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30 de novembro de 2017

Relações entre direito, cultura e cidadania

Foto: Mídia Ninja

Direito, cultura e cidadania são categorias que carregam consigo significados diversos. A
polissemia faz parte do processo de conceituação dessas categorias analíticas que, a
depender do contexto que são empregadas, podem assumir conotações e sentidos muito
diferentes.

No entanto, partindo de uma perspectiva holística pode-se dizer que direito, cultura e
cidadania são fenômenos que produzem intersecções no campo social, resultando numa
interação complexa, mas evidente. Não tratam-se de fenômenos incomunicáveis e não
relacionáveis, mas de processos que se retroalimentam no campo social e político.

Os três fenômenos ocorrem no campo social, ou seja, é a sociedade o palco da produção


do direito, da cultura e da cidadania. Sem sociedade não haveria sentido em edificar esses
fenômenos, pois são frutos das – e servem para regular as – relações sociais e políticas.
Neste terreno, cultura, direito e cidadania podem ser definidos como elementos da
estrutura das sociedades, ao passo que também podem ser vistos como elementos
impulsionadores da transformação dessa estrutura.

Nessa perspectiva, tratam-se de fenômenos complexos em razão de serem, ao mesmo


tempo, estática e dinâmica, estrutura e processo. Integram o sustentáculo de sociedades,
mas podem ser derrubados e reestruturados com novos elementos e ingredientes.

Possuem, assim, uma profunda relação dialógica – na qual rompem-se com uma mera
proposição dialética – entre si em relação a outros elementos, em que diversos atores e
processos estão envolvidos: instituições políticas e jurídicas, identidades, ética, estética,
moral, subjetividade, cultura política e jurídica, movimentos sociais, organizações sociais
nacionais e internacionais, arte, diversas formas de conhecimento e epistemologia, dentre
outras[1].

Com o vicejar dos novos movimentos sociais ao longo da segunda metade do século XX,
as intersecções passaram a se tornar ainda mais claras e recorrentes, de modo que
estudiosos do direito, da cultura e da cidadania (juristas, antropólogos, sociólogos,
cientistas políticos) tiveram a necessidade de, cada vez mais, aprimorar seus métodos de
análise para uma compreensão mais profícua desses fenômenos.

Os novos movimentos sociais, nas palavras de Alain Touraine, inauguram um novo


paradigma no campo da cidadania.

Se ao logo dos séculos XVIII, XIX e primeira metade do século XX as sociedades


ocidentais eram descritas e analisadas em tempos políticos ou socioeconômicos, com a
posta em cena dos novos movimentos sociais as categorias culturais passam a substituir

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as categorias sociais (e também políticas), de modo que mudam-se as representações de
vida coletiva e pessoal[2].

O nascimento de novas pautas reivindicativas no campo dos movimentos sociais –


superando uma ideia de movimento social essencialmente ligado às questões de cunho
sindical ou trabalhista – implicam na reformulação e reestruturação dos sistemas
políticos e jurídicos em diversos países. Os direitos de terceira geração[3], que englobam
aqueles relativos à solidariedade, também incluem o “reconhecimento[4] da diversidade”
como componente essencial das democracias contemporâneas. Nesse contexto, passam
a ganhar expressão novas identidades e novas formas de viver que buscam na política e
no direito o seu reconhecimento e sua emancipação.

Em diversos países, a aplicação de políticas interculturais implicam no redesenho do


modelo de Estado e na inclusão de representatividade de minorias sociais relegadas até
então ao signo da subcidadania. Equador e Bolívia, por exemplo, países que passaram
recentemente pelo processo de elaboração de novos textos constitucionais, refundaram
seus Estados sob o manto do ideal do pluralismo político e social e, assim, preveem em
seus artigos a necessidade de haver representação das diversas nações indígenas e
campesina nas instituições político-jurídicas. Assim,

Diversidade e interculturalidade se posicionam hodiernamente como grandes desafios para a


teoria do direito.

As teorias feministas do direito, o empoderamento político de sujeitos marginalizados e o


reconhecimento de novos direitos e novos sujeitos, bem como a necessidade de
reconceber o direito à cidade, a formulação de políticas públicas que prezem pela
interculturalidade, dentre outros, são todos exemplos dos desafios que a teoria do direito
(e também o direito enquanto práxis contínua) se depara atualmente.

Entretanto, o reconhecimento da diversidade não ocorreu, e nem ocorre, de forma pacífica


e consensual pelas sociedades. Em efeito, diversos grupos sociais de cunho conservador
visam obstaculizar o reconhecimento das novas identidades e dos direitos relativos a elas
por meio da política[5].

No Brasil, o recrudescimento das diversas formas de fundamentalismo vem ganhando


cada vez mais destaque e expressão no cenário político, sobretudo aqueles de cunho
religioso, que vem contribuindo para o aniquilamento de um dos pilares fundamentais da
modernidade que é a laicidade. Esses movimentos buscam, por meio da
instrumentalização da política e do direito, não a garantia da pluralidade e da diversidade
das expressões religiosas, mas a difusão e a projeção jurídica de seu próprio ponto de
vista. Nessa mesma direção o crescimento dos movimentos de extrema-direita no norte e
sul global também são uma das faces desse processo.

A cidadania, nesse contexto, deve ser o motor impulsionador do reconhecimento de novos


direitos, de um lado, e da luta pela efetivação dos direitos já reconhecidos, por outro. É
somente a partir do engajamento social comprometido com os direitos humanos e com a
alteridade que será possível reverter o cenário acima posto. Para tanto, a imaginação, a

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subjetividade e o desenvolvimento da capacidade reflexiva crítica, impulsionada pelas
artes e pela cultura de modo geral, poderá ser o sustentáculo para a construção dessa
cidadania.

A negação formal e material de direitos implica na negação da cidadania a uma gama de


sujeitos e sua conversão em subcidadãos.

Pode-se dizer, portanto, que o direito à diversidade, entendido de forma ampla, é um dos
aspectos centrais das relações entre direito, cultura e cidadania.

Nesse sentido, observa-se que as relações entre direito, cultura e cidadania estão para
além do direito à cultura – ou seja, o acesso aos bens culturais, a participação nas
decisões político-culturais e a possibilidade de produzir bens culturais –, de modo que uma
série de temas e questionamentos de edificam nesse terreno, se colocando como
contribuições profícuas e instigantes desafios para o século XXI.

Thiago Burckhart é Mestrando em Direito no Programa de Pós-Graduação em Direito da


Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pesquisador bolsista Capes no Grupo de
Estudos em Constitucionalismo Político (UFSC). Pesquisador do Núcleo de Estudos em
Constitucionalismo, Internacionalização e Cooperação (Constinter-Furb). Pesquisador do
Centro Didattico Euroamericano Sulle Politiche Costituzionali (CEDEUAM, Itália-Brasil). Autor
do livro “Direito, Cultura e Cidadania” (Editora Prismas, 2017).

[1] Cfe. BURCKHART, Thiago. Direito, cultura e cidadania. Curitiba : Editora Prismas, 2017.

[2] TOURAINE, Alain. Um nouveau paradigme. Pourcomprendrele monde d’aujourd’hui. Paris :Fayard, 2005, p. 9-11.

[3] Faz-se referências à clássica distinção e categorização de Norberto Bobbio entre direitos de primeira, segunda
e terceira geração. Para aprofundamentos, ver: BOBBIO, Norberto. L’età dei diritti. Torino: Einaudi 1990.

[4] Sobre o reconhecimento, ver: HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos
sociais. Trad. de Luiz Repa. São Paulo, Editora 34, 2003. FRASER, Nancy. “Fromredistributiontorecognition?
Dilemmasof justice in a ‘postsocialist’ age”. In: S. Seidman; J. Alexander. (orgs.). 2001. The new social
theoryreader. Londres: Routledge, 2001, pp. 285-293.

[5] Trata-se de uma questão central levantada por Stuart Hall, para aprofundamentos ver: HALL, Stuart. A
identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro : DP&A Editora, 2004.

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