, oposto ao lugar antropológico,
deslocamentos são pontuados por origens ou que se refere ao lugar de origem, concreto ou
motivações diversas, acontecendo, por vezes, simbólico; a um mito (lugar dito) ou a uma his-
em territórios que podemos considerar de tória (lugar histórico).
trânsitos provisórios.
Nesse sentido pensar/problematizar os uni-
No entanto, é por meio dos deslocamentos te- versos visuais/pedagógicos é pensar o indi-
rritoriais, desterritorializações, nos trânsitos, víduo como uma construção social, como este
que a vida acontece, buscando a ocupação de Ser que se (re)faz, se constrói nos cruzamentos
novos espaços, ao conhecer outros contex- dos tempos e espaços por onde transita. Onde
tos, construir diferentes relações, vivenciar as subjetividades ora se deixam contaminar
o desconhecido – pessoas, lugares, conceitos por constantes variações e criações desses lu-
–, mobilizando-nos a reterritorializações, a gares, ora aceitam deslocar-se em territórios
experimentar novas perspectivas sobre nós marcados pela sua própria hibridação.
mesmos, sobre os outros e sobre o que aconte-
ce nesses atravessamentos. O indivíduo enquanto ser vivente, hoje, é um
múltiplo, de múltiplas vozes, traços e marcas;
As desterritorilizações pelas fronteiras rompi- é artista, espectador, aluno-professor, forma,
das são, como ressaltam Derrida e Roudinesco conteúdo, caos, ordem, múltiplo e, ao mesmo
(2004, p. 219): tempo, uno. Para Canevacci (2012), um multi-
víduo – os “eus” de uma pessoa plural – nas-
(...) fronteiras móveis, instáveis e porosas, afe- ce nesse contexto múltiplo. Segundo o autor,
tando justamente a forma e a existência dessas vivemos uma cidadania transitiva e flutuante
próprias fronteiras, a mudança não cessará de se entre espaços materiais e imateriais que nos
acelerar. Para chegar aonde? Não sei. É preciso interconectam nos fragmentos das metrópo-
saber, é preciso sabê-lo, mas é preciso também les comunicacionais, onde taxonomias identi-
saber que sem algum não-saber, nada acontece tárias, territoriais, entram em crise.
que mereça o nome de “acontecimento”.
A estética pós-moderna, se caracteriza por
Nesta perspectiva, os deslocamentos terri- esse ecletismo, não existe espaço para o úni-
toriais revelam-se uma possibilidade de mu- co ou um único, mas sim para todos, diversos;
dança, de movimento, na qual os sujeitos (re) antagônicos, metalinguagens, cotidianos,
elaboram, (re)inventam e (re)constroem para efemeridades. Trata-se da diversidade de ma-
si outros mundos a partir destas (des)locações. teriais, de lugares, olhares, percepções e opi-
niões. Nestes lugares, quer os conceituemos
Os espaços de trânsitos, tornam-se assim cam- como espaços, territórios da espera, ou não
pos do pensar, do que é vivenciado e compar- lugares, nos deparamos com imagens em tor-
tilhado nessas itinerâncias, do “mobilizado” a no das quais se reconfiguram subjetividades
partir desta provisoriedade frente às expe- desterritorializadas, existências singulares e
riências vividas. Considerando que: heterogêneas que criam possíveis rotas que
vão sendo traçadas em processos cruzados do
Na realidade concreta do mundo de hoje, os lu- aqui-agora.
- 223 -
Nos enfrentamentos reconfigurados, dos ticas dos migrantes em espera que se apro-
vazios, da falta, da dialética (ver/ser visto, o priam de maneira temporária nos espaços
que vemos, o que nos olha (DIDI-HUBERMAN, intersticiais. A intersecção entre o futuro/
2010) surge uma possibilidade provável de destino e um passado/deixado sobre um entre
se poder pensar e (re) inventar novos “en- espacial, vividos entre lugares de partida, de
tre-mundos”.Pois quem vê é um Ser do movi- chegada, em um tempo de incerteza, situação
mento, onde de passagem, em um momento passageiro;
para passageiros itinerantes, nômades desco-
o espaço deve sempre ser conquistado de novo e bridores, à espreita do acontecido, do aconte-
a fronteira que separa o espaço próximo do es- cimento esperado, exposto no espaço, movido
paço afastado é um limite variável. (...) a distân- por esses universos orbitantes que podem ca-
cia não é simplesmente a forma espaçotemporal racterizar uma instituição de ensino militar.
do sentir, é igualmente a forma espaçotemporal
do movimento vivo.(DIDI-HUBERMAN, 2010, Nesse sentido, pensar, falar do transitório, do
p.161-162) provisório, de movências, percursos; é falar
de afetos, encontros de experiências vivas e
A esse respeito (Didi-Huberman, 2010, p.77) vividas, de textos e de contextos rizomáticos
aponta que“não há que escolher entre o que (DELEUZE; GUATTARI, 1995) que se entrecru-
vemos e o que nos olha. Há apenas que se zaram e ainda se podem entrecruzar. Trata-se
inquietar com o entre. Há apenas que tentar então de pensar um espaço de “invenção”/“in-
dialetizar”. Implica exercer um olhar aberto, tenção”, falar de criações e experimentações,
expandido, que possa nos movimentos ri- rompendo com noções engessadas de identi-
zomáticos-ciliares transitar como um híbri- dade, de pertencimento e de origem, deslocan-
do-poroso. do, o olhar para o ensino de Arte na Educação
Básica, aportando-o para um entre-lugares
Visto que todos os territórios vivem a espera num território da espera.
de um modo transitório, é precisamente nes-
tas transições, nesses entre-deux (DI MÉO, Recorremos às linguagens-viagens como meio
1998), que definem, tomam forma, de ma- pelo qual se pode transformar e transportar
neira imprevista, inesperada, novas leituras uma experiência em forma simbólica de criação.
do espaço e das suas potencialidades, novas Estas também poderão significar reconheci-
relações com o tempo. Vidal e Musset (2011) mentos, revelações que o mundo apresenta;
designam os territórios da espera especifi- constituindo um lugar/espaço de materiali-
camente como os espaços destinados volun- zação de subjetividades. Assim, as narrativas
tariamente ou servindo involuntariamente a (visuais, escritas) o que e sobre que se conta, das
pôr em espera populações deslocadas ou em visibilidades e dizibilidades (PEREIRA, 2010)
deslocamento. transbordam novos e/ou diferentes discursos e
realidades. A este respeito Larrosa (2014, p.112)
No entendimento de Vidal e Musset (2011) os aconselha-nos que:
territórios da espera diferenciam-se dos não
lugares, definidos por Marc Augé (2012), como (...) É a isso que temos de ser fiéis no modo como
espaços incapazes de criar “nem identidade o dizemos, o nomeamos, o representamos ou, em
singular, nem relação, mas solidão e semel- geral, o significamos. Trata-se, então, de pro-
hança”. Nos territórios da espera ainda que blematizar o modo como colocamos juntas as
num sentimento de incerteza, identidades po- palavras e as coisas, a linguagem e o mundo, o
dem, no entanto, tomar forma. Estas não apa- inteligível e o sensível, o sentido e a experiência.
gam necessariamente as identidades anterio-
res, elas são, ao contrário, um recurso do qual Na experiência, o real se apresenta em sua
os indivíduos se apoderam em função das suas singularidade, não apresenta distinção entre
necessidades, e das estratégias sociais que de- o sensível e o inteligível, o real é um aconte-
finem para fazer face a este tempo incerto. Tra- cimento/experiência, e ao mesmo tempo o
ta-se, assim, dos partilhamentos que nascem “sujeito da experiência”, aberto e atento que
num lugar da espera, por indivíduos que são se deixa afetar por acontecimentos (de saber,
vinculados por uma comunidade de destino. sabedoria e sabor); geram movimentações,
espaços criadores como possibilidade de ex-
Estes territórios deslocados, são entendidos plorar os campos do sensível, da imaginação e
como resultado dessas pausas que marcam as da intuição. O acontecimento torna-se espaço,
trajetórias que se constroem a partir das prá- de construções, conexões, concebendo as lin-
- 224 -
guagens como mais um lugar dos processos de visíveis a pares de olhos que se apoderam uni-
singularização e criação. lateralmente do „dom visual‟ para se satisfazer
unilateralmente com ele. Dar a ver é sempre in-
(...)o acontecimento se encarna em um estado de quietar o ver, em seu ato, em seu sujeito. Ver é
coisas, um indivíduo, uma pessoa, aquele que é sempre uma operação de sujeito, portanto, uma
designado quando se diz: pronto, chegou a hora; operação fendida, inquieta, agitada, aberta. En-
e o futuro e o passado do acontecimento só são tre aquele que olha e aquilo que é olhado”. (DI-
julgados em função desse presente definitivo, DI-HUBERMAN, 2010, p.77)
do ponto de vista daquele que o encarna. Mas
há, por outro lado, o futuro e o passado do acon- Para Huberman um inquietamento com e no
tecimento tomado em si mesmo, que esquiva entre (...) um espaçamento tramado do “ol-
todo presente porque está livre das limitações hante” e do olhado, do “olhante” pelo olhado;
de um estado de coisas, (...) instante móvel tramado em todos os sentidos do termo como
(...).(DELEUZE in ZOURABICHVILI, 2004, p.6). uma metamorfose visual que emerge desse
tecido de espaço e de tempo. (DIDI-HUBER-
Na busca de novas rotas educacionais possí- MAN, 2010, p.147).
veis, pensamos uma educação que aconteça,
tenha efeito, muito afeto, e que nos afete. Tal associação refere-se aos territórios da es-
Trata-se de mapear uma linguagem e um pera, também como lugares de memória, que
conjunto de experiências mestiças, em forma ao mesmo tempo permitem-nos subjetivizar
simbólica, de criação, revelando novos e/ou com aquilo que fazemos deles; então pode-se
diferentes discursos e realidades, um experi- dizer que eles nos fazem e são também aquilo
mentar plurivocal. que nós somos. A memória imaterial do corpo
(ROLNIK, 2006); é a memória não física e emo-
A própria palavra experiência (LAROSSA, 2014), cional da sensação, distinta, embora indisso-
tem o ex de exterior, de estrangeiro, de estranho ciável, da memória da percepção das formas,
e de existência. Esse intercâmbio, esse olhar, ou- e dos fatos, acompanhada de suas respectivas
vir estrangeiro, nos convida à traduzir, interpre- representações.
tar, novos modos, com diferentes maneiras de
falar, de diferentes relações com o mundo, com Dentro deste contexto, nos apropriando do
nossos outros tantos parceiros de jornadas. pensar com e sobre as imagens, visualidade
e vida contemporânea, deslocando conceitos,
Concordamos com Larossa (2014, p.65-67), promovendo desterritorializações, estimulan-
quando diz: do questionamentos sobre nossos pensares e
saberes, consideramos que a cultura visual,
O que necessitamos talvez não seja uma língua como campo transdisciplinar, seria o mais
que nos permita objetivar o mundo, uma lingua adequado à nossa problemática de pesquisa.
que nos dê a verdade de que são as coisas, e sim
uma língua que nos permita viver no mundo, Compreendendo e apreendendo que na ex-
fazer a experiência do mundo, e elaborar com periência de “ver” e “ser” visto (MARTINS e
outros o sentido (...) do que nos acontece. (...) Uma TOURINHO, 2015), transitamos por lugares
linguagem que trate de enunciar a experiência de conhecimento e questionamentos os quais
da realidade, a sua e a minha, a de cada um, a envolvem e abordam novas formas relacio-
de qualquer um, essa experiência que é sempre nais ao enfocar os eventos visuais, munidos
singular, e portanto, confusa, paradoxal, não de novas posições de sujeito, objeto, contexto
identificável. e imagem. Como uma caixa de ferramentas,
conceituais, que segundo HERNANDEZ (apud
Desta forma, conceber passe livre às expe- Martins e Tourinho, 2015), nos permite pensar
riências vividas, um encontro com a multipli- e explorar a relação entre as representações
cidade, entendendo as experiências imagé- visuais e a construção de posições subjetivas
ticas, os universos visuais como “guardados
itinerantes”, preciosidades que carregamos A interpretação de objetos e imagens é uma
na “malagem” da nossa vida/viagem, pos- prática que mobiliza a memória visual e reúne
sibilitando abrir brechas, linhas de fuga (DE- sentidos da memória social construída pelos
LEUZE,1997), e propor paragens alternativas indivíduos e pelas suas comunidades. Memória
e novas existências se assim soubermos olhar. não como algo passivo, mas que se desloca, indo
e vindo em múltiplas direções, constituindo
O ato de dar a ver não é o ato de dar evidências lugares e trânsitos em territórios inimaginá-
- 225 -
Simone Marostega
Leonardo Charréu
Para pensar a escola como invenção devemos Esta pesquisa propõe registrar uma prática de
lançar nossos olhares e esforços em busca ensino/aprendizagem de Artes Visuais com
de um organismo vivo, no qual haja o forta- alunos do Ensino Médio, enquanto um projeto
lecimento de práticas para uma “autonomia educacional contemporâneo de formação de
criativa e transgressora de forma a se esta- jovens construtores de poéticas, críticos so-
belecer uma ponte com sujeitos mutáveis em ciais e autores de seu tempo.
um mundo onde o amanhã é incerto” (Hernán-
dez, 2007, p.14). Por que se mostra tão difícil a A ilha que é também porto...
construção de uma escola para os estudantes
de hoje? O que as escolas tem a oferecer aos “A existência criativa é uma existência revo-
jovens e o que eles tem para ensinar às esco- lucionária por si.”1
las? Podem ser as escolas as vias catalisado-
ras de atos criadores e experiências estéticas O que é o mundo sem a criação? Vivemos para
vividas no coletivo? Arranjos de um mundo ampliar a maneira como enxergamos o mundo.
mais justo? Espaços de compromisso com a ar- Que estratégias podem ser elaboradas para
ticulação de saberes, a refletir projetos educa- criar condições de um ensino de Artes Visuais
tivos emancipatórios, que pretendam efetivar preocupado com a capacidade crítica dos jo-
relações, que possibilitem a superação da se- vens estudantes? Como podemos pensar o en-
paração entre os que esperam e os que agem? sino de Artes Visuais na contemporaneidade?
Quais são as possibilidades de invenção do coti-
Como estabelecer no campo das Artes Visuais diano escolar e de currículos? O que interessa à
uma formação cidadã a partir da emancipação juventude em uma aula de Artes Visuais?
do indivíduo? Nas escolas, as artes visuais po-
dem emprestar suas propostas e reflexões ao Essa pesquisa lança olhares sobre a prática
grande tecido a ser cerzido no coletivo, sob as pedagógica que estou desenvolvendo como
múltiplas experiências juvenis capazes de se professora de Artes Visuais de sete turmas
apoderar de seus destinos. Abordar a plurali- do 1º ano do Ensino Médio do Colégio Pedro
dade cultural nas manifestações artísticas, ani- II, Campus São Cristóvão III, na cidade do Rio
mar maneiras de ver e pensar o mundo: consi- de Janeiro, Brasil, durante este ano de 2016.
derar o estudante coprodutor de sua formação. O Pedro II é um dos mais antigos colégios do
O ensino da arte centrado na ideia de educação Brasil, fundado em 1837; esta instituição de
democrática, orientada pela experimentação ensino público federal é extremamente tradi-
plástica e reflexão, projetará a possibilidade de cional, e a forma de acesso do corpo discente
de, nas quais se instauram presenças em uma imaginação que reaviva o diálogo com as ima-
conjugação de química coletiva, que reforça a gens possível e não a doutrinação. O ensino de
performance docente e inspira o conhecimento Artes como investigação dos pensamentos e
emancipatório. Um alívio frente a dureza que dos olhares sobre as representações visuais
se reitera aos passos de conteúdos historica- de diferentes culturas baseado em práticas
mente aprovados, engrandecidos ao largo dos artísticas e experimentação poética, que per-
anos, é a transgressão de muitas das regras mitam aos jovens um desenvolvimento críti-
que se propõe; numa recondução às vias de ex- co para atribuição de sentidos na escola e no
perimentações; de percepções de quem se é a mundo como autores e protagonistas de suas
partir da intimação do outro. próprias vidas. Para Rancière (2009, p. 34)
Sentados na ilha, pensando imagens... o regime estético das artes é aquele que propria-
mente identifica a arte no singular e desobriga
A imagem pulsa e a cultura que há nela pulsa essa arte de toda e qualquer regra especifica, de
também. (Didi-Huberman, 2013, p.165) toda hierarquia de temas, gêneros e artes. Mas,
ao fazê-lo, ele implode a barreira mimética que
Tudo importa e deve ser visto, tudo que se distinguia as maneiras de fazer arte das outras
deixe preencher pelo prazer das vivências maneiras de fazer e separava suas regras da
estéticas. Para Rancière (2009, p. 39) “é esse ordem das ocupações sociais. (...) O estado esté-
modo específico de habitação do mundo sensí- tico é pura suspensão, momento em que a forma
vel que deve ser desenvolvido pela “educação é experimentada por si mesma. O momento de
estética” para formar homens capazes de vi- formação de uma humanidade específica.
ver numa comunidade política livre”. Enten-
dendo aqui a política como um trabalho de A arte deve ser mesmo pensada dessa forma,
atos de subjetivação realizados em nome da como uma atividade que através de inúmeras
igualdade, que desafiam a ordem em vigor, da construções de signos, formas e ações propor-
ação, da percepção e do pensamento. A políti- ciona ligações com o mundo. É desse envolvi-
ca e a arte provocam rearranjos dos signos e mento com o mundo que brotam todas as ima-
das imagens: todos constroem saberes, todos gens. E é a convivência com as imagens em
escrevem histórias e ficções, todos são de al- espaços de trocas, de respeito às alteridades
guma forma autores. Os jovens reivindicam como nas salas de aula, e claro em todo campo
em suas maneiras de ser e de pensar narrati- da escola, que se pode pensar o ensino como
vas próprias, mistas, também dentro das salas emancipação. Afirmando as aulas de Artes Vi-
de aulas. Podem ser as escolas as vias catalisa- suais como espaços-tempo de reflexão e fazer
doras de atos criadores e experiências estéti- artístico: a arte como produção plástica livre,
cas (de sentido) vividas no coletivo, arranjos de como produção poética que habita o coletivo.
um mundo mais justo. Penso que o ensino de
Artes Visuais nas escolas básicas pretende re- A educação só se realiza pelos encontros de
conhecer as obras de arte e as imagens em ge- pessoas. Esses encontros sempre diferentes
ral como maneiras de conceber o mundo e se promovem a mágica do ensino – professores
relacionar com ele. É pelo diálogo entre as pro- e estudantes (entre outros) são coautores dos
postas do professor e os anseios e referências currículos e do cotidiano escolar. São essas re-
culturais dos alunos que se volta à reciproci- lações partilhas de afeto. São há um só tempo
dade. Reafirmar uma tentativa de igualar os multiplicação e divisão de ânimo. Importa ser
estudantes a partir de saberes dominantes, junto, ser no coletivo, atentos às diferenças
não pode ser o caminho nem uma alternativa (imensa sorte humana, tê-las), fortalecidos
de ensinar nos dias atuais, ter acesso às plu- numa atmosfera de inúmeras possibilidades,
ralidades e aos múltiplos saberes traz também de múltiplos interesses: tão cara ao ensino
responsabilidade crítica aos professores que de artes visuais, a multiculturalidade - refú-
pretendem pensar a formação dos alunos. A gio, nem por isso tranquilo, de uma plurali-
escola construída por todos os indivíduos que dade enriquecedora. É no momento em que
nela habitam pode redinamizar a lógica dos os jovens se debruçam sobre a construção
pensamentos hegemônicos e a partir de um plástica, quando elaboram e produzem poé-
entendimento da importância das imagens na ticas, que questões se colocam, que laços se
atualidade, perceber essas relações de cons- criam - entre eles: são risos, gritos, zoações,
truções identitárias, de grupos e dos olhares interpelações, elogios, brincadeiras, ajudas.
que buscam dar sentido e formas de visibilida- Configurações poéticas como fortalecimento
de ao mundo. Retorna aqui a importância da cognitivo; como construções de si mesmos e
- 230 -
entendimento de quem são os outros. Como versidade Estadual do Rio de Janeiro. Professo-
liberdade, prazer e crítica. É porque meus alu- ra de Artes Visuais no Colégio Pedro II, na cida-
nos me ensinam tanto, que meu encanto não de do Rio de Janeiro, Brasil, desde 2014.
pode ser outro, senão a escola. É porque ao
vê-los praticar a arte que percebo a relevância
do fazer coletivo, do estar junto, das inúmeras
possibilidades de aprendizados que se mani-
festam de muitas maneiras, das imensas von-
tades de serem o que pensam ser, de serem o
que pretendem ser, de serem o que inventam
ser. Imaginações que germinam nas paisa-
gens da escola. Que sorte poder conhecê-los!
E com eles aprender a ser!
Referências
Yo, reinvindico mi derecho a ser un monstruo Investigadora sou eu. Colaboradores são os
ni varón ni mujer estudantes. Professoras e estudantes. Termos
ni XXI ni H2o facilitadores.
O tema desta pesquisa está inscrito e cir- Simplificando: aposto que os corpos discen-
cunscrito pela denominação escola pública tes oferecem à atenção docente problema-
1-http://susyshock.blogspot.com.br/2008/03/yo-
monstruo-mio.html
- 232 -
tizações muito mais úteis à continuidade e ainda mais o campo investigado. Pois, apos-
atualização da escola do que outros recursos tamos que as narrativas que a investigação
supostamente disponíveis. Refiro-me às ques- nos possibilita produzem efeito paradoxal na
tões que a corporeidade clandestina à escola, diagramação do tema, quanto mais minúscu-
corporeidade pós-moralista em relação aos lo e fugaz aparenta a experiência observada,
princípios, em muitos aspectos, anacrônicos, quanto mais banal e aparentemente rotinei-
dos currículos oficiais, corporeidade juvenil e ra a prática observada, maior a densidade
em fluxo, ou seja em plenitude existencial e do aspecto fulcral ao tema que são, na escola
força estética, exigem tratar e ocupar espaço determinada, alguns dos diversos sujeitos
destacado nos encontros que só a escola pro- que a habitam. De uma denominação gené-
move e nem sempre aproveita em concreto e rica chegamos à imparidade dos praticantes
objetivo benefício dos estudantes. A hipótese do cotidiano especificado. E assim chegamos
que conduz à pesquisa e ao cotidiano escolar, é aos sujeitos encarnados que oferecem sabe-
que os estudantes seriam a fonte de recursos res aos currículos e à formação continuada do
mais importante para a sintonia das escolas corpo da professora.
com a atualidade. A atenção voltada para as
novas gerações de estudantes simultanea- O entendimento postulado é que corpo, defi-
mente à perscrutação dos efeitos dos seus en- nitivamente invocado para além do abominá-
contros no corpo da professora e pesquisadora vel (pelo menos para nós) corte entre mente
é o via metodológica. Assim, a representação e corpo, é o duto das experiências humanas.
do tema se expande. Da escola a uma deter- Um corpo para além de qualquer organização
minada escola, partindo da ideia que o recorte medical. É o que sobrevive às escaramuças do
aqui é imperativo. Cada escola é uma escola biopoder. É o que apresenta mais que repre-
em seu universo de diferentes e singulares senta. O que não se reduz ao sentido. Corpo sem
dias, horas e habitantes. O recorde do cotidia- organização interna ou externa, enxurrada de
no supera a pecha de pouca utilidade, quando sensações em guerrilha contra a palavra. Por-
a utilidade é reconhecida apenas pela supos- que sua evidência anatômica e fisiológica não
ta capacidade de aplicação generalista. Cada responde àquilo que o homem pode sentir nele
recorte cotidiano é singular e sua caracterís- de complexidade (Le Breton, 2003: 271).
tica comum aos outros cotidianos é a aludida
singularidade e essa noção é o mais oportuno Sob a égide do corpo, buscaremos a partir da
recurso teórico ao qual a pesquisa recorre. presença cotidiana lidar com o ‘monstro’, ou seja
o que se aponta para afirmar uma diferença de-
Recortando o cotidiano em suas minúcias, fensiva, egoísta e violenta. O monstro é o corpo
em suas nuances e surpresas expandimos no qual não se discerne cérebro da genitália,
- 233 -
sapatona, o viado, a travesti, o pobre, o anal- Quanto ao arcabouço teórico que levamos ao
fabeto, o incompetente, o indócil, o bandido, o campo, na medida em que algum norte concei-
inadequado, o inoportuno. Aquele que choca, tual há de se dispor ao deflagrar uma pesqui-
denunciando em nosso estranhamento, nossa sa, convém observar, contudo, que as teorias
incompetência diante do que foge aos fraudu- só adquirem importância meio ao processo de
lentos manuais da normalidade. E mais, investigação, ou seja, em diálogo com o cam-
a nossa cumplicidade e atuação no laboratório po. Na medida em que são as singularidades
que cria o monstro. culturais, as práticas particulares que farão as
articulações e determinarão a pertinência ou
Objetivamos um novo manual, que se inven- validade das teorias.
ta na proliferação dos monstros, e sem ex-
plica-los, os reverencie. Pois, os monstros, a Em outros termos, é como se tanto as teorias
despeito de qualquer força regulatória, proli- quanto os métodos investigativos se contami-
feram. Invadem o planeta, tornando-se fami- nem pelo campo e sejam recriadas pelo pesqui-
liares...(José Gil, 2006:11) sador. Sobretudo porque, em relação aos coti-
dianos, os métodos são criados no movimento
das ações da pesquisa, ou pesquisar o cotidiano
Metodologia é criar metodologias (Victorio, 2007).
interlocuções que dão substância à investi- cotidiano como campo absoluto dos aconteci-
gação; os acontecimentos, eventos ou ações mentos de interesse da pesquisa; bem como a
que são realizados ou sofridos por um ou mais noção de redes de saberes que nele se realiza;
personagens, ocorrendo em um tempo e es- as propostas libertárias contemporâneas so-
paço definidos pela percepção do narrador; bre racialidade, etnicidade, sexualidade, gê-
a referência à uma dinâmica temporal (ou nero e arte que emergem das militâncias mais
temporalidade dinâmica) que determina a su- libertárias.
cessão dos acontecimentos ou é produzida por Para o recurso à essa rede de saberes e pos-
esta; a alusão à uma alteridade mais ou menos tulados, recorremos a alguns autores cuja
radical entre o narrador e os acontecimentos produção nos pareceu se identificar com os
e sujeitos narrados, fruto dos distanciamentos modos de investigação queemergiram do e no
e aproximações que o ritmo da pesquisa pro- próprio campo investigado. Certamente que
voca; os acontecimentos narrados, assim como muitas propostas teóricas se somaram ao nos-
os personagens, cenários e outros componen- so afeto e assim constituíram e conduziram o
tes do universo relatado podem ser reais ou nosso interesse. Ou seja, leituras prévias ao
fictícios, sendo sempre , de uma forma ou de campo que de certa forma marcante interfe-
outra, a amálgama das duas possibilidades; riram nas escolhas do tema da pesquisa e na
no conceituação mais genérica da narrativa, forma como foi iniciada.
os acontecimentos são narrados por meio de
linguagens que se manifestam em diferentes Uma pausa. Respira
substâncias ou suportes expressivos: pelas
linguagem oral, escrita ou gestual; por moda- - “Ele sempre foi bicha, mas agora está uma
lidades mistas destas linguagens, como a ver- bicha escandalosa. Aí já é demais!” (Professora
bo-icônica, por exemplo; pela mímica, teatro, aos berros durante o conselho de classe)
dança, etc. - “É uma turma de putas!”
- “Ela está com problemas por causa da sexua-
Rede teórica lidade aflorada.” (Professor gesticulando e
fazendo caretas sobre aluna “lésbica” em con-
A perspectiva teórica na qual a investigação selho de classe)
se apoiou alia várias vertentes do pensamento - “Ele era um aluno tão bom aí foi desmunhe-
contemporâneo que se harmonizam na medi- cando, desmunhecando e deu nisso.” (Profes-
da em que se complementam favoravelmente sores falando sobre o comportamento de um
à proposta do projeto. Dentre essas propos- aluno na sala dos professores)
tas, o corpo como universo de partida do en- - “Profe, confia na neguinha aqui!”
tendimento e criação das coisas; a Cultura
Visual como campo de investigação aberta e
multidisciplinar das imagens visuais, de sua
fruição, circulação e criação; a relevância do
- 236 -
· FOUCAULT, Michel. A história da sexualidade · LOURO, Guacira Lopes (org). O corpo educado:
1: a vontade de saber. Trad. Maria Thereza da pedagogias da sexualidade. Trad. Tomaz Ta-
Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquer- deu da Siva. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
que. 11. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1993.
Teoria queer: uma política pós-identitária
Os anormais. Ed. Martins Fontes - SP, 2001. para a educação. Florianópolis: Revista de
Estudos Feministas, 2001. (Disponível em:
- 237 -
http://www.scielo.br/pdf/ref/v9n2/8639.pdf)
RESUMO ABSTRAC
Este artigo apresenta os resultados parciais This paper presents partial results of a re-
de uma pesquisa que desenvolve estudos search that develops literary studies on
de literatura, artes, mídias e cultura visual, arts, media and visual culture in formal and
em situações formais e não formais de ensi- non-formal teaching-learning. The research
no-aprendizagem. O problema de pesquisa problem is to investigate what the conditions
consiste em investigar quais as condições are necessary for transaesthetic dialogue (in-
necessárias ao diálogo transestético (intercul- tercultural and multisemiotic), under the tea-
tural e multissemiótico), no âmbito do ensino ching of arts and literature, to an education
de Artes e de Literatura, para uma educação that provides the integral formation of the
que favoreça a formação integral do sujeito na subject in contemporary cyberculture. The
Cibercultura contemporânea. Objetiva, assim, main objective, therefore, is to understand the
compreender os princípios do ensino de Artes, principles of teaching Arts, within a rhizoma-
dentro de uma concepção rizomática do con- tic conception of knowledge, for the formation
hecimento, para a formação do sujeito com- of complex subject, under the Cyberculture. To
plexo, no âmbito da Cibercultura. Para isso, do so, this study came from the following re-
estabelece as seguintes questões de pesquisa: search questions: How do I set the scene of cy-
Como se configura o cenário da Cibercultura berculture and what are their implications for
e quais as suas implicações nas práticas so- social practices of reading, writing and pro-
ciais de leitura, escrita e produção-recepção duction-reception of art, literature and visual
de arte, literatura e cultura visual? Quais os culture? What are the fundamental princi-
princípios fundamentais do ensino de Artes ples of teaching arts in intercultural context?
em contexto intercultural? Que bases teóri- What theoretical and methodological bases
co-metodológicas poderiam pautar um ensino could guide an interactive-native teaching, in
de natureza interativa, relacional e colabo- an relational and collaborative way? Thus, the
rativa? Desta forma, a pesquisa se dedica a research is dedicated to create and evaluate
criar e avaliar estratégias para o ensino tran- strategies for transaesthetic education in or-
sestético, a fim de favorecer experiências de der to promote curricular transversality expe-
transversalidade curricular na escola e o uso riences at school and the use of digital techno-
de tecnologias digitais que permitam a apre- logies to the critical-creative appreciation of
ciação crítico-criativa da Literatura e das Ar- Literature and the Arts, through interactional
tes, por meio da interatividade e da produção and collaborative production in virtual envi-
colaborativa, em ambientes virtuais. Desen- ronments. It is developed under the ARGUS
volve-se no âmbito do Grupo de Pesquisa AR- Research Group - Cultural Studies, Language
GUS – Estudos de Cultura, Linguagem e Com- and Behavior (CNPq), the State University of
portamento (CNPq), da Universidade Estadual Goiás, and the Doctoral Program in Visual Arts
de Goiás, e do Programa de Doutorado em Arte and Culture of the Federal University of Goiás,
e Cultura Visual da Universidade Federal de for pedagogical mediation actions in public
Goiás, por ações de mediação pedagógica em schools in the city of Anapolis, Goias.
escolas da rede pública do município de Aná-
polis-Goiás. I
- 240 -
imagens que invadem seu cotidiano. po-espaço também é rompida, pois as obras
disponibilizadas são captadas pelo receptor
Para Pimentel (2012), a velocidade com a qual instantaneamente. Amaral (2008, p. 48) as-
percebemos as imagens atualmente nos im- sinala, sobre esse fenômeno, que “o mundo
pede que pensemos sobre elas e selecionemos contemporâneo caracteriza-se por transfor-
as que farão parte de nosso repertório ima- mações aceleradas da noção relacionada ao
gético. Portanto, é necessário desenvolver a tempo, ao espaço e à individualidade. Todas
competência de análise de imagens, de forma elas abrigam a figura do excesso, caracterís-
que estas tenham significado tanto para quem tico da supermodernidade”.
as produz como para quem as contempla e de-
las se apropria. Esse processo de desvinculação dos parâme-
tros de tempo e espaço, e de fusão de indivi-
Desta forma, percebemos que uma educação dualidades, tem condicionado o que se define
estética não mecanizada, ou tecnicista, acaba como o fenômeno da “interterritorialidade”, já
por se realizar durante a fruição de imagens e bastante discutido por vários autores, inclusi-
das produções dos alunos, despertando-se ne- ve Bauman. É nesse novo “espírito de época”,
les o sentimento de autoria em relação ao tex- que Amaral redefine o papel do artista. Nesse
to/imagens produzidas, além de percebê-los contexto de produção e recepção colaborativa,
como grande oportunidade de expressão de para a autora,
ideias, sentimentos e sensações.
[...] a “interterritorialidade” operou uma ideia
Ensino de Artes no cenário da Cibercultura de que o papel do artista é criar uma arte que
provoca o processo de pensar, de arte compro-
Um olhar mais atento sobre a sociedade con- metida com a criação de uma linguagem da
temporânea e suas produções artísticas susci- percepção, que permite a flutuação da infor-
tam indagações quanto ao que as coletividades mação entre sistemas estranhos um ao outro,
humanas estão vivenciando e quais represen- eliminando fronteiras para provocar novas as-
tações produzem de suas realidades. Bauman sociações e analogias. (AMARAL, 2008, p. 55 /
(2001) oferece a perspectiva da “liquidez”, aspas da autora/)
apresentando relações humanas marcadas por
características modernas radicalizadas ou apro- Diante desse cenário, percebe-se muito cla-
fundadas, sob as quais as transformações imi- ramente a crise da escola, uma vez que as
nentes são uma condição intrínseca do homem. dissecações e segmentações dos objetos de
conhecimento tornaram o aluno um ser frag-
Efetivamente, advento das tecnologias digi- mentado, com enorme dificuldade de estabe-
tais acontece num ambiente sociohistórico lecer relações entre os conteúdos, problemati-
apontado por Bauman (2001) como “moderni- zados pela escola e no âmbito da própria vida.
dade líquida”. Nessa concepção, as sociedades Como problematiza Morin (2008), as novas
humanas passam por uma radicalização da concepções epistemológicas demandam a pas-
modernidade no que tange à negação do pas- sagem, iminente e necessária, do pensamento
sado e à reinvenção constante do presente, dualista cartesiano (o paradigma da simplici-
com o intuito de aperfeiçoar infinitamente o dade) ao pensamento complexo, que admite o
homem e suas criações. Esse ambiente acaba caráter multidimensional de qualquer realida-
por criar nos indivíduos a sensação de instabi- de (o paradigma da complexidade). Nesses ter-
lidade e insegurança, diante do imperativo de mos, defende, ainda, Morin (2008, p. 9):
se reinventar a cada instante.
Enquanto o pensamento simplificador desin-
No foco dessas discussões, Bauman (2009) as- tegra a complexidade do real, o pensamento
sinala os mecanismos de como se dá a vida na complexo integra o mais possível os modos
modernidade líquida, visto que o componente simplificadores do pensar, mas recusa as con-
da liquidez das fronteiras territoriais é fun- sequências mutiladoras, redutoras, unidimen-
damental no fluxo de destruição de modos de sionais [...]. Assim, o pensamento complexo aspi-
vida elaborados e na formação de novos mo- ra ao conhecimento multidimensional.
dos de vida. Desta forma, na Ciberliteratura,
é notável a quebra de fronteiras entre autor, E é nesse estatuto sociocultural, multi e con-
texto e leitor, como também entre um texto e troverso que o educador se encontra, desa-
outros textos disponibilizados na Internet (um fiado pelo papel fundamental que ocupa na
hipertexto por natureza). A dicotomia tem- formação do jovem contemporâneo, com o fim
- 243 -
de capacitá-lo a exercer sua cidadania com também favorecem o olhar plural do aluno
responsabilidade social e comprometimento nas relações interpessoais e profissionais.
ético, sem esquecer se das prerrogativas da Assim, perceber-se interdisciplinar é com-
autonomia e da identidade. Ressalta-se, ain- preender que as áreas do conhecimento, as
da, a necessidade de possibilitar o diálogo in- diferentes culturas e saberes que permeiam
terdisciplinar entre as diversas áreas do saber o ambiente escolar interagem e favorecem a
e as diferentes dimensões do humano, tendo compreensão do ser individual em meio a um
em vista as necessidades físicas, materiais, in- contexto global. E a escola não pode abrir mão
telectuais, afetivas e espirituais desse jovem de seu papel mediador nesse cenário.
em formação.
Referências
Assim, esta pesquisa em torno do trabalho
pedagógico no âmbito do ensino de Arte, me- · BARBOSA, Ana Mae. Arte-educação: leitura
diado pelo diálogo transestético, reafirma no subsolo. São Paulo: Cortez, 2008.
a proposta interdisciplinar que surge como
uma oportunidade de perceber o aluno em Arte-educação no Brasil. 7.ed. ,São Paulo:
sua totalidade histórica e cultural, em razão Perspectiva, 2012
de uma visão aprofundada e crítica da edu-
cação estética. Ela possibilita a germinação de · BARBOSA, Ana Mae. Dilemas da Arte/Edu-
consciências e diferentes posturas, baseadas cação como mediação cultural em namoro
na pesquisa, no diálogo e na aprendizagem com as tecnologias contemporâneas. In: BAR-
colaborativa professor-aluno, aluno-aluno, BOSA, Ana Mae (org). Arte/Educação contem-
aluno-objeto de conhecimento, aluno-interfa- porânea: consonâncias internacionais. 3ed.
ce tecnológica. São Paulo: Cortez, 2010.
· LÉVY, Pierre. O que é o virtual? São Paulo, cenciatura em Artes Visuais e no Programa
Editora 34/ 1996, 9ª reimpressão, 2009. de Pós Graduação em Arte e Cultura Visual.
J Tem pesquisado sobre arte e cultura popular,
· OUVE, V. Por que estudar literatura? São Pau- formação docente e sobre pesquisa e ensino
lo: Parábola, 2012. da arte. É membro da Associação Nacional de
Pesquisadores em Artes Plásticas- ANPAP, do
· MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento InSEA - "The International Society for Educa-
complexo. 5. ed. Lisboa: Instituto Piaget, 2008. tion Through Art" e faz parte da atual diretoria
da Federação dos Arte Educadores do Brasil.
· PILLAR, Analice Dutra (org.) A educação do
olhar. 8.ed. Porto Alegre: Mediação, 2014.
(2000, 2005, 2007); Freedman (2006); Larro- ja se desenvolvendo são os integrantes do Pi-
sa (1998); Van Manen (1998, 2003), Saramago bid - Programa Institucional de Bolsas de Ini-
(1995), Couto (2008, 2012). ciação à docência – das Artes Visuais da UFSM
no ano de 2015.
Keywords: Visual Arts; Blindness; Visual Culture.
As cegueiras
Ver. Ver na luz. Luz que permite ver. Escuro que
cega. Luz que cega. Escuro que revela, Escuro Quando pensamos em cegueira, a ideia mais
que vê. É de clarezas e escurezas que trata esta óbvia que nos vem à mente é a da perda da
escrita. Mas não dos claros e escuros por eles visão. No entanto, podemos pensar a cegueira
mesmos, mas das suas relações com a Educação. como algo que não conseguimos ‘ver’, mas não
Esta escrita tem o desejo de percorrer caminhos necessariamente com a faculdade do olhar.
que nos levem a pensar sobre as potencialidades Referimo-nos aqui ao que seria uma cegueira
e os engessamentos de nossas práticas pedagó- simbólica. É sobre esta cegueira simbólica que
gicas quando trabalhamos com visualidades parece se assolar um dos grandes paradoxos
(FOSTER, 1988). Visualidades estas que englo- da sociedade contemporânea, uma sociedade
bam imagens e sujeitos no processo de olhar. da tecnologia, da visão, das imagens, mas ao
mesmo tempo, uma sociedade dos cegos.
Esta pesquisa tem como marco teórico de re-
ferência o campo da Cultura Visual e se des- Algo desta mesma natureza parece ocorrer
envolve a partir de uma inserção em aulas de no campo da Educação, e não poderia ser di-
artes em determinados ambientes escolares. ferente, tendo em vista que a Escola não é um
A investigação começa no diálogo com a lite- organismo autônomo, mas uma parte inte-
ratura e desponta no interior da sala de aula, grante-formativa da sociedade. Tal processo
onde os claros e escuros de nossas vistas se de cegueira parece se afigurar especialmente
manifestam e fazem sentido. Nosso objetivo é quando nos referimos à esfera da Arte e do
percorrer um caminho na busca das clarezas ainda muito recente campo da Cultura Visual.
e escurezas que podem envolver processos Vivemos um momento de extrema fartura de
pedagógicos atravessados por visualidades. todos os tipos possíveis e imagináveis de pro-
Pressupomos um panorama contemporâneo duções das mais diversas ordens e linguagens
da produção e difusão em grande escala de da arte às novas mídias e no entanto, o que
imagens de todos os tipos e modelos, e, para- esta diversidade de produções e produtos tem
doxalmente, ao mesmo tempo, uma ideia de feito na e pela Educação? De que maneira es-
naturalização\superficialidade das práticas tas imagens visualidades e as relações que se
de ver (MITCHELL, 2003). Nesse sentido, en- produzem com elas tem nos ajudado e ajudado
tendemos que ocorre, sobretudo no interior nossos alunos a ver mais? Ou a ver menos? Ou
das práticas pedagógicas, a produção de efei- ainda, a ver de maneira diferente? Ou esta-
tos diversos que, por ora engessam, e ora po- ríamos nós ofuscados de tanta diversidade e
tencializam nossas relações com as imagens. a cada dia mais cegos? Sob esta perspectiva
Assim, a busca dos significados construídos a pareceu-nos interessante aliarmos o estudo
partir do atravessamento das visualidades em das práticas pedagógicas referentes ao uni-
sala de aula, e que compõem o que aqui passa- verso da Cultura Visual e, paradoxalmente,
mos a chamar de ‘cegueiras’, delineiam o esco- tratarmos sobre o fenômeno contemporâneo
po principal desta investigação. da cegueira.
perda da visão que não ocorria por nenhuma visão de Tarozzi (2011) e Charmaz (2009).
avaria do sistema ocular: a cegueira não era
dos olhos, mas uma Cegueira do espírito. A A chamada Fenomenologia Hermenêutica
partir desta perspectiva, passamos a estabe- (FH) aparece como uma metodologia de pes-
lecer relações entre esta cegueira branca e os quisa qualitativa que tem sido aplicada muito
processos educativos. comumente nas áreas de psicologia, ciências
da saúde, bem como em outras disciplinas das
Além da perspectiva apontada em Saramago, ciências sociais. Neste contexto, Van Manen
um outro encontro com textos do escritor Mia vem constituindo-se como o principal expoen-
Couto fez-nos ampliar a maneira de observar te em pesquisas que relacionam\aplicam a FH
estas cegueiras. No conto chamado “O Cego na área da Educação. Em linhas gerais, a in-
Estrelinho” do livro ‘Estórias Abensonhadas’ vestigação fenomenológica constitui-se, como
(2012), a questão da cegueira, ali uma ceguei- assevera Van Manen (2003) em uma ‘teoria do
ra ‘normal’, negra, aquela da não-visão ocular, único’, se interessa pelo que é, em essência,
revela seu lado mais potente. Na história, o ‘insubstituível e que se inicia no mundo da
fato do protagonista, o Cego Estrelinho, não vida, do que ocorre naturalmente no cotidia-
ver ‘com os olhos’ foi o que lhe permitiu exata- no das pessoas. A FH é, assim, uma filosofia
mente exercitar a sua faculdade de imaginar, do individual, da subjetividade, do incerto,
inventar, criar um mundo mais aprazível e ge- numa tentativa de resistência à racionalidade
neroso. A partir desta perspectiva de ceguei- científica como caminho seguro para a pes-
ra negra que produzia uma capacidade dife- quisa. Esta prática de investigação aplicada
rencial de ver o mundo é que estabelecemos em Educação constitui-se como uma maneira
uma outra dimensão da cegueira, também no de buscar uma atitude reflexiva com relação
sentido simbólico, aquela que, a partir da ‘noi- à pedagogia da qual estamos envolvidos coti-
tidão’ permite não vendo o mundo, imaginá-lo dianamente.
e recriá-lo de forma diferente.
Ambas perspectivas de cegueira branca e ce- De maneira muito aproximada, a Grounded
gueira negra passaram a nortear os nossos Theory é uma metodologia de pesquisa que
pensamentos acerca do atravessamento das tem como ponto de partida o mundo da vida.
visualidades dentro dos processos pedagógi- A expressão Grounded Theory não possui uma
cos em sala de aula. tradução literal para o português, mas tem
sido utilizada como ‘teoria enraizada’ ou ainda,
E que quais caminhos estamos tomando? no Brasil, como ‘Teoria Fundamentada nos da-
dos’ (Tarozzi, 2011). O termo Grounded é usado
Para dar conta deste tema propomos um ca- para referir-se a algo que está ‘encravado’, ‘fir-
minho metodológico híbrido. Sabemos que um me à terra’; ou ainda que possui um ‘enraiza-
entendimento simplificado e essencialmente mento vital nas experiências dos fatos’ (Ibid).
objetivo da atividade pedagógica tenderia a Destacamos este aspecto pois ele traduz com
reduzir as potencialidades inerentes às re- clareza a especificidade da Grounded Theory
lações de ensino-aprendizagem. Isso torna-se (GT), uma vez que uma GT é uma teoria que
ainda mais evidente quando nos referimos à nasce dos dados coletados no campo, a partir
área de estudos que engloba as Artes e a Cul- dos processos de observação-reflexão inicia-
tura Visual, uma vez que este campo de ensino da no campo prático.
e investigação se constitui com uma identida-
de bastante particular, pois que trabalha com Desta maneira, buscamos alinhavar alguns
linguagens muitas vezes intraduzíveis ou in- dos princípios fundamentais do método da
tangíveis, conforme questiona Charréu (2013, Grounded Theory com os pressupostos teó-
p.99): “que aproximações ou metodologias ricos e a orientação intelectual e atitudinal
podemos utilizar para abordar o intangível? da Fenomenologia Hermenêutica no intuito
Ou seja, como investigar tudo aquilo que cir- de construir um marco teórico-metodológico
cunscreve o mundo da arte e dos ‘fenômenos’ híbrido e capaz de dar conta da complexida-
artísticos e\ou dele derivados?” de dos significados de alguns dos fenômenos
educacionais relativos ao atravessamento das
Neste sentido, a presente investigação está colo- visualidades e à produção das cegueiras no
cando em diálogo aspectos teórico-metodológi- interior de determinados processos pedagógi-
cos da Fenomenologia Hermenêutica, encetada cos na escola.
por Van Manen (2003), e a Grounded Theory,
ou teoria fundamentada nos dados, a partir da
- 248 -
· COUTO, Mia. O gato e o escuro. São Paulo: Cia Professor no Centro de Artes e Letras da Uni-
das Letras, 2008. versidade Federal de Santa Maria (UFSM) e
no Programa de Pós-graduação em Educação
· COUTO, Mia. Estórias abensonhadas. São (UFSM), na linha de pesquisa Educação e Artes.
Paulo: Cia das Letras, 2012. E-mail: leonardo.charreu@gmail.com
RESUMO Introdução
Este artigo sintetiza uma parte da pesquisa Este artigo apresenta um recorte da pesquisa
de mestrado, intitulada “O Ensino Médio em de mestrado “O Ensino Médio em logotipos,
logotipos, cartuns e na interpretação de Es- cartuns e na interpretação de estudantes”,
tudantes”, que está em fase de conclusão no realizada no Programa de Pós-graduação
PPGAV-UFPB|UFPE. O objetivo, deste texto, em Artes Visuais (UFPB/UFPE), entre 2015
é analisar um logotipo do MEC e um cartum, e 2016, encontrando-se, neste momento, em
divulgado na internet, sobre o Ensino Médio fase de conclusão. A investigação completa
no Brasil. A metodologia envolve uma “Análise busca responder como o Ensino Médio é re-
da Suspeita” dos discursos, com princípios da presentado em logotipos do MEC, em cartuns
Educação da Cultura Visual e da “abordagem veiculados na internet, bem como em outras
multimétodos”. Evidencia-se um discurso an- imagens produzidas por um grupo de estu-
tagônico e persuasivo em logotipos e em car- dantes da Escola Estadual de Ensino Médio e
tuns a respeito do Ensino Médio, com enfoque Profissional Dr. Elpídio de Almeida, da cidade
na pactuação social e em críticas à “baixa qua- de Campina Grande/PB?
lidade educacional”.
A pesquisa analisa um conjunto de cartuns e lo-
PALAVRAS-CHAVE: ensino médio, visualida- gotipos sobre o Ensino Médio no Brasil, bem como
des, educação da cultura visual. o discurso dos estudantes materializado em
imagens autorais. Os logotipos foram elaborados
RESUMEN pelo Ministério da Educação – MEC - e disponibi-
lizados no site oficial – “www.pactoensinomedio.
Este artículo resume una parte de la investi- mec.gov.br”. Sintetizam um discurso pedagógico,
gación de maestrado, titulado "El Bachillera- político e oficial do MEC, sobre o Ensino Médio. Os
to en logotipos, cómics y en la interpretación cartuns foram selecionados, a partir de buscas
de los estudiantes", en conclusión en lo PP- pelo Google, usando as palavras-chave: “ensino
GAV-UFPB|UFPE. El objetivo, en este momen- médio” e “cartuns sobre ensino médio”, publicados
to, es analizar uno logotipo del MEC y uno co- no período de 2011 a 2015. Veiculam, pela ironia
mics sobre la enseñanza secundaria en Brazil. e pelo humor, um discurso social e crítico, em re-
La metodología consiste en un “Análisis de la lação ao Ensino Médio.
Sospecha" de los discursos, con los principios
de la Educación de la Cultura Visual y de la Neste artigo, centra-se a reflexão em um lo-
"abordaje multimétodos". Hay discursos anta- gotipo, elaborado pelo MEC, que representa o
gónicos y persuasivos transmitidos por imá- Programa Pacto Nacional pelo Fortalecimento
genes, respecto a la enseñanza secundaria, do Ensino Médio, e o cartum “Educação à Fun-
con foco en la pactuación social y en críticas do!”, de autoria de Genildo Ronchi, disponível
sobre la “baja cualidad educacional”. no site “www.humorpolitico.com.br/educa-
cao/educacao-a-fundo”. Foram coletados pela
PALABRAS CLAVES: enseñanza secundaria, internet, porque as mídias virtuais também
visualidades, educación de la cultura visual. veiculam imagens que contribuem para confi-
gurar visões de mundo e projeções de sujeitos.
A análise das imagens utiliza o que passamos
- 250 -
a denominar de “Análise da Suspeita”, que é reflete nas instituições, nos meios de comuni-
uma sistematização de alguns princípios da cação, nos objetos artísticos, nos artistas e nos
perspectiva da Educação da Cultura Visual diferentes tipos de público” (HERNÁNDEZ,
para questionar as imagens. Propõe uma aná- 2000, p. 52). A imagem interage com palavras,
lise das interpretações imagéticas, sobre o En- movimento e sons, produzindo uma rede de
sino Médio, considerando a intervisualidade. múltiplos significados (FREEDMANN, 1994).
A intervisualidade pode ser compreendida Esse entendimento é corroborado com a pers-
como uma interação de discursos, um diálogo pectiva da Educação da Cultura Visual, que
entre imagens previamente conhecidas que, considera as imagens como “modalidades de
associadas, promovem outros sentidos. pensamentos que se materializam como práti-
ca social” (NASCIMENTO, 2011, p. 216).
Trata-se de uma pesquisa de natureza quali-
tativa, com uma “abordagem multimétodos” A Educação da Cultura Visual, como campo
(GÜNTER et al, 2008). A partir da visão de emergente, é alimentada e “se efetiva median-
Bauer e Aarts (2002), busca investigar as re- te a articulação de diferentes saberes para
presentações, entendidas como o resultado compreender os efeitos e o poder dos proces-
das relações entre sujeitos e imagens, que es- sos de subjetivação exercidos pelas imagens,
tão ligadas a um meio social. especialmente na contemporaneidade” (NAS-
CIMENTO, 2011, p. 210).
Ensino Médio em logotipos e cartuns
Em relação a esse aspecto, os logotipos e os
A definição da identidade e a contextuali- cartuns sobre o Ensino Médio no Brasil, po-
zação do Ensino Médio e do seu público for- dem associar, constatar, confirmar relações
mante no Brasil é tarefa complexa e inconclu- de forças e de mudanças entre poder e saber.
sa. Algumas tensões residem na dissonância Podem ser uma representação produzida
entre o aprendizado do estudante e o ensino para legitimar ou questionar poderes, valores
praticado. O MEC, por meio do Pacto Nacional e divulgar as demandas e os anseios sociais.
pelo Fortalecimento do Ensino Médio, conce- A “Análise da Suspeita”, sem a pretensão de
be a articulação de ações e estratégias entre esgotar as possibilidades interpretativas e
a União, os governos estaduais e distrital, na analíticas das imagens selecionadas, traz as
formulação e implantação de políticas para seguintes perguntas motivadoras para ana-
elevar o padrão de qualidade do Ensino Mé- lisar os logotipos e cartuns sobre o Ensino
dio brasileiro. Viana (2014), em contrapartida, Médio: quem as produziu? Para quem? Como
propõe uma reflexão sobre a abertura para são divulgadas? Para que? Em que contexto
outros olhares e compreensão sobre o Ensino histórico e social? Em que espaço midiático?
Médio, contribuindo para mudanças curricu- Como foram materializadas? O que podem
lares e que desconstrua ideias generalizantes, significar? O que tem a ver com a vida? (VIC-
fragmentadas e estanques. TÓRIO FILHO; CORREIA (2013), FREEDMANN
(1994), NASCIMENTO (2011)).
Ao analisar as imagens, o discurso é enten-
dido como “uma construção social mutante Os cartuns e os logotipos, divulgados em pá-
no espaço, no tempo e na cultura, que hoje se ginas da internet, abrangem um público mais
amplo por não haver limite geográfico. Criam logotipo, usado pelo MEC, para representar o
uma “realidade social e cultural”, estando pacto nacional pelo Ensino Médio.
abertas aos diversos sentidos, em relação a A função deste logotipo é identificar o pro-
cada contexto e processo interpretativo. Apre- grama Pacto Nacional pelo Fortalecimento do
sentam enunciados comuns aos sujeitos que Ensino Médio, de modo que represente a ideia
interagem com as imagens. de “inovação”, dirigida pela perspectiva de in-
clusão de todos. Materializa discursos políti-
O logotipo é o símbolo de uma instituição e a cos e educacionais, defendidos pelo MEC, para
identifica junto ao mercado e à sociedade. Se- a sociedade brasileira. Busca construir e con-
gundo Peón (2000), o logotipo é uma represen- solidar uma “mentalidade coletiva” sobre sua
tação formada pela linguagem gráfica e visual, qualidade e competência, em relação ao pro-
oferecida para contemplação, deleite e a con- duto ou serviço que desenvolve. Seus funda-
quista do receptor ou visualizador. É uma ima- mentos básicos são o significado e a memória.
gem visual que representa, pela associação, um
conjunto de interpretações discursivas, norma- O logotipo incorpora a “atração visual”, ressal-
tizadas pela cultura do grupo ao qual se desti- tando os sentidos evocados pelos signos gráfi-
na, podendo ser resignificado pelos sujeitos e cos - livro aberto, predominância de linhas re-
pela comunidade escolar. Adiante, expomos o tas, tons de azul e texto escrito com letras em
diversos tamanhos. O design utiliza recursos dante pela melhoria do aprendizado e do ensi-
da intervisualidade, veiculando um discurso no, no Ensino Médio. O cartunista, se inscreve
de trabalho em equipe e comprometimento. como interpretador, politizador e convida seus
Busca expressar um discurso de fácil com- interlocutores a partilhar de sua visão crítica
preensão do programa “Pacto Nacional”. As sobre o sistema educacional.
informações aparecem de forma hierarquiza-
da, com uma simplificação das formas e tipos, O cartum possui discursos repletos de sentidos
com economia e equilíbrio na organização. e confrontações binárias entre o dito e o não
dito, entre o sério e o cômico, a suavidade e a
O cartum, como discurso visual, de forma aspereza, a realidade e o exagero, a sutilidade
irônica e cômica, relaciona-se com situações e o escancarado, entre o convencional e não
cotidianas, políticas e sociais, incluindo a edu- convencional. Cada cartunista, além de um
cação. Segundo Petrini (2012, p. 29), o cartum olhar peculiar, construído na interação com a
“problematiza sujeitos e situações reais por sociedade, possui uma expressividade, traços
meio de personagens fictícios”. identitários e preferências temáticas.
O cartum, em destaque, representa o espaço
ocupado pelo Ensino Médio, em relação às O humor, além de ser um recurso da intervi-
demais etapas da educação formal no âmbito sualidade, evoca um discurso gráfico, cromá-
Fundamental e Superior. tico, simbólico e ideológico. Depende do in-
terpretador para a sua significação. Serve-se
As personagens criança (Ensino Fundamen- da piada, que só tem graça, se o interlocutor
tal) e jovem (Ensino Superior) encontram-se possuir as informações culturais precedentes.
separadas por um fosso, dentro do qual está São os códigos formantes de sua memória e
uma outra personagem jovem, representando sua visão de mundo que geram a crítica, a sáti-
o Ensino Médio. Esta etapa é representada no ra, a paródia e a ironia.
meio do percurso escolar formal dos estudan-
tes brasileiros, sendo reforçados os índices Considerações Provisórias
que demonstram uma melhor avaliação da
qualidade do Ensino Superior em relação ao A capacidade de persuasão constitui uma carac-
Ensino Fundamental e, ambos, em relação ao terística “política e estética” do cartum e do logo-
Ensino Médio. tipo. Nesse sentido, é importante fomentar uma
compreensão crítica das imagens, desfazendo
O cartunista utilizou da expressão facial, de conceitos e discursos pré-determinados, repro-
balões de diálogo e gestos para reforçar um dutivos e estereotipados sobre o Ensino Médio
discurso de baixos índices avaliativos sobre no Brasil. O logotipo e o cartum apresentam dis-
a educação atual. As relações intervisuais, os cursos que podem alienar e legitimar, despertar
condicionantes da produção, do produtor e a criticidade e provocar resistências em discur-
da comunicação, o significado impetrado pelo sos sobre o Ensino Médio. Nestas narrativas é a
visualizador, não são neutros na materiali- imagem que faz o discurso verbal obter sentido
dade deste cartum. Estar no “buraco”, pode abrangente no contexto.
ser depreendido como uma interrupção ou
obstacularização no percurso para o Ensino O MEC, por meio do logotipo, busca veicular um
Superior. O discurso do MEC, apresentado nas discurso de que a melhoria da educação, que
DCNEMs (BRASIL, 2013, p. 146), atribui aos se pratica no Ensino Médio, necessita de um
jovens estudantes o papel de “sujeitos dessa “pacto” entre os sujeitos envolvidos no processo
etapa educacional”. Coloca-os como foco e su- educativo. Neste aspecto, observa-se um an-
jeitos responsáveis pela superação do abismo, tagonismo entre as interpretações propostas
representado pelo Ensino Médio. pelo logotipo do MEC, para o Ensino Médio, e a
percepção crítica da sociedade no cartum.
O cartunista, infografista e professor de artes,
Genildo Ronchi, comenta em seu blog, http:// O MEC entende que é preciso uma inovação
genildoronchi.blogspot.com.br: “Nesta área qualitativa no currículo, com interface entre
a administração pública tem mais para tirar os conhecimentos das diferentes áreas e na
do que para dar! É uma pena os jovem [sic] realidade dos jovens estudantes. Por meio de
ainda estarem passando pelo que passam na seus logotipos e do site do programa “Pacto
educação do ensino médio, principalmente!”. Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Mé-
Apreende-se, no discurso, um antagonismo dio”, busca atingir um público de jovens estu-
em relação à responsabilização do jovem estu- dantes, professores e sociedade que se utiliza
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Referências
ROSILEI MIELKE
· BAUER, M.; AARTS, B. A construção do cor-
pus: um princípio para a coleta de dados qua- Mestranda do Programa de Pós-graduação
litativos. In GASKELL, G.; BAUER, M. W. (Eds.). Associado em Artes Visuais – UFPB/UFPE;
Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: Especialista: Linguística, Letras e Artes – Área
um manual prático. Tradução de Pedrinho A. de Concentração em Arte-Educação – UNC,
Guareschi. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 39-63. Docência no Ensino Superior – UCDB; Gradua-
BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes da em Artes Visuais - UNC. Membro do Grupo
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. de Pesquisa em Educação e Artes Visuais –
Brasília: MEC, 2013, p 144-177. GPEAV/UFPB.
Claudia Saldanha
termediário que facilita o acesso do aluno, seu que se reuniram em torno dela. Conseguimos
usuário, à informação que procura e que pos- ter um corpo de alunos altamente estimulan-
sibilitará ligar sua visão particular com o que te, embora oscilante, entre os cursos oficiais e
é possível fazer. Alunos e professores estarão as oportunidades profissionais. Desenvolve-
em contato, através de cursos teóricos livres mos um trabalho que nos revelou o maravilho-
de curta duração, sempre renovados e per- so poder do debate livre e sincero... Estudar e
manentemente ligados às oficinas... O projeto conviver num clima de livre debate é a contri-
da escola será reformulável a cada semestre, buição que a EAV deixa nesse período de sua
absorvendo a experiência obtida com alunos e existência”.3
professores, incorporando o desenvolvimento
da experimentação de cada um. A viabilidade Segundo o crítico Wilson Coutinho, “... O Par-
da escola de arte está em sua capacidade de que Lage era também um lugar possível para
considerar cada aluno um pensador indivi- uma reafirmação social da cultura após os
dual, e, portanto, um propositor, um descobri- ‘anos de chumbo’... O Parque Lage se oferecia
dor do que é arte”.2 como um espaço ideal para se transformar –
embora sua influência pudesse ser conside-
Na nova estrutura um programa básico obri- rada diminuta socialmente – numa espécie de
gatório para todos os alunos, com disciplinas embate modernizador e democrático em re-
práticas e teóricas, era a porta de entrada para lação ao ensino da arte. Essa nova perspectiva
alunos. Aqueles que demonstrassem possuir vinha acompanhada de outras experiências
um instrumental prático e teórico, através igualmente bem sucedidas no campo da edu-
de testes, teriam acesso imediato às oficinas. cação e da arte... Rubens Gerchman chegava
Dentre as oficinas constavam 3D (madeira e com um repertório de novidades que logo viria
modelagem), 2D (pintura e desenho), Gráficas balançar a nova estrutura da instituição... O
(serigrafia, lito, xilo, metal, offset), Oficina do Instituto [de Belas Artes] estava, como inúme-
Corpo, Cenografia, Fotografia, Cinema, Cerâ- ras escolas de arte no Brasil, vivendo um tem-
mica, Tecelagem e Modelo Vivo. As oficinas po descompassado, desatualizado e, material-
eram conduzidas por artistas como Dionísio mente, sem verbas. Mas isto não era novidade.
Del Santo, Marcos Flaksman, Sérgio Santei- Velha, também, era a própria noção de ensino
ro, Gastão Manoel Henrique, Helio Eichbauer de arte no Brasil, onde a circulação entre sa-
e Roberto Magalhães. De acordo com Gerch- ber acadêmico e moderno mistura-se numa
man, o objetivo da escola era o de propiciar argamassa que acaba por edificar o conheci-
a vivência com artistas e também equipar o mento da arte entre nós”.4
aluno com uma visão do que seria arte con-
temporânea. Com a saída de Gerchman, em 1979, outras
gestões sucederam-se e dedicaram-se, cada
“Ao se reunir, em 1975, um grupo de profis- qual à sua maneira, às práticas de ensino da
sionais ligados a diversas áreas das artes vi- arte. Embora os diretores que se seguiram à
suais viu-se diante daquilo que era ao mesmo fundação da escola tenham criado diferentes
tempo uma grande oportunidade para o des- estruturas, a ideia fundadora de educação
envolvimento de saudável troca de experiên- plural que emancipa o aluno a um propositor,
cias e uma tarefa de insondável dificuldade: permaneceu. Aos poucos, um modelo de esco-
a criação de um currículo para uma escola de la de arte mais previsível, de oficinas indepen-
estudos livres. Uma escola livre é uma escola dentes, conduzidas por diferentes professo-
que não diploma, que não ‘forma’. Em con- res, foi implementado. No entanto, a principal
trapartida, ela também não exige do aluno característica criada pela primeira gestão - a
um “nível” de aprendizado (seja ele primário, de uma escola aberta, de ensino livre - conti-
secundário ou superior). Isto faz com que os nua até hoje.
alunos em ‘formação’ fujam dela em procura
das escolas oficiais e que os alunos que a pro- 3. ALGUMAS NOTAS
curam não se sintam ‘compromissados’ pela
perseguição de seu certificado. O grande valor O período de criação da escola foi repleto de
desta escola não é uma ideia, mas as pessoas iniciativas renovadoras e independentes na
“A Escola de Artes Visuais não é uma escola “Quando cheguei no Parque Lage queria que
no sentido pleno da palavra, porque não tem os alunos passassem por vários ateliês e que
uma estrutura rígida. Mesmo a estrutura que num determinado momento, escolhessem.
implantei nunca foi plenamente concluída. Queria que assistissem aulas de teoria e de
Para mim a Escola sempre foi um clima, uma história da arte. Programei um fórum de ideias
atmosfera”. com palestras todos os dias.Todas as tardes
havia conferências sobre os mais diversos
Para Frederico Morais a Escola de Artes Vi- assuntos. Tirei a Biblioteca do porão e passei
suais, sem uma obrigatoriedade curricular para o Auditório. Queria chamar atenção, sim-
acadêmica, estruturou-se segundo um esque- bolicamente, para a importância da leitura. O
ma de integração entre núcleos práticos e teó- Pátio da piscina era uma importante passa-
ricos. Alunos eram estimulados a permanece- gem entre todos os ateliês. No Salão Nobre fiz
rem o maior tempo possível na escola e a se a primeira exposição do Bispo do Rosário e a
partir daí virou uma sala de exposição”. aquilo que eu me sinto seguro e que faz parte
do meu interesse. Essa liberdade, quando se
“A Escola não deveria ficar apenas ensinando fala em escola livre, está nos dois lados. Está
técnicas porque as técnicas são muito efême- também em como o professor atua e o que es-
ras, são superadas. O ateliê, a oficina é onde colhe pra oferecer para o aluno.
você estiver e o material é aquele de onde se
estiver. Se for numa praia, o material é a areia, CS - É interessante notar que algumas pes-
o vento, a água... Levava meus alunos pra soas procuram a EAV para se preparar para
praia quando queria falar de land art; levava um curso universitário mas também vemos o
para o supermercado quando queria falar de contrário.
pop art e quando queria falar de minimal art,
alugava um ônibus para visitar as estruturas LE – Houve uma época em que a separação era
industriais dos gasômetros”. total. Quem estudava no Parque Lage não ia
para faculdade. Não havia cursos de pós-gra-
4.2 Luiz Ernesto | dezembro de 2015 duação e hoje existe um trânsito para lá e para
cá de artistas que querem um embasamen-
Claudia - O que torna a EAV Parque Lage uma to em nível de pós graduação. Mas o Parque
escola tão singular diante de um panorama Lage tem esse lado de atelier, o lado de você
cada vez mais amplo e, em alguns casos, acessí- produzir o trabalho e discutir essa produção.
vel de programas de formação para o artista? A pós-graduação geralmente está ligada a
uma tese que é escrita. Mesmo que como ar-
Luiz Ernesto - Podemos analisar aqui, simpli- tista você tenha seu trabalho como assunto da
ficadamente, dois modos de abordagem da tese, o que vai resultar é um texto, é um dizer
formação para o artista. Ou se considera um sobre que nem sempre se mistura com a coisa,
currículo preestabelecido que deve ser segui- porque o dizer tem um limite em relação à coi-
do por todos os alunos, modelo este, em geral, sa. Quando o aluno volta para o Parque Lage é
seguido pelas universidades e indiferente às para ter essa abordagem diretamente ligada à
suas singularidades, ou o oferecimento de produção, sem a mediação de textos. Não que
uma ampla variedade de cursos que pode ser a parte da teoria não seja importante. Acho
escolhido pelo aluno de acordo com suas espe- fundamental. Mas ali você levanta as ques-
cificidades e interesses, caso da EAV. Assim, tões teóricas a partir da produção, ao menos
alunos que frequentarem a mesma escola não nos cursos chamados práticos. Acho que isso
necessariamente seguirão o mesmo currículo. faz falta às vezes na pós-graduação. Tem gen-
Deve-se considerar também que nos cursos de te que está fazendo doutorado e volta para o
mestrado e doutorado, hoje disponíveis para Parque Lage para fazer cursos que você nem
os artistas, a meta é a tese, ou seja, um texto, imagina que fossem procurar. Essa é uma ca-
que mesmo tendo o trabalho do artista como racterística da escola.
tema, difere-se do processo de realização e
criação deste mesmo trabalho. Na EAV po- CS – Que aspectos seriam mais importantes
de-se focar nesse processo tendo como meta desenvolver na formação do artista hoje?
o aprimoramento do trabalho. Você acha importante a formação teórica e o
conhecimento sólido de história da arte.
Quando a gente fala de escola livre pensa na
relação da escola com o aluno. Ele tem liber- LE – Acho que produzir algo de arte é uma
dade de escolher sua trajetória, o curso que criação de significados, é juntar coisas que
quer fazer, o tempo que vai permanecer na produzam um outro significado. Necessaria-
escola... Mas há um outro dado importante que mente, ao discutir significados você está dis-
é a liberdade do professor. Porque é diferente cutindo teoria. A arte não nasce como uma
numa universidade. O professor que faz um bolha. Ela tem uma referência histórica, tem
concurso entra pra dar uma determinada ca- séculos de existência, tem discussões atuais
deira. Ele tem um planejamento preestabele- e abordagens de autores diferentes, de ques-
cido que não foi ele quem organizou. Mas esse tões diferentes. O artista tem que estar an-
tipo de coisa não acontece no Parque Lage. O tenado com essas coisas. Acredito ser útil ao
professor elabora um projeto de aula de acor- artista uma boa formação teórica. Um con-
do com aquilo que ele tem mais afinidade, com hecimento sólido de história e teoria da arte
o que ele está mais interessado, mais sintoni- é fundamental para sua formação. O trabalho
zado. Nesse aspecto há uma chance de quali- de atelier, embora não seja importante em
dade na aula muito grande porque eu vou dar alguns projetos artísticos, não se reduz a um
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Parque Lage que se formaram na Belas Artes e escritores acabaram se encaminhando pro
e que dão aula na EAV. É interessante como seu espaço natural, as livrarias, as editoras, os
as coisas se cruzam, se contaminam. Não tem cinemas... As pessoas se encontravam lá por-
mais essa coisa de que a escola segue uma que não podiam se encontrar em outro lugar.
orientação X. Ao menos em relação ao Parque Hoje não é mais assim, felizmente. Mas a esco-
Lage... acho isso muito rico. Acho que a escola la preservou esse espaço aberto para as mais
reflete muito o que se produz em arte hoje. variadas formas de expressão.
CS – A escola está sediada em uma mansão do CS – Você acha que a EAV vai continuar se
início do século XX, localizada em uma reser- reinventando, se adequando, se moldando?
va florestal, num prédio construído original- LE - Eu acho que a única maneira de ela sobre-
mente para um casal que promovia concertos viver e ter um sentido é se ela fizer isso. Es-
e saraus. Hoje possui um local de exposição tamos vivendo um momento meio tenso mas
muito cobiçado. Você acha que o entorno, o espero que a própria situação de crise seja
local, a piscina, a arquitetura tem um signifi- uma maneira de inventar alternativas. Espero
cado importante para a escola? que isso dê uma luz para as pessoas que estão
hoje responsáveis pela escola para que ela
LE – A escola só se desenvolveu na direção continue se reinventando. Se você não tem um
em que se desenvolveu por estar ali, naquele plano B, um jogo de cintura, aquilo ali acaba.
lugar. Se ela tivesse acontecido em qualquer Espero que essa crise ajude, num certo senti-
outro prédio, qualquer outro bairro, qualquer do, a repensar essa escola, manter ela viva pra
outro lugar, seria outra escola. O Gerchman que ela exista.
era um artista, não um teórico. É lógico que ele
pensou a escola, elaborou um projeto mas a es- CS - A curta trajetória de propostas tão semel-
cola foi se moldando naquele lugar. Coisas que hantes como o Atelier Livre do MAM, no Rio, a
não davam certo iam ficando pelo caminho. As Escola Brasil, em São Paulo, e a Escola Guig-
que davam certo iam adiante. É um processo nard, em Belo Horizonte, que depois tornou-se
de adequação do mais apto. A arquitetura do acadêmica (1974), nos faz refletir sobre a per-
lugar, o fato de se ter um um pátio central manência da EAV e seu modelo de escola livre.
onde as pessoas de cursos diferentes se en- O que você pensa sobre isso?
contram... Esse aspecto orgânico da escola, de
se moldar aquele espaço, influenciou muito LE - A EAV desenvolveu-se de uma forma or-
o que deu certo e o que não deu. Há também gânica, moldando-se de modo a adaptar-se ao
uma condição de precariedade de verbas que, espaço físico que ocupa, às dificuldades finan-
por mais que se tentem soluções, nos depara- ceiras e ao universo da arte nos diversos mo-
mos com isso de novo. Esse lado alternativo mentos. A omissão do Estado, por muitos anos,
que a escola sempre teve se deve a isso. Em permitiu que sua condução fosse feita intei-
termos de praticidade talvez não fosse o mel- ramente pelos artistas e críticos. Isto gerou
hor lugar mas aquele ambiente é inigualável. um sentimento de que a escola, apesar de ser
Isso teve uma influência muito grande na his- um órgão da Secretaria de Cultura do Estado,
tória da escola. era um espaço de artistas e da arte e que sua
condução não sofria interferências motivadas
CS – O fato de a EAV ter sido palco de tantas por orientações políticas do governo do Estado
coisas importantes, filmes, shows, manifes- (considere-se também que o nome dos dire-
tações como a do MAM, traz pra escola um sig- tores foram, em várias ocasiões, sugeridos à
nificado, uma simbologia? Secretaria de Cultura pela própria escola que
os debatia em reuniões internas). A maneira
LE – Sem dúvida. Apesar de ser uma escola de informal que caracterizou a relação de tra-
artes visuais, sempre foi um lugar de encon- balho entre professores e a escola, aceita por
tro das mais variadas formas de expressão todos durante anos, demonstra este espírito
artística - teatro, música, poesia, dança e ou- de pertencimento à um projeto coletivo. Acre-
tras áreas. Tudo isso vai agregando sentidos e dito que este espírito de cumplicidade evitou,
importância à escola. Já estava na semente do durante muitos anos, a tradicional separação
Gerchman e, felizmente, a escola preservou. entre eles (Estado, direção, patrões) e nós (pro-
A escola foi fundada na época da ditadura. fessores, artistas, funcionários), contribuindo
Nada podia ser feito em lugar nenhum. Era para a longa existência da escola.
uma espécie de oásis, uma bolha de liberdade
no meio da repressão. Depois, muitos poetas
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4.3 Helio Eichbauer, janeiro de 2016 ciplinar que envolvia antropologia, sociologia,
mitologia, enfim.
CS - Em sua entrevista concedida ao Instituto
Rubens Gerchman você declara ter sido um CS - A Lelha Gonzales também estava lá?
dos primeiros artistas a ser convidado por
Gerchman. Nos conte como foi o momento in- HE - Convivi muito com Lelha. Era mais amigo
augural da escola. Lina Bo Bardi também cola- de Celeida Tostes. Fizemos trabalhos juntos
borou com a criação da escola? na floresta. A escola foi criada em 1975 mas
começou mesmo com um curso de verão em
Helio Eichbauer - Lina estava como orientado- 1976. Eu tinha um curso de análise de símbo-
ra, uma pessoa na retaguarda porém, de van- los. Era um programa que eu havia desenvol-
guarda. Quando eu voltei da Europa, depois de vido também na Escola de Belas Artes, como
estudar na Universidade de Praga, com Joseph coordenador do curso. A disciplina não era
Svoboda, comecei a trabalhar com teatro. Nos só cenografia e arquitetura cênica. Envolvia
anos 1970 ingressei como professor na Esco- também literatura, poesia e também artes
la de Belas Artes e fui coordenador do curso plásticas, porque era uma escola de artes vi-
de cenografia. Nesse período em que estava suais. Alguns alunos migraram pra Escola de
dando aulas de cenografia e arquitetura cê- Artes Visuais e até hoje fazem meus cursos.
nica, primeiro no prédio do museu e depois no Depois que eu lecionei em 1978, voltei ao Par-
Fundão, o Gerchman me chamou, em 1974, que Lage quando você me chamou, em 2009,
1975, para participar e criar com ele e outros dentro desses moldes iniciais, dentro do rito.
grandes professores. E chamou a Lina pra pen- A palavra rito é muito importante. Quando eu
sar possibilidades e o que seria aquela escola, o comecei a trabalhar era uma época de perfor-
que seria aquele centro de cultura e saber livre. mances, happenings, body art… Era um pe-
Eu tinha já uma experiência didática grande e ríodo muito efervescente dentro de um estado
uma formação muito requintada que incluía a de ditadura. Mas aquela escola representava,
vanguarda Russa e a Bauhaus. Essa era minha na realidade, um espaço livre de criação e de
formação européia. Era muito rigorosa, muito discussão e enfrentava, fazia um contraponto,
metódica e profunda, que abrangia as van- à arbitrariedade de um governo militar e re-
guardas do século XX. Conversei com a Lina e trógrado. Tivemos sorte do secretário de cul-
disse que queria dar uma aula com uma certa tura ser uma pessoa esclarecida, o Grisolli. Era
liberdade, uma aula não acadêmica, sobre a um diretor de teatro, um dramaturgo. Quando
antropologia do teatro e sobre as vanguardas voltei da Europa, em 1966, o primeiro trabalho
do século XX. Esse era meu programa e do que fiz foi com ele e a Cecília Conde. Foi uma
Gerchman também. Essa reunião com Lina foi peça de Eurípedes, uma versão de Sartre, “As
fundamental. Eu disse que queria trabalhar Troianas” que Grisolli estava dirigindo. Eram
como tema as lendas amazônicas, ameríndias, pessoas muito próximas da minha realidade
o Uirapuru do Villa Lobos. Queria trabalhar com como artista e como professor também. Ha-
arte africana e toda a sua influência na arte do via um crítica à escola nos meios acadêmicos
começo do século XX - os expressionistas, o porque achavam que era uma escola livre
Picasso. Falei: “vamos trabalhar com as nossas demais, uma escola licenciosa, podia tudo, as
origens afrobrasileiras, ameríndias e euro- pessoas eram “hippies”… A época política era
péias porque o Brasil é essa mescla, esse amál- muito conturbada. A própria Secretaria de
gama de culturas muito contundentes, muito Cultura tinha me retirado e depois me recolo-
fortes, muito expressivas”. Porque a escola era cou na escola. Nós ganhávamos um salário da
na realidade uma escola brasileira. Gerchman Secretaria de Cultura. Era uma escola gratuita
era da minha geração. Nós nos conhecemos e, nesse sentido, era uma escola livre. Várias
meninos, de colégio. camadas da sociedade, pessoas de gerações
diferentes e de condições financeiras dife-
CS - E tinha acabado de chegar de Nova York, rentes, pessoas pobres, pessoas mais ricas… O
de uma temporada longa. grupo era multidisciplinar, multiétnico e mul-
titude. Era uma escola de artistas plásticos, de
HE – Exatamente. Ele queria e deu condições artesãos e de artistas. Essa questão de artesão
de se criar dentro desse espaço urbano do Rio artista é muito importante porque lembra a
de Janeiro uma escola livre. Não dentro dos Bauhaus, os conceitos e preceitos da Bauhaus.
moldes acadêmicos como a Belas Artes ou O Gropius dizia que o artista tinha que ser um
como as universidades da época, mas uma es- artesão, ter a técnica. Então quando eu apre-
cola com um programa sofisticado, multi-dis- sentei o meu projeto que chamo de antropolo-
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gia do teatro eu não estava dizendo nada que bibliotecas disponíveis. Se queriam ver um
não conhecia antes porque tive uma formação filme de arte tinham que ir à cinemateca do
muito requintada, muito profunda. Nos anos MAM ou do Instituto Goethe. As pessoas se lo-
1960, quando voltei, fiz aqueles cursos incrí- comoviam muito mais, não ficavam plantadas
veis do Museu de Arte Moderna. Eram cursos em casa como todo mundo hoje fica diante do
livres também. Tinha dado aula na Venezuela computador, o que também é muito importan-
e uma passagem por Cuba. Então eu sabia o te. As pessoas tinham que se locomover pra
que estava falando, fazendo e dizendo, defen- aprender, elas tinham que ralar, pegar ónibus,
dendo minhas ideias. se associar à Biblioteca Nacional… Era uma
dinâmica que obrigava a pessoa a flanar mais
A Lina foi muito importante. Chegou a fazer pela realidade da cidade. As pessoas tinham
uma conferência sobre design. Era muito ami- que trabalhar com as mãos. A filosofia grega
ga do Gerchman e minha também. Nós con- existiu porque eles trabalhavam com as mãos.
versávamos muito sobre a programação dos Os grandes físicos e filósofos gregos foram
cursos, o que seriam esses cursos, o que era sempre filhos de pescadores, de camponeses,
criar uma escola? O Gerchman falava muito em que usavam sempre as mãos. O exercício, a
armazém de conhecimento, em atelier livre, criação, a arte, a techné... E isso foi retomado
mas também em informação. Apesar de se tra- na Bauhaus pelo Gropius. Ele falava que o ar-
balhar as vanguardas internacionais era uma tista tinha que ser um artesão, tinha que saber
escola voltada pra questão brasileira também. trabalhar com as mãos. A Celeida, com o barro,
com a argila, recriou um mundo. Havia uma
CS - O Gerchman relatou na entrevista con- questão ancestral, o ritual da criação. Isso se
cedida às filhas que a escola deveria oferecer tratava muito no começo da escola. E ela tinha
aos alunos livre acesso a todos os cursos. Po- uma relação bonita com o jardim que eu tam-
deriam entrar e sair quando quisessem. bém tinha. Minhas aulas muitas vezes eram
realizadas nas árvores, no lago, nas trilhas.
HE - Os alunos migravam de um curso pra outro. Era uma relação profunda com a natureza.
Tinham essa liberdade. Acho isso interessante Levávamos material orgânico para as salas
dentro da proposta de escola. Não ficavam pre- de aula. O Gerchman fez grandes palestras
sos a uma sala de aula e a uma disciplina. Mui- com o chão coberto de folhas e as pessoas sen-
tos saiam de um curso, depois frequentavam o tadas no chão. Isso é uma influência de Lina
meu, depois faziam curso com Santeiro, depois também. A Celeida também trabalhava essa
voltavam, faziam uma aula comigo… Era livre questão plástica do jardim por influência de
nesse sentido. A itinerância dos alunos era Lina que já tinha feito, nos 1950 e 1960, expo-
muito interessante. Era independente de qual- sições com o chão coberto de folhas. Ela tinha
quer trabalho universitário. essa relação profunda com a natureza. Quan-
do Lina construiu a Casa de Vidro, no Morum-
CS - Que autores vocês liam? Havia uma dis- bi, era um terreno desmatado como quase
cussão em torno de algum autor que os que toda grande São Paulo. Ela deixou crescer
motivasse? do nada, tudo. Ela não organizou o jardim. O
Parque Lage é um pouco assim também. É um
EH - Eu lia na época muitos ensaios de antro- jardim inglês que não é desenhado, a não ser
pologia, muita literatura também. Meu curso naquela área em frente à escola. Mas o resto
sempre envolvia literatura por conta do tea- era uma floresta. Não se ficava preso dentro
tro. É uma questão interessante porque nin- do espaço quadrangular da sala de aula. Eu
guém estudou como criar uma escola, como dava aulas no terraço, depois trabalhava com
desenvolver um trabalho. Eu acho que a gen- Celeida, íamos queimar barro, fazer buracos
te foi criando um método ou um não método, e fogueiras, fornos orgânicos. Muitos profes-
uma forma de se tratar essa questão: a arte, a sores foram criando ali a sua forma didática.
sociedade, a vanguarda… Ninguém era pro- Nesse sentido, eu acho que é livre. Na reali-
fessor. As pessoas tornaram-se professoras. dade, foi livre para os alunos mas sobretudo
Eu já vinha de uma experiência didática. O para os professores e artistas que exerceram
Gerchman vinha de uma atividade como artis- ali dentro a sua liberdade, sua criatividade,
ta plástico importante que foi e que é e, como sua transformação. Para mim foi um apren-
disse, muito culto. Quando fui professor não dizado também. Lia-se muito mais do que se
havia computador. Essa relação com o virtual lê hoje porque tinha-se mais tempo, porque
não existia. Quando meus alunos tinham que você não tinha o fascínio do computador que
estudar iam pra Biblioteca Nacional e outras abriu uma janela pro mundo. Naquela época
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BIBLIOGRAFIA
al igual que el manga japonés y clips musica- artística del posguerra. Fue compositor, es-
les creados por la maestra. critor, actor, artista, se movió entre las artes
visuales, la música, texto y representación,
Palabras-clave: visualidades, música, inter- un tipo descontento con los límites estableci-
disciplinariedad dos entre las áreas del conocimiento. Tenía lo
que Walter Mignolo (2003) llama "pensamien-
A principio de 2006, trabajé como maestra de to fronterizo", un trazado de ruta en el borde.
arte, ubicada en una Escuela Secundaria de Cage no caía en cualquier espacio por comple-
San Sebastião -DF. En una tarde de coordina- to, es una cosa y otra, a la vez, no es ni una cosa
ción pedagogica, un compañero me preguntó ni otra integralmente.
cómo haría para enseñar música o artes escé-
nicas, si mi formación fue en las artes visua- Así como la pedagogía cultural de Henry Gi-
les? Frente a la demanda del gobierno que re- roux, definida como pedagogía de los límites
queria enseñar el contenido curricular de las (Giroux, 2005, 2012), trabajar en la frontera
artes visuales, música, teatro y danza juntos, de la creación de la práctica educativa como
decididí aceptar el reto y trabajar con música una forma de producción política, es más una
en el bimestre. No queria apoyar el despro- oportunidad de subvertir el orden estableci-
pósito legal; pero demostrar que la disciplina do en la escuela y el orden cultural, al mismo
Arte podía moverse entre las visualidades, el tiempo, con el fin de relativizar conceptos
teatro o la música si articuladas con los clips predefinidos de lo que sea la música, las artes
de música, material publicitario, las redes so- visuales y la performance. Días y Fernández
ciales y películas que promuevan el diálogo colocan la pedagogía cultural, que me sirvo en
entre la representacion escenica, la música, mi trabajo, de la siguiente manera:
el diseño por ordenador, en un hibridismo sin
límites. Por lo tanto, estaba claro que se ne- Estas propuestas provocan perturbaciones que
cesitaría mucho más que utilizar la Abordaje redireccionan las relaciones entre el arte, la
Triangular, la teoría hegemónica, para poder educación y la política. Una pedagogía cultural
adaptar el contenido de los programas de se conecta a esta perspectiva como la que ocurre
artes visuales con la vida cotidiana de los es- en tensión fronteriza y mantiene una dinámica
tudiantes y la música. Trate de experimentar fluida con la cultura. Al final, se trata de enten-
otras posibilidades lo que en este contexto era der la pedagogía como una forma de producción
una necesidad. Pero mi intención era literal- cultural y la producción cultural como una forma
mente hacer "ruido" en la escuela. de pedagogía. (DIAS; FERNÀNDEZ, 2013, p 141).
Pensé en la cacofonía del mundo escolar y de- Esta relación política y poética entre la educa-
cidí trabajar, en un primer plan, el silencio, la ción y la cultura impulsaron el proyecto hacia
escucha sensible. Cuando pensamos en las ar- una producción artística e pedagogíca. El ma-
tes visuales, la música y el silencio, el trabajo terial visual sobresale a los otros sentidos y los
de John Cage brotó con gran fuerza. Entonces sentidos son afectados por la visión. Cage, sin
era una oportunidad para que los estudiantes embargo, propone la fusión de la audición y la
comprobasen el silencio, el producto visual y visión y ha utilizado objetos de la vida cotidia-
la música del viento, esa canción que normal- na en su música, los instrumentos no conven-
mente no se escucha. cionales, tales como radios, licuadora, bañera,
maceta, vaso de agua, entre otras baratijas. La
En el contexto de la escuela de la comunica- percepcíon visual de estos objetos tienen sen-
ción continua, que no se le permite salir del tido para entender el sonido inusual que no
verbo, "el colectivo se emborracha más en- tuvo su origen en los instrumentos musicales.
fermo, harto del lenguaje, adicto al ruido, por La audiencia de aquelos dias fue capturada
falta de estética, anestesiado" (Serres, 2001, por la percepcíon de los sonidos, así como los
p.87). Me gustó trabajar y partir de la estética estudiantes de hoy se quedan atrapados por
de John Cage para desintoxicarlos del ruido, o los "clips" musicales, donde la fusión de mú-
incluso aumentar el ruido para que se moles- sica y fragmentos visuales conquista a todos.
ten con él y darse cuenta de la realidad ruido-
sa, con otra sensibilidad. Un lunes llegué de forma muy teatral, con
sólo el diario de clase, me senté, lo que no era
John Cage, conocido en el mundo del arte habitual y les dije que hiciesen silencio. Los es-
como el anarquista del silencio, vivió en plena tudiantes se sorprendieron aún más, no era mi
modernidad y se encuentra en la vanguardia costumbre de proceder de tal manera solemne.
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Antes de comenzar la clase dije a los estudian- que no tuvieron el mejor rendimiento, por el
tes que por lo general cuando alguien moría, se contrario, la poesía es casi siempre al margen.
cumple un minuto de silencio en su memoria y Por desgracia, la realidad educativa es selecti-
que mi propuesta era hacer aquella mañana va análiza Onfray:
4'33 de silencio. Quien murió? preguntaron.
Porque 4'33? querían saber los estudiantes. La escuela renunció este tema, ella se contenta
Me quedé muy seria y les informe que serían de reproducir el sistema de las élites, despues,
evaluados por esta actividad que sería un reto. para acelerar el movimiento y la fuerza centrí-
La propuesta fue escuchar el sonido del si- fuga. La mantequilla en el plato de la educación
lencio. Todo el mundo se echó a reír, pero me nacional envía los menos adaptado al margen,
mantuve callada, les adverti que prestasen en los bordes[...]al centro, los elegidos[...]a la pe-
atención a los sonidos que aparecen cuando riferia los domesticos, aquellos que van engro-
nosotros estuviesemos tranquilos para tratar sar la fila de fallidos, los impotentes y misera-
de describirlos, recrearlos en imágenes. Saqué bles (ONFRAY, 1997, p.56).
de mi bolsillo un cronómetro, lo que todavía dió
más seriedad al reto. Rara circunstancia crea- Alimentamos las almas de nuestros estu-
da, donde el ruido cesa, dice Serres "La última diantes con racionalidad pura y muy poca
fuente de ruido habita el colectivo[...]Cuanto imaginación y sensibilidad. A pesar de estar
más la gente se integra menos se lo oye; cuanto incluidos en este sistema injusto, es pertinen-
más molestado por el ruido, menos pertenece te considerar lo que Onfray llama de "estética
al grupo " ( 2001, p. 104-105). subversiva que quiere la risa y la provocación,
la ironía y el absurdo, el juego y la destrucción
Rogar a 45 estudiantes que se quedasen en si- y todavía la belleza" (1997, p.250). En este
lencio tanto tiempo fue duro para mí y aún más sentido, otro trabajo se hacia necessário para
difícil para ellos. Eran 4'33 minutos de agonía. involucrar a los estudiantes en una actividad
Un bromista hacia careta para provocar la risa con un formato más feliz, sonriente y atracti-
en los demás pero en general los estudiantes vo, probablemente menos reflexivo.
tomaron tan en serio que se quedaron con los
ojos cerrados. Incluso con la clase en comple- Entonces, la composición de una canción y el
to silencio, oímos una risa en la distancia, un coro provocaria la risa, la imaginación y quiza
toc toc de tacón alto nel pasillo, una mosca ha- la belleza. El dodecafonismo de Arnold Schön-
ciendo zumbido, el crujido de una silla y otros berg en el contexto de la modernidad podria
sonidos que no son habituales de oir. avanzar con el contenido, incluir el compositor
clásico en la cultura periférica. Relacionar el
Aún no se trataba de la música que hizo el si- plan de estudios com la vida de los estudiantes
lencio a la audiencia, escucha más sensible, en estas propuestas de pedagogías culturales,
silencio que aporta nuevos conocimientos. Al es para que el conocimiento tenga sentido, de
final del tiempo, la cacofonía de costumbre se modo que un abordaje más sensible ocupe el
instaló, así dice Serres "quien habla siempre tiempo, la cabeza y el corazón de los jóvenes. Ir
sufre: adicto a drogas anestesiado do que se más allá del racionalismo puro es siempre un
ha dicho" (2001, p 91), como si el reto propues- reto para el profesor.
to, el callar, era una tarea muy difícil, como si
privado de aire y respirar finalmente, como si La clase que siguió a la actividad 4'33 sirvió
la droga del hablar les faltara. para que los estudiantes entendiesen mejor
la actividad de la clase anterior. En primer lu-
Cuando se quedaron quietos, les pedí que es- gar sentimos, experimentamos para despues,
cribiesen lo que habían oído durante el silen- entender y analizar. Oímos composiciones
cio de 4'33 minutos y entregar la escritura o de Cage, al principio sin la imagen de su ac-
imágenes hasta el final de la clase. Poco a poco tuación, al dar visibilidad a su desempeño se
la sala volvió a silenciar. permitió el reconocimiento de sonidos hasta
entonces incomprensibles. Por consiguiente,
Pero creer que el poder de la experiencia es- las representaciones visuales de los artistas
tética y en la posibilidad de crear poiesis en el que componen la 2ª Bienal de Arte Contem-
contexto de la escuela donde haya un deseo poráneo de Lyon aparecieron en una línea
de trabajar en esta dirección, es en sí misma dialógica de imágenes. La obra pictórica de
circunstancia poética. No es raro, que entre Schonberg hace la transición de la imagen
400 estudiantes aparescan visualidades in- aun guiada por la representación de la rea-
creíbles y casi siempre de aquellos alumnos lidad del siglo XIX hasta el modernismo. He
- 270 -
presentado el trabajo de los artistas como un tisfacen las necesidades de este tiempo.
clip de MTV con la música dodecafonica de
Schoenberg ritmando formas que bailaban, Despues de Cage y de Schomberg introduje
corrían, paravam, silenciaban. los estudiantes a los mantras orientales que
se originaron en el hinduismo. Se trata sim-
Otra mañana ordené que se dividiesen en plemente de una silaba entonada, un poema
grupos y cada grupo pensase sobre la forma religioso cantado generalmente en sánscrito.
de transcribir sonidos a una partitura con có- Aproveche la oportunidad de introducir a los
digos inventados, como por ejemplo el dibujo estudiantes en el arte oriental que ha influido
de una olla que tendría que ser reproducido en el modernismo, mientras que los mantras
con el sonido plaf o un plato roto con el soni- eran entonados las pinturas de un cromatis-
do craft. Como prefiriesen. Los grupos dispo- mo envolvente y otros conceptos estéticos de
nian de 2 clases para crear una composición otras culturas en diferentes momentos histó-
músical y transcribir en códigos. Lo más difícil ricos podían ser apreciados.
es que el grupo tendría que reproducir en for-
ma de canto la partitura en imagines y toda la Presenté a los estudiantes varias represen-
clase tendría que reproducir la música creada taciones de arte oriental. Pero la imagen del
por los compañeros desde la lectura de la par- actor Morita Kanya VIII de 1794 pintado por
titura que se dibuja en la pizarra. Listo, el gru- Sharaku posibilitó informar a los estudiantes
po comenzó a emitir sonidos y el canto y la risa los orígenes del manga japonés y hallé en el
estalló, la alegría juvenil se hiso presente en trabajo de Okano Reiko y Onmyoji de 1994 la
la clase de arte. Una circunstancia inesperada articulación del pasado con el presente que
ha permitido la ocurrencia de música, o casi, era de interés de los estudiantes. Relacionar
en las clases de artes visuales. Estas articula- las imágenes de la historia del arte con los
ciones de los contenidos permiten situarnos mangas y mantras me parecíó una combina-
en las zonas fronterizas del conocimiento. ción astuta para involucrar a los estudiantes
y que se interesen por el arte oriental. En las
El arte aquí ampliada en su concepto se en- clases busco mostrar a los estudiantes otras
tiende como poder ético y estético, cuando se representaciones de diferentes culturas, para
articula la poiesis, praxis y theoria se puede fomentar actitudes de tolerancia y considera-
extrapolar sus fronteras como voluntad polí- ción de la alteridad, "por lo que usted acepta
tica de cambiar. Además, se ha de establecer el pluralismo, la convivencia democrática, el
un diálogo transversal con otros campos del respeto de las múltiples perspectivas que en-
conocimiento. La creatividad y el caos, la com- frenta el conflicto y integrando conocimien-
plejidad y la colaboración, pensamiento crítico tos y saberes diversos"(Fernández, 2015, en
y cambio, comunicación y conflicto son vías de prensa). En este sentido, valorar las diferen-
mano doble que perseguimos. tes representaciones artísticas, puede en el
contexto de las escuelas cambiar prejuicios,
La importancia de estar en el grupo, actuando incluyendo también las prácticas artísticas
como grupo promueve la alegría del momento, subalternas de Asia y África, por ejemplo.
el placer de la creación es magia que ofrece el
compromiso, la repartición y la entrega. Entre- Las clases siguientes fueron de actuación de
tener a la gente joven con nuevas ideas, envol- los grupos que se dirigían a la pizarra y escri-
verse con retos creativos, poner en tension las bian sus partituras. Cantavan mezclando jazz,
certezas impuestas impulsarlos hasta el límite mantras, música dodecafónica y atonal en voz
de sus posibilidades es reconocer el poder de la alta. Algo así como: AH Ba Uhh Vijig DU aii Bo
juventud de la transformación de las propues- Guu. La risa, aplausos y silbidos finalizaban las
tas educativas en apropiaciones sensibles. presentaciones. En las ventanas de las clases
vecinas estudiantes acudieron a ver las pre-
Michel Maffesoli (2014) dijo que no proyecta- sentaciones. Sonidos de: Oh Tic Bum Oh Tic EH
mos otro futuro que está por venir, no busca- entonados por cuarenta voces causó un albo-
mos la sociedad perfecta para mañana y que roto en la escuela.
las generaciones más jóvenes viven el presen-
te sin retrasos, lo que les da importancia es la Esta experiencia de aprendizaje era más una
intensidad de estar con los demás, para vivir ocasión de enlace de los planes de estudios, de
el momento, los jóvenes se adaptan, se ajustan diálogos entre las áreas del conocimiento y un
y debemos tener en cuenta este pensamiento reto no sólo para los estudiantes, pero espe-
para reordenar las metodologías que ya no sa- cialmente para el profesional de forma a es-
- 271 -
tablecer las conexiones entre poiesis, praxis y · FERNÀNDEZ, Tatiana; DIAS, Belidson. Peda-
theoria, moverse a través de fronteras, entre gogias Culturais nas entre viradas: eventos
los conceptos y discursos, entre las prácticas visuais & artísticos. Em: MARTINS, Raimundo
y los haceres pedagógicos y poética de per- e TOURINHO, Irene (Orgs.) Pedagogias Cultu-
formances artísticas. Estos eventos tienen el rais. Santa Maria: Editora da UFSM, 2014.
potencial de cautivar, transgreden o trans-
mutan la realidad educativa en la poesía mu- · FERNÀNDEZ, Tatiana. Eventos Artísticos
sical al mismo tiempo en la poesía visual. La como pedagogia cultural. Brasília, Ed. Uni-
poética ajusta esta intersección, no como una versidade de Brasília, 2015. (No Prelo)
búsqueda, sino como una consecuencia.Toda
la producción de la educación como un pro- · GIROUX, Henry. Border Crossings: Cultural
ceso de uno convertirse en persona y poiesis, Workers and the Politics of Education. New
son procesos que deben ser considerados, ya York: Routedge, 2005.
sea como vivencias y experiencias artísticas o
como una posibilidad de rehacer historias de · GIROUX, Henry. Dangerous Pedagogy in the
sí mismo y nuestra relación con el mundo, en Age of Casino Capitalism and Religious Funda-
el mundo y sobre el mundo. mentalist.Truthout.News Analysis. Wednesday,
29 February, 2012, 05:17. Disponível em:http://
REFERÊNCIAS truth-out.org/index.php?option=com_k2&-
view=-item&id=6954:dangerous-pedago-
· DACHY, Marc; RASPAIL, Thierry; PRAT, Thie- gy-in-the-age-of-casino-capitalism-and-reli-
rry. Et tous ils changent le monde: deuxiè- gious-fundamentalism. Acesso em 23 jul. 2015.
me Biennale d'art contemporain. Lyon: Fot,
1993. · MIGNOLO, Walter. Local Histories/ Global
Designs: Coloniaity, Subaltern Knowledges
· DIAS, Belidson; FERNÀNDEZ, Tatiana. Mapas and Border Thinking. NJ: Princeton Univer-
de interseções na educação em visualidades: sity Press, 2012.
Evento artístico como pedagogia. Em: Visua-
lidades, Goiânia v. 11 n.2 p. 137-161, jul-dez · ONFRAY,Michel. Politique du rebele: Traité
2013. de résistance et d’insoumission. Paris: Édi-
tionsGrasset&Fasquelle, 1997.
- 272 -
1 - Pesquisa de doutorado intitulada ‘Aprendizagens cotidianas’, iniciada em 2014 junto ao Programa de Pós
em devir: entre visualidades de excessos e narrativas Graduação em Arte e Cultura Visual, UFG
- 274 -
seada nas artes (PEBA). A aproximação com imagens não permaneçam estáticas enquan-
essas abordagens metodológicas não vem to registros de uma realidade. Partindo de
do intuito de neles encaixar a pesquisa, mas escolhas sobre que e como fotografar, foram
como um aporte para embasar determinadas priorizados enquadramentos nos quais as in-
escolhas e planejar estratégias de diálogos formações nem sempre estão evidentes, mas
e ações com os espaços e com a escrita. Uma dizem de um conjunto de sensações sobre algo
escrita autoral, que considere a influência do que acontece visualmente de forma múltipla
outro no desenrolar de nossas noções de mun- nos percursos. Por não serem representações
do, que emerja da experiência com a imagem evidentes, o modo de fotografar já deixa vazão
e convide o leitor a aprender de suas próprias para desencaixes interpretativos: as imagens
experiências nas provocações silenciosas ou mostram menos do que foi visto e, nesse va-
excessivas entre imagens e textos. zio de significados ela acaba oferecendo mais
possibilidades de apropriação por quem as vi-
Entre meu corpo e a cidade sualiza. São incompletudes que se alimentam
das singularidades do outro. São excessos que
A fotografia transpassa todas as etapas da in- encontram territórios de assentamento nas co-
vestigação e permite ensaiar respostas para nexões produzidas em narrativas dialogadas.
fazer indagações sobre o que aprendizagens
em devir podem produzir em uma pesquisado- Nos diálogos compostos por deslocamentos
ra e em uma pesquisa quando atravessadas por os conceitos de afecto e percepto, de Deleu-
visualidades e percursos urbanos. Começando ze e Guattari, entram na investigação como
por movimentos cotidianos nos arredores do ferramentas de narrativas entre cidade, fo-
bairro onde a doutoranda passa a residir na tografias, textos e aprendizagens. Quando
cidade de Goiânia, fomos observando as práti- fotografamos visualidades onde priorizamos
cas vividas pelos moradores. Das visualidades algumas recorrências que insistem cotidia-
recorrentes, selecionamos aquelas que, de al- namente, estamos fazendo escolhas a partir
guma forma, a provocam a pensar e aprender de percepções vividas. Para que essas ima-
atravessada por esses encontros. gens ressoem para além de um ‘eu’ fotógrafa,
elas precisam preceder a narrativa pessoal,
Ao selecionar acontecimentos visuais e tentar tornando-se elas próprias repletas de vida
movimentá-los através da fotografia, vamos (DELEUZE; GUATTARI, 1992). A partir dos
pensando em modos de fazer com que essas perceptos, daquilo que, por menor que seja, se
- 275 -
que rasgam, sobrepõem informações, até as e processado com a mesma intensidade com
intempéries do tempo, que modificam a mate- que foi enunciado, essas trocas envolvem ex-
rialidade do papel, sujam, amassam e o mes- cessos, aparentes exageros, sobras que não
clam às demais visualidades do cotidiano. sabemos onde encaixar, perguntas que ul-
trapassam condições de respostas. Ao mesmo
Nesse movimento, a imagem dispara pensa- tempo, envolvem também vácuos porque ad-
mentos que possibilitam a escrita de novas na- mitem nossa incapacidade e despretensão de
rrativas, somando outras conexões aos acon- compreender totalidades. No papel de dispa-
tecimentos visuais. Assim, as participações radora de pensamentos, pela imagem se “bus-
não linguísticas de quem habita a cidade al- ca o sentido denso e intenso das coisas e [se]
cançam dimensões inefáveis, tornando o sutil estuda formatos alternativos para evocar ou
mais vívido e significativo (BARONE; EISNER, provocar entendimentos e saberes”, tal como
2006). São experimentações através das quais Dias (2013, p.25) descreve os caminhos em-
vamos reconhecendo não apenas hábitos e preendidos pelos pesquisadores que utilizam
pensamentos específicos dos moradores, mas a Pesquisa Educacional Baseada nas Artes
os efeitos de suas práticas sobre a imagem e (PEBA). A aprendizagem, assim, se desenvol-
sobre quem pesquisa, quando nos colocamos ve pela provocação, pelo convite à dúvida, pelo
(a imagem e a pesquisadora) expostas às ins- retorno aos mesmos lugares e imagens justa-
tabilidades da rua. mente para percebê-los em processo, para du-
vidar de certezas anteriores e movimentá-las
Meses depois, em posse de imagens impres- em novos devires, deixando-se contaminar
sas, interpelamos alguns moradores e os con- pelas falas e ações dos outros.
vidamos a conversar sobre a cidade a partir
dessas imagens (segunda movimentação de Entre a escrita e o leitor
afectos). Isto se dá em diálogos mais diretos,
mas nem por isso mais completos e definitivos, Reconhecendo o corpo do pesquisador como
ao passo que cada pessoa inventa as imagens parte saliente do processo de investigação,
e a cidade a partir de si, somando novas possi- Spry (2001) acredita em um borrar de fron-
bilidades aos percursos já percorridos. teiras entre o pessoal e o social através da
interação. Esse social não diz respeito apenas
A aprendizagem que temos buscado nessa ao contexto no qual um autor se insere para
pesquisa decorre desses desencaixes dos en- realizar a pesquisa, mas também às suas ca-
contros com a cidade, experiências que não pacidades de produzir uma escrita que envol-
podem ser contempladas por um relato, nem va o leitor, que o provoque a pensar sobre seus
apreendidas por uma repetição de percursos, lugares nessa trama. Para provocar necessita-
mas que podem servir como disparadoras de mos antes ser provocados, realizar ações que
desejos. Ellsworth (2012), a partir de DeBolla, nos façam duvidar de certezas iniciais, que
apresenta o conceito de ‘eu aprendente’ (lear- nos enredem ao social para que nossas escri-
ning self) para tratar de caminhos de apren- tas não se limitem a contos confessionais.
dizagens que acontecem em movimentos/ Excessos e intervalos na narrativa criam cur-
sensações que borram fronteiras entre o eu, o vas, linhas diversas que escapam do relato
outro e os espaços. Nas palavras dela, linear, nos forçando a escrever por vazios
poéticos, acrescentando as incertezas da ex-
não posso decompor minha sensação/movimen- periência para que o leitor perceba as insta-
to desse cruzamento numa explicação dele, mas bilidades do processo e trace seus próprios
posso gesticular as coordenadas de sua passa- percursos de aprendizagem.
gem e convidar você junto, num itinerário – uma
pedagogia – designado para abrir um intervalo Convém enfatizar que uma tese não acontece
para que você caia para o lado de fora daquilo somente através da experiência com lugares
que já sabemos. Se esse intervalo se abrir para e pessoas e da escrita sobre isso. Ela envolve
você, e se você cair, o meu itinerário vai ser encontros com autores e conceitos que nos
transformado pelo seu, enquanto ele emerge acompanham e nos ajudam a desenvolver
em processo, e no caminho para um destino pesquisas coerentes e embasadas. Quando
unicamente seu. (ELLSWORTH, 2012, p.162, lemos, nos deparamos com leituras que nos
tradução livre) inspiram a escrever, não com as mesmas pa-
lavras que o autor utiliza, mas com um desejo
Sabendo que nesses itinerários nem tudo similar ao que o autor teve pelo leitor enquan-
pode ser dito e nem tudo que é dito é ouvido to escrevia (Barthes apud Oliveira, 2015). Não
- 277 -
se trata de quais palavras utilizar, mas do de falar errado, o amendoim plantado pelo
quanto essas palavras, ao se conectarem às chaveiro na praça, o incômodo com os foras-
imagens, convidam o leitor a nos acompanhar teiros, a curiosidade sobre a arte contemporâ-
nesse processo de aprender. Oliveira (2015) nea, a árvore que não mais floresce porque
diz ainda que uma “escrita precisa estar per- foi podada, a cultura do medo trazida pelos
meada de vacúolos, de silêncios, para que o jovens de outros estados, a preocupação com
leitor tenha algo a dizer, e disponha da chance a perda, os lamentos, as saudades, os desejos?
de duvidar, contestar, refutar e acrescentar” Nos excessos de vida que ecoam de moradores
(p.451). Com isso, a escrita autoetnográfica quando percorremos a cidade, vamos enten-
parte de resíduos culturais ao mesmo tempo dendo, duvidando, provocando, escrevendo,
em que inscreve no texto resíduos a serem conversando e aprendendo a pesquisar com
explorados pelos leitores. Imagens que trans- imagens.
bordam sensações e pensamentos, que não
se identificam plenamente com os lugares de Referências
onde se desprenderam, ainda que conservem
uma familiaridade suficiente para dar início a · BARONE, Tom & EISNER, Elliot. A Pesquisa
uma conversa: ‘é uma praça’, ‘é um dia de sol’, Educacional baseada nas Artes. In GREEN,
‘é uma rua muito suja’. Judith; CAMILLI, Gregory; ELMORE, Patricia.
Complementary Methods in Educacional
Spry (2001) entende que a abertura de uma Research. Nova Iorque: Lawrence Erlbaum
forma estilística na escrita acadêmica introduz Associates Inc. 2006, p. 95-103 (Tradução:
uma espécie de emancipação do corpo e da voz Leonardo Charréu).
através de um discurso que rompe limites e re-
gras acadêmicas e possibilita o que ela chama · DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a
de ‘pesquisa viva’, distanciada da dualidade filosofia. Rio de Janeiro: Ed.34, 1992.
entre mente e corpo. A autoetnografia, para
Spry (2001), precisa propor uma leitura tanto · ELLSWORTH, Elizabeth. Places of learning:
emocional quanto crítica, aliar poesia a um dis- media, architecture, pedagogy. Nova Iorque:
curso teoricamente bem embasado, interrogar Routledge, 2012.
as políticas que estruturam o pessoal, emergir
da experiência vivida pelo investigador, recon- · DIAS, Belidson. A/r/tografia como Metodolo-
hecendo e interpretando os resíduos que a cul- gia e Pedagogia em Artes: uma introdução. In:
tura inscreve na sua subjetividade. DIAS, Belidson; IRWIN, Rita (Orgs.). Pesquisa
Educacional Baseada em Arte: A/r/tografia.
O que a imagem e a palavra mostram é algo mais Santa Maria: Editora UFSM, 2013, p. 21-26.
que se conecta à experiência vivida. Isso porque
o que se vive é movente, é fluido e se compõe · IRVIN, Rita. A/r/tografia. In: DIAS, Belidson;
também pelo acontecimento da escrita. De acor- IRWIN, Rita (Orgs.). Pesquisa Educacional
do com a PEBA, a pesquisa pode ser provocação Baseada em Arte: A/r/tografia. Santa Maria:
artística, focada mais nos processos do que nos Editora UFSM, 2013, p. 28-35.
resultados alcançados, criando, como diz Irwin
(2013), concepções expandidas dos eventos, · SPRY, Tami. Performing Autoethnography:
das condições e dos encontros, tendo em vista Embodied Methodological Praxis. Qualitative
que cada intervenção pode mudar e repensar as Inquiry, 7(6), 2001, p. 606-732.
práticas vividas em um contexto.
· OLIVEIRA, Marilda Oliveira de. Como “Pro-
Provocações Finais duzir Clarões” nas Pesquisas em Educação?
In Revista Educação Pública. Vol. 24, Nº 55.
Seguindo as provocações de Ellsworth (2012), Cuiabá, maio/ago. 2015. p. 443-454.
tentamos nos jogar nos intervalos da pesqui-
sa-cidade, pois é caindo que nos arriscamos a Tamiris Vaz
aprender para além do programado. Não bas-
ta entender o que foi dito, é preciso encontrar Doutoranda em Arte e Cultura Visual pela
intervalos que nos levem para fora da palavra Faculdade de Artes Visuais da Universidade
proferida, que nos façam transbordar novos Federal de Goiás (UFG), Mestre em Educação e
itinerários através de visualidades já tantas Graduada em Artes Visuais pela Universidade
vezes percorridas, pensadas e aprendidas. Federal de Santa Maria(UFSM). Integrante do
Como aprender nos intervalos entre o medo Grupo de Pesquisas e Estudos em Arte, Edu-
- 278 -
Raimundo Martins
como alguém, mas fazendo com alguém, que Alguém só se torna marceneiro tornando-se
não tem relação de semelhança com o que se sensível aos signos da madeira, e médico tor-
aprende. (DELEUZE, 2010, p. 21). nando-se sensível aos signos da doença. A vo-
cação é sempre uma predestinação com relação
Talvez não seja possível saber como uma pes- a signos. Tudo que nos ensina alguma coisa
soa aprende, mas, de qualquer modo como emite signos, todo ato de aprender é uma inter-
aprenda, poderá ser por intermédio de signos, pretação de signos ou de hieróglifos (DELEUZE,
não pela absorção e memorização de conteú- 2010, p. 4).
dos pré-estabelecidos. A Recherche de Proust
é interpretada por Deleuze (2010) como uma O aprender pelos encontros com signos diz
busca inconsciente e involuntária da verdade, respeito a princípio, considerar não só uma
do conhecimento, um aprendizado que é dos matéria, mas um objeto e um ser como se emi-
signos, uma busca pensada não apenas pelos tissem signos a serem interpretados. É nas
depósitos ou sedimentos da memória, mas relações, nos encontros com pessoas ou com
pelas séries de decepções descontínuas, por coisas que ativamos o potencial de mobilizar
essas rupturas que fazem o aprendiz se inte- em nós um aprendizado, ainda que não ten-
ressar por outras coisas. hamos consciência durante o processo, pois é
“ao final que aquele conjunto de signos passa
Se ensinar é ‘colocar sinais para que outros a fazer sentido; e, pronto, deu-se o aprender,
possam orientar-se’, aprender é encontrar-se somos capazes de perceber o que aprendemos
com esses sinais. Isto é, Deleuze tira o acento da durante aquele tempo, que nos parecia perdi-
emissão dos signos (o ensinar) para colocá-lo do” (GALLO, 2012, p.3).
no encontro com os signos (o aprender), não
importa por quem ou pelo que eles tenham sido No entanto, disciplinar e educar os sentidos
emitidos (GALLO, 2012, p.3). é um trabalho árduo. Em Proust e os Signos,
Deleuze (2010) fala sobre o aprendizado como
O que nos movimenta a pensar que os proces- uma dolorosa experiência do mundo, um du-
sos de aprendizagem pelos encontros com os plo movimento de decepção e compensação
signos não estarão mais sob a dualidade de diante da exploração e interpretação dos sig-
responsabilidade, do docente que deva ensinar nos – o que ele chamou de “aprendizado de um
nem no estudante que deva aprender, mas no homem de letras”.
que ocorre quando ambos estão em contato.
Por isso, a relevância de potencializar os en- Trata-se da aprendizagem que acontece expe-
contros, para que o sentido se faça presente. rimentalmente, como um processo constituído
por meio da violência dos signos no percurso
Quando Deleuze fala a respeito do intérprete e de toda a vida. Aprendizado que, neste caso, só
das decepções, ele expõe duas ilusões que co- encontrará a revelação final, a descoberta do
locam a interpretação em perigo, dificultando sentido espiritual ou da essência absoluta dos
o aprendizado: o objetivismo e o subjetivismo. signos na velhice, quando o desejo do verdadei-
No objetivismo, atribui-se ao objeto os signos ro e a natureza reta do pensamento forem aban-
de que é portador. O próprio “objeto” traz o se- donados e as faculdades, adestradas (HEUSER,
gredo do signo que emite e sobre ele nos fixa- 2013, p. 7).
mos, dele nos ocupamos para decifrar o signo.
O subjetivismo deposita nas associações sub- Os signos recortam o mundo sem formar re-
jetivas, no sujeito, as ideias da interpretação lações entre continente e conteúdo, nem re-
dos signos. lações entre as partes e o todo. Se o caminho
do aprendizado passa pelos signos mundanos, rença e movimentar o que propus discutir em
amorosos, sensíveis, até chegarem aos signos educação: a docência e a aprendizagem. Pen-
da arte, tais como apresentados por Deleuze sar a docência a partir de experimentações,
(2010), este sistema não se dá de forma linear o que se experimenta ao fazer uma leitura,
e seqüencial. neste contexto a partir do encontro com um
livro, das significações produzidas no “entre”
O abandono do tempo cronológico e linear leitor e livro, dos significados diante de uma
pela coexistência, talvez seja um dos prin- obra repleta de signos, de uma escrita que
cipais temas que contribuem para pensar a Deleuze menciona funcionar como blocos
aprendizagem pelo encontro com os signos. de sensações, pois ao revisitar as páginas, os
Isso porque, se distancia do racionalismo car- parágrafos, ao realizar um trajeto não linear
tesiano e aborda a importância do corpo, em de leitura, iniciar por um fragmento que nos
específico a superioridade da memória cor- interessa, seja pelas últimas páginas ou pelo
poral sobre a do espírito. Faz-nos pensar tam- meio, a produção de sentido ocorre sempre na
bém em algumas padronizações referentes a diferença, independe de qualquer sequência,
esta temática, como: definição das etapas do circunstância, explicação e representação.
desenvolvimento humano, a fragmentação de
determinados conteúdos e a distribuição dos Em Busca do Tempo Perdido, distribuídos em
mesmos por séries (nas escolas) e semestres sete volumes, constituíram uma das materia-
(nas universidades), isso porque, ao pensar lidades da pesquisa, utilizados para pensar
nesta perspectiva de aprendizagem, ela in- a docência pela garimpagem, para pensar a
depende do tempo de escolaridade e de um relação dos signos com a aprendizagem. Não
possível amadurecimento humano. pretendi fazer uma análise da obra e nem utili-
zei todos os volumes, tampouco das relações do
A LITERATURA COMO UM DISPARADOR autor com os signos que à ele foram afetados,
QUE FAZ PENSAR A DOCÊNCIA no entanto, me pus a pensar nos meus encon-
tros com espaços, coisas e amores, esses signos
Em busca do tempo perdido, obra de Proust, produzidos na docência, nas leituras e na vida.
atuou por estas linhas de pesquisa para con-
versar com os autores das filosofias da dife- Concomitante as leituras, realizei alguns re-
- 285 -
Proust, Marcel. Em busca do tempo perdido: às sombras das raparigas em flor, 2006b, contracapa.
gistros escritos e fotográficos durante minhas amorosos que pensei sobre o aprender através
aulas, seja como professora na escola ou como das experimentações, sobre o aprender ao es-
discente na universidade. Estando à espreita tar sozinho ou em meio a dois.
dos heterogêneos e de possíveis encontros com
estudantes, coisas e acontecimentos. Fiz esse Quero dizer que tais signos atuaram como
movimento de intérprete dos signos, utilizan- forças que fizeram pausas, como momentos
do da atenção cartográfica (KASTRUP, 2009) de aprendizagens solitárias e de desacele-
como uma concentração sem focalização, como ração na docência. Isso porque é um tanto
uma preparação para acolher o inesperado, confortável ao docente adentrar no ambien-
ativação de uma atenção à espreita - flutuan- te de trabalho, desenvolver o planejamento
te, concentrada e aberta - é um aspecto que se para a aula e consultar, mais ao final, o que
destaca na formação do cartógrafo. Ativar esse foi compreendido, permanecendo nessa sis-
tipo de atenção significa desativar ou inibir a tematização. É um processo naturalizado por
atenção seletiva, que habitualmente domina mim e por outros tantos professores, não ten-
nosso funcionamento cognitivo. do em vista o que acontece nas fissuras dessa
mecanização, o que naqueles encontros está
Ao garimpar nas muitas palavras e páginas ocorrendo e que faz fugir de controle certos
dos volumes de Proust, foi quase inevitável momentos, os signos que também nos afetam.
o encontro com os signos amorosos, talvez
porque essas relações, tão intensas para o Esse retiro voluntário, essa solidão desejada, dos
autor, atravessam facilmente aquele que está motivos de busca e de luta do espírito consigo
à espreita dos encontros com esta leitura. mesmo está presente em várias passagens do
Tais signos, que não são os mais importantes primeiro volume de Em busca do tempo perdido,
para mim, talvez nem para o autor e muito quando o narrador relata suas lembranças de
menos para Deleuze, aparecem enredados infância, como o episódio em que aceita uma xí-
na pesquisa porque compõem os movimentos cara de chá com o biscoito de madeleine, ofere-
de vida, fazem parte do que fui encontrando cido por sua mãe. Ao provar, o herói tem um so-
como garimpeira, do que fui produzindo de bressalto e sente “um prazer delicioso” invadi-lo.
sentidos. Além disso, me afetaram naquele Ocorre o despertar por uma experiência senso-
momento de escrita, propuseram um pensa- rial semelhante à que tinha quando sua tia-avó
mento sobre a docência que antes talvez eu lhe oferecia as mesmas iguarias nas manhãs
não tivesse observado, pois foi com os signos de domingo antes da missa em Combray. “Essa
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reflete sobre si mesmo, que tateia o mundo pe- rimpos distintos, por pessoas com pouco tempo
las palavras e pelos sentidos. Ninguém conhe- de estudo, por aquelas que há algum tempo es-
ce esse ‘eu’ que fala, e assim ele é mantido no tão nesse local e também pelas que trabalham
anonimato – sem dados biográficos, sem data com a docência (NEUSCHARANK, 2015, p. 10).
de nascimento, sem sobrenome. Há apenas
um nome de menino, ‘Marcel’, pronunciado Escolher a metodologia da pesquisa pode ser
duas vezes ao longo das milhares de páginas um processo difícil, que exige certo demora-
(GAGNEBIN, 2006). mento, pois diz respeito ao modo como pre-
tendemos operar a pesquisa, compor com ela,
Pensar tais relações na produção de uma pes- costurar os dados aos autores, aos encontros,
quisa é tentar sair de um “eu” egocêntrico a fim ao nosso pensamento, as nossas inquietações.
de ampliar as conexões, pensar as próprias Pesquisar a partir das nossas experiências,
experiências como uma produção coletiva, me parece uma das possibilidades escolhidas
que advém das muitas relações com outras e pensadas por vários pesquisadores no con-
pessoas, coisas e contextos, assim como Larro- texto atual em educação e arte, e em outros
sa (2011) nos propõe, é pensar a experiência âmbitos conceituais. Apesar desses camin-
como um modo de estar no mundo, um aconte- hos apresentarem certas semelhanças, penso
cimento que é exterior, estrangeiro e fora de que uma pesquisa se produz de vários modos,
nós, uma passagem, um risco, um atravessa- de forma singular, pois é necessário apaixo-
mento, uma aventura e um perigo. nar-se pelo método e entrar em sintonia com
os autores escolhidos.
foi suficiente, porque ao realizar o exercício de mos e produzimos o que nos é caro, precioso.
mapear, eu acabava escolhendo questões que O agenciamento entre a garimpagem e a car-
me pareciam prontas, situações que davam tografia, faz pensarmos as possibilidades de
certo, que por sua vez, não condiziam com os uma pesquisa que se produza enquanto ri-
autores escolhidos (pensar uma educação por zoma – “um uso ativo de esquecimento e não
um viés não idealizado, progressista), aquilo de memória, de subdesenvolvimento e não de
que “não dava certo” não ganhava espaço. Des- progresso a ser desenvolvido, de nomadismo
se modo, pensei no garimpo, na procura pelo e não de sedentarismo, de mapa e não de de-
precioso, como esse processo acontecia, e como calque” (DELEUZE, 2006, p.35). Dar visibilida-
seria garimpar o que me acontecia nos espaços de na docência aos heterogêneos, o que ainda
que percorria, como garimpar se parecia com não ganhou sentido, ao inesperado, ao proces-
o movimento docente de procurar o melhor, o so, ao recolhimento do que vamos encontran-
certo, de tentar escolher o que nos agrada em do ao peneirar, selecionando o que nos afeta,
uma sala de aula, isso porque nos conforta, nos nos desacomoda.
traz “satisfação” profissional, e nos faz pensar
que estamos “acertando” como professores.
2 - A orientação coletiva consiste em encontros entre os ceito, um agenciamento só ocorre na existência de dois
orientandos da Profa. Dra. Marilda Oliveira de Oliveira ou mais corpos, isto porque, ele é o próprio movimento
onde discutimos nossas pesquisas, apresentamos ao que ocorre no ‘entre’, na combinação ou ligação de ele-
grupo, este faz uma leitura prévia a apresentação, exa- mentos díspares — sem qualquer hierarquia ou organi-
tamente como no processo de banca e emite pareceres zação centralizada — trata-se de fragmentos ou fluxos
contributivos com sugestões e alterações. das mais variadas e diferentes naturezas: ideias, enun-
ciados, coisas, pessoas, corpos, instituições.
3 - Para Deleuze e Guattari (1995), criadores deste con-
- 289 -
1 - He sees you when you're sleeping. He knows when good for goodness sake!
you're awake. He knows if you've been bad or good,so be
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también de ese proceso depende el resultado cualquier ataque terrorista y delictivo. Con-
de esa información que nos arroje nuestra cordando con Mirzoeff, (2003, p. 17) “La vida
búsqueda es el ordenador desde el cual estoy moderna se desarrolla en la pantalla. En los
procurando los datos, el país, y el explorador países industrializados, la vida es presa de
que se utiliza para realizar la consulta. una progresiva y constante vigilancia visual:
cámaras ubicadas en autobuses, centros co-
Nuestra sociedad esta dominada por la tec- merciales, autopistas, puentes y cajeros au-
nología en todas sus expresiones, dispositivos tomáticos”. Como es el caso de la figura 1, un
de videovigilancia, Circuito Cerrado de Televi- dispositivo de seguridad vigilando un cartel.
sión, ya son parte del decorado de las ciudades
actuales. Pero que son los Circuito Cerrado de ¿Ambiente seguro?
Televisión (CCTV), es un sistema tecnológico
creado por la empresa Siemens AG, para el En las sociedades contemporáneas se afronta
ejercito alemán en 1942, estos querían conse- la dificultad del encierro, jamás se alcanzará la
guir monitorizar el lanzamiento de sus misiles libertad, esto se debe a la excesiva vigilancia.
V2. Consiste en un sistema formado por apa- Como señala (ALCANTARA, 2008, p.100) “ Pre-
ratos de vigilancia conectados a monitores o gúntese a si mismo ¿qué pensaría si cualquiera
televisores. Estos receptores de imagen están pudiera verle tal y como se despierta por las ma-
conectados a una unidad de almacenamien- ñanas, sin vestir, peinar ni duchar? ¿No le gus-
to para estas imágenes, todos los elementos taría poder controlar a partir de qué momento
que integran este sistema están entrelazados pueden verle las personas que le rodean? ”
entre si, por eso se llama circuito cerrado, ya
que las imágenes ingresan por la cámara, se Tomemos como ejemplo Londres, esta ciudad
muestran en un monitor y se almacenan en tiene 1 millón de cámaras que cuidan a sus ha-
un dispositivo. La primera aparición al mer- bitantes, pero en varias declaraciones el Comi-
cado comercial fue en 1949, promovida por sario en Jefe de la policía Mick Neville declaro
la empresa Vericon. Pasaron los años y este que “de los 296 casos de atraco que se registra-
sistema comenzó a ser cada vez mas popular, ron en un mes, solo 8 han sido resueltos con
ya no solo las entidades publicas las usaban, la ayuda de las cámaras”2, estos datos son de
sino que también las empresas privadas lo julio del 2015. Otras de las declaraciones que
incorporaron como una forma de controlar la impactaron a la sociedad son las de Ms. Porter,
seguridad de sus negocios. Comisionado de las Cámaras de Vigilancia en
Reino Unido, donde cuestionado por la BBC
La propagación de estos aparatos electróni- Radio Five Live ante la pregunta si había cáma-
cos se torno indiscutible en ciudades como ras inútiles o en desuso su respuesta fue "Creo
Londres, Madrid o Nueva York, urbes donde que, sin duda hay, porque sabemos que es un
sucedieron atentados terroristas y se coloca- hecho."3 Y agregó: "La actual autoridad local en
ron como elementos imprescindibles contra la región de West Midlands hizo una revisión
2-http://www.eliberico.com/sonria-por-favor-le-es- 3-http://www.telegraph.co.uk/news/politics/11369485/
tan-grabando.html Too-many-useless-and-ineffective-CCTV-cameras-in-Bri-
tain-says-surveillance-commissioner.html
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local y fue capaz de reducir las cámaras que ma la Declaración Universal de los Derechos
eran ineficaces e inútiles a un cuarto de millón. Humanos. En el articulo número 12 anuncia
Si eso se puede extrapolar en todo el país, creo “Nadie será objeto de injerencias arbitrarias
que podemos en realidad todavía mantener el en su vida privada, su familia, su domicilio o
equilibrio de excelente vigilancia, para no te- su correspondencia…”
ner una promulgación de la vigilancia que en
realidad no sirve para nada." La intimidad de las personas debido al desa-
rrollo de las nuevas tecnologías se vio trasfor-
Estas declaraciones es un claro resultado de mada, el incremento del universo informático
que la proliferación de sistemas de vigilancia ha dejado un vacío en este tema. Si tomamos
garanticen que la delincuencia descienda y de forma literal lo que expresa el articulo 12
que también hay demasiadas cámaras que no observamos que este derecho no se practica,
están generando mas que control constante. desde su proclamación hasta ahora la vida
Todo este mundo de la vigilancia social como to- contemporánea tuvo un gran avance. Los ex-
dos sabemos progresó de forma indiscrimina- traordinarios métodos de control y vigilancia
da a partir del 11 de setiembre de 2001, luego son uno de los motivos que puede ocasionar el
de los atentados en New York. Y a partir de ahí deterioro de la libertad individual y social, se-
comenzó una proliferación de la vigilancia y gún Zygmunt Bauman, (2004) una voluntad
abusos sociales. Dos ejemplos de esto, uno ocu- que nació como gracia, se esta disipando como
rrió el 25 de septiembre 2002, en Ohio, Estados resultado de la falta de derechos en lo que com-
Unidos. Bryan Brewer coloco una demanda pete a nuestra imagen y datos personales.
contra el hotel Marriott Knoxville, después de
encontrar una cámara oculta en una lámpara Telepantalla
del baño, descubrió la pequeña cámara de vi-
deo luego de notar un punto negro, al comienzo El fenómeno de la vigilancia contemporánea
creyó que era un insecto, pero resultó ser un nos lleva a comprender el modelo orwelliano
agujero por el cual grababan a las personas. de 1984 y como el Gran Hermano es una in-
Y el segundo ejemplo proviene de Merseyside, terpretación distópica de políticas manejadas
Inglaterra, ocurrido el 13 de enero del 2006. por un control autoritario de la sociedad en un
Dos operadores de cámara del consejo de CCTV futuro. En esta novela el control tecnológico es
espían a una mujer desnuda en su propia casa, elemental, la telepantalla ubicada en la ciu-
fue filmada durante varias horas con su novio, dad mostraba al Gran Hermano observando
cuando iba al baño, al desvestirse y mirar la te- todo, (Fig. 2) es una sociedad sin intimidad,
levisión solo cubierta con una toalla. donde no hay lugar para la privacidad, obser-
vando a los sujetos incesantemente.
Las constantes infracciones crecen día a día
poniendo en tela de juicio la privacidad, que es Han transcurrido mas de sesenta años de la
un derecho que posen todos los ciudadanos publicación de esta novela, podemos decir que
del mundo y que deben de disfrutar y cono- el Gran Hermano no solo se encuentra en las
cer. Por Resolución de la Asamblea General, calles, sino que se encuentra en todos lados y
las Naciones Unidas en 1948 adopta y procla- vienen de la mano de las nuevas tecnologías
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que ejercen una vigilancia mucho mas pene- the television stares back a the Buddha as the
trante que las cámaras de seguridad. Plan- camera stares at the Buddha. What does TV Bu-
teando lo que Gilles Deleuze llama “sociedad ddha signify with closed-circuit video system?
de control”: Could the electronic mediation of visual cultu-
re through television be considered a “closed
Reformar la escuela, reformar la industria, re- system” unto itself within which viewers are
formar el hospital, el ejército, la cárcel; pero todos seduced and anesthetized by the visual tropes
saben que, a un plazo más o menos largo, estas of commodity culture? (GAROIAN; GAUDELIUS,
instituciones están acabadas. Solamente se pre- 2008, p.95-96)
tende gestionar su agonía y mantener a la gente
ocupada mientras se instalan esas nuevas fuer-
zas que ya están llamando a nuestras puertas.
Se trata de las sociedades de control, que están
sustituyendo a las disciplinarias. "Control" es el
nombre propuesto por Burroughs para designar
al nuevo monstruo que Foucault reconoció como
nuestro futuro inmediato. (DELEUZE, 1999, p. 5)
Consideraciones finales
Referencias
Fig. 4. Diseño de Panóptico. Fuente: “Vigilar y
castigar”, 2003. · ALCÁNTARA, J. La sociedad de control. Pri-
vacidad, propiedad intelectual y el futuro de la
(MARTINS; TOURINHO, 2009, p.225) “câmeras libertad. Barcelona : El Cobre Ediciones, 2008.
de telefones celulares, satélites, jornais, revis-
tas e inúmeros outros dispositivos de multimí- · BAUDRILLARD, J. Cultura y Simulacro. Bar-
dia aumentam nossa visão, representam ideas celona: Kairós, 2012.
e ajudam os seres humanos a verem e a serem
vistos” coincidiendo con estos autores, la gran · BAUMAN, Z. Modernidad líquida. Buenos
oferta, el bajo costo de los aparatos tecnológi- Aires: Fondo de Cultura Económica, 2004.
cos crean un camino en el cual los sujetos ya
no tienen que tener ciertas circunstancias para · DELEUZE, G. Conversaciones 1972-1990.
ejercer esa vigilancia, basta con poseer algu- Valencia: Editorial Pre-Textos1999.
nos aparatos, todos estos facilitan de alguna
manera el panoptismo que Foucault describe. · FOUCAULT, M. La verdad y las formas jurí-
dicas, cuarta conferencia. Barcelona: Gedisa,
Hoy en día, los estudios de cultura visual ofre- 1996.
cen una perspectiva, en donde la condición
del ser y su imagen supera la realidad, a la · GAROIAN, Ch.; GAUDELIUS, Y. Spectacle
que antes aquella se constituía como refe- Pedagogy. Art, Politics, and Visual Culture.
rente o medio, en esta postmodernidad como New York: State University of New York Press,
menciona (PRADA, 2005, p.131) “lo visual se 2008.
ha convertido en pensamiento, y ya no es su
resultado, medio o lenguaje”. · MARTINS, R.; TOURINHO, I.(Org.) Educação
da CULTURA VISUAL: NARRATIVAS de En-
Baudrillard4 plantea que el mundo entero ya sino e Pesquisa. Santa Maria: Ed.da UFSM,
no es real, vivimos en el orden de lo hiperreal 2009.
Marcela Blanco
1-Este texto es un fragmento “bricolado” del avance de y Cultura Visual de la Universidade Federal de Goiás.
mi tesis de doctorado del programa de postgrado en Arte
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ciopolíticos de los diversos contextos; si bien Hal Foster, crítico de arte que abordó de mane-
los discursos sobre estos se originaron en una ra amplia la crisis de la representación nom-
estrecha relación con las sexualidades, estas brada en la figura anterior, realizó en 1987
categorías van mucho más allá, interfiriendo, unas jornadas llamadas “Visión y Visualidad”.
inclusive, en la producción y consumo de imá- De ellas se derivaron numerosos textos y es-
genes visuales. tudios que pensaban el papel de campos como
la antropología visual, artes visuales y los
Revisando una antigua discusión nuevos, para la época, estudios de la cultura
visual, todos campos que comenzaron a usar
Comencemos por la provocación del estudiante el concepto visualidad en sus quehaceres.
que sentía la ausencia de imágenes, equiparán-
dolas con el concepto de visualidad. Aunque en Antes de llegar a ese soporte teórico que me
algunos momentos de la materia ya habíamos permite hoy día dar una respuesta mejor fun-
introducido las visualidades como materia damentada para aquel estudiante, considero
para los procesos pedagógicos desarrollados importante remitirnos a algunas definiciones.
en sala, aún persistía en los estudiantes la ne- Anna María Guash, por ejemplo, aporta la si-
cesidad de contacto con las imágenes visuales. guiente definición sobre visualidad,
A pesar de ser un asunto tratado con primor
desde hace algunas décadas, desde el llamado Una disciplina táctica que busca dar respuesta
giro pictórico ampliamente discutido por auto- al rol de la imagen como portadora de signifi-
res como Mitchell (2009) y Hal Foster (2001), cados en un marco dominado por los discursos
todavía persisten brechas en el tratamiento de horizontales, las perspectivas globales, la de-
términos como imagen, visión, visibilidad y vi- mocratización de la cultura, la fascinación por
sualidad, todos ellos conceptos imbricados pero la tecnología y la ruptura de los límites alto-bajo
que no se equiparan. más allá de toda jerarquizada memoria visual
(Guash, 2003, p. 12)
Revisar cada uno de los anteriores términos
no es el foco de este texto; sin embargo, de ma- En su definición, Anna María nos presenta
nera breve centraré la discusión en la relación una visión esperanzadora sobre un concepto
del término visualidad con los demás. Existen de visualidad, visión que también tuve du-
centenas de definiciones sobre lo que signi- rante muchos años pero la cual actualmente
fica visualidad, en mi caso, por ejemplo, en la coloco en duda, pues pareciera que cuando
época en que realicé el encuentro la presenté se habla de visualidades se están profesando
como un “punto de encuentro entre las imáge- procesos más democráticos y hoy reconozco
nes y los imaginarios”, un “punto de encuentro que no es así. Realizo de ese modo una errata
entre los estudios visuales y los estudios de conceptual, sin querer durante mucho tiem-
corte más antropológico” tal como aparece en po coloqué una connotación positiva en el
la Figura 1. Ahora bien, después de varias bús- concepto de visualidades y una connotación
quedas y exploraciones bibliográficas pienso menos positiva en los regímenes escópicos, de
que las visualidades son mucho más que ese hecho algunas veces los usé como antónimos
“punto de encuentro”, inclusive, ellas son las olvidando que dichos regímenes son sistemas
culpables, en el buen sentido, de la existencia de visualidades. Ahora bien, siempre estamos
de esos campos y conceptos mencionados. en proceso de articulación conceptual y la ma-
nera como usamos las palabras, las imágenes
y construimos discursos con ellas cambian.
bir a través de procesos de visión, acción que cuencia, los imaginarios sociales conforman
ocurre por medio de acciones fisiológicas las representaciones y también hacen que las
pero que solamente gana sentido mediante imágenes visuales posean y generen sentidos
las diversas estructuras culturales e imagi- a través de creencias, valores y símbolos. De
narios que conforman las visualidades, el otro ese modo, dichas representaciones se equipa-
concepto que deseo discutir. En palabras de ran con los regímenes escópicos por conducir
los autores, una forma distinta de abordar la las miradas sobre los objetos y los sujetos.
visualidad es tratarla como un tipo de visión
socializada, es decir, la forma como se tornan En síntesis, realizando una revisión bibliográfi-
inteligibles los discursos. ca para el desarrollo de este punto del texto en-
cuentro que las discusiones sobre visualidades
Juan Martín Prada (2013), considera a las vi- están caminando en otra dirección. Ello no in-
sualidades como elementos conformadores dica que yo también deba hacerlo, pero sí llama
de las sociedades, es decir, aquellas narrati- mi atención esa nueva línea de pensamiento
vas que hacen que los procesos de comunica- que coloca sobre las visualidades una carac-
ción tengan diversos matices y condicionen terística negativa usada como pretexto para
los modos como los sujetos producen y con- pensar viejas cuestiones relacionadas sobre
sumen discursos. Esta perspectiva se conecta la dominación de las miradas. No se trata en-
con uno de los conceptos colocados en el mapa tonces que el término visualidad haya entrado
conceptual mostrado y que sería uno de las en desuso, sino que es una alerta para pensar
vías que permite ese “punto de encuentro” que las visualidades a partir de una postura crítica,
llamo visualidades, los imaginarios. una deconstrucción del término y una relativi-
zación de aquello que ya fue dicho sobre ellas.
En consecuencia, podemos considerar los ima-
ginarios como los conjuntos de representacio- Esta nueva percepción de las visualidades
nes simbólicas que determinan las normas y dentro de los estudios de la cultura visual tam-
las interacciones entre los sujetos. Estos tienen bién fundamenta el concepto que he acuñado
como función hacer que, de manera coordina- para este texto, conversaciones hipervisuales,
da, el orden de lo simbólico se mantenga. Los pues refuerza la contaminación positiva de los
imaginarios sociales decretan el lugar de las demás sentidos en los procesos de percepti-
representaciones en las instituciones sociales y vos. Esta perspectiva se distancia de la forma
cabe resaltar que estas negociaciones no siem- como presenté en la ocasión citada al inicio la
pre ocurren de manera tranquila ni equitati- definición de visualidad, pero al mismo tiem-
va. Cornelius Castoriadis (2007), en su trabajo po me ofrece soporte para pensar la propuesta
inaugurador sobre esta noción, reconoce tres metodológica de mi investigación.
componentes de los imaginarios sociales: las
religiones, los mitos y las ideologías. En la última década, a raíz de la diseminación
de medios de comunicación mucho más hori-
La propuesta de este filósofo presenta dos ti- zontales como las redes sociales y de la crítica
pos de imaginarios: los imaginarios instituidos a otros medios convencionales, normalmente
y los instituyentes. Los primeros están confor- liderados por las grandes élites económicas
mados por los discursos que profesan las insti- como la televisión, las contravisualidades, tér-
tuciones sobre y para los sujetos, mientras que mino acuñado por Nicholas Mirzoeff (2011),
los segundos son de alguna manera una opor- aparecen para colocar en jaque a las visuali-
tunidad de agencia para los sujetos, es decir, dades hegemónicas y repensar la autonomía
una respuesta de emancipación a la normali- de las miradas. El autor nos cuestiona del si-
zación y contra los modelos de representación guiente modo: ¿son las visualidades un tema
hegemónica. ultrapasado para hablar de discursos y auto-
ridad? De mi parte y siguiendo el ya usado es-
Las representaciones sociales, por lo tanto, quema de preguntar cuestiono: ¿De qué se ha-
son las formas designadas, a través del sen- bla cuando se hace mención a la autonomía de
tido común otorgado por los imaginarios ins- las miradas? ¿Existe dicha autonomía? ¿Qué
tituidos, para definir los bienes simbólicos y papel tienen aquí las visualidades?
físicos que hacen parte de nuestro entorno.
Ahora bien, ese sentido común no se refiere a Sin el ánimo de ofrecer una respuesta cerrada
lo comunitario y sí a las coincidencias que las a los anteriores interrogantes, considero que
instituciones disciplinantes logran mantener la autonomía de las miradas no se refiere a un
en diversos estratos socioculturales. En conse- proyecto individualizado o voyerista, al con-
- 300 -
trario, se trata de la posibilidad de hablar so- Además, contemplo dos conceptos que pue-
bre lo que vemos para los colectivos de los cua- den parecer obvios pero que decido resaltar
les hacemos parte, dejar trasparecer nuestras para continuar y mantener la deconstrucción
construcciones subjetivas y al mismo tiempo como un proceso de perturbación conceptual
posibilitar procesos intersubjetivos que naz- y política en su sentido más amplio. Eses con-
can de las márgenes (Mirzoeff, 2011). En ese ceptos son la masculinización de las miradas
sentido, se torna relevante revisar el plantea- y las visualidades sobre las masculinidades,
miento de Sergio Martínez Luna (2012) quien ello a pesar que sería más sensato hablar de
considera que masculinización de los sentidos, no sólo en
sentidos perceptivos sino también culturales.
En un contexto en el que la gestión de los ima- Lo anterior resulta no solo de los postulados
ginarios, la promiscuidad de las imágenes y la “anti-ocularcentristas” sino también por el
fuerza constitutiva de los signos trabajan den- tipo de narrativas usadas como material de
tro de los procesos contemporáneos de subjeti- análisis para la investigación, conversaciones
vación e identidad, se abre la cuestión acerca de hipervisuales.
la implicación de las prácticas visuales en esos
procesos de formación del yo y en la articula- Siguiendo la línea conceptual de las ideas dis-
ción ética de esos márgenes de autonomía para cutidas en el apartado anterior, aunque cuan-
la desobediencia o la modificación de los signi- do hago referencia a la masculinización de las
ficados (p. 27) miradas y a las visualidades de las masculini-
dades pareciera que hablo de un mismo asun-
No sólo encuentro interesantes los términos to, deseo mantener esa diferenciación para
nuevos, los considero apropiados para abor- discutir más adelante el proceso desarrollado
dar una temática de investigación en la cual con los y las participantes.
los procesos de normalización, censura, invisi-
bilización y el desconocimiento que esta trae, Deseo aclarar, también, sin intenciones de ce-
entre otras acciones, hacen que las visualida- rrar un asunto tan importante como el tratado
des sobre los estudios de género sean visua- aquí, la manera como contemplo las masculini-
lidades precarias y en este punto me apropio dades dentro de mi investigación. Observo las
del adjetivo “precario” bastante discutido por masculinidades como proyectos sociocultura-
la filósofa Judith Butler (2006; 2015; 2015a) les que se han vinculado y estudiado, principal-
para admitir que los estudios de género, por mente, a partir de su relación con las sexualida-
contemplar principalmente asuntos de las mal des en cuanto modos de poder. Por ese motivo,
llamadas minorías, se han constituido a partir las abordo como “permisos restringidos” para
de visualidades que minimizan su potencia. acceder a los discursos, tanto a su producción
como a su recepción. Como menciona Pablo Pé-
Masculinidades y visualidades rez Navarro (2008), tanto las masculinidades
como las feminidades, como actos performa-
La investigación doctoral que desarrollo está tivos de género, “son por tanto comprendidos
norteada por dos preguntas principales que como vehículos de transmisión de ciertos im-
envuelven los conceptos que conceptúan el perativos culturales, y el reconocimiento de
estudio, dichos interrogantes son: ¿De qué los mismos sólo se convierte en subversivo bajo
forma se configuran las masculinidades en determinadas condiciones” (p. 128).
las visualidades que usamos/usan para repre-
sentarnos? ¿Cuáles son las co-implicaciones de Los estudios de la cultura visual, como cam-
deconstruir las visualidades masculinizadas? po que problematiza cuestiones relacionadas
con las visualidades, se proponen realizar un
Abordo las masculinidades en dicha investi- trabajo pedagógico que movilice conceptos
gación a partir de varios caminos pero princi- fijados por las instituciones y subvertirlos,
palmente como proyectos escópicos que de- caso sea necesario, para preguntarnos por los
terminan las representaciones que usan los discursos que se desprenden de una imagen
sujetos para establecer relaciones de poder y visual, por las visualidades que interfieren
saber. Me interesa especialmente discutir con en la concretización de estas y por los proce-
los participantes de la investigación de qué sos intertextuales que presenciamos a través
forma las masculinidades, en cuanto proyectos de ellas. Todos estos puntos aproximan en mi
socioculturales liderados primordialmente por investigación los estudios de géneros con los
sociedades heteronormativas, determinan la estudios de la cultura visual.
producción de visualidades masculinizadas.
- 301 -
Las visualidades sobre los géneros aún reci- Logramos comunicarnos con los demás suje-
ben tímidas aproximaciones, al menos en lo tos a partir de las estructuras discursivas que
que concierne al contexto latinoamericano, están detrás de los signos que usamos como
región marcada por una tradición patriarcal y interfaces. En ese sentido, las visualidades
conservadora. Al respecto Valle Galera (2012) que edificamos sobre los procesos, las relacio-
considera que nes socioculturales, los sujetos y los objetos,
son las responsables de que se formen socie-
Los roles de referencia están presentes en la dades. En otras palabras, los imaginarios, des-
historia, la interacción social y en la cultura vi- critos anteriormente, permiten que las imá-
sual. Y parte de esta cultura visual la asimilamos genes visuales, en cuanto objetos, se tornen
a través de fotografías y vídeos que repetimos reales, por tanto, artefactos discursivos.
en nuestra cotidianeidad. Por eso, la fotografía,
el vídeo y la performance son medios predilec- Las conversaciones hipervisuales, desde mi
tos dentro del mundo artístico para trabajar perspectiva, guardarían relación con la dis-
cuestiones identitarias, porque trascienden la tribución o división de lo sensible acuñada por
obra artística y se convierten en herramienta Jacques Rancière (2009), en la cual interesa
que trasforma nuestra percepción del ser (p. 83) además de la distribución de los discursos, la
manera como estos son y pueden ser usados
La autora continúa su reflexión aportando lo en cuanto espacios de agencia para pensar,
siguiente, entre otras cuestiones, las subjetividades. Si
pensamos con detenimiento la propuesta de
En el intento constante de amainar estas fron- los estudios de la cultura visual y la renova-
teras opresoras del género, el arte ha señalado, ción conceptual sobre su materia prima, las
parodiado y deconstruido características que visualidades y contravisualidades o “visuali-
construyen la femineidad y la masculinidad, dades menores”, no resultará complicado que
aunque esta última no con tanto ahínco. Centra- cuando los crucemos con procesos educativos
do más el análisis en la presión que ha recibido estemos creando espacios de intervención,
la mujer y la construcción de una femineidad concepto de la feminista bell hooks (1994).
subyugada, ha dibujado una relación de opues-
tos dónde lo masculino es connotativo de opre- Dichos espacios contemplan las represen-
sión y dominio (p. 82) taciones e imaginarios de los actores de los
procesos educativos, son invitaciones a pen-
Al respecto, he decidido realizar un proceso sar de manera interseccional, invitaciones a
de deconstrucción de estos regímenes a tra- arriesgarse a saltar los obstáculos de las zo-
vés de algunos conceptos, nociones próximas nas de confort, oportunidades para escuchar
al campo de “lo visual”: visibilidad, sexualiza- historias de vida y conversar a través visuali-
ción, censura, autoría, entre otros. Si bien las dades. La profesora bell hooks, en ese sentido
sexualidades son un camino para abordar considera que
dichas construcciones culturales, he decido
estudiarlas a través de aquellas palabras que Es significativo que los que intentamos criticar
son a su vez enlaces con el campo de los estu- los prejuicios en el ámbito de la clase nos ha-
dios de la cultura visual. yamos visto impulsados a regresar a nuestros
cuerpos para referirnos a nosotros mismos como
Conversaciones hipervisuales sujetos de la historia. Todos somos sujetos de la
historia. Debemos regresar a un estado carnal
Existe una estrecha relación entre la imagen para deconstruir la orquestación tradicional del
visual y la imagen verbalizada, dicha relación poder en clase, negándole subjetividad a algu-
se compone de las visualidades que las tornan nos grupos para concedérsela a otros. Cuando
discursos y que hacen que estas adquieran reconocemos la subjetividad y los límites de la
sentido en la vida de las personas. Podemos identidad, trastocamos esa despersonalización
intercambiar, adquirir y construir conoci- que resulta tan necesaria en una cultura de do-
mientos mediante procesos de visualización minación. Por eso los esfuerzos encaminados a
de datos icónicos, lingüísticos (aunque las reconocer nuestra subjetividad y la de nuestros
letras sean también imágenes visuales), so- alumnos han generado críticas violentas y re-
noros, táctiles, entre otros. Esos datos cobran percusiones negativas (hooks, 1994, p. 139)
sentido cuando son incluidos dentro de las na-
rrativas que hacen parte de los contextos por Recapitulando, con la producción de relatos a
donde transitamos. partir de visualidades y la producción de imá-
- 302 -
genes visuales que contemplen esas conver- normativos y escópicos terminaron por pasar
saciones hipervisuales, intento aproximarme desapercibidos, invisibilizados y silenciados.
de prácticas de intervención que cuestionen Aprovecho en este punto, la advertencia reali-
las visualidades masculinizadas, una vez que zada por Martin Jay (2003) sobre los regímenes
analizar el contenido de las narrativas se escópicos diferenciados y su contribución para
convierte en una práctica para repensar las hablar de las subculturas visuales.
relaciones de poder. Cuando uso el término
cuestionar no hago referencia a una obliga- En las conversaciones hipervisuales realizadas
toria contestación, cuestionar es también una con el grupo de participantes de mi investiga-
forma de cercar un objeto para análisis, en el ción, las visualidades precarias, concepto que
caso particular narrativas. también ha comenzado a ser usado a partir de
posturas como las de la filósofa Judith Butler,
Propongo, también, las conversaciones hiper- como ya comenté, no se hicieron invitar, ellas
visuales como una forma de acercar el abor- aparecen en la mayoría de momentos. Entre re-
daje metodológico usado en mi investigación latos jocosos y otros menos amigables los y las
(Figura 2) con la temática central del Coloquio participantes reconocieron cuáles discursos los
Internacional Educación y Visualidad que en erigen, usaron imágenes visuales, reflexiona-
su quinta versión tiene como tópico principal ron sobre los imaginarios instituidos en nues-
de discusión las Investigaciones Pedagógicas tras sociedades, utilizaron sus experiencias
en Contextos Hipervisuales. Dicha conexión para hablar de contravisualidades, pensaron
me ha permitido reflexionar sobre el papel de en las porosidades de “lo normativo”.
las visualidades y las nuevas respuestas fren-
te a este tipo de construcciones que no siem- A continuación presento dos ejemplos de imá-
pre “conversan” de todos ni para todos. genes visuales producidas después de algunas
conversaciones hipervisuales con el grupo de
investigación. Las temáticas centrales del en-
cuentro del cual surgió este material fueron la
perfomatividad y los actos performativos sub-
versivos, ambos conceptos desarrollados por
Judith Butler (2007) en su texto El género en
disputa. Cada grupo, conformado por entre 5 y
6 personas, debía realizar un ensayo fotográ-
fico que narrara las situaciones conversadas
en el primer momento del laboratorio.
la palabra queer que terminó por ser un con- ron un relato de una de sus compañeras quien
cepto reivindicador podría ocurrir lo mismo al inicio de la conversa habló de las miradas no
con Gayânia como una ciudad que armoniza siempre cordiales que obtiene por no depilar
con la homosexualidad. Ahora bien, los relatos sus axilas. De manera jocosa, esta estudiante
de bullying y homofobia por parte de los estu- contó cómo una vez que iba en el bus hacia
diantes demuestran que su connotación aún la universidad usó como “arma antiacoso” sus
no resulta tan positiva. axilas peludas. Varios hombres la miraban de
manera lasciva y cuando ella les mostró sus
La segunda imagen producida por el grupo axilas todos se quedaron callados, imagino
tuvo como origen las conversaciones sobre que a la mente de estos hombres llegaron mu-
visualidades relacionadas con los feminismos, chas imágenes que conforman visualidades
liderazgo femenino y acoso (Fotografía 2). sobre el “cuerpo deseable” de una mujer.
Muchas visualidades sobre patrones de esté-
tica femenina fueron discutidas en la sesión.
Con la intención de registrar un acto perfor-
mativo subversivo, los estudiantes aprovecha-
- 304 -
Por último, abro una serie de interrogantes · Martínez Luna, S. (2012). La visualidad en
que me acompañaron durante el proceso de cuestión y el derecho a mirar. Revista Chilena
escrita de este texto y que dejan provocacio- de Antropología Visual (19), pp. 20-36.
nes para futuras lecturas y conversaciones:
¿Cuál es el costo de apegarse a neologismos? · Mirzoeff, N. (2011). The Right to Look: A
Ahora, ¿Cuál es el costo de no abordarlos por Counterhistory of Visuality. Carolina do norte:
lo menos como provocación conceptual? ¿Va- Duke University Press.
mos a continuar usando los conceptos anterio-
res? ¿Las problemáticas actuales continúan · Miskolci, R. (10 de setembro de 2015). OS
conversando con esos términos? ESTUDOS QUEER ENTRE OS SABERES IN-
SURGENTES. I Seminário Queer - Cultura e
Referencias Bibliográficas Subversões da Identidade . São Paulo, Brasil:
SESC São Paulo.
· Butler, J. (2007). El género en disputa. El fe-
minismo y la subversión de la identidad. (M. · Mitchell, W. (2009). Teoría de la Imagen. En-
Muñoz, Trad.) Barcelona, España: Paidós Ibé- sayos sobre la representación verbal y visual.
rica S.A. Madrid: Ediciones Akal S.A.
· Butler, J. (2015). Quadros de guerra. Quando · Pérez Navarro, P. (2008). Del texto al sexo.
a vida é passível de luto? (S. T. De Niemeyer Judith Butler y la performatividad. Madrid,
- 305 -
Até agora, com as primeiras abordagens e ob- · ROSE, Gillian. Visual Methodologies: an in-
servações no espaço escolar, pode-se afirmar troduction to the interpretation of visual ma-
que existe um terreno fértil a partir dos su- terials. Londres: Sage Publications, 2001.
jeitos que foram observados. Neste ambiente
emergem visualidades e características cor- Karina Dias Silveira
porais que podem ser interessantes para con-
tribuições com este trabalho. Vale ressaltar Atualmente é Mestranda do Programa de
que a continuidade da pesquisa, vai provavel- Pós-Graduação em Educação – PPGE UFSM
mente necessitar de uma maior abrangência (Santa Maria, RS, Brasil) – Linha de Pesquisa
e uma profundidade de conceitos, bem como Educação e Artes. Possui graduação em Licen-
de uma maior articulação e aperfeiçoamento ciatura em Artes Visuais pela Universidade
metodológico que a continuidade das nossas Federal de Santa Maria (2013). Especialista
leituras poderá proporcionar. em Gestão Escolar - Orientação e Supervisão,
pela Universidade Barão de Mauá – Curitiba,
Referências PR, Brasil.
Carla de Abreu
(Faculdade de Artes Visuais, Universidade Federal de Goiás)
Resumo Introdução
Este artigo explora algumas reflexões e co- Escrevi este artigo motivada pelos recentes
nexões entre o ensino de artes visuais e prá- acontecimentos políticos no Brasil cujas con-
ticas de justiça social, centrando-se, especial- sequências reverberam diretamente na área
mente, nas questões de gênero e sexualidade e da educação. Em Montevideo, por ocasião do
no papel do docente de ampliar o conhecimento V Coloquio Internacional Educación y Visua-
sobre a diversidade cultural. Parte-se da ideia lidad, fiquei sabendo que a presidenta Dilma,
que a educação em cultura visual, ao romper depois de uma morte longa e anunciada, foi
com a neutralidade das imagens, incentiva os afastada do cargo, assumindo o posto máximo
professores e professoras a valorizar a plura- do Executivo, o vice, Michel Temer. Voltei ao
lidade dos produtos culturais e dos repertórios Brasil dia 12 de maio, primeiro dia do país sob
que influenciam as percepções imagéticas do nova administração. Pessoalmente, um dia
alunado, com a intenção de experimentar es- triste e com péssimas expectativas que aca-
tratégias que sejam capazes de desafiar hege- baram por concretizar-se. Senhor Temer ins-
monias, favorecer novas interpretações e criar tituiu um governo prioritariamente masculino
possibilidades de novas identificações e de no- e conservador. O indicado para a pasta de edu-
vos referentes. cação foi o deputado Mendonça Filho, um dos
principais críticos aos programas sociais des-
Palavras-chave: educação em cultura visual; envolvidos por Lula e Dilma, filiado ao partido
diversidade; gênero; justiça social Democratas (DEM), com um legado histórico
ligado ao conversadoríssimo máximo no país.
Resumen Antes mesmo da consumação do golpe polí-
tico, o cenário já era preocupante. Em 2015,
Este artículo explora algunas reflexiones y grupos católicos e evangélicos lideraram uma
conexiones entre la educación artística y las campanha nas Câmaras Municipais brasi-
prácticas de justicia social, con especial aten- leiras com o intuito de evitar que a palavra
ción a las cuestiones de género y la sexuali- “gênero” fizesse parte dos Planos Municipais
dad y en el papel del profesorado de ampliar de Educação, repetindo o que já foi visto em
el conocimiento sobre la diversidad cultural. 2014, durante a discussão do Plano Nacional
A partir de la idea de que la educación en cul- de Educação, quando o lobby conservador
tura visual, al romper con la neutralidad de las também suprimiu a palavra do texto final.
imágenes, invita a los profesores y profesoras a
valorar la diversidad de los productos cultura- Em Alagoas, em 26 de abril de 2016, foi apro-
les y de los repertorios que influyen en la per- vado o projeto de lei, ironicamente chamado
cepción visual del alumnado, con la intención “Escola Livre”, cujo teor proíbe o professorado
de experimentar estrategias que sean capaces da rede pública estadual de expressar opi-
de desafiar hegemonías, fomentar nuevas in- niões em sala de aula, baseado em uma supos-
terpretaciones y crear posibilidades de nuevas ta “neutralidade” ideológica. Talvez os políticos
identificaciones y de nuevos referentes. não percebam é que definir o que pode ou não
ser dito em sala de aula, também é uma forma
Palabras-clave: educación en cultura visual; de ideologia. Neste caso, a busca pela “impar-
diversidad; género; justicia social cialidade” fica escondida atrás de um viés jurí-
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dico, onde a censura atua, legitima e legaliza A educação da cultura visual, perspectiva
a reprodução dos discursos normativos. Mas, desde onde me posiciono como docente, ofe-
como trabalhar os contextos sociais e ser ideo- rece ferramentas com potencialidade para
logicamente neutro? Uma frase atribuída a desaprender os conhecimentos socialmente
Paulo Freire contribui a pensar essa questão: construídos e destaca “as múltiplas represen-
“não existe imparcialidade. Todos são orienta- tações visuais do cotidiano como os elementos
dos por uma base ideológica. A questão é: a sua centrais que estimulam práticas de produção,
base ideológica é inclusiva ou excludente?” apreciação e crítica de artes e que desenvol-
vem cognição, imaginação, consciência social
As pressões e êxitos dos grupos conservado- e sentimento de justiça” (DIAS, 2012, p. 61).
res significam um retrocesso para os direitos Em outras palavras, o ensino de artes visuais
humanos e desvelam a dificuldade de parte a partir dos estudos culturais, dos estudos fe-
significativa da sociedade brasileira em re- ministas, dos estudos de gênero e da cultura
conhecer as diferenças e defender os gru- visual, pode ser um lugar sedutor para buscar
pos que não comungam com as construções caminhos inovadores, mais justos e adaptá-
culturais da maioria. As ausências e silêncios veis às complexidades do nosso tempo atual.
do Poder Público e da própria sociedade re-
forçam a necessidade da Educação de rever Atualmente, posicionar-se criticamente no
os marcadores responsáveis pelas injustiças Brasil tornou-se vital em face dos discursos
sociais, tais como a sexualidade, o gênero, a retrógados que voltaram a ganhar força e
raça, a cor da pele, renda, origem e repertório espaço nos contextos políticos e, consequen-
cultural, de modo que possamos reconhecer temente, na educação. A situação exige um
e nos aprofundar nos desafios vinculados às esforço extra para imaginar alternativas que
desigualdades e experimentar estratégias ca- superem o pessimismo e o imobilismo diante
pazes de favorecer novas interpretações que do recrudescimento das iniciativas de contro-
desestabilizem as narrativas hegemônicas. le sobre os processos educacionais. Os fatos
pedem ação e, a imparcialidade, não é uma
Nesse cenário preocupante torna-se urgente postura viável. Os silêncios, historicamente,
as discussões sobre a importância em des- fazem parte dos conteúdos curriculares e as
envolver a convivência pacífica com a diver- omissões também são formas de educar. Com-
sidade cultural, seja ela qual for, inclusive bater a apatia e o cinismo político, nesse mo-
diversidade de opiniões. Temos a nosso favor mento, exige mais do que boa vontade, exige
o privilégio de trabalhar na área de artes, um mobilização política.
campo de estudos que favorece a difusão da
ideia da heterogeneidade das práticas hu- Neste artigo, apesar de ciente das várias es-
manas e oferece diferentes modos de pensar, truturas que reproduzem as injustiças sociais,
representar e imaginar as situações vividas. o foco será as construções de gênero e sexua-
Ensinar e estudar “artes” é falar sobre a vida, lidade no contexto educacional, especialmen-
as práticas humanas e propor formas de ima- te nas artes visuais, dado a emergência em
ginar outras maneiras de ser, fazer e saber. problematizar essas questões e refletir sobre
as práticas docentes que podem desestabili-
A educação da cultura visual, especialmente, zar os discursos hegemônicos e pluralizar os
tem um compromisso conceitual com a va- conteúdos nos processos de ensino e aprendi-
lorização da diversidade e das diferenças. É zagem em artes visuais.
uma perspectiva empenhada em revelar as
operações invisíveis de poder que sustentam Conectando o ensino de arte visuais,
a rede de privilégios e direitos desiguais, atra- gênero e justiça social
vés da reflexão crítica e de práticas atentas às
especificidades locais e os obstáculos que difi- A justiça social é por definição complexa e
cultam os ideais de justiça social. A ênfase se controversa, nunca é neutra e varia conforme
centra nas experiências dos sujeitos e nos sig- os contextos de cada indivíduo. Em realidade,
nificados subjetivos que cada pessoa constrói não há consenso, e os clamores por justiça ins-
de suas vivências (sociais e pedagógicas). Isto tituem uma torre de babel sempre susceptível
significa questionar a suposta neutralidade a críticas e insatisfações. Portanto, sua com-
da arte e dos artefatos culturais e, assim, pro- preensão exige reconhecer a impossibilida-
blematizar os significados naturalizados pro- de de estabelecer uma declaração universal
movedores dos estereótipos, dos preconceitos que englobe todas as experiências e reivindi-
e das discriminações. cações. Bem como, a impossibilidade de prever
- 313 -
métodos de ensino que promovam a justiça so- os futuros professores e professoras de artes
cial em diferentes contextos educacionais. visuais se sentirem desafiados a pensar à luz
de novas condições. Obviamente, atuar desde
O debate sobre as relações entre justiça social essas premissas traz implicações que dizem
e arte/educação não é algo novo. Desde 1970 respeito a forma como estipulamos a relação
podemos encontrar literatura que relaciona docente/estudante.
a arte/educação com as questões sociais e,
hoje, existe um farto material de pesquisa1. Para exemplificar, em várias ocasiões, muitos
No Brasil, essa questão ressurge em um mo- estudantes expressaram abertamente (ou em
mento histórico particular do contexto políti- privado) suas preocupações sobre as questões
co, cujas consequências repercutem por toda de gênero e sexualidade. As narrativas des-
a sociedade, criando um estado de incertezas crevem situações pessoais específicas de dis-
e desesperanças. Posicionar-se frente a esses criminações socais e familiares quando suas
novos desafios tornou-se especialmente rele- ações não correspondem aos papeis de gênero
vante para o futuro da arte/educação; em rea- tradicionais. Em um mundo onde o binarismo
lidade, para a educação como um todo. sexo/gênero ainda exerce uma poderosa in-
fluência discriminatória na vida das pessoas,
O lugar desde onde reivindico práticas de jus- esses relatos não surpreendem.
tiça social é a sala de aula do curso de Licen-
ciatura em Artes Visuais. Faço parte do grupo Apesar do consenso sobre a impossibilidade
docente que pensa que todas as pessoas têm da neutralidade nos discursos sobre a Arte e
direito às mesmas oportunidades de reali- sobre as próprias imagens, também é comum
zação acadêmica, independentemente da aos docentes de Licenciatura em Artes Vi-
sua origem social ou privilégio adquirido. Tal suais da Faculdade onde atuo expressarem
disposição pede respostas pedagógicas diver- suas dificuldades em elaborar conteúdos que
sificadas para combater os efeitos das discri- explorem criticamente os marcadores de gê-
minações baseadas na raça, classe, sexuali- nero e sexualidade nos processos de ensino e
dade, orientação de gênero, idade, aparência aprendizagem. As falas descrevem receios e
física, capacidades e crenças religiosas. Min- inseguranças, quais recursos e metodologias
ha noção pessoal de justiça social exige iden- usar e como usá-los de maneira adequada.
tificar e problematizar as formas complexas Essas narrativas me incentivam a buscar es-
como esses marcadores sociais atuam silen- tratégias para validar essas experiências e
ciosamente nos processos de ensino e em seus buscar conteúdos que problematizam as re-
conteúdos curriculares, sustentando e repro- presentações visuais desde os marcadores de
duzindo os discursos que promovem as des- gênero e sexualidade.
igualdades no campo das artes visuais.
Minha compreensão sobre a variável ‘gênero’
Como vários estudiosos sugerem (DUNCUM, está alinhada às perspectivas dos estudos fe-
2011; ELLSWORTH, 2005; hooks, 1994; RAN- ministas e da teoria queer, nas quais este con-
CIÈRE, 2008), a arte é uma forma particular- ceito é pensado não como uma característica
mente potente para ativar uma compreensão fixa, mas sim dinâmica e multidimensional.
mais ampla sobre os mecanismos que pro- O gênero, como explica Butler (2007; 2002), é
movem as desigualdades sociais e suas con- uma construção cultural, é o que fazemos em
sequências na vida das pessoas. Construir momentos concretos. Mas é também uma cons-
conhecimento usando a cultura (áudio)visual trução incorporada. Seja qual for o contexto,
como dispositivo para a reflexão, contribui em encontros presenciais, pelo telefone ou na
para transformar o sistema de privilégios e internet, quando interagimos com outras pes-
opressões, fazendo visíveis outras histórias, soas ativaremos esses padrões de comporta-
vozes e experiências que ficaram à margem mentos com os quais fomos nos familiarizando
dos discursos de poder e saber. Escutar as através de sua repetição frequente.
vozes silenciadas implica problematizar o sis-
tema normativo e criar oportunidades para Nesse processo a heterossexualidade é apre-
1-Alguns exemplos: ATKINSON, D., & DASH, P. (eds). cial perspectives on art education in the U.S.: Teaching
Social and critical practices in art education. Stoke on visual culture in a democracy. Studies in Art Education,
Trent, UK: Tretham Books, 2005. / BERSSON, R. Why art 41(4), 2000, p. 314-329. / ROSE, K. & KINCHELOE, Joe L.
education lacks social relevance: A contextual analysis. Art, culture, & education: Artful teaching in a fractured
Art Education, 39(4), 1986, 41-45. / FREEDMAN, K. So- landscape. New York: Peter Lang, 2003.
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sentada como o modo mais “natural” de ser, Para diluir as incertezas e os receios dos e das
reproduzido e mantido por meio de práticas so- estudantes, sempre que possível, promovo a
ciais reiterativas. É o que Judith Butler (2007) ideia de que não existe uma masculinidade
chamou de “performatividade de gênero”, um ou feminilidade pré-estabelecida, mas sim
elemento construído em um universo discursi- uma série de maneiras de performar o gêne-
vo, moldado por múltiplos discursos políticos e ro, expressões estão presentes em várias pro-
práticas sociais que se atravessam mutuamen- duções artísticas, de diferentes épocas. Neste
te. Neste sistema, o binário masculino/femini- cenário, busco valorizar as produções de ar-
no é a linha principal de classificação identi- tistas mulheres, bem como criar espaço para
tária e funciona como uma extensão da lógica a visibilização de artistas gays, transexuais
que fundamenta a inteligibilidade cultural da ou queer que usam o gênero e a sexualidade
subjetividade, do ser centrado em um “eu” fixo, como fonte inspiradora para suas criações.
coerente e portador de uma “essência” natural.
Desde meu ponto de vista, é essencial ofere-
Esta ilusão de permanência teve e tem con- cer outras narrativas para as futuras profes-
sequências reais, baseadas em regras cul- soras e professores entrarem em contato com
turais que indicam “quem” e “o que” podemos a pluralidade dos repertórios visuais e criar
ser. Se pensarmos pelo âmbito dos repertórios possibilidades que despertem a consciência
visuais e desde uma perspectiva pós-estru- das normas impeditivas das ações humanas,
turalista de análise, as visualidades também que boicotam a imaginação, o bom-senso e a
são ativamente construídas e culturalmente criatividade. Diversificar os conteúdos dos
determinadas pelos contextos políticos e so- planos de ensino e explorar visualidades mais
ciais. Funcionam como roteiros-guias para a heterogêneas pode transformar os desejos
estabelecimento de formas de ver, ser e estar e oferecer olhares novos sobre nossas cons-
nas sociedades. Em outras palavras, orientam truções sociais. Normalmente, esses e essas
nossas maneiras de perceber a realidade ou, artistas não estão nos livros, nos acervos de
usando um termo de Baudrillard (1991), cons- museus ou nos catálogos das grandes galerias,
troem “hiperrealidades”, do mundo, de nós muito menos, nos currículos oficiais do ensino
mesmos e dos outros. Adquirem, portanto, um formal. Essa situação cria uma circunstância
sentido que vai além de sua materialidade e na qual o conhecimento deriva da prática e de
produzem efeitos e afetos sobre as subjetivi- pesquisas em outros canais de informações,
dades dos visualizadores. como a internet, por exemplo.
Entretanto, qual seria a relação que precisa Paul Duncum (2011), no artigo “Engaging Pu-
ser construída para desestabilizar as noções blic Space: Art Education Pedagogies for So-
estereotipadas nas visualidades e diminuir as cial Justice”, discute as formas como os artistas
desigualdades em minhas práticas docentes? estão usando os espaços digitais para ilustrar
Qual concepção de “justiça de gênero” tem o e criticar o mundo, onde a internet é suporte
alunado? Como pluralizar os conteúdos e, ao e inspiração para a intervenção política e a
mesmo tempo, atender o conteúdo conceitual ação social. O autor também destaca as for-
das disciplinas curriculares? Como formar mas como artes/educadores(as) têm utilizado
professores e professoras de artes visuais os espaços digitais para envolver o público de
preocupadas em subverter as normas e ao forma crítica nas questões de justiça social.
mesmo tempo sobreviver em um campo sur- Duncum nos recorda do papel histórico dos
preendentemente tradicional? espaços públicos e enfatiza a internet como
um lugar importante para encontrar camin-
Esses são alguns questionamentos que fazem hos alternativos para o diálogo democrático e
parte do meu cotidiano como docente. Sem a ação coletiva.
nenhuma resposta a essas inquietações e,
parafraseando a Gandhi, penso que o auto- Lamentavelmente, as questões que envolvem
conhecimento pode ser um caminho coerente sexualidade e gênero ainda configuram um
para fazermos as mudanças que queremos terreno arenoso e, muitas vezes, o professo-
no ensino de artes visuais, pois, ao identificar rado prefere não mostrar essas referências
os pré-conceitos que nos autolimitam em al- visuais para evitar potenciais conflitos com
gumas situações, teremos mais ferramentas o alunado, os pais, consigo próprio ou com a
para fazer novas significações sobre os valo- própria instituição. Evitando o conflito, esse
res internalizados e muitas vezes ignorados. comportamento gera uma espécie de cumpli-
cidade com os discursos conservadores que
- 315 -
pensam o sexo como pecado e, a sexualidade Quando pensamos em tudo aquilo a que o sexo
não heteronormativa, como um distúrbio mo- pode se referir, quando pensamos que mesmo
ral. Ao mesmo tempo, ignora a pluralidade de quando não estamos falando de sexo direta-
representações identitárias contemporâneas mente, ainda assim conseguimos produzir, de
que fogem dos modelos hegemônicos, se mul- forma indireta, significados eróticos, esbarra-
tiplicam e colorem nossas salas de aulas. mos num curioso limite: a insistência dominante
na estabilidade dos corpos, no corpo como um
Valorizar as diferenças e diversificar os fato e na transmissão de informações óbvias.
conteúdos no ensino de Artes Visuais Essa insistência tem mais a ver com a fantasia
que supõe que os corpos dizem o que eles que-
A arte sempre foi um terreno de muitas con- rem dizer e querem dizer o que eles dizem.
testações e transgressões. Seus objetos, ima-
gens e artefatos foram e são, como diz Imanol Britzman, ainda em relação à insistência na
Aguirre (2006), “condensadores de experiên- noção das identidades fixas e corpos homo-
cias”, intricadas, localizadas e muitas vezes gêneos, chama a atenção à cultura da escola
perturbadoras. Penetrar nesse condensado, que “faz com que respostas estáveis sejam es-
significa permitir-se devir em novas expe- peradas e que o ensino de fatos seja mais im-
riências, para questionar as visualidades na- portante do que a compreensão de questões
turalizadas e pensar naquelas que ficaram de íntimas” (2000, p.85). Tal prática incentiva e
fora dos conteúdos curriculares, procurando abre espaço para o professorado e estudantes
diluir os estereótipos por meio da reflexão crí- ocultarem suas próprias questões íntimas e
tica sobre as camadas de significados escondi- interesses pessoais. O bloqueio interno, pro-
dos nas imagens e nos artefatos culturais. duto direto da performatividade de gênero e
da crença fictícia no gênero binário, continua
Valorizar a diversidade das práticas humanas a fazer muitos estragos.
significa identificar as estruturas, culturas,
atitudes, comportamentos e opressões que Neste sentido, parece inevitável pensar em
operam na conformação das desigualdades como concebemos a educação dentro do con-
sociais. Significa, também, trabalhar desde a texto onde atuamos, porque este posiciona-
interculturalidade e o respeito por uma edu- mento vai interferir diretamente nas relações
cação onde todas as pessoas possam se sentir construídas em sala de aula. Pensar o “tipo” de
representadas e não apenas aquelas “ajus- professor ou professora que se quer ser e quais
tadas” às normas de moral e bons costumes, são as premissas e limitações que interferem
diluindo qualquer tipo de preconceito e as nas escolhas temáticas, obriga o professorado
restrições nesse imenso leque que constitui a a repensar suas próprias crenças e, conse-
cultura humana. quentemente, nos preconceitos internaliza-
dos e seus reflexos nas práticas pedagógicas.
Fomentar a ideia da diversidade como um Afinal, a consciência da “agência” é a chave
bem cultural leva o alunado a pensar em po- para transformar os desejos e resistir aos dis-
sições mais relativistas e posicionar-se em cursos de poder atrelados ao ensino de artes
um contexto social mais amplo e plural. No visuais. Dessa forma, teremos mais ferramen-
entanto, apesar de existirem pesquisas sobre tas para reconhecer o valor da diversidade na
as problemáticas de gênero e sexualidade no construção dos conhecimentos e perceber as
contexto da educação em artes visuais, como diferenças apenas como formas distintas de
os estudos de Belidson Dias (2012; 2013) e Lu- expressar as experiências humanas.
ciana G. Loponte (2005), ainda são poucas as
inciativas que buscam identificar as relações Os conhecimentos levados às salas de aula no
desiguais nas arquiteturas do ensino em artes contexto do ensino de artes visuais, em geral,
visuais no contexto brasileiro. estão impregnados pelo véu de fumaça da he-
teronormatividade, das normas que impõem
A dificuldade de trabalhar gêneros e sexua- as representações heterossexuais como as
lidades dissidentes em sala de aula ou as únicas possíveis e reforçam a ideia do mundo
questões relativas às subjetividades fora das como um lugar binário, onde somente exis-
estruturas normativas, esbarra na noção fixa te a possibilidade de ser mulher ou homem,
e fictícia da estabilidade das identidades e sem gradações ou outras alternativas. A con-
dos corpos, como apontou Deborah Britzman sequência de apresentar a heterossexuali-
(2000, p. 87): dade como padrão dominante das narrativas
visuais não é trivial, ao contrário, faz parte
- 316 -
da manutenção do jogo de poder que defen- criadoras e inventivas das subjetividades indi-
de a noção de gêneros estáveis, baseados em viduais e coletivas e formam parte daquilo que
padrões de masculinidades e feminidades somos e construímos. Romper com o círculo
pré-moldadas, fabricadas para o consumo e vicioso da heteronormatividade no ensino de
reprodução dos comportamentos normativos. artes visuais significa desconstruir os marca-
dores sociais e trabalhar com conhecimentos
O efeito dessa prática é que muitas pessoas híbridos, heterogêneos e inclassificáveis, por
não se dão conta de como suas decisões coti- meio de visualidades e conhecimentos que
dianas não são totalmente livres e racionais. criam possibilidades de novas identificações e
Estão influenciadas pelas respostas condi- a criação de novos referentes.
cionadas que mantém a indústria dos dese-
jos e dos comportamentos que sustentam as Apesar de algumas pessoas ainda acredita-
estruturas socioculturais. Promover a com- rem que a arte é apolítica, a censura que lhe
preensão de como a cultura visual constrói é comumente imposta, indica que ela pode ser
os gêneros ajuda a entender o mundo através tudo, menos neutra. Aliás, como podemos ser
dessas construções sociais, relacionadas às neutros se somos seres subjetivos, cujas visões
representações e expectativas em função da de mundo são construídas ao longo de nossas
sexualidade, da raça, idade, da religião, classe experiências e a partir das várias instituições
social e capacidades específicas, elementos sociais? A esse respeito, recordo da suspensão
mutantes de acordo com o tempo e o lugar. de exposição "A Besta e o Soberano", organi-
zada pelo Museu de Arte Contemporânea de
Identificar e desvelar os significados invisí- Barcelona (Macba), em 2015, cujo alvo re-
veis desses condicionamentos sociais deve- pressor caiu sobre a obra “Haute Couture 04
ria ser uma questão central nos processos de Transport”, da artista austríaca Ines Doujak.
ensino e aprendizagem em artes visuais. Não Essa escultura já havia sido exposta na 31ª
podemos seguir, consciente ou inconsciente- Bienal de São Paulo sem grandes problemas,
mente, a discriminar formas alternativas de mas, ao chegar na Espanha, não passou pelo
expressão e de representação, pois essas vi- crivo do diretor do museu, sr. Bartomeu Marí,
sualidades também são resultado das ações que exigiu a retirada da obra. Os curadores
A obra “Haute couture 04 Transport”, da artista Inés Doujak. Foto: EFE/Toni Garriga2
2 -Fonte: http://www.publico.es/culturas/macba-abier-
ta-exposicion-escultura-rey.html
- 317 -
A arte politicamente engajada nos obriga a pen- As relações entre arte e narrativas dominantes,
sar criticamente e tem o potencial de construir patriarcado e discriminações, ações políticas e
diferentes formas de olhar para contextos parti- práticas de resistência contra os discursos se-
culares de opressão. No entanto, embora a arte/ xistas, racistas, machistas e homo/transfóbicos
educação tenha mudado radicalmente desde o são temas potentes para serem discutidos em
fim do século 19, noções formalistas de ensino salas de aula, justamente porque os contextos
ainda insistem em enfatizar a conformidade e a do século 21 exigem reformulações de nossos
neutralidade nos conteúdos curriculares. Conti- conceitos sobre sexualidades, orientações de
nua-se a ensinar a arte feita por mãos brancas, gênero, representações, famílias e relaciona-
estrangeiras, sob o domínio da energia mas- mentos. Temos que pensar diferente porque
culina. Nessa reprodução de conhecimentos o mundo está radicalmente diferente. A edu-
estandardizados são esquecidas as produções cação da cultura visual ajuda entender os con-
nacionais, locais, as de nossos vizinhos da Amé- flitos e ambiguidades da pós-modernidade e
rica do Sul e as de artistas dissidentes que não desenvolver estratégias que têm potencialida-
se engajaram do circuito das artes legitimadas. de para valorizar as diferenças e incentivar a
construção de uma cultura onde a diversidade
Apesar do potencial temático, os assuntos in- não seja um problema social.
cômodos geralmente ficam invisibilizados nos
processos educacionais. O motivo? Estão fora do Basta observar o mundo a nosso redor para
cânone de visualidades bem-comportadas, inte- perceber que o cenário das identificações está
ligíveis ou politicamente corretas. Essa tendên- cada vez mais diversificado e inclassificável.
cia demonstra a dificuldade de trabalhar temas Se queremos entender as subjetividades dos
considerados polêmicos e ignora a potencialida- jovens sujeitos que transitam pelas salas de
de dos estudos visuais para produzir novas sig- aulas é importante ter em conta as aborda-
nificações e desvelar alguns dos problemas que gens heterogêneas, as práticas que ampliam
fazem parte do cotidiano das pessoas. os referenciais pré-fixados sobre as formas
de “ver” o mundo, principalmente para refletir
Em minhas experiências, poucas, porém inten- sobre os indicadores sociais baseados em es-
sas, tenho descoberto que para desconstruir tereótipos e categorizações, detonadores de
os ideais normativos se faz necessário reivin- tantas injustiças sociais. Trabalhar a justiça
dicar novas formas de olhar os imaginários social no ensino de artes visuais significa cola-
socioculturais e incentivar a criação de novas borar na construção de uma sociedade demo-
subjetividades para “ver” o mundo. Ao mencio- crática, onde as pessoas possam deslumbrar
nar o termo “imaginários”, me refiro aos siste- igualdade de oportunidades e de realizações
mas de poder explícitos, onipresentes, embora pessoais. Significa, também, contribuir com a
- 318 -
formação de sujeitos comprometidos em re- · DUNCUM, P. Engaging public space: Art edu-
velar os mecanismos invisíveis e as formas es- cation pedagogies for social justice. Equity
corregadias que o poder usa para reproduzir and Excellence in Education, 44, n. 3, 2011,
seus discursos. p. 348–363.
observação etnográfica, grupos focais, entre- matemática e inteligência artificial, entre ou-
vistas semiestruturadas, registros fotográ- tras (RIBEIRO, 2006. P.8).
ficos e desenhos coloridos sobre o processo.
Esta coleta foi realizada nas visitas às escolas Em decorrência, a robótica pedagógica pode
e no RoboCup Jr. Dance 2015. ser entendida nos seguintes termos:
A pesquisa vem usando os quatro momentos é uma atividade que reúne construção de robôs
adaptados da “metodologia viva” (PLA, 2013, e pode ser desenvolvida na escola utilizando kits
p.155-171): 1° conversando sobre os robôs comercializados no mercado brasileiro ou sucata
(projeto); 2°Conversando com Robôs (cons- eletrônica. A aula geralmente é direcionada para
trução); 3° Conversando a partir dos robôs a construção de um protótipo e, posteriormente,
(apresentação RoboCup Jr. Dance, em Uber- é feita a programação através do computador e
lândia/MG, entre 29 de outubro a 01 de no- um software de programação. A montagem é o
vembro de 2015); 4° Conversar para além dos momento onde os alunos utilizam blocos, peças
robôs (pós-evento). ou placas que se movimentarão autonomamente
após serem programados através do software no
Desenhos e outras formas de produção de computador (CABRAL, 2010, p. 29).
imagens, junto com a escrita, conectam as
reflexões. Baseia-se em princípios da a/r/to- Segundo a Secretaria de Educação de João
grafia, tida como um conector de diferentes Pessoa (SEDEC), a cada ano, há um aumento
modos de registrar o pensamento. no número de escolas da RMJP comprometi-
das com o desenvolvimento de projetos rela-
Em suma, enfatiza-se, neste artigo, o entendi- cionados com a Robótica Pedagógica. Essas
mento conceitual sobre robôs, robótica, robóti- experiências robóticas têm diferentes moti-
ca pedagógica e visualidade interativa. vações. Entretanto, para esta pesquisa, o in-
teresse está focado na participação dos robôs
Robôs, Robótica e Robótica Pedagógica das equipes da RMJP no Robocup Jr. Dance.
Figura 5: estudantes interagindo com o públi- razão disso, a visão empresarial da robótica
co, distribuindo brindes, durante o campeona- pretende atingir professores de diferentes
to. Equipe EducDance, em 30/10/2015- Ar- campos de conhecimento. O processo pedagó-
quivo pessoal Uberlândia/MG gico pretende promover processos de ensino
e de aprendizagem por meio da robótica das
4 Visualidade interativa entre humano-má- escolas envolvidas com o projeto.
quina: a interação entre robôs e humanos
proporciona a atenção do júri e aumenta as Assim, a presença das artes, no campeonato
condições de uma maior pontuação. Alcança e nas atividades, configura-se como uma “tá-
pontuação significativa; tica atrativa” para inserir outros discentes e
docentes, tornando o estudo da robótica mais
prazeroso e envolvente. Inclusive, a partici-
pação das meninas, nestes projetos, é motiva-
da pela presença da dança e das visualidades.
As visualidades dos robôs assumem carac-
terísticas das personagens diversas, coeren-
tes com as temáticas das equipes, tais como:
mágico, dinossauro, Luiz Gonzaga, cartola
mágica, entre outras. A tecnologia robótica é
complementada com materiais alternativos.
O cenário, integrado com a performance e
a musicalidade, auxiliam na construção dos
Figura 6: estudantes interagindo com robôs processos interpretativos.
durante o campeonato. Equipe EducDance
30/10/2015- Arquivo pessoal Uberlândia/MG Atenta-se, também, que práticas educativas,
associando a robótica e a arte, favorecem as
5 Visualidade interativa entre máquina-má- “atividades em grupo”; a “concentração” e o “in-
quina: esse momento requer um aprofun- teresse” dos estudantes; geram possibilidade
damento sobre a robótica. A visualidade e a de inserir estudantes no mercado de trabalho
performance também são tratadas atenta- mecatrônico.
mente e interativamente, sem obstruções na
apresentação. Pontuação máxima. É a maior Apreende-se que os projetos robóticos, dire-
expectativa do júri. cionados à participação no campeonato Robo-
Cup Jr. Dance, salvo os interesses mercadoló-
gicos, contribuem para qualificar e visibilizar
a escola pública.
Referências
Figura 1 - Vista do site Fanta em que se pode acessar o advergame “Salvando a fonte”
dividir camas, hábito corriqueiro até o mo- cordando com Sibilia. A partir daí a juventude
mento (apud ARIÈS, 2011, p. 80 e 81). O pudor continuou a ser considerada como o intervalo
e a decência passaram a regular a lida com entre a infância e a vida adulta, entretanto,
a criança de modo que no século XVII livros não como fase de maturação física e emocio-
eram editados para adequar-se às crianças, nal, mas segundo um “modelo conformista de
divertimentos divididos em bons e maus, juventude, o ideal de adolescência como pe-
criadagem e educadores deveriam vigia-las ríodo livre de responsabilidades, politicamen-
seguindo rígidos limites e com o mínimo de te passivo e dócil” (FEIXA, 2004, p. 41).
contato físico.
As crianças viram jovens
Sibilia (2012, p. 32) argumenta que tanto a in-
fância quanto a escola são produto da moder- A juventude produto da industrialização e
nidade: “para que houvesse escola, tinha que da modernidade, para Campos (2007), é uma
haver crianças; por isso diante da necessidade categoria ocidental, inventada política, midiá-
histórica de realizar o projeto modernizador tica e academicamente no século XX. As in-
anunciado pelas revoluções científicas, in- vestigações especificamente voltadas a esse
dustriais e democráticas, foi preciso ‘inventar’ grupo etário ganham força a partir da segun-
as duas”. Para Ariès (2011), a vida escolástica da guerra, quando ser jovem “entra na moda”.
também foi significativa para a invenção da Feixa (2004) explica, contudo, que, ou antes
infância. Na Idade Média, os colégios e escolas disso ou em outros arranjos sociais diferentes
eram lugares de formação de clérigos em que do que estamos inseridos, o período que pre-
se misturavam meninos de várias idades – as cede a vida adulta já recebia atenção especial.
meninas eram excluídas. Para as mulheres
a infância era normalmente mais curta, pois Em seu levantamento, Feixa (2004) apresenta
tinha fim com o casamento que podia aconte- estudos antropológicos de culturas primitivas
cer logo aos 13 ou 14 anos. – ou seja, sem Estado – nos quais a adolescên-
cia está ligada a um segundo nascimento, uma
Por volta do século XV os colégios viraram vez que morre a criança para nascer o adulto.
instituições educativas e a partir daí veio a ne- Os púberes, passam por ritos que marcam sua
cessidade de dividir os alunos de acordo com maturidade sexual e comprovam sua com-
o nível de aprendizagem. No século XVII, aos petência como provedores. Essas cerimônias
10 anos um garotinho era considerado apto marcam o fim da infância definindo os papeis
a entrar na escola. Antes disso era conside- dos indivíduos e organizando essas sociedades.
rado incapaz de acompanhar o conteúdo mi-
nistrado. Assim, a primeira infância, período Nas sociedades em que o Estado era proe-
no qual a criança é totalmente dependente, minente, como por exemplo entre os antigos
frágil e tola, se prolongou até os 10 anos. Nos gregos e romanos, a hierarquização social, a
colégios, mantinham-se grupos separados por divisão de trabalho e a urbanização possibili-
idades: 10 a 14, 15 a 18 ou 19 a 25 anos. Todas taram o surgimento de um grupo etário espe-
essas idades se encaixavam numa segunda cializado. Parte da população dedicava-se a
infância que era substituída, visando uma tarefas não produtivas e formação militar na
formação profissional, pela vida adulta. Nem efebia, na Atenas do século V a.C. A instituição
todos tinham acesso ou interesse pela vida dedicava-se a formar militares, mas logo pas-
escolástica, assim seu período na infância era sou a enfatizar os aspectos educativos (FEIXA,
estendido até o momento em que se tornasse 2004, p. 27). A imagem dos jovens efebos pas-
adulto desempenhando um serviço laboral ou sou a ser vinculada ao amor erótico, a ânsia de
militar (ARIÈS, 2011). saber e o desejo de reforma e beleza.
Até o século XVIII, portanto, a infância ence- Na Idade Média, como explicado no tópico
rrava com a independência econômica, no anterior, cria-se a criança antes do moço(a),
caso dos homens, ou com casamento, no caso que Ariés (2011) relata ser o menino ou me-
das mulheres. Esse cenário mudou porque o nina, entre os 7 ou 9 anos, que deixavam
“conceito de adolescência, que se estende em suas famílias para viver com outras. A ideia
certos países até o final da juventude (hoje em era formar-se em um ofício e aprender sobre
dia não hesitamos em chamar adolescente a relações sociais e outros aspectos da vida na
um moço de 20 anos), tem uma origem e uma prática. Poucas pessoas dispunham do ensino
história que coincidem com a modernidade e escolar que recebia e misturava gente de to-
a industrialização”, diz Kehl (2004, p. 91) con- das as idades. Tão logo se tornasse financeira-
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1 - A geração screenager “(...) nasceu [a partir da] na aceitam que as coisas continuem mudando sem se pre-
década de 1980 e interage com os controles remotos, ocupar com um final determinístico” (RUSHKOFF, 1999,
joysticks, mouses, internet, pensam e aprendem de p. 33 in ALVES L., 2005).
forma diferenciada. Aprendem com a descontinuidade,
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De acordo com Sibilia (2015), instituições mo- Sérvio (2015) busca interseções entre a teo-
dernas como a escola e a indústria, se alinha- ria da sociedade do espetáculo, de Debord,
vam para conformar as massas em sujeitos e a sociedade do consumo, de Deleuze, para
socialmente controlados e plenamente ope- entender por que a sociedade contemporânea
rantes na linha de montagem. Sérvio (2015, valoriza mais a flexibilidade do que o molde.
p. 134), detalhando este argumento, comple- Em uma análise sucinta, podemos dizer que
menta explicando que: uma sociedade do espetáculo baseada no mo-
delo de produção capitalista isola as pessoas.
Com a modernidade, a queda das monarquias A publicidade, como parte dessa estrutura,
e a consolidação do modelo burguês, cresce impulsiona o consumo. Enquanto Debord
a necessidade de um poder que agisse sobre acredita no conformismo e homogeneidade
os corpos, não para destruí-los, mas, para tor- da sociedade do espetáculo, Deleuze pensa
ná-los dóceis e úteis, produtivos. Isso dependia que uma sociedade de consumo vai além da
da introjeção de valores que justificassem a conformação, pois os indivíduos produzem
necessidade de uma ordem para um progresso ativamente sentidos outros ao consumo que o
incessante. mercado trata de capitalizar. Ainda de acordo
como Sérvio (2015, p. 334)
Desde a arquitetura panóptica à regulação do
tempo, os mecanismos de vigilância sujeita- Na sociedade de consumo, a permissividade de
vam todas as pessoas a regras. As tecnologias certa flexibilidade de ação para os indivíduos
de biopoder modelavam a vida seguindo os é componente que alimenta o sistema. Neste
preceitos modernos de ordem para progresso: momento de intensa flexibilidade, as massas
tornam-se amostras, dados, mercados que
Os organismos humanos foram adestrados para precisam ser rastreados, cartografados e ana-
alimentar as engrenagens da produção fabril e lisados para que padrões de comportamento
as fileiras dos exércitos nacionais. Por isso tais possam ser percebidos. Hoje, vigiar não signi-
corpos não eram apenas dóceis, mas também fica apenas confinar, regular, mas interceptar,
úteis, já que respondiam e serviam a determina- ver, ouvir e interpretar. Da posse desses dados,
dos interesses econômicos e políticos (SIBILIA, por meio de estudos qualitativos e quantitati-
2015, p. 32). vos, empresas buscam constantemente criar
estratégias para sobreviver em mercado extre-
Nessa organização social as identidades eram mamente competitivo e gerir um crescimento
fixas e, em notável medida, atreladas à cida- econômico com regularidade.
dania e ao trabalho. Entretanto, a disciplina
perdeu força numa nova ordem em que a eco- Cartões de crédito e débito, transferências au-
nomia de mercado passou a ditar as regras. tomáticas e informatização do sistema finan-
A lógica capitalista pós-moderna lançou ao ceiro modernizaram os fluxos econômicos. O
desuso o conceito moderno de propriedade, atual mercado trabalha com grande voracida-
por exemplo, já que “é uma instituição lenta de para lançar novos produtos e serviços que
demais para se ajustar à nova velocidade da possam representar subjetividades por meio
nossa cultura” (RIFKIN, 2001, p. 5, apud SIBI- de símbolos. De acordo com Hebdige, (1976,
LIA, 2015). Assim a estabilidade das identida- apud CAMPOS, 2007, p. 114), é a associação de
des foi desgastada dando lugar à fluidez da uma estética a uma ideologia, ou estilo, porque:
lógica da identificação (CAMPOS, 2007). Se a
organização social em que estamos inseridos A identificação das identidades socioculturais
está pautada pelo consumo, mais vantajoso é dos jovens é realizada em grande medida, à cus-
que o mercado possa atender várias buscas ao ta da ostentação e manipulação simbólica dos
invés de uma só demanda: tênis Adidas ou Nike, das calças Levis, da MTV,
da Shakira, dos Arcade Fire, dos piercings ou
Na sociedade, a permissividade de certa flexi- dos fanzines, independente do local do mundo
bilidade de ação para os indivíduos é compo- onde tem origem como objeto ou mito coletivo.
nente que alimenta o sistema. Neste momento
de intensa flexibilidade, as massas tornam-se O apelo e o acesso à juventude são reforça-
amostras, dados, mercados que precisam ser dos pelos mass media. Por meio do consumo
rastreados, cartografados e analisados para que é possível afiliar-se a uma ideia de juventu-
padrões de comportamento possam ser percebi- de, independente da faixa etária. Como disse
dos (SÉRVIO, 2015, p. 333). Kehl (2004), essa noção juventude é somente
um estado de espírito que externamos. Bau-
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Figura 2 - Maude, Gigi, Todd, Floyd, Tristan e Andy, parte da "galera Fanta".
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A dinâmica escolar da Idade Média em quase ma leva uma vida offline apartada da internet,
nada se atualizou. Continua pautada na trans- mas também online usando aparelhos como
missão do saber do professor para o aluno, a smartphones e as redes de relacionamentos
exigir disciplina e docilidade se contrapondo para criar de personas online.
à índole exploradora do jovem de hoje. Mes-
mo estranhando seu corpo discente da atua- Essa representação virtual é uma exigência
lidade, a escola ainda é importante lugar de da sociedade de controle baseada na lógica
aprendizado e sociabilidade (SIBILIA, 2012) capitalista contemporânea em que tudo ali-
e, por esta razão, merece nossa atenção em menta o mercado. Assim, se o sujeito moderno
relação aos desafios pelos quais tem passado. era disciplinado e entre suas características
desejáveis estava o autocontrole e a normati-
Se a escola foi determinante para a própria zação, o sujeito contemporâneo deve ser ele
invenção de infância e definidora para o en- mesmo gerido como marca, criando uma ima-
tendimento do conceito de adolescência, como gem pública por meio da qual seja possível
observamos anteriormente, parece que as ins- expressar-se (SIBILIA, 2012). Entre os proble-
tituições educacionais perderam em impor- mas enfrentados pela escola frente ao aluna-
tância na contemporaneidade. Corroborando do de hoje, a autora chama a atenção também
os argumentos de Feixa (2004) e Kehl (2004) para os alunos menos “performáticos” nas
sobre o enfraquecimento da autoridade em salas de aula e a transformação de traços de
relação à juventude de hoje, em Salvando a personalidade em desvios: “aloja-se também o
fonte, nem família, nem escola tem lugar. Em problema da timidez com uma ‘falha’ cada vez
oposição a essa ausência, há nessa represen- mais intolerável, que chegou a ser catalogada
tação midiática uma proliferação de alusões como patologia passível de tratamento neuro-
ao divertimento - dança, namoro, esportes etc. químico” (p. 73).
- e aos apetrechos tecnológicos - celulares e
computadores. Numa sociedade fortemente midiatizada, fas-
cinada pela incitação à visibilidade e instada
Para Canclini, as identidades hoje são muito a adotar com rapidez os mais surpreendentes
mais organizadas a partir do consumo e dos me- avanços tecnológicos, em meio aos vertiginosos
dia do que das instituições democráticas, como processos de globalização de todos os mercados,
era na modernidade – ou na sociedade discipli- entre em colapso a subjetividade interiorizada
nar. As identificações se baseiam em considerá- que habitava o espírito do ‘homem-máquina’,
vel proporção sobre discursos midiáticos: isto é, aquele modo de ser trabalhosamente con-
figurado nas salas de aula e nos lares durante
Para muitos homens e mulheres, sobretudo, os dois séculos anteriores (SIBILIA, 2012, p.49).
jovens, as perguntas próprias dos cidadãos (...)
são respondidas antes pelo consumo privado Utopia está mais para um espaço de atuação
de bens e meios de comunicação do que pelas das personas online. Ali as imagens pessoais
regras abstratas da democracia ou pela partici- devem ser construídas para serem consumi-
pação em organizações políticas desacreditadas das por jovens. A escola tradicional torna-se
(2006, p. 14). desnecessária e obsoleta nesse sentido, pois
seu modelo disciplinar pouco mudou e conti-
Sibilia (2012) acredita que o enfraquecimento nua dando pouco ou nenhum espaço de visi-
do papel do Estado e o afrouxamento das ins- bilidade a essas marcas pessoais em processo
tituições de controle como família e professor de autogestão. No jargão publicitário, a escola
geram um descompasso entre a realidade dos não seria o veículo certo para o tipo de mensa-
jovens de hoje, notadamente ligados ao consu- gem – jovialidade - que se quer transmitir ao
mo e às tecnologias, e a escola, que permane- público alvo – os pares.
ce, em grande proporção, estruturada sobre a
lógica disciplinar moderna. A geração perso- A educação escolástica sempre preconizou
nificada no jogo é a screenagers. Esses sujei- atenção e consciência pela seleção dos estímu-
tos estão constantemente ligados por meio de los a que se ater. Ler e escrever pressupõem
aparelhos celulares, computadores ou tablets um tempo linear e o avanço gradativo. Para o
e usam a internet como um espaço tanto pri- sujeito contemporâneo os estímulos são tantos
vado – quando substituem os diários por blogs, e tão sucessivos que pouco chega a se alojar na
por exemplo - quanto público - ao compartil- consciência, suas “vivências são dominadas pela
har músicas, vídeos, imagens etc. Para Palfrey percepção” (SIBILIA, 2012, p. 119). A lógica hoje
e Gasser (2008 in PESCADOR, 2010) essa tur- é o esfacelamento e a sobreposição sem neces-
- 332 -
sariamente a composição de uma narrativa úni- vidade e o prazer, inclusive nos ambientes labo-
ca, como nos videogames. Em “Salvando a fonte”, rais. E, é claro, também nos outrora circunspec-
por exemplo, existem algumas possibilidades de tos territórios escolares. (...) Sem esquecer, por
entender os acontecimentos. Há um comic book outro lado, que tudo isso se dá numa cultura que
contando a história em que tudo se baseia, mas enaltece a busca da celebridade e a satisfação
ele tem pouco destaque, pois o que se pressupõe instantânea, exaltando valores como a autoesti-
é que os jogadores recomponham a história à ma, a aparência juvenil e o gozo constante.
medida que exploram os espaços e jogos:
Ao omitir a escola em Utopia, Fanta não dimi-
No caso dos videogames, por exemplo, quan- nui a importância da juventude como período
do se aprende a usá-los, é claro que ocorrem de preparação para o mercado de trabalho,
aprendizagens e pensamentos, mas estes não mas destaca valores atualizados para tanto.
parecem ser reflexivos, conscientes e racionais, Sociabilização, criatividade, experimentação
baseados na explicação ou na interpretação, e e realização, por exemplo, são reafirmados
sim em “uma eficácia operativa que não necessi- como necessários para o desenvolvimento in-
ta de consciência” (SIBILIA, 2012, p. 119 e 120). telectual e afetivo dos jovens, ainda mais em
se tratando de um espaço de interação virtual.
Esse novo jovem consumidor de Fanta tem
sido rascunhado a partir da reconfiguração Para concluir
socioeconômica neoliberal tanto quanto da
revolução tecnológica. Em se tratando da es- Embora não haja escola em “Salvando a fonte”,
cola, sua dinâmica de aprendizagem é tam- abordar a relação entre educação e a noção de
bém fragmentada e contingente, ou seja, em juventude é importante para pensarmos sobre
grande parte, motivada pela necessidade de os desafios para educadores nos dias de hoje.
responder a uma provocação: Mesmo sendo desinteressante para os scree-
nagers e com altas taxas de evasão, a escola-
Esta geração não consegue simplesmente ficar ridade continua sendo determinante para a
parada, sentados em seus lugares, enquanto o colocação profissional (FRIGOTTO, 2004) tanto
professor discorre em aulas expositivas. Para quanto é um espaço essencial para a criação
eles, por exemplo, não faz sentido ler um manual de laços sociais (SIBILIA, 2012).
de um aplicativo ou de um jogo para saber usá-
lo. Os nativos digitais preferem, num processo Em um cotidiano marcado por tecnologia, co-
de tentativas e erro, ir se apropriando da lógi- nexão, fragmentação e pela crise na produção
ca do programa ou do jogo, para utilizá-lo. Esse de sentidos, a escola permanece proporcio-
processo pode revelar uma forma de aprendi- nando a sociabilidade juvenil e permitindo aos
zagem, que não é baseada em informações/ins- jovens a conformação de novos significados
truções (que seria dada pelo manual), mas numa produzidos em conjunto:
busca que parte daquele que precisa aprender,
fuçar, explorar (a forma como o programa fun- É por esse motivo (para conectar-se) que, às
ciona). (PESCADOR, 2010, p. 4) vezes, os jovens continuam a assistir às aulas,
mesmo que o confinamento tenha perdido seu
Embora não haja no cenário a educação ins- sentido e que a situação de aprendizagem nun-
titucionalizada, o estilo de vida encenado no ca chegue a se consolidar: haveria nesse gesto
advergame “Salvando a Fonte” parece ir ao outros motivos, como o mero fato de “estarem
encontro do que esperam os jovens e valoriza juntos” compartilhando a coesão mínima, por
o mercado de hoje, pois se baseia na esponta- que isso seria preferível à intempérie e à disper-
neidade, na aprendizagem por engajamento são de um tempo-espaço desprovido de muros e
(aprender fazendo) e na autorrealização. Ain- outras ancoragens (SIBILIA, 187)
da de acordo com Sibilia (2012, p. 48):
Para além do apelo social que a escola tem
Nossa época convoca as personalidades a se junto aos jovens, é preciso que sua organi-
exibir em telas cada vez mais onipresentes e zação seja repensada para capitalizar as ca-
interconectadas. (...) os novos ritos trabalhistas racterísticas da contemporaneidade a favor
requerem outras habilidades e disposições cor- do engajamento dos alunos na própria for-
porais e subjetivas, ao mesmo tempo em que mação. Esta análise de “Salvando a fonte” tem
desprezam certas capacidades ou aptidões an- por intenção apontar como a mídia enxerga
tes valorizadas, mas que são consideradas cada os jovens e listar os artifícios dos quais ela se
vez menos úteis. (...) Hoje se estimulam a criati- vale para conseguir cativar esse público. Não
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norteadores para articular, de modo mais mação com os sentidos mais atentos, resultan-
consistente, a abordagem das temáticas em do em aprendizagens ampliadas. Do mesmo
pauta. O que são os contextos hiper-visuais? modo, não poderia deixar de referir o cuida-
Qual a natureza das visualidades referidas do e o rigor com que a Profª Rachel Fendler
nas pesquisas reportadas? As visualidades re- acompanhou os trabalhos, cuja interlocução
percutem nas questões em processo de inves- considero um privilégio, neste exercício.
tigação? De que forma? Elas permitem pensar
de outra maneira? Em que medida, ao trazer
as discussões sobre imagens, e fazer uso delas,
corre-se o risco de reproduzir as coisas que já
se sabe de antemão, ou de reiterar certos con-
juntos de crenças, em vez de questioná-las?