Professional Documents
Culture Documents
Introdução ...................................................................................................2
2. A Parte Geral
3. As Partes Especiais
Conclusão ................................................................................................ 15
Bibliografia ............................................................................................. 16
Laura Lucena/Sofia Simões de Almeida
A Parte Geral e as Partes Especiais
———————————————————————————————————
INTRODUÇÃO
2
Laura Lucena/Sofia Simões de Almeida
A Parte Geral e as Partes Especiais
———————————————————————————————————
3
Laura Lucena/Sofia Simões de Almeida
A Parte Geral e as Partes Especiais
———————————————————————————————————
Por seu turno, Arnold Heise opta igualmente por seis partes, onde inclui uma
Parte Geral e dispensa Processo. Como pontos comuns há a assinalar o relevo
dado à sistematização e a excessiva preocupação com a forma, em detrimento de
uma exposição global clara da matéria. Finalmente, Savigny adopta,
inicialmente, o esquema de Heise, mas mais tarde faz alterações na Parte Geral
que englobava as fontes do direito romano actual, a relação jurídica e o direito de
conflito — actual Direito Internacional Privado. A obra foi alvo de grande
consenso e aceitação geral dada a sua autoridade europeia e o apoio recebido por
outro grande jurisconsulto alemão, Windcheid. Esta classificação foi adoptada
pelos pandectistas do século XIX conhecendo uma certa estabilidade, não sendo,
no entanto, sinónimo de imobilismo; já que apenas com a codificação de 1896 se
fixaria um quadro definitivo.
Tudo isto terá consequências na codificação dos séculos XIX e XX, a que
daremos especial destaque aos códigos civis portugueses.
4
Laura Lucena/Sofia Simões de Almeida
A Parte Geral e as Partes Especiais
———————————————————————————————————
que esta é uma questão central na formulação do Código de 1867, uma vez que a
realização da vida do homem jurídico se consuma na luta pela aquisição e
conservação dos seus direitos subjectivos, nomeadamente a propriedade de que
cuida a Parte III. Por fim, a Parte IV prevê a ofensa dos direitos subjectivos e os
modos de reparação das consequências danosas dessa ofensa — responsabilidade
civil.
Todavia, apontam-se alguns defeitos ao Código de Seabra, sobretudo pelo
esquecimento da natureza de alguns direitos subjectivos, no que toca à sua
integração em institutos como a família; aponta-se também a artificialidade da
estruturação da Parte II; e ainda a dificuldade prática em encontrar o tratamento
legislativo no diploma dos diversos sub-ramos da classificação romana e
germânica.
Quanto a isto Menezes Cordeiro é da opinião que “a qualidade do diploma
leva a que se pense que poderia ter sido mantido até aos nossos dias, podendo até
ter prevenido um certo positivismo exegético a que se regressou em 1966” 3. Já
Cabral Moncada afirma que o plano do Código de Seabra “se apreende
facilmente desde que tenhamos presente que o seu autor tomou como critério
fundamental para a divisão sistemática de toda a obra o elemento activo da
relação jurídica”4.
Com a Implantação da Republica, em 1910, o Código de Seabra sofreu
alterações profundas: em matéria sucessória com o aparecimento da sucessão
legítima e da criação do montante da quota disponível; em matéria matrimonial,
com a Lei do Divórcio, em 1911, que legalizava o divórcio, quer litigioso, quer
por mútuo consentimento; no direito da família estabeleceu-se o casamento civil
como única forma de matrimónio no país, e a perfilhação dos filhos adulterinos;
o registo civil passou a ser obrigatório, em 1911, e foi elaborada a Lei do
Inquilinato, em 1919. A maior parte destas modificações formaram uma
legislação extravagante, despoletando a preparação de um novo diploma.
3
In CORDEIRO, Menezes; Teoria Geral do Direito Civl — Volume I
4
In MENDES, Castro; Teoria Geral do Direito Civil
5
Laura Lucena/Sofia Simões de Almeida
A Parte Geral e as Partes Especiais
———————————————————————————————————
não regulação de institutos juridicamente relevantes também foi apontada e ainda
apresentava um individualismo extremo.
Porém, há que salientar o mérito do código de 1966: consagrou a nível de
fontes o pensamento da sistemática integrada, agitou a doutrina qualitativamente
e consagrou vários institutos. Por outro lado, não é possível deixar de fazer uma
apreciação crítica: não conseguiu obter uma unidade cabal, nasceu antiquado,
aceitou a classificação germânica, apesar das críticas; mostrou-se pouco sensível
às preocupações do seu tempo, abusou de definições e de tomadas de posição
doutrinárias.
Fica a ideia de que a sistemática integrada permitia ao código civil uma
renovação cujos limites ainda não se conhecem, sendo de salientar a consagração
intensa de conceitos indeterminados que permitem e permitirão a descoberta de
soluções adequadas e razoáveis.
No entanto, apesar de recente, a codificação de 1966 já conheceu diversas
alterações, mercê sobretudo do fim do Estado Novo e das consequentes
condições sociais e económicas. Destacam-se como alterações de fundo, o
alargamento de possibilidade de divórcio, a suspensão da enfiteuse, o regime do
arrendamento rural e urbano. Com a elaboração da nova Constituição previa-se
que as normas de direito anterior fossem adoptadas aos princípios por ela
consignados5 o que justifica as alterações referidas, bem como o
desencadeamento da Reforma de 77, que foi além do exigido, modificando o
início da maioridade para os dezoito anos e, em matéria sucessória, dando ao
cônjuge sobrevivo a posição de herdeiro legitimário.
5
Artigo 293º do Código Civil
6
Laura Lucena/Sofia Simões de Almeida
A Parte Geral e as Partes Especiais
———————————————————————————————————
2. A PARTE GERAL
A Parte Geral dos códigos civis tem sido alvo de polémica quanto à sua
utilidade, Batista Machado explica o papel desta no conjunto da estrutura
codificadora, afirmando que “A existência das partes gerais resulta de uma
exigência de técnica jurídica: pretende evitar repetições, dar resposta a uma série
de questões preliminares cuja solução tem repercussões e se estende a todas as
regulamentações particulares que a lei vai estabelecer. Logo, as partes gerais são
como que competências de pré-decisões, fixadas antes de se tomar posição
perante as diferentes questões particulares, pondo em evidência aquelas
disposições que são comuns às várias matérias a regular. Daí que se possa afirmar
que as partes gerais têm um campo de aplicação particularmente vasto.” 6
Por seu lado, Oliveira Ascensão considera que “O Direito Civil tem
funcionado como depositário dos princípios gerais de direito, aquilo que é
comum a várias disciplinas, levando ao desenvolvimento de uma parte geral. São
aqui analisados os pilares das relações jurídicas, de conteúdo quase generalizável
a todo o direito. Dentro dessa parte geral ainda se deve distinguir dois domínios:
as normas sobre ramos (Título I) e o estudo em geral das relações jurídicas
(Título II).”
Oliveira Ascensão, à semelhança de Baptista Machado, tenta explicar a
razão da existência da Parte Geral e qual a sua função exacta na estrutura de
qualquer código civil. Consideram que a Parte Geral contem em si todas as
disposições generalizáveis aos sub-ramos de direito civil, consagrando os
princípios que presidem ao direito civil. No entanto, ambos se limitam a uma
exposição quanto a este tema, mas muitas são as vozes que se levantam para
comentar esta matéria, mostrando-se tanto a favor, como contra, visto esta ser
uma das questões que, a nível doutrinário, tem sido alvo de acesa discussão.
A Parte Geral do Código Civil de 1966 não reúne consensos, quanto a esta
matéria encontramos as opiniões mais díspares, todas elas fundamentadas por
diversos argumentos, que são constantemente rebatidos por quem defende tese
oposta.
Para Menezes Cordeiro, a Parte Geral presta-se a críticas variadas, em
primeiro lugar, por dispensar a ciência do Direito, modo (único) de solucionar
casos concretos, tornando-se assim um puro “exercício teorético”. Deste modo, a
descoordenação entre a Parte Geral e as partes especiais é qualitativamente maior
do que a existente no seio destas últimas, havendo uma justaposição de técnicas
diversas.
6
In MACHADO, Baptista; Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador
7
Laura Lucena/Sofia Simões de Almeida
A Parte Geral e as Partes Especiais
———————————————————————————————————
Aquele professor de direito considera existirem inconvenientes na Parte
Geral de diversa índole. Uma razão de argumento prende-se com os
inconvenientes científico-metodológicos, já que é uma tarefa da Ciência do
Direito a elaboração de uma verdadeira parte geral, cabendo ao juscientistas
manter uma permanente actividade nesse sentido, mercê da evolução juscientífica
que acompanha um direito em constante mutação.
Apontam-se também inconvenientes regulativos que se prendem com
dificuldades em articular um conjunto de regras gerais relevantes, por igual, para
as diversas partes; resultando assim uma Parte Geral que ou repete o consignado
nas partes especiais ou se remete ao silêncio.
Contam-se igualmente inconvenientes legislativos, que se explicam pelo o
facto de a Parte Geral conter princípios gerais que podem condicionar o
legislador na sua actividade, uma vez que existem inúmeras matérias em que
esses princípios não devem ter aplicação. Acontece, por exemplo, quando o
legislador tenta importar para casos específicos do direito civil, caso do direito da
família, princípios fundamentais consagrados na Parte Geral, mas que não podem
ter expressão no direito da família, induzindo, assim, o legislador a criar regimes
legais ou procedimentos que sejam errados, desde a sua concepção.
Verificam-se ainda inconvenientes didácticos e pedagógicos mercê das
abstracções que levam à necessidade de antecipar matérias “especiais” sob pena
de ininteligibilidade do discurso e a própria necessidade de firmar um
desenvolvimento incompleto, o que a torna pouco acolhedora para o estudo e de
difícil ensino.
Por fim, temos os inconvenientes significativo-ideológicos que derivam da
distorção que a Parte Geral introduz em toda a temática civil, o abstraccionismo
põe em causa o sistema de realização do Direito, sendo as pessoas são remetidas
para segundo plano.
Por sua vez, numa dimensão juscientífica, a Parte Geral é tida como um
domínio conceptualista onde têm lugar o irrealismo metodológico e o
juspositivismo que se materializam em desvios bloqueando a efectiva solução de
casos concretos.
Deste modo, torna-se de difícil compreensão a manutenção de uma Parte
Geral, mesmo depois da elaboração de outros códigos civis, como o suíço ou o
italiano, e até de críticas como a de Zitelmann, ou própria carta de Savigny a
Heise a pôr em causa a sua própria repartição de direito civil.
No entanto, Mota Pinto tem opinião diferente. Segundo este ilustre jurista,
a Parte Geral está divida em dois títulos que genericamente podemos relacionar
com a norma jurídica — dimensão fundamental do Direito que realiza os valores
jurídicos — e com a relação jurídica — critério de exposição e sistematização do
Direito. Esta é a base da estruturação do Código Civil na medida em que a Parte
Geral engloba os temas relativos aos elementos comuns a quatro espécies ou
modalidades de relações jurídicas.
Com efeito, a sistematização germânica tem a relação jurídica como meio
técnico de arrumação ou exposição do direito, uma vez que é um conceito
transparente e adequado para expressar a realidade social regulada pelo direito.
Tal acontece porque o direito não disciplina o homem isolado ou considerado em
8
Laura Lucena/Sofia Simões de Almeida
A Parte Geral e as Partes Especiais
———————————————————————————————————
função dos seus objectivos individuais, mas o homem no seu comportamento
convivente. Logo, pressupõe a vida dos homens em relação e visa disciplinar os
interesses que advêm dessa conveniência, sendo reconhecidos poderes e
vinculações que constituem a relação jurídica.
O rigor e clareza da noção de relação jurídica caracterizam a
sistematização germânica como “científica” e “despersonalizadora”. Daí advém o
“veredicto anti-humanista” contra a noção de relação jurídica como base do
direito civil que submerge a pessoa humana na noção formal e abstracta de
sujeito de relação jurídica, remetendo-a para o mesmo nível das pessoas
colectivas que são igualmente sujeitos de relações jurídicas. Por isso se
caracterizam os Códigos de Seabra e o Civil Suíço nas suas disposições iniciais
por um “generoso e nobre humanismo”.
No entanto, apesar da crítica, não se pode negar a possibilidade de se
realizar uma eficaz protecção da personalidade e do seu círculo de direitos
essenciais. Bom exemplo é o actual Código Civil português que dá uma maior
amplitude dos direitos de personalidade do que o Código de Seabra. O que é
pretendido pela crítica não é negar a eficácia do sistema germânico, mas sim
dirigir-se ao modo de arrumação e exposição, mais do que ao conteúdo das
soluções. Logo, a relação jurídica em que assenta o sistema não deve fazer
esquecer que o Direito Civil tutela a personalidade jurídica do indivíduo humano.
Critica-se, ainda, a ausência de limites da teoria geral da relação jurídica,
pois a excessiva generalização da Parte Geral não tem em conta os
particularismos de certos tipos de negócios, verificando-se, assim, um vazio
jurídico.
Já Capelo de Sousa considera que o principal inconveniente a apontar à
Parte Geral é o de que esta não passaria de um simples “exercício teorético”
tornado lei, quando a sua elaboração seria uma tarefa da Ciência do Direito.
Todavia, considera tal argumento pouco convincente, visto que a Parte Geral tem
autonomia própria, não sendo um mero corolário de soluções jurídicas anteriores.
Sendo assim, julga evidente a possibilidade dos artigos da Parte Geral
poderem (e deverem) ser modificados, removidos e introduzidos novos,
acompanhando as alterações socio-económicas e mesmo a evolução juscientífica.
Estas disposições não formam qualquer plenitude lógica com as normas das
partes especiais, dado que há espaço para lacunas jurídicas, na medida em que as
normas gerais não valem para todos os casos, mas apenas para uma generalidade
de situações que caibam na letra e no espírito destes preceitos. Aponta-se ainda à
Parte Geral o facto de esta o não ser verdadeiramente, já que as regras gerais
estariam apenas presentes na secção do negocio jurídico e que, alguns desses
artigos, estariam melhor enquadrados na matéria dos “contratos”. Porém é
possível refutar estas tese, uma vez que os preceitos que regulam a personalidade
jurídica, a capacidade jurídica e as respectivas incapacidades de exercício e de
gozo valem em diversos tipos de relações jurídicas, o que não invalida a
existência de normas especiais e excepcionais ao regime geral.
De qualquer forma, a Parte Geral permite formular algo de comum em
diversas relações, o que nos conduz melhor na interpretação e integração das leis.
Quanto à inserção das disposições relativas ao negócio jurídico, na secção dos
9
Laura Lucena/Sofia Simões de Almeida
A Parte Geral e as Partes Especiais
———————————————————————————————————
contratos, há que referir que, segundo Capelo Sousa, essa não é a melhor solução,
visto que esses preceitos valem também para negócios e actos jurídicos
personalísticos7, reais8, familiares9 e sucessórios10. No que diz respeito à crítica
relativamente às abstracções da Parte Geral, importa dizer que uma norma para o
ser verdadeiramente deve ser geral e abstracta, já que tal é uma garante de
igualdade, justiça, segurança e universalidade jurídicas.
Assim, verifica-se que a vários níveis são harmonizadas as normas gerais,
especiais e excepcionais, resultado da modernidade do direito, não apresentando
uma especial complexidade, nem perspectivando a Parte Geral como um
“calvário pedagógico”. É, pelo contrário, o melhor e maior enquadramento
jurídico das relações da vida social ao formular o que há de comum, especial e
excepcional.
Por fim, a Parte Geral tem o mérito de adaptação a várias mutações
constitucionais radicais, o que aconteceu com o BGB face às constituições de
1871, 1919 e de 1949, e com o presente Código de 1966 que se adaptou perante a
Constituição de 1976, visto que a Parte Geral não conheceu alterações com a
Reforma de 77.
Neste sentido é também a opinião de António Pinto Monteiro, que defende
que a Parte Geral reúne os princípios e as regras comuns a todo o direito civil,
sendo o resultado de um trabalho de “alto nível e profundidade”, e exigindo um
rigor técnico assinalável. Assim, facilita o conhecimento e a compreensão da lei,
bem como a sua aplicação prática. A questão polémica da Parte Geral refere-se
tanto às conotações que apresenta com um sistema ligado a correntes
metodológicas, historicamente ultrapassadas, como pela falta de limites a que
está sujeita.
Em defesa da Parte Geral importa dizer que esta tem um efeito de
racionalização, evitando que o legislador tivesse de recorrer a constantes
remissões, ou a inclusão numa das partes especiais, ou, ainda, a autonomização
numa secção particular.
Entre os autores que condenam a Parte Geral há quem lhe reconheça
vantagens científicas, pois a sua construção “pertence às tarefas irrenunciáveis de
uma ciência do direito, desde que esta se entenda como sistemática (…). Só a
Parte Geral garante a coerência intelectual e metodológica de uma ordem jurídica
cientificamente concebida”11. Todavia, a Parte Geral tem como desvantagem o
seu carácter axiomático ao estabelecer princípios aplicáveis a vários institutos,
aspecto esse exacerbado pela pandectística. As grandes críticas têm como
fundamento uma pretensão da Parte Geral em tornar-se um sistema fechado e
auto-suficiente, estritamente “científico e neutral”, não abrindo portas ao
humanismo, reduzindo-se a conceitos gerais e abstractos. Como sistema externo
seria um sistema de exposição de matéria, e como interno espelharia
integralmente a realidade normativa em si mesma. Para além destes, outros
inconvenientes se salientam, a fractura entre um sistema externo fixo e um
7
Artigo 81º do Código Civil
8
Artigo 1316º do Código Civil
9
Artigo 1599º do Código Civil
10
Artigo 2028º do Código Civil
11
VÁRIOS, Comemorações dos 35 anos do Código Civil e 25 anos da Reforma de 77 — Volume II
10
Laura Lucena/Sofia Simões de Almeida
A Parte Geral e as Partes Especiais
———————————————————————————————————
sistema interno em “permanente fieri”, sendo de destaque que, mesmo
externamente, o Pandectas prima pela incoerência de critérios, pois mistura um
critério institucional, base do Direito da Família e do Direito das Sucessões, com
um critério estrutural, no Direito das Obrigações e no Direito das Coisas.
De todo o modo, há ainda a dizer que a generalidade e abstracção da Parte
Geral impõe uma reflexão sobre os seus limites através da admissão de
excepções às regras gerais, como também defende Mota Pinto.
Concluindo, importa salientar que a Parte Geral é um mero sistema de
exposição que não pode ser confundido com o direito civil em si mesmo.
Por seu turno, Claus Wilhem Canaris, professor na Faculdade de Direito
da Universidade de Munique, faz, inicialmente, uma comparação entre vários
Códigos Civis, destacando que o sistema de classificação germânica é comum ao
nosso actual Código Civil e ao BGB. Enquanto o Código Civil suíço solucionou
os seus problemas através de uma remissão para o Direito das Obrigações sobre
contratos, sendo que este é um direito autónomo ao Código Civil, e o Codice
Civile e o Código Civil holandês dispensam a Parte Gera, o que é salientar dado
que fazem uma síntese entre os elementos direitos francês e alemão.
Partindo da crítica de Ernst Zitelmann, uma Parte Geral tem três funções;
servir a sistemática científica, transmitir conteúdos jurídicos no ensino e elaborar
leis. Este autor acusa todo o sistema do Pandectas de não se orientar por só
critério, mas por dois distintos, combinados. Assim, o direito da Família e o das
Sucessões faria parte de um mundo natural e social, enquanto que o Direito das
Obrigações e o Direito das Coisas seriam fenómenos do mundo do direito e em
categorias puramente jurídicas. Consequentemente, Família e Sucessões teriam
como base a concessão de hipóteses, enquanto Obrigações e Coisas estariam
relacionadas com consequências jurídicas.
Esta distinção encontra-se também na Parte Geral formada por um duplo
critério. Zitelmann critica, tal como o fez, mais tarde, entre nós, Menezes
Cordeiro, a dificuldade de transmissão na perspectiva didáctica da Parte Geral,
mercê da sua abstracção e falta de plasticidade.
No que toca ao valor da Parte Geral para a legislação, Zitelmann propõe a
sua eliminação com base na diversidade de matérias aí disciplinadas, percorrendo
essas matérias, sugere outros locais no BGB para sua disciplina até só restarem
os negócios jurídicos. Para estes, Zitelmann reconhece a necessidade de um
regime geral, mas considera a designação de Parte Geral demasiada excessiva.
Contudo, esta pode não ser a melhor solução, visto que, apesar da unidade
interna das matérias, as proporções externas dos diversos livros afastar-se-iam
totalmente do seu equilíbrio. Seria melhor renunciar ao negócio jurídico como
parte autónoma do Código Civil e disciplinar os problemas respectivos nas
obrigações, nomeadamente no Título dos contratos.
Concluindo, a inclusão da Parte Geral no Código Civil de 1966, em
particular, e nos restantes códigos civis, em geral, não reúne consenso,
apontando-se inconvenientes de diversa ordem ou, pelo contrário, vendo aí
vantagens. De facto, esta é uma questão polémica, mas não é, por isso, uma
menos valia, na realidade permite um debate de ideias, que só logra resultados
positivos, contribuindo para a evolução juscientífica do direito civil.
11
Laura Lucena/Sofia Simões de Almeida
A Parte Geral e as Partes Especiais
———————————————————————————————————
3. AS PARTES ESPECIAIS
As normas dos Direitos das Obrigações e das Coisas são tidas como uma
base normativa intermédia entre a Parte Geral e o Direito da Família e o das
Sucessões, existindo uma razão jurídica para a sequência das diversas partes do
Código Civil.
Com efeito, há normas que, previstas nas Obrigações ou nas Coisas,
regulam obrigações e relações jurídicas reais fruto ou espelho dos Direitos da
Família e das Sucessões, mas que aí carecem de regulação específica ou total,
têm aplicação subsidiária. A título de exemplo, às doações por morte a esposados,
12
Laura Lucena/Sofia Simões de Almeida
A Parte Geral e as Partes Especiais
———————————————————————————————————
feitas pelo outro esposado ou por terceiro, e a terceiro, feita por um ou ambos os
esposados, aplicam-se, subsidiariamente, o regime das obrigações em geral, dos
contratos e dos contratos de doação nos âmbitos familiar e sucessório. Por seu
turno, determinados factos jurídicos de incidência familiar e sucessória podem
traduzir-se em factos jurídicos e relações jurídicas obrigacionais e reais “não
autónomas” que, por isso, não são estruturalmente de âmbito familiar nem
sucessória, mas somente pela sua função, são as relações estruturalmente
obrigacionais. Por outro lado, constituem-se nas relações familiares a na sucessão
mortis causa obrigações relativas que serão reguladas, em ausência de disposição
especial, pelo Livro das Obrigações. O mesmo acontece com certos direitos reais
perante normas do Direito da Família e do Direito das Sucessões.
Por fim, verifica-se a existência de situações de oposição12, modificação13
e inovação14 no Direito da Família e no Direito das Sucessões sobre campos
normativos das Obrigações e das coisas semelhantes às que ocorrem com a Parte
Geral em termos de consequências.
13
Laura Lucena/Sofia Simões de Almeida
A Parte Geral e as Partes Especiais
———————————————————————————————————
solucionam conflitos e consequentes disputas de bens. Como prova destacam-se
algumas hipóteses sucessórias autónomas das relações familiares: a declaração da
herança vaga e a consequente posição do Estado como sucessor legítimo —
artigo 2133º, n.º1, alínea e).
Em suma, o fenómeno sucessório é tido como contínuo, complexo e
autónomo das exigências do modelo familiar, não se justificando qualquer
subordinação ou inferiorização do Direito das Sucessões perante o Direito da
Família.
14
Laura Lucena/Sofia Simões de Almeida
A Parte Geral e as Partes Especiais
———————————————————————————————————
CONCLUSÃO
15
Laura Lucena/Sofia Simões de Almeida
A Parte Geral e as Partes Especiais
———————————————————————————————————
BIBLIOGRAFIA
16