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RESUMO
Este artigo pretende observar o uso da História da Matemática como um recurso pedagógico. Veremos o que os PCN
(Parâmetros Curriculares Nacionais) e o PNLEM (Programa Nacional do Livro no Ensino Médio) orientam sobre
este assunto e se o livro didático intitulado “Coleção Matemática” de Luis Roberto Dante, que foi adotado nas
escolas públicas de Ensino Médio de Taguatinga, segue estas orientações.
1. INTRODUÇÃO
No Brasil, a História da matemática ganha espaço a partir de 1999, com a criação da Sociedade
Brasileira de História da Matemática (SBHMat), no III Seminário Nacional de História da
Matemática, realizado em Vitória (ES).
Sebastiani (1999) nos faz perceber que, “no ensino, a matemática ainda continua revestida de
verdades absolutas, universais e atemporais”. Segundo ele
A maioria dos matemáticos e educadores concordam que a história da matemática deve estar
presente em sala de aula. No entanto surgem dúvidas quando se analisa qual a melhor forma de
utilizar este recurso.
Os autores Miguel e Miorim (2005) não acreditam que exista
“uma única História da Matemática da qual se possa fazer uso e abuso e que
devesse ser recortada e inserida homeopaticamente no ensino. Eles entendem
que histórias podem e devem constituir pontos de referência para a
problematização pedagógica da cultura escolar e, mais particularmente, da
cultura matemática e da educação matemática escolar, desde que sejam
devidamente constituídas com fins explicitamente pedagógicos e organicamente
articulados com as demais variáveis que intervêm no processo de ensino-
aprendizagem escolar da matemática”.
Deve-se mostrar aos alunos a importância de cada conteúdo aprendido e que tais conteúdos não
surgiram à toa. “Por trás de cada informação dada com tanta simplicidade em sala de aula
existem as lágrimas, as aventuras e a coragem dos cientistas” (Cury, 2003).
Para muitos autores, utilizar-se da História da Matemática é um fator motivador e que despertaria
o interesse dos alunos pela matemática. Entretanto não podemos ver este recurso pedagógico
apenas como um fator motivador, pois a história por si só não desperta o interesse dos alunos. Se
assim fosse, todas as aula de história seriam as mais apreciadas da escola.
Contar história não é apenas relatar um fato. Cury (2003) afirma que “para contar histórias é
necessário exercitar uma voz flutuante, teatralizada, que muda de tom durante a exposição. É
preciso produzir gestos e reações capazes de expressar o que as informações lógicas não
conseguem”.
Todavia deve-se ter o cuidado de não exaltar ou desprezar alguma figura histórica ou algum fato
histórico com o objetivo de chamar a atenção dos alunos. Observa-se também que
“fatos isolados não fazem história. Assim uma motivação mais fecunda poderá
ser despertada no aluno quando este compreende as origens dos conceitos,
problemas, demonstrações e as transformações que sofrem dando origem a
novos conceitos, teorias e leis. Ao professor caberia a tarefa de colocar a
disposição do aluno material histórico pertinente e, de posse de um material
desse tipo, o aluno poderia, então, usando sua imaginação, buscar penetrar no
espírito da época e compreender seu problema dentro daquele contexto” (Prado,
1990).
2. PCN e o PNLEM
O Ensino Médio é considerado a última e complementar etapa da Educação Básica pela LDB/96
(Lei de Diretrizes e Bases). No que se refere aos PCN, os objetivos do Ensino Médio em cada
área do conhecimento devem envolver, de forma combinada, o desenvolvimento de
conhecimentos práticos, contextualizados, que respondam às necessidades da vida
contemporânea, e o desenvolvimento de conhecimentos mais amplos e abstratos, que
correspondam a uma cultura geral e a uma visão de mundo.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais surgem em decorrência da necessidade de se atualizar o
ensino, buscando acompanhar a evolução tecnológica e social ocorrida nas últimas décadas.
“Exige-se que a escola possibilite aos alunos integrar-se ao mundo contemporâneo nas dimensões
fundamentais da cidadania e do trabalho” (PCN).
Para seguir estas e outras recomendações dos PCN, o governo federal implantou em 2004 o
Programa Nacional do Livro do Ensino Médio (PNLEM), que tem como objetivo analisar e
distribuir livros didáticos para os alunos do Ensino Médio público de todo o País. Este programa
é mantido pelo FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) com recursos
financeiros provenientes do Orçamento Geral da União e do Programa de Melhoria e Expansão
do Ensino Médio (PROMED). Como este artigo pretende abordar a História da Matemática
veremos agora o que os PCN recomendam.
“Coleção Matemática”, este é o nome do livro escolhido pelas 9 escolas de Ensino Médio que
compoem a Regional de Taguatinga no Distrito Federal, entre as 11 opções que o governo federal
colocou à disposição das escolas públicas de Ensino Médio de todo o país. O autor é Luiz
Roberto Dante e é composto por 3 volumes.
A seguir será feita uma análise do livro com o objetivo de destacar e observar se ele está de
acordo com o que diz os PCN e com o PNLEM no que se refere à História da Matemática.
O livro é elaborado de forma tradicional, cada capítulo iniciando com uma breve introdução
seguida de definições, gráficos, tabelas, aplicações, e outros. As atividades propostas aos alunos
são apresentadas como exercícios resolvidos ou exercícios propostos. Este último é composto por
exercícios de fixação, porém a maior parte deles envolve situações problema que abordam as
mais diversas áreas do conhecimento. Muitos também são questões retiradas de provas de
vestibulares de todo o país e do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio).
Ao fazer a introdução de cada capítulo, o autor procura usar os mais diversos assuntos como,
economia, estatística, física, geografia, biologia e vários tipos de situações problema. Ele também
coloca, em quase todas as páginas, um pequeno retângulo intitulado “para refletir” onde constam
informações ou questionamentos para despertar a atenção do aluno ou simplesmente destacar
idéias. Cada capítulo traz ainda alguns textos adicionais que são distribuídos em seções como:
leitura optativa, leitura ou curiosidades.
No que se refere à História da Matemática, encontramos vários textos que aparecem na seção
“Leitura”. Contudo, esta seção é sempre colocada nas últimas páginas de cada capítulo e não
consta no sumário. Os textos que ali se encontram são geralmente curtos, mas interessantes e
sempre pertinentes ao assunto que foi abordado no capítulo.
O livro é composto por três volumes, cada um correspondendo a uma série do Ensino Médio.
Será feita agora uma análise detalhada de cada volume separadamente.
Este volume é composto por dez capítulos que tratam dos seguintes assuntos: conjuntos;
conjuntos numéricos; funções; função afim; função quadrática; função modular; noções de
geometria plana; progressões; matemática financeira e trigonometria no triângulo retângulo.
No capítulo que trata das Progressões, encontramos um maior número de referências, bem
utilizadas, à História da Matemática. A primeira delas mostra o método que o matemático Gauss
utilizou para resolver um problema em sala de aula quando tinha aproximadamente 7 ou 8 anos.
Na verdade, o procedimento utilizado por ele vale como termo geral para construir a fórmula da
soma dos n termos de uma Progressão Aritmética finita. Desta maneira o autor consegue ensinar
um conteúdo utilizando a História da Matemática e com isto mostra aos alunos como desenvolver
a capacidade de usar a Matemática na interpretação e intervenção no real.
Na conclusão do tema sobre a soma dos n termos de uma progressão geométrica, encontramos na
seção “Curiosidade” uma lenda envolvendo a invenção do jogo de xadrez. Este pequeno texto
serve apenas para mostrar uma aplicação da soma de PA.
Para encerrar este capítulo, o autor explica a “Seqüência de Fibonacci”, do matemático Leonardo
de Pisa, cujo apelido era Fibonacci e no final menciona o número 1,618 que é considerado pelos
gregos como o ‘número de ouro’. Entretanto observa-se duas situações que poderiam gerar
questionamento entre os alunos. São elas: por que este matemático tinha o apelido de Fibonacci?
Por que os gregos chamavam o número 1,618 de ‘número de ouro’?
Nesse volume os assuntos são distribuídos em treze capítulos. São eles: trigonometria; conceitos
trigonométricos básicos; seno, cosseno, e tangente na circunferência trigonométrica; as funções
trigonométricas; relações, equações e inequações trigonométricas; transformações
trigonométricas; função exponencial; logaritmo e funções logarítmicas; geometria espacial – uma
introdução intuitiva; áreas: medidas de superfícies; estudo das matrizes determinantes; sistemas
lineares.
Os dois textos descritos acima, que destacam a trigonometria, enquadram-se no que dizem os
PCN, ou seja, “compreender a construção do conhecimento matemático como um processo
histórico, em estreita relação com as condições sociais, políticas e econômicas de uma
determinada época, de modo a permitir a aquisição de uma visão crítica da ciência em constante
construção sem dogmatismos ou certezas definidas”.
O volume 2 traz ainda mais quatro referências à História da Matemática. A primeira delas é usada
para introduzir o capítulo 4 que aborda as funções trigonométricas. Entretanto não passa de uma
breve menção do tratado funcional da trigonometria e da curva do seno. Mais adiante,
encontramos outros dois textos. Um fala de logaritmos e o outro de geometria. O que eles têm em
comum é a maneira como são apresentados, ou seja, são escritos de forma clara, mas sucinta e
estão de acordo com os PCN no que se refere à “compreensão do desenvolvimento histórico da
tecnologia associada a campos diversos da matemática, reconhecendo sua presença e implicações
no mundo cotidiano, nas relações sociais de cada época, nas transformações e na criação de novas
necessidades nas condições de vida”.
No capítulo 12 encontramos a última referência à História da Matemática desse volume. O autor
apresenta um texto que se inicia da seguinte forma: “Durante a leitura deste capítulo, você se
deparou com vários nomes de matemáticos que contribuíram para a teoria dos determinantes.
Vamos aprender um pouco mais sobre eles...”. No decorrer do texto é apresentada aos alunos
uma breve biografia de 7 matemáticos. Esta é a única citação desta coleção que fala
especificamente sobre os matemáticos.
Por fim, temos o Volume 3 que é constituído também por dez capítulos. São eles: geometria
analítica, ponto e reta; geometria analítica, circunferência; geometria analítica, secção cônicas;
análise combinatória; probabilidade; poliedros, prismas e pirâmides; corpos redondos, cilindros,
cone e esfera; estatística; números complexos; polinômios e equações algébricas.
Encontram-se seis textos que fazem referência à História da Matemática. Serão destacados dois
deles. O primeiro trata dos números complexos, desta vez um pouco mais longa e
aprofundadamente que os demais. Fala sobre a história dos números complexos, desde o seu
início, quando apareceram as primeiras raízes quadradas de um número negativo no século I,
passando pela disputa entre os matemáticos Cardano e Tartaglia, até culminar com o último
degrau dessas descobertas reconhecendo os números complexos como um par ordenado de
números reais, em 1837, pelo matemático Hamilton.
O segundo texto que se destaca neste volume seria o que trata de “Platão e seus Poliedros”. Por
meio dele pode-se saber um pouco mais sobre a vida deste grande filósofo. Mais adiante
encontra-se uma parte original da obra chamada “Timaeus”, em que Platão relaciona algumas
figuras geométrica com a terra, o fogo, o ar e a água.
Os textos acima citados atendem aos PCN no que se refere à compreensão das ciências como
construções humanas, e de seu desenvolvimento por acumulação, continuidade ou ruptura de
paradigmas, relacionando o progresso científico com a transformação da sociedade.
5. CONCLUSÃO
Utilizar a História da Matemática como um recurso pedagógico não é uma tarefa fácil, pois exige
que se conheça muito sobre este assunto, pois, conforme Mendes (2001), “é importante que o
professor conheça profundamente o tópico histórico que deseja apresentar aos alunos, para que
possa segurar as discussões provocadas por eles, no ato da realização das atividades. A falta de
esclarecimento acerca do conteúdo histórico pode prejudicar o desenvolvimento das atividades e
conseqüentemente não atenderá aos objetivos previstos”.
Outro problema que observa-se é o fato do autor utilizar palavras que são desconhecidas dos
alunos, termos técnicos que são geralmente usados no curso de graduação como, por exemplo, as
palavras axioma e ciência dedutiva. Neste caso caberá ao professor propor uma consulta ao
dicionário em sala de aula.
A maneira como os textos aparecem no livro que analisamos não possibilita ao professor utiliza-
lo de forma a fazerem parte do processo de ensino. Eles surgem no final de cada capítulo e apesar
de estarem de acordo com o assunto do capítulo, não possuem relação direta com ele. Ganham
destaque apenas sob um caráter meramente ilustrativo e informativo.
Como observação positiva podemos citar o momento em que o autor ensina a soma de PA
utilizando um fato histórico. Desta forma, a História da Matemática participa do processo de
aprendizagem. Em contrapartida, acredita-se que esta situação poderia ser mais bem explorada
pelo autor, ou seja, seria, por exemplo, uma boa oportunidade para continuar a falar sobre quem
realmente formulou a soma de PA. O texto, da maneira como foi apresentado, poderia gerar
questionamentos do tipo: foi o próprio Gauss ou foi outro matemático que formulou a soma de
PA? Ou ainda, a soma de PA já existia e ele a utilizou por acaso?
A história da Matemática pode e deve ser abordada de diferentes maneiras pelos educadores. Não
há regra, uma receita pronta para que isto ocorra. Cada professor deve usar este recurso em
momento oportuno. Talvez para introduzir um novo conceito, ou no decorrer da aula mencionar
fatos da vida de um matemático. Uma outra sugestão seria organizar com os alunos, em acordo
com outras disciplinas, uma peça de teatro que relate um acontecimento histórico matemático.
Enfim, caberá ao professor utilizar-se deste recurso pedagógico da maneira que melhor lhe
convier.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS