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V ENCONTRO ANUAL DA A S S O C I A Ç Ã O NACIONAL

DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM CIÊNCIAS SOCIAIS

URBANIZAÇÃO X REMOÇÃO:- U M A POLARIZAÇÃO RECENTE

Luiz Antonio Machado da Silva

Ademir Figueiredo

T r a b a l h o A p r e s e n t a d o na R e u n i i o do G r u p o de T r a b a l h o " M o v i m e n t o s
S o c i a i s U r b a n o s " , F r i b u r g o , 21 a 23 de o u t u b r o de 1981.
1. In t r o d u ç i o

0 objetivo deste trabalho é discutir a relação en­

tre a política habitacional oficial e as respostas das camadas populjj

res. Sedundariamente, mas como apoio indispensável, pretende-se apre­

sentar uma visão panorâmica o mais possível concreta (sem, entretan -

to, recorrer a dados primários) de sua evolução. Finalmente, preten -

de-se especular a respeito dos resultados desta relação em termos das

reivindicações populares.

A idéia central ê a de q u e políticas de remoção e

urbanização de m o r a d i a s populares (com v a r i a n t e s , po i s esta polariza­

ção é r e l a t i v a m e n t e recente) são permanentes e concomitantes na polí­

tica oficial, e se reflete nas respostas populares ã "questão da hab_i^

tação". Basicamente, variaria apenas a ênfase em um ou outro p o lo.^

Apesar de óbvios, é bom lembrar alguns limites do

* texto que se s e g u e . Em p r i m e i r o lugar, as variações na conjuntura que

com to d a a certeza estão na base das mudanças de ê n f a s e na política o

ficial, serão tocadas apenas s u p e r f i c ia 1m e n t e . C o n v e n h a m o s , a análise

detalhada da conjuntura seria uma tarefa muito além dos limites do

presente trabalho. Em segundo lugar, embora a política habitacional o

ficial s e j a de âmbito nacional, e nao se restrinja ãs camadas popula­

res, a ênfase maior do presente trabalho recai sobre as favelas do

Rio de Janeiro. Finalmente, cabe notar que o texto não tem n e m de lojn

ge a a m b i ç ã o de ser definitivo: trata-se apenas de um c o n j u n t o de i-

déias para debate, não comprovadas sistematicamente.

A discussão aqui empreendida está há cerca de 20

anos na o r d e m do dia, tanto no campo político quanto tecnocrático e

acadêmico - e parece ter gerado antes paradigmas de pensamento que

programas de ação política. Queremos alertar para o fato de que este

1. E s t a p o s s i b i l i d a d e foi s u g e r i d a a um dos a u t o r e s (e v e e m e n t e m e n t e
r e b a t i d a , d i g a - s e de p a s s a g e m ) t e m p o s a t r á s por A l i c i a Z i c c a r d i .
artigo é apenas uma tentativa de contribuir para a reflexão sobre o

te m a .

2. Síntese das l i nhas básicas da política habitacional no Bras i l

1.

Na v i r a d a do século passado a questão da m o r ad ia

popu lar urbana já se c o l o c a de forma crítica nas principais ci d ad es

bras i 1e i ras. Por um lado ela se referia ao a b r i g o da força de t raba -

lho e s p e c i a l i z a d a - sobretudo de imigrantes - requerido pe l a indus -

trializaçio que então se inicia. Por outro, ãs péssimas condições de

h a b i t a b i 1 idade das moradias coletivas existentes, denominadas "corti­

ços" e "estalagens".

Nesse quadro, observa-se que os empresários se a n ­

teciparam ao poder público no tocante ã crise habitacional, inicial -

mente fornecendo "alojamentos" e "dormitórios" aos trabalhadores, e

posteriormente adotando o "English Plan", quando começa a construção

de " v i l a s operárias" (Blay, 1980). Segue-se a estas medidas, o início

de ações do p o d e r público (1892), com o g o v er n o promulgando legisla -

ção q u e concede "favores especiais" e estabelece "obrigações", visan­

do e s t i m u l a r a organização de empresas com a finalidade de construir

habitações para "operários e classes pobres" (GAP-FINEP, 1979).

Na v e r t e n t e das habitações coletivas, este ti p o de

moradia tornou-se alvo de campanhas públicas - sobretudo no R i o de Ja^

neiro - por representar condições "higienicamente perigosas". Assim

foi que, em 1886, o Conselho de Saúde do Distrito Federal sugere que

tais habitações deveriam ser expropriadas e destruídas, sendo seus ha_

2. A partir dessa época a d e no mi na çã o "vila operária" passa a ser


e v e n t u a 1m e n t e s u b s t i t u í d a por " V i l a " ou " v i l a p r o l e t á r i a " p a r a r e
f e r i r o c o n j u n t o de c a s a s c o m c a r a c t e r í s t i c a s a r q u i t e t ô n i c a s seme
l h a n t e s as do t i p o " s i s t e m a f á b r i c a vi 1 a - o p e r ã r i a " . S o b r e o sis -
t e m a f á b r i c a - v i l a o p e r á r i a , cf. L o p e s , 1979-
3

habitantes removidos para os a r redores da cidade onde ex Is t i s s e tr ans

porte e a loj ados em casas que 0 governo deveria construir . Em 1889 ,

cria-se a Empresa de Saneamento do Rio de J a n e i r o que s e t o r n a , um a -

no a p ó s a sua regulamentação, p r o p r i e t á r i a de todas as " vi las" que

não fossem de propriedade das indústrias (GAP-FINEP, 1979).

Novas medidas de eliminação de cortiços são to m a -

das quando o Rio de J a n e i r o sofre uma grande remodelação urbanística

( 1 9 0 3 _ 1906), que o tornou uma " c i da d e moderna" e expulsou do seu cen­

tro m i l h a r e s de famílias residentes nos tres mil casebres destruídos.

Neste cas o , para os m o r a d o r e s desabrigados, o governo não construiu

qualquer tipo de h a b i t a ç ã o ( L eeds e Leeds, 1978. Esta remodelação ur­

banística foi acompanhada de lei municipal proibindo a construção de

novos cortiços e reformas nos existentes, visando a eliminação deste

t i p o de habitação.

Nesta fase i n icial da crise de habitação no Bra -

sil, a questão da m o r a d i a popular recebe um tratamento de cunho basi­

camente sanitarista. Não existe, portanto, uma política habitacional

permanente. Ao contrário, e como prova disto, até os anos 40 pouca a­

tenção foi dada ao p r o b l e m a (Leeds e Leeds, 1978), agravando ainda

mais as condições de v i d a da classe trabalhadora. Esse agravamento

torna-se explícito na análise das demandas do m o v i m e n t o sindical das

duas primeiras décadas do s é c u l o , cu j a plataforma inclui as condições

e insuficiência de habitações, além do preço do a l u g u e l , entre os

principais itens (Teixeira e Ribeiro, 19 8 0 ) .

2.

A política de habitação popular no Brasil sofrerá

um impulso a partir da d é c a d a de trinta, quando se intensifica a in­

dustrialização, a que corresponde um rápido processo de urbanização

da população.

Em I9 3 3 , s ã o criados os Institutos de A p o s e n t a d o r j
k

as e P e n s õ e s (os lAPs), em " S m b i t o nacional, reunindo tod o s os empre­

gados de um d e t e r m i n a d o ra m o de atividade, independentemente da loca­

lização das empresas" (GAP-FINEP, 1979). Estes lAPs, comportavam car­

teiras imobiliárias para financiamento de casas para operários em to­

do o B r a s i l . A principal característica da política destes órgãos, é

a "prioridade dada ã preservação da m ã o de o b r a produtiva, especial -

mente aos trabalhadores das indústrias e dos transportes" (GAP-FINEP,

1979). Desse modo, impedia-se a participação de a m p l o s setores populjj

res que não encontravam empregos no m e r c a d o de trabalho capitalista ,

embora através dos se u s financiamentos imobiliários as autoridades

vislumbrassem o desaparecimento de núcleos de populações pobres, do

ti p o favelas.

3.

Nova medida frente a crise habitacional, será toma

da pelo Governo Federal em 19Ã6, tornando-se um instrumento básico da

política de habitação a t é o final da década de 60. Nesse ano, é cria­

da a FUNDAÇÃO DA C A S A POPULAR destinada a financiar habitações pa r a a

venda, rompendo com a política de aluguel implementada pelos lAPs (Ve

ras, I9 8 O). Diferença também significativa em relação aos lAPs, se r á

a sua clientela, que compõe-se de tod o s os brasileiros e estrangeiros

com mais de d e z anos no pa í s ou que sejam pa i s de brasileiros, e não

mais de categorias profissionais. Em q u e pese a aparente liberaliza -

ção para os setores populares dessa meta institucional, a prática de£

se ó r g ã o foi a de privilegiar os setores médios da população, aos

quais se d e s t i n a r a m boa parte dos seus financiamentos.

k.

Dentre todos os órgãos criados pelo poder público

para implementar a política habitacional, foi o Banco Nacional de Ha­

bitação (BNH) o mais importante por sua abrangência. Criado em 1964 ,

logo após o regime militar instaurado no país, foi-lhe atribuída a


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função de ó r g ã o central do Sistema Financeiro de Habitação, com o o b ­

jetivo de " p r o m o v e r a construção e aquisição da casa própria, especi­

almente pelas classes de m e n o r r e nda". 0 BNH representa uma inovação

na política habitacional, sob pelo menos tres aspectos. Primeiro, por

ser um banco, ao contrário dos órgãos anteriores. Segundo, porque os

financiamentos concedidos são reajustados pela correção monetária, co

mo m e c a n i s m o de compensação inflacionária. Terceiro, por constituir -

se n um sistema que articula o setor público - que tem a função de fi­

nanciador principal, com o setor privado - responsável pe l a execução

da política habitacional (Andrade, 1976). No campo específico da cons

t r u ç ã o de habitações - po i s as atribuições do BNH vão mais além - po­

de-se dividir sua trajetória em 4 períodos. Entre 1964 e 1967 sua £

tuação estava basicamente centrada na remoção de favelas. De 1967 a

1971, o BNH começa a privilegiar os financiamentos para faixas de reji

da m a i s elevadas. De 1971 a 1 979 esta política se c r i s t a 1 i z a .Em 1979

o BNH anuncia sua i n t e n ç ã o de " 1 ibe r a 1 i z a r - s e " , r e t o m a n d o a política

de financiamento voltada para os setores mais pobres da população.

3. A Política Habitacional para Favelas no Rio de J a n e i r o

1.

A favela aparece no c e n á r i o urbano da cidade do

Rio de J a n e i r o , ainda no final do século passado. Nesta época, porém,

sua e x i s t ê n c i a passou desapercebida até a década de 30. A partir daí

a favela já é uma das principais formas de habitação popular da cida­

de, sendo seu crescimento intensificado nas décadas seguintes, vindo

a corresponder a cerca de uma qua r t a parte da população carioca nas

estimativas de 1979 feita a partir de um levantamento ae rof o t o g o m ê t rj_

co realizado pela prefeitura do Rio de Janeiro.

3. A r e s p e i t o do BNH e x i s t e e x t e n s a l i t e r a t u r a . V e j a - s e , a t í t u l o de
e x e m p l o , S o u z a (1 9 7 4 ) , P o r t e s ( 1 9 7 8 ) , B o l a f f i (1979). O b v i a m e n t e ,
e s t e r e s u m o se r e s t r i n g e ao i n t e r e s s e i m e d i a t o de n o s s o a r g u m e n -
to.
6

A origem da política de favela no Rio remonta ao

ano de 1937 , com a promulgação do C 0 D IGO DE O B R A S da cidade. Prevendo

a eliminação das favelas, esse dispositivo legal estabelece que el a s

deveriam ser substituídas por "núcleos de habitação de tipo mínimo" ,

através da construção de " h a b i t a ç õ e s proletárias" para serem vendidas

a pessoas "reconhecidamente pobres". Como medida de reforço a propos­

ta de eliminação das áreas faveladas, vetava-se a construção de nov a s

casas, bem como proibia-se a realização de m e l h o r i a s nas casas exis-


k
tentes.

A promulgação do código de o b r a s cr i a um padrão u£

banístico que, fictício ou não, exclui as favelas, colocando-as nu m a

situação irregular. Isto, acrescido da situação ilegal do ponto de

vista da propriedade da terra, inviabiliza políticas que tenham cobej^

tu r a j u r í d i c a .

2.

A criação dos Parques Proletários no início dos a­

nos quarenta parece ter sido um d o s primeiros resultados práticos da

orientação do código de o b r a s . Ambas as m e d i d a s são tomadas por uma

mesma administração municipal, que considerava a construção de "par­

ques proletários de tipo definitivo" um m e i o "seguro" pa r a a "extin -

ção" das favelas (Kleiman, 1978).

A política de criação de Parques Proletários tinha

como proposta básica a remoção transitória para local próximo ao das

moradias dos favelados, até que no lugar das habitações originais de£

rubadas fossem construídas novas casas de alvenarias. Nos parques de­

veriam ser construídas também a infra-estrutura urbana e serviços co­

mu n i t á r io s .

Es s a experiência iniciou-se com a construção de

A. A r t i g o s 3^7 e 3^9- N o t e - s e q u e o C ó d i g o de O b r a s do Rio, se r á q u £


se l i t e r a l m e n t e c o p i a d o p e l a m a i o r i a das o u t r a s g r a n d e s cidades
b r a s i l e i ras.
7

tres parques, no p e r í o d o entre 19^2 e 19^. 0 primeiro foi o da Gávea,

na zona sul da cidade, que abrigou 2500 pessoas em 804 casas. 0 segu_n

do localizou-se na zona norte, constando de.. 1 80 casas que abrigaram

720 pessoas. 0 terceiro ficou também na zo n a sul, com 162 casas abri­

gando 800 pessoas (Kleiman, 1978).

Duas foram as principais características dessa po­

lítica. Em p r i m e i r o lugar a experiência não passou do estágio de cons

trução de parques "provisórios". De " p r o v i s ó r i o s " , eles tornam-se de­

finitivos, sendo abandonada a parte do plano que previa a mudança pa­

ra casas de a l v e n a r i a no local de o r i g e m . A segunda característica

foi o rígido controle do cotidiano de seus moradores imposto pela ad­


. . . ~ 5
mi n i s t r a ç a o .

Os parques proletários, implementados na vigência

do Estado Nov o , "combinava(m) controles a d m i n i s t r a t i v o s , 1c o n s c i ê n c i a 1

governamental, retórica c o r p o r a t iv i s ta e a r e v e r ê n c i a da parte do p rc>

letariado por 'Pai G e g ê 1 , ti d o q u a s e como um s a n t o " (Leeds e Leeds ,

1978). Neste sentido, tal política habitacional parece corresponder

ás origens do chamado "pacto s o cial populista".

3.

A política dos parques proletários é abandonada a-

põs 19^5, quando da " r e d e m o c r a t i z a ç a o " do país em substituição ã d i tj3

dura implantada em 1937. A primeira medida do novo governo foi o esta

belecimento, pelo presidente da República, de uma comissão interminis^

terial para estudar as causas da formação de favelas e as condições

das existentes. A comissão propõe medidas de controle, tal como pre­

vistas no c ó d i g o de o b r a s de 1937. Dentre ela s , as principais são as

seguintes:

- a proibição de construção de novas casas nas fa­


velas;

5. S o b r e a r e a ç ã o dos m o r a d o r e s , v e r S a n t o s (1981). A r e s p e i t o da
c o n d i ç ã o de v i d a nos p a r q u e s p r o l e t á r i o s ver t a m b é m L e e d s e Leeds
(1978).
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- a supervisão severa nas favelas para impedir o

aluguel ou a venda de casas abandonadas;

- o rápido término dos projetos de urbanização em

terras da Prefeitura do Distrito Federal para e­

vitar a invasão e a formação de favelas;

- recomendar às instituições federais para previnj_

rem-se contra a formação de favelas em suas ter­

ras (Leeds e Leeds, 1978).

A segunda medida tomada pelo novo governo, foi a

criaçao da Fundaçao Leão XIII - rompendo com a o r i e n t a ç ã o anterior .

Es s a entidade nasceu de um d e c r e t o presidencial em 1947, definindo-a

como pessoa jurídica privada, subordinada diretamente ã Diocese do

Rio de J a n e i r o . Seus objetivos eram de " s a n e a r " as favelas com o " s u ­

or e trabalho" dos próprios moradores, baseando-se p r i n c i p a 1m e n te na

promoção de serviços sociais, como forma de " o r i e n t a r " previamente a

população favelada para a urbanização. Seu trabalho estendeu-se por

trinta e quatro favelas, no período de 1947-1954. A Fundação sobrevi­

ve a t é os dias atuais, tendo sido suas funções redefinidas em 1962 , a_

pós uma reforma administrativa no e s t a d o , quando passa a subordinar-

se i COHA B . Em 1964 e l a passa por nova mudança, transformando-se em

"órgão estatal semi-autõnomo subordinado i Secretaria de Serviços So­

ciais" (Leeds e Leeds, 1978).

A ação da Fundação Leão XIII extravasa o âmbito pjj

ramente habitacional, dirigindo-se a uma prática a s s i s t e n c i a 1 ista que

visava a criação de centros sociais, escolas e clínicas médicas. Atrj_

bui-se a este órgão a tentativa de neutralizar a ação do Partido C oithj

nista, que tinha existência legal neste período, e obtinha crescente

apoio popular. Ilustrativo desta visão é a frase "é necessário subir

o morro antes q u e os comunistas desçam" (SAGMACS, 1960 - apud Lee d s e

Leeds, 1978).
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4.

Os anos cinquenta são m a r c a d o s por tres medidas re_

lativas às favelas cariocas. A primeira, em 1952, foi a criação em lm

bito municipal, do Serviço de Recuperação de Favelas (SRF), num con­

texto em q u e a urbanização IN L O CO, começou a aparecer na d i s c u s s ã o pjj

b 1 ica sobre o tema. Em 1956, as favelas do Rio recebem um tratamento

especial, através de u ma lei que autorizava o Ministério da Justiça e

Interior a alocar fundos a órgãos v o l ta d o s para a atuação nas favelas

de q u a t r o cidades do país. Esse tratamento refere-se ã proteção aos

moradores contra as ameaças de expulsão, g a r a n t i n d o - 1hes a permanên -

cia e n q u an t o não recebessem uma casa, tal como previsto no texto le­

gal. Por último, menciona-se a criação do S E R V I Ç O ESPECIAL DE RECUPE­

RAÇÃO DE FAVELAS E HABITAÇÕES A N T I -HIGIÊNICAS (SERFHA), em 1956. Den­

tre su a s metas institucionais, estavam a criação de cooperativas de

habitação para os favelados, a produção de m a t e r i a i s de construção v_i^

sando a redução dos custos habitacionais e a criação de e s c o l a s pro­

fissionalizantes para moradores. Porém, a ação do ó r g ã o nos primeiros

anos que se seguiram ã sua fundação, restringiu-se ã tentativa de su­

primir novas construções nas favelas. 0 funcionamento deste Órgão,bem

como seu impacto, assume contornos bastante diferentes na d é c a d a de

60, como se r á mencionado na próxima s e ção.

Na década de 50, que numa caracterização muito ge­

ral poderia ser vista como o auge da euforia d e s e n v o 1v i m e n t i s t a , su­

portada por um e f e t i v o crescimento econômico, a questão das favelas

fica relegada ao segundo p l ano. Primeiro, porque a atenção estava vo_l_

ta d a para questões mais propriamente operárias. D i t o em o u t r a s pala­

vras, o movimento sindical parece ter polarizado e centralizado as

discussões. Segundo, porque a questão relativa ao segmento na época

denominada "marginal" era entendida como um m e r o problema tópico de

ajustamento social (Kovarick, 1975; Machado da Silva e Z i c c a r d i , 1980) .

Como foi visto, porém, note-se que m esmo neste contexto foram tomadas

certas medidas que implicavam uma tácita legitimação das favelas, e

que provavelmente estavam relacionadas i tentativa de ampliação da ba


Em 1968, o governo do Estado cr i a um n o v o õrgio pa

ra a p o l í t i c a de favelas, visando implementar a urbanização, com a co

labor a çi o dos moradores, a Companhia de Desenvolvimento Comunitário

(CODESCO). Dispondo de poucos recursos, já que a orientação dominante

através do BNH era a remoção, o órgão opta por projetos-modelos em

tres favelas: MATA MACHADO, BRAS DE PINA e MORRO UNIÃO. Dessas, ape­

nas Brás de Pina te v e seu projeto relativamente complementado, restajn

do a q u e s t ã o da " p o s s e da terra" reclamada pelos moradores (Blank ,

1980 ).

Logo ap ó s a criação da CODESCO, sob o argumento ac[

ministrativo de coordenar as d i v e r s a s instituições públicas envolvi -

das cor. a q u e s t ã o habitacional na área metropolitana, o governo fede­

ral cria a Coordenadoria de H a b i t a ç ã o de Interesse Social na A r e a Me­

tropolitana do Rio ( C HISAM) , s u b o r d i n a d a ao BNH. Em b r e v e , esse órgão

retoma a política de remoção, que atingiu um total de 16.647 barracos

no p e r í o d o 1968-1972, época da sua atuação.

Desse modo, no p e r í o d o entre 1962 e 1974 , f o r a m re

movidas das favelas cariocas um total de 132.533 pessoas, moradoras

em favelas. A partir dessa data, há um g r a n d e declínio das remoções,

atingindo mais 5241 pessoas e elevando para 137.774 o número de fave­

lados removidos em 15 a n o s (Valladares e Figueiredo, 1981) .

A efervescência social causada pela execução des -

ses programas teve repercussão nacional e o plano resultou em g r a n d e s

privações impostas aos moradores removidos para áreas longínquas da

cidade: aumento no custo de transporte, inviabilização da combinação

de e m p r e g o s entre membros das famílias, quebra da rede de solidaried^

de e v i z i n h a n ç a , ausência de e q u i p a m e n t o s urbanos comunitários, falta

de infra-estrutura urbana, qualidade e pequeno tamanho dos apartamen­

tos, etc.

Acrescente-se a esses aspectos que de uma situaçao

habitacional compatível com a renda familiar, muitas famílias ficaram

em d i f i c u l d a d e s financeiras frente aos custos da nova habitação, num


se s o c i a l de sustentação do g o v e r n o (o " p a c t o populista").

5.

Ao SERFHA, caberá no início da década de sessenta,

a açao sobre as favelas. Pautando-se por uma orientação que visava a

urbanização com a "cooperação" dos favelados, através do " M U T I R Ã O " , o

órgão dedica-se a incentivar a criação de A s s o c i a ç õ e s de M o r a d o r e s , ã s

quais outorgaria a condição de representantes dos favelados pa r a o d£

senvolvimento conjunto de seus programas. Já em 1962, o órgão ê e x t in

to e suas funções passaram para o Serviço Social das Favelas e suas

atividades para o D e p a r t a m e n t o de Recuperação de Favelas.

A criação da Companhia Estadual da Habitação (COHAB)

inicia um n o v o período da política de Favela no Rio, caracterizado pe:

la renoção em l a rga escala dos núcleos favelados. Respaldado em g r a n ­

de v o l u m e de recursos obtidos junto a USAID,^ este órgão inicia a

construção de Conjuntos Habitacionais em subúrbios distantes, para os

quais foram removidos c o m p u 1 s o r i a m e n t e os moradores de diversas fave­

las da zona sul da cidade. De 1962 a 1965, a COHAB promoveu obras de

urbanização em du a s favelas, enquanto que seus planos de remoção atiji

giram 31000 pessoas, moradoras de 6875 barracos. Datam dessa época, a

construção de conjuntos habitacionais que ficaram conhecidos em to d o

o Brasil: as V i l a s Kennedy, Aliança e Esperança, e o Conjunto Cidade

de Deus.

A partir de 1964, a COHAB passa a empregar recur -

sos do BNH, tendo sua atividade reduzida até 1968. Em 1966, o órgão

dedicou-se a socorrer os " f l a g e l a d o s " das enchentes do Rio de Janei­

ro, construindo conjuntos de habitações provisórias que tornaram-se

permanentes, tal como os parques proletários da década de quarenta

(Beltrão, 1978).

6. T r a t a - s e de um a c o r d o c o n h e c i d o c o m o F u n d o do T r i g o , através do
qual os E.U.A. r e v e r t e r i a m (US$ 2 . 8 5 7 - 0 0 0 ) um b i l h ã o de c r u z e i r o s
o b t i d o s p e l a v e n d a de p r o d u t o s a g r í c o l a s ao B r a s i l .
período de " a r r o c h o salarial" como estratégia de " c o m b a t e inflacioná­

rio" (Cf. Valladares, 1978; Grabois, 1973; Portes, 1978).

Como resultado deste ti p o de intervenção governa -

-ental, os favelados atingidos reagem com um f o r t e aumento da m o b i l i ­

z a ç ã o em torno das associações de m o r a d o r e s , que contribuiu para a

cr iaç ã o da FEDERAÇÃO DAS A S S O C I A Ç Õ E S DE M O R A D O R E S DO ESTADO DA G U A N A -

B-RA F A FEG). No e n t a n t o , a política governamental de remoção contí -

nua, resultando na p r i s ã o em m a s s a de líderes das Associações de M o r a

dores e da diretoria da FAFEG, que acaba por sofrer intervenção.

Materializada pela força e remoção, a reação nos

conjuntos passa a ser dupl a : a) não pagamento das prestações (o índi­

ce de inadimplência é altíssimo); b) criação de associações de m o r a d o

res dos conjuntos, surgidas basicamente em d e f e s a contra a expulsão

de grupos de m o r a d o r e s sem condiçoes de pagar as referidas prestações

A política de habitação pa r a favela entre 1960 e

1975 será m a r ca d a por diferentes linh a s de ação governamental, ainda

que o período se caracterize pela remoção massiva. Os dois primeiros

anos correspondem a uma tentativa de conquista de base popular por

parte do g o v e r n o estadual,de forma a neutralizar a crescente ação do

pacto populista. A partir de 1962, esta política sofrerá nova orienta

ção, sob a égide do acordo estabelecido pela administração Lacerda

com a USAID, que parece ter sido uma resposta I criação do Conselho

Federal de Habitação pelo governo central, e parte da e s t r a t é g i a da

campanha de Lacerda para a presidência da república. Em 1964, com o

surgimento do BNH, dar-se-á continuidade ã política de favela imp l e -

mentada neste período, agora sob a chancela do autoritarismo, que re­

presenta o fim do pacto populista. Em 1968 coexistem du a s orientações

Por um lado, a prática autoritária de remoção sob o p a t r o c í n i o do BNH

tem seqUência. Por o u t r o , em função dos compromissos durante a campa­

nha e l e i t o r a l , o governo estadual cria um órgão de urbanização de fa­

velas, apresentado como experimental (o q u e pode significar uma forma

de m i n i m i z a r a plataforma política do g o v e r n o eleito).Nos anos subse-


13

quentes intensífica-se a prática de remoção violenta ate 1975 quando

estes programas são abandonados (pelo m e n o s momentaneamente).

Não obstante, a prática de remoção assume novos

contornos, uma vez que permanece sob a via judicial. Ao contrário do

período anterior, que se caracterizava por remoções em m a s s a promovi­

das pelo governo, el a s passam a ser iniciativas tópicas, levadas a e­

feito por particulares. Note-se ainda que este tipo de conflito se g£

neraliza, extravasando os limites da cidade do Rio de J a n e i r o . ^ Es t e

é o caso, por exemplo, de recentes remoções ocorridas no m u n i c í p i o de

Niterói. Tais observações, contudo, não se pretende obscurecer o fato

de q u e este tipo de prática não houvesse ocorrido em períodos anterio

res .

6.

A paralização das remoções promovidas pelo Estado

em 1975, foi seguida de um p r i v i 1e g i a m e n t o de setores da classe média

por parte do BNH. Porém, ã "abertura" política promovida pelo governo

federal correspondeu o anúncio da retomada da política de favelas, em

âmbito nacional, através do PROMORAR, destinado, e s p e c i a 1m e n t e , ã e r ­

radicação de h a b i t a ç õ e s "sub-humanas" do ti p o favelas de palafita ,

etc.

Com base nas críticas aos programas de remoções de

favelas, esta no v a proposta surge com a p r o m e s s a de não remover as

populações afetadas por sua implementação para locais d i s t a n t e s . 0 Rio

de J a n e i r o , ê escolhido para a primeira grande realização deste pro -

grama. Assim ê anunciado em 1979 o Projeto Rio, voltado para um con­

junto de seis favelas que m a r g e a m a Baía de Guanabara. 0 Projeto cor-

7. é i m p o r t a n t e l e m b r a r q u e a q u e s t ã o da m o r a d i a p o p u l a r t o r n a - s e c£
da vez m a i s c o n f l i t i v a nos g r a n d e s c e n t r o s . Ela r e f e r e - s e também
â p e r i f e r i a , q u e a p a r t i r da d é c a d a de 50 t o r n a - s e a f o r m a b á s i c a
de s e g r e g a ç ã o u r b a n a . E m b o r a a q u e s t ã o da p r o p r i e d a d e da t e r r a se_
ja t a m b é m p a r t e do s c o n f l i t o s e n v o l v i d o s no p r o c e s s o de p e r i f e r i -
z a ç ã o , sua n a t u r e z a d i f e r e em d i v e r s o s a s p e c t o s do p r o b l e m a fun -
d i á r i o da m a i o r i a das f a v e l a s : l o t e a d o r e s em s i t u a ç ã o ilegal quajn
to ã c o m p r o v a ç ã o da p r o p r i e d a d e v e n d e m lotes; os l o t e a m e n t o s não
p r e e n c h e m as p o s t u r a s m u n i c i p a i s , c r i a n d o u m a s i t u a ç ã o paralegal
responde a um plano de intenções do governo, causando grande repercus

sio na f a v e l a , sobretudo pelo medo da remoçlo. Imediatamente, as lide

ranças das Associações de M o r a d o r e s articulam-se criando a COMISSÃO

DE DEFESA DAS FAVELAS DA M A R É (CODEFAM), e procuram apoio junto a téc

nicos e ã opinião pública do Rio. Iniciadas as negociações com o go­

verno, a CODEFAM sustenta a proposta do término da urbanização das ã-

reas que foram "s em i-u rba ni z a d a s " , pelos favelados que se localizam

em " t e r r a firme" conquistadas ao m a r por aterros feitos pelos própri­

os moradores; propõe também que a erradicação da parte de palafitas

seja mant id a no local após construído o aterro, sendo a remoção acei­

ta a p e n a s para áreas próximas e por m o t i v o s urbanísticos. Como reiviji

dicação de todas as áreas, surge a "posse da terra", visando a garan­

tia da permanência no local.

Ao l o n g o dos dois anos que já d e c o r r e m do anúncio

do p r o j e t o , o governo tem recuado de algumas de suas propostas, em fjí

vor das sugeridas pelas lideranças faveladas. Ainda não se pode avalj_

ar precisamente os resultados dessa nova política, cuja etapa de pro­

jeto pode ser considerada "em fase técnica". Porém, uma coisa já se

pode afirmar: cerca de 200 mil moradores não tem certeza do que lhes

pode acontecer com essa intervenção.

4. Conclusões

1.

Queremos iniciar estas conclusões com uma advertêji

cia: a periodização apresentada é, por certo, muito imperfeita. Isto

se d e ve, em p r i m e i r o lugar, is dificuldades inerentes a uma análise

p a r a os c o m p r a d o r e s . Por o u t r o lado, a q u a s e c o m p l e t a a u s ê n c i a de
i n f r a - e s t r u t u r a e e q u i p a m e n t o s u r b a n o s d e t e r m i n a c o n d i ç õ e s de v i ­
da bem p r ó x i m a s ãs das f a v e l a s . Com b a s e n e s s a s d i f i c u l d a d e s s u r ­
ge um a m p l o m o v i m e n t o p o p u l a r nas p e r i f e r i a s ( i n c l u s i v e nos con­
j u n t o s h a b i t a c i o n a i s f i n a n c i a d o s p e l o BNH, q u e em p a r t e a b r i g a r a m
f a v e l a d o s r e m o v i d o s ) . F i n a l m e n t e , d e v e - s e n o t a r q u e t a m b é m há um
i n t e n s o p r o c e s s o de f a v e l i z a ç ã o na p e r i f e r i a , o q u e c o m p l i c a o
q u a d r o a p r e s e n t a d o . A r e s p e i t o d e s t a s q u e s t õ e s cf. C h i n e l l i (1980)
B e o z z o (I 9 8 O), S a n t o s e B r o n s t e i n ( 1 978), M a r i c a t o (1979).
* 15

conjuntural do tema. Em s e g u n d o lugar, ao f a t o de q u e tanto a políti­

ca o f i c i a l quanto as respostas populares são sempre defasadas no tem­

po. Assim, como vimos, o crescimento das favelas no Rio de Janeiro se

acelera no final da dicada de 30, mas sua apropriação como problema

(político e acadêmico) sõ o c o r r e cerca de vinte an o s depois. Outro e­

xemplo: o grande crescimento das periferias como locus da habitação

das classes trabalhadoras intensifica-se por volta de 1950, mas sua

incorporação como problema sõ o c o r r e a partir de 1970.

Além das limitações de ordem empírica, há pelo me­

nos duas importantes questões que este trabalho não pode responder. A

primeira delas está implícita no parágrafo acima: trata-se de expli -

car a defasagem entre o fato e sua p r o b 1e m a t i z a ç ã o . A s e g u n d a , e tal­

v e z r.ais importante, diz respeito ãs mediações concretas que transfo£

m a m o f a t o em problema. Acreditamos que seria extremamente ambicioso

tentar até m e s m o uma primeira aproximação a essas questões.

Estas considerações não impedem, porem, de chamar

a atenção para o que talvez seja óbvi o : a relevância política da "ques^

tão da habitação" - e o que está em pauta neste sentido é a habitação

popular. Primeiro, porque trata-se de um a s p e c t o central das condi -

ções de v i d a da classe trabalhadora. Segundo, porque funciona como a­

gente aglutinador de d i v e r s o s setores sociais, unindo assalariados ,

trabalhadores por conta própria, etc. - que, de o u t r a maneira d i f i c iJ_

mente teriam reivindicações imediatas comuns.

2.

Retornando ãs considerações das páginas anterio -

r e s , pode-se ver que, ao longo do temp o , houve grandes variações na

política de habitação para a favela: a) no início do século a políti­

ca de habitação popular era apenas incipiente e se v o l t a r a inicialme_n

te para "habitações coletivas". As erradicações desta época tinham c cí

mo j u s t i f i c a ç ã o uma perspectiva tipicamente sanitarista ( B r a n d ã o , 1980).

Embora este discurso permaneça ao lon g o do tempo, ele se torna paula-


tinamente secundário em v i r t u d e do padrão de crescimento urbano segre

gativo, que faz aflorar a natureza especificamente habitacional do

p r o b 1e m a .

b) Antes da promulgação do Código de Obras do Rio

de J a n e i r o , constata-se uma fase de relativo abandono/esquecimento da

questão. C o m ele, inicia-se a política especificamente habitacional

de favela. A orientação básica era a eliminação de "moradias precãrj_

as" a longo prazo. Como primeiro passo na implementação desta propos­

ta criam-se os Parques Proletários. A remoção que eles na prática im­

plicaram diferem, entretanto, da política implantada pela COHAB/CHISAM.

Afora o extremo controle do cotidiano dos moradores, tratava-se de re

move-los (temporariamente, segundo a proposta original) para locais

próximos de su a s antigas residências.^

c) Não se pode esquecer que, nesta fase inicial da

política habitacional existiam outros órgãos voltados para a moradia

popular (os lAPs e a Fundação da Casa Popular). Não obstante, eles só

indiretamente afetaram a população favelada, já q u e su a s clientelas e

ram compostas por o u t r o s segmentos sociais.

d) No final da década de kO a "promoção social "

passa a ser a tônica da intervenção na favela, através da Fundação Le^

ão X I I I. Sua atuação no campo especificamente habitacional é limita -

da, restringindo-se a pequenas melhorias em algumas favelas. A "promo

ção social" continua com a criação do SERFHA, embora sua ação desse

mais ênfase ã "urbanização" do q u e aquele órgão. Ambos, e n t r e t a n t o ,de;

dicam-se a incentivar o surgimento de associações de moradores com o

objetivo de cooptar as populações faveladas.

e) No início da década de 60 a política habitacio­

nal para as classes populares, que se caracterizou basicamente por um

8. E m b o r a n ã o se p o s s a e n t r a r em d e t a l h e s a r e s p e i t o d e s t a questão,
d e v e - s e l e v a r e m c o n t a o f a t o de q u e , na é p o c a , as z o n a s m a i s ce_n
. t r a i s do R i o de J a n e i r o a i n d a a p r e s e n t a v a m e s p a ç o s v a z i o s , o que
facilitava esta proposta oficial.
período intenso de deslocamentos da população favelada das áreas no­

bres para locais muito distantes, passa a incorporar uma forte polar_i^

zaçã o . £ nesta época que as expressões "remoção" e "urbanização" de

favelas que, como se e s t á tentando mostrar, sempre existiram, adqui -

rem um caráter de confrontação. De um lado, o governo propondo "remo­

ver", de outro as organizações faveladas reivindicando a "urbaniza -

ção". Recentemente, o governo federal privilegia a urbanização, com o

projeto PROMORAR que, embora guarde certas semelhanças com o tipo de

erradicação empreendido na época dos parques proletários, envolve re­

cursos e uma população muito maior.

3.

A polarização r e m o ç ã o / u rb a n i z a ç ã o , i m p o s t a pela iji

tervenção do estado, dificulta a análise (tanto política quanto acadê

mic a ) da questão da habitação nas favelas do ponto de v i s t a histórico.

Isto porque políticas muito diferentes - como por exemplo a implemen­

tada com a criação dos parques proletários e a levada a cabo pela

COHAB - terminam por ser entendidas como equivalentes. Por outro la­

do, as atuações da CODESCO e do PROMORAR são também vistas como prátj_

cas de urbanização, sem que se atente para suas profundas diferenças.

Antes de prosseguir a discussão do significado e

alcance do dilema colocado por esta polarização, é preciso mencionar

algumas preliminares. Em primeiro lugar, não há como negar a violên -

cia, repressão e controle de todos os tipos de remoção, e mesmo de aj_

guns tipos de urbanização. Em segundo l u gar, lembremos que as "remo -

ções" e as " u r b a n i z a ç õ e s " , realizadas e/ou projetadas, diferem profuji

damente, e não podem ser simplesmente rotuladas a partir de dois po­

los opostos. Em terceiro lugar, cumpre lembrar que a "urbanização "

(de q u a l q u e r tipo) pod e , ao longo do tempo, implicar numa " remoção

branca", c o m os antigos moradores sendo substituídos por força das

leis do m e r c a d o imobiliário. Finalmente, ê também impossível ignorar

que em certos casos a correlação de forças ê negativa para os morado­

res, de m o d o que insistir na " c o n t r a - p o 1 í t i c a " de urbanização torna -


18

se uma posição quase suicida.

Estas considerações levam-nos a pensar que as orga

nizações de favelados tem historicamente antes r e s p o n d i do a p o l í t i c a s

que proposto políticas. Deve-se notar que boa parte dos moradores de

favelas prefere o status qu o , com pequenos melhoramentos, porque a ijn

posição tanto de remoção quanto de urbanização implica em gastos adi­

cionais, nem sempre compatíveis com sua capacidade financeira. Não se

pode esquecer, entretanto, que ao longo da história das favelas ocor­

re um processo de " u r b a n i z a ç ã o de fato", empreendido pelos próprios mo

radores e segundo suas conveniências. Este fato parece-nos indicar

não apenas uma estratégia de sobrevivência, mas p r i n c i p a 1m e n te uma

forma de resistência a um contexto político-econômico exclúdente.

Finalisando, queremos colocar alguns pontos para

abrir o debate sobre o tema: .

" ' a) Do ponto de vista das organizações de favelados,

a luta pela urbanização tem sido mais uma resposta paradigmática ã a­

- ção governamental que propriamente um programa de ação política.

b) Desta maneira, a imposição da polaridade urbanj_

zação x remoção, por parte do governo, pode ser vista como uma forma

de controle ideológico dos favelados, o que acaba por contribuir para

o verdadeiro processo de guetificação que se verifica nas cidades bra

s i 1e i r a s .

c) A questão ê, portanto, desmistificar a pol ar idj3

de imposta e o paradigma dela decorrente, através da discussão ampla

de programas autônomos, tanto globais quanto locais, de luta. Isto não

é impossível, porque, ainda que do ponto de v i s t a legal a favela não

possa ser aceita num regime capitalista, a história da relação fave -

la x p o d e r publico gerou um e s p a ç o político de negociação legitimado.


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