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SUMARIO 48 Introdugaa: grifo émeu PARTE 4: A NOVA GERACKO POLITICA Rua — com Maria Bogado Rede — com Cristlane Costa Politica representativa — com Antonia Pellegrino 288 PARTE 2: PALAVRA FORTE 38 Nas artes — com Duda Kuler 105 Nappoesia — com julia Klien 38 Nocinema 156 Noteatro — com Julia de Cunto 79 Namisica— com ula de Cunto e Mara Bogado 205 Na academia — com Andrea Moraes e Patrica Siva de Farias com Brea Sarmete Marina Cavalcanti Tedesco PARTE 2: OS FEMINISMOS DA DIFERENGA a4 Falo eu, professore, 79nos, mulher, brancae csgenero — (por Heloise Buarque de Hollanda age Feminisme negro — por Cidinna da silva e Stephanie Ribeiro 301 Feminismo indigena — por Marize Vieira de Olvera 25 Feminismo asitico — par Caroline Rica Lee, Gabriela Akemi ‘Shimabuko e Lats Miwa Higa ‘Transfeminismo — por Helena Vieira e Bia Pagliavini Bagait eminismo lésbico — por rica Sarmet gs ‘Feminismo radial — por Hlosa Samy ¥eminismo protestante — por ila Dias Mariano PARTE 4: AS VETERANAS OU UM SINAL DE ALERTA SOBRE UMA MEMORIA NAO PSCRITA ile Soe} Swell Carneiro Jacqueline Pitenguy Malu Heilborn Schuma Sehumaher Maria Betinia Avila Branca Motera Alves Notae (Grits das imagens rnrroougio OGRIFO E MEU Grifar quer dizer sublinhar,ressaltar, chamar atengio para. Sou uma feminista da terceira onda. Minha militinea foi feta na academia paride um desejo enorme de mudar a un vetsidade, de descolonizar a universidade, de usar, ainda que de forma marginal, o enorme capital que a universidade tem. ‘Nunca me iteressei por uma carreira académicatradicio- nal Seni, desde muito cedo, como minha missio intelectual, pesquisare abrir espago para novas vozes, novos saberes € novas politica. Meu trabalho com mulheres, especialmente na década de sgt, foi parte important dessa tarefs. "a pougufssime tempo, por volta de 2035 eu areditava que 4 minha geragao teria sido, talver, altima empenhada na lata das mulheres. até que um vozero, marchas, protestos,campa- nhas na rede meninas na rua se aglomeraram, gritando diante da ameaga de retrocesso que representava a aprovagao do Pro- jeto de Lei 30092033, que difcultaria 0 acesso de witimas de ¢estupro ao aborto legal Level um susto, Um susto alegre. Mais slegte ainda ao pereeber que aqueles nao seriam gritos passa- eis. Anovidade ea fo repentina quanto forte. Pelo menos, ninguém menor de dezoito anos precisavadisfarcar seu femi- nismo, como era toni das simpatizantes do movimento no zmeu tempo. Elas chegaram e falaram, quiseram, exigitam. O tom agora é de indignacdo. £, para meu maior espanto, suas ddemandas feminists esto sendo ouvidas como nunca Penso em Grace Pass®, artista, dramaturga, que para mim é o {cone desta geracio de jovens feministas. Grace, pura quali- dade © agudeza, consegue ativar o sentimento, 0 desejo, a revolta, a garra e a rlatividade deste momento como poucas. B la que assim expressa o diferencial das minas: “Historinhas ‘eu tenho mil, poderia contar varias, mas nao é isso que importa Importa se tessoa, importa se te importa, se me exporta para ti, leitor, importa se me ouve, se me escuta, se move tuas batidas, se acelera, se retarda" Bu ouvi, me eneantel e quis/ quero registrar esse momento, ‘Mas sou uma feminista da tereeira onda. Meu jeito ¢ minhas estratégias nao sio as que vejo em cena aberta. Como vou falar por, ou mesmo sobre, essa geragao que me tomou de assalto? O feminismo hoje nao é 0 mesmo da década de s980. Se naquela poca eu ainda estava descobrindo as diferencas entre as mulhe- res, intersevcionalidade, a multiplicidade de sua opressio, de suas demandas, agora os feminismos da diferenga assurniram, vitoriosos, seus lugares de fala, como uma das mais legitimas disputas que tém pela frente. Por outro lado, vejo claramente a existéncia de uma nova geracao politica, na qual se incluem as feministas, com estratégias préprias,criando formas de organi- acho desconhecidas para mim, autonomas, desprezando @ ‘mediagdo representativa, horizontal, sem liderancas e protago- ‘nismos, baseadas em narrativas de si, de experiéncias pessoais ‘que ecoam coletivas,valorizando mais aética do que a ideologia, mais a insurgéncia do que a revoluc2o. Enfim, outra geracao. ui me aproximando e ouvindo, ouvindo muito. Ficou logo claro para mim que este livro nao seria escrito tranquilamente em primeira pessoa, Fu precisava de um formato editorial que cenguadrasse, com um minimo de justiga, 0 que eu percebia, nas ruas, nas redes, nas artes. ‘Bu precisava trazer aquela poténcia coletiva e horizontal, suas vozes, para dentro deste projeto. Pensei,ento, num livro- ocupagio. Que venham as novas feministas e me atropelem, me falem, me contem. Mas olivro tinh que ser meu, disse ‘Alice Sant Anna, minha editors, poeta feministaetambém vor deste ivr, LembreientRo de uma outa palavracorrente nessa _geragto digital: compartlhar. isso. Neste livro, compartilho pesquisa e a escrta de todos 0s textos com as novas feminis- tas, Eserever com nao ¢ fil, como ficou comprovado durante arealizagdo deste trabalho. & uma outra experiencia de eserita, ‘ica, Densa. Afetiva, Bastante confltiva. Emprestei um pouco ‘da minha experiéncia, das minhas leituras, das minhas lutas. Recebi muitos saberes, perspectivas, vivencias. 0 resultado é uum texto feito de gros, alerts, discordéncias,identifcagtes. Quanto 20 conteido, procurei produzir um panorama da quarta onda feminista, examinando 0 contexto dos novos ati- vismos nas rues €na rede, dos véris feminismos da diferenca, do feminismo na poesia, nas artes, na misica, no cinema, no teatro ena academia, Perccbi ao longo da pesquisa, uma inex plicavel lacuna de meméria na hist6ria da tereeira onda fem- nista no Brasil. Abr, entlo, uma éltima parte, ue chamei de ‘As veterans’, com depoimentos de liderancas importantes daquele momento. A idela da criagdo desse quase anexo, com apenas sete depoimentos, entre tantos ausentes, no preten- deu dar conta dessa historia. Veio como um alerta para a ‘urgéncia de um trabalho nesse sentio. uplicadoo ivro, me explico como feminist, ou seja, de que Iugareufalo, como me encontreicom as feministas de hoje. ‘Como muitas mulheres da déeada de 1960 que participaram. dos movimentos estudantis, da UNE, dos crcs? eda cultura de coposigdo & ditadura, militei em vérias frentes, mas, inicial- mente, nio me identifiquet diretamente com as lutasfemini tas, que surgiam na Buropa e nos Estados Unidos levantando 1 bandeira "o pessoal é politico” e defendendo o direito ao corpo, 20 aborto, liberdade sexual e ao fim das desigualdades 8 no trabalho e no contexto familiar. No Brasil, a coisa foi dife- rente. A maioria dessas bandeiras confrontavam, diretamente, ‘varios dogmas da Igreja, uma das principsis instituigBes pro- sgressistas na época, Assim mesmo, as iniciativas feministas ‘conseguiam se articular com a Igreja ou com o Partido Comu- nnista que, da mesma forma, era um parceiro importante na Juta contra o regime mailitar, mas se tornava um complicador para o movimento de mulheres. A Igreja, por sua recusa a0 ‘borto e liberdade sexual, eo Partido Comunista, peta insis- ‘éncia numa luta mais ampla na qual nfo cabiam as demands singularizadas das feministas (0 resultado foi uma fragilizagao inicial do nosso feminisimo, {que mostrava certo recuo em relagio a0 feminismo internacio: nal, concentrando-se, prioritariamente, nas questoes trabalhis- tas, na demanda por ereches, no controle da violencia domés- ticae no enfrentamento das desigualdades sociais entre homens mulheres a0 longo da década de 1970. "Nesse momento, e ainda sob a pressio da ditadura, eu ta balhava com a cultura de resistencia, ou marginal, e ndo me sentia particularmente suscetivel as lutas das mulheres. Erm 1982, antes dos movimentos por eleigdes diretas, fui fazer um 1és-doutorado sobre as relagbes entre politica e cultura na Unt versidade de Columbia, nos Estados Unidos. Nio se passaram trés meses € a ficha cai. Me descobri feminista a 7666 quild- metros do Brasil. Meu caso ndo foi inico. Estudos* mostram {que a maioria das femninistas da chamada tereeira onda passou ‘um perlodo fora do pais, seja por exlio, por estudos ou por circunsténcias desfavoraveis de trabalho e criago no Brasil {dos anos de chumbo, 0 que haveria na cultura das diferengas ro Brasil que nio se mostrava solo firme para as ideins fer nistas ou raciais? Essa pergunta fica em aberto. Por outro lado, na época da transigao democratica, que cobre as décadas de 1980 ¢ 1990, 0 feminismo nos surpreendeu “ ao construir fortes articulagdes com instituigdes politicas & ‘organizagbes nao governamentais. Esse movimento procurava, sobretudo, 0 uso de ferramentas institucionais para pressionar ‘a criagao ea aprovacdo de politicas piblicas que favorecessem. as mulheres. ‘No final dest lvro, vemos, nos depoimentos das veteranas, a atuagao feminista que, jem 3085, se mostrava viva e atuante 1a campanha pelas Diretas J, na formago do Conselho Nacio- nal dos Direitos da Mulher e pelas Delegacias Especializadas no ‘Atendimento & Mulher. Nas eleiobes de 1985, a maioria dos par- tidos apresentou propostas encaminhadas por grupos feminis- as. Bm 1988, 0 Lobby do Batom, no contexto das decisoes da Assembleia Constituinte, se desdobrou em mobilizacdes por todo o pais e aleancou grandes conquistas, Na academia, lutou- -se pela institucionalizacto dos estudos feministas ede género. Foi nesse espaco que coloquei meu desejo e meu ativismo. De volta 20 Brasil apés meu periodo na Universidade de Columbia, cheia de entusiasmo ¢ pilhas de e6pias de livros e artigos da produgio académica das mulheres daquele momento, desenhei o projeto de um nécleo de pesquisa de género na Escola de Comunicagao da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UeR}}. Em vao. Levado ao Conselho da Esvola, 0 projeto {oi recusado por uma razio interessante: a érea de Comunicaco ‘no seria adequada para o desenvolvimento dos estudos de sgénero. Em vio, também, a maior parte do material contido nas rminhas tantas cépias. Pelo menos no campo dos estudos lterd+ , @ertica feminista angle-saxa parecia nao “encaixar", nao oferecer os instrumentos analticos ideals para o estudo das relagdes de poder entre homens e mulheres no Brasil. Bsse apa rente empecilho transformou-se numa paixio interpretativa, © entao mergulhei nas figuras matriarcais nordestinas, na pes- dquisa sobre as amas de lite, nas leituras regionalistas de Norte Sul do pais e suas especificidedes riquissimes. Detxei a acade- 5 americana para tras, seus modelos institucionais e analiti- 0s, ¢ inieiei um momento muito feliz de trabalho no ctec. 0 ‘cise era o Centro Interdiseiplinar de Estudos Culturais, um guerda-chuva dissimulado para a pesquisa de género, raga, classe, imigragdo e tudo mais que no eabia, segundo o Conse- tho mencionado, na enigmatiea érea de Comunicacio. Foi no cisc que organizei a Coleco Quase Catélogo, mapea- mento de mulheres em areas como cinema, cinema mudo € artes visuais. Foi ainda no clzc que, com Lena Lavinas € comité da Fundagdo Carlos Chagas, eriamos, em 99 8 Revista de Estudos Feminist, atualmente sediada no Centro de Filoso- fia e Ciencias Humanas da Universidade Federal de Santa Cata- rina (CFI UFSc). Foi Id que organizel o seminario ZY nosotras, ‘Latinoamericanas?", um encontro em busca das perticularida- des e horizontes de nosso feminismo. Estudava e dava cursos sobre relacoes de género, um termo novo naquele momento. ‘Tempo bom, Conselhos nacionais e estaduais avancavam na defesa de diteitos, oncs e apoio a mulheres proliferavam, 05 estudos de género se ampliavam (ou se infiltravam?) nas versidades. Jean Franco, minha orientadora, feminista pro- ‘essora na Universidade de Columbia, defendia com unhas eden- tes o “direito de interpretar”. "No quadro no qual se desenvolviam os estudos feministas, 05 discursos sobre identidade foram progressivamente conquis- tando posigdes mais flexiveis, passando agora a se assumir como estudos de génevo, Essa mudanca se dé por volta de 1975, ‘quando a antropologia comecava a questionar as narrativas de Marx, Engels, Freud e Lacan, Foi nesse impulso que Gayle Rubin enfrenta Lévi Strauss ¢ usa, pela primeira ver, o termo género, afirmando a existéncia de um sistema de sexo-género associado ‘a propria passagem da natureza paraa cultura. Gaye ofereca ali elementos pera a futura elaboragao do conceito de género ¢, ‘mais perturbador ainda, j enfrentava o pressuposto da hetero- 36 normatvidade. Nao € por acaso que Judith Butler demonstra frequentemente sua admiragdo ¢ mesmo compromisso com 0 trabalho de Gayle Rubin. Mas texto da autora que mais me ‘marco foi o artigo “Pensando sexo: Notas para uma teoriaradi- cal da politica da sexualidade’, publicado em 984, no qual a autora afirmava a necessidade da separacio analitica entre sénero e sexualidade, propondo que o sexo, enquanto vetor de opressto, atravessa todos os modos de desigualdade socal, como classe raga, eticidade ou género. facil percebero feito inaugural e provocador dos textos de Gayle Rubin parao fem: rnismo histéieo, hoje pereebido como branco ou univers ‘iver aquele momento foi um prvilégio. Lembro-me de meus modelos teéricos se reformulando a cada letura, da minha perplexidade com a abertura de caminhos a partir do encontro com novas teorias, novos ententamentos, novos compromissos. -Mas nada se compara com o choque produzido pela che- sada do livro This Bridge Called my Back: Writings by Radical Women of Color, oganizado por Cherrie Moraga e Gloria Anzal-

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