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O objetivo desse resumo, que, se não coincide, ao menos está muito próximo do

objetivo da minha dissertação de mestrado – que versa sobre o pensamento do autor em


referência –, é o de tentar colher os aspectos peculiares das teorias do Direito Natural. Não
se tem evidentemente a pretensão de esgotar o tema relativo ao Direito Natural nem traçar a
trajetória por ele seguida, enquanto corrente de pensamento, de sua origem remota na
Grécia Antiga com Sócrates, Platão e Aristóteles, até os dias atuais onde despontam as três
principais vertentes: o realismo jurídico clássico; o jusnaturalismo tomista; jusnaturalismo
racionalista (poderia-se dizer-se universalista?); e a nova escola do direito natural.

O escorço histórico já foi elaborado por diversos pensadores do Direito e repeti-


lo seria ocioso, diante das excelentes obras nesse sentido (dentre as quais a interessante
dissertação denominada “Saga do Zangão”1, da então mestranda da PUC Viviane Nunes
Araújo Lima e as importantes obras do falecido professor da Universidade de Paris II, o
erudito Michel Villey, que dentre outros artigos para revistas de filosofia do direito
escreveu diversas obras sobre o assunto 2.

Nesta empreitada, buscarei levantar os principais pensadores jusnaturalistas


dessas quatro correntes e levantar os pontos cardinais de cada uma delas, enfocando os
pontos de conflitos diante que decorrem das suas peculiaridades.

O que parece estar certo desde este início é a gênese grega do jusnaturalismo
que pode-se dizer densificado no Livro V do livro Ética a Nicômaco, no bojo do qual
Aristóteles, por se tratar de um livro de éticas (ethos, razão de ser de vários tipos-ideais),
tratou como se fosse um livro sobre as virtudes. O Estagirita, nesse seu propósito, concebeu
como sendo virtuoso o ponto médio entre dois vícios extremos e opostos. É emblemático

1
Nunes Araújo Lima, Viviane; A Saga do Zangão – Uma Visão Sobre o Direito Natural; Biblioteca de Teses;
Editora Renovar; Rio de Janeiro: 2000).
2
Villey, Michel. A Formação do Pensamento Jurídico Moderno; Editora Martins Fontes; São Paulo: 2009).
Filosofia do Direito – Definições e fins do Direito e os meios do Direito. Questões de Tomás de Aquino Sobre
Direito e Política; Editora Martins Fontes; São Paulo: 2014. O Direito e os direitos humanos; Editora Martins
Fontes; São Paulo: 2007. Seize Essais de Philosophie du Droit dont um sur la Crise Universitaire par Michel
Villey; Dalloz; Paris: 1969.

1
que no número 1193b do mencionado Livro V, o Filósofo elabora a ideia de “justiça” como
sendo o ponto médio entre o de cometer uma injustiça e o de ser vítima dela. Ao empregar
sua investigação no plano das virtudes, Aristóteles adotou a fórmula de que a justiça é o
hábito ou o costume que habilita os homens a fazer coisas justas. Talvez seja decorrente
desta concepção a fórmula de Justiça cunhada por Ulpiano, imortalizada no Digesto de
Justiniano3, segundo a qual: iustitia est constans et perpetua voluntas ius suum cuiqui
tribuendi.4

A abordagem metodológica aristotélica é bem peculiar tal como sempre fez


com efeito em sua filosofia. Com efeito, a teoria de justiça de Aristóteles parte do senso
comum e da voz corrente: diz-se que este aquele e aqueloutro (pessoas, todos), logo, estes
últimos hábitos propensões continuadas, vícios, configuram a injustiça, e seu contrário será
a justiça. Simplex, singilum vero.5

Com efeito, buscarei aqui analisar os conceitos utilizados por Finnis, buscando,
se possível traçar um paralelo entre eles os conceitos elaborados por outros pensadores do
Direito, incluindo aí positivistas como Kelsen, Hart, Raz, MaCormick etc. e de outras
correntes como Dworkin, Rawl etc. Será de suma importância, uma vez que Finnis de
forma categórica é um seguidor de Platão, Aristóteles e São Tomás de Aquino, trazer à luz
os ensinamentos desses filósofos, de modo a demonstrar perenidade de seu pensamento e
seu vigor, procurando afastar más interpretações, visões caricatas e distorções deliberadas
ou acidentais.

Nessa tarefa, haverá alterações e servirá como uma espécie de diário de minhas
pesquisas em relação ao meu trabalho de dissertação. Haverá portanto uma preocupação
maior com a acumulação de informações sobre o Direito, mormente trechos das obras de
Finnis e de seus comentadores, sem faltar, logicamente, impressões minhas a respeito
dessas informações que buscarei destacar para evitar confusão entre as interpretações
3
Cunha, Paulo Ferreira da. “Século de Antígona”. Editora Almedina. Coimbra:2003. P. 49
4
“Justiça é a Vontade Constante e Perpétua de dar a Cada um o que é Seu.”
5
Cunha, Paulo Ferreira da. “Século de Antígona”. Ed. Almedina. Coimbra:2003. P. 49.

2
idiossincráticas e o real pensamento do autor – se é que serei capaz de fazê-lo. Este será
portanto meu guia e terá o compromisso de trazer e registrar o maior número de
conhecimento útil para meu trabalho de mestrado.

Essas anotações têm por base a obra de Finnis Lei Natural e direito naturais e quando não
houver especificação maior, as páginas citadas a ela se referem.

Como o próprio Finnis salienta no prefácio de sua obra, o autor, que é proveniente da
“jurisprudência analítica”, de tradição moderna e que tem como seu maior representante,
Herbert L.A Hart.

Finnis, ao contrário do que Leo Straus dissera na sua obra “Direito Natural e História” –
que o direito natural estaria divido entre duas grandes correntes que se digladiam de
modos hostil: a corrente liberal e a corrente que segue São Tomás de Aquino (formada
por discípulos católicos e por pensadores não católicos) -, pondera que o debate mantido o
âmbito jusnaturalista não precisa estar mais tão polarizado como outrora. Salienta,
igualmente, que sua obra não tem por objetivo se filiar a qualquer corrente e, ainda que cite
a autoridade da doutrina de São Tomás de Aquino e da Igreja Católica Romana, o faz
apenas porque o primeiro talvez tenha sido quem mais fornecera subsídios teóricos à
doutrina jusnaturalista e a referida instituição guarde a pretensão de ser um expoente na
defesa mundial da lei natural.

Por seu turno o autor não arroga para si pretensão de originalidade ou papel de
representante dessa ou aquela vertente de pensamento. Busca tão somente dar respostas as
problemas da teoria do direito analisados pelo autor, que versam sobre Justiça, Direito
Autoridade e direitos.

Eudaimonia - Na cultura da Grécia antiga, o termo eudaimonia designa o fenômeno da


felicidade.

3
Etimologicamente, a palavra é composta pelos conceitos de "eu" = bom + "daimon" =
gênio (aqui compreendido como um ente de natureza espiritual, simultaneamente próximo e
autônomo ao ser humano), seguido do sufixo "ia". Esta composição revela que, para os
gregos, felicidade é uma consequência de se viver sob a influência de "um bom gênio".

O daimon, portanto, é o conceito chave para compreensão do que os gregos concebiam


como necessário a uma vida feliz.

No plano mítico e existencial, os gregos acreditavam na necessidade de uma intervenção


além do humano, sobrenatural ou mesmo divina, para alcançarmos a felicidade. No texto
"A República", de Platão, 620, X, lemos o seguinte:

“Depois que todas as almas escolheram suas vidas, apresentaram-se diante de Laquesis,
e ela enviou com cada uma, como guardião da sua vida e realizador da sua escolha, o
daimon escolhido por cada uma, e essa divindade conduzia a alma primeiramente a
Cloto, por baixo de sua mão e do giro que ela imprimia ao fuso para ratificar o destino de
seu lote e escolha, e após tocar nela, o daimon novamente levava a alma à urdidura de
Átropos para tornar a teia de seu destino irreversível, e depois, sem olhar para trás,
passava por baixo do trono de Necessidade”.

Nota-se que cada ser humano realiza uma "escolha", ainda no mundo anterior ao seu
nascimento, o mundo das Ideias e então parte deste mundo para o nosso. Neste percurso,
ele esquece a escolha feita e o daimon surge como um guia pessoal, bastante próximo a
cada ser humano, com a missão de guiar ou relembrar ao sujeito a escolha feita, o destino
escolhido anteriormente e atualmente esquecido. (aqui nesse trecho talvez esteja baseada a
doutrina espírita. No meu entender ao ser facultada a escolha anterior estaria justificado o
“sofrimento” a que alguém é submetido nesse mundo. Se houvesse, portanto, uma
reencarnação esta seria voluntária e não haveria qualquer penalidade sem culpa, sem
responsabilidade).

4
Na obra de Finnis a eudamonia apenas poderia ser vivenciada por intermédio do exercício
da razoabilidade prática. Essa “razoabilidade prática” tão relevada por Finnis foi inspirada
na phrónesis aristotélica e na prudentia de São Tomás de Aquino.

“Foram Platão e Aristóteles que deram início à investigação formal do conteúdo da


razoabilidade prática. A reflexão filosófica identificou um número considerável de
requisitos e de métodos no raciocínio prático. Para Finnis, cada um desses requisitos
diz respeito ao que cada pessoa deve fazer, pensar, ou ser, para que participe do valor
básico da razoabilidade prática. Quem vive de acordo com esses requisitos é, assim,
o phronimos de Aristóteles. Deste modo, prossegue Finnis, alguém que viva de acordo
com esses requisitos também é o spoudaios (homem maduro) de Aristóteles, sua vida
é o eu zen (viver bem) e, a menos que as circunstâncias estejam contra ele, nós
podemos dizer que tem o eudaimonia (o bem estar ou florescimento inclusivo
limitado – traduzido incorretamente como “felicidade”) de Aristóteles 6. A razão
prática também foi desenvolvida por Tomás de Aquino, sob a denominação de
prudentia, que corresponderia ao phronimos aristotélico, eis que em muito se
assemelham em suas definições.7

Lei Natural enquanto ética e enquanto jurisprudência. (prefácio)

No capítulo XII, segundo Finnis, seu estudo sobre Lei Natural representa uma distinção
em relação aos livros didáticos de jurisprudência e filosofia. Nessa mesma perspectiva
estaria o capítulo II. (prefácio). Ainda no prefácio Finnis alerta que não se preocupa em
afastar objeções acerca de teorias atinentes ao Direito Natural e observa que apenas se

6
Para maiores detalhes acerca da recomenda-se a explanação de Eric Voegelin acerca Phronesis aristotélica,
in VOEGELIN, Eric. Anamnese – Da Teoria da História e da Política. São Paulo: É Realizações Editora,
2009, pp. 186/196.
7
FINNIS, John M. Lei Natural e direitos naturais. São Leopoldo/RS: Editora Unisino, 2006, pp. 107. Para
maiores esclarecimentos sobre prudentia na acepção própria de Santo Tomás e suas conexões com a acepção
de phronesis de Aristóteles recomenda-se a leitura do subintem 4.4.1 – Prudentia and love, inserta no artigo
de John Finnnis, “Aquina’s Moral, Political, and Legal Philosophy, publicado primeiramente em 02 de
Dezembro de 2005, no sítio eletrônico http://plato.stanford.edu/entries/aquinas-moral-political/, Standford
Encyclopdia of Philosophy (consultado pela última vez em 21 de junho de 2010).

5
interessam realmente por essas teorias aqueles que de fato se preocupam com os problemas
intrínsecos do bem humano e da razoabilidade prática tal como tais teóricos que no passado
se contrapunham. Finnis busca reapresentar os “méritos” da doutrina clássica do Direito
Natural ou “da corrente principal”. Finnis revela que o livro em questão finca suas raízes
na moderna tradição rotulada como “Jurisprudência Analítica”. Ver prefácio do livro de
Leo Strauss, Direito Natural e História que aponta para uma polarização entre as duas
vertentes principais do Direito Natural – que segundo Finnis não é mais tão aguda –, quais
sejam a dos Liberais e a dos seguidores de São Tomás de Aquino, sejam eles católicos ou
não.
[Alejandro Bugallo Alvarez observa que Finnis se encontra inserido no campo teórico da
modernidade. A uma porque não se distancia do campo da razão8. A duas porque, conforme
consta da apresentação da edição brasileira por Wilson Engelmann, o homem deve ser a
medida de todas as coisas no sentido de que vida deve ser respeitada]. [eu particularmente
entendo que, ainda que não se coloque em favor de um medievalismo agostinismo, Finnis,
ao citar de modo constante São Tomás de Aquino, seria um contraponto à modernidade,
posto que não apresenta uma solução teórica-abstrata para todos os problemas
enfrentados pelo homem no campo da justiça do direito e da ética e, ainda que louve a
razão, a coloca num âmbito concreto, num plano de ação a ser transcorrido por cada
indivíduo].
8
Mas acho quo exemplo Bugallo foi triste, uma vez que São Tomás não ignorou a razão, tão pouco Aristóteles no seu
livro “Ética a Nicômaco”, obra, que apesar de um pouco confusa, diante da forma em que manuscrita por seus alunos que
provavelmente participavam de seus cursos esotéricos – apenas para iniciados - mas é, indubitavelmente a que mais trata
da filosofia do direito e da justiça, passando ainda pelo conceito de “lei” – norma essa que não tinha aparentemente tanta
força no período do Direito Romano Clássico, dos jurisconsultos, em o direito era mais do que uma ciência; era uma arte
no sentido de técnica que busca alcançar o bom e o justo, com a “vontade constante e perpétua de dar a cada um o que é
seu”, conforme consta explicitamente no Digesto Ulpiano. Voltando a São Tomás, que diante de sua sedimentada fé
católica, apreendeu os ensinamentos da Patrística como Revelados fossem, pode-se extrair das conclusões do Filósofo,
que sua concepção realística do mundo, representada pela razão destacada da própria natureza das coisas, que nos impele
a extrair a razão que dali decorre e permite que possamos nos determinar normativamente para faze o bom e o justo de
modo a conferir a cada um o que é seu, que é atributo forte, ou melhor, virtuoso da justiça distributiva, cujo nome é mais
genérico porque primigênio, mas cujo o nome mais específico, tratando-se do desenvolvimento da técnica de se manter
uma certa igualdade na circulação de bens entre cidadãos, é de Justiça Particular, cuja fórmula tradicional para realizar seu
propósito ou sua “causa final” no sentido Aristotélico é o de “dar a cada um o que seu”, eternizado pela fórmula de
Ulpiano – “suum cuique tribuere”. Tradicional já estudada em Platão e que reencontramos reiteradamente na literatura
clássica; e a efetivação do compartilhamento conveniente, que não atribui a cada um nem mais nem menos do que exigir
uma medida reta, uma “certa medida” (ISON). Aristóteles encontra aqui uma aplicação de sua teoria geral da virtude
como justa medida, mas aqui este justo meio/justa medida se encontra nas coisas mesmas que se distribuem a cada um em
quantidade nem demasiadamente grande nem demasiadamente pequena, senão intermédia entre excessos (medium rei) que
poderia se consubstanciar num retributivismo, mais em uma razão elaborada, mais propriamente de uma relação, que traz
a ideia de proporcionalidade entre razões no sentido de grandezas comparadas numa relação– “igualdade na medida das
desigualdades de cada um?! Acho que é um pouco diferente, do contrário seria um distributivíssimo “comunista”, cujo
pensamento era, penso eu abonado, tanto na Grécia Clássica como na Roma em que vigeu com esplendor Direito Romano
Clássico.

6
Sem dúvida a obra de Finnis se propõe a fazer uma aproximação entre o direito e a moral 9,
o que também não se pode dizer que seja alguma novidade (pois também tem essa
finalidade outras correntes de pensamento que se intitulam positivistas – “positivismo
inclusivo”).

Villey Michel. A Formação do Pensamento Jurídico Moderno. Título I,


Capítulo III “A gênese do direito subjetivo em Guilherme de Ockham”
(página 250 e seguintes).

Segundo Villey, a noção de direito subjetivo teria surgido com Ockham 10 e seria oriunda do
nominalismo.

Inicia o capítulo salientando a incompatibilidade entre o direito subjetivo e a teoria clássica


do direito natural. Referindo-se a Savigny (um pandeccista) seria, grosso modo, o “poder da
vontade”.

No seqüência acrescenta que a expressão direito subjetivo, tal como modernamente


concebida, aplica a rubrica do direito a uma faculdade do sujeito, a um de seus poderes
(página 253). Há uma associação entre direito e poder.

Essa noção, no entanto, não se compatibiliza com o conceito de direito aristotélico-tomista,


que constrói sua doutrina sobre a “natureza cósmica” e não sobre a “natureza do homem”,

9
Finnis de fato quer separar direito da moral, devemos saber com que peculiaridade isso poderia acontecer na medida em
que, em certa escalar uma lei jurídica provavelmente tende a, ao menos em tese, buscar uma solução par interpretar os
problemas graves que atinja mormente o interesse público comunitário, ainda que, por via transversa, e ainda quando
houver casos em que se deve ponderar se a desobediência civil trará benefícios da comunidade que pretende se rebelar
contra a lei que o tirano dela se utilize, em aspectos importantes em uma primeira visão, de modo usurpar do poder que a
lei e, via de consequência do poder para cria-la ou dos que ela o autoriza –ainda que possa haver questões quanto à
legitimidade da própria lei ou da autoridade que dela vem se beneficiando em total dicotonância para com o propósito ou a
“causa final” para que foi promulgada, ou seja, o interesse da comunidade e não de grupos que querem usurpar o poder
para obter cargo, honrarias e outros benefícios que não se encontrão no propósito pelo qual a lei foi elaborada.
10
Pensador inglês ligado à Ordem Franciscana que alterou pensamento medieval agostiniano e mesmo aristotélico ao
entender que os seres são apenas individuais e não suas universalidades – seu conjunto de caracteres comuns que os
tornam um ser com características, ainda que não perca sua individualidade.

7
assim, “o jurista descobre o direito pela revelação da ordem presente no corpo social
natural , de onde só se podem extrair relações, proporções, conclusões objetivas.

O que é direito na visão de Aristóteles, São Tomás de Aquino e Ulpiano? Aquilo que é
justo. É a justa proporção (fl. 254, primeiro parágrafo). Atribuição a cada um de sua parte:
suum quique tribuere. Voegelim compartilha um certo espanto acerca do fato de que
Aristóteles, platão não tinham uma filosofia do direito. Voegelin parece mesmo objetar que,
Aristóteles, que desenvolveu toda uma teoria sobre a virtude da justiça no livro V do Ética
a Nicômaco, não fez senão escrever uma teoria de justiça e não uma teoria sobre direito
propriamente.11

No que diz respeito ao direito natural, Voegelin parece convergir ao pensamento de Villey –
muito embora não tenha notícia de que ambos tenham conhecido o pensamento do outro –
no sentido de que não concebem a noção do “justo natural” ou “justo por natureza” (phisey
dikaion) como um princípio universal e imutável, tal como os estóicos conceberam
contribuindo assim para a deformação da teorias jusnaturalistas que se desenvolveram em
diversos matizes. Segundo Eric Voegelin, o “justo por natureza” não era um conceito, mas
um símbolo (um instrumento noético) que auxiliava a desvendar a conduta humana justa. O
símbolo, do qual fariam parte tanto o mito quanto a própria filosofia. Seriam, segundo
Voegelin instrumentos intelectivos que auxiliam a descoberta da realidade. O símbolo
segundo Voegelin seria um referente linguístico a um objeto concreto. Ele surge do próprio
processo de intelecção da realidade, permitindo que a consciência humana explique-o,
tornando-a mais nítida. O que distinguiria o mito e a filosofia no desenvolvimento desse
processo seriam apenas o “grau de diferenciação”12 .

Ainda de acordo com o que diz Voegelin A existência do homem é, portanto, a própria
participação (VOEGELIN, 2009b), e os símbolos, produto direto dessa participação, a ela
se referem, dela emergem e é nela que têm significado. Torná-los referentes a objetos de um

11
Voegelin e oDireito.Lourenço, Daniel Henrique Lourenço.
12
http://jus.com.br/artigos/18634/o-dilema-da-justica-natural

8
mundo supostamente externo é transformá-los em ideias, e ideias "são responsáveis por
deformar tanto a verdade das experiências quanto sua simbolização"13

Para compreendermos, então, a posição do filósofo sobre o tema, devemos dar atenção aos
escritos em que Voegelin o analisa com maior propriedade: os dois ensaios, publicados em
Anamnese, "Justo por natureza" e "O que é Natureza", e o postumamente publicado livro
"A natureza do Direito", em especial o apêndice "Apontamentos Suplementares". É daí que
iremos tirar insights maravilhosos e uma análise que, remontando a Aristóteles, tenta
recuperar os significados do símbolo "justo por natureza". É aí que encontraremos a
revolução voegeliniana no direito natural.14

Na página 255, Villey observa que a própria linguagem do direito natural clássico se baseia
nas coisas, nos bens exteriores, sendo essencialmente objetiva (“Realismo” Jurídico de
Villey), pois somente nas coisas é que se reflete a relação entre as pessoas. Há uma ordem
grupo há ser obedecida. O direito que se baseia no individualismo, centrado no sujeito, na
sua capacidade ou “qualidades”, nos seus “poderes”, direito que seria inerente a cada
indivíduo e, portanto, subjetivo. Em vista disso, não haveria qualquer limitação e a
atribuição de fronteiras apenas se faz necessária na ocasião em que houvesse a concorrência
desses poderes, o que demanda o dimensionamento do exercício de cada um.

Villey chama a atenção da existência de duas linguagens jurídicas: uma objetiva (a clássica,
incluindo aí o Direito romano) e outra subjetiva (moderna).

O ius do direito romano clássico

Segundo Villey o direito subjetivista que emergira no Renascimento, não é de jaez romano,
como se propugna atualmente. Não se pode, conforme assevera, confundir Direito Romano

13
Reflexões Autobiográficas. São Paulo: É Realizações, 2007
14
VOEGELIN, Eric. Anamnese – Da Teoria da História e da Política. São Paulo: É Realizações Editora, 2009,
pp..

9
com “romanismo” que seria, na sua visão, o emprego entre os juristas eruditos europeus da
língua latina nos estudos do Direito, mas não necessariamente que os institutos estudos por
estes de fato tenham existido no mundo romano. É óbvio, como afirma o autor que, os
romanos detinham a noção do que seja poder, mas dão a ela um sentido totalmente distinto
da ideia de direito, não havendo a relação necessária entre poder e direito, concebida pela
doutrina [moderna] do direito subjetivo. Ressalta que o mundo romano estaria cheio de
“senhorios” (dominium, manus, imperia, potestades etc)

Villey afirma que a liberdade não é um “direito” no mundo romano, nem mesmo entre os
estóicos, pois seria algo que ser exercitaria fora do mundo da polis fora do mundo do
direito.

O dominium, como exemplifica Villey estaria numa esfera extrajurídica, por mais estranho
que nos possa parecer ser esta a situação do credor perante seu devedor. O que os romanos
chamavam de ius não era o crédito, mas a relação jurídica existente entre o credor e o
devedor (a relação de crédito, a obrigação em si).

Sob a ótica de Villey, o Direito não consagra os poderes fazendo deles direitos. O Direito
apenas traça os limites do dominium, mas não trata das relações que existem dentro de cada
esfera dominium, ou seja o senhor e o domínio que lhe corresponde. O poder exercido não é
o direito, senão justamente o que sucede na ausência do direito, na sua lacuna. [da leitura
dos argumentos apresentados por Villey pode-se concluir que ao Direito caberia como
objeto específico.

Voegelin inicia seu ensaio "Justo por Natureza" com a afirmação de que "Na filosofia
clássica, ‘justo por natureza’ foi um símbolo com a ajuda do qual o filósofo interpretava sua
experiência noética da ação humana justa" (VOEGELIN, 2009a, p. 175).15

Mas era uma doxa corrente no tempo de Aristóteles – e continua sendo no nosso – que o
justo é sempre convencional, porquanto mutável em todas as partes. Quem nunca ouviu que
15
VOEGELIN, Eric. Anamnese – Da Teoria da História e da Política. São Paulo: É Realizações Editora, 2009,
pp. 175.

10
a justiça é relativa, que o que é justo hoje pode não ser amanhã ou não ter sido ontem? Tudo
isso é muito usado para negar a existência de uma justiça que seja natural, pois "ao passo
que o que é imutável por natureza é o mesmo sempre e em toda a parte, (...) o que é justo
parece ser, na verdade, sujeito a mudanças" (VOEGELIN, 2009a, p. 183).

O problema se coloca justamente no ponto do caráter natural do physei dikaion, pois


natural seria a chama do fogo que arde da mesma maneira aqui e na Pérsia, e não a justiça,
mutável como é. Aristóteles, afinal, não nega que o justo por natureza seja mutável. Ele de
fato o é – pelo menos sob um certo aspecto. Mas a sua mutabilidade (kineton) não lhe retira
o caráter de physikon.

Chegamos ao ponto, então, em que o sujeito conhecido como fundador das doutrinas do
direito natural - justamente o direito natural que a opinião corrente define como conjunto de
leis eternas e imutáveis - afirma que o justo por natureza é kineton, mutável. Ele não opõe à
mutabilidade de um direito positivo convencional a imutabilidade de um direito conforme a
natureza. Isso pode nos parecer estranho, mas se recuperarmos o significado original do
termo physis, tal qual utilizado por Aristóteles, a confusão transformar-se-á em clareza.

Vários autores debruçaram-se sobre a questão da mutabilidade do physei dikaion


aristotélico. Hans-Georg Gadamer (2004) afirma que Aristóteles reconhece que existam leis
eternas imutáveis, mas elas só são válidas para os Deuses, enquanto entre homens não só as
leis estatuídas como as naturais são mutáveis. Esta mutabilidade decorreria do fato de que a
natureza dá ao homem uma certa margem de ação, Gadamer chama area for free play: a
mão direita é, por natureza, mais forte que esquerda (é o exemplo de Aristóteles), mas nada
impede que, treinando a última, tornemos ambas as mãos igualmente fortes, e isto é
absolutamente natural. Gadamer, assim como Voegelin, afirma que a ideia de uma justiça
natural tem apenas uma função crítica, e nenhum uso dogmático pode ser feito dela. Leo
Strauss (2009), por sua vez, dirá que Aristóteles, ao falar de physei dikaion, refere-se não a
proposições gerais, mas a decisões humanas concretas. As ações humanas, no entanto, são
sempre individuais e únicas; portanto, o direito natural seria sempre mutável, já que as
ações humanas assim o são.

11
Hans Kelsen, em debate com Eric Voegelin, diz que "tão logo alguém assuma que o direito
natural é mutável, ele desistiu da ideia de direito natural" (VOEGELIN, 2004, p. 115). Mas
o mestre positivista parece não levar em conta as nuances de significado do termo natural,
que as posições de Gadamer e Strauss revelaram.

Eric Voegelin levará esta questão do kineton do physei dikaion um passo além; a sua
análise é radicalmente nova e densa. Para ele não é suficiente afirmar que as situações
humanas concretas são diversas ou que a natureza dá aos homens uma área de free play. O
que de fato importa são as experiências mesmas da tensão entre mutabilidade e
imutabilidade, da abertura para o movimento do ser, por isso a sua análise não é
"primariamente um exercício de ética ou filosofia do direito, como é o caso da maior parte
dos comentadores de Aristóteles. Ao contrário, Voegelin vai a Aristóteles e seus textos com
o horizonte de uma filosofia da consciência" (SYSE, 2004).

4.2 TENSÃO, MUTABILIDADE E HUMANIDADE REPRESENTATIVA

O caráter imutável que alguns tentam atribuir ao physei dikaion é decorrência,


principalmente, de uma suposta oposição deste ao direito positivo, este sim mutável. Mas
Eric Voegelin percebeu que em Aristóteles não há oposição entre lei positiva e lei
natural. Esta oposição tornou-se um topos corrente graças aos sofistas a que Platão e o
próprio Aristóteles se opunham. Na verdade, dada a predominância do politikon conforme
mostrado acima, "nenhuma lei natural pode ser concebida que confronte a lei positiva
mutável como uma norma imutável e eterna, universalmente válida para todos os
homens e sociedades" (VOEGELIN, 2009a, p. 182).16 Que mesmo sustentando esta
posição continue Aristóteles sendo visto como pai das doutrinas do direito natural é um
mistério. Para o estagirita "o justo da polis não é lei positiva no sentido moderno, mas lei
material, somente dentro da qual surge a tensão entre physei dikaion e um
descarrilamento possível para a legislação pelo despotismo humano arbitrário"
(VOEGELIN, 2009a, idem.). Opõe-se não lei positiva mutável e lei natural imutável,

16
Anamnese, p. 182.

12
mas sim lei cujo conteúdo é physei e lei cujo conteúdo é simplesmente produto da
hybris17 humana, daí Aristóteles afirmar que "a função do governante é ser o guardião
da justiça" (Nic. Eth. 1134b.1), ou seja, não se deixar guiar pelos impulsos da violência e
ambição.

As dificuldades para a compreensão do caráter de kineton do justo por natureza resolvem-se


se se levar em conta que ao termo physis são dados três significados no contexto do physei
dikaion: um físico, outro divino e um terceiro, humano (VOEGELIN, 2009a). Em Ética a
Nicômaco, 1135a, Aristóteles supostamente opõe entre regras que são ordenadas pela
natureza e regras ordenadas pelos homens, dizendo que estas últimas não são as mesmas
em todos os lugares: as constituições e regimes políticos não são os mesmos, já que "em
cada lugar há apenas uma forma de governo que é natural". Voegelin percebe, no entanto,
que não há nenhuma oposição: o que é justo devido à ação humana deve ser entendido
também como natural, mas natural no terceiro sentido, e o que é imutável o é por ser
natural no primeiro sentido (divino). Assim o physei dikaion "é o que é justo por natureza
em sua tensão entre a substância divina imutável e a mutabilidade humana
condicionada existencialmente" (VOEGELIN, 2009a, p.184, grifos nossos). A oposição
entre imutabilidade e mutabilidade é, na verdade, uma tensão da qual emerge o justo por
natureza.

“O que é justo por natureza não é dado como um objeto que se entregaria, ele mesmo, de
uma vez por todas, à afirmação em proposições corretas. Ao contrário, tem seu modo de ser
na experiência concreta do homem do que é justo, que é imutável e em todo lugar o
mesmo, e, no entanto, em sua realização, de novo mutável e em toda a parte diferente.
O que temos aqui é uma tensão existencial que não pode ser resolvida teoreticamente,
mas apenas na prática do homem que a experimenta.” (VOEGELIN, 2009a., p. 186,
grifos nossos).18

17
Por enquanto vamos entender como hybris o sentimento de violência sem justificativa e de ambição
desmedido.
18
VOEGELIN – Anamnese, p. 186.

13
Assim, o que é de fato permanente no physei dikaion não é a sua incorporação concreta
numa lei da polis, mas a sintonia com o plano transcendente que produz a lei como
uma resposta ao dever em sentido ontológico (VOEGELIN, 1998) e é, em verdade, o
coração da lei (NORDQUEST, 1999). É neste sentido que Voegelin (1998) irá dizer que o
direito natural só poderá se desenvolver onde o homem tenha se diferenciado
suficientemente a partir das pressões das experiências de transcendência.

O physei dikaion é, portanto, mutável porque se realiza na experiência concreta do homem


que está aberto ao ser divino transcendente, que tem uma "alma aberta" no sentido de Henri
Bergson. E ao significado de mutabilidade do kineton deve-se acrescentar um outro: o de
estar sendo movido pela causa de todo o movimento, pelo primeiro motor imóvel, enfim,
por Deus. A ação justa é o produto de um movimento do ser iniciado no plano
transcendente, e este movimento só pode ser experienciado por almas abertas. Kineton é,
assim, tanto mutabilidade quanto movimento: a mutabilidade do próprio ser humano; o
movimento do ser que, através de almas abertas, conclui-se na ação humana concreta.

A lei positiva da polis é physei quando resultado desta tensão de uma "alma aberta" que
experencia a ordem do ser, e é a consciência humana o locus onde esta tensão é
experimentada. Aristóteles chamará noûs o fator direcional presente nesta tensão da
consciência para o fundamento, de onde Voegelin tira o termo experiência noética como a
experiência de que o ser humano não tem o seu fundamento em si mesmo. Não se trata da
experiência de um algo, mas da abertura de seu ser para o questionamento e conhecimento
do fundamento do ser. O noûs é o lugar onde o fundamento humano da ordem e o
fundamento do ser estão em harmonia (VOEGELIN, 2009).

O justo por natureza não é, assim, um objeto, um algo que pudesse ser possuído como
verdade última. Ele tem seu modo de ser na própria experiência humana concreta do que é
justo tal qual experienciada numa consciência em sintonia com o fundamento do ser, de
onde emerge a tensão entre a imutabilidade divina e a mutabilidade humana condicionada
existencialmente. "O que repousa no coração do justo por natureza é a substância divina da

14
qual resulta uma sensibilidade da alma para a injustiça no caso concreto" (NORDQUEST,
1999).

Voegelin (2004) usa, então, o termo humanidade representativa para designar estes seres
humanos abertos para o fundamento transcendente do ser. São eles, os seres humanos
representativos, a medida da justiça, a medida de humanidade no sentido aristotélico. O
estagirita desenvolverá essa ideia através do conceito de spoudaios, o homem maduro, que
quer ser o que deve ser de acordo com sua própria natureza. É por isso que Voegelin (1998)
dirá, em outro ponto de sua obra, que o direito natural justifica-se teoricamente na medida
em que traduz os discernimentos obtidos por uma teoria da natureza humana na linguagem
de fins obrigatórios. Estes discernimentos são verdadeiros porque obtidos pela consciência
de um ser humano representativo no sentido de Aristóteles, porque obtidos por um ser
humano aberto ao fundamento do ser e à tensão entre "a substância divina imutável e a
mutabilidade humana condicionada existencialmente".

"Os trechos que tratam do spoudaios mostram claramente que Aristóteles não pode
considerar o que é justo por natureza como um direito natural, [no sentido de] um conjunto
de proposições imutáveis e eternas, porque a verdade de uma ação concreta não pode ser
determinada por sua sujeição a um princípio geral, mas apenas pelo questionamento do
spoudaios. A justificação de uma ação não apela para um princípio imutavelmente correto,
mas para a ordem existencialmente justa do homem" (VOEGELIN, 2009, p. 190, grifos
nossos).

A oposição, assim, não é entre direito positivo e direito natural, mas entre almas abertas e
almas fechadas (no sentido bergsoniano), entre estar aberto ou não para o fundamento
divino do ser. Sólon afirmaria esta oposição ao contrapor ao respeito à Dike (Justiça) a
desenfreada hybris humana, a violência, fruto do orgulho e da força: Dike é a protetora da
comunidade contra a maldição da hybris (JAEGER, 2010). A ação humana justa seria
aquela movida pelos respeito à Dike em oposição às ações guiadas pela hybris humana.

15
Parece-nos que confirma o que foi exposto a afirmação de Platão de que "qualquer um pode
elaborar os projetos jurídicos se ele compreendeu a essência da ordem e realizou a ordem
em sua própria vida" (VOEGELIN, 1998, p. 107). Não se trata, então, de conformar uma lei
ou uma decisão a um comando geral abstrato, mas de conformar à própria alma com a
ordem do ser. Mais uma vez a oposição é entre almas abertas e almas fechadas, entre o
respeito à Dike e os perigos da hybris.

A tensão da qual emerge o símbolo do justo por natureza é a tensão entre a ordem do ser e a
conduta do homem. Esta tensão só é experimentada na consciência de seres humanos
permeáveis ao movimento do ser, abertos ao plano transcendente, e estes são os seres
humanos representativos. Se quisermos entender o direito natural, então, devemos fazê-lo
como tentativas de interpretar as normas da humanidade representativa, e não como a busca
de leis eternas e imutáveis.

"[Aristóteles] criou um termo para designar o homem cujo caráter é formado pelo
agregado de experiências em questão, chamando-o spoudaios, o homem maduro. O
spoudaios é o homem que realizou ao grau máximo as potencialidades da natureza humana,
que formou seu caráter na realização das virtudes intelectuais e éticas, o homem que, no
auge do seu desenvolvimento, atinge o bios theoretikos. Assim, a ciência da ética, no
sentido aristotélico, é o estudo do spoudaios" (VOEGELIN, 1982, p. 56, grifos nossos).

O critério de eticidade e, portanto, de justiça das ações é antes uma investigação sobre o
spoudaios do que uma procura de leis eternas e imutáveis. O homem maduro é a medida da
humanidade, e é de suas experiências da tensão entre a ação humana concreta e a ordem do
ser, que emerge o símbolo do physei dikaion. Ele é o oposto ao homem que se deixa guiar
pelas paixões e ganâncias de hybris. Uma investigação do justo por natureza transforma-se,
então, numa investigação sobre o spoudaios e sobre os seres humanos que, por possuírem
uma virtude de abertura para o movimento do ser, tornam-se representativos.
Villey observa que durante a Idade Média o verdadeiro Direito Romano foi desaparecendo
e começou a surgir um individualismo, como conseqüência da destruição da ordem romana.

16
Cumpre aqui abrir uma lacuna para analisar a ideia de Dworkin sobre o que seria Direito
Natural. É importante fazer essa avaliação diante da possível confusão que eventualmente
surja entre aqueles que terão contato com a dissertação ou me questionarão a seu respeito.
Parto aqui do texto, lido em espanhol, “Retorno ao Direito Natural” escrito pelo autor na
Universidade de Havard (BETEGÓN, GERONIMO; y DE PÁRAMO, JUAN RAMÓN,
(Dirección y coordinación), Derecho y Moral. Ensayos analíticos; R. Dworkin, «Natural
Law Revisited», University of Florida Law Review, vol. XXXIV (invierno 1982), pp. 165-
188. Es conveniente matizar, de acuerdo con la voluntad del autor, que algunas ideas
expuestas en el artículo han sido desarrolladas o modificadas con posterioridad en otros de
sus trabajos. Observación: traduzco Law por «Derecho» y Right por «derecho» (trad. de
Santiago Iñiguez de Onzoño).

Deve-se atentar para o fato de que o referido texto foi escrito em 1982 e Dworkin já alterou
seu posicionamento em relação a alguns assuntos. Lendo texto, percebe-se certa
semelhança entre o pensamento de Finnis e Dworkin, no sentido de que há várias
possibilidades de se encontrar um resposta razoável para determinado problema.

[seguindo o que consta do prefácio, analisarei agora primeiramente os capítulos XII e II


para tentar compreender os elementos do pensamento de Finnis sobre a Lei Natural que o
distingue dos outros livros didáticos de filosofia do direito].

CAPÍTULO XII – Leis injustas - Lei Natural e direitos naturais

XII.1 – Uma preocupação subordinada da teoria da lei natural

A principal preocupação de uma jusfilosofia da lei natural é identificar os princípios e os


limites do Estado de Direito. É explorar os requisitos da razoabilidade prática em relação
ao bem dos seres humanos que por viverem em comunidade são confrontados com os
outros, com problemas de justiça e de direitos, de autoridade, lei e obrigação. Descobrir ou

17
identificar as leis boas como sendo aquelas que derivam de princípios imutáveis – que
retiram seu vigor de sua razoabilidade e não de qualquer circunstâncias que lhes tenham
dado origem. Deve-se buscar algo sobre o exercício injusto da autoridade sobre as nossas
responsabilidades enquanto pessoas razoáveis (lex injusta non est lex).

A autoridade de um governante tem como base última a oportunidade de solução para os


problemas de coordenação de uma comunidade. Com efeito, passam a ter a
responsabilidade para promover o bem comum. [penso que a autoridade só será realmente
revestida de seu poder, prerrogativas ou mesmo privilégios quando os utilize para a
consecução do bem comum, perdendo esses atributos a partir do instante que os empregue
para fins particularistas ou corporativistas, eis que assim desvia da sua finalidade e perde
toda sua base política, jurídica e moral de sustentação].

Uma vez que já passamos aqui a trata do problema das leis injustas é bom aproveitar o
ensejo para a analisar o conceito de disso pelos dois pensadores tomistas do Direito: Michel
Villey e Michel Bastit. Registre-se que Finnis já debateu com Villey acerca desse assunto e
que pelo que sabemos, ambos discordam a esse respeito e talvez agora seja o momento
oportuno de esclarecer os pontos mais controversos do debate. (verificar os dados e
circunstâncias relativos a esse debate).

De início passei a ler a primeira seção do livro Filosofia do direito – Definições e fins do
direito; Os meios do direito. VILLEY, Michel. São Paulo: Martins Fontes, 2008. Começo
pela página 51 em que o autor busca demonstrar que devemos voltar às fontes (aristotélicas
principalmente) para recuperarmos a ligação seminal entre direito e justiça. A teoria do
direito natural em Aristóteles estaria no seu livro “Política”, no tomo II. Já a ética estaria
principalmente tratada no “Ética a Nicômaco”, no livro V.
Tanto os livros de Aristóteles quanto a Suma Teológica de São Tomás de Aquino teriam por
objeto a moral e apenas incidentalmente tratariam do direito, das leis e da justiça.

Dikaiosunê – Virtude de justiça (virtude moral), segundo Villey. Temo extraído do livro V
do Ética a Nicômaco, de Aristóteles;

18
Dikaios – homem justo (“um homem justo” seria uma expressão utilizada para indicar a
superioridade moral de um homem – tal qual Aristides, Noé, de acordo com Villey);

Adikein – agir contra o direito;

Diskastès – o juiz;

To dikaion – o direito;

Dikaion physicon – jus naturale (fl. 422);

Observa Villey que a palavra justiça contemporaneamente estabelece várias ressonâncias.


Circunstâncias que não ocorriam no tempo de Aristóteles que não a vinculava a utopias.
Para o Filósofo era algo real, uma virtude, uma atividade ou várias de suas espécies.

Dois sentidos do termo justiça no grego clássico:


a) Noção de justiça geral – segundo Aristóteles justiça a conformidade da conduta de
um indivíduo com a lei moral (“justiça legal”). Há de se observar que a “justiça
geral” não se confunde totalmente com a “lei moral”. Justiça como trabalhada por
Platão, Píndaro e os Trágicos está relacionada com a boa relação entre os
indivíduos da polis e a ordem, harmonia que a reveste.

Fl. 60 – As virtudes como prudência, honestidade etc são consideradas como tal a partir do
ponto de vista da vantagem que trazem para os outros. Toda a justiça só tem sentido porque
ela se manifesta no âmbito social. Toda a justiça é social.

Na fl. 421 do livro em referência Villey começa a abordar o problema da polissemia das
palavras Justiça e Direito. Destaca que Cícero na sua obra De Legibus utiliza a palavra
latina ius em um sentido muito amplo que engloba também a moralidade.

19
Villey critica a decadência sofrida pelo Direito na modernidade e atribui como causas a
estatização cada vez maior do Direito, que se deu com o surgimento dos estados modernos.
(“hipertrofia da potência pública”), e o moralismo que começa com os teólogos que pensam
o Direito a partir da lei divina bíblica. (fls.422/427).

VILLEY, Michel. A Formação do Pensamento Jurídico Moderno. São Paulo:Martins


Fontes, 2009.

Na busca de diferenciar lex e ius passei a ler da página 108 e seguintes do livro acima
mencionado. Os capítulos a ler são relativos à concepção do Direito em São Tomás de
Aquino.

XII.2 – Tipos de Injustiça na lei

1-

“Elementos reais” das ideias – Bentham: ordens e proibições de uma autoridade produzem
são entidades reais que causam uma impressão empírica na mente (fl. 18).

Austin – simplicidade e precisão: atrativos das noções da ordem, superior político e hábito
de obediência. (esperança na simplicidade do método dos geômetras)

Kelsen: Direito como técnica social específica. (fl. 19).

Pesquisar nomostática e nomodinâmica em kelsen.

20
A palavra lei é tomada por Kelsen de forma variada, extremamente ampla, sem levar em
conta a sua grande variedade de significados. A única coisa em comum entre o que seria a
ordem social de uma tribo de negros e a constituição da Suíça só poderia ser o critério da
“essência” da lei. (Fl. 20). Hart, Raz rompem com essas metodologias ingênuas de
Bentham, Austin e Kelsen.

Propósito prático

Hart: as proposições do direito obrigam a todos: autoridade e cidadãos (fl.20).

O Direito depende de sanções para que lhe seja conferida efetividade, ou seja, uma razão
prática para sua aquiescência. (ver nota de rodapé da fl. 20, citação a Dworrkin).

Para Raz e Hart o direito é uma técnica que resolve conflitos com autoridade (Raz – pratical
reason). A autoridade no “sistema legal”e utilizar sua livre discrição. (fl.21)

Direito como supremo guardião da sociedade, pois daria força executória a normas que
nem pertencem a ele.

Fl. 25 – Finnis diferencia razoabilidade prática de pensamento prático. Define razoabilidade


prática como sendo “a razoabilidade na decisão, na adoção de compromissos, na escolha e
execução de projetos e, em geral, na ação”.

Fl. 33 – O objetivo de Dworkin seria o de fornecer elementos para que os juízes


encontrassem, nos casos difíceis, a resposta correta, em dada sociedade numa determinada
época. Não teria assim a presunção de universalidade típica do direito natural. Noutro passo
Hart e Raz teriam como objeto apenas apontar uma teoria descritiva, oferecendo aos
historiadores para permitir uma história discriminadora dos sistemas jurídicos a ser escrita.

21
Fl. 39 – má compreensão de Kelsen acerca do direito natural (“non sequitur” – falácia); e o
pensamento de São Tomás de Aquino. São Tomás afirma que o direito positivo deriva do
direito natural, mas não é mera emanação dele.

Fl. 40 – para Tomás de Aquino, há a necessidade do direito positivo posto que embora
derive do direito natural, esse não fornece todas as soluções para a vida comunitária.

Fl. 274 – [o ponto nodal na relação entre o direito positivo e o direito natural é justamente a
de “entender a relação entre leis particulares de sociedades particulares e os princípios
permanentemente relevantes da razoabilidade prática”].

F.. 277 – determinationes - Analogia entre a arquitetura e o artífice. [A arquitetura fornece


a ideia geral da coisa (i.e.maçaneta), ao passo que o artífice tem a escolha das dimensões e
traços particulares que ele pode conferir. Sucede o mesmo com o direito positivo e o direito
natural, partindo da premissa que este, preexistente, fornece a ideia geral da qual aquele
derivará].

Fl. 278 – princípios permanentes da razão prática. Existem mesmo antes da existência de
uma atividade que por sua natureza merecerá uma normalização.

Fl. 278 – os princípios do legislador sensato incluem os desiderata do Estado de Direito.

Fl . 48 – interpretações da Lei de Hume (1711/1776):

1) de premissas não-morais não se pode extrair conclusões morais;


2) crítica de Hume aos racionalistas do século XVIII, notadamente Samuel Clarke
(1675/1729).

Fl. 49 – citando Raphael, British Moralists Finnis afirma que o objetivo de Hume (é-
deveria) seria o de demonstrar que “considerar se é possível, com base na razão, distinguir

22
entre o bem e mal moral, ou se outros princípios devem cooperar para permitir fazer essa
distinção”.

Fl. 53 – resumo do pensamento de Clarke: “... verdades morais fornecem uma razão
(conclusiva) para a ação”.

Fl. 53 – antecessores de Clarke:


1) Hugo Grotius (1583/1645);
2) Suarez (1548/1617) e Vazquez

Fl. 64 - A principal distinção entre o pensamento de Suarez e Vázquez e São Tomás é que
para aqueles a obrigação é o efeito do imperium de um superior, enquanto que para o último
é um ato do intelecto que planeja meios como modo de se alcançar determinados fins e
apreende a necessidade desses meios.

Na Nota II.1, Finnis responde àqueles que desafiam a tese de que existe um
princípio básico que serve a todos os homens em todas as épocas. A tese de Finnis diz
respeito às formas básicas do florescimento humano e aos requisitos da razoabilidade
prática. Finnis desafia todos que propuserem que aquilo que, nos Capítulos, III-IV, ele
identifica como formas básicas não teriam sido florescimento para seres humanos de
alguma época, ou que aquilo que nos Capítulos V-VI, ele identifica como requisitos da
razoabilidade prática não teriam sido aplicáveis a tais outros seres humanos (por
causa de alguma diferença de condição deles e a nossa), cabe a ele mostrar esses seres
e essas diferenças. Finnis assegura que já leu inúmeras proclamações da historicidade
etc. do homem, mas nenhuma tentativa séria de responder a esse desafio. Discussões
abstratas da mutabilidade ou imutabilidade da natureza humana são irrelevantes: a
argumentação nesse livro não depende, mesmo que implicitamente da expressão
“natureza humana”.

Nota II-3 – (página): Finnis categoricamente adverte que os primeiros princípios práticos
“universalmente reconhecidos” não são princípios morais. Essa confusão, decorre de uma

23
leitura equivocada de Tomás de Aquino, muito influenciada por certas correntes do
escolastismo Pós-Renascentista (escolástica tardia, segunda escolástica, Suárez, Vasquez,
Vittorio etc?). Essa má percepção trata a Synderesis (primeiros princípios da razoabilidade
prática ST I, q,79, a.12, I-II, q. 94, a.1 ad2) como princípios cristalizados. Essa
interpretação apequena a ideia de prudentia, que deve ser analisada tendo sempre na mais
alta consideração que para Tomás de que os primeiros princípios da ação humana são os
fins (fines). Decorre disto que um homem não pode raciocinar corretamente em questão
prática, isto é, ter prudentia, a menos que esteja na boa disposição de para com esses fins
últimos (S.T. I-II, q.57, a.4; q. 58, a. 5c; II-II, q. 47, a.6.).

No segundo parágrafo da página 61, Finnis se lamenta da incapacidade enigmática de


Tomás de Aquino na questão de esclarecer quais seriam os princípios práticos ou preceitos
evidentes por sim mesmos e quais são conclusões deduzidas. Essa é a sua considerável
incapacidade de discutir os princípios que a prudentia usa para transformar os primeiros
princípios do direito natural (que mesmo os homens perversos empregam em seu raciocínio
prático: S.T. Suplemento q. 98 a.1) em princípios, normas e juízos verdadeiramente morais.
Finnis faz uma tentativa de preencher essa lacuna no Capítulo V e seguintes da obra Leis
Naturais e direitos naturais.

Na página 62, ainda nas notas, Finnis explica, utilizando os argumentos d eTomás de
Aquino que o direito natural pode ser entendido, aceito e aplicado sem se recorrer à
metafísica ou mesmo à antropologia. Segundo Tomás ST I-II, q.58 a.4c, ninguém pode ser
moralmente reto sem a) um entendimento dos primeiros princípios do raciocínio pratico e
b) da razoabilidade prática (prudentia) que aplica os princípios, de modo razoável, a
compromissos, porjetos, ações particulares; ms pode-se de fato ser moralmente reto sem
sabedoria especulativa (isto é, teórica, conhecimento – “é”), sem o conhecimento pratico de
um artesão (arte) e sem conhecimento especutlativo (sciencia). Para Tomas de Aquino a
prudentia só pode existir em alguém que esteja bem disposto (bene dispositus) para os fins
básicos da existência humana...

24
Finnis na página 62, tenta demonstrar que a teoria do direito natural clássicomnão depende
de uma visão teleológica do universo, como concebe Leo Strauss 19 ou confere grande
relevância Hart20. No ponto de vista finnisiano essa concepção se baseia em teorias de
pensadores mais ralos no que tange à teoria clássica do direito natural. Ao seu sentir, não é
falso que o direito natural esteja de acordo com uma ordem teleológica da natureza, no caso
de Aristóteles e em conformidade com uma teoria da divina providencia e da lei eterna.
Entretanto, na visão de Finnis, há uma inversão e a visão teleológica da natureza foi tornada
plausível pela verdade evidente por si mesma do bem-estar humano , do raciocínio prático e
da ação intencional humana (physis, II, 8:199a-19. Aqui ele chama atenção para a
exposição feita por Hart da “visao teleológica da natureza”

Fl. 98 – [o pensamento de Finnis está em integralmente inserido na concepção moderna de


que o Homem é a medida de todas as coisas e que é capaz de guiar seu destino. Nesse
sentido afirma que o indivíduo escolhe seu “plano de vida” guiado pelos sete bens básicos.
Nada impede que de acordo com seu temperamento, aptidões, forma de criação e
oportunidades confira prioridades a certos bens. Entretanto, isso não quer significar que
haja uma hierarquia entre esses bens básicos. Todos detêm a mesma importância num plano
abstrato, podendo, no entanto, serem priorizados de modo distinto por cada pessoa em
determinada fase da sua vida].

São Tomás de Aquino – Denomina os bens básicos como princípios primários evidentes por
si mesmos do raciocínio prático – primeiros princípios e preceitos mais gerais da lei
natural: S.T. I-II, q. 94, a.2c. (fl.99).

Fl. 100 – Robert Nozick: as pessoas não querem apenas experenciar, elas querem fazer
certas coisas.

Fl. 105 – A razoabilidade prática é um bem e também estrutura nossa busca pelos outros
bens básicos.

19
Strauss, Leo. Direito Natural e História
20
Hart, H.L.A Concept of Law.

25
Teoria de Justiça de Finnis – Fl. 163 – Ele próprio traça as distinções entre sua teoria e as
de pensadores como Aristóteles, Hart e Rawls, as quais, segundo entende estão restritas a
determinados padrões e modelos.

Fl. 164 – Aristóteles fala de sua teoria de justiça principalmente no livro Ética a Nicômaco,
mas também na Política. Começou a tratar justiça de modo bem geral, chamando-a de
“virtude abrangente”. Na terminologia de Finnis isso se transformaria em Razoabilidade
Prática Plena.

Fl. 165 – Bem Comum:conjunto de condições de colaboração que intensificam o bem-estar


(ou pelo menos a possibilidade de florescimento).

Problemas de realização do Bem Comum.

LEIS INJUSTAS – Fls. 337 e ss.

Não é uma preocupação para Finnis no seu estudo sobre a Lei Natural demonstrar a
afirmação de que “lei injusta não é lei”. Sua preocupação, no estudo da Lei Natural é
explorar requisitos da razoabilidade prática em relação ao bem dos seres humanos. Isso
porque a vida em comunidade traz para os indivíduos que dela participam são confrontados
diuturnamente com problemas de justiça e de direitos, de autoridade, lei e obrigação. A
principal função de uma teoria de justiça deveria ser a de identificar os princípios e os
limites do Estado de Direito e descobrir como leis boas, em toda a sua positividade e
mutabilidade, devem ser derivadas de princípios imutáveis, que tiram sua força da
razoabilidade.
A autoridade de um governante tem como sua base última a oportunidade e, com efeito, a
responsabilidade de promover o bem comum estipulando soluções para problemas de
coordenação na comunidade.

Fls. 338 – XII.2 Tipos de injustiça na Lei

26
Em primeiro lugar, visto que a autoridade encontra seu respaldo na consecução do bem
comum, ela será defectiva quando não tiver de fato esse escopo e buscar satisfazer os
interesses particulares de quem a exerce ou de determinada facção, ou ainda quando
objetiva prejudicar determinado indivíduo ou grupo sem razão legal para tanto. Mesmo
assim, esse juízo dificilmente permite que o exercício dos poderes “constitucionais” ou
constituídos sejam contestados com base em que esse exercício tivera motivação imprópria.

Em segundo lugar, já que localização da autoridade é formulada por normas estabelecidas


pela própria autoridade, nada impede que um funcionário imbuído de autoridade extrapole
de seus poderes de modo deliberado ou não (ver fls. 267, X.5), Uma lei e uma constituição
apenas em casos drásticos podem ser contornados voltando a autoridade ter como
legitimação uma base primeira [que é a capacidade de resolver problemas de coordenação –
fl. 241 IX.4].O ato ultra vires é aquele ato em que a autoridade vai além das forças que lhe
são dadas pela comunidade e, portanto, passa a se caracterizar como uma injustiça, pois
avoca para si um poder que não lhe é devido – “injustiça distributiva” – ao tempo que
obriga os outros a fazer algo sem competência para tanto – “injustiça comutativa”. Finnis
aqui, trata de uma situação muito sensível no mundo jurídico: a impossibilidade de,
faticamente, desfazer um ato de autoridade ultra vires mesmo quando tal ato, em tese não
esteja imune de ser anulado por ato judicial. É que atos de autoridades, normalmente são
obedecidos, diante da dificuldade que se tem de serem discutidos na ocasião em que são
levados a efeito. Esse é o grande problema dos atos oficiais de autoridade.

Em terceiro lugar, os atos de autoridade devem respeitar determinadas formalidades, os


“justos requisitos de maneira e forma”. O exercício da autoridade nestes moldes permite
conferir oportunidade a todos de entender e obedecer a lei e atingir-se o “Bem Comum”. De
regra, quando determinadas normas burocráticas não são seguidas, dá-se azo para o abuso
e, via de consequência, para a concretização de injustiças. A exceção a essa regra, no
entanto, se efetiva quando os envolvidos concordam ou deveriam concordar que a
necessidade de celeridade é suficiente o bastante para eliminar trâmites burocráticos

27
ociosos, que, nas circunstâncias, prejudicariam a consecução das justiça substancial (Ver
VII. 7 – fls. 185).

Em quarto lugar, por questão de justiça distributiva, mesmo que todas as formalidades e
sem qualquer defeito de intenção e autoria, o ato da autoridade pode ser injusto. Não pode
um ato desse jaez excluir direitos de quem os possuem nem mesmo criar obrigações para
apenas uma parcela de indivíduo sem critérios razoáveis (justos, segundo Finnis). [Nesse
item, na página 339, Finnis fala de direitos básicos como sinônimos de direitos humanos].
Ver também fl. 172/176, VII.4 Critérios de justiça distributiva e VII.5 – Justiça Comutativa,
fls. 176/182.

XII.3 – Efeitos da injustiça sobre as obrigações

A injustiça de um ato de autoridade permite que a obrigação de obedecer a lei seja


descumprida? Aqui (fl. 340) Finnis apresenta quatro conotações que essa pergunta pode
razoavelmente possuir. Em seguida passa criticar o método utilizado por Austin, que, para
nosso autor, desvia essa pergunta para outro âmbito, de modo diversionista. Não se reduz a
questões grotescas como a do enforcamento, apresentada por Austin em tom jocoso.

A justiça de uma lei é sujeita a determinadas “aberturas”, uma vez que com passar do
tempo e a mudança do contexto em que editada – ainda que originariamente tenha sido
legítima – uma lei pode se transformar em algo odioso ao bem comum. O sistema legal é,
portanto, segundo Finnis e, contra o que faltam argumentos sensatos, muito mais aberto do
que a alguns possa parecer. Basta alçarmos vistas ao sistema legal estadunidense e
observarmos, mesmo que de relance o nosso sistema jurídico-constitucional.

Fl. 342 – Segundo Finnis [achei confuso nesta parte], não contribui para o pensamento
claro ou para qualquer propósito prático manchar a positividade da lei negando a
obrigatoriedade legal nos sentido legal ou intrasistêmico de uma regra que foi recentemente
confirmada como sendo legalmente [constitucionalmente] e obrigatória pela mais alta
instituição do sistema legal.

28
Sentido da primeira pergunta [dentre as quatro apresentadas na página 340: dado que a
obrigação legal presumivelmente acarreta uma obrigação moral, e que o sistema legal é de
modo geral justo, uma lei injusta em particular impõe a mim qualquer obrigação moral de
obedecê-la?

Analisando como se responderia a questão, Finnis toca em um ponto que me parece deveras
sensível dessa querela e que é posta, ao meu juízo, de maneira muito simplória pelos
positivistas , que afirmam ser matéria relativa à jurisprudência [no sentido anglossaxão de
ciência atinente ao direito e aos jurisconsultos] e não à filosofia política ou, ainda, a Ética.

Finnis diz, em primeiro lugar, que essa solução conferida pelos positivistas é artificial (fl.
343). A segunda razão apresentada, e que, segundo nos recorda o autor, teria sido
desenvolvida no primeiro capítulo da obra ora comentada, encontra-se no argumento de que
uma jurisprudência que aspira a ser mais do que a lexicografia de uma cultura em particular
não pode resolver seus problemas teóricos de definição ou de formação de conceitos a
menos que recorra, pelo menos, a algumas considerações de valores e princípios de
razoabilidade prática que são eminentemente assuntos da Ética (ou da “filosofia política”).

A terceira razão – o programa de desligar da jurisprudência todas as questões ou suposições


a respeito da significância moral da lei não é consistentemente levado a cabo por aqueles
que propõe (CONTRADIÇÃO DOS POSITIVISTAS).
OBSERVAÇÃO: certos princípios de justiça com princípios de legalidade – “The Concept
of Law”, de John Hart

O cerne do pensamento jurídico de Finnis tem como conclusão que as normas positivas
conferem deveres morais de obediência à norma. Mas não é possível, ainda assim, mostrar
que qualquer uma dessas assunções são sempre justificadas nem que ser discutidas sem se
transgredir os limites propostos entre a jurisprudência e a filosofia moral (Ética) ou política.

29
De acordo com o pensamento de Finnis, a literatura erudita é um testemunho daquilo que
uma sólida filosofia da razão prática estabelece abstratamente: os princípios da
razoabilidade prática e seus requisitos formam uma unidade de investigação que pode ser
subdividida em “moral”, “política” e “jurisprudencial” e apenas por conveniência
pedagógica u expositiva que se arrisca a falsificar o entendimento de todos os três.

Todas as análises da autoridade e da obrigação podem ser resolvidas, segundo a teoria de


Finnis, no seguinte teorema: o governante não tem, falando muito estritamente, o direito de
ser de ser obedecido (XI.7), mas tem autoridade de dar orientações e fazer leis que são
moralmente obrigatórias e que eles têm a responsabilidade de implementar. Ele
[“governador”] tem essa autoridade no interesse do bem comum. (ver página 344, in fini).
[aqui entendo interessante observar que quem exerce a autoridade tem o poder-dever de
fazer valer a lei, tanto quando essas leis são moralmente obrigatórias como quando são
necessárias para a preservação do bem comum – tirei essa conclusão da patê final da página
344].

Assim, se a autoridade é utilizada para atender interesses facciosos, que se confrontam de


modo manifesto contra o bem comum, ou ainda, contra os princípios da razoabilidade
prática, suas ordens perdem sua razão de lei (ver texto “Razão de Lei” de Berzoto) e
deixam de obrigar moralmente os indivíduos sob sua égide.

Fl. 346 – o autor aborda que o desrespeito à lei por certo indivíduo, visto por seus
concidadãos, provavelmente gera conseqüências ruins para o bem comum.

[aqui é interessante traçar um paralelo com o artigo do Vlamir publicado na Revista da


Justiça Federal. No referido artigo, o Vlamir faz menção à necessidade de proteção não
apenas dos direitos individuais frente o abuso do poder do Estado, mas também à
necessidade de proteção do bem comum. A partir disso faz menção há um “garantismo
penal integral”. Achei o texto impregnado de viés marxistas e socialistas e acho que meu
trabalho seria enriquecido se lograsse demonstrar que a proteção do direito individual não
afasta a punição e que há, no caso, apenas um direito aplicável, levando-se em consideração

30
do direito do indivíduo e da comunidade. Também acho importante mencionar que o bem
comum nos obriga a recalcarmos determinadas ações que desejamos. Ao fazermos o que
desejamos em desfavor do bem comum, estamos automaticamente (obviamente se houver
previsão legal) sujeitos a sanções. A aplicação da sanção visa evitar que se desdenhe da
norma legal,]

XII.4 – Lex injusta non est lex

Lei Agostinho em sei primeiro diálogo sobre o livre arbítrio diz por meio de um de seis
personagens que “uma lei injusta não pareceria ser uma lei”. Essa concepção também foi
defendida por Cícero, Platão e Aristóteles. Ver nota de rodapé da fl. 347. Aristóteles chega a
dizer explicitamente que o governo da maioria e das Assembléias não chega a ser uma
democracia, pois a lei é que teria que governar 21 (E.g. Política, III, 4: 1279a 31-34. [Aqui
acho relevante abordar a questão da “lei como aliança” (não seria algo como o contrato
social essa aliança) no texto do Berzotto – Razão de Lei.]

Tomás de Aquino, também fez alusão a essa idéias, todavia foi bem mais ponderado (como,
aliás, lhe é peculiar) quando externou suas concepções sobre o tema o tema. Nos ensina que
21
Não é bem assim. Segundo Villey, a lei positiva tem governar complementando o que ele chama de Justo
Natural. Com efeito, a lei humana ou direito positivo (justo legal ou justo positivo, traduzindo-se diretamente
do grego), complementa o direito natural naquilo que ele não pode chegar a resultados certos, porquanto a
ordem da natureza é complexa e de difícil observação e não se consegue retirar uma fórmula genérica e
abstrata para aplica-la de modo Universal para todas as cidades-estados. O objeto de investigação – o justo – é
matéria a ser sempre buscada no caso concreto, a depender das circunstâncias moventes. Seu estudo consegue
tão-somente chegar às conclusões provisórias, jamais perenes. Em seu Ética a Nicômaco (Ediouro; São Paulo:
1998), no Livro V onde define o que seria o Direito Natural, afirma que: embora exista um direito natural,
nem por isso as todas as regras estão menos sujeitas a mudanças” – “o fogo arde da mesma maneira na pérsia
e na Grécia, mas o direito é sempre variável”. Segundo Aristóteles, na sua obra intitulada Retórica (I, 13, 11 e
12; I, 14, 7;I,15, 3 etc) em que se trata da linguagem e da argumentação jurídica, de fato, Aristóteles aconselha
que os advogados evoquem o justo natural em prol dos seus clientes para recorrerem quando a lei positiva
lhes é prejudicial. Para o Filósofo, direito natural seria uma matéria que deve ser informada por leis precisas a
serem redigidas pelos legisladores. O legislador segundo o Estagirita seria mais imparcial que o juiz, que
tende a ser parcial por simpatia ou pelo temor. Segundo entendo, o legislador estaria a salvo desses desvios e,
conforme vaticina: “A Lei é a inteligência sem paixões”. Ademais, continua, os princípios vagos, gerais,
hesitantes, do direito natural não são aptos para nos dotar de soluções de direito de família: pois temos que
resolver questões não gerais mais relativas aos direitos para determinado estado, direito de família, direitos
em particular de vizinhança. Isso exige a intervenção nos dos jurisconsultos mas de legisladores e dos juízes,
para dar a cada um o que é seu. No exercício do ato de julgar encontra-se um juiz que acede ao cargo por seu
status dentro de uma Pólis (Sua riqueza, seus conhecimentos, nível cultural, sua representatividade na Pólis
etc).

31
“leis injustas (com o qual queria dizer, como explicou cuidadosamente, leis imperfeitas, em
qualquer um dos modos mencionados em XII. 2 supra) são mais insultos do que leis” (S.T.
I-II, q. 96, a. 4c “magis iniqitas quam lex”.

[a moral não é uma questão puramente teórica. São Tomás de Aquino já teria se
manifestado neste sentido (prudentia), ou seja, de que as leis morais já estariam
estabelecidas, mas tem enormes abstração e universalidade. Logo não seriam suficientes
para que os indivíduos agissem com prudentia (reta razão aplicada ao agir – Questão 47,
artigo 2 da Suma Teológica – A prudência é uma virtude da razão prática e não da razão
especulativa) - na “Questão 47, artigo 3 – A prudência conhece os atos singulares”, São
Tomás de Aquino diz que “(...) as ações versam sobre realidades singulares”.

No caso concreto haveria a necessidade de se aplicar uma certa “percepção moral” (termo
por mim utilizado e não por Aquino). Apenas aqueles que conseguem ter essa percepção
moral através da prática da “compaixão” (termo por mim utilizado. Aquino na S.T. utiliza o
termo “caridade”, no sentido de amor de ação que tem objetivo interesse que não seja o
próprio do agente. Apenas aquele que aja com compaixão é que tem a capacidade de agir
do modo mais prudente e, portanto, mais correto. Ao meu ver issso implica a conclusão de
que apenas o homem mais experiente (spoudaios) e que consegue perceber o impacto que
determinada ação terá sobre outrem é que terá a possibilidade de melhor decidir em
determinado caso concreto. A compaixão, neste aspecto, tem o sentido de o agente sorer as
mesmas tribulações por que passam os concidadãos ou terceiros que se submetem de
alguma maneira às decisões (e portanto, a sabedoria das decisões) do agente.

Compaixão tem sua origem etimológica na junção das palavras latinas correspondentes a
“sofrer” e “conjunto. Seria, portanto, “sofrer junto”. É uma noção que também converte na
“regra de ouro” de “amar o próximo como a si mesmo” e de “não fazer aos outros o que
não desejas para ti”. Agir de acordo com essas premissas é agir de acordo com “razão
prática”.Não basta apenas a razão especulativa que fica restrita ao campo teórico. A moral,
a ética e a razão devem ser postas à prova nas decisões que são tomadas diuturnamente
conforme os casos vão se apresentando, em todas as suas nuances.

32
[ LIVRO: A PRUDÊNCIA – A VIRUTDE DA DECISAO CERTA – Tradução, introdução e
notas de Jean Lauand, Martins Fontes – Coleção Breves encontros) – Correspondes a trehos
da Suma Teológica – Da Questão 47 à Questão 66.

Aquino critica a concepção de Agostunho no sentido de que a prudência residiria na


Vontade – aqui é importante fazer uma abordagem mais completa, posto que muitos
confundem, concebendo a Teoria do Direito Natural em sua plenitude como tendo sua
sustentação na Vontade. Nada mais equivocado. Essa concepção corresponde há acepção
“Teológica” do Direito Natural, que difere de outras vertentes jusnaturalistas. Em Aquino, a
prudentia (Virtude Maior), tem sua derivação da Inteligência. Para Aquino – Questão 47 da
Suma Teológica – a prudentia é amor, não essencialmente, mas enquanto é o amor que
move ao ato de prudência. Para Agostinho a prudência decorre diretamente do amor.

Questão 47, artigo, 2 – “A prudencia é uma virtude da razão pratica e não da razão
especulativa. (aqui seria muito importante verificar qual a expressão utilizada por Aquino
em latim que corresponde ao termo “razão prática”.

Questão 47, artigo 3 – menção de Aquino à “Querela dos Universais”, tema recorrente
entre os escolásticos. Nessa mesma “Questão”, Aquino trata dos “casos singulares’. Para
ele, os singulares podem ser abarcados pela razão. Pela experiência a infinidade dos casos
singulares (que sucedem no espaço e no tempo) vão (por analogia, comparações,
sopesamentos etc) reduzindo-se (ao menos no que diz respeito à decisão correta) a alguns
casos finitos que acontecem mais geralmente, e o conhecimento destes é tipicamente
relegado à prudência.

Voltemos ao livro do Finnis

33
Fls. 348. S.T. I-II, q. 95, a.2c “não lei mas uma deturpação de lei” – “non lex sed legis
corruptio” – (non sunt statuta sive consuetudines sed corruptele”, traduzido no inglês “não
leis non costumes de preceitos, mas coisas vazias e opostas à justiça” .

O inglês do segundo diálogo {1530], c, 15 elíptico mas mais feliz: “onde a lei do homem é
em si diretamente à lei da razão, ou então à lei de Deus então em verdade não pode ser
chamada de lei, mas de depravação”

Tomás faz referencia a uma lei que “não é simpliciter”. Vale dizer: é, deveras, uma espécie
de “perversão da lei”, tendo-se como referencial seu “significado focal”. O que lhe sobra,
no que toca ao seu caráter de lei : “é a ordem de um superior a seus subordinados” (caráter
de ordem que constitui uma lei, juntamente com o caráter lógico e de aliança). [nesse ponto
Aquino começa a fazer uma abordagem sobre a lei tyrannica. Embora esse assunto seja de
grande relevo, Finnis não fez considerações, ao menos nessa oportunidade, acerca do
direito que, por mais que seja respeitado, não encontra legitimidade ou respaldo.

Pelo contrário, Tomás de Aquino, guarda pudores e não afirma categoricamente que “uma
lei injusta não é uma lei: lex injusta non est lex”. Fl. 348, primeiro parágrafo e nota de
rodapé 13. Nessa nota 13, contudo, São Tomás afirma que um julgamento injusto por parte
do tribunal não é um julgamento (injustum judicum non est). Mas aqui cabe uma
observação importante: Tomás ao listar os significados de jus , observou que mesmo um
julgamento injusto pode ser chamado de jus (porque é dever do juiz fazer justiça): S.T. II-
II, q.57, a. 1 ad.1. O que vemos aqui (como é tão freqüente na Filosofia social clássica) não
é uma autocontradição, mas uma subordinação elástica das palavras a um cambiante foco
de interesse). (fls. 348, nota de rodapé 13.)

No segundo parágrafo dessa página (348), Tomás explicita que uma lei injusta não é lei sem
seu sentido foca (simpliciter), mas apenas em seu sentido secundário do termo (isto é,
secundum quid).

34
Último parágrafo da página 348: Finnis deixa bem claro que a “doutrina central da
teorização da lei natural na qual a doutrina da ‘lex injusta’...está embutida, não optou por
usar slogans genéricos de leis que não são justas não são sequer leis. Essa fórmula não
deixa claro, além da dúvida do razoável, que a tradição não está cultivando “de uma vez por
todas uma recusa de reconhecer leis más como válidas para qualquer propósito?”. Longe e
negar validade legal a regras iníquas , esta tradição explicitamente (ao falar de leis injustas)
concede a regras iníquas validade legal, seja no sentido de que, ou se baseando em que,
estas regras são aceitas nos tribunais como guias para decisão judicial, seja no sentido de
que, ou se baseando em que no juízo do falante, elas satisfazem os critérios de validade
estabelecidos por regras constitucionais ou outras regras legais, ou os dois. Esta tradição
chega a dizer que pode haver a obrigação de obedecer algumas leis injustas a fim de
preservar o respeito pelo sistema legal como um todo. (o chamei de “obrigação
secundária”:XXII.4) – S.T. I-II, questão 96, a. 4c e ad3.

[ o juiz, a alei e a justiça: temos que ressaltar que as mesmas causas que renderam
ensejo a uma revisitação ao Direito Natural e à razão prática, também deu causa ao
surgimento da Teoria Crítica do Direito, que ao meu sentir nada mais é do que uma
tentativa de revitalizar a crítica marxista ao Direito, que lhe relega apenas um apel de
instrumento de dominação (superestrutura) da classe dominante sobre a classe
dominada (os servos, proletários, classe trabalhadora, desvalidos, excluídos etc.

No texto de José Fernando Pires Júnior: “ O juiz, a lei e a Justiça” (Revista Visão
Jurídica) , esse viés, ao meu ver tendencioso fica muito evidente. Nesse diapasão,
expõe Luis Roberto Barroso:

(...) diversos desenvolvimentos teóricos marcam a nova época, aí


incluídos estudos seminais sobre a teoria da justiça, normatividade dos
princípios, argumentação jurídica e racionalidade prática, dando lugar a
uma nova reaproximação entre o Direito e a filosofia. A volta dos valores

35
está no centro da discussão metodológica contemporânea do pensamento
pós positivista.

Mas qual seria, então, a nota distintiva entre a vertente mais contemporânea do Direito
Natural e a Hermenêutica crítica do Direito. Ao meu ver, os críticos do direito têm a
pretensão de serem mais sábios que o legislador e acabam se açodando, aplicando como
Direito aquilo que em sua visão – míope amiúde – lhe é o mais correto, sem, no entanto,
arcarem com o ônus que a prudência e a razoabilidade lhes impõe, de se aprofundar no caso
concreto, e descobrir dentro do Dédalo que é o Direito, qual realmente é norma aplicável
para solucionar a questão que lhes é posta. No texto em análise, que ao meu aviso se
apresenta um tanto quanto simplório, o articulista revela sua fúria contra o Direito e, ao
contrário de São Tomás de Aquino, não se satisfaz em concluir que, de fato, a leis dos
homens se revela falha ou indigna. Em sua concepção, demonstra seu ódio contra a lei,
transparecendo que inapelavelmente a lei dos homens (do legislador no caso), sempre será
indigna. Usa como comparação a crucificação do Cristo e, se esquece, ou talvez ignore, que
foi a Multidão que preferiu, ainda que lei permitisse sua salvação, que ele fosse morto sob a
égide do Império Romano.

No texto o autor, coloca o juiz crítico do Direito como um juiz humanista e pressupõe que
por não se permitir ser um escravo da lei, um juiz apurado e criterioso. (verdade seja dita: o
autor faz menção em seu texto a Hans Gadamer e Heidegger, que atentam para o risco do
juiz, como intérprete, formular juízos de valor, baseado em sua visão do mundo e impondo
ao texto a sua pré-compreensão).

Outro aspecto que é digno de nota é que, no texto, a “Teoria Crítica do Direito” é tratada
como um instrumento de absolvição de delitos que eventualmente tenham sido praticado e
estejam previsto por lei. E que, ainda que estabelecidos e praticados, caberia o juiz, por
qualquer motivo considerado humanista, aprofundar-se em outros setores do conhecimento
humano a fim de absolver o culpado e, assim, fazer justiça.

36
Antes de voltarmos ao texto do Finnis, um esclarecimento:

A dicto secundum quid ad dictum simpliciter (em português: da


asserção qualificada para a não-qualificada) ou falácia do acidente é a
falácia causada por uma generalização indevida. É uma das treze
falácias listadas por Aristóteles.

[editar] Exemplo1.Ao soldado é permitido matar em tempos de guerra.


2.O soldado x matou sua esposa durante a guerra.
3.O soldado x não pode ser acusado de crime.
(fonte Wikipedia)

Voltemos ao livro de Finnis.

Nas notas finais do capítulo XII que trata das “Leis Injustas” há na última nota
considerações que reputo de suma importância quanto ao instrumental teórico denominado
por Aquino de “significado focal”, no caso aplicado à questão da lei. “Se a intenção do
legislador tem a ver com o verdadeiro bem, qual seja, o bem comum avaliado de acordo
com a justiça divina, a conseqüência será os homens se tornarem bons simpliciter através
da lei (isto é, obedecendo ela). Se no entanto, a intenção não é para o bem sem adjetivo
(simpliciter), mas para o que serve para o seu próprio proveito ou prazer, ou se opõe à
justiça divina, então a lei irá tornar os homens bons, não simpliciter, mas relativamente
(secundum quid), ou seja, em relação àquele regime. Esse tipo e bondade pode ser
encontrado mesmo em coisas intrinsecamente más; como quando falamos de um “bom
ladrão”, querendo dizer que ele atua com eficiência (Ética a Nicômaco, VI, 9:142b30-31.

Na parte três do livro, Finnis passa a tratar no capítulo XIII sobre natureza, razão e Deus.
No primeiro item, XIII.1 Mais outras questões sobre o propósito da existência humana.
Na fl. 356, há a nota de pé de página 6, em que Finnis menciona Cícero e sua adesão à
escola estóica, que em resumo entendia que o bem supremo seria a harmonia com a
natureza (se a natureza do homem está ou não em harmonia com a natureza universal) , que
eles interpretam como significado de viver virtuosamente, isto é, honeste que eles
explicam como viver “com entendimento do curso natural dos acontecimentos, escolhendo

37
s coisas que estão de acordo com a natureza e rejeitado as coisas contrárias”; de modo
semelhante.

Fl. 358 – Para os estóicos a vida humana tem seu significado, a escolha sua importância e a
razão prática seu objetividade, exatamente na medida em que se encaixam no vasto plano
divino (logos) do cosmo, um aspecto no qual é a Cosmópolis dos deuses e homens em
harmonia (homologia) de suas respectivas comunidades. [homologia é basicamente: “ a
origem comum entre estruturas e organismos”. Ex.: o clitóris é homólogo da glande
peniana.].

Segundo Finnis, a diferença da sua concepção sobre razoabilidade prática e seus requisitos
básicos do pensamento estóico é a de que para os estóicos só havia um único bem: a
virtude: viver de acordo com a razão/viver de acordo com a natureza. O conceito de bem
(notio bom) é, para o estóico, um conceito a que pessoa só chega por um porcesso de
inferência (collatio rationis) que parte de um reconhecimento prévio de coisas como
estando de acordo com a natureza (secundum naturam). Portanto, ele não irá achar
adequado formular suas questões práticas básicas de modo como eu [Finnnis] formulei no
início desta seção.

XII.2 – ordens, desordens e explicação da existência

Finnis conclui que para resolver as questões práticas terá que enfrentar no item seguintes
questões de ordem teóricas, mas que não teria sido identificadas no início da seção anterior.
As três seções seguintes à presente trataram destas questões teóricas imprescindíveis para o
propósito de Finnis para resolver o objeto primordial de seus estudos: as questões de ordem
prática.

Nesse trecho do livro parece distinguir de modo mais direto os termos “razoabilidade” e
“razão”. No transcurso de sua explanação, o autor associa a resolução das questões práticas
á razoabilidade ao passo que, em relação a razão, transfere o encargo de iniciar as questões
teóricas.

38
Finnis entende ser o bem como algo objetivo definido, que pode ser atingido, mas por meio
de uma participação que jamais poderá ser completada. (fl.360)

F. 361 – Kant considerava que, para ter uma orientação na investigação científica da
natureza, a pessoa deve postular “que uma inteligência suprema ordenou todas as coisas de
acordo com as mais sábias finalidades”. Além do mais, o resultado das minhas tentativas
[explicações da natureza] tão freqüentemente confirma a utilidade deste postulado,
enquanto que nada de decisivo pode ser dito em oposição a ele, que estou dizendo pouco
demais se passo a declarar que não passa de uma opinião” (Kant, “Crítica à Razão Pura,
B854, B651. sobre o postulado do “ideal regulador” da razão veja B728).

Desordem no mundo, no que diz respeito às quatro ordens: desperdício na natureza física,
erro no raciocino, colapso na cultura, desarrazoabilidade nas atitudes e ações humanas. (fl.
362). Nessa mesma página, Finnis faz referência a Kant, que por sua vez,m faz uma
referência ao “ordenador do Universo”, como sendo um “arquiteto” limitado pelo material
com o qual lida, não se confundindo, portanto, com um criador do mundo a cuja ideia tudo
estaria sujeito.

“Estado de coisas” (“state of affaires”)- 364

Nota de rodapé 30 – Um estado de coisas A é “causa” de um estado de coisas B, quando


condições inerentes ao primeiro, apesar de não estarem inseridos no segundo devem ser
satisfeitas para que ele ocorra (Grisez).

F. 367 – não há sentido racional ter que explicar a causa de um “conjunto”, quando já
tiverem sido explicadas as causas de cada um dos membros do referido “conjunto” (as
causas aqui podem ser quanto à natureza do conjunto, alguma atividade por ele realizada
etc etc.

39
Fl. 366 – “onde a causação sem causa deve diferir, para que explique o que precisa ser
explicado, é nisto: que para existir, ela não requer nada que não seja incluído nela”. “(...) A
explicação de sua existência só pode ser esta: que o estado de coisas causador sem causa
inclui, como pré-requisito para a sua existência, um estado de coisas que existe por causa
do que é, isto é, porque é o que é”.

Sgundo Finnis, um trabalho de teologia que aborda de modo suficiente a questao da


existência de Deus é o livro de Germain Grisez Beyond the new Theism.

XIII.3 – Natureza Divina e “Lei Eterna”: especulação e revelação

Na fl. 368, Aquino aborda a questão que supõe que a causa das obrigações seria a vontade
de Deus. Tal concepção é “teológica” e tem como vertente jusnaturalista a que é defendida
por Santo Agostinho. Aquino discorda dessa concepção, posto que entende que a base das
obrigações seria a inteligência conforme visto mais acima (anotações sobre a prudentia na
Suma Teológica).

A eternidade de D: “Dizer que D é eterno, e chamar atos e intenções de D de enternos é


simplesmente um modo de indicar que D (e qualquer coisa que possa ser atribuída a D)
nem se desenvolve nem decai, , que D está fora do âmbito da aplicação dos conceitos de
mudança e imutabilidade, e, portanto, do tempo” (fls. 369/370).

Na nota de rodapé 35 (fl. 370), há referência a trechos da Suma contra os gentios, III, cps
97, 98, 113, 114. Nessa nota se aborda a menção feita por Aquino sobre a distinção que
existe entre os princípio de uma arte como a arte de navegar e a habilidade incomunicável
do marinheiro em aplicá-la e adaptar sua aplicação a circunstâncias imprevistas. A Lei
Eterna (segundo a concepção de Tomás) seria conhecida por nós de modo imperfeito, não
apenas por que seu aspecto global é desconhecido, como também porque os limites entre a
Lei Externa (“geral”) e a Providência (“particular”) são opacos para nós (e, de fato,

40
algumas vezes Tomás fala da Lei Eterna como se estendendo a todas as contingências
particulares; S.T., q. 91, a . 3 ad 1;q’. 93, a . 5 ad 3).

Quinto ponto: a relação entre o plano criativo de “D” e os males e as desordens. (fl. 370).

“O mal é real, de fato, mas não é algo que exista em si mesmo. Portanto, não é causado por
“D”. O mal na concepção de Finnis é uma deficiência. Uma ausência do que deveria ter
existido (em termos da norma da ordem relevante).

Finnis fala em “D”: “(...) é um estado de coisas que existe simplesmente sendo o que é, e
que é requerido para a existência de qualquer outro estado de coisas (inclusive o estado de
coisas: D causa todos os estados de coisas causados).

Lei Eterna (fl. 369)

Fl. 369 – “(...) é um erro confundir as leis nos sistemas jurídicos humanos com leis da
natureza como as leis clássicas e as estatísticas da física. É um erro supor que a Lei Eterna
poderia ser descrita com base no modelo de qualquer umas das normas de qualquer uma
das quatro ordens”.

“Dizer que D é eterno e chamar os atos e intenções de D de eternos é simplesmente um


modo de indagar que D (e qualquer coisa que possa ser atribuída a D) nem se desenvolve
nem decai, que D está fora do âmbito de aplicação dos conceitos de mudança e
instabilidade e, portanto, do tempo” (fls. 369/370)

[embora especulemos que as normas decorrentes das quatro ordens são inteligíveis para
nós, isso não quer significar que o “plano criativo” de D seja compreendido por nós.

Nota de rodapé 35, da fl. 370: Aquino (S.T. I-II, q. 19 a . 10c; q. 91, a .3, ad1, q. 93 a.2)
algumas vezes diferencia LEI ETERNA de PROVIDÊNCIA (ibidem, I, q.22, a.1, I-II, q.
93 a.4 objeção 3;). Ver também Suma contra os gentios, III, caps. 97, 98, 113, 114: esta

41
distinção parece semelhante àquela entre os princípios de uma arte como a de navegar e a
habilidade incomunicável do marinheiro em aplicá-la e adaptar sua aplicação às
circunstâncias imprevistas. A LEI ETERNA (segundo a concepção de Tomás) seria
conhecida por nós de modo imperfeito , não apenas porque seu propósito global é
desconhecido, como também porque os limites entre a Lei Externa (“geral”) e a
Providência (“particular”) são opacos para nós ( e de fato algumas vezes fala da Lei
Externa como se estendendo a todas as contingências particulares (S.T. I-II, q. 91, a.3, ad 1,
q. 93, a.5 ad.3).

Sobre o Mal

“Uma análise cuidadosa dos males e desordens mostra que o mal, falando estritamente, é
uma das deficiência, uma ausência, a não existência do que deveria (em termos das normas
da ordem relevante) ter existido mas na verdade não existe. O mal é real, de fato, mas não
pe algo que exista em si mesmo. Portanto, não é causado por D. [ como todo o estado de
coisas foi criado por D, poderíamos supor que o mal é de sua responsabilidade e, deveras,
parece mesmo ser. Porém disso não se pode concluir que a causalidade criativa de D é de
alguma forma defeituosa.]. “Não, pois só poderíamos julgar a causalidade D como sendo
um mal ou imperfeita ou defeituosa se soubéssemos quais são as normas aplicáveis à
causalidade criativa.

Fl. 371, in fini – “Crença de que, por meio da meditação filosófica a pessoa consegue ter
acesso à fonte transcendente da existência, da bondade e do conhecimento. Esta crença de
Platão e Aristóteles também não foi irrelevante para que desenvolvessem uma doutrina
sobre a razoabilidade prática, a ética e o direito natural em oposição aos céticos,
relativistas e positivistas da época. Pois na base de tais ensinamentos está a fé no poder e na
objetividade da razão, inteligência , nous.

Fl. 372 – “Causação não causada” que teria sido de alguma forma “intuída” por Platão e
Aristóteles, e revelada aos profetas de Israel”.

42
Fl. 373 - Platão e Aristóteles – fonte transcendente da existência (ver nota de rodapé 50).

Fl. 374/375 (atenção para a nota de rodapé 51) – Platão (Leis IV 715e e 714d e República
VI 500c) – “Bem é Deus, que é para nós a medida (metron) de todas as coisas; muito mais
do que, como dizem [ os sofistas notadamente Pitágoras], o Homem.”

Nota de rodapé 53 – Aquino, na Suma contra os Gentios, III, cc, 114-18,usa de modo
indiscriminado o termo “Lei Divina”, que abarcaria o que, na Suma Teológica, teve a
acuidade de especificar três níveis: lex aeterna, lex naturalis e lex divina.

Razoabilidade prática em Platão e Aristóteles (República II, 383c.; VI, 500; VII 540a.);
objetividade adquirida pela Razão Prática. (República, VI 504b, 508b,c)

Amizade entre Deus e o Homem em Aristóteles (ver notas de rodapé 59 e 60) em fl. 376.

Prudentia e razoabilidade prática na obra de São Tomás de Aquino: 64 I-II, q.57, aa 4-6; q.
65. a. 1; I-II, q. 47.

Florescimento humano em São Tomás de Aquino – Beatituto 65 I-II,qq. 1-5.

Aquino: participatio legis aeternae in rationali creatura (participação da Lei Eterna nas
criaturas racionais).

Fls. 377: “A noção de Tomás de lei natural como participação na Lei Eterna não passa de
uma aplicação direta de sua teoria geral da causa e de operação do entendimento humano
em qualquer campo de investigação. Suas bases para essa inferência são o poder do insight
humano e a imperfeição da inteligência humana.
Nota de rodapé 71, fl. 378 “(...) Tomás está defendendo que a razoabilidade é o padrão de
julgamento moral porque nossa razão prática participa da Lei Eterna, o padrão primrio”.
[ referencias: ST. I-II, q. 91, a. 2c; q. 93, a. 3].

43
Procurar em Tomás ou Finnis alguma descrição dos “princípios gerais da razoabilidade
prática”.

Teoria Tomista da Participação” – Fl. 380.

Fl. 380 – “ A exposição da fonte da lei natural, portanto, se concentra primeiramente nos
dinamismos experimentados de nossa natureza, e depois, nos princípios inteligíveis que
delineiam os aspectos do florescimento humano, os valores básicos apreendidos pelo
entendimento humnano. Uma página depois, Tomás formula um dos princípios teóricos
fundamentais de sua exposição do conteúdo da lei natural todas as coisas para as quais o
homem tem sua inclinação natural, a razão da pessoa naturalmente entende como boas (e,
portanto, a serem perseguidas) e seus opostos (a serem evitadas). Certamente é possível
levantar a questão: De onde vem este paralelismo, esta adequação, esta convenientia, entre
inclinações sentidas e aspectos valiosos do bem estar humano? E é fácil ver qual teria sido a
resposta de Tomás a esta pergunta se ele tivesse se dado ao trabalho de formulá-la”.

Aléxis E. Wallin critica Finnis no texto Incomensurable Goods.

Rio, 13 de junho de 2011.

Lendo a dissertação de mestrado de Elton Somesi, resolvi já transcrever trechos em que


esse produtivo estudante de Finnis traz as diferentes abordagens sobre os termos ius e lex,
realizadas por Finnis e Villey, a partir sua utilização por São Tomás de Aquino - Fls(40/41).

Começando por Villey, esse autor considera lex como norma de conduta, ao passo que ius
seria a técnica de partilhar de modo justo ( regle du juste partage) as coisas dentre seus
titulares (sum cuique tribuere).

44
Finnis, por seu turno entende que a norma é o caso central (ele não tem a preocupação de
Villey em destacara o papel do jurista na aferição do que seria justo ou não. Ele parte o ius
ou o justo apareceria no estudo do jurista na medida em que estaria ligado à lei positiva
como significado focal – e não defectivamente num caso periférico que passa a
consubstanciar uma lei injusta -, que é expressão da razoabilidade prática.

Finnis e outro jusntauralista de renome concordam que tanto a lei como o direito devem ser
objetos de estudo da filosofia do direito ou jurisprudence. Ambos também estão de acordo
de que o objeto que se deve estudar em primeiro plano é a LEI.22

Segundo Somesi, Finnis teria como preocupação seguir a esteira de Tomas de Aquino e
defender uma mesma visão de direito natural, preocupação que passa ao largo de
kalinowiski.

A) o direito natural pe um direito discutível (Somensi, pág. 43)

Hart trata do direito natural no capítulo IX do seu “Conceito de Direito” 23 e, apesar de se


pautar no direito natural clássico, ainda assim seria um crítico em relação à ideia de fim e
bem humano [será que aqui estaria de acordo com Finnis de que o direito natural não pode
ter por base uma suposta “natureza” humana?].

Hart afirmara que “ a teoria do direito natural em todas as suas roupagens protéicas tenta
asseverar que os seres humanos são igualmente dedicados e concordes a suas concepções e
objetivos (a busca do conhecimento, justiça para seus semelhantes) outros que não o da
sobrevivência”24. Finnis critica essa posição de Hart, sustentando ignorar teóricos do direito

22
KALINOWSKI, Georges. “El Concepto del Derecho”. In Concepto, fundamento e concreción del derecho.. Tradução
Carlos I. MASSINI CORREAS. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1982, apud LEGARRE, Santiago El Conceppto del
Derecho en John Finnis. In persona y Derecho, Pamplona, v. 10, pp. 67087, 1999.
23
FINNIS, J. Lei Natural e Direito Naturais. São Leopoldo: Unisinos, 2007. p.41 (há uma citação a Leo
Strauss)
24
HART, H.L.A. “Positivism and Separation of Law and Morals” (1958) 71 Harvard Law Review,
reimpresso em Dworkin (ed), “Philosophy of Law” (Oxford):1977), 17 na p. 36. apud , LNDN, p. 40/41.

45
natural que alguma vez tivesse feito essa assertiva. Os teóricos clássicos do direito natural
teriam, segundo Finnis, sido unânimes em considerar que os homens não se dedicam à
buscas dos bens considerados básicos com igual intensidade. Não haveria entre os
indivíduos, de acordo com esses teóricos, consenso quanto ao grau de interesse por cada um
desses bens básicos e até mesmo quanto à justiça. Levando-se em conta o pensamento de
Aquino, à guisa de ilustração, o mais próximo que teria chegado do que Hart afirma ser
categoricamente a concepção de direito natural dos seus teóricos, seria quando afirma que
os comuníssima (princípios mais gerais) não seriam tanto preceitos, mas por assim dizer,
fins [ou propósitos – nota de Finnis] dos preceitos.25

Finnis, mesmo inovando segue o ponto mais consistente da doutrina de Aquino acerca do
que seria direito natural [conquanto Tomás seguisse basicamente as conclusões da
patrística]. O primeiro princípio, dentre outros da lei natural, que se deve destacar é o da
comuníssima (ST (I-II), q.94 a.6.]. não se tratam de princípios na concepção mais rígida
dessa noção, mas do objetivo ou do escopo dos preceitos da lei natural, que declaram as
formas básicas do bem humano e podem ser reconhecidos por todos aqueles que tenham
maturidade e experiência de vida para exercitarem a razão e saberem a que eles dizem
respeito. A que eles se referem.

Finnis vai denominar os comuníssima26 como “bens básicos”. Seria, segundo nosso autor,
insofismável que, qualquer indivíduo, independentemente da cultura que esteja inserido, e
do momento histórico que vivencia, consegue identificar com bens (valores a serem
cultivados) a vida, o conhecimento, a amizade/companheirismo, a prole (offspring) e outros
aspectos básicos da existência humana.27

Essa assertiva não quer dizer que indivíduos e civilizações inteiras não possam ter uma
visão distorcida desses bens e não cultivá-los. [trago, como exemplo, os vikings, cujas
tribos inteiras viveram por certos períodos da pilhagem de outros povos].

25
ST, I-II, q.100, a.11d. ver também q. 90, a.2 ad 1.
26
ST. I-II, q. 100, a.11 “…” (seriam princípios mais gerais – p.41, LNDN -
27
FINNIS, J. Lei Natural e Direito Naturais. São Leopoldo: Unisinos, 2007. p.41.

46
Ver p. 42, LNDN- Julius Stone discerniu três “problemas decisivos”, entre positivismo e o
direito natural: coloca a questão de se o que eles [justnaturalistas] asseveram ser evidente
por si mesmo é [ou deveria ser? – Finnis] reconhecido verdadeiro por todos.

Finnis destaca que Aristóteles já naquela época advertia que a ética é algo que só pode ser
discutida por pessoas maduras e inteligentes. (fl. 43 – LNDN).

Fl 43 e ss (Somensi): Aquino faz a distinção entre três campos da Lei Natural: 1)


comunnissma (campo mais geral que declaram as formas básicas do bem humano); 2)
implicações morais mais elementares e mais facilmente reconhecíveis daqueles princípios
primeiros e podem ser conhecidos por todos pelo simples uso da razão; 3) composto por
todas aquelas questões que só podem ser respondidas por sábios e que as considera de
modo minucioso, com agudeza.

Somensi na fl 45 bem observa que os bens básicos são aptos de ser conhecidos por todos
por serem auto-evidentes, mas que essa assertiva não é dizer que todos de fato vão conhecer
esses bens básicos. (LNDN, fl 72, quando Finnis trata no item III.4 sobre o conhecimento).

Somensi fl. 45, item B – o fundamento jusnaturalista da validade jurídica

É preciso distinguir o objeto do estudo e as teorias acerca desse objeto estudado. Existem
princípios do direito natural e isto é inegável, mesmo quando não se tem conhecimento
disso, da mesma forma que existem princípios da contabilidade desconhecidos ou mal
interpretados em outras eras.

Obs: [lendo a fl 31 do LNDN, confirmei minhas impressões acerca do que seria o


pensamento de Finnis quanto aos protagonistas do direito (natural). Não seriam os juízes ou
os legisladores, mas todos que são afetados por ele, ou seja, todos os cidadãos.

Finnis, segundo Somensi (fl. 46) não quer debater as teorias do direito natural, mas
explicitar essa realidade (que seria indiscutível) que é o direito natural. A dissertação de

47
Somensi, por seu turno é sobre a teoria do direito natural propugnada por Finnis, no que ela
se refere à questão do Bem Comum.

Fl. 40, Finnis: reflete que o direito natural está ligado à razoabilidade prática e não ao
idealismo. Essa questão será mais bem desenvolvida no capítulo X.1.

Somensi (fl. 46) comenta que Finnis defende uma teoria que preconiza que o direito natural
seria capaz de fundamentar racionalmente o julgamento moral (ver fl. 38 LNDN). Há uma
questão de suma importância que é a de tornar as premissas metodológicas de ambas as
teorias do direito.

Finnis segundo Somensi (fl 47) não se opõe à metodologia dos positivistas contemporâneos
para afirmar a importância do direito natural. Finnis critica a concepção de Kelsen sobre o
direito natural, uma vez que insiste na visão que o jusnaturalismo incorre na “Lei de
Hume”. (“A justiça e o direito natural”, p. 157, 96-136). Kelsen critica o jusnaturalismo
afirmando que seus teóricos ao defenderem que o direito natural fundamenta o direito
positivo por delegação caem em uma impossibilidade de ordem lógica. Kelsen diz que se
na origem está validade jurídica, logo estaria na autoridade que diz o que é justo: a validade
da norma decorreria de um “querer” e não de um “conhecer” [voluntarismo]. Não havendo
limitações à validade material do direito positivo, este, o delegado, poderia substituir o
“direito natural” ou ir além dele.

Finnis critica a conclusão de Kelsen uma vez que a delegação defendida pelos teóricos do
direito natural não é incondicional.

Somensi fl. 50 – Finnis afirma que kelsen se equivoca também ao classificar o direito
natural como uma teoria jurídica idealista em contraposição a teoria jurídica realista,
representada pelo direito positivo [aqui deve-se a atentar para o realismo jurídico de
Villey]. Finnis procura demonstrar que o direito natural pretende expressar reflexivamente
as exigências e os ideais da razoabilidade pratica. A justiça não seria um ideal, mas uma
conseqüência da razoabilidade prática.

48
A validade jurídica de uma norma, conforme Finnis, não significa estar em consonância
com o direito natural. Este representa a ordem natural das coisas e tem um liame com o
direito positivo. Entretanto, o direito positivo emana de opções tomadas socialmente, dentre
as várias possibilidades contidas na ordem natural. O direito positivo tem por fim ordenar
as relações sociais no seio de uma comunidade determinada.

Finnis, fl 43, in fine. Aquino não indica quais seriam os princípios pré-morais (e evidentes
por si próprios) que mais tarde chamará de comuiíssima.

Finnis, fl. 44 – resposta a uma das três perguntas de Julius Stones sobre o direito natural: os
teóricos clássicos do direito natural não incidiram na “Falácia Naturalística”. Finnis afirma
categoricamente que não. Fl. 44/45 Finnis afirma que diz que não é verdade que “qualquer
forma de teoria da moral baseada no direito natural acarreta a crença de que proposições a
respeito dos deveres e das obrigações do homem podem ser inferidas de proposições a
respeito da natureza”. São Tomás de Aquino assevera que os princípios do direito natural,
que especificam as formas básicas do bem e do mal e que podem ser adequadamente
apreendidos por qualquer um que tenha atingido a idade da razão (e não apenas pelos
metafísicos), são de per se nota ( evidentes por si mesmos) e indemonstráveis. Eles não são
inferidos de princípios especulativos não inferidos de fatos. Não são inferidos de
proposições metafísicas sobre a natureza humana, ou sobre a natureza do bem e do mal, ou
sobre a “função de um ser humano”, nem são inferidos de uma concepção teleológica da
natureza28 ou de qualquer outra concepção da natureza. Não são inferíveis ou derivados de
coisa alguma. São não-derivados (embora não sejam inatos). Princípios de certo e errado
também são derivados desses primeiros princípios pré-morais de razoabilidade prática e
não de quaisquer fatos, sejam metafísicos ou quaisquer outros.
O’connor identifica um defeito relevante na teoria de São Tomás de Aquino: Tomás não
consegue explicar “exatamente como se pode demonstrar que as regras morais especificas
de que precisamos para guiar a nossa conduta estão conectadas com princípios
presumivelmente evidentes por si mesmos” (Finnis vai tentar explicar isso no capítulo V de

28
Pace Strauss, Natural Right and History, PP.7-8 e Hart, Concepto of Law, PP. 182-7.

49
seu LNDN). Mas a proposição de que a exposição de direito natural de são Tomás propõe
uma inferência ilícita de “ser” para “dever-ser” não é justificada. (fl. 46). Não se sabe como
se tornou popular essa crítica à doutrina de São Tomás de Aquino. (ver nota de rodapé nº 39
de fl. 46) . Nessa mesma página Finnis lança nos estóicos os motivos pelos quais os essa
distorção foi levada a efeito e que teria influído os renascentista. [reputo que nesse ponto
Finnis entre em acordo com Villey que, pelo que me recordo chega à mesma conclusão –
mas isso merece uma analise mais criteriosa e acurada, não podendo se esquecer da atuação
de Suarez, Vasquez e Vitória nesse processo – se é que houve – de distorção do direito
natural preconizado por são Tomás de Aquino.

A despeito de algumas considerações de Aquino sobre a natureza humana e determinados


vícios que delas decorreriam ele é muito criterioso para deixar claro o que quer dizer sua
ordem de prioridades explanatórias. O critério de conformidade ou oposição à natureza
humana é a razoabilidade. (ver nota de rodapé nº 41 –fls. 47. LNDN).

A distinção aristotélica feita entre razão pratica e razão especulativa corresponde bem a
distinção moderna – mas não apenas moderna – entre fato de norma: “ser” e “dever-ser”.
Talvez isso explique, segundo Finnis, o histórico descaso despendido por diversos teóricos
que detrataram o direito natural (LNDN, FL. 47).

Item II.5 – Hume e Clarke: : “ser” e “dever-ser”

Neste item, Finnis faz uma crítica a Hume que desdenha da teoria do direito natural
apontando que os pensadores a ela vinculados incorreriam na chamada “Lei de Hume”, que
seria uma crítica ao direito natural imputando-lhe a pecha de um argumento falacioso.

Segundo Adrian (fl. 199), Aquino não elaborou sua teoria de direito natural
com suporte na natureza humana em suas manifestações empíricas, mas no que Finnis veio
denominar “Princípios da Razoabilidade Prática”, o que não vai de encontra a tese de Hume
no “Tratado da Natureza Humana”:

50
Hume's is/ought argument can be found in a much quoted passage inA
Treatise of Human Nature (173940):'In every system of morality, which I
have hitherto met with, I have always remark'd, that the author proceeds
for some time in the ordinary way ofreasoning, and establishes the being
of a God, or makes observations concerning human affairs; when all ofa
sudden I am surpriz'd to find, that instead ofthe usual copulations
ofpropositions, is, and is not, I meet with no proposition that is not
connected with an ought or an ought not. This last change is
imperceptible; but is, however, ofthe last consequence. For as this ought,
or ought not, expresses some new relation or
affirmation, 'tis necessary that it should be observed and explain'd; and at
the same time that a reason should be given, for what seems altogether
inconceivable, how this relation can be a deduction from others, which are
entirely different from it. But as authors do not commonly use this
precaution, I shall presume to recommend it to readers; and am persuaded,
that this small attention wou'd subvert all the vulgar systems of morality,
and let us see, that the distinction of vice and virtue is not founded merely
on the relation ofobjects, nor is perceiv'd by reason.' (David Hume, A
Treatise ofHuman Nature, III.i.l, ed. L.A. Selby-Bigge, 2nd edn rev. P.H.
Nidditch (Oxford, 1978), pp. 469-470. Cited Subsequently as 'Treatise'.)
[Philip Milton
Lecturer in Law, University of Leicester, Legal Studies, 14, 1982)

Fl. 47-8, LNDN – tem essa passagem em português (devemos lembrar tb que Finnis tem
um artigo denominado is/ought to question.

Fl. 48 – Finnis faz uma interpretação acerca do que quer significar essa passagem de Hume.

Na dissertação de Somensi, como não poderia deixar de ser, diante da importância que
nesse ponto existe entre o ponto nodal entre jusnaturalistas e positivistas jurídicos, no item
2.2 o autor destaca de modo acurado a questão da “Falácia Naturalística”, em que se
levanta a questão de um “direito natural” sem natureza, acompanhado de ponto de
exclamação que não deixa de carrear para questão dúvidas e celeumas, típicas quando se
trata de direito natural.

No item A, Somensi, já começa a analisar coma a acuidade típica de autores que buscam de
fato estabelecer as características verdadeiras do que seria o direito natural, segundo seus

51
teóricos clássicos, o que se configuraria de modo mais próximo do que de fato querem
significar a “Lei de Hume” (fl. 50 – dissertação de Somensi).

Neste item volta-se a questão de que normas éticas não podem derivar a partir de fatos.
(is/ought to question). Finnis é categoricamanente contra essa derivação, malgrado possa
haver jusnaturalistas que a defendem (penso que Villey em(quadra-se nessa categoria) e
com certeza é a munição mais utilizada contra o direito natural. (fl. 51)

Nesse ponto, é imperioso destacar que, segundo Finnis , o próprio Tomás de Aquino,
também nunca postulou essa inferência do “dever” a partir do “ ser” ( ought/is question).

Mas adiante, segundo Somensi, em sua dissertação será dada uma explicação, com base
direta na teoria de Finnis acerca de uma visão a partir das “ordens de conhecimento”, que
também se opõe ao uso dessa “Lei de Hume”. Hume, marcou de modo profundo o
pensamento inglês ao fazer a assertiva acima transcrita literalmente que consta do Tratado
da Natureza Humana. Somensi diz expressamente que corrente majoritária dos teóricos
jusnaturalistas fazem uso dessa operação lógica (ou falaciosa) para fundamentar seu
entendimento acerca do direito natural.

Na parte final da fl. 51 da dissertação de Somensi, o autor revela que Finnis chega a dar
razão à crítica feita por Hume. Entretanto, diverge quanto aos destinatários dessa crítica,
que não compreenderiam os teóricos clássicos do direito natural, mas apenas os teóricos
modernos que, de acordo com as suas teorias, levariam sim à conclusão de que de uma
premissa não-valorativa poderia-se chegar a uma conclusão valorativa (o que, conforme
Finnis não seria possível). Ademais, de acordo com a concepção finnisiana essa assertiva de
Hume atacaria os racionalistas do século xviii, que afirmariam que a percepção racional das
qualidades morais da ação poderia por si só prover um motivo (motivading guide) para a
ação.

Isso será tratado de modo mais acurado por Finnis quando ele trata do Bem Comum: “O
primeiro aspecto do bem comum e a idéia de bem” (ver item 1.2, B). Segundo Somensi,

52
crítica de Hume se dirigiria contra a afirmação expressada por Samuel Clarke (que por seu
turno se inspiraria diretamente em Hugo Grotius), segundo a qual a virtude decorreria da
sua conformidade com a razão que - por si própria, sem a interferência e outro fator mental
qualquer, como consciência, senso moral e outros sentimentos que compartilham emoções e
sensações suportadas por outrem – seria capaz de distinguir entre o bem e o mal de natureza
mora. Conforme entende Somensi, Grotius reputa ser possível aferir o certo e o errado no
âmbito moral com a utilização do direito natura – ditado pela reta razão - como instrumento
desse conhecimento. (ver com atenção as divergências entre Clarke e Grotius,
destacadamente no que diz respeito à vontade superior (Somensi. Fl. 53).

Finnis entende procedente a crítica de Hume a Clarke, a Grotius e oa jusnaturalistas do


século XVIII – Suarez, Vazquez (Somensi fl. 53), sem contudo serem aplicáveis aos
jusnaturalistas clássicos como Aristóteles e São Tomás de Aquino. (buscar no Lei Natural e
Direitos Naturais esta passagem).

Ver questão 94, artigo 2º da Suma Teológica de Aquino. Finnis teoria se perfilhado a
Germain Grizes que , no seu artigo Primeiro Princípio da Razão Prática esposa que é
possível fundamentar racionalmente os julgamentos morais sem que fosse necessário se
recorrer à natureza humana. Há, no entanto, setores tomistas que continuam a apregoar
que Aquino fundamenta o direito natural na natureza humana. (ver fl. 54, Somensi, in fine).
Nesta mesma parte de sua dissertação o autor afirma que Finnis vai buscar sustentação nas
“ordens do conhecimento”, para afastar Aquino da vinculação do direito natural à natureza
humana.

Item B – fl. 54 e SS de Somensi: quatro “ordens de conhecimento”. Cabe aqui observar que
Finnis, da mesma maneira que Aquino reputa existir uma natureza humana que, se fossem
diferentes dos que são, alterariam, via de conseqüência os deveres compreendidos na Lei
Natural. Para Finnis, a natureza determina o agir correto, mas a ação humana não está em
função do conhecimento que a pessoa tenha desta natureza. Por conta dessa sua concepção
Finnis traz á tona as quatro ordens de conhecimento elaboradas por Aristóteles e adotada
por São Tomás de Aquino. (ver fl. 55 de Somensi). Essa página 55 é de suma importância

53
para analisar o trabalho de Finnis que tem como eixo do direito natural a
razoabilidade prática que se presta como bem básico e concomitantemente como
requisito para a sua aferição e comensuração, classificando-a também como requisito
ou pressuposto dos bens básicos, de modo que sejam observados criteriosamente. 29

As quatro ordens de conhecimento: 1. ordem natural (rerum naturalium); 2) ordem lógica


(pertinente a ordenação do próprio pensamento); 3. ordem prática ou moral e; 4. ordem
técnica ou produtiva (campo da técnica e da tecnologia).

Kant, segundo Somensi, confundiria a ordem natural com a ordem lógica. Ainda nesse
âmbito, o autor comentado afirma que os jusnaturalistas modernos confundiriam, ao
fundamentar a ética na natureza humana, ordem natural com ordem moral. Somensi
reconhece que há uma interação entre as quatro ordens, mas isso não pode significar que
uma possa se reduzir em outra.

Para Finnis, segundo Somensi, para se averiguar a forma como se procede uma ação, deve-
se fundamentar no agir e não no ser (fl. 56).

Finnis propõe uma interpretação de são tomas de Aquino acerca do que seria virtude ou
vício a partir do que seria razoável. Para tanto propõe sete bens básicos e os princípios
primeiros da ordem pratica que nos proporcionaria saber o que é o correto e também agir de
acordo com essa correção.

PASSO AGORA A FAZER UM RESUMO DO LIVRO DE FINNIS DIREITO NATURAL


EM TOMÁS DE AQUINO – Uma reinserção no contexto do juspositivismo analítico. Cabe
o registro de que este livro foi revisto por Somensi.

29
Finnis, J. Aquinas...P. 21-2.

54
Fl. 24 – felicitas – felicidade ou floscemento humano é viver conforme a razão e, portanto,
vinculado à virtude.
Função distintiva- foco errado para uma posição metafísica – fl.25.
Fl. 26 – perfecta beatitudo e eudaimonia.

PRIMEIROS PRINCÍPIOS DA RAZÃO PRÁTICA (Fl. 29 e SS.)

Razão num sentido mais elastecido seria a aptidão para insights inteligentes dos dados da
experiência. (fl. 29). A razoabilidade está relacionada como o problema consubstanciado
no que fazer e não no que as coisas são (razão teórica ou especulativa). Praxis em grego
significa actio em latim, que, por sua vez em nosso idioma está relacionado a escolha de
agir de acordo com as contingências apresentadas. A razão prática condiz com proposições
que atinem a que tipo de ação o indivíduo concebe como correta e que lhe motive a
perseguir ou que entende ser indesejável, afastando-a de sua gama de escolhas que lhe é
apresentada. (fl. 29).

“A atividade central da razão prática é a deliberação a respeito do que fazer” (f. 30).

Na fl. 31. Finnis faz as distinções entre intenção, escolha e descrição da ação (item 2.1.1.).
Esse escopo do direito natural, fincado na razão prática demonstra que Aquino e Finnis e,
pelo que tenho visto, Aristóteles não incorrerram na “Falácia Naturalística” humeana.

Na fl. 33 após fazer algumas considerações a respeito das características da razão prática e
de seus efeitos quanto ao destino que ela faz uso, passa a tratar no item 2.3 da questão da
origem do “dever”, tema que, talvez, seja um dos mais tormentosos da filosofia do direito.
Neste item, Finnis destaca o primeiro princípio da razão prática que, além da pretensão de
ser absoluto, traz consigo a característica de ser forma, ou seja, de que não é preenchido por
um conteúdo. Aqui ele se refere, como uma referencia ao princípio lógico da não
contradição. E pondera que ambos os princípios teriam com atributos a expressão de
contrição da razão. Na sequência, afirma que serve de base e estrutura para outros principio
da razão pratica que estão a ele relacionado ou inferíveis. Trata-se do primeiro princípio da

55
razão prática (Germain Grisez) de que: “o bem é para ser perseguido e feito, e o mal
evitado”. As simplificações desse princípio seriam problemática uma vez que o gerundivo
“é-para-ser” não é nem imperativo nem predicativo, mas racionalmente diretivo. – um
dever – no sentido de que toma seu pleno desenvolvimento, seu sentido e normatividade
centrais no dever dos padrões morais mais específicos.

Item 2.4.1 – os primeiros princípios substantivos da razão prática seriam conhecidos apenas
pelo insight (intellectus) dos dados da experiência (aqui causalidade e inclinação). Essa
seria a concepção de Aquino.

Item 4.4.4 – JUSTIÇA. Fl. 55 – A justiça é a vontade constante e perpétua de dar aos
outros o que é deles (seus direitos: ius suum). Nesta questão Aquino segue a concepção
romana de direito (ST II-II, q. 58 a. 1c) e com a divisão aristotélica da justiça em
distributiva ( o julgamento bom a respeito de como dividir e distribuir benefícios e ônus
totais ou estabelecer de uma maneira que seja justa, porque guiados critérios apropriados) e,
o que Aquino chama de comutativa (o bom julgamento que vai mais além do que a justiça
“corretiva” de Aristóteles e se refere a todos os tipos restantes das transações entre pessoas.

Darei aqui um salto na análise da obra tratada em razão da premência de verificar a


abordagem de Finnis acerca do direito positivo e dos pontos em que diferiria do direito
natural, numa visão contemporânea dessa dicotomia. Não se pode olvidar que estamos
analisando uma ora que aborda o pensamento de Aquino, embora conste comentários do
autor acerca da teoria de São Tomás.

Fl. 63 – O ESTADO: UMA “COMUNIDADE COMPLETA” COM GOVERNO “MISTO”


E “LIMITADO”.

Item 6.1. Quatro tipos de limitação no governo e na lei do Estado

1- o governo e as leis do Estado são sujeitos aos padrões morais, especialmente, mas
não exclusivamente aos princípios e normas da justiça;

56
2- o governo estatal está sujeito a leis que regem a eleição ou outra forma de escolha,
mandato e a rotatividade do governo, e a jurisdição de determinados órgãos. Neste
item há as considerações de Aquino acerca das vantagens do governo misto
(monarquia, aristocracia e democracia”;
3- os governantes e leis do Estado têm autoridade e o dever de promover e defender o
bem comum, incluindo o bem da virtude. Esta obrigação traz consigo o poder
coercitivo que é inerente à autoridade de que se investe o soberano. Ao contrário da
lei divina, “a finalidade da lei humana é a tranqüilidade temporal do Estado, um
propósito que a lei alcança pela coercitividade proibindo atos externos de extensão
de que estes males podem perturbar a situação pacífica do Estado (ST I-II q. 98 a.
1c, do mesmo modo q. 100 a. 2c.: “lei humana nenhuma não estabelece preceitos
para além de qualquer coisa à exceção dos atos de justiça [e injustiça];
4- a autoridade moralmente significativa do governo e da lei estatais é limitada pelo
direito da Igreja. Apesar de que quando este governo e lei estão dentro de seu
domínio próprio, dever-se-ia observar suas diretrizes antes de qualquer ato de
administração ou governo (salvo o ensino moral geral) pretendido pelo Papa ou
bispos.

No item 6.2., há referencia ao direito de resistência defendido por Aquino (ius repugnandi),
que, todavia não é esmiuçado e tratado de uma forma bem superficial (fl. 65).
Tomás de Aquino apregoa que o poder de estipular as leis é de tota multitudo, livre,
portanto, libera multitudo.

A partir do item 7, penso que o tema passa a coincidir com o tema da dissertação, pois
verificaria em que ponto o direito positivo se distingue do direito natural e, em que ponto, o
contraria a ponto de autorizar, se é que autoriza a sua desobediência. Como se daria essa
obediência: quais parâmetros poderiam ser utilizados sem o risco de ser cair e casuísmo e
descambarmos para a anarquia e o autoritarismo.

Item 7 – LEI – fl. 71.

57
Finnis destaca que é a parte mais bem desenvolvida da teoria política de Aquino e que
poderiam ser reduzidas a quatro proposições a respeito do caso (significado) focal
específico da lei. Ela é uma questão de orientação inteligente endereçada à inteligência e à
razão daqueles a quem conduz. Ela é para o bem comum de uma comunidade política. É
feita (positivum, estabelecida) pelos legisladores responsáveis pela comunidade em questão
e precisa ser coercitiva. [aqui parece estar bem claro prestígio despendido por Aquino ao
direito positivo, aqui especificamente na sua vertente de lei].

7.1 – A lei é um apelo á razão

Aquino estabeleceu uma discussão célebre a respeito da lei na ST I-II qq. 90/97 (que se
estende ainda que de maneira mais sutil nas qq. 98-105).

7.2 – A lei é para o bem comum de uma comunidade política

Aquino propõe uma definição de lei na ST I-II q. 90 q. 1: “é uma ordenação da razão para o
bem comum de uma comunidade (completa) promulgada pela pessoa ou corpo de
responsáveis por cuidar da comunidade”. Apensas quando os legisladores têm de fato vistas
a priorizar o bem comum, podem figurar como o caso central de governo.

7.2.1 – O império do do Direito (Rule of Law) – fl. 73.

Neste item Finnis, citando Aquino observa que o caso central de governo é o governo de
um povo livre, e lei está centralmente entendida, quando seu caráter publico pleno
(promulgação), claridade, generalidade, estabilidade, viabilidade e quando ela possibilita ao
governo e aos súditos serem parceiros em razão publica. As características da lei para
Aquino coincidem com o conceito de império do direito cuja prioridade é dada
insofismavelmente por ele sobre as regras dos homens em seu tratamento da subordinação
dos juízes à legislação e de seu dever de aderir à lei mesmo contra a evidencia de seus
próprios olhos [aqui não teria elementos do formalismo defendido por autores como

58
Schauer (quando esta evidencia não legalmente admissível – ST II-II q. 67 a.2; q. 64 a. 6 ad
3.

7.3 A lei é positivada pela autoridade responsável

Para Aquino, toda lei humana é positivada. Essa classificação se estende para a
interpretação que dá o sentido e o alcance da lei, em última análise. A lei costumeira, por
ser humana, não seria incompatível com este entendimento e seria inserida na categoria de
lei positiva, pois equivale a lei produzida diretamente pelo povo. Sua autoridade, apesar de
difusa é conferida pela própria comunidade que lhe atribuí também responsabilidade
respectiva. [aqui pode se notar que Finnis atribui a Aquino uma elevada consideração à
autoridade humana e seu produto de coordenação social que seria o direito positivo,
corporificado na lei e nos seus consectários. Chamo a atenção aqui para a formulação de
Finnis no Lei Natural e Direitos Naturais de que a autoridade seria aquela pessoa ou grupo
de pessoas capazes de solucionar os problemas de coordenação entre os diversos setores de
uma comunidade].
Aquino, neste item salienta que é necessária uma determinatio autoritativa (ST I q. 96 a. 4)
para implementar o somatório de políticas e ações comuns serem implementadas por um
grupo, cujos membros possuem diversas idéias distintas que podem ser muito boas, mas
que para se efetivarem dependem de uma ordem prioridades e formas de procedimento[ta aí
o problema de coordenação que só a autoridade delegatória tende a resolver].

Finnis afirma, analisando os ensinamentos de Tomás de Aquino que uma determinatio para
ser justa e apta a ser autoritativa, deve possuir uma conexão racional com os princípios da
razoabilidade prática. Há aqui, apesar de uma restrição aos “termos da comissão” , sempre
há uma abertura para que se desenvolva uma escolha.

7.4 A lei necessita ser coercitiva

Segundo Aquino, a coercitividade é uma característica da lei, embora a coercitividade não


esteja presente no seu conceito de lei.

59
Aquino inspirou Finnis no que tange à necessidade da punição, que visa a compensara
aqueles que contiveram sua liberdade plena em respeito ao bem comum, ao passo que
outros violaram os ditames do bem comum em causa própria com o fito de obter vantagens
espúrias. Há uma punição que assumiria o caráter de uma compensação restauratória.
Daria-se aqui o Aquino designa de função “medicinal” da punição.

7.5 Lei injusta e revolução justa

Desobediência civil em Aquino ST I-II q. 96 a.4

Todos os que governam no interesse deles próprios [ e de seu grupo] são tiranos. (fl.76).
Tratar seus súditos como escravos.

PARTE II DO LIVRO ORA TRATADO: Teoria do Direito Natural –FL. 83.

Tomás de Aquino, como todo o jusnaturalista, concebe o caráter dicotômico do direito.


Com efeito, não nega a existência do direito positivo. Todavia, não admite, ao reverso, a
inexistência do direito natural.

Proposição: “leis injustas não são leis” [o que será que Aquino e Finnis pensam sobre essa
assertiva tão elouquente.

1 – POSSIBILITANDO A POSITIVIDADE: FATOS SOCIAIS CONSTITÍRAM RAZÕES


PARA AÇÕES.

Neste item, que vem sendo desenvolvido na fl. 87, é colocado logo em relevo o problema
de que a lei é um instituto moralmente problemático. E, mesmo assim, os teóricos do direito
natural de uma forma geral se questionam acerca de como e por que o direito, sua
positivação na legislação, decisões judiciais e costumes, dão aos seus súditos [vou preferir

60
aqui destinatários] razões adequadas para agir de acordo consigo? Como pode a validade,
sua faticidade ou a eficácia como fenômeno social de uma regra, um julgamento ou uma
instituição jurídica (“formal”, “sistêmica”) torná-la autoritativa na deliberação de seus
súditos [destinatários].

O primeiro tema que Aquino examina a respeito da lei humana na parte de sua obra em que
assenta sua discussão sobre a lei (ST I-II, q.95 a., é se a lei humana (lei positiva) é benéfica
– ou seja, não poderíamos fazer melhor com exortações e advertencias, ou com juízes
designado simplesmente que “se faça justiça”, ou com os líderes sábios regulando como
eles consideram que seja conveniente?

Os teóricos do direito natural, malgrado entendam ser a lei moralmente problemática,


consideram que ela é um remédio para os grandes males sociais como a anarquia e a tirania.
Este último mal ordinariamente utiliza a lei como instrumento que legitime seus atos em
favor do grupo dominante, conferindo uma roupagem de autoridade a algo que não passa de
autoritarismo. Com efeito, para os defensores não bastam leis. É imperiosa a vontade dos
detentores do poder e das instituições dispostas ao seus serviços de agir de acordo com os
deveres morais que, por seu turno devem preencher o conteúdo das leis e princípios.

1.1. As razões básicas para a ação e a necessidade da autoridade governamental

[neste ponto aqui vale relembrar que devo fazer considerações acerca do que seja
razão, especificando de modo razão prática e razoabilidade prática, bem como
explicar o que seria racionalismo, razoabilidade etc.]

Na fl.88, já consta uma definição do que seja raciocínio prático: “raciocínio em direção da
escolha e da ação”.

A teoria do direito natural dá uma descrição do sentido em que os primeiros princípios do


raciocínio prático assumem uma força moral por serem considerados, não um a um, mas
em sua diretividadde unida (“integral”), que confere uma articulação específica (se bem que

61
extremamente geral) nos princípios, assim, como a ordem de amar o próximo como a si
mesmo; ou a Regra de Ouro de se fazer aos outros o que gostaríamos que nos fizessem.

Assim também se estaria dando uma articulação aos imperativos categóricos d respeitar e
tratar como intrinsecamente valorosa a humanidade (os aspectos básicos do florescimento
humano) em si mesmo e os outros, de modo que cada um dos membros de sua comunidade
seja tratado como em um reino de fins – de pessoas, em que cada uma seria um fim em si
mesma [aqui o pensamento é de Finnis e está de pleno acordo com os paradigmas da
modernidade e do iluminismo kantiano].

Na fl. 89 – Finnis fala claramente em certas características da realidade humana


amplamente estáveis.

Finnis volta falar aqui do que Aquino chama de determinationes que seria uma seleção
entre especificações alternativas. As comunidades políticas seriam um tipo de instituição
cujo status racional tendo como um objetivo normalmente desejável e obrigatório para
ações (e abstenções) colaborativas, pode ser vista facilmente como decorrência dos
princípios práticos e morais fundamentais. Em tais comunidades o meio normal para fazer
as determinationes necessárias é a insituiçao da autoridade governamental atuando na
primeira instancia com a legislação e outras formas de fazerem-se leis, isto é, agindo como
um “fato social fonte de leis positivas (positivadas).

Os teóricos do direito natural diferem a autoridade pratica da autoridade teórica que seria
formada por especialistas e pessoas de julgamento adequado.

Tanto a teoria política como a jurídica são propugnadoras do exercício da autoridade


governamental das comunidades políticas dentro da estrutura do “império do direito e não
dos homens”.

62
No ponto 1.1., p. 90 - Finnis trata da “lei natural” e da Falácia Naturalística. Devo me ater
somente ao que concerne à lei natural uma vez que já tratei de modo suficiente, creio, essa
questão da falácia naturalística e da lei de Hume.

Segundo Finnis as correntes mais importantes do direito natural querem dizer com a
palavra “natural” a razão. A “lei da razão”, as “exigências da razão”.

Aquino explica que “natural” seria um predicado de algo, somente quando este algo está
conforme a razão, a razão prática ou as exigências da razoabilidade prática.

No item 1.2. A autoridade política como remédio para a anarquia , injustiça e o


empobrecimento, Finnis faz referencia aos textos precursores do direito natural: Minos
(texto platônico ou pseudo-platônico) e os mais fundacionais (como Górgias, Republica e
as Leis de Platão,e a Política de Aristóteles), lembram seus leitores dos males evidentes da
anarquia. (fl.91).

1.3 O império do direito (rue of Law) como remédio para o perigo de se ter
legisladores (fl.93)

Aristóteles (Política III. 15.1286a-IV 4 1292a) debateu de modo vigoroso sobre a questão
se a autoridade política é melhor exercida por um “império (primazia, supremacia) do
direito” ou “império dos homens”, isto é, do melhor, seja uma assembléia democrática ou
mesmo (retórica I 1 1354a32 – b16) de uma corte.

Acaba concluindo que é melhor ter uma lei, pois está estaria de acordo com a razão e não
com as paixões e que a supremacia de um conjunto de homens (corte ou assembléia) tende
à tirania. Com efeito, para Aristóteles o caso central de autoridade prática é o governo da
polis pela lei e pelos legisladores juridicamente regulados.

63
Já Aquino, seugundo Finnis, descreveria a lei positiva como a que trataria o caso central de
governo como o autogoverno,, nos povos livres e pelos legisladores e instituições que estes
povos apontaram para esta finalidade. E o caso central de lei é a coordenação da vontade
dos súditos pela lei que, por seu caráter público (promulgação), claridade, generalidade,
estabilidade e praticabilidade, trata-os como parceiros na razão pratica (ST I-II q. 90 a. 4c;
q 95 a. 3c; q. 96 a. 1; q. 97 a.2). é como se a lei fosse proposições práticas universais (no
sentido lógico de “universal”) concebida pela razão dos legisladores e concebidas pelos
destinatários como se fossem razões para a ação, como se fosse a decisões para cada um
deles tomadas com se fossem julgamento e escolhas pessoais.

Finnis na p. 93, sustenta que Lon Fuller reconheceu a direção imprimida por Aquino de que
os homens seriam governados como homens livres de acordo com a equidade e justiça e
que fundamentalmdente iguais a seus governantes. Consubstanciaria um império de direito
(primauté de droit, Rechtstaat). Não seriam governados como fantoches ou peões por meio
de manipulação, incerteza e medo. Fuller, segundo Finnis, abordou a questão mais sob a
ótica da efetividade do que da justiça sendo criticado por Hart e Dworkin, por exemplo, que
negligenciando as conotações morais das alusões de Fuller à reciprocidade entre
governantes e súditos30, pensaram que o título de seu livro, Moralidade da Lei estivesse
equivocado. Raz e Kramer vão tratar o assunto com outra visão, mais cuidadosa, sobre
outras bases. Raz (1979, PP. 224-6), vais destacar que um estado sob o império da lei pode
ser moralmente neutro e cometer atrocidades. O império da lei seria algo instrumental para
o bom funcionamento de qualquer governo.31

Item 1.4 – ius gentium

30
A primeira destas excelências é a própria existência de regras. Estas também devem ser públicas,
prospectivas, não contraditórias entre si, compreensíveis e estáveis para que as pessoas possam se pautar
por elas. A última excelência que compõe a moralidade interna do direito é a congruência entre as regras e
sua efetiva administração e aplicação. São estas, portanto, as oito “excelências” que compõem a essência
do estado de direito (Fuller, 1969:39).
31
Segundo FINNIS e SIAMONDS o oitavo elemento do estado de direito, a aderência pelos legisladores a
suas próprias regras em sua condução do governo, é especialmente obstrutiva aos propósitos de um tirano, ao
invés de dar seu suporte

64
Finnis afirma que Fuller tratou de um direito natural procedimental e não descartou a
possibilidade de um direito natural com conteúdo. O direito serve para propósitos
substantivos. Os princípios que garantiam a necessidade de proteção dos bens intangíveis,
dos imaturos e deficientes eram conhecidos como ius gentium (literalmente direito dos
povos) termo cunhado por juristas romanos clássicos, como Gaius (165 AC). Estas regras e
princípios seriam encontradas de modo similar senão idênticas em todos as comunidades
conhecidas.

Item 1.5. “A lei puramente positiva”: determinationes e sua autoridade jurídico moral
para os cidadãos e juízes (fatos constituiriam razões para ações)

Segundo Finnis, para Aquino o direito positivo retira seu vigor de sua positivação. Embora
derive de aspectos gerais e princípios do direito natural, atua com certa margem de
liberdade. Haveria no entanto uma conexão racional entre ambos denominado por Aquino
de determinatio. Assim o legislador ao positivar o direito poderia escolher entre as
concretizações alternativas (ver o caput da p. 97).

A regra concretiza pela determinatio é (moral e juridicamente) normativa porque tal


normatividade é (presumida e anulavelmente) acarretada pelo princípio (moral) de que o
bem comum (cujo conteúdo básico é dado pelo princípio fundamental da razão prática. (p.
97, parte final.

As leis puramente positivas que são juridicamente válidas estão (presumida e


anulavelmente) válidas e vinculando moralmente. Significado moral de obrigatoriedade
jurídica.

Desta forma, com relação à lei positiva estabelecida, a teoria do direito natural – como é
reconhecido por alguns positivistas jurídicos, como, por exemplo, Raz (1980, 213) e
Gardner (2001, 227) – compartilha a sua tese principal, ou seja, de que a lei depende para
sai existência e validade os fatos sociais.

65
1.5.1. obrigatoriedade “presumível” e “ anulável”

A obrigação ou obrigatoriedade jurídico-moral de uma regra jurídica é a contraparte da


autoridade ou outra condição autoritativa jurídico-moral de seu autor (promulgador) ou de
outra fonte.

Raz e Hart, abordaram a questão dos tipos de razões para a ação propositalmente dada aos
súditos potencialmente atuantes pelo exercício da autoridade pratica. A idéia nuclear é a de
que os súditos acrescem às razões que já têm para agir em um sentido mais do que o outro,
as razões proferidas (como provisão legal , ou uma ordem jurídica). E este reforço nas
razões de agir, força excludente, peremptória ou preenptiva é devida não à atratividade
inerente ao conteúdo da razão proferida, mas ao status de seu autor ou outra fonte intitulada
– por exemplo seu papel em um esquema constitucional e governo para a solução de
problemas de coordenação de uma comunidade política – a ser obedecida adimplida e
tratada autoritativamente (Raz – 1986, 35-89). Esta independência de conteúdo das razões
autoritativas acarreta sua obrigatoriedade presumida. A anulabilidade desta presunção é
decorrência de sua dependência da força peremptória , preemptiva ou excludente de tais
razões sobre um cenário de necessidade e bens humanos básicos pressupostos e princípios e
normas morais básicas.; um cenário que acarreta que se uma razão supostamente
autoritativa proferida (positivada) conflita de modo suficientemente claro com aquelas
permanentes necessidade , bens, princípios ou normas, sua força excludente é esgotada ou
exaurida e a obrigatoriedade é anulada.

Item 2. CRIATURAS HUMANAS NÃO SÃO CRIATURAS DO DIREITO, MAS O


SEU PROPÓSITO APROPRIADO (fl. 101)

Finnis faz uma digressão sobre a importância que tem o sujeito no direito natural sendo o
seu protagonista. Critica Kelsen, por este entender que as pessoas não poderiam conhecer o
direito, senão o codificado.

66
Item 3. LEIS E PRINCÍPIOS JURIDICOS PARA REMEDIAAR LEIS POSITIVAS
DEFEITUOSAS

3.1 julgando entre o positivismo excludente e includente

A tese positivista de que todas as leis dependem para sua existência, validade e
obrigatoriedade das fontes fático-sociais é frequentemente acompanhada, como no
“juspositivismo excludente” de Raz (1980, 212-24, 1985) pela tese de que os juízes,
como instâncias primárias de aplicação da lei, têm o dever de decidir certos tipos de casos
(por exemplo, casos nos quais a regra jurídica existente causaria injustiça, se a
empregassem) pela aplicação de princípios ou regras morais que autorizem a emenda
ou mesmo o abandono do direito existente. “Positivistas jurídicos includentes”
moderam isto pela aceitação de que o dever de autorização judicial para sair das leis
existentes pela aplicação das regras e princípios morais é restrita àquelas classes de casos
onde um fato-social existente origina a regra jurídica que conduz o tribunal a agir
assim; o efeito é semelhante a uma diretiva, melhor dito, é incluir no sistema jurídico regra
e princípios morais (se algum o foi) assim apontados.

A teoria do direito natural concorda com Raz e Gardner (“excludentes”) em rejeitar a


restrição includente como infundada, mas discorda deles em aceitar (tal como faz Duorkin-
1978, 47) que toda a regra ou princípio moral que um tribunal está obrigado ou autorizado a
aplicar, precisamente como uma corte, pode ser razoavelmente considerado ou
reconhecido como uma lei, isto é, como uma regra ou princípio que já é considerado parte
integrante de nosso direito.

Na fl. 104, a corrente positivista (“incudente”) que a eles se opõe ponderará que tal
raciocínio remete à conclusão de que regra e princípios morais empregados
judicialmente são ipso iure regras de direito, pertencentes ao ius gentiun.

Na sequência, Finnis afirma que o direito natural e o direito positivo benthamiano admitem
a não aplicação do direito positivo quando são muito iníquos para serem aplicados. Citando

67
Hart, arremata: “Isto é lei;mas é muito iníquo para ser aplicado ou obedecido” (Hart:1961,
203; 1994, 208)

3.1.1. um caso de texte: a pergunta de Nuremberg

Finnis apresenta as três saídas apresentadas para o julgamento dos acusados que não teria
desacatado o direito positivado pelas fontes sociais alemães, apresentadas respectivamente
pelos positivistas excludentes, depois pelos positivistas includentes e finalmente pelos
jusnaturalistas (fl.105).

3.2. Lei natural e lei (puramente) positiva como dimensões concorrentes do raciocínio
jurídico

Finnis faz considerações ao pensamento de Dworkin; critica sua posição de que existiria
apenas uma resposta correta; reforça que o juiz ao deixar de aplicar uma lei injusta mas
com base na moral inspirada na mais alta lei da razão, natureza e hymanidade, não
precisaria estar mentido (como o próprio Dworkin incentivaria), mas retificando e
aplicando o direito. (fl. 107).

3.3 implicações do império do direito (rule of Law) necessárias à positividade

4. “LEX INIUSTA NON EST LEX”? AS LEIS GRAVEMENTE INJUSTAS


VINCULAM? JURIDICAMENTE?

Aborda neste item o que fazer com as leis postas por fontes fático-sociais, mas que
perderam ou não foram imbuídas de diretividadde para juízes e cidadãos. Finnis nos
apresenta dois caminhos que estão da depender do contexto discursivo no qual a pergunta
surge. Se na reflexão do discurso que se percebe que se efetiva de modo apropriado a
imprescindibilidade de se reconhecer a as regras “estabelecidas” ou “positivadas”,
caracteristicamente reconhecíveis por suas referências às fontes fático-sociais, alguém pode

68
Aventar que são juridicamente válidas, embora seja injusto obedecê-las e aplicá-las.

Por outro turno, se o contexto for distinto, e o discurso as fazem de modo apropriado,
destacado que, apesar de terem sido concebidos pelas fontes fático-sociais, não é a lei
apenas moralmente, mas também juridicamente inválida. Cada uma da duas formas de
falar transmite um parte importante de verdade, ou melhor, fala a verdade com uma ênfase
que difere de outras.

O significado da expressão “uma lei injusta não é uma lei” é, na essência, idêntico ao da
expressão hartiana “Isto é lei, mas é muito iníquo para ser aplicado e obedecido”

Mas apesar de substancialmente ou, na pratica, iguais, Hart insiste na defesa contra a
validade da assertiva de que lex iniusta non est Lex.

5 – AS TEORIAS GERAIS DO DIREITO PODEM SER LIVRES DE VALORES?


LIVRES DE VALORES MORAIS?

Quando faz menção a Max weber na fl. 114, como teórico social, que prima pela
neutralidade livre de valores, não se pode deixar de trazer para o debate o livro de Leo
Strauss, que usa de todos os recursos para destruir a concepção de neutralidade e de falta de
valoração.

Na fl. 115, vem destacada uma passagem de Green (2003), que em suma, reconhece que um
filósofo do direito não pode ser apenas um positivista, pois é exigido dele uma avaliação
acerca de quanto uma lei deve ser eficiente ou refinada e, ainda por cima justa.

69

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